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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ARTES

MILENA LEME LOPES

DANZAS ARGENTINAS DE ALBERTO GINASTERA:

uma abordagem interpretativa

CAMPINAS
2020
MILENA LEME LOPES

DANZAS ARGENTINAS DE ALBERTO GINASTERA:


uma abordagem interpretativa

Dissertação apresentada ao Instituto de Artes da Universidade


Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para
obtenção do título de Mestra em Música, na área de Música:
Teoria, Criação e Prática.

ORIENTADOR: ALEXANDRE ZAMITH ALMEIDA


ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO
FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA
MILENA LEME LOPES E ORIENTADA PELO
PROF. DR. ALEXANDRE ZAMITH ALMEIDA

CAMPINAS
2020
BANCA EXAMINADORA DA DEFESA DE MESTRADO

MILENA LEME LOPES

ORIENTADOR: ALEXANDRE ZAMITH ALMEIDA

MEMBROS:
1. PROF. DR. ALEXANDRE ZAMITH ALMEIDA
2. PROF. DR. MAURICY MATOS MARTIN
3. PROF. DR. LUIZ GUILHERME POZZI

Programa de Pós-Graduação em Música do Instituto de Artes da Universidade


Estadual de Campinas

A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da comissão


examinadora encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na
Secretaria do Programa da Unidade.

DATA DA DEFESA: 28.02.2020


AGRADECIMENTOS

Agradeço ao meu orientador Alexandre Zamith Almeida, por suas inúmeras e


privilegiadas orientações em meu caminho do conhecimento.

Aos docentes do Programa de Pós-Graduação em Música do Instituto de Artes


da Unicamp pelos ensinamentos que transcendem o âmbito acadêmico.

Ao meu querido marido Guilherme Sparrapan, pelo apoio incondicional nos


momentos precisos, pelo amor e companheirismo.

À minha sogra Maria Inês, que em momentos frágeis e desafiadores esteve


sempre presente vibrando positivamente com amor.

Ao meu João Valentim, ainda tão pequeno, porém tão grande.

À minha família, pelo carinho e amor de toda uma vida.


RESUMO

Resumo: este trabalho propõe um estudo interpretativo sobre as Danzas Argentinas


(1937) para piano solo do compositor argentino Alberto Ginastera (1916-1983). Para
tanto, está estruturado em quatro capítulos: o primeiro versa sobre aspectos
biográficos e definidores das fases composicionais de Alberto Ginastera; o segundo
apresenta considerações analíticas sobre a escritura musical e os elementos que
fazem das Danzas Argentinas uma das obras mais emblemáticas do compositor; o
terceiro baseia-se em reflexões geradas a partir de gráficos do programa
computacional Sonic Visualizer, por meio do qual foi possível verificar elementos que
desprendem-se da partitura, enquanto documento, e que fazem parte da performance
como resultado final; o quarto e último capítulo apresenta sugestões interpretativas
baseadas em reflexões resultantes dos capítulos anteriores, do estudo ao piano e
performance da obra. Ginastera foi um dos maiores compositores do século XX e suas
composições são ainda pouco disseminadas, portanto este trabalho tem o intuito de
contribuir com a pesquisa acerca deste tema, além de explorar a escritura do
compositor e suas implicações performativas, identificando as diversas maneiras com
a qual ele explorava a potencialidade que o piano pode oferecer enquanto
instrumento. Para a estruturação deste trabalho, foram acatados como referenciais
teóricos autores como CHASE (1957), URTUBEY (1972), SCHWARTZ-KATES (2010,
2013), SCHAEFFER (2003).

Palavras-chave: Alberto Ginastera. Danzas Argentinas. Sonic Visualizer. Música do


século XX.
ABSTRACT

Abstract: the present work proposes an interpretative study of Danzas argentinas


(1937) for piano solo of the Argentine composer Alberto Ginastera (1916-1983). It is
structured in four chapters: the first one deals with the biography and aspects that
characterize the compositional phases of Alberto Ginastera; the second presents
analytical considerations of the musical writing and elements that make of Danzas
argentinas one of the most emblematic works of the composer, the third is based on
considerations generated from graphics from the computer program Sonic Visualizer
in which it was possible to verify elements that come off the score as a document and
that are part of the performance as a final result; the fourth and last chapter presents
interpretative suggestions based on reflections resulting from the previous chapters
and the piano study and performance of the work. Ginastera was one of the greatest
composers of the twentieth century and his compositions are still little disseminated,
so this work intends to contribute to the research on this theme. For the structuring of
this work, authors were used as theoretical references such as CHASE (1957),
URTUBEY (1972), SCHWARTZ-KATES (2010, 2013), SCHAEFFER (2003).

Keywords: Alberto Ginastera. Danzas argentinas. Sonic Visualizer. Twentieth


Century Music.
LISTA DE FIGURAS

Fig. 1: Variações rítmicas ternárias, características da música andina ...................p.21


Fig. 2: Danza criolla, Doze Preludios Americanos (1944), com traços da música andina
em sua escrita c.1-5.................................................................................................p.21

Fig. 3: Alberto Ginastera Danza del viejo boyero, c. 77-81: o “acorde de violão”,
referente às cordas soltas deste instrumento...........................................................p.21

Fig. 4: Sonata para piano Nº1 – 1º movimento (c. 52 a 55). A passagem do exemplo
indica similaridade com o idiomatismo da quena.....................................................p.23

Fig. 5: QR Code 1, sonoridade característica da flauta quena................................p.23


Fig. 6: Sonata Nº1 – 1º tema (c. 1 a 4) ....................................................................p.24

Fig. 7: Sonata n. 2, segundo movimento, c. 1..........................................................p.25


Fig. 8: Quarteto de Cordas n. 2, (a) utilização serial; (b) quartos de tom; (c) grafia de
Ginastera para os quartos de tom............................................................................p.26
Fig. 9: exemplo do ritmo malambo para acompanhamento ao violão......................p.28

Fig. 10: Danza del viejo boyero, c. 1-2, ...................................................................p.29


Fig. 11: Danza del viejo boyero, c. 11-13, ...............................................................p.30

Fig. 12: Danza del viejo boyero, c. 53-54, seção C..................................................p.30


Fig. 13: Danza del viejo boyero, c. 72-73, ...............................................................p.31

Fig. 14: Danza del viejo boyero, c.37-39..................................................................p.32


Fig. 15.: exemplo de acompanhamento de canção tradicional pampeana - La
peregrinación, de Ariel Ramirez...............................................................................p.33
Fig.16: compassos 1 – 3, Danza de la moza donosa...............................................p.33

Fig.17: síncopas e figura de acompanhamento da Danza de la moza donosa


contribuindo com efeito rubato da peça, c. 12-15....................................................p.34
Fig.18: ´La peregrinación`, canção pampeana de Aríel Ramirez.............................p.34

Fig.19: Danza de la moza donosa, c. 1 – 10, textura de melodia e acompanhamento e


tessitura na região média e aguda do piano............................................................p.36

Fig.20: Danza de la moza donosa, c.12-14, inserção de mais vozes......................p.36


Fig. 21: Danza de la moza donosa, c. 25-26, início da seção B.............................p.37

Fig. 22: Danza de la moza donosa, c. 29-31...........................................................p.37


Fig. 23: Danza de la moza donosa, c. 40-41, abertura de vozes.............................p.37
Fig. 24: Danza de la moza donosa, c. 48-51............................................................p.37
Fig. 25: Danza de la moza donosa, c. 53-55............................................................p.38

Fig. 26: Danza de la moza donosa, c. 62-65, melodias em terças e


acompanhamento....................................................................................................p.38
Fig. 27: Danza de la moza donosa, c. 80-81............................................................p.38

Fig. 28: sequência indicando os passos da dança folclórica argentina zapateo de


gato..........................................................................................................................p.41

Fig. 29: Danza del gaucho matrero, c. 1-4...............................................................p.42


Fig. 30: Danza del gaucho matrero, c. 17-20...........................................................p.42

Fig. 31: Danza del gaucho matrero, c. 58-64...........................................................p.43


Fig. 32: Danza del gaucho matrero, c.104-112........................................................p.43

Fig. 33: Danza del gaucho matrero, c. 227-232......................................................p.44


Fig. 34: Compassos de 1 a 10 com o levare da Danza del viejo boyero de Alberto
Ginastera.................................................................................................................p.49
Fig. 35: gráfico gerado por performance do quarteto de violões the Georgia Guitar
Quartet. ...................................................................................................................p.50
Fig. 36: gráfico gerado pela performance da pianista Martha Argerich dos compassos
iniciais da Danza del viejo boyero............................................................................p.51
Fig. 37: gráfico gerado pela performance da Danza del viejo boyero pelo pianista

Horácio Lavandera..................................................................................................p.52
Fig. 38: gráfico da Danza del viejo boyero gerado pela performance da própria
autora......................................................................................................................p.53
Fig. 39: Danza de la moza donosa c. 1 a 11............................................................p.55

Fig. 40: gráfico gerado pela performance da pianista argentina Martha Argerich
da Danza de la moza donosa, c. 1 a 12...................................................................p.55
Fig. 41: Danza de la moza donosa, análise dos compassos 59 a 69.......................p.56

Fig. 42: gráfico gerado pela performance da pianista Martha Argerich da Danza de la
moza donosa c. 59 a 69...........................................................................................p. 57

Fig. 43: gráfico gerado pela performance do pianista Daniel Barenboim da Danza de
la moza donosa c. 1 a 11 ........................................................................................p. 58

Fig. 44: gráfico gerado pela performance do pianista Daniel Barenboim da Danza de
la moza donosa, c. 59 a 69.......................................................................................p.59

Fig. 45: Danza del gaucho matrero, análise dos c. 60 a 72.....................................p.61


Fig. 46: gráfico gerado pela performance do pianista Horacio Lavandera Danza del
viejo boyero c. 60 a 72..............................................................................................p.62

Fig. 47: gráfico gerado pela performance do Minneapolis Guitar Quartet Danza del
gaucho matrero c.60 a 72.........................................................................................p.63
Fig. 48: gráfico gerado pela performance da pianista Martha Argerich Danza del
gaucho matrero c. 60 a 72........................................................................................p.64
Fig. 49: Danzas argentinas realizada pelo Sedina Duo............................................p.67

Fig. 50: QR Code referente ao malambo dançado...................................................p.67


Fig. 51: QR Code demonstrando andamento escolhido pela pianista argentina Martha
Argerich..................................................................................................................p. 68
Fig. 52: Estrutura formal da Danza del viejo boyero...............................................p.69

Fig. 53: Gráfico de tempo da Danza del viejo boyero...............................................p.69


Fig. 54: gráfico de dinâmicas da Danza del viejo boyero.........................................p.70

Fig. 55: arsis e thesis na Danza de la moza donosa.................................................p.73


Fig. 56: arsis e thesis na Danza de la moza donosa................................................p.73

Fig. 57: sistema numérico de Tabuteau...................................................................p.74


Fig. 58: gráfico de dinâmica da Danza de la moza donosa......................................p.75

Fig. 59: dinâmicas da seção B entre compassos 24 a 65........................................p.76


Fig. 60: dinâmicas da seção B representadas em números.....................................p.76

Fig. 61: gráfico de tempo (1) da Danza del gaucho matrero....................................p.79


Fig. 62: gráfico de tempo (2) da Danza del gaucho matrero....................................p.80

Fig. 63: passagem zapateo de gato mão esquerda, c. 58 a 62...............................p.81


Fig. 64: exemplo de estudo do trecho zapateo de gato ..........................................p.82

Fig. 65: linha melódica passagem zapateo de gato, c. 58 a 62................................p.82


Fig. 66: gráfico de dinâmicas da Danza del gaucho matrero..................................p.83
Fig. 67: gravação das Danzas Argentinas interpretada por Milena Lopes em junho de
2015.........................................................................................................................p.86
Fig. 68: Danzas Argentinas de Alberto Ginastera interpretada por Milena Lopes em
setembro de 2018....................................................................................................p.86
LISTA DE TABELAS

Tabela 1: quadro com as seções e subseções da Danza del viejo


boyero......................................................................................................................p.29

Tabela 2: quadro com as dinâmicas da Danza del viejo


boyero......................................................................................................................p.31

Tabela 3: quadro com as seções e subseções da Danza de la moza


donosa.....................................................................................................................p.33

Tabela 4: quadro com as dinâmicas da Danza de la moza


donosa.....................................................................................................................p.35

Tabela 5: quadro com a estrutura geral da Danza del gaucho


matrero....................................................................................................................p.39

Tabela 6: quadro com as dinâmicas da Danza del gaucho


matrero....................................................................................................................p.41
SUMÁRIO

Introdução ...............................................................................................................p.13

Capítulo 1: O compositor.........................................................................................p.15

Capítulo 2: Considerações Analíticas......................................................................p.27

Capítulo 3: Análise de performances.......................................................................p.44

Capítulo 4: Ferramentas interpretativas e memorização da obra.............................p.64

Conclusão ...............................................................................................................p.85

Referências.............................................................................................................p.89

Anexo......................................................................................................................p.91
13

INTRODUÇÃO

Alberto Ginastera é considerado uma das mais criativas vozes das Américas
(SCHWARTZ-KATES, 2010, prefácio). Dentre suas inúmeras composições,
elencamos peças para piano solo, uma sonata para violão, uma sonata para
violoncelo, dois concertos para piano, dois concertos para violoncelo, três quartetos
de cordas, entre outras. Por ter sido ele próprio um pianista, Ginastera contribuiu de
maneira significativa para o incremento do repertório para este instrumento. Obras
como Sonata n.1 Op. 22 (1952), Sonata n. 2 Op. 53 (1981), Danzas Criollas (1956) e
as Danzas Argentinas (1937) ocupam lugar de destaque no cenário da música para
piano do século XX.

A Danzas Argentinas Op. 2, objeto deste trabalho, é considerada uma das


obras mais executadas do repertório para piano solo de Alberto Ginastera e
constituída por um conjunto de três peças impactantes e contrastantes, de difícil
execução técnica e musical, repletas de nuances e ricas em detalhes do nacionalismo
argentino. Desde sua estreia, em 1937, as Danzas Argentinas conquistaram imensa
popularidade, sendo que esta se perpetuou ao longo dos anos, visto que é uma das
obras para piano solo mais executadas do compositor. Seus movimentos - Danza
del viejo boyero, Danza de la moza donosa, Danza del gaucho matrero – possuem
títulos sugestivos, reveladores e, indubitavelmente, o uso de ritmos tipicamente
argentinos contribui a uma melhor percepção da obra, pois devido à estreita relação
com identidades culturais, a música se torna uma ferramenta hábil para a tradução de
uma cultura e nacionalismo (PLESCH, 2002, p. 24).

