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BERNADETTE MARTIN
Com a colaboração de Françoise Micheau
BIZÂNCIO E O ISLÃO
HISTÓRIADAHUMANIDADJ
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3
L
A IDADE MEDIA NO ORIENTE
BIZÂNCIO E O ISLÃO
Os Autores:
BERNADETTE MART1N
com a colaboração de
FRANÇOISE MICHEAU
© Hachette, 1990
Título original: Le Moyen Age
en Orient, Byzance et L 'Islam
ISBN: 972-20-1172-3
índice
Prefácio .............................................................................................................................................. 9
Introdução........................................................................................................................................ 11
<-
Prefácio
Michel Balard
1 Certificai d 'Aptilttde Pédagogique à lEnseignement Secondaire (Certificado de Aptidão Pedagógica para o Ensino
9
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Introdução
O estudante que aborda a história do Próximo Oriente medieval mostra-se à partida confuso.
Trata-se de um mundo novo de que ignora frequentemente a própria geografia; de povos pouco conhe
cidos, cujo passado e até mesmo o presente são para ele obscuros, e que se exprimem em línguas que
desconhece1; acresce que não têm aqui aplicação muitos dos conceitos habituais da ciência histórica.
A primeira dificuldade é, pois, a mudança de meio. A segunda provém da diversidade. Contraste
entre o Impéno Bizantino cristão e o Império Persa e, depois, o mundo muçulmano. Contraste mesmo
no interior desses dois mundos: há, por certo, uma diferença maior entre as margens do Danúbio e
os confins orientais da Ásia Menor no que toca a Bizâncio, entre a Hispânia e a Asia Central quanto
ao mundo muçulmano, do que entre a Mesopotâmia bizantina e a Mesopotâmia árabe. O Império
Bizantino apresenta, no plano político, uma indiscutível unidade, mas esta desaparece ao estudar-se
a economia, a sociedade ou, mesmo, a religião com as suas inumeráveis heresias. No que respeita ao
mundo muçulmano, depressa deixa aparecer fortes particularismos regionais, que as divisões religio
sas e atracções diversas pelos mundos exteriores aprofundam. E que às diversidades interiores do
Próximo Oriente juntam-se as dos mundos periféricos: estes influem no Próximo Oriente medieval
directamente pelos incessantes movimentos de invasão ou indirectamente por trocas mais pacíficas —
religiosas, comerciais, etc. O principal erro a evitar é portanto a generalização e o esforço primordial
a desenvolver é o de captar esta espantosa diversidade.
Uma terceira dificuldade decorre da relativa juventude dos estudos científicos relativos ao mundo
oriental e, mais ainda, aos mundos periféricos. O estudante não deverá, pois, admirar-se de encontrar
menos certezas do que hipóteses, mais problemas levantados ou sugeridos do que problemas verdadeirament
resolvidos. Uma das vantagens que retirará do estudo do Oriente medieval provém justamente desta
necessária reflexão. Os autores tentaram, é certo, fornecer ao estudante a maior quantidade possível de
sínteses e de aperfeiçoamentos, mas o esforço de recuo e de aprofundamento do estudante é sempre necessári
O valor metodológico do estudo do Próximo Oriente medieval é portanto indubitável. A impor
tância do seu conteúdo não o é menos: muitas das evoluções actuais, muitos dos conflitos mais con
temporâneos têm as suas raízes na época medieval, cuja compreensão explica o mundo de hoje. E esta
é a verdadeira vocação do historiador.
1. A bibliografia
11
LIER, «Le point sur les mondes byzantin et mento a esses volumes sob a forma de fas
musulman du début du VIIIe. au milieu du cículos trimestrais.
XIe. siècle», Historiem et Géographes, n.B 270, O estudante deve habituar-se a utilizar
Setembro-Outubro de 1978. diversas revistas especializadas em história
oriental. As mais correntes em história bizan
Quatro atlas históricos são preciosos:
tina são Byzantion, Byzantinische Zeitschrift,
Westemímns Atlas zur Weltgeschichte, II, Byzantinoslavica, Dumbarton Oaks Papers, Reuue
Mittelalter, Berlim, 1956. Grosser Historisher des Etudes Byzantines (ex-Echos d’Orient).
Weltatlas, II, Mittelalter, Munique, 1970. An Travaux et Mémoires du Centre de Recherches
Historical Atlas of Islam, ed. W. C. Brice, d Histoire et Civilisation Byzantine, Vizantijskij
Leiden, 1981. Atlas de VAntiquité Chrétienne, Vremennik. Para a história muçulmana: Ara-
Paris-Bruxelas, 1960. Para o final do período, bica, Der Islam, foumal Asiatique, Journal of
pode igualmente utilizar-se: D. E. PlTCHER, the Economic and Social History of the Orient,
An Historical Geography of the Ottoman Empire, Revue des Etudes Islamiques, Studia Islamica.
from earliest times to the end of the sixteenth cen-
Há alguns anos, uma casa editora publica
tury, Leiden, 1972. em Londres, sob o título de Variorum Re-
prints, obras que são colectâneas de artigos
Os elementos de cronologia são forne de um mesmo autor sobre um tema bastante
cidos por : vasto. O recurso a esses volumes dispensa,
V. GRUMEL, La Chronologie, Traité dÉtudes com utilidade, o emprego de certas revistas.
Byzantines, I, Paris, 1958. H. G. CATTENOZ,
Alguns dos principais artigos de C.
Tables de concordance des ères chrétienne et hégi-
CAHEN poderão, por outro lado, ser con
rienne, 2.- ed., Casablanca, 1952. C. E. BOS-
sultados em C. CAHEN, Les Peuples musul-
WORTH, The Islamic Dynasties, Edimburgo, 1967.
mans dans Vhistoire médiévale, Damasco, 1977.
Três obras fundamentais dizem respeito Diversos congressos e revistas, normal
mais particularmente ao Islão, mas são úteis mente consagrados a problemas de histó
para o conjunto da história oriental: ria geral ou ao estudo da Idade Média oci
dental, apresentam por vezes interesse, por
C. CAHEN, Introduction à Vhistoire du monde
certas comunicações ou artigos, para o
musulman médiéval, VIF-XV siècle, Méthodologie
Próximo Oriente medieval. E o caso de:
et éléments de bibliographie, Paris, 1983; é a
Actes des Congrès Internationaux des Etudes
obra de referência insubstituível. A Ency-
Byzantines, Settimane di studio dei Centro
clopédie de VIslam, que existe em duas edi
Italiano di studi sulValto Medio evo (impro
ções: a primeira (E.I./1), publicada de 1914
priamente chamadas Semaines de Spolèté).
a 1942 em 4 volumes e um suplemento, foi
reeditada em Leiden em 1987, em 8 volu
mes e um suplemento; a segunda (E.I./2),
■ Grandes colecções históricas
em curso de publicação desde 1960, com
porta já 5 volumes e vários fascículos (até M)
Certas grandes colecções históricas per
do 6.s volume. J. D. Pearson, índex Islamicus,
mitem situar a história do Próximo Oriente
Cambridge: é uma colectânea dos artigos
medieval no conjunto da Idade Média:
a respeito do Islão e classificados por temas.
Aparecido em 1958 (para os artigos de 1906 - Peuples et Civilisations (Halphen et Sagnac,
a 1955), foi seguido de quatro suplemen PUF), t. v, R. Folz, A. Guillou, L. Musset,
tos publicados, sob o mesmo título, em 1962, D. SOURDEL, De LAntiquité au monde médiéval,
1968, 1972 e 1976. Um quinto suplemento, Paris, 1972, t. vi, G. Duby, R. Mantran,
aparecido em 1983, compreende duas par LEurasie, XIe.-XIIIe. siècles, Paris, 1982.
tes: uma colige os artigos, a outra - é uma - Histoire générale des sciences, 1.1, La Science
novidade - os livros, aparecidos entre 1976 antique et médiévale, Paris, PUF, 1966, publi
e 1980. O Quarterly índex Islamicus dá segui cada sob a direcção de R. Taton.
12
Introdução
- Histoire générale des techniques, t. I, Les man, Paris, 1970; R. MANTRAN, LExpansion
Origines de la civilisation technique, Paris, PUF, musulmane (VIP.-XP. siècles), Paris, 1969, col.
1962, publicada sob a direcção de M. Dau- «Nouvelle Clio», PUF. A. MlQUEL, Llslam
MAS. et sa Civilisation, Paris, 1968, col. «Destins
du monde», Colin. D. e J. SOURDEL, La
Civilisation de VIslam classique, Paris, 1968,
■ Obras gerais col. «Les grandes civilisations», Arthaud;
reed. em formato de bolso, 1983. N. ELIS-
Uma obra recente apresenta em para SEEF, L 'Orient musulman au Moyen Age, Paris,
lelo as civilizações ocidental, bizantina e 1977. L. Gardet, Les Hommes de llslam, col.
muçulmana: R. FOSSIER e col., Le Moyen Age, «Le temps et les hommes», Paris, 1977.
3 vols., Paris, 1982-1983. D. SOURDEL, Llslam médiéval, Paris, 1979.
Em inglês, uma importante síntese apre
a) Mundo cristão oriental senta pontos de vista originais: M. A. SHA-
BAN, Islamic History: a new interpretation, 1.1,
The Cambridge Medieval History, vol. IV,
600-750, t. li, 750-1055, Cambridge Univer-
The Byzantine Empire, Parte 1, Byzantium and
sity Press, 1971-1976.
its neighbours, Parte 2, Govemment, Church
and Civilization, 2? ed., Cambridge, 1966- M. Rekaya, Llslam. Religion et civilisation.
-1967. L. BREHIER, Le Monde byzantin, 3 vols., Son expansion du VIP. au XVe. siècle, Paris,
Paris, col. «Évolution de 1’Humanité», reed. 1978, oferece uma escolha sucinta de textos.
1969-1970, t. I, Vie et Mort de Byzance, t. 2,
Les Institutions de VEmpire byzantin, t. 3, La Obras um pouco mais antigas apresen
Civilisation byzantine. G. OSTROGORSKY, tam também interesse: L. Gardet, La Cité
Histoire de lÉtat byzantin, trad. franc., Paris, musulmane, Paris, 1954; e Llslam, religion et
1956 (a 3.- edição alemã de 1963 compor communauté, Paris, 1967. G. L. VON GRU-
ta uma actualização), reed. franc., 1968. NEBAUM, Llslam médiéval, trad. franc., Paris,
D. OBOLENSKY, The Byzantine Commonwealth, 1962.
Londres, 1971. A. GUILLOU, La Civilisation Deve, finalmente, conhecer-se: The Cam
byzantine, Paris, 1975, col. «Les grandes civi- bridge History of Islam, em dois volumes. T. 1,
lisations», Arthaud. A. DUCELLIER, LeDrame The Central Islamic Lands, t. 2, The further
de Byzance, idéal et échec d une société chrétienne, islamic lands. Islamic society and civilization,
col. «Le temps et les hommes», Paris, 1976. Cambridge, 1970.
A estas obras já antigas, acrescentar-se-á
agora: A. DUCELLIER, Byzance et le monde c) Mundos periféricos ou pré-islâmicos
Orthodoxe, Paris, 1986. Obras gerais foram
publicadas em colecções de bolso. Além dos Quanto ao mundo iraniano, as obras fun
três volumes de L. BREHIER, pode citar-se: damentais são: A. CHRISTENSEN, Llran sous
P. IfMERLE, Histoire de Byzance, Paris, 3? ed., les Sassanides, Copenhaga, 1936. The Cam
1956, col. «Que sais-je?». A. DUCELLIER, Les bridge History of Iran, vol. 3 em 2 tomos: The
Byzjantins, Histoire et Culture, col. «Points Seleucid, Parthian and Sassanian Periods,
Histoire», n.9 99, Paris, 1988. J. FERLUGA, Cambridge, 1975. J. D. PEARSON, A Biblio-
Bisanüo, società e stato, Florença, 1974 (com graphy of Pre-Islamic Pérsia, Londres, 1975.
um importante dossier de textos). H. AHR- Quanto ao mundo eslavo: A. DVORNIK,
WEUJER, LTdéologie politique de VEmpire byzan Les Slaves. Histoire et Civilisation de VAntiquité
tin, Paris, 1975. aux débuts de Vépoque contemporaine, trad.
franc., Paris, 1970. R. PORTAL, Les Slaves: peu-
b) Mirado muçulmano ples et nations (VIP.-XXe. siècles), col. «Destins
Há obras recentes em francês que todo du monde», Paris, 1965. A. P. Vlasto, The
o estudante deve conhecer: C. CAHEN, Entry of the Slavs into Christendom, Cambridge,
Llslam, des Origines au début de VEmpire otto- 1970.
13
Quanto ao mundo das estepes e o Londres, 1928; B. SPULER, Iran in früh-isla-
Extremo Oriente: L. MUSSET, Les Invasions: mischer Zeit, Wiesbaden, 1952; R. GROUSSET,
le second assaut contre lEurope chrétienne Histoire de PArménie, Paris, reed. 1973; Ch.-
(VIIe.-XIe. siècles), Paris, 1965, col. «Nouvelle A. JULIEN, Histoire de PAfrique du Nord, t. 1
Clio», PUF. E. D. PHILLIPS, Les Nómades de e 2, 2? ed., Paris, 1968; A. Laroui, Histoire
la steppe, Paris, 1966. J. GERNET, Le Monde du Maghreb. Essai de synthèse, Paris, 1970;
chinois, Paris, 1972, col. «Destins du monde», G. MARÇAIS, La Berbérie musulmane et POrient,
Colin. Paris, 1948; Histoire du Maroc, sob a direc
ção de J. BRIGNON, Paris, 1967. E. LÉVI-PRO-
Quanto ao mundo ocidental, o estudante VENÇAL, Histoire de PEspagne musulmane,
tem à sua disposição M. Balard, J.-Ph. 3 vols., Paris, 1944-1953; G. I. BRATIANU, La
Genet, M. ROUCHE, Le Moyen Age en Occident, Mer Noire, des origines à la conquête ottomane,
Paris, 1990, ej. VERGER, Naissance et Premier Munique, 1969.
Essor de POccident chrétien, V.-XIIP. siècles,
Paris, 1975. Vários estudos relativos à geografia his
tórica do mundo bizantino foram publica
dos por H. AHRWEILER, Byzance: les pays et
■ Aspectos regionais e institucionais les territoires, Variorum Reprints, 1976. Para
um bom estudo regional, ver J. FERLUGA,
Certos grandes problemas da história do LÍAmwnitfrozzoni bizantina in Dalmazia, 1978.
Oriente cristão estão na origem de obras Quanto às ilhas: E. MALAMUT, Les lies de
importantes. PEmpire byzantin, VIIP.-XIP. siècles, Paris,
1988.
H. AHRWEILER, Byzance et la Mer. La
Marine de guerre, la Politique et les Institutions
maritimes de Byzance aux VHe.-XM. siècles, Paris, ■ Relações entre os mundos bizantino e
1966. muçulmano: problemas comuns
G. DAGRON, Naissance dune capitale, Cons-
tantinople et ses institutions de 330 à 431, Paris, No conjunto, há muito poucos estudos
1974. A Grabar, LEmpereur dans Part byzan- gerais sobre este tema. Os aspectos maríti
tin. Recherches sur Part officiel de Pempire mos das relações entre Bizantinos e Muçul
d’Orient, Paris, 1936, reed. Variorum Reprints, manos são estudados em A. R. Lewis, Naval
1974. power and trade in the Mediterranean AD 500-
-1100, Princeton, 1951, e em E. ElCKHOFF,
A organização do poder no islão pode Seekrieg und Seepolitik zwischen Islam und
ser abordada nas obras de A. K. S. LAMB- Abendland. Das Mittelmeer unter byzantinischer
TON, State and Govemment in Medieval Islam, und arabischer Herrschaft, Berlim, 2? ed.,
1980. S. D. GOITEIN, Studies in Islamic History 1966.
and Institutions, Leiden, 1966; e na obra
mais breve de M. WATT, Islam Political a) Sobre os problemas militares
Thought, 1958.
A. A. VASILIEV, Byzance et les Árabes, trad.
Encontrar-se-ão certos aspectos regio franc. refundida sob a direcção de H. Gre-
nais em: Histoire de la nation égyptienne, sob GOIRE, t. I, La Dynastie d Amorium, Bruxelas,
a direcção de G. Hanotaux, vols. rv-vi, Paris, 1935, t. II, 1, La Dynastie macédonienne, t. n,
1931-1937. G. WlET, Précis d’histoire de PÉgypte, 2, Extraits des Sources arabes, Bruxelas, 1950.
Cairo, 1932; P. HlTTI, History of Syria, inclu- E. HONIGMANN, Die Ostgrenze des byzantinis-
ding Lebanon and Palestine, Londres, 1951; chen Reiches von 363 bis 1071 nach griechis-
C. CAHEN, La Turquie pré-ottomane, Istambul- chen, arabischen, syrischen und armenischen
Paris, 1988. A. Bon, Le Péloponnèse byzantin Quellen, Bruxelas, 1935. J. Laurent, LArmé-
jusqu'en 1204, Paris, 1951; W. BARTHOLD, nie entre Byzance et PIslam depuis la conquête
Turkestan down to the Mongol invasion, arabe jusqu’en 886, Paris, 1919.
14
Introdução
15
Musulmans et Chrétiens d ’0rient au Moyen Age de fontes em H. LONGUET, Introduction à la
(VIIe.-XIe. siècles), Paris, 1971, col. «Archives». numismatique byzantine, Londres, 1961; e
É ainda possível recorrer a A. T. Khoury, G. SCHLUMBERGER, Sigillographie de lEmpire
Polémique byzantine contre ITslam (VIIP,-XIIP. byzantin, Paris, 1884.
siècles), Leiden, 1972; e Les Théologiens byzan- As principais fontes da história do mundo
tins et ITslam, textes et auteurs (VIIP.-XIIP. siè oriental cristão estão editadas em algumas
cles), Leiden, 1969. grandes colecções. O Corpus scriptorum histo-
riae byzantinae, Bona, 1828-1897, 50 volumes;
muitas vezes chamado, por comodidade,
■ Aspectos culturais e artísticos Corpus de Bona, é actualmente objecto de uma
reedição. A Patrologie Grecque (abreviadamente
P. LEMERLE, Le Premier Humanisme byzan P. G.), 81 volumes, 1856-1867. Jusgraeco-roma-
tin, Paris, 1971. B. TATAKIS, La Philosophie num, ed. P. e J. ZEPOS, 8 vols., Atenas, 1931.
byzantine, Paris, 1949. P. LEMERLE, Le Style Corpus scriptorum christianorum orientalium,
byzantin, Paris, 1943. A. Grabar, La Peinture Paris, Roma, em curso desde 1903. Recueildes
byzantine, Genebra, 1953. C. DELVOYE, LArt historiens des croisades. Documents arméniens,
byzantin, Paris, 1967. H. STERN, LArt byzan grecs. Historiens occidentaux. Historiens orien-
tin, Paris, 1966. A. GRABAR, Le Premier Art taux. Lois, 16 vols., Paris, 1841-1906.
chrétien (200-395), e LAge d’or de Justinien, Ao lado destas mais antigas, estão em curso
Paris, 1966. C. PELLAT, Langue et Littérature edições recentes, como as Actes de l Alhos.
arabes, Paris, 1970. H. CORBIN, Histoire de la Algumas comportam uma tradução em fran
philosophie islamique, Paris, 1964. K. A. C. CRES- cês, o que as torna mais úteis para o estu
WELL, Early Muslim. Architecture, 2 vols., Oxford, dante. E o caso da «Collection byzantine»,
1932, 1940. G. MarçaíS, LArt musulman, publicada sob a direcção da Association
Paris, 1962. K. OTTO-DORN, LArt de ITslam, Guillaume Budé, Paris, e da colecção «Sources
Paris, 1967. R. ETTINGHAUSEN, La Peinture Chrétiennes», Paris, Editions du Cerf.
arabe, Genebra, 1962. M. Bernus-Taylor,
LArt en terres dTslam, Paris, 1988. B. Gray, Há muito poucas colectâneas de textos.
La Peinture persane, Genebra, 1961. Citar-se-ão: E. BARKER, Social and Political
Thought in Byzantium from Justinian I to the
last Palaeologus, Oxford, 1957. A. DUCEL-
■ Fontes LIER, Le miroir..., citado acima. A. A. VASI-
LIEV, Byzance et les Arabes..., também já citado.
a) Quanto ao mundo oriental cristão O. J. GeanakoploS, Byzantine Church, Sodety
and Civilization through contemporary eyes,
Uma rápida apresentação das fontes é Chicago, 1984. Sobre a queda de Constan
feita por K. KRUMBACHER, Geschichte der byzan- tinopla, ver os textos reunidos por A. Per-
tinischen Literatur (527-1453), Munique, 1897; TUSI e col., La caduta di Costantinopoli, 3 vols.,
por H. G. BECK, Kirche und theologische Literatur Florença-Bolonha, 1976-1984.
im byzantinischen Reich, Munique, 1959; e por
G. MORAVCSIK, Byzantinoturdca, t. 1, Die byzan b) Quanto ao mundo muçulmano
tinischen Quellen der Geschichte der Türkvolker,
t. 2, Sprachreste der Türkvolker in den byzanti Sobre as fontes árabes, o estudante poderá
nischen Quellen, Berlim, 2.- ed., 1958. orientar-se pelas indicações fornecidas por
C. CAHEN, Introduction..., supracitada.
A obra supracitada de G. OSTROGORSKY,
Poderá ler, com proveito, os extractos
Histoire de TEtat byzantin, comporta, em cada
traduzidos por J. SAUVAGET, Historiens ara
capítulo, todas as indicações úteis para os
bes..., Paris, 1946, reed. 1988, bem como a
diferentes períodos estudados. tradução do grande cronista Al-Tabari (na
O estudante encontrará uma iniciação realidade, tradução da versão persa), publi
mais ou menos aprofundada em certos tipos cada em Paris, Sindbad, 1980-1984. ’.
16
Introdução
17
as funções com a condição de o título ser califa após a morte daquele, em 927. Depois
entregue a seu irmão Abdarrahmân. Acaba, de terem ajudado Qâhir a combater revol
porém, por ser substituído por Ibn Muqla, tosos, tinha-lhes sido prometido um
que entretanto prometera pagar os 500 000 aumento de soldo que posteriormente lhes
dinares exigidos pelas tropas por ocasião foi recusado. E de notar a atmosfera de des
do levantamento. confiança que reina no palácio: o novo califa
sai do «seu retiro», o que quer dizer que
Contexto histórico vivia com a família em residência vigiada -
destino comum de todos os príncipes abás-
Em 934 o califado abássida está em plena sidas, émulos potenciais do soberano rei
desintegração: o Irão e a Transoxiana estão nante.
nas mãos dos Samânidas desde o começo
do século, enquanto a Síria e a Alta Meso- 2. A proclamação de um califa. Na apa
potâmia são dominadas pelos Hamdanitas rência, só os militares instituem o califa, a
xiitas e o Egipto, que em 905 voltara a ficar quem instalam no trono e proclamam sobe
sob a sua autoridade directa, recuperará a rano, sem participação da Corte nem dos
autonomia a partir de 969, sob o califado funcionários civis. No entanto, o golpe de
rival dos Fatimidas. O califa, que portanto força dissimula-se por trás do respeito das
só é senhor do Iraque, vê mesmo aqui o regras formais de acesso ao trono. Primeiro,
seu poder contestado pelo exército - com o legitimismo abássida está tão solidamente
posto sobretudo de estrangeiros, geralmente ancorado que ninguém imagina procurar
turcos, e contra o qual o califa Qâhir ten um candidato fora da família reinante: Râdi
tara em vão reagir ao mesmo tempo que é o filho do califa Muqtadir (908-932), de
os rendeiros do imposto, como Ibn Râ’ik quem Qâhir (932-934) era irmão. Por outro
ou a poderosa família dos Baridi, entram lado - como manda a tradição - a procla
em dissidência, agravando ainda mais o mação faz-se em dois tempos: a homena
vazio endémico do Tesouro. Estamos nas gem prestada pelo exército corresponde à
vésperas da aparição dos Grandes Emires bay ’a privada, teoricamente prestada pelos
(Emir al-umarâ’), que passarão a ter o cali «eleitores» investidos no «poder de ligar e
fado sob tutela. de desligar», vindo em seguida uma longa
sessão de prestação de juramento, ou bay’a
Comentário do texto pública, durante a qual todos os membros
do governo central e da corte desfilam
Três elementos essenciais devem ser perante o novo soberano. Sempre em vir
salientados: tude da tradição, a primeira cerimónia basta
para instituir o califa: o termo «prestação
1. O desenvolvimento de uma revolta de juramento» mostra claramente que, uma
palaciana. Trata-se de uma prova de força: vez proclamado pelo exército, o soberano
o califa Qâhir é violentamente destituído está na plena posse do poder e tem, por
(quando um califa não pode deixar de rei tanto, a prerrogativa de exigir obediência.
nar, em teoria, senão por morte ou por Finalmente, a escolha do título de reinado
efeito da própria abdicação), e é-o pela sol é importante: desde o primeiro terço do
dadesca unânime, irritada pela sua política séc. IX que este «cognome» (laqab) subli
de restauração do poder supremo. Entre nha a relação particular que o califa man
esses soldados, dois corpos desempenham tém com Deus, no quadro de um reforço
um papel determinante: os Hujaritas (hujar- sempre crescente da teocracia: o sentido
riya), escravos guardas do serviço de segu do nome Râdi billâh (Que está contente
rança, alojados em locais especiais, sob a com Deus), que é de bom augúrio, permite
autoridade do Grande Eunuco, e os Sâjitas, pois esperar um reinado feliz. O facto de
antigos soldados da quadrilha de Yüsuf b. um mesmo laqab não poder ser utilizado
Abissâj, que se passaram para o serviço do por mais de um califa explica o cuidado
18
Introdução
que é posto na sua escolha, envolvendo con nara-se, desde finais do séc. VIII, uma con
sulta ao erudito Súlí. dição prévia à tomada efectiva do poder.
Com o Tesouro vazio, os califas vêem-se
3. Constituição do governo. Uma vez pois reduzidos, como mostra o texto, a esco
proclamado, o califa nomeia um vizir que lher os seus ministros mais em função da
vai, de facto, ser encarregado da realidade riqueza do que da competência, o que con
do poder: política geral («negócios do impé tribui para desprestigiar ainda mais a fun
rio»), autoridade administrativa suprema e ção viziral.
mão nas Finanças permitem-lhe efectiva-
mente controlar tudo. O candidato de Râdi Conclusão
é um homem experiente, Ali b. ‘Isâ b. Dâ’úd
b. al-Jarrâh, iraquiano de origem persa, que Sublinhar o interesse evidente de um tes
foi várias vezes vizir, mas que, em 934, após temunho ocular que nos permite captar, ao
ter caído em desgraça durante o reinado vivo, a profunda decadência da instituição
de Qâhir, já tem 77 anos. O seu competi califal. Joguete das intrigas da corte e das
dor, o calígrafo e secretário Ibn Muqla, é necessidades financeiras, o califado achava-
seu inimigo de longa data, tendo partici -se sobretudo confrontado com uma mili
pado em numerosas conspirações: inicial tarização cada vez mais incontrolável. Dentro
mente ministro de Qâhir, traiu-o em seguida em breve, um califa fantoche, reduzido ape
e apoiou os Sâjitas para provocar a sua nas às funções religiosas e representativas,
queda. Se Alí b. ‘Isâ recusa o título de vizir, cederá a realidade do poder a um sultão
é porque este cargo, que aparentemente todo-poderoso, de essência militar.
confere o poder absoluto, se tornara muito
frágil no séc. X: tal como o próprio califa, Referência bibliográfica
o vizir está então nas mãos do exército de
quem pode recear tudo. Por outro lado, os Consultar a excelente tradução de M.
soldados exigem, em cada subida ao trono, CANARD, citada, a qual inclui uma intro
uma enorme distribuição de dinheiro (mâl dução e notas abundantes. Ver também a
al-bay’a ou «bens da bay’a»): o que outrora Encyclopédie de ITslam e D. SOURDEL, Le Vizirat
era um gesto de boa vontade do califa tor à Vépoque abbâsside (citado p. 160).
3. Um documento arqueológico
Santa Sofia de Constantinopla
19
Santa Sofia de Constantinopla
21
e circulares de tijolos em voltas leves e suces cúpulas anexas assentam muitas vezes em
sivas até ao cume, que é fechado com um simples pilares: a circulação interior é muito
quadrado de tijolos dispostos de canto. fácil e o espaço interno afigura-se único e
Mesmo de tijolo, a cúpula suscita pro imenso, com um volume central incompa
blemas de peso. Para os resolver, o mais rável.
simples é centrar ao máximo a cúpula sobre
esse edifício oblongo. Por isso, Santa Sofia 2. Arquitectura e vida religiosa, d) Situação
é quase tão larga quanto comprida. Daí a inicial: a arquitectura corresponde à distri
introdução do atractivo de um plano buição dos papéis povo-clero e ao desenro
radiante sobreposto ao plano basilical e lar dos ofícios. Numa basílica, a nave cen
que, à vista, é de longe o que mais se impõe. tral está encerrada numa espécie de n
Primeiro, a nave alarga-se à dimensão deitado, onde a circulação se faz de modo
da cúpula e os colaterais têm tendência contínuo do colateral norte ao nártice e ao
para se retrair; a vontade de dispor de gran colateral sul, ou inversamente; depara-se
des colaterais em Santa Sofia, para acolher com a mesma coisa no andar das tribunas.
um grande número de fiéis, obrigou a edi O lugar de cada um está claramente deter
ficar as duas semicúpulas em contraforta- minado: o clero no coro e em tomo do altar;
gem. Depois, sendo a cúpula redonda e os homens cristãos plenamente praticantes
estando dispostos em quadrado os pilares na nave central; as mulheres, os catecúme-
destinados a suportar o essencial do seu nos e os penitentes no nártice e nos cola
peso, era necessário passar do redondo ao terais. O clero, em procissão, atravessa a
quadrado, o que foi aqui efectuado pelo multidão dos fiéis; no começo do ofício, está
triângulo esférico ou pendente, e não pela agrupado na abside do colateral sul, no dia-
construção de um quarto de cúpula no cónico; faz o trajecto dos colaterais para ir
ângulo, ou trompa de ângulo} no caso das buscar o Sacramento à abside norte (pro-
grandes cúpulas é sempre esta a solução thésis), após o que volta à nave central, que
adoptada. O peso tangencial distribuído percorre inteiramente, para se dirigir ao
pelos quatro pontos cardeais recai assim altar. E assim, pelo menos, nos dias em que
nos quatro pilares noroeste, sudoeste, o Imperador e a Corte não estão presentes.
sudeste e nordeste.
O peso suportado pelos pilares explica b) A evolução da basílica de cúpula: assiste-
a sua grande espessura; só por si, eles cons -se a um duplo fenómeno. Primeiro, o altar,
tituem grandes edifícios. A habilidade dos que se vira projectado para longe na nave,
arquitectos consistiu - nomeadamente ao passa a situar-se à entrada da abside, no
entalhá-los, ao perfurá-los de arcadas e ao intervalo das traves da semicúpula oriental.
criar dentro deles verdadeiros pequenos A prothésis e o diacónico aproximam-se da
compartimentos - em torná-los quase invi abside central e comunicam directamente
síveis do interior da basílica; o mesmo com o lugar reservado ao clero da catedral.
quanto aos pilares, mais pequenos, que Assim, os elementos do culto, locais reser
suportam as semicúpulas. Deste modo, ainda vados aos clérigos, fecham-se um perto do
que os arcos formeiros, que contrafortam outro, o que assinala uma tendência para a
a cúpula na sua base nos quatro cantos car separação radical e para o distanciamento
deais, sejam suficientemente grandes ao do clero e dos leigos. Este fenómeno é acen
ponto de formarem verdadeiras abóbadas tuado pelo aparecimento dessa espécie de
secundárias, as suas paredes verticais pude antecoro, que é o espaço suplementar entre
ram ser largamente rasgadas com janelas. a abside e as traves da cúpula. O corte é
Finalmente, somos tocados pela relativa reforçado pela sobrelevação do coro, e
leveza, para não dizer finura, das paredes, depois pelo aparecimento de um cortinado
tendo em vista a massa que essas paredes estendido entre o coro e a nave, que em
têm de sustentar no plano da elevação. No breve se tornará numa verdadeira parede
solo, as aberturas são largas: abóbadas e com designação própria: a iconostase.
22
Introdução
O espaço entre as traves da cúpula torna- permanece na igreja, sob a cúpula, onde
-se numa antecâmara do santuário, para se situa o seu lugar de representante de
mostrar aos fiéis os objectos sagrados. Aí, o Deus. As suas relações com o clero são igual
reino de Deus revela-se sob duas formas: a mente o símbolo do acordo perfeito, onto
cúpula, que é a imagem do Reino, e o corpo lógico, entre o representante de Deus e os
de Cristo através do Santo Sacramento. Na servidores deste que são os clérigos.
basílica de cúpula, o santuário está unifi Santa Sofia é assim o símbolo da inte-
cado, mas nunca se aproxima da massa de racção entre o Imperador e o clero. As hie
fiéis; torna-se num perímetro fechado onde rarquias secular e eclesiástica são inunda
os padres rodeiam o altar. das, conjuntamente, pela luz divina que
vem da cúpula, do centro do céu, e se espa
3. A igreja imperial, a) A cerimónia: Santa lha sobre o clero, o patriarca e o Imperador.
Sofia é o lugar onde se efectua o encontro A organização espacial, a luz e a cor (a dos
entre o Imperador e o clero da catedral, a mosaicos) fazem parte de uma mesma con
começar pelo patriarca. Nos dias em que o cepção ideológica, compreensível para
Imperador participa na cerimónia, o povo todos: as relações entre o reino dos Céus e
é relegado para os colaterais e o nártice. o reino da Terra.
O encontro entre o Imperador e o clero
dá-se nos diferentes momentos da cerimó Conclusão
nia. Os dois poderes entram em conjunto;
o Imperador, seguido da Corte, ocupa o Ao construir Santa Sofia, Justiniano
seu lugar na nave, espaço imperial; o clero tinha um primeiro objectivo, expressa
instala-se no seu, o coro. O clero aparece, mente manifestado: erguer a Deus um
seguidamente, para trazer o Sacramento, templo maior e mais belo do que o de
para a leitura da Escritura, para o sermão Salomão. Adoptando um modelo arqui-
e, finalmente, para dar a comunhão ao tectónico, o da basílica de cúpula, que vai
Imperador. Os fiéis não vêem grande coisa, impor-se, durante algum tempo, na cons
tanto mais quanto o Sacrifício se pratica trução dos edifícios de grande dimensão
fora da sua vista, tal como da do Imperador. (cf. Santa Sofia de Tessalonica), o Impe
O importante é a simbólica. rador desencadeia uma dupla evolução:
arquitectónica, primeiro, por uma cen-
b) A simbólica. O altar está, portanto, invi tragem do edifício que redundará, três
sível; a missa é um tal mistério que o povo séculos mais tarde, no triunfo da cruz
não vê senão o seu efeito: a comunhão. grega; eclesiológica, depois, acentuando a
Assim se traduz na arquitectura a concep distância entre o clero e os fiéis.
ção simbólica do clero, separado, pela sua
condição, do resto dos fiéis: só o clero e o Referências bibliográficas
Imperador são cristãos de corpo inteiro.
O Imperador tem o direito de entrar no R. KrautHEIMER, Early Christian and
santuário. Mas, na maior parte do tempo, Byzantine Architecture, Londres, 1975.
23
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Livro primeiro
Entre o mundo mediterrânico e o mundo oriental, o Próximo Oriente medieval interpõe um con
junto geográfico complexo, dotado pela natureza de eixos de circulação que o unem às suas margens
e aos mundos periféricos. Por esses grandes itinerários naturais, os impérios sedentários bizantino e
sassânida, herdeiros dos velhos mundos romano e aqueménida, viram chegar populações até então
ignoradas ou mal conhecidas - turco-mongóis, eslavas, árabes -, cuja instalação duradoura modifi
cou a organização do espaço.
