Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
INSTITUTO DE ARTES
CAMPINAS
2020
MILENA LEME LOPES
CAMPINAS
2020
BANCA EXAMINADORA DA DEFESA DE MESTRADO
MEMBROS:
1. PROF. DR. ALEXANDRE ZAMITH ALMEIDA
2. PROF. DR. MAURICY MATOS MARTIN
3. PROF. DR. LUIZ GUILHERME POZZI
Fig. 3: Alberto Ginastera Danza del viejo boyero, c. 77-81: o “acorde de violão”,
referente às cordas soltas deste instrumento...........................................................p.21
Fig. 4: Sonata para piano Nº1 – 1º movimento (c. 52 a 55). A passagem do exemplo
indica similaridade com o idiomatismo da quena.....................................................p.23
Horácio Lavandera..................................................................................................p.52
Fig. 38: gráfico da Danza del viejo boyero gerado pela performance da própria
autora......................................................................................................................p.53
Fig. 39: Danza de la moza donosa c. 1 a 11............................................................p.55
Fig. 40: gráfico gerado pela performance da pianista argentina Martha Argerich
da Danza de la moza donosa, c. 1 a 12...................................................................p.55
Fig. 41: Danza de la moza donosa, análise dos compassos 59 a 69.......................p.56
Fig. 42: gráfico gerado pela performance da pianista Martha Argerich da Danza de la
moza donosa c. 59 a 69...........................................................................................p. 57
Fig. 43: gráfico gerado pela performance do pianista Daniel Barenboim da Danza de
la moza donosa c. 1 a 11 ........................................................................................p. 58
Fig. 44: gráfico gerado pela performance do pianista Daniel Barenboim da Danza de
la moza donosa, c. 59 a 69.......................................................................................p.59
Fig. 47: gráfico gerado pela performance do Minneapolis Guitar Quartet Danza del
gaucho matrero c.60 a 72.........................................................................................p.63
Fig. 48: gráfico gerado pela performance da pianista Martha Argerich Danza del
gaucho matrero c. 60 a 72........................................................................................p.64
Fig. 49: Danzas argentinas realizada pelo Sedina Duo............................................p.67
Introdução ...............................................................................................................p.13
Capítulo 1: O compositor.........................................................................................p.15
Conclusão ...............................................................................................................p.85
Referências.............................................................................................................p.89
Anexo......................................................................................................................p.91
13
INTRODUÇÃO
Alberto Ginastera é considerado uma das mais criativas vozes das Américas
(SCHWARTZ-KATES, 2010, prefácio). Dentre suas inúmeras composições,
elencamos peças para piano solo, uma sonata para violão, uma sonata para
violoncelo, dois concertos para piano, dois concertos para violoncelo, três quartetos
de cordas, entre outras. Por ter sido ele próprio um pianista, Ginastera contribuiu de
maneira significativa para o incremento do repertório para este instrumento. Obras
como Sonata n.1 Op. 22 (1952), Sonata n. 2 Op. 53 (1981), Danzas Criollas (1956) e
as Danzas Argentinas (1937) ocupam lugar de destaque no cenário da música para
piano do século XX.
1 Publicado originalmente em: Haseman, Brad (2006) A Manifesto for Performance Reserach.
International Australia Incorporating Culture and Policy, theme issue “Practice-led Research” (n.118): p.
98-106. Tradução para o português: Marcello Amalfi. A pesquisa performativa tem sua investigação
iniciada, prosseguida e guiada através da prática.
14
pontos de partida empíricos a partir dos quais a prática segue. Eles tendem a
mergulhar, começar a praticar para ver o que emerge. Eles reconhecem que o que
emerge é individualista e idiossincrático (2006, p. 102.) Esta metodologia colaborou
significativamente para atingir uma aproximação com os objetivos desta pesquisa.
Para tanto, foram realizadas uma análise da obra voltada para o pensamento musical
do compositor, análises de gravações de artistas referenciais, e gravações em áudio
e vídeo das Danzas Argentinas realizadas pela autora. Por fim, a junção das ações
mencionadas serviu como subsídio para compor uma proposta interpretativa da peça.