Acerca da metodologia, utilizou-se as premissas da pesquisa performativa1.


Muitos pesquisadores não iniciam o projeto de pesquisa com a consciência de “um
problema”. Na verdade, eles podem ser levados por aquilo que é mais bem descrito
como um entusiasmo da prática: algo que é emocionante, algo que pode ser
desregrado, ou, de fato, algo que somente pode tornar-se possível conforme novas
tecnologias. Segundo Haseman, pesquisadores guiados pela prática constroem

1 Publicado originalmente em: Haseman, Brad (2006) A Manifesto for Performance Reserach.
International Australia Incorporating Culture and Policy, theme issue “Practice-led Research” (n.118): p.
98-106. Tradução para o português: Marcello Amalfi. A pesquisa performativa tem sua investigação
iniciada, prosseguida e guiada através da prática.
14

pontos de partida empíricos a partir dos quais a prática segue. Eles tendem a
mergulhar, começar a praticar para ver o que emerge. Eles reconhecem que o que
emerge é individualista e idiossincrático (2006, p. 102.) Esta metodologia colaborou
significativamente para atingir uma aproximação com os objetivos desta pesquisa.
Para tanto, foram realizadas uma análise da obra voltada para o pensamento musical
do compositor, análises de gravações de artistas referenciais, e gravações em áudio
e vídeo das Danzas Argentinas realizadas pela autora. Por fim, a junção das ações
mencionadas serviu como subsídio para compor uma proposta interpretativa da peça.
15

1. O compositor

Este capítulo tem como objetivo oferecer um contexto biográfico sobre Alberto
Ginastera, bem como ressaltar as mudanças de visões e posturas composicionais que
fizeram com que sua produção fosse dividida em três fases composicionais, que serão
devidamente explanadas em subcapítulos. Alberto Ginastera foi um dos mais
importantes compositores latino-americanos do século XX e contribuiu de maneira
significativa para a música de seu país, enaltecendo a Argentina com elementos
nacionalistas presentes em muitas de suas composições.

1.1 Alberto Ginastera: um panorama biográfico

Alberto Evaristo Ginastera nasceu em 11 de abril de 1916 em Buenos Aires,


Argentina. Descendente de pai catalão e mãe italiana, foi o primeiro em sua família a
demonstrar aptidão musical em tenra idade. Começou a estudar música aos sete anos
e aos doze ingressou no Conservatório Williams, em Buenos Aires, onde estudou
composição, teoria musical e piano. Aos quatorze anos, assistiu pela primeira vez a
performance da Sagração da Primavera, de Igor Stravinsky (1882-1971), fato que o
impactaria profundamente: “a Sagração foi como um choque – algo novo e
inesperado. O primitivismo da música, seu impulso dinâmico e a novidade de sua
linguagem me impressionaram como sendo o trabalho de um gênio” (SCHWARTZ-
KATES, 2013, p.3). Em 1935 graduou-se pelo Conservatório Williams, tendo recebido
na ocasião medalha de ouro em composição. No ano seguinte, ingressou no
Conservatório Nacional de Música de Buenos Aires, onde estudou composição com
José André, contraponto com José Gil e harmonia com Athos Palma (1891-1851)2.

Segundo SCHWARTZ-KATES (2013, p.3), modelos composicionais europeus


moldaram o desenvolvimento inicial de Ginastera. Uma influência dominante veio de
Claude Debussy (1862-1918), por meio de obras como La Mer e Preludes, muito
admiradas pelo compositor argentino. Dentre outros compositores europeus refletidos
em sua escrita encontram-se Manuel de Falla (1876-1946), cuja integração de

2 Os professores José André e José Gil do Conservatório Nacional de Buenos Aires, são citados nos
trabalhos das autoras Urtubey (1972, p.22) e Schwartz-Kates (2013, p.2), entretanto não foi possível
obter informações sobre ano de nascimento e morte destes.
16

elementos hispânicos com outros elementos internacionais ajudaram a moldar a


trajetória criativa do jovem compositor, e Arthur Honegger (1892-1955), com as obras
Le Roi David e Pacific 231. Por fim, Béla Bartók (1881-1945) afetou profundamente o
desenvolvimento do músico argentino. Um episódio marcante aconteceu em uma
performance do pianista Arthur Rubinstein, em Buenos Aires, quando este executou
o Allegro Barbaro. Até aquele momento, Ginastera tinha o desejo de compor música
argentina apenas, mas ainda lhe faltava uma clara direção em sua escrita. Entretanto,
após ter escutado o trabalho de Bartók, declarou: “O Allegro Barbaro preencheu todas
as lacunas que eu sentia em minha concepção de forjar uma música nacional”3
(SCHWARTZ-KATES, 2013, p.3).

O ano de 1937 definiu um grande impulso na carreira do compositor. Sua


música veio à atenção do público graças ao renomado regente Juan José Castro que
estava à procura de uma nova obra orquestral que pudesse ser estreada no Teatro
Colón. Pesquisando nos arquivos do teatro, encontrou uma obra excepcional, um
ballet para orquestra escrito entre os anos de 1934 a 1937, pelo então jovem
Ginastera. Quando o regente entrou em contato com o compositor, perguntou se este
possuía alguma obra orquestral que pudesse ser apresentada em um concerto.
Quando a resposta foi negativa, Castro então sugeriu que Ginastera realizasse uma
versão orquestral de seu ballet. O trabalho resultante, Suíte Panambí, recebeu uma
calorosa estreia no Colón em 27 de novembro de 1937, propulsionando o início da
carreira do jovem compositor, então com 21 anos. Nesse mesmo ano, o compositor
escreveu as Danzas Argentinas, uma das obras pioneiras em sua trajetória musical
que ganhou destaque tão logo foi apresentada ao público. As Danzas Argentinas
conseguem exprimir parte daquilo que o compositor sentia em relação ao seu país, e
enaltece, ao longo de seus três movimentos, a música tradicional argentina por meio
de um posicionamento composicional claramente nacionalista. Ainda nesse ano
Ginastera conhece sua futura esposa, Mercedes de Toro, com quem futuramente teria
dois filhos: Alejandro (1941) e Georgina (1944).

Em 1941, Ginastera conheceria Aaron Copland, que viajara a Buenos Aires em


uma turnê pela América do Sul a fim de promover um intercâmbio cultural. Ginastera
imediatamente se interessou pelos ideais e estética de Copland. Ambos compositores

3 Textooriginal: “The Allegro barbaro filled in all the gaps I felt in my conception of forging a national
music”. Todas as traduções deste trabalho foram realizadas pela própria autora.
17

compartilhavam da ideia de construir imagens musicais das paisagens da América


com estilos composicionais contemporâneos que agradassem ao público de concerto.
Os dois, inicialmente, tiveram uma relação professor-aluno, mas por fim passaram a
se tratar como colegas de profissão. Naturalmente, a música de Ginastera teve seu
débito com seu mentor norte-americano. Entretanto, Copland também absorveria
ideais de seu talentoso discípulo. Seu ballet Rodeo se originou de sua experiência na
América do Sul e sugere influências do ballet Estancia (SCHWARTZ-KATES, 2013, p. 6).

Ginastera sofreu com o contexto político argentino por toda sua vida. Os
problemas do compositor começaram em 1945 durante a ascensão de Juan D. Perón.
Naquela época, ele perdeu seu cargo no Liceu Militar por ter protestado contra a
demissão de um grupo de professores. Embora as autoridades tenham reintegrado
Ginastera seis meses depois, ele se recusou a retornar ao cargo. Ao contrário, ele
aproveitou uma bolsa concedida pela fundação Guggenheim – com a qual ele havia
sido agraciado em 1942, mas ainda não havia usufruído por conta da Segunda Guerra
Mundial. Ao chegar aos Estados Unidos, se instalou na cidade de Nova York, onde
pôde participar da rica vida cultural da cidade. O ponto alto de sua experiência nos
Estados Unidos ocorreu em 1946, quando participou do Festival de Música de
Berkshire, em Tanglewood, aos cuidados de Copland.

Sua reintegração ao cenário musical de Buenos Aires não ocorreu de maneira


fácil. Outro atrito ocorreu quando, em 1952, o governo pretendia modificar o nome do
Conservatório de Música e Drama de La Plata, criado e gerido por Ginastera, para
adotar o nome da então recém falecida Eva Perón. Ginastera se posicionou
contrariamente à proposta, pelo que foi expulso do conservatório. Apesar do impacto
financeiro em sua vida, o compositor encontrou maneiras de se dedicar ao seu
trabalho criativo composicional (URTUBEY, 1972, p. 55). De fato, apesar de todas as
adversidades, naquela época vieram à tona excelentes obras, dentre as quais a
Sonata n.1 para piano (1952), Variações Concertantes (1953) e Pampeana No 3
(1954).

Após a queda de Perón, em 1955, sua carreira progrediria rapidamente, e os


anos que seguiriam seriam de intenso trabalho para o compositor. Dentre sua
produção deste período encontram-se concertos para piano, três óperas, Cantatas e
peças solos para canto. Entretanto, após tanto trabalho intenso, Ginastera sentiu-se
sobrecarregado e decidiu se retirar do cenário artístico. Após crises pessoais, e o fim
18

de seu casamento com Mercedes, conheceria a violoncelista Aurora Nátola. Este novo
relacionamento reavivou seu espírito e o encorajou a compor novamente. Ginastera e
Aurora se casam e instalam-se permanentemente em Genebra, Suíça.

Em decorrência de seu casamento com Aurora, Ginastera criaria um rico


repertório para violoncelo. Ele flexibilizou a austeridade de suas primeiras
composições e retomou seu interesse pela melodia. Apesar de seu exílio auto-
imposto, o compositor sentia falta da Argentina, o que reavivou sua consciência
nacional. Em uma entrevista, Ginastera se posicionou da seguinte maneira: “Eu não
me sinto apenas argentino, mas Hispano-Americano no total sentido da palavra”4
(SCHWARTZ-KATES, 2013, p.8). Este senso de identidade promoveu o
ressurgimento de elementos ibero-americanos em suas obras. Em 1981, foi
diagnosticado com câncer e, mesmo com a saúde fragilizada, completou suas últimas
composições: a segunda e terceira sonatas para piano datadas respectivamente de
1981 e 1982. Faleceu em 25 de junho de 1983, em Genebra. Um momento notável
ocorreu em sua última composição, a Terceira Sonata para Piano, marcada por
intensas dissonâncias bem como por alusões à música escrita por ele no passado.
Como observa Schwartz-Kates (2013, p.8), ao final desta peça, Ginastera resolve
seus últimos acordes na tonalidade de dó maior, historicamente associada a imagens
de luz e pureza. Sob o último acorde de sua composição Ginastera escreve “Deo
gratias’, lançando sua música para a eternidade.

1.2 Fases composicionais

Logo após a morte do compositor, sua obra foi compilada em catálogos,


consistindo em cento e quatro obras completas e quatro incompletas (SCHWARTZ-
KATES, 2010, p. 40-90). Sua produção inclui peças para piano solo, dois concertos
para piano, uma sonata para violão, uma sonata para violoncelo, dois concertos para
violoncelo, um concerto para violino, um concerto para harpa, três quartetos de
cordas, três óperas, dois balés, trilhas sonoras de filmes, entre outras composições.

Existem duas propostas musicológicas de divisão de sua produção


composicional. A primeira surgiu de uma entrevista concedida à musicóloga argentina

4 Texto original: “I feel not only Argentine, but Hispano-American in the total sense of the word”.
19

Pola Suarez Urtubey, em 1967, na qual o compositor dividiu sua música em três
períodos: Nacionalismo Objetivo, Nacionalismo Subjetivo e Neoexpressionismo. A
segunda proposta ocorreu anos mais tarde, em uma entrevista para a pianista Lillian
Tan, publicada na revista The American Teacher em 19845. Quando Tan perguntou
sobre a distinção entre seus estilos e períodos composicionais, Ginastera respondeu:
“Eu acredito que existem apenas dois ao invés de três. O primeiro eu chamaria de
tonal e o segundo de atonal. O segundo período é o qual eu realmente faço uso da
atonalidade” (TAN, 1984, p. 33).6

Ainda que contrariando a visão final de Ginastera sobre sua obra, acataremos
nesta pesquisa a primeira proposta, isto é, a divisão em três períodos. Sua obra sofreu
modificações ao longo de sua vida e estas estavam diretamente ligadas não somente
a questões musicais intrínsecas, mas também à maneira como ele se relacionava com
seu país. Seu vívido amor pela sua nação e seu nacionalismo esvaíram-se aos poucos
em suas composições, em provável decorrência de conflitos políticos que sofreu na
Argentina. Ademais, os teóricos que escrevem sobre a vida e obra de Ginastera
defendem esta proposta entendendo que sua ligação com o nacionalismo manifestada
nos dois períodos iniciais – o nacionalismo objetivo e o nacionalismo subjetivo - se
amenizou muito no terceiro período, classificado como neoexpressionista,
justificando, portanto, a escolha da primeira divisão composicional. Trataremos de
cada um destes períodos nos subcapítulos a seguir.

5 Alguns autores, como Yin Jia Lin em sua tese de doutorado, aceitam esta segunda divisão
composicional de Ginastera, que poderia ser dividida entre primeiro período (1934-1957) e segundo
período (1958-1983). A escolha pode se basear na mudança de direção em termos de técnicas
composicionais aplicadas pelo compositor depois do ano de 1958, ao invés de levar em consideração
as influências culturais e nacionalistas de Ginastera.
6 Texto original: “I think that there are not three but two. The first I would call tonal and polutonal. Then

a second period where I use atonality”.