26
Eixos de relevo e grandes itinerários
Ásia Menor ■
Arménia ■
27
Para o Norte, destaca-se uma cadeia que corta a Geórgia
em duas, para se juntar ao Cáucaso, barreira natural que
apenas cede ao longo do Cáspio, onde a planície de
Derbend dá acesso às estepes do Norte.
■ Irão
■ Ásia Central
28
Eixos de relevo e grandes itinerários
Arábia ■
29
■ Mesopotâmia, Síria, Palestina
■ Egipto
30
2
O nascimento
do Império Bizantino:
de Constantino a Justiniano (330-565)
31
por se impor e os Visigodos trocam o Ilírico pela Itália.
Avançam, assim, até à Península Ibérica.
■ A reconquista de Justiniano
32
O nascimento do Império Bizantino: de Constantino ajustiniano (330-565)
33
onde, no entanto, se jogava e se jogará o destino do
Império. Assim se desenha um traço da política bizantina
que se revelará muitas vezes, sempre que a vida do Império
não esteja imediatamente ameaçada: sacrificar a defesa
das regiões vitais para Constantinopla à perseguição de
uma ideia, de um sonho: o Império Universal.
■ O imperador
34
O nascimento do Império Bizantino: de Constantino ajustiniano (330-565)
35
A vida interna do Império conheceu uma acalmia de
perto de dez anos após a sedição Nika; este período cor
respondeu aos mais brilhantes sucessos externos. Mas, em
541, Justiniano foi obrigado a demitir João da Capadócia.
Em 548, Teodora morreu. A agitação religiosa ampliava-
-se, os motins e as rixas entre facções multiplicavam-se nas
cidades. Apesar da entrada em funções de um novo pre
feito do pretório de qualidade, Pedro Barsimés, apesar
das reduções de impostos (553), de novas reformas admi
Concílio dos «Três Capítulos»: nistrativas (556), do Concílio dos «Três Capítulos» (553),
ver p. 47. a atmosfera adensava-se: em 562, uma conjura anódina
falhou o derrube de Justiniano, cuja morte em 565 foi
acolhida com alívio. Durante o período que separa a morte
de Constantino da de Justiniano, o poder imperial não é
ainda estável: a concepção constantiniana não mudara, a
concepção bizantina ainda não fora forjada. E a fragili
dade é o reflexo não de uma fraqueza do poder central,
apoiado numa administração sólida, mas das crises exter
nas e internas que se exprimem em oposições religiosas
mas são, de facto, mais profundas.
■ A administração central
36
O nascimento do Império Bizantino: de Constantino ajustiniano (330-565)
A administração provincial ■
■ O exército
■ As finanças
38
100605060409071011090509050605090606061006080905100510050805070909011006040910000500020305100108
O nascimento do Império Bizantino: de Constantino ajustiniano (330-565)
39
nomeadamente os bispos. Desde Anastásio, e sobretudo
a partir da segunda metade do reinado de Justiniano, o
peso da fiscalidade tende a diminuir. Os perdões de dívi
das e delitos fiscais multiplicam-se: deixam de ser uma
feliz benesse comemorativa de uma subida ao trono, para
se sucederem ano após ano. O aumento do número de
contribuintes, em parte devido à reconquista, permite,
por essa via indirecta, reduzir a taxa de incidência, que
vinha a tornar-se insuportável.
■ Constantinopla
40
O nascimento do Império Bizantino: de Constantino a Justiniano (330-565)
41
A nova capital torna-se rapidamente um dos centros
da vida intelectual do Império, competindo com as gran
des cidades orientais - Alexandria, Antioquia e Beirute.
Desde finais do séc. iv, a retórica é lá cultivada por homens
como Temístio. Teodósio II organiza uma universidade
em 425.
■ A cristianização do Império
O princípio da acomodação. Uma das características
principais do Oriente é, então, a rapidez e profundidade
da cristianização. Na alvorada do séc. IV, quando
Constantino concede aos cristãos a liberdade de culto,
estes limitam-se a pequenas comunidades, mais ou menos
independentes umas das outras e situadas sobretudo nas
cidades. Todas as cidades do Oriente, ou quase todas, já
têm os seus bispos, designados pelo povo cristão - de facto
pelo clero e pelos fiéis mais notáveis - e o seu clero - clé
rigos maiores (padres, diáconos e subdiáconos), clérigos
menores (leitores, porteiros, coveiros) e mulheres consa
gradas (principalmente as diaconisas). No Egipto, toda
via, o cristianismo já penetrara profundamente nas aldeias.
A Igreja está portanto, desde o início adaptada à estru
tura essencial do Império Romano: a cidade. Desta adap
tação ela faz um princípio - a acomodação: decalca a sua
organização sobre a do Império. As cidades são agrupa
das em províncias eclesiásticas; o bispado da sede da pro
víncia torna-se metrópole e o respectivo prelado metro
politano fica à cabeça dos bispos sufragâneos. Na sequência
deste processo, o todo é coberto por um agrupamento
das dioceses civis, o que dá origem aos patriarcados de
Alexandria, de Antioquia e de Constantinopla. O último
engloba o Ponto e a Ásia. Criar-se-á entretanto, para as
províncias da Palestina, o patriarcado de Jerusalém.
42
O nascimento do Império Bizantino: de Constantino ajustiniano (330-565)
43
res sucessos: a Síria e a Palestina, onde a proximidade dos
lugares santos atrai cristãos de todo o Império. O deserto
da Judeia fica assim, em poucos anos, quadriculado pelos
monges. Para resolver o dilema entre eremitismo e ceno-
bitismo, surge a laura: cada monge vive durante cinco dias
na sua célula (kelliori), trabalhando e comendo alimentos
crus; ao sábado e domingo, os monges reúnem-se para as
refeições, a oração e os ofícios; depois, cada um volta para
a sua kellion com o trabalho da semana. Os dois mais ilus
tres monges da Palestina entre os séc. iv e VI, Eutimo e
Sabas, originários respectivamente da região de Melitene
e da de Cesareia da Capadócia, fundam, assim, verdadei
ras redes de lauras e koinobia.
Mais ao norte da Palestina, na Síria e na Asia Menor,
não existe o deserto; daí resulta uma maior proximidade
dos mosteiros relativamente às povoações e a necessidade
de se encontrarem formas originais de isolamento. A mais
notável foi a adoptada pelos Estilitas, que passam parte
da sua vida sobre uma plataforma instalada no alto de
uma coluna. O modelo será, num local 70 km a leste de
Antioquia, Simeão Estilita. Um santo deste tipo não se dis
tingue apenas pelo seu modo de vida: atrai, mesmo para
além da morte, uma multidão de peregrinos em busca do
seu ensino e dos seus milagres. As dimensões atingidas
pelo complexo que envolvia a coluna de Simeão teste
munham a amplidão do fenómeno.
44
O nascimento do Império Bizantino: de Constantino a Justiniano (330-565)
As querelas cristológicas ■
45
e Valente foram ambos arianos. Teodósio I, pelo con
trário, lutou com determinação contra o arianismo, pri
vou os heréticos de certos direitos civis e convocou um
novo concílio para Constantinopla (381), que confirmou
a doutrina de Niceia, afirmando, além disso, a consubs-
tancialidade do Espírito com o Pai e o Filho. O mesmo
concílio colocou Constantinopla acima das outras sedes
orientais - Antioquia, Alexandria e Jerusalém. Isto favo
receu a reacção regionalista das províncias orientais, que
encontrou a sua tradução religiosa no nestorianismo e
no monofisismo, duas reacções de um Oriente muito
monoteísta.
46
O nascimento do Império Bizantino: de Constantino a Justiniano (330-565)
47
tada ao mundo das cidades. No princípio, o único clero
é o da sé catedral. O serviço dos campos não está mini
mamente assegurado e os camponeses têm de se dirigir
à cidade para assistir aos ofícios e receber os sacramen
tos, de que o bispo tem um quase-monopólio. Este sis
tema revela-se inadaptado quando as populações rurais se
tornam cristãs na sua totalidade.
Nesta fase, a paróquia ainda não existe. Todavia, em
numerosas aldeias e lugares criam-se oratórios. Na época
de Justiniano estes são já, muitas vezes, servidos por padres.
Esta inadaptação das estruturas da Igreja primitiva à reli
gião de massas deixou o campo livre ao desenvolvimento
do fenómeno do santo homem: um homem que não é
forçosamente um monge no sentido institucional, mas
cujas proezas ascéticas e espirituais tornam reconhecido
como santo pela população. Em vida, e por graça dos mila
gres que opera, converte-se no pólo da vida espiritual da
sua região; depois de morto, o seu túmulo - com fre
quência incluído no mosteiro que o próprio acabara por
fundar - passa a ser um lugar de peregrinação. Assim se
instala um duplo sistema eclesiástico.
■ Grecização do Império
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O nascimento do Império Bizantino: de Constantino ajustiniano (330-565)
49
muda de cavalos da rota Ancira-Constantinopla onde nas
ceu Teodoro de Siquém, filho de uma prostituta, e mais
tarde bispo de Anastasiópolis.
O ensino pagão subsistiu por muito tempo, tendo
Justiniano fechado a universidade de Atenas somente em
529. Numerosos professores pagãos continuam, no entanto,
a exercer o magistério depois disso. De resto, a educação
religiosa é muito rudimentar e o estudo da Teologia quase
inexistente. A transmissão dos conhecimentos é antes de
tudo oral, com os auditores tomando notas. O ensino do
Direito, que assume uma importância crescente, torna-se
cada vez mais utilitário.
■ Os campos
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O nascimento do Império Bizantino: de Constantino ajustiniano (330-565)
51
suem domínios que provêm quer de antigos bens do
Estado, quer das sucessivas famílias imperiais, quer dos
domínios reais helenísticos, ou que foram confiscados a
pessoas privadas ao acaso dos acontecimentos. Com
preende-se assim a grande dispersão destes bens, encon
trando-se todavia agrupado na Capadócia um bloco par
ticularmente importante.
52
O nascimento do Império Bizantino: de Constantino ajustiniano (330-565)
O comércio ■
53
gráfica da capital, em breve o Egipto deixou de poder
fazer face às suas necessidades alimentares. Foi necessá
rio recorrer a outros mercados (Trácia, Bitínia, Frigia,
Grécia). Estas regiões substituíram o Egipto, quando este
foi perdido, numa época em que - é verdade! - a popu
lação da capital tinha diminuído. Quanto às distribui
ções gratuitas, depressa foram reservadas apenas para os
dias de festa.
54
O nascimento do Império Bizantino: de Constantino a Justiniano (330-565?
A crise da cidade ■
55
La Crise de Vempire romain, Paris, 1970, apresenta uma sín
tese notável, uma boa bibliografia e o estudo de certos
problemas. Mais recente, A. CAMERON, Change and
Continuity in sixth Century Byzantium, Variorum Reprints,
1983; e A. CAMERON, Procopius and the sixth Century, Londres,
1985. Sobre os problemas administrativos e fiscais, ver
essencialmente E. Stein e A. II. M. Jones.
Sobre Constantinopla: G. DAGRON, Naissance d’une capi-
tale..., citado na pág. 14; do mesmo autor, Constantinople
imaginaire. Etudes sur le recueil des Patria, Paris, 1984; C.
MANGO, Le Développement urbain de Constantinople (IVe.-VIIe.
siècles), Paris, 1985; sobre as facções, A. CAMERON, Blues
and Greens at Rome and Byzantium, Oxford, 1976, e sobre
a topografia, R. JANIN, Constantinople byzantine, 2.â ed.,
Paris, 1964.
Sobre os problemas religiosos deverão utilizar-se, com
prudência, as histórias da Igreja. A melhor obra foi recen
temente reeditada: H.-I. MARROU, LÉglise de lAntiquité tar-
dive (303-604), Paris, «Points Seuil», 1985. Consultar-se-á
com proveito G. DAGRON, La Romanité chrétienne en Orient.
Héritages et Mutations, Londres, Variorum Reprints, 1984.
Sobre o santo homem, P. BROWN, Society and the Holy in
Late Antiquity, Berkeley, 1982. Sobre as províncias orien
tais, R. P. PEETERS, Le Tréfonds oriental de Vhagiographie
byzantine, Bruxelas, 1950.
Não há uma síntese da história económica e social
desta época. Poder-se-á consultar a recente obra colectiva
Hommes et Richesses..., citada na pág. 15. Quanto aos cam
pos, ver P. Lemerle (cfr. pág. 15), que faz o ponto da
situação sobre o colonato. Quanto aos grandes domínios,
ver E. STEIN, «Paysannerie et grands domaines dans
1’Empire byzantin», Recueils de la SociétéJean Bodin, Bruxelas,
1937, pp. 123-133. Estudou-se sobretudo o Egipto: em
último lugar, J. GASCOU, «Les Grands Domaines, la Cite
et 1’Etat en Egypte Byzantine», Travaux et Mémoires, 9, 1985,
pp. 1-89. Do mesmo modo, o comércio mais estudado é
o do trigo: J. L. TEALL, «The Grain Supply of the Byzantine
Empire (330-1025)», Dumbarton Oaks Papers, 13, 1959,
pp. 87-139. Quanto à Síria, J. P. SODINT, G. Tate e coL:
Déhès (Síria do Norte, Campos I-II (1976-1978).
Recherches sur Fhabitat rural, Syria, 51, 1980, pp. 1-308.
Quanto às cidades, A. H. M. JONES, The Cities of theEastem
Roman Provinces, Oxford, 1971, e mais recentemente,
J. M. SPIESER, Thessalonique et ses Monuments du IVe. au VT.
siècle, Atenas-Paris, 1984. Sobre as mudanças económicas
e sociais: cfr. pág. 15; P. Charanis, «Social Structure of
the Later Roman Empire», Byzantion, 17, 1944, pp. 39-57.
56
O Império Persa Sassânida
(sécs. iv-vii)
No princípio do séc. III, o rei parta Artabano V foi batido por Ardachir que se fez coroar rei em
Ctesifonte, em 226: fundava assim o Império Persa Sassânida, que pretendia renovar as tradições
aqueménidas. Em resultado de uma série de guerras, sobretudo contra os Romanos, a fronteira foi
estabelecida no Eufrates e ao sul do Cáspio. Duas zonas ficaram mais indefinidas: a leste, o Império
Cuxana, sob a pressão dos povos turco-mongóis, tendia a empurrar a sua própria fronteira cada vez
mais para ocidente, enquanto, a noroeste, a Arménia se recusava a aceitar a revolução sassânida.
Dois novos problemas apareceram no séc. IV: o estabelecimento em Constantinopla da capital do Império
Romano aproximou de Ctesifonte o adversário ocidental; por outro lado, o Império Romano adoptou,
como religião oficial, o cristianismo, que jâ possuía numerosos adeptos na Mesopotâmia persa, e que
foi igualmente adoptado na Arménia.
A paz com Constantinopla. Uma série de guerras com Ardacher descendia de Sassan,
os Romanos resultou, em 395 ou 399, num tratado de paz. sacerdote de um templo de
Stakhr, em Pérsida, que se di
A sua cláusula principal previa a partilha da Arménia, cujo zia descendente dos Persas
território oriental se tornou parte integrante do Império Aqueménidas.
Sassânida. A despeito de períodos de tensão provocados Aqueménidas: dinastia persa
por problemas religiosos, a paz com o Ocidente duraria que reinou de 668 a 330 a. C.
e se distinguiu com Dario e
praticamente todo o séc. V.
Xerxes.
■ O poder real
58
O Império Persa Sassânida (sécs. IV-vhí
2. Organização do Império
Eran-Spahbadh: Chefe dos
Os primeiros Sassânidas tiveram de ter em considera Guerreiros. Tinha a tripla fun
ção a altíssima nobreza dos vaspuhrs. A sua política con ção de ministro da guerra, co
mandante em chefe e nego
sistiu em apoiarem-se na classe dos médios proprietários ciador da paz; o exército
fundiários para constituírem uma administração estável traduzia-se essencialmente nu
ligando a província à capital. ma cavalaria couraçada, com
pletada por tropas auxiliares
recrutadas nos confins do Im
pério.
A administração central ■ Eran-Dibherbadh: Chefe do
Governo. Tinha grande poder
O Grande Mobad, provavelmente nomeado pelo rei, sobre os secretários de Estado,
que desempenhavam um pa
aconselhava-o em todos os casos em que se tratasse da reli pel considerável e eram ver
gião e podia inspirar largamente a sua política. O grão- dadeiros peritos em direito,
-vizir dirigia a administração central, mas a extensão do em política e em poesia; sete
seu poder é mal conhecida. Três outros grandes dignitá altos secretários tinham fun
rios tinham importantes funções: o chefe dos Guerreiros, ções precisas: justiça, rendi
mentos do Império, da corte
o chefe da Burocracia e o chefe dos Agricultores e dos real, do tesouro, das cavalari
Artesãos, responsável pela cobrança do imposto predial e ças reais, dos templos do fo
da capitação. A contribuição predial, paga pelos campo go, das obras pias.
neses, estava escalonada em fimção da fertilidade da terra, Vastryoshbadh: Chefe dos
Agricultores e dos Artesãos.
indo o seu montante do terço ao sexto da colheita, pelo Dignitário com funções com
que o rendimento global variava muito de um ano para plexas, controlava sobretudo
o outro. A capitação era paga por todos, salvo os nobres, as finanças do Império.
os padres, os soldados e os funcionários. Os rendimentos Ctesifonte: conjunto de cida
do Império compreendiam, além disso, contribuições des envolvido por muralhas
fortificadas nas duas margens
extraordinárias para a guerra, os donativos do costume, do Tigre, e ligadas por duas
os rendimentos dos domínios reais, os direitos alfande pontes. Ctesifonte propria
gários. mente dita situava-se na mar
gem esquerda, tendo, a Leste,
o palácio real Taq-e-Kesra. Na
margem direita localizava-se
A administração das províncias ■ Selêucia, antiga cidade selêu-
cida reconstruída e centro de
Os Sassânidas preocuparam-se em ligar cuidadosamente um comércio activo. Duas ou
a província à capital. Materialmente, um bom serviço de tras pequenas cidades com
pletavam este conjunto.
correios assegurava as comunicações.
59
Alguns príncipes vassalos que tinham o título de reis,
os xás, foram mantidos nas fronteiras, como foi o caso
dos príncipes laquemidas de Hira ou dos reis da Arménia
(até 430). Mas de uma maneira geral, o Império estava
dividido em províncias dirigidas pelos marzbans, escolhi
dos na alta nobreza. As províncias dividiam-se em nomos
e cantões, que tinham por sede uma cidade. O cantão era
administrado por um funcionário escolhido entre os che
fes de aldeia, ou dehkans. Aquelas tinham um carácter
sobretudo militar, e os marzbans dependiam totalmente
do soberano. A verdadeira administração civil exercia-se
ao nível dos cantões: nestes assentava a estabilidade efec-
tiva do país. Ctesifonte era a capital deste Império. Era
lá, fora do território iraniano, que residia o Rei dos reis.
60
O Império Persa Sassânida (sécs. iv-vii)
61
rior controlava severamente a aristocracia. A partir do seu
palácio de Ctesifonte, a administração, que operava atra
vés de ministérios, ou diwâns, garantia o bom funciona
mento do Império. Uma corte numerosa rodeava o sobe
rano: os títulos, as doações de trajos honoríficos, os cargos
da corte e do Estado serviam de recompensa e de instru
mentos de governação. A arte traduz o melhor possível o
brilho deste período.
Mais do que os grandes relevos rupestres, característi
cos dos primeiros séculos, mais do que os grandes palá
Iwân: divisão abobadada, com cios onde se combinam a abóbada, a cúpula e o iwân, são
preendendo apenas três pa as artes sumptuárias que se desenvolvem: na ourivesaria
redes e abrindo directamente sassânida figura, ao lado de cenas de caça ou de ban
para um pátio.
quetes, o rei no trono ou em combate; sedas sumptuosas
inscrevem em desenhos circulares motivos animais, em
ataque frontal ou em repouso, e personagens à caça.
Objectos de exportação, as grandes salvas de prata, as taças
e as sedas de luxo divulgavam fora do Império a grandeza
do soberano, que as moedas representavam coroado com
Korymbos: coroa alada, so o korymbos, a solidez do Estado, o gosto da sociedade pela
brepujada por um globo as magnificência e o luxo.
sente num crescente.
Uma grande liberdade de pensamento reinava na
corte. Cósroes, aberto e tolerante, dava nela emprego a
cristãos, acolhia os filósofos gregos, encorajava o ensino
da Medicina. A influência hindu fazia-se sentir, nomea
damente na literatura, com a tradução em pahlavi das
Fábulas de Kalila e Dimna: ver p. 237. fábulas de Kalila e Dimna. Desenvolviam-se escritos cien
tíficos.
Este brilho não ia além, no entanto, dos meios aristo
cráticos. A alta nobreza, dominada e reorganizada, estava
momentaneamente tranquila, a pequena nobreza dos deh-
kans vivia à larga, mas a prosperidade não se tinha real
mente difundido, e o clima de livre pensamento favore
cia os críticos contra o dogmatismo zoroástrico.
62
O Império Persa Sassânida (sécs. IV-VIl)
63
4
Trocas e relações
no Próximo Oriente
(sécs. iv-vi)
Uma fronteira comum punha em contacto os dois grandes impérios. A norte, ela cortava em duas a
Arménia cristã, célebre pelos seus centros mercantis, o seu ouro, os seus cavalos. Cortava também a Alta
Mesopotâmia, por onde passavam os grandes itinerários para a Síria por Edessa, para a Ásia Menor e
Constantinopla por Melitene e Cesareia, para o Irão por Ctesifonte. A sul do Eufrates, a fronteira corria
indecisa através do deserto sírio, terra de ninguém onde, a pouco e pouco, se implantaram tribos árabes.
Através dos dois impérios efectuavam-se as trocas entre o Extremo Oriente e o mundo mediterrâ-
nico, sendo a seda o produto mais importante e o mais simbólico (ver mapa p. 384 A). Da China,
as caravanas alcançavam o Irão, pelo menos quando os senhores da Asia Central e da Sogdiana lho
permitiam. Por via marítima, os carregamentos chineses que acompanhavam os produtos da índia,
da Arábia ou da África chegavam ao mundo romano pelo golfo Pérsico com o intermediário sassâ-
nida, ou pelo mar Vermelho com o controle abissínio. Modificações nos itinerários comerciais podiam
transformar a complementaridade dos dois impérios em rivalidade aberta, embora, por vezes, o estado
das outras fronteiras os obrigasse a contemporizarem.
Deste modo, o rei dos reis persa e o imperador romano, aspirando sempre igualmente à autoridade
universal, sabiam apreciar-se reciprocamente face ao mundo dos Bárbaros. Uma diplomacia activa
desenrolava-se entre eles: troca de embaixadas, conclusão de tratados, envio de presentes, assistência
técnica pontuavam essas relações. Entretanto, os factos principais desse período foram as grandes
mudanças que se operaram nos mundos periféricos: aparecimento das primeiras populações turcas na
Asia Central, abertura da rota das estepes eurasiáticas, e transformações do mundo árabe onde Meca
assumiu lentamente importância.
64
Trocas e relações no Próximo Oriente (sécs. iv-vi)
Cerca de 374, os Hunos varreram o Império dos Godos Hunos: povo compósito, tal
e avançaram pelo vale do Danúbio para a Panónia. Átila vez descendente dos Xiongnu.
(434-453) fez da sua confederação um estado poderoso
que, pelas suas incursões nos Balcãs, pesou fortemente
sobre o Império Romano. Entretanto, após a sua morte,
os Hunos refluíram para o Norte da Crimeia e o Don;
divididos em hordas rivais, deixaram de ser um perigo
real para Constantinopla. Ao mesmo tempo, os Sassânidas i
confrontavam-se com os Heftalitas da Ásia Central. Com ;
efeito, o desaparecimento dos Han no séc. m, seguido de
um longo período de confusão na China, tinha favore
cido o desenvolvimento nas estepes da Mongólia de uma
nova confederação nômada, a dos Xuan-Xuan; várias tri
bos, provavelmente turco-mongóis iranizadas, partiram
para oeste. Empregados, primeiro, como mercenários pelos
Cuxanas, os seus membros conseguiram, nos anos 440,
tomar o lugar daqueles na Bactriana e na Sogdiana.
Temíveis vizinhos dos Sassânidas, que os designam pelo
65
nome de Hunos Heftalitas, penetram na índia, avançando
depois, em 484, na sequência de uma série de vitórias
sobre os Persas, até Merv e Harat.
Can: «senhor» ou «príncipe» Em meados do séc. v, o povo turco dos Tu Kiue, que
entre os povos turco-mongóis. vivia no Altai, suplantou os Xuan-Xuan e alargou até à
Ásia Central um império que se organizou em dois cana-
tos: um manteve-se centrado no Orkhon e o outro firmou
em 565 uma aliança com os Sassânidas contra os Heftalitas,
cujo país foi repartido. Os Turcos ficaram com a Sogdiana
e os Persas ocuparam a Bactriana. A fronteira estabelecia-
-se assim sobre o Oxo. A Sogdiana, dividida em pequenos
principados, com Samarcanda como capital, passou a ser
o mais importante centro do comércio da seda.
Os Heftalitas não tinham desaparecido totalmente e for
mavam, sob a autoridade dos Turcos, pequenas unidades
políticas. Por seu lado, os Turcos controlavam a encruzi
lhada das rotas da Ásia Central e souberam aproveitar-se
disso. A partir de 567, face à recusa dos Persas de reco
nhecerem aos mercadores sogdianos a liberdade de comér
cio, o cã estabeleceu contactos com Constantinopla, em
breve seguidos de trocas comerciais e de uma aliança contra
a Pérsia. Pela primeira vez, por intermédio dos Turcos e
pela rota das estepes, os Romanos podiam contornar o obs
táculo que a Pérsia constituía na rota dos mercados orientais.
As regiões do Ponto adquiriram então um novo interesse.
66
Trocas e relações no Próximo Oriente (sécs. rv-vi)
2. O mundo da Arábia
67
bem situado nas rotas ligando o Iémen à Síria, numa
garganta do Hejaz, a 80 km do mar. O santuário era for
mado por um cubo de pedra, a Caaba, que assentava em
três pedras sagradas - uma das quais a Pedra Negra - e
abrigava vários ídolos. No final do séc. v, a tribo dos
Curaichitas tinha sabido ampliar o santuário aonde se
Umra: pequena peregrinação dirigiam regularmente duas peregrinações: a umra e o
a Meca. hadjdj, em que participavam as tribos dos arredores. Os
Hadjdj: grande peregrinação Árabes da península tinham todavia um certo conheci
a Meca e arredores.
mento das grandes religiões monoteístas, nomeadamente
através dos contactos com os judeus e os cristãos que
viviam na Arábia, ou com quem se encontravam nas tran-
sacções comerciais. Os judeus formavam grandes comu
nidades, relativamente bem estruturadas, como, por exem
plo, no oásis de Medina. Os cristãos, embora menos
numerosos e organizados, estavam também presentes:
um importante grupo de cristãos monofisitas vivia em
Nadjrân, no Sul. E conhecido por ter sido perseguido
no princípio do séc. VI e por ter enviado o seu bispo em
delegação a Maomé, no ano 630. Na Arábia do Sul, o
cristianismo e o judaísmo estavam fortemente implanta
dos, por influência da activa política desenvolvida nessa
região pelos Bizantinos e os Persas. O mesmo se passava
com os principados cristianizados do Norte, Laquemidas
e Gassânidas. As viagens dos grandes mercadores à Síria
e à Mesopotâmia, bem como a pregação dos ascetas vin
dos do deserto sírio-egípcio, proporcionavam aos Árabes
outras ocasiões para descobrirem as religiões monoteís
tas, mas também de nelas reconhecerem uma expressão
religiosa própria dos grandes impérios, sobretudo do
bizantino.
As transformações do séc. vi ■
69
As guerras puseram também entraves às antigas
correntes comerciais. A rota do golfo Pérsico e do Eufra-
tes tornou-se pouco segura e, nos períodos de paz, as
tarifas aduaneiras impostas pelos Romanos e os Persas
aos mercadores árabes de Dara e Nísibis desencorajavam-
-nos de comerciar nessas regiões. Quanto aos Bizantinos,
tentaram desenvolver o seu comércio pela Síria Meri
dional, a Arábia Ocidental e a antiga via de Damasco ao
Iémen. Foram concluídos acordos com vários oásis e
com o Iémen. Os mercadores árabes vinham regular
mente à Síria, onde cresciam os arrabaldes caravanei-
ros das cidades. Meca soube ser a beneficiária de tudo
isto.
70
Trocas e relações no Próximo Oriente (sécs. 1V-VI)
■ A paz no séc. v
72
Trocas e relações no Próximo Oriente (sécs. iv-vi)
Estudos especiais:
- Sobre os Godos: A. A. Vasiliev, The Goths in Crimea,
1936; E. A. THOMPSON, The Visigoths in the Time of Ulfila,
Oxford, 1966.
- Sobre a irrupção dos povos altaicos: F. ALTHEIM,
Attila et les Huns, Paris, 1952; C. D. Gordon, The Age of
Attila. Fifth Century Byzantium and the Barbarians, 1972.
— Sobre os Turcos: E. CHAVANNES, Documents sur les
Tou-Kiue (Turcs) occidentaux, Paris, 1900; D. SINOR, «The
Historical role of the Turk Empire», Cahiers d’Histoire
Mondiale, 1953, pp. 427- 434; K. Hannestad, «Les relati-
ons de Byzance avec la Transcaucasie et 1’Asie centrale
aux Ve. et VT. siècles», Byzantion, 1957, pp. 421-456.
- Sobre os princípios da diplomacia bizantina: H. G.
BECK, «Christliche Mission und politische Propaganda
im byzantinischen Reich», Settimane di Spoleto, XIV, 1967,
pp. 649-673; diversos artigos de D. OBOLENSKYin Byzantium
and the Slaves, Variorum Reprints, Londres, 1971.
- Sobre os Eslavos: cfr. bibliografia do cap. 5.
Sobre o oceano Indico antes do islão e o papel dos
Árabes: N. PlGULEVSKALA, Byzanz auf den Weg nach índia,
Berlim, 1969; G. F. HOURANI, Arab Seafaring in the Indian
Ocean in Ancient and Early Medieval Times, Londres, 1951;
A. WlLKINSON, «Persian Gulf commerce - Sasanian Period
and first two centuries of Islam», Iran, 1978. Sobre a Arábia
antes do islão, ver os artigos «Arab», «Arabiya» e «Badw»,
em E. L/2 (citado pág. 12) e as indicações fornecidas por
C. Cahen (citado pág. 12).
Sobre as relações entre o mundo bizantino e os
Sassânidas: cfr. bibliografia do cap. 3; aditar P. GOUBERT,
Byzance avant VIslam, t. 1: Byzance et UOrient sous les succes-
seurs deJustinien, Paris, 1951; N. G. GARSOIAN, «Byzantium
and the Sasanians», The Cambridge History of Iran, 3, 2
(citado pág. 13), cap. 15; e diversos artigos de N. G. Gar-
SOIAN in Arménia between Byzantium and the Sasanians,
Variorum Reprints, Londres, 1985.
74
5
Invasões e mudanças
de dominação
(fins do séc. vi-séc. vii)
Até ao séc. vi, a presença de dois impérios, rivais mas solidários, caracteriza o Próximo Oriente.
Movimentos de populações entretanto produzidos na periferia destes impérios já tinham, por vezes,
modificado a natureza das relações entre Romanos e Sassânidas, mas sem nunca pôr realmente em
perigo a sua existência. A partir do final do séc. vi, a própria existência dos impérios é posta em ques
tão com o desenvolvimento dos povos germânicos no Ocidente, a expansão dos Eslavos e o grande
arranque dos Árabes. O Império Romano conseguiu resistir, à custa de grandes amputações territo
riais, mas o Império Sassânida desapareceu, ao mesmo tempo que se estabelecia a hegemonia árabe
no Próximo Oriente.
Hispânia ■
Itália ■
■ Os Balcãs
76
Invasões e mudanças de dominação (fins do séc. Vl-séc. vn)
77
Apesar de várias tréguas assinadas com o khagan dos Ávares
(619 e 623), Heraclio não consegue impedir que estes
montem cerco a Constantinopla em 626, na mesma altura
em que o exército persa está à vista de Calcedónia.
Mas os Avares fracassam diante de Constantinopla: a
sua frota é destruída e o exército da capital inflige-lhes
uma derrota decisiva, que é o sinal da revolta para as tri
bos eslavas submetidas. Em poucos anos, o poder ávare
desaparece definitivamente da história bizantina. Entre
tanto, as províncias enumeradas acima foram submersas
pelos Eslavos e as regiões realmente controladas pelo
Império limitam-se à Trácia, à costa até Tessalonica, ao
Leste do Peloponeso e às ilhas. A oeste, descem dos Cár-
patos os Sérvios e os Croatas, que apenas reconhecem ao
Império uma suserania meramente teórica.
Assim se desenrola a segunda fase das invasões esla
vas, iniciada no final do reinado de Maurício: a instala
ção de tribos inteiras formando «esclavínias» indepen
dentes umas das outras, mas escapando mais ou menos
completamente ao poder do imperador. Nenhuma região
dos Balcãs ficou ao abrigo desta vaga, nem sequer algu
mas ilhas que os Eslavos alcançavam a bordo dos seus
Monóxilos: ver p. 214. monóxilos. A densidade do povoamento eslavo varia,
entretanto, consideravelmente: é forte na Macedónia,
onde o elemento grego é submerso; é menor no Epiro,
na Tessália, na Grécia Central e no Peloponeso onde sub
sistem comunidades gregas que servem de base à hele-
nização, por fim total, dessas populações. A frequência
dos topónimos eslavos nessas regiões traduz a importân
cia da sua implantação.
As mudanças linguísticas e religiosas trazidas pelos
Eslavos pagãos foram pouco duradouras, porque a greci-
zação e a cristianização, ou seja, a assimilação pela civili
zação bizantina, foram relativamente rápidas. O Norte dos
Balcãs, onde intervieram os Búlgaros, foi a única excep-
ção. Em contrapartida, não é possível uma avaliação pre
cisa das alterações demográficas e sociais introduzidas
pelos invasores. Efectivamente não se conhece nem o
número dos recém-chegados nem o número dos que eles
expulsaram; admite-se que deveriam ser, em geral, homens
livres, mas ignora-se como funcionava o respectivo sistema
agrário.
A reconquista começou com Constante II, que em 658
marchou sobre as esclavínias, onde fez muitos prisionei
ros. Transplantou, sem dúvida, uma parte delas para a
Ásia Menor, porque vemos aqui, em 665, um contingente
de 5000 eslavos passar-se para o lado dos Árabes. O alcance
desta campanha parece todavia menor que a de 688-689.
Esta permite a Justiniano II restabelecer a ligação com
78
&$
Invasões e mudanças de dominação (fins do séc. Vl-séc. vil)
79
■ 622-628: crescimento da comunidade de Medina
Umma: comunidade dos Mu A vida da umma. A Revelação assumiu, com efeito, um
çulmanos. de que Allah é o carácter mais concreto e fez de Maomé um legislador regu
chefe supremo.
lando um certo número de actos públicos e privados.
Instauraram-se também normas de vida, misturando as tra
dições passadas com as que eram estabelecidas pela reve- j
lação profética e pelo próprio comportamento de Maomé. |
A mensagem de Alá, transmitida oralmente dado que |
constituía uma recitação (qur’ân), começou a ser unifi- |
4a
Invasões e mudanças de dominação (fins do séc. vi-séc. vii)
1
=
cada, ao mesmo tempo que se precisavam as obrigações
dos muçulmanos: jejum no mês do Ramadâo, orações quo
tidianas - em comum à sexta-feira - e esmola legal (zakât). Zakât: designa a esmola legal
O islão começava, assim, a organizar-se e a elaborar-se. que recai sobre os bens dos
muçulmanos; é muitas vezes
No entanto, os escassos meios de acção impostos pelas
taxada na décima (ushr) dos
necessidades - apelo aos voluntários para as expedições, rendimentos. E concebida co
amostra de orçamento com o quinto da ghanima e a zakât mo uma purificação.
