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Revista da Faculdade de Medicina de Teresópolis – Vol. 3 | N.

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REVISTA DA FACULDADE DE MEDICINA DE TERESÓPOLIS
v. 5, n.1, (2021) | ISSN 2358-9485
Artigo Científico

Foco e Escopo
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SUMÁRIO

EDITORIAL 3

COMA MIXEDEMATOSO: RELATO DE CASO 4

INTERMAÇÃO POR ATIVIDADE FÍSICA E HEPATITE FULMINANTE: UM RELATO DE CASO 15

GENITÁLIA AMBÍGUA: DESAFIOS E POSSIBILIDADES 22

IMPORTÂNCIA DO DIAGNÓSTICO PRECOCE EM CASOS DE FÍSTULA TRAQUEO-ESOFÁGICA

TRAUMÁTICAS: UMA REVISÃO DE LITERATURA 35

AS ABORDAGENS TERAPEUTICAS DA MARCHA EQUINA EM PACIENTES PEDIÁTRICOS COM

PARALISIA CEREBRAL ESPÁSTICA 42

ATUALIZAÇÃO NO RASTREIO DE CROMOSSOMOPATIAS 52

COVID-19 E TROMBOEMBOLISMO PULMONAR 62

GENITÁLIA AMBÍGUA: DESAFIOS E POSSIBILIDADES 68

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EDITORIAL
EM TEMPOS DE PANDEMIA

O momento é o mais propício para se rever este tema, estamos vivendo uma pande-
mia, onde os milagres não surgem, as ideias na maioria das vezes cheias de boa vontade não
se mostram efetivas e a busca por soluções fáceis e simples não mostram resultados, criando
uma torcida aguerrida como num clássico de futebol, onde tudo de errado e ilegal é creditado
ao adversário. Alguns defensores de coisas simples, porém, não-efetivas, se tornam ídolos,
com direito a fã-clube e tietagem explícita. Como o número de casos e óbitos cresce em ve-
locidade galopante, essas ideias e esses ídolos, surgem assumindo um papel divino, aten-
dendo a um clamor por resultados rápidos.
Porém, o momento é mais forte, intenso e sem trégua. Exigindo atitudes baseadas
em experiências documentadas, então é a hora da ciência, tão aclamada por uns e negada
por outros. Neste momento é hora dos estudos duplo cegos, randomizados, prospectivos e
multicêntricos de preferência confirmados por novos estudos se a urgência do tempo assim o
permitir, sem nos esquecer dos compromissos éticos com a pesquisa ou com o uso compas-
sivo de drogas sem critérios sólidos. A ciência nada nega, muda de convicções a cada nova
rodada de experimentos, se adéqua a novas formas, dosagens, vias de administração, enfim
tudo que possa ser comprovado. Estamos em buscas de evidências sólidas no mais alto grau,
não de opiniões ou observações sem um desenho científico. Alguns perguntarão e a autono-
mia médica e respondo, como sempre está fundamentada no limite da ciência que a com-
prova, a medicina é uma arte científica e estruturada, não se permite a arroubos de ¨eu acho¨
ou ¨eu acredito¨, que podem ter consequências nefastas como muitos casos reportados nes-
tes tempos de pandemia.
Medicamentos, vacinas, cuidados ou procedimentos devem todas essas possibilida-
des, para todas as formas de tratamento passar pelo crivo severo e ético da ciência. A Medi-
cina Baseada em Evidências, nunca foi tão necessária para validação de condutas na área
da saúde, sendo ainda mais necessário todos nos adequarmos a ética no respeito às vidas
de todos que são acometidos por quaisquer males.

Manoel Pombo
Editor-chefe

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COMA MIXEDEMATOSO: RELATO DE CASO


MYXEDEMA COMA: A CASE REPORT

Bruno Grillo Monteiro1; Walney Ramos de Sousa2

Descritores: Mixedema;Emergência, Doença de Hashimoto.


Keywords: Myxedema; emergency, Hashimoto Disease.

RESUMO

Introdução: O coma mixedematoso é uma complicação grave e rara do hipotireoidismo, no qual, o paciente
perde a capacidade da homeostasia.A suspeição diagnóstica atende principalmente a três critérios: (1) intolerância
ao frio; (2) alteração da consciência; e (3) um fator precipitante, sendo geralmente um quadro de infecção do trato
respiratório. O diagnóstico é confirmado, com exame laboratorial evidenciando aumento de Hormônio Estimu-
lante da Tireoide (TSH) e diminuição de tiroxina (T4) e triiodotironina (T3).Objetivos: Relatar um caso de coma
mixedematoso acompanhadono serviço de clínica médica do HCTCO e proceder a uma revisão bibliográfica sobre
o assunto. Métodos:O relato do caso foi colhido através de entrevista com a paciente e a discussão foi realizada
por meio de pesquisa em banco de dados eletrônicos como PubMd, BVS, Google Acadêmico e UpToDate.
Descrição do caso:Paciente admitida num hospital geral com síndrome edemigênica a esclarecer. A investigação
clínica e laboratorial concluiu por hipotireoidismo primário por Tireoidite de Hashimoto não diagnosticado que
evoluiu para coma mixedamtoso. A paciente foi tratada com medidas de suporte e levotiroxina oral, tendo evolu-
ção satisfatória. Conclusões:ocoma mixedematoso é uma emergência endocrinológica rara, sendo o seudianóstico
e tratamento precoce definitivo para um prognóstico favorável. O caso apresentado e sua evolução apresentaram-
se como o descrito na revisão bibliográfica relalizada.

ABSTRACT

Introduction: Myxedema coma is a serious and rare complication of hypothyroidism, in which the patient loses
the capacity for homeostasis. A diagnostic suspicion meets mainly three criteria: (1) cold intolerance; (2) alteration
of consciousness; and (3) a precipitating factor, usually a respiratory tract infection. In addition, the patient may
present other symptoms consistent with thyroid hormone deficiency. The diagnosis is confirmed with laboratory
tests evidencing an increase in Thyroid Stimulating Hormone (TSH) and a decrease in thyroxine (T4) and triio-
dothyronine (T3). Objectives: to present a case of myxedema coma in the internal medicine service of HCTCO
and to review the subject. Methods: The case report was collected through an interview with the patient and a
discussion of the work was done through electronic database searches such as PubMed, BVS, Google Scholar and
UpToDate. Case description: Patient admitted to a general hospital with an edemigenic syndrome. A clinical and
laboratory investigation diagnosed primary hypothyroidism due undiagnosed Hashimoto's thyroiditis that evolved
to myxedema coma. The patient was treated with support and oral levothyroxine, with satisfactory evolution.
Conclusions: Myxedema coma is a rare endocrinological disease, with requires prompt diagnosis and treatment
for a favorable prognosis. The presented case and its evolution were typical, as described in the literature review.

1. INTRODUÇÃO
Mixedematoso, nomenclatura adotada até o
presente1.
A primeira descrição do coma mixedema- O coma mixedematoso é uma manifestação-
toso ocorreu no ano de 1879, sendo feita por exacerbadae rara do hipotireoidismo. Mani-
William Ord, em um hospital em Londres. Mas, festa-se principalmenteemcasos de hipotireoi-
somente em 1953 o médico Vincent Summers dismo primário (cerca de 85-95%), tendo a eti-
1 nominou e conceituou esse agravo de Coma

1. Discente do Curso de Medicina do Centro Universitário Serra dos Órgãos - UNIFESO. 2. Professor do
Curso de Graduação de Medicina do Centro Universitário Serra dos Órgãos - UNIFESO

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ologia autoimune com a principal causa no Bra- nese presencial, da coleta de dados do prontuá-
sil. Afeta cercade 0,22/milhões de pessoas ao rio e de fotografias, da paciente relatada no
ano, entretanto esses dados são possivelmente caso. Além disso, procedemos a uma revisão bi-
subestimados devido ao não diagnóstico correto bliográfica na área de endocrinologia nacional
e a conturbação na definição dessa patologia. e internacional utilizando como palavras cha-
Esta patologia acomete principalmente mulhe- ves:mixedema, emergência, doença de hashi-
res, sendo em 80% dos casos a partir da sétima moto, consultando as plataformas online Pub-
década de vida A sua maior incidência em mu- Med, Google acadêmico, BVS e UptoDate, se-
lheres, numa proporção que chega a ser de oito lecionando 17artigos dos 411 publicados nos
para um, quando comparado ao sexo masculino, últimos anos, assim como literatura impressa
pode ser relacionado a maior incidência de hi- como tratados de clínica médica e de endocri-
potireoidismo no sexo feminino.Outro fator im- nologia.O trabalho foi submetido ao comitê de
portante é a sazonalidade da ocorrência do ética em novembro de 2017,aprovado na Plata-
coma mixedematoso, que temsua maior inci- forma Brasil no dia 31 de janeiro de 2018, fo-
dência no período do inverno, sendo justificado ramrespeitadas todas as normas e sigilos previs-
pelo fato do frio ser um dos fatores desencade- tos, mantendo a confidencialidade da paciente
ante deste quadro clínico 1-7. relatada.
O coma mixedamatoso trata-se de uma
emergência clínica, e por isso deve ser diagnos- 4. RELATO DE CASO
ticada e tratada o mais rápido possível, com o
intuito de aumentar a sobrevida do paciente. Mulher, 57 anos, negra, divorciada, técnica
Atualmente, a taxa de mortalidade nos pacien- de enfermagem aposentada por invalidez (se-
tes tratados corretamente, gira em torno de 20- quela de atropelamento), residente no municí-
25%, graças a melhor abordagem terapêutica. pio de Teresópolis. Foi internada no Hospital
Visto que, em um passado recente esta taxa já das Clínicas de Teresópolis Constantino Ottavi-
esteve entre 60%, notamos que houve uma me- ano (HCTCO), com diagnóstico inicial de sín-
lhora na forma como a doença vem sendoabor- drome edemigênica a esclarecer. Relatava que
dada 1,5,7,8. a cerca de três meses apresentou um quadro gri-
Utilizar o nome coma mixedematoso, a pri- pal, no qual fez uso de medicamentos sintomá-
ori, é um equívoco, pois a maior parte dos paci- ticos por conta própria, tendo obtido melhora do
entes não se encontram em coma. Os critérios quadro. No entanto, um mês após resolução
clínicos diagnósticos consistem na tríade:(1) al- deste quadro a paciente notou um aumento gra-
teração do nível de consciência; (2) hipotermia; dual do volume abdominal, juntamente com
e (3) um fator precipitante, sendo o principal edema de face, principalmente periorbitário, si-
uma infecção (cerca de 52% dos casos). Com tuações não tão significativas ao ponto que a fi-
base neste quadro o paciente já deve ser tratado, zesse procurar a emergência médica.Junta-
antes mesmo que o diagnóstico seja confirmado mente com o quadro edemigênico, a paciente se
pelos exames laboratoriais 1,2,4-6,8-10. incomodava com perda volumosa de cabelos e
2. Objetivos fios mais frágeis (figura 1 e 2) ao ponto de uti-
O objetivo primário é relatar o caso de uma lizar diariamente uma touca. Relatava ainda que
síndrome edemigênica a esclarecer, cuja inves- sua voz estava progressivamente mais grossa -
tigação concluiu por hipotireoidismo primário “parecia voz de homem”. Comentava que vinha
por Tireoidite de Hashimoto não diagnosticado sentindo mais frio do que seu habitual, estando
que evoluiu para coma mixedematoso, tratado sempre mais agasalhada do que as outras pes-
com medidas de suporte e levotiroxina oral, soas. Além de ter notado edema de membros in-
tendo evolução satisfatória.O objetivo secundá- feriores.
rio é uma revisão bibliográfica sobre o tema: Passado mais um mês o quadro se agravou,
Coma mixedematoso. pois, além do progressivo aumento do volume
abdominal e do edema facial (figura 3), notou
3. METODOLOGIA gradual dificuldade respiratória com intolerân-
cia ao decúbito lateral direito, que melhorava
Os conteúdos científicos utilizados para pro- quando se posicionava em decúbito lateral es-
dução deste trabalho, foram extraídos da anam- querdo. Neste momento, preocupada com esses

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sintomas, procurou a Unidade de Pronto Aten- que a paciente encontrava-se com rebaixamento
dimento (UPA), sendo transferida para o de consciência, pouco interativa com examina-
HCTCO e admitida no dia 15 de agosto de dor, se mantendo dispneica à macronebulização
2017. com 5l/min de oxigênio, mantendo-se com mo-
Na história patológica pregressa negava ser nitorização constante da frequência cardíaca e
hipertensa, diabética e fazer uso regular de saturação periférica de oxigênio. A temperatura
qualquer medicaçãode forma contínua. Afir- aferida da paciente variava entre 35-36 °
mava que háquinze anos sofrera um infarto No exame da cabeça e pescoço pacientea-
agudo do miocárdio. Na história social refere de presentavaedema importante de face (principal-
tabagismo há 40 anos, com uma carga tabágica mente periorbitário), madarose, perda impor-
de 40 maços/anos. tante capilar e fios frágeis.
No exame físicodescrito no prontuário no
primeiro dia de sua internação está registrado

Foto 1 e 2: Demonstrando a rarefação de cabelo da paciente.

Foto 3: Demonstrndo edema periorbitário e madarose.

Na palpação da tireoide não se encontrava Na ausculta cardíaca encontrava-se o ritmo


bócio, nem nódulos. cardíaco regular, em dois tempos, com bulhas

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hipofonéticas. Frequência cardíaca de 52 bati- A paciente se encontrava interagindo com o


mentos por minuto. O delta de pressão em 24 examinador, se mantendo eupneica em ar ambi-
horas de 80x50mmHg - 90x50mmHg. ente. Queixando-se apenas da falta de cabelo,
Ao exame de tórax obtinha-se uma ausculta madarose e rouquidão. Ao exame físico a paci-
abolida em hemitórax esquerdo e hemitórax di- ente apresentava importante diminuição do
reito com murmúrio vesicular presente apenas edema de face e periorbitário. Sua ausculta pul-
nos dois terços superiores, sem ruídos adventí- monar mostrava diminuição do murmúrio vesi-
cios. cular em bases pulmonares.
O abdome se encontrava globoso,peristalse O abdômen apresentava peristalse fisioló-
diminuída, ascítico com sinal do Piparote posi- gica e discreta ascite. Os membros inferiores
tivo, indolor a palpação superficial e profunda. não se encontravam edemaciados. O reflexo pa-
Os membros inferiores se encontravam com telar se encontrava normal.
pulsos pedioso presentes, panturrilhas sem si-
nais de empastamento, porém com edema de
duas cruzes em quatro, sem cacifo. Reflexo pa-
telar lentificado.
Os exames laboratoriais revelavam hepato-
grama, ureia e creatinina normais; TSH supe-
rior a 50 µUI/ml (valor de referência: 0,34 a
5,50 µUI/ml) e T4 livre inferior a 0,40 ng/dl
(valor de referência: 0,54 até 1,48 ng/dl).A ul-
trassonografia do abdômen revelou ascite mo-
derada, sem evidência de lesões hepáticas. A ul-
trassonografia das vias urinárias não evidenci-
ava alterações. Já no ecocardiograma transtorá-
cico, foi evidenciado um derrame pericárdio
leve, sem sinais de restrição diastólica, com fra-
ção de ejeção de 75%. A radiografia de tórax
evidenciava um derrame pleural que ocupava
2/3 do hemitórax esquerdo, juntamente com um
derrame pleural direito de 1/3 em base inferior
(figura 4). As dosagens do TSH e de T4livre fo-
ram repetidas e seus valores confirmados, oca-
sião em que foi também dosado anti-TPO com
resultado de 46,83 UI/ml (valor de referência:
<5,61).
Ante a história clínica, exame físico e os re-
sultados dos exames complementares e diag-
nósticos, foi possível afirmar o diagnóstico de
hipotireoidismo por Tireoidite de Hashimoto,
com manifestação de coma mixedematoso.
O plano de Cuidados consistiu em trata-
mento de suporte clínico, com macronebuliza-
ção de oxigênio 5L/min, uso de cobertores para
auxiliar na regulação da temperatura, e trata-
mento específico como reposição de hormônio
tireoidiano – levotiroxina50µgpor via oral. A
paciente foi submetida a uma toracostomia es-
querda (figura 5) para toracocentese objeti-
vando melhorar o padrão respiratório, e à uma
paracentese abdominal de alívio.
Após um mês e meio de tratamento já era
possível notar uma melhora clínica do quadro.

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Sendo assim a paciente recebeu alta hospita- para o acompanhamento ambulatorial com
lar por decisão médica, com encaminhamento endocrinologista.

Figuras 4 e 5: Teleradiografia de tórax em PA mostrando derrame pleural direito e esquerdo; Teleradiografia de


tórax em PA mostrando a drenagem do derrame pleural pela toracostomia, respectivamente.

5. DISCUSSÃO iodo) 1,2,7. No caso relatado, a paciente so-


mente foi diagnosticada com hipotireoidismo
5.1. Epidemiologia: com a manifestação mais grave, o coma mixe-
O coma mixedematoso é uma emergência dematoso, tendo em vista, que a maioria do di-
endócrina rara, podendo ocorrer em pessoas agnóstico de hipotireoidismo se dá quando
com hipotireoidismo primário ou central, não ainda está na fase subclínica da doença por
tratados. Sendo essa patologia a máximaexpres- meio de consultas de rotina, abrir o quadro
sãodo hipotireoidismo, no qual a quantidade de dessa forma, no século XXI, não é usual.
hormônios tireoidianos circulantes não é capaz
de efetuar a homeostase basal. A denominação 5.3. Fisiopatologia:
coma não é adequada, pois a grande maioria dos A cronicidade do hipotireoidismo faz com
pacientes não se encontram em estado coma- que ocorram algumas adaptações no organismo,
toso, mas sim com algum grau de alteração do para que a homeostase se mantenha, ainda que
estado mental. Assim como as doenças tireoidi- no seu estado basal, através de redução do con-
anas, a crise mixedematosa é uma condição sumo de oxigênio e vasocontrição periférica.
mais comum em mulheres do que em homens, Além disso, há uma diminuição expressiva no
estão em uma proporção de 4-8 mulheres para número de receptores beta adrenérgicos, ocasi-
um homem. É uma condição de alta letalidade, onando uma discrepância entre a quantidade de
pelo fato de que nos pacientes adequadamente receptores beta em relação aos receptores alfa,
tratados a mortalidade, ainda assim, gira em culminando em redução do volume sanguíneo
torno de 20-25%1,4,11,12. total e hipertensão diastólica1,2,4,10.
No entanto, a ocorrência de algum fator, de-
5.2. Etiologia: nominado precipitante, na qual altere a homeos-
O hipotireoidismo primário é responsável tase corporal e exija mais do organismo do pa-
por 95% dos casos de coma mixedematoso. ciente enfermo, retira o equilíbrio homeostático
Sendo que, a principal causa dessa patologia de adaptativo e culmina no estado de coma mixe-
base é autoimune (nos países sem deficiência de dematoso. Esses fatores precipitantes, princi-

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palmente são: infecções respiratórias e uriná- tidade de enzimas e proteínas contrateis, regu-
rias, insuficiência cardíaca, infarto agudo do ladas principalmente pelo hormônio tri-iodoti-
miocárdio e/ou acidente vascular encefá- ronina; no sistema renal a concentração diminu-
lico1,2,6,10. ída da bomba de sódio e potássio reduz a reab-
Existem alguns fatores que são considerados sorção de sódio, levando a quadros de hipona-
tanto causa quanto consequência do coma mi- tremia importante; no sistema gastrointestinal a
xedematoso, sendo eles a hipercalemia, hipogli- deficiência na contratilidade muscular atua len-
cemia, hiponatremia, hipercapnia e hipoxemia. tificando a motilidade intestinal 4,6.
Alguns outros fatores precipitantes menos fre-
quentes incluem trauma, abdome aguda, es- 5.4. Manifestações Clínicas:
tresse cirúrgico. Quando o paciente se encontra As manifestações clínicas do Coma Mixede-
internado no hospital, certas medicações utili- matoso são diversas, afetando praticamente to-
zadas podem facilitar a precipitação do quadro, dos os sistemas do corpo humano, isso ocorre,
como o uso de opioides, anestésicos, sedativos, pois, os receptores para os hormônios tireoidia-
drogas cardíacas como a amiodarona (a qual nos estão presentes na maioria dos teci-
tem na sua composição iodo, um dos precurso- dos6,8,14.
res do hormônio tireoidiano)1,2,6,10. Tipicamente, o coma mixedematoso se ma-
Um caso interessante descrito na literatura nifesta como uma tríade clínica, composta por
atual, por Chu M, foi a de pacientes asiáticos alteração do nível de consciência, alteração da
que consumiam (geralmente cru) frequente- termorregulação e ocorrência de um fator pre-
mente, durante vários anos, uma espécie de re- cipitante. Divergindo do que o nome sugere, ge-
polho roxo, denominado bok choy, verdura ca- ralmente o paciente não se encontra em estado
paz de inibir a captação de iodo e a síntese dos comatoso, mas sim comalgum grau de deterio-
hormônios tireoidianos, através dos produtos de ração do estado de consciência podendo estar
degradação do glucosinulato presente neste ali- prostado, letárgico, confuso ou mesmo em
mento13. coma6,8,14.
No entanto os dois principais fatores preci- Sobre a desregulação do centro termorregu-
pitantes são infecções e abandono do trata- latório, notamos a hipotermia comoa apresenta-
mento de hipotireoidismo.1,2,6,10. ção mais frequente, no entanto, em pacientes
No caso relatado, a paciente informouque que possuem focos infecciosos e que se espera-
cerca de três meses antes do aparecimento do ria um aumento da temperatura, podemos nós
quadro de coma mixedematoso ela apresentou deparar com uma temperatura normal. Outro fa-
um quadro gripal quefoi tratado sintomatica- tor complicadoré que a grande maioria dos ter-
mente em casa, sem auxílio médico. Este qua- mômetros não são fabricados para aferirem bai-
dro infecciosopodeter sido start para a deflagra- xas temperaturas, mas sim para indicarem um
ção da doença, visto que infecção é considerado quadro febril, fato que dificulta a confirmação
o principal fator precipitante. da temperatura correta do paciente, nessa situa-
Dessa maneira quando o organismo do paci- ção6,8,14.
ente não consegui compensar a queda dos ní- O fator precipitante geralmente encontrado
veis hormonal algumas alterações são notadas, nos casos de coma mixedematoso é um evento
como: no sistema nervoso, os níveis reduzidos infeccioso prévio, seguido de não tratamento
de oxigênio, glicose e hormônios tireoidianos, correto do hipotireoidismo 6,8,14.
podem levar o paciente ao estado comatoso; no Na paciente relatada, encontramos a tríade
sistema cardiovascular, notamos que há um dé- clínica perfeitamente. Visto que ela se encon-
bito cardíaco diminuído, por conta da bradicar- trava prostrada, com temperatura aferida de 35
dia, inotropismo reduzido e volume plasmático graus Celsius (menor possível no termômetro
diminuído causado por um aumento da perme- utilizado) e acabara de sair de um quadro infec-
abilidade capilar (fator também relacionado a cioso.
perda de líquido para o terceiro espaço); no sis- Além dessa tríade mais frequente, outros ór-
tema respiratório a principal alteração é o con- gãos também sofrem com o hipotireoidismo se-
trole respiratório reduzido, pois a contratilidade vero, iremos relatar as alterações por sistema.
muscular está diminuída devido a menor quan- Iniciando pelo próprio mixedema, no qual
ocorre pelo acumulo de mucupolissacarídeos e

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água no interstício. Esse fato leva a um edema um importante derrame pleura, associado à as-
mucinoso principalmente em face na região pe- cite que restringiam sua complacência pulmo-
riorbitária, além de ser encontrado em membros nar.
inferiores. Juntamente com o edema, quando fa- A disfunção renal no coma mixedematoso se
zemos a ectoscopia somos capazes de observar caracteriza por uma disfunção da taxa de filtra-
a escassez de cabelo, a madarose e a pele seca e ção glomerular e do fluxo renal. Em alguns ca-
áspera 1,6,10,14. A paciente a qual acompanha- sos o fator causal da insuficiência renal aguda é
mos se encontrava com mixedema importante uma rabdomiólise causada por uma miopatia
de face e membros inferiores, além de perda im- pelo hipotireoidismo. Com o funcionamento re-
portante capilar. nal prejudicado ocorre uma incompetência na
As manifestações cardiovasculares são de reabsorção do sódio nos túbulos renais e conse-
suma importância, pois o paciente em coma mi- quentemente uma dificuldade de excreção de
xedematoso está sujeito a arritmias e ao choque, água livre, provocando uma manifestação
situações que podem ser fatais. Além disso, há muito comum no coma mixedematoso que é
uma deficiência da contratilidade e do ritmo uma queda nos níveis de sódio (hiponatremia).
cardíaco, levando a uma diminuição da pressão Sendo esta capaz de levar o paciente ao coma e
diastólica principalmente e uma bradicardia, até mesmo à morte 1,4,6,10,14. Contextuali-
respectivamente. Podemos encontrar uma redu- zando com o caso, a paciente possuía um nível
ção do inotropismo cardíaco, que é uma conse- de sódio de 132, abaixo da taxa de normalidade.
quência da dilataçãoventricular e do derrame No sistema gastrointestinal, as principais
pericárdico, sendo este último capaz de promo- manifestações são peristaltismo lentificado e
ver um tamponamento cardíaco que poderia atonia gástrica, principal emente. Manifesta-
também levar ao choque cardiogênico. O in- ções essas relacionadas a disfunção da contra-
farto agudo do miocárdio pode ser considerado ção da musculatura lisa por alterações neuropá-
tanto uma causa como uma consequência do ticas, infiltração de mucupolissacarídeo le-
coma mixedematoso, sendo este comumente vando a edema muscular. Juntamente com uma
encontrado nos pacientes. Todos esses achados motilidade gastrointestinal diminuída ocorre
podem ser encontrados no eletrocardiograma uma deficiência de absorção dos nutrientes pela
através dos seguintes achados: alargamento do mucosa intestinal. O acumulo de líquido no pe-
QT, baixa voltagem, bloqueio de ramo e supra- ritônio, ascite, pode ser encontrado 1,4,6,10,14.
desnivelamento do seguimento ST 1,6,9,10,14. Notamos que no caso relatado havia a presença
No caso relatado, encontramos quea paciente de ascite importante, comprovada através do ul-
encontrava-se com bradicardia se mantendo em trassom abdominal total, assim como tam-
uma média de 52 bpm, juntamente com hipo- bémde peristalse diminuída.
tensão com uma pressão sistólica máxima de A insuficiência adrenal deve ser sempre sus-
90mmHg. Além disso o ecocardiograma trans- peitada quando for diagnosticado coma mixe-
torácico da paciente constatava um derrame pe- dematoso, apesar dela só ocorrer em 5-10% dos
ricárdico leve e disfunção diastólica grau I. casos. No entanto, essa disfunção da glândula
No aparelho respiratório ocorre uma hipo- adrenal pode ser tanto por consequência do hi-
ventilação decorrente de uma disfunção do cen- potireoidismo ou por uma associação de uma
tro respiratório, na qual não responde a altas ta- patologia no eixo desse sistema endócrino. Essa
xas de bicarbonato nem a níveis baixos de oxi- desregulação hormonal da adrenal pode se ma-
gênio. Outro fator importante é a restrição a nifestar com hiponatremia, hipotensão e hipo-
passagem de ar devido ao edema de cordas vo- glicemia 1,4,6,10,14. Não foi pesquisado na pa-
cais e língua (macroglossia). O derrame pleural ciente essa alteração.
pode estar presente no paciente que, quando as- Hematologicamente há uma tendência de
sociado a ascite, restringem a complacência hemorragias, causada por redução de alguns fa-
pulmonar e diminui o drive respiratório ade- tores de coagulação (V, VII, VIII, IX e X), situ-
quado 1,4,6,10,14. A paciente do caso relatado ação que contrapõem a do hipotireoidismo
apresentava um desconforto respiratório impor- leve1,6.
tante, mantendo-se dispneica mesmo com ma-
cronebulização de oxigênio a 5L/min. Além de

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5.5. Diagnóstico: Uma sugestão diagnóstica proposta por Gea-


A suspeita diagnóstica de coma mixedema- nina Popoveniuc et al. é um quadro de scoring
toso deve surgir quando encontramos um paci- diagnóstico (vide quadro 1), na qual foi reali-
ente com a tríade diagnóstica de alteração do ní- zado baseado em 21 pacientes diagnosticados
vel da consciência, hipotermia e relato de um com coma mixedematoso. Esse quadro leva em
fator precipitante nos últimos tempos, junta- consideração as principais manifestações su-
mente com um exame físico que revelará outras gestivas de coma mixedematoso, anexando
características. Geralmente o paciente já possui pontuação de acordo prevalência desse sintoma.
um diagnóstico prévio de hipotireoidismo, po- No entanto, apesar desse scoring ser muito útil
dendo ter havido abandono do uso da levotiro- na prática clínica, existe uma limitação devido
xina, ou na vigência de um fator precipitante ao número baixo de pacientes que utilizaram
não ter sido feito o ajuste de dose da levotiro- para construí-lo9,10. O quadro encontra-se
xina2,8,10 abaixo dividido em duas páginas.
Um fato curioso e raro do caso relatado é
que a paciente não possuía diagnóstico prévio
de hipotireoidismo, tendo o seu diagnóstico-
feito com a manifestação mais exacerbada, o
coma mixedematoso.

Quadro 1*
Scoring Diagnóstico para Coma Mixedematoso segundo Geanina Popoveniuc et al9.
Obs: o quadro continua na próxima página

Disfunção termorregulatória Disfunção Cardiovascular

>35 0 Bradicardia

32-35 10 Ausente 0

<32 20 50-59 10

Alteração no sistema nervo central 40-49 20

Ausente 0 <40 30

Alterações no eletrocardiograma ( Qt
Sonolência/lethargia 10 10
alargado, baixa voltagem, etc).

