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Breve histórico da Língua Latina – 2022 (2021/1)

Professora Soraya Chain

Latim: Língua–Mãe

"Mas, para quê estudar Latim?

- Olá Cecília ! A tua filha conseguiu aquele emprego?

- Não. E, vê tu, por uma questão de lana caprina. Eu sabia a priori que ela não tinha grandes hipóteses.
Havia muitos candidatos. Pediam o curriculum uitae e, além disso, era condição sine qua non conhecer,
pelo menos, duas línguas estrangeiras.

- Pensei que essas exigências eram só um pro forma para o anúncio.

- Não é bem assim. Mas era o máximo! Imagina que aquela auis rara do empresário até lhe perguntou se
ela sabia Latim!

- Nem me digas! Isso era in illo tempore. Para que queria ela isso lá no escritório? Basta-lhe repetir ipsis
uerbis o que diz o patrão. Não precisa de mais.

- Pois sim, mas agora parece que sem uma habilitação definida nada se arranja.

- Olha lá, e por que não faz ela o exame ad hoc para a Universidade?

- É tarde e desnecessário. Aquilo era um empresário muito sui generis. Olha a minha sobrinha se
precisou disso... E ganha bem.

- É verdade, soube que ela andava à procura de casa. Já arranjou?

- Sim. Acabou por comprar um duplex. Mas como o rendimento per capita ainda é elevado ficaram a
pagar um juro altíssimo. E Deo gratias que encontrou aquele aqui perto.

- A propósito, hoje fui matricular a minha filha. Já ouviste falar nessa história do Latim obrigatório?

- Já me soou qualquer coisa. Agora à minha filha é que eu não faço esse disparate...

- E eu idem. Para que serve essa língua morta? Nunca lhe vi a utilidade.

- Mas não te aflijas. Isso já é falado há muito e acaba sempre por ser adiado sine die.

- É porque os ministros costumam usar o direito de ueto. Agora dizem que é diferente, clamam que cada
vez se fala pior o português, que o Latim é essencial, etc.etc.

- Olha isso, grosso modo, é conversa de sempre. Já a minha avó dizia o mesmo..."

Isaltina Martins
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Professora Soraya Chain

O Indo-europeu e o Latim

Linguística Comparada

Constituiu-se no século XIX, a partir dos trabalhos de Franz Bopp. Caracteriza-se pela utilização do
método comparativo que consiste em comparar formas semelhantes de línguas consideradas como
sendo da mesma família de línguas. A Lingüística Comparada, também chamada de gramática
comparada ou comparativa, tem como objetivo estabelecer correspondências entre línguas para poder
estabelecer suas relações de parentesco. Por exemplo, pelo estudo comparado do grego, latim e
sânscrito, pode-se chegar à reconstituição do indo-europeu e assim se estabelece que estas três línguas
são aparentadas e derivam do indo-europeu.

O latim, assim como grande quantidade de línguas extintas e vivas da Europa, faz parte da "família"
das línguas indo-européias.

A FA MÍLIA IN DO - E U R OPÉ IA

Comprovar a origem indo-européia de uma determinada língua é simples; um dos procedimentos, por
exemplo, é comparar as palavras do vocabulário. Observe-se, por exemplo, o quadro abaixo, onde foi
assinalada a grafia da palavra "pai" em algumas línguas "vivas" (grego, português, francês, espanhol,
italiano) e "mortas" (latim e sânscrito).

πατήρ grego
pai português
père francês
padre espanhol
padre italiano
pater latim
pita sânscrito

Quem eram, exatamente, os indo-europeus? Diversos conhecimentos sobre a cultura indo-europeia


antiga foram recuperados a partir do estudo das línguas mais velhas da família, mas ainda não foi
possível atribuir nenhum achado arqueológico ao hipotético povo indo-europeu original,
antepassado dos demais.

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Do Indo-europeu ao Latim

O indo-europeu era uma língua muitíssimo antiga, que espalhou os seus ramos por vastas regiões da
Ásia e por quase toda a Europa. Do indo-europeu resultaram, entre outras línguas, o hitita, o arménio,
o helénico, o albanês, o eslavo, o germânico, o céltico e o ltálico. Este, por sua vez, dá origem ao latim,
osco, úmbrico e venético.