- continuavam a nada ter de organizado. A comunidade, Ghanima: espólio mobiliário
unida na afirmação da unicidade de Deus e no reconhe decorrente de uma vitória mi
litar, cuja quinta parte cabe
cimento de Maomé como o Profeta de Alá, mantinha ainda ao Profeta, no interesse da co
o essencial da estrutura tribal pré-islâmica. As grandes munidade.
decisões eram tomadas com alguns conselheiros - Curai-
chitas muito próximos, como Abú Bakr e Omar. A famí
lia do Profeta manifestava algumas reticências a seu res
peito. Alí, que tinha casado com a filha de Maomé, Fátima,
tinha por ele a simpatia dos Medinenses, sempre reser
vados face aos imigrados. Uma rede de alianças ligava a
Maomé um certo número de tribos dos arredores.
81
Ver mapa p. 384 B. lançadas para o Norte em 629 e 630. Assim, um pouco
por todo o lado, Maomé tinha agentes, fiéis e aliados, mas
o grau do alinhamento estava longe de ser sempre o
mesmo. A conversão ao islão não o acompanhava necessa
riamente. No próprio coração do Hejaz, manifestavam-se
elementos de oposição. O oportunismo de Maomé des
concertava por vezes os primeiros companheiros, surpreen
didos pela recente promoção de certos curaichitas: o pró
prio filho de Abú Sufiân, Mu’âwiya, tornara-se secretário
de Maomé.
Medina permaneceu como o centro do novo conjunto:
Maomé voltou para lá em Março de 630. Mas, pouco depois
de ter participado, pela primeira vez, em 632, na hadjdj a
Meca, caiu doente, sem poder concretizar o projecto de
uma nova expedição para norte.
A sua morte em Junho de 632 ocorreu numa comu
nidade cuja coesão ainda estava mal assegurada. A duali
dade do papel de Maomé, profeta e chefe político, tor
nava delicada a sua sucessão, como o demonstrou a
imediata confrontação entre os companheiros de Meca e
de Medina. O acordo estabeleceu-se em torno de um fiel
da primeira hora, membro de um clã curaichita pouco
Califa: de «khalífa Rasúl Allâh», importante: Abú Bakr, que se tornou califa. Esta escolha
«sucessor do Enviado de Allah», só foi aceite pela família de Maomé ao fim de alguns
assegura a direcção da Comu
nidade.
meses. Abú Bakr deveria guiar a comunidade, ajudá-la a
Chari’a: lei religiosa. aplicar os diferentes preceitos da lei sagrada - a shari’a
transmitida por Maomé -, não a completá-la. A Revelação
estava fechada. Medina mantinha-se como o lugar privi
legiado onde se desenrolara a vida do Profeta. Lá se encon
travam os que tinham ouvido o Alcorão e o guardavam
na memória. E a sua recordação que deve servir de base
para se tentar viver no Caminho de Deus.
Ao lado do califa, guia da comunidade, os homens pie
dosos iam ter um papel a desempenhar - papel funda
mental, embora informal - para garantir o respeito e a
transmissão das tradições da primeira comunidade.
82
Invasões e mudanças de dominação (fins do séc. Vl-séc. VII)
A expansão: 632-644 ■
83
Árabes. Várias tribos deixaram então a Síria para proce
derem à conquista do Egipto, marcada pela capitulação
de Babilónia em 641, enquanto outras se assenhoreavam
da Alta Mesopotâmia (639-641) e da Arménia (640-643).
84
Invasões e mudanças de dominaçao (fins do séc. vi-séc. vil)
85
e Cufa em 640. A maior parte da população permaneceu
nas suas terras, mas os numerosos domínios do Estado e
do clero foram confiados a fiéis da primeira hora. O pla
nalto iraniano estava ainda aberto à expansão, o que atraiu
a Baçorá e Cufa muitos imigrantes. A partilha dos rendi
mentos desfavorecia estes últimos, criando assim os ger
mes do descontentamento.
Ver mapa p. 384 B. Ornar, que tinha sido unanimemente reconhecido, evi
tara toda e qualquer inovação profunda. Osmão foi difi
cilmente designado por uma comissão de seis compa
nheiros constituída por Ornar e teve de fazer frente a uma
oposição complexa a partir do momento em que se pro
pôs consolidar o recente enraizamento dos Árabes. Já a
Sobre a rivalidade entre o clã de Umayya nomeação de um membro do clã dos Omíadas de prefe
- os Omíadas - e o de Hâshim rência a Alí, primo de Maomé, e isto por uma comissão
(ao qual pertenciam Maomé e Ali),
ver p. 71. da qual não participou nenhum medinense, suscitara reser
vas. Osmão relançou a expansão no sentido da Cirenaica,
no Norte de África, do Cáspio e, sobretudo, do rico Jurassã.
Abd Shams
I A conquista foi concluída em 651, com a tomada de Merv.
Umayya
O Sistão Ocidental e o Kirman foram igualmente con
quistados. Nas fronteiras da Ásia Central, os Árabes optaram
por consolidar o seu poder: limitaram-se a estabelecer
Abu Sufiân uma simples guarnição em Merv, que ficou na depen
dência do Iraque.
Iázidc Moawiya Osmão
b. Abu Sufiân Sob o impulso de Mu’âwiya, começaram as primeiras
expedições marítimas, com a provável ajuda dos mari
nheiros sírios: Chipre foi tomada em 649. A pouco e pouco,
porém, a expansão tropeçava em fronteiras naturais: deserto
da Tripolitânia, Tauro e Cáucaso, Ásia Central. O pode
rio marítimo apenas dava os primeiros passos. Era pois
com os rendimentos das províncias, mais do que com os
espólios, que de futuro se teria de contar. Para melhor os
controlar, Osmão instalou nelas elementos competentes
e experientes, escolhidos na sua própria família. Nomea
damente, confirmou o seu primo Mu’âwiya na Síria.
Começou a conceder a notáveis árabes terras do Estado
Qati’a: parcela concedida a em qatVa, o que criou, sobretudo na Síria, uma nova classe
Árabes para que a explorem. de proprietários fundiários e também um clã político que
O possuidor paga a zakãt - in
ferior ao kharâdj - e recebe as
lhe era favorável.
rendas dos caseiros; não de
No entanto, esta política de Osmão suscitou contra ele
tém sobre estes nenhum di
reito de natureza pública. uma oposição muito viva: Medinenses suplantados pelos
Mequenses, clãs não-omíadas, membros da família de
Maomé. A hostilidade tinha por centro, sobretudo, Medina.
Em 656, Osmão é assassinado. Após alguns dias de estu-
pefacção, Ali impõe-se em Medina como seu sucessor.
86
Invasões e mudanças de dominação (fins do séc. vi-séc. vn)
Ali obteve rapidamente o apoio das três grandes cida Alí: primo e genro de Maomé,
des muçulmanas - Baçorá, Cufa e Fustât -, que se desem dado que é filho de seu tio
Abu Tâlib e marido de sua fi
baraçaram dos seus funcionários omíadas. Mas o facto de lha Fátima (ver pp. 70 e 81).
ser beneficiário do crime em breve o levou a ser acusado Califa de 656 a 661, está na
de ter sido o seu instigador. Dele se afastaram piedosos origem da grande divisão en
medinenses, companheiros como Talha e Zobair e a viúva tre Muçulmanos sunitas e
de Maomé, Aicha, que ele eliminou. Mas a vingança sobre Muçulmanos xiitas.
o culpado foi principalmente reclamada pelo clã dos
Omíadas. Ali teve de abandonar Medina e tentou, com
base em Cufa, que o reconhecessem. Mtfâwiya, que deti
nha na Síria um poder militar efectivo, ergueu-se contra
ele em nome da família omíada. O conflito, que estalou
em Siffin, no Eufrates, estava em vias de se resolver a favor
de Ali, quando este foi obrigado a aceitar a proposta de
arbitragem avançada pelos adversários. A comissão de arbi
tragem, reunida em Edhroh em 658, declarou a respon
sabilidade de Ali nos acontecimentos de 656. Desde logo
a posição de Mu’âwiya ficou reforçada: reconhecido na
Síria e, depois, no Egipto, foi proclamado califa em 659.
Aos califas Râshidún sucediam os Omíadas. Râchidün: «dirigidos, bem ins
pirados»; nome pelo qual a
Assim, decorridos apenas quarenta anos sobre a morte tradição designa os quatro pri
de Maomé, o problema do poder e da direcção da umma meiros califas, por oposição
abria as primeiras brechas na comunidade. Em Siffin, um aos Omíadas.
grupo de muçulmanos recusa o princípio da arbitragem
e faz secessão: são os primeiros carijitas. Um deles assas Carijitas: «os que saíram».
sina Ali em 661. Mas Ali tinha fiéis, que formaram um
partido - os xiitas - hostil a Mu’âwiya e agrupado em tomo
dos seus descendentes.
A base territorial da umma tinha-se alargado à dimen
são de um império cuja unidade religiosa continuava por
concretizar. Um texto oficial do Alcorão fora fixado por
iniciativa dos califas Ornar e Osmão. Mas havia outras ver
sões, além de que eram possíveis diversas leituras do mesmo
texto em resultado da inexistência, na escrita árabe, de
sinais para as vogais, e da confusão possível entre certas
letras quando os pontos diacríticos não são utilizados. Em
Medina, centro da reflexão religiosa, começava a consi
derar-se que a vida privada e pública do muçulmano devia
ser regida pelo Alcorão e a Suna do Profeta. Para expli
citar o Alcorão, recorria-se, então, aos hadiths, tais como Hadiths: actos, palavras e ati
eram narrados pelos companheiros ainda vivos ou pelos tudes do Profeta em que se
fundamenta a Tradição, ou
seus amigos. Era ainda necessário que esta reflexão reli Sunna.
giosa emanasse dos meios medinenses. Entre os conquis
tadores árabes, por vezes muçulmanos recentes, poucos
eram realmente instruídos em matéria religiosa; a prática
diferia frequentemente de um lugar para outro. O islão
não se tinha ainda confrontado com as outras religiões
— cristianismo, zoroastrismo, maniqueísmo -, maioritárias,
87
pela sua tolerância, nas províncias recém-conquistadas.
O encontro do islão nascente com as civilizações anterio
res foi determinante para a evolução do dogma e do
direito. Ao ponto de certos historiadores terem conside
rado que foi somente após terem saído da Arábia e vivido
em contacto com os grandes povos sedentários que os
Árabes - esses nômadas a quem até então faltavam total
mente tradições culturais - ergueram os fundamentos da
nova construção política e religiosa que foi o islão. A isla-
mização estava, pois, longe de estar realizada: apresen
tava-se a alguns como uma das tarefas primordiais dos cali
fas. Ora, tal como no cristianismo oriental (monofisismo),
mas mais ainda no caso de uma comunidade criada na
base de uma religião, as próprias discussões políticas nas
cidas da primeira guerra civil iam assumir a forma de
divergências religiosas.
88
Invasões e mudanças de dominação (fins do séc. vi-séc. vii)
89
6
O Império Bizantino
da morte de Justiniano
à subida ao trono de Leão 111
(565-717)
7. A evolução política
■ Heraclio
90
O Império Bizantino da morte de Justiniano à subida ao trono de Leão III (565-717)
A anarquia ■
O monotelismo ■
91
do Ocidente, bem o sentiu aquando da invasão persa que
marca o início do seu reinado: a resistência das provín
cias orientais tinha sido fraca, quase uma traição. O impe
rador defende, por isso, a ideia de se chegar a uma síntese
entre calcedónios e monofisitas. O patriarca de Cons
tantinopla, Sérgio (610-638), retoma por sua conta uma
tese oriental que, distinguindo as duas naturezas de Cristo,
sustenta que elas estão unidas por um único princípio de
actividade (energia): assim nasce o monoenergismo. Depois
de ter seduzido o papa Honório e o patriarca Ciro de
Alexandria, o monoenergismo defrontou-se com a opo
sição da população monofisita do Egipto e da Síria e dos
defensores da ortodoxia, como o patriarca Sofrónio de
Jerusalém. Sérgio inflectiu então a sua doutrina: passa
em silêncio sobre o problema das energias para anun
ciar a unicidade da vontade (em grego: thélèmd). Assim
nasce o monotelismo. O imperador Heraclio, que nova
mente vê as províncias de maioria monofisita oporem
uma resistência irrisória ao invasor, desta vez árabe (bata
lha de Iarmuque, em 636), promulga um edicto mono-
telita - o Ekthésis (exposição) -, afixado às portas de Santa
Sofia.
■ O fracasso do monotelismo
92
O Império Bizantino da morte de Justiniano à subida ao trono de Leão III (565-717)
Grecização ■
A administração central ■
93
Sékréta: serviços da adminis o nome de sékréta, tal como o poder dos logotetos se
tração central. reparte pelo stratiôtikon para as despesas militares, pelo
génikon para as despesas gerais, pelo idikon para as des
pesas da Corte e, mais tarde, pelo logoteto do dromo,
isto é, o responsável dos correios imperiais.
■ Os temas
94
O Império Bizantino da morte de Justiniano à subida ao trono de Leão III (565-717)
95
4. As transformações sociais
■ Demografia
96
O Império Bizantino da morte de Justiniano à subida ao trono de Leão III (565-717)
Os campos ■
98
O Império Bizantino da morte de Justiniano à subida ao trono de Leão III (565-717)
99
G. OSTROGORSKY, sobre a data de composição do livro dos
temas e sobre a constituição dos primeiros temas da Ásia
Menor, Byzantion, 23, 1954, pp. 31 e segs. Ver também
H. AHRWEILER, «Recherches sur 1’administration de
1’Empire byzantin aux IXí-XF. siècles», Bulletin de Corres-
pondance hellénique, 84, 1960, pp. 1-111, retomado em Etudes
sur les structures administratives et sodales de Byzance, Variorum
Reprints, Londres, 1971.
Sobre a sociedade em geral: E. PATLAGEAN, Pauvreté
économique et pauvreté sociale à Byzance (IVe.-VIIe. siècles), Paris,
1977. Sobre o Código Rural: R. SVORONOS, «Notes sur
Porigine et la date du Code Rural», Travaux et Mémoires,
8, 1981, pp. 487-500. Sobre a aldeia, M. Kaplan, «Quelques
remarques sur les paysages agraires byzantins (VIe.-milieu
du XIe. siècle)», Revue du Nord, 62, 1980, pp. 155-176;
M. KAPLAN, «Les villageois aux premiers siècles byzantins
(VIe.-Xe. siècles): une société homogène», Byzantinoslavica,
43, 1982, pp. 202-217.
Sobre as cidades: C. FOSS, Byzantine and Turkish Sardis,
Londres, 1976; C. FOSS, Ephesus after Antiquity. A Late Anti
que, Byzantine and Turkish City, Cambridge, 1979.
Sobre os soldados e o exército: J. F. HALDON, Recruitment
and conscription in the byzantine army, c.550-c,950, Viena,
1979. G. Dagron, H. MlHAESCU, Le Traité sur la guérilla
(De velitatione) de Pempereur Nicéphor Phocas (963-969),
Paris, 1986.
100
7
O Império Árabe
dos Omíadas
(661-750)
Numa trintena de anos, os califas Râshidún tinham assegurado aos Árabes a hegemonia sobre
populações de diversas regiões. A partir de Medina, tinham dirigido uma comunidade de tribos que
reconheciam a sua qualidade de lugares-tenentes do Profeta. Ora, por diferentes razões, nem os xiitas
nem os carijitas admitiam o califado de Mu’âwiya. Este e os seus sucessores tentaram tornar-se os
chefes de um Estado territorial, cuja organização traduzisse a influência, dos Impérios Bizantino e
Sassânida. Centralização e arabização foram os traços característicos do período omíada. Mas o novo
regime não soube fazer frente ao desenvolvimento, ao lado dos Árabes muçulmanos e dos dhimmí,
de um novo grupo: o dos indígenas convertidos ao islão. Ao mesmo tempo, nos meios árabo-muçul-
manos crescia uma oposição à família omíada, acusada de impiedade. Estes conflitos cristalizaram-
se em torno do movimento abássida, que acabou por provocar a queda dos Omíadas, em 750.
101
Hiazide para lhe suceder e fez ratificar a sua escolha pelo
conselho dos xeques. Assim começava uma linhagem de
Omíadas: clã curaichita des califas descendentes, por Mu’âwiya, de Umayya: os Omíadas.
cendente de Umayya, ao qual
pertencia Moawiya e que, pe Governadores, como Ziyad no Iraque, esforçaram-se
la introdução do princípio di com sucesso por reafirmar a autoridade dos Árabes nas
nástico, deteve o califado até províncias. Assim foram instaladas nos arredores de Merv
750.
50 000 famílias. A sua partida do Iraque aliviou a tensão
que aí reinava desde o califado de Ali, ao mesmo tempo
que o domínio dos Árabes no Irão foi reforçado.
Os esforços militares mantiveram-se, mas a expansão
real foi fraca nos primeiros decénios da dinastia omíada.
Para lá do Oxo, tratava-se sobretudo de manifestar o pode
rio árabe face às tribos turcas. Quanto ao Magrebe, os
Árabes penetraram aí com alguma hesitação e a funda
ção de Cairuão em 670 correspondeu mais a necessida
des estratégicas do que a um desejo de conquistas. Foi
principalmente no plano marítimo que a actividade foi
grande: Mu’âwiya tentou em duas ocasiões - em 668-669
e entre 674-680 - apoderar-se de Constantinopla e amea
çou gravemente Rodes, Chipre e Creta.
Não houve, assim, uma verdadeira ruptura com o
período dos califas de Medina, mas antes o esboçar de
novas tendências. A escolha da província síria como cen
tro do poder, em detrimento das cidades santas da Arábia,
revelava a vontade de enraizar territorialmente o regime
árabe e de associar tradições de grandes impérios seden
tários e tradições beduínas.
Entre as tribos instaladas na Síria, A segunda guerra civil. Após a morte de Mu’âwiya e o
umas — globalmente designadas como
Calbitas - eram de origem iemenita,
rápido desaparecimento de seus filhos, Hiazide I e
enquanto as outras - as Caisitas - Mu’âwiya II, a designação como califa de um primo de
tinham vindo da Arábia do norte
por ocasião da conquista.
Mu’âwiya, Marvan, atiçou as dissensões entre Caisitas e
Calbitas: estes últimos, vencedores da batalha de Marj
Rahit em 684, permitiram a Marvan tomar o poder.
Sobre as origens da shi’a de Ali, ou Favorecida por estas dificuldades, a hostilidade para
xiismo, ver p. 98.
com a política conduzida pelos Omíadas rebentou no
meio árabe, conquistou certos círculos autóctones e con
fundiu-se por vezes com aspirações regionais. As rebeliões
que então sacudiram o Império Omíada emergiram do
Al-Abbâs Abdallâh Abú Tâlib
quadro xiita. Assim, em Cufa, os xiitas revoltaram-se, ape
lando ao segundo filho de Ali, Hussein. Em 680, na cidade
iraquiana de Querbela, o exército omíada, comandado
por Hiazide, desbaratou os rebeldes. Este massacre signi
ficou a ruptura definitiva entre xiitas e omíadas. O des
tino trágico de Hussein, como antes o de Ali, insuflou ao
Hassan Hussein Muhammad movimento xiita um novo fervor religioso. O sofrimento,
ibn al-Hanafiyya a paixão, a expiação tornaram-se temas mobilizadores,
desconhecidos no islão sunita. Ainda em Cufa, estalou
Abú Hâshim uma nova revolta xiita encabeçada por Muctar em nome
102
O Império Árabe dos Omíadas (661-750)
Centralização e arabização ■
103
Ver mapa p. 384 B. Ifriqiya em 698; daqui, o novo governador Musa ibn Nusayr
conduziu uma campanha até ao Atlântico através do mundo
berbere. Um dos seus lugares-tenentes, Tárique, passou à
Península Hispânica em 711, bateu o rei visigodo e alcan
çou Toledo. Foi o início da conquista do que viria a ser,
com o nome de al-Andalus, uma nova província do Império.
Os exércitos de Cutaiba, como os de Tárique, com
preendiam fortes contingentes de voluntários árabes, mas
incorporaram igualmente - o que era um facto novo -
elementos indígenas, iranianos ou berberes, convertidos
ao islão; o próprio Tárique era berbere. De facto, os Árabes
mostravam-se cada vez mais reticentes a partirem para
campanhas longínquas. O esforço guerreiro atenuava-se
com a sua progressiva sedentarização e a descoberta de
novas fontes de rendimentos, ainda que, nas fronteiras,
Djihâd: ver p. 80. se mantivesse o gosto da djihâd. Assim, o voluntariado
diminuía no resto do Império e os governadores recor
riam cada vez mais a indígenas convertidos.
104
O Império Árabe dos Omíadas (661-750)
2. Desenvolvimento da oposição
105
dos de impiedade. No entanto, a instituição nos centros
Qâdis: juízes estabelecidos nos urbanos de qâdis e a construção de mesquitas atestam que
centros urbanos e encarrega eles não eram indiferentes ao islão. Mas tinham-se mos
dos de julgar os muçulmanos
trado mais preocupados com a extensão do Império e a
segundo a lei corânica.
consolidação do seu poder do que prontos a assegurar as
consequências da islamização. Os problemas concretos
dos qâdis ilustram bem a dificuldade de erigir instituições
muçulmanas, na ausência de qualquer direito constituído.
Sunna: ver p. 87. Assim, a opinião geral era a de que a Sunna do Profeta
constituía a norma de vida; condenava-se como inovação
tudo o que não tivesse um exemplo correspondente na
época de Maomé; mas, perante os casos precisos e con
cretos, os qâdis deviam recorrer, na sua decisão, ao jul
gamento pessoal - o ray além de se admitir que o cos
tume regional fizesse jurisprudência.
A hostilidade dos pietistas aos Omíadas não excluía o
alinhamento político de alguns. Assim, o movimento dos
murjitas, aparecido no final do séc. VII, recusava-se a jul
gar os Omíadas quer como usurpadores, quer como auto
res de medidas não conformes às prescrições corânicas,
quer por terem feito do califado um bem de família.
Porque eram estas as acusações lançadas contra os Omíadas.
Se havia descontentamentos económicos ou sociais, foi
em termos de ideologia muçulmana que se exprimiram e
em nome desta ideologia.
106
O Império Árabe dos Omíadas (661-750)
O fím de um crescimento ■
107
nado de Hishâm (724-743) marcou um período de esta
bilização. Para resolver os problemas militares, deu exe
cução a uma dura política fiscal, resolvendo em definitivo
o problema tributário colocado pelos mawâlz: como os
outros muçulmanos, foram isentos da djizyâ e vinculados
apenas ao pagamento da zakât. Mas, para evitar qualquer
abrandamento ulterior dos rendimentos do Estado, foi
decidido que a contribuição predial passava a ficar ligada
à terra e não já ao seu possuidor, cujo estatuto podia mu
dar sem que isso implicasse consequências fiscais — o pos
suidor de uma terra de kharâdj que se tornasse muçul
mano continuava a pagar o kharâdj e foi empreendido
um recenseamento das terras. Não obstante, o descon
tentamento crescia, com xiitas e carijitas a retomarem as
suas acções.
A paragem das conquistas tinha-se transformado, em
certas zonas, em recuos impostos por novas resistências:
intrigas chinesas na Transoxiana; acção dos Khazares, novos
aliados dos Bizantinos, no Cáucaso; resistência de núcleos
cristãos no Norte da Península Ibérica. Os Omíadas sen
tiam cada vez mais dificuldades em controlar o Império e
nem sequer já podiam contar com os Sírios. Revoltas cari
jitas estalaram no Magrebe, revelando a vontade dos Berberes
de rejeitar a supremacia dos Árabes, mas não do islão.
Marvan II debateu-se com a oposição crescente da família
haxemita, que assumiu formas novas e derrubou o regime.
■ Alidas e Abássidas
108
O Império Árabe dos Omíadas (661-750)
Elementos de unidade ■
109
árabe médio, árabe falado ou árabe corrente, muito dife
rente da língua escrita, que iria favorecer o intercâmbio
entre províncias linguísticas inicialmente muito variadas
e onde se mantinham igualmente certos idiomas indíge
nas.
Sobre a Mesquita, ver p. 201. A marca da religião. A mesquita era o sinal material
exterior da presença do islão. Lugar de reunião dos fiéis
para a realização da oração em comum, ela manteve ini
cialmente os elementos essenciais da casa de Maomé em
Medina: casa com pátio interior e pórtico lateral. Na época
omíada este esquema complicou-se: o pátio é associado a
Qibla: direcção de Meca. um oratório, cuja parede de fundo - a parede qibla - indi
Mihrab: nicho aberto na pa cava a direcção de Meca, e enriqueceu-se com elementos
rede qibla.
novos: mihrab, minbar, minarete, maqsura. Não se tratava de
Minbar: púlpito com vários de
graus, do alto do qual é pro uma construção isolada, antes se inserindo num conjunto
nunciado o sermão da oração de edifícios do qual fazia parte o palácio do califa ou do
de sexta-feira. emir. Mesquitas do Iraque e mesquitas sírias combinam
Minarete: torre do alto da qual diferentemente os elementos arquitectónicos. Foi na pro
é lançado o apelo à oração.
Maqçura: local reservado ao víncia síria que se edificaram as mais belas realizações, em
califa ou ao governador numa particular com a Grande Mesquita de Damasco e a Cúpula
mesquita, e muitas vezes cer do Rochedo.
cado de uma barra de madei
ra. Assim se constituía a pouco e pouco uma nova arqui-
tectura sagrada, que exprimia o poderio dos Árabes e da
sua nova religião. A implantação das primeiras mesquitas
fora do espaço político árabe traduz bem o desenvolvi
mento da importância do islão: foi erigida uma mesquita
em Constantinopla, no séc. VIII.
■ As províncias do Império
110
O Império Árabe dos Omíadas (661-750)
111
■ Os vizinhos do Império
112
O Império Árabe dos Omíadas (661-750)
113
Papers, 1958; e, mais recente, R. J. LiLIE, Die Byzantinische
Reaktion auf die Ausbreitung der Araber, Munique, 1976. Sobre
a questão controversa das consequências da expansão
árabe no comércio mediterrânico: A. RllSlNG, «The fate
of Pirenne’s Thesis», Classica et Medievalia, 1967.
Sobre certos aspectos regionais: H. I. BELL, «The
Administration of Egypt under the Omayyad Caliphs»,
Byzantinische Zeitschrift, 1928; E. GABRIELI, «Muhammad
ibn Qasim e la penetrazione araba nel Sind», Rendiconti
Lincei, 1965. H. R. IDRIS, «Le récit d’al-Maliki sur la con-
quête de lTfriqiya», Revue des Etudes islamiques, 1969.
H. DjaíT, «La wilâya dTfriqiya au IIe.-VlIIe. siècle: étude
institutionnelle», Studia Islamica, 1967-1968.
Sobre o xiismo e o carijismo, a obra fundamental é
H. Laoust, Les Schismes dans VIslam, cit. pág. 15. Pode ser
completada com M. G. S. HODSON, «How did the early
Shi’a become sectarian», Joumal of the American Oriental
Society, 1955; W. M. WATT, «Shfism under the Umayyad»,
Journal of the Royal Asiatic Society, 1960; W. M. WATT,
«Kharidjite thought in the Umayyad period», Der Islam,
1961; C. CAHEN, «La changeante portée sociale de quel-
ques doctrines religieuses», reed. em Les Peuples musul-
mans... (cit. pág. 12).
Sobre as construções do período omíada, os principais
estudos são os de J. SAUVAGET, La Mosquée omeyyade de
Médine, étude sur les origines architecturales de la mosquée et de
la basilique, Paris, 1947; «Esquisse d’une histoire de la ville
de Damas», Revue des Etudes islamiques, 1934; Châteaux umay-
yades de Syrie, em Revue des Etudes islamiques, 1967.
Sobre a revolução abássida: C. CAHEN, «Points de vue
sur la Révolution abbâsside», Revue historique, 1963; M. A.
SHABAN, rLhe Abbassid Revolution, Cambridge, 1970; T. NAGEL,
Untersuchungen zur Entstehung des Abbasiden Kalifats, 1971.
Sobre as transformações da estepe, ver a bibliografia
geral e a do capítulo IH. Ver também os artigos «Bulghar»
e «Khazar» em E. L/2.
114
APOGEU
DO PRÓXIMO ORIENTE
MEDIEVAL
Livro segundo
Este período marca o apogeu do poder bizantino. O Império, inicialmente abalado pela crise icono
clasta, encontra em si próprio os recursos para travar a invasão árabe sob a dinastia isâurica (717-
-802). O séc. IX é caracterizado por uma lenta reconquista, tanto no Sul dos Balcãs como na Asia
Menor, enquanto a Igreja Bizantina, finalmente unificada, parle à conquista de mundos novos.
A dinastia macedónia (867-1056) imprime uma nova expansão ao Império tanto nos Balcãs, onde
a fronteira é empurrada para o Danúbio, como no Oriente, onde o Império atinge Antioquia, o Norte
da Mesopotâmia e a Arménia. A consolidação do poder imperial e o brilho da civilização e da cul
tura bizantinas são então notáveis.
1. A extensão do Império
até meados do séc. xi
■ A Itália
116
O Império bizantino de 717 a 1081
■ Os Balcãs
117
em controlar a costa dálmata. Basílio I retoma Ragusa,
que liberta dos Árabes (868). A Dalmácia é erigida em
tema (878), aliás constantemente ameaçado, e que Bizâncio
defende com o auxílio de Veneza. Manifestando preten
sões sobre a região já no começo do séc. xi, não obstante
as expedições de Bojoanês, Veneza acabaria por se subs
tituir a Bizâncio no domínio da zona.
118
O Império bizantino de 717 a 1081
O Oriente ■
119
a vitória de Leão o Isauro em Akroinon, em 740, permite
separar a Ásia Menor Ocidental. Constantino Coprónimo
avança para Oriente até à Germanícia, no Sul, Teodosió-
polis e Melitene no Norte. Ainda que novas campanhas
levem os Árabes até ao mar Egeu no final do séc. vm,
embora Amórione caia em 838 e Creta se torne árabe em
827, o que perturba o comércio bizantino, a existência
do Império deixara de estar ameaçada. E, em meados do
Ver pp. 148, 152, 157. séc. ix, a reconquista começa. Os exércitos de Miguel III
e Basílio I eliminam o Estado pauliciano à volta de Téfrique,
nos confins da Arménia. As forças de Romano Lecapeno
avançam na Alta Mesopotâmia: João Curcuaz apodera-se
de Melitene em 931 e investe até Edessa e Amida. Nicéforo
Focas reconquista Creta (961), Chipre, a Cilicia e, na Síria,
Antioquia (969); Tzimístis penetra profundamente na Síria
e chega a 150 km de Jerusalém.
Mais ao norte, Basílio II apodera-se primeiro da parte
ocidental da Arménia, com Teodosiópolis e Manzikert, e
depois do Vaspurakan. Constantino Monómaco continua
esta obra, ocupando a Geórgia e o que restava da Arménia
- o reino de Ani.
Deste modo, o Império Bizantino atinge, cerca de 1050,
o seu apogeu territorial: o Leste da Sicília, a Itália
Meridional, os Balcãs até ao Danúbio, Creta e Chipre, a
Quersoneso, a Ásia Menor até o Eufrates e mesmo para
lá dele, até Edessa, enfim o Norte da Síria. O mar Egeu
e o mar Negro são dois «lagos» bizantinos.
■ O iconoclasmo
120
O Império bizantino de 717 a 1081
121
O seu filho, Constantino V Coprónimo, terá de espe
rar treze anos para tomar as medidas que se lhe impõem
por ocasião do Concílio de Hiereia, o qual se prolonga
por sete meses do ano de 754. Os debates alargam-se e
chegam a conclusões amadurecidas, longe de qualquer
diktat imperial, e tomadas por um elevado número - 338 -
de prelados, o que prova a profundidade da penetração
do movimento. Entretanto, o iconoclasmo, no seu pleno
poder, mantém-se isolado: o concílio não acolheu repre
sentantes nem do papa nem dos outros patriarcas.
A partir dessa altura, Constantino V tenta impor, quando
necessário pela força, a doutrina de Hiereia aos recalci
trantes: primeiro pela persuasão, depois por medidas admi
nistrativas - como a secularização de certos bens monás
ticos, já que os monges eram os mais intratáveis dos
iconólatras. Após 760, e sobretudo em 766/767, registam-
-se verdadeiras perseguições. Estas, no entanto, visam
somente os funcionários iconólatras, acusados de traição
pelo imperador. Os monges são perseguidos pela popu
laça, outrora revoltada contra o desaparecimento do Cristo
da Chalcè e agora ferozmente iconoclasta. Nas províncias,
o clima de tensão depende do governador e da popula
ção que, no Oriente, é iconoclasta. Constantino V não é
o tirano sanguinário descrito posteriormente pelos mon
ges iconólatras, mas um imperador conduzindo habil
mente uma parte da sua política, sendo a outra a de con
ter os Árabes, no que obteve perfeito sucesso. Mas o
imperador «de nome sujo» desapareceu, sem que a sua
política lhe tenha sobrevivido por muito tempo. Irene, a
mãe do imperador Constantino VI, neto do precedente,
é uma iconólatra convicta: convoca um concílio ecumé
nico, o sétimo, para condenar a heresia. Este concílio
(786) tem de se reunir em Niceia, pois o exército e a
população da capital, iconoclastas, não permitem que
decorra em Constantinopla.
O iconoclasmo não morre. Não bastam alguns anos
para depurar a Igreja Bizantina nem, sobretudo, para cor
rigir a religião popular. A política de Irene, afrontosa
mente favorável aos monges, conduziu a fracassos diplo
máticos; a de Nicéforo, hostil aos monges, mas não
iconoclasta, saldou-se por uma derrota sangrenta face aos
Búlgaros, que assentam arraiais à vista de Constantinopla.
Desde logo o povo, que faz romagens maciças ao túmulo
de Coprónimo, e o imperador Leão V, de origem armé
nia, concluem que estes fracassos se devem à cólera de
Deus provocada pelo abandono da doutrina de Hiereia.
Leão V reúne um novo concílio iconoclasta em 815. Este
segundo iconoclasmo é, porém, menos vigoroso: os impe
radores já não empreendem novas depurações da hierar
quia nem ataques violentos contra os monges. TeóSkx
122
O Império bizantino de 717 a 1081
123
da sua administração: Tarásio, Nicéforo e Fócio são disso
os melhores exemplos.
O iconoclasmo é originário da Ásia Menor. Dado que
o seu promotor, Leão III o Isauro, era precisamente ori
ginário desta região, foi erguido ao trono pelo exército
do seu tema dos Anatólios, e conheceu uma grande popu
laridade entre os soldados que comandara nos primeiros
êxitos sobre os Árabes, pretendeu ver-se nos exércitos dos
temas da Ásia Menor os principais inspiradores do ico
noclasmo. Ora estes exércitos são os do pequeno campe
sinato. O movimento religioso revestir-se-ia, assim, de um
verdadeiro significado social. De resto, os soldados-cam-
poneses veriam com bons olhos os ataques contra os mon
ges, que poderiam ser esbulhados das suas terras. Esta
interpretação deve ser flexibilizada. Primeiro, nem todos
os temas da Ásia Menor são favoráveis ao iconoclasmo:
mostram-se, pelo contrário, divididos, e a sua posição flu
tua em função do respectivo chefe. Em contrapartida, o
exército central, o dos lagmata, cujo recrutamento nem
sequer é socialmente muito diverso, é rápida e profun
damente ganho pelo iconoclasmo.
Este reveste-se, todavia, de um aspecto fortemente ideo
lógico. Suprimindo as imagens, intermediárias entre os
homens e Deus, o imperador garante plenamente a sua
posição de lugar-tenente de Deus, torna-se no mediador
privilegiado entre Deus e os súbditos, reunindo atrás de
si as energias para a luta vital contra os invasores. Neste
plano, os imperadores iconoclastas tiveram pleno êxito e
os seus sucessores iconólatras recolheram a sua herança.
Em 843, as necessidades políticas que tinham presidido
ao nascimento do iconoclasmo haviam desaparecido: o
período defensivo fora ultrapassado e o poder imperial
estava bem assente.
O dia 11 de Março de 843 assinala o fim das querelas
propriamente teológicas no interior da Igreja e do Império
Bizantinos. Estes continuam, nos tempos que se seguem, a
ser abalados por querelas religiosas que, no entanto, se con
finam ao domínio das práticas religiosas por ocasião das
controvérsias com o Ocidente ou ao domínio disciplinar
quando a autoridade do patriarca é contestada, como acon
teceu com Fócio e Nicolau Místico. Neste caso, a maior parte
dos problemas provém da intervenção do poder político.