Prostração 15 Derrame pleural/pericárdico 10

Estupor 20 Edema pulmonar 15

Coma 30 Cardiomegalia 15

Manifestações Gastrointestinais Hipotensão 20

Anorexia/ dor abdominal/


5 Distúrbios Metabólicos
cosntipação

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Motilidade intestinal diminuida 15 Hiponatremia 10

Íleo paralítico 20 Hipoglicemia 10

Evento precipitante Hipoxemia 10

Ausente 0 Hipercarbia 10

Presente 10 Diminuição da filtração glomerular 10

*Sendo que uma pontuação igual ou maior do que 60, indica ser altamente provável o diagnóstico de coma mi-
xedematoso; quanto a faixa de ponto se encontra entre 25-59 o paciente possui um risco provável; e uma pontu-
ação abaixo de 25 pontos o diagnóstico de coma mixedematoso se torna improvável.
FONTE: Artigo de Popoveniuc G et. Al. ref.: 9

A paciente do caso relatado, quando sub- mais ligadas a evento adversos como arritmias
metida ao scoring diagnóstico alcança uma pon- e infarto agudo do miocárdio. É preconizado
tuação de 95, sendo seu diagnóstico altamente que a reposição do hormônio tireoidiana seja in-
provável para coma mixedematoso. stituída por via parenteral, já que o paciente em
Além da clínica do paciente, exames labora- coma mixedematoso possui a absorção intesti-
toriais são necessários para confirmação di- nal prejudica1,4,6,10,14,16.
agnóstica. São necessários a dosagens de hor- A terapia hormonal mais utilizada e
mônios TSH e T4 livre, para definir se o hipotir- recomenda é a reposição isolada de Levotirox-
eoidismo apresentado é primário ou central, ina com uma dose de ataque de 200-500 mcg.
sendo que quando os níveis de TSH se encon- Em seguida, a manutenção da droga é feita com
tram elevado e T4 baixos trata-se de um hipotir- doses diárias de 50 até 100 microgramas. O
eoidismo primário. Valores de TSH normal ou tratamento enteral pode ser iniciado quando o
diminuído com T4 elevado fala a favor de causa paciente estiver se alimentando adequadamente
central 2,8,9,11. A paciente do caso relatado e com peristalse adequada. Se após 48 horas do
apresentava valores elevados de TSH junta- tratamento iniciado não houver melhora do
mente com valores ínfimos de T4, confirmando quadro, o acréscimo do hormônio tri-iodotirox-
hipotireoidismo primário. ina pode ser efetuado, em doses máximas de
25mcg quatro vezes ao dia, também por via par-
5.6. Tratamento: enteral 1,4,10,14,17.
O tratamento do coma mixedematoso deve Na paciente do casorelatado, o tratamento
ser instituído assim que a alta suspeita di- inicial foi realizado com levotiroxina nadose
agnóstica sejaconsiderada, antes mesmo que os inicialde 50µg por via oral, porque o hospital
exames laboratoriais confirmatórios estejam não dispunha de levotiroxina venosa. No en-
prontos, visto que o tratamento precoce tanto, a enferma respondeu bem ao tratamento
melhora o prognóstico do paciente. As instituído, obtendo melhoras significativas do
primeiras 48 horas são cruciais, sendo indicado seu quadro dentro de 48 horas.
queo pacienteseja tratado em unidade de terapia Além da terapia hormonal, outros cuidados
intensiva1,4,6,10,14,15. gerais devem ser estabelecidos, como o aporte
O princípio do tratamento se baseia na re- ventilatório necessário (desde macronebuliza-
posição dos hormônios tireoidianos, visto que ção até ventilação mecânica), em casos de
são a falta deste que estão levando ao quadro hipóxia/hipercapnia importante. Utilização de
clínico do paciente. Dessa maneira, pode-se cobertores e um ambiente aquecido, deve ser
lançar mão do tratamento de reposição isolada- utilizado para manter a temperatura corpórea
mente com T4, de T4 em combinação com T3, adequada, no entanto o aquecimento rápido -
ou somente com T3, sendo essas duas últimas com mantas térmicas - pode provocar vasodi-
alternativas ainda controversas, por estarem latação periférica e levar ao choque e, por isso

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deve ser evitado. Infecções devem ser pesquisa- 1. Rizzo LFL, Mana DL, Bruno OD, Wartofsky
das e tratadas, visto que elas são a principal L. Coma Mixedematoso. Medicina (B Aires).
causa precipitante do quadro1,4,6,10,14. 2017;77(4):321-8.
Geralmente, o coma mixedematoso está as- 2. Pangtey GS, Baruah U, Baruah MP, Bhagat
sociado a uma insuficiência adrenal e, por esse S. Thyroid Emergencies: New Insight into Old
motivo, deve ser estabelecido o tratamento com Problems. J Assoc Physicians India. 2017
hidrocortisona 100 mg intravenoso quatro Ago;65(8):68-76
vezes ao dia, para suprir a possível falência 3. Ono Y, Ono S, Yasunaga H, Matsui H, Fus-
dessa glândula. No entanto, antes mesmo do himi K, Tanaka Y. Clinical characteristics and
início do tratamento, o cortisol deve ser dosado outocomes of myxedema coma: Analysis of a
no sangue, e caso não se encontre alterações no national inpatient database in Japan. J Epide-
seu nível sério a terapia deve ser finalizada 1,6,10. miol. 2017 Mar;27(3):117-22.
4. Maciel LMZ, Coma mixedemato. Medicina
5.7. Prognóstico: (Ribeirao Preto. Online). 2003 Abr-Dez;36:
O prognóstico do paciente com coma mixe- 384-8.
dematoso possuímuitasvariáveis, levando em 5. Rodríguez I, Fluiters E, Pérez-Méndez LF,
consideração desde a clínica do paciente até o Luna R, Páramo C, García Mayor RV. Factors
tratamento realizado. Os principais scores prog- associated with mortality of patientes with
nósticos utilizados são o SOFA e APACHE II. myxoedema coma: prospective study in 11 ca-
O score de SOFA demonstrou que paciente com ses treated in a single institution. J Endocrinol.
tratamento inadequado de um hipotireoidismo 2004 Fev;180(2):347-50.
com diagnóstico prévio possui pior prognóstico 6. Klubo-Gwiezdzinska J, Wartofsky L.
do que aqueles pacientes que abriram o quadro Thyroid Emergencies. Med Clin N Am
de hipotireoidismo com coma mixedematoso. 2012;96: 385-403.
Aqueles pacientes com pontuação elevadas do 7. Akpalu J, Atiase Y, Yorke E, Fiscian H, Ko-
APACHE (>20) e baixos na escala de Glasgow otin-Sanwu C, Akpalu A. Challenges in the Ma-
possuem um pior prognóstico. Sobre o trata- nagement of Patient with Myxoedema coma in
mento, aqueles pacientes que necessitaram de Ghana: A Case Report. Ghana Med J 2017
doses mais baixas de terapia hormonal possuem Mar;51(1): 39-42.
um prognóstico melhor 5,6,11,18. 8. Oliveira AI, Vinha E, Carvalho-Braga D,
Dessa maneira, a paciente por ter sido seu Medina JL. Diagnóstico e Tratamento do coma
primo diagnóstico de hipotireoidismo na inter- mixedematoso. Revista Portuguesa de Endocri-
nação, possuía um melhor prognóstico, além nologia, Diabetes e Metabolismo. 2008;02: 93-
disso seu nível de consciência não era tão baixo 7.
e sua terapia não necessitou de altas doses hor- 9. Popoveniuc G, Chandra T, Sud A, Sharma
monais, contribuindo para um melhor prognós- M, Blackman MR, Burman KD et al. A Diag-
tico. nostic Scoring System for Myxedema Coma.
Endocr Pract. 2014 Ago;20(8): 808-17.
6. CONCLUSÃO 10. Up to date [homepage na internet]. Myxe-
dema coma [acesso dia 31 de outubro de 2017].
O coma mixedematoso é uma emergência Disponível em: https://www.upto-
endocrinológica rara. Deve ser suspeitada pelos date.com/contents/myxedema-coma
médicos o quanto antes para que o prognóstico 11. Mathew V, Misgar RA, Ghosh S, Mukho-
do paciente seja o melhor possível. Sendo de padhyay P, Roychowdhury P, Pandit K et al.
suma importância a forte presunção Myxedema coma: A new look into an old crisis.
diagnóstica, podendo-se, lançar mão da tabela J Thyroid Res 2011 Set; 15. Disponível em:
clínica de Score de pontos, iniciando o https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/arti-
tratamentomesmo antes do resultado do exame cles/PMC3175396/
laboratorial confirmatório, para um melhor 12. Salomo LH, Laursen AH, Reiter N, Feldt-
desfecho do quadro. Rasmussen U. Myxoedema coma: an almost
forgotten, yet still existing cause of multiorgan
failure. BMJ Case Rep 2014 Jan; 30. Disponí-
7. REFERÊNCIAS

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vel em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pub- IW, Hill PG.Hypothermic myxedema coma er-


med/24481020 roneously diagnosed as myocardial infarction
13. Chu M, Seltzer TF. Myxedema coma indu- because of increased creatine kinase MB.Clin
ced by ingestion of raw bok choy. N Engl J Med Chem. 1987 Jun;33(6):1083-4.
2010 Mai; 362: 1945-6 17. Vilar L. Endocrinologia clínica. 5a ed. Rio
14.Kwaku MP, Burman KD. Myxedema Coma. de Janeiro: Guanabara Koogan; 2013
J Intensive Care Med 2007 Ago; 22: 224-31. 18. Yamamoto T, Fukuyama J, Fujiyoshi
15. Ringel MD. Management of hypothyroi- A.Factors associated with mortality of myxe-
dism and hyperthyroidism in the intensive care dema coma: report of eight cases and literature
unit.Crit Care Clin. 2001 Jan;17(1):59-74. survey.Thyroid. 1999 Dec;9(12):1167-74.
16. Nee PA, Scane AC, Lavelle PH, Fellows

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INTERMAÇÃO POR ATIVIDADE FÍSICA E HEPA-


TITE FULMINANTE: UM RELATO DE CASO
HEAT STROKE BY PHYSICAL ACTIVITY AND FULMINATING HEPATITIS: CASE REPORT

Camilla M. Campello1, André L. M.Torres2, Leandro de O. Costa3


1
Acadêmica do curso de medicina do UNIFESO- Centro Universitário Serra dos Órgãos. camillacampello@hotmail.com; 2 Profes-
sor do curso de medicina do UNIFESO- Centro universitário Serra dos Órgãos.3 Professor do curso de medicina do UNIFESO- Centro
universitário Serra dos Órgãos.

RESUMO:

Introdução: A intermação induzida por exercício físico, acomete indivíduos expostos a exercícios intensos e/ou
de longa duração, em condições climáticas de temperatura elevada associada à alta umidade do ar. É uma condição
potencialmente fatal, que pode levar o indivíduo a desenvolver rabdomiólise, com consequente insuficiência de
múltiplos órgãos, com destaque para a hepatite fulminante.Objetivo: Relatar os danos causados pela intermação
induzida por exercício físico, com destaque para o sistema hepático. E analisar suas consequências e as possibili-
dades de exames complementares e abordagem terapêutica. Métodos: Foi realizada análise do prontuário do pa-
ciente e anamnese. Foramutilizados dezesseteartigos, sendo um em espanhol, 10 em inglês e 6 em português de
1997 até 2017, coletados nos sistemas BVS, PUBMED, MEDLINE e LILACS usando os descritores “Insuficiên-
cia Hepática Aguda”, “Rabdomiólise”, “Intermação induzida por exercício”, e todos relatavam os efeitos causados
pela intermação induzida por exercício físico no organismo. Com aprovação no CEP (CAAE:
32861420.2.0000.5247). Conclusão: Devido àinespecificidade de sinais e sintomas e pela sua relativa raridade
em casos de intermação desenvolvida por atividade física intensa, especialmente em indivíduos não capacitados
para tal atividade, a rabdomiólise desenvolvida pode ser fatal caso não seja reconhecida a tempo. Então, após o
relato de caso apresentado e análise dos artigos selecionados para o presente estudo, observou-se que o maior
objetivo terapêutico é reconhecer e tratar as complicações tão cedo quanto possíveis.
Descritores: Insuficiência Hepática Aguda, Rabdomiólise, Intermação induzida por exercício.

ABSTRACT:

Introduction: The elevation of temperature in the human body induced by physical exercise affects individuals
exposed to intense and / or long-term exercise in high temperature climatic conditions associated with high air
humidity. It is a potentially fatal condition that can lead the individual to develop rhabdomyolysis, with consequent
multiple organ failure, especially fulminant hepatitis.Objective: To report the damage caused by exercise-induced
intermation, with emphasis on the hepatic system. And to analyze its consequences and the possibilities of com-
plementary exams and therapeutic approach.Methods: Analysis of the patient's medical record and anamnesis
was performed. Seventeen articles were used, one in Spanish, ten in English and six in Portuguese from 1997 to
2017, collected in the VHL, PUBMED, MEDLINE and LILACS systems using the keywords "Acute Liver Fail-
ure", "Rhabdomyolysis", "Intermutation induced by exercise”, and all reported the effects caused by the interme-
diation induced by physical exercise in the organism. Approved by CEP (CAAE: 32861420.2.0000.5247). Con-
clusion: Due to the non-specificity of signs and symptoms and their relative rarity of cases of intermediation
developed related to intense physical activity, especially to individuals not qualified for such activity, developed
rhabdomyolysis may be fatal if it not have an early diagnostic. Then, after the case report presented and analyzing
the articles selected for the present study, it was observed that the major therapeutic goal is to recognize and treat
complications as soon as possible.
Keywords: Acute Hepatic Impairment, Rhabdomyolysis, Intermutation induced by exercise.
INTRODUÇÃO choque térmico, leva a um dos mais graves dis-
túrbios térmicos associados à altas temperatu-
Caracterizada pela perda da termorregula- ras, podendo colocar a vida do paciente em
ção, a intermação ou insolação ou, também,

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risco, devido à sérios comprometimentos sistê- O golpe térmico envolve inicialmente a pro-
micos1. dução e a liberação de interleucinas (IL-1,IL-6),
A intermação induzida por exercício físico, e o aumento sistêmico de endotoxinas advindas
acomete geralmente indivíduos jovens e hígi- do intestino, devido à maior permeabilidade da
dos expostos a exercícios intensos e/ou de longa mucosa intestinal. Culminando com a ativação
duração, em condições climáticas de tempera- excessiva de leucócitos e decélulas endoteliais,
tura elevada associada à alta umidade do ar. O e na superprodução de citoquinas anti-inflama-
indivíduo pode ser acometido de uma forma tórias e inflamatórias, levando à síndrome da
mais branda, que seria denominado de exaus- respostainflamatória sistêmica (SIRS)4.
tão, ou por uma forma grave e potencialmente Concomitantemente, ocorrem a ativação da
fatal, que é a intermação. A exaustão pelocalor coagulação ea inibição da fibrinólise, que asso-
caracteriza-se por temperatura corporal central ciado a lesão direta às células endoteliais, leva
(aferida porvia retal) entre 37º e 40°C, mas sem a formaçãode microtrombos e a ocorrência de
ocorrência de disfunção acentuada do SNC (sis- coagulação intravasculardisseminada (CID)4,5.
tema nervoso central) e que responde rapida- Este processo fisiopatológico pode resultar
menteà pronta hidratação e medidas de resfria- emarritmias cardíacas, desidratação intersticial
mento. Já a intermaçãocaracteriza-se pela ele- e intracelular, hipovolemia intravascular, dis-
vação da temperatura corporal centralacima de função do sistema nervosocentral (SNC), elimi-
40°C, associada à disfunção de vários órgãos, nação de tecido necrosado da mucosagastroin-
principalmente do SNC, incluindo delírio, con- testinal, oligúria e coagulopatias.
vulsões e até coma, em virtudede quadro de in- A hipoperfusão tecidual pode resultar em
flamação sistêmica 2,3. acidose metabólica e desequilíbrio hidroeletro-
Seu mecanismo fisiopatológico compreende lítico. No caso de excesso desolutos, como só-
uma elevação da temperatura corpórea, maior dio e cloreto, a perda de água pode ocasionardé-
que sua capacidade de dissipação. O que resulta ficit de água livre, hipernatremia grave e au-
em uma interação complexa de alterações fisio- mento acentuado do hematócrito. As anormali-
lógicas agudas associadas à hipertermia (au- dades eletrolíticas e de pHpodem provocar
mento das necessidades metabólicas, insufici- edema cerebral e morte6.Os principais sistemas
ência circulatória e hipóxia), em lesão térmica afetados são o cardiopulmonar, hepático, renal,
tissular direta e respostas inflamatórias e de co- gastrointestinal (GI), nervoso e músculo esque-
agulação. A manutenção dessa condição clínica lético3,6.
e das respostascompensatórias levam a vasodi-
latação excessiva e hipotensão, congestão pas- OBJETIVOS
siva, hipovolemia relativa, diminuição daperfu-
são dos órgãos, isquemia e hipóxia1. Primário: Compreender os mecanismos fi-
A hipotensão aumenta a susceptibilidade ao siopatológicos causados pela intermação indu-
choque térmico, levar à depleção de volume e à zida por exercícios intensos e/ou de longa dura-
tentativa do corpo de manter o estado normo- ção.
tenso, irrigandomenos a pele, o que resulta em Secundário: Analisar as possíveis conse-
menos dissipação de calor eaumento mais rá- quências causadas pela patologia citada e as
pido da temperatura corporal. Consequente- possibilidades de exames complementares e
mente, há alteração na microcirculação e con- abordagem terapêutica.
sequentelesão no endotélio vascular, caracteri-
zada por danos diretos à membrana celular, des- MÉTODOS
naturação das proteínas celulares e perda da ati-
vidade enzimática (resultantes do desvio ina- As informações contidas neste trabalho fo-
propriado de sangue em consequência da hipo- ram obtidas por meio de revisão em prontuário
tensão, diminuição do aporte de oxigênioe aci- devidamente obtido no hospital, para a obten-
dose lática). A função mitocondrial se torna ção de informações relevantes sobre o caso, en-
comprometida, há necrose e morte celular em trevista com o paciente e com seus familiares e
diversos tecidos do organismo, dando origem à revisão literária. Foi obtido termo de assenti-
disfunção múltipla de órgãos1,2,4. mento livre e esclarecido do paciente e carta de
anuência da instituição responsável pelo caso.

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Além disso, foi pesquisado o descritor “Insufi- Foi decidido pela sua transferência para o RJ
ciência Hepática Aguda”, “Rabdomiólise”, “In- através de UTI móvel e em 23/03/2015; o paci-
termação induzida por exercício” no sistema ente evoluiu com quadro de insuficiência hepá-
BVS e apareceram mais de 3.000 resultados. tica grave e insuficiência renal aguda e foi sub-
Também foram utilizados os mesmos descrito- metido à hemodiálise, como consequência da
res em outros bancos de dados como PUBMED, rabdomiólise.
MEDLINE e LILACS. Assim, diversos artigos Ocorreu elevação abrupta de transaminases
foram analisados escolhendo os que melhor se hepáticas (TGO: 12.000 U/L / TGP: 9.000
correlacionavam com o tema proposto, os mais U/L). Nos dias seguintes apresentou uma me-
atuais e de maior grau de confiabilidade. Foram lhora hemodinâmica com diminuição progres-
utilizados dezesseteartigos, sendo um em espa- siva do uso de aminas vasoativas e da disfunção
nhol, 10 em inglês e 6 em português a partir de hepática. Além disso, após pico subfebril, foi
1997. O presente projeto foi submetido na pla- iniciado antibióticoterapia e droga antifúngica
taforma brasil e aceito no Comitê de Ética e profilática (meropenem + vancomicina + poli-
Pesquisa (CEP), sob o número do Certificado mixina B + fluconazol).
de Apresentação de Apreciação de Ética Em seguida, foi avaliado pela equipe do PET
(CAAE): 32861420.2.0000.5247. e enquadrado dentro do critério de urgência
para transplante hepático, apresentando na ava-
RELATO DE CASO liação coagulopatia (INR 3,5), hiperbilirrubine-
mia (bilirrubina total: 19,5 mg/dl), suspeita de
Paciente de 23 anos, masculino, branco, ca- encefalopatia (com dificuldade de avaliação
sado, empresário e residente no RJ. Nega co- pois ao retirar a sedação o paciente não acor-
morbidades, tabagismo e uso de drogas ilícitas. dou) e etiologia desfavorável. Foram realizadas
Relata cirurgias ortopédicas por acidente moto- também tomografias computadorizadas de crâ-
ciclístico há cerca de sete anos. nio (sem alterações significativas), de tórax evi-
Segundo informações colhidas com o paci- denciando derrame pleural bilateral volumoso e
ente, em 18/03/2015 ao participar de um cam- vidro fosco no parênquima pulmonar, e de ab-
peonato de motocross em 2015, apresentou, no dome evidenciando ascite de pequeno volume e
momento da competição, rebaixamento do ní- lesão no baço subcapsular.
vel de consciência, seguido de coma. Após ava- Em 26/03/2015, evolui com piora da troca
liação clínica foi levado para o hospital de refe- gasosa e da função hepática (INR 5,1; Bilirru-
rência em Belo Horizonte - MG. Na unidade, bina total: 20,9 mg/dl). Neste dia foi encontrado
foi admitido com suspeita de acidente vascular possível doador de 16 anos com VDRL rea-
cerebral, mas, horas depois, foi diagnosticado gente e demais sorologias negativas e relato de
com rabdomiólise com dosagem sérica de CPK vários parceiros. Mesmo diante dos riscos apre-
(creatinofosfoquinase) de 70.000 U/L. Evolu- sentados pelo doador (janela para sorologias), a
indo com insuficiência renal aguda, distúrbios família do receptor concordou com o trans-
da coagulação e SARA (síndrome da angustia plante, devido à gravidade do quadro.
respiratória aguda). Então, necessitou de su- Em 26/03/2015 foi realizado o transplante
porte ventilatório (ventilação superficial), uso hepático. No pós-operatório imediato, o paci-
de drogas inotrópicas para manter a pressão ar- ente apresentou melhora do padrão ventilatório
terial, hemodiálise, entre outros procedimentos. após paracentese abdominal de alivio com dre-
Após 3 dias, evolui para insuficiência hepática nagem de cerca de 3 litros de liquido ascítico,
aguda, ou hepatite fulminante, por provável apresentava aponeurose abdominal semiaberta,
desnaturação enzimática. fechando apenas a pele, devido à grande quan-
Neste momento, foi feito contato com a tidade de edema de alça e da parede. E ainda,
equipe de PET (Programa Estadual de Trans- permanecia em uso de noradrenalina e pro-
plantes) do Rio de Janeiro sobre a condição do pofol. Apresentava um lactato de 5,4 mg/dl na
paciente. Considerando a evolução do quadro, gasometria de sangue arterial, permanecia icté-
foi diagnosticado que o paciente necessitava de rico (++++/+4), mal distribuído (anasarca), hi-
um transplante hepático de urgência. A equipe pocorado (++/4+) e com dreno em hipocôndrio
médica considerava o prognóstico sombrio de- direito com saída de secreção sero-hemática.
vido ao quadro gravíssimo e apresentava resis- Aos exames laboratoriais, evolui com melhora
tência à indicação de transplante hepático.

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da coagulopatia (INR 1,7) e da plaquetopenia. troca de calor com o ambiente depende do gra-
Porém permanecia com função pulmonar des- diente detemperatura e umidade, à medida que
favorável e com piora evolutiva do derrame a temperatura do ambiente ea umidade aumen-
pleural bilateral tam, a eficácia na transferência de calor é redu-
Em 28/03/2015, mesmo com melhora da zida).Além da hipertermia e da disfunção
função renal (INR 1,5; Bilirrubina total: 11,0 doSNC (desde alterações sutis como comporta-
mg/dl), seguia com piora da função pulmonar mento inapropriadoaté delírio ou coma), os pa-
(relação PaO2 / FiO2: 97 mmHg) e queda da cientes com intermação por exercíciopodem
série vermelha. Evoluiu com crise convulsiva, apresentar distúrbios hidroeletrolíticos inclu-
iniciando uso de hidantal. Recebeu concentrado indo alcaloserespiratória e acidose lática e alte-
de plaquetas devido a plaquetopenia severa e rações em sistemas hepático, renais e muscula-
estava em uso de nitroprussiato de sódio devido res, que é secundária à isquemia tecidual que
a hipertensão arterial severa e persistente. ocorre devido a hipoperfusão que afeta o corpo.
No dia seguinte (29/03/2015), ocorreu me- Hipoglicemia é rara, mas pode ocorrerem casos
lhora significativa com enxerto funcionante que evoluam para falência hepática. Após o res-
(INR 1,2; Bilirrubina total: 4,0; TGO/TGP E friamentoé comum a instalação de hiperfosfate-
PCR em queda). Houve melhora da troca pul- mia, hipocalcemia, hipercalemiae até rabdo-
monar e balanço hídrico negativando. O que miólise7,12.
ainda preocupava era o quadro neurológico. O nome rabdomiólise vem da palavra rabdo-
Já no dia 30/03/2015, foi realizado o fecha- mio, que significa músculo esquelético, e lise,
mento da parede abdominal, sem intercorrên- que significa quebra ou ruptura. Esta síndrome
cias. Iniciou o desmame da sedação, apresen- é caracterizada principalmente por danos na
tava-se com melhora significativa da função musculatura esquelética resultando em extrava-
pulmonar (relação PaO2 / FiO2: 365 mmHg) e samento do conteúdo celular, como: mioglo-
da coagulopatia (INR>1,1), mas continuava bina, potássio, fosfato, enzimas, entre outros. A
mantendo plaquetopenia (plaquetas: apresentação clínica é frequentemente sutil, a
17.000/mm³) e hipertensão arterial ainda neces- tríade clínica clássica de mialgias, fraqueza
sitando do uso de nitroprussiato de sódio para muscular e o escurecimento da urina, o que é
controle da pressão arterial. observado em menos de 50% dos casos, sendo
No 01/04/2015, apresentou abertura ocular necessário um elevado índice de suspeita diag-
ao chamado, mas sem interação com o exami- nóstica. Outros sinais como hipersensibilidade,
nador e seguia em uso de nitroprussiato de só- rigidez, contusões ou escoriações e contraturas
dio. Em 03/04/2015, foi extubado, sem inter- musculares, além da presença de sintomas sis-
corrências e no dia 05/04/2015, foi iniciada a têmicos como mal-estar geral, náuseas, vômi-
dieta de prova com sucesso. tos, febre, palpitações, agitação, delírio, confu-
Em 07/4/2015, recebeu nova transfusão san- são e diminuição do débito urinário, também
guínea e em 08/4/2015 ocorreu o retorno pro- podem ser encontrados na história clínica. No
gressivo da diurese e foi iniciado o desmame de entanto, alguns pacientes podem ser assintomá-
anti-hipertensivos e demais medicações. Já em ticos, sendo o diagnóstico estabelecido com
11/04/2015, realizou sua última seção de hemo- base apenas em dados laboratoriais 8,13.
diálise. Em 20/04/2015, após melhora evolu- A rabdomiólise foi descobertadurantea Se-
tiva, recebeu alta hospitalar, sem necessidade gunda Guerra Mundial em 1941, por Bywaters
de nova hospitalização até o momento. Segue e Beall, em um evento denominado The blitz of
em acompanhamento ambulatorial e, atual- London. Nesse episódio várias casas foram
mente, leva vida normal ao lado de sua esposa bombardeadas, gerando muitas mortes por de-
e demais familiares e ensaiando sua volta para sabamento. Fato semelhante ocorrido com sol-
o motocross. dados, queimadosem trincheiras, que posterior-
mente levariam àsua identificação naqueles que
DISCUSSÃO sobreviveram8,9.
Uma variedade de condições e doenças po-
Sabe-se que a intermação causada por exer- dem levar à esta síndrome, entre elas, a pratica
cício muscular de alta intensidade, ocorre de atividade física severa, o que pode aumentar
quando o calor produzido pelo corpo é maior do muito a probabilidade de seu aparecimento.
que a capacidade do organismo de dissipa-lo (a

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Além disso, estudos recentes, demonstraram Em suma, as complicações mais graves da


que a associação com a utilização de alguns ti- intermação compreendem a síndrome de dis-
pos de suplementos alimentares, que é um com- função de múltiplos órgãos, como alterações
portamento comum reportado por praticantes em SNC, rabdomiólise, insuficiência renal
de atividade física, o que aumenta ainda mais o aguda, síndrome da angústiarespiratória aguda,
risco do aparecimento desta patologia8. lesão miocárdica, arritmias, lesão hepatocelu-
Seu diagnóstico se baseia, em grande parte, lar, isquemia ou infarto intestinal, lesão pan-
na presença de elevados níveis plasmáticos e creática e complicaçõeshemorrágicas, especial-
urinários da creatinafosfoquinase (CPK) e de mente coagulação vascular disseminada, com
mioglobina. A CPK é considerada dentro da plaquetopenia evidente, não sendo incomum a
normalidade com níveis plasmáticos de até 170 evoluçãopara o óbito. O acometimento de múl-
UI/l, e é considerada com elevado risco quando tiplos órgãos e tecidos resultade inter-relação
a sua concentração à nível plasmático ultra- complexa dos efeitos citotóxicos do calor eda
passa a faixa de 500 UI/l. Já valores maiores do ativação da resposta inflamatória e da cascata
que 5.000 UI/l estão associados com um maior de coagulaçãodo paciente 1,13.
risco para insuficiência renal. Outros marcado- Em destaque ao sistema hepatopoiético, a le-
res laboratoriais que auxiliam no diagnóstico são direta no endotélio vascular ativa a agrega-
são aselevações nastransaminases glutâmicopi- ção plaquetária, ativando a cascata de coagula-
rúvica (TGP), transaminase oxaloacética ção e a formação de microtrombos. Associado
(TGO) e lactato desidrogenase (LDH), potás- a este processo, a hemoconcentração devido ao
sio, ácido úrico, fosfato, creatinina, uréia, aldo- estado de desidratação, aumenta a viscosidade
lase, prolongamento dos tempos de protrom- sanguínea, provocando estase sanguínea, con-
bina e tromboplastina parcial, diminuição das tribuindo ainda mais para a agregação plaque-
plaquetas e do cálcio e acidose metabólica 8,13. tária, proporcionando um consumo exacerbado
Sabe-se também que a pratica de exercício de plaquetas e fatores de coagulação, evoluindo
físico é uma forma de estresse fisiológico, para CID 4,5.
dando origem à síndrome de adaptação geral, Além deste consumo de plaquetas supraci-
que é dividida em: 1) estresse; 2) alarme; 3) tado, decorrente do quadro de CID, um estudo
adaptação e 4) platô. O exercício gera uma fase relatou o desenvolvimento de trombocitopenia
inicial que simula uma reação inflamatória em imunomediada (TIM) nos dias subsequentes ao
resposta ao dano tecidual e produção de espé- diagnóstico. Acredita-se que ocorra um dese-
cies reativas de oxigênio (EROs). Ou seja, caso quilíbrio no sistema imune ou a alteração na su-
ocorra um desequilíbrio entre a relação estí- perfície das plaquetas devido ao calor, predis-
mulo-repouso, como durante a prática exces- pondo a formação de anticorpos antiplaquetá-
siva de exercícios extenuantes ou durante ses- rios. Acredita-se também que, após a perda da
sões agudas, o organismo pode apresentar ris- termorregulação, a trombocitopenia seja agra-
cos à saúde8,10,11. vada pelo fato dos megacariócitos presentes na
O extravasamento das enzimas indicadoras medula óssea serem extremamente sensíveis à
de dano tecidual (CK, LDH, TGO, TGP e GGT) elevadas temperaturas corporais14.
parece estar relacionado com a depleção dos es- Em relação ao sistema hepático, evidência
toques intracelulares de glutationa (GSH). A de lesão hepatocelular em graus variáveis estão
glutationa é um tripeptídeo formado pelos ami- presentes em todos os pacientes com interma-
noácidos: glicina, ácido glutâmico e cisteína. A ção e, geralmente, se manifesta pela elevação
cisteína é responsável pela maior parte de suas das aminotransferases. O pico das aminotrans-
propriedades bioquímicas. Seu principal sítio ferases e LDH ocorre tipicamente em torno do
de produção é o fígado. Como já descrito, a ati- 3º ou 4º dia após a hipertermia e, dependendo
vidade física extenuante é capaz de produzir es- da extensão da lesão hepatocelular, pode se
pécies reativas de oxigênio (EROs), colabora acompanhar de elevação da fosfatase alcalina,
com o extravasamento destas enzimas para o bilirrubinas e prolongamento do tempo da pro-
plasma pelo mecanismo de peroxidação lipídica trombina. Estima-se que 5% dos pacientes com
das membranas celulares12. intermação desenvolvem falência hepática
aguda, condição associada à elevada morbimor-
talidade 12.

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A própria hipertermia é considerada o prin- Além disso, grave hipercalemiapode ocorrer


cipal fator patogênico para lesão hepática. Po- secundário ao colapso muscular, causandoarrit-
rém, outros mecanismos também estão associa- mias cardíacas. Hipocalcemia é outra complica-
dos: a) vasodilatação cutânea induzida pelo ca- ção que pode ser potencializada pela liberação
lor leva à redistribuição do sangue da área es- degrandes quantidades de fosfato. Síndrome
plâncnica para a pele e consequente isquemia compartimental pode ser uma complicação, re-
hepática; b) aumento das necessidades extra- sultando principalmente da injúria muscular di-
hepáticas de oxigênio devido à hipertermia le- reta ou da intensa atividade física. O atraso de
vando à hipóxia relativa no tecido hepático; c) mais de seis horas no diagnósticopode ocasio-
alterações secundárias à coagulação intravascu- nar irreversível dano muscular ou morte17.
lar disseminada; d) sepse e endotoxemia. Os
achados histopatológicos no tecido hepático CONCLUSÃO
nos quadros de intermação compreendem: ne-
crose hepatocelular nas zonas três e/ou dois do Após a realização do presente trabalho, se
ácino hepático, congestão, esteatose microvesi- conclui que a intermação causada por extenu-
cular, hiperplasia regenerativa do parênquima ante pratica de exercício muscular, sobretudo
remanescente 12,17. em indivíduos não treinados, ocorre quando há
As complicações geradas pela rabdomiólise um desequilíbrio entra a produção de calor e a
podem ser classificadas em precoces e tardias, capacidade de dissipa-lo pelo corpo humano.
isto é, antes e após 12 horas do início da doença. Este evento leva a complicações sistêmicas que
Na precoce, estão incluídos elevação da CPK, acometem, especialmente, os sistemas hepá-
hipercalemia, hipocalcemia, inflamação hepá- tico, renais e musculares, que é secundária à is-
tica, arritmia cardíaca e parada cardíaca. Já as quemia tecidual causada pela hipoperfusão que
tardias, incluem: insuficiência renal aguda, afeta o corpo, evento denominado por rabdo-
CIVD e síndrome compartimental15. miólise.
Então, o maior objetivo terapêutico é reco- A rabdomiólise é caracterizada, principal-
nhecere tratar as complicações tão cedo quanto mente, por danos na musculatura esquelética re-
possíveis, particularmente, a perda da função sultando em extravasamento de mioglobina,
renal e as anormalidadeseletrolíticas15,16. A in- potássio, fosfato, enzimas, entre outros. E seus
suficiência renal aguda mioglobinúrica é a com- primeiros sinais e sintomas podem incluir mial-
plicação mais grave e está associada à alta mor- gias, fraqueza muscular e o escurecimento da
bimortalidade. Ela resulta de um oumais dos se- urina. Seu diagnóstico se baseia, em grande
guintes mecanismos: hipovolemia secundáriaa parte, na elevação dos níveis plasmáticos da en-
perda de líquido pelo dano muscular (mais de zima CPK, onde considera-se risco quando a
12 litros de fluído podem ser sequestrados pelos concentração de CPK ultrapassa a faixa de 500
tecidos musculares necróticos), toxicidade dire- UI/l. E valores maiores do que 5.000 UI/l estão
tado ferro livre nos túbulos e obstrução mecâ- associados com um maior risco para insuficiên-
nica dos túbulos por mioglobina14. cia renal aguda.
A vasoconstrição renal é favorecida pela ne- Enfatizando o sistema hepatopoiético, a le-
crose muscular e pela hipovolemia, induzindoa são direta no endotélio vascular ativa a agrega-
depleção de óxido nítrico intra-renal. A deposi- ção plaquetária e a cascata de coagulação, re-
ção damioglobina tubular, que é rapidamente sultando em formação de microtrombos. Além
filtrada, é lesivae causa necrose tubular aguda. disso, também ocorre a hemoconcentração de-
Outro fator que podeaumentar a obstrução tu- vido ao estado de hipovolemia, o que leva ao
bular é a possibilidade de ocorrência de CID, o aumento da viscosidade sanguínea, provocando
que causa aumento da tromboplastina, resul- estase sanguínea, contribuindo ainda mais para
tando emmicrotrombos no glomérulo e conse- a agregação plaquetária, proporcionando um
quente diminuiçãoda taxa de filtração glomeru- consumo exacerbado de plaquetas e fatores de
lar. Geralmente é autolimitada, pode durar até coagulação, evoluindo para CID. Somado a
10 a 14 dias após a parada da liberação de mio- isto, acredita-se que ocorra a formação de anti-
globina na circulação16. corpos antiplaquetários e alterações na hemato-
poese na medula.

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Ocorre lesão hepatocelular em graus variá- Vascular Biology. V.28, p. 1130-1136,


veis nos pacientes que são acometidos pela in- 2008.
termação e, geralmente, se manifesta pela ele- 6. Ford RB, Mazzaferro EM, Hipertermia e do-
vação das aminotransferases, com pico em ença induzida pelo calor (intermação). Ma-
torno do 3º ou 4º dia após a hipertermia. Cerca nual de procedimentos veterinários e trata-
de 5% dos pacientes evoluirão falência hepática mento emergencial segundo Kirk e Bistner.
aguda. São Paulo: Ed. Roca, 2007, p. 144-145, 265-
Então, após análise dos artigos selecionados, 272.
junto ao levantamento do relato de caso para o 7. Cabello AJP, Martínez MNB, Moreno AA,
presente estudo, se observou que o maior obje- Parra FJM, Reyes FS. Fracaso hepático
tivo terapêutico é reconhecer e tratar as compli- agudo tras golpe de calor. An. Med. Interna
cações tão cedo quanto possíveis. E que a prá- (Madrid) Vol. 22, N.º 9, pp. 429-430,
tica de atividades comuns, tidas como inócuas 20058713-42
pelos pacientes, que envolvam esforços físicos 8. Uchoa RB, Fernandes CS. Rabdomiólise In-
extenuantes, sobretudo em indivíduos não trei- duzida por Exercício e Risco de Hipertermia
nados, pode ser a única pista diagnóstica no Maligna. Relato de Caso. Rev Bras Aneste-
quadro clínico. Perguntas a respeito do uso de siol 2003; 53: 1: 63 – 68
drogas lícitas e ilícitas são importantes, consi- 9. Criddle LM. Rhabdomyolysis: Pathophysio-
derando-se sua associação com a patologia. logy, recognition, and management. Crit
E, como a apresentação inicial do quadro de Care Nurse. 2003;23(6):14-32.
exaustão e o da intermação podem ser seme- 10. Fehrenbach E, Schneider ME. Traumaindu-
lhantes, se deve estar atento sobre possibilidade ced systemic inflammatory response versus
de intermação e aferir rotineiramente a tempe- exercise-induced immunomodulatory ef-
ratura retal em atletas sob risco desta patologia, fects. Sports Med. 2006;36(5):373-84.
pois é considerada uma medida de temperatura 11. Kidd PM. Glutathione: Systemic protectant
próxima à temperatura central. Esta diferencia- against oxidative and free radical damage.
ção é relevante, considerando-se a morbimorta- Altern Med Rev. 1997;2(3)155-76.
lidade associada à intermação. 12. Parolin MB, Coelho JCU, Castro GRA,
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GENITÁLIA AMBÍGUA: DESAFIOS E POSSIBILI-


DADES
AMBIGUA GENITALIA: CHALLENGES AND POSSIBILITIES

Antonio Carlos de Castro Junior¹; Ana Paula S. E. Esteves²


1
Discente do Curso de Graduação em Medicina da UNIFESO - juniorsamonte@hotmail.com
2
Docente do Curso de Graduação em Medicina da UNIFESO - anapaulaesteves@me.ufrj.br

RESUMO:

Introdução: Os transtornos de desenvolvimento sexual (DDS) definem-se como um conjunto de condições mé-
dicas congênitas coletivamente raras, com grandes desafios diagnósticos e terapêuticos, bem como problemas
psicológicos do paciente e da sua família. Estes aspectos devem ser considerados desde o início em conjunto para
a tomada de decisão terapêutica de cada criança. Objetivos: Compreender a necessidade e o momento correto de
realizar as retificações do DDS pensando principalmente nas consequências cirúrgicas e psicossociais gerado so-
bre os pais do paciente e a si próprio. Método: Estudo com abordagem retrospectiva, na forma de revisão biblio-
gráfica. Primeiramente foi realizada uma consulta aos Descritores em Ciência da Saúde para se definir as palavras-
chave e realizar a busca dos artigos, chegando-se aos descritores: “Ambiguous Genitalia” and “Surgery” and “
Sexual development disorders”. Após foi realizado uma pesquisa na plataforma Biblioteca Virtual em Saúde
(BVS) e PUBMED, com os seguintes filtros, ter a presença dos descritores, assunto principal, disponibilidade da
versão completa do artigo, últimos 5 anos. Resultados: Encontrados 156 artigos, que ao final após criteriosa
análise, foram utilizados15 artigos que abordavam a necessidade e o momento correto de realizar as retificações
do indivíduo com DDS. Conclusões: Para se compreender a necessidade e o momento da abordagem para a
mudança, compreendeu-se que não se trata apenas de uma questão cirúrgica, mas abrange o mais primordial da
vida do ser humano que é a sua autonomia. Observou-se o grande risco do egocentrismo paternal e profissional
quando transforma o protagonista da situação sua decisão e não do indivíduo.
Descritores: Genitália ambígua; Transtornos de desenvolvimento sexual; Cirurgia geral.

