Você está na página 1de 21

BIOÉTICA(S) E EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA

José Luiz de Moura Filho

Introdução

Se foi com grande dose de felicidade que recebi o convite da equipe


encarregada da organização desta obra coletiva, para dela participar, foi
com forte sentimento de receio que concluí minha parte, pois talvez o
resultado em pouco contribua com os esforços que José Manuel Silvero
Arévalos vem empreendendo para que nos conscientizemos de que preci-
samos, urgentemente, estabelecer as bases de uma bioética voltada às ne-
cessidades dos povos latino-americanos.
Isto porque as enormes diferenças sociais que caracterizam este Novo
Mundo sejam, talvez, nossa única característica comum, o que nos une e,
portanto, nos identifica: afinal, o que é ser latino-americano? Por certo não
há uma única resposta, dadas as várias culturas aí em disputa, fruto de
uma miscigenação extremamente rica e que, provavelmente, conformemo
território com o maior número de etnias e nacionalidades, algumas, inclu-
sive, por serem “descobertas”, dada a existência de povos ainda isolados,
como no caso da Amazônia.
Talvez o que nos caracterize é a dupla colonialidade, resultado do
acontecer simultâneo do velho sistema de sobre-exploração das pessoas e
dos recursos naturais - ainda que sob a denominação de Departamentos
Ultramarinos, que é como a França denomina a Guiana Francesa, Martini-
cae Guadalupe, por exemplo– e do chamado “colonialismo interno”, ou
seja, a replicação de dispositivos das mais variadas naturezas que repro-

273
JOSÉ LUIZ DE MOURA FILHO

duzem – e, em alguns casos, até mesmo aprofundam – a lógica excludente


originalmente adotada pelos chamados países centrais, enquanto projeto
de “desenvolvimento” dosperiféricos.
Ao esclarecer, com propriedade, que não existe uma “bioética”, mas
“bioéticas”,Silvero reforça as discussões tão atuais no chamado mundo
globalizado, acerca da cultura, no sentido de que já não mais se admite a
dualidade “alta cultura” e “baixa cultura”, mas tãosomente “culturas”,
elencando pelo menos dois “modelos” mais evidentes em contextos vul-
neráveis – como é o caso da América Latina-AL: a “bioética enclausurada”
e a “bioética realista”. Noticia, também que a primeira vem se afirmando
nos meios acadêmicos, ou seja, isolada dos maiores interessados, bem como
que, no II Congresso Internacional de Bioética, ficou patente por parte dos
latino-americanos que a Igreja Católica tem o predomínio quanto à institu-
cionalidade e às iniciativas a levar adiante nesta temática, quando bem
poderia –em suas palavras– constituir uma missão das nossas Universida-
des.
Isto nos remete a discussões que também estão, cada vez mais, na
ordem do dia, especialmente na América Latina, na seara da “educação”,
e tudo o que ela implica em termos de desenvolvimento, por meio da
construção do conhecimento e da formação profissional em países ricos
que somos –ainda que com povos extremamente pobres– já que as expe-
riências de internacionalização das Universidades latino-americanas, com
intercâmbios de estudantes das mais diversas áreas nos países ditos “des-
envolvidos”, com vistas à transferência de conhecimento e, de consequên-
cia, “inovação tecnológica”, acabam por nos brindar com “mais do mes-
mo”: aprofundamento da exclusão em face da adoção de uma pauta, em
termos de problemas afetos à bioéticae, consequentemente, valores, divor-
ciados de nossa realidade.
Tal se dá porque aquelas experiências limitam-se a atividades de Ensino
e Pesquisa, deixando de fora ações de Extensão Universitária, que são
justamente aquelas que dialogam diretamente com a sociedade, em espe-
cial com os segmentos menos favorecidos, e que também se desenvolvem

274
BIOÉTICA(S) E EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA

de maneira bastante diversa na Europa e na AL. Mais: enquantoque Ensi-


no e Pesquisa baseiam-se em instrumentos que refletem muito dos temas
que pautam Políticas de Governo, ou seja, que dependem de uma série de
fatores conjunturais, a Extensão tem um caráter mais de promoção de
Políticas de Estado e, portanto mais afim aos aspectos estruturais do des-
envolvimento.

Bioéticas e culturas

As discussões acerca da Bioética na AL são bastante recentes, com


predomínio do debate a partir de temas e valores muito caros às culturas
europeias e, em que pese tenha a temática sido aqui introduzida –diferen-
temente de outras latitude– por segmentos seculares, o que logo se viu foi,
em termos de iniciativas institucionais, o predomínio de setores religiosos,
nomeadamente a Igreja Católica. A esta posição, que se consolida no II
Congresso Internacional de Bioética, realizado em Gijón, Espanha, no ano
de 2002, Silvero vai opor a sugestão de que as Universidades assumam tal
protagonismo, dado tratar-se de instituições com bastante prestígio na AL.
Desta forma, a Bioética que vem se desenvolvendo na AL possui ca-
racterísticas bastante peculiares, seja em razão de sua introdução a partir
de profissionais da saúde –nomeadamente médicos–, seja porque o sub-
continente compõe-se de uma enorme gama de povos e etnias, portadores,
pois, de culturas bastante distintas. Como forma, então de fazer frente a
estas dificuldades em termos de elenco das problemáticas que afetam as
populações latino-americanas no âmbito da Bioética, e quais os valores
que serão sopesados para a condução das respectivas situações, suposta-
mente conflituosas, elegeu-se como referência, por força da influência
europeia, também, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948.
Como se pode ver da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos
Humanos (UNESCO, 2005), aquele histórico documento, elaborado após
a II Grande Guerra, foi inspirador desta, reforçando duas outras categorias
fundamentais à efetivação daqueles, quais sejam: a dignidade da pessoa
humana e os direitos fundamentais.