Indo-europeu Itálico Latim Português


Céltico Osco Castelhano
Germânico Úmbrico Catalão
Eslavo Venético Francês
Helénico etc. Provençal
Italiano
Romeno

As línguas românicas

Como os Romanos eram os vencedores e tinham uma cultura superior, a sua língua foi-se impondo às
dos vencidos. Mas, como é natural, a língua já existente em cada região não deixaria de exercer
bastante influência sobre o latim.
Deste modo nascem as várias línguas novilatinas (ou neolatinas), derivadas dos diferentes romances
(ou romanços), palavra que significa “falares à maneira de Roma" (romanice loqui):

❖ . o português - em Portugal
❖ . o castelhano- na Espanha
❖ . o catalão - na Catalunha, região da Espanha
❖ . o francês - na França
❖ . o provençal - na Provença, antiga região da França
❖ . o italiano - na Itália
❖ . o romeno - na Romênia
❖ . e ainda outras línguas de menor importância

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A LÍNGUA LATINA E OS ROMANOS

A Língua Latina pertence ao grupo dos dialetos itálicos (o umbro, o sabélico, o osco)
falados pelos povos estabelecidos na região itálica antes da fundação de Roma. Os latinos, habitantes
do Lácio, os sículos que ocupavam a Sicília e parte da Itália Meridional, os Umbros e os oscos que
habitavam vastas regiões da Itália central, falavam vários dialetos não muito diferentes entre si.
Infelizmente estes nos são desconhecidos por falta de comparação; possuímos só algumas inscrições
curtas e incompletas, mas nenhuma delas tem ao lado a tradução em outra língua conhecida que nos
ajude a interpretá-las por meio da comparação. É, contudo, útil lembrar, que entre todos estes dialetos,
só o Latim chegou a ter dignidade de língua literária. Isto se deu porque o povo que o falou, soube
despertar ao redor de si e absorver as aspirações de muitos povos diferentes: conquistando-os,
impondo-lhes a própria língua, aquele latim que depois de poucos séculos havia de se tornar uma língua
universal.
A língua de Roma tornou-se um documento indispensável para a evolução histórica, porque
a língua é substância de idéias, pensamentos e arte. Vemos aqui também como a história e a literatura
estão estreitamente ligadas. A latinização da Itália coincidiu com a criação da literatura romana (ou
latina).
Chamamos literatura latina ao conjunto de manifestações espirituais, dignas de serem
lembradas pela sua notável importância, escritas na língua dos antigos habitantes do Lácio: a língua,
seguindo o curso histórico das conquistas de Roma, sobrepujou aos poucos os demais dialetos itálicos,
difundiu-se em toda a Itália e, em seguida, além dos limites da península, nas regiões da república e do
império. Seria próprio também chamá-la literatura romana, porque o espírito que marca todas as
manifestações literárias do povo latino provém de Roma. Diferentemente das outras literaturas, esta
nasce, se desenvolve e decai numa só cidade: de Roma saiu a potência política e social que soube criar
um grandioso império; em Roma se acentuaram e de Roma se difundiram todas as manifestações
culturais e literárias da língua que seguiu a civilização organizadora dos romanos.
Quando Roma nasceu, os povos que habitavam a Itália, como já foi dito, eram diferentes
(Etruscos, Umbros, Oscos, Gregos da Itália Meridional), mas a literatura latina só iniciou seu curso
quando todos estes povos foram assimilados pela potência de Roma, a qual impunha a sua língua como
primeiro elemento de união. De Roma vêm a língua, as idéias e as expressões literárias. Unitário e
assimilador é, portanto, o caráter principal da literatura latina.

In A Literatura de Roma, de G. D. Leoni.

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LATIM CLÁSSICO E LATIM VULGAR

A princípio, o que existia era simplesmente o latim. Depois, o idioma dos romanos se
estiliza, transformando-se num instrumento literário. Passa então a apresentar dois aspectos que, com o
correr do tempo, se tornam cada vez mais distintos: o clássico e o vulgar. Não eram duas línguas
diferentes, mas dois aspectos da mesma língua. Um surgiu do outro, como a árvore da semente. Essas
duas modalidades do latim, a literária e a popular, receberam dos romanos a denominação
respectivamente de sermo urbanus e sermo vulgaris.

Cícero nos fala dessa dualidade de emprego do latim numa carta que escreveu ao seu amigo
Paeto: “Quid tibi ego videor in epistulis? nonne plebeio sermone agere tecum?... Causas agimus subtilius,
ornatius; epistulas vero cotidianis verbis texere solemus”. “ Que tal me achas nas cartas? Parece que uso
contigo a língua vulgar, pois não é?... Nos discursos aprimoro mais; nas cartas, porém, teço as frases com
expressões cotidianas”.