Em 843, a religião ortodoxa encontrara o seu equilíbrio.
I A Igreja
125
monial nada ambíguo: «A graça divina, bem como o nosso
poder, que dela deriva, nomeiam o muito piedoso... como
patriarca de Constantinopla.»
Na prática, o patriarca é, pois, escolhido pelo impe
rador. Nenhuma categoria de eclesiásticos é privilegiada
no acesso ao patriarcado. Até ao séc. xn, a interdição da
transferência só foi violada seis vezes. O futuro patriarca
nem sequer tem necessidade de ser padre; se o não é,
como no caso de Fócio, ele transpõe rapidamente, por
vezes numa só jornada, todos os degraus da hierarquia
eclesiástica. De 705 a 1204 são promovidos 45 monges, 15
padres, 7 leigos e 6 bispos transferidos. Enquanto no
período precedente se vira a escolha recair muitas vezes
em personalidades religiosas eminentes, como Gregório
de Nazianzo ou João Crisóstomo, as nomeações do pre
sente período são mais abertamente políticas. Alguns impe
radores, mesmo os maiores, cometeram abusos nomeando
membros da sua família notoriamente incapazes: em 886,
Leão VT substitui Fócio pelo seu irmão de 16 anos; em
933, Romano Lecapeno nomeia patriarca o filho de 15
anos, além do mais, eunuco. Mas o outro resultado de tais
práticas foi o de se colocar no trono patriarcal um certo
número de fortes personalidades políticas: Fócio, Nicolau
Místico, Miguel Cerulário.
O patriarca não está, de resto, desprovido de poderes
políticos. E ele quem coroa o imperador, exige dele uma
profissão de fé ortodoxa, confere os sacramentos aos seus
filhos. Capelão do palácio, ele é o confidente natural e
quase inevitável do imperador. De facto, o papel político
do patriarca só é verdadeiramente importante quando se
trata de uma personalidade excepcional. Mas, se é hábil,
dispõe de trunfos consideráveis, pois facilmente adquire
um ascendente sobre o povo de Constantinopla. Assim,
Nicolau Místico pôde fechar as portas de Santa Sofia a
Leão VI após o seu quarto casamento. Miguel Cerulário
fomenta motins para tornar impossível uma aliança entre
o papa e o imperador (1054), e depois para derrubar
Miguel VI (1057).
Os sécs. viu e ix são marcados pela consolidação do
poder do patriarcado sobre a Igreja, nos limites do
Império Bizantino e para além deles. No interior, o patri
arca consegue eliminar qualquer intervenção do papa,
que se desqualificou ao recusar o iconoclasmo e é visto
como a guarda avançada das potências ocidentais no
Oriente. O conflito estala quando o patriarca tenta ultra
passar os limites fixados no Ocidente pelo Concílio de
Calcedónia. O cisma entre Fócio e Nicolau I (867) tem
por causa principal uma querela de jurisdição a propó
sito da Bulgária. Do mesmo modo, em 1054, aquando
126
O Império bizantino de 717 a 1081
127
Para os Bizantinos, os mosteiros são a imagem da vida
ideal, desligada dos cuidados terrenos, o que impele os
monges a desinteressarem-se da gestão dos seus bens. Esta
vida tão elevada serve igualmente de refúgio em caso de
infelicidade, derrota política ou falência. Quem quiser
mostrar a sua fé - imperador, patriarca, soldado, campo
nês -, fá-lo em proveito de um mosteiro. Cada impera
dor, cada patriarca tem o cuidado de fundar o seu con
vento. Os que não têm bens suficientes associam-se para
criar uma obra pia. Este entusiasmo e as funções extra-
-religiosas do mosteiro envolvem um certo número de con
sequências: pobres à partida, os conventos tornam-se ricos;
muitos monges são-no por necessidade e não por voca
ção, não passando para eles o mosteiro de uma prisão que
eventualmente se abandona na primeira oportunidade.
O monaquismo bizantino conhece duas tendências:
Eremitismo: estado do monge eremitismo e cenobitismo. Mas a renovação do mona
que vive totalmente isolado. quismo que se segue à restauração das Imagens - pelas
Cenobitismo: modo de vida quais os monges tão bem tinham combatido -, tal como
comunitário dos monges.
o próprio iconoclasmo - que tão frequentemente tinha
expulsado os monges das cidades - trazem uma mudança.
A volta de centros em geral montanhosos, como o Olimpo
da Bitínia, desenvolvem-se verdadeiras colónias de frades,
a meio caminho entre o eremitismo e a vida cenobítica
instituída por S. Basílio. O grande monge do Olimpo foi
Teodoro Estudita, que se estabeleceu no convento cons-
tantinopolitano de Estúdios entre os dois iconoclasmos.
Ele precisou o modo de vida cenobítico, sendo a sua
influência atestada pelo imenso sucesso das suas Grande
e Pequena Catequese. Teodoro de Estúdios organizou a
vida do mosteiro nos seus mais ínfimos pormenores, tendo
nomeadamente estabelecido uma lista-tipo dos ofícios e
funções que nele devem ser exercidos. Embora a sua auto
ridade tenha sido reconhecida por cinco grandes mos
teiros, não pôde fundar verdadeiramente uma ordem.
Apesar de a maioria dos conventos se referirem às suas
instruções, o monaquismo bizantino foi sempre anárquico.
A partir do final do séc. ix desenvolvem-se fundações,
muitas vezes de grande dimensão como os mosteiros de
Atos, o mais célebre dos quais, se não o maior de todos,
é a Grande Laura (Lavra), fundada em 962 por Atanásio
com o apoio de Nicéforo Focas. A laura combina eremi
tismo, dado que cada monge vive na sua cela, e vida comu
nitária, uma vez que, aos sábados e domingos, as refei
ções são colectivas e os ofícios celebrados em comum.
Multiplicam-se as fundações sumptuosas e ricas, com o
Typikon: carta de fundação do fundador a determinar os estatutos e a orgânica do mos
mosteiro, definindo a organi teiro através do typikon, diferente de caso para caso. O fun
zação da sua vida e a sua do
dador - pessoa privada, imperador ou patriarca - per
tação.
manece proprietário do mosteiro, assim como os seus
128
O Império bizantino de 717 a 1081
A hereditariedade ■
129
dinastia - a de Amórion. Sucedem-se Miguel II (820-829)
e Teófilo (829-842), mas, por morte deste último, o trono
volta a caber a uma criança, Miguel III (842-867). Verifica-
-se, portanto, que Constantino VI e, posteriormente, Miguel
III, embora crianças, puderam aceder ao trono sem qual
quer controvérsia; e que suas mães, Irene e Teodora, legi
timadas pelo casamento, puderam exercer a regência e
conduzir uma política inversa da dos defuntos maridos.
Miguel III cederá o lugar a Basílio I o Macedónio (867-
-886), que funda a dinastia macedónia. Verdadeiro labo
ratório do triunfo da hereditariedade, ela dura até 1057.
O primeiro imperador a invocar a legitimidade do san
gue é Leão VI (886-912). Com efeito, casou-se três vezes
sem sucesso, isto é, sem filhos. Para ter um herdeiro, cele
bra um quarto casamento, condenado pela Igreja, e
enfrenta o incómodo patriarca Nicolau Místico, que se
recusa a reconhecer o matrimónio e a legitimidade da
criança (906). Ora o princípio dinástico é tão forte que,
quando morre Alexandre (912-913), irmão de Leão VI, o
pequeno Constantino VII (913-959) é reconhecido por
todos, com Místico à cabeça, como imperador legítimo,
Porfirogeneta: criança nascida por ter nascido na púrpura, ou melhor na Porphyra, sala
de uma imperatriz reinante na do Palácio pavimentada de mármore vermelho e reser
sala do Palácio pavimentada vada aos partos imperiais: é porfirogeneta.
em púrpura, chamada Porphyra.
Mas Constantino Porfirogeneta não passa de uma
criança. Em 919, Romano Lecapeno (919-944) assume o
poder. Embora desejoso de fundar uma dinastia, não afasta
Constantino: fá-lo casar com a filha, torna-se «pai do impe
rador», depois co-imperador e, por fim, imperador prin
cipal utilizando a sua relação com o porfirogeneta. Faz
coroar os próprios filhos, mas, por sua morte, em 944,
Constantino não tem qualquer dificuldade em recuperar
o poder e transmiti-lo a seu filho, Romano II (959-963).
Este falece, deixando também dois filhos, Basílio e
Constantino. O mais brilhante dos generais bizantinos,
Nicéforo Focas (963-969), toma o poder, mas não tem a
ousadia de destronar as crianças e, para se legitimar, des
posa a viúva de Romano II. Em 969, um dos responsáveis
pelo assassínio de Nicéforo, João Tzimístis (969-976), torna-
-se imperador, mas deixa reinar as duas crianças e casa
com uma filha de Constantino VII. Falecido Tzimístis,
Basílio II (976-1025) retoma muito naturalmente o poder,
como mais tarde seu irmão Constantino VIII (1025-1028).
Ora Constantino VIII não deixa nenhum filho, mas
sim duas filhas: a legitimidade vai seguir a linha feminina.
Zoé, a mais velha, faz, pelo casamento, dois imperadores
- Romano III Árgiro (1028-1034) e Miguel IV (1034-1041)
- e depois, por adopção, um terceiro, Miguel V (1041-
-1042). Quando este pretende relegar Zoé para um con
130
O Império bizantino de 717 a 1081
O poder imperial ■
131
nidade imperial é uma pessoa moral independente do res
pectivo titular, que não é o seu proprietário; o mesmo
quanto ao aspecto de comandante supremo das forças
armadas. Da monarquia helenística, mantém-se uma auto
ridade considerável e uma tendência para a divinização.
Se o cristianismo recusa o imperador-deus, o poder impe
rial contém um carácter divino; é natural, para um cris
tão, ver no imperador cristão um soberano designado pela
vontade divina. O imperador é o eleito de Deus, reina
pela divina Providência para aplicar a Sua vontade. Quando,
Épanagôgé: «introdução». Tra no reinado de Basílio I, o Épanagôgé, único tratado bizan
tado jurídico do reinado de tino de direito público, declara que «o imperador é a auto
Basílio I, destinado a intro ridade legítima, o bem comum de todos os súbditos - não
duzir as Basílicas.
castiga nem recompensa com parcialidade, mas, como um
bom agonoteto, distribui os justos prémios», o autor não
está a exprimir os deveres do imperador, mas as suas qua
lidades intrínsecas, já que é um eleito de Deus. Por outras
palavras, um imperador não pode deixar de ser «o bem
comum de todos os súbditos, etc...» Sem isso, ele deixa
de ser legítimo.
O problema está, então, em reconhecer-se a vontade
divina. O poder imperial é o sinal da graça divina, assim
como a perda desse poder assinala a perda dessa graça;
inversamente, se um usurpador tem sucesso, isso é o sinal
de que ele é desejado por Deus. A usurpação apresenta-
-se, portanto, como um modo normal de sucessão e, mui
tas vezes, o patriarca não hesitou em coroar o assassino do
imperador precedente. Teofânia atribui a Irene, que
Nicéforo visita na prisão após a ter destronado em 31 de
Outubro de 802, palavras que nada têm de ambíguo: «Creio
que foi Deus que me elevou, da órfã que eu era, ao poder...;
e agora, vejo em ti (Nicéforo) o piedoso eleito de Deus...»
Encontramos estas concepções do Império no ceri
monial espectacular que envolve a vida pública do impe
rador e que nos é minuciosamente descrito por Constantino
Livro das Cerimónias: ver p. 232. Porfirogeneta no seu «Livro das Cerimónias». Todo o sis
tema aponta para a glorificação do soberano; todas as acla
mações, todos os actos do imperador e dos que o rodeiam
têm o valor de símbolos. Os súbditos são os escravos do
Proskynese: prosternação dian imperador e arrojam-se por terra, no proskynèse, sempre
te do Imperador. que ele aparece. A vida na corte é uma espécie de misté
rio onde os que rodeiam o imperador desempenham um
papel preciso. E que, se o império é o reflexo terrestre
do reino de Deus, o imperador deve desempenhar nele
o papel do Cristo: no Natal, há doze convidados à mesa.
As vestes imperiais, que um anjo teria entregue a
Constantino, têm igualmente o valor de um símbolo.
Tudo concorre, portanto, para aproximar o imperador
de Deus. Isso permite-lhe concentrar nas suas mãos um
máximo de poderes. Assim, ele é «igual aos apóstolos», a
132
O Império bizantino de 717 a 1081
133
donar o monopólio do Império Romano. O mais impres
sionante é que, nestes conflitos, o velho Império na defen
siva e as jovens potências em expansão estão imbuídos da
mesma ideologia: todos querem ser a cabeça de uma hie
rarquia que ninguém contesta. Assim a teoria sobrevive
aos factos e mesmo à sua possibilidade.
A forma das relações diplomáticas traduz esta preten
são à superioridade universal: qualquer outra potência é
considerada como um súbdito. Antes do termo do séc. XII,
todo e qualquer acordo assume a forma de uma conces
são da graça imperial; mesmo que as cláusulas sejam humi
lhantes para o Império, trata-se sempre de privilégios con
cedidos pelo imperador: um tributo a pagar nunca deixa
de ser um presente. Todo o poder sobre a terra provém
do poder imperial nascido de Deus: o Imperador arroga-
-se o direito de confirmar os outros príncipes, nomeada
mente conferindo-lhes as insígnias reais. Assim, Miguel VII
oferece a Geyza I da Hungria (1074-1077) a parte infe
rior da sua coroa, onde a figura do imperador é repre
sentada acima da do rei. Na correspondência com os Esta
dos estrangeiros estabelece-se uma hierarquia: consoante
o seu nível, eles recebem «ordens» ou «cartas». Certos
príncipes são qualificados de amigos, outros de filhos
(Bulgária, Arménia), os imperadores ocidentais de irmãos
- o que os inclui na família imperial de que o imperador,
pai de todos os cristãos, é a cabeça. O lugar de cada Estado
na hierarquia pode, de resto, ser modificado, se for caso
disso: o príncipe cujo prestígio cresce aproxima-se do
imperador no parentesco.
A concepção bizantina da unidade do mundo terres
tre, imagem do reino de Deus, implica que não haja ver
dadeiramente estrangeiros; os príncipes são colocados no
mesmo plano dos dignitários do Império e são, portanto,
alinhados na hierarquia interior e exterior. Somente os
soberanos árabes escapam a esta hierarquia, o que traduz
a relação de forças. Mas como não são cristãos, não sendo
como tal chamados ao reino de Deus, esta divisão do
mundo está teologicamente fundamentada.
4. O governo do Império
■ A administração
134
O Império bizantino de 717 a 1081
135
soai se compõe de sékrétikoi, de notários, de cartulários,
Sékrétikos: chefe de serviço no
de kankellarioi, por vezes de mandatores (mensageiros); os
quadro de um sékréton. t
Protoasékrétis: chefe da chan chefes dos serviços chamam-se, em geral, «logotetos».
celaria imperial. A chancelaria imperial está confiada a um protoasékrétis,
Asékrétis: administradores da que chefia os secretários, asékrétis. O logoteta do dromo
chancelaria imperial. dirige o serviço do correio imperial (antigo cursus publicus),
Logoteto: director de um sé
kréton. encarregado de difundir as ordens imperiais e as men
Dromo: o correio imperial: di sagens para o estrangeiro; ocupa-se essencialmente dos
vulgação das ordens e nove Negócios Estrangeiros.
las.
As administrações mais desenvolvidas são as das finan
ças. O controle é exercido pelo sacelário, que tem a seu
cargo as «larguezas sagradas» da época alta, assim como
a fortuna privada (res privatd), o património e as casas
divinas. O serviço fiscal por excelência, a caixa do Estado,
Génikon: serviço das finanças
com o seu exército de funcionários para lançamento, fis
centrais do Estado. calização e cobrança dos impostos, é o génikon. As finan
Stratiôtikon: serviço que admi ças e o recrutamento das tropas são geridos pelo stratiô
nistra o exército. tikon. O Vestiário público é uma espécie de arsenal, onde
Idikon: serviço das finanças pri
se guardava o material necessário ao armamento de uma
vadas do Imperador.
frota; é alimentado pelo produto de multas e, eventual
mente, pelos rendimentos dos domínios imperiais e da
cunhagem de moeda. O eidikon ou idikon paga os rogai e
recebe produtos das oficinas imperiais. A gestão dos bens
imperiais modifica-se profundamente. Após o desapare
cimento da Res Privata, domínios imperiais e casas divi
nas tinham ficado dispersos pelos diferentes serviços da
administração central, enquanto o imperador era obri
gado a fazer face, com os próprios bens, à falência do sis
tema de assistência pública antes assumido pela Igreja.
No começo do séc. IX, os imperadores recomeçam a fun
dar casas imperiais, que confiam a um Grande Curador,
dotado de um sékréton', a partir de Basílio I, a mais impor
tante delas, a dos Manganos, constitui mesmo um sékréton
por si só. A pouco e pouco, porém, esses serviços desa
gregam-se; cada uma das casas torna-se independente e a
maior parte converte-se em fundações pias, voltadas para
a assistência. Paralelamente, a quantidade das terras per
tencentes ao fisco, quer provenham das zonas reconquis
tadas quer das confiscações efectuadas aos contribuintes
insolventes, aumenta ao ponto de justificar o aparecimento
de um serviço particular: o do épi tôn oikeiakôn.
O exército ■
137
forças armadas estão repartidas em exércitos dos temas
Thémata: contingentes dos (thémata) e em contingentes centrais (tagmata). Os pri
exércitos dos temas. meiros, compostos de estratiotas - soldados-camponeses e
cavaleiros ligeiros são muito mais importantes do que
Tagmata: ver p. 95. os segundos, constituídos por mercenários. Nicéforo I sen
tiu mesmo a necessidade de reforçar numericamente os
exércitos dos temas, obrigando os camponeses pobres a
cotizarem-se para armarem um soldado, à razão de 18,5
soldos por soldado (e por aldeia). O tema militar com
preende três mérai ou turmai, comandados por «merar-
cas» ou «turmarcas», contando cada turma com três dron-
gai (drongários), cada qual com três bandas (chefiadas
De facto, certos temas podiam ter de por um conde). A banda integra cerca de cem homens e
10 000 a 25 000 soldados. o tema entre 2500 e 3000.
O séc. X conhece uma acentuada evolução do sistema
:dos estratiotas e do serviço militar ou estrateia. Querendo
■ proteger os estratiotas numa conjuntura de crise da
pequena propriedade rural, Constantino VII institui o
regime de arrolamento das suas terras. Até então, só os
homens eram inscritos para as tarefas militares; de futuro,
também as suas terras são registadas, tornando-se inalie
náveis. Até um valor de quatro libras de ouro, o que repre
i senta cerca do quádruplo de uma exploração camponesa
média, o registo, que implica a inalienabilidade, é obri
gatório. E facultativo na parte que exceda aquele mon
tante. Mas esta reforma é rapidamente ultrapassada pela
evolução militar, caracterizada pela generalização da cava
laria couraçada, cujo armamento é muito mais caro. Assim,
Nicéforo Focas eleva o valor mínimo do lote estratiótico
de quatro para doze libras de ouro. Esta medida tem três
consequências: primeiro, muda a natureza social do exér
cito dos temas, do qual são excluídos os camponeses
médios; depois diminui maciçamente o número dos estra
tiotas, logo, o contingente do tema; por último, trans
Strateia: originalmente uma forma o serviço militar, a estrateia, em imposto, que depressa
obrigação militar, acaba por se estende ao conjunto dos contribuintes. Isto assegura os
designar todo o serviço pú recursos necessários para o recrutamento, pagamento e
blico, nomeadamente o im
posto. equipamento dos mercenários dos tagmata, então o grosso
do exército, apenas reforçados com as tropas couraçadas
dos temas. Ora os mercenários são, em número crescente,
estrangeiros — russos, turcos, varangos, etc. ... O exército
bizantino perde assim o seu duplo carácter nacional e
popular.
Do mesmo modo, os comandos são alterados. A per
Criado das scholes: primeiro sonagem militar essencial passa a ser o criado das scho
comandante dos tagmata. les. Quanto às fronteiras, no final do séc. x e no séc. XI
Duque, Katêpanô: comandante os seus comandos sáo reorganizados em unidades mais
militar de extensas circunscri
ções fronteiriças. vastas, ducados ou katêpanatos, confiados a duques ou
katêpanós, agrupando muitas vezes vários temas, e aca
bando por retirar todo o poder aos estrategos: duques
138
O Império bizantino de 717 a 1081
139
d’apostolicité à Byzance et la légende de 1’apôtre André»,
Actes du Xe congrès d’études byzantines, Istambul, 1957, pp. 323-
326, posteriormente desenvolvido sob o mesmo título em
inglês, Washington, 1958; V. LAURENT, «Le titre de patri-
arche cecuménique et Michel Cérulaire», Miscellanea G.
Mercati, II, Roma, 1946, pp. 373-386; G. EVERY, The Byzantine
Patriarchate, 451-1204, Londres, 1962.
Sobre os monges: J.-M. HUSSEY, «Byzantine monasti-
cism», Histovy, nova série, 24, 1939, pp. 56-62. Obra colec-
tiva, Le Millénaire du Mont-Athos (963-1963), Etudes et
Mélanges, 2 vols., Chevetogne, 1963-1964. Quanto aos bens
monásticos, reportar-se ao capítulo sobre a vida rural.
Sobre a sucessão imperial e o poder imperial: ver os
capítulos das obras gerais. Algumas obras particulares:
A. VOGT, Basile P7, Empereur de Byzance, et la Civilisation
byzantine à la fin du IXe siècle, Paris, 1908; S. Runciman,
The Emperor Romanus Lecapene and his Reign, a study of tenth
century Byzantium, Cambridge, 1929; G. SCHLUMBERGER,
Un empereur byzantin au Xe siècle: Nicéphore Phocas, Paris,
1890; LÉpopée byzantine à la fin du Xe siècle, 3 vols., Paris,
1896-1905. Sobre o século xi: o melhor é ainda ler PSELLOS,
Chronographie, ed. e trad. F. RENAULD, 2 vols., Paris, 1926-
-1928. Sobre o cerimonial imperial: ver CONSTANTIN POR-
PHYROGÉNÊTE, Le Livre des Cérémonies, ed., trad. e comen
tário por A. VOGT, Paris, 1935-1940. Sobre os poderes e
a ideologia imperial, ver H. AHRWEILER, LPdéologie politi-
que..., citado pág. 14. Sobre a ordem hierárquica do mundo:
G. Ostrogorsky, «The Byzantine Emperor and the Hierar-
chical World Order», Slavonic and East European Review,
35, 1956, pp. 1-14.
Sobre a época do intericonoclasmo: ver W. TreaDGOLD,
The Byzantine Revival (780-842), Stanford, 1988.
Sobre o governo do Império: a obra fundamental é
N. OlKONOMlDES, Les Listes de préséance byzantines des IXe et
Xe siècles, Paris, 1972, completada por N. OlKONOMlDES,
Documents et Etudes sur les institutions de Byzance, Variorum
Reprints, 1976, P. Lemerle, Cinq Etudes sur le XP siècle byzan
tin, Paris, 1977; assim como vários artigos do t. 6, 1976,
de Travaux et Mémoires. J.-Cl. CHEYNET, Pouvoir et contesta-
tions à Byzance (963-1110), Paris, 1990.
140
9
O mundo muçulmano
sob os Abássidas
Aspectos políticos e territoriais (750-1055)
A revolução abássida, que levou ao poder uma nova dinastia, tinha nascido do problema da inte
gração no novo Império das populações não árabes. Rompendo com o período omíada, que observara
um modelo de organização tribal, os califas elaboraram durante o primeiro século abássida (750-cerca
de 850) um novo sistema político. Este define-se por um quadro institucional e uma nova capital, e
mais ainda, como mostraram vários estudos anglo-saxónicos recentes, pelo estabelecimento de uma
rede muito densa de relações pessoais e pela consideração das reivindicações autonomistas das regiões.
Estudar a história do período abássida do ponto de vista do governo central e das suas instituições
não deve fazer esquecer que se desenvolveu um processo de mobilização das forças das províncias, ori
entais e ocidentais, pelo reconhecimento dos particularismos e pelo papel concedido às aristocracias
locais. Dito de outro modo, o movimento de fragmentação do Império permitiu a emergência de novos
conjuntos territoriais, que não romperam com as instituições arábico-muçulmanas, mas que adopta-
ram formas de organização próprias, por vezes referindo-se ao xiismo ou ao carijismo.
141
tado fazer notar que, exactamente na mesma época, a dinas
tia carolíngia, que tomou o poder em 751, encontrava o
seu centro de gravidade nas regiões setentrionais, longe
das costas mediterrânicas. Somente Constantinopla manti
nha uma fundada vocação marítima, ainda que a talasso-
cracia bizantina viesse a ser seriamente ameaçada.
142
O mundo muçulmano sob os Abássidas
143
al-Tabari, também conhecido como historiador (falecido
em 923). Desde o final do séc. vin, apareceram quatro
escolas jurídico-religiosas (muitas vezes impropriamente
qualificadas como ritos); retiram as suas denominações
dos respectivos fundadores e repartem-se em grandes con
juntos regionais: no Próximo Oriente, os hanafitas (de
Abü Hanifa, morto em 763) e os xafiitas (de al-Shâfi’í,
falecido em 820); no Magrebe, os hanbalitas (de ibn Han-
bal, falecido em 855); e na Península Ibérica, os mali-
quitas (de Mâlik ibn Anas, que morreu em 795). Se estas
escolas divergem em questões doutrinais e, sobretudo,
metodológicas, elas convergem nos princípios funda
mentais.
Os imãs atidas
■ Xiitas e carijitas
1 Alí m. 661
2 Hassan m. 669 3 Hussein m. 680 Xiitas. Afastados pelos Abássidas, os xiitas agruparam-
-se então apenas em torno dos descendentes de Alí e de
4 Alí Zain m. 712
Fátima. Rejeitando o realismo político dos sunitas, que
5 Muhammad al-Bâqir m. 731 reconheciam o califado dos Abássidas depois de terem
reconhecido o dos Omíadas, os xiitas mantinham-se liga
6 Dja’far m. 765
I i
dos ao princípio de um poder detido por um Alida, her
7 m. 760 7 Müsâ m. 799 deiro das prerrogativas do Profeta, imã detentor de luzes
secretas. Duas revoltas conduzidas pelos descendentes de
Hassan acabaram mal para eles: revolta de Muhammad e
9 Muhammad m. 835 de Ibraim em 762 e rebelião de 786, abafada em Fakhkh,
10 Alí al-Halí m. 868
perto de Meca, com um massacre ao qual apenas escapou
um príncipe alida, Idris, que se refugiou no Magrebe.
11 Hassan m. 874 ^99
Mais prudentes, os descendentes de Hussein atravessaram
I esse período de perseguições sem se manifestarem, entre
12 Muhammad al-Mahdí m. 878
gando-se sobretudo a um esforço de reflexão doutrinária.
144
O mundo muçulmano sob os Abássidas
145
Aqui, com efeito, um omíada que escapara ao massacre
de 750, Abd ar-Rahmân (Abderramão), conseguira fazer-
Ver mapa p. 390 A. -se proclamar emir de al-Andalus. Os seus esforços e os
dos seus primeiros sucessores foram dedicados a garantir
a respectiva autoridade sobre essa província muçulmana
tão diversificada: árabes, divididos em tribos do Norte e
Muladis: indígenas cristãos do Sul, berberes, muladis, defrontavam-se entre si e opu
convertidos ao islão na Hispâ- nham-se ao poder emiral instalado em Córdova. No en
nia muçulmana.
tanto, já se esboçava um Estado organizado segundo o
Moçárabes: indígenas que se
mantiveram cristãos na Hispâ- modelo abássida e que uma eficaz política fiscal, causa prin
nia muçulmana. cipal das revoltas moçárabes, dotou de importantes recur
sos. Sem que tenha havido ruptura oficial, é evidente que
a fundação de um emirado omíada significava uma ampu
tação no território abássida.
146
O mundo muçulmano sob os Abássidas
147
As terras centrais. A base territorial do califado conti
nuava a ser sobretudo a zona das primeiras conquistas,
das terras centrais islâmicas - Iraque, Síria, Arábia, Egipto.
Mas a calma estava longe de reinar aí. Revoltas xiitas per
turbavam o Irão e alastravam à Síria e à Arábia; mistura
vam-se com as confrontações entre tribos árabes, sempre
graves na Síria, e com o conflito entre Árabes e Iranianos
nos círculos que rodeavam o califa. No entanto, era lá que
se encontrava o coração da vida económica e se forjava
uma sociedade nova, urbana, dominada já não pela aris
Kuttab: ver p. 201. tocracia beduína, mas pelos grandes mercadores e os kuttâb,
portadores de uma nova cultura.
Por aí também continuava a dar-se o encontro entre
mundo muçulmano e mundo bizantino. De 775 a 809,
foram retomadas as ofensivas muçulmanas - após o abran
damento que se seguiu à revolução abássida -, que se
desenvolveram da Síria Setentrional à Arménia. Entretanto,
já Hârún al-Rashid se preocupava menos com conquistas
definitivas do que com o reforço da fronteira, que foi
organizada em unidades autónomas: do Norte da Síria ao
Eufrates, cidades fronteiriças protectoras constituíram a
Awâsim: zona fronteiriça, apoia região dos Awâsim, precedida pela região dos Thughür con
da nas cidades que garantiam tinuamente disputada. Esta consolidação mostrava-se tanto
a protecção do Império (lite
mais útil quanto a aliança dos Bizantinos com os Khazares
ralmente, «as protectoras»).
No séc. x, a capital das Awâsim alargava então as zonas de combate às regiões caucasia
é Antioquia. nas. Entre estas, a Arménia era pouco segura: mantivera-
Thughür: praças raianas, situa -se profundamente cristã, apesar da presença de postos
das na vanguarda das Awâsim,
muçulmanos, mas retalhada em pequenos principados
numa espécie de no man’s land.
arménios rivais. Alcançaram-se êxitos notáveis, como a
tomada de Amórion em 838, mas não tiveram sequência.
A grave derrota de um exército muçulmano na Ásia Menor
em 863 já testemunha a eficácia da reorganização bizan
Ver p. 120. tina. Nesse mesmo período, embora independentemente
de Bagdade, muçulmanos conseguiram, em 827, apoderar-
-se de Creta, agravando a ameaça marítima contra Bizâncio.
Foi nessas terras centrais que se manifestaram os pri
meiros elementos da crise que, em breve, iria abalar o
poder. No decurso da guerra civil entre al-Ma’mün e al-
-Amin, os dois filhos de Hârun al-Rashid, manifestara-se
a necessidade de o califa dispor de uma força armada leal,
que se mantivesse afastada das querelas religiosas. Os Juras-
sanianos tinham demasiada consciência de terem sido os
elementos determinantes da vitória para estarem segu
ros; homens do interior do Império eram muitas vezes
Mameluco: escravo branco. parte interessada nos acontecimentos que aí se desenro
Samarra: residência dos cali lavam, além de que os governadores taíridas começavam
fas abássidas de 836 a 883, si a monopolizar o seu recrutamento. O califa al-Mu’tasim
tuada nas margens do Tigre a (833-842) decidiu rodear-se de uma guarda mais segura,
uma centena de quilómetros
a montante de Bagdade.
que escolheu entre os mamelucos, capturados em jovens
na Ásia Central e nas estepes, e cuidadosamente educa-
O mundo muçulmano sob os Abássidas
2. O estilhaçar do Império
e do poder califal (c. 850-c. 950)
149
Córdova se debatia com graves dificuldades, face ao desen
volvimento de forças centrífugas. Os pequenos Estados
cristãos do Norte da Hispânia aproveitavam para se refor
çar e mesmo para se expandirem.
Esta evolução foi bruscamente perturbada no início do
Ver mapa p. 390 B. séc. X, pela instalação em Ifriqiya de uma dinastia xiita,
cuja política imperialista afectou a maior parte do mundo
muçulmano.
Depois de ter derrubado, em poucos anos, os Aglábidas
e os Rustémidas de Tâhert, Ubayd Allâh instalou-se em
910 em Ifriqiya com os títulos de emir al-mu’minin e de
Mahdi: ver p. 106. mahdi. Fundava assim a dinastia e o califado dos Fatímidas
- Ubayd pretendia, com efeito, descender de Ali e de
Fátima. Ao mesmo tempo, os Fatímidas manifestam pre
tensões que ultrapassavam largamente o quadro do
Magrebe Oriental, não passando a Ifriqiya da base de pre
paração de uma empresa mais vasta, que consistia em des
tronar os Omíadas de Córdova, os Abássidas de Bagdade
e os imperadores de Constantinopla. Mas defrontaram-se
com a hostilidade dos fuqahâ’ de Cairuão, defensores do
sunismo maliquita, e de toda uma parte do mundo ber
bere. Efectivamente, depois de terem falhado as primei
ras tentativas para conquistarem o Egipto, os Fatímidas
decidiram conduzir primeiro a sua ofensiva contra Córdova,
o que fizeram entre 915 e 920, uma vez assegurado o
controlo sobre o essencial do Magrebe, graças à aliança
com os Berberes Cutamas. A Sicília foi igualmente ocu
pada. Mas a sua pesada política fiscal levantou contra
eles uma parte do mundo berbere, sobretudo os Zanatas
Ibaditas. Entre 943 e 947 estalou uma grande revolta,
dirigida por Abú Yazid, à qual se juntou Cairuão. Os
Fatímidas triunfaram, mas as consequências foram impor
tantes. A leste, os Zanatas, que se mantiveram hostis após
a derrota, passaram a constituir uma cortina entre a
Ifriqiya e o resto da África. Os Fatímidas recuperaram o
Magrebe Ocidental e uma nova actividade se desenvol
veu nos itinerários de Sidjilmasa para o Gana, dando aos
Fatímidas o ouro necessário à ofensiva que preparavam
contra o Oriente. Aproveitando uma crise económica,
í al-Mú’izz apodera-se do Egipto em 969, aí se instalando
i em 971. Desconfiando, por experiência, da Ifriqiya, entre
gou o país a governadores berberes, os Ziridas. Com
\ Abderramão III (912-961), a Hispânia conheceu um perí-
j odo de apogeu. O emir, após ter conseguido unificar o
í país e rechaçar os perigosos avanços dos cristãos, assu-
j miu, por seu turno, o título califal em 929, em resposta
í às pretensões fatímidas.
í
Desde então, é todo o conjunto do Ocidente muçul-
j mano que deixa de pertencer ao Império Abássida.
150
O mundo muçulmano sob os Abássidas
151
Iraque, de graves dificuldades ligadas, em grande parte, ao
novo exército turco. A sua manutenção custava muito caro.
Qatâ’i: ver p. 105. Restavam poucas terras para conceder em qatâz. Assim, diver
sas soluções foram adoptadas, como a nomeação de um chefe
militar para a direcção de uma província - foi o caso de ibn
Túlún no Egipto -, cujos rendimentos eram afectados em
prioridade ao exército. Houve também a atribuição a ofici
ais, em regime de arrendamento, do imposto de uma região.
Com efeito, se o Estado garantia geralmente por si próprio
a cobrança dos tributos, noutros casos adquirira o hábito de
recorrer a um rendeiro, que se encarregava de todas as ope
rações de colecta após ter entregue ao Estado a soma acor
dada. Vê-se, assim, aparecer uma nova forma de concessão:
atribuiu-se a oficiais o imposto pago pelas terras de kharâdj
de um distrito, ficando eles com o encargo de pagar os sol
dos das suas tropas. Esta concessão foi designada com o nome
Sobre o iqtâ, ver p. 180. de iqtâ’. Com ela eram transferidos para particulares os direi
tos anteriores do Estado. E certo que a terra não mudava de
propriedade, mas os oficiais preocupavam-se mais com o
aumento dos seus rendimentos do que em desenvolver a
produção e não hesitavam em mudar de iqtâ’regularmente.