275
JOSÉ LUIZ DE MOURA FILHO

Ocorre que, conforme Silvero, a Bioética assim construída encontra-


se “enclausurada” em um contexto generalizante, caracterizado, sintetica-
mente, por “muita retórica e poucos direitos humanos”, já que estes, para
se efetivarem, carecem de pré-condições fáticas que não se observam na
AL, ao menos nos mesmos níveis com que se apresentam na realidade
europeia. Para comprovar tal assertiva, Silverodestaca três premissas para
que o primeiro dos três Princípios –da dignidade e inviolabilidade da
pessoa por meio do respeito irrestrito àqueles direitos– por ele elencados
como condições indispensáveis para queos direitos ditos universais se
possam evidenciar, por duas razões, pelo menos.
A primeira refere-se às condições jurídico-políticas, e concordando
com Colliardapud Silvero (Derechos Humanos, Bioética y Pobreza en La-
tinoamérica, in http://www.nodulo.org/ec/2003/n012p22.htm), somente
num Estado de Direito se podem efetivar os direitos humanos, pois sem
democracia não há liberdade e, pois, opção acerca de qual a melhor opção,
do ponto de vista ético, dentre as possíveis escolhas que a moral coletiva
(política/lei) lhe oportuniza; da mesma forma que, sem condições sociais,
econômicas e culturais minimamente garantidoras de uma existência dig-
na, não há justiça e, pois, direitos humanos.
Tem-se, então, que a AL não é, ainda, e de forma satisfatória, terreno
fértil para uma Bioética cujos temas centrais visam discutir o aborto, a
eutanásia e a mudança de sexo, por exemplo, já que, por um lado, o acesso
à Justiça é,em grande parte, um privilégio das classes favorecidas, assim
como o trabalho, a saúde e a educação ainda são bastante precários, em
que pese os enormes avanços logrados nos últimos anos.
A Europa, por outro lado, muito embora a genuína experiência de
Estado de Bem-estar da segunda metade do século XX –sonho de consu-
mo do chamado mundo ocidental– vem assistindo ao fracasso de seu pro-
jeto de integração, situação que tem afetado mais os povos do sul (Portu-
gal, Espanha, Itália e Grécia), a partir da primeira década do século XXI, na
sequência de conflitos étnicos que evidenciaram enormes diferenças cul-
turais a leste.

276
BIOÉTICA(S) E EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA

Some-se a isso, os crescentes problemas que o processo de descoloni-


zação causou, em termos de migrações das antigas possessões para as
metrópoles, agravados mais recentemente pelas ondas de refugiados que
chegam, diariamente, à Itália, a maioria procedente de países muçulma-
nos, para quem a Europa decadente ainda é o melhor dos mundos.
Assim, os dois grandes pilares dos direitos humanos, como pensado
para informar Princípios da Bioética vêem-se abalados também no seu
berço, e se não apontam necessariamente para a revisão das bases deste
novo ramo do conhecimento, no mínimo nos certificam do quanto as ques-
tões culturais são determinantes para o entendermos e, então aplicá-lo.
Um segundo Princípio, que conforme Silvero, deve ser matizado, é
aquele atinente à não discriminação, e que podemos entender como uma
discriminação positiva, ou seja, a compreensão de que a igualdade formal
de que nos falam as Constituições nacionais deve ser entendida conforme
o enunciado de Boaventura de Souza Santos, quando afirma, a partir de
uma visão dos excluídos, que “temos o direito a ser iguais, quando a dife-
rença nos inferioriza, e temos o direito a ser diferentes quando a igualdade
nos descaracteriza”.
Já o último Princípio a que Silvero nos chama a atenção é o do “con-
sentimento livre e esclarecido”, consistente na condição inarredável de
que, para se poder optar por uma das soluções possíveis para determina-
do problema, os envolvidos devem estar cientes, ao máximo possível, das
consequências de sua decisão, a qual não deve sofrer –tanto quanto possí-
vel– qualquer tipo de cerceamento ou indução, em termos de expressão da
vontade.
Por fim, Silvero nos adverte a necessidade de se construir uma Bioé-
tica Realista, ou seja, calcada nos problemas que emergem com maior pre-
mência nos países ricos –mas cujos povos são pobres, no sentido econômi-
co– da AL, e para cujas soluções contam estes com valores e saberes cons-
truídos no âmbito do que muitos ainda consideram “baixa cultura”, ou
seja, conhecimentos tradicionais, populares, que desde há muitos anos
sãoos únicos responsáveis por uma qualidade de vida minimamente dig-
na para alguns milhões de seres humanos neste subcontinente.

277
JOSÉ LUIZ DE MOURA FILHO

É neste sentido que tem-se caminhado, em alguns países do continen-


te, ou seja, para uma educação mais inclusiva, com Políticas Públicas de
acesso e permanência, como tem sido, por exemplo, o caso do Brasil que,
a par de uma expansão na rede pública de educação superior (com a inte-
riorização das instituições federais), por meio do REUNI, também vem
garantindo a matrícula de alunos em cursos universitários privados, por
meio do PROUNI e do FIES, tendo sido promulgada a Lei 12.711/12, que
garante 50% das vagas nas Universidades e Institutos Federais de Edu-
cação Tecnológica (inclusive no Ensino Médio) a alunos oriundos de esco-
las públicas e de baixa renda, dentre eles indígenas e pretos/pardos, sabi-
damente os mais excluídos em termos de ascenção social, como se verá.