20

1.2.1 - Nacionalismo objetivo

Ginastera definiu este período da seguinte maneira: “O objetivo, no qual os


elementos de caráter argentino são apresentados de uma forma simples e em que a
linguagem contém ainda elementos melódicos da música tonal”7 (URTUBEY, 1972, p.
68). De acordo com o compositor, a orientação estética não se busca, se encontra
(URTUBEY, 1972, p. 55). Desta maneira, suas obras compostas enquanto era ainda
estudante se referiam ou retratavam de alguma maneira o ambiente musical no qual
ele vivia. Conforme já reportamos, a grande descoberta de Ginastera em seus anos
de formação foi o contato com a Sagração da Primavera de Stravinsky, que deixaria
marcas em muitas de suas composições. Esta obra lhe apresentou um mundo de
possibilidades rítmicas, sonoras, além de uma estética singular (SCHWARTZ-KATES,
2010, p.2).

Segundo Mark Grover Basink (1994, p.13), a música popular argentina pode
ser dividida em três grupos, segundo a sua origem: andina, crioula e europeia. A
música de origem andina, tal como o próprio nome indica, deriva das civilizações pré-
colombianas, ou seja, da população indígena dos Andes. A música crioula é a música
da população rural do pampas (centro de tradição crioula) e, por fim, a música
europeia refere-se às formas musicais que surgiram da influência da cultura europeia.
O nacionalismo objetivo de Ginastera é marcado por melodias populares e por ritmos
de danças folclóricas nacionais. O compositor gostava de retratar a vida rural do
gaucho combinando a poesia gauchesca com características da música gaucha,
incluindo o malambo, dançado tradicionalmente por figuras masculinas, e referências
a acordes típicos do violão, instrumento prioritário do gaucho. Existem muitos
exemplos neste primeiro período que refletem sua conexão ao contexto musical de
seu país, pela utilização de elementos tipicamente argentinos, que podem ser
caracterizados como aspectos objetivos de sua música por suas ocorrências diretas
e explícitas.

7 Texto
original: “El objetivo, en el que los elementos de carácter argentino están presentados de una
manera directa y en el lenguaje participa aún de elementos melódicos de la música tonal.”
21

Fig. 1: Variações rítmicas ternárias, características da música andina

Fig. 2: Danza criolla, Doze Preludios Americanos (1944),


com traços da música andina em sua escrita c.1-5.

Fig. 3: Alberto Ginastera Danza del viejo boyero, c. 77-81: o “acorde de violão”,
referente às cordas soltas deste instrumento.

Este último exemplo retrata as notas obtidas das cordas soltas do violão Mi, La,
Ré, Sol, Si, Mi. O uso desse acorde na obra de Ginastera é uma referência direta ao
violão e, portanto, à música argentina, uma vez que o violão é o instrumento típico da
música gaucha.

Segundo Chase (1980, p. 388), o principal aspecto composicional deste


período é o uso de elementos melódicos da música tonal, embora muitas dessas
melodias apareçam em um contexto de politonalidade. No nacionalismo objetivo,
Ginastera fazia uso direto de materiais da música tradicional argentina e de técnicas
tonais tradicionais, e quis expressar-se como homem argentino e também como o
homem dos Pampas, incorporando o máximo da tradição gauchesca em sua música.8
O período compreende os anos de 1934 a 1948, porém Chase reconhece o início
desta fase em 1937, por ser o ano em que suas primeiras composições se tornaram
realmente reconhecidas. As obras para piano solo do nacionalismo objetivo que se

8A tradição gauchesca faz alusão ao modo de vida e hábitos dos gaúchos, pastores da zona das
Pampas e supostos descendentes mestiços de Espanhóis e Indígenas.
22

destacam são Danzas Argentinas (1937), Suíte de Danzas Criollas (1946) e 12


Preludios Americanos (1944).

1.2.2 - Nacionalismo Subjetivo

Esta segunda fase composicional se manifesta a partir de 1947 e evidencia


uma progressiva adoção de procedimentos distintos da anterior, porém não significa
necessariamente uma ruptura em sua música, pois Ginastera avançava conforme
suas necessidades de expressão. Referindo-se a sua etapa de nacionalismo
subjetivo, Ginastera comenta (URTUBEY, 1972, p. 68):
“tem como ponto culminante a Pampeana No.3 [1958] para
orquestra. Nesta obra, assim como no Quarteto No.1 [1948], nas duas
primeiras Pampeanas e nas Variações Concertantes [1953],
aparecem características de um estilo que, sem abandonar a tradição
Argentina, se havia feito mais amplo ou com uma maior ampliação
universal. Já não estava como na etapa anterior ligado a temas ou
ritmos genuinamente criollos, senão que o ambiente argentino se
criava mediante um ambiente povoado de símbolos. A Sonata para
piano [1952], por exemplo, ou as Variações Concertantes não
possuem nem um só tema popular e tem, entretanto, uma linguagem
que se reconhece como sendo tipicamente argentina”.

É neste período que o caráter argentino de sua música começa a adquirir uma
nova fisionomia e sua escrita musical inicia uma mudança até o dodecafonismo. Trata-
se de um período “subjetivo”, pois aparecem características de um estilo que, sem
abandonar a tradição argentina, se torna mais amplo e com uma escrita de maior
abertura em relação às novas correntes composicionais mundiais (URTUBEY, 1972,
p. 72). Enquanto no nacionalismo objetivo o compositor acatava os materiais
argentinos de maneira mais imediata, o subjetivo é mais transmutado pelas
interpretações e intenções composicionais de Ginastera, ou seja, pela sua própria
subjetividade musical. O autor passa a fazer uso de outras técnicas composicionais
que surgem de acordo com sua necessidade de expressão. As obras mais
importantes deste segundo período são o 1º Quarteto de Cordas de 1948, a Sonata
nº1 para piano (1952) e a Pampeana nº3 (1954), sendo esta última considerada pelo
próprio compositor o ponto culminante do nacionalismo subjetivo. A exemplo desta
subjetividade, a Sonata nº1 para piano é uma obra que não possui um único tema
23

popular ou folclórico genuíno e ainda assim apresenta uma resultante musical que se
pode reconhecer como sendo tipicamente argentina, porque dentro de seu material
existem características populares oriundas das tradições argentinas (URTUBEY,
1972, p.64).

Fig. 4: Sonata para piano nº1 – 1º movimento (c. 52 a 55). A passagem do exemplo indica
similaridade com o idiomatismo da quena

A indicação dolce e pastorale, muito frequente em outras obras de Ginastera,


pode ser uma referência quanto à tradição dos pampas e a figura do gaucho. A linha
melódica nesta passagem da Sonata nº 1 (Fig.4) imita a sonoridade e ornamentações
de uma quena, flauta do período Inca (Fig. 5).

Fig. 5: QR Code 1, sonoridade característica da flauta quena

Em termos harmônicos, o primeiro tema desta sonata para piano sugere um


centro tonal em lá (Fig. 6). O motivo inicial do primeiro tema desenvolve-se através
de intervalos de terças maiores e menores e tal recurso, na escrita de Ginastera, está
ligado à música tradicional argentina, no qual muitas melodias populares são
harmonizadas em terças.
24

Fig. 6: Sonata Nº1 – 1º tema (c. 1 a 4).

Segundo Chase (1957, p. 441), é notável que em muitas obras do compositor


exista uma alusão, através do título, ao seu país (exemplo: Danzas Argentinas,
Pampeana, Malambo), porém mesmo quando o compositor aborda gêneros
tradicionais, tais como o Quarteto de Cordas nº1 e a Sonata para piano nº1, há um
caráter nacional definitivo, ainda que não seja tão evidente. Assim, concluímos que
Ginastera adota outros tipos de escrituras musicais, abandona temas populares
argentinos, contudo seu idioma, relacionado a questões rítmicas, ainda pode ser
considerado tipicamente nacional.

1.2.3 – Neoexpressionismo

Depois de percorridos os dois primeiros períodos, Ginastera entrou no


chamado período neoexpressionista, o qual se iniciou aproximadamente em 1958,
com o Quarteto de Cordas nº2 e se consolidou com obras como a Cantata para
América Mágica (1960), Concerto para piano e orquestra nº1 (1961) e as Sonatas
para piano solo nº2 (1981) e nº3 (1982). A autora Pola Urtubey define o período
neoexpressionista como “vivacissimo con fuoco” (1972, p. 164)

O material composicional torna-se mais transcendente nesta última fase, pois,


longe das turbulências políticas e econômicas da Argentina, o compositor passou a
utilizar cada vez menos a temática da música tradicional argentina e dedicou-se mais
à criação de obras neoexpressionistas. Portanto dificilmente serão encontradas
células rítmicas ou melódicas reminiscentes do folclore argentino.
Esta terceira fase, porém, ainda apresenta elementos que podem ser
considerados como fundamentalmente argentinos, a exemplo dos ritmos fortes e
obsessivos, da qualidade contemplativa de alguns adagios que sugerem a
25

tranquilidade pampeana (URTUBEY, 1972, p. 165), e pode ser observado no exemplo


que segue:

Fig. 7: Sonata n. 2, segundo movimento, c. 1. A música tradicional argentina se tornou menos


aparente nesta última fase composicional de Ginastera

Partindo de materiais temáticos reduzidos, o compositor efetuou diversos tipos


de operações de redução ou desenvolvimento, criando diferentes motivos. Este tipo
de procedimento e tratamento do material motívico estava presente na tradição da
música clássico-romântica, sendo retomada depois na fase expressionista e
dodecafônica de Schoenberg.
A título de exemplo, podemos citar o Quarteto de Cordas nº2 que possui uma
amplificação da linguagem do compositor, contendo traços característicos do último
período tais como procedimentos politonais e serialismo, somando-se a utilização de
quartos de tom.
26

Fig. 8: Quarteto de Cordas n. 2, (a) utilização serial; (b) quartos de tom;


(c) grafia de Ginastera para os quartos de tom

Nos seus últimos anos de vida, Ginastera focou-se essencialmente nestes


procedimentos composicionais, o que justifica ele próprio caracterizar esta sua última
fase como neoexpressionista.
27

2. Danzas Argentinas – considerações analíticas

Considerada uma das obras mais importantes do repertório para piano solo de
Alberto Ginastera, as Danzas Argentinas, de 1937, constituem um conjunto de peças
impactantes, de difícil execução técnica e musical, repletas de nuances e ricas em
detalhes do nacionalismo argentino. Desde o momento de sua estreia, as Danzas
Argentinas conquistaram imensa popularidade. Dividida em três movimentos – Danza
del viejo boyero (dança do velho boiadeiro), Danza de la moza donosa (dança da moça
graciosa), Danza del gaucho matrero (dança do gaúcho matreiro) – possui títulos
sugestivos, reveladores e, indubitavelmente, o poder evocativo dos nomes dos
movimentos contribui a uma melhor percepção da obra. (PLESCH, 2002, p. 24).

Levando-se em conta a evocação de gênero e nação que há nesta obra,


Ginastera representou figuras masculinas, o velho boiadeiro e o gaúcho matreiro, de
acordo com a retórica ocidental da virilidade. Ambas as danças se caracterizam pelo
predomínio do parâmetro rítmico sobre o melódico, o emprego de terminações
masculinas, o uso abundante de acentos e acordes com funções mais percussivas do
que propriamente harmônicas. Para isso, o compositor explora a virilidade através do
malambo, dança masculina por excelência do folclore pampeano.

A moça donosa, por outro lado, é portadora de elementos musicais


emblemáticos da feminilidade, tais como terminações femininas e melodias em uma
região mais aguda do instrumento. Graça e lirismo aparecem simbolizados em amplas
frases através do uso de cromatismo e potencializados pelo andamento mais lento.

Apesar de os três movimentos terem a mesma fórmula de compasso (6/8) e


possuírem elementos composicionais similares, a escritura musical utilizada é muito
distinta nas três danças. Ginastera tinha uma excelente compreensão das
possibilidades que o piano poderia lhe oferecer em termos composicionais e logo em
uma das primeiras produções de sua carreira compôs uma obra que explorou muito
bem essa potencialidade. Isso fica claro entre uma dança e outra, por conta das
distinções de sonoridade. Passemos então a explorar as danças individualmente.
28

2.1 – Danza del viejo boyero

Baseada na dança malambo, a obra enfatiza o parâmetro rítmico. Ao piano, o


compositor usa basicamente teclas pretas na mão esquerda e teclas brancas na mão
direita, caracterizando uma exploração por meio da soma de escalas complementares
(a diatônica formada pelas teclas brancas e a pentatônica complementar formada
pelas pretas),

Apesar de Ginastera privilegiar o aspecto rítmico, ainda se encontram


elementos melódicos na obra. Pode-se dizer ainda que ambas as mãos são
responsáveis tanto pelo caráter rítmico quanto pelo melódico. Por ser um instrumento
rico em possibilidades texturais, Ginastera buscou mesclar estes dois caráteres ao
piano, usando tanto de sua natureza percussiva quanto de sua natureza melódica.

Segundo Chase (1957, p. 454) a dança típica dos gaúchos é o malambo.

Fig. 9: exemplo do ritmo malambo para acompanhamento ao violão.

No acompanhamento feito pelo violão (fig. 9), é evidente a presença da hemíola


entre o marcante 6/8 do primeiro compasso e a ênfase no 3/4 do segundo compasso.
Musicalmente, o motivo principal consiste em dois compassos 6/8, o primeiro
contendo os acordes da subdominante e da dominante, e o segundo, o acorde da
tônica. Geralmente em andamento rápido, esta dança pode incorporar vários padrões
rítmicos sincopados e o contraste entre a métrica 6/8 e 3/4 pode aparecer em uma
longa sequência de compassos. A diferença da danza del viejo boyero se desenvolve
através de seu aspecto rítmico, pela maneira como a gestualidade musical do
malambo é transportada para o piano e pela incorporação do idiomatismo do violão.

Na análise que segue, os aspectos serão enfocados separadamente, sendo a


estrutura formal a primeira a ser apresentada e acatada como referencial para o
estudo dos demais aspectos: ritmo, dinâmica, textura.
29

Estrutura

A primeira dança apresenta complexidade formal e, segundo Wallace (1964:


28), este movimento pode ser considerado um rondó de cinco seções.

SEÇÕES A B A’ C A’’
COMPASSOS 1 – 10 11 – 40 41 – 48 49 – 61 62 – 81
Tab. 1: quadro com as seções e subseções da Danza del viejo boyero

O quadro acima revela a estrutura formal da peça, apontando momentos cruciais


de mudança sonora e rítmica que serão evidenciados no estudo que segue.