ABSTRACT:

Introduction: Sexual development disorders (SDDs) are defined as a set of collectively rare congenital medical
conditions, with major diagnostic and therapeutic challenges, as well as psychological problems of the patient and
his/her family. These aspects should be considered from the beginning and together for the therapeutic decision-
making of each child. Objectives: To understand the need and the correct moment to perform the corrections of
the SDD, by thinking mainly about the surgical and psychosocial consequences generated on the patient's parents
and himself. Method: Study with retrospective approach, in the form of a bibliographic review. At first, a consul-
tation was made to the Descriptors in Health Science to define the keywords and search for the articles, reaching
the descriptors: "Ambiguous Genitalia" and "Surgery" and "Sexual development disorders". After a research was
carried out in the Virtual Health Library (VHL) and PUBMED platform, with the following filters, with the pres-
ence of descriptor: main subject, availability of the full version of the article, last 5 years. Results: We’ve found
156 articles, which at the end after a careful analysis, 15 articles were used that addressed the need and the correct
time to perform the corrections of the individual with DDS. Conclusions: In order to understand the need and the
moment of the approach to move, it was understood that it is not only a surgical issue, but covers the most pri-
mordial of human life, which is its autonomy. It was observed the great risk of paternal and professional egocen-
trism when they transform the protagonist of the situation their decision and not the individual.
Keywords: Ambiguous genitalia; Sexual development disorders; General surgery.
INTRODUÇÃO problemas psicológicos do paciente e da sua fa-
mília. 1 As taxas de prevalência combinadas va-
Os transtornos do desenvolvimento sexual riam de 1:100 a 1:5.000, enquanto as taxas de
DDS são um conjunto de condições médicas indivíduos com genitália atípica secundária são
congênitas coletivamente raras, com grandes de aproximadamente 1:5000.1,2 Os distúrbios
desafios diagnósticos e terapêuticos, bem como do desenvolvimento sexual DDS condições

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congênitas associadas ao desenvolvimento Além desses cuidados outro fato importante


anormal das estruturas genitais sejam elas inter- e muito discutido em inúmeros artigos científi-
nas e / ou externas.3 Os indivíduos afetados po- cos se trata do momento em se estabelecer a in-
dem ser reconhecidos no útero, no nascimento tervenção cirúrgica e/ou a necessidade dessa in-
ou mais tarde na vida com ambiguidade da ge- tervenção. 5,6 Ativistas como Zieselman argu-
nitália externa.3 Os DDS são classificados em menta que, muitas vezes, essas cirurgias não
três categorias baseadas principalmente no ca- são realmente necessárias por motivos médicos
riótipo, especificamente 46XYDDS, e têm apenas objetivos estéticos. 6 Também
46XXDDS e cromossomo sexual DDS .3,4 . afirmam que não há evidências suficientes de
Em 2005, cerca de 50 especialistas, de 10 que, se não forem operadas quando crianças,
países, se reuniram para criação do consenso de pessoas intersexuais sofrerão problemas psico-
Chicago, que se tornou um marco na história lógicos no futuro.6 Portanto, somos confronta-
das malformações genitais. Dentre as diversas dos com um paradoxo: estabelecer uma aborda-
discussões ali estabelecidas, duas obtiveram gem cautelosa e por que as operações não são
destaques. A primeira foi em relação à termino- realmente atrasadas? O objetivo do presente es-
logia, sendo, algumas, julgada como algo pejo- tudo é explorar esse paradoxo examinando as
rativo (intersexo, pseudo-hermafroditismo, her- histórias de pais e profissionais que cuidam de
mafroditismo), genitália ambígua, por sua vez, crianças com DSD. 7
não se mostrou algo tão negativo, sendo dito um
termo preciso e com limites claros. 5 A segunda OBJETIVO
discussão relevante foi quanto ao momento ci-
rúrgico adequado.5 Objetivo primário: Compreender a necessi-
É de grande valia compreender o desenvol- dade e o momento correto de realizar as retifi-
vimento do trato reprodutivo masculino e femi- cações da DDS pensando principalmente nas
nino, que possui grande complexidade, ambos consequências cirúrgicas e psicossociais gerado
dependem tanto da ativação quanto da supres- sobre os pais do paciente e a si próprio
são de vários fatores em um padrão exato no es- Objetivos secundários:
paço e no tempo. 3 As gônadas bi potenciais ad- - Entender a escolha da forma como se refe-
quirem características morfológicas masculinas rir ao paciente com genitália DDS.
ou femininas, fato esse, que ocorre por volta da - Conhecer os principais cariótipos que de-
sexta semana de desenvolvimento embrioná- terminam a genitália ambígua.
rio.3 A gônada se diferencia em testículos sob a - Entender as técnicas cirúrgicas abordadas
influência do sexo, região determinante no cro- no indivíduo que possui genitália ambígua.
mossomo Y, o gene SRY, que codifica o fator - Aprofundar no lado psicossocial da do-
determinante dos testículos.3 A produção de ença.
testosterona pelas células de Leydig preserva os - Apresentar um olhar crítico nas decisões
ductos de Wolff, permitindo a descida dos testí- dos pais e dos especialistas.
culos para o escroto.3 Enquanto a produção de -Avaliar como se fazer o diagnóstico pre-
hormônio mulleriano (AMH), pelas células de coce do indivíduo DDS.
Sertoli causam regressão dos ductos. 3
Diante de todos esses diferentes aspectos REVISÃO TEÓRICA
anatômicos, de desenvolvimento, psicológicos
e sociais devem ser considerados desde o início Na investigação de genitália ambígua é de
a escolha de uma equipe multidisciplinar para grande importância colher uma história obsté-
atuarem em conjunto na tomada de decisão te- trica completa devem investigar qualquer expo-
rapêutica de cada criança com suas devidas par- sição pré-natal a andrógenos e desreguladores
ticularidades; a equipe tem variabilidade a de- endócrinos, como a fenitoína.3 A história gine-
pender de cada país. 5 É imperativo, que, desde cológica materna deve ser detalhada, pesqui-
o início, ambos os pais estejam envolvidos em sando, oligomenorreia ou amenorreia que pre-
todas as discussões. 5 Outro fator importante se cede a concepção, o que pode sugerir hiperpla-
trata do cuidado a como se direcionar a criança sia adrenal congênita materna ou hiperandroge-
perante os pais, tendo grande cuidado para não nemia subjacente. Uma história familiar com-
atuar de forma indelicada.5 pleta deve investigar cosanguinidade, infertili-

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dade, aborto recorrente, mortes neonatais inex- hidratação no intuito de avaliar a presença de
plicáveis e desenvolvimento puberal anormal deficiência adrenal congênita, perdedora de sal.
em parentes próximos. 3 A escala de Prader pode ser usada para descre-
Embora a história possa ser útil, a predomi- ver a aparência geral da genitália externa. A
nância da avaliação reside no exame físico, ava- avaliação laboratorial envolve uma combinação
liação laboratorial e avaliação radiológica. 3 O de testes genéticos, hormonais e eletrolíticos. 3
exame físico deve começar com uma avaliação A tabela abaixo trata-se de como deve-se dire-
de características dismórficas adicionais, inclu- cionar avalição/investigação da genitália ambí-
indo anormalidades craniofaciais e cardíacas; gua.
atenção para avaliação da pressão arterial e da

Tabela 1: Avaliação/investigação de genitais ambíguos

História História obstétrica materna


História ginecológica materna História de família
Exame físico Sinais vitais
Características dismórficas Genitália externa
Eletrólitos a. Estrutura fálica (comprimento, largura)
Glicose b. Pregas labioscrotais (fusão, agitação,
17-OHP hiperpigmentação)
DHEAS c. Localização do meato uretral.
Androtenediona d. Localização das gônadas
Testosterona e Relação AG
DHT f. Seio urogenital
FSH g. Escala de Prader
LH Avaliação laboratorial
AMH Cariótipo
Teste adicional (conforme necessário) Renina
Aldosterona Eletrólitos na urina e creatinina
Proteína na urina: creatinina Teste de estimulação ACTH
Teste de estimulação hCG Estudos de imagem
Ultrassom (abdômen, pelve, gônadas,
adrenal)
Genitograma
Fonte: Evaluation of ambiguous genitalia

O cariótipo e as causas de genitália ambígua diante dessa doença, pode ser classificado em
devem ser entendidas para melhor compreender quatro grupos: deficiências enzimáticas, anor-
tal patologia. 3,4 Diante dos artigos revisados as
variações que cada indivíduo pode apresentar

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malidades no receptor androgênico, anormali- no útero é um momento potencial para o diag-


dades no desenvolvimento da gônada e excesso nóstico de genitais ambíguos. 3 A NIPT com
de andrógenos maternos.3,4 DNA fetal livre de células (cffDNA) pode ser
a)Deficiências enzimáticas: - de origem realizada após 10 semanas de idade gestacio-
glandular (testículo e adrenal): como 46XY / 17 nal.3 O ultrassom após 12 semanas de idade ges-
β-hidroxiestiróide-desidrogénase (17 β- HSD3) tacional pode demonstrar uma discrepância en-
deficiência deficiência 4,6, XX / hiperplasia tre os cromossomos fetais e a aparência fenotí-
adrenal congênita (HAC) 46XY / deficiên- pica da genitália externa, embora seja necessá-
cia StAR 46XY / β46, XX / βdesidrogenase hi- rio observar a ambiguidade genital no ultrassom
droxisteróide (3 β- De fi ciência HSD). 4 entre 13 e 15 semanas de gestação. 3 Se a amos-
-Origens periféricas: como deficiência de tra fetal original for verificada, o cariótipo fetal
46XY / 5-alfa redutase (5-AR2) .4 deve ser confirmado com amniocentese. 3,15 Por
b)Anormalidades no receptor de androgê- fim, deve se realizar o cariótipo pós-natal para
nio: como 46XY / Síndrome de Insensibilidade confirmar o diagnóstico. 3,15
Andrógena Completa (CAIS) 46XY / Síndrome Outra forma de se fazer o diagnóstico é no
de Insensibilidade Andrógena Parcial (PAIS) .4 período neonatal. 3 A genitália ambígua pode
c)Anormalidades no desenvolvimento da apresentar uma série de achados, como mi-
gônada: como 46, XX ou 46, XX / XY ou 46, cropênis, clitoromegalia com ou sem seio uro-
XY / Ovo-testis (historicamente chamado her- genital comum, genitália externa feminina com
mafroditismo verdadeiro) 45X / 46 XY / disge- presença de massa labial ou inguinal, hipospá-
nesia gonadal mista 46XY / disgenesia gonadal dia com testículo não palpável e fusão labial
pura. 46XY / Hipoplasia de células de Ley- posterior. A escala de Prader é um guia pictó-
dig tipo 1 e 2 45X / síndrome de Turner 47XXY rico usado para descrever o grau de sub ou su-
/ Síndrome de Leydig tipo 1 e 2 45X / síndrome pervirilização da genitália externa. A razão ano-
de Turner 47XXY / Síndrome de klinefelter .4 genital é calculada medindo a distância entre o
d)Excesso de andrógenos maternos (muito ânus e o quadrilátero posterior e dividindo esse
raro) :46XX / Virilizado por tumor materno número pela distância do ânus à base da estru-
46XX / Virilizado por andrógenos exógenos. 4 tura fálica. Uma razão anogenital superior a 0,5
A avaliação genotípica comparativa a feno- é sugestiva de virilização e merece avaliação
típica pode se iniciar na vida intraútero, isso se adicional .3
deu com a crescente aceitação do teste pré-natal Tabela 2: Diagnóstico diferencial de órgãos
não invasivo (NIPT) entre gestantes de risco genitais ambíguos
médio, a discordância entre genótipo e fenótipo

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Tabela 2: Diagnóstico diferencial de órgãos genitais ambíguos

Tabela 2: Diagnóstico diferencial de órgãos genitais ambíguos


46XX DDS 46XY DDS DDS Cromossomos sexuais
CAH Sindrome de insensibilidade Síndrome de Turner (45, X)
DDS testicular Deficiência de 5-alfa-redutase variantes (47, XXY) e
Disgenesia gonadal Síndrome persistente do ducto mosaicismo
Deficiência de aromatase Mulleriano Disgenesia gonadal mista (45
Exposição ao androgênio Falha das células de Leydig , X/ 46, XY)
Deficiência enzimática da DDS quimérico (46, XX/ 46,
biossíntese de testosterona XY)
CAH
Disginesia gonadal completa
ou mista
Síndrome dos testículos em fuga
Fonte: Evaluation of ambiguous genitalia-pagina

A abordagem de “gênero ideal' para o trata- para seu bebê, antes que seus filhos possam ex-
mento de crianças pequenas com DDS, desen- pressar ou articular um gênero, porem depen-
volvida e disseminada pelo Dr. John Money em dendo da patologia de base, se pressupõe mais
meados do século 20, incluiu a suposição de facilmente a tendência do gênero da criança,
que a anatomia genital da criança deveria cor- como acontece na Hiperplasia Adrenal Congê-
responder ao seu gênero de criação para o de- nita(HAC). 3,4,8 Para alguns esse risco é acei-
senvolvimento psicossocial ideal. 4 Todavia, tável, enquanto outros podem ver essa taxa de
mais recentemente, em resposta às controvér- incongruência de gênero 5-10% como uma pre-
sias atuais em torno da genitoplastia precoce, ocupação em avançar com a cirurgia precoce.8
alguns pais optaram por criar seus filhos afeta- Além de benefícios questionáveis e dos riscos
dos sem intervenção cirúrgica precoce. 4 São elevados, os procedimentos de genitoplastia são
necessários estudos para determinar como essas frequentemente considerados desnecessários no
crianças se desenvolvem ao longo da vida para início da vida.6,8
testar se a concordância entre a aparência geni- Por fim, sabe-se que a decisão sobre a cirur-
tal e o desenvolvimento de gênero é de fato ne- gia de ambiguidade genital recaída sobre os
cessária para uma saúde psicológica positiva.8 pais é muito grande, todavia, cabe a uma equipe
Dado que a genitoplastia geralmente ocorre coletiva intervir e aconselhar. 5,9 Diante disso,
para tipificar os órgãos genitais de uma criança, um dos artigos utilizados para tal estudo reali-
o impacto dessa cirurgia provavelmente é go- zou uma abordagem muito interessante a res-
vernado em parte por suas circunstâncias soci- peito da tomada de decisão compartilhada
ais. 8 Um estigma mais alto pode estar associ- (SDM), determinando-a como um processo
ado a piores resultados, enquanto a normaliza- pelo qual paciente / familiares e prestadores de
ção e aceitação de anatomia genital diversa cuidados tomam decisões em conjunto com a
pode ser protetora.8 Os opositores podem achar saúde. 9 Nesse estudo foi formada uma equipe
que é inapropriado para um pai tentar determi- de distúrbios multidisciplinares do desenvolvi-
nar uma identidade de gênero, defendendo uma mento sexual (DDS), que desenvolverem uma
cirurgia irreversível de 'atribuição de gênero'

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ferramenta SDM para pais e pacientes com hi- grupos de defesa de direitos humanos. 9 Formu-
perplasia adrenal congênita (HAC) e atipia ge- lando um cronograma de como tomar a decisão
nital associada. Uma lista de verificação do de forma multidisciplinar.
SDM foi desenvolvida por uma equipe multi-
disciplinar com contribuições de médicos, co-
ordenadores de clínicas, pacientes com HAC e

Figura 1: Lista de verificação da tomada de decisão compartilhada da CAH

Fonte:
Utilization of a shared decision-making tool in a female infant with congenital adrenal hyperplasia and genital
ambiguity

A Parte 1 da lista de verificação inclui uma com profissionais de saúde mental com experi-
visão geral do diagnóstico e os objetivos da lista ência em distúrbios do desenvolvimento sexual.
de verificação. 9 A parte 2 inclui a verificação A Parte 6 se concentra na cirurgia.9
da nomenclatura preferida do paciente / família
quando se trata de anatomia e descrição da con- MÉTODOS
dição subjacente.9 A Parte 3 inclui uma lista de
tópicos para revisão em várias visitas e uma Estudo com abordagem quantitativa, com
avaliação de quando e quanta discussão o paci- desenho de revisão bibliográfica. Onde primei-
ente / família gostaria sobre o assunto.9 A Parte ramente foi realizada uma consulta aos Descri-
4 inclui um questionário que um paciente / fa- tores em Ciência da Saúde (DeCS) com o in-
mília deve fazer ao seu médico durante o aten- tuito de se definir as palavras-chave para a
dimento contínuo, incluindo as consequências busca dos artigos, chegando-se aos descritores:
da interrupção da medicação, como monitorar a “Ambiguous Genitalia” and “Sexual deve-
adequação do tratamento e as consequências do lopment disorders” and “Surgery”. Após a defi-
tratamento inadequado; também são fornecidas nição dos descritores foi realizada pesquisa na
informações sobre grupos de apoio e advocacia. plataforma do PUBMED encontrando 13 arti-
A parte 5 abrange uma discussão sobre imagem gos, logo, foi selecionado o filtro dos últimos 5
corporal e aborda a importância das interações anos, mostrando que nenhum dos artigos eram
mais recentes. A segunda busca feita na Biblio-
teca Virtual em Saúde (BVS) contemplou os

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descritores “Ambiguous Genitalia” and “Sur- propostos pela pesquisa; e na terceira fase rea-
gery”. Foram empregados os seguintes filtros lizou-se uma leitura analítica e interpretativa-
para melhor direcionamento do tema em ques- dos textos selecionados. Para que ao final che-
tão: (I) ter a presença dos descritores, (II) conter gasse a um resultado satisfatório para a redação
o assunto principal, (III) disponibilidade da ver- desse trabalho. A partir da Estratégia PRISMA
são completa do artigo, (IV) artigos publicados Flow Diagram para a pesquisa desta revisão um
nos últimos 5 anos. Após estabelecidos os fil- total de 156 estudos foram encontrados e destes,
tros foram encontrados 143 artigos e seleciona- 139 estudos foram excluídos por serem dupli-
dos 18 artigos. cados, ou por não ser possível o acesso ao es-
Os estudos selecionados foram lidos na ínte- tudo completo, ou por apresentar no título ou
gra a fim de serem extraídos conteúdos que res- resumo abordagem diferente do objetivo desta
pondessem ao objetivo proposto e embasassem revisão, ou ate mesmo, por discutir sobre ques-
a discussão. Foram seguidas então as seguintes tões sem interesse para a revisão.
etapas: na primeira fase realizou-se uma leitura
exploratória (título mais resumo e introdução);
na segunda fase realizou-se uma leitura eletiva
escolhendo o material que atendia aos objetivos

Figura 2: Protocolo de Pesquisa (PRISMA Flow Diagram2009):

Fonte: elaborado pelo autor.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
divíduos com distúrbios da diferenciação se-
A partir da análise quantitativa e qualitativa xual obedece a morfologia gonodal.2 Um indi-
dos artigos encontrados por meio dos descrito- víduo DDS possui tecido ovariano e testicular.
res “Ambiguous Genitalia” and “Surgery”. Um ser 46XYDDS, possui testículos, mas a
Observamos que a classificação padrão para in genitália externa e às vezes a interna assumem

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aspectos fenotípicos femininos.2 Já um indiví- produção inicial de testosterona através das cé-
duo 46XXDDS possui ovários, mas o desenvol- lulas de Leydig.3 Por volta da 16ª semana de
vimento genital apresenta características mas- gestação, o hCG placentário diminui seus níveis
culinas. 2 e a secreção de LH e fetal começa a controlar
Em 2005 foi proposto em Chicago EUA, a os andrógenos circulantes. 2,3,4
fim de minimizar os estigmas e desconforto O fator inibidor mulleriano (MIF), e o fator
dessa classificação novas terminologias, substi- like a insulina3 também são críticos ao desen-
tuindo o termo intersexo por Anomalias da Di- volvimento reprodutivo fetal. MIF é produzido
ferenciação Sexual (ADS) ou Desordens da Di- pelas células de Sertoli dos testículos fetais e
ferenciação Sexual (DDS), pseudohermafrodi- controla regressão dos ductos de Müller. Na au-
tismo masculino por 46 XY, ADS, pseudoher- sência de MIF, desenvolve útero, trompas e
mafroditismo feminino por 46 XX,ADS, e o parte superior da vagina. No entanto, na insen-
hermafroditismo verdadeiro por ADS ovotesti- sibilidade completa a andrógenos, o MIF é pro-
cular. 5 duzido normalmente pelos testículos, resul-
Os homens incompletamente masculiniza- tando em inibição de crescimento do útero e as
dos possuem sexo genético masculino XY e tes- trompas de Falópio. O fator like a insulina tam-
tículos, mas a genitália externa possui graus de bém produzido pelos testículos, controla a pri-
diferenciação de acordo com a alteração de meira fase de descida escrotal no período pós-
base. 2,3 natal, os andrógenos são MIF e produz útero e
A DDS 46XY pode se estabelecer decor- as trompas de Falópio. 3 No sexo feminino os
rente de alteração de algum desses fatores: In- androgênios de origem suprarrenais e ovariana
sensibilidade a andrógenos; Síntese anormal de provoca o desenvolvimento de pelos pubianos e
andrógenos; Ausência ou deficiência do fator axilares e no sexo masculino, engrossamento da
inibidor mulleriano (MIF):Deficiência da en- voz, aumento do falo, desenvolvimento de ca-
zima 5 a redutase. 2,3,4 belo típico masculinizado.3
A síndrome de insensibilidade a andrógenos Embora reconhecida com advento das técni-
é influenciada por: concentração intracelular de cas modernas, a insensibilidade completa a an-
andrógenos, afinidade dos mesmos aos recepto- drógenos foi relatada no século XIX que des-
res nucleares, capacidade de ligação do recep- creveu o fenótipo clínico da "feminização testi-
tor, conteúdo de receptores no núcleo, concen- cular" depois de analisar 82 casos, que incluiu
tração celular de enzimas relacionadas ao cata- um corpo feminino com o desenvolvimento pú-
bolismo e/ou síntese (5 a redutase, aromatase, bico mínimo, mamas normais, pelos axilares,
17 B hidroxiesteróide desidrogenase), adequa- genitália externa dentro dos limites da normali-
ção do lócus aceptor nuclear, adequação das dade, vagina tipicamente ausente ou rudimen-
moléculas regulatórias que controlam a leitura tar, útero ausente, presença de gônadas em
das mensagens androgênicas pela cromatina, grandes lábios, anel inguinal ou intra-abdomi-
processamento e tradução ao RNA, qualidade nal. 3
do produto genético proteico. A insensibilidade A mudança na nomenclatura de feminização
androgênica pode ser completa (feminilização testicular para insensibilidade completa a an-
testicular) ou incompleta. 2,3,4 drógenos foi motivado pela constatação de ní-
Os andrógenos são fundamentais ao desen- veis urinários de 17-cetosteroides normais, um
volvimento sexual normal e as características metabólito de androgênio, bem como pela au-
masculinas só ocorrem se os mesmos estão dis- sência de resposta ao tratamento com metil tes-
poníveis para atuar nos tecidos alvo de diferen- tosterona, sugerindo resistência androgênica ao
ciação. 3 Os androgênios são responsáveis pelo invés de deficiência. 4
desenvolvimento dos ductos de Wolff. Forma- A prevalência estimada da insensibilidade
ção do epidídimo, canais deferentes, vesículas completa a andrógenos é de um a cada 20.000
seminais, genitália externa masculina, inclu- nascidos do sexo masculino e um 1 em 99.000
indo o pênis e escroto. A produção, secreção de dos homens geneticamente alterados."2,4 Em-
testosterona e a sua conversão em di-hidrotes- bora transmitida por um gene materno ligado ao
tosterona começa no primeiro trimestre, por X, especificamente localizado na parte proxi-
volta de 7 a 8 semanas. 3 A gonadotrofina hu- mal do braço longo desse cromossomo, até
mana coriônica placentária (hCG) medeia a

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30% dos casos são resultantes de mutações es- ficiência de 5 alfa redutase: essa enzima é res-
porádicas" sendo assim não ocorre a indução ponsável pela conversão de testosterona em di-
androgênica dos dutos de Wolff e há atividade hidrotestosterona, hormônio que promove efe-
do MIF, prejudicando a formação da genitália tivamente a masculinização periférica; é uma
interna.2,3,4 A vagina é curta terminando em forma familiar e se deve a um traço autossô-
fundo cego, não há útero e trompas. Um estudo mico recessivo, caracteriza-se por hipospádias
“brasileiro propõe uma média de 2,5 a 3,0cm de perineais graves e hipodesenvolvimento da va-
comprimento vaginal”. Essa síndrome é respon- gina.3 A diferença da forma incompleta é que
sável por 10% dos casos de amenorreia. 2,3,4 O ocorre masculinização na puberdade depen-
diagnóstico requer cariótipo e exame de ima- dendo do grau de deficiência da enzima, a fun-
gem, a ressonância magnética é o padrão ouro." ção testicular é normal e há resposta a adminis-
O perfil hormonal é típico: LH alto, testosterona tração de andrógenos exógenos.3,4 Esses paci-
normal ou discretamente elevada, estradiol alto entes têm sido tratados como mulheres com cli-
(para homens) e FSH normal para elevado. A tóris hipertrofiado, no curso natural da doença.
forma completa indica que não há qualquer res- O diagnóstico pode ser feito pela relação ele-
posta androgênica, o sexo externo é feminino e vada da testosterona pela dihidrotestosterona
essas crianças devem receber tratamento de mu- plasmática. 4 O cariótipo é XY. Preconiza-se
lheres. Os testículos podem estar presentes no por um diagnóstico precoce a fim de criar esses
canal inguinal. 2,3 Os tumores gonadais são re- indivíduos como do sexo masculino, pois sem-
lativamente raros e a gonadectomia deve ser re- pre haverá algum grau de virilização. Na ausên-
alizada entre 16/18 anos, após as modificações cia de diagnóstico precoce a gonadectomia é in-
corporais da puberdade, a partir desse momento dicada antes da puberdade para evitar transfor-
deve-se instituir a reposição hormonal femi- mação maligna e a masculinização. 3,4
nina, associado a cálcio e vitamina D, quando Outras condições que podem levar a um de-
necessário bifosfonados devem ser acrescidos senvolvimento masculino alterado são: falhas
devido à densidade óssea diminuída e para de- na função testicular secretória. Como: Agenesia
senvolvimento de caracteres sexuais secundá- ou diferenciação anormal das células de Leydig
rios feminino.4 levando a resposta diminuída a LH/HCG são
A reposição hormonal feminina, associado considerados testículos resistentes a gonadotro-
ao cálcio e vitamina D, quando necessário bi- finas. 4 Síndrome da hérnia uterina que pode ser
fosfonados deve ser acrescido devido densidade causada pela falta de secreção do MIF pelas cé-
óssea diminuída e para desenvolvimento dos lulas de Sertoli, nessa condição estruturas mul-
caracteres sexuais secundários femininos. 2,3,4 lerianas geralmente incluindo trompa, útero es-
As outras formas de DDS 46 XY e diagnós- tão presentes em um saco hernitário inguinal. 4
ticos diferenciais da insensibilidade androgê- Séculos passados conceituava-se as DDS
nica completa englobam: Insensibilidade an- como "monstruosidades", revestida por misté-
drogênica incompleta: a mesma está ligada a rios e com forte teor mitológicos, associava a
um traço recessivo relacionado ao cromossomo questões religiosas e filosóficas; progressiva-
X, o quadro clínico varia desde casos de ausên- mente no século XIX esses indivíduos passaram
cia completa de virilização a casos com fenó- as ser abordados como doentes, objetos de estu-
tipo completamente masculinizados. Pode re- dos científicos e suas patologias começaram a
presentar 40% dos casos de infertilidade. 2,3,4 ser descritas e classificadas. 5,8 No início do sé-
No entanto o defeito no receptor androgênico culo XX, com o advento da anestesia, as cirur-
pode ser tão sutil que alguns dos homens afeta- gias que eram realizadas em casos de absoluta
dos são férteis.2 A determinação do sexo gené- inevitabilidade, tornaram-se um ato médico
tico pode ser um problema nos casos em que há convencional. 5,8 O momento para a cirurgia é a
genitália ambígua relacionada com resposta questão mais controversa sabendo que com
parcial do receptor. A gonadectomia deve ser base nos arts. 1° e 2° do Código de Ética Mé-
precoce caso determine o sexo feminino para dica, o médico fica autorizado a praticar cirur-
evitar aparecimento de neoplasia. 2 O perfil en- gias corretivas com vistas a melhor definir o
dócrino é idêntico a forma completa.3 O uso de sexo do paciente. 5,8 A cirurgia precoce pro-
androgênios exógenos mostra-se ineficaz.3 De- posta no passado, com a visão de trazer tudo
"voltar à normalidade" em um estágio inicial de

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desenvolvimento físico e emocional; atual- ideal para o método de dilatação deve ser alta-
mente é questionada a ponto de causar compro- mente motivado, apresente mais de 18 anos,
metimento na qualidade de vida do indivíduo se seja emocionalmente maduro e deseje evitar a
a mesma for empregada em momento inopor- cirurgia. Talvez encontrassem aqui a resposta
tuno. 8 A gravidade do defeito vaginal tem diri- para nossa falha terapêutica, sabendo que mui-
gido a escolha do procedimento.8 tas vezes o paciente envolvido não se adaptava
O objetivo da cirurgia é abrir a vagina infe- ao método dilatador até o momento. 8
rior e o procedimento escolhido depende se a A criação de neovagina no espaço retovesi-
confluência entre uretra e vagina é alta ou cal com revestimento com diferentes tipos de
baixa. Avaliação pré-operatória é essencial tecidos é descrita por outras variáveis técnicas
para determinar o tipo de vaginoplastia mais como a vaginoplastia de McIndoe-Reed, o pro-
adequada para o paciente. Porém a cirurgia pre- cedimento Davidov inicialmente descrito como
coce não é a única opção, especialmente em pa- aberto, mas cada vez mais realizado por lapa-
cientes com alta confluência do complexo vagi- roscopia; a vulvovaginoplastia inicialmente em
nal. 8 Em pacientes não operados na puberdade, 1976, essa técnica caiu em desuso geral até se-
pode ser observado um aumento do tamanho da rem modificadas em 2001; pela vaginoplastia
vagina com descida da confluência do seio uro- intestinal, esse método por via laparoscópica
genital da vagina para o períneo.8 está começando a ganhar popularidade, mas
O alargamento natural da vagina presumi- tem sido mais frequentemente feito através de
velmente ocorre no ambiente hormonal apropri- uma laparotomia. 7
ado na puberdade. 8 Os métodos de dilatação O corpo além de sua dimensão biológica, é
progressivas não operatórios incluem o qual um corpo simbólico, no sentido de que a ima-
propõe a criação de uma neovagina pela aplica- gem que cada um tem de si é construída na re-
ção de pressão progressiva no períneo ou va- lação com os adultos que ocupam a função de
gina em pacientes com agenesia vaginal, por 30 pais. 2,5 Compete deste modo, ao adulto reco-
minutos á 2 horas por dia. Tem demonstrado ser nhecer a forma de comunicação da criança, sua
uma técnica eficaz, embora o tratamento de di- demanda de amor e, não interpretar a sexuali-
latação possa levar vários meses para atingir o dade infantil com significados adultos. 2,7,5,9
resultado final. 8 A sexualidade infantil é reconhecida por
Trata-se de moldes de inserção vaginal au- Freud como estruturante, as teorias sexuais per-
mentando gradualmente de comprimento e lar- mitem que criança interprete o enigma da sua
gura para a ondulação vaginal, aplicando pres- existência, construindo através de suas fantasias
são local, e aumentando o espaço entre o re- um lugar subjetivo que lhe permite participar do
cesso vesico-retal.8 Não exibindo riscos cirúrgi- convívio parental. 2,5,9,10 Assim sendo, o conhe-
cos e anestésicos. No entanto, geralmente é um cimento que cada um tem de si é construída na
exercício consumidor de tempo, tendo vários relação com os adultos que ocupam a função de
meses para atingir um comprimento e ampli- pais. 3,10 Compete deste modo, ao adulto reco-
tude vaginal adequado. 8 O sucesso está direta- nhecer a forma de comunicação da criança, sua
mente relacionado com a compreensão do paci- demanda interpretar a sexualidade infantil com
ente, e apoio psicológico apropriado é essen- significados adultos. 9,10
cial.2,5,8 Modificaram essa técnica a partir dos A sexualidade infantil é reconhecida por
motivos que levavam ao insucesso do método Freud como estruturante, as teorias sexuais per-
anterior, incluindo a falta de motivação do pa- mitem que criança interprete o enigma da sua
ciente, imaturidade emocional, necessidade de existência, construindo através de suas fantasias
se agachar, uso da sua própria mão e dedo, e a um lugar subjetivo que lhe permite participar do
incapacidade de realizar outras atividades pro- convívio parental. 9,10 Assim sendo, o conheci-
dutivas durante as horas de pressão exigida.8 Os mento da sexualidade infantil ampliada e extra-
pacientes foram instruídos a se sentar em um genital permite o estabelecimento da relação
assento de bicicleta com dilatadores especial- com seus fundamentais, excluindo que a sexua-
mente concebidos para permitir a dilatação pro- lidade é uma condição humana biológica, ins-
gressiva pelo peso do tronco do paciente.8 tintiva e natural. 9,10 Segundo Freud, o desen-
Embora muitas vezes oferecido como tera- volvimento libidinal, oral, anal e fálica deve ser
pia de primeira linha, parece que o candidato encarado não apenas como zonas erógenas do