Culturas e educação

Conforme Veiga-Neto (Cultura, culturas e educação, in http://


www.scielo.br/pdf/rbedu/n23/n23a01), por mais que já se tenha dito
muito acerca do binômio cultura/educação, ele sempre volta à tona, pois
enquanto construções sociais os termos sofrem, com o suceder da história,
ressignificações, as quais vêm proliferando nas últimas décadas, provo-
cando não só embates sobre as diferenças e entre os diferentes como “…a
opressão de alguns sobre os outros, seja na busca da exploração econômica
e material, seja nas práticas de dominação e imposição de valores, signifi-
cados e sistemas simbólicos de um grupo sobre os demais”.
Os chamados movimentos sociais, que lutam contra a exclusão de
minorias (sejam elas étnicas, de gênero, religiosas ou outras) têm logrado,
nos últimos anos, avanços significativos, embora ainda estejamos longe
dos níveis de acesso aos direitos fundamentais (inclusão) inscritos nas
Constituições dos Estados nacionais e nos Tratados Internacionais afetos à
matéria, como a Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais
e Culturais e Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (1966),
e já experimentado pelos “outros”.
A Constituição Federal brasileira de 1988 –CF/88 dedicou especial
atenção ao patrimônio cultural, entendido este como todos os bens –mate-

278
BIOÉTICA(S) E EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA

riais e imateriais– portadores de referência à identidade, à ação e à memó-


ria dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, dentre os
quais se encontram os indígenas, aos quais –também em Capítulo especí-
fico– garantiu a preservação de terras tradicionalmente ocupadas, enquanto
condição indispensável à sua reprodução física e cultural segundo seus
usos, costumes e tradições, tendo para tanto estabelecido, no artigo 210,
Parágrafo 2º, que “O ensino fundamental regular será ministrado em lín-
gua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utili-
zação de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem”.
Observe-se que a determinação constitucional está voltada apenas
para o ensino fundamental, como se este segmento não se encontrasse em
condições de acessar o ensino superior, reflexo de uma Política Indigenis-
ta, de fato, ainda em transição, já que, de direito, passou-se do paradigma
da “tutela” (os indígenas eram considerados incapazes, devendo, pois, ser
integrados à comunidade nacional) para o da “autodeterminação” (recon-
hecimento do direito originário à sua forma de organização social, costu-
mes, línguas, crenças e tradições). Os indígenas estão, verdadeiramente,
num limbo jurídico, pois que o vigente Estatuto do Índio é de 1973, ou seja,
fruto do paradigma “assimilacionista”, e o projeto de lei denominado Es-
tatuto dos Povos Indígenas –em tramitação no Parlamento– não avança
porque já começa contestado pelo próprio nome, pois que sendo signatá-
rio de Tratados Internacionais que prevêem a autodeterminação dos po-
vos, os sucessivos governos brasileiros temem abrir uma brecha que pode-
ria significar a perda de território e, pois riquezas naturais tão caras ao
capital transnacional.
Sendo assim, as comunidades originárias ressentem-se da formação
de lideranças capazes de fazer frente não só às questões políticas mas,
também, àquelas necessidades mais básicas de qualquer ser humano, como
o são a saúde e a educação, o que, certamente, não se logrará apenas com
o ensino fundamental, sendo, pois, indispensável o acesso dos mesmos à
educação superior.
Para tanto –e já que ao início se afirmou que muito se poderia dizer
sobre o binômio cultura/educação– vamos ficar no âmbito acadêmico, no

279
JOSÉ LUIZ DE MOURA FILHO

bojo do qual se pode falar do acesso de pobres, pretos/pardos e indígenas


ao ensino nas instituições federais brasileiras, a partir de 2013, com base na
Lei Federal 12.711/12, chamando a atenção do quanto embora isso pareça
um grande salto, ainda há muito a caminhar, razão pela qual aquela afir-
mação de Veiga-Neto de que o tema está sempre na ordem do dia, não
deixará de ser atual tão cedo.
Neste aspecto, pode-se dizer que os indígenas têm logrado acessar as
Universidades públicas, restando como o grande entrave a permanência,
seja em razão das tipologias de residência estudantil e da dieta alimentar
servida nos restaurantes universitários, seja mesmo em função da meto-
dologia de ensino e avaliação, neste último caso, em especial em função
das diferentes línguas faladas pelos distintos povos originários que sobre-
vivem no Brasil.
Silvero (Derechos Humanos, Bioética y Pobreza en Latinoamérica, in
http://www.nodulo.org/ec/2003/n012p22.htm) afirma que a questão da
Bioética é especialmente preocupante nos meios acadêmicos, onde, se-
gundo a mesma Constituição Federal de 1988, no artigo 217, “As Univer-
sidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de ges-
tão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio da indissociabili-
dade entre ensino, pesquisa e extensão.” Isso porque as iniciativas no cam-
po da Bioética são recentes e focalizadas, como é o caso do ensino, onde a
obrigatoriedade da oferta de disciplinas voltadas à temática data do final
do século XX, e restringe-se às carreiras da área de saúde, e na pesquisa não
passam de estruturas precárias e burocráticas, no mais das vezes reduzi-
das aos chamados Comitês de Ética em Pesquisa. E na Extensão? Se o
ensino universitário prepara para o trabalho qualificado, e a pesquisa volta-
se à produção do conhecimento (ciência e tecnologia) apropriável, de re-
gra, pelo capital, no que a educação contribui para o desenvolvimento,
efetivamente, ou seja, o crescimento com distribuição do seu produto (ren-
da)?
Mesmo os chamados Territórios etno-educacionais estimulados pelo
Ministério da Educação –MEC– estão voltados apenas ao ensino básico,