Ritmo

Baseada em uma dança típica argentina, o malambo, a pulsação desta primeira


peça é muito importante, e permanece quase que inalterada do início ao fim. A
indicação do andamento sugere ao intérprete animato e alegro e metrônomo a 138
BPM. Existe uma indicação de ritardando molto na seção B (compassos 37 – 40) e
outra de poco ritardando na seção A’’ (compassos 77 – 78) ao final da peça, sendo
estes os únicos momentos em que o andamento é alterado por indicação do
compositor.

A principal referência de pulsação é a colcheia, apesar do compasso ser binário


composto. Ter como base a colcheia é essencial para tornar a peça precisa e rítmica.
Na parte A a mão direita executa as colcheias da melodia na cabeça de cada
compasso.

Fig. 10: Danza del viejo boyero, c. 1-2, colcheias da mão direita, seção A

Na seção B a colcheia da mão direita desloca-se para o segundo e quinto


tempo do compasso, causando uma mudança rítmica na música.
30

Fig. 11: Danza del viejo boyero, c. 11-13, colcheias deslocadas na mão direita, seção B

O que difere a seção C das anteriores é o fraseado musical, pois as células


rítmicas permanecem as mesmas, porém a mão direita executa mais colcheias em
sua melodia.

Fig. 12: Danza del viejo boyero, c. 53-54, seção C

Apesar de ser uma peça de caráter rítmico, mão direita e mão esquerda
complementam-se em uma fusão de melodia e acompanhamento.

Dinâmica

Em Danza del viejo boyero, Ginastera procura utilizar um leque amplo de


dinâmicas, buscando criar planos sonoros para a primeira dança que podem ser
comparados em dinâmicas.

O quadro seguinte apresenta uma síntese que demonstra um delineamento


dinâmico específico em cada uma das seções, revelando mudanças de dinâmicas que
pontuam a estruturação formal.
31

SEÇÕES A B A’ C A’’
DINÂMICAS p p mf dim. pp – piu
pp
piu p
mf – f - ff p pp
cresc. p – mf –
pp

Tab. 2: quadro com as dinâmicas da Danza del viejo boyero

O quadro anterior demonstra que a peça inicia em com intensidade em p e


caminha até seu ponto culminante ao final do B, em intensidade ff. Nas seções
subsequentes em dim, chegando ao final com sonoridade em pp.

Textura e tessitura

A dança foi escrita de maneira que as mãos esquerda e direita se


complementam na distribuição do tema. Cada pentagrama encontra-se em uma
tonalidade. Porém, a textura da peça é elaborada de modo a aludir a uma dança típica
argentina, o malambo, e também ao instrumento do gaúcho, o violão. Ao final da
dança, o compositor referencia o violão e utiliza as notas referentes às cordas soltas
do intrumento.

Fig. 13: Danza del viejo boyero, c. 72-73, uso do acorde do violão

Em relação à tessitura, cada seção da peça está em uma determinada região


do piano, sendo que as seções A estão em uma região mais grave e a seção C em
uma mais aguda. A seção B encontra-se em uma tessitura intermediária.
32

Fig. 14: Danza del viejo boyero, c.37-39, acordes cheios, seção B

2.2 Danza de la moza donosa

Este movimento retrata a figura feminina e, portanto, o lirismo é revelado logo


nos primeiros compassos. O tema inicial muito cantabile, se contrapõe aos outros dois
movimentos das Danzas Argentinas, pois enquanto na dança anterior e na
subsequente o compositor explora o piano em seu potencial percussivo, nesta o
pensamento musical de Ginastera enfatiza a melodia acompanhada. É uma dança
gentil em compasso 6/8, cuja partitura indica dolcemente espressivo e em tempo
rubato. Os compassos iniciais, 1 – 3, apresentam um arpejo sobre a tônica em lá
menor, o qual evoca os típicos acompanhamentos arpejados das canções da região
dos pampas, dando assim lugar a diversas ressonâncias intertextuais.

Fig. 15.: exemplo de acompanhamento de canção tradicional pampeana - La peregrinación, de Ariel


Ramirez.
33

Fig.16: compassos 1 – 3 Danza de la moza donosa.

Estrutura

A Danza de la moza donosa possui uma forma ternária simples que será
demonstrada pela tabela abaixo:

SEÇÕES A B A’
COMPASSOS 1 – 24 25 – 58 59 – 81

Tab. 3 – quadro com as seções e subseções da Danza de la moza donosa

A seção B é contrastante, com inserção de novo tema e incremento de novos


aspectos que serão salientados no estudo que segue.

Ritmo

A segunda dança está estruturada em compasso composto (6/8) e com a


recomendação de tempo rubato. A indicação de metrônomo é de semínima pontuada
= 60. O ritmo desta peça é relativamente simples. Uma particularidade se encontra,
porém, no rubato. As síncopas da melodia da mão direita colaboram muito para este
rubato, pois elas deslocam o apoio métrico de cada compasso, “desorganizando-o”
para obter o efeito específico. O movimento da figura de acompanhamento auxilia
esse rubato, pois ele tem efeito elástico sobre a melodia, proporcionando espaço para
que o tempo métrico seja “roubado”.
34

Fig.17: síncopas e figura de acompanhamento da Danza de la moza donosa


contribuindo com efeito rubato da peça, c. 12-15

Para compreender o ritmo em tempo rubato desta dança é necessário


primeiramente entender como são as canções pampeanas nas quais esta peça é
baseada. A música dos pampas se apresenta basicamente como um discurso
bucólico, pois muitas canções colocam em evidência elementos que remetem a uma
natureza bela e romântica que “embelezam” o pampa gaúcho.

Fig.18: ´La peregrinación`, canção pampeana de Aríel Ramirez

O exemplo da figura anterior, a música La peregrinacion de Aríel Ramirez,


demonstra uma famosa canção da região dos pampas. Possui algumas similaridades
com a Danza de la moza donosa tais como ritmo, tema melódico muito presente e
mudanças de andamento.
35

Dinâmica

A dinâmica varia em conformidade com a melodia. A seção A é marcada por


dinâmicas menos sonoras, como pp, p e mf. Já a seção B a dinâmica se intensifica
em degraus de intensidade.

Seções A B A’
Dinâmicas pp – p cantando pp – cresc. – p pp – pp lontano

cresc. – mf cresc. – mf –
cresc.
dim. – p – pp
piú f – f – ff –
dim.

p – dim. – pp

Tab. 4: quadro com as dinâmicas da danza de la moza donosa

O quadro anterior apresenta uma síntese das dinâmicas. A peça se inicia em


pp e caminha até seu ponto culminante na seção B, entre os compassos 49 – 52. Na
seção subsequente há um dim, que conduz ao final da peça com sonoridade em pp.

Textura e tessitura

A textura da Danza de la moza donosa é prioritariamente melodia


acompanhada e sua tessitura varia de acordo com a intensidade da peça. A seção A
está localizada em uma região média do instrumento, enquanto na seção B o
compositor multplica as vozes e como consequência a tessitura da música também
se expande, juntamente com a dinâmica (ver tabela 4).
36

Fig.19: Danza de la moza donosa, c. 1 – 10, textura de melodia e acompanhamento


e tessitura na região média e aguda do piano.

A figura acima (fig.19) apresenta o tema principal da seção A. No exemplo que


segue, compasso 12, o compositor apresenta duas vozes na mão direita, uma mais
aguda e outra média, como mostra a figura abaixo.

Fig.20: Danza de la moza donosa, c.12-14, inserção de mais vozes

Na seção B verifica-se a maior mudança em relação à tessitura e textura da


peça. Ginastera insere mais notas aos acordes à medida que a obra vai ganhando
intensidade até atingir seu clímax, e para que isso ocorra a tessitura se expande. A
voz intermediária faz um caminho ascendente enquanto a voz principal tem uma linha
melódica descendente.
37

Fig. 21: Danza de la moza donosa, c. 25-26, início da seção B

Fig. 22: Danza de la moza donosa, c. 29-31

Fig. 23: Danza de la moza donosa, c. 40-41, abertura de vozes

Fig. 24: Danza de la moza donosa, c. 48-51

Entre os compassos 48 a 51, existe a maior abertura de tessitura da peça. Os


acordes da mão direita estão localizados em uma região aguda do piano enquanto a
mão esquerda encontra-se na região grave. Ainda na figura anterior, ocorre o ápice
musical da obra e este é dissolvido rapidamente por uma abrupta mudança da
tessitura da peça, assim como o retorno do tema em monodia.
38

Fig. 25: Danza de la moza donosa, c. 53-55, dissolução do ápice musical

A obra segue para a seção A’ e a diferença entre esta e a primeira seção A é


que a melodia ao final da peça segue em terças ocasionando uma diferença na
sonoridade da peça.

Fig. 26: Danza de la moza donosa, c. 62-65, melodias em terças e acompanhamento

A seção A’ preserva a mesma tessitura da seção A, modificando-se apenas nos


compassos finais da dança, onde a obra passa por uma larga tessitura no teclado do
piano, indo do grave até um acorde na região aguda do instrumento.

Fig. 27: Danza de la moza donosa, c. 80-81


39

2.3 – Danza del gaucho matrero

A terceira dança é a mais extensa, contando com 232 compassos, sendo quase
três vezes mais ampla que as anteriores (de 81 compassos cada uma delas). É
também a que mais transmite vigor e energia e a que mais requer resistência física
do intérprete. Essas características são exigidas pelo próprio compositor desde o
início da peça, com a indicação de caráter furiosamente rítmico e enérgico.

Nesta terceira dança o compositor explora o piano em sua real essência:


percussão. Nesta dança, o elemento melódico é secundário, sendo os elementos
rítmico e percussivo fundamentais por todo o movimento.

Estrutura

SEÇÕES A B A’ B’ C Ponte D A’’ B’’ C’ Ponte D’


1 2

COMPASSO 1 17 33 50 58 71 105 156 173 183 195 212


– – – – – – – –
– – 104 – –
16 32 57 70 155 172 182 194
49 211 232

Tab. 5: quadro com a estrutura geral da Danza del gaucho matrero

A tabela anterior revela a estrutura geral da peça apontando momentos cruciais


de mudança sonora e rítmica que serão evidenciados no estudo que segue. Nota-se
que é uma obra de várias seções, e que estas se repetem. Existem duas pontes, uma
entre os compassos 71 a 104 e outra entre os compassos 195 a 211. A primeira
caminha para uma modulação que ocorre na seção D e a segunda para o clímax final
da dança, na seção D’. Como pode-se observar, a seção A se repete mais do que
outras seções e em cada repetição sutis mudanças ocorrem, e serão evidenciadas no
estudo que segue.

Ritmo

A terceira e última peça desta obra também está estruturada em compasso 6/8
e se caracteriza pelo predomínio do parâmetro rítmico sobre o melódico. Explora em
abundância acentos e acordes com função mais percussiva e tímbrica do que
harmônica. Para isso, busca a carga simbólica da virilidade investida tradicionalmente
40

no malambo, dança masculina por excelência do folclore pampeano. As associações


entre o principal personagem masculino, o gaúcho matreiro, e a violência, a fúria e o
caráter selvagem de seu clímax sugerem algumas possibilidades a respeito da
concepção de Ginastera em relação à masculinidade. Há pianistas, como Horacio
Lavandera9, que afirmam ser este movimento um embate entre dois gaúchos,
representados por cada mão, esquerda e direita, e que os acentos rítmicos e as
síncopas do movimento são de extrema importância para descrever a luta entre os
dois homens.

O destaque rítmico se dá pela seção C, pois se inicia aqui uma passagem


significativa da obra. Baseada em uma dança folclórica chamada zapateo de gato10,,
destaca-se a alternância das fórmulas de compasso 6/8 e 9/8 que remete ao passo
rítmico apropriado para a sequência de “pé quebrado”, própria da dança.

Fig. 28: sequência indicando os passos da dança folclórica argentina zapateo de gato11

9 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=r4vETLxLNak> (min:1’15’’). Acesso em:


04/04/2019
10 Dança criolla originada por volta de 1820 e perdurou até a entrada do próximo século. El gato
era dançada em várias nações americanas – Peru, Chile, Uruguai e Paraguai, mas foi na argentina
onde criou raízes com mais intensidade. Disponível em:<https://es.wikipedia.org/wiki/Gato_(danza)>.
Acesso em: 04/04/2019
11 Disponível em: <www.folkloredelnorte.com.ar>. Acesso em: 04/04/2019
41

Dinâmica

Seções A B A’ B’ C Ponte 1
Dinâmicas pp- f – mf pp- f– ff meno f –
cresc. cresc. cresc. cresc. –
meno f –
cresc.
sempre
– sff –
cresc
Seções D A’’ B’’ C’ Ponte 2 D’
Dinâmicas sfff pp- f – sf ff mf sfff
violento cresc. cresc.
cresc ffff
dim.
sff
Tab. 6: quadro com as dinâmicas da Danza del gaucho matrero

Analisando o quadro anterior, percebe-se que as seções A possuem dinâmicas


mais suaves enquanto as seções B, C e D são mais sonoras, e para tanto requerem
muita energia do intérprete para executá-las. O leque de dinâmicas na Danza del
gaucho matrero é bem amplo, indo do sutil pp no primeiro compasso da dança até o
violento ffff no último compasso da peça.

Textura e tessitura

O último movimento das Danzas argentinas, apesar ter caráter enérgico e


rítmico, possui várias vozes permeando suas seções. Cada uma delas possui
diferentes caráteres movendo-se em ritmos contrastantes, por isso pode ser
considerada uma peça de textura heterofônica. A maneira como o compositor trata o
caráter rítmico nesta obra é realmente interessante, pois, sem causar mudanças no
discurso moto perpetuo desta dança, Ginastera consegue mudar de atmosferas
musicais em poucos compassos, modificando com isso tanto a textura quanto a
tessitura da peça, como poderá ser visto nos exemplos que seguem.
42

Fig. 29: Danza del gaucho matrero, c. 1-4

O início da peça, seção A (fig 29), possui uma atmosfera misteriosa e se


desenvolve no registro grave do instrumento.

Fig. 30: Danza del gaucho matrero, c. 17-20

Na seção B (fig. 30) há uma leve modificação na tessitura e textura, sendo


também um trecho mais dissonante que o anterior.