15
1. O compositor
Este capítulo tem como objetivo oferecer um contexto biográfico sobre Alberto
Ginastera, bem como ressaltar as mudanças de visões e posturas composicionais que
fizeram com que sua produção fosse dividida em três fases composicionais, que serão
devidamente explanadas em subcapítulos. Alberto Ginastera foi um dos mais
importantes compositores latino-americanos do século XX e contribuiu de maneira
significativa para a música de seu país, enaltecendo a Argentina com elementos
nacionalistas presentes em muitas de suas composições.
2 Os professores José André e José Gil do Conservatório Nacional de Buenos Aires, são citados nos
trabalhos das autoras Urtubey (1972, p.22) e Schwartz-Kates (2013, p.2), entretanto não foi possível
obter informações sobre ano de nascimento e morte destes.
16
3 Textooriginal: “The Allegro barbaro filled in all the gaps I felt in my conception of forging a national
music”. Todas as traduções deste trabalho foram realizadas pela própria autora.
17
Ginastera sofreu com o contexto político argentino por toda sua vida. Os
problemas do compositor começaram em 1945 durante a ascensão de Juan D. Perón.
Naquela época, ele perdeu seu cargo no Liceu Militar por ter protestado contra a
demissão de um grupo de professores. Embora as autoridades tenham reintegrado
Ginastera seis meses depois, ele se recusou a retornar ao cargo. Ao contrário, ele
aproveitou uma bolsa concedida pela fundação Guggenheim – com a qual ele havia
sido agraciado em 1942, mas ainda não havia usufruído por conta da Segunda Guerra
Mundial. Ao chegar aos Estados Unidos, se instalou na cidade de Nova York, onde
pôde participar da rica vida cultural da cidade. O ponto alto de sua experiência nos
Estados Unidos ocorreu em 1946, quando participou do Festival de Música de
Berkshire, em Tanglewood, aos cuidados de Copland.
de seu casamento com Mercedes, conheceria a violoncelista Aurora Nátola. Este novo
relacionamento reavivou seu espírito e o encorajou a compor novamente. Ginastera e
Aurora se casam e instalam-se permanentemente em Genebra, Suíça.
4 Texto original: “I feel not only Argentine, but Hispano-American in the total sense of the word”.
19
Pola Suarez Urtubey, em 1967, na qual o compositor dividiu sua música em três
períodos: Nacionalismo Objetivo, Nacionalismo Subjetivo e Neoexpressionismo. A
segunda proposta ocorreu anos mais tarde, em uma entrevista para a pianista Lillian
Tan, publicada na revista The American Teacher em 19845. Quando Tan perguntou
sobre a distinção entre seus estilos e períodos composicionais, Ginastera respondeu:
“Eu acredito que existem apenas dois ao invés de três. O primeiro eu chamaria de
tonal e o segundo de atonal. O segundo período é o qual eu realmente faço uso da
atonalidade” (TAN, 1984, p. 33).6
Ainda que contrariando a visão final de Ginastera sobre sua obra, acataremos
nesta pesquisa a primeira proposta, isto é, a divisão em três períodos. Sua obra sofreu
modificações ao longo de sua vida e estas estavam diretamente ligadas não somente
a questões musicais intrínsecas, mas também à maneira como ele se relacionava com
seu país. Seu vívido amor pela sua nação e seu nacionalismo esvaíram-se aos poucos
em suas composições, em provável decorrência de conflitos políticos que sofreu na
Argentina. Ademais, os teóricos que escrevem sobre a vida e obra de Ginastera
defendem esta proposta entendendo que sua ligação com o nacionalismo manifestada
nos dois períodos iniciais – o nacionalismo objetivo e o nacionalismo subjetivo - se
amenizou muito no terceiro período, classificado como neoexpressionista,
justificando, portanto, a escolha da primeira divisão composicional. Trataremos de
cada um destes períodos nos subcapítulos a seguir.
5 Alguns autores, como Yin Jia Lin em sua tese de doutorado, aceitam esta segunda divisão
composicional de Ginastera, que poderia ser dividida entre primeiro período (1934-1957) e segundo
período (1958-1983). A escolha pode se basear na mudança de direção em termos de técnicas
composicionais aplicadas pelo compositor depois do ano de 1958, ao invés de levar em consideração
as influências culturais e nacionalistas de Ginastera.