280
BIOÉTICA(S) E EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA

mas já desde o início de 2014 que o MEC vem discutindo a criação de


Universidades indígenas a partir de iniciativas vivenciadas há anos pela
Bolívia, por exemplo, sendo flagrante o desenvolvimento que este país
vem experimentando desde então, em termos de inclusão social, conside-
rado livre de analfabetismo, pela UNESCO, em 2008 e Estado Plurinacio-
nal pela Constituição de 2009, condição que o coloca, então, na vanguarda
da AL em termos de respeito à pluralidade étnica.

Educação e desenvolvimento

Tendo em vista que os padrões de desenvolvimento –assim como as


políticas de educação– de regra usados como parâmetro para os latino-
americanos são aqueles vigentes na Europa, seja por força do consenso
que nela vê a concentração dos chamados “países centrais” (outrora Pri-
meiro Mundo), seja mesmo em razão de um colonialismo arraigado que
ainda tem na metrópole o melhor da colônia, é a alguns dados daquele
continente que se recorrerá no presente tópico: Índice de Desenvolvimen-
to Humano - IDH, Coeficiente de Gini e Processo de Bolonha são, pelo
menos, três instrumentos utilizados dos dois lados do Atlântico para ten-
tar expressar um pouco o que se passa em termos de qualidade de vida lá
e cá.
Segundo o Relatório anual da OCDE, intitulado Education at a Glance,
2014, que aborda a situação da educação na Europa, é preocupante que
países como Portugal apresentem níveis de escolaridade superior inferio-
res à média dos países da organização. Isto porque, apesar da relevante
evolução verificada na última década, o país “continua a ter uma elevada
necessidade de qualificar sua população sendo um dos países da OCDE
com menor proporção da população adulta com formação superior (19%
contra 32% da média da ODCE).”
O Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas –CRUP–, ao
analisar aquele documento, manifesta que o objetivo consistente na ele-
vação daqueles percentuais “…não é meramente estatístico mas antes um

281
JOSÉ LUIZ DE MOURA FILHO

esforço necessário para que a economia possa ser renovada com recursos
humanos mais qualificados e se torne mais competitiva”.
Tal se dá em razão de que, ainda conforme o documento:

“Não são apenas os diplomados a beneficiar da formação superior mas


também os Estados têm retornos públicos relevantes pelo investimento fei-
to. Esse facto ocorre porque as remunerações médias mais elevadas dos
diplomados conduzem ao pagamento de montantes mais altos de impostos
e contribuições sociais e ao menor recurso a prestações sociais”.

Para tanto, introduziram profundas modificações no sistema de edu-


cação superior, do ponto de vista qualitativo e quantitativo: no primeiro
aspecto, através do chamado Processo de Bolonha, que reduz a duração
dos cursos superiores, e no segundo, por meio da cobrança de “propinas”
(taxas administrativas, supostamente para a emissão de documentos, como
certificados, diplomas, etc.), especialmente para estrangeiros, afirmando o
documento do CRUP que:

“Ao passo que decrescem as transferências orçamentais do Estado, dois


indicadores demonstram que uma parte relevante do financiamento de
ensino superior é já garantido por fontes privadas (pagamentos de taxas
feitas por estudantes e obtenção de receitas próprias pelas universidades)”.

Em termos percentuais, para se ter uma ideia, o documento afirma


que: “Existe cada vez maior partilha de custos entre o Estado e as famílias:
em 2000, o Estado suportava 92.5% das despesas associadas à formação de
um estudante mas em 2011 apenas suportava 69%”.
Muito embora a AL neste mesmo período tenha adotado políticas
inclusivas, como as de universalização do ensino fundamental – contem-
plando, inclusive, pessoas com deficiência – chegando mesmo alguns países
como a Venezuela, Bolívia e Equador a serem reconhecidos pela UNESCO
como livres de analfabetismo, já surge no horizonte –brasileiro, pelo me-
nos– tentativas de reverter tais conquistas, o que exige um grande esforço
de eterna vigilância.

