Você está na página 1de 7

o DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL DO JAPÃO·

Messias Costa * *

1. Introdução; 2. A escolarização no Japão; 3. Administração do sistema e os


recursos destinados à educação,· 4. Considerações finais.

1. Introdução

"O povo japonês devota um zelo especial à educação."! Esta frase mencionada
por Tetsuya Kobayashi, importante educador da Universidade de Quioto, sinteti-
za muito bem a atenção e a importância que os japoneses atribuem à educação.
Tal zelo pode ser identificado em diversas circunstâncias, que vão desde a atenção
que os pais, no dia-a-dia, dispensam à educação de seus filhos até a preocupação
governamental com o desenvolvimento e a administração do sistema de ensino.
Neste trabalho serão destacados apenas dois elementos que refletem esta atenção
especial: a) os elevados níveis de escolarização do povo japonês; b) a atenção
governamental através da administração do sistema educacional e aplicação de
recursos à educação.

2. A escolarização no Japão

O Japão de hoje apresenta níveis de escolarização espetaculares. Ele tem o ensino


obrigatório de nove anos totalmente universal, o ensino de 2~ ciclo do 2'1 grau
também praticamente universal (em 1981, 96,5% dos jovens da respectiva faixa

• Este artigo faz parte de uma pesquisa, realizada de dezembro/1983 a março/1984, no Japão,
através de fellowship proporcionadO pela Fundaçfo .rapfo, e com o apoio do The National
Institute for Educational Research 11 da Universidade de Artes liberais de Tóquio .

•• Ph. D. em educaçfo pela Universidade de Stanford; professor no Curso de Mestrado em


Educação da Universidade de Bras(lia.

! Kobayashi, Tetsuya. Society, schools and progress in Japan. Oxford Pergamon Press, 1976.
p.107

Forum educ., Rio de Janeiro, 9 (1): 67-73, jan./mar. 85


etá(la estavam matriculados) e um dentre cada três jovens da faixa de idade
2
apropriada freqüenta curso superior.

o extraordinário desenvolvimento da educação no Japão não foi conseguido da


noite para o dia. Os fatos mostram que o Japa'o sempre teve, ao longo de sua histó-
ria, uma constante e permanente atenção para com a educação. Este empenho, no
entanto, ganhou ênfase sobretudo a partir de 1868, data da Restauração Meiji, que
iniciou, através da educação, um processo de modernização do país.

O Governo Meiji, como parte de suas preocupações, realizou já em 1872 uma re-
forma educacional e deu uma atenção toda especial à educação. Esta reforma foi
tomada de forma tão séria que, 10 anos depois da Restauração, o Japão já possu ía
aproximadamente o mesmo número de escolas primárias que tem hoje. 3 Em 1900
o ensino primário foi tornado gratuito e obrigatório, e em 1905 ele já era pratica-
mente universal, com 95,6% das crianças em idade escolar matriculadas nas escolas
primárias. Em 1906 este ensino primário obrigatório estendia-se de quatro para
4
seis anos.

O governo japonês preocupou-se também com os outros níveis de ensino. Paralela-


mente ao desenvolvimento da escola elementar, diversos esforços foram feitos
com relação à educação de 2'? grau e à superior. As duas universidades hoje mais
famosas no Japão, por exemplo, foram fundadas no fim do século XIX: a Universi-
dade de Tóquio em 1877, e a de Quioto em 1897.

Durante a primeira metade do século XX, diversos esforços foram feitos com o ob-
jetivo de reorganizar e melhorar as escolas japonesas, mas a mudança mais impor-
tante ocorreu em 1947, com uma lei que estabeleceu a segunda reforma educacio-
nal do país. Esta reforma foi o resultado do processo de desmilitarização e demo-
cratização que se implantou no Japão logo após o término da II Guerra Mundial.

2 A organização do ensino no Japão obedece ao sistema 6-3-3-4, ou seja, o ensino de 1~ grau


(primário ou shogakko em japonês) tem a duração de seis anos; o ensino de 2~ grau é dividido
em dois ciclos, sendo que o 1~ ciclo (chugakko), também obrigatório, tem a duração de três
anos, e o ~ ciclo (kotogakko) a duração de três anos; o 3~ grau ou superior (daigaku) é, de
modo geral, de quatro anos. A terminologia, em português, usada para os níveis escolares, está
baseada em Lourenço Filho, M.S. Educaç30 comparada (São Paulo, Melhoramentos, 1964) e
n§o coincide exatamente com aquela prescrita pela Lei n~ 5.692/71, pelo fato óbvio de des-
crever uma outra organização de sistema de ensino.