6 Texto original: “I think that there are not three but two. The first I would call tonal and polutonal. Then
Segundo Mark Grover Basink (1994, p.13), a música popular argentina pode
ser dividida em três grupos, segundo a sua origem: andina, crioula e europeia. A
música de origem andina, tal como o próprio nome indica, deriva das civilizações pré-
colombianas, ou seja, da população indígena dos Andes. A música crioula é a música
da população rural do pampas (centro de tradição crioula) e, por fim, a música
europeia refere-se às formas musicais que surgiram da influência da cultura europeia.
O nacionalismo objetivo de Ginastera é marcado por melodias populares e por ritmos
de danças folclóricas nacionais. O compositor gostava de retratar a vida rural do
gaucho combinando a poesia gauchesca com características da música gaucha,
incluindo o malambo, dançado tradicionalmente por figuras masculinas, e referências
a acordes típicos do violão, instrumento prioritário do gaucho. Existem muitos
exemplos neste primeiro período que refletem sua conexão ao contexto musical de
seu país, pela utilização de elementos tipicamente argentinos, que podem ser
caracterizados como aspectos objetivos de sua música por suas ocorrências diretas
e explícitas.
7 Texto
original: “El objetivo, en el que los elementos de carácter argentino están presentados de una
manera directa y en el lenguaje participa aún de elementos melódicos de la música tonal.”
21
Fig. 3: Alberto Ginastera Danza del viejo boyero, c. 77-81: o “acorde de violão”,
referente às cordas soltas deste instrumento.
Este último exemplo retrata as notas obtidas das cordas soltas do violão Mi, La,
Ré, Sol, Si, Mi. O uso desse acorde na obra de Ginastera é uma referência direta ao
violão e, portanto, à música argentina, uma vez que o violão é o instrumento típico da
música gaucha.
8A tradição gauchesca faz alusão ao modo de vida e hábitos dos gaúchos, pastores da zona das
Pampas e supostos descendentes mestiços de Espanhóis e Indígenas.
22
É neste período que o caráter argentino de sua música começa a adquirir uma
nova fisionomia e sua escrita musical inicia uma mudança até o dodecafonismo. Trata-
se de um período “subjetivo”, pois aparecem características de um estilo que, sem
abandonar a tradição argentina, se torna mais amplo e com uma escrita de maior
abertura em relação às novas correntes composicionais mundiais (URTUBEY, 1972,
p. 72). Enquanto no nacionalismo objetivo o compositor acatava os materiais
argentinos de maneira mais imediata, o subjetivo é mais transmutado pelas
interpretações e intenções composicionais de Ginastera, ou seja, pela sua própria
subjetividade musical. O autor passa a fazer uso de outras técnicas composicionais
que surgem de acordo com sua necessidade de expressão. As obras mais
importantes deste segundo período são o 1º Quarteto de Cordas de 1948, a Sonata
nº1 para piano (1952) e a Pampeana nº3 (1954), sendo esta última considerada pelo
próprio compositor o ponto culminante do nacionalismo subjetivo. A exemplo desta
subjetividade, a Sonata nº1 para piano é uma obra que não possui um único tema
23
popular ou folclórico genuíno e ainda assim apresenta uma resultante musical que se
pode reconhecer como sendo tipicamente argentina, porque dentro de seu material
existem características populares oriundas das tradições argentinas (URTUBEY,
1972, p.64).
Fig. 4: Sonata para piano nº1 – 1º movimento (c. 52 a 55). A passagem do exemplo indica
similaridade com o idiomatismo da quena
1.2.3 – Neoexpressionismo
Considerada uma das obras mais importantes do repertório para piano solo de
Alberto Ginastera, as Danzas Argentinas, de 1937, constituem um conjunto de peças
impactantes, de difícil execução técnica e musical, repletas de nuances e ricas em
detalhes do nacionalismo argentino. Desde o momento de sua estreia, as Danzas
Argentinas conquistaram imensa popularidade. Dividida em três movimentos – Danza
del viejo boyero (dança do velho boiadeiro), Danza de la moza donosa (dança da moça
graciosa), Danza del gaucho matrero (dança do gaúcho matreiro) – possui títulos
sugestivos, reveladores e, indubitavelmente, o poder evocativo dos nomes dos
movimentos contribui a uma melhor percepção da obra. (PLESCH, 2002, p. 24).