282
BIOÉTICA(S) E EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA

Não é à toa que o lema deste segundo mandato da Presidente Dilma


Roussef é Brasil: pátria educadora, na sequência do slogan do primeiro –
Brasil: país rico é país sem pobreza– ou seja, não há como avançar na educação
sem antes garantir níveis mínimos de saúde e, pois, dignidade, objetivo
maior da Bioética, independentemente de sua adjetivação.
Esta última demanda, no caso do Brasil, teve forte incremento a partir
de 2003, com um programa de expansão da rede superior pública (RE-
UNI), com a ampliação de instituições já existentes criação de 18 novas
universidades, a reestruturação dos antigos Centros de Educação Federal
Tecnológica –CEFETs–, agora transformados em Institutos Federais de
Educação Federal Tecnológica –IFETs–, e mesmo no sistema privado, que
se beneficiou do Programa Universidade para Todos –PROUNI– e do Pro-
grama de Financiamento Estudantil –FIES–.
No ensino básico, foi acrescido mais um ano (9º) e a educação infantil
foi contemplada com recursos específicos para a construção e ampliação
de creches e pré-escolas, transformando-se o antigo Fundo de Manutenção
e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério
–FUNDEF– em Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Básica e Valorização dos Profissionais da Educação –FUNDEB–, além do
que disciplinas como Filosofia e Sociologia foram reincorporadas, como
obrigatórias, ao curriculum mínimo do Ensino Médio.
Neste último aspecto, seria extremamente importante que o tema
Bioética fosse aí abordado, pois que, além de tratar-se da fase da vida em
que os jovens constroem sua visão de mundo, muitos daqueles que optam
por cursos técnicos também têm neste período sua preparação para o tra-
balho, conforme reza o artigo 205 da CF/88, “A educação, direito de todos
e obrigação do Estado e da família, será promovida e incentivada com a
colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa,
seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabal-
ho”.
Silvero (http://cepabio.blogspot.pt/2009/11/sin-comida-no-hay-
paraiso-ultima-hora.html), tratando dos altos índices de subnutrição da

283
JOSÉ LUIZ DE MOURA FILHO

população paraguaia (25.5%), afirma que isso tem “directas implicâncias


reales en la educación, como también en la organización social e política.
No se puede tener ciudadanos críticos com dificultades en su primera
infância,…”, ou seja, o desenvolvimento de uma nação passa pela edu-
cação nas suas mais diversas vertentes (ensino, pesquisa e extensão) que
só a Universidade pública, gratuita e de qualidade pode proporcionar.

Desenvolvimento e Universidades

Vem ganhando terreno, nos últimos anos, em toda a Europa (além


dos EUA e da Austrália) a chamada Economia do Conhecimento, que tem
feito com que países como Portugal, valendo-se do reconhecimento da
Universidade de Coimbra –em 2013– por parte da UNESCO, como Patri-
mônio Cultural da Humanidade, se lançasse num projeto estratégico de-
nominado Alta Sophia, expressamente registrado como “Iniciativa para o
posicionamento da Universidade de Coimbra como hub do Conhecimen-
to em Língua Portuguesa.” A ideia é atrair mais e mais estudantes estran-
geiros, especialmente chineses e brasileiros: os primeiros com vistas à su-
ficiência na língua, tendo em vista o enorme mercado que se abre nos
países da chama Comunidade dos Países de Língua Portuguesa –CPLP–
(Brasil e Angola à frente).
Num espaço como a AL, historicamente marcado pela economia pri-
mária, não dúvidas de que as Universidades constituem equipamentos
potencialmente indutores do desenvolvimento, em especial em países de
dimensões continentais como o Brasil, que até o final dos anos 1950 so-
mente contava com tais instituições nas capitais dos estados: o processo de
interiorização do ensino superior, iniciado em 1960, com a instalação da
Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, impulsionou
1
todo um Distrito Geoeducacional , por meio do fomento ao setor terciário

1. Conceito utilizado pelo Prof.José Mariano da Rocha Filho, primeiro Reitor da UFSM,
para estabelecer a área de abrangência das atividades daquela Universidade, a partir do
mapeamento da origem dos alunos matriculados na instituição.

284
BIOÉTICA(S) E EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA

(comércio e prestação de serviços) e, de consequência à urbanização do


território.
Mas como ponta de lança desta novo ramo econômico aparece a ciên-
cia e a tecnologia nos mais variados setores, cujo status de “centro de exce-
lência” que se atribui mais recentemente a instituições protagonistas em
termos de “inovação”, está condicionado ao número de “patentes” por
elas registradas, situação que ganha contornos bastante delicados quando
se trata de alimentos e tratamentos de saúde, estes a conjugar novas técni-
cas, equipamentos e medicamentos.
A avassaladora epidemia de AIDS que abalou o mundo nos anos 1980
constituiu um marco nas relações do Estado com a indústria farmacêutica
internacional, e o Brasil precisou enfrentar o capital transnacional para
conseguir colocar em prática aquele que é considerado o melhor progra-
ma de combate à síndrome, chegando mesmo a “quebrar” os direitos de
propriedade intelectual (patentes) de potentes oligopólios já então globa-
lizados.
Temas tão relevantes como este, deviam estar a cargo de instituições
de pesquisa públicas, em nome da soberania nacional (alimentar, ambien-
tal, etc.) e, na falta destas – como sói acontecer na AL – das Universidades,
mas conforme Silvero (http://demoinfo.com.py/tag/bioetica-guarani/)
“Es un tema social, es un tema político que sin embargo tiene que interes-
sarle de lleno a las universidades nacionales del Paraguay, deve formar
parte de la agenda política la realidade de los jóvenes ni ninõs y adultos
mal alimentados,…”. Não é a toa, então, que Silvero refere a soberania e as
universidades nacionais, pois como veremos os processos de internacio-
nalização destas instituições estão intimamente vinculados à sua capaci-
dade de gerar mais-valia como único valor.

Univer(ci)dades e internacionalização: qual Diplomacia?

