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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

INSTITUTO DE TECNOLOGIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO

MARCELA CRISTIANE SOUSA RAIOL


CECILIA MENEZES BARRA

ESTUDO HISTÓRICO E DE SUBSÍDIOS DE PRESERVAÇÃO DE


CALHA METÁLICA DO PALACETE BIBI COSTA

BELÉM - PA
2018
1. Introdução

O Palacete Bibi Costa é um dos testemunhos do período da Bélle Époque


de Belém, que aconteceu no século XIX e XX. Uma das obras projetadas por
Francisco Bolonha, a construção foi encomendada pelo Major Brício Costa,
para recepcionar e hospedar Affonso Pena, Presidente do país e sua comitiva,
que faziam uma série de viagens pelo Norte e Nordeste do Brasil.

A construção (Figura 1) que seguia as premissas do Intendente Antônio


Lemos de urbanização foi entregue em tempo recorde, apenas dois anos,
ficando pronta em 1906. Pensando no conforto do Presidente e de sua
comitiva, o prédio contava com cinquenta e quatro cômodos grandemente
ornamentados com os melhores materiais da época, além de toda a
infraestrutura montada ao redor da construção, que contava com uma estação
de bonde e concertos nas proximidades (PINTO, SANJAD, 2010).

Figura 1: Palacete Bibi Costa.


Fonte: <http://pportalparamazonia.blogspot.com/2016/01/palacete-bibi-costa.html>.
Acesso em 10/12/2018.

Por ser localizado em um lote de esquina, possuía um pequeno jardim


com palmeiras, em clara referência à flora tropical utilizada na arquitetura
imperial no Brasil do século XVIII, já que a edificação foi projetada seguindo o
estilo eclético da época (Idem).
Foram utilizados materiais nobres na construção e na decoração do
Palacete, dentre estes, as madeiras paraenses, como o Acapu e pau amarelo,
que foram aplicadas como piso, e em cada andar um mosaico diferente; os
ladrilhos hidráulicos, que foram importados para serem utilizados em áreas
externas e/ou molhadas, com diversos modelos, cores e formas (Idem).

Os elementos metálicos importados também são parte da construção,


encontrado na área interna, com os lustres de bronze, e em elementos de
fachada, como gradis, calhas. Os itens de ferro eram amplamente utilizados
durante o período nas construções de Belém, por seu custo relativamente
baixo, sua facilidade de instalação e sua estética refinada (BARRA, 2003).

Dentre estes objetos metálicos de fachada, podemos citar as calhas, que


apesar de funcionais, eram ricamente ornamentadas, compondo a estética de
estilo eclético da construção. As calhas foram incluídas no Palacete afim de
seguir com as normas de construção propostas por Lemos, que buscava, além
do requinte, padrões de higiene, evitando o acúmulo de umidade nas
residências (BARRA, 2003).

As calhas do Palacete são importadas da Europa, da empresa Walter


MacFarlane’s & CO., que comercializavam suas peças através de catálogos
com diversos modelos e tipos de ornamentos e elementos construtivos em
ferro (Figura 2). São quatro calhas de ferro compostas por peças de cabeça,
corpo e braçadeiras, que fazem parte estética e funcionalmente da construção
até hoje.

Figura 2: Exemplo de catálogo da Empresa Walter MacFarlane’s.


Apesar de permanecerem na fachada, apresentam alguns danos
causados principalmente por conta do intemperismo. Estes danos, se não
tratados, podem comprometer a estrutura do metal, que pode perder sua
função, causando danos ao próprio palacete, como infiltrações.

Sendo assim, o presente trabalho busca estabelecer um breve histórico


sobre o palacete e seus elementos metálicos, assim como o diagnóstico visual
dos danos em uma das calhas da edificação, afim de fornecer subsídios para
futuras ações de conservação e restauro dos elementos em ferro na cidade de
Belém.

2. Os elementos Metálicos do Palacete Bibi Costa

Os elementos metálicos, assim como boa parte dos demais componentes


construtivos presentes no Palacete foram importados da Europa. As
importações eram comuns entre a sociedade mais abastada, e o ferro era um
dos principais elementos de importação por conta da versatilidade dos objetos
que eram produzidos com o material: equipamentos urbanos (fontes, postes de
iluminação, bancos e outros), elementos arquitetônicos, ornamentos, e
construções completas (COSTA, 2001).

Estes itens eram ricamente adornados com elementos do estilo eclético,


transformando os itens mais simples em objetos ricamente decorados, com
flores, brasões, folhas e outros motivos, sendo anunciados em revistas
especializadas e comercializadas através de catálogos ilustrados e detalhados.
Cada item contava uma infinidade de modelos, tamanhos e formas, o que
possibilitava o uso das peças nas mais diferentes construções (COSTA, 2001).

No Palacete Bibi Costa é possível encontrar inúmeros exemplares das


importações de objetos metálicos, como os guarda corpos presentes nas
janelas, as calhas, o gradil que delimita o jardim (Figura 3). Os lustres de
bronze de diversos modelos e formas florais, típicas do art nouveau,
iluminavam todos os ambientes sociais do palacete.
Figura 3: Detalhe de gradil do palacete. Fonte: Cecília Menezes, 2018.

Estes elementos metálicos são parte fundamentais do Palacete, sendo


elementos indispensáveis não apenas para a funcionalidade da construção,
mas também para a composição estética e histórica do edificado. A
preservação dos objetos de ferro, como as calhas, garante a leitura completa
do Palacete em estilo eclético, como fora projetado por Bolonha no século XIX,
