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1 © Geimar de Lima

BI 101 – Introdução à Bíblia I – Aula 05

O CÂNON DO NOVO TESTAMENTO

Esta aula é composta por:


§ Vídeo introdutório – os conceitos de cânon vistos na formação do Novo Testamento
§ Texto: O cânon do Novo Testamento
§ Perguntas para estudo individual

Introdução
O cânon do Novo Testamento foi composto ao longo de meio século concomitantemente
ao avanço da pregação do Evangelho no mundo greco-romano. Os discípulos que sob ordem
de Jesus deixaram a região da Judeia dirigindo-se ao coração do império (cf. At 28.14) e,
intentando alcançar a sua extremidade (cf. Rm 15.24, 28) valeram-se da língua grega,
amplamente falada dentro do império tanto nas atividades comerciais como no dia a dia para
escreverem a mensagem que almejavam comunicar.
O caráter internacional da igreja cristã implicou também na necessidade de
correspondência com grupos de outras localidades. Diversas destas correspondências tornaram-
se escritos que depois de seu uso imediato, ou seja, a comunicação com a igreja de destino,
devido a catolicidade de seu conteúdo, elas também adentraram o cânon sendo reconhecidas
pela igreja como livros inspirados.1
Nesta aula, o objetivo é listar os escritos aceitos como canônicos, incluindo aqueles que
em algum momento foram disputados porém vieram a integrar o NT. Por esta razão,

1
É possível identificar como um testemunho do próprio Novo Testamento que alguns escritos, cuja
procedência era da pena de pessoas credenciadas por Deus, não adentraram o cânon, possivelmente, porque o
objetivo de seu conteúdo era específico para um grupo na época dos apóstolos. Exemplo disso, são as duas epístolas
que Paulo escreveu aos coríntios e, que se perderam na história. Disso, entendemos que inspiração e preservação
são ações do Espírito Santo que caminham juntas.
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consideramos também as razões para a escolha dos 27 livros que conhecemos como canônicos
e não de outros.

O caráter explicativo do cânon do Novo Testamento


Já foi mencionado na aula anterior como evangelhos como o de Lucas e o de João foram
escritos com o objetivo de instruir e fortalecer a fé de seus leitores originais. Porém, este caráter
explicativo é evidenciado principalmente nas epístolas do Novo Testamento que instruem os
cristãos a respeito das razões e das consequências da obra de Cristo. Se os evangelhos se
concentram em registrar os eventos, é claro, ora ou outra apresentando as razões do porquê o
fazem, as epístolas assumem os mesmos eventos concernentes a vida de Cristo, porém focadas
na verdade eterna que os eventos temporais carregam. Detalhe, a instrução acerca da verdade
foi derivada não dos evangelhos registrados, mas do testemunho ocular ou da pregação a
respeito destes eventos.2
No cerne da comunicação do Novo Testamento está a pessoa de Cristo e sua obra. Não
se encontra página da qual ele não seja matéria. Neste sentido, o Novo Testamento se revela
também como complementar ao Antigo e não oposto a este como muitos acreditam. O que
outrora era uma “semente” da revelação de Deus registrada nas páginas do AT, tornou-se na
mais plena revelação como registrado pelas páginas do NT. Até mesmo aquilo que serviu de
símbolo ou de guia para Cristo e que nele encontra o seu cumprimento3 é pelos autores
neotestamentários utilizado como instrumento para comunicação da verdade em todos os seus
detalhes.4 Assim, o Novo Testamento cumpre o papel de explicar além da vida de Cristo tudo
aquilo que o Antigo Testamento antecipou a respeito dela:
Foi a respeito desta salvação que os profetas indagaram e investigaram. Eles profetizaram a
respeito da graça destinada a vocês, investigando qual a ocasião ou quais as circunstâncias
oportunas que eram indicadas pelo Espírito de Cristo, que neles estava, ao predizer os
sofrimentos que Cristo teria de suportar e as glórias que viriam depois desses sofrimentos. A eles
foi revelado que, não para si mesmos, mas para vocês, ministravam as coisas que, agora, foram
anunciadas a vocês por aqueles que, pelo Espírito Santo enviado do céu, lhes pregaram o
evangelho, coisas essas que anjos desejam contemplar. (1Pedro 1:10-12)