3 Kobayashi, Tetsuya, op. cito p. 27.


4 Ministry of Education, Science and Culture (Monbusho, daqui em diante identificado pela
sigla MESC). Education in Japan 1982, a graphical presentation. Tokyo, MESC, 1982. p. 50

68 Forum 1/85
Foi estabelecido, enta'o, o atual sistema 6-3-3-4, com nove anos de escolarizaçA'o
obrigatória e que abrangiam os seis da escola primária e três do 1~ ciclo do 2C! grau_
Parece que a obrigatoriedade contida nesta lei de 1947 apenas corroborou uma ten-
dência que, há tempo, já se verificava, uma vez que a educaça'o elementar já era
universal desde a primeira década do século XX, e a de 2C? grau (2<? ciclo), na oca-
sia'o, matriculava 61,7%, dos alunos da respectiva faixa de idade.

Com uma populaça'o de 118 milhões, o Japa'o possuía, em 1982, 15 mil jardins de
infância, 25 mil escolas primárias, 10 mil escolas de lC? ciclo do 2<? grau, 5 mil de
2C? ciclo de 2C? grau e 455 universidades, além de outros diversos tipos de escolas. 5
No Japão, o aluno passa grande parte de sua vida na escola. No ensino primário,
por exemplo, o número de horas-aula varia de 850 na primeira série a 1.015 na
sexta, exigindo que as escolas funcionem inclusive aos sábados. 6 Além da escolari-
zaçio regular, muitos alunos, principalmente nos níveis mais avançados, buscam a
ajuda de professores-tutores (katei kyoshi) ou também freqüentam escolas parti-
culares para reforço e recuperaça'o da aprendizagem Vuku) ou vA'o para cursinhos
preparatórios ao vestibular (yobiko). Estes elementos do sistema escolar e da so-
ciedade japonesas, juntamente com certas características culturais, sâ'o certamente
algumas das razões que explicam o fato de as crianças japonesas obterem, em tes-
tes de rendimento escolar, escores mais elevados que as de outros pa íses.

3_ AdministraçA'o do sistema e os recursos destinados à educaçfo

A administraça'o da educaça'o japonesa é feita em três níveis: nacional, provincial e


municipal. No nível nacional ela é exercida pelo Ministério da Educaça'o, Ciência e
Cultura (Monbusho), e nos níveis provinciais e municipais pelos conselhos de edu-
caça'o. Embora até meados dos anos 50 os membros destes conselhos fossem elei-
tos pelos residentes, hoje eles sa'o nomeados pelo governador ou pelo prefeito,
com a aprovaç!o do Poder Legislativo.

Est!o sob a responsabilidade do Monbusho todas as universidades nacionais, mu-


seus nacionais, galerias de arte nacionais, alguns institutos nacionais de pesquisa,

5 Ní:meros arredondados. Conferir corri Ministry of Education, Science and Culture of Japan.
Statistical abstract of education, science and cul!ure (1983 edition). Tokyo, MESC. 1983 p. 22.

6 Uma hora-aula corresponde a uma aula de 45 minutos. Ver MESC. Education ... op. cit.,
~- .

à desenvolvimento educacional do Japão 69


algumas faculdades que oferecem cursos de curtéJ duração e a maioria das faculda-
dades técnicas. Quase todas as escolas de 2'? ciclo do 2C? grau estão sob o controle
do Conselho de Educação Provincial, e as escolas primárias e do lC? ciclo do 2?
grau sob a jurisdição dos conselhos municipais.