Fig. 31: Danza del gaucho matrero, c. 58-64

A seção C é a passagem do zapateo de gato (fig. 31), aqui há mudanças de


fórmula de compassos e o acompanhamento da mão esquerda passa por tessituras
que vão desde o grave do piano até a região média. A melodia desta seção é agora
apresentada em terças sobrepostas.
43

Fig. 32: Danza del gaucho matrero, c.104-112

Após o zapateo de gato, seção C, ocorre uma passagem modulatória (fig. 32),
de função transitiva, que desembocará na seção mais memorável desta peça, uma
evidente referência ao malambo, outra dança folclórica argentina à qual Ginastera já
fez menção na primeira dança desta obra, Danza del viejo boyero. O compositor
solicita que o intérprete tenha um toque “violento” quando executar este trecho, o qual
se caracteriza por uma sonoridade densa, com acordes de seis sons, movimento
ostinato de colcheias e uma estrutura de oito compassos cujas subsequentes
variações rítmicas dão lugar a diversas “mudanças”, próprias desta dança, que estão
relacionadas a mudanças de fórmula de compasso que remetem aos passos da
dança. A tessitura ocupa a região grave do piano.

O final da peça é bastante emblemático, passando por toda tessitura do piano.


Um grande glissando finaliza a peça de maneira intensa, violenta e marcante,
atingindo, finalmente, o clímax da Danza del gaucho matrero.

Fig. 33: Danza del gaucho matrero, c. 227-232, compassos finais e clímax da peça
44

3. Análise de performances

O conceito de música é muito amplo e diverso. Entretanto, no contexto da


chamada música erudita ocidental, está muito circunscrito à noção de composição
enquanto criação sonora concebida por um compositor, registrada de forma textual
em uma partitura, a partir da qual pode ser performatizada por instrumentistas,
regentes ou cantores. Neste sentido, as correntes musicológicas tradicionais voltadas
a esta prática musical ocidental assumiram ênfases filológicas, por terem-se
debruçado sobre o estudo da música enquanto texto / partitura. Em contraposição a
estas tendências, o intuito deste capítulo é abordar música enquanto performance,
salientando fatores que contribuem para o processo de interpretação musical até o
seu resultado musical, ou seja, a performance propriamente dita.

Partiremos do significado de performance. A palavra pode estar ligada a uma


ação, a um desempenho, a um funcionamento ou ainda a uma execução. Para nós
músicos, enquanto intérpretes, a performance pode ser um conjunto de todas essas
palavras citadas. Na história da arte, performance foi um conceito aplicado a
apresentações "ao vivo" de artistas. Foi, primeiro, acatado por artistas do início da
década de 60 nos E.U.A. para se referirem aos muitos eventos "ao vivo" que se
realizavam à época, vinculados a contextos experimentais de arte que enfatizavam
muito mais o conceito de arte como evento / acontecimento do que arte como obra
cristalizada. Este fenômeno estava intimamente ligado também a princípios
ideológicos e à filosofia da Arte Conceitual, a qual insistia em uma arte menos objetual,
uma arte cujos materiais são conceitos e que, portanto, sequer poderia ser
comercializada. Neste contexto, muitos artistas faziam ações performativas como
reação e declaração contra o sistema das galerias, do mecanismo mercadológico de
arte e do próprio estatuto da arte.

Dentro de um conceito douto podemos citar Paul Zumthor12(2007, p. 50), para


quem performance é o ato presente e imediato de comunicação e materialização de
um enunciado poético, ato que requer, além do texto, intérprete e ouvinte. Em outras
palavras, performance somente subsiste através da materialização de algo abstrato
em algo concreto e, no caso as música, necessita de peças fundamentais para existir:

12 medievalista suíço-canadense nascido em 1915


45

o intérprete (o enunciador) e o ouvinte. Para Alexandre Zamith Almeida (2011, p. 64)


existe outro ponto fundamental a ser considerado: a distinção entre performance
musical e interpretação musical. Para ele a primeira existe como um momento global
de enunciação que abrange todos os agentes e elementos participantes, e a segunda
referente exclusivamente às atividades do intérprete musical. Ressalta também outras
distinções envolvendo performance e interpretação musical salientando que
interpretação envolve todo um processo de estudo, reflexão, práticas e decisões do
intérprete enquanto performance é o momento instantâneo e efêmero da enunciação
da obra, direcionado pela concepção interpretativa, porém contendo variáveis
imprevisíveis e contingenciais. Em concordância com os autores acima mencionados,
podemos entender que performance é algo momentâneo e efêmero, portanto, cada
performance será distinta e individual, mesmo partindo de um mesmo texto musical
ou partitura.
46

Partitura e Performance

Quando o intérprete inicia seu processo de aprendizado em um determinado


repertório vinculado a este contexto de música de concerto europeia, a partitura é o
subsídio para o decodificação inicial da obra. Ali dá-se início ao processo de
interpretação musical. A partitura serve como um documento que contém informações
cruciais que servirão como base normativa para construir uma possível proposta de
performance.

O texto musical figura como um estado potencial e geral em forma de sinais e


símbolos, nele está contido a referência geral acerca das identidades instrumentais,
das proporções duracionais, das relações intervalares. A partir de um primeiro contato
com a partitura, pode-se ter noção das demandas técnicas e musicais que a peça
oferece, seu contexto poético, seu período histórico, entre outros elementos.
Entretanto, de acordo com Adorno, citado por Carvalho (2003, p.16), não há texto
musical algum, nem mesmo o mais minucioso (como os saídos das mãos dos
compositores contemporâneos), tão inequivocamente legível que dele decorra de
imediato, ou sem mediação, a sua interpretação adequada. Se, por um lado, tudo o
que consta em uma partitura é imutável enquanto registro (ou seja, o conteúdo objetivo
de uma partitura não muda de intérprete para intérprete), por outro a interpretação dos
signos e símbolos abre variados graus de variabilidade. Não existe, portanto, uma
determinação quanto à abordagem que confira à interpretação um caráter de “verdade
musical" ou de absoluta “fidelidade”, que reja qualquer realização musical. Porém, o
que faz uma performance ser distinta da outra, mesmo a partir de uma única e mesma
partitura? Por que algumas interpretações são mais apreciadas ou valorizadas do que
outras? Aqui entra um elemento que não figura na partitura, um elemento que pertence
única e exclusivamente ao intérprete. Segundo Pierre Schaeffer, em seu Tratado dos
objetos musicais (2003, p.201), este elemento é o resíduo contingente, “o único
particular e concreto que a partitura, mesmo que esgote todos os seus símbolos e
previsões implícitas, pode determinar”. Trata-se de aspectos da concretude sonora
que a partitura não consegue definir: nuances e flutuações de tempo, agógica,
intensidades, timbres e recursos expressivos.
47

Sonic Visualizer

Através da interpretação musical, o intérprete gera e transmite o fenômeno


sonoro que será percebido pelos ouvintes. Com a ajuda de um programa de
computador é possível observar como o intérprete aborda os vibratos, as dinâmicas,
os timbres as articulações e diversos aspectos que não são objetivamente indicados
na partitura. O software gratuito Sonic Visualiser foi desenvolvido para visualização e
análise de áudio. É útil para musicólogos e estudiosos da performance devido à gama
de possibilidades de observação do fenômeno sonoro gravado, através de
espectogramas e visualização de ondas. Também oferece representações gráficas e
visuais e quantificações de fenômenos sonoros.
A partitura musical tradicional indica com objetividade as alturas e durações,
mas é muito limitada acerca de outras indicações referentes a intensidades, agógicas,
timbres. Cada intérprete tem suas próprias concepções acerca da obra a ser tocada,
e essa variedade de interpretações – dentro dos limites normativos propostos pela
partitura - é o que torna a música algo dinâmico e cheio de possibilidades, pois se
houvesse uma verdade absoluta figurada na partitura, uma interpretação apenas
bastaria para consolidar uma obra.
Com o auxílio do Sonic Visualiser, será realizado um comparativo entre
algumas performances das Danzas Argentinas, sobretudo de músicos referenciais no
cenário musical e, através de gráficos gerado pelo programa, será possível ter um
entendimento maior de decisões que tais pianistas tomaram para construir suas
performances e verificar quais são as questões de cada interpretação que não podem
ser figuradas na partitura. Uma vez realizada essa comparação, será possível
averiguar questões como articulação, dinâmicas, tempo, e outros aspectos que
somente a partitura em si não é capaz de expressar.
48

3.1 – Analisando a Danza del viejo boyero

Para investigarmos performances de Danza del viejo boyero foram acatadas


quatro gravações. Duas são de pianistas renomados do cenário musical argentino,
outra gravação é um registro do the Georgia Guitar Quartet, que realizou uma
adaptação da obra para quarteto de violões. Esta foi de extrema importância, visto
que foi possível observar através dos gráficos gerados pelo Sonic Visualiser como as
ondas do violão se comportam em contraposição às ondas do piano. Por fim, utilizou-
se uma interpretação da própria autora, com base nas análises dos gráficos que foram
gerados pelo programa computacional.
O que será analisado é o andamento que os intérpretes adotaram, por esse
estar ligado à figura do viejo boyero, e a articulação realizada pelos pianistas, para
verificar se ela se aproxima do idiomatismo do violão. Por último, será analisada a
resultante da performance que teve como base os gráficos que serão demonstrados
em seguida. O trecho analisado inicialmente engloba os dez primeiros compassos da
peça.

Fig. 34: Compassos de 1 a 10 com o levare da Danza del viejo boyero de Alberto Ginastera. Os
gráficos serão gerados a partir desses compassos iniciais
49

A primeira gravação analisada é justamente a do quarteto de violões, para que


seja possível visualizar como se comportam as ondas do violão por conta da
articulação do instrumento e pelo fato de o violão ser instrumento referencial a esta
primeira peça. Nota-se, no entanto, que tais referências ao malambo não estão
integralmente figuradas na partitura. Por mais que todas as notas, tempos, dinâmicas,
rubatos, escritos na partitura estejam articulados a esta representação, há limitações
notacionais que fazem com que essa mesma representação seja integralizada apenas
na performance.

Fig. 35: gráfico gerado por performance do quarteto de violões the Georgia Guitar Quartet. O eixo
vertical indica a amplitude em Hz e o eixo horizontal o tempo em segundos. A seta larga indica o local
onde termina a seção do décimo compasso

Analisando este primeiro gráfico, pode-se observar que as ondas de som do


violão se comportam de maneira bem peculiar, pois assim que se dá o ataque da nota
no instrumento há um pico sonoro e logo em seguida um decaimento. A seta larga
indica o local onde termina a seção do décimo compasso. O quarteto é bem fiel às
indicações do compositor, pois assume rigorosamente o andamento indicado
(semínima a 138 bpm). O quarteto utiliza em torno de nove segundos para executar
50

os dez primeiros compassos da música. O quesito “tempo” tem um papel fundamental


dentro desta primeira dança, pois este tem relação com a figura do viejo boyero e,
observando muitas das gravações e performances realizadas desta obra, nota-se que
a maior parte dos intérpretes adota um tempo mais rápido do que o indicado em
partitura.
A segunda gravação a ser analisada é a da pianista argentina Martha Argerich.
Ela tem um modo único e peculiar de tocar e, apesar de sua interpretação não ser
exatamente fiel à partitura, sua performance não deixa de ser memorável. A pianista
não segue a indicação de andamento do compositor e as notas por ela tocadas soam
ligadas umas às outras, apesar de ter um toque bem articulado nesta interpretação.
Sua performance será representada pelo gráfico abaixo:

Fig. 36: gráfico gerado pela performance da pianista Martha Argerich dos compassos iniciais da
Danza del viejo boyero

O que se pode observar pelo gráfico gerado é que primeiramente a onda do


piano é mais conectada uma com a outra e isso ocorre por conta tanto do próprio
comportamento sonoro do instrumento (cujas notas sustentadas tem um decaimento
mais gradual que as do violão) como do andamento e da articulação escolhida pela
pianista. Por sua performance ser mais rápida do que o andamento indicado pelo
51

compositor, os dez primeiros compassos são executados em torno de sete segundos


e meio e sua dinâmica já começa mais forte do que o piano indicado pelo compositor
no início do primeiro compasso. Inclusive a intérprete inverte as indicações, tocando
mais forte o segundo trecho que, segundo a partitura, deveria ser piu piano (vide fig.
33).
A próxima gravação é do pianista, também argentino, Horácio Lavandera. Ele
opta por um andamento mais lento do que o indicado na partitura pelo compositor,
como pode ser observado pelo gráfico que segue:

Fig. 37: gráfico gerado pela performance da Danza del viejo boyero pelo pianista
Horácio Lavandera

Analisando este último gráfico, é possível notar que o pianista segue as


indicações de dinâmica da partitura, porém leva um pouco mais de dez segundos para
realizar os dez compassos iniciais. Entretanto, pode-se dizer que ele leva em
consideração o fato de a primeira obra ser baseada na figura folclórica do viejo boyero
e decide tocar este movimento mais lento do que o habitual. Sua articulação, no
entanto, é bem legato, e com isso pode-se concluir que o idiomatismo do instrumento
violão não foi buscado em sua interpretação.
52

Com base nos gráficos registrados acima é possível concluir que para
conseguir uma aproximação com o idiomatismo do violão, é necessário modificar a
articulação e o toque ao piano, conforme demonstra o gráfico que segue:

Fig. 38: gráfico da Danza del viejo boyero gerado pela performance da própria autora

Verifica-se que este último gráfico é o mais similar em relação ao do quarteto


de violões (fig. 35) porque priorizou-se uma articulação mais desligada para buscar
um idiomatismo mais próximo do violão e porque o andamento atende ao indicado na
partitura, semínima pontuada a 138. Portanto, para executar os primeiros compassos
foi necessário também algo em torno de nove segundos e meio, muito similar ao
tempo realizado pelo quarteto de violões.
53

3.2 – Analisando a Danza de la moza donosa

A segunda dança é talvez a mais conhecida das três. A figura aqui representada
difere das figuras das outras danças, pois tanto o velho boiadeiro quanto o gaúcho
matreiro são personagens masculinos, representados por meio do potencial
percussivo do piano (o viejo, com menos vigor, e o gaucho, mais enérgico). Já a moza
donosa é representada pelo lirismo do piano em seu potencial cantabile. Um aspecto
muito característico desta dança é o tempo rubato indicado pelo compositor e muito
presente nas canções pampeanas que serviram como base de inspiração para a
composição.