As consequências sobre a vida rural foram graves e desen
volveram-se sobretudo a partir do séc. xi. Os Turcos, forta
lecidos, intervieram cada vez mais na vida política, provo
cando inevitáveis conflitos com as populações indígenas,
fazendo e desfazendo califas. Pela mesma época, desordens
económicas abalaram o Irão. De 869 a 878, os Zandj, escra
vos negros utilizados nas plantações de cana-de-açúcar, revol
taram-se e, durante vários anos, perturbaram todas as rela
ções entre Bagdade e o golfo Pérsico. No final do séc. IX,
outra revolta - a dos Carmatas -, de natureza religiosa, afec-
tou, por sua vez, o Iraque e mesmo a Síria e a Mesopotâmia.
Os Carmatas transferiram, em seguida, a sua actividade para
o Bahrein, de onde continuaram a ameaçar as artérias vitais
do califado. As repercussões sobre o comércio e a vida rural
não podiam deixar de enfraquecer Bagdade.
Os Bizantinos procuraram explorar estas dificuldades.
Ver p. 120. Em 867, o imperador Basílio I começou a grande recon
quista, tentando controlar sistematicamente as rotas das
invasões e alargar as suas fronteiras. Travado por um
momento, no fim do séc. IX, pelas ameaças búlgaras e rus
sas que pesaram sobre Constantinopla, o movimento ofen
sivo amplificou-se a partir de 897 com uma tripla acção
na Cilicia, Mesopotâmia e Arménia, onde os muçulmanos
tinham organizado um reino autónomo em Ani. Melitene
foi retomada em 935.
A ameaça bizantina facilitou o desenvolvimento na Síria
do Norte e na Mesopotâmia de dinastias árabes. Assim
cresceu a tribo dos Taghlibidas, de implantação pré-islâ
mica, dominada pelos Hanidânidas: na primeira metade
152
O mundo muçulmano sob os Abássidas
Aspectos doutrinais ■
153
Ismael, bruscamente subtraído ao mundo. Mas enquanto
se aguardava o seu regresso como mahdi, podiam revelar-
-se imãs - de ascendência, por vezes, pouco clara - a alguns
iniciados, mantendo assim pequenos agrupamentos. Mal
conhecido nos seus primeiros desenvolvimentos e muito
complexo na sua doutrina, o movimento ismaeliano era
sustentado por organizações secretas de missionários ou
du’ât, que asseguravam uma propaganda frequentemente
eficaz. Assim, no final do séc. ix a doutrina ismaeliana
encarnou-se em dois movimentos: os Carmatas, que per
turbavam a vida do Iraque, e, sobretudo, os Fatímidas de
Ifriqíya. Ubayd Allah fora precedido no Magrebe por um
Da’i (pl. du’ât): «o que ape da’i e os califas, que se instalaram numa residência signi
la». Designa os propagandis ficativamente chamada al-Mahdiya, consideravam-se os
tas duma doutrina. esperados mahdis.
Instabilidade política ■
155
Em 936, o governador do Iraque, Ibn Râ’iq, recebeu,
Emir al-umará: ver p. 149. com o cargo de emir al-umarâ’ (comandante-chefe do exér
cito), a responsabilidade pela administração financeira e
a manutenção da ordem no conjunto do Império. Este
facto é novo. Assinala nitidamente o poder do elemento
militar na corte e sublinha a decadência do califado, desde
então limitado a funções religiosas e representativas.
Durante uma dezena de anos, diversos governadores
ocuparam esse posto, numa desordem crescente. Mas, em
945, o título de emir al-umarâ ’ foi assumido por um buída
que tinha conseguido entrar em Bagdade. A situação, em
si, não parecia nova, com a diferença, importante, de que
os Buídas eram xiitas e que o seu poder se estendia não
só sobre o Iraque mas também sobre o Irão Ocidental.
Um novo conjunto territorial era assim criado.
■ Os Buídas
156
O mundo muçulmano sob os Abássidas
do iqtâ’ sistemática no Iraque. Entretanto, qualquer que Sobre o sistema do iqtâ’, ver p. 152.
Os Fatímidas ■
157
-Azhar. O seu objectivo era o estabelecimento do xiismo
no mundo muçulmano pela eliminação do califado abás-
sida de Bagdade, o que determinou neles um verdadeiro
imperialismo. Embora xiitas, os Buídas não reconhece
ram as suas pretensões.
Procedente do Cairo, um verdadeiro exército de mis
sionários, dirigidos por um dâ’i al-du’ât, esforçou-se, no
mundo abássida, por convencer os sunitas e unir os xii
tas. No próprio Egipto, os Fatímidas deram, entretanto,
provas de realismo. A sua atitude para com os sunitas osci
lou entre a tolerância e a perseguição. Os cristãos parti
cipavam na vida económica do país e ocupavam altas fun
ções. O mesmo se passava com os judeus, como o atestam,
no que respeita às suas actividades bancárias, os documen
Geniza: termo hebraico, de tos encontrados na Geniza do Cairo.
signando um lugar onde es
tavam depositados os escritos Expansão. A expansão territorial foi igualmente uma
em hebreu susceptíveis de con
ter o nome de Deus. Trata-se,
preocupação dos Fatímidas. Entre 970-971 colocaram sob
neste caso, do arquivo de uma seu controle Meca e Medina. Mas a grande questão era
sinagoga. sobretudo a dominação da Síria, que se interpunha entre
eles e Bagdade. Em 970, conseguiram ocupar Damasco,
Ver p. 119. mas defrontaram-se com a reconquista bizantina, ani
mada especialmente por João Tzimístis, e com as divi
sões árabes. Na África do Norte, tinham praticamente
renunciado a qualquer expansão, deixando a Ifriqíya aos
Ziridas que romperam com eles em 1051. Conseguiram
estabelecer indirectamente a sua autoridade sobre o
Iémen. Mas, em definitivo, os sucessos alcançados foram
modestos.
158
O mundo muçulmano sob os Abássidas
159
Sobre o califado abássida: os trabalhos recentes mais
importantes são em inglês: M. A. SHABAN, citado na pág. 13;
J. LASSNER, The Shaping of Abbâssid Rule, Princeton Univ.
Press, 1980; R. MOTTAHEDEH, Loyalty and Leadership inEarly
Islamic Society, Princeton Univ. Press, 1980; H. KENNEDY,
The Early Abbâssid Caliphate. A Political History, Londres,
1981; P. CRONE, M. HiNDS, God’s Caliph. Religious Authority
in theFirst Centuries oflslam, Cambridge Univ. Press, 1986.
O mesmo se passa quanto ao estudo do exército e do
seu papel político: P. CRONE, Slaves on Horses. TheEvolution
of the Islamic Polity, Cambridge, 1980; D. PlPES, Slaves Soldiers
and Islam: the Genesis of a Military System, Yale Univ. Press,
1981.
Sobre a administração abássida: deverão consultar-se
os numerosos artigos da E. I./2 (cit. pág. 12): Bayt al-mâl,
Díwân, Iktâ, Kâtib, etc., assim como os trabalhos de D. SOUR-
DEL, Le Vizirat à Vépoque abbâsside, 2 vols., Damasco, 1959-
-1960; e Gouvemement et administration dans VOrient islami-
que jusqu’au milieu du XIe siècle, Leyde, 1988.
Sobre os aspectos regionais: a bibliografia é muito
abundante. Refiram-se em primeiro lugar os artigos da E.
I./2 (cit. pág. 12): Andalus, Ifríqiya, Iran, etc., e as obras
citadas na pág. 14. Entre os trabalhos recentes, quanto ao
Irão, E. L. DANIEL, The Political and Social History of Khurâsân
under Abbâssid Rule: 748-829, Minneapolis-Chicago, 1979;
R. W. BULLIET, The Patricians of Nishapur. A Study in medie
val islamic social History, Cambridge, Mass., 1972; assim
como os artigos, em francês, de M. Rekaya, sobre os movi
mentos revoltosos (em Studia Iranica, 1973, Rivista degli
Studi Orientali, 1973-1974, Studia Islamica, 1984). Quanto
à Ifríqiya: M. TALBI, LÉmirat aghlabide, Paris, 1966. Quanto
à Hispânia: P. GuiCHARD, Structures orientales et occidentales
dans lEspagne musulmane, Paris, 1977; R. BARKAI, Cristianos
y Musulmanes en la Espana medieval (El enemigo en el espejo),
Madrid, 1984; Th. Glick, Islamic and Christian Spain in the
Early Middle Ages, Princeton, 1979. Quanto ao Egipto: o
estudo de Th. BlANQUIS sobre Al-Hâkim em Les Africains,
t. XI, Paris, 1978, e vários artigos (em Annales Islamologiques,
1972, Joumal of the Economic and Social History of the Orient,
1980, entre outros). Sobre a Síria: a tese de Th. BlANQUIS,
cuja publicação está em curso no Instituto Francês de
Damasco.
Sobre as relações com Bizâncio: ver as indicações gerais
da pág. 14 e, ainda, W. FELIX, Byzanz und die islamische Welt
in fruheren 11 Jahrhundert, Viena, 1981, e Y. LEV, «The
Fatimid Navy, Byzantium and the Mediterranean Sea, 909-
-1036», Byzantion, 1984.
^
160
10
A vida rural
(sécs. vni-xi)
Nos campos bizantinos, tal como nos do mundo muçulmano, este período é largamente marcado pela
continuidade. Não há qualquer revolução técnica, mas há uma larguíssima difusão geográfica das
técnicas antigas. O regime jurídico da propriedade, inalterado no mundo bizantino, instala-se no
mundo muçulmano sem modificar a sorte dos camponeses. Mas a principal diferença entre as duas
civilizações reside, sem dúvida, no facto de, em Bizâncio, o essencial das forças vivas estar nos cam
pos, enquanto que, no mundo muçulmano, os campos estão sob a dependência económica e social das
cidades. Em ambos os casos, no séc. xi, esboçam-se ou amplificam-se nos campos profundas mudan
ças sociais.
1. O trabalho da terra
No Império Bizantino ■
161
para qualquer proprietário de um curso de água ou de
um terreno que dela necessitasse. Daí a sua proliferação.
Os processos culturais são dominados pela oposição
entre a zona dos quintais e a das culturas de campo aberto.
Os quintais são valorizados com (poucas) práticas de ben
feitoria; encontram-se em cada exploração, por pequena
que seja; os seus produtos são necessários ao equilíbrio
das explorações, mesmo de alguma amplidão. Nas zonas
de campo aberto domina a cerealicultura, mas nelas tam
bém se vêem vinhedos e árvores de fruto. O dado de base
era o pousio: o modo de rotação das culturas é, no melhor
dos casos, bienal, apesar da presença importante de legu
minosas, que proporcionam um contributo nutricional
qualitativamente importante. A criação de gado pratica-
se em pastos naturais ou nas zonas de baldio na periferia
da aldeia.
162
A vida rural (sécs. viil-xi)
No mundo muçulmano ■
163
vastos territórios encontram-se justapostas zonas desérti
cas ou semidesérticas inaptas para qualquer povoamento
que não seja nômada e regiões que, geralmente pelo preço
de um laborioso trabalho humano sujeito a permanente
renovação, fazem figura de oásis. A altitude introduz, no
entanto, um elemento de variedade. O Império Muçulmano
mostra-se assim formado por uma série de núcleos de vida
sedentária fortemente povoados, separados por grandes
extensões praticamente vazias. Vida sedentária e vida
nômada são, pois, os dois aspectos complementares do
mundo rural muçulmano.
164
A vida rural (sécs. vni-xi)
165
A cana-de-açúcar implanta-se em todos os terrenos pla
nos, quentes e irrigáveis; dispendiosa, está organizada
como uma verdadeira cultura especulativa, nomeadamente
nos grandes domínios do Baixo Iraque. Importa ainda
referir todo um conjunto de plantas tintoriais e medici
nais, de plantas odoríferas, etc.
Assim, ao nível da produção, a agricultura muçulmana
não trouxe nem técnicas nem culturas novas. O seu grande
papel foi o de ter permitido a importação e a difusão das
técnicas e das espécies, geralmente de oriente para oci
dente, e o de provocar o fomento das culturas alimenta
res e industriais em ligação com o desenvolvimento urbano.
166
A vida rural (sécs. viii-xi)
2. A sociedade rural
No Império Bizantino ■
Análise vertical ■
167
exploração dos grandes domínios: os escravos são cada
vez mais reduzidos, movimento de que Leão VI é ao mesmo
tempo testemunha e promotor no séc. ix. Não obstante,
no século seguinte, o Tratado Fiscal prevê ainda o seu uso
nos proasteia, ao lado dos assalariados e parecos. Os cam
poneses das aldeias têm também um ou vários escravos,
que exercem simultaneamente as funções de criados de
quinta e de operários agrícolas.
168
A vida rural (sécs. vni-xi)
169
embora podendo não ter o mesmo sentido para o mag
nate e para o pequeno proprietário ou o pareço: a autar
cia. A exploração camponesa tem exclusivamente em vista
produzir o que lhe permitirá semear na estação seguinte,
renovar o seu gado e os seus instrumentos, alimentar a
família e o criado e pagar o imposto e, eventualmente, a
renda. Os excedentes produzidos são irrisórios e não per
mitem, tendo em conta o preço dos animais, dos utensí
lios e da mão-de-obra, aumentar a exploração para além
da redução imposta pela próxima partilha sucessória.
O camponês não deixará a sua condição camponesa por
meios económicos.
171
As novelas de Romano Lecapeno. A crise rebentou
alguns anos mais tarde, no reinado de Romano
Lecapeno. A causa imediata foi o terrível Inverno de
927-928, que arruinou um pequeno campesinato sem
reservas. Para comprarem produtos alimentares, que
atingiam preços consideráveis, os fracos vendiam as suas
terras a preços muito inferiores ao seu valor real: fre
quentemente por menos de metade. O imperador tomou
duas categorias de medidas. Primeiro, em 928, resta
beleceu o direito de preempção, alargando-o à comu
nidade aldeã enquanto tal, mas limitando-o a seis meses.
Esta disposição era insuficiente, porque os fracos não
tinham com que comprar as terras devolutas e as com
pras de 927-928 tinham introduzido amplamente os
poderosos nas aldeias; tinham-lhes mesmo permitido
adquirir aldeias inteiras. Em 934, Romano Lecapeno
adopta então medidas mais radicais. Para tentar repa
rar os prejuízos decorrentes do Inverno de 927-928,
ordena a restituição das terras compradas por menos
de metade do valor e a revenda ao antigo proprietário
pelo preço de compra das outras terras. Para o futuro,
proíbe aos poderosos a aquisição de terras nas aldeias
onde não detenham ainda propriedades, mas não nas
aldeias onde já estejam instalados.
O objectivo do imperador era claro: preservar a massa
dos contribuintes - os fracos são melhores pagadores do
que os ricos, demasiado ligados aos funcionários fiscais -
e o recrutamento dos exércitos dos temas. Mas a aplica
ção das medidas mostrava-se difícil. Por um lado, defron-
tava-se com a vontade dos camponeses que, arruinados,
esmagados pelos impostos, preferiam vender as suas ter
ras aos poderosos para, em seguida, as arrendarem
enquanto parecos; por outro, os que estavam encarrega
dos de as aplicar eram muitas vezes os mesmos contra
quem se dirigiam.
172
A vida rural (sécs. viii-xi)
173
sem totalmente desaparecido; mas eram então deveras
minoritários e já não podiam constituir a base do sistema
fiscal e militar. Este papel cabia agora à aristocracia fun
diária, militar e provincial, na qual tem origem e apoio a
dinastia dos Comnenos (1081-1185). O problema essen
cial já não era a apropriação por esta classe social das ter
ras dos fracos, mas o facto de ela se estar a apossar das
Charistiké: ver p. 263. terras da Igreja - pela charistiké - e das do imperador ou
Pronoia: ver p. 263. do Estado - pela pronoia.
■ Tentativa de explicação
m A
A vida rural (sécs. VHI-XI)
175
■ No mundo muçulmano
■ As realidades
178
A vida rural (sécs. vm-Xl)
Evolução ■
179
tância dos mercenários no exército. Inicialmente paga-
ram-lhes soldos, depois concederam-lhes qatâ’i. Mas o
termo das conquistas não permitia a renovação dos domí
nios do Estado, e os califas recorreram a novas soluções:
Sobre o iqta’, ver p. 152. a outorga de iqtâ\ Esta concessão, de um novo tipo, em
nada modificava a propriedade do solo, nem tinha tão-
-pouco carácter hereditário, pelo menos a princípio.
As consequências, porém, foram graves para o mundo
rural. Desenvolver-se-iam sobretudo a partir do séc. XI.
E que se os militares não se tornavam proprietários de
terras, eles encontravam-se numa posição que, por inter
médio da taldjVa, lhes permitia sem dificuldades aumen
tar os bens próprios, quando os possuíam. Além disso,
estes novos donos do imposto preocupavam-se sobretudo
com extrair o máximo das respectivas concessões. Na prá
tica também se atenuou a diferença entre terras de kha-
râdj e terras de dízima: o concessionário beneficiava, na
verdade, da diferença entre o kharâdj recebido e a dízima
paga. Aliás, rapidamente os militares conseguiram até dei
xar de pagar essa dízima, preocupando-se sobretudo com
tirar o máximo de rendimentos da sua iqtâ9, antes de pas
sarem a exigir e de obterem uma nova. Com igual rapi
dez, a miséria camponesa desenvolveu-se, na mesma altura
em que as agitações políticas e religiosas perturbavam gra
vemente a infra-estrutura da economia agrícola no Iraque,
na Ifriqíya e no Irão. Subexplorações e terras incultas mul
tiplicaram-se, dado o pouco interesse dedicado pelos gran
des proprietários militares às questões rurais.
Estas observações permitem afirmar que, na história
da terra e dos homens do Próximo Oriente tanto bizan
tino como muçulmano, o verdadeiro corte se situa nos
sécs. X e XI, quando desaparece um pequeno campesinato
livre e se afirma o poder dos grandes proprietários. As mais
recentes investigações na história ocidental tendem às
mesmas conclusões e apontam para que se situe cerca do
ano 1000 a passagem de uma economia rural de tipo
antigo a uma economia propriamente medieval dominada
pelos poderosos.
180
A vida rural (sécs. VHI-Xi)
181
Age, Genebra, 1974; L. BOLENS, Agronomes andalous du
Moyen Age, Genebra, 1981. Sobre o Egipto: ver o estudo
de D. MULLER-WODARG em Der Islam, 31 e 32, assim como
C. PELLAT, Cinq Calendriers égyptiens, Le Caire, 1986. Sobre
o Iraque: Mac Adams, Lands behind Bagdâd, Chicago-
-Londres, 1959.
Sobre os camponeses e o seu estatuto: A. K. S. LAMBS-
TON, Landlords and Peasants in Pérsia..., Oxford, 1953; os
artigos «Iktâ’» e «Kharâdj» em EI/2, citado p. 12; A. POPO-
VIC, La Révolte des esclaves en Iraq au IIF-IX* siècle, Paris,
1976, assim como as obras citadas p. 89.
182
11
O comércio e a vida urbana
(sécs. viii-xi)
Este período é marcado por uma nítida retoma do comércio e da vida urbana no mundo bizan
tino e uma importante expansão no mundo muçulmano. Num e noutro caso, o excepcional desen
volvimento de certas cidades e o adensamento do tecido urbano não devem fazer esquecer que a
terra permanece como a principal riqueza e que uma parte esmagadora da produção continua a
provir dos campos. Do séc. viu ao séc. XI, o comércio e a actividade urbana ocupam no império
bizantino um lugar mais importante do que, na mesma época, no Ocidente, mas menor do que no
mundo muçulmano, mais fortemente urbanizado. Não se deve, no entanto, exagerar o peso dos sec
tores secundário e terciário na economia bizantina, onde uma parte esmagadora da produção con
tinua a ser de origem rural, nem a posição dos grupos sociais que vivem em maior ou menor grau
dessas actividades urbanas.
183
Nomisma (ou solidus) dutos necessários à vida dos camponeses. Não fornecendo
o artesanato rural certos têxteis, a cerâmica, os instru
mentos metálicos, os camponeses iam procurá-los nas fei
ras da sua província, algumas das quais muito importan
tes, como as de Efeso e Tessalonica que se efectuam por
ocasião das festas dos seus santos patronos, João e Demétrio.
As vidas dos santos testemunham efectivamente a espan
tosa mobilidade da população rural e a incontestável atrac-
ção exercida pela cidade. A prática do comércio pelos
camponeses é tornada obrigatória pela fiscalidade bizan
tina, quase integralmente monetária: o camponês pro
Emitida no reinado de Leão VI (886- prietário, e mesmo não proprietário, sujeito a impostos
-912), esta moeda de ouro representa:
no verso, a Virgem (Maria MPOI); no pessoais e ao pagamento de serviços públicos, é obrigado
anverso, o basileus Leão (Leão no Cristo, a destacar da sua produção um certo excedente comer-
basileus dos Romanos).
cializável. O comércio de base - o do trigo - é bem descrito
pelo historiador Ataliata, numa região onde ele próprio
era proprietário - a de Rodosto, na Trácia. Os proprie
tários rurais que moram na cidade, certamente os mais
ricos, vendem-no na sua casa; os habitantes dos campos
carregam o trigo em carroças e é nelas que o vendem.
Não há verdadeiramente um mercado central, passando
os compradores de uma casa ou de uma carroça para
outra. Uns são consumidores directos, como os mosteiros
e as igrejas, outros são armadores que, em seguida, vão
vender esse trigo em Constantinopla.
■ As rotas
184
O comércio e a vida urbana (sécs. VIII-XI)
185
■ Os produtos
186
O comércio e a vida urbana (sécs. vin-xi)
187
A expansão religiosa que acompanhou a expansão
militar para o mundo das estepes e das florestas do Norte
alargou ainda mais as oportunidades comerciais do
mundo muçulmano. O Magrebe começava a estabelecer
relações com o mundo negro enquanto, na Hispânia e
na Sicília, se entabulavam contactos com o Ocidente,
para além dos confrontos militares. O islão dominava
assim vastos territórios e controlava as suas ligações em
numerosas direcções.
189
■ As técnicas
190
O comércio e a vida urbana (sécs. Vlll-Xl)
191
que a organização era, grosso modo, a mesma nas gran
des cidades do Império.
O Livro do Eparca regista vinte e duas corporações de
artes e ofícios que podem ser assim classificados: serviços
públicos (notários, banqueiros, cambistas, construção),
ofícios da seda (seis profissões diferentes) e ofícios de pri
meira necessidade, designadamente do ramo alimentar.
O exemplo mais digno de apreço é o dos notários. Para
se ser notário, é preciso passar num exame jurídico e prá
tico, prestar juramento, ser apresentado ao Eparca que
designa os postulantes. Realiza-se então um ofício reli
gioso, depois uma festa. Todos assistem ao enterro de
qualquer um dos vinte e quatro confrades. Estão previs
tos honorários, punições, casos de destituição. Os regu
lamentos fixam, por vezes, o lugar de exercício da activi-
dade e o lucro lícito em função do preço da matéria-prima;
estabelecem sempre - e é esse o seu objectivo essencial -
protecções contra o roubo, a concorrência desleal, a fraude
sobre a qualidade e a especulação.
192
O comércio e a vida urbana (sécs. vin-xi)
193
não ter gerado penúria em Constantinopla, como tinha
acontecido trinta anos antes, o que mostra que esse celeiro
de trigo não era único e que o Império podia encontrar
noutras províncias, nomeadamente na Trácia e na Ásia
Menor, fontes alternativas de abastecimento. Contudo, o
trigo continua a chegar do Egipto e da Síria. Leão V virá
a proibir este comércio e o imperador Teófilo (829-842)
descobriu que sua mulher Teodora continuava a impor
tar trigo da Síria e tinha mesmo estabelecido um mono
pólio que privava os mercadores do seu legítimo rendi
mento. O exemplo mais célebre de monopólio do comércio
do trigo foi o estabelecido em Rodosto pelo favorito de
Miguel VII (1071-1078), Nicefórice. Anteriormente, a liber
dade de troca era o regime normal; o monopólio per
turba este comércio, constrange os detentores de trigo
que o poderiam fazer a não venderem, provoca um enca
recimento considerável e a falta do produto; na primeira
ocasião, a multidão destruiu o entreposto (phoundax), sede
do monopólio. E certo que o preço do pão é regula
mentado segundo o custo do cereal, mas é uma regulamen
tação com um alcance exclusivamente político, procurando
evitar os motins causados pela fome.
Em última análise, com excepção da seda, o Estado
não regula, para nenhum ofício, as quantidades produzi
das ou comercializadas. Quanto aos preços, apenas limita
os lucros nascidos da especulação. A economia urbana
bizantina é regulamentada em certos sectores bem preci
sos, sendo que o objectivo da regulamentação é garantir
a percepção do imposto e a livre concorrência. Não é, de
modo algum, uma economia dirigida.
194
O comércio e a vida urbana (sécs. vm-xi)
195
ridade que os controlava, mas não parece, no actual estado
dos conhecimentos, que tenha havido verdadeiras cor
porações profissionais. Nenhum dos agrupamentos de
facto, cuja existência se constata nas cidades, tinha base
profissional.
■ A aristocracia
■ A burguesia
196
O comércio e a vida urbana (sécs. vui-xi)
Os artesãos e lojistas ■
197
lado exterior dos pórticos. Loja e bancos têm, com fre
quência, o mesmo proprietário, mas o comércio dos ban
cos é muitas vezes diferente da actividade do ergastérion.
199
No princípio do reinado de Aleixo I (1081), não contém
mais do que 36% de ouro; o mesmo no que toca ao mil-
liarésion de prata. Dez anos mais tarde, Aleixo restabelece
um sistema baseado em um nomisma, dito hiperpero, com
90% de ouro e caracterizado pela abundância das moe
das divisionárias. A desvalorização começa com a terceira
emissão de Monómaco e prossegue de maneira quase con
tínua até ao final do reinado de Constantino X (1068);
em vinte e cinco anos, atingiu somente 16% (taxa anual
inferior a 0,7%). Permanecendo rigorosa a política fiscal
destes imperadores e não estando os cofres do Estado mais
vazios do que habitualmente, a desvalorização explica-se,
pelo menos em parte, pela insuficiência da massa mone
tária relativamente às necessidades, isto é, numa época
em que os preços são estáveis e em que a velocidade de
circulação da moeda pouco evolui, pelo aumento das mer
cadorias trocadas.
Este desenvolvimento comercial permitia uma expan
são da burguesia constantinopolitana. Todavia, a expan
são não foi suficiente para tornar a burguesia indispen
sável. Quando Aleixo I Comneno toma o poder em 1081,
os seus adeptos desencadeiam a caça aos novos senado
res para os humilhar. O imperador decreta que a quali
dade senatorial é incompatível com o exercício das acti-
vidades mercantis e impõe aos interessados que escolham
entre a sua pertença ao Senado e a sua actividade eco
nómica.
Os mercadores foram assim afastados da aristocracia.
O crisobulo outorgado aos Venezianos em 1082 enfra
quece, aliás, a sua posição económica. A burguesia cons
tantinopolitana não tinha atingido no séc. xi a massa crí
tica que a tornaria indispensável e que teria permitido o
desenvolvimento de um mercado urbano independente
da aristocracia fundiária e militar, dotado da sua própria
lógica económica.
■ A cidade muçulmana
200
O comércio e a vida urbana (sécs. vni-xi)
201
centro industrial com os seus arsenais, intenso foco inte
lectual e religioso, domina uma rica região de cana-do-
-açúcar e de tamareiras. Os problemas que aí se levanta
ram por ocasião da revolta dos Zandj traduzem a influência
que Baçorá exercia sobre toda essa vasta zona. Assim, pas-
sara-se da original função política e militar para uma fun
ção económica diversificada, que se repercute largamente
nas actividades do espaço rural envolvente; de uma cidade
de povoamento exclusivamente árabe a uma cidade cos
mopolita, tanto do ponto de vista étnico como do reli
gioso. Entretanto, o carácter muçulmano da cidade man
teve-se, e até se ampliou, em resultado do desenvolvimento
dos diversos ramos do saber a partir das investigações con
duzidas em torno do Alcorão. A personalidade e a obra
do grande prosador al-Djâhiz (nascido em Baçorá em 776
e aí falecido em 869) ilustram o advento da cidade como
foco cultural.
■ Grupos urbanos
A rede urbana ■
203
regiões da Mesopotâmia, do Irão, do Egipto e do Magrebe
permaneciam fundamentalmente rurais e que muitas cida
delas fundadas por um príncipe depressa se desfaziam em
ruínas e eram reabsorvidas pelo deserto. Os vestígios de
Samarra e dos castelos do deserto sírio, ou ainda as ruí
nas de Razni e de Lashkari Bâzâr nos vales do Hindu Kush,
oferecem grandiosos testemunhos disso.
Um prodigioso desenvolvimento urbano caracteriza
assim o mundo do islão. Entre cidades herdadas e cida
des criadas, as diferenças esbatem-se com o correr do
tempo. A níveis diversos, encontram-se nelas as mesmas
funções. Meios de comunicação tecem entre si uma autên
tica teia. Os califas copiaram dos Bizantinos e dos Sassânidas
Baríd: serviço oficial dos cor o sistema da posta pública, cujo serviço ou baríd ê um dos
reios e informações. mais importantes do califado. Mais de novecentas e trinta f
Khân: caravançarai composto mudas, distantes entre si de 12 a 24 quilómetros, margi- í
normalmente de um extenso
pátio quadrado, fechado e for nam as estradas. As obras dos primeiros geógrafos, como |
tificado, que serve de pousa Ibn Khurdâdhbâh, dão testemunho da sua importância. |
da às caravanas. Nestas estradas, a carroça é cada vez mais substituída pelo |
camelo, que revoluciona a economia viária porque é «o I
animal mais rápido, mais confortável, melhor adaptado à |
travessia de grandes espaços sem água». A estrada é, assim, |
sobretudo uma pista, uma via caravaneira, bordejada de 1
caravançarais ou khâns. |
I
O tecido urbano não tem em toda a parte a mesma den
sidade, em resultado das tradições regionais e das escolhas |
políticas. Deve-se, aliás, relativizar a amplidão da urbani- |
zação. Determinadas regiões, como a Síria, estavam já muito I
urbanizadas e o islão nada lhes trouxe de novo. Certas cida- |
des, como Samarra, apenas tiveram uma importância pro- |
visória, outras somente deveram o seu desenvolvimento à |
Bagdade: a cidade começou ruína de urbes antigas: Bagdade suprimiu Ctesifonte, Cairuão |
por ser concebida como uma eliminou Cartago, Alepo enfraqueceu Antioquia. j
capital política: os edifícios da
administração dispõem-se em
círculos concêntricos em tomo
Iraque. A Mesopotâmia é uma região de criação de |
do palácio califal e da grande cidades: os primeiros califas fundaram Baçorá, Cufa, mais |
mesquita. O conjunto é en tarde Wasit, na margem árabe do Eufrates, nas rotas para |
volvido por uma muralha cir a Arábia e a Síria. Os Abássidas criaram Bagdade e, pos- f
cular aberta por quatro por teriormente, Samarra. Ligadas ao califado, as cidades do |
tas na extremidade das quatro
grandes ruas da Cidade Re Iraque decaíram com ele, a começar pela capital, Bagdade. |
donda. Por medida de segu Coração de um império centralizado, Bagdade está loca- |
rança. comércio e artesanato lizada numa encruzilhada. A cidade foi implantada sobre j
foram rejeitados para o exte o Tigre - cujo curso inferior, pantanoso e impróprio para f
rior e estabeleceram-se a sul,
no subúrbio de al-Karkh. Uma
a navegação, soube evitar na junção do canal navegá- M
ponte de barcas permitia a tra vel que liga o rio ao baixo Eufrates. Aí se cruzam as rotas:
vessia do rio. tendo-se criado fluviais para o baixo Eufrates e o golfo Pérsico, para o alto H
na margem esquerda um bair Tigre e a Arménia; terrestres para a Síria, a Arábia e o
ro residencial onde os califas
Irão. No séc. ix era provavelmente a maior cidade do llj
não demoraram a edificar pa-
í lácios. Ver mapa p. 396 C. mundo, com uma população que se contava por ceiUfe-i^ÉM
nas de milhar.
204
O comércio e a vida urbana (sécs. vin-xi)
205
rodeada por outros centros urbanos: al-Raqqâda, a sudoeste,
onde os Aglábidas se puseram ao abrigo dos Cairuaninos,
e al-Mansúriyya, criada pelos Fatímidas com o mesmo fim.
Na costa, Tunes, fundada como arsenal, cresce a partir
de um antigo arrabalde de Cartago, Tynés. No outro
extremo do Magrebe, onde ainda se poderia citar Táhert,
os velhos centros romanos apagam-se perante Fez, povoada
por Cordoveses e Cairuaninos.
206
O comércio e a vida urbana (sécs. vni-xi)
207
laires et autonomisme urbain dans 1’Asie musulmane au
Moyen Age», Arabica, 1958 e 1959; P. Chalmeta, El Senor
dei Zuoco en Espana, 1975; S. D. Goitein, «The Rise of the
Near-Eastern Bourgeoisie», Cahiers d’Histoire mondiale, 1957;
S. SABARI, Mouvements populaires à Bagdad à 1’époque abbâs-
side, IXe-XT siècles, Paris, 1981.
208
12
Os novos aspectos
do mundo oriental
e a viragem do séc. xi
No séc. XI, o alargamento da zona de influência religiosa de Bizâncio no mundo eslavo não bas
tou para compensar a incompreensão e - mais do que isso - a hostilidade manifestadas pelo Ocidente
a seu respeito, nem as ameaças que recaem sobre o seu território: Constantinopla é cercada pelos Russos
e a Asia Menor conhece as primeiras investidas dos nômadas turcos que aí acabariam por se insta
lar duradouramente. E, no entanto, no mundo muçulmano que se operam as transformações mais
profundas: Turcos seljúcidas e Berberes almorávidas criam novos conjuntos territoriais. E se a con
quista turca, em si, não apelava à cruzada, a intransigência dos Almorávidas endureceu na Hispânia
a vontade de reconquista dos Cristãos. Entretanto, para Bizâncio, já atacada a leste e a norte, mais
do que para o mundo muçulmano, reorganizado e reforçado na sua ortodoxia, a expansão nascente
do Ocidente cristão seria marcada por um nítido recuo.
Constantinopla e Roma ■
209
e linguístico. Desde logo se abre a disputa entre as duas
Romas, que tentam controlar a jurisdição dessa região,
aproveitando-se de acontecimentos políticos e religiosos.
211
O único ponto de contacto entre os dois mundos con
tinuava a ser a Itália Meridional, onde ombreavam bispa
dos e mosteiros das duas obediências. Acresce que, desde
a chegada dos Normandos em 1018, os interesses políti
cos do papa e do imperador bizantino coincidem nova
Conclusão da bula de excomunhão mente. Mas Roma tenta controlar religiosamente a Itália
de 16 de Julho de 1054 do Sul; o seu governo está nas mãos de homens como
♦ «Que Miguel o neófito, que abu
Leão IX (1047-1054) e o cardeal Humberto, originários
sivamente ostenta o título de patri
arca e que apenas um temor huma da Lorena e muito distantes das preocupações bizantinas.
no levou a vestir o hábito monástico, Assim, estes condenam o título adoptado pelo arcebispo
actualmente exposto às mais gra de Constantinopla de patriarca ecuménico: o título quer
ves acusações provenientes de nu dizer patriarca do Império - o que corresponde à reali
merosas pessoas, e com ele Leão
que se diz bispo de Ocrida e o
dade bizantina mas os Ocidentais entendem «ecumé
chanceler de Miguel, Constantino, nico» como «universal» - o que é o seu significado lite
que calcou a seus pés o sacramen ral.
to dos Latinos, e todos os que os
seguem nos seus erros e afirmações Em 1053, o papa e os Bizantinos - apesar de tudo alia
temerárias, sejam anátemas Mara- dos tinham sido batidos pelos Normandos, separada
natas juntamente com os simonía- mente, em dois locais diferentes da Itália do Sul. O reforço
cos, os valentinianos, os arianos, os
donatistas, os nicolaítas, os severi- da aliança e o estabelecimento de uma estreita coorde
anos, os teomantes, os maniqueus nação entre os exércitos eram, pois, necessários para tra
e os nazoreus, e com todos os he var o avanço normando.
réticos; mais, com o diabo e todos
os seus anjos; a menos que se retra A chegada a Constantinopla, em 1054, de uma dele
tem publicamente. Amen! Amen! gação romana encabeçada por Humberto para negociar
Amen!» ♦ a aliança anti-normanda, após os fracassos militares de
1053, deu ocasião à querela entre Humberto e Cerulário;
o tom sobe rapidamente, sobre temas perfeitamente meno
res. Em 16 de Julho de 1054, Humberto deposita no altar-
-mor de Santa Sofia uma carta excomungando Cerulário.