Estrutura
SEÇÕES A B A’ C A’’
COMPASSOS 1 – 10 11 – 40 41 – 48 49 – 61 62 – 81
Tab. 1: quadro com as seções e subseções da Danza del viejo boyero
Ritmo
Fig. 10: Danza del viejo boyero, c. 1-2, colcheias da mão direita, seção A
Fig. 11: Danza del viejo boyero, c. 11-13, colcheias deslocadas na mão direita, seção B
Apesar de ser uma peça de caráter rítmico, mão direita e mão esquerda
complementam-se em uma fusão de melodia e acompanhamento.
Dinâmica
SEÇÕES A B A’ C A’’
DINÂMICAS p p mf dim. pp – piu
pp
piu p
mf – f - ff p pp
cresc. p – mf –
pp
Textura e tessitura
Fig. 13: Danza del viejo boyero, c. 72-73, uso do acorde do violão
Fig. 14: Danza del viejo boyero, c.37-39, acordes cheios, seção B
Estrutura
A Danza de la moza donosa possui uma forma ternária simples que será
demonstrada pela tabela abaixo:
SEÇÕES A B A’
COMPASSOS 1 – 24 25 – 58 59 – 81
Ritmo
Dinâmica
Seções A B A’
Dinâmicas pp – p cantando pp – cresc. – p pp – pp lontano
cresc. – mf cresc. – mf –
cresc.
dim. – p – pp
piú f – f – ff –
dim.
p – dim. – pp
Textura e tessitura
A terceira dança é a mais extensa, contando com 232 compassos, sendo quase
três vezes mais ampla que as anteriores (de 81 compassos cada uma delas). É
também a que mais transmite vigor e energia e a que mais requer resistência física
do intérprete. Essas características são exigidas pelo próprio compositor desde o
início da peça, com a indicação de caráter furiosamente rítmico e enérgico.
Estrutura
Ritmo
A terceira e última peça desta obra também está estruturada em compasso 6/8
e se caracteriza pelo predomínio do parâmetro rítmico sobre o melódico. Explora em
abundância acentos e acordes com função mais percussiva e tímbrica do que
harmônica. Para isso, busca a carga simbólica da virilidade investida tradicionalmente
40
Fig. 28: sequência indicando os passos da dança folclórica argentina zapateo de gato11
Dinâmica
Seções A B A’ B’ C Ponte 1
Dinâmicas pp- f – mf pp- f– ff meno f –
cresc. cresc. cresc. cresc. –
meno f –
cresc.
sempre
– sff –
cresc
Seções D A’’ B’’ C’ Ponte 2 D’
Dinâmicas sfff pp- f – sf ff mf sfff
violento cresc. cresc.
cresc ffff
dim.
sff
Tab. 6: quadro com as dinâmicas da Danza del gaucho matrero
Textura e tessitura
Após o zapateo de gato, seção C, ocorre uma passagem modulatória (fig. 32),
de função transitiva, que desembocará na seção mais memorável desta peça, uma
evidente referência ao malambo, outra dança folclórica argentina à qual Ginastera já
fez menção na primeira dança desta obra, Danza del viejo boyero. O compositor
solicita que o intérprete tenha um toque “violento” quando executar este trecho, o qual
se caracteriza por uma sonoridade densa, com acordes de seis sons, movimento
ostinato de colcheias e uma estrutura de oito compassos cujas subsequentes
variações rítmicas dão lugar a diversas “mudanças”, próprias desta dança, que estão
relacionadas a mudanças de fórmula de compasso que remetem aos passos da
dança. A tessitura ocupa a região grave do piano.