O principal aspecto desta dança são as flutuações de tempo, ou agógica. O


andamento é a indicação da velocidade que um músico deve imprimir em uma peça.
É uma indicação precisa e absoluta que normalmente figura no início da partitura,
sendo que este pode ser medido em batidas por minuto (bpm). Em música, acentos
são marcações que informam a alteração que deve ser executada sobre notas em
frase musical. Dentre os diversos tipos de acento, será de interesse deste subcapítulo
os agógicos, que são aqueles que não alteram a intensidade ou altura de uma nota,
mas sua duração, atuando, portanto, no andamento da música, ainda que
pontualmente. O termo agógica foi utilizado pela primeira vez, neste sentido, pelo
musicólogo e compositor Hugo Riemann no livro Musikalische Dynamik und Agogik,
em 1884, para apresentar os desvios do andamento formal como parte essencial do
ritmo e métrica, necessários à compreensão das frases musicais.

Nos gráficos que seguem serão analisadas as flutuações de tempo existentes


em Danza de la moza donosa, e será possível verificar a margem de expressão
deixada ao intérprete e a maneira como ele a conduz. O primeiro trecho a ser
analisado serão os doze primeiros compassos da dança, que ditam a atmosfera inicial
da obra e apresentam o tema da parte A da peça.
54

Fig. 39: Danza de la moza donosa c. 1 a 11, que serão analisados em performances
nos gráficos a seguir

A primeira performance a ser analisada será da pianista Martha Argerich.

Fig. 40: gráfico gerado pela performance da pianista argentina Martha Argerich
da Danza de la moza donosa, c. 1 a 12
55

O tema inicial da danza de la moza donosa pode ser dividido em antecedente


(c.4 a 7) e consequente (c.8 a 11), de acordo com a classificação de Arnold
Schoenberg em seu livro Fundamentos da Composição Musical (1996, p. 50).
Analisando o gráfico da figura 39 percebe-se que na performance de Argerich ocorrem
algumas modificações no andamento formal da dança, como pode ser observado nos
círculos menores em vermelho. No antecedente não há uma espera para finalizá-lo,
enquanto no consequente existe um acento maior na última colcheia do compasso
nove, antes de concluir o tema. Ainda de acordo com o gráfico nota-se que há uma
diferença perceptível em relação à dinâmica da obra, pois o autor indica pp no primeiro
compasso da peça e no terceiro compasso p cantando, e de acordo com as ondas
sonoras é possível notar que a partir do quarto compasso da peça existem picos
consideravelmente maiores do que nos três compassos iniciais.
O próximo trecho musical a ser analisado é dos compassos 59 a 69, onde
ocorre a reexposição do tema inicial, desta vez em sobreposição de terças.

Fig. 41: Danza de la moza donosa, análise dos compassos 59 a 69


56

Fig. 42: gráfico gerado pela performance da pianista Martha Argerich


da Danza de la moza donosa c. 59 a 69

Ao examinar o gráfico anterior nota-se que, apesar do trecho musical ser


praticamente similar ao do início da peça, existem algumas diferenças significativas
em relação ao gráfico da figura 39. Primeiramente, a gama de dinâmicas é menor em
relação ao primeiro gráfico. A indicação da partitura é pp, bastante ressaltado neste
trecho por Argerich. Em segundo lugar, as flutuações de tempo da agógica são menos
perceptíveis, havendo apenas um leve acento na penúltima colcheia do compasso 69
(circulado em vermelho). Possivelmente, essa espera maior na nota se deve a uma
decisão da intérprete para concluir a frase da maneira mais expressiva possível.
A próxima performance a ser analisada será do pianista também argentino
Daniel Baremboim. A diferença entre performances é perceptível nos gráficos
principalmente pelo tempo que cada pianista leva para executar os mesmos trechos
musicais. A maneira como eles sentem a música, apesar de serem da mesma
nacionalidade, é completamente diferente.
57

Fig. 43: gráfico gerado pela performance do pianista Daniel Barenboim


da Danza de la moza donosa c. 1 a 11

O gráfico acima nos mostra que o pianista optou por um tempo mais lento, pois
o mesmo trecho musical é realizado em 25 segundos enquanto Argerich realiza em
21 segundos (vide fig. 40). Examinando as ondas sonoras percebe-se também que
houve uma maior flutuação de tempo na performance de Barenboim, visto que os
círculos em vermelho demonstram uma “espera” maior nas colcheias que concluem a
frase musical. Esse movimento na agógica é típico das canções pampeanas e o
pianista traduz muito bem essa linguagem em sua performance.
Em sequência, e para a finalização de análises deste subcapítulo, será
apresentado o gráfico que representa os compassos finais da Danza de la moza
donosa, de 59 a 69 em performance do mesmo pianista, Daniel Barenboim.
58

Fig. 44: gráfico gerado pela performance do pianista Daniel Barenboim


da Danza de la moza donosa, c. 59 a 69

Este trecho final da segunda dança traz um momento de reminiscência, levando


o intérprete a considerar uma interpretação diferente daquela apresentada no início
da peça. Nota-se que o andamento aqui tornou-se ainda mais elástico, sendo que o
mesmo trecho musical que antes foi apresentado em 25 segundos, agora é executado
por volta de 26 segundos. Além disso, algumas conduções de agógica também se
demonstram diferentes, revelando decisões de acentos de tempos maiores em
determinadas colcheias e outras não, circuladas em vermelho. A dinâmica, no entanto,
não se revelara tão diferente entre os gráficos, existindo apenas algumas ondas
maiores no primeiro do que no segundo.
Ambas as performances de Argerich e Barenboim são notoriamente
consideradas e possuem peculiaridades próprias. Ao ouvinte, talvez, não soem tão
distintas, porém uma vez analisadas em gráficos é possível verificar que de fato
apresentam opções interpretativas bastante distintas.
59

3.3 – Analizando a Danza del gaucho matrero

A última peça desta obra, Danza del gaucho matrero, explora em abundância
acentos e acordes com função mais percussiva e tímbrica do que harmônica. Para
isso, busca a carga simbólica da virilidade investida tradicionalmente no malambo,
dança masculina por excelência do folclore pampeano. A violência, a fúria e o caráter
selvagem de seu clímax sugerem algumas possibilidades ao pianista, especialmente
por se tratar de um movimento mais “violento” musicalmente, rico em dissonâncias e
que exige muita energia de quem interpreta.

Nesta dança, a principal diferença encontrada em performances é seu


andamento e pode-se dizer que a sugestão do compositor, semínima pontuada a 152
bpm, é bastante desafiadora e requer muito vigor do intérprete. Acompanhar o ritmo
de uma peça, localizar o instante que cada pulso ocorre, nos dá a noção de como o
andamento da música está variando no tempo e, portanto, permite-nos descrever
como um intérprete faz uso dos acentos agógicos. Quando há uma partitura, espera-
se que os instantes percebidos como tempo estejam de acordo com o que está notado
na mesma, porém isso varia de acordo com a maneira que cada intérprete conduz
sua interpretação.

Neste subcapítulo, serão analisadas as variações de andamento e intensidade


em trechos selecionados. Isto não é uma tentativa de reduzir a dança a elementos
básicos, mas pela compreensão de que estas duas dimensões descrevem
suficientemente bem o “movimento interno” e, portanto, lançam luz sobre as
estratégias de expressividade empregadas pelos intérpretes.

Existem inúmeras interpretações da terceira dança disponível no mercado da


internet. Artistas do mundo inteiro gravaram diferentes versões, porém o que se busca
nesta pesquisa é a aproximação com o idiomatismo enraizado da cultura argentina
presente na obra, portanto preferencialmente foram escolhidas gravações que mais
se adequaram a este quesito.

Os trechos escolhidos para análise de performances são aqueles que fazem


referências a danças tradicionais da cultura argentina, como o malambo e o zapateo
de gato.
60

Fig. 45: Danza del gaucho matrero, análise dos c. 60 a 72

Este trecho em particular possui uma difícil realização técnica, pois a melodia
em sobreposição de terças gera um desafio que vai ao encontro do dedilhado
escolhido pelo intérprete. Além disso, o acompanhamento da mão esquerda percorre
diferentes regiões do piano e, quando realizado no andamento final, torna-se o
momento mais complexo da obra em termos de performance.
Após realizada uma triagem sobre as inúmeras interpretações disponíveis,
foram escolhidas três gravações de qualidade no cenário musical. A primeira delas é
do pianista argentino Horacio Lavandera, que preza por elementos como acentos
destacados em partitura pelo compositor, precisão rítmica e primor musical de
execução.
61

Fig. 46: gráfico gerado pela performance do pianista Horacio Lavandera


Danza del viejo boyero c. 60 a 72

A performance de Horacio é primorosa, rica em detalhes e voltada para os


principais aspectos da cultura tradicional argentina. Ele inclusive oferece em seu canal
do YouTube um tutorial sobre como interpretar a Danza del gaucho matrero
demonstrando as principais características da obra.13
O trecho da dança zapateo de gato tem início entre 1,5 segundo do gráfico e
seu término em 12 segundos. O andamento escolhido pelo pianista é relativamente
inferior ao indicado pelo compositor (semínima pontuada = 152). Em sua performance
existem variáveis, porém o andamento principal é algo em torno de 144 bpm.
Provavelmente o tempo inferior ao indicado por Ginastera tenha como objetivo deixar
claro todas suas intenções sobre a peça em sua performance, como explicado em seu
tutorial.
Em relação à intensidade pode-se observar que os picos das ondas geradas
pelo gráfico variam de acordo com o desenho da frase musical (vide fig. 44). A
dinâmica indicada pelo compositor, ff, é bem presente e Horacio executa o trecho com
bastante intensidade e vigor.

O gráfico que segue foi gerado a partir da performance do quarteto de violões


Minneapolis Guitar Quartet.

13 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=r4vETLxLNak> Acesso em: 15/06/2019


62

Fig. 47: gráfico gerado pela performance do Minneapolis Guitar Quartet


Danza del gaucho matrero c.60 a 72

É interessante ressaltar a quantidade de arranjos para conjunto de violões


disponíveis desta obra. A familiaridade e alusões ao instrumento podem ser uma
justificativa ao fato da muitos violinistas se sentirem atraídos para interpretar as
Danzas Argentinas. Diferentemente da primeira dança, que faz uma referência
bastante clara ao malambo e ao violão, a terceira dança é mais sutil neste aspecto,
portanto aqui a menção ao instrumento se faz menos presente. Entretanto, é
interessante comparar a diferença entre piano e violão em termos de intensidade
nesta obra. O quarteto de violões, quando realiza o glissando dos compassos 59 - 60,
atinge um ápice muito similar ao realizado pelo pianista, porém logo em sequência a
intensidade da dinâmica tem uma diminuição bastante perceptível em relação ao
pianista, apesar de estarem interpretando a obra em quatro pessoas.
O andamento da obra escolhido pelo quarteto é inferior ao indicado pelo
compositor, algo em torno de 124 bpm, e com isso altera-se o movimento interno do
trecho zapateo de gato, pois é baseado em uma dança tradicional de vigor musical. A
passagem foi executada em torno de 13 segundos.
63

Fig. 48: gráfico gerado pela performance da pianista Martha Argerich


Danza del gaucho matrero c. 60 a 72

O último gráfico deste subcapítulo foi gerado a partir da performance de Martha


Argerich. Nota-se que das três interpretações esta é a realiza em menor tempo o
mesmo trecho musical, cerca de 10 segundos. O andamento escolhido pela pianista
é algo por volta de 160 bpm, ou seja, acima daquele sugerido por Ginastera. A curva
de intensidade gerada pelo gráfico não é tão desenhada quanto a do pianista Horacio
Lavandera e talvez isso ocorra justamente por conta do andamento aderido por ela.
Porém, em termos interpretativos, o vigor e o movimento interno oriundos de sua
interpretação são mais efetivos quando comparados àqueles das interpretações
anteriores. A dificuldade técnica do trecho vai justamente ao encontro de um
andamento furiosamente rítmico e enérgico exigidos no início da obra e Martha
Argerich é capaz de expressar toda sua capacidade técnica e vigor neste trecho
musical.
64

4. Ferramentas interpretativas e memorização da obra

Músicos se valem de sutis parâmetros musicais tais como agógica, articulação,


intensidade, altura e timbre para comunicar aspectos expressivos da música que
interpretam. Sendo assim, o controle sobre tais manipulações e a escolha sobre onde
e como realizá-las são aspectos fundamentais para a construção e realização de uma
performance musical. A definição de uma proposta interpretativa tem como ponto de
partida a experiência, a visão do instrumentista em diferentes perspectivas:
idiomáticas, propondo muitas vezes soluções para a realização de passagens
tecnicamente complexas da obra; das referências utilizadas para o estudo da obra
(gravações, abordagens analíticas) sempre buscando correlacioná-las à sua
elaboração interpretativa. No caso das Danzas Argentinas, de um primeiro contato
com a partitura já se depreende sua ênfase nacionalista, sobretudo pela referência
explicitada pelo título da obra.
O caráter nacional permeia toda a obra, pois as danças são baseadas em
aspectos musicais tradicionais argentinos. A primeira dança é uma referência clara ao
malambo; a segunda às tradicionais canções pampeanas e, por fim, a última é uma
mistura de elementos culturais, tais como o malambo, zapateo de gato, gaucho.
Os próximos subcapítulos têm como intuito subsidiar uma proposta
interpretativa da peça, pois as Danzas Argentinas são constantemente inseridas no
repertório de muitos pianistas profissionais e estudantes do piano. Por conseguinte, o
estudo que segue busca contribuir tanto com a comunidade acadêmica como com
aqueles que procuram auxílio em seu caminho interpretativo desta obra. Para tanto,
serão abordadas ferramentas interpretativas diversas que serão explanadas conforme
o contexto.
Por entendermos que uma boa interpretação está atrelada ao nível de
comprometimento e domínio da obra pelo intérprete, também reconhecemos que a
memorização é um elemento fundamental à efetividade da performance, pois induz o
descobrimento de padrões e lógicas musicais que contemplam dedilhados, frases,
repetições. Dessa forma, o processo de memorização impulsiona o intérprete a pensar
em agrupamentos, relações e estruturas, e não em cada nota individual. Por isso,
dedicaremos também atenção à memorização nos subcapítulos seguintes.
65

4.1 – El viejo

O início da Danza del viejo boyero remete ao violão, portanto é interessante


que o intérprete tenha uma referência do comportamento sonoro deste instrumento.
Não se trata aqui de tentar “imitar” o som, mas sim de buscar uma aproximação com
o idiomatismo do instrumento, pois sua articulação e natureza são distintas das do
piano.