Na presença, então, deste novo segmento de “mercado” chamado


Economia do Conhecimento, nada mais normal que, num mundo globa-

285
JOSÉ LUIZ DE MOURA FILHO

lizado, as Universidades também buscassem se internacionalizar, varian-


do os modelos conforme os objetivos visados pelos governos nacionais.
Segundo Santos e Almeida Filho (in A Quarta Missão da Universidade –
Internacionalização Universitária na Sociedade do Conhecimento, Impren-
sa da Universidade de Coimbra, Coimbra: 2012):

“Que hierarquia introduzir então na lista das múltiplas formas possíveis de


internacionalização? Trabalho em rede, troca de experiências e aferição de
boas práticas, projetos de investigação individuais ou de equipa, leque de
propostas de formação (dupla titulação ou dupla diplomação, diplomas
conjuntos ou diplomação plena no estrangeiro), mobilidade estudantil, de
docente e de pessoal não docente; doutoramentos em cotutela e, formação
sandwich são algumas das componentes solidárias de um processo que nos
domina e no qual somos, numa primeira fase, mais conduzidos do que
condutores”.

Depois de um começo claudicante, cujo protagonismo coube a mem-


bros individuais e instituições isoladas, quando se pode mesmo, em al-
guns casos, considerar “modismo” (situação em que se corre o perigo de,
terminado o entusiasmo, não restar mais que uma experiência efêmera e
inconsequente), o fenômeno passou a ser uma estratégia planejada de
países emergentes em busca de qualificação de seus quadros, como parece
ser o programa brasileiro, atualmente em execução, Ciência Sem Frontei-
ras.
Nesta situação, ainda segundo aqueles autores:

“Repousando em bases materiais e institucionais consolidadas, procuran-


do responder aos desafios sociais do nosso tempo, a internacionalização
transforma-se em missão da universidade quando esta é capaz de a mobi-
lizar, de uma forma intencional e consciente, para com ela atingir os seguin-
tes objetivos: reforçar projetos conjuntos e integradores; dar maior dimen-
são às suas atividades de formação, de pesquisa e de inovação; conduzir
uma agenda própria de diplomacia cultural universitária; contribuir para a
consolidação de Espaços Integrados do Conhecimento; (grifo nosso)”.

286
BIOÉTICA(S) E EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA

Deve ser visto com reservas o argumento dos autores, de que as inter-
nacionalização “associa a diversidade cultural à universalidade científica:
a dinâmica de um trabalho em grupo só pode ser aglutinadora e assentar
nos valores, que defendemos, da relação interindividual, da igualdade, do
plurilinguismo, da multiculturalidade”, até porque o universo científico
de que aí se fala considera, se não na totalidade (ciências ditas duras), na
esmagadora maioria dos casos, culturas ocidentais ou compatíveis com os
valores que ela veicula.
Para tratar de problemas que o processo enfrenta, teve lugar, recente-
mente, na Universidade de Coimbra, um evento denominado Estudantes
brasileiros na Universidade de Coimbra: política de inrterculturalidade ou estra-
tégia de mercado?, tendo por justificativa, dentre outras da espécie, a seguin-
te:

“Contudo, há de se perceber que as apostas da UC impactam tanto na co-


munidade acadêmica quanto na própria comunidade coimbrã –a qual, en-
tão, é necessário também se envolver– pois o projeto não se resume a receber
os estudantes estrangeiros: é preciso recepcioná-los, dando-lhes uma atenção
que vai além da vida acadêmica, indispensável à manutenção e ao convívio
harmonioso dos mesmos, entre si e com os demais, colegas e habitantes da
cidade. Neste sentido, cabe relembrar do início de 2014, época de eleição
para os quadros da AAC, onde uma das chapas concorrentes levantou as
questões da discriminação e do preconceito no ambiente universitário. Es-
tas questões extrapolam os estudantes internacionais e atingem a própria
sociedade portuguesa. Sem esquecer de outras nacionalidades e, ao mesmo
tempo, respeitando ações que já foram tomadas no passado, nomeadamen-
te um comunicado ao Cônsul do Brasil sobre a realidade dos estudantes
brasileiros, este evento tenciona ser um momento de (auto)reflexão. O obje-
tivo é que os estudantes e a universidade possam debater o assunto que
toma o título do seminário e, também, as possíveis ações que podem ser
realizadas para promoção de uma melhor relação entre os próprios estu-
dantes, estudantes/professores, estudantes/comunidade e, de maneira mais
consistente, entre a Academia e a Comunidade”.

287
JOSÉ LUIZ DE MOURA FILHO

Resta patente que, mesmo dentro daquilo que se pode considerar


como um mesmo recorte ou matriz cultural, brasileiros e portugueses es-
tranham-se, e isso tem raízes na relação colonial, hoje no marco do chama-
do pós-colonialismo: Coimbra, autodenominada Cidade do Conhecimen-
to, parece não ter sido avisada que, no marco de uma (re)nova(da) lógica
comercial de “vender” as cidades, terá de –literalmente– arcar com o ônus
de ser apropriada por aqueles que hoje –ainda que seja conjuntural a si-
tuação– têm condições de “comprá-la”, no caso os outrora colonizados.
O segundo objetivo é justificado em função de que, ao envolver, no
mínimo, duas instituições, a mobilidade permitiria aos membros da co-
munidade acadêmica colocarem-se “no plano da universalidade, onde
sempre se deveriam situar.”
Os dois últimos porque, sendo parte dos anteriores, “reforçam a cen-
tralidade do papel da universidade na sociedade contemporânea e afir-
mam a universidade como protagonista incontornável do mundo glo-
bal.”, o que reforça a proposta de Silvero de que a Bioética é um tema que
deveria estar ao abrigo desta instituição.
Por fim, concluem os autores que:

“(…) um ‘estudante aberto ao internacional’ deverá não apenas ser multi-


lingue, conhecer as diversas culturas que existem nas várias economias,
realizar estadias no estrangeiro, mas, mais ainda, revelar disposição de alma,
espírito e tolerância, respeito pela diferença, a par de demonstrar um conhe-
cimento concreto dos valores e da cultura do Outro”.