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corpo, mas como introdução ao psiquismo, a sentadas técnicas cirúrgicas caso haja insatisfa-
partir da relação com os pais. É preciso que a ção com a apresentação fenotípica. 11 Se a mu-
mãe faça a criança se reconhecer além de seu dança de gênero for considerada Diamond su-
corpo biológico, orgânico como um indivíduo gere que o paciente simule viver por um tempo
dotado de importância para o outro. 10,11 de acordo com o sexo almejado, na tentativa de
Na tentativa do melhor desenvolvimento da possibilitar uma adaptação e construção pro-
sexualidade e com objetivo de auxiliar o ma- gressiva de uma nova identidade de gênero e
nejo clínico dos pacientes com DDS foram cri- um novo papel social. 11, 12,13
adas duas teorias, que embora contrapostas es- Outras partes interessadas no manejo de cri-
tejam focalizadas na decisão de quando inter- anças com genitália ambígua, incluindo a Soci-
vier para a mudança de sexo, sem que haja pre- edade Norte-Americana de Ginecologistas Pe-
juízo na qualidade de vida. 2,3,7,11 diátricos e Adolescentes (NASPAG), as Socie-
Na Teoria da Neutralidade Psicossexual ao dades de Urologia Pediátrica e a Sociedade Pe-
Nascimento, defende que uma criança criada diátrica Endócrina (PES) afirmam que quando
sem ambiguidade em relação ao sexo desig- a cirurgia pode ser atrasada com segurança, é
nado, desenvolve sua identidade de gênero de ideal permitir que a criança afirme sua identi-
forma relevante. 7,8,11 Tal abordagem sugere que dade sexual e participe ativamente do processo
a designação sexual seja efetuada o mais rápido de consentimento para qualquer intervenção ir-
possível, preferencialmente antes dos 24 meses reversível. 13 Além disso, foi feito um esforço
de idade, período no qual a identidade de gê- para preservar a fertilidade, quando possível é
nero ainda seria inconstante e passível de alte- ideal permitir que a criança afirme sua identi-
ração. Após esse período qualquer modificação dade sexual e participe ativamente do processo
poderia acarretar o surgimento de Desordem de de consentimento para qualquer procedimento
Identidade de Gênero. 11,12 irreversível. 12,1
A Teoria da Tendência Interacionista após o O apoio psicológico deve ser extensivo a
nascimento, proposta por Milton Diamond toda a família, inclusive na aceitação e enfren-
julga uma predisposição ou tendência inata que tamento da criança frente à sua condição, em re-
favorece o desenvolvimento da sexualidade do lação aos pais, o apoio psicológico auxilia-os a
indivíduo em sua interação com o mundo na solidificar o gênero designado de seus filhos,
formação da identidade. Supõe-se que os indi- evitando que tenham uma percepção ambígua.
5,14
víduos não são psicossexualmente neutros ao É importante que os pais sejam consistentes
nascimento. 11 Seus adeptos criticam a aborda- com o sexo no qual a criança está sendo criada
gem nos primeiros dois anos de vida e se preo- - menino ou menina - além de serem congruen-
cupam com as repercussões clínicas da adoção tes com a escolha de brinquedos, jogos, amiza-
de condutas baseadas na proposta de Money. des e aspirações futuras. 5,14 Nesse sentido se faz
11,12
Destaca-se a necessidade de adequar a in- necessário que as informações lhes sejam trans-
formação ao momento do desenvolvimento da mitidas de maneira detalhada e adaptada a cada
criança, defendem após a puberdade, visando a momento particular do ciclo de desenvolvi-
sua participação na tomada de decisão quanto mento individual e familiar. 5,12
ao tratamento. A redesignação sexual não deve Fatores psicológicos, biológicos, sociológi-
estar apoiada apenas no prognóstico anatômico cos e éticos são fundamentais diante da comple-
ou em adequado funcionamento sexual, mas xidade envolvida e apontam a necessidade de
sim, no desenvolvimento psicológico do indiví- enfoques multidisciplinares, na tentativa de evi-
duo. 11,12 tar posicionamentos rígidos que acabem por
Contudo as DDS devem ser assistidas no as- comprometer a qualidade de vida do indivíduo
pecto psicológico desde o diagnóstico e ao com a condição de DSD. 2,3,5,7,8,11,12 No mo-
longo do ciclo vital, abordando questões de mento atual, radicalizar se torna um erro.5,13 O
acordo com a demanda e o desenvolvimento que se espera é a junção dos conhecimentos an-
cronológico da criança. Esclarecendo indaga- teriores já amadurecidos, à adequação dos co-
ções sobre possibilidade menstrual, fertilidade, nhecimentos atualizados, de maneira contextu-
de contraceptivos, orientação sexual e vida con- alizada, personalizada, propiciando a estes pa-
jugal. Na puberdade deve-se ainda serem apre- cientes, melhor qualidade de vida, ao invés de

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encaixá-los a um modo de vida conveniente, REFERÊNCIAS


técnico e ideológico.5,14
Por fim outro importante estudo revisado, 1- Perez MN, Delozier AM, Aston CE, et al.
foi em relação ao exame de imagem ultrassono- Predictors of Psychosocial Distress in Parents
gráfico.5,14 O advento da triagem de rotina de of Young Children with Disorders of Sex De-
cfDNA fornece informações do genótipo sexual velopment. J Urol. 2019. ANO; 202(5):1046-
fetal que podem ser comparadas com o ultras- 1051. (1046-51)
som da genitália externa, geralmente na varre- 2- Szarras-Czapnik MS, Bajszczak K, Wal-
dura morfológica no segundo trimestre.15 A dis- czak-Jędrzejowska R, Marchlewska K, Slowi-
cordância sexual pode ser devida a várias cau- kowska-Hilczer J, et al. The risk of mental di-
sas, algumas das quais são facilmente diagnos- sorders in patients with disorders/differences of
ticadas, enquanto outras são incapazes de serem sex differentiation/development (DSD) and Y
diagnosticadas antes do nascimento.15 A inclu- chromosome. Endokrynologia Polska. 2020;
são de geneticistas e uma equipe de DDS aju- 251: 92– 213
dará no diagnóstico e no gerenciamento contí- 3-Stambough K, Magistrado L, Perez-Milicua
nuo.5,15 G. Evaluation of ambiguous genitalia. Current
O diagnóstico pré-natal de discordância se- Opinion in Obstetrics and Gynecology.(USAR
xual é um fenômeno relativamente novo. 15 An- A ABREVIATURA OFICIAL DA REVISTA)
tes do teste de DNA sem células, o diagnóstico 2019 Oct 15;31(5):303-308. 2019; 31(5):303-8.
de um distúrbio de diferenciação sexual era aci- 4- Acimi S. What term to choose: ambiguous
dental, seja através da identificação de genitais genitalia or disorders of sex development
ambíguos no ultrassom de morfologia no meio (DSD)? Front Pediatric. 2019; 7(316): 1-3.
do trimestre ou da descoberta de discordância 5- Raza J, Zaidi SZ, Warne GL. Management
genótipo-fenótipo. 15 A detecção precoce da of disorders of sex development e With a focus
discordância sexual fenótipo-genótipo é impor- on development of the child and adolescent
tante, pois pode indicar uma condição genética, through the pubertal years. Best Pract Res Clin
cromossômica ou bioquímica subjacente e tam- Endocrinol Metabol. 2019; 33: 1-15.
bém permite tratamento pós-natal com tempo 6- BBC News - Brasil [homepage na internet].
crítico.15 Crianças intersexuais precisam ser operadas
ainda bebês? A polêmica discussão nos EUA. 1
CONCLUSÃO fev 2020. Disponível em:
https://www.bbc.com/portuguese/internacio-
Apesar dos Distúrbios da Diferenciação Se- nal-51274707. (Acesso em: 15/05/2020)
xual ser considerado, de uma maneira geral, in- 7- De Clercq E, Streuli J. Special Parents for
comum entre os quadros patológicos diversos, "Special" Children? The Narratives of Health
as informações podem ser agregadas a um Care Providers and Parents of Intersex Chil-
corpo mais abrangente de conhecimento. Lem- dren. Narrat Inq Bioeth. 2019; 9(2): 133-47.
brando, até mesmo que se trata de uma questão 8- Wisniewski AB, Tishelman AC. Psychologi-
muito além do espírito cirúrgico, abrangendo o cal perspectives to early surgery in the manage-
mais primordial da vida do ser humano que se ment of disorders/differences of sex deve-
trata do seu reflexo como indivíduo e não da pa- lopment. Curr Opin Pediatr. 2019; 31(4): 570-
dronização social, que às vezes nesse estudo 574.
acarretou no indivíduo uma mutilação do seu 9- Chawla R, Weidler EM, Hernandez J, Grim-
sexo original e social. Logo, vejo o grande pe- bsy G, van Leeuwen K. Utilization of a shared
rigo do egocentrismo paternal e profissional decision-making tool in a female infant with
quando transforma o protagonista da situação congenital adrenal hyperplasia and genital am-
sua decisão e não do indivíduo indefeso que biguity. J Pediatr Endocrinol Metab. 2019;
pode ter seu futuro todo contorcido devido a 32(6): 643-646.
uma decisão nunca próxima da sua. Nesse sen- 10- Project Muse [homepage na internet]. Spe-
tido, o presente trabalho não se prendeu a indi- cial parents for "special" children? 2019. Dis-
car conclusões, e sim contribuir com reflexões ponível em: https://muse.jhu.edu/arti-
no campo tanto teórico, como prático e do lado cle/731467. (Acesso em: 28/05/2020)
psicossocial de tal patologia. 11- Giudice MG, Del Vento F, Wyns C. Male

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fertility preservation in DSD, XXY, pre-gona- Humanos e Classificação Internacional de Do-


dotoxic treatments - Update, methods, ethical enças. Direitos de saúde. 2018 Dez; 20 (2): 205-
issues, current outcomes, future directions. Best 214.
Pract Res Clin Endocrinol Metab. 2019; 33(3): 14- Tamar-Mattis S, Gamarel KE, Kantor A,
101261. Baratz A, Tamar-Mattis A, Operario D. Identi-
12- Sani AM, Soh KL, Ismail IA, Arshad MM. fying and Counting Individuals with Differen-
Experiences of People Living with Disorders of ces of Sex Development Conditions in Popula-
Sex Development and Sex Re-assignment: tion Health Research. LGBT Health. 2018;
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Dis Sex Dev. Incompleta 15- Smet ME, Scott FP, McLennan AC. Jornals
13- Carpinteiro M. Intersex Variações, Direitos Prenatal Diagnosis. Discordant Fetal Sex on
Nipt And Ultrasound. 2020 Mar 03; Incompleta

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IMPORTÂNCIA DO DIAGNÓSTICO PRECOCE EM


CASOS DE FÍSTULA TRAQUEO-ESOFÁGICA
TRAUMÁTICAS: UMA REVISÃO DE LITERA-
TURA
IMPORTANCE OF EARLY DIAGNOSE IN CASES OF TRAUMATIC TRACHEOESOPHAGEAL FIS-
TULA: A LITERATURE REVIEW

Luis Gustavo Azevedo1; Amanda R. Cavalcanti2


1
Professor do Curso de Medicina do UNIFESO – Centro Universitário Serra dos Órgão;
2
Acadêmica do Curso de Medicina do UNIFESO – Centro Universitário Serra dos Órgãos. amandarcavalcanti@gmail.com

RESUMO

Introdução: Atualmente, apesar do tratamento padrão para lesões penetrantes do pescoço ser relativamente bem
estabelecida, pouco material científico está disponível para direcionar o tratamento de fístulas traqueoesofágicas
adquiridas, especialmente as causadas por armas de fogo. Tal ocorrência, além de incomum, apresenta desafios
tanto no diagnóstico quanto no tratamento, que é, na maioria das vezes, cirúrgico. A precocidade no diagnóstico
de fístulas traqueoesofágicastraumáticas impacta de forma direta o seguimento e prognóstico dos pacientes, sendo
essencial para diminuir morbidade e mortalidade. Metodologia: Foram utilizados 23 artigos, coletados nos siste-
mas PUBMED, MEDLINE e LILACS usando os descritores “traumatictracheoesophageal fistula”, “penetratin-
gesophageal injuries”, “penetratingneck injuries”, “trauma esofágico” e “trauma traqueal”. Resultados: A comu-
nicação entre a traqueia e o esôfago em pacientes que sofreram trauma em região cervical deve ser ativamente
procurada, visto que seu espectro clínico varia de forma muito ampla, não raro sendo confundida com outras
doenças, principalmente cardíacas e pulmonares. O diagnóstico precoce, feito de forma clínica, radiológica e en-
doscópica, é essencial para prevenir complicações como a Síndrome de Mendelson, potencialmente fatal, entre
outras complicações que aumentam de forma exponencial a morbidade e a mortalidade dos pacientes acometidos.
Conclusão: A fístula traqueoesofágica traumática é uma ocorrência rara e seu diagnóstico precoce é fundamental
para que as melhores decisões no que diz respeito a tratamento sejam tomadas, impactando diretamente e grande-
mente no prognóstico e na qualidade de vida do paciente.
Descritores: Traumatic tracheoesofageal fistula. Penetrating esophageal injuries. Penetratingneck injuries.
Trauma de esôfago. Trauma de traquéia.

ABSTRACT:

Introduction: Currently, although the standard treatment of penetrating neck injuries is well stablished, few sci-
entific literature is available to orientate the treatment of acquired traqueo-esofageal fistulas, especially the ones
caused by firearms. Such occurrence is not only uncommon but presents challenges in the field of diagnosis and
treatment as well, in the majority of cases, surgical repair is required. Methodology: It was used 23 articles,
collected in the PUBMED, MEDLINE and LILACS systems using the descriptors "traumatic tracheoesophageal
fistula", "penetrating esophageal injuries", "penetrating neck injuries", “esophageal trauma” and “tracheal
trauma”. Results: Communication between the trachea and the oesophagus in patients suffering from neck injuries
should be actively searched for, once it is known the clinical spectrum can largely vary and not rarely it is mistaken
with other diseases, specially cardiac and pulmonary injuries. The diagnose, that is essentially clinical, radiologi-
cal and endoscopic, is essential to prevent complications like the Mendelson syndrome, potentially letal, among
other complications that exponentially rise morbity and mortality. Conclusion: TEF caused by trauma are a rare
occurrence and its early diagnose and correct treatment are fundamental to achieve the best outcome possible
when it comes to the patient’s health care.
Keywords: Traumatic tracheoesofageal fistula. Penetrating esophageal injuries. Penetratingneck injuries.Tra-
cheal trauma. Esophageal trauma.

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INTRODUÇÃO “penetratingneck injuries”, “trauma de esô-


fago” e “trauma de traquéia”, abrangendo os pe-
Fístulas tráqueo-esofágicas adquiridas são ríodos de 1956 à 2018.
uma condição rara e um problema desafiador
tanto no âmbito do diagnóstico quanto no âm- RESULTADOS
bito do seu tratamento.16 Devido a sua posição
anatômica privilegiada, que confere proteção Fístulas traqueoesofágicas são uma comuni-
contra injúrias externas, lesões no esôfago não cação rara e naormal entre a traqueia e o esô-
são muito comuns quando falamos de traumas fago que são potencialmente fatais e complica-
perfurantes no pescoço; sinais e sintomas geral- das de reparar.14
mente são sutis e, caso a lesão não seja ativa- O contínuo derrame de conteúdo oriundo do
mente procurada, pode passar despercebida. esôfago, como saliva, alimentos e fluído ad-
Por outro lado, lesões traqueais tem sinais mais vindo do refluxo gastroesofágico, para dentro
ostensivos e, por isso, tendem a ter diagnóstico da árvore traqueobrônquica pode causar con-
e tratamento mais precoces.11 gestão, infecção, pneumonia, atelectasias e obs-
O atraso no diagnóstico de lesões combina- trução bronquial.19
das em traquéia e esôfago pode causar uma es- As principais causas de fístula traqueo-eso-
tenose severa de ambas as estruturas com for- fágicas traumáticas são ferimentos por armas de
mação de fístula.18 fogo, armas brancas, fraturas da vértebra cervi-
Fístulas traqueo-esofágicas podem não ter cal, corpos estranhos no esôfago, terapia com-
diagnóstico imediato devido aos sinais e sinto- binada para câncer de tireóide, acidentes du-
mas pouco aparentes logo após a ocorrência da rante a intubação orotraqueal, queimaduras por
lesão. Dado que fala a favor do diagnóstico é o soda cáustica e lesões durante cirurgias no pes-
sinal de Ono (tosse intensa de inicio súbito, se- coço.18
gundos após a ingestão de alimentos sólidos ou O diagnóstico e tratamento precoces são de
líquidos).16 Outros sinais sugestivos de lesão grande importância para prevenir maiores com-
traqueoesofágica são dispneia, enfisema subcu- plicações futuras.14 Dentre tais complicações,
tâneo e escape de ar pela lesão perfurante.6 podemos citar a Síndrome de Mendelson.19
O exame físico cuidadoso, a endoscopia e a Fístula traqueo-esofágicas deve ser suspei-
esofagografia contrastada, de forma separada tada em todo paciente com lesões traqueo-eso-
ou conjunta, podem auxiliar no diagnóstico pre- fágicas combinadas que desenvolvam sintomas
coce, uma vez que a clínica nem sempre é espe- respiratórios súbitos.16 A carência de sintoma-
cífica e expressiva, podendo levar a confusão tologia específica pode causar confusão com
diagnóstica com outras doenças.6,22 outras doenças como problemas cardíacos e
O reparo cirúrgico em uma única etapa é o pulmonares.22
tratamento mais comum na fístula traqueo-eso- Sendo assim, o diagnóstico é, basicamente,
fágica por trauma e em outras condições adqui- clínico, radiológico e endoscópico. Com desta-
ridas, sendo o controle de sepse essencial antes que para o método endoscópico, que se mostrou
de qualquer abordagem cirúrgica.16 o melhor para diagnóstico; porém, também é
válido destacar a broncoscopia rígida como
OBJETIVOS forma de avaliar o local e a extensão da fístula
para o planejamento da correção cirúrgica, uma
Compreender as dificuldades diagnósticas vez que o fechamento espontâneo da fístula não
das fístulas traqueoesofágicas traumáticas e sua é comum.19 A proteção traqueobrônquica contra
importância para a escolha do tratamento, se- infecção deve ser feita tão logo for efetuado o
guimento e evolução dos pacientes. diagnóstico.16
A conduta no pré-operatório é guiada por
MÉTODOS medidas como postergar o fechamento cirúr-
gico até suporte ventilatório não ser mais neces-
Foram selecionados 23 artigos coletados nos sário, uma vez que tentativas de fechamento da
sistemas PUBMED, MEDLINE e LILACS fístula nos pacientes em ventilação mecânica ou
usando os descritores "traumatictracheoesofa- com infecção pulmonar ativa mostrou aumentar
geal fistula”, “penetratingesophageal injuries” e o risco de morbimortalidade; remover tubo na-
sogástrico e sua substituição por tubo com cuff

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abaixo da fístula para prevenir ou minimizar mento em direção ao estômago. Ocasional-


complicações pulmonares, uso de sonda gás- mente, o esfícter esofágico inferior não se fecha
trica de drenagem para prevenir complicações adequadamente após a passagem do alimento e
do refluxo gastrointestinal e uso de sonda de je- ocorre refluxo do conteúdo ácido do estômago
junostomia para alimentação.19 para a parte inferior do esôfago, causando uma
O tratamento de fístulas traqueo-esofágicas sensação de queimação chamada pirose.25
adquiridas é basicamente cirúrgico, com a com- De todas as lesões do trato digestivo, as eso-
pleta separação das duas estruturas e o uso de fagianas são as menos prevalentes porém as
retalhos musculares, se necessário.20 Em casos mais graves e mais letais. Cerca de 20-50% dos
de fístulas traqueo-esofágicas mais altas, o local pacientes vem à óbito, principalmente quando o
preferível de abordagem, se possível, é através diagnóstico e tratamento são feitos de forma
de incisão do tipo lowcollar; para fístulas loca- tardia.21,22
lizadas na carina ou logo acima desta, é preferí- A mortalidade e o tempo decorrido entre o
vel que a abordagem seja feita por toracotomia, momento da lesão e o diagnóstico tem relação
na região do quarto espaço intercostal. Caso o direta, sendo a mortalidade de 10 a 25% quando
dano à traqueia seja muito extenso, é recomen- o tratamento é estabelecido nas primeiras 24
dado ressecção e reanastomose. Deve-se fechar horas, subindo para 40 a 60% quando este é
ambas as lesões, traqueais e esofágicas, prima- feito após 24 horas.22 No entanto, fatores como
riamente usando fios absorvíveis e patches po- causa da lesão, localização, extensão, existência
dem ser usados para isolar as linhas de sutura, ou não de lesão concomitantes em outros ór-
podendo esta ser muscular, pleural ou omen- gãos, estado prévio do esôfago e condição clí-
tal.16 nica do paciente também contribuem direta-
O tratamento cirúrgico deve ter como obje- mente para a evolução, prognóstico e trata-
tivo, além do fechamento da fístula, prevenir a mento das perfurações.21
sua recorrência. A estratégia cirúrgica irá de- As causas mais comuns de perfuração eso-
pender do local, tamanho da lesão, porém é pre- fagiana são as perfurações iatrogênicas secun-
ferível que, sempre que possível, o reparo seja dárias a procedimentos diagnósticos e terapêu-
feito em uma única etapa.19 ticos, rupturas espontânea, trauma, ingestão de
Vazamentos pós operatórios pequenos po- corpos estranhos, tumores, ingestão de substân-
dem ser manejados de forma conservadora atra- cias corrosivas como soda cáustica, esofagite
vés de intervenções endoscópicas com aplica- severa, intubação endotraqueal complicada e le-
ção de cola de cianoacrilato ou mesmo pela são por medicamento retido na região.22
substituição da alimentação oral por alimenta- Após a perfuração, primeiro ocorre agressão
ção através de sonda nasojejunal. O reparo de química devido conteúdo esofágico advindo da
fístulas traqueo-esofágicas recorrentes, quando orofaringe. Além disso, a microbiota de tal re-
necessário, apresenta uma maior complexidade gião é demasiadamente patogênica, sendo for-
no tratamento e no manejo.16Além disso, de- mada por espécies aeróbias e anaeróbias, o que
vido fístulas traqueoesofágicas traumáticas te- provoca inflamação, destruição e necrose dos
rem baixa ocorrência, poucos cirurgiões con- tecidos acometidos. Tais acontecimentos inde-
quistam experiência suficiente para este tipo de pendem do agente causador da lesão.21
lesão.16,22 A clínica pode variar de pouco sintomática e
inespecífica até quadros extremamente graves
DISCUSSÃO de sepse, com dor torácia de alta intensidade e
dispnéia. Tal fato pode culminar no atarso do
O esôfago é formado por fibra muscular e diagnóstico e, consequentemente, do trata-
mucosa, localizando entre faringe e estômago, mento, causando aumento da morbidade e mor-
posterior à traqueia, passando pelo diafragma talidade.22
pelo hiato esofágico. Tem cerca de 25 centíme- A região mais frequentemente acometida é o
tros de comprimento e pode ser dividido em três esôfago cervical, que representa cerca de 70%
partes, dependendo das suas relações anatômi- das lesões e também são as de melhor evolução,
cas: cervical, torácica e abdominal.24 pois as secreções extravasadas ficam localiza-
A medida que o alimento chega no esôfago, das e bloqueadas pelas estruturas vizinhas. A le-
ocorrem contrações rítmicas que levam o ali-

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sões no esôfago torácico são as de pior prognós- pleura, músculos intercostais, omento, entre ou-
tico pois o conteúdo esofágico drena livremente tros tecidos vascularizados, com o objetivo de
para a cavidade abdominal, causando perito- evitar vazamentos e/ou bloquear o trajeto de
nite. Todo paciente com suspeita de lesão eso- possíveis fístulas. Nas lesões cervicais não tão
fagiana, independente da etiologia, deve ser complexas, estão indicadas esofagorrafia da le-
submetido a radiografia de tórax, onde pode-se são e drenagem da região. Casos em que ocor-
observar enfisema subcutâneo, pneumotórax, rem contaminação do mediastino, a toracotomia
derrame pleural, pneumomediastino, níveis hi- também está indicada para ampla drenagem. Se
draéreos e infiltrado pulmonar. Para confirmar houver falha no reparo primário ou já houver
o diagnóstico, também deve ser feito o exame um quadro de mediastinite instalado, irrigação
radiológico contrastado, este geralmente é feito transesofágica e drenagem esofagocutânea são
com contraste iodado e, em casos inconclusi- alternativas. Lesões esofágicas torácicas que
vos, com bário diluído. A tomografia computa- acometem os dois terços proximais são aborda-
dorizada também pode ser utilizada, pois mos- das preferencialmente por toracotomia direita, e
tra com precisão ar em torno do esôfago, além as que atingem o terço distal, por toracotomia
de abcessos e coleções que podem não ser iden- esquerda. Já lesões no esôfago abdominal são
tificados nos exames radiológicos.21,22 abordadas com rafia primária da lesão, com re-
Em caos de trauma em que o paciente se en- forço da sutura com o fundo gástrico e elabora-
contre hemodinamicamente instável e/ou casos ção de uma válvula anti-refluxo, preferencial-
de corpos estranhos, a endoscopia tem papel mente pela técnica de Thal.21,22
fundamental, sendo diagnóstica e também po- Logo, o tratamento padrão é feito pelo re-
dendo ser terapêutica.21,22 paro primário da lesão, sendo feito reforço da
A escolha pelo tratamento conservador nas rafia, porém este cursa de forma individuali-
lesões perfurantes de esôfago não é fácil de ser zada para cada paciente, havendo possibilidade
definido e deve ser baseado nos seguntes crité- de tratamento conservador, mas também de
rios: a) estabilidade clínica e hemodinâmica do condutas mais radicais, como a esofagecto-
paciente, sem sinais de infecção; b) perfurações mia.21
com efeitos limitados ao mediastino ou cavi- Nas fístulas traumáticas esôfago-respirató-
dade pleural que sejam comprovados pelo rias, o diagnóstico e localização topográfica é
exame radiológico contrastado; c) perfuração feita pela broncoscopia. Lesões por projéteis de
com diagnóstico tardio mas boa tolerância pelo arma de fogo que passam próximos ao esôfago
paciente; d) não tenha ocorrido ingesta de ali- podem causar lesões parecidas com queimadu-
mentos pós perfuração; e) evolução com sinto- ras devido a alta energia cinética que liberam;
mas clínicos e de infecção mínimos; f) ocorrên- durante a exploração operatória, a integridade
cia de enfisema mediastinal e crvical sem extra- da mucosa deve ser sempre verificada abrindo-
vasamento do contraste; g) lesão de pequena se a camada muscular, pois mesmo que tais le-
extensão que drene para a própria luz do esô- sões geralmente só prejudiquem esta camada,
fago; h) lesão distal à estenose severa, pois pode ocorrer necrose mural tardia.21
quando localizada acima da estenose, o trata- De modo similar, também são pesquisadas
mento conservador é contra indicado.21,22 pequenas perfurações introduzindo ar no esô-
A condução clínica conservadora é feita fago, através de um cateter nasogástrico; estas,
com restrição total de alimentação por via oral, se presentes, produzem bolhas no campo opera-
sendo esta feita com dieta enteral ou parenteral, tório previamente preenchido com soro fisioló-
antibióticoterapia de largo espectro, monitori- gico. O ar pode ser substituído por azul de me-
zação intensiva e acompanhamento por um ci- tileno.21
rurgião experiente.22 A traquéia é um tubo formado por cerca de
Caso o paciente não preencha os critérios, 20 anéis cartilaginosos que faz continuação à
deve ser imediatamente abordado cirurgica- laringe e se bifurca em dois brônquios princi-
mente, assim como os que evoluem com piora pais, direito e esquerdo. A estrutura antero-pos-
radiológica ou sinais de sepse.21 terior localizada na parte inferior onde ocorre
Na maioria dos casos, o tratamento é cirúr- esta bifurcação é chamada de carina. Se localiza
gico, sendo o padrão a reparação primária da le- anterior ao esôfago, formada por uma porção
são, que pode ser reforçado por retalho de

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cervical e uma torácica e tem cerca de 10 centí- Fraturas de esterno, clavícula e contusões
metros de comprimento e 2,5 centímetro de di- pulmonares estão associadas a lesões tra-
âmetro.24 A mucosa da traquéia é revestida por queobrônquicas por trauma fechado.23Fatores
epitélio ciliado e rica em glândulas produtoras como atraso no diagnóstico, devido à poucos re-
de muco, que tem por objetivo proteger a via cursos hospitalares ou baixa suspeição diagnós-
aérea inferior de antígenos e outros corpos es- tica, extensão e localização da lesão, associação
tranhos.25 com lesões em outros órgãos e a experiência do
Lesões traqueais são raras, mas cursam com cirurgiãoafetam diretamente o tratamento e a
taxa de letalidade por volta de 30%, principal- evolução dos casos.13,23
mente quando o diagnóstico não é imediata- Exames radiografia de tórax e cervical e to-
mente estabelecido. A principal etiologia das mografia computadorizadaauxiliam no diag-
lesões de traquéia são os ferimentos penetran- nóstico, podendo identificar com precisão
tes, sendo a traquéia cervical a região mais aco- pneumotórax, enfisemas, fraturas e atelectasias.
metida, respondendo a cerca de 75% dos casos, No entanto, o principal método diagnóstico é a
o que é explicado pelo fato de tal região se en- broncoscopia. O exame endoscópico com bron-
contrar mais exposta. Lesões adquiridas por coscópio rígido também norteia a escolha do
projéteis de arma de fogo (PAF) e armas bran- tratamento mais adequado, uma vez que mos-
cas na região da traquéia cervical atingem de tratopografia da lesão, seu tamanho, avalia com
forma mais frequente a parede anterior ou late- precisão cordas vocais e edema de glote, além
ral, sendo comum estar associada com lesão em de ser precisa quanto ao diagnóstico de fístulas
outros órgão, principalmente o esôfago, que traqueoesofágicas, vistas pelo derrame de azul
deve ter a integridade prontamente avaliada.23 de metileno na árvore brônquica.13,23
A fístula traqueoesofágica traumática é um A primeira conduta a ser tomada em casos
evento raro, principalmente as provocadas por de lesão traqueal é assegurar a via aérea pérvia,
trauma fechado, e na maior parte das vezes se para que a ventilação pulmonar seja preservada.
formam próximos à carina; acredita-se que ad- Caso a ferida esteja exposta, deve-se introduzir
venham da compressão de ambas as estruturas a cânula pela própria lesão. O tratamento pode
entre o esterno e a coluna no momento do ser conservador caso a lesãonão prejudique
trauma. Situações como sofrimento vascular e mais do que um terço da circunferência da tra-
aderências preexistentes entre traquéia e esô- quéia ou dos brônquios, não ocorra perda de te-
fago favorecem a formação da fístula.22,23 cido traqueal,tenha bordas bem apostas e a ex-
Sinais clínicos de lesões traqueais nem sem- pansão pulmonar não esteja comprometida; tal
pre se manifestam de forma expressiva; a dis- abordagem é feita com intubação orotraqueal
pneia quase sempre está presente, em variados ou nasotraqueal, que permanece por cerca de 48
graus. Lesões traqueais por PAF e armas bran- horas. O cuff do tubo endotraqueal ser inflado
cas tem diagnóstico facilitado pois os ferimen- abaixo da lesão para evitar que ar penetre no te-
tos abertos na região levam a suspeita diagnós- cido subcutâneo e/ou mediastinal, protegendo
tica procura ativa, além disso, através da ferida essas áreas de possíveis contaminações.13,23
podem sair barulhos de sucção e bolhas ar, Caso seja detectada a presença de pneumo-
desde que não tamponados. Hemoptise também tórax, é obrigatória a drenagem pleural tubular
pode estar presente, proveniente de sangramen- fechada imediata, principalmente nos pacientes
tos para o interior da luz traqueal ou brônquica. que serão submetidos à ventilação com pressão
Insuficiência respiratória, tosse, estridor e alte- positiva, independente do volume do pneumo-
ração da voz estão associados com secção dos tórax.23
anéis da traquéia. Enfisema subcutâneo, princi- A abordagem cirúrgica normalmente e feita
palmente em região cervical e facial, fala a fa- por incisão paralela ao bordo do músculo ester-
vor de lesão da traquéia cervical, sendo inco- nocleidomastoídeo ou por incisão cervical
muns enfisema mediastinal e pneumotórax. Le- transversa em colar, acima da fúrcula esternal,
sões de traquéia torácica quase sempre estão as- sendo prolongada caso necessário.Em lesões
sociados com enfisema mediastinal, que se es- que não envolvem toda a circunferência da tra-
tende para o tecido subcutâneo das regiões de quéia,são feitas apenas suturas com fios mono-
face, torácica e cervical.13,23 filamentares absorvíveis ou categute cromado,
com aproximação das bordas da lesão apenas o

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suficiente para que não haja saída de ar e nem endoscópicos, porém sem exclusão dos méto-
prejuízo da vascularização da região.13,23 dos radiológicos e da avaliação clínica dos si-
Ferimentos causados por PAF normalmente nais e sintomas do paciente.
causam destruição de tecido, sendo necessário As fístulas traqueo-esofágicas traumáticas
debridar a região antes de partir para as suturas, são de difícil ocorrência e apresenta desafios
ressecção parcial e anastomose término-termi- para a equipe médica. Foi observado que seu di-
nal.13,23 agnóstico precoce e tratamento correto são im-
Lesões múltiplas, os anéis traqueais preci- prescindíveis para que o paciente tenha a me-
sam ser ressecados e feita a anastomose tér- lhor evolução possível, diminuindo considera-
mino-terminal. Havendo secção total, o desco- velmente as chances de desfechos fatais, uma
lamento do plano posterior e anterior da tra- vez que pode prevenir a ocorrência de compli-
quéia é necessário, pois previne danos à vascu- cações como a Síndrome de Mendelson, além
larização da região que advém de vasos que pe- de evitar que conteúdo esofagiano, como saliva,
netram lateralmente na parede da traquéia.13 alimentos e fluídos advindos do refluxo gastro-
As lesões traqueais não tratadas normal- esofágico fiquem, continuamente e por longos
mente cursam com estenose brônquica total e períodos de tempo, sendo liberados para dentro
atelectasias, sendo necessário avaliação do pa- da árvore traqueobrônquica, causando conges-
rênquima pulmonar durante o ato cirúrgico para tão, infecção, pneumonia, atelectasias e obstru-
decisão do melhor tratamento, que varia desde ção bronquial. Também pôde-se observar a ne-
broncoplastia até pneumonectomia.23 cessidade de mais investigação científica sobre
A traqueostomia não é realizada de rotina, o tema para atualização de guidelines e proto-
sendo suas indicações: a) proteção da área de colos que podem ajudar a equipe médica e mul-
sutura na região da traquéia; b) lesões graves de tidisciplinar no cuidado do paciente, aumen-
laringe que cursam com edema e hematomas; c) tando a probabilidade de sucesso no tratamento,
paralisia de cordas vocais por lesão dos nervos visto que a experiência do cirurgião impacta de
laríngeos, suspeita ou confirmada. Esta sempre forma direta na morbidade e mortalidade em ca-
deve ser feita abaixo da lesão.23 sos de fístulas traqueoesofágicas traumáticas.
Em caso de fístula com esôfago, ambos de-
vem ter reparação primária e é obrigatória a co- REFERÊNCIAS
locação de retalho de tecido entre as suturas
para assegurar a melhor cicatrização das feri- 1. Asensio JA, Chahwan S, Forno W, Mac-
das; este pode ser muscular se a lesão for cervi- Kersie R, Wall M, Lake J, et al. Penetra-
cal ou proveniente da pleura parietal ou pericár- ting esophageal injuries: multicenter study
dio se a lesão estiver na região torácica.13,23 of the American Association for the Sur-
Pacientes com fístulas traqueoesofágicasque gery of Trauma. J Trauma. 2001; 50(2):
tenham contaminação de mediastino devem, 289-96.
primeiramente, ter a traquéia reparada, com re- 2. Armstrong WB, Detar TR, Stanley RB.
alização de esofagostomia cervical, gastrosto- Diagnosis and management of external pe-
mia e jejunostomia de alimentação. A recons- netrating cervical esophageal injuries. Ann
trução do esôfago pode ser feita após a lesão OtolRhinolLaryngol. 1994; 103(11): 863-
traqueal cicatrizar, por volta de duas ou três se- 71.
manas depois.13 3. Asensio JA, Valenziano CP, Falcone RE,
Grosh JD. Management of penetrating
CONCLUSÃO neck injuries. The controversy surroun-
ding zone II injuries. Surg Clin North Am.
Apesar da escassez de material disponível 1991; 71(2): 267-96.
sobre o tema, diante dos resultados obtidos, é 4. Defore WW Jr, Mattox KL, Hansen HA,
possível identificar um certo grau de consenso Garcia-Rinaldi R, Beall AC Jr, DeBakey
na comunidade científica a respeito da impor- ME. Surgical management of penetrating
tância do diagnóstico precoce em casos de fís- injuries of the esophagus. Am J Surg.
tulas traqueoesofágicas traumáticas, sendo este 1977; 134(6): 734-8.
feito de forma preferencial através de métodos 5. Demetriades D, Asensio JA, Velmahos G,
Thal E. Complex problems in penetrating
neck trauma. Surg Clin North Am. 1996;

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AS ABORDAGENS TERAPEUTICAS DA MARCHA


EQUINA EM PACIENTES PEDIÁTRICOS COM PA-
RALISIA CEREBRAL ESPÁSTICA
THERAPEUTIC APPROACHES FOR EQUINUS IN PEDIATRIC PATIENTS WITH SPASTIC CEREBRAL
PALSY

Rafael S. C. Véras1; Gisela Cristina S. Ferreira².