Fig. 49: Danzas argentinas versão duo de violões realizada pelo Sedina Duo

Para que esse cotejamento se torne possível, é necessário que o intérprete


tenha em mente que quanto mais clara e precisa for sua articulação durante a
execução desta dança, maior será sua identificação com a proposta do malambo. A
referência ao malambo é importante, pois esta alusão está conectada tanto com o
nacionalismo argentino quanto com o caráter rítmico da peça.

Fig. 50: QR Code referente ao malambo dançado

Outro ponto relevante é o andamento da obra, pois este relaciona-se com o


malambo, uma dança de desafio proveniente dos gaúchos platinos. Existem diversos
tipos de malambo, isso varia de acordo com a região platina em questão. Os mais
conhecidos são o nortenho, com passos curtos e música dividida em seções de quatro
compassos musicais e o sudenho, com passos alternados um pouco mais longos e
66

outros tão breves quanto os do nortenho. Aquele que interpreta deve-se lembrar que
a principal característica da obra é exatamente o fato ser baseada em uma dança.
Muitos intérpretes, porém, optam por um tempo muito superior ao indicado pelo
compositor (138 BPM), a exemplo da pianista argentina Martha Argerich, como pode
ser observado pelo QR Code que segue.

Fig. 51: QR Code demonstrando andamento escolhido pela pianista


argentina Martha Argerich

Realizada esta primeira explanação sobre o caráter nacionalista da peça,


passemos a explorar os tópicos interpretativos e de procedimentos de memorização
da Danza del viejo boyero.
67

Ferramentas interpretativas

Para solidificar o entendimento e absorção mental foram realizados uma


identificação da estrutura formal da obra, um gráfico de tempo e um gráfico de
dinâmicas. Comecemos pela estrutura formal da obra:

Fig. 52: Estrutura formal da Danza del viejo boyero

Em termos de forma, a primeira dança é curta, contendo 61 compassos, e


apresenta a seção A três vezes, e uma vez a seção B e C, assimilando-se assim a um
rondó.

Fig. 53: Gráfico de tempo da Danza del viejo boyero, gerado pelo aplicativo Noteshelf
68

O gráfico acima mostra que o tempo da música é relativamente constante,


alterando-se apenas onde há indicação expressa do compositor nos compassos de
36 a 40, 58 a 62 e nos compassos finais. Percebe-se, portanto, que quase não houve
interferência de agógica na interpretação, pois sendo uma peça rítmica prezou-se pela
constância do andamento. A análise do gráfico de tempo baseia-se em interpretação
da própria autora, porém esta segue todas as anotações da composição, mexendo no
tempo apenas quando indicado na partitura. A consistência rítmica da primeira dança
está relacionada ao malambo.

Fig. 54: gráfico de dinâmicas da Danza del viejo boyero, gerado pelo aplicativo Noteshelf

Diferentemente do gráfico anterior, este último, de dinâmica, possui uma gama


maior de alterações. Aqui nota-se que a intensidade sonora da obra é bastante
abrangente e abarca dinâmicas que vão desde piu pp até ff. A primeira dança começa
p, atinge seu ápice entre os compassos 30 e 40, diminui sua intensidade ao caminho
de seu fim e atinge um leve mf nos compassos finais. É muito interessante notar todas
as diferentes dinâmicas indicadas na partitura, pois por ser uma peça curta e repetitiva
em termos de estrutura, é a intensidade das diferentes dinâmicas que torna a obra
69

mais especial. Por experiência própria, apenas quando analisei o gráfico acima tive a
compreensão da extensão das dinâmicas da primeira obra e isso resultou numa outra
percepção da dança.
70

Memorização

O processo de memorização é algo complexo que envolve diferentes áreas de


nosso corpo. Para o trombonista Sérgio Figueiredo Rocha, o que otimiza a
memorização de um trecho musical é a sistematização do material musical em
unidades menores. A memória dá sentido à performance conectando as estruturas
menores dentro de uma unidade maior: “Parâmetros como a percepção das alturas
(melodia e harmonia), as estruturas rítmicas, assim com a percepção subjetiva sobre
o caráter fraseológico, fornecem material na construção dos nexos musicais” (2010,
p. 101). Partindo do entendimento de que Ginastera utilizou pequenos segmentos que
possuem similaridades entre si, formando unidades maiores, cabe aos intérpretes
codificá-los uma só vez na memória e estes serão evocados ao longo da peça. A título
de exemplo de memorização, a célula rítmica da Danza del viejo boyero é similar em
todas as seções, com uma leve modificação apenas na seção B. Sabe-se que a mão
direita toca apenas em teclas brancas e a relação intervalar de seus acordes é
basicamente a mesma dos compassos 1 ao 34 e dos compassos 41 ao 76. Uma vez
deduzido isto, pode-se dizer que não é necessário pensar no acorde de cada
compasso, mas sim em uma fôrma de acordes com similaridades que formarão uma
unidade maior. Já em termos estruturais, a seção A repete-se três vezes, porém com
leves modificações. Em A’ ocorre uma diminuição no número de compassos e em A’’
a alteração ocorre na fragmentação do sentido fraseológico juntamente a um
movimento para outros registros do teclado do piano. A condução para o fim da música
apresenta o acorde do violão, já descrito neste trabalho (fig. 13).
O gráfico da figura 54 torna-se um aliado à memorização, pois ele clarifica todas
as dinâmicas presentes na primeira dança. O ideal é que o intérprete memorize as
dinâmicas tão logo inicie o processo de memorização da obra, pois uma vez realizada
desde o princípio, esta será parte do todo e não algo isolado a ser inserido
posteriormente quando a música já se encontra memorizada.
71

4.2 – La moza

A segunda dança se distingue por ser a mais lírica e melodiosa das Danzas
Argentinas e, assim sendo, requer um cuidado especial ao requinte e lirismo da obra
relacionados à figura feminina. A sutileza da peça encontra-se na agógica, elemento
essencial explicado anteriormente no capítulo 3.2, bem como outros aspectos como
condução de fraseado, terminações de frases e dinâmicas.

Ferramentas interpretativas

A apreciação musical parte do micro para o macro, ou seja, a assimilação parte


do particular para o geral. O motivo em sua menor forma constitui-se de duas notas e
cada uma tem sua função particular na performance: a anterior cria ação e movimento
e a segunda cria repouso e relaxamento. O note grouping, conceito criado por James
Thurmond14 através de agrupamentos arsis-thesis, proporciona um atalho para o
reconhecimento imediato dos motivos geradores e consequentemente as seções e
frases, pois estas afinal são apenas simplesmente combinação dos motivos. Através
de análises de note grouping pode-se encontrar diversas unidades arsis-thesis e estas
são a chave para gerar impulso e com isso proporcionar expressão artística dentro da
performance.
O termo arsis e thesis teve origem no drama grego no qual o líder de um coro
costumava marcar o tempo forte com um determinado sapato especial. Os gregos, de
acordo com o dicionário Oxford, chamavam a batida forte de thesis e a fraca de arsis.
O emprego do note grouping nada mais é do que o agrupamento de notas em unidade
arsis-thesis ressaltando que a arsis (ou nota fraca do motivo) é mais expressiva
musicalmente do que a thesis. Em música há uma grande afinidade entre emoção, ou
movimento, e expressividade. Ritmo é movimento ordenado e quanto melhor a
impressão do movimento, consequentemente maior é a expressão. Deste modo, a
arsis tem um fator fundamental para gerar esse impulso na interpretação musical.

A título de exemplo sobre o conceito, seguem duas figuras a serem explanadas


a seguir.

14 Autor do livro Note Grouping, um método criado com o objetivo de alcançar expressão e estilo na
interpretação musical
72

Fig. 55: arsis e thesis dentro de um note grouping na Danza de la moza donosa

Fig. 56: arsis e thesis dentro de um note grouping na Danza de la moza donosa

As figuras acima servem para destacar alguns trechos de lirismo da segunda


dança. A figura 55 reproduz a frase musical da seção A, compassos 4 a 7, e figura 56
representa a primeira frase da seção B. A diferença entre uma e outra reflete-se no
tempo fraco do fraseado. A primeira encontra seu tempo fraco, ou arsis, logo na nota
que sucede a colcheia, deste modo a frase encontra uma expressividade maior do
que se a nota começasse no primeiro tempo do compasso. Já no segundo exemplo a
arsis está refletida nas anacruses do fraseado e são elas as responsáveis para gerar
impulso e movimento na seção B da peça. O que diferencia a segunda dança é
justamente as síncopas presentes no fraseado musical enquanto na primeira e
terceira ocorre um conceito mais tético e acentuado do primeiro tempo de cada
compasso. Os exemplos acima elucidam de maneira abreviada o desenho musical
das seções da Danza de la moza donosa exaltando o lirismo associado às síncopas
presentes no fraseado combinados ao conceito de arsis e thesis.
73

Sistema numérico de Tabuteau

Esta ferramenta interpretativa é bastante pedagógica e auxilia o intérprete a


enxergar de maneira mais clara alguns pontos destacados na partitura pelo
compositor. Marcel Tabuteau15 mostrou que pensar com números em determinadas
ocasiões pode não apenas criar movimento, mas também ajudar a definir o fraseado
do intérprete e tornar a música mais expressiva. Existem diversas maneiras de se
aplicar o referido método e o selecionado deste subcapítulo encontra-se relacionado
às dinâmicas da Danza de la moza donosa. A maneira mais básica que Marcel
Tabuteau utilizava números em sua pedagogia a seus alunos era na maneira de se
tocar uma nota longa, intensificando para mais e menos e pensando em número
enquanto eles tocavam. Deste modo:

Fig. 57: sistema numérico de Tabuteau

O exemplo acima é altamente eficaz em instrumentos de sopros e cordas, que


possuem continuidade na nota através da fricção da crina na corda ou o ar que passa
pelo instrumento. No piano, porém, o exemplo acima não é capaz de surtir o mesmo
efeito, por conta do comportamento sonoro de ataque / decaimento. Porém, é
interessante pensar em números quando se trata da dinâmica de uma peça, uma vez
que as intensidades estão expressas em símbolos tais como pp, p, mf, f, e estes
muitas vezes não soam como indicado na partitura por diversos motivos. O exemplo
que segue é referente ao gráfico de dinâmicas presentes na Danza de la moza
donosa.

15Marcel Tabuteau, oboísta Franco-Americano considerado o fundador da escola americana de oboé.


Viveu entre 2 de julho de 1887 e 4 de janeiro de 1966.
74

Fig. 58: gráfico de dinâmica da Danza de la moza donosa

O gráfico acima, referente às dinâmicas, mostra que em comparação com a


dança anterior (fig. 54) existe uma gama menor de dinâmicas na Danza de la moza
donosa. Entretanto, em termos de volume sonoro esta segunda dança é mais intensa,
primeiramente porque há uma maior densidade de notas e em segundo plano porque
o fraseado musical é mais denso e profundo. Verifica-se também que, a partir do
compasso 25 inicia-se uma crescente de dinâmica e deste ponto em diante é
interessante pensar em números para amparar a execução do intérprete de modo a
ser mais intensa. Assim, as dinâmicas se tornam números crescentes e decrescentes
de acordo com a intensidade da música.
75

Fig. 59: dinâmicas da seção B entre compassos 24 a 65

O exemplo acima demonstra as dinâmicas presentes em toda a seção B,


iniciando-se e finalizando-se em pp. Este trecho musical é composto de acordes em
quartas sobrepostas e acompanhamentos e as figuras em questão reproduzem
apenas a melodia das frases. Pensando em números em vez de expressões de
dinâmicas a referida seção passaria a ser impressa do seguinte modo:

Fig. 60: dinâmicas da seção B representadas em números


76

Pensar em número é similar a pensar em quantidade, portanto este método de


classificação numérica de Tabuteau pode ser um importante aliado à interpretação
musical que será refletido na performance. O método em questão pode ser
direcionado a inúmeros pontos do estudo ao piano e a representação aqui realizada
neste subcapítulo versa apenas sobre um tópico, a dinâmica, porém partindo da
mesma lógica o intérprete pode direcionar o sistema numérico a outras questões que
considere pertinente ao seu estudo.
77

Memorização

A memorização de qualquer peça musical deve ocorrer de maneira gradativa,


partindo-se do mais simples para o mais complexo. A repetição na etapa da fixação
do processo de memorização ocupa lugar de destaque, pois é através dela que o
material a ser retido será transferido para a memória de longo prazo. O músico, no
entanto, deve se ater ao descanso e realizar sessões de vinte a trinta minutos
seguidas de uma pausa, pois podem favorecer o aprendizado e a memorização,
evitando a fadiga e a queda de atenção.
Joaquín Zamacois, autor de vários tratados musicais, utiliza a seguinte
classificação de memória:
1. Memória reflexiva ou mental: por intermédio do intelecto, ela vai arquivar,
reter e evocar o que pretende memorizar. Vai depender dos conhecimentos
teóricos e analíticos musicais, além dos específicos do instrumento em
questão, no caso o piano. Zamacois reafirma que a memória reflexiva estará
presente em todo tipo de estudo, sendo indispensável para um resultado
positivo em qualquer aprendizado;
2. Memória auditiva: envolvendo sons e ritmos que foram assimilados;
3. Memória visual: envolvendo imagens que foram retidas
4. Memória motora: envolvendo movimentos que foram vivenciados e
automatizados através da repetição consciente;
5. Memória afetiva: envolvendo sensações não corpóreas, projetadas pelo
espírito na expressividade do artista (Zamacois, 1973, p. 62)

Seguindo a classificação de Zamacois, em questão de memória da Danza de


la moza donosa aplicam-se todos os tópicos descritos. Primeiramente, na reflexiva, o
intelecto arquiva e evoca o que se pretende memorizar e, com a ajuda analítica (vide
capítulo 2.2), a memória mental torna-se ainda mais eficaz. A auditiva é muito
presente, visto que as melodias das seções A e B são presentes e marcantes, bem
como o ritmo da peça. A memória visual se envolve através de imagens da partitura,
do teclado. A memória motora é provida das inúmeras repetições conscientes para
buscar um timbre, uma sonoridade distinta, um fraseado delineado, repetição de
ritmos, entre outras. E finalmente a memória afetiva além de emergir a figura da moza
78

donosa, expressa também os sentimentos que a música evoca, trazendo ainda


memórias outras relacionadas ao tempo presente que o músico aprendeu/memorizou
a peça.
Memorizar a Danza de la moza donosa não é algo complexo, porém uma
atenção maior deve ser dada à seção B onde acordes dissonantes tomam o lugar da
melodia que é presente nas seções A e A’. O acompanhamento da mão esquerda
também é relativamente mais intrincado na seção B, visto que a partir do compasso
25 nenhum compasso será igual ao anterior (exceto 41 e 42), pois o compositor
modifica as relações intervalares dos acordes. A melodia apresenta quartas e quintas
e depois acordes sobrepostos dos respectivos intervalos. Portanto, o ideal em matéria
de memorização ao intérprete, é que mãos direita e esquerda sejam memorizadas
separadamente, pois desta maneira a memória motora combinada com a mental será
estável, o que trará uma confiança muito maior à memória do intérprete e que será
refletido em sua performance da obra.
79

4.3 – El gaucho

A terceira e última dança possui indicações tais como furiosamente, violento,


mordento, salvaggio, demonstrando que Ginastera deixou claro seu desejo sobre o
que deve ser a performance da Danza del gaucho matrero. Ele usou dissonâncias em
abundância, ritmo ostinato e frequentemente segundas menores para harmonizar
simples melodias. A grande dificuldade da peça encontra-se na energia que o músico
despende para sua execução. Ao fim, em sua coda, o intérprete deve doar ainda mais
vigor para culminar em um grande glissando e dinâmicas em ffff.
Para abordar uma melhor compreensão da peça serão realizados gráficos que
exprimem parte do que o intérprete deve entender para alcançar uma performance
adequada da dança.