Fig. 33: Danza del gaucho matrero, c. 227-232, compassos finais e clímax da peça
44
3. Análise de performances
Partitura e Performance
Sonic Visualizer
Fig. 34: Compassos de 1 a 10 com o levare da Danza del viejo boyero de Alberto Ginastera. Os
gráficos serão gerados a partir desses compassos iniciais
49
Fig. 35: gráfico gerado por performance do quarteto de violões the Georgia Guitar Quartet. O eixo
vertical indica a amplitude em Hz e o eixo horizontal o tempo em segundos. A seta larga indica o local
onde termina a seção do décimo compasso
Fig. 36: gráfico gerado pela performance da pianista Martha Argerich dos compassos iniciais da
Danza del viejo boyero
Fig. 37: gráfico gerado pela performance da Danza del viejo boyero pelo pianista
Horácio Lavandera
Com base nos gráficos registrados acima é possível concluir que para
conseguir uma aproximação com o idiomatismo do violão, é necessário modificar a
articulação e o toque ao piano, conforme demonstra o gráfico que segue:
Fig. 38: gráfico da Danza del viejo boyero gerado pela performance da própria autora
A segunda dança é talvez a mais conhecida das três. A figura aqui representada
difere das figuras das outras danças, pois tanto o velho boiadeiro quanto o gaúcho
matreiro são personagens masculinos, representados por meio do potencial
percussivo do piano (o viejo, com menos vigor, e o gaucho, mais enérgico). Já a moza
donosa é representada pelo lirismo do piano em seu potencial cantabile. Um aspecto
muito característico desta dança é o tempo rubato indicado pelo compositor e muito
presente nas canções pampeanas que serviram como base de inspiração para a
composição.
Fig. 39: Danza de la moza donosa c. 1 a 11, que serão analisados em performances
nos gráficos a seguir
Fig. 40: gráfico gerado pela performance da pianista argentina Martha Argerich
da Danza de la moza donosa, c. 1 a 12
55
O gráfico acima nos mostra que o pianista optou por um tempo mais lento, pois
o mesmo trecho musical é realizado em 25 segundos enquanto Argerich realiza em
21 segundos (vide fig. 40). Examinando as ondas sonoras percebe-se também que
houve uma maior flutuação de tempo na performance de Barenboim, visto que os
círculos em vermelho demonstram uma “espera” maior nas colcheias que concluem a
frase musical. Esse movimento na agógica é típico das canções pampeanas e o
pianista traduz muito bem essa linguagem em sua performance.
Em sequência, e para a finalização de análises deste subcapítulo, será
apresentado o gráfico que representa os compassos finais da Danza de la moza
donosa, de 59 a 69 em performance do mesmo pianista, Daniel Barenboim.
58
A última peça desta obra, Danza del gaucho matrero, explora em abundância
acentos e acordes com função mais percussiva e tímbrica do que harmônica. Para
isso, busca a carga simbólica da virilidade investida tradicionalmente no malambo,
dança masculina por excelência do folclore pampeano. A violência, a fúria e o caráter
selvagem de seu clímax sugerem algumas possibilidades ao pianista, especialmente
por se tratar de um movimento mais “violento” musicalmente, rico em dissonâncias e
que exige muita energia de quem interpreta.
Este trecho em particular possui uma difícil realização técnica, pois a melodia
em sobreposição de terças gera um desafio que vai ao encontro do dedilhado
escolhido pelo intérprete. Além disso, o acompanhamento da mão esquerda percorre
diferentes regiões do piano e, quando realizado no andamento final, torna-se o
momento mais complexo da obra em termos de performance.
Após realizada uma triagem sobre as inúmeras interpretações disponíveis,
foram escolhidas três gravações de qualidade no cenário musical. A primeira delas é
do pianista argentino Horacio Lavandera, que preza por elementos como acentos
destacados em partitura pelo compositor, precisão rítmica e primor musical de
execução.
61
4.1 – El viejo
Fig. 49: Danzas argentinas versão duo de violões realizada pelo Sedina Duo
outros tão breves quanto os do nortenho. Aquele que interpreta deve-se lembrar que
a principal característica da obra é exatamente o fato ser baseada em uma dança.
Muitos intérpretes, porém, optam por um tempo muito superior ao indicado pelo
compositor (138 BPM), a exemplo da pianista argentina Martha Argerich, como pode
ser observado pelo QR Code que segue.
Ferramentas interpretativas
Fig. 53: Gráfico de tempo da Danza del viejo boyero, gerado pelo aplicativo Noteshelf
68
Fig. 54: gráfico de dinâmicas da Danza del viejo boyero, gerado pelo aplicativo Noteshelf
mais especial. Por experiência própria, apenas quando analisei o gráfico acima tive a
compreensão da extensão das dinâmicas da primeira obra e isso resultou numa outra
percepção da dança.