Descritores: Marcha Equina, Paralisia Cerebral e Tratamento
Keywords: Equinus, Treatment and Cerebral Palsy

RESUMO

Introdução: A paralisia cerebral é uma patologia neurológica que afeta principalmente os pacientes pediátricos.
Grande parte dos pacientes apresentam deformidades do sistema musculoesquelético, decorrente da ação da pa-
tologia nos tecidos moles. A espasticidade muscular ocorre principalmente nos membros inferiores, levando à
padrões de marcha que comprometem a movimentação do paciente podendo leva-lo até a incapacidade de loco-
moção. Diversas abordagens podem ser utilizadas para minimizar os danos e é necessário saber quando e qual
indicar para cada caso. Objetivo: Realizar uma revisão bibliográfica sobre os tipos de tratamento para a marcha
equina da paralisia cerebral espástica. Métodos: Revisão bibliográfica baseada em artigos científicos na bases de
dados bibliográficos PubMed, utilizando os descritores Equinus, Treatment and Cerebral Palsy. Discussão: A
marcha equina é a deformação mais comum nos pacientes pediátricos com paralisia cerebral espástica. As abor-
dagens nesses pacientes englobam tratamentos não invasivos e invasivos. Fisioterapia, gesso, órteses de pé e tor-
nozelo e aplicação de toxina botulínica fazer parte do tratamento conservador, enquanto em casos refratários, a
cirurgia é uma opção. Todos os tratamentos quando realizados em conjunto apresentam melhor eficácia. Doses
menores e menor tempo de tratamento não alteram o resultado esperado e geram melhor satisfação para o paciente
e sua família. Conclusão: A abordagem da paralisia cerebral deve ser multidisciplinar. A marcha equina deve ser
abordada de forma progressiva visando permanência ou ganho na mobilidade do membro acometido, sendo a
abordagem cirúrgica a última opção após alongamento, órteses, gesso e toxina botulínica.

ABSTRACT:

Background: Cerebral palsy is a neurological disorder that mainly affects pediatric patients. Most patients have
musculoskeletal system deformities due to the action of the pathology in the soft tissues. Muscle spasticity occurs
mainly in the lower limbs, leading to gait patterns that compromise the patient's movement that may lead him to
a disability of locomotion. Several approaches can be used to minimize damage and it is necessary to know when
and which to indicate for each case. Aims: Conduct a literature review on the types of treatment for equine gait
of spastic cerebral palsy. Methods: Bibliographic review based on scientific articles in the PubMed database
using the descriptors Equinus, Treatment and Cerebral Palsy. Discussion: Equine gait is the most common defor-
mation in pediatric patients with spastic cerebral palsy. The approaches in these patients include noninvasive and
invasive treatments. Physical therapy, plaster, foot and ankle orthoses, and botulinum toxin application are all part
of conservative treatment, while in refractory cases, surgery is an option. All treatments when performed together
have better efficacy. Smaller doses and shorter treatment time do not change the expected result and generate
better satisfaction for the patient and his Family. Conclusions: The approach to cerebral palsy should be multi-
disciplinary. Equine gait should be progressively approached in order to maintain or gain mobility of the affected
limb, and the surgical approach is the last option after stretching, orthoses, casting and botulinum toxin.

leva a alterações da movimentação, com pre-


INTRODUÇÃO sença de fraqueza, desequilíbrio e perda do con-
trole muscular de forma ativa. Possui uma etio-
A paralisia cerebral é uma alteração logia complexa, que em sua maioria das vezes
presente no desenvolvimento do cérebro que

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ocorre no período pré-natal do paciente, se di- o uso de órteses, correção cirúrgica e o manejo
vidindo em: malformações do sistema nervoso do tônus muscular. Os alongamentos da muscu-
central, prematuridade, hipóxia aguda e crônica latura acometida são considerados uma ótima
e infecções congênitas.1 Se trata de uma injúria abordagem para pacientes com deformação no
nervosa de caráter não progressivo e perma- pé, porém na paralisia cerebral o seu meca-
nente que afeta a cognição, a fala, a socialização nismo fisiopatológico limita sua eficácia. Já o
e a movimentação, essa última através do sis- uso das órteses nesses casos é indicado para me-
tema musculoesquelético ocasionando dificul- lhorar o padrão de marcha com a utilização de
dades em seu desenvolvimento, gerando assim, órteses suropodálicas.5 Quando associado ao
deformações que podem permanecer e piorar manejo do tônus por alongamentos e mobiliza-
progressivamente. A patologia pode apresentar ções provenientes de fisioterapia, terapia ocu-
uma vasta gama de acometimentos, uma vez pacional e aplicações de toxina botulínica para
que está relacionada com a área do córtex motor diminuir a espasticidade na região, possuem
que foi afetada, podendo se apresentar de ma- uma boa evolução.6 Já em casos refratários ou
neira unilateral ou bilateral. Além disso a para- com sintomas graves, a correção cirúrgica atra-
lisia cerebral pode ser subdividida em hipotô- vés da secção muscular ou tendínea é a melhor
nica, discinética, espástica, atáxica e mista, e abordagem.7
são assim divididas de acordo com a disfunção Com uma ampla possibilidade de abor-
neurológica presente, sendo a do tipo espástica dagens que podem ser empregadas na marcha
a mais comum.2 equina da paralisia cerebral espástica, é de
A espasticidade é a presença do tônus grande importância buscar atualizações e esta-
muscular exacerbado com contrações tendíneas belecer os passos para um tratamento efetivo vi-
intensas decorrentes de uma hiperestimulação sando a melhora do padrão de marcha dos paci-
do arco reflexo, caracterizando assim, uma das entes acometidos por essa enfermidade e conse-
manifestações da síndrome do primeiro neurô- quentemente melhorar a qualidade de vida,
nio motor. Na paralisia cerebral espástica, as tanto desse paciente como de sua família.
manifestações estarão presentes de forma mais
importante dos quatro aos doze anos aproxima- OBJETIVO
damente, e são responsáveis por alterações pos-
turais e da marcha, encurtamento dos tendões, Primário: Realizar uma revisão bibliográ-
deformações ósseas, subluxações e luxações de fica sobre os tipos de tratamento para a marcha
articulações. As alterações acometem os pés e equina da paralisia cerebral espástica.
tornozelos em 93% dos pacientes pediátricos Secundário: Identificar qual o tratamento
com paralisia cerebral e são justificadas pois há com melhor eficácia para a melhora da quali-
um desequilíbrio entre a musculatura com tônus dade de vida dos pacientes com paralisia cere-
aumentado e as estruturas ósseas, articulares e bral espástica.
musculares em contato.3
As deformações possuem um padrão de MÉTODOS:
evolução que consistem primeiramente na alte-
ração da disposição dos tecidos moles que dão Trata-se de uma revisão bibliográfica base-
suporte ao osso e posteriormente na deformação ada em artigos científicos da biblioteca interna-
óssea de fato. As alterações do pé são divididas cional PubMed.
de acordo com a posição do calcâneo, do re- Os descritores utilizados para realização da
tropé, do médio-pé e do antepé. O pé equino é busca foram: Marcha Equina, Paralisia Cerebral
o a deformação mais prevalente nos pacientes e Tratamento. Seus correspondentes em inglês
com paralisia cerebral, e é definido como a in- são: Equinus, Treatment and Cerebral Palsy.
capacidade da realização de dorsiflexão maior Com o início do levantamento bibliográfico, fo-
do que a posição neutra dos pés, consequência ram contabilizados 296 artigos. Após esse re-
da ativação exacerbada dos músculos que com- sultado foram filtrados apenas ensaios clínicos
põem o tríceps sural.4 e revisões sistemáticas desse montante, sendo
O tratamento da marcha equina na pa- encontrados 91 artigos e posteriormente apli-
ralisia cerebral espástica, engloba abordagens cado um filtro de tempo para os últimos 5 anos,
não invasivas e invasivas, que irão contar com encontrando assim 20 artigos, nos quais foram
analisados pela leitura dos títulos e resumos, e

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excluídos artigos que não abordassem o obje- de acometimento nervoso em casos graves, po-
tivo deste trabalho. Assim sendo, 16 artigos fo- dendo ocasionar dano nervoso. Um trabalho de
ram definidos como de acordo com a temática parto bem conduzido com avaliação da vitali-
proposta. dade fetal, pode identificar um quadro sofri-
mento fetal agudo com presença de hipóxia que
DISCUSSÃO: quando resolvido de forma rápida evitará um
dano cerebral. Além do pré-natal bem condu-
A paralisia cerebral é caracterizada por sin- zido para descartar qualquer outra infecção ou
tomas que englobam alterações da movimenta- sofrimento fetal crônico, principalmente nos ca-
ção, com presença de fraqueza, desequilíbrio e sos de prematuridade.7
perda do controle muscular de forma ativa. Tais Por se tratar de uma doença com uma pato-
sintomas ocorrem devido à uma alteração do logia complexa, ela se apresenta de várias for-
neurodesenvolvimento que ocasiona em uma mas, sendo subdividida de acordo com a carac-
injúria nervosa de caráter não progressivo e per- terística do acometimento muscular. As subdi-
manente afetando a função nervosa, muscular e visões são: a paralisia cerebral hipotônica, dis-
todo o sistema ósseo como consequência, ge- cinética, espástica, atáxica e mista. Dessas, a
rando danos ao desenvolvimento por alterações paralisia cerebral do tipo espástica é a mais pre-
cognitivas, da comunicação, da socialização e valente em nosso meio. O tônus de um músculo
da movimentação.1 Deformações, que quando de caráter exacerbado é identificado por ten-
permanentes, levam ao remodelamento ósseo, dões com contrações intensas, e é assim que é
prejudicando a postura e a marcha de forma per- definido a espasticidade. Essas manifestações
manente. Os acometimentos que a patologia ocorrem pelo fato do arco reflexo estar hiperes-
pode gerar são amplos, uma vez que o dano ner- timulado caracterizando assim, a síndrome do
voso está relacionado com a área do córtex mo- primeiro neurônio motor. Alterações posturais
tor que foi afetada, se manifestando de forma e da marcha, encurtamento de tendões, defor-
unilateral ou bilateral.2 mações ósseas, subluxações e luxações articu-
Sua etiologia é complexa, uma vez que exis- lares, são consequências das manifestações da
tem diversos fatores que podem determinar o paralisia cerebral espástica e possuem sua
seu surgimento. Possui na grande maioria dos maior importância acometendo pacientes de
casos, sua origem no período pré-natal, porém quatro a doze anos. Com uma vasta possibili-
pode ter sua patogênese durante o trabalho de dade de acometimentos no sistema osteomuscu-
parto ou no período pós-natal. As causas do pe- lar desses pacientes, foi identificado que em
ríodo pré-natal englobam malformações do sis- 93% desses pacientes, os pés e tornozelos são
tema nervoso central, infecções congênitas e hi- os locais com maiores alterações. Tais altera-
póxia crônica por sofrimento fetal crônico. Já ções ocorrem devido a ocorrência de um dese-
durante o trabalho de parto a principal causa é a quilíbrio entre a musculatura, que está com o
hipóxia aguda decorrente de um sofrimento fe- tônus aumentado, com as estruturas ósseas, ar-
tal agudo. Durante o período pós-natal, as infec- ticulares e musculares que fazem contato com o
ções adquiridas são fatores importantes na pa- distúrbio.3
togenia da paralisia cerebral e as meningites Como a grande maioria das alterações estão
possuem uma prevalência elevada quando com- presentes nos pés desses pacientes, é importante
paradas à outras infecções. Outro fator contri- entender como se dá esse processo. Existe uma
buinte para o surgimento da paralisia cerebral é evolução da deformação, que consiste primeira-
a prematuridade, que quando presente ou asso- mente na alteração da disposição de tecidos mo-
ciada aos outros fatores, deve ser considerada, les como músculos, tendões e cartilagens. Esse
uma vez que nessa condição diversas alterações primeiro evento se dá, pois, o desequilíbrio da
podem ser encontradas nos pacientes pediátri- musculatura faz com que os músculos espásti-
cos. Tendo esse conhecimento, fica ainda mais cos ajam de maneira antagônica aos grupamen-
enfatizado que a atenção pré-natal e o acompa- tos musculares mais flácidos, gerando assim
nhamento do trabalho de parto, são de extrema uma deformação dinâmica que comprometerá a
importância para a prevenção e identificação da flexibilidade. Posteriormente os tendões, carti-
paralisia cerebral. Uma triagem adequada das
infecções neonatais, principalmente o grupo das
TORCH, é importante devido ao potencial risco

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lagens e articulações ganharão também um es- pode ser plano ou cavo e em relação ao antepé,
tado de contração, que irá levar ao quadro de pode estar em adução ou abdução. Nos pacien-
deformação óssea.4 tes com paralisa cerebral espástica, as deforma-
No geral, as alterações que acometem os pés ções mais prevalentes são o pé equino (Figura
são divididas de acordo com a posição de cada 1), seguido por pé planovalgo (Figura 2) e o pé
divisão anatômica. Quando analisamos a posi- equinovaro (Figura 3). Contudo, qualquer tipo
ção do calcâneo, a deformação pode ser equino de deformação é possível de ser observada nos
ou em calcâneo, em relação ao retropé, pode ser pacientes com paralisia cerebral.3
em valgo ou em varo, em relação ao médio-pé,
Figura 1 – Pé equino

Fonte: Matthew J. Steffes. Ortho Bullets.Acesso:https://upload.orthobullets.com/topic/12120/images/cpfa.jpg

Figura 2 – Pé Planovalgo

Fonte: Evan Siegall. Ortho Bullets.Acesso:https://upload.orthobullets.com/topic/4069/ima-


ges/20171003_135402.jpg

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Figura 3 – Pé Equinovaro

Fonte: Ujash Sheth. Ortho Bullets.Acesso: https://www.orthobullets.com/pediat rics/4064/equinovarus-foot


Quando se trata na gravidade que as defor- para a marcha equina na paralisia cerebral espá-
mações dos pés podem chegar, é necessário en- stica, englobam manejos não invasivos, como o
tender que existe uma grande variação. Essa va- uso de órteses, uso de gesso, fisioterapia, alon-
riação pode ir de casos leves, com flexibilidade gamentos e liberação miofascial e em casos
mantida até casos mais graves com rigidez im- mais graves, fazem parte da abordagem os ma-
portante limitadora. Com o avançar da patolo- nejos invasivos como, correção cirúrgica e apli-
gia, adquirisse uma movimentação mais rígida cação de toxina botulínica nos músculos aco-
e isso é capaz de alterar a marcha, pois afeta o metidos. Vale ressaltar, que todas essas aborda-
movimento necessário para que os pés gerem gens possuem como objetivo, o manejo dos
um avanço do tronco, possibilitando a movi- tônus musculares desse paciente, para prevenir,
mentação. Manifestações como dores nas regi- tratar e minimizar as deformidades. A indicação
ões acometidas e danos dermatológicos podem de cada uma acontecerá de forma gradual e de
ser encontradas em casos mais graves.4 acordo com a gravidade apresentada, avan-
O pé equino, que é a deformação mais pre- çando de conservador para cirúrgico.7
valente na paralisia cerebral espástica, possui Os manejos não invasivos da marcha equina
como definição, a presença de uma deformação apresentam uma eficácias e bons resultados
que incapacita a realização de uma dorsiflexão quando aplicados em conjunto com a adminis-
maior do que a posição neutra dos pés, ou seja, tração da toxina botulínica, uma vez que essas
o pé se mantém em posição plantígrada. Isso abordagens agem diretamente nos tônus muscu-
ocorre pela espasticidade aumentada dos mús- lares. Quando se refere as deformações no pé, a
culos que fazem parte do tríceps sural, em rela- aplicação de alongamentos da musculatura aco-
ção aos músculos responsáveis pela dorsiflexão metida, são considerados uma abordagem efici-
do tornozelo, principalmente as cabeças do gas- ente, pois com o alongamento dos músculos fle-
trocnêmico. Como consequência, há um padrão xores plantares há o aumento da flexão dorsal
de pisada com o antepé e o médio-pé se ali- de forma passiva. Entretanto, na paralisia cere-
nhando com os ossos da perna, gerando a defor- bral espástica essa eficiência é prejudicada de-
mação equina. Quando se possui uma caracte- vido ao mecanismo fisiopatológico da patolo-
rística fixa do tornozelo maior de 10º em rela- gia. O tratamento fisioterápico consiste na apli-
ção à posição neutra, é entendido que alterações cação de alongamentos, exercícios de fortaleci-
dinâmicas e cinéticas ocorram, prejudicando a mento e treinamento no balanço corporal, pro-
qualidade do tratamento e estabelecendo uma priocepção e deambulação.3 Além disso, foi
gravidade maior do caso.3 proposto a realização de um treinamento onde
Com a compreensão da patologia, seus aco- foi estimulada uma marcha retrograda em estei-
metimentos e sua gravidade, é importante iden- ras ergométricas com declive, com a justifica-
tificar qual abordagem deverá ser realizada para tiva de que essa abordagem pudesse beneficiar
proporcionar uma melhora da qualidade de vida a marcha equina dos pacientes com paralisia ce-
para o paciente e sua família. As abordagens rebral espástica, uma vez que esse treinamento

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gera uma carga excêntrica nos gastrocnêmicos, paralisia cerebral espástica é o uso de órteses.
melhorando sua flexibilidade. Contudo, foi Sua indicação visa a obtenção de uma melhora
identificado que essa abordagem não apresen- no padrão da marcha em pacientes com alguma
tou nenhuma vantagem ao alongamento está- mobilidade do tornozelo, mesmo que leve, pre-
tico. Como o tempo, o custo e o esforço empre- servada. Isso ocorre de maneira mais eficaz
gados é maior para sua realização, fica pratica- quando associado à outras terapias do manejo
mente inviável a utilização desta técnica na pra- dos tônus musculares.7 Existem hoje diversos
tica.8 modelos de órteses. É estabelecido que nos pa-
Durante muito tempo, junto com os alonga- cientes com paralisia cerebral espástica a órtese
mentos e fortalecimentos, a aplicação de gesso suropodálica é a de escolha, porém não há um
na região acometida foi utilizada no tratamento consenso sobre qual seria o melhor para cada
do pé equino em pacientes pediátricos com pa- paciente e sua individualidade. Quando o uso da
ralisia cerebral. A aplicação do gesso tem como órtese é inadequado para o caso, é observado
objetivo aumentar o comprimento dos tendões que frequentemente há uma diminuição da efe-
e a ativação dinâmica dos músculos que agem tividade do método, podendo até gerar algum
na flexão plantar, buscando principalmente uma revés no tratamento. A maioria dos modelos são
movimentação funcional e atrasar, ou até compostos totalmente por plásticos e possuem
mesmo evitar, o procedimento cirúrgico. Porém apresentação sólida ou articulada, podendo pos-
foi evidenciado que que o uso do gesso, apre- suir um bloqueio de flexão plantar ou dorsal.
sentou melhora somente da flexão dorsal do pé Grande parte das órteses possuem a desvanta-
de caráter passivo por um curto prazo. Contudo, gem de agir diminuindo a flexão plantar, conse-
a aplicação do gesso em conjunto com a admi- quentemente ocorre a redução da propulsão ge-
nistração da toxina botulínica nesses músculos rada no membro inferior e assim diminui a ve-
espásticos, demonstrou uma vantagem quando locidade da marcha durante a caminhada.5
comparado ao seu uso isolado.9 As órteses suropodálicas serão escolhidas de
Diversos protocolos foram sugeridos no ma- acordo com o objetivo para a correção do pa-
nejo combinado do gesso com a toxina botulí- drão anormal da marcha do paciente, os mode-
nica. Os protocolos mais utilizados são, a apli- los mais utilizados são: A órtese rígida, a órtese
cação única do gesso por três semanas, trocas articulada e a órtese de contra-reação do solo
gessadas a cada duas semanas e trocas seriadas (Figura 4). A órtese rígida agirá restringindo a
do gesso até que se consiga o objetivo definido movimentação do tornozelo, seja durante a
da amplitude de movimento. O gesso nesses ca- marcha ou quando houver estática e é indicada
sos é aplicado sempre após o uso da toxina bo- para pacientes que além da marcha equina, tam-
tulínica, visando uma modificação da estrutura bém apresentam fraqueza muscular. A órtese
muscular da região, com extensão completa do articulada possui como característica a livre
joelho para que assim ocorra o isolamento dos movimentação da articulação do tornozelo du-
gastrocnêmicos. Foi observado após compara- rante a marcha, porém, em posição estática, ha-
ção clínica que, houve um ganho dos tônus verá um bloqueio da flexão plantar. Já a órtese
musculares, melhora da mobilidade articular e de contra-reação do solo, possui sua estrutura
melhora da sensibilidade protopática, de inde- voltada para a região posterior da perna, em
pendentemente do protocolo de aplicação do contato direto com a tíbia e isso impede a flexão
gesso utilizado. Com isso, é sugerido que se dorsal, mantendo assim o pé sempre em contato
faça uma aplicação gessada única, pois garan- com o chão, diminuindo a marcha agachada,
tirá os resultados buscados e uma melhor con- que é a marcha presente na tentativa de correção
veniência para o paciente e seus acompanhantes da marcha equina ou quando ocorre uma hiper-
sem perder sua eficácia.10 correção do equino pós procedimento cirúrgico.
Outra abordagem conservadora utilizada no Outra indicação importante das órteses, é du-
tratamento da marcha equina nos pacientes com rante o período pós-operatório.3

Figura 4 – Órteses Suropodálicas

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Órteses suropodálicas rígida (a), articulada (b) e de contra-reação do solo (c) Fonte: Paz Kedem. Foot deformiti-
res in children with cerebral palsy.

Quando se refere ao manejo invasivo da segurança e eficácia semelhante às essas, ge-


marcha equina na criança com paralisia cerebral rando mais opções terapêuticas confiáveis aos
espástica a aplicação da toxina botulínica para médicos assistentes.11
diminuição da espasticidade e avanço na mobi- Como já descrito anteriormente, o trata-
lidade é a escolha antes de qualquer abordagem mento só será de fato eficaz quando associado
cirúrgica. A aplicação da toxina botulínica teve há outras terapias do tônus muscular, além
seu início nos anos noventa com o uso da toxina disso, é de extrema importância que a técnica
do tipo A. A Toxina botulínica do tipo A é apli- de aplicação esteja sendo realizada de maneira
cada no ventre muscular por injeção e age na correta. Diversos protocolos sugerem o tempo e
diminuição da espasticidade, pois tem sua ação a frequência das aplicações para um tratamento
na placa motora alterando a transmissão da ace- com resultado satisfatório, porém estudos atu-
tilcolina. Devido sua ação, há um ganho consi- ais demonstram que aplicações únicas da Abo-
derável na mobilidade do membro inferior para botulinum toxina A (Dysport), são capazes de
o manejo da musculatura, proporcionando me- gerar o efeito desejado para o manejo da espas-
lhorar no padrão de marcha do paciente em tra- ticidade da marcha equina na paralisia cerebral
tamento.6 em crianças com doses de 10 ou 15 U/kg/perna,
No mercado existem diversos produtos deri- no tratamento anual.1 Além disso, é demons-
vados da toxina botulínica, cada um com um trado que não há vantagem na administração da
componente diferente, porém com o meca- toxina botulínica a cada quatro meses, como su-
nismo de ação similar. Devido a esse fato, sua gerido em outros protocolos, do que anual-
interação com o ventre muscular pode não ser mente, isso resulta em um menor custo de trata-
semelhante e por isso a eficiência e a segurança mento e menor desconforto do procedimento,
entre eles podem apresentar divergências. Ona- físico, psicológico ou emocional.12,13,14
botulinum toxina A (Botox), Letibotulinum to- Um grande temor da realização do trata-
xina A (Botulax), Abobotulinum toxina A mento botulínico pelos médicos, seria a tolerân-
(Dysport) e Incobotulinum toxina A (Xeo- cia de novos pacientes às primeiras doses da to-
mine), são exemplos de toxina botulínica A dis- xina. Foi demonstrado que tanto a segurança
poníveis no mercado. Apesar do uso mais roti- como a eficácia da toxina botulínica A no trata-
neiro da Onabotulinun e da Abobotulinum, es- mento da espasticidade na paralisia cerebral em
tudos apontam que as outras toxinas apresentam crianças que nunca receberam uma dose, é si-

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milar às crianças que receberam uma prepara- gastrocnêmico, está indicada a cirurgia pela téc-
ção para o uso da toxina. Entende-se então que nica de Vulpius, que é realizada mais proxima-
não há necessidade da realização dessa prepara- mente ao nível da fáscia muscular, gerando um
ção e dose inicial pode ser a mesma que habitu- alongamento dos gastrocnêmicos. Nessa téc-
almente é utilizada nos protocolos atuais.15 nica, é realizado uma secção em V invertido,
Apesar da sua grande eficiência no trata- com o paciente em posição de decúbito ventral,
mento, em alguns pacientes as injeções pare- na transição musculo-tendínea e posteriormente
cem não apresentar o efeito desejado. Essa falha suturando as extremidades com o pé em flexão
pode ser justificada pela presença de anticorpos dorsal. Já em pacientes que apresentam uma de-
que atuam diretamente inibindo o efeito da to- formidade em valgo maior do que 10º, poderá
xina botulínica A no organismo. Esses anticor- ser beneficiado de uma epifisiodese medial,
pos estão ligados à genética do paciente que onde é aplicado um parafuso canulado no ma-
pode ser mais sensível à sua produção, comba- lelo medial e acompanhado por radiografias se-
tendo assim a toxina. Em estudo realizado com riadas o crescimento ósseo desse paciente, até
camundongos, foram identificados anticorpos que seja possível a retirada do mesmo e ocorra
no soro do grupo que foi exposto ao tratamento melhora do padrão da marcha e das deformida-
com a toxina botulínica A por três anos, en- des.4
quanto no grupo que foi exposto apenas durante Como já descrito anteriormente, após o pro-
um ano não apresentou anticorpos. Isso sugere cedimento cirúrgico é fundamental a continua-
que, quanto maior a exposição, maior a chance ção dos procedimentos conservadores, visando
de produção de anticorpos, indicando que o tra- uma melhora do padrão da deformação da pato-
tamento seja feito sempre no padrão de um ano logia, uma vez que a lesão nervosa permanece
com intervalos menores ou aplicações únicas e e a espasticidade ao continuar, voltará a gerar
evitando a exposição a tipos diferentes de toxi- deformações. O uso de órteses suropodálicas no
nas.16 pós-cirúrgico desses pacientes se mostrou um
Quando os tratamentos conservadores não eficaz método de manutenção da correção rea-
conseguem atingir o objetivo terapêutico esta- lizada pela cirurgia. Diversas outras aborda-
belecido previamente, se uma contração equina gens cirúrgicas podem ser realizadas, porém
grave é desenvolvida ou quando há dor ou difi- não são tão comuns como as descritas anterior-
culdade no tratamento com órteses, a aborda- mente. Vale ressaltar que cada paciente deve ser
gem cirúrgica é indicada. A cirurgia tem como investigado e abordado de forma individuali-
objetivo aumentar o comprimento dos múscu- zada para garantir o melhor ganho na qualidade
los flexores plantares e pode ser realizada no de vida, sempre atentando para todos os aspec-
ventre muscular dos gastrocnêmicos, na junção tos presentes na patologia apresentada.4,7
musculotendínea do sóleo ou no tendão do cal-
câneo.3 Para se obter um resultado com uma CONCLUSÃO
correção satisfatória, o procedimento deve ser
mais distal possível, entretanto haverá um risco A paralisia cerebral é uma patologia que
de levar o membro à fraqueza devido à um alon- afeta o paciente em diversos aspectos e por isso
gamento exacerbado e com isso alterar a mar- deve ser abordada de forma multidisciplinar.
cha após a recuperação por diminuição da pro- Desde a vida pré-natal é necessária uma aten-
pulsão do membro inferior abordado.4 ção, visando nesse primeiro momento a preven-
Em pacientes que tenha uma contração fixa ção. Quando a paralisia cerebral se agrava é re-
em todo tríceps sural, está indicada um alonga- levante abordar as deformações e as condições
mento do tendão calcâneo em Z, onde é reali- limitantes da vida desse paciente e que afetam
zado uma incisão transversal no centro do ten- diretamente seu meio familiar.
dão, e suas extremidades são posicionadas pa- O acometimento motor deve ser abordado o
ralelamente para gerar deslizamento e final- mais precoce possível, uma vez que com o
mente sutura-las com o pé em uma flexão dorsal avançar do tempo e o crescimento do paciente,
de -10º. A recuperação ocorre por seis semanas as deformações musculares e ósseas podem se
de imobilização e após esse tempo, o paciente instalar. Inicialmente o trabalho fisioterápico e
poderá ser liberado para se apoiar no próprio ocupacional, são os que apresentam melhor
peso. Quando houver apenas acometimento do prognóstico para que ocorra uma mobilização
do membro acometido pela paralisia cerebral

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espástica. Contudo, a fisiopatologia da doença limitados desse paciente, e sim para a melhora
contribui para que não haja uma resolução com- da qualidade de vida de forma geral. O trata-
pleta da alteração muscular do pé equino, sendo mento global envolve melhora da cognição com
necessário avançar nas abordagens. psicopedagogia e psicologia, melhora dos dis-
Sempre mantendo as terapias do tônus mus- túrbios neurológicos com neurologia, nutrição,
cular, é importante avançar no tratamento. O terapia ocupacional e fonoaudiologia e melhora
uso da Abobotulinum toxina A, é capaz de apre- da socialização com terapias em grupo, musico-
sentar uma boa eficácia na redução da espasti- terapia, hipoterapia e a pratica de esportes. Já o
cidade, quando aplicado de maneira correta, em tratamento específico da marcha equina deve
doses de 10 a 15 U/kg/perna e com o protocolo ser abordado por etapas e de caráter mais espa-
de aplicação anual. Não há necessidade de rea- çado possível, quando se trata de meios invasi-
lização de preparo para a toxina e não se deve vos, diminuído o estresse e aumentando a sua
expor o paciente à mais de um tipo de toxina no adesão. Os alongamentos devem ser sempre
protocolo, com o risco de gerar efeitos adversos mantidos, garantindo sempre a manutenção da
e até ineficiência do tratamento por produção de movimentação e flexibilidade do membro aco-
anticorpos. Após o efeito inicial da toxina, é in- metido, assim como o uso das órteses suropodá-
dicado a aplicação única de gesso para melhora licas que será um grande garantidor das altera-
da amplitude do movimento articular do mem- ções corrigidas pela cirurgia.
bro acometido. O paciente com paralisia cerebral não é o
Também está indicado o uso de órteses su- único afetado pela doença, sua família também
ropodálicas nesses pacientes, seja com ou sem deve ser tratada e acompanhada, principalmente
aplicação da toxina botulínica ou cirurgia. Nos no aspecto psicológico, podendo assim dar todo
casos que não foram abordados de forma inva- o suporte que o paciente necessita para conse-
siva, as órteses possuem um papel importante, guir alcançar uma melhora na sua qualidade de
pois favorecem a melhora do padrão da marcha vida de acordo com suas limitações.
em pacientes com mobilidade do tornozelo pre-
servada. As órteses suropodálicas rígida e arti- REFERÊNCIAS:
culada, são indicadas para pacientes que apre-
sentam marcha equina e agem impedindo a fle- 1. Delgado MR, Tilton A, Russman B, Benavi-
xão plantar, enquanto a órtese suropodálica de des O, Bonikowski M, Carranza J, et al.
contra-reação do solo, é utilizada para correção AbobotulinumtoxinA for Equinus Foot De-
de uma possível iatrogênia pós cirurgia, le- formity in Cerebral Palsy: A Randomized
vando o paciente à uma flexão dorsal do pé exa- Controlled Trial. PEDIATRICS. 1o de feve-
cerbada. reiro de 2016;137(2):e20152830–
Quando se trata de abordagem cirúrgica, é e20152830.
compreendido que as técnicas devem ser indi- 2. Dursun N, Gokbel T, Akarsu M, Dursun E.
vidualizadas para cada paciente, visando a cor- Randomized Controlled Trial on Effective-
reção da deformação apresentada. Como as de- ness of Intermittent Serial Casting on Spas-
formidades mais comuns na marcha equina aco- tic Equinus Foot in Children with Cerebral
metem os músculos do tríceps sural, as duas Palsy After Botulinum Toxin-A Treatment:
técnicas mais utilizadas ocorrem nesses. Se American Journal of Physical Medicine &
apenas os gastrocnêmicos são acometidos, a Rehabilitation. abril de 2017;96(4):221–5.
técnica de Vulpius é utilizada e é realizada em 3. Kedem P, Scher DM. Foot deformities in
região mais proximal, impedindo um alonga- children with cerebral palsy: Current Opi-
mento exacerbado do músculo e consequente- nion in Pediatrics. fevereiro de
mente, fraqueza. Já quando o tríceps sural é 2015;27(1):67–74.
todo acometido é indicado o alongamento do 4. Karamitopoulos MS, Nirenstein L. Neuro-
tendão calcâneo em Z, com grande risco de muscular Foot. Foot and Ankle Clinics. de-
alongamento exacerbado do músculo, por ser zembro de 2015;20(4):657–68.
realizado mais distalmente. 5. Wren TAL, Dryden JW, Mueske NM, Den-
Em conclusão, é importante entender que o nis SW, Healy BS, Rethlefsen SA. Compa-
tratamento da paralisia cerebral não é apenas rison of 2 Orthotic Approaches in Children
voltado para as deformações, que é um grande With Cerebral Palsy: Pediatric Physical
Therapy. 2015;27(3):218–26.