Ora, como dito ao início, no caso do Brasil estamos diante de mais do


mesmo: este país somente foi ter uma Universidade digna deste nome na
década de 1930 (Universidade de São Paulo –USP–), tendo, até então, for-
mado os quadros dirigentes nacionais no exterior, nomeadamente em
Coimbra, tratando-se, pois de uma elite, não sendo diversa a situação atual
–muito embora os recursos à disposição– que contempla também alunos
de baixa renda, mas estes vêem limitada sua mobilidade em razão de que
são, muitos, trabalhadores que não podem abandonar seus empregos. Mais:

288
BIOÉTICA(S) E EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA

alguém realmente acredita que brasileiros chineses vêm a Coimbra para


conhecer a cultura e língua portuguesas? Muitos dos primeiros só vem
pela facilidade do idioma (razão pela qual, inclusive, o Governo tem limi-
tado as bolsas de estudos para Portugal, numa demonstração de neo-colo-
nialismo, também, ao pretender com isso, fomentar a suficiência em lín-
gua inglesa, supostamente falada por países mais “avançados”), e dos
segundos justamente para aprendê-lo, a fim de poderem melhor atuar nos
chamados PALOPs (Países de Língua Portuguesa), Brasil e Angola em
especial.
Talvez neste aspecto, o Brasil tenha um projeto de internacionalização
diferenciado, mas certamente não desprovido de interesses, já que tem
criado Universidades em que não só o público-alvo (estudantes), mas tam-
bém os professores são estrangeiros, como é o caso da Universidade da
Integração Latino-americana –UNILA– (em Foz do Iguaçú, estado do
Paraná, na fronteira com o Paraguai e a Argentina), onde Silvero tem tido
a oportunidade de expor suas propostas em termos de uma Biótica mais
assente nos problemas e valores locais (realista), tendo em vista, inclusive,
uma forte presença de estrangeiros, nomeadamente de origem árabe. Da
mesma forma se deu com a criação da Universidade da Integração Inter-
nacional da Lusofonia Afro-Brasileira –UNILAB– (no Ceará e na Bahia), a
Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS (com campus nos estados
do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná) e a Universidade Federal
do Norte da Amazônia (no Pará) instituições com campi localizados próxi-
mos à fronteira do Brasil com outros países da América do Sul, com vistas
a integrar e, assim, desenvolver comunidades muitas vezes divididas
apenas por uma rua.
Mas qualquer das experiências, pode-se dizer, centra-se mais no pla-
no da Diplomacia Cultural (soft power) do que, propriamente, aquilo que
tem-se chamado de Diplomacia Universitária, já que, como acima referi-
do, decorrem de uma política na área de educação, de titularidade, pois, no
caso do Brasil, do Governo e, em Portugal, do Estado mesmo, já que o
Instituto Camões tem, há anos, esta missão, flagrantemente, a qual se vê

289
JOSÉ LUIZ DE MOURA FILHO

agora reforçada por iniciativas como a Alta Sophia, acima referida. Isto
porque a verdadeira Diplomacia Universitária imprescinde da caracterís-
tica mais fundamental a uma verdadeira Universidade –a autonomia–
que o estar atrelado a políticas oficiais limita, como se verá.

Diplomacia Universitária: saúde cultural por meio da Extensão

Silvero, ao filiar-se à Bioética Materialista, a partir do Materialismo


filosófico de Gustavo Bueno (in http://cepabio.blogspot.pt/2009/11/sin-
comida-no-hay-paraiso-ultima-hora.html), diz que ela funciona como um
“sistema doctrinal que requiere princípios materiales que, a su vez, sólo se
danen funciónde sus consecuencias prácticas.”, dentre os quais “el princi-
pio de autodeterminación del sujeto corpóreo personal y el principio de
grupalidad”. Segue explicando que:

“Esta Bioética se desarrolla a partir del reconocimiento de ciertos principios


éticos originarios (relacionados con la conservación de la fortaleza del suje-
to corpóreo individual, ya sea considerado en sí mismo, firmeza, ya sea en
sus relaciones con los demás, generosidad), pero también del reconocimien-
to de la fuerza de obligar irrenunciable (con la que en todo caso la Bioética
tiene que contar) de las normas morales de los grupos a los cuales pertene-
cen los sujetos individuales”.

As características desta modalidade de Bioética nos remetem ao con-


ceito de saúde cultural, que vem se consolidando a partir de estudos na
área da Museologia, como os de Heloisa Costa (in Museologia e Patrimô-
nio nas cidades contemporâneas: uma tese sobre gestão de cidades sob a
ótica da preservação da cultura e da memória), que a vê como uma ciência
em processo avançado de construção que, privilegiando:

“a polissemia dos objetos, estuda as múltiplas relações que se estabelecem


entre o real (patrimônio material) e os indivíduos, explorando a realidade
(vivências, estórias de vida, patrimônio imaterial) desses e de outros indiví-
duos que fizeram parte das gerações do passado”.