Isto desencadeia um verdadeiro tumulto que o Imperador
é incapaz de conter. PÕe em fuga os legados do papa,
que um sínodo excomunga. Cerulário declara-se mais inde
pendente de Roma do que nunca.
Não se deve, entretanto, exagerar o alcance dos acon
tecimentos de 1054 entre o legado de um papa defunto,
portanto não mandatado, e um patriarca irascível. As fon
tes narrativas da época são quase mudas sobre o caso e o
«cisma» só será sentido como tal após 1204. Mas o pró
prio conteúdo da querela mostra a que ponto de incom
preensão se tinha chegado.
212
Os novos aspectos do mundo oriental e a viragem do séc. xi
213
dade constantinopolitana. Esta não sobrevive, porém, aos
conflitos entre Bizâncio e os Búlgaros, cujos czares são
impelidos a afirmar a independência do seu arcebispado:
Samuel (969-1014) proclama-o mesmo como patriarcado,
portanto totalmente fora do controlo constantinopolitano.
A conquista da Bulgária por Basílio II, se é certo que
suprime o patriarcado, não deixa de manter o carácter
próprio da Igreja búlgara. O arcebispo de Ocrida con
serva uma certa independência. Assim nascia uma das pri
meiras Igrejas nacionais.
■ Bizâncio e os Russos
214
Os novos aspectos do mundo oriental e a viragem do séc. xi
215
em geral, gregos. A influência bizantina faz-se sentir tam
Sobre o sistema monetário bém sobre a moeda. As primeiras unidades datam do
bizantino, ver p. 183.
tempo de Vladimir e são imitações das dos imperadores,
seus cunhados; são cunhadas no Estado de Kiev, de modo
deficiente.
Entretanto, a partir de meados do séc. XI, afrouxam as
relações entre Constantinopla e o Estado russo, cada vez
mais eslavizado, e cujo centro de gravidade se desloca para
nordeste. O último ataque russo conhecido data de 1043.
A chegada de novos invasores - Cumanos e Pechenegues
- torna difícil a rota do Dniepre. Não obstante, Benjamin
de Tudèle, na segunda metade do séc. xn, ainda encon
tra mercadores russos em Constantinopla. A influência
bizantina continua a exercer-se na Rússia através da reli
gião. Manuel Comneno recebe ainda apoio político dos
Russos. E em 1350, o grão-duque de Moscovo envia fun
dos para restaurar Santa Sofia.
2K
Os novos aspectos do mundo oriental e a viragem do séc. xi
217
Sem deixar de reconhecer a autoridade dos Samânidas
de Bucara, começou a alargar os seus domínios. O apo
geu seria atingido com Mahmúd de Razni (999-1030),
personalidade que dominou esta dinastia. A sua expan
são voltou-se sobretudo para o Norte da índia, mas os
Raznévidas ficaram-lhe a dever a sua imposição aos
Samânidas, ameaçados na mesma altura pelos Turcos
Carluques. Em condições ainda mal conhecidas, estes
tinham, de facto, assegurado o controle sobre a bacia
do Tarim. Aliados aos Raznévidas, conseguiram vencer
os Samânidas no princípio do séc. xi, partilhando o
seu território: os Carluques, a partir de então conheci
dos por Caracânidas, ocuparam a Transoxiana, tendo
Mahmúd ficado com toda a região a sul do Amudária.
Assim, nos primeiros anos do séc. xi, toda a parte
extremo-oriental do mundo muçulmano se achava colo
cada sob o controle de duas dinastias turcas, converti
das ao islão, mas apresentando características bem dife
rentes.
218
Os novos aspectos do mundo oriental e a viragem do séc. xi
219
A partir de 1040, os chefes seljúcidas, que usavam o
título de begs, procederam a uma partilha geográfica:
Changri ficou com o Jurassã e as suas dependências orien
tais e Tughril recebeu tudo o que pudesse conquistar a
ocidente.
221
A dinastia, de origem turca, não rompeu totalmente
com as suas origens e certos costumes. O aspecto mais
importante é, sem dúvida, a manutenção da ideia de que
o poder deve ser familiar, partilhado pelos membros da
família sob a autoridade do mais velho. A instituição da
tughra não implica mudança administrativa: trata-se de
sinais que autenticam os escritos do sultão. Comportavam
provavelmente, a princípio, o desenho, de inspiração turca,
de um arco e flechas, que posteriormente se estilizou.
Os sultões instituíram igualmente atabaques, chefes mili
tares encarregados de velar pela educação dos jovens prín
cipes.
222
Os novos aspectos do mundo oriental e a viragem do séc. xi
3. Os Almorávidas e a emancipação
do Ocidente muçulmano
223
■ A fragmentação do Ocidente muçulmano
224
Os novos aspectos do mundo oriental e a viragem do séc. xi
225
das suas retumbantes vitórias sobre os cristãos. Era aliás
na Península Ibérica que o sunismo mantinha todo o seu
prestígio, perante a preponderância xiita no Oriente.
Entretanto, a partir de 1010, a unidade andaluza desapa
receu no meio das rivalidades que opuseram os diferen
tes grupos étnicos que compunham o exército. O último
califa desapareceu em 1031, enquanto se criavam peque
nos estados locais, os reyes de taifas. Esta situação de frag
mentação política não excluía entretanto a manutenção
do brilho cultural e artístico da Hispânia muçulmana, mas
favorecia consideravelmente a reconquista cristã a partir
dos estados cristãos do Norte.
226
'ir
Os novos aspectos do mundo oriental e a viragem do séc. XI
227
13
A vida intelectual e artística
do Próximo Oriente
■ O ensino
228
A vida intelectual e artística do Próximo Oriente
229
E Mavropos quem está na origem do renascimento uni
versitário. Pessoas interessadas pela cultura, designada
mente um imperador - Constantino Monómaco - finan
ceiramente compreensivo e que se esforça por recrutar
bons funcionários para uma escola jurídica, possibilitam
a criação de uma Universidade de Direito. A faculdade é
dotada de uma biblioteca, de edifícios próprios e de pro
fessores assalariados. Os estudos são gratuitos e permitem
obter um diploma.
O maior espírito da época, Pselo, que recebeu o título
pomposo de «cônsul dos filósofos», conseguiu durante
muito tempo fazer crer que a Universidade compreendia
também um ensino literário, de que ele próprio teria sido
o grande mestre. De facto, trata-se da elevação do nível
de estudos na escola de São Pedro, dirigida por Pselo e
Nicetas o Gramático, cujo corpo docente era constituído
por maistores idênticos aos demais. Está-se longe da uni
versidade da Magnaura.
230
A vida intelectual e artística do Próximo Oriente
231
Com Constantino Porfirogeneta, aborda-se a compo
sição das enciclopédias. O próprio Imperador redigiu as
que têm uma temática política. Além da vida de Basílio I,
conhecem-se dele três obras muito importantes: o «Livro
das Cerimónias» expõe o cerimonial da Corte, a liturgia
imperial; o «Livro dos Temas» descreve os temas que então
existiam, com a sua história; o «Livro da Administração
do Império» é uma obra dedicada ao filho, para lhe ensinar
as relações com o estrangeiro. Para estes três trabalhos, o
Imperador utilizou os arquivos do Palácio, essencialmente
relatórios de funcionários. O «Livro das Cerimónias», no
entanto, está escrito numa linguagem mais corrente.
A enciclopédia toca em todos os domínios. Encontra-
-se, assim, uma enciclopédia rural - os Geopónicos; uma
enciclopédia militar, agrupando os estrategos da Anti
guidade e da época bizantina e, à parte, as considerações
tácticas desse soldado de salão que era Leão VI. O mais
belo florão deste enciclopedismo era, aos olhos dos
Bizantinos, a enciclopédia lexicográfica, a Souda. Esta uti
liza menos os próprios autores do que as compilações pre
cedentes. Comporta vários milhares de artigos, indo do
simples sinónimo a uma página inteira de explicações;
contém tanto a explicação de palavras raras, como ensi
namentos gramaticais e informações sobre pessoas, luga
res, instituições ou noções. Trabalho antes de mais his
tórico e literário, a Souda é também uma colectânea de
provérbios e um dicionário de citações, para uso das gen
tes cultivadas.
232
A vida intelectual e artística do Próximo Oriente
A evolução artística ■
233
mente sustida por um quadrado do que por um rectân-
gulo, porque a passagem do redondo ao rectangular
implica um número elevado de resistências para trans
mitir o esforço. Daí o aparecimento do plano em cruz
grega, isto é, de uma cruz de ramos iguais e ortogonais,
cujas abóbadas e arcos acolhem perfeitamente o esforço
da cúpula central. O melhor exemplo é a Néa construída
por Basílio I.
A igreja do mosteiro de Daphni Esta passagem para a cruz grega é acompanhada por
duas evoluções importantes. Primeiro, na distribuição do
espaço interior. O diakonikon, capela onde se reunia o
clero antes do começo do ofício, e a prothésis, onde o clero
ia buscar o Sacramento, aproximam-se da abside central
e comunicam com esta; o altar, que era projectado para
muito longe na nave na época protobizantina, é atraído
para a abside. O todo depressa passa a ser precedido de
um véu, e posteriormente de um tabique móvel, a ico-
nóstase, que separa o clero celebrante dos fiéis: a missa é
celebrada atrás do tabique, fora dos olhares da massa dos
fiéis. Torna-se um assunto de especialistas, que se distin
guem cada vez mais do povo cristão. As igrejas marcam
assim a distância que se cava entre o clero e os leigos.
A segunda evolução é a considerável redução da dimen
são das igrejas, o que aliás torna mais fáceis as soluções
Segundo o Guide bleu Grèce arquitectónicas. A maior parte das catedrais foi construída
entre os séculos iv e vi e mantêm-se em funcionamento.
As novas igrejas edificadas após o séc. Viu são fundações
privadas, e não já edifícios públicos erguidos pelas cida
des. São feitas à medida das fortunas privadas que as finan
ciam, as quais se preocupam mais com a riqueza da deco
ração do que com as dimensões de um templo de onde
os fiéis são pura e simplesmente excluídos, seguindo a
Nártice: espécie de átrio, por missa do nártice, ou seja, de fora.
vezes fechado, que precede a
porta que dá acesso ao santuá
A decoração. Os progressos são mais sensíveis e rápi
rio.
dos neste domínio, tendo nisso o iconoclasmo, por defi
nição, uma grande influência já que tem em vista as repre
sentações. Esta influência é mais nítida nos meios oficiais
do que nas províncias e entre os monges que se manti
veram iconólatras. O séc. viu e a primeira metade do séc. ix
vêem, pois, acentuar-se um corte entre a arte oficial de
um lado e a arte popular do outro, embora a influência
oriental seja sensível em ambas.
A arte oficial (palácios, igrejas iconoclastas) inspira-se
Anicónicas: diz-se das civiliza nas decorações existentes nos países anicónicos - árabes
ções que recusam a represen essencialmente. As paredes dos palácios revestem-se de
tação do homem e, a fortiori,
de Deus.
figuras de animais, de armas, de árvores. Nas igrejas da
Capadócia, por exemplo, os motivos são sobretudo geo
métricos, utilizando a cruz e integrando aí animais. Este
estilo exprime-se também na decoração dos livros. Quanto
234
A vida intelectual e artística do Próximo Oriente
235
■ Primeiros aspectos da vida cultural
e artística (sécs. vii-vni)
236
A vida intelectual e artística do Próximo Oriente
A arte de Samarra ■
237
mental em alto relevo não existe, mas a decoração ornamen
tal deixa aparecer com crescente frequência os nichos
polilobados, sobrepostos ou em filas, assim como um pro
cesso novo de preenchimento das superfícies: as estalac
tites. Nas decorações em estuque, frequentemente empre
gadas, utiliza-se o processo de talha oblíqua, que sublinha
os relevos de maneira mais matizada. A tendência para a
estilização e a ornamentação geométrica manifesta-se nos
Palmitos: ornamento que si palmitos diversamente combinados e nas formas primiti
mula a forma de duas folhas vas do arabesco. O mihrab, sobretudo, é objecto de uma
de palmeira colocadas face a decoração cuidada e abandona a forma redonda para
face e unidas pelos pés.
Arabesco: forma especial e ex
adoptar um quadro rectangular.
clusivamente islâmica de esti- As numerosas peças de cerâmica encontradas em Samarra
lização de ornamentos vege
tais.
testemunham a introdução no mundo muçulmano da bai
xela àe lâiança e àe porcelana da China, mas também o
aparecimento de uma cerâmica totalmente original - a cerâ
mica lustrada, susceptível de uma espantosa diversidade de
tons. Também nelas se depara com o ornato em palmitos,
ao mesmo tempo que aparece um tipo de decoração epi-
gráfica que utiliza uma escrita árabe angular, o cúfico. O tra
balho da madeira e do marfim atesta um elevado nível.
Assim se constituía a pouco e pouco um fundo em
matéria artística, no qual iriam basear-se as outras regiões
do Império. No final do séc. IX, a influência da arte de
Samarra é muito sensível no Egipto, na mesquita de Ibn
Túlún - construída entre 876 e 879 e notavelmente con
servada com os seus pilares de tijolo, os seus nichos
polilobados que articulam a fachada e com o núcleo octo
gonal acantonado sobre quatro leves colunas de mármore;
a ornamentação corresponde ao estilo de Samarra.
■ A cultura arábico-islâmica
238
A vida intelectual e artística do Próximo Oriente
239
O estudo desta cultura impõe portanto um sério esforço
para compreender as suas relações profundas e, na apre
sentação que se segue, apenas são retidos alguns aspec
tos, entre os mais notáveis, da imensa produção literária,
Ver pp. 143 e 153-155. científica e filosófica.
■ Os géneros literários
240
A vida intelectual e artística do Próximo Oriente
241
dente do dogma, sem com isso o rejeitar. Mas, ao enfren
tarem o problema da Criação do mundo e das relações
da criatura e do criador, os filósofos acabavam por dar
provas de uma audácia intelectual que os aproximava dos
meios menos ortodoxos, e nomeadamente dos ismailia-
nos. Os grandes representantes desta actividade foram o
Árabe al-Kindi, o Turco al-Fârâbi e, sobretudo Ibn Sinâ,
mais conhecido no Ocidente pelo nome de Avicena. Este
movimento filosófico viria a suscitar a oposição dos pen
sadores sunitas rigoristas. Um bom número destas obras
científicas e filosóficas conquistaram o Ocidente cristão,
graças às traduções feitas entre os sécs. XI e xin na Itália
meridional, na Sicília e na Hispânia, e favoreceram o
desenvolvimento intelectual do mundo latino.
243
sistemáticas não permite conhecer verdadeiramente a
arquitectura religiosa, nomeadamente no que respeita à
grande mesquita de Mahmúd, em Razni. Mas o palácio
de Lashkari Bâzâr, construído no início do séc. xi no actual
Afeganistão, é interessante pelo plano que exibe de qua
tro iwân envolvendo um pátio rectangular, entre os quais
o iwân setentrional se distingue pela sua fachada alteada;
é ainda interessante pelas pinturas murais da sala do trono.
Enfim, no grande palácio de Razni, um conjunto bem
conservado de placas de mármore atesta a influência hindu.
A arte fatímida tinha-se igualmente desenvolvido e
revela-se no Cairo com a mesquita de al-Azhar e a mes
quita de al-Hâkim. Se a configuração geral se associa ao
esquema de transepto das mesquitas omíadas, a decora
ção permanece ligada à herança abássida: o arabesco,
acompanhado por frisos de cúfico ornado, expande-se ple
namente, mas um gosto pelo estilo realista revela-se cla
ramente em certos revestimentos de placas de marfim e
em painéis de madeira entalhada. Formas próprias apa
recem igualmente com uma arquitectura funerária de
mausoléus perto de Assuão e com um novo tipo de mina
rete, de sobreposição degressiva. No entanto, esta arte não
é específica do séc. xi; desenvolver-se-ia no séc. XII, influen
ciando aliás fortemente a arte cristã da Sicília.
A arte muçulmana atingirá no Oriente formas superio
res de desenvolvimento no período seljúcida. E então que
o tipo de edifícios de quatro iwân à volta de um pátio pro
voca uma transformação da arquitectura das mesquitas.
Surge também um novo tipo de minarete, isolado ou gemi
nado: o minarete cilíndrico sobre base octogonal e coroado
por um pavilhão aberto. Multiplicam-se os mausoléus e
madrasas. Mas é nos sécs. xn e xin, designadamente na
Anatólia, que esta arte seljúcida encontra a sua mais bela
expressão.
Ao desenvolvimento artístico e cultural do Próximo
Oriente muçulmano responde o do Ocidente muçulmano,
tão bem representado pela Grande Mesquita de Córdova
e que mereceria uma longa exposição.
00
244
A vida intelectual e artística do Próximo Oriente
245
ences (dir. M. Serres), Paris, 1989; S. H. NASR, Sciences et
Savoir en Islam, Paris, 1979; F. ROSENTHAL, The Classical
Heritage in Islam, Londres, 1980; J. VERNET, Ce que la cul-
ture doit aux Árabes dEspagne, Paris, 1985; M. M. WATT,
Llnfluence de 1’Islam sur VEurope médiévale, Paris, 1974;
D. JACQUART, F. MiCHEAU, La Médecine arabe et VOcddent
médiéval, Paris, 1990.
00
ESCLEROSE
OU MUDANÇA
NO PRÓXIMO ORIENTE
Livro terceiro
■ Manzikert (1071)
248
Um eclipse parcial do Oriente nos séculos XI e xn
O perigo normando ■
249
siona suficientemente Guiscard para que este modere a
Crisobulo: o acto mais solene
sua posição. No mês de Agosto de 1074, um crisobulo con
da chancelaria bizantina, se
lado com uma bula de ouro e cede títulos palatinos ao duque normando, que aceita
contendo a assinatura autó casar uma das suas filhas com o jovem filho de Miguel VII
grafa do Imperador. e promete defender o território imperial contra os seus
inimigos.
Também aqui, Bizâncio se enganou redondamente. Se
esperava uma ajuda de Guiscard contra os Turcos, teve
uma decepção porque jamais a recebeu. Pior: a sua aliança
familiar com Miguel passou a dar ao duque um aparente
direito a pronunciar-se sobre os assuntos do Império.
Quando, em 1078, Miguel VII é destronado, Guiscard
encontra um pretexto para se opor a Bizâncio. Enfim, o
papa tem, não sem razão, a impressão de ter sido ludi
briado: em 1080, chega a encorajar as iniciativas do que
continuava a ser o seu inimigo detestado.
250
Um eclipse parcial do Oriente nos séculos xi e xn
■ A primeira cruzada
251
aspecto religioso, são os próprios a atrair o desabamento
sobre o respectivo Império de uma horda incontrolável e
possuída desse espírito de guerra santa que sempre lhes
fora estranho e suspeito. De resto, sob o ponto de vista
bizantino, se a cruzada contribuiu indubitavelmente para
enfraquecer ainda mais o adversário turco, ela deixou
sobretudo atrás de si o reino de Jerusalém e os demais
principados latinos do Oriente, pelo menos dois dos quais
- Edessa e, principalmente, Antioquia - se erguem em ter
ritórios oficialmente bizantinos. O facto de Antioquia ter
sido ocupada por Bohémond, filho de Guiscard e her
deiro das suas ambições, provoca, especialmente de 1099
a 1104, lutas confusas entre o novo príncipe, Bizâncio e
os Muçulmanos da Síria, no termo das quais Bohémond
regressa ao Ocidente onde, pela primeira vez, faz pregar
uma verdadeira cruzada contra Bizâncio, tida por res
ponsável de todos os fracassos sofridos pelos Latinos no
Oriente. Embora a sua propaganda desperte pouco eco,
o príncipe normando julga poder, em 1107, renovar o
empreendimento de 1081; todavia, cercado na Albânia,
tem de aceitar, em Setembro de 1108, as cláusulas do tra
tado de Déabolis que fazem dele um vassalo do impera
dor e de uma parte do território de Antioquia um feudo
recebido das mãos dos Bizantinos. Mas o triunfo de Bi
zâncio é aparente: Bohémond morre em 1111 e Tancredo,
regente em nome de seu filho menor, repudia as estipu
lações de 1108.
No domínio das relações internacionais, o reinado de
Aleixo I é, no entanto, positivo: praticamente só, e graças
a uma reforma interna de que se tratará mais adiante, o
Império soube desencorajar os empreendimentos latinos
no Ocidente. Habilmente, soube tirar partido no Oriente
da confusão muçulmana, ainda acentuada pela cruzada,
enquanto que, nos Balcãs livres do perigo nômada, encon
trava, no começo do séc. xn, o contrapeso do reino hún
garo, tornado senhor da Croácia e da Dalmácia, a fim de
se impor aos pequenos mas irrequietos estados sérvios de
Zeta e de Ráscia.
252
Um eclipse parcial do Oriente nos séculos XI e xn
Manuel / e o Ocidente ■
253
dos Sérvios e dos Húngaros, que o imperador tem de com
bater, sempre nesse ano de 1149. E certo que Rogério II
morre em 1154. Liberto de um inimigo, tendo restabele
cido a sua autoridade nos Balcãs, Manuel julga poder
repor o pé em Itália. Mas engana-se: se os Bizantinos,
desembarcados em Ancona em 1155, se impõem facil
mente no golfo de Tarento, eles alienam ao mesmo tempo
a amizade de Veneza, que não pode tolerar a sombra de
uma ameaça sobre as suas ligações no Adriático, e de
Frederico I Barba-Ruiva, que sucedera a Conrado III em
1152, para quem a Itália é uma coutada do império oci
dental. Também o rei da Sicília, Guilherme I, é portador
dos votos de todos os Latinos quando expulsa os Gregos
em 1156. A paz concluída em 1158 marca o fim das empre
sas bizantinas no Ocidente.
254
Um eclipse parcial do Oriente nos séculos xi e xn
255
se aliara a Saladino (Salâh al-Din), contra quem a cruzada
era precisamente dirigida. Pela primeira vez, ainda que a
contragosto, um soberano latino esteve em vias de mar
char sobre Constantinopla, que ficou a dever a sua salva
ção a um recuo de última hora. Nesta questão, Bizâncio
limitou-se a perder Chipre, conquistada de passagem por
Ricardo Coração de Leão, mas a sua confusão é total
quando Henrique VI, coroado rei da Sicília em 1194, pre
tende recuperar as conquistas balcânicas de Guilherme II.
Aleixo III, que teve de aceitar a humilhação de um tri
buto, só sai do imbróglio graças à intervenção de
Inocente III e, principalmente, à morte prematura de
Henrique, em 1197.
3. Os esforços de renovação
no mundo muçulmano
256
Um eclipse parcial do Oriente nos séculos xi e xii
257
tudo, o desaparecimento da heresia xiita do Egipto.
Sustentado por uma propaganda que faz dele a própria
imagem do muçulmano-modelo, mas sobretudo apoiado
O facto de ter efectuado, em 1161, por um povo sírio em plena expansão demográfica, Núr
a peregrinação a Meca, indica claramente al-Din não tem qualquer dificuldade em demonstrar que
que ele pretendia ainda acentuar a sua
imagem de Muçulmano irrepreensível, não se pode contar com os outros soberanos muçulma
no momento em que se preparava para nos, sempre prontos a colaborar com os Francos. Assim,
finalmente extirpar a heresia xiita.
começa por concretizar a unidade da Síria apoderando-
-se, em 1154, de Damasco - que praticamente não resiste
antes de atacar o Egipto.
Por esta altura, a fraqueza do Egipto era extrema.
O poder passa então pelas mãos de vários vizires que, afas
tados uns atrás dos outros, buscam apoio tanto junto de
Núr al-Din como junto do rei de Jerusalém, Amaury I,
não obstante este ter desencadeado um ataque franco con
tra o Egipto em 1163. E, portanto, em princípio para res
tabelecer o vizir Shâwar que Núr al-Din envia, em Maio
de 1164, uma expedição ao Egipto sob o comando do
general curdo Shirkúh. Mas Shâwar, que se tinha com
prometido a pagar tributo e mesmo a ceder o nordeste
egípcio, não respeita a palavra dada e chega ao ponto de
apelar a Amaury para se desembaraçar de Shirkúh. Os Sírios
têm de evacuar o Egipto, tal como em 1167, data na qual
outra expedição franca impõe tributo a Shâwar e deixa
atrás de si uma guarnição no Cairo. Quando, em 1168,
na sequência de um novo ataque de Amaury ao Egipto,
Shâwar se vê forçado a dirigir um novo apelo a Shirkúh,
povo, notáveis e califa deixam cair o vizir que é executado
em Janeiro de 1169. A sucessão cabe ao próprio Shirkúh
e, após a morte deste no mês de Março, ao seu sobrinho
e lugar-tenente Salâh al-Din ibn Ayyúb. Este último - depois
Khutba: ver p. 201. de ter feito ler no Cairo a «khutba» abássida, alguns dias
antes do falecimento do último califa fatímida (Setembro
de 1171) - desenvolve uma política pessoal, ao mesmo
tempo que o califa de Bagdade concede a Núr al-Din o
poder sobre a Síria e o Egipto. Até à morte do grande sul
tão, em Maio de 1174, o Ayyúbida abeirar-se-á, em diver
sas ocasiões, da ruptura com o seu senhor.
■ A obra de Saladino
258
Um eclipse parcial do Oriente nos séculos XI e XII
259
Até ao séc. xvi, Merínidas e Haféddas, de Ibn Túmart, 'Abd al-Mu’mín (1130-1163), que chega
que nesse aspecto não esqueceram as suas
origens almóadas, ainda que tenham a assumir o título de califa. Mas o almoadismo está longe
rejeitado os seus princípios religiosos, não de obter a unanimidade no Magrebe, onde nunca deixa
deixarão de tentar, cada qual por conta de ser considerado uma verdadeira heresia e desencadeia
própria, refazer uma unidade magrebina
cada vez mais improvável dada a permanentes rebeliões, tal como, de resto, na Andaluzia,
afirmação, sobretudo na Tunísia e em onde, após alguns sucessos contra os cristãos, os Almóadas
Marrocos, de estruturas locais que então já
não se hesita em chamar nacionais.
são esmagados, em 1212, em Navas de Tolosa. Córdova é
perdida em 1236. Dá-se então, progressivamente, a dis
solução do novo Império. Enquanto os Násridas de Granada
são os únicos a manter um poder muçulmano na penín
sula Ibérica, o Magrebe almóada divide-se em três Estados
saídos das suas próprias estruturas - Merínidas em Mar
rocos, Abdaluádidas em Tlemcen e Hafécidas na Ifríqiya.
260
Um eclipse parcial do Oriente nos séculos xi e xn
261
15
As mudanças económicas
e sociais do séc. xn
262
As mudanças económicas e sociais do séc. xii
A pronoia e a charistiké ■
263
à sombra da desordem, antigas pronoiai para cuja recu
peração o governo já não dispunha de meios.
As autoridades laicas e eclesiásticas tinham, aliás,
encontrado outro meio económico de manifestar a sua
generosidade: a partir do séc. XI, como o testemunha
um vingativo opúsculo de João de Antioquia, adquirira-
se o hábito de entregar nas mãos de leigos os bens de
certos mosteiros arruinados ou mal administrados, com
o encargo para essas entidades de os restaurar, benefi
ciando, em contrapartida, temporariamente, da maior
parte dos seus rendimentos. A Igreja, pela voz dos seus
patriarcas, não deixou de protestar contra esta inovação,
denominada charistiké, mas em vão, como o provam os
Typikon: ver p. 128. numerosos typika do séc. xn que têm o cuidado de a
interditar antecipadamente. Era um meio suplementar
de luta contra a grande propriedade religiosa, mas tam
bém com ele se corria o risco de ver os charistikarios dei
tarem definitivamente a mão aos bens que lhes eram
confiados, o que não deixaram de fazer quando o Estado
se enfraqueceu.
264
As mudanças económicas e sociais do séc. XII
No Egipto e no Irão ■
O sultanato de Rúm ■
265
considerado pelos camponeses como uma libertação, o que
é sublinhado, por exemplo, pelos cronistas arménios. A inva
são turca traduziu-se, nos campos, por uma reconquista da
liberdade: não somente os camponeses que ficaram nas suas
terras aderiram ao novo regime desde a época de Suleiman
ibn Kutlumush, mas também muitos cristãos, no decurso
do séc. xii, atraídos por estas condições mais liberais, tro
caram o império grego pelo sultanato.
Entretanto, a propriedade privada depressa reapare
Waqf: ver definição p. 177. ceu na Anatólia: a menção de doações em waqfs por pes
soas privadas no começo do séc. xill prova que a ideia
estava já então bem implantada. Por outro lado, os
Seljúcidas não podiam ignorar por muito tempo o sistema
da iqtâ\ conhecido de todos os muçulmanos vizinhos.
Também ele se expande rapidamente, mas sem grande
perigo para a classe camponesa: senhor da maioria das
terras e em conformidade com o antigo uso islâmico, o
sultão só moderadamente reparte por essa forma os domí
nios públicos, fazendo-o por tempo limitado e sem que o
titular tenha o direito de modificar o estatuto pessoal e
fiscal dos camponeses. Globalmente, os camponeses da
Anatólia, no final do séc. xil, gozavam sem dúvida de uma
liberdade maior que os dos outros países muçulmanos.
Nas vésperas da quarta cruzada, nem os campos bizan
tinos nem os campos muçulmanos conhecem a servidão:
continuam povoados por homens livres. Mas ameaças cada
vez mais precisas pesam sobre estes últimos: aqui e ali,
sempre que o poder enfraquece logo o grande proprie
tário se aproveita. A coisa é tanto mais grave quanto o
Oriente nunca conheceu a canga de um sistema verda
deiramente feudal. O desaparecimento da autoridade cen
tral dá, assim, lugar não a essa pirâmide social que, no
Ocidente, pelo jogo dos direitos e dos deveres recíprocos,
acaba sempre por dar ao homem algumas garantias ele
mentares, mas a um pulular de pequenas autoridades sim
plesmente justapostas e a quem nada, por conseguinte,
pode limitar a tirania arbitrária sobre o pobre ou o fraco.
266
As mudanças económicas e sociais do séc. XII
267
uma vaga de emigração judaica de que um dos principais
destinos foi Bizâncio. Aqui, como noutros lados, a coexis
tência revelou-se difícil, ao ponto de Aleixo Comneno ter
sido, ao que parece, obrigado a mandar construir, em
Constantinopla, um muro entre o bairro dos Romaniotas,
maioritários, e o que os recém-chegados tinham ocupado.
Esta é, de resto, a primeira ocasião em que, na capital
bizantina, se ouve falar de bairros especificamente reser
vados aos judeus, na margem do Corno de Ouro, onde
em breve se irão instalar os mercadores venezianos. Após
1204, a comunidade judaica de Bizâncio conhecerá uma
nova reclassificação, precisamente com a chegada dos
judeus venezianos fortes no seu estatuto de cidadãos e
determinados a não se confundirem com os pobres
Romaniotas, artesãos da seda, peleiros ou tintureiros que
raramente acedem ao comércio e nunca traficam em
dinheiro.
Assim se desenha uma sociedade urbana, onde cada
um tende a instalar-se nos seus privilégios e especificida
des, rompendo desse modo com a bela unanimidade jurí
dica que até então caracterizara o mundo bizantino. Mas
é evidente, no entanto, que existem cumplicidades de inte
resses entre comunidades: a mais nítida liga os ricos pro
dutores gregos aos seus clientes italianos.
268
As mudanças económicas e sociais do séc. xn
269
Venezianos a placa giratória para o resto do Império e
para o mundo muçulmano, sobretudo o Egipto, a repú
blica do Adriático viu-se assim privada da maior parte dos
capitais e bens que, entrepostos na capital bizantina, deve
riam servir para alimentar o seu comércio oriental. Vê-se,
além disso, obrigada a reconverter esse comércio para o
Levante latino e islâmico, sector até então secundário para
ela, e no qual, desde a primeira cruzada, estava em posi
ção de fraqueza relativamente às suas rivais, Pisa e Génova.
Ao mesmo tempo, os mercadores venezianos procuram
uma compensação no Magrebe, enquanto a República
conclui, em 1175, com Guilherme da Sicília, um tratado
que lhe abre as portas a uma expansão na Itália meri
dional.
Veneza, que terá feito as pazes com Manuel pouco
antes da morte deste, mantém-se ausente do Império pelo
menos até 1183, sendo aqui naturalmente substituída pelos
Pisanos e os Genoveses. Eustato de Tessalonica estima a
colónia latina de Constantinopla em 60 000 pessoas. E ela
quem, com os mercenários ocidentais, forma a base essen
cial de apoio da regência de Maria de Antioquia, entre
1180 e 1182. A partir de então, defrontam-se dois parti
dos: o dos governamentais, sustentado pelos ricos e os
estrangeiros («a nossa facção», como escreve Guilherme
de Tiro) e o dos tradicionalistas, dirigido por alguns nobres
agrupados em torno de Maria, filha de Manuel, mas sobre
tudo apoiado pelo povo e pela Igreja. Como sempre no
Oriente, a luta religiosa e nacional tinge-se de antago
nismo social. O segundo partido, em 1182, acaba por levar
ao poder um primo de Manuel, Andrónico Comneno, e
obriga-o, em Abril, a aceitar o terrível massacre dos Latinos
de Constantinopla. Mas o Império já não pode passar sem
os Ocidentais. Andrónico vê-se forçado a retomar a polí
tica de equilíbrio de Manuel: reintroduz no Império os
mercadores venezianos, os únicos que, expulsos em 1171,
não tinham sofrido o drama de 1182. Até 1204, os sobe
ranos apoiam-sc numa ou noutra das cidades mercantis:
Andrónico e Isaac II favorecem sobretudo Veneza, situa
ção de que Génova e Pisa se xingam soltando os seus pira
tas na bacia egeia; a partir de 1192, nos últimos anos de
Isaac II e sobretudo no reinado de Aleixo III, a vantagem
reverte em favor de Génova e Pisa, para grande furor de
Veneza que obtém, no entanto, em 1198, uma importante
extensão dos seus privilégios.
270
As mudanças económicas e sociais do séc. xn
3. O mundo muçulmano:
uma dispersão crescente
Indústria e artesanato ■
271
Francos, nada testemunha então um especial desenvol
vimento. No Egipto, a indústria têxtil, vítima das guer
ras contra os Latinos e os Sírios, periclita no final do
séc. xii, tanto no delta como no Fayyüm. Quanto à
Anatólia, já em depressão muito antes da invasão turca,
poder-se-á pensar que conservou as suas fábricas de cerâ
mica e que a indústria de tapetes, sobretudo em Siva,
se desenvolveu aí desde antes do séc. xm... Mas isso não
passa de uma hipótese. De facto, a única região que se
mantém próspera é a costa levantina, dominada pelos
Francos. E certo que os cruzados não criaram aí nada
de novo, mas desenvolveram as velhas indústrias têxteis
de Antioquia, Trípoli e Tiro, assim como a olaria fina,
a vidraria e a ourivesaria, produtos que os mercadores
latinos podiam então ir carregar livremente nos portos
sírios.
272
As mudanças económicas e sociais do séc. xil
Pisa ■
273
Génova, a Sicília e Veneza. Também para Génova,
Alexandria é um pólo de atracção. Em meados do séc. xil,
parece mesmo ter sido o objectivo principal do seu comér
cio oriental, e este era tão natural que os arcebispos de
Génova cobravam um dízimo aos barcos que regressavam
de Alexandria. A Sicília manteve no séc. XII, apesar de
algumas fases de ruptura, as suas relações tradicionais com
o Egipto. Desde 1137 que Rogério II prometia aos Saler-
nitanos que obteria uma diminuição dos direitos que paga
vam em Alexandria para o nível da taxa exigida aos
Sicilianos. Alguns anos depois conclui um tratado, «van
tajoso para as duas partes», com o califa do Egipto.