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6. Hong B, Chang H, Lee S-J, Lee S, Park J, with Cerebral Palsy: A Randomized Con-
Kwon J-Y. Efficacy of Repeated Botulinum trolled Trial. Toxins. 18 de agosto de
Toxin Type A Injections for Spastic Equinus 2017;9(8):252.
in Children with Cerebral Palsy—A Secon- 12. Hastings-Ison T, Blackburn C, Rawicki B,
dary Analysis of the Randomized Clinical Fahey M, Simpson P, Baker R, et al. Injec-
Trial. Toxins. 21 de agosto de tion frequency of botulinum toxin A for
2017;9(8):253. spastic equinus: a randomized clinical trial.
7. Mulpuri K, Schaeffer EK, Sanders J, Zaltz I, Developmental Medicine & Child Neuro-
Kocher MS. Evidence-based Recommenda- logy. julho de 2016;58(7):750–7.
tions for Pediatric Orthopaedic Practice: 13. Delgado MR, Bonikowski M, Carranza J,
Journal of Pediatric Orthopaedics. outubro Dabrowski E, Matthews D, Russman B, et
de 2018;38(9):e551–5. al. Safety and Efficacy of Repeat Open-La-
8. Hösl M, Böhm H, Eck J, Döderlein L, Aram- bel AbobotulinumtoxinA Treatment in Pedi-
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admill training versus manual static plantar- rology. novembro de 2017;32(13):1058–64.
flexor stretching on muscle-joint pathology 14. Tilton A, Russman B, Aydin R, Dincer U,
and function in children with spastic Cere- Escobar RG, Kutlay S, et al. Abobotulinum-
bral Palsy. Gait & Posture. setembro de toxinA (Dysport ® ) Improves Function Ac-
2018;65:121–8. cording to Goal Attainment in Children
9. Tustin K, Patel A. A Critical Evaluation of With Dynamic Equinus Due to Cerebral
the Updated Evidence for Casting for Equi- Palsy. Journal of Child Neurology. abril de
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Palsy: Casting for Equinus Deformity in Ce- 15. Dabrowski E, Bonikowski M, Gormley M,
rebral Palsy. Physiotherapy Research Inter- Volteau M, Picaut P, Delgado MR. Abobo-
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10. Kelly B, MacKay-Lyons M, Berryman S, dren With Equinus Foot Previously Treated
Hyndman J, Wood E. Casting Protocols Fol- With Botulinum Toxin. Pediatric Neuro-
lowing BoNT-A Injections to Treat Spastic logy. maio de 2018;82:44–9.
Hypertonia of the Triceps Surae in Children 16. Oshima M, Deitiker P, Hastings-Ison T,
with Cerebral Palsy and Equinus Gait: A Aoki KR, Graham HK, Atassi MZ. Anti-
Randomized Controlled Trial. Physical & body responses to botulinum neurotoxin
Occupational Therapy In Pediatrics. 2 de ja- type A of toxin-treated spastic equinus chil-
neiro de 2019;39(1):77–93. dren with cerebral palsy: A randomized cli-
11. Chang H, Hong B, Lee S-J, Lee S, Park J, nical trial comparing two injection schedu-
Kwon J-Y. Efficacy and Safety of Letibotu- les. Journal of Neuroimmunology. maio de
linum Toxin A for the Treatment of Dyna- 2017;306:31–9.
mic Equinus Foot Deformity in Children

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ATUALIZAÇÃO NO RASTREIO DE CROMOS-


SOMOPATIAS
CHROMOSOMAL SCREENING UPDATE

Amanda H.da Silva1; Marcus Jose do A. Vasconcellos2


1 Graduando em Medicina do UNIFESO-Centro Universitário Serra dos Órgãos. amandahottz94@gmail.com
2 Professor do Curso de Medicina do UNIFESO- Centro Universitário Serra dos Órgãos.

RESUMO

Introdução:A ocorrência de anomalias cromossômicas durante a gestação, seja através de alterações na estrutura
ou no número dos cromossomos, mesmo que não tenha uma incidência muito alta, representa um risco a
mortalidade perinatal. Os teses de triagem pré-natal são uma importante ferramenta para uma assistência
especializada e melhor evolução da gestação. Objetivo: Analisar os testes mais recentes utilizados com esta
finalidade, procurando indicações, prós e contras dos mesmos. Metodologia: Revisão de literatura nos últimos
dez anos nas principais plataformas de pesquisa, utilizando descritores: Conjugação genética; Pré-natal; Diagnós-
tico Perinatal. Resultados: A triagem pré-natal tradicional usa um exame de sangue e ultra-som para determinar
o risco de um feto possuir certas anomalias cromossômicas. Recentemente, um novo método de rastreamento
chamado teste pré-natal não invasivo foi introduzido. Através de um exame de sangue se verifica o DNA do feto
encontrado no sangue da materno. Até o momento da redação desta revisão, este teste pré-natal não invasivo não
está disponível na rede pública de saúde e é indicado na presença de fatores de risco para anomalias
cromossômicas (por exemplo, gestantes com mais de 40 anos, aqueles que tiveram uma gravidez anterior com
uma anomalia cromossômica, ou história familiar de cromossomopatias). Conclusões: Esta avaliação da
tecnologia da saúde avalia o quão preciso e útil é o teste pré-natal não invasivo em detectar várias anomalias
cromossômicas na população de risco médio ou geral e se financeiramente viável. Também explora as preferências
e valores das pessoas grávidas, suas famílias e os pais de crianças afetadas pelas condições que os testes pré-natais
não invasivos examinam.
Descritores: Conjugação genética; Pré-natal; Diagnóstico Perinatal

ABSTRACT

Background: The occurrence of chromosomal abnormalities during pregnancy, either through changes in the
structure or in the number of chromosomes, even if it does not have a very high incidence, represents a risk for
perinatal mortality. Prenatal screening theses are an important tool for specialized assistance and better evolution
of pregnancy. Aims: To analyze the most recent tests used for this purpose, looking for indications, pros and cons
of them. Methods: Literature review in the last ten years on the main research platforms, using descriptors: Ge-
netic conjugation; Prenatal; Perinatal diagnosis. Results: Traditional prenatal screening uses a blood test and ul-
trasound to determine the risk of a fetus having certain chromosomal abnormalities. Recently, a new screening
method called non-invasive prenatal testingwas introduced. Through a blood test, the DNA of the fetus found in
the mother's blood is verified. At the time of writing this review, this non-invasive prenatal test is not available in
the public health system and is indicated in the presence of risk factors for chromosomal abnormalities (for exa-
mple, pregnant women over 40, those who have had previous pregnancy with a chromosomal abnormality, or
family history of chromosomal disorders). Conclusions: This health technology assessment assesses how accurate
and useful non-invasive prenatal testing is in detecting various chromosomal abnormalities in the medium or
general risk population and whether it is financially viable. It also explores the preferences and values of pregnant
people, their families and the parents of children affected by the conditions that non-invasive prenatal tests exa-
mine.
Keywords: GeneticConjugation; Perinatal Care; Prenatal diagnosis

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INTRODUÇÃO gestação, em caso de resultado anormal, um


evento estressante.3-5
Os cuidados com a gravidez são projetados A amostra de vilosidades coriônicas (CVS)
afim de tentar detectar possíveis complicações foi desenvolvida como uma alternativa ainda no
durante este período. Consequentemente, a in- primeiro trimestre. Em alguns países europeus,
tensidade da vigilância aumenta com a idade mais de 10% da população de gestantes é sub-
gestacional avançada, quando a maioria com- metida a esse tipo de teste pré-natal invasivo.5
plicações são mais comuns. 1, 2No entanto a Os anos seguintescaminharam com várias
evolução da Obstetrícia foi muito mais impac- tentativas de encontrar uma forma de aborda-
tante, nas últimas duas décadas, no primeiro tri- gem não invasiva precoce, que apresentasse
mestre, principalmente quando falamos do di- alto poder diagnóstico pré-natal para as anoma-
agnóstico da integridade morfológica e cromos- lias cromossômicas.5Kobayashi et al. apresen-
sômica fetal. Aqui estamos falando de conse- taram publicações correlacionando o achado ul-
quências normalmente graves para o resto da trassonográfico isolado de cisto de cordão um-
vida do indivíduo. bilical com anomaliasfetais. Segundo a litera-
A ultrassonografia (USG) obstétrica entre a tura médica, as implicações clínicasdo achado
11ª e a 14ª semana de gestação, denominada ultrassonográfico de cisto de cordão nos 2º e 3º
USG morfológica de primeiro trimestre, além trimestres estãobem estabelecidas, entretanto,
do rastreamento de anomalias cromossômicas, quando no 1º trimestre, o significado ainda era
pode ser empregada para: confirmação ou de- controverso.6
terminação da idade gestacional; avaliação da Por outro lado, a combinação da ultrassono-
anatomia fetal; diagnóstico de malformações; grafia e marcadores bioquímicos mudaram o
rastreamento de anormalidades estruturais mai- paradigma da triagem pré-natal para a síndrome
ores e de síndromes gênicas; definição do prog- de Down e outras trissomias. A avaliação de
nóstico da gravidez; diagnóstico e caracteriza- risco pode estar disponível a partir de dez sema-
ção das gestações múltiplas; e rastreamento da nas de gestação.3
pré-eclâmpsia e da restrição de crescimento in- A principal indicação para o rastreio de cro-
trauterino. 3 mossomopatias é a idade materna avançada, ge-
A visão clássica desta tecnologia está sendo ralmente definida a partir de 35 anos. Em mui-
cada vez mais desafiada pelos avanços da tec- tos países, essa indicação foi substituída por
nologia. Primeiro porque várias complicações uma avaliação rotineira de risco para síndrome
maternas e fetais que se tornam evidentes ape- de Down que inclui além da idade materna, a
nas mais tarde na gravidez, como pré-eclâmpsia associação aachados de ultrassom e marcadores
ou restrição intrauterina de crescimento bioquímicos. Apenas a idade materna teve um
(CIUR), agora podem ser previstas com preci- desempenho ruim como critério de seleção para
são no já no primeiro trimestre. testes diagnósticos invasivos, cerca de 30% dos
Em segundo lugar, porque cerca de metade fetos com síndrome de Down foram detectados
de todos os defeitos fetais graves e a grande após amniocentese ou CVS.5
maioria das cromossomopatias são detectáveis Avaliação de risco no primeiro trimestre
entre 11a e 13a semanas de gestação. Além usando o teste duplo (proteína plasmática A as-
disso, novos algoritmos agora são usados para sociada à gravidez (PAPP-A), gonadotrofina
avaliar o risco destes tipos de complicações na coriônica beta-humana livre (betahCG), espes-
gravidez.1 sura da translucência nucal em combinação
Diante dessas novas descobertas, o foco com a idade demonstrou ser muito eficiênte,
muda do final da gravidez para o início dela, dando uma taxa de detecção de 90 para uma
criando a imagem que a intensidade do pré-na- taxa de falso-positivo de 5%. 15
tal está “de cabeça para baixo “. Este conceito A avaliação de risco está em constante evo-
sugere uma "pirâmide invertida" como disse lução e novos marcadores, como medida do
Nicolaides 4. osso nasal, ducto venoso, regurgitação tricús-
Logo após a USG, há mais de 40 anos, a am- pide, fator de crescimento placentário, são
niocentese foi introduzida como procedimento investigadas e podem ser incorporadas ao
diagnóstico, apesar de invasivo, no segundo tri- algoritmo de triagem pré-natal. Outras
mestre de gestação. Os resultados são disponí- indicações incluem uma gravidez anterior com
veis após 16a semana, tornandoa interrupção da

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uma anormalidade cromossômica, um pai 15.225gestações com achados ultrassonográfi-


portador de anormalidade ou portador de uma cos normais.Foram detectadas aberrações em
doença autossômica recessiva e identificação 272 das 5.750 gestações(4,7%): 115 (2%) de-
de uma anormalidade fetal estrutural por tectável por cariótipo e 157 (2,7%) pelo método
ultrassom.15 submicroscópico.
Em gestações múltiplas, o risco de ter pelo O número de cópia detectado com mais fre-
menos uma feto com anormalidade quênciaforam deleções 22q11.21 (0,4%). Có-
cromossômica é maior do que em gestações pias específicas de variantes detectadas nas ges-
únicas demães de mesma idade. Isso fala a tações comachados ultrassonográficos anor-
favor da opção pelo CVS como procedimento mais foram até 20 vezesmais prevalentes em
invasivo de escolha em gestações gemelares.5 comparação com as gestações de baixo risco.
Algumas variantes foram associadas a fenó-
OBJETIVOS: tipos específicos(por exemplo, microdeleções
22q11.21 com doenças cardiovasculares emi-
PRIMÁRIO crodeleções 17q12 com defeitos genituriná-
Realizar uma revisão na literatura da prope- rios).Os resultados da análise de microarranjos
dêutica obstétrica vigente para o diagnóstico são duas vezes maiores em gestações com vá-
precoce das aneuploidias e malformações fe- rias alterações anormais nos achados ultrasso-
tais. nográficos.
SECUNDÁRIOS O passo seguinte foi a evolução para a am-
Propor um protocolo mínimo para aplicar niocentese precoce e a biópsia de vilo corial. A
em gestantes de baixo e alto risco. taxa de aborto relacionada ao procedimento é
de 0,5–1,0% para estes procedimentos. A bióp-
MÉTODOS sia não deve ser realizada antes de dez semanas
devido a risco de defeitos na redução de mem-
A proposta deste trabalho tem como meto- bros, e a amniocentese antes 15 semanas pro-
dologia uma revisão da bibliografia, para tal fo- porciona um aumento da taxa de aborto e mais
ram utilizados bases de dados específicas como talipes equinovarus nos recém-nascidos. Opera-
PubMed e SciELO, procurando artigos publica- dores experientes podem ter uma maior taxa de
dos na última década sobre os métodos diagnós- sucesso e com isso uma menor taxa de compli-
ticos de trissomias e malformações no primeiro cações. O número decrescente de procedimen-
trimestre da gestação. Nos principais sistemas tos invasivos pré-natais após a introdução dos
de busca usou-se os seguintes descritores: Ge- novos algoritmos de primeiro trimestre, está di-
neticsConjugation; Perinatal Care; Prenatal di- retamente ligado a qualidade do desempenho
agnosis. Após leitura dos títulos e resumos dos dos operadores.5
artigos encontrados, 25 trabalhos foram seleci- Quando abordamos a gestação gemelar a
onados com a finalidade responder os objetivos taxa de perda espontânea é maior e está associ-
previamente estabelecidos nessa pesquisa. ada com a corionicidade. Nenhum estudo pros-
pectivo randomizado foi realizado em gesta-
RESULTADOS
ções gemelares para avaliar a perda gestacional
A preocupação com o diagnóstico das mal- associada a um procedimento invasivo, e os da-
formações durante o pré-natal, começou com o dos publicados revelam poucas séries de paci-
aprimoramento do método ultrassonográfico. entes. Vários estudos de coorte compararam ta-
Inicialmente comparavam-se os achados de xas de aborto pós-procedimento em gestações
imagem com o fenótipo após o nascimento. gemelares após amniocentese ou vilo corial:
Sagi-Dain et al.realizaram análises cromossô- após amniocentese (2,7%) em comparação com
micas pós-parto realizadas em vários hospitais gestações únicas (0,6%).5
de Israelentre janeiro de 2013 e setembro de Quando observamos a biópsia de vilo corial
2017.7 a taxa geral de perda da gravidez em gestações
A taxa de achados anormais de microarran- gemelares foi comparável ao da amniocentese
jos cromossômicosfoi comparada com uma po- (3,2% para 2,9% na amniocentese ). Um
pulação controle descrita anteriormente de aumento do risco de perder pelo menos um feto
era, no entanto, encontrado no grupo da

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amniocentese (9,3 vs. 4,9%). Pode-se concluir respectivamente, incluindo 31.053, 28.092 e
que, nas gestações gemelares, a taxa perda fetal 26.721 mulheres grávidas em todo o mundo.
após amniocentese ou vilo corial foi maior do Quatro fatores influentes em potencial foram
que nas gestações únicas.5 estudados usando um modelo de regressão
Uma nova abordagem diagnóstica no pré- linear múltipla (RML), incluindo idade
natal das trissomias foi testada através da materna, idade dos dados, tamanho da amostra
avaliação do ducto venoso (DV) pela e região da população.
ultrassonografia doppler. Ge et al. mostraram Os resultados mostraram que a DV estava
que resultados de diferentes estudos têm sido significativamente relacionada a T21, T18 e
amplamente inconsistentes.8 T13 (LOR = 3,44, 3,89 e 3,46; valor de P <0,1).
Em seu estudo objetivaram investigar a Também sugeriram que fatores significativos
relação entre DV e as 3 principais aneuploidias para aregião da população (valor de P <
fetais por uma metanálise sistemática: trissomia 0,0021), mas não para o tamanho da amostra, a
21 (T21), trissomia 18 (T18) e trissomia 13 idade dos dados e idade materna (valor P <
(T13). Os dados da relação DV-T21 /T18 /T13 0,078).
foram extraídos de 9, 7 e 6 estudos anteriores, Uma nova ideia partindo de Londres criou
respectivamente, incluindo 31.053, 28.092 e um novo algoritmo não invasivo para a
26.721 grávidas em todo o mundo. Quatro detecção precoce das anomalias gênicas.
fatores influentes em potencial foram estudados Santorum et al. a partir do grupo chefiado pelo
usando um modelo de regressão linear múltipla importante perinatalista Kipros Nicolaides,
(RML), incluindo idade materna, idade dos começaram o modelo preocupados com as
dados, tamanho da amostra e região da trissomias 21, 18 e 13.10
população. Este foi um estudo prospectivo de validação
A insonação do DV estava da avaliação de um combinação de idade
significativamente relacionada a T21, T18 e materna, translucência nucal fetal, freqüência
T13 (Odds Ratio = 3,44, 3,89 e 3,46; valor de P cardíaca fetal e gonadotrofina (β-hCG) no soro
<0,1 ). Os autores mostraram que os resultados e proteína A (PAPP-A) no plasma.11 Foram
sugeriam fatores influentes significativos colhidas amostras da 11asemana a 13asemana e
poderiam incluir a região da população (valor 6 dias de gestação em 108 982 gestações únicas.
de P <0,0021), mas não o tamanho da amostra, Na população estudada, houve 108 112 (99,2%)
a idade dos dados e idade materna (valor p < casos com cariótipo fetal normal ou nascimento
0.078 ).Concluiram então que a integração da de recém-nascido fenotipicamente normal e
DV poderia ajudar na detecção de trissomia, 870 (0,8%) casos com cariótipo anormal,
mas a precisão e a validade podem variar incluindo trissomia 21 (n = 432), trissomia 18
dependendo da populações, que precisam ser (n = 166), trissomia 13 (n = 56), monossomia X
estudadas individualizadas. (n = 63), triploidia (n = 35) ou outra aneuploidia
Para evitar este índice de perdas provocadas (n = 118). Os autores afirmaram que em um
pelo procedimentos invasivos, algumas estudo prospectivo de validação, no primeiro
abordagens não invasivas, a princípio isoladas, trimestre, o teste combinado detectou 90%,
começaram a aparecer na literatura. Um delas 97% e 92% dos trissomias 21, 18 e 13,
foi a insonação do ducto venoso utilizado o respectivamente, bem como > 95% dos casos de
modo doppler da ultrassonografia. monossomia X e triploidias, além de > 50% de
O método (DV) tem sido sugerido como outras anomalias cromossômicas.12
biomarcador para a triagem precoce das A idéia foi compartilhada por vários autores
trissomias No entanto, resultados de diferentes nos anos seguintes. Kagan et al. em pesquisa
estudos têm sido amplamente inconsistentes. nos bancos de dados Medline e Embase
Ge et al. ( 9 ) publicaram estudo com objetivo realizaram uma revisão detalhada da literatura
investigar a relação entre DV e as 3 principais para avaliar os testes de triagem disponíveis e
aneuploidias fetais através metanálise seu respectivo desempenho.11
sistemática: trissomia 21 (T21), trissomia 18 Os resultados mostraram que a triagem
(T18) e trissomia 13 (T13). combinada para trissomia 21 com base em
Os dados da relação DV-T21 / T18 / T13 idade materna, translucência nucal e os
foram extraídos de 9, 7 e 6 estudos anteriores, marcadores séricos beta hCG livre e PAPP-A

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resulta em uma taxa de detecção de cerca de interação da genética e as exposições


90% comum falso positivo de 3 a 5%.12 Com a ambientais e, por exemplo, por que os fetos de
adição de mais marcadores ultrassonograficos, mulheres com diabetes mal controlado têm
a taxa de falsos positivos pode ser reduzida a maior risco de anomalias congênitas. No
metade.11,12 entanto, esses testes estão atualmente sob
Alguns outros países publicaram artigos investigação e não estão disponíveis para
com a utilização do novo algoritmo do projeto previsão ou uso clínico.11,12
para trissomias de Londres usando uma A triagem de DNA sem células (cfDNA) é
combinação de idade, translucência nucal fetal uma tecnologia pré-natal emergente disponível
(TN) e pesquisa no soro materno da β-hCG e da em 90 países.12 Apesar de sua rápida difusão
PAPP-A. Entre 2002 e 2007, Lüthgens et al. global, existe uma lacuna no conhecimento
apresentaram estudo com a mensuração da TN, sobre sua implementação fora da América do
prospectivamente, em 39004 gestações como Norte e Europa, principalmente em países de
triagem de primeiro trimestre na Alemanha.12 baixa renda. Para discutir, um grupo de
Após exclusões, 38751 gestações únicas pesquisadores organizou um workshop
foram incluídos no estudo, com 109 (0,3%) comparativo internacional para explorar as
casos de trissomia 21. Apenas 35% das medidas implicações éticas e sociais da expansão global
de TN de euplóides estavam acima da mediana da triagem cfDNA.13
e 25% estavam abaixo do percentil 5 do Descreveram oito premissas principais que
programa ingles. Para ultrassonografistas surgiram das discussões para ilustrar como as
qualificados de acordo com o nível II ou III do discussões bioéticas e as estruturas normativas
sistema alemão de utilização do método, a que originam e refletem as prioridades éticas da
mediana da TN de fetos com trissomia 21 América do Norte e da Europa podem ser
estava 0,9 mm acima da mediana dos ingleses e enriquecidas atendendo à importância do
apenas 0,5 mm acima da mediana para todos os contexto local. A utilidade e as implicações
outros sonógrafos.12,13 éticas da triagem do cfDNA são altamente
Apesar do desempenho limitado da variáveis e dependem dos sistemas de saúde
mensuração da TN, a detecção geral da taxa de locais, contextos e necessidades culturais,
trissomia do 21 foi de 90,8% quando econômicas e sócio-políticas. Concluiram por
combinada com a idade materna, PAPP-A e β- uma compreensão mais sutil, dinâmica e
hCG livre. A taxa geral de falsos positivos foi contextual que a disseminação internacional da
de 6,5% com um valor de corte de 1: 300. triagem cfDNA, evocará diversos desafios em
Portanto os estudiosos alemães aceitaram a diferentes contextos.14
utilização da proposta inglesa na detecção da A triagem pelo sangue materno do cfDNA
trissomia 21.12 para aneuploidia, introduzida em 2011, possui
Os testes genômicos avançaram, e alta sensibilidade e especificidade para
utilizando a tecnologia de sequênciamento da trissomias comuns e foi rapidamente integrada
próxima geração pode ser realizado diretamente à prática clínica.13,14
em amostras fetais obtidas por amniocentese ou A triagem docfDNApara distúrbios
amostragem de vilosidades coriônicas. O teste mendelianos de um único gene está apenas se
genético padrão atual inclui cariótipo e análise tornando disponível clinicamente e, embora
de microarranjos cromossômicos. Relatórios de dados clínicos prospectivos ainda não estejam
casos limitados e séries de casos sobre o uso do disponíveis, uma prova de princípio foi
sequenciamento no pré-natal estão disponíveis publicada sobre a possibilidade de detectar
e mais estudos estão descobrindo que o distúrbios de um único gene de forma não
sequenciamento total do genoma(Whole Exome invasiva.11-13
Sequencing -WES) pode identificar etiologias As complexidades tecnologicas, o custo e a
moleculares em fetos com múltiplas anomalias necessidade de amostras de validação para
que não receberiam diagnóstico com teste desordens raras retardaram o desenvolvimento
genético padrão.11 do uso docfDNApara desordens de um único
Outros testes sob investigação fazem uso da gene.11 Atualmente, esses testes são limitados
transcriptômica e epigenômica para esclarecer pelo custo, baixa sensibilidade e especificidade
os distúrbios multifatoriais e entender melhor a e a necessidade para teste diagnóstico

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confirmatório. Assim, o papel do uso da natal atual.18 A baixataxa de falsos positivos (1-
triagem docfDNApara desordens de um único 3%) é uma das maiores vantagens anunciadas
gene ainda não está claro. No entanto, uma do NIPT. Na prática, issopotencialmente
ampla aplicação populacional para testes poderia levar a uma redução significativaem
direcionados ou para triagem universal usando testes falso-positivos e a necessidade de
cfDNAteria vantagem mínima sobre os testes procedimentos invasivos diagnóstico.18
de diagnóstico, devido à taxa de perda Como o DNA feto-placentário está presente
extremamente baixa de amniocentese e já no iníciogravidez, o NIPT pode ser realizado
amostragem de vilosidades coriônicas.11 a partir de dez semanas de idade gestacional ou
Os avanços moleculares nos colocaram até mais cedo.Os fragmentos de DNA que
diante do teste pré-natal não invasivo (NIPT– circulam livremente permanecemna circulação
Non-Invasive Prenatal Testing) que é uma materna por apenas horas ou, nomáximo um ou
triagembaseada em tecnologia que analisa dois dias após cada gravidez.15
oDNA, desde 1997, do feto-placentário O obstáculo técnico para NIPT, está
presente no sangue materno.15,16 O NIPT foi vinculado ao índice de massa corporal materno
lançado pela primeira vez em Hong Kong em (IMC), pois o DNA feto-placentário é "diluído"
agosto de 2011 e logo depois foi introduzido devido ao maior volume circulatório.18
comercialmente nos EUA em outubro de Mais modernamente as técnicas não
2011.15 invasivas atraves da coleta do sangue materno
O NIPT disponível comercialmente evoluíram para a análise cromossômica de
identifica as mais frequentes aneuploidias microarranjos, considerada o padrão-ouro para
cromossômicas observadas, incluindo detecção da variante do número de cópias
síndrome de Down (trissomia 21), Edward (CNV- Copy Number Variation) no diagnóstico
(trissomia 18), síndrome de Patau (trissomia pré e pós-natal.19
13) e aneuploidias cromossômicas sexuais Uma análise de CNV em todo o genoma de
comuns como a síndrome de Turner (X) e um grupo multicêntrico de 570 pacientes
Klinefelter (XXY). O NIPT não é um teste constituído de 198 abortos, 37 natimortos, 149
diagnóstico, mas sua alta sensibilidade (taxa pré-natais, e 186 amostras pós-natais foram
positiva verdadeira) e especificidade testadas. Além de 119 indivíduos com
(verdadeira taxa negativa) tornam-o uma aneuploidias, 103 CNVs foram identificados
alternativa atraente substitutiva as abordagens em 82 amostras, com rendimentos diagnósticos
pelo ultrassom e testes sanguineos.15-17 de 53,2% (intervalo de confiança de 95%: 45,8,
O Instituto National de Excelência Clínica 60,5), 14,7% (5,0, 31,1), 28,5% (21,1, 36,6) e
(NICE-The National Institute for Clinical 30,1% (23,6, 37,3) em cada grupo,
Excellence) na Inglaterra , recomendou o NIPT respectivamente. O mosaicismo foi observado
como uma opção econômica para orientar em um nível tão baixo como 25%.18,19
profilaxia pré-natal, já que o custo total dos O que nunca podemos nos esquecer é o fato
testes é de £ 24.17 Entretanto no Brasil o custo que antes que novos testes sejam oferecidos,
desse mesmo exame em sua forma mais simples ensaios de validação em larga escala devem ser
(sem pesquisa de outros risco de aneuploidias) realizados, seguidos de publicações revisadas,
custa por volta de 1.885,00 reais na rede com a demonstração de alta sensibilidade,
privada. especificidade e valor preditivo positivo e
A partir de 2014, testes estão disponíveis negativo.18
comercialmente para anormalidades nos Os testes atualmente disponíveis para
cromossomos 1p, 5p, 15q, 22q, 11q, 8q e anormalidades cromossômicas sexuais e
4p.40,41. A especificidade e sensibilidade síndromes de microdeleção usando DNA sem
desses testes, no entanto, ainda não foram células não foram submetidos a estudos em
totalmente validados.17 larga escala e o valor preditivo positivo desses
O desempenho clínico do NIPT é testes é baixo. À medida que as condições
relatado99% sensível à trissomia 21, com testadas se tornam mais raras, grandes estudos
resultado positivovalores preditivos variando de validação clínica se tornam menos
de 45% a 99%, 4,9–12 que mesmo na faixa viáveis.17,19
mais baixa é 10 vezes melhorque a triagem pré-

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A triagem e os testes pré-natais não detecção das anomalias cromossômicas, princi-


invasivos se expandirão inevitavelmente; isso palmente em relação aos casos de trissomia 21,
será impulsionado em parte por empresas com com baixas taxas de falso positivo.21-22
fins lucrativos. Os clientes devem monitorar Uma comparação entre o algoritmo proposto
sistematicamente as diretrizes da sociedade e pelo grupo inglês e a amostra de sangue ma-
rastrear quais testes são solicitados, bem como terno para detecção de células fetais precisava
os resultados dos testes, especialmente os ser feita. Wald et al. assim o fizeram, e com pa-
custos dos testes de acompanhamento devido a cientes de cinco hospitais no Reino Unido, reu-
resultados falsos positivos.18-20 niram 22 812 pacientes que realizaram o teste
As sociedades profissionais e acadêmicas combinado para triagem pré-natal de trissomias
devem fazer todos os esforços para reunir e 21 (T21), 18 (T18) e 13 (T13) como parte do
analisar sistematicamente os dados para serviço destes hospitais. Aquelas com risco de
fornecer a orientação ideal para umaentão ter uma alteração no teste foram refletidas para
introdução de novos testes. Além disso, as um teste de sequenciamentode DNA em plasma
sociedades profissionais devem trabalhar juntas armazenado da amostra de sangue original, evi-
e publicar declarações conjuntas mostrando tando assim nova visita.22
consenso, em vez de declarações conflitantes Os resultados mostraram que 2.480 (10,9%)
separadas sobre as melhores práticas.20 foram encaminhadas ao teste de DNA; 101/106
detectados (69/73 T21, 24/25 T18 e 8/8 T13),
DISCUSSÃO comprovando uma detecção de 95% (intervalo
de confiança de 95% 89-98%) com quatro fal-
Em nosso meio as pesquisas avançaram no sos positivos (0,02%, intervalo de confiança de
diagnóstico precoce e não invasivo. Vários arti- 95% 0,00-0,05%). As chances de ser dado um
gos, com séries prospectivas que utilizaram a resultado positivo foram 25:1. Dos 105 positi-
combinação de exames, começaram a ser publi- vos para cromossomopatia 21(87%) tiveram
cados em nossa literatura específica. um teste diagnóstico invasivo. A triagem evitou
Um exemplo é trabalho de Drummond et al. até 530 testes de diagnóstico invasivos em com-
com estudo envolvendo gestantes com feto paração com o uso do teste combinado.22
único, referidas ao setor de medicina fetal para No algoritmo desenvolvido pelo
a realização do teste de rastreamento do pri- FetalFundação de Medicina Fetal (FMF) da
meiro trimestre da gestação pela combinação da Alemanha, criadapara avaliar os achados de
idade materna, a medida da translucência nucal alterações cromossomicas na rotina do primeiro
e dois marcadores bioquímicos do soro ma- trimestre, abordou a preocupação com a taxa de
terno: free β-hCG e PAPP-A. Para avaliar o de- falso-positivo (TFP) determinadapara todo o
sempenho do teste foram calculados a sensibi- grupo de estudo sem estratificaçãopelo peso
lidade, especificidade, valores preditivos posi- materno.21-23
tivos e negativos e as taxas de falso positivo, Com base nos dados recebidosfoi
considerando como risco elevado valores supe- capazidentificar um aumento na TFP para o
riores a 1:300.21 peso pacientes, principalmente para
Foram incluídas 456 gestantes submetidas pacientescom pesos corporais extremamente
ao teste. A idade materna avançada, acima de altos. O objetivodeste estudo foi demonstrar
35 anos, ocorreu em 36,2% dos casos. A inci- que a variabilidadeda TFP pode ser reduzida
dência de cromossomopatia na população estu- através do ajusteas concentrações de β-HCG e
dada foi de 2,2%. Vinte e uma das gestantes PAPP-A maternos por meio de umafunção de
(4,6%) apresentou risco elevado ao teste (supe- regressão não linear modelando a
rior a 1:300). Usando-se este ponto de corte, a dependênciadesses valores no peso materno.23
sensibilidade do teste foi de 70% para as cro- O banco de dados usado disponibilizou 546
mossomopatias em geral e 83,3% para os casos gestações resultantesno nascimento de uma
de trissomia do cromossomo 21, com taxa de criança sem anomalias cromossômicas,
falso positivo de 3,1%.21 enquanto o grupo com resultados positivos
Os autores concluíram que o rastreamento apresentando 500 casos de trissomia 21 e 159de
combinado do primeiro trimestre foi eficaz na trissomias 13 ou 18. Usando este modelo,os
resultados encontrados relacionaram um peso

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corporal materno médio de68,2 kg, com uma Após a introdução do contemporâneo debate
incidência significativa de alterações ético e político sobre o aborto, eu introduzo a
cromossômicas.23 fenomenologiano contexto da medicina e da
Estudos de custo-benefício e satisfação do maneira como os fenomenologistasentenderam
pacientesão urgentemente necessários, com como o corpo humano deve ser vivido e experi-
subanálise para mulheres de alto risco e obesas, mentadopelo seu dono. Eu então volto para a
bem comogestações múltiplas.23 questão da gravideze discuto como o embrião
Ainda nesse artigo vale a pena reforçar qual ou feto pode aparecer para nós,particularmente
a melhor forma de abordagem da paciente para da perspectiva da mulher grávida.
o aconselhamento para a realização dos testes A maneira como a tecnologia médica mudou
pré-natais para a detecção de anomalias congê- aexperiência de gravidez - também para a mu-
nitas. Rink & Kuller em 2017 propuseram o se- lher grávidaquanto ao pai e / ou outros parentes
guinte protocolo básico:24 próximos - é discutido, particularmentea imple-
• Enfatize que o teste é opcional; mentação do ultrassom obstétrico precoce de
• Forneça uma análise de risco individua- triagem e exames de sangue para a síndrome de
lizado baseado na história familiar, sa- Down eoutros defeitos médicos. Concluo meu
úde materna ou exposições ambientais; pensamento sugerindoque a fenomenologia
• Esclareça a diferença entre os testes de pode nos ajudar a negociar um tempo superior-
triagem e diagnóstico; limite para o aborto legal e, também, fornecer
• Analise as características clínicas e a va- maneiras de determinarem quais casosestes de-
riabilidade das condições para as quais vem ser encarados como boas razões para reali-
teste pode estar disponível; zarum aborto.”
• Descreva os princípios básicos da meto-
CONCLUSÕES
dologia e da tecnologia;
• Descreva o desempenho da sensibili- A avaliação no primeiro trimestre da
dade / especificidade, valor preditivo po- anatomia fetalé altamente viável e algumas
sitivo / negativo, risco /benefício; anomaliaspodem ser detectadas com confiança
• Resultado negativo do rastreio não ga- entre 11 e 14 semanas degestação.
rante criança saudável; Numa era de aumento do diagnóstivo pré-
• Resultado positivo na triagem de alto natal não invasivo(testes genéticos), a
risco não significa fetos definitivamente ultrassonografia precoceé necessária para
afetado; selecionar as mulheres que não se beneficiarão
• Discutir custos; dos testes invasivos.
• Explique o potencial para informações O ultrassom precoce também
antecipadas, variante de significado in- detectarádefeitos não genéticos e defeitos
certo, descoberta incidental; associados aanomalias genéticas que não sejam
• Se disponibilize a comentários e opini- trissomias comuns.Portanto, o ultrassom do
ões, garantindo confidencialidade. primeiro trimestre não deveser descartado.
Para terminar este trabalho, deixamos uma Deve-se tomar cuidado para diminuir o
reflexão de Fredrik Svenaeus em 2018, que nos número defalsos positivos e falsos negativos do
faz pensar nos aspectos filosóficos que primeiro trimestre. Em muitos casos, com
apareceram com o avanço do diagnóstico pré- descobertas sutis,ultrassonografias de
natal.25 acompanhamento no segundo trimestresão
“Investigo as maneiras pelas quaisfenome- necessários para determinar com precisão a
nologia poderia guiar nossos pontos de vista so- extensão dodoença.
bre os direitos e/ou erros do abortamento. Que Estudos de custo-benefício e satisfação do
eu saiba, pouquíssimos fenomenólogosdirecio- pacientesão urgentemente necessários para
naram sua atenção para esse problema, embora avaliar esta abordagem, comsubanálise para
alguns tenham se esforçado para entender earti- mulheres de alto risco e obesas, bem
cular os temas fortemente relacionados à gravi- comogestações múltiplas.
dez enascimento, mais frequentemente no con-
texto da filosofia feminista.