A contratação de pessoal é uma das funções do governo local e, portanto, os crité-


rios para tal diferem dentre os conseihos de educação. No caso do Conselho de
Educação da Região Metropolitana de Tóquio, por exemplo, os professores são
nomeados dentre os candidatos aprovados nos exames de seleção administrados
anualmente pelo Conselho. No que diz respeito a diretores, vice-diretores e espe-
cialistas da educação {teacher consultantsl. a seleção é feita dentre os professores
de suas escolas que preencham os padrões de qualificação e sejam aprovados num
exame realizado anualmente no mês de agosto. 7 Para estas posições exige-se muita
experiência. No caso de diretores, por exemplo, são necessários 15 anos de expe-
riência de magistério, dos quais 10 tém que ser na metrópole.

o Ministério da Educação "supervisiona e aloca recursos financeiros para os conse-


lhos locais de educação e pode exigir relatórios sobre as suas atividades educãcio-
nais".8

o conteúdo das disciplinas ensinadas nas escolas é preparado pelos administrado-


res locais, baseado nas instruções prescritas pelo Ministério, que também controla
o sistema de autorização dos livros escolares, matéria, no momento, bastante con-
trovertida no Japão.

o governo central financia a operação das universidades nacionais e proporciona


"subsídios específicos para as atividades educacionais de outras instituições como
as que estão sob controle das províncias, das prefeituras, das escolas particulares e
para organizações de pesquisa".9

Aspecto interessante do sistema de administração educacional e da alocação de re-


cursos do Japão é o fato de as escolas de 1C? e 2'? graus serem administradas pelos
gove.-nos locais mas receberem muitos subsídios do governo central. De acordo
com dados do Ministério da Educação, Ciência e Cultura, a maior parte destes sub-

7 Tokyo Metropolitam Soard of Education. Public education in Tokyo, 1983. Tokyo, 1983.
p. 8

8 Educatifln ... op. cito MESC. 1982, p. 30.


9 Id. ibid. p. 46.

70 Forum 1/85
sídios "é destinada ao pagamento de salários dos professores das escolas que for-
necem educação obrigatória e para a construção e reconstrução de prédios escola-
res".IO ~ esta medida que, sem dúvida, faz com que, no Japão, não existam gran-
des diferenças entre os salários dos professores das diversas regiões do pa ís. O go-
verno central, ainda, se diz presente através da distribuição gratuita de livros esco-
lares aos alunos em idade de escolarização obrigatória e da assistência prestada aos
alunos. .

Todas estas medidas exigem do governo japonês a aplicação de uma considerável


parcela de recursos. Em 1980, por exemplo, o Japão gastava em educação 7,2%
de sua renda nacional. Considerando-se também as despesas privadas, este percen-
tual crescia para 8,6%. No ano fiscal de 1984, a educação e ciência receberam a
quinta maior parcela de recursos pÚblicos."

Apesar de a educação primária e a de 1~ ciclo do 2<?'grau serem gratuitas, os pais


também contribuem com uma pequena parcela de recursos. Em 1980, por exem-
plo, a participação familiar nas despesas escolares era de 9,4% para a educação pri-
mária e 13,2 para a do 19 ciclo do 29 grau. Nas escolas de 2~ ciclo do 2<? grau e
universidades públicas administradas pelo governo municipal, provincial ou nacio-
nal são cobradas taxas, embora os alunos carentes recebam a atenção governamen-
tal através de programas de assistência financeira e de bolsas de estudos.

Os subsídios que o governo central oferece aos governos locais, principalmente pa-
ra pagamento dos professores, a assistência prestada aos alunos carentes para me-
lhorar a freqüência às aulas e os recursos destinados à educação pelo Estado e pe-
las famílias, como foi visto, obviamente refletem alguns aspectos do "zelo espe-
cial" que o povo japonês devota à educação. ~ claro que os educadores japoneses e
considerável parcela da população têm algumas queixas de seu sistema escolar. Es-
ta é uma das razões pelas quais a reforma educacional é hoje uma das principais
preocupações do governo japonês.

Tem havido, no momento, diversas discussões nos círculos governamentais acerca


de uma reforma educacional. Quase diariamente os jornais do país publicam o de-
senrolar destes debates. Durante a campanha eleitoral de dezembro de 1983 o pro-
blema educacional foi um dos temas prediletos dos candidatos. No dia 10 de de-
zembro de 1983, por exemplo, o primeiro-ministro anunciou sua intenção de re-

10 Id. ibid. p. 48.


Ii De acordo com dados do The Japan Times. 21 jan. 1984.