Diz-se latim clássico a língua escrita, cuja imagem está perfeitamente configurada nas obras
dos escritores latinos. Caracteriza-se pelo apuro do vocabulário, pela correção gramatical, pela elegância
do estilo, numa palavra, por aquilo que Cícero chamava, com propriedade, a urbanitas.

Era uma língua artificial, rígida, imota. Por isso mesmo que não refletia a vida trepidante e
mudável do povo, pôde permanecer, por tanto tempo, mais ou menos estável.

A tradição literária começa em Roma no século III a.C., com o aparecimento dos primeiros
escritores: Lívio Andrônico, Cneu Névio, Ênio. Antes o que havia eram simples inscrições de nulo
valor literário. O período de ouro do latim clássico é representado pela época de Cícero e de Augusto.
É então que aparecem os grandes artistas da prosa e do verso, que levam a língua ao seu maior
esplendor.

Chama-se latim vulgar o latim falado pelas classes inferiores da sociedade romana
inicialmente e depois de todo o Império Romano. Nestas classes estava compreendida a imensa
multidão das pessoas incultas que eram de todo indiferentes às criações do espírito que não tinham
preocupações artísticas ou literárias, que encaravam a vida pelo lado prático, objetivamente.

A estas pertenciam os soldados (milites), os marinheiros (nautae), os artífices (fabri), etc.,


homens livres e escravos, que se acotovelavam nas ruas, que se comprimiam nas praças, que
freqüentavam o fórum, que superlotavam os teatros, a negócio ou em busca de diversões, toda essa
gente, enfim, que, se passava pela escola, dela só conservara os conhecimentos mais necessários ao
exercício da sua atividade.

Representava esse latim, pois, a soma de todos os falares das camadas sociais mais
humildes. Era uma espécie de denominador comum, que se sobrepunha às gírias das várias profissões,
como um instrumento familiar de comunicação diária.

Encerrava ele não poucos arcaísmos, banidos da língua literária, a par de um grande número
de inovações ou empréstimos, que se refletiam principalmente no vocabulário, em conseqüência das
conquistas.

In Gramática Histórica, de Ismael de Lima Coutinho.

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ROMANCES: LÍNGUAS NEOLATINAS

Porque se deve estudar Latim?


Uma língua que não morreu, mas se transformou:

Latim canta! Meus Duo Pater pauper Capra Ego

Francês chante! Mon Deux Père pauvre Chèvre Je

Italiano canta! Mio Due Padre povero Capra Io

espanhol canta! Mio Dos Padre pobre Cabra Yo

português canta! Meu Dois Padre pobre Cabra Eu

Romeno cinta! Meu Dói Capra Eu

Ouve-se dizer, frequentemente, que o latim é uma língua morta. Segundo o dicionário, a palavra
"morta" é um adjetivo que significa privada de vida, esquecida ou apagada na memória, extinta; no
contexto linguístico, chamam-se mortas as línguas que se conservam somente em documentos, escritas,
mas não faladas.

Na história da linguagem humana, o latim não é um começo absoluto nem um final definitivo.
Constitui uma etapa de transição. Surgiu de uma língua mais antiga, já evoluída, da qual conhecemos
outras ramificações. Prolonga-se, largamente diversificada, sob a forma de línguas-filhas que são as
línguas românicas. Através dos tempos, estas ultrapassaram o quadro europeu: o português, o
espanhol e o francês, atravessaram os oceanos para se implantarem na África e na América. São hoje
faladas por milhões de pessoas as línguas derivadas do latim.

O conhecimento das suas estruturas linguísticas facilita a aprendizagem destas línguas irmãs e
proporciona um conhecimento mais profundo da nossa língua materna. Há mesmo quem considere
que a aprendizagem do Latim é um dos meios mais adequados para se desenvolver o raciocínio.

Os Romanos deixaram, através da sua língua, uma visão do mundo e do homem. Tendo assimilado a
cultura grega, associaram à sagueza helênica e à paixão da ciência a sua tendência para organizar,
administrar, legislar. Desaparecido o Império Romano, ficou a Latinidade, e a Latinidade - como diz
Jorge Luís Borges - é o Ocidente. O desconhecimento da Latinidade seria uma grave lacuna na
formação intelectual dos que enveredam por cursos de ciências humanísticas.

Os nossos homens de letras continuam a ler e a traduzir os clássicos.

É assim que o latim, sob novas formas ainda vive. Se, por exemplo, o Etrusco, que desapareceu sem
deixar descendência, merece o nome de língua-morta, o latim deverá antes ser qualificado como
língua-mãe.

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