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COVID-19 E TROMBOEMBOLISMO PULMONAR


COVID-19 AND PULMONARY EMBOLISM

Bruno Alexandre L. Rodrigues1; Carlos P. Nunes2


¹Aluno da graduação de Medicina, do décimo primeiro período da UNIFESO
2
Professor Titular da Faculdade de Medicina da UNIFESO

RESUMO

Introdução: Em dezembro de 2019, foi constatada uma elevação do número de casos de pneumonia causada por
um novo coronavírus identificado como B-coronavírus, que teria o potencial de causar complicações como trom-
boembolismo pulmonar.Objetivo: O presente relatório tem como finalidade, por meio de uma revisão literária,
relatar um pouco mais acerca do tromboembolismo pulmonar em pacientes infectados pelo COVID-19. Métodos:
Foram utilizados 16 artigos para realização deste trabalho, e todos relatam sobre tromboembolismo pulmonar e
COVID-19, trazendo informações através de relatos de caso, revisão literária e estudos prospectivos.Conclusões:
Após leitura dos artigos foi possível relacionar o evento tromboembolismo pulmonar e COVID-19 pela coagulo-
patia causada pelo vírus quando este adentra o organismo havendo liberação de citocinas inflamatórias que atuam
na cascata de coagulação destes pacientes.
Descritores: Infecções por Coronavirus, embolismo pulmonar, tromboembolismo

ABSTRACT

Introduction: In December 2019, a number of cases of pneumonia caused by a new coronavirus identified as B-
coronavirus were found, which would potentially cause complications such as pulmonary thromboembolism. Ob-
jective: This research aims, through a literary review, to report more about COVID-19 and pulmonary embolism.
Methods: Sixteen studies were used to carry out this work, and all of them report about COVID-19 and pulmonary
embolism, bringing accurate and reliable information through case reports, literary reviews and prospective stud-
ies. Conclusion: After reading the articles, it was possible to relate the event of pulmonary thromboembolism and
COVID-19 due to coagulopathy caused by the virus when it infects an organism that releases inflammatory cyto-
kines that act in the coagulation cascade of patients.
Keywords: Coronavirus Infection, pulmonary embolism, thromboembolism

INTRODUÇÃO possuíam material genético semelhante aos


morcegos, o que levou a acreditar que o con-
Recentemente, casos de pneumonia tiveram sumo destes animais possa ter sido o gatilho ini-
uma elevação expressiva na Ásia. O responsá- cial para a infecção em humanos. Esta ocorreria
vel por esse aumento foi identificado como um humano-humano após o contato com indivíduo-
novo coronavírus, B-coronavírus, em dezembro sinfectados pelo vírus, sintomáticos ou assinto-
de 2019. Estes casos estavam interligados com máticos, o que provocou a disseminação para
o mercado local de peixes e alimentos mari- profissionais de saúde e trabalhadores comuns.1
nhos, sendo o primeiro descrito em Wuhan, na Os coronavírus são responsáveis por causar
China. Em fevereiro, cientistas da Organização sintomas respiratórios, comoresfriados comuns,
Mundial de Saúde decidiram nomear a doença e possuem baixa patogenicidade. Estes são clas-
como doença do coronavírus 2019 enquanto o sificados em quatro gêneros, sendo eles: alfa,
grupo de estudos decidiu nomeá-la como beta, gama e delta. Os gêneros alfa e beta infec-
SARS-CoV-2 .1 tam mamíferos, enquanto os tipos gama e delta,
Estudos genéticosrevelaram que o vírus po- pássaros. Existem ainda outros tipos, como
deria ter sua origem a partir da transmissão atra- SARS-CoV e MERS-CoV, já conhecidos por
vés de morcegos. Além disso, foi evidenciado produzirem infecções potencialmente fatais e
que animais comercializados no mercado local graves do trato respiratório.1
de peixes, como pangolins e tartarugas,

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O SARS-CoV-2 é um B-coronavírus de OBJETIVO


RNA positivo, envelopado, capaz de utilizar a
enzima conversora de angiotensina 2 (ECA2) Primário: Discutir a relação do tromboem-
para infectar humanos. A ECA2 é uma enzima bolismo pulmonar e COVID-19
encontrada no trato respiratório inferior, res- Secundário: Discutir o uso da terapia anti-
ponsável pela infecção humano-humano. Após coagulante em pacientes COVID-19
utilizar os receptores celulares da ECA2, o vírus
se funde às células, assim o RNA é inserido e MÉTODOS
se replica dentro do organismo.1
Como uma doença respiratória, COVID-19 Foram pesquisados os descritores “Corona-
é primariamente transmitido através de secre- virus infections” e “Pulmonary embolism’’ no
ções respiratórias e do contato direto. Porém, PubMed, com 45 resultados obtidos. Destes, fo-
estudos com swab fecal e sanguíneo evidencia- ram escolhidos 7, com base na leitura e análise
ram a presença do vírus, o que sugere outras do conteúdo. Também foram utilizados descri-
formas de transmissão, já que a ECA2 está pre- tores “Coronavirus infections” e “Pulmonary
sente nos enterócitos intestinais 1 embolism” em diversos bancos de dados, como
Os sintomas mais comuns da doença são re- Cochrane, BioMedCentral, EBSCOhost e Li-
lativamente parecidos com os da síndrome gri- lacs, obtendo-se diversos artigos relacionados
pal como tosse, febre e fadiga, mas outros sin- com o tema em questão, mas que não foram se-
tomas podem ser encontrados com menos fre- lecionados para o trabalho após leitura e análise
quência como diarreia e vômitos. Em exames do conteúdo dos artigos. Assim, foi avaliado o
laboratoriais pode encontrar-se leucopenia e grau de classificação das revistas em que houve
linfopenia e, em estados mais graves, aumento a publicação escolhendo as mais bem coloca-
da ureia, creatinina, D-dímero e até mesmo ele- das, a data de publicação buscando sempre os
vação de citocinas inflamatórias como IL-6, IL- mais recentes, além disso, foi observado se
10 e IL-11.1,2 atendiam ao tema proposto.
Um dos achados em pacientes com COVID- Foi acrescentado manualmente a essa busca,
19 é a trombose, visto que é uma doença que os relatórios “the origin, transmission and clin-
libera diversas citocinas inflamatórias, portanto ical therapies on coronavirus disease 2019
propicia a formação de trombos que impactam (COVID-19) outbreak - an update on the sta-
especialmente em locais como o pulmão, le- tus” , ’’Pulmonary Embolism: Pathophysiol-
vando à piora clínica e hipóxia.2 ogy, Diagnosis, Treatment”, ”Pulmonary em-
O método diagnóstico padrão-ouro é a de- bolism:an update”,”Venous and arterial
tecção do ácido nucléico por swab nasal e de thromboembolic complications in COVID-19
orofaringe; ou por amostras do trato respiratório patients admitted to an academic hospital in
através dareação de cadeia da polimerase (PCR) Milan, Italy”, ”Pulmonary embolism in cases of
que posteriormente é confirmada por sequenci- COVID-19”, “Prevalence of venous thrombo-
amento.1 embolism in patients with severe novel corona-
O prognóstico é favorável na maior parte virus pneumonia”, “Acute Pulmonary Embo-
dos casos, entretanto, muitos pacientes evoluem lism Associated with COVID-19 Pneumonia
para condições críticas, principalmente idosos e Detected by Pulmonary CT Angiography”, “In-
aqueles que possuem comorbidades. Esta do- cidence of venous thromboembolism in hospi-
ença tende a progredir rapidamente nestes paci- talized patients with COVID-19” e “Anticoagu-
entes, principalmente naqueles com 65 anos ou lant treatment is associated with decreased
mais. As complicações descritas são a síndrome mortality in severe coronavirus disease 2019
da angústia respiratória aguda (SARA), arrit- patients with coagulopathy” devidamente lis-
mia, choque, injúria renal aguda (IRA), lesão tado nas referências bibliográficas.
cardíaca aguda, disfunção hepática e infecções
RESULTADOS E DISCUSSÃO
secundárias. Estudos demonstraram que idosos
do sexo masculino com comorbidades e SARA
Virchow descreveu o primeiro embolismo
têm elevada taxa de mortalidade.1
pulmonar nos anos de 1800 e esta era uma do-
ença raramente diagnosticada antes da morte. O

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embolismo pulmonar é causa importante de ins- tecido pulmonar e estado de hipercoagulabili-


tabilidade hemodinâmica e de morbimortali- dade sistêmica.2
dade. É uma complicação da trombose venosa No estudo de Klok et al., observou-se que
profunda (TVP) sendo prevenção, diagnóstico e COVID-19 é fator predisponente para trombose
tratamento uma maneira importante de se evitá- tanto venosa quanto arterial devido à inflama-
la.3,4 ção, hipóxia, imobilização e CIVD. Desta ma-
A fisiopatologia e as manifestações clínicas neira, tornou-se necessário utilizar-se profilaxia
da doença dependem de 4 fatores principais antitrombótica, especialmente em pacientes ad-
como tamanho do trombo e extensão da oclusão mitidos em unidades de terapia intensiva (UTI),
da árvore vascular; condição cardiopulmonar que são de certa maneira mais propensos a de-
pré-existente; vasoconstrição química causada senvolver um evento trombótico.5
pela liberação de serotonina e tromboxano; e Marietta et al. observaram a existência de
vasoconstrição reflexa pela provável dilatação um estado de hipercoagulabilidade durante a in-
reflexa da artéria pulmonar. Quando o trombo fecção pelo COVID-19. O aumento do D-dí-
impacta na circulação pulmonar há obstrução mero, bem como das citocinas pró-inflamató-
mecânica e liberação de hormônios causando rias, como IL-2 e IL-6, estão correlacionados
vasoespasmo gerando aumento da pós-carga e com o prognóstico do paciente, sendo o au-
consequentemente aumento no consumo de mento destas um fator para gravidade do caso.
oxigênio pelo ventrículo direito. A parede car- Os achados encontrados mostraram uma rela-
díaca dilata e afina, com isso há aumento do es- ção entre trombose e inflamação.2
tresse da parede e redução da perfusão corona- Os fatores de coagulação e as plaquetas
riana. Ao mesmo tempo, isto diminui o débito estão diretamente ligadas à modulação da imu-
cardíaco, piorando a hipoxemia.3 nidade do indivíduo, que mostrou que suas fun-
O tromboembolismo pulmonar (TEP) pode ções são independentes do efeito homeostático.
ser assintomático, porém quando há sintomas Todos esses fatores levam a relacionar o CO-
estes são inespecíficos, como dispneia, dor VID-19 e a síndrome chamada Coagulação in-
pleurítica, dor retroesternal, tosse, hemoptise e travascular disseminada (CIVD). Desta ma-
síncope. Há diversos diagnósticos diferenciais neira, sugeriu-se que drogas que possuem efeito
como pneumonia, asma e pneumotórax. Exa- anticoagulante seriam benéficas para estes pa-
mes de imagem como radiografia de tórax, cin- cientes juntamente com antivirais e antioxidan-
tilografia pulmonar e angiotomografia podem tes.2
ajudar a elucidar o diagnóstico por ser uma do- Cui et al. realizaram um estudo no período
ença com sinais e sintomas inespecíficos.3 de 30 de janeiro a 22 de março, com 81 pacien-
O tratamento é feito através da prevenção de tes internados em unidade intensiva diagnosti-
novos episódios de TEP com a utilização de an- cados com COVID-19. Desta forma, analisa-
ticoagulantes e/ou filtro de veia cava. Quando o ram que pacientes infectados pela doença eram
paciente apresenta um quadro de TEP mais propensos a sepse, o que levava a liberação de
grave pode se recorrer aos trombolíticos ou téc- citocinas inflamatórias. Diversas citocinas in-
nicas invasivas como embolectomia.3 flamatórias causam ativação do sistema de coa-
Em muitos pacientes o COVID-19 tem gulação resultando no tromboembolismo ve-
curso prolongado com febre alta, redução do es- noso. A sepse é uma importante causa de CIVD
tado geral e envolvimento pulmonar, os quais e que nestes pacientes é um fator prognóstico
contribuem para a imobilização. A terapia in- importante pois 71% das mortes observadas
tensiva é um fator de risco para ocorrência de neste hospital advinham deste evento trombó-
eventos trombóticos. A compreensão da fisio- tico.6
patologia para a ocorrência de trombose em pa- A elevação do D-dímero é um sinal impor-
cientes com COVID-19 ainda é bastante limi- tante da ativação da coagulação e da hiperfibri-
tada. Tanto a resposta imune quanto a atuação nólise e quando os pacientes recebiam a terapia
viral levam à ativação do sistema de coagulação antitrombótica estes níveis de D-dímero dimi-
como resultado da lesão endotelial, liberação de nuíram gradualmente o que mostra que esta
citocinas inflamatórias e ativação plaquetária. substância pode predizer o evento trombose e
O tromboembolismo pulmonar no COVID-19 avaliar a terapia de coagulação.6
seria resultado da combinação da inflamação do

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Os fatores de coagulação como produto da Tveita et al. relataram casos de COVID-19


degradação da fibrina e tempo longo de pro- que tiveram desfecho de tromboembolismo pul-
trombina quando elevados foram correlaciona- monar. Demonstrou-se que o embolismo pul-
dos com maior chance de morte dos pacientes monar contribui para a hipoxemia em diferentes
por CIVD, que é um dos fatores relacionados à estágios da doença. Tratando-se os pacientes
sepse causada pelo SARS-CoV-2. Fatores de com heparina de baixo peso molecular durante
coagulação livres no sangue juntamente com a a internação hospitalar, não se havia suspeita de
ativação de plaquetas estimulam a fibrinólise.7 embolia pulmonar.9
Estudos recentes com heparina de baixo Um estudo na Holanda com 184 pacientes
peso molecular e heparina não fracionada em em tratamento intensivo com SARS-CoV-2,
doses profiláticas estão associados a menor dos quais 27% apresentaram tromboembolismo
mortalidade em pacientes graves infectados por venoso confirmado por exames de imagem,
COVID-19 que exibem um score de coagulopa- 81% destes tiveram tromboembolismo pulmo-
tia ou níveis de D-dímero aumentados. O uso de nar, ainda que tivessem recebido tratamento
anticoagulantes de forma agressiva deve ser com heparina de baixo peso molecular durante
pensada pelo risco de causar eventos indeseja- a internação.9
dos aos pacientes sendo necessário adotar um Grillet et al. realizaram estudo retrospectivo
tempo apropriado para iniciar o tratamento, o no qual analisaram tromboembolismo em paci-
tipo e a dose da droga e o impacto de outras me- entes com COVID-19. O estudo tinha amostra
dicações de uso concomitante.2 de 100 pacientes que não possuíam contraindi-
Klok et al. também analisaram 184 pacientes cações para uso de contraste iodado para exa-
com pneumonia causada por COVID-19 que fo- mes de tomografia computadorizada. Após ob-
ram admitidos na UTI entre os dias 7 de março servação do estudo, 23 dos 100 pacientes apre-
e 5 de abril de 2020. Todos os pacientes recebe- sentaram tromboembolismo pulmonar, princi-
ram terapia antitrombótica e foram observados palmente aqueles que apresentavam doença crí-
por 7 dias. Constatou-se que 31% dos pacientes tica e internados em unidade de terapia inten-
apresentaram evento trombótico confirmado siva. A TEP estava mais relacionada a pacientes
por ultrassonografia ou angiotomografia com- em ventilação mecânica e do sexo masculino.10
putadorizada de pulmão sendo o tromboembo- Artifoni et al. observaram pacientes interna-
lismo pulmonar a complicação mais comum en- dos com COVID-19 com objetivo de determi-
contrada. Desta maneira, a profilaxia antitrom- nar a incidência de tromboembolismo venoso
bótica é recomendada e deve ser empregada de nos pacientes que receberam profilaxia anti-
maneira que diminua os eventos trombóticos trombótica. Exames de imagem, como ultrasso-
dos pacientes com COVID-19.5 nografia de membro inferiores e angiotomogra-
Em estudo de Lodigiane et al. com pacientes fia, foram utilizados para rastrear a trombose
infectados por COVID-19, foram analisados venosa. Dos 71 pacientes analisados, 16 desen-
388 casos confirmados da doença e a ocorrência volveram TVP e 7 apresentaram TEP apesar da
de trombose nestes pacientes internados. Os re- utilização de medicamentos profiláticos; a inci-
sultados mostraram que a formação de trombos dência deste evento ainda se tornou bastante
é um importante evento a se levar em conside- significativa.11
ração em pacientes com COVID-19, especial- Hékimian et al. revisaram 51 pacientes com
mente os internados em UTI.8 diagnóstico confirmado de SARS-CoV-2 que
Dos pacientes analisados, um total de 28 so- foram tratados em unidade de terapia intensiva,
freram evento trombótico, em sua maioria ve- dos quais 8 destes vieram a desenvolver embo-
noso, sendo pulmão o local mais frequente. lia pulmonar grave. Destes 8 pacientes 5 apre-
Desta forma, a profilaxia com antitrombóticos sentaram níveis elevados de fibrinogênio e D-
em altas doses mostrou possível obter resulta- dímero, sendo uma consequência da indução
dos positivos em pacientes com COVID-19. Foi séptica causada pelo vírus que induz a CIVD. A
postulado que pacientes que utilizavam hepa- elevação do D-dímero esta ligada à mortalidade
rina de baixo peso molecular em fases precoces intra-hospitalar.12
da infecção apresentaram diminuição da infla- Desta maneira, foi observado que o uso de
mação sistêmica, pulmonar e redução da repli- anticoagulantes em altas doses deveria ser con-
cação viral além do efeito anti-trombótico.8 siderado em pacientes com formas severas da

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doença. Além disso o uso de Ecocardiografia considerada pelo risco de pacientes ainda de-
com Doppler deve ser empregada de maneira a senvolver trombos pela coagulopatia causada
detectar sinais de corpulmonale e por último a pelo COVID-19. Os anticoagulantes indicados
piora da hipoxemia e hipercapnia deve ser con- para a profilaxia são da classe dos novos anti-
siderado diagnóstico de TEP em pacientes CO- coagulantes como rivaroxabana e deve-se dosar
VID-19 em ventilação mecânica.12 o risco de sangramento e benefício para a não
Middeldorp et al. realizaram estudo para in- formação de trombos.16
vestigar a incidência de trombose venosa em
198 pacientes internados com diagnóstico con- CONCLUSÃO
firmado de COVID-19. Destes, 39 pacientes ti-
veram diagnóstico de trombose venosa pro- Após a leitura de diversos artigos, é possível
funda, dos quais 25 eram sintomáticos mesmo concluir que o tromboembolismo pulmonar é
com a profilaxia de trombose. Em pacientes in- importante consequência do COVID-19. O
ternados em UTI a incidência de trombose foi SARS-CoV-2 tem como principal característica
ainda maior provavelmente devido à disponibi- a ativação imunológica com liberação de diver-
lidade de exames de rastreio. Portanto, foi cons- sas citocinas inflamatórias, impulsionando o
tatado que o risco de trombose venosa em paci- sistema de coagulação à formação de trombos
entes internados por COVID-19 é elevado, es- que podem impactar na circulação pulmonar e,
pecialmente em pacientes em UTI. Dessa como consequência, causam TEP. Os pacientes
forma, deve-se lançar mão de exames de ima- mais acometidos pela doença são aqueles com
gem para TVP e TEP nestes casos.13 piora clínica causada pela sepse induzida pelo
Tang et al. testaram a terapia anticoagulante vírus, que conduz à coagulopatia levando na
em pacientes infectados por COVID-19 compa- maioria dos casos à necessidade de unidades de
rando pacientes que utilizaram heparina e aque- tratamento intensivo devido à deterioração da
les que não a utilizaram. Realizaram esta com- hipoxemia e instabilidade hemodinâmica. Os
paração com 449 pacientes com COVID-19, exames de imagem como angiotomografia são
dos quais 99 receberam heparina. Ao final desta cruciais para confirmação do diagnóstico da do-
comparação pode-se observar que não houve ença já que os sintomas apresentados podem ser
redução da mortalidade em 28 dias entre os pa- confundidos com os do COVID-19. A profila-
cientes em uso de heparina com os que não es- xia antitrombótica deve ser empregada de ma-
tavam usando-a. Entretanto, pacientes que apre- neira a evitar a ocorrência de casos e quando for
sentavam coagulopatia por sepse mostraram necessário utilizar anticoagulantes para trata-
menor mortalidade em 28 dias com uso da tera- mento em pacientes acometidos pelo TEP.
pia anticoagulante quando comparado com
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GENITÁLIA AMBÍGUA: DESAFIOS E POSSIBILI-


DADES
AMBIGUA GENITALIA: CHALLENGES AND POSSIBILITIES

Antonio Carlos de Castro Junior¹; Ana Paula S. E. Esteves²


1
Discente do Curso de Graduação em Medicina da UNIFESO - juniorsamonte@hotmail.com
2
Docente do Curso de Graduação em Medicina da UNIFESO - anapaulaesteves@me.ufrj.br

RESUMO

Introdução: Os transtornos de desenvolvimento sexual (DDS) definem-se como um conjunto de condições médi-
cas congênitas coletivamente raras, com grandes desafios diagnósticos e terapêuticos, bem como problemas psi-
cológicos do paciente e da sua família. Estes aspectos devem ser considerados desde o início em conjunto para a
tomada de decisão terapêutica de cada criança. Objetivos: Compreender a necessidade e o momento correto de
realizar as retificações do DDS pensando principalmente nas consequências cirúrgicas e psicossociais gerado so-
bre os pais do paciente e a si próprio. Método: Estudo com abordagem retrospectiva, na forma de revisão biblio-
gráfica. Primeiramente foi realizada uma consulta aos Descritores em Ciência da Saúde para se definir as palavras-
chave e realizar a busca dos artigos, chegando-se aos descritores: “Ambiguous Genitalia” and “Surgery” and “
Sexual development disorders”. Após foi realizado uma pesquisa na plataforma Biblioteca Virtual em Saúde
(BVS) e PUBMED, com os seguintes filtros, ter a presença dos descritores, assunto principal, disponibilidade da
versão completa do artigo, últimos 5 anos. Resultados: Encontrados 156 artigos, que ao final após criteriosa aná-
lise, foram utilizados15 artigos que abordavam a necessidade e o momento correto de realizar as retificações do
indivíduo com DDS. Conclusões: Para se compreender a necessidade e o momento da abordagem para a mudança,
compreendeu-se que não se trata apenas de uma questão cirúrgica, mas abrange o mais primordial da vida do ser
humano que é a sua autonomia. Observou-se o grande risco do egocentrismo paternal e profissional quando trans-
forma o protagonista da situação sua decisão e não do indivíduo.
Descritores: Genitália ambígua; Transtornos de desenvolvimento sexual; Cirurgia geral.

ABSTRACT

Introduction: Sexual development disorders (SDDs) are defined as a set of collectively rare congenital medical
conditions, with major diagnostic and therapeutic challenges, as well as psychological problems of the patient and
his/her family. These aspects should be considered from the beginning and together for the therapeutic decision-
making of each child. Objectives: To understand the need and the correct moment to perform the corrections of
the SDD, by thinking mainly about the surgical and psychosocial consequences generated on the patient's parents
and himself. Method: Study with retrospective approach, in the form of a bibliographic review. At first, a consul-
tation was made to the Descriptors in Health Science to define the keywords and search for the articles, reaching
the descriptors: "Ambiguous Genitalia" and "Surgery" and "Sexual development disorders". After a research was
carried out in the Virtual Health Library (VHL) and PUBMED platform, with the following filters, with the pres-
ence of descriptor: main subject, availability of the full version of the article, last 5 years. Results: We’ve found
156 articles, which at the end after a careful analysis, 15 articles were used that addressed the need and the correct
time to perform the corrections of the individual with DDS. Conclusions: In order to understand the need and the
moment of the approach to move, it was understood that it is not only a surgical issue, but covers the most pri-
mordial of human life, which is its autonomy. It was observed the great risk of paternal and professional egocen-
trism when they transform the protagonist of the situation their decision and not the individual.
Keywords: Ambiguous genitalia; Sexual development disorders; General surgery.
INTRODUÇÃO problemas psicológicos do paciente e da sua fa-
mília. 1 As taxas de prevalência combinadas va-
Os transtornos do desenvolvimento sexual riam de 1:100 a 1:5.000, enquanto as taxas de
DDS são um conjunto de condições médicas indivíduos com genitália atípica secundária são
congênitas coletivamente raras, com grandes de aproximadamente 1:5000.1,2 Os distúrbios
desafios diagnósticos e terapêuticos, bem como do desenvolvimento sexual DDS condições

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congênitas associadas ao desenvolvimento Além desses cuidados outro fato importante


anormal das estruturas genitais sejam elas inter- e muito discutido em inúmeros artigos científi-
nas e / ou externas.3 Os indivíduos afetados po- cos se trata do momento em se estabelecer a in-
dem ser reconhecidos no útero, no nascimento tervenção cirúrgica e/ou a necessidade dessa in-
ou mais tarde na vida com ambiguidade da ge- tervenção. 5,6 Ativistas como Zieselman argu-
nitália externa.3 Os DDS são classificados em menta que, muitas vezes, essas cirurgias não
três categorias baseadas principalmente no ca- são realmente necessárias por motivos médicos
riótipo, especificamente 46XYDDS, e têm apenas objetivos estéticos. 6 Também
46XXDDS e cromossomo sexual DDS .3,4 . afirmam que não há evidências suficientes de
Em 2005, cerca de 50 especialistas, de 10 que, se não forem operadas quando crianças,
países, se reuniram para criação do consenso de pessoas intersexuais sofrerão problemas psico-
Chicago, que se tornou um marco na história lógicos no futuro.6 Portanto, somos confronta-
das malformações genitais. Dentre as diversas dos com um paradoxo: estabelecer uma aborda-
discussões ali estabelecidas, duas obtiveram gem cautelosa e por que as operações não são
destaques. A primeira foi em relação à termino- realmente atrasadas? O objetivo do presente es-
logia, sendo, algumas, julgada como algo pejo- tudo é explorar esse paradoxo examinando as
rativo (intersexo, pseudo-hermafroditismo, her- histórias de pais e profissionais que cuidam de
mafroditismo), genitália ambígua, por sua vez, crianças com DSD. 7
não se mostrou algo tão negativo, sendo dito um
termo preciso e com limites claros. 5 A segunda OBJETIVO
discussão relevante foi quanto ao momento ci-
rúrgico adequado.5 Objetivo primário: Compreender a neces-
É de grande valia compreender o desenvol- sidade e o momento correto de realizar as reti-
vimento do trato reprodutivo masculino e femi- ficações da DDS pensando principalmente nas
nino, que possui grande complexidade, ambos consequências cirúrgicas e psicossociais gerado
dependem tanto da ativação quanto da supres- sobre os pais do paciente e a si próprio
são de vários fatores em um padrão exato no es- Objetivos secundários:
paço e no tempo. 3 As gônadas bi potenciais ad- • - Entender a escolha da forma como se re-
quirem características morfológicas masculinas ferir ao paciente com genitália DDS.
ou femininas, fato esse, que ocorre por volta da • - Conhecer os principais cariótipos que de-
sexta semana de desenvolvimento embrioná- terminam a genitália ambígua.
rio.3 A gônada se diferencia em testículos sob a • - Entender as técnicas cirúrgicas abordadas
influência do sexo, região determinante no cro- no indivíduo que possui genitália ambígua.
mossomo Y, o gene SRY, que codifica o fator • - Aprofundar no lado psicossocial da do-
determinante dos testículos.3 A produção de ença.
testosterona pelas células de Leydig preserva os • - Apresentar um olhar crítico nas decisões
ductos de Wolff, permitindo a descida dos tes- dos pais e dos especialistas.
tículos para o escroto.3 Enquanto a produção de • -Avaliar como se fazer o diagnóstico pre-
hormônio mulleriano (AMH), pelas células de coce do indivíduo DDS.
Sertoli causam regressão dos ductos. 3
Diante de todos esses diferentes aspectos REVISÃO TEÓRICA
anatômicos, de desenvolvimento, psicológicos
e sociais devem ser considerados desde o início Na investigação de genitália ambígua é de
a escolha de uma equipe multidisciplinar para grande importância colher uma história obsté-
atuarem em conjunto na tomada de decisão te- trica completa devem investigar qualquer expo-
rapêutica de cada criança com suas devidas par- sição pré-natal a andrógenos e desreguladores
ticularidades; a equipe tem variabilidade a de- endócrinos, como a fenitoína.3 A história gine-
pender de cada país. 5 É imperativo, que, desde cológica materna deve ser detalhada, pesqui-
o início, ambos os pais estejam envolvidos em sando, oligomenorreia ou amenorreia que pre-
todas as discussões. 5 Outro fator importante se cede a concepção, o que pode sugerir hiperpla-
trata do cuidado a como se direcionar a criança sia adrenal congênita materna ou hiperandroge-
perante os pais, tendo grande cuidado para não nemia subjacente. Uma história familiar com-
atuar de forma indelicada.5

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pleta deve investigar cosanguinidade, infertili- atenção para avaliação da pressão arterial e da
dade, aborto recorrente, mortes neonatais inex- hidratação no intuito de avaliar a presença de
plicáveis e desenvolvimento puberal anormal deficiência adrenal congênita, perdedora de sal.
em parentes próximos. 3 A escala de Prader pode ser usada para descre-
Embora a história possa ser útil, a predomi- ver a aparência geral da genitália externa. A
nância da avaliação reside no exame físico, ava- avaliação laboratorial envolve uma combinação
liação laboratorial e avaliação radiológica. 3 O de testes genéticos, hormonais e eletrolíticos. 3
exame físico deve começar com uma avaliação A tabela abaixo trata-se de como deve-se dire-
de características dismórficas adicionais, inclu- cionar avalição/investigação da genitália ambí-
indo anormalidades craniofaciais e cardíacas; gua.