o desenvolvimento educacional do Japão 71


formar o sistema educacional japonês. Dentre outros aspectos, na ocasião, ele pro·
pôs:

a) modificar o atual sistema 6-3-3-4;


b) corrigir a ênfase dada às médias estat ísticas nacionais para o julgamento do de-
sempenho acadêmico;
c) rever o exame unificado nacional para os estudantes do 2'? ciCiO do 29 grau;
d) promover, através das escolas, o cuitivo do talento artístico e da educaç1io moral;
e) melhorar a qualidade dos professores. 12

4. Considerações finais

~ possfvel, pois, concluir que, pelo menos, os seguintes elementos fazem da edu-
cação uma âtividade importante na sociedade japonesa:

a) a valorização da educação pelo povo em geral;


b) o papei desempenhado pelo governo central no financiamento da educaç1io;
c) a participação dos governos provinciais e municipais e das fam ílias no financia-
mento da educaçâ'o.

Há alguns indicadores sociais bastante relacionados com a situação educacional do


Japão, que também merecem observação. Ei-Ios:

1. O hábito da leitura é muito difundido entre os japoneses.


~. As grandes cidades japonesas néTo possuem os problemas de segurança geralmen-
te existentes noutras cidades do mundo. As taxas de criminal idade do Japã'o sã'o
mais baixas que as de outros países desenvolvidos.
3. A distribuiçã'o da renda pessoal no Japão é uma das mais igualitárias dentre as
nações ricas do mundo. Em 1970 o coeficiente de Gini era de 0,28.
4. A economia japonesa é uma das mais desenvolvidas do mundo.

Até que ponto foi a educaçll'o um fator decisivo para o desenvolvimento social,
econômico e tecnológico do Japão de hoje? A questão da relaç1io entre educaçã'o
e desenvolvimento econômico é bastante polêmica e tem merecido muita atençã'o
'por parte do. estudiosos do assunto. Há algum tempo os economistas costumavam
examinaI a relação existente entre certas variáveis educacionais e alguns indicado-
res econômicos, com o objetivo detestar até que ponto a educaçã'o poderia contri-
buir para o desenvolvimento da economia de um país. Outros estudos também fo-

12 The Japan T;mes, 11 dez. 1983.

72 Forum 1/85
ram desenvolvidos para explicar a possibilidade de igualizaç!o da renda através da
disseminaç!o da educaç!o. Pesquisas sobre a relação entre educaç!o, por um lado,
e taxas de mortalidade, e níveis nutricionais, por outro, também foram levadas a
efeito em diversos países. O que parece restar de todos estes esforços é que uma
relaç!o de causalidade entre estas variáveis jamais será plenamente esclarecida. ~
claro, no entanto, que todos estes fatores s!o interdependentes e que, por conse-
guinte, a importância dos fatores educa<:ionais n!o pode ser negligenciada.

Outro elemento que merece atenção no estudo de importância da educação para


o desenvolvimento de um país é o fator tempo. Implícita ou explicitamente,
espera-se que o impacto da educaç!o sobre outros aspectos da vida social seja
direto e, até certo ponto, imediato. Este enfoque é obviamente muito pragmático
e não faz sentido. !: mais conveniente e adequado analisar os efeitos da educação
no longo prazo e como um processo cumulativo. Talvez seja este o elemento mais
importante que pode ser observado no desenvolvimento da educaçâ'o japonesa, ou
seja, a importância da educaçâ'o para o desenvolvimento econômico e social de um
país nâ'o pode ser buscada no resultado da implementação de medidas a curto
prazo ou de tipos especiais de escolas como aquelas estritamente relacionadas com
a produção industrial. O esforço educacional de um país tem que ser constante e
permanente.

Ironicamente, a maioria dos problemas educacionais do Jap!o de hoje tem suas


raízes na acentuada ênfase que a sociedade coloca na educaç!o. Deve ficar claro,
no entanto, que as discussões normalmente realizadas peia imprensa e pelo povo
em geral, por si só, representam a preocupaç!o com a melhoria do sistema educa-
cional e, obviamente, este é um aspecto altamente positivo.

!: importante observar, portanto, que o Japão é hoje um dos países mais adianta-
.dos do mundo, seu povo possui um elevado padr!o de bem-estar social, e estas rea-
lizações seriam impensáveis sem os níveis de educaçâ'o alcançados através dos anos.

o desenvolvimento educacional do Japão 73

Você também pode gostar