2
Parte das epístolas foram compostas muitos anos antes do registro do primeiro evangelho, o que
testemunha para o fato de que aquilo que o que os apóstolos escreveram foi um produto daquilo que ” o que
ouvimos, o que vimos com os nossos próprios olhos, o que contemplamos e as nossas mãos apalparam, a respeito
do Verbo da vida[...] o que vimos e ouvimos anunciamos também a vocês” (1Jo 1.1, 3).
3
Por exemplo, a lei civil e cerimonial ou, então, o tabernáculo e o templo.
4
A aula 06 falará sobre a relação entre o Antigo e o Novo Testamento.
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Os livros indisputados
Nos estudos bíblicos, há conjuntos de livros que são denominados como
homologoumena. Estes são escritos sagrados que desde os primórdios da Igreja foram
reconhecidos como inspirados por Deus e portanto canônicos.
Dos 27 livros que compõe o NT, ao menos 17 deles parecem sempre terem figurado
com o status de canônicos. São eles: a) os quatro evangelhos; b) Atos dos Apóstolos; c) e doze
epístolas paulinas, com exceção de Filemon. Os demais livros do NT geralmente são
classificados como omitidos ou como disputados.
Desde cedo, os livros aceitos por toda a comunidade cristã foram amplamente lidos,
utilizados na liturgia da igreja primitiva e citados pelos Pais da Igreja constantemente na
sustentação de seus ensinos. Por isso, do ponto de vista do cânon funcional, isto é, do
reconhecimento da sua autoridade pela igreja, desde o princípio estes livros parecem terem sido
adotados como referencial para a aceitação ou não de outros escritos como canônicos.

Os livros omitidos
Geisler e Nix classificam três livros do Novo Testamento como omitidos ao invés de
disputados. São eles: Filemon, 1Pedro e 1João.5 A literatura do primeiro século não lançou
dúvidas sobre a canonicidade destras três epístolas, porém, eles são classificados como omitidos
justamente pela ausência de menção a eles entre os escritos mais antigos da Igreja.
Possivelmente, a principal razão para isso é a pequena extensão destas epístolas e a natureza
eminentemente prática, principalmente, de Filemon e 1Pedro, que, talvez, não tenha levado os
teólogos da Igreja a os utilizarem em sua argumentação.

Os livros disputados
Entre os livros classificados como antilegomena ou disputados, isto é, que durante
algum tempo na história da igreja não eram considerados como canônicos, mas passaram a ser,
estão: Hebreus, Tiago, 2Pedro, 2João, 3João, Judas e Apocalipse. Segundo Geisler e Nix a razão
da disputa inicial foi mais por causa de uma dificuldade de comunicação entre ocidente e oriente
do que necessariamente por causa das razões concernentes aos critérios canônicos. Por

5
Cf. GEISLER, Norman; NIX, William. From God to Us: How we got our Bible. Chicago: Moody
Publishers, 2012. p. 200.
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exemplo, eles destacam que a epístola aos Hebreus só se estabeleceu no cânon do Novo
Testamento no quarto século por pelo menos três razões: 1) a não associação da epístola com
um apóstolo claramente nomeado; 2) o fato de montanistas6 apelarem para a epístola aos
Hebreus para sustentarem erroneamente suas heresias; 3) a demora do Ocidente em tomar
conhecimento da aceitação da autoridade de Hebreus entre as igrejas orientais.7
As dúvidas a respeito da autoria, principalmente, da ausência de indicativos de uma
autoria apostólica foram as principais razões para a disputa em relação a Tiago (irmão de Jesus),
Judas (irmão de Jesus) e 2 e 3João (João se denomina apenas como presbítero). O
questionamento sobre a autoria também foi um motivo para a não-concordância em relação a
2Pedro, porém porque as duas epístolas a ele atribuídas possuem estilos literários diferentes. O
caso de Apocalipse é curioso, pois durante o segundo século, rapidamente teve sua autoridade
reconhecida pelos primeiros pais da igreja. No entanto, no final doterceiro e no início do quarto
séculos, teve sua canonicidade questionada principalmente pelos usos inadequados promovidos
por alguns grupos sectários.8

Características da canonicidade dos 27 livros do NT


A existência de livros que não passaram por questionamentos e daqueles que
inicialmente não eram reconhecidos como canônicos indica que a Igreja precisou se apoiar em
alguns critérios que evidenciariam a inspiração dos 27 livros. Paulo Anglada destaca a
existência de ao menos quatro evidências da canonicidade dos livros do Novo Testamento,
bastante semelhantes às evidências relativas aos livros do AT: 1) o testemunho interno do
Espírito Santo; 2) origem apostólica; 3) o conteúdo dos livros; 4) evidências internas.9

6
O montanismo ou Heresia Frígia defendia a mais profunda forma de vida ascética uma vez que ensinava
a respeito do eminente fim do mundo. Sobre Montano, o fundador do Montanismo, Eusébio cita as palavras de
Apolônio: “Quem é este novo doutor, demonstram-no as obras e os ensinamentos. Ensinou a dissolver os
casamentos, legislou sobre o jejum,77 deu a Pepuza e a Timião, pequenas cidades da Frígia, o nome de Jerusalém,
desejoso de congregar ali gente de toda a parte, estabeleceu cobradores de dinheiro, inventou a coleta de
presentes sob o nome de ofertas, determinou salários aos que pregavam a sua doutrina a fim de que, por meio da
gula, prevalecesse o ensino desta mesma doutrina.”. EUSÉBIO DE CESAREIA. História Eclesiástica. Patrística.
vol. 15. Paulus Editora. p. 185. Edição do Kindle.
7
Cf. GEISLER, Norman; NIX, William. Op. cit. p. 214.
8
Cf. GEISLER, Norman; NIX, William. Op. p. 215.
9
Cf. ANGLADA, Paulo R. B. Sola Scriptura: a doutrina reformada das Escrituras. São Paulo: Os
Puritanos, 1998. p. 33.
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O testemunho interno do Espírito Santo


Acima foi visto que a promessa da presença do Consolador é um dos fatores que
assegurou a preservação da verdade por meio dos escritos dos autores do Novo Testamento.
Porém, a atuação do Espírito Santo se estendeu além da inspiração dos autores, alcançando
também a Igreja que pela sua iluminação seria capaz de como corpo reconhecer a canonicidade
destes livros. Anglada, citando William Whitaker, afirma

Isso não significa dizer, entretanto, que seja a igreja quem tenha determinado o cânon.
Quem determinou o cânon foi o Espírito Santo que o inspirou. A igreja apenas o
reconheceu, o discerniu, pela iluminação do próprio Espírito Santo, que habita nos
seus membros individuais. William Whitaker, professor de Teologia na Universidade
de Cambridge, no livro Disputation on Holy Scripture, publicado em 1588, e
freqüentemente citado na Assembléia de Westminster, resume o papel da igreja como
corpo e dos crentes individuais com relação ao reconhecimento do cânon, com as
seguintes palavras: “...a autoridade da igreja pode, a princípio mover-nos a
reconhecermos as Escrituras: mas depois, quando nós mesmos lemos as Escrituras, e
as compreende-mos, concebemos uma fé verdadeira...”— isto é, somos convencidos
pelo Espírito da sua veracidade e identidade.10

Origem apostólica
O segundo critério e, o que causou maiores disputas, como visto acima, é a origem
apostólica de um escrito. A ampla maioria dos escritos paulinos foram reconhecidos como
inspirados, justamente por proceder da pena do apóstolo. O mesmo aconteceu com os
evangelhos de Mateus e João. Os evangelhos de Marcos e Lucas, bem como o livro de Atos,
foram recebidos como canônicos, pois seus autores tiveram contato próximo com os apóstolos,
possivelmente, sendo supervisionados ou instruídos por estes. Lucas, por exemplo,
acompanhou Paulo em viagens missionários. O registro de Marcos, para muitos, tem como
origem o testemunho ocular de Pedro.11
É por causa do critério da origem apostólica que a busca por se determinar a autoria de
Hebreus foi tão intensa.12 Porém, como afirmado por Carson, Moo e Morris as disputas eram
mais em relação à própria autoria do que necessariamente em relação à canonicidade:

Não resta dúvida de que, quando foi incorporada à obra paulina – provavelmente em
Alexandria, no século II – estava sendo reconhecido que ela possuía condição
canônica. Aliás (até onde sabemos), nem em Alexandria nem na igreja oriental nunca
se duvidou de sua canonicidade, quaisquer que fossem as dúvidas que pudesse haver

10
Anglada, Paulo R. B. Sola Scriptura: a doutrina reformada das Escrituras. São Paulo: Os Puritanos,
1998. p. 42.
11
Cf. CARSON, D. A.; MOO, Douglas; MORRIS, Leon. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo:
Vida Nova, 1997. p. 103.
12
O Fragmento Muratoriano (180 d.C.) não lista Hebreus entre os livros canônicos.
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sobre a sua autoria. [...] Eusébio inclui Hebreus entre os livros “reconhecidos”,
embora tenha consciência das dúvidas existentes a respeito no ocidente.13

Conteúdo do livro
A veracidade do ensino do livro a respeito de Deus, do homem, etc. também é um
critério da canonicidade dos livros do Novo Testamento. Os livros além de comparados ao
cânon fechado do Antigo Testamento também foram comparados entre si para o
reconhecimento da inspiração ou não de um escrito. Certamente, se um livro contradissesse o
que foi registrado pelo apóstolo Paulo em suas epístolas ou por Mateus e João em seus
evangelhos, seria negada a sua inclusão no cânon neotestamentário.

Evidências internas
Por fim, como visto na aula 04, os próprios livros do NT testemunhavam a respeito da
canonicidade e autoridade de outros livros. Singular é a recomendação de Pedro para que os
cristãos da região do Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bítinia lessem aquilo que Paulo também
escrevia: “E considerem a longanimidade do nosso Senhor como oportunidade de salvação,
como também o nosso amado irmão Paulo escreveu a vocês, segundo a sabedoria que lhe foi
dada, ao falar a respeito destes assuntos, como, de fato, costuma fazer em todas as suas cartas.
Nelas há certas coisas difíceis de entender, que aqueles que não têm instrução e são instáveis
deturparão, como também deturparão as demais Escrituras, para a própria destruição deles.”
(2Pedro 3.15-16). Nesta conclusão, Pedro implicitamente exalta os escritos paulinos à posição
semelhante do Antigo Testamento (cf. menção ao termo “Escrituras”), ao mesmo tempo que
expõe suas próprias fraquezas, uma vez que na epístola de Paulo aos Gálatas, Paulo havia
registrado sobre o momento em que precisou repreender Pedro (cf. Gl 2.14). Este é apenas um
dos exemplos de que a canonicidade de um livro é determinada por Deus e não pelos homens.

13
CARSON, D. A.; MOO, Douglas; MORRIS, Leon. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Vida
Nova, 1997. p. 440.
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Pergunta para estudo individual


Como forma de preparação para a aula 06, escolha uma epístola do Novo Testamento e
identifique os momentos em que ela faz alusão, cita ou expande algo comunicado pelo Antigo
Testamento. Recomenda-se que se faça uma tabela com três colunas: 1) texto do AT
mencionado ou citado; 2) alusão, citação ou progresso da revelação; 3) por que o autor está
fazendo uso deste texto do AT em sua argumentação?

Bibliografia
ANGLADA, Paulo R. B. Sola Scriptura: a doutrina reformada das Escrituras. São Paulo: Os
Puritanos, 1998.
CARSON, D. A.; MOO, Douglas; MORRIS, Leon. Introdução ao Novo Testamento. São
Paulo: Vida Nova, 1997.
EUSÉBIO DE CESAREIA. História Eclesiástica. Patrística. vol. 15. Paulus Editora. Edição
do Kindle.
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Publishers, 2012.

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