Tabela 1: Avaliação/investigação de genitais ambíguos


História História obstétrica materna
História ginecológica materna História de família
Exame físico Sinais vitais
Características dismórficas Genitália externa
Eletrólitos a. Estrutura fálica (comprimento, largura)
Glicose b. Pregas labioscrotais (fusão, agitação, 17-
OHP hiperpigmentação)
DHEAS c. Localização do meato uretral.
Androtenediona d. Localização das gônadas
Testosterona e Relação AG
DHT f. Seio urogenital
FSH g. Escala de Prader
LH Avaliação laboratorial
AMH Cariótipo
Teste adicional (conforme necessário) Renina
Aldosterona Eletrólitos na urina e creatinina
Proteína na urina: creatinina Teste de estimulação ACTH
Teste de estimulação hCG Estudos de imagem
Ultrassom (abdômen, pelve, gônadas,
adrenal)
Genitograma
Fonte: Evaluation of ambiguous genitalia

O cariótipo e as causas de genitália ambígua quatro grupos: deficiências enzimáticas, anor-


devem ser entendidas para melhor compreender malidades no receptor androgênico, anormali-
tal patologia. 3,4 Diante dos artigos revisados as dades no desenvolvimento da gônada e excesso
variações que cada indivíduo pode apresentar de andrógenos maternos.3,4
diante dessa doença, pode ser classificado em

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a) Deficiências enzimáticas: - de origem no útero é um momento potencial para o diag-


glandular (testículo e adrenal): como 46XY / 17 nóstico de genitais ambíguos. 3 A NIPT com
β-hidroxiestiróide-desidrogénase (17 β- HSD3) DNA fetal livre de células (cffDNA) pode ser
deficiência deficiência 4,6, XX / hiperplasia realizada após 10 semanas de idade gestacio-
adrenal congênita (HAC) 46XY / deficiên- nal.3 O ultrassom após 12 semanas de idade ges-
cia StAR 46XY / β46, XX / βdesidrogenase hi- tacional pode demonstrar uma discrepância en-
droxisteróide (3 β- De fi ciência HSD). 4 tre os cromossomos fetais e a aparência fenotí-
-Origens periféricas: como deficiência de pica da genitália externa, embora seja necessá-
46XY / 5-alfa redutase (5-AR2) .4 rio observar a ambiguidade genital no ultrassom
b) Anormalidades no receptor de androgê- entre 13 e 15 semanas de gestação. 3 Se a amos-
nio: como 46XY / Síndrome de Insensibilidade tra fetal original for verificada, o cariótipo fetal
Andrógena Completa (CAIS) 46XY / Síndrome deve ser confirmado com amniocentese. 3,15 Por
de Insensibilidade Andrógena Parcial (PAIS) .4 fim, deve se realizar o cariótipo pós-natal para
c) Anormalidades no desenvolvimento da confirmar o diagnóstico. 3,15
gônada: como 46, XX ou 46, XX / XY ou 46, Outra forma de se fazer o diagnóstico é no
XY / Ovo-testis (historicamente chamado her- período neonatal. 3 A genitália ambígua pode
mafroditismo verdadeiro) 45X / 46 XY / disge- apresentar uma série de achados, como mi-
nesia gonadal mista 46XY / disgenesia gonadal cropênis, clitoromegalia com ou sem seio uro-
pura. 46XY / Hipoplasia de células de Ley- genital comum, genitália externa feminina com
dig tipo 1 e 2 45X / síndrome de Turner 47XXY presença de massa labial ou inguinal, hipospá-
/ Síndrome de Leydig tipo 1 e 2 45X / síndrome dia com testículo não palpável e fusão labial
de Turner 47XXY / Síndrome de klinefelter .4 posterior. A escala de Prader é um guia pictó-
d) Excesso de andrógenos maternos (muito rico usado para descrever o grau de sub ou su-
raro) :46XX / Virilizado por tumor materno pervirilização da genitália externa. A razão ano-
46XX / Virilizado por andrógenos exógenos. 4 genital é calculada medindo a distância entre o
A avaliação genotípica comparativa a feno- ânus e o quadrilátero posterior e dividindo esse
típica pode se iniciar na vida intraútero, isso se número pela distância do ânus à base da estru-
deu com a crescente aceitação do teste pré-natal tura fálica. Uma razão anogenital superior a 0,5
não invasivo (NIPT) entre gestantes de risco é sugestiva de virilização e merece avaliação
médio, a discordância entre genótipo e fenótipo adicional .3

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Tabela 2: Diagnóstico diferencial de órgãos genitais ambíguos


46XX DDS 46XY DDS DDS Cromossomos sexuais
CAH Sindrome de insensibilidade Síndrome de Turner (45, X)
DDS testicular Deficiência de 5-alfa-redutase variantes (47, XXY) e
Disgenesia gonadal Síndrome persistente do ducto mosaicismo
Deficiência de aromatase Mulleriano Disgenesia gonadal mista (45
Exposição ao androgênio Falha das células de Leydig , X/ 46, XY)
Deficiência enzimática da DDS quimérico (46, XX/ 46,
biossíntese de testosterona XY)
CAH
Disginesia gonadal completa
ou mista
Síndrome dos testículos em fuga
Fonte: Evaluation of ambiguous genitalia-pagina

A abordagem de “gênero ideal' para o trata- tendência do gênero da criança, como acontece
mento de crianças pequenas com DDS, desen- na Hiperplasia Adrenal Congênita(HAC). 3,4,8
volvida e disseminada pelo Dr. John Money em Para alguns esse risco é aceitável, enquanto ou-
meados do século 20, incluiu a suposição de tros podem ver essa taxa de incongruência de
que a anatomia genital da criança deveria cor- gênero 5-10% como uma preocupação em
responder ao seu gênero de criação para o de- avançar com a cirurgia precoce.8 Além de be-
senvolvimento psicossocial ideal. 4 Todavia, nefícios questionáveis e dos riscos elevados, os
mais recentemente, em resposta às controvér- procedimentos de genitoplastia são frequente-
sias atuais em torno da genitoplastia precoce, mente considerados desnecessários no início da
alguns pais optaram por criar seus filhos afeta- vida.6,8
dos sem intervenção cirúrgica precoce. 4 São ne- Por fim, sabe-se que a decisão sobre a cirur-
cessários estudos para determinar como essas gia de ambiguidade genital recaída sobre os
crianças se desenvolvem ao longo da vida para pais é muito grande, todavia, cabe a uma equipe
testar se a concordância entre a aparência geni- coletiva intervir e aconselhar. 5,9 Diante disso,
tal e o desenvolvimento de gênero é de fato ne- um dos artigos utilizados para tal estudo reali-
cessária para uma saúde psicológica positiva.8 zou uma abordagem muito interessante a res-
Dado que a genitoplastia geralmente ocorre peito da tomada de decisão compartilhada
para tipificar os órgãos genitais de uma criança, (SDM), determinando-a como um processo
o impacto dessa cirurgia provavelmente é go- pelo qual paciente / familiares e prestadores de
vernado em parte por suas circunstâncias soci- cuidados tomam decisões em conjunto com a
ais. 8 Um estigma mais alto pode estar associado saúde. 9 Nesse estudo foi formada uma equipe
a piores resultados, enquanto a normalização e de distúrbios multidisciplinares do desenvolvi-
aceitação de anatomia genital diversa pode ser mento sexual (DDS), que desenvolverem uma
protetora.8 Os opositores podem achar que é ferramenta SDM para pais e pacientes com hi-
inapropriado para um pai tentar determinar uma perplasia adrenal congênita (HAC) e atipia ge-
identidade de gênero, defendendo uma cirurgia nital associada. Uma lista de verificação do
irreversível de 'atribuição de gênero' para seu SDM foi desenvolvida por uma equipe multi-
bebê, antes que seus filhos possam expressar ou disciplinar com contribuições de médicos, co-
articular um gênero, porem dependendo da pa- ordenadores de clínicas, pacientes com HAC e
tologia de base, se pressupõe mais facilmente a

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grupos de defesa de direitos humanos. 9 Formu-


lando um cronograma de como tomar a decisão
de forma multidisciplinar.

Figura 1: Lista de verificação da tomada de decisão compartilhada da CAH

Fonte: Utilization of a shared decision-making tool in a female infant with congenital adrenal hyperplasia
and genital ambiguity

A Parte 1 da lista de verificação inclui uma MÉTODOS


visão geral do diagnóstico e os objetivos da lista
de verificação. 9 A parte 2 inclui a verificação Estudo com abordagem quantitativa, com
da nomenclatura preferida do paciente / família desenho de revisão bibliográfica. Onde primei-
quando se trata de anatomia e descrição da con- ramente foi realizada uma consulta aos Descri-
dição subjacente.9 A Parte 3 inclui uma lista de tores em Ciência da Saúde (DeCS) com o in-
tópicos para revisão em várias visitas e uma tuito de se definir as palavras-chave para a
avaliação de quando e quanta discussão o paci- busca dos artigos, chegando-se aos descritores:
ente / família gostaria sobre o assunto.9 A Parte “Ambiguous Genitalia” and “Sexual deve-
4 inclui um questionário que um paciente / fa- lopment disorders” and “Surgery”. Após a defi-
mília deve fazer ao seu médico durante o aten- nição dos descritores foi realizada pesquisa na
dimento contínuo, incluindo as consequências plataforma do PUBMED encontrando 13 arti-
da interrupção da medicação, como monitorar a gos, logo, foi selecionado o filtro dos últimos 5
adequação do tratamento e as consequências do anos, mostrando que nenhum dos artigos eram
tratamento inadequado; também são fornecidas mais recentes. A segunda busca feita na Biblio-
informações sobre grupos de apoio e advocacia. teca Virtual em Saúde (BVS) contemplou os
A parte 5 abrange uma discussão sobre imagem descritores “Ambiguous Genitalia” and “Sur-
corporal e aborda a importância das interações gery”. Foram empregados os seguintes filtros
com profissionais de saúde mental com experi- para melhor direcionamento do tema em ques-
ência em distúrbios do desenvolvimento sexual. tão: (I) ter a presença dos descritores, (II) conter
A Parte 6 se concentra na cirurgia.9

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o assunto principal, (III) disponibilidade da ver- propostos pela pesquisa; e na terceira fase rea-
são completa do artigo, (IV) artigos publicados lizou-se uma leitura analítica e interpretativa
nos últimos 5 anos. Após estabelecidos os fil- dos textos selecionados. Para que ao final che-
tros foram encontrados 143 artigos e seleciona- gasse a um resultado satisfatório para a redação
dos 18 artigos. desse trabalho. A partir da Estratégia PRISMA
Os estudos selecionados foram lidos na ínte- Flow Diagram para a pesquisa desta revisão um
gra a fim de serem extraídos conteúdos que res- total de 156 estudos foram encontrados e destes,
pondessem ao objetivo proposto e embasassem 139 estudos foram excluídos por serem dupli-
a discussão. Foram seguidas então as seguintes cados, ou por não ser possível o acesso ao es-
etapas: na primeira fase realizou-se uma leitura tudo completo, ou por apresentar no título ou
exploratória (título mais resumo e introdução); resumo abordagem diferente do objetivo desta
na segunda fase realizou-se uma leitura eletiva revisão, ou ate mesmo, por discutir sobre ques-
escolhendo o material que atendia aos objetivos tões sem interesse para a revisão.
Figura 2: Protocolo de Pesquisa (PRISMA Flow Diagram2009):

Fonte: elaborado pelo autor.

RESULTADOS E DISCUSSÃO 46XXDDS possui ovários, mas o desenvolvi-


mento genital apresenta características mascu-
A partir da análise quantitativa e qualitativa linas. 2
dos artigos encontrados por meio dos descrito- Em 2005 foi proposto em Chicago EUA, a
res “Ambiguous Genitalia” and “Surgery”. fim de minimizar os estigmas e desconforto
Observamos que a classificação padrão para in- dessa classificação novas terminologias, substi-
divíduos com distúrbios da diferenciação se- tuindo o termo intersexo por Anomalias da Di-
xual obedece a morfologia gonodal.2 Um indi- ferenciação Sexual (ADS) ou Desordens da Di-
víduo DDS possui tecido ovariano e testicular. ferenciação Sexual (DDS), pseudohermafrodi-
Um ser 46XYDDS, possui testículos, mas a ge- tismo masculino por 46 XY, ADS, pseudoher-
nitália externa e às vezes a interna assumem as- mafroditismo feminino por 46 XX,ADS, e o
pectos fenotípicos femininos.2 Já um indivíduo

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hermafroditismo verdadeiro por ADS ovotesti- parte superior da vagina. No entanto, na insen-
cular. 5 sibilidade completa a andrógenos, o MIF é pro-
Os homens incompletamente masculiniza- duzido normalmente pelos testículos, resul-
dos possuem sexo genético masculino XY e tes- tando em inibição de crescimento do útero e as
tículos, mas a genitália externa possui graus de trompas de Falópio. O fator like a insulina tam-
diferenciação de acordo com a alteração de bém produzido pelos testículos, controla a pri-
base. 2,3 meira fase de descida escrotal no período pós-
A DDS 46XY pode se estabelecer decor- natal, os andrógenos são MIF e produz útero e
rente de alteração de algum desses fatores: In- as trompas de Falópio. 3 No sexo feminino os
sensibilidade a andrógenos; Síntese anormal de androgênios de origem suprarrenais e ovariana
andrógenos; Ausência ou deficiência do fator provoca o desenvolvimento de pelos pubianos e
inibidor mulleriano (MIF): Deficiência da en- axilares e no sexo masculino, engrossamento da
zima 5 a redutase. 2,3,4 voz, aumento do falo, desenvolvimento de ca-
A síndrome de insensibilidade a andrógenos belo típico masculinizado.3
é influenciada por: concentração intracelular de Embora reconhecida com advento das técni-
andrógenos, afinidade dos mesmos aos recepto- cas modernas, a insensibilidade completa a an-
res nucleares, capacidade de ligação do recep- drógenos foi relatada no século XIX que des-
tor, conteúdo de receptores no núcleo, concen- creveu o fenótipo clínico da "feminização testi-
tração celular de enzimas relacionadas ao cata- cular" depois de analisar 82 casos, que incluiu
bolismo e/ou síntese (5 a redutase, aromatase, um corpo feminino com o desenvolvimento pú-
17 B hidroxiesteróide desidrogenase), adequa- bico mínimo, mamas normais, pelos axilares,
ção do lócus aceptor nuclear, adequação das genitália externa dentro dos limites da normali-
moléculas regulatórias que controlam a leitura dade, vagina tipicamente ausente ou rudimen-
das mensagens androgênicas pela cromatina, tar, útero ausente, presença de gônadas em
processamento e tradução ao RNA, qualidade grandes lábios, anel inguinal ou intra-abdomi-
do produto genético proteico. A insensibilidade nal. 3
androgênica pode ser completa (feminilização A mudança na nomenclatura de feminização
testicular) ou incompleta. 2,3,4 testicular para insensibilidade completa a an-
Os andrógenos são fundamentais ao desen- drógenos foi motivado pela constatação de ní-
volvimento sexual normal e as características veis urinários de 17-cetosteroides normais, um
masculinas só ocorrem se os mesmos estão dis- metabólito de androgênio, bem como pela au-
poníveis para atuar nos tecidos alvo de diferen- sência de resposta ao tratamento com metil tes-
ciação. 3 Os androgênios são responsáveis pelo tosterona, sugerindo resistência androgênica ao
desenvolvimento dos ductos de Wolff. Forma- invés de deficiência. 4
ção do epidídimo, canais deferentes, vesículas A prevalência estimada da insensibilidade
seminais, genitália externa masculina, inclu- completa a andrógenos é de um a cada 20.000
indo o pênis e escroto. A produção, secreção de nascidos do sexo masculino e um 1 em 99.000
testosterona e a sua conversão em di-hidrotes- dos homens geneticamente alterados."2,4 Em-
tosterona começa no primeiro trimestre, por bora transmitida por um gene materno ligado ao
volta de 7 a 8 semanas. 3 A gonadotrofina hu- X, especificamente localizado na parte proxi-
mana coriônica placentária (hCG) medeia a mal do braço longo desse cromossomo, até
produção inicial de testosterona através das cé- 30% dos casos são resultantes de mutações es-
lulas de Leydig.3 Por volta da 16ª semana de porádicas" sendo assim não ocorre a indução
gestação, o hCG placentário diminui seus níveis androgênica dos dutos de Wolff e há atividade
e a secreção de LH e fetal começa a controlar do MIF, prejudicando a formação da genitália
os andrógenos circulantes. 2,3,4 interna.2,3,4 A vagina é curta terminando em
O fator inibidor mulleriano (MIF), e o fator fundo cego, não há útero e trompas. Um estudo
like a insulina3 também são críticos ao desen- “brasileiro propõe uma média de 2,5 a 3,0cm de
volvimento reprodutivo fetal. MIF é produzido comprimento vaginal”. Essa síndrome é respon-
pelas células de Sertoli dos testículos fetais e sável por 10% dos casos de amenorreia. 2,3,4 O
controla regressão dos ductos de Müller. Na au- diagnóstico requer cariótipo e exame de ima-
sência de MIF, desenvolve útero, trompas e gem, a ressonância magnética é o padrão ouro."
O perfil hormonal é típico: LH alto, testosterona

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normal ou discretamente elevada, estradiol alto entes têm sido tratados como mulheres com cli-
(para homens) e FSH normal para elevado. A tóris hipertrofiado, no curso natural da doença.
forma completa indica que não há qualquer res- O diagnóstico pode ser feito pela relação ele-
posta androgênica, o sexo externo é feminino e vada da testosterona pela dihidrotestosterona
essas crianças devem receber tratamento de mu- plasmática. 4 O cariótipo é XY. Preconiza-se
lheres. Os testículos podem estar presentes no por um diagnóstico precoce a fim de criar esses
canal inguinal. 2,3 Os tumores gonadais são re- indivíduos como do sexo masculino, pois sem-
lativamente raros e a gonadectomia deve ser re- pre haverá algum grau de virilização. Na ausên-
alizada entre 16/18 anos, após as modificações cia de diagnóstico precoce a gonadectomia é in-
corporais da puberdade, a partir desse momento dicada antes da puberdade para evitar transfor-
deve-se instituir a reposição hormonal femi- mação maligna e a masculinização. 3,4
nina, associado a cálcio e vitamina D, quando Outras condições que podem levar a um de-
necessário bifosfonados devem ser acrescidos senvolvimento masculino alterado são: falhas
devido à densidade óssea diminuída e para de- na função testicular secretória. Como: Agenesia
senvolvimento de caracteres sexuais secundá- ou diferenciação anormal das células de Leydig
rios feminino.4 levando a resposta diminuída a LH/HCG são
A reposição hormonal feminina, associado considerados testículos resistentes a gonadotro-
ao cálcio e vitamina D, quando necessário bi- finas. 4 Síndrome da hérnia uterina que pode ser
fosfonados deve ser acrescido devido densidade causada pela falta de secreção do MIF pelas cé-
óssea diminuída e para desenvolvimento dos lulas de Sertoli, nessa condição estruturas mul-
caracteres sexuais secundários femininos. 2,3,4 lerianas geralmente incluindo trompa, útero es-
As outras formas de DDS 46 XY e diagnós- tão presentes em um saco hernitário inguinal. 4
ticos diferenciais da insensibilidade androgê- Séculos passados conceituava-se as DDS
nica completa englobam: Insensibilidade an- como "monstruosidades", revestida por misté-
drogênica incompleta: a mesma está ligada a rios e com forte teor mitológicos, associava a
um traço recessivo relacionado ao cromossomo questões religiosas e filosóficas; progressiva-
X, o quadro clínico varia desde casos de ausên- mente no século XIX esses indivíduos passaram
cia completa de virilização a casos com fenó- a ser abordados como doentes, objetos de estu-
tipo completamente masculinizados. Pode re- dos científicos e suas patologias começaram a
presentar 40% dos casos de infertilidade. 2,3,4 ser descritas e classificadas. 5,8 No início do sé-
No entanto o defeito no receptor androgênico culo XX, com o advento da anestesia, as cirur-
pode ser tão sutil que alguns dos homens afeta- gias que eram realizadas em casos de absoluta
dos são férteis.2 A determinação do sexo gené- inevitabilidade, tornaram-se um ato médico
tico pode ser um problema nos casos em que há convencional. 5,8 O momento para a cirurgia é a
genitália ambígua relacionada com resposta questão mais controversa sabendo que com
parcial do receptor. A gonadectomia deve ser base nos arts. 1° e 2° do Código de Ética Mé-
precoce caso determine o sexo feminino para dica, o médico fica autorizado a praticar cirur-
evitar aparecimento de neoplasia. 2 O perfil en- gias corretivas com vistas a melhor definir o
dócrino é idêntico a forma completa.3 O uso de sexo do paciente. 5,8 A cirurgia precoce pro-
androgênios exógenos mostra-se ineficaz.3 De- posta no passado, com a visão de trazer tudo
ficiência de 5 alfa redutase: essa enzima é res- "voltar à normalidade" em um estágio inicial de
ponsável pela conversão de testosterona em di- desenvolvimento físico e emocional; atual-
hidrotestosterona, hormônio que promove efe- mente é questionada a ponto de causar compro-
tivamente a masculinização periférica; é uma metimento na qualidade de vida do indivíduo se
forma familiar e se deve a um traço autossô- a mesma for empregada em momento inopor-
mico recessivo, caracteriza-se por hipospádias tuno. 8 A gravidade do defeito vaginal tem diri-
perineais graves e hipodesenvolvimento da va- gido a escolha do procedimento.8
gina.3 A diferença da forma incompleta é que O objetivo da cirurgia é abrir a vagina infe-
ocorre masculinização na puberdade depen- rior e o procedimento escolhido depende se a
dendo do grau de deficiência da enzima, a fun- confluência entre uretra e vagina é alta ou
ção testicular é normal e há resposta a adminis- baixa. Avaliação pré-operatória é essencial
tração de andrógenos exógenos.3,4 Esses paci- para determinar o tipo de vaginoplastia mais

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adequada para o paciente. Porém a cirurgia pre- como a vaginoplastia de McIndoe-Reed, o pro-
coce não é a única opção, especialmente em pa- cedimento Davidov inicialmente descrito como
cientes com alta confluência do complexo vagi- aberto, mas cada vez mais realizado por lapa-
nal. 8 Em pacientes não operados na puberdade, roscopia; a vulvovaginoplastia inicialmente em
pode ser observado um aumento do tamanho da 1976, essa técnica caiu em desuso geral até se-
vagina com descida da confluência do seio uro- rem modificadas em 2001; pela vaginoplastia
genital da vagina para o períneo.8 intestinal, esse método por via laparoscópica
O alargamento natural da vagina presumi- está começando a ganhar popularidade, mas
velmente ocorre no ambiente hormonal apropri- tem sido mais frequentemente feito através de
ado na puberdade. 8 Os métodos de dilatação uma laparotomia. 7
progressivas não operatórios incluem o qual O corpo além de sua dimensão biológica, é
propõe a criação de uma neovagina pela aplica- um corpo simbólico, no sentido de que a ima-
ção de pressão progressiva no períneo ou va- gem que cada um tem de si é construída na re-
gina em pacientes com agenesia vaginal, por 30 lação com os adultos que ocupam a função de
minutos á 2 horas por dia. Tem demonstrado ser pais. 2,5 Compete deste modo, ao adulto reco-
uma técnica eficaz, embora o tratamento de di- nhecer a forma de comunicação da criança, sua
latação possa levar vários meses para atingir o demanda de amor e, não interpretar a sexuali-
resultado final. 8 dade infantil com significados adultos. 2,7,5,9
Trata-se de moldes de inserção vaginal au- A sexualidade infantil é reconhecida por
mentando gradualmente de comprimento e lar- Freud como estruturante, as teorias sexuais per-
gura para a ondulação vaginal, aplicando pres- mitem que criança interprete o enigma da sua
são local, e aumentando o espaço entre o re- existência, construindo através de suas fantasias
cesso vesico-retal.8 Não exibindo riscos cirúrgi- um lugar subjetivo que lhe permite participar do
cos e anestésicos. No entanto, geralmente é um convívio parental. 2,5,9,10 Assim sendo, o conhe-
exercício consumidor de tempo, tendo vários cimento que cada um tem de si é construída na
meses para atingir um comprimento e ampli- relação com os adultos que ocupam a função de
tude vaginal adequado. 8 O sucesso está direta- pais. 3,10 Compete deste modo, ao adulto reco-
mente relacionado com a compreensão do paci- nhecer a forma de comunicação da criança, sua
ente, e apoio psicológico apropriado é essen- demanda interpretar a sexualidade infantil com
cial.2,5,8 Modificaram essa técnica a partir dos significados adultos. 9,10
motivos que levavam ao insucesso do método A sexualidade infantil é reconhecida por
anterior, incluindo a falta de motivação do pa- Freud como estruturante, as teorias sexuais per-
ciente, imaturidade emocional, necessidade de mitem que criança interprete o enigma da sua
se agachar, uso da sua própria mão e dedo, e a existência, construindo através de suas fantasias
incapacidade de realizar outras atividades pro- um lugar subjetivo que lhe permite participar do
dutivas durante as horas de pressão exigida.8 Os convívio parental. 9,10 Assim sendo, o conheci-
pacientes foram instruídos a se sentar em um mento da sexualidade infantil ampliada e extra-
assento de bicicleta com dilatadores especial- genital permite o estabelecimento da relação
mente concebidos para permitir a dilatação pro- com seus fundamentais, excluindo que a sexua-
gressiva pelo peso do tronco do paciente.8 lidade é uma condição humana biológica, ins-
Embora muitas vezes oferecido como tera- tintiva e natural. 9,10 Segundo Freud, o desen-
pia de primeira linha, parece que o candidato volvimento libidinal, oral, anal e fálica deve ser
ideal para o método de dilatação deve ser alta- encarado não apenas como zonas erógenas do
mente motivado, apresente mais de 18 anos, corpo, mas como introdução ao psiquismo, a
seja emocionalmente maduro e deseje evitar a partir da relação com os pais. É preciso que a
cirurgia. Talvez encontrassem aqui a resposta mãe faça a criança se reconhecer além de seu
para nossa falha terapêutica, sabendo que mui- corpo biológico, orgânico como um indivíduo
tas vezes o paciente envolvido não se adaptava dotado de importância para o outro. 10,11
ao método dilatador até o momento. 8 Na tentativa do melhor desenvolvimento da
A criação de neovagina no espaço retovesi- sexualidade e com objetivo de auxiliar o ma-
cal com revestimento com diferentes tipos de nejo clínico dos pacientes com DDS foram cri-
tecidos é descrita por outras variáveis técnicas adas duas teorias, que embora contrapostas es-

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tejam focalizadas na decisão de quando inter- Outras partes interessadas no manejo de cri-
vier para a mudança de sexo, sem que haja pre- anças com genitália ambígua, incluindo a Soci-
juízo na qualidade de vida. 2,3,7,11 edade Norte-Americana de Ginecologistas Pe-
Na Teoria da Neutralidade Psicossexual ao diátricos e Adolescentes (NASPAG), as Socie-
Nascimento, defende que uma criança criada dades de Urologia Pediátrica e a Sociedade Pe-
sem ambiguidade em relação ao sexo desig- diátrica Endócrina (PES) afirmam que quando
nado, desenvolve sua identidade de gênero de a cirurgia pode ser atrasada com segurança, é
forma relevante. 7,8,11 Tal abordagem sugere que ideal permitir que a criança afirme sua identi-
a designação sexual seja efetuada o mais rápido dade sexual e participe ativamente do processo
possível, preferencialmente antes dos 24 meses de consentimento para qualquer intervenção ir-
de idade, período no qual a identidade de gê- reversível. 13 Além disso, foi feito um esforço
nero ainda seria inconstante e passível de alte- para preservar a fertilidade, quando possível é
ração. Após esse período qualquer modificação ideal permitir que a criança afirme sua identi-
poderia acarretar o surgimento de Desordem de dade sexual e participe ativamente do processo
Identidade de Gênero. 11,12 de consentimento para qualquer procedimento
A Teoria da Tendência Interacionista após o irreversível. 12,1
nascimento, proposta por Milton Diamond O apoio psicológico deve ser extensivo a
julga uma predisposição ou tendência inata que toda a família, inclusive na aceitação e enfren-
favorece o desenvolvimento da sexualidade do tamento da criança frente à sua condição, em re-
indivíduo em sua interação com o mundo na lação aos pais, o apoio psicológico auxilia-os a
formação da identidade. Supõe-se que os indi- solidificar o gênero designado de seus filhos,
víduos não são psicossexualmente neutros ao evitando que tenham uma percepção ambígua.
nascimento. 11 Seus adeptos criticam a aborda- 5,14
É importante que os pais sejam consistentes
gem nos primeiros dois anos de vida e se preo- com o sexo no qual a criança está sendo criada
cupam com as repercussões clínicas da adoção - menino ou menina - além de serem congruen-
de condutas baseadas na proposta de Money. tes com a escolha de brinquedos, jogos, amiza-
11,12
Destaca-se a necessidade de adequar a in- des e aspirações futuras. 5,14 Nesse sentido se faz
formação ao momento do desenvolvimento da necessário que as informações lhes sejam trans-
criança, defendem após a puberdade, visando a mitidas de maneira detalhada e adaptada a cada
sua participação na tomada de decisão quanto momento particular do ciclo de desenvolvi-
ao tratamento. A redesignação sexual não deve mento individual e familiar. 5,12
estar apoiada apenas no prognóstico anatômico Fatores psicológicos, biológicos, sociológi-
ou em adequado funcionamento sexual, mas cos e éticos são fundamentais diante da comple-
sim, no desenvolvimento psicológico do indiví- xidade envolvida e apontam a necessidade de
duo. 11,12 enfoques multidisciplinares, na tentativa de evi-
Contudo as DDS devem ser assistidas no as- tar posicionamentos rígidos que acabem por
pecto psicológico desde o diagnóstico e ao comprometer a qualidade de vida do indivíduo
longo do ciclo vital, abordando questões de com a condição de DSD. 2,3,5,7,8,11,12 No mo-
acordo com a demanda e o desenvolvimento mento atual, radicalizar se torna um erro.5,13 O
cronológico da criança. Esclarecendo indaga- que se espera é a junção dos conhecimentos an-
ções sobre possibilidade menstrual, fertilidade, teriores já amadurecidos, à adequação dos co-
de contraceptivos, orientação sexual e vida con- nhecimentos atualizados, de maneira contextu-
jugal. Na puberdade deve-se ainda serem apre- alizada, personalizada, propiciando a estes pa-
sentadas técnicas cirúrgicas caso haja insatisfa- cientes, melhor qualidade de vida, ao invés de
ção com a apresentação fenotípica. 11 Se a mu- encaixá-los a um modo de vida conveniente,
dança de gênero for considerada Diamond su- técnico e ideológico.5,14
gere que o paciente simule viver por um tempo Por fim outro importante estudo revisado,
de acordo com o sexo almejado, na tentativa de foi em relação ao exame de imagem ultrassono-
possibilitar uma adaptação e construção pro- gráfico.5,14 O advento da triagem de rotina de
gressiva de uma nova identidade de gênero e cfDNA fornece informações do genótipo sexual
um novo papel social. 11, 12,13 fetal que podem ser comparadas com o ultras-
som da genitália externa, geralmente na varre-

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dura morfológica no segundo trimestre.15 A dis- Walczak-Jędrzejowska R, Marchlewska K,


cordância sexual pode ser devida a várias cau- Slowikowska-Hilczer J, et al. The risk of men-
sas, algumas das quais são facilmente diagnos- tal disorders in patients with disorders/differ-
ticadas, enquanto outras são incapazes de serem ences of sex differentiation/development
diagnosticadas antes do nascimento.15 A inclu- (DSD) and Y chromosome. Endokrynologia
são de geneticistas e uma equipe de DDS aju- Polska. 2020; 251: 92– 213
dará no diagnóstico e no gerenciamento contí- 3-Stambough K, Magistrado L, Perez-Milicua
nuo.5,15 G. Evaluation of ambiguous genitalia. Current
O diagnóstico pré-natal de discordância se- Opinion in Obstetrics and Gynecology. 2019
xual é um fenômeno relativamente novo. 15 An- Oct 15;31(5):303-308. 2019; 31(5):303-8.
tes do teste de DNA sem células, o diagnóstico 4- Acimi S. What term to choose: ambiguous
de um distúrbio de diferenciação sexual era aci- genitalia or disorders of sex development
dental, seja através da identificação de genitais (DSD)? Front Pediatric. 2019; 7(316): 1-3.
ambíguos no ultrassom de morfologia no meio 5- Raza J, Zaidi SZ, Warne GL. Management
do trimestre ou da descoberta de discordância of disorders of sex development e With a focus
genótipo-fenótipo. 15 A detecção precoce da on development of the child and adolescent
discordância sexual fenótipo-genótipo é impor- through the pubertal years. Best Pract Res Clin
tante, pois pode indicar uma condição genética, Endocrinol Metabol. 2019; 33: 1-15.
cromossômica ou bioquímica subjacente e tam- 6- BBC News - Brasil [homepage na internet].
bém permite tratamento pós-natal com tempo Crianças intersexuais precisam ser operadas
crítico.15 ainda bebês? A polêmica discussão nos EUA. 1
fev 2020. Disponível em:
CONCLUSÃO https://www.bbc.com/portuguese/internacio-
nal-51274707. (Acesso em: 15/05/2020)
Apesar dos Distúrbios da Diferenciação Se- 7- De Clercq E, Streuli J. Special Parents for
xual ser considerado, de uma maneira geral, in- "Special" Children? The Narratives of Health
comum entre os quadros patológicos diversos, Care Providers and Parents of Intersex Chil-
as informações podem ser agregadas a um dren. Narrat Inq Bioeth. 2019; 9(2): 133-47.
corpo mais abrangente de conhecimento. Lem- 8- Wisniewski AB, Tishelman AC. Psycholog-
brando, até mesmo que se trata de uma questão ical perspectives to early surgery in the man-
muito além do espírito cirúrgico, abrangendo o agement of disorders/differences of sex devel-
mais primordial da vida do ser humano que se opment. Curr Opin Pediatr. 2019; 31(4): 570-
trata do seu reflexo como indivíduo e não da pa- 574.
dronização social, que às vezes nesse estudo 9- Chawla R, Weidler EM, Hernandez J,
acarretou no indivíduo uma mutilação do seu Grimbsy G, van Leeuwen K. Utilization of a
sexo original e social. Logo, vejo o grande pe- shared decision-making tool in a female infant
rigo do egocentrismo paternal e profissional with congenital adrenal hyperplasia and genital
quando transforma o protagonista da situação ambiguity. J Pediatr Endocrinol Metab. 2019;
sua decisão e não do indivíduo indefeso que 32(6): 643-646.
pode ter seu futuro todo contorcido devido a 10- Project Muse [homepage na internet]. Spe-
uma decisão nunca próxima da sua. Nesse sen- cial parents for "special" children? 2019. Dis-
tido, o presente trabalho não se prendeu a indi- ponível em: https://muse.jhu.edu/arti-
car conclusões, e sim contribuir com reflexões cle/731467. (Acesso em: 28/05/2020)
no campo tanto teórico, como prático e do lado 11- Giudice MG, Del Vento F, Wyns C. Male
psicossocial de tal patologia. fertility preservation in DSD, XXY, pre-gonad-
otoxic treatments - Update, methods, ethical is-
REFERÊNCIAS sues, current outcomes, future directions. Best
Pract Res Clin Endocrinol Metab. 2019; 33(3):
1- Perez MN, Delozier AM, Aston CE, et al. 101261.
Predictors of Psychosocial Distress in Parents 12- Sani AM, Soh KL, Ismail IA, Arshad MM.
of Young Children with Disorders of Sex De- Experiences of People Living with Disorders of
velopment. J Urol. 2019.; 202(5):1046-1051. Sex Development and Sex Re-assignment:
(1046-51) Meta -ethnography of Qualitative Studies. Exp
2- Szarras-Czapnik MS, Bajszczak K,

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Dis Sex Dev. fying and Counting Individuals with Differ-


13- Carpinteiro M. Intersex Variações, Direitos ences of Sex Development Conditions in Popu-
Humanos e Classificação Internacional de Do- lation Health Research. LGBT Health. 2018;
enças. Direitos de saúde. 2018 Dez; 20 (2): 205- 5(5): 320-324.
214. 15- Smet ME, Scott FP, McLennan AC. Jornals
14- Tamar-Mattis S, Gamarel KE, Kantor A, Prenatal Diagnosis. Discordant Fetal Sex on
Baratz A, Tamar-Mattis A, Operario D. Identi- Nipt And Ultrasound. 2020 Mar 03;

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