70
Memorização
4.2 – La moza
A segunda dança se distingue por ser a mais lírica e melodiosa das Danzas
Argentinas e, assim sendo, requer um cuidado especial ao requinte e lirismo da obra
relacionados à figura feminina. A sutileza da peça encontra-se na agógica, elemento
essencial explicado anteriormente no capítulo 3.2, bem como outros aspectos como
condução de fraseado, terminações de frases e dinâmicas.
Ferramentas interpretativas
14 Autor do livro Note Grouping, um método criado com o objetivo de alcançar expressão e estilo na
interpretação musical
72
Fig. 55: arsis e thesis dentro de um note grouping na Danza de la moza donosa
Fig. 56: arsis e thesis dentro de um note grouping na Danza de la moza donosa
Memorização
4.3 – El gaucho
Zapateo de gato
Gráfico de dinâmica
Memorização
Conclusão
“Se a música não tem uma pessoa autêntica por detrás dela,
em alguns anos estará morta... e o primeiro requisito e, mais
importante de todos, é que o artista seja fidedigno ao seu
verdadeiro eu” (TAN, Lillian. 1984)
Por meio desta pesquisa verificou-se que Alberto Ginastera possuía muito
conhecimento da potencialidade que o piano pode oferecer e buscou explorar a
versatilidade do instrumento, alternando entre danças rítmica, melódica e percussiva.
As Danzas Argentinas compreendem uma importante obra da literatura para piano de
Ginastera, pois nela o intérprete pode explorar os mais variados aspectos
interpretativos e musicais, tais como timbres, pedalização, diversidade rítmica.
Ginastera pôde sintetizar a essência da cultura argentina, desde a tradição gauchesca
até o contexto moderno do século XX. Além disso, elas articulam significativamente o
vínculo entre gênero e nacionalidade. Dentre sua obra para o instrumento, esta peça
consagrou-se como uma das mais conhecidas de seu legado. Em termos rítmicos e
sonoro nas Danzas Argentinas, Ginastera evoca compositores como Béla Bartók ou
Igor Stravinsky, haja visto a alternância métrica herdada de tais compositores. Em
suma, Danzas Argentinas possuem real valor artístico e composicional e, por meio
delas, Alberto Ginastera sintetizou o espírito nacionalista delineando seu folclore sem
deixar, no entanto, de buscar sua própria autenticidade enquanto compositor.
16 Texto original: if music doesn’t have an authentic person behind it, in several years it is dead… and
the first and formost requirement is that an artist be true to his real self.
86
Fig. 67: gravação das Danzas argentinas interpretada por Milena Lopes em junho de 2015
Fig. 68: Danzas argentinas de Alberto Ginastera interpretada por Milena Lopes em setembro de 2018
• Em Danza del viejo boyero foi utilizado o mínimo de pedal possível para a
obtenção de uma articulação clara e limpa, similar ao toque e som do violão,
buscando assim a semelhança com a dança folclórica malambo. Em termos
sonoros, as dinâmicas seguem estritamente o que sugere a partitura e para o
auxílio deste efeito foi utilizado a escala de intensidade numérica de Tabuteau.
87
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Alexandre Zamith. Por uma visão de música como performance. Opus,
Porto Alegre, v.17, n.2, p. 63-76, dez. 2011.
BASINK, Mark Grover. Alberto Ginastera’s use of argentine folk elements in the sonata
for guitar, opus 47. D.M.A. The University of Arizona. Tucson, Arizona, 1994.
CHARM: Centre for the History and Analysis of Recorded Music. [s.l.]: [s.n.], [s.d.].
Disponível em <http://www.charm.rhul.ac.uk/about/about.html>.
LIMA, Sônia Albano. Memória, Performance e Aprendizado Musical. São Paulo: Paco
Editorial, 2013.
ZUMTHOR, Paul. Performance, recepção, leitura. São Paulo: Cosac Naify, 2007.
91
ANEXO
92
93
94
95
96
97
98
99
100
101
102
103
104