Finalmente, Veneza mantinha, pelo menos desde 1158,
uma linha regular de galés com Alexandria. No final do
século já possuía um fondaco neste porto e em 1208 passa
a ter um segundo.
274
As mudanças económicas e sociais do séc. XIi
275
Études byzantines, Munique, 1958, dever-se-á ler M. J. ANGOLD,
«The Shaping of the Medieval Byzantine City», Perspectives
in Byzantine History and Culture, ed. por J. F. HALDON e J.
KOUMOULIDES, Amesterdão, 1984, Ch. Brand, Byzantine
Urban Riots, Xlth-XIIth centuries, Medievalia et Humanistica,
n.2 12, 1985. Sobre a indústria da seda, o artigo de R. S.
LOPEZ, «Silk Industry in the Byzantine Empire», Speculum,
XX, 1945, será renovado, apesar dos seus aspectos con-
testatários, graças ao de D. SlMON, «Die byzantinische
Seidenzünfte», Byzantinische Zeitschrift, LXVIII, 1, 1975.
Sobre os Judeus, além das obras citadas de J. STARR,
ver D. JACOBY, «La population de Constantinople à 1’épo-
que byzantine: un problème de démographie urbaine»,
Byzantion, 31, 1961; «Les quartiersjuifs de Constantinople
à 1’époque byzantine», Byzantion, 27, 1967; e «Les Juifs
Vénitiens de Constantinople et leur communauté du XIIIe
au milieu du XVe siècle», Revue des Études Juives, CXXXI,
3-4, 1972. A obra de St. BOWMAN, The Jews of Byzantium,
1204-1453, Univ. of Alabama Press, 1985, traz precisões
rituais e jurídicas e fornece o «dossier» completo das fon
tes hebraicas sobre a comunidade romaniota.
Sobre o comércio bizantino (onde a presença italiana
é dominante): deverão ser tidas em conta as obras cita
das de Fr. THIRIET e M. BALARD, sem esquecer o livro
insubstituível de W. HEYD, Histoire du Commerce du Levant
au Moyen Age, já citado; embora centrado na época seguinte,
encontrar-se-ão elementos interessantes em E. ASHTOR,
A Social and Economic History of the Near East in the Middle
Ages, Londres, 1972; lê-se ainda com utilidade C. Man-
FRONI, Storia delia marina italiana dalle invasioni barbariche
al trattato di Ninfeo, Livorno, 1899. Quanto aos aspectos
fiscais e aduaneiros, C. MORRISON, «La Logariké, réforme
monétaire et réforme fiscale sous Alexis Ier Comnène»,
Travaux et Mémoires, t. 7, 1979: e H. ANTONIADIS-BiBICOU
(cujo livro, já citado, sobre Les Douanes à Byzance, não pode
ser esquecido), «Note sur les relations de Byzance avec
Venise: de la dépendance à 1’autonomie et à 1’alliance»,
Thesaurismata, 1962. Ver também S. Borsari, «II crisobullo
di Alessio I per Venezia», Annali delVIstituto Italiano per gli
studi storici, II, 1970.
Os problemas agrários do mundo muçulmano serão
abordados através de Cl. CAHEN, «L’évolution de 1’iqtâ' du
IXe au XIIIe siècle. Contribution à une histoire comparée
des sociétés médiévales», Annales ESC, VIII, 1953, e «Le
régime rural syrien au temps de la domination franque»,
Bulletin de la Faculté des Lettres de Strasbourg, Abril de 1951.
Para uma interpretação da história do Magrebe, leia-
-se a síntese sugestiva de A. LAROUI, LfHistoire du Maghreb,
un essai de synthèse, Paris, 1970; e as observações de H. Djait,
276
As mudanças económicas e sociais do séc. xn
277
16
As transformações políticas
e culturais
do Próximo Oriente
nos sécs. xii e xin
Rumo à grande ruptura
■ O legitimismo bizantino
278
As transformações políticas e culturais do Próximo Oriente nos sécs. xii e XJII
279
as suas guerras constantes, reclama impostos cada vez
mais pesados a fim de recrutar mercenários estrangeiros:
russos, francos, ingleses ou turcos. Assim, o povo bizan
tino, no final do séc. xn, suporta duas opressões: a do
Estado em crescente debilitação e a dos arcontes em plena
expansão.
28Ü
As transformações políticas e culturais do Próximo Oriente nos sécs. XII e Xlir
Embriões de nações? ■
281
assalto das cruzadas. No islão como em Bizâncio, a mesma
causa produz os mesmos efeitos: reafirmação dos valores
tradicionais e hostilidade para com tudo o que os ponha
i em questão.
283
escreve, a seu respeito, que «não se lhes pode chamar
seres civilizados» e que «são sobretudo ladrões, animais
selvagens, bárbaros».
Desde logo, os Gregos são naturalmente levados a com
parar este novo inimigo com o adversário tradicional, o
Muçulmano, e a concluir, com Eustato, que o Latino é
muito mais temível. Indo mais longe, Nicétas Coniatés,
após a pilhagem de Constantinopla em 1204, sublinha
mesmo que os Latinos se mostraram aqui muito mais bru
tais do que Saladino aquando da conquista de Jerusalém.
A aliança de Bizâncio com o grande Ayyúbida, no decurso
da Terceira Cruzada, testemunha que o Oriente, para
além das antigas divisões, começa a tomar consciência dos
seus interesses comuns face à força brutal vinda de Oeste.
Oficialmente, continua a ser sustentada a ideia de «fra
ternidade espiritual» entre Gregos e Latinos mas, já em
declínio no séc. xil, ela mostra-se incapaz de resistir ao
grande choque da quarta cruzada.
284
As transformações políticas e culturais do Próximo Oriente nos sécs. xn e xm
285
tino um imperador grego que lhe fosse favorável, na pes
soa do filho de Isaac II, Aleixo IV, refugiado no Ocidente.
Mas se a República conseguiu desviar a cruzada da sua
verdadeira finalidade, só o pôde fazer graças ao apoio de
uma activa minoria inspirada por uma ideologia antigrega
nascida durante a segunda cruzada em torno de S. Ber
nardo e de Suger. Secundados pela facção mais dura do
clero latino, os Venezianos vão pois levar a cruzada até às
muralhas de Constantinopla. Forçando a mão de tropas
pouco entusiastas mas atraídas pelos esplendores imperiais
e a sede das relíquias, eles lançam-nas por duas vezes con
tra os Gregos, primeiro para restabelecer Aleixo IV e
depois, uma vez persuadidos de que era impossível qual
quer colaboração, para tomar, pura e simplesmente, posse
do Império. Já em Março de 1204, por um tratado conhe
cido pelo nome de Partitio Romanie, os Venezianos e os
outros Latinos tinham antecipadamente repartido entre
si um território ainda inteiramente por conquistar.
A tomada de Constantinopla, em 13 de Abril de 1204, sig
nifica portanto para eles o desaparecimento do império
grego: um imperador latino, Balduíno I, é eleito em
Bizâncio; o doge de Veneza proclama-se senhor do «quarto
e meio» do defunto Império; e os nobres latinos espa
lham-se pela Tessália e pela Grécia. Bonifácio de Montferrat
lança aí as bases do futuro e efémero reino de Tessalonica,
enquanto o champanhês Villehardouin enceta a conquista
de um Peloponeso que vai converter, em 1210, no prin
cipado da Acaia ou da Moreia.
■ A reconquista bizantina
Para fazer suceder de uma vez por todas um poder
latino ao império grego, teria sido necessário eliminar
sem demora qualquer bolsa de resistência bizantina. Ora
a implantação latina foi sempre incompleta. Mesmo na
Moreia, onde se mostrou mais sólida, a cidade de Monem-
vasie (a Malvasia dos Ocidentais) resistiu até 1248. Mais
ainda: enquanto a família Comneno se instalava em
Trebizonda, onde reinaria até 1461, apareciam dois núcleos
mais temíveis, um no Epiro à volta de Miguel Ângelo e
outro na Anatólia com Teodoro Laskaris. Estes três Estados
gregos têm uma mesma ambição: restaurar por sua conta
o império romano sobre o qual cada um tem direitos fami
liares. Esta situação significava a guerra, ao mesmo tempo
para expulsar os Latinos e para garantir a supremacia, isto
enquanto os poderosos czares búlgaros Kalojan e, depois,
Asên II, passam de uma aliança a outra para melhor defen
derem os seus interesses. Apesar dos esforços do impera
dor latino Henrique, falecido em 1216, a reconquista con
verge para 1225: ao passo que Teodoro Ângelo, do Epiro,
286
As transformações políticas e culturais do Próximo Oriente nos sécs. XII e xili
287
ção interna, sai consolidado da crise. Quanto ao mundo
muçulmano, enfraquecido e dividido com a morte de
Saladino, deve sem dúvida à polarização dos interesses
ocidentais no mar Egeu umas longas tréguas, somente
interrompidas pelos lamentáveis fracassos da Sétima e da
Oitava Cruzadas (1248-1254, 1265-1272). Além disso, a
invasão mongol, após a morte de Gengiscão em 1227,
transborda sobre todo o Próximo Oriente: em 1258, o
Califado abássida desaparece sob as ruínas de Bagdade.
Mas, feitas as contas, os Mongóis acabam por reforçar o
islão. Desde meados do século, o Canato dos Qiptchak,
ou Horda de Ouro, que se estende do lago Balcache até
ao estuário do Dniepre e tem a Rússia sob vassalagem, já
se lhe tinha convertido, no que depressa foi seguido pelos
Mongóis da Pérsia (Canato dos Ilkhans ou de Hulagu),
inicialmente muito hostis ao islão, mas rapidamente ira-
nizados e ganhos para a religião dos seus súbditos. Acresce
que a invasão mongol aproveita principalmente a Bizâncio:
em Junho de 1242 , os Seljúcidas de Rum são esmagados
em Kosedagh e o seu sultanato, tomado vassalo dos Ilkhans,
deixa de ser uma ameaça para a Anatólia grega; no mesmo
ano, a Bulgária fica muito debilitada por efeito de uma
incursão mongol.
Contrariamente às esperanças do Ocidente numa pos
sível aliança com os Mongóis contra o islão, a nova inva
são tem como resultado, no Próximo Oriente, uma redis-
tribuição de forças mais desfavorável aos interesses latinos:
primeiro, os Mongóis fracassam diante do estado muçul
mano mais perigoso, o Egipto, dominado desde 1250 pela
dinastia mameluca e a quem têm de entregar a Síria após
1260; mas, sobretudo, eles têm interesses comuns com
Bizâncio que obtém, sucessivamente, alianças com os dois
canatos. Com efeito, até 1272 Miguel VIII aposta nos
Ilkhans, que garantem a paralisia seljúcida; depois, toma
consciência do papel do seu império, senhor dos estrei
tos, entre a Horda de Ouro, exportadora de escravos, e
o Egipto mameluco que tem uma necessidade vital deles.
Desde logo se constitui, do mar Negro até ao delta do
Nilo, uma tripla aliança que ameaça perturbar gravemente
o tráfico no Mediterrâneo.
289
■ O Oriente no final do séc. xiii
290
As transformações políticas e culturais do Próximo Oriente nos sécs. xn e xui
291
et les Musulmans vus par les Byzantins du XIIIe siècle»,
Byzantinische Forschungen, Band IV, Amesterdão, 1972.
Sobre cultura e aculturação, a obra de base é, no que
respeita a Bizâncio, a de A. P. KAZDAN e A. Epstein, já
citada. Sobre a literatura bizantina, dever-se-ão ler as escla
recedoras reflexões de C. MANGO, Byzantine Literature as
a Distorting Mirror, Oxford, 1975; H. G. BECK, Geschichte der
byzantinischen Volksliteratur, Munique, 1971; J. GROSDIDIER
DE MATONS, «Courants archaisants et populaires dans la
langue et la littérature», Actes du XVe Congrès international
des Etudes byzantines, Atenas, 1976; e W. HORANDNER,
Traditionelle und populare Züge in der Profandichtung der
Komnenenzeit, ibid. Sobre a educação e as suas mudanças,
além de J. Gouillard, «La religion des philosophes»,
Travaux et Mémoires, 6, 1976; R. BROWNING, «Enlightenment
and Repression in Byzantium in the Eleventh and Twelfth
Centuries», Past and Present, 69, 1975; e N. G. WILSON,
Scholars of Byzantium, Baltimore, 1983. Sobre Ana Comneno,
G. Buckler, Anna Comnena, Oxford, 1936.
Quanto ao mundo muçulmano, reportar-se às obras,
acima mencionadas, de M. Arkoun, N. Daniel, E. Sivan
e A. MÀALOUF. Acrescente-se, de M. ARKOUN, Pourune cri
tique de la raison islamique, Paris, 1984. Sobre os contactos
com o Ocidente, Kh. SEEMAN (ed.), Islam and the Medieval
West, Nova Iorque, 1980. Sobre a «esclerose» cultural do
mundo muçulmano, ver as observações sugestivas de A. M.
TURKI, «Comment Ibn Khaldoun explique-t-il le double
phénomène de 1’essor et de la stagnation des sciences reli-
gieuses au Maghreb et dans 1’Espagne musulmane?», reed.
em Théologiens et Juristes de 1’Espagne musulmane, Aspects polé-
miques, Paris, 1982. Sem uma incondicional adesão, ler
Y. LACOSTE, Ibn Khaldoun: naissance de Fhistoire, passé du
tiers-monde, Paris, 1966.
Sobre os aspectos religiosos, ver acima as obras res
peitantes à Cruzada e à Contracruzada.
Quanto a Bizâncio, L. CECONOMOS, La Vie religieuse dans
1’empire byzantin au temps des Comnènes et des Anges, Paris,
1918, envelhecido mas não substituído. Sobre as relações
com Roma, além das obras citadas de Fr. DVORNIK, ver
W. NORDEN, Das Papsttum und Byzanz, reed. Nova Iorque,
1959; V. Grumel, «Le patriarcat byzantin de Michel
Cérulaire à 1204», Revue des Études byzantines (REB), IV,
1946; J. DARROUZES, «Les documents byzantins du XIIe
siècle sur la Primauté romaine», REB, XXIII, 1965; e
A. DuCELLIER, L 'Église byzantine entre pouvoir et esprit, Paris,
1990. Sobre a imagem e a função do santo, P. MAGDA-
LINO, «The Byzantine Holy Man in the Twelfth Century».
The Byzantine Saint, Birmingham, 1981 (obra que, no con
junto, deve ser consultada).
292
As transformações políticas e culturais do Próximo Oriente nos sécs. XII e xin
293
17
O mundo rural
entre os sécs. xm e xv:
os progressos da dependência
7. Dificuldades e disparidades
na economia rural
294
O mundo rural entre os sécs. xm e xv: os progressos da dependência
295
■ Um arcaísmo tecnológico persistente
2. Camponeses dependentes
e grandes proprietários tradicionais
296
O mundo rural entre os sécs. xiii e XV: os progressos da dependência
297
com os demosiários que ainda lhe restam. E certo que,
por efeito da falta de mão-de-obra, cada qual tenta cha
mar a si o pareço do outro. A legislação imperial trata
então de proibir tais práticas, o que acentua ainda mais
o vínculo à gleba: em 1319, Andrónico II determina que
«ninguém receba no seu domínio o pareço de outrem».
298
O mundo rural entre os sécs. xni e xv: os progressos da dependência
299
ros, às quais se junta, no caso dos cristãos, o imposto tra
Haraç: forma turca do kharâdj. dicional do haraç. Na realidade, o timariota aproveita-se
da situação e encaixa muitos outros rendimentos dado
que, desde o final do séc. xv, os grandes proprietários são
cada vez mais os donos das funções do Estado, o que lhes
permite confundir os impostos públicos e as prestações
privadas, já sem contar com certas multas judiciais que,
em princípio, apenas seriam devidas ao Estado. E certo
Em 1432, um timariota da Albânia, além que este último ainda sabia reagir: em 1475, Maomé II
de diversas taxas sobre o trigo, a cevada, a ordena que sejam recopiadas todas as cartas de doação
vinha, o azeite e os porcos, cobrava direitos
aduaneiros e taxas sobre o mercado. constantes dos registos, com menção de todos os rendi
mentos dos bens concedidos, a fim de pôr termo às mal
versações e humilhações, sobretudo gritantes nos territó
rios europeus do Império onde os camponeses cristãos
eram especialmente oprimidos. Mas a sorte dos campo
neses não deixou de piorar: nos séculos seguintes, com o
enfraquecimento do Estado, a independência acrescida
dos beis e o aparecimento de verdadeiras autonomias
locais, o camponês torna-se verdadeiramente num joguete
nas mãos de proprietários rapaces que já não têm que
prestar contas a ninguém. A prática do rapto das crian
Os janízaros (yeniçeri=jovem sol ças (devshirmê), visando a alimentar o corpo dos Janízaros,
dado) constituem a infantaria contribuía para desbastar ainda mais as fileiras de um cam
da guarda recrutada, graças pesinato já decadente antes da conquista.
ao devshirmé, entre os cristãos.
300
O mundo rural entre os sécs. xni e xv: os progressos da dependência
Os territórios venezianos: ■
vilãos senhoriais e vilãos da Comuna
301
vilãos, o que deveria constituir para ele uma permanente
obsessão. Em contrapartida, o vilão senhorial, que tem
um estatuto idêntico nos domínios dos arcontes gregos
e dos feudatários venezianos, não passa de um objecto
pelo menos em Creta, já que a sua situação é melhor no
Negroponte (Eubeia) e na Moreia veneziana: não só é
obrigado a residir nas terras do senhor, como este o pode
vender, alugá-lo ou emprestá-lo temporariamente, por
exemplo na época das colheitas ou das vindimas. Se aban
donar o domínio, as autoridades encarregam-se de o per
seguir e de o devolver à força. Depende tanto mais do
senhor quanto é este que está incumbido da cobrança
das taxas. Enfim, não pode dispor dos bens que possui e
o seu direito de comercializar os respectivos produtos é
limitado.
Como se vê, o regime veneziano, partindo do estatuto
bizantino do pareço, levou-o até às últimas consequên
cias. O que se passava nas terras dos nobres venezianos
encorajou mesmo os arcontes gregos a agravarem a con
dição dos respectivos camponeses. Daí uma atmosfera
geralmente explosiva sobretudo nos campos cretenses:
fugas, criminalidade, assaltos, revoltas abertas são moeda
corrente. Os camponeses colaboram, por vezes, com os
bandoleiros, eles próprios camponeses esbulhados ou em
fuga. O êxodo rural é tal que no séc. xrv a produção agrí
cola se acha ameaçada, ao mesmo tempo que muitos feu
datários estão completamente arruinados. A política de
aproximação com a comunidade grega, sensível desde
meados do século, permitirá uma importante retoma da
agricultura sem, no entanto, eliminar os baldios, ainda
frequentemente assinalados no séc. xv.
302
O mundo rural entre os sécs. Xlll e xv: os progressos da dependência
303
reinado de Ivan III (1462-1505), reduziram cada vez mais
aquela perigosa liberdade, exigindo dos seus nobres um
juramento de fidelidade cuja violação implica uma impie
dosa confiscação. Desde então, a Rússia moscovita enca
minha-se para a eliminação pura e simples dos bens patri
moniais.
No que respeita aos países cristãos, uma conclusão se
impõe: a propriedade patrimonial manteve-se neles em
todo o lado, mas é nas regiões menos submetidas à influên
cia bizantina - Moreia, Bósnia, Rússia - que conhece o
maior desenvolvimento.
304
O mundo rural entre os sécs. xni e xv: os progressos da dependência
305
interdita a sua devolução à Igreja. Além disso, o domínio
sobre o campesinato é muito mais nítido do que em
Bizâncio. Por um lado, o pronoiário percebe anualmente
a taxa designada por «ouro imperial», a que mais tarde
será dado o nome de sotché, mas exige também dos pare-
cos pesadas e longas corveias, sem dúvida em razão do
menor desenvolvimento da economia monetária. Por outro,
talvez por efeito de influências ocidentais, há a menção
de uma terra cedida em 1361 a título de pronija por um
nobre pronijário, o que indicia uma verdadeira pirâmide
feudal pouco conforme ao modelo bizantino. Mas até ao
fim do reino sérvio, a pronija, mesmo hereditária, é um
bem do Estado cedido a título precário. Assim, nas anti
gas terras sérvias passadas para o domínio da Bósnia, quem
quer que detivesse uma pronija sempre se esforça por trans-
formá-la em bashtina.
■ Na Rússia
306
090509050005060310010801010002000000020002235353020002010248232323232353010001000002000200020002
O mundo rural entre os sécs. xni e xv: os progressos da dependência
307
maior parte dos casos, militar. O timariota não é verda
deiramente um proprietário e apenas usa o título de
«senhor da terra» (sahib-i-erz), o que não lhe confere o
direito de vender, doar, ceder ou hipotecar o seu bem.
Além disso, o serviço a prestar, proporcional ao valor fis
Quanto aos timars por inerência de ofício, cal do timar, é absolutamente obrigatório: se o timariota
a sua titularidade limita-se ao tempo de que não tenha dado resposta à primeira requisição, não
exercício da função: qualquer vizir,
qualquer cádi, qualquer bispo destituído toma a iniciativa de se pôr às ordens do subasi, governa
perde automaticamente o seu benefício. dor militar do seu distrito, a concessão é-lhe retirada e
atribuída a outro sipahi.
É certo que os timars são muito desiguais: o pro
priamente dito é um bem cujo rendimento não ultrapassa
anualmente 20 000 akçe, utilizando-se o termo zeamet no
caso das concessões que rendam entre 20 000 e 100 000
akçee hase no caso dos domínios com um rendimento supe
Akçe: ver p. 323. rior a 100 000 akçe. O que é grave é que zeamet e hase são
geralmente atribuídos aos altos funcionários, governado
res de distritos ou de províncias que acumulam assim nas
suas terras os direitos do proprietário e as prerrogativas
delegadas pelo sultão. Desde logo se explica o açambar-
camento progressivo dos direitos régios, financeiros e judi
ciários, que os grandes timariotas aditam aos direitos que
percebem normalmente dos camponeses; tanto mais quanto,
salvo indignidade, o timar é hereditário. E preciso, entre
tanto, esperar pelo séc. xvn para se ver a autoridade cen
tral espezinhada pelos beis e paxás. No séc. XV, o sistema
do timar representa, bem pelo contrário, uma eficaz recu
peração pelo Estado do controlo do regime das terras.
Com todas as necessárias matizes, os campos do Oriente,
no fim do séc. XV, não deixam de ser caracterizados por
dois factos gerais: a crescente sujeição do campesinato e
o desenvolvimento de uma aristocracia fundiária cada vez
mais poderosa.
ms
O mundo rural entre os sécs. xni e xv: os progressos da dependência
309
quê te latine», reed. in Byzantium on the Balkans, Amesterdão,
1976. Importantes as contribuições de A. LAIOU, «Quelques
observations sur 1’économie et la société de la Crète véni-
tienne (ca, 1270-ca. 1305)», Bisanzio e ITtalia, Raccolta di
Studi in memória di A. Pertusi, Milão, 1982; e de M. Balard,
«Les Grecs de Chio sous la domination génoise», Byzan-
tinische Forschungen, V, 1977. Quanto à Rússia, ver R. E.
SMITH, Peasant Farming in Muscovy, Oxford, 1977; e, em
russo, L. CEREPNIN, «Formirovanie kresfjanstva na Rusi
(La Formation de la paysannerie en Russie)», Istorija
krestjanstva v Evrope, t. 1, Moscovo, 1985.
A história rural do mundo muçulmano tem, sem dúvida,
sido menos renovada: muitos trabalhos importantes estão
em gestação ou inéditos. Ler-se-á ainda com vantagem A.
POLIAK, Feudalism in Egypt, Syria, Palestine and the Lebanon
(1250-1900), Londres, 1939, e, do mesmo, «Les révoltes
populaires en Egypte à 1’époque des Mamlúks et leurs cau
ses économiques», Revue des Etudes Islamiques, VII, 1934;
ver também o importante contributo de H. RABIE, «The
Size and Value of the Iqtâ’ in Egypt, 564 A. H.-l 169-1341
A.D.», em M. A. COOK, Studies in the Economic History of the
Middle East, citado p. 277. Sobre o Magrebe, ver o t. 2 de
R. BRUNSCHVIG, La Berbérie Orientale sous les Hafsides des ori
gines à la fin du XVe siècle, 2 vols., Paris, 1940-1947.
Quanto ao Império Otomano, as bases são estabeleci
das por Cl. CAHEN, La Turquiepré-ottomane, citada, 1988;
e os artigos de O. BARKAN, «Les problèmes fonciers dans
PEmpire ottoman au temps de sa fondation», Annales
d’Histoire Sociale, I, 1939; e «Les formes de 1’organisation
du travail agricole dans PEmpire ottoman aux XVe et XVT
siècles», Revue de la Faculte des Sciences économiques dlstanbul,
1/1, 2 e 4, 1939-1940, continuam a ser essenciais, na impos
sibilidade de se lerem os seus trabalhos em língua turca.
Os trabalhos do grande especialista que é H. INALCIK são
acessíveis graças à sua notável síntese, The Ottoman Empire.
The Classical Age, 1300-1600, Londres, 1973. Ver também
R. Mantran (dir.), Histoire de TEmpire Ottoman, Paris, 1989.
310
18
Cidades e actividades comerciais
no final da Idade Média
As cidades gregas ■
O declínio de Constantinopla ■
311
rar o seu nível anterior: as fomes do começo do séc. xrv,
as pestes de 1348, 1416 e 1447, enfim a fuga perante a
aproximação dos Turcos reduziram tanto a população que,
por volta de 1453, as estimativas dos contemporâneos são
de 36 000 habitantes para uma urbe que, no séc. xi, terá
talvez atingido o milhão. A própria cidade está ao aban
dono: o Grande Palácio, o Hipódromo, certas igrejas estão
em ruínas, bairros inteiros estão desertos, enquanto neles
se desenvolvem campos, vinhas, jardins ou baldios. Em
1432, Bertrandon de la Broquière pode escrever que em
Constantinopla «há mais vazio do que cheio».
313
Média, mas a dureza dos tempos torna-os então mais gri
tantes, se não mesmo intoleráveis.
A situação é particularmente nítida no que resta do
Império grego. Tradicionalmente as cidades eram aí a sede
das autoridades e o centro de cobrança dos tributos. Mas
a cidade não redistribuía minimamente o ouro que assim
absorvia: o camponês bastava-se em geral a si próprio e só
muito raramente comprava os produtos da indústria urbana.
Esta trabalhava para os citadinos e para a exportação,
desempenhando assim, relativamente ao campo, um papel
de punção desprovido de contrapartida. Ora o desenvol
vimento da grande propriedade só veio agravar este dese
quilíbrio. Os poderosos, senhores de bens patrimoniais ou
de pronoiai, vivem de bom grado nas cidades, onde cons
tituem a classe dominante. E portanto à cidade que aflui
todo o dinheiro das rendas que lhes são devidas, e é lá
que eles o gastam, sem pensarem em reinvestir no campo,
que não seja comprando terras ao mais baixo preço pos
sível. A par das razões que vimos acima, a mera existência
de tais cidades contribui para mergulhar o mundo rural
numa depressão cada vez mais acentuada.
315
Como já se viu, este avanço latino influía gravemente
no abastecimento de Constantinopla. Genoveses e Vene-
zianos penetravam agora livremente no mar Negro, donde
os antigos privilégios os excluíam. Os cereais da Crimeia
(Tana, Cafa), da Valáquia e da Bulgária constituíam uma
das suas grandes fontes de lucro. Podendo, ainda, falar
alto, Miguel VIII tinha imposto a obrigação de depositar
os cereais em armazéns do Estado e a proibição de os
exportar do Império quando os seus preços atingissem
um certo nível. Embora os tratados com Veneza (de 1302,
1310 e 1324) mantivessem esta regulamentação, depressa
faltaram os meios para a fazer respeitar. Bizâncio fica a
partir de então na inteira dependência dos comercian
tes estrangeiros, que passam à frente dos seus cais sem
aí se deterem e que só lhe vendem os cereais quando o
preço oferecido é lucrativo. Neste aspecto, a cidade geno-
vesa de Péra é um excelente meio de evitar Constantinopla:
à volta de 1340, a sua alfândega cobrava anualmente
200 000 libras, enquanto a capital grega apenas recebia
30 000.
■ Ascensão da xenofobia
316
Cidades e actividades comerciais no final da Idade Média
As cidades do Egipto ■
317
sições e as confiscações, enquanto a baixa da produção
agrícola lhe retira uma parte das suas actividades. A isto
acrescenta-se uma terrível desvalorização da moeda: o
dinar, que valia 20 dirhams no séc. xni, vale 240 em 1412,
300 em 1456, 460 em 1458. Em resultado desta inflação,
e também por efeito da falta de mão-de-obra, mercado
res e artesãos são constantemente obrigados a consentir
em aumentos salariais, ao mesmo tempo que os seus negó
cios vão de mal a pior: no Cairo e em Alexandria, os süqs
fecham em grande número. O povo não está mais à von
tade porque, se os salários crescem, os géneros essenciais
são também cada vez mais caros: no séc. xni, o preço do
pão aumenta perto de 70%. Todos os escritores da época
se queixam da miséria geral, que provoca inúmeros motins
de populações esfomeadas, muitas vezes dirigidos contra
os regulamentos publicados pelo muhtasib, tidos por res
ponsáveis pela alta de preços. Quanto aos trabalhadores,
chegam a desencadear verdadeiras greves para obter melho
res salários, sendo ainda o muhtasib quem se encarrega de
os reprimir pela força. Assim, no começo do séc. XVI o
Estado mais não sabe do que usar a violência contra um
povo que passa, incessantemente, do furor à apatia.
■ As cidades turcas
319
Genoveses que incendeiam os arsenais e os navios, de
modo que, como escreve Nicéforo Grégoras, «o Império
perdeu assim definitivamente toda a esperança de extrair
qualquer lucro da actividade comercial de Constantinopla».
Se ainda restam mercadores gregos, trata-se de peque
níssimos comerciantes que, com os seus modestos caíques,
se entregam a um tráfico puramente local. Na realidade,
os únicos Gregos dinâmicos tinham-se instalado no estran
geiro. A sua actividade é notável no mar Negro, em Cafa
e em Soldaia, e as colónias cretense e cipriota de Alexandria
têm uma certa importância. Em Veneza, a instalação dos
Gregos acelera-se a partir do séc. xv, sobretudo após a
queda de Constantinopla: em 1494 é criada a Scuola dei
Greci, e desde então os mercadores gregos de Veneza, que
podem até possuir navios, enriquecem no tráfico com o
Império Otomano. Mais modestamente, a colónia grega
de Ragusa tem, no séc. xv, relações com Corfu, Coron,
Módon, Creta, Rodes e mesmo com a Síria, onde um
grande mercador como Manuel de Comestabilibus, afre-
tador de navios e fundador de companhias comerciais,
se dedica principalmente ao comércio dos cereais e do
azeite. Facto interessante é o de, mesmo os Gregos dos
antigos territórios imperiais retomarem a actividade sob
o domínio otomano: em Istambul como nas províncias,
eles enriquecem nas funções de aduaneiros e de transi-
tários e assinam contratos com o Estado. Agrupados em
Istambul no bairro do Fanar, é deles que nasce essa rica
burguesia grega que, após séculos de trabalho silencioso,
tanto contribuirá para a renovação do sentimento naci
onal. Libertos - seja pelo exílio, seja pela conquista turca
- de uma estrutura esclerosada e paralisante, os Gregos
parece terem reencontrado, no séc. xv, o génio comer
cial dos seus antepassados.
Entre os outros mercadores indígenas há, evidente
mente, Muçulmanos. Do Oriente até ao Magrebe eles dão
porém provas de uma fraqueza evidente: para não caírem
sob as arreliadoras exigências das alfândegas, que arruí- |
nam o que ainda resta de mercadores independentes em =
Alexandria, Trípoli ou Tunes, entram numa cumplicidade [
exagerada com as autoridades e os seus agentes, com quem ]
se confundem demasiadas vezes. Mais grave ainda, os nego- ■
ciantes da Síria, do Egipto e do Magrebe estão quase sem- i
pre reduzidos ao tráfico local e, quando tentam ir mais {
longe, só podem recorrer aos serviços de estrangeiros -
Venezianos e Genoveses -, quando não se limitam a aguar- i
dar, de Alexandria a Málaga, a chegada dos seus clientes ;
e fornecedores italianos. E verdade que o mundo muçul- j
mano, neste final da Idade Média, sente uma cruel falta
de barcos; e é por isso que, no séc. xv, Egípcios e Hafécidas |
da Tunísia solicitam a Veneza a abertura de uma nova 1
320
Cidades e actividades comerciais no final da Idade Média
linha - a muda da Berbéria - que, até princípios do séc. XVI, Muda: ver p. 271.
lhes permite evitar a asfixia, mantendo um mínimo de
ligações entre esses dois pólos fundamentais do Medi
terrâneo muçulmano e uma aparência de integração nos
circuitos «cristãos». Quanto aos Turcos, cuja marinha ainda
é, de resto, muito insuficiente, também a eles repugna
afastarem-se do seu país; somente o fazem para comer
ciar com outros Muçulmanos, o que explica a existência
em Alexandria de um fonduk dos Turcos desde meados
do séc. xv. Em contrapartida, são eles que monopolizam
o tráfego caravaneiro da Asia Menor, onde cada paxá local
trafica activamente com os estrangeiros - Venezianos,
Genoveses e Ragusanos - que se interessam pelos produ
tos da respectiva circunscrição. Entretanto, só os Ragusanos
conseguem impor-se como mercadores internacionais.
Submetida até 1358 a Veneza, que tenta limitar a sua
expansão por mar, Ragusa desenvolve sabiamente as suas
relações com a retaguarda continental eslava e com as cos
tas da Albânia e da Grécia ocidental; completamente livre
a seguir, sob a tutela teórica da Hungria, lança-se nos mer
cados orientais. Em 1373, o papa autoriza-a a comerciar
com os infiéis, o que é confirmado pelo concílio de Basileia
em 1432. Desde logo, os Ragusanos que se encontram na
Síria, no Egipto ou na Anatólia, e que já em 1396 obtêm
uma carta de garantia de Bayazid I, adoptam como regra
de ouro manter a todo o custo as melhores relações com
os Turcos que, de resto, em breve chegarão às suas por
tas. E graças ao seu papel de transitário privilegiado entre
a Turquia e o Ocidente que Ragusa vai conhecer dois
séculos de uma espantosa fortuna.
321
por consequência presentes em todos os portos onde as
caravanas fazem chegar os produtos que lhes interessam.
E além de terem as únicas frotas importantes do Mediter
râneo - as mais consideráveis são as de Génova e Veneza —,
possuem também uma organização e meios económicos
inteiramente postos ao serviço de uma exploração comer
cial racional.
Génova e sobretudo Veneza melhoraram ainda, após
1204, o seu sistema de ligações regulares com o Oriente.
De Veneza, as mudae escoltadas por galés armadas diri
gem-se regularmente a Constantinopla e ao mar Negro,
a Chipre, a Beirute e a Alexandria, sem contar com a muda
da Berbéria, que escala a Sicília, Tunes, Trípoli, Bugio,
Argel, Orão e os portos muçulmanos de Espanha (Málaga
e Alméria). Todos os anos, as galés, que pertencem ao
Estado, são postas em leilão junto dos patrícios, únicos
com direito a alugá-las. Se não há guerra no mar, se se
pensa poder ir comprar os produtos desejados a preços
interessantes, se se está quase seguro de os vender em
boas condições, os lances sobem muito; no caso contrá
rio, os preços caem e em certos anos não chega sequer a
haver leilão. Quer isto dizer que os leilões das galés vene
zianas são um notável barómetro do comércio no Medi
terrâneo.
Desde o séc. xni, os grandes mercadores latinos detêm
outra superioridade: deixam, eles próprios, de viajar e
remetem geralmente os seus carregamentos a mandatá
rios estabelecidos com permanência que deverão vendê-
-los e, com a receita assim obtida, comprar outras merca
dorias. O mandatário, muitas vezes um parente do
mercador, recebe em princípio uma comissão de 2% sobre
os produtos vendidos e de 1 % sobre os que compra. Por
outro lado, no séc. XIII operou-se uma revolução mone
tária: não só as moedas orientais, bizantinas e muçulma
nas, já não dominam os mercados latinos, como são as
espécies ocidentais que entretanto conquistam o próprio
Oriente.