290
BIOÉTICA(S) E EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA

Assim, a relação que se estabelece entre as “antigas” metrópoles e


colônias, no marco da chamada Economia do Conhecimento, se por um
lado mantém e aprofunda o movimento pendular da América para a Eu-
ropa, em busca de “qualificação”, privilégio desde sempre das elites, por
outro muda em termos de motivos que determinam tal fluxo, já que o
Brasil, por exemplo, vem expandindo sua rede de educação superior em
níveis nunca antes vistos. Para usar a expressão –em parte abandonada–
que descreve o “desenvolvimento” econômico do Brasil: a mais recentefa-
se de exploração dos recursos naturais brasileiros poderia chamar-se Ciclo
do Diploma, com a Universidade de Coimbra se destacando como a maior
Universidade brasileira fora do Brasil.
Ora, ainda que cercado de todo o glamour que o estudar na Europa
se reveste para um sem número de latino-americanos, a experiência pode
ser para muitos traumática, dado todo um contexto cultural que –mesmo
tendo uma base comum, como é o caso da língua– se afigura hostil em
muitos aspectos, como a percepção um tanto pejorativa que se tem da
mulher brasileira, por exemplo, em Portugal, provocada, talvez, por uma
maior liberalidade de comportamento, ao contrário de uma maior dose de
conservadorismo que parece caracterizar as portuguesas.
Segundo Costa, ainda:

“Uma cidade, na definição da Organização Mundial da Saúde (OMS), é


aquela que coloca em prática, de modo contínuo, a melhoria de seu ambien-
te físico e social, utilizando todos os recursos de sua comunidade. Portanto,
considera-se uma cidade ou município saudável, aquela em que os dirigen-
tes municipais enfatizam a saúde dos cidadãos dentro de uma ótica amplia-
da de qualidade de vida”.

E o que seria está tal qualidade de vida? Para a autora:

“Ora, qualidade de vida é um bem estar geral que acomete os sujeitos de


uma dada população pelo fato de sentirem seguros e nutridos em todas as
áreas (emocional, mental, intelectual e afetiva, entre outras), autônomos e

291
JOSÉ LUIZ DE MOURA FILHO

com habilidades específicas mantidas por meio de processos de aprendiza-


gem, de uso da memória; enfim, ser saudável é poder se relacionar com
objetos e pessoas de forma não violenta, respeitando a diversidade cultural
e promovendo maior compreensão de mundo”.

E que melhor lugar para isso haveria que não a Universidade, pelo
menos para o desencadear de tal processo? É por isso que se propõe a
Diplomacia Universitária: só uma instituição que tem na sua origem e
expansão a marca da autonomia e da universalidade de valores pode pro-
mover o diálogo intercultural, característica maior dos equipamentos que
se querem verdadeiramente Museus, como o é, a céu aberto, os espaços
que se pretendem, também, como verdadeiras cidades, em cujo processo
de construção, segundo Costa:

“está inserida a memória afetiva, que lidando com as emoções, individuais


e coletivas, possibilita: oferecer carga positiva ao organismo; renovar ener-
gia; fortalecer a autoestima e a segurança em si mesmo; recordar e religar,
promovendo vínculos e potencializando sinapses; adquirir força e coragem
para combater estados depressivos e stress”.

Não se trata aqui da Diplomacia tradicional, que fez dos portugueses


– e depois, dos brasileiros– famosos pelos acordos demarcatórios das fron-
teiras ainda ao tempo da Colônia e do Império; nem da Diplomacia cultu-
raI que, a partir da aventura dos Descobrimentos espalhou gostos e costu-
mes lusitanos pelos cinco continentes; mas sim de um tipo de Diplomacia
cujos contornos e instrumentos estão por ser construídos, e cujas diretrizes
e princípios não podem se afastar da autonomia e do diálogo que fazem
com que, por exemplo, o Brasil não reconheça Taiwan como Estado inde-
pendente, fato que não impede que na Universidade Federal de Santa
Maria/Brasil, esteja um taiwanês a ensinar mandarim, a partir deste ano!

292
BIOÉTICA(S) E EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA

A título de conclusão

A Bioética latino-americana continuará enclausurada se as Universi-


dades não assumirem para si um papel de destaque nesta discussão, que
tanto se coaduna –pela gênese universal de ambas-bioética e universida-
de– com seus princípios, respectivamente, fundamentais e norteadores: a
autodeterminação do sujeito (indivíduo/cidadão) e a autonomia da insti-
tuição (coletivo/comunidade acadêmica).
Da mesma forma, não logrará se efetivar fugindo à realidade local/
regional se continuar reduzida a projetos de ensino e pesquisa e, pois,
longe de seus verdadeiros destinatários, por meio de ações de Extensão
que, como se sabe, tem caráter bastante díspar na Europa e na AL.
Por fim, e mais importante, não se consolidará como ciência enquan-
to não for legitimada por meio do diálogo intercultural tão necessário num
espaço diverso e complexo como a Universidade, seja pela abundância do
patrimônio material (tecnologia) aí construído, seja pela dinâmica do pa-
trimônio imaterial (conhecimento) nela produzido, e cuja colocação em
circulação– para a melhoria da qualidade de vida dos seres humanos -
depende da mediação que somente a Diplomacia Universitária pode pro-
porcionar.
A provocação está feita, e é o grande mérito da obra de Silvero, caben-
do agora levá-la de sul a norte, não esquecendo-nos do centro que, aliás,
está longe de assim se apresentar, quando o que está em jogo é o foco das
preocupações acerca de determinada temática –como é o caso da Bioética–
situação que a diversidade cultural e, de consequência, os conflitos, na
América Central e no Médio Oriente, por exemplo, nos revelam, às vezes
com requintes de “realidade” que beiram ao pesadelo.

293

Você também pode gostar