Fig. 61: gráfico de tempo (1) da Danza del gaucho matrero

Primeiramente, sabe-se que o ritmo é constante do início ao fim e que a única


exceção a essa constância rítmica se encontra indicada em partitura nos compassos
de 101 a 104. Este trecho em especial é conveniente ao intérprete, pois encontra-se
80

em um ponto da música no qual os músculos se tensionaram após a passagem do


zapateo de gato e nos compassos referidos há a possibilidade de descanso aos
braços antes de seguir com a passagem da seção D, a partir do compasso 105.
Apesar do ritmo ser estável, isso não representa uma inflexibilidade do tempo,
pois existem trechos da dança que requerem mais tempo para serem tocados e, se
fossem executados como indica a partitura, não criaria o impacto que o compositor
pede. Abaixo está representado um segundo gráfico de tempo da Danza del gaucho
matrero:

Fig. 62: gráfico de tempo (2) da Danza del gaucho matrero

O gráfico anterior é mais realista em relação ao tempo do que a representação


do primeiro (fig. 61). Muito pouco se mexe na agógica da terceira dança por se tratar
de uma peça extremamente rítmica, porém em alguns trechos o intérprete deve
buscar mais tempo para que sua execução seja mais impactante, vigorosa, e se
adeque à proposta da terceira dança. Os trechos pontilhados são parte da
performance da própria autora e representam sugestões de interpretação sobre o
81

tempo da música. O primeiro pontilhado, entre os compassos 58 e 59, representa a


espera ao glissando que antecipa a seção do zapateo de gato e a justificativa para a
alteração do tempo neste trecho vai de encontro ao fato do glissando ser um
crescendo para ff e para gerar um contraste entre as seções B e C. O segundo
pontilhado representa o trecho entre os compassos 100 a 105, onde há a indicação
de um ritardando molto e um accelerando. Esta passagem, que se encontra
basicamente no meio da música, antecede os compassos mais impactantes da peça,
seção D. Como dito anteriormente, é um trecho no qual o intérprete pode descansar
a musculatura e economizar energia para o que segue na seção C, com indicação de
fff e violente na partitura. A partir deste ponto (compasso 105), o intérprete deve ter
em mente a equalização do instrumento, e ter a cautela de que mão esquerda não se
sobreponha à sonoridade da mão direita.

Zapateo de gato

Em questão de dificuldade técnica, a ressalva registrada está relacionada à


passagem do zapateo de gato por ser distinta e mais complexa do que as outras
seções da música. A título de sugestão de estudo para facilitar a execução do referido
trecho, por ter uma métrica diferenciada, o mais importante é frasear os acordes, o
que facilita a execução do trecho em questão. O intérprete deve também praticar mãos
separadas e elementos separados.

Fig. 63: passagem zapateo de gato mão esquerda, c. 58 a 62


A passagem da figura anterior é relativamente complexa pois transita por
alguns registros do piano, dificultando uma execução perfeita dentro do andamento
sugerido pelo autor (152 bpm). O exemplo que segue é uma pequena sugestão de
como praticar o mesmo trecho.
82

Fig. 64: exemplo de estudo do trecho zapateo de gato

O exemplo acima representa uma técnica de estudo eficaz para paulatinamente


alcançar agilidade e rapidez na execução da mão esquerda. Para gerar uma prática
ainda mais eficaz, o intérprete deve estudar de maneira lenta e aumentar
gradualmente a marcação do metrônomo conforme ganhe firmeza e destreza.
Em relação à mão direita, ainda que rítmica, o intérprete deve ressaltar o
fraseado presente no trecho zapateo de gato, pois com isso cria movimento e torna
mais fácil a execução da passagem. Para tanto, precisa primeiramente delimitar a
linha melódica do trecho em questão.

Fig. 65: linha melódica passagem zapateo de gato, c. 58 a 62

Entender o fraseado acima pode ajudar o intérprete em sua performance, visto


que se ele pensar na linha melódica em vez de se preocupar com a perfeita execução
do trecho, sua atenção será voltada à música em si, e não sobre preocupações em
acertar ou errar notas.
83

Gráfico de dinâmica

Fig. 66: gráfico de dinâmicas da Danza del gaucho matrero

O gráfico de dinâmicas da Danza del gaucho matrero é peculiar e muito distinto


das outras danças. O leque é amplo e contempla desde pp até ffff, algo bastante
desafiador ao intérprete. Sabendo desta informação e sendo a mesma visual, cabe
àquele que interpreta identificar que o começo da obra é totalmente contrastante do
fim, diferentemente do que acontece em Danza del viejo boyero e Danza de la moza
donosa (vide figuras 54 e 58) nas quais iniciam em pp e terminam praticamente na
mesma dinâmica dos compassos iniciais de cada uma delas. Sabe-se também, a partir
da visualização do gráfico, que o maior volume sonoro deve ser poupado para os
compassos finais, onde há um grande crescendo a partir do compasso 195 até o fim
no compasso 232.
84

Memorização

A Danza del gaucho matrero é uma obra de caráter percussivo e por


consequência sua memorização está conectada à memória muscular e rítmica. As
notas são percebidas pelas sequências que se repetem e não cada uma em particular.
Do ritmo ostinato se desprende um contexto que se repete ao longo da dança,
composto de pequenas células e elementos que formam o todo.
A memória rítmica está presente durante a execução de passagens de ritmo
claro e definido. Para que isso aconteça é necessário o entendimento da escrita
musical. A sensação rítmica da obra pode ser sentida em exercícios corporais,
desenvolvidos à parte e por criatividade de quem pratica a obra, juntamente com a
leitura musical, pois a habilidade rítmica e sua memorização são paralelas à facilidade
e rapidez da leitura musical. A memória muscular sustenta o peso das execuções
tecnicamente difíceis e sua deficiência é denunciada pela imperfeição da execução.
85

Conclusão

Tendo como fundamento e inspiração os princípios da música tradicional


argentina, a obra de Alberto Ginastera afirmou-se com espontaneidade e aspecto
pessoal muito específicos. Ao longo de sua vida verificou-se evolução na sua escrita,
partindo de uma música atenta às tradições pré-colombianas para uma música mais
fundamentada na música europeia. Isso demonstra que, apesar de Ginastera ter sido
sensível ao aspecto cultural e nacionalista de seu país, ele também estava ciente das
correntes internacionais de composição e de alguma maneira conseguiu unir ambas
em sua produção. Entretanto, a identidade artística que Ginastera procurou em sua
carreira, e demonstrou em suas composições, foi a autenticidade. Como ele mesmo
expressou, tal busca era, acima de tudo, uma necessidade16:

“Se a música não tem uma pessoa autêntica por detrás dela,
em alguns anos estará morta... e o primeiro requisito e, mais
importante de todos, é que o artista seja fidedigno ao seu
verdadeiro eu” (TAN, Lillian. 1984)

Por meio desta pesquisa verificou-se que Alberto Ginastera possuía muito
conhecimento da potencialidade que o piano pode oferecer e buscou explorar a
versatilidade do instrumento, alternando entre danças rítmica, melódica e percussiva.
As Danzas Argentinas compreendem uma importante obra da literatura para piano de
Ginastera, pois nela o intérprete pode explorar os mais variados aspectos
interpretativos e musicais, tais como timbres, pedalização, diversidade rítmica.
Ginastera pôde sintetizar a essência da cultura argentina, desde a tradição gauchesca
até o contexto moderno do século XX. Além disso, elas articulam significativamente o
vínculo entre gênero e nacionalidade. Dentre sua obra para o instrumento, esta peça
consagrou-se como uma das mais conhecidas de seu legado. Em termos rítmicos e
sonoro nas Danzas Argentinas, Ginastera evoca compositores como Béla Bartók ou
Igor Stravinsky, haja visto a alternância métrica herdada de tais compositores. Em
suma, Danzas Argentinas possuem real valor artístico e composicional e, por meio
delas, Alberto Ginastera sintetizou o espírito nacionalista delineando seu folclore sem
deixar, no entanto, de buscar sua própria autenticidade enquanto compositor.

16 Texto original: if music doesn’t have an authentic person behind it, in several years it is dead… and

the first and formost requirement is that an artist be true to his real self.
86

Em relação à interpretação e performance, pesquisar sobre uma determinada


peça ou compositor é não somente enriquecedor como também capaz de criar uma
maior conexão com a obra que se estuda. Decorre que minha concepção das Danzas
Argentinas anterior a esta pesquisa era muito mais rasa, pois não tinha conhecimento
de alguns elementos e informações advindas da pesquisa. A interpretação pecava em
diferentes aspectos, sobretudo no andamento e qualidade de som.

Fig. 67: gravação das Danzas argentinas interpretada por Milena Lopes em junho de 2015

Como resultado dessa pesquisa, compartilharei uma performance da obra,


realizada em 19 de setembro de 2018 no Conservatório Dramático e Musical Dr.
Carlos de Campos em Tatuí, pelo projeto Em Preto e Branco, em parceria com o
departamento de música da ECA-USP.

Fig. 68: Danzas argentinas de Alberto Ginastera interpretada por Milena Lopes em setembro de 2018

Por meio da apreciação das gravações dos exemplos anteriores é possível


constatar alguns aspectos relevantes evidenciados neste trabalho:

• Em Danza del viejo boyero foi utilizado o mínimo de pedal possível para a
obtenção de uma articulação clara e limpa, similar ao toque e som do violão,
buscando assim a semelhança com a dança folclórica malambo. Em termos
sonoros, as dinâmicas seguem estritamente o que sugere a partitura e para o
auxílio deste efeito foi utilizado a escala de intensidade numérica de Tabuteau.
87

• Em Danza de la moza donosa priorizou-se a equalização entre melodia e


acompanhamento, tomando sempre o cuidado com o controle das camadas
sonoras e para que mão esquerda não encobrisse mão direita. A pedalização
foi pensada de acordo com o que se sugere no capítulo 3.2, priorizando a
clareza e timbres do instrumento. Sabendo que a peça é baseada em canções
pampeanas, buscou-se pensar na melodia como texto musical e verifica-se sua
eficácia na elasticidade de tempo, ou agógica, gerada por este pensamento.
• Em Danza del gaucho matrero o caráter enérgico e furioso da peça foi essencial
para criar timbres e cores tanto em momentos ff quanto pp, pois energia e fúria
independem de intensidade sonora. O pedal de sustentação foi usado
pontualmente em momentos em que a peça necessitava de mais recursos
harmônicos e o una corda em momentos mais suaves da peça. Por fim, as
referências das danças folclóricas como malambo e zapateo de gato foram
cruciais para o entendimento do ritmo quebrado que surge na seção C e, além
disso, auxiliaram na constância rítmica da peça.

O pianista e psicólogo John Sloboda, admite que a música desperta emoções


profundas e significativas nas pessoas. Esta seria a razão pela qual muitos se
envolvem com tal atividade, seja como compositor, executante ou ouvinte. Ao se
questionar como a música é capaz de afetar as pessoas, o autor admite que de algum
modo a mente musical dá significado aos sons musicais, eles se tornam símbolos de
algo maior que já não é apenas um mero som, algo que nos permite rir ou chorar,
gostar ou desgostar, ser movidos ou ficar indiferentes (Sloboda, 2008, p.4). As
respostas emocionais à música não são só explicadas em termos de
condicionamento, pois supõe-se que uma música tem significado especial devido às
circunstâncias que é ouvida, estudada, executada. A forma e o conteúdo da música
não são suficientes para o valor emocional que adquire. O contexto também é
importante. Para criar uma efetiva interpretação de uma obra é essencial que o
intérprete compreenda que a partitura é um documento determinante que contém
informações categóricas para que a partir dele possa-se dar início a uma concepção
criativa de performance. Porém, é fundamental um estudo que avance para
informações que residem fora da partitura, pois este pode amparar uma visão mais
ampla sobre a obra. Elementos que figuram além da escrita musical, a exemplo do
88

conteúdo do capítulo 3, trazem uma margem de liberdade criativa ao intérprete, por


isso há tantas interpretações distintas. Em Danzas Argentinas, Alberto Ginastera nos
entrega uma rica diversidade de elementos intrínsecos e extrínsecos à partitura,
fazendo com que ela alcance um espaço privilegiado entre muitas das obras escritas
para piano.
89

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