322
Cidades e actividades comerciais no final da Idade Média
323
proibiu que, de futuro, se tocasse no título do akçe, mas
a depreciação deste não cessou.
Por outro lado, o ouro rareia. Em 1456, Maomé II
ordena a sua cunhagem, mas o nome que é dado à nova
espécie, firengi filuri, ou florim franco, prova que se quer
imitar a moeda latina. De resto, trata-se apenas de uma
moeda de prestígio, e as transacções externas continuam
a utilizar o ducado veneziano como unidade de conta.
324
Cidades e actividades comerciais no final da Idade Média
325
meiros a ser atingidos pela expansão otomana, enquanto
Veneza se defende melhor nas ilhas. A parte Quios e
Fócida, as posições genovesas, em si mesmas, só têm um
reduzido interesse económico, sendo sobretudo feitorias
que trabalham com o estrangeiro; por seu lado, Veneza
dispõe, principalmente em Creta, de recursos locais não
desprezíveis, aos quais está em condições de deitar mão
sendo caso disso. Finalmente, as colónias genovesas estão
ligadas à metrópole por laços muito frouxos, tendo até a
Comuna, no séc. xv, abandonado a sua administração à
Casa di San Giorgio que, a partir de 1407, concentra os cré
ditos públicos; pelo contrário, Veneza soube estabelecer
no Oriente um regime muito flexível, no qual os seus
representantes são ao mesmo tempo controlados por con
selhos locais e, a partir do séc. xiv, pelos Smitíd ad partes
Leuantis (Síndicos do Levante), temíveis inspectores dele
gados pela metrópole. A perda de Péra, em 1453, logo
seguida da de Lesbo e da Fócida, depois da de Cafa em
1475, deixa apenas Quios nas mãos dos Genoveses, que aí
se mantêm até 1566. A partir de então os interesses geno
veses situam-se todos no Ocidente, enquanto Veneza, gra
ças a Creta, continua activa no Oriente até ao séc. xvn. E
sabido, de resto, que a derrota de Génova no Oriente esteve
na origem da sua fortuna: quando é descoberta a rota do
Cabo e se obliteram as antigas vias que levavam os pro
dutos orientais para o Mediterrâneo, Génova já tem sóli
das relações com o Oceano, ao mesmo tempo que Veneza,
demasiadamente segura de si própria no Mediterrâneo,
regista um atraso a Oeste que jamais conseguirá anular.
326
Cidades e actividades comerciais no final da Idade Média
327
O starium ou staium veneziano vale 40 000 esteres (staia) de trigo, quando a Comuna, em 1342,
entre 58,8 e 64,4 kg.
tem 369 000 nos seus celeiros.
Creta é, de facto, sobretudo uma escala para a Pequena
Arménia (Lajazzo), Chipre, Beirute e Alexandria. Até 1373,
o tráfico com Chipre é o mais importante: não só de lá
chegam a Cândia os produtos cipriotas como o sal e o
açúcar, mas também se vão lá comprar os produtos do
Levante - as especiarias, o ouro e a seda —, que quase
nunca são procurados directamente na Síria. Poste
riormente, com a conquista de Famagusta pelos Genoveses,
Veneza é obrigada a organizar uma muda especial, que
todos os anos se dirige a Beirute passando por Cândia.
Creta apenas desempenha um papel modesto no comér
cio com o Egipto: geralmente, a muda de Alexandria evita
Cândia e faz directamente a travessia a partir de Módon;
o que não quer dizer que não haja um tráfico local entre
Cândia, importante mercado de escravos, e o Egipto mame
luco permanentemente em busca desta mercadoria. Além
disso, Creta está ligada à Ásia Menor turca e às ilhas do
Egeu oriental: é de Creta que são enviados para os seus
postos os cônsules venezianos em Rodes, Palatia (Mileto),
ou Altologo (Efeso); aqui se compram aos Turcos cavalos
e escravos, vendidos depois em Cândia ou Rodes. Mas
essas feitorias servem sobretudo para drenar para Cândia
os produtos que não é possível comprar directamente nas
colónias genovesas de Quios e da Fócida, e acima de tudo
Alúmen: ver pp. 319-320. o alúmen e o mástique. Além disso, em caso de penúria,
Mástique: goma do lentisco, o território turco pode ainda fornecer um suplemento de
utilizada em perfumaria e em cereais que, também ele, transita por Cândia, verdadeiro
confeitaria, e monopólio de
Quios. entreposto geral da Romanie bassa.
328
Cidades e actividades comerciais no final da Idade Média
329
ciarias. Não há dúvida, porém, de que a exploração dos pro
dutos locais é ainda mais rentável: lá se compra aos Turco-
-Mongóis a cera, os couros, as peles e sobretudo os escra
vos, na sua maior parte destinados ao Egipto. Cafa conhece,
no entanto, uma decadência brutal no final do séc. xrv: as
conquistas de Timur-Lenk desorganizam as suas ligações e
o conquistador mongol dá-lhe o golpe de misericórdia ao
pilhar a região em 1395. Quando Maomé II se apossa dela
em 1475, ainda se fala das suas especiarias e dos seus bro
cados, mas, longe de poder exportar para o Ocidente, Cafa
limita-se então a abastecer a corte do sultão.
3»
Cidades e actividades comerciais no final da Idade Média
331
Para aprofundar este capítulo
333
19
Mudanças políticas e novas
fronteiras nos sécs. xiv-xv
534
Mudanças políticas e novas fronteiras nos sécs. xiv-xv
335
Quanto ao Império de Dusan, fragmenta-se em principa
dos autónomos no Epiro e na Macedónia (despotado de
Serrés).
336
Mudanças políticas e novas fronteiras nos sécs. xiv-xv
337
3. Recuperação otomana e morte de Bizâncio
A tomada de Constantinopla ■
339
de Novgorod, etapa decisiva no avanço da Rússia para o
mar. Nem todas as cartas estão, porém, jogadas. A ane
xação de Novgorod aviva a hostilidade da Lituânia, com
quem os Russos estão em contacto desde o final do séc. xiv.
Em 1500, Ivan III é rudemente derrotado em Dorogobuj
(Vidros), ao mesmo tempo que um sobressalto tatar o faz
perder Kazan em 1505.
Depois de o ter dominado e esgotado economicamente,
o Ocidente apresta-se, no final do séc. XV, para abando
nar o Oriente ortodoxo e muçulmano. Mas as novas rea
lidades políticas que aqui acabam de nascer, e que os
Latinos contribuíram para suscitar sapando o velho edi
fício imperial, representam uma verdadeira potência: com
os Turcos até ao séc. xvni, e posteriormente com os Russos,
o Ocidente tem de fazer face às ofensivas de um Oriente
de que, durante séculos, fora ele o assaltante.
340
Mudanças políticas e novas fronteiras nos sécs. xrv-xv
341
desde o princípio do séc. xin, o malikismo vai prevale
cendo por todo o lado, e são os Hafécidas - esses firmes
apoiantes dos Almóadas - que se tornam nos seus cam
peões.
iiÜÜliíUÜÜlUÜiiUUUUUlUlilUUliiUiUiUiiüUHiüuiiiiíiüiiiHiiüJuknuiimiHHüUiiüiiidHhiiUüUiüimüU
É em 1228 que o primeiro de entre eles, Abú Zakarya,
toma o poder para, em 1236, se achar senhor de um ter
ritório que, segundo o relato dos Genoveses que nego
ceiam com o novo Estado, se estende de «Trípoli da Ber-
béria até aos confins ocidentais do Bejaoua». A cidade de
Tunes torna-se então no verdadeiro centro da Ifriqiya,
como o testemunham as decorações e as fortificações com
que a dotam soberanos como al-Mustansir (1249-1277),
filho de Abú Zakarya. Ele apresenta-se como competidor
dos Mamelucos e assume o título califal: dos Násridas da
Andaluzia aos Merínidas de Fez e aos reis de Tlemcen,
todo o Magrebe reconhece a sua preeminência.
Mas com a sua morte estalam intermináveis querelas
sucessórias. As tribos seminómadas, chamadas em seu
socorro pelos candidatos ao trono e pagas por estes atra
vés das pesadas rendas cobradas aos sedentários, desen
cadeiam rebeliões e secessões até cerca de 1370, enquanto
a Ifriqiya vive sob a ameaça das potências cristãs e, sobre
tudo, de Aragão (conquista de Djerba em 1284).
Os Hafécidas vêem-se então constrangidos a solicitar
o auxílio de uma potência em ascensão, os Merínidas de
Fez, cujo maior sultão, Abü’l-Hasân, depois de ter sub
metido o reino de Tlemcen e defrontado os Castelhanos
em terra e no mar, entra em Tunes em 1347. Acabará por
renunciar perante a revolta das tribos e a secessão de
Trípoli, uma constante a partir de então na história da
Ifriqiya; o seu sucessor, Abú Inân, não conseguirá melhor
em 1357. A restauração hafécida em 1370 é, aliás, tam
bém obra das tribos. O novo sultão, Abúl-Abbâs, graças
aos seus esforços de restauração da ordem interna e à efi
cácia das suas defesas contra os Latinos, assegura ao país
um século de estabilidade, confirmada pelo longo reinado
de seu filho, Abú Faris (1394-1434) que, em 1431, con
segue mesmo que os Merínidas lhe rendam homenagem.
Mas os privilégios concedidos a Génova, Veneza e a
Aragão arruinam o tesouro e privam os soberanos dos
meios que lhes teriam permitido manter a ordem. Já o
reinado do filho de Abú Faris, Uthmân (1435-1488), <
marcado por secessões, rebeliões tribais e revoltas palacia
nas, com a pirataria latina em fundo. Em breve, a Ifriqíy;
será uma presa fácil para os Turcos, senhores do Egiptc
e de Argel em 1517, e para a Espanha unificada que, en
1492, derruba o pequeno reino andaluz dos Nasridas
antes de lançar temíveis cabeças de ponte nas costas magre
binas. Tempo decisivo, no entanto, para o Magrebe onde
342
1
Mudanças políticas e novas fronteiras nos sécs. xiv-xv
343
Sobre a conquista otomana, além de muitas obras cita
das nos capítulos precedentes, deverá sempre recorrer-se,
no que respeita às bases da expansão, a P. WlTTEK, The
Rise of the Ottoman Empire, reed., Londres, 1966; e a obra
de F. BABINGER, Mahomet II le Conquérant et son Temps, Paris,
1954, engloba também um estudo do reinado de Murad II.
Actualmente já se dispõe do essencial dos artigos, funda
mentais, de H. INALCIK, Studies in Ottoman Social and
Economic History, Londres, 1985; a completar com outra
colectânea, E. A. ZACHARIADIOU, Romania and the Turks
(c. 1380-C.1500), Londres, 1985; e com a de Sp. VRYONIS,
Studies on Byzantium, Seljuks and Ottoman, Malibu, 1981.
Sobre o caso de Dubrovnik, M. M. FREIDENBERG, Dubrovnik
i Osmanskaja Imperija, 2.- ed., Moscovo, 1989.
Sobre o mundo arábico-muçulmano, deverá ler-se, quanto
ao Egipto mameluco, R. IRWIN, The Middle East in theMiddle
Ages. The Early Mamluk Sultanate, 1250-1382, Londres, 1986;
mas, no que respeita à segunda dinastia mameluca, deverá
ainda recorrer-se ao livro, envelhecido, de W. MUIR, The
Mameluke or Slave Dynasty of Egypt, Londres, 1896, a com
pletar e corrigir graças à colectânea de D. AYALON, Studies
on the Mamluks of Egypt, 1250-1517, Londres, 1977. Sobre
a expansão do islão na África oriental, A. G. B. e H. J. FlS-
HER, Slavery and Muslim Society in África, Londres, 1970; e
J. CUOQ, LIslam enEthiopie, Paris, 1981. Sobre o Magrebe,
além das reflexões gerais de A. LAROUI, LHistoire du
Maghreb,já citada, ver o livro, ainda essencial, de R. BRUNS-
CHVIG, La Berbérie orientale sous les Hafsides, 2 vols., Paris,
1940-1947; a contribuição de M. MRABET para a Histoire
de Tunisie, t. 2, Le Moyen Age, Tunes, s. d.; M. BRETT, «The
City-State in Medieval Ifriqya: the case of Tripoli», Cahiers
de Tunisie, t. 34, n.- 137-138, 1986; e, no mesmo volume,
M. De Epalza, Etude d’éléments urbanistiques d’al-Andalüs, e
B. ÜOURMEC, «La ville et la mer: Tunis au XVe siècle».
Sobre o Magrebe Ocidental, D. J. MEUNIE, Le Maroc saha-
rien des origines à 1670, 2 vols., Paris, 1982; e sobretudo M.
Kably, Société, pouvoir et religion au Maroc à la fin du Moyen
Age, Paris, 1986. Sobre o fim da Andaluzia muçulmana, R.
Arie, LEspagne musulmane au temps des Nasrides, Paris, 1973,
e da mesma, Espana Musulmana (siglos VIII-XV), Barcelona,
1983, onde se encontrará, por outro lado, uma preciosa
bibliografia dos trabalhos em língua espanhola, sem esque
cer a contribuição de P. GuiCHARD para a Histoire des
Espagnols, dirigida por B. BENNASSAR, t. 1, pp. 127-158,
Paris, 1985.
344
20
Rumo a um encerramento cultural
do Oriente?
Facilmente se compreende que, desorientados pelas crises políticas, as convulsões sociais e as difi
culdades económicas, os espíritos tenham, de um modo geral, procurado refúgio, quer no islão quer
em países cristãos, em doutrinas místicas que, face à constante adversidade, proclamavam a possibi
lidade de cada um alcançar a verdade e a beatitude.
1. Misticismo e tradição
no mundo muçulmano
345
Mesmo os Nusairi, revoltados a norte de Trípoli em 1317,
Nusairi: seita fundada por
Muhammad ibn Nusair al-
só durante algum tempo foram castigados, tendo depois
-Namírí (morto cerca de 884). podido conservar as respectivas crenças. Entretanto, o
Admite a incarnação do Es sunismo ganha noutro terreno: uma vez varridas as últi
pírito Santo numa sucessão de mas praças latinas do Levante, os cristãos sírios e egípcios
imãs e rejeita a maior parte convertem-se em ritmo acelerado, ainda que muitos não
das prescrições rituais do is
lão. Os seus sequazes são tam tardem a arrepender-se, expondo-se assim aos rigores da
bém designados por Alauitas. inquisição do Estado. Mas se o regime mameluco não é
por essência perseguidor, ele adormece a longo prazo os
espíritos - tão despertos no séc. xm - num conformismo
sem imaginação e cada vez menos favorável ao diálogo.
346
Rumo a um encerramento cultural do Oriente?
347
num negócio que, pelo menos, deverá assegurar a Bizâhcio
o apoio romano contra os seus inimigos. Foi a política de
Miguel VIII - é certo que apoiada por espíritos religiosos
convictos -, que levou à união proclamada, em 6 de Julho
de 1274, no Concílio de Lyon, ao qual assistiram apenas
quatro bispos orientais. Tendo por único objectivo utili
zar Roma como uma barreira contra Carlos d’Anjou, a
união de 1274 não foi compreendida nem pelo clero nem
pelo povo. Rejeitada primeiro pelos estados gregos dissi
dentes (Epiro, Tessália), foi abandonada pelo papa e por
Andrónico II quando a sua necessidade política deixou
de se fazer sentir. As mesmas razões tácticas e, por con
seguinte, o mesmo fracasso marcaram as tentativas feitas
mais tarde por Andrónico III, João V e Manuel II.
3. Os fundamentos espirituais
da desunião cristã
■ A revolução hesicasta
348
Rumo a um encerramento cultural do Oriente?
349
e Nicéforo Grégoras -, Palamas encabeça o movimento,
a partir de 1338, ao compor as suas Tríades sobre os santos
hesi castas, mas debate-se com a desconfiança de Andró-
nico III e do patriarca que, no sínodo de 1341, tentam
impor o silêncio a uns e a outros. Mas já a querela hesi-
casta interfere nas lutas políticas: apoiado por Cantacuzeno,
Palamas triunfa com este em 1347 e torna-se arcebispo de
Tessalonica. Em Julho de 1351, um sínodo reunido no
Palácio Blachernes consagra o hesicasmo como doutrina
oficial da Igreja ortodoxa. Falecido em 1359, Gregório
Palamas será canonizado em 1368; é ainda hoje um dos
maiores santos da ortodoxia.
350
Rumo a um encerramento cultural do Oriente?
351
unidades políticas jovens e viáveis. Quanto aos Gregos, só
puderam resistir de modo disperso - ainda que o tenham
feito, por vezes, com heroísmo. Era impossível baterem-
-se por um Império já morto ou por edifícios políticos
como a Moreia onde os arcontes abriam incessantemente
brechas na autoridade dos déspotas. Nos seus esforços
para levarem as populações moreotas a combater, Teodoro I
e Constantino Dragasés apenas depararam com indife
rença e traição. E que o único horizonte político era o
do kastron e do seu pequeno território no qual, chegada
a hora da catástrofe, se soube - demasiado tarde - resis
tir com grande valentia.
As lutas anti-otomanas dos sécs. XIV e XV inspirarão
fecundamente, muito mais tarde, os movimentos nacio
nalistas dos Balcãs. Todavia, se a ortodoxia não sossobrou
foi porque preferiu a integridade espiritual sob domina
ção estrangeira a uma restauração política cujo preço era
uma renúncia cultural. O facto de Jorge Escolário, um
dos mais frontais adversários da união, ter sido colocado,
em 1453, no trono patriarcal de Constantinopla por
Maomé II, é deveras significativo a este respeito.
4. O florescimento cultural
sob os Paleólogos: uma renascença?
352
Rumo a um encerramento cultural do Oriente?
353
de fins do séc. xiv os Latinos afluem ao «Museu», como
Francesco Filelfo, futuro genro do sábio Manuel Crisóloras.
No séc. xv, o que viria a ser o papa Pio II considera que
O humanista Eneias Sílvio
Piccolomini (1405-1464), foi papa entre quem nunca tivesse passado por Constantinopla só podia
1459 e 1464 com o nome de Pio II. ter uma instrução incompleta.
■ As ciências
354
Rumo a um encerramento cultural do Oriente?
A história ■
355
5. A «esclerose» cultural do islão
liiuuiiluu
cultural geral do que o número, ainda assim considerá
vel, de grandes obras que conservam o saber antigo e che
gam a fazer progredir sensivelmente o conhecimento em
vários domínios.
356
Rumo a um encerramento cultural do Oriente?
O último dos grandes filósofos clássicos, Ibn Rushd Ibn Khaldún: nascido em
(Averroes), o mais ilustre dos comentadores de Aristóteles, Tunes em 1332 e falecido no
Cairo em 1406.
morreu em 1198. Desde então, a filosofia muçulmana
atola-se com frequência no formalismo ou na mística. E
o caso do murciano Ibn Sab’in, que faleceu em 1270. No
entanto, a filosofia vai renovar-se uma última vez, não já
sob a forma metafísica habitual, mas por uma reflexão
completamente original sobre a história geral da huma
nidade: grande viajante, homem de Estado, autor de uma
volumosa compilação histórica particularmente preciosa
para o estudo do mundo berbere, o Andaluz Ibn Khaldún
faz a síntese dos seus estudos e experiências no prefácio
da sua obra, Muqaddimah ou Prolegómenos. Sensível a todos
os factores que influenciam a evolução das sociedades
humanas, desde a arte aos dados económicos, ele é o ver
dadeiro iniciador da sociologia histórica: enquanto filó
sofo da história, considera que todos os grupos sociais per
correm uma mesma evolução cíclica que os leva do
conhecimento ao apogeu e, depois, à dissolução. Trata-
-se, como é evidente, de uma concepção demasiado deter
minista mas que, pela primeira vez, impõe a ideia de que
pode haver leis num domínio até então reservado ao acaso
ou à soberana vontade divina. De resto, o óbvio génio de
Ibn Khaldún é significativo do seu tempo: profundamente
pessimista, não terá qualquer continuidade antes da época
contemporânea que o redescobriu.
■ As ciências
358
Rumo a um encerramento cultural do Oriente?
359
■ O Oriente cristão e as artes figurativas
■ A arte islâmica
A tradição. O expressionismo domina também a arte
muçulmana no final da Idade Média. Certas regiões con
tinuam, porém, muito conservadoras. É o caso da África
do Norte onde, até à conquista turca, apenas se constroem
360
Rumo a um encerramento cultural do Oriente?
361
muçulmano, que exige um espaço muito mais vasto. A mes
quita do Conquistador, edificada em Istambul por Maomé II,
ainda se compõe apenas de uma grande cúpula apoiada,
ao fundo, numa semi-cúpula e, aos lados, em dois cola
terais sobrepujados por cupuletas. Mas a Mesquita de
Bayazid II, terminada em 1505, já comporta duas semi-
-cúpulas enquadrando a grande cúpula central. No séc. XVI,
com o grande arquitecto Sinan, o espaço ainda se amplia
mais: em 1548, ele constrói, para a Mesquita Chehzadé,
uma cúpula de 19 metros de diâmetro e 37 metros de
altura. Mas faltava-lhe ainda edificar a sua obra-prima: a
Mesquita de Selim II, em Edima, onde uma única e enorme
cúpula de 31 metros de diâmetro culmina com tanto mais
leveza quanto assenta em todo um sistema de cúpulas
secundárias, cujos pontos de apoio se encontram todos
no interior do edifício. Deste modo, coube aos arquitec-
tos dos sultões juntarem a perfeição exterior a um tipo
de edifício ao qual os Bizantinos tinham sobretudo dado
a majestade interna.
■ Conclusão
362
Rumo a um encerramento cultural do Oriente?
363
Byzance: naissance de la littérature néohellénique», Ades
du XIIT Congrès International des Etudes Byzantines, Oxford,
1966; e H. e R. KAHANE, «Abendland und Byzanz: Sprache»,
in Reallexikon der Byzantinistik, Band I, pp. 345-640, Ames-
terdão, 1976. Sobre o tema de Bizâncio e a renascença
ocidental, ver as obras citadas acima de D. J. GEANAKO-
PLOS. Quanto à transmissão da cultura bizantina à Rússia,
ver D. ClZEVSKIJ, A Histovy ofRussian Literature from the Xlth
to the end of the Baroque, Haia, 1962; e D. LlKHACHOV, The
Great Heritage - the Classical Literature of Old Rússia, Moscovo,
1980.
Sobre os problemas culturais do mundo muçulmano,
a questão da «esclerose» cultural é sobretudo levantada
por Cl. CAHEN, «Les facteurs économiques et sociaux dans
Fankylose culturelle de Plslam», Classicisme et Déclin cul-
turel dans Vhistoire de Tlslam, Paris, 1957; dever-se-á acres
centar Abd Al-Majid Turki, «Comment Ibn Khaldoun
explique-t-il le double phénomène de 1’essor et de la stag-
nation religieuse au Maghreb et dans 1’Espagne musul-
mane», in Théologiens et Juristes de lEspagne musulmane, Paris,
1982; sem esquecer os Etudes dlslamologie de R. BRUNSCHVIG,
onde se encontra, no t. 1, Paris, 1976, a reed. do seu artigo
«Problèmes de décadence». Sobre os homens de religião,
há um excelente estudo sobre a Andaluzia: D. URVOY, Le
Monde des ulémas andalous du Xe-XLe aux XIIe-XIIIe siècles,
Etude sociologique, Genève, 1978. Sobre Ibn Khaldún,
ver o livro citado de Y. LACOSTE. Quanto ao mundo oto
mano, reportar-se a H. INALCIK, Studies, citado no capítulo
precedente.
Sobre a arte de Bizâncio e dos países eslavos, além das
obras gerais já citadas, poderá recorrer-se a P. KANELLO-
POULOS, Mistra, Munique, 1962; à monumental publica
ção de P. UNDERWOOD, The Kariye Djami, 3 vols., Nova
Iorque, 1966; bem como à que continua a ser a melhor sín
tese sobre a pintura, O. DEMUS, «Die Entstehung des Palaolo-
genstils in der Malerei», Ades du XIe Congrès International
des Etudes Byzantines, Munique, 1958. Poderão apreciar-se
as mais impressionantes miniaturas do último período
bizantino em S. ClRAC-ESTOPANAN, Skylitzes Matritensis, t. 1,
Reproducciones y miniaturas, Barcelona, 1965. Sobre con
tactos e influências entre arte bizantina e Ocidente, entre
os numerosos trabalhos de T. VELMANS, «Deux manuscrits
enluminés inédits et les influences réciproques entre
Byzance et Fltalie au XIVe siècle», Cahiers Archéologiques,
XX, 1970. Sobre a arte na Sérvia, G. MlLLET, La Peinture
au Moyen Age en Yougoslavie, 3 vols., Paris, 1954-1962; e
R. Hamann-Mac Lean, Die Monumentalmalarei in Serbien
und Makedonien, Giessen, 1963. Quanto à Bulgária, D. PANA-
JOTOVA, La Peinture monumentale bulgare au XIVe siècle, Sofia,
1966; e quanto à Rússia, V. N. LAZAREV, Old Russian Murais
364
Rumo a um encerramento cultural do Oriente?
365
índice remissivo
Este índice não é exaustivo, Os números de página em itálico indicam que a palavra é definida
à margem ou no texto.
367
Larguezas Sagradas: 38, 93, 136 novela: 48, 93, 172-173, 233 sufritas: 146
laura: 128 nusairi: 346 sultão, sultanato: 220, 279, 318,
libra (de 72 nomismata): 54 passim 336, 341, 345, 351
logoteto: 136 pahlavi: 61 sunismo: 143, 150, 154-155, 242-
paideia: 228 243, 256, 345
madrasa: 212, 243, 346, 361 palmitos: 228 Sunna: 87, 106, 143, 240
Magnaura: 229 pão ázimo: 283
mahdi: 106, 150 pareço: 133, 162, 167, 262, 297, tabaqât: 241
maistor: 229 301 tagmata: 95, 138
malik: 221 patriarca ecuménico: 125, 212 takiya: 153
malikismo: 342 patriarca, patriarcado: 126, 209, taktikon: 135, 136
mameluco: 148, 288, 295, 298, 347, 352 taldjfa: 179
306, 329, 340, 345, 351 pénètai: 167 tapu: 299
Mani, maniqueísmo: 58, 87 phollis: 183, 199 télos: 97
maqsura: 110 pireu: 58 tema: 37, 94, 137, 138
marzban: 60 pomiechtchik: 306 terra clasmática: 174
mástique:32£, 330 porfirogeneta: 130, 215 tetartéron: 199
mawâli: 105, 106, 108, 142 prefeito do pretório: 37, 93 thémata: 138
mazdakismo: 61 proasteion: 162 Thughur: 148
mazdeísmo: 58 Procheiron: 233 thughúr: 148
mesquita: 110, 236 pronoia pronija: 174, 263, 303, timar, timariotas: 299-300, 304,
mestre dos ofícios: 36 305, 314 307, 308
metóquio: 129 propaideia: 228 tipoukeitos: 233
metrópole: 125 proskynese: 132 tiraz: 195
metropolita: 125 protoasekretis: 136, 231 Três Capítulos: 47
mihrab: 110, 238 turcomano, turquemeno: 219, 221,
milliarésion: 183, 199 qâdi: 106, 143, 157, 195, 222, 313, 251
minarete: 110, 244 319 typikon: 128, 264
minbar: 110 qasida: 236
mobadan, mobadan mobad: 58 qatâ’i: 105, 152, 177 ulemá: 201, 346
moçárabe: 146 qatfa: 86 umma: 80, 87, 142, 149
modios: 53 qibla: 80, 110, 236 umra: 68, 81
monofisismo, monofisita: 46, 91, qiyâs: 143
121, 123 vallania: 327
monóxilos: 78, 214 reâya: 299 Varegues: 214 37
muçulmano: 80 Res Privata: 38, 51, 93, 136 vaspuhr: 58
muda, mudae: 271, 321-322 reyes de taifas: 226 vastryoshbadh: 59
mudjahid: 257, 282 ribât: 146, 224
wâli: 85
mufti: 155 ridda: 83
mughârasa: 179 waqf, habus: 177, 223, 266
roga: 135
muhtasib: 317, 318 wâzir, vizir: 142, 159
muladis: 146 Sahil: 283 xá: 221
mulk: 304 salat: 71 xeque: 102
muqta’: 264 sandjak: 338 xiismo: 87, 101, 108, 141, 144, 148-
mutazilismo: 144 scotismo: 354 150, 153-154, 156-158, 256, 345
muzara: 178 scriptorium: 230
sékréta: 33, 94, 136 zaidismo: 108
nártice: 234, 358 sekrétikos: 136 zakât: 81, 104, 108
nestorianismo, nestoriano: 46, 58, shu’ubiyya: 237 zandj: 178
91, 239 síndicos do Levante: 326 zeamet: 308
nomisma, soldo: 135, 183, 184, skalai: 268 zelo tas: 211, 317, 335
200, 269 sotché: 306 zindiq: 143, 345
nora: 164 sufi, sufismo: 155, 223 zoroastrismo: 57, 87
368
índice dos mapas
A. Cairo 396
B. Córdova 396
C. Bagdade 396
D. Constantinopla (nos séculos xrv e xv) 396
369
iliiiiiilin
B+
Legendas dos mapas
Dado não se encontrarem traduzidas as designações constantes dos mapas anteriores, listam-se,
mapa a mapa e por ordem alfabética, as respectivas traduções.
371
Irtych - Irtiche Mer Noire - Mar Negro Rayy - Rey
Ispahan — Ispaão Mer Rouge - Mar Vermelho Rhin - Reno
Mésopotamie - Mesopotâmia
Kabul - Cabul Mogadiscio - Mogadoxo Sahara - Sara
Kaschgar — Cachegar Sébastée - Sebasteia
Khwarizm - Khwarezm Nedjed - Nejed Socotra - Socotorá
Niger - Níger Sogdiane - Sogdiana
L. Tchad - Lago Chade Nil - Nilo
La Mecque - Meca Nishapur - Nichapur Taurus - Tauro
Lac Balkhach - Lago Balcache Thessalonique - Tessalónica
Le Caire - Cairo Ocèan Indien - Oceano Índico Thrace - Trácia
Ourai — Ural Tiflis - Tíflis
Marw - Merv O URAL - URALES Trébizonde - Trebizonda
Mayence - Mogúncia Oxus - Oxus Tropique du Câncer - Trópico de
Médine - Medina Câncer
Mélitène - Meliteno Pannonie - Panónia
Mer Caspienne - Mar Cáspio Pinde - Pindo Venise — Veneza
Mer d’Arai - Mar de Arai Prague - Praga
Mer Méditerranée - Mar
Mediterrâneo Qairouan — Cairuão
A região de Meca
Djidda - Jidda Médine - Medina Térritoire sacré - Território sagra-
Mer Rouge - Mar Vermelho do
Hudaybiya - Hudaibiya
Piste caravanière - Rota de carava- Yathrib - Iatribe
Khaybar - Kheibar nas
372
índice remissivo
Os temas bizantinos
Antioche - Antioquia Danube - Danúbio Nikopolis - Nicópolis
Dyrraquion - Dirráquio
Bucellaires - Bucelários Paphlagonie - Paflagónia
Euphrate - Eufrates Péloponnèse - Peloponeso
Calabre - Calábria
Cappadoce - Capadócia Halys - Halis Rome — Roma
Céphallénie - Cefalónia Hellade - Hélada
Chaldée - Caldeia Sébastée - Sebasteia
Charsianon - Carsianos Longobardie - Longobardia Séleucie - Selêucia
Chersôn - Quérson Lucanie - Lucânia Sicile - Sicília
Chypre - Chipre Lykandos - Licândia Strymon - Estrímon
Cibyrrhéotes - Cibiratas
Colonée - Coloneia Macédoine - Macedónia Thessalonique - Tessalonica
Constantinople - Constantinopla Mer Egée - Mar Egeu Thrace - Trácia
Crète - Creta Mer Noire - Mar Negro Thracèsiens - Tracésios
Mésopotamie - Mesopotâmia
Dalmatie - Dalmácia
373
O monte Atos
Amalfitains - Amalfitanos Cap Akratos - Cabo Akratos Mer Égée - Mar Egeu
Ancien Canal de Xerxès - Antigo
Canal de Xerxes Golfe de Haghion Oron - Golfo Saint-Paul - São Paulo
de Haghion Oron
374
índice remissivo
O Oriente em 1214
Achaie - Acaia Empire Latin - Império Latino Propontide - Propôntida
Antalaya (Attaléia) - Antália Empire de Nicée - Império de Niceia
(Ataleia) Empire de Trébizonde - Império Raguse (Dubrovnik) - Ragusa
de Trebizonda (Dubrovnik)
Brousse - Bursa Etat Grec Occidental (Epire) - Rhodes - Rodes
Bulgarie - Bulgária Estado Grego Ocidental (Epiro) Royaume de Thessalonique -
Euphrate - Eufrates Reino de Tessalonica
Chypre - Chipre
Constantinople - Constantinopla Halys - Halis Serbie - Sérvia
Corinthe - Corinto Sofia - Sófia
Crète - Creta Mer Adriatique - Mar Adriático Sultanat de Rum - Sultanato de
Mer Egée - Mar Egeu Rum
Danube - Danúbio Mer No ire - Mar Negro
Duché d’Athènes - Ducado de Atenas Modon - Módon Thèbes - Tebas
Duché de 1’Archipel - Ducado do Thessalonique - Tessalonica
Arquipélago Nicée - Niceia Trébizonde - Trebizonda
No final do século x
Alexandrie - Alexandria Idrissides - Edrícidas Mer Rouge - Mar Vermelho
Barka - Barca
Bcsagse - Bugio Jérusalem - Jerusalém Nil - Nilo
La Mecque - Meca
Damas — Dagwrn Le Caire - Cairo Palerme - Palermo
Qairouan - Cairuão
Faii—— Fassiàas Médine - Medina
Fès-Fcz Mer Méditerranée — Mar Umayyades - Omíadas
Mediterrâneo Zirides - Ziridas
376
índice remissivo
378
índice remissivo
379 51
Cairo
Al-Askar - Askar Saladin - Fortificações projecta- Rive actuelle du Nil - Margem ac-
Al-Fustat - Fustat das por Saladino tual do Nilo
Al-Qahira - Cairo Ile de Roda - Ilha de Roda Rive du Nil à 1’époque de
Al-Qatai - Qatai Mosquée al-Ahzar - Mesquita de Fatimide - Margem do Nilo na
al-Ahzar época fatímida
Babylone - Babilónia Mosquée al-Hakim - Mesquita de Rive du Nil à 1’époque de la
al-Hakim conquête Arabe - Margem do
Citadelle de Saladin - Cidadela de Mosquée d’Amr - Mesquita de Amr Nilo na época da conquista Arabe
Saladino Mosquée d’Ibn Tulun - Mesquita Rive du Nil à 1’époque de Saladin
fondé en... - fundada em... de Ibn Tulun - Margem do Nilo na época de
Murailles de briques fatimides - Saladino
Fortifications construites par Muralhas fatímidas de tijolos
Saladin - Fortificações construí (ville gréco-romaine) - (cidade
das por Saladino Pont de bateaux - Ponte de barcas greco-romana)
Fortifications projetées par
Córdova
Djanib de 1’Est - Djanib de Leste Rabanàles - Rabanales Almodovar dei Rio
Djanib de 1’Ouest - Djanib de Oeste vers Elvira - para Elvira
Sierra de Cordoba - Serra de vers Séville - para Sevilha
Extension Nord - Extensão Norte Córdova voie romaine - via romana
vers Alcolea - para Alcolea
Madina - Medina vers Almodovar dei Rio - para
Bagdade
anncien cours du Tigre - antigo enceinte de Mustazhir - cerca de Khurasan
curso do Tigre Mustazhir Porte de Kufa - Portas de Cufa
Porte de Syrie - Portas da Síria
Canal d’Isa - Canal de Isa fossé de Tahir - fosso de Tahir
Ville ronde - Cidade redonda
enceinte de Musta’in - cerca de Porte de Basra - Portas de Baçorá
Musta’in Porte de Khurasan - Portas de
380