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Processo Administrativo Disciplinar e Sindicâncias

Desde já, explico que o conteúdo vai se concentrar na questão das sindicâncias, uma
vez que a UFES conta com uma equipe especializada para tratar dos Processos
Administrativo Disciplinar (PAD). Por essa razão, nossa explicação vai tentar cobrir o
fluxo de procedimentos que devem ser adotados desde o recebimento da denúncia do
ato irregular até o fim do processo de sindicância. Ao fim, abordaremos brevemente
alguns aspectos do PAD.

1. Recebimento da denúncia pelo gestor

Assim, com dissemos, o procedimento tem início com o recebimento da denúncia de


irregularidade ou observância do ato indevido pelo gestor. Nesse momento, caberá a
ele fazer uma análise preliminar sobre a possibilidade de responsabilidade do agente
administrativo em investigação. Para tanto, relembramos que a responsabilidade do
servidor público ocorre em três esferas, conforme a lei 8.112/1990:

Art. 121.  O servidor responde civil, penal e


administrativamente pelo exercício irregular de suas
atribuições.
Art. 122.  A responsabilidade civil decorre de ato omissivo ou
comissivo, doloso ou culposo, que resulte em prejuízo ao
erário ou a terceiros.
Art. 123.  A responsabilidade penal abrange os crimes e
contravenções imputadas ao servidor, nessa qualidade.
Art. 124.  A responsabilidade civil-administrativa resulta de ato
omissivo ou comissivo praticado no desempenho do cargo ou
função.
Art. 125.  As sanções civis, penais e administrativas poderão
cumular-se, sendo independentes entre si.

Assim, o gestor deve observar indícios de responsabilização do servidor, mesmo que


sua identidade não esteja clara ainda. No caso da responsabilidade penal, o
processamento é realizado pelo Poder Judiciário. Assim, a autoridade policial deve ser
informada para iniciar um processo investigativo.

Na ausência de qualquer indício de responsabilidade, o gestor pode arquivar a


denúncia, realizando a devida motivação.
Caso a situação esteja bastante clara e com diversos elementos probatório de que o
procedimento adequado é o PAD, o gestor deve encaminhar a solicitação à Comissão
de Processo Disciplinar na UFES.

A terceira hipótese é que o gestor ainda tem controvérsias sobre o ato supostamente
irregular para resolver. Nessa ocasião, será forma a comissão de sindicância.

No entanto, cabe uma observação: se o gestor observar que existem provas perecíveis,
ou seja, que podem se perder pelo decurso do tempo, como imagens de câmeras de
segurança, por exemplo, ele deve fazer o possível para resguardá-las, mesmo antes da
formação da comissão de sindicância.

2. A Comissão de Sindicância

O primeiro ponto sobre a comissão de sindicância é que ela deve ser formada por três
servidores estáveis e sem vínculo com a investigação. Essa regra não está exposta em
lei, mas me parece uma analogia adequada a ser feita com o requisito previsto para o
PAD.

Poderia dizer que os principais objetivos da comissão de sindicância devam ser


preservar as provas, tratando de todas aquelas que não foram solicitadas em um
primeiro momento pelo gestor, e garantir a ampla defesa das partes, que é a
possibilidade dos investigados se manifestarem sobre o procedimento.

Sobre a ampla defesa, em caso de haver um ou mais servidores objeto de investigação


da sindicância, sugiro que desde o início eles sejam notificados e requisitados a
apresentar sua versão dos fatos por escrito. Se persistirem dúvidas, a comissão pode
convidá-los para uma oitiva, sempre com gravação ou ata assinada. Essa mesma regra
vale para a oitiva das testemunhas. É importante que a conversa ocorra com cortesia e
profissionalismo.

Além disso, é importante a preservação da imagem das partes investigadas. Por isso,
sempre que o conteúdo da investigação puder ser sensível a alguma outra pessoa,
sugiro que os documentos do processo sejam protegidos no sistema de protocolo da
UFES.
A sindicância poderá ter duração de 30 dias, cabível a prorrogação, desde que
solicitada ao gestor que a instaurou, e seus trabalhos podem gerar três
desdobramentos: o arquivamento do processo, por verificar que não houve hipótese
de responsabilidade ou por investigação inconclusiva; a recomendação de aplicação
de pena de advertência ou suspensão por até 30 dias, se for de acordo com a lei (em
breve apresentaremos as violações passíveis dessas penalidades); ou recomendação
de abertura de PAD, caso a penalidade para a infração administrativa seja superior às
supracitadas. Observem o texto normativo da lei 8.112/1990:

Art. 145.  Da sindicância poderá resultar:


I - arquivamento do processo;
II - aplicação de penalidade de advertência ou suspensão de
até 30 (trinta) dias;
III - instauração de processo disciplinar.
Parágrafo único.  O prazo para conclusão da sindicância não
excederá 30 (trinta) dias,podendo ser prorrogado por igual
período, a critério da autoridade superior.
Art. 146.  Sempre que o ilícito praticado pelo servidor ensejar
a imposição de penalidade de suspensão por mais de 30
(trinta) dias, de demissão, cassação de aposentadoria ou
disponibilidade, ou destituição de cargo em comissão, será
obrigatória a instauração de processo disciplinar.

Assim, realizada a investigação e reunidas as provas, caberá à comissão verificar se o


ato praticado pelo agente público é realmente uma infração administrativa, o que no
Direito chamamos de tipicidade. Por isso, a comissão de sindicância deve conhecer
quais são a violações previstas em lei e quais a penalidades aplicáveis. Observo que
para tanto, a comissão NÃO deve recorrer ao Regimento da UFES, que também prevê
regras de penas aos servidores, mas teve essa parte revogada tacitamente por não ser
consoante com a lei 8.112/1990, que lhe é superior hierarquicamente. Segue a
transcrição da norma de referência:

Art. 127.  São penalidades disciplinares:


I - advertência;
II - suspensão
III - demissão;
IV - cassação de aposentadoria ou disponibilidade;             
V - destituição de cargo em comissão;
VI - destituição de função comissionada.
Vamos analisar cada hipótese do dispositivo legal. A primeira é a advertência. Vejam
sua descrição na lei 8.112:

Art. 129.  A advertência será aplicada por escrito, nos casos de


violação de proibição constante do art. 117, incisos I a VIII e
XIX, e de inobservância de dever funcional previsto em lei,
regulamentação ou norma interna, que não justifique
imposição de penalidade mais grave.          

Assim, resta claro que a advertência é escrita e deve ser registrada na ficha funcional
do servidor, junto à PROGEP. Suas hipóteses, nos termos do artigo anterior, são as
previstas em alguns incisos do artigo 117:

Art. 117.  Ao servidor é proibido: 


I - ausentar-se do serviço durante o expediente, sem prévia
autorização do chefe imediato;
II - retirar, sem prévia anuência da autoridade competente,
qualquer documento ou objeto da repartição;
III - recusar fé a documentos públicos;
IV - opor resistência injustificada ao andamento de
documento e processo ou execução de serviço;
V - promover manifestação de apreço ou desapreço no recinto
da repartição;
VI - cometer a pessoa estranha à repartição, fora dos casos
previstos em lei, o desempenho de atribuição que seja de sua
responsabilidade ou de seu subordinado;
VII - coagir ou aliciar subordinados no sentido de filiarem-se a
associação profissional ou sindical, ou a partido político;
VIII - manter sob sua chefia imediata, em cargo ou função de
confiança, cônjuge, companheiro ou parente até o segundo
grau civil;
(...)
XIX – recusar-se a atualizar seus dados cadastrais quando
solicitado;

A segunda penalidade e a suspensão. Vamos analisar a descrição da lei 8.112:

Art. 130.  A suspensão será aplicada em caso de reincidência


das faltas punidas com advertência e de violação das demais
proibições que não tipifiquem infração sujeita a penalidade
de demissão, não podendo exceder de 90 (noventa) dias.
(obs.: as proibições são: XVII – Cometer a outro servidor
atribuições estranhas ao cargo que ocupa, exceto em
situações de emergência e transitórias;
XVIII – Exercer quaisquer atividades que sejam incompatíveis
com o cargo ou função e com o horário de trabalho.)
§ 1o  Será punido com suspensão de até 15 (quinze) dias o
servidor que, injustificadamente, recusar-se a ser submetido a
inspeção médica determinada pela autoridade competente,
cessando os efeitos da penalidade uma vez cumprida a
determinação.
 § 2o  Quando houver conveniência para o serviço, a
penalidade de suspensão poderá ser convertida em multa, na
base de 50% (cinqüenta por cento) por dia de vencimento ou
remuneração, ficando o servidor obrigado a permanecer em
serviço.

Observem a importância do registro da aplicação de pena na ficha funcional do


servidor, bem como da solicitação dessa informação pela comissão de sindicância, uma
vez que reincidência produz efeitos.

A terceira e mais grave penalidade administrativa é a demissão. Nesse caso, o servidor


perde seu vínculo trabalhista com a Administração Pública. Vamos ao artigo legal:

Art. 132.  A demissão será aplicada nos seguintes casos:


I - crime contra a administração pública;
II - abandono de cargo;
III - inassiduidade habitual;
IV - improbidade administrativa;
V - incontinência pública e conduta escandalosa, na
repartição;
VI - insubordinação grave em serviço;
VII - ofensa física, em serviço, a servidor ou a particular,
salvo em legítima defesa própria ou de outrem;
VIII - aplicação irregular de dinheiros públicos;
IX - revelação de segredo do qual se apropriou em razão
do cargo;
X - lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio
nacional;
XI - corrupção;
XII - acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções
públicas;
XIII - transgressão dos incisos IX a XVI do art. 117

Como podemos observar, o inciso I trata do reflexo na esfera administrativa da


responsabilização penal de um servidor público. Já o inciso II se refere à previsão do
artigo 138, que classifica como abandono de cargo a ausência injustificada do trabalho
por 30 dias consecutivos. No mesmo sentido, temos a inassiduidade habitual, disposta
no inciso III – o servidor que faltar injustificadamente ao trabalho por 60 dias num
prazo de 12 meses, será punido com demissão. Destacamos também o inciso IV, que
abrange a improbidade administrativa, regulamentada pela Lei 8.429/1992.
Por fim, temos a cassação de aposentadoria e destituição de cargo em comissão. São
hipóteses análogas à demissão, guardada a proporção da situação do servidor, com
vemos na lei 8.112:

Art. 134.  Será cassada a aposentadoria ou a disponibilidade do inativo que houver


praticado, na atividade, falta punível com a demissão.    

Art. 135.  A destituição de cargo em comissão exercido por não ocupante de cargo


efetivo será aplicada nos casos de infração sujeita às penalidades de suspensão e de
demissão.

Parágrafo único.  Constatada a hipótese de que trata este artigo, a exoneração


efetuada nos termos do art. 35 será convertida em destituição de cargo em comissão.

Art. 137.  A demissão ou a destituição de cargo em comissão, por infringência do art.


117, incisos IX e XI, incompatibiliza o ex-servidor para nova investidura em cargo
público federal, pelo prazo de 5 (cinco) anos.

Parágrafo único.  Não poderá retornar ao serviço público federal o servidor que for


demitido ou destituído do cargo em comissão por infringência do art. 132, incisos I, IV,
VIII, X e XI.

Além da tipicidade, é fundamental observarmos as regras de prescrição na


Administração Pública, tendo em vista que o decurso do tempo anula a reincidência a
própria possibilidade de aplicação de penalidade. Seguem as regras de prescrição:

Art. 142.  A ação disciplinar prescreverá:


I - em 5 (cinco) anos, quanto às infrações puníveis com
demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e
destituição de cargo em comissão;
II - em 2 (dois) anos, quanto à suspensão;
III - em 180 (cento e oitenta) dias, quanto à advertência.
§ 1o  O prazo de prescrição começa a correr da data em que o
fato se tornou conhecido.
§ 2o  Os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se
às infrações disciplinares capituladas também como crime.
§ 3o  A abertura de sindicância ou a instauração de processo
disciplinar interrompe a prescrição, até a decisão final
proferida por autoridade competente.
§ 4o  Interrompido o curso da prescrição, o prazo começará a
correr a partir do dia em que cessar a interrupção.
Assim, observados todos os requisitos, caberá a comissão de sindicância deliberar,
dentro do princípio da legalidade, entre as três hipóteses já comentadas: o
arquivamento do processo, a aplicação de penalidade que está em sua competência
ou o encaminhamento do processo para abertura de PAD.

Como havia dito no começo, meu objetivo com essa exposição é prepara-los para
integrar uma comissão de sindicância. Mas destaco algumas observações sobre o PAD:

3. Processo Administrativo Disciplinar

A regulamentação sobre o tema está na lei 9.784/1999 e se assemelha em vários


aspectos a um processo judicial. Mais uma vez, a ampla defesa do acusado deve ser
resguardada e sua citação para tomar ciência do PAD é elemento imprescindível para
validade do ato.

Além disso, está prevista a possibilidade de revisão do processo, no caso do


surgimento de novas provas a qualquer tempo, e recurso administrativo da decisão da
comissão do PAD, que será apreciado por autoridade superior à comissão.
Referências:

BÛLOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 13. ed. São Paulo: Saraiva,
2020.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 34. ed. São
Paulo: Atlas, 2020.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 34. ed. São Paulo:
Malheiros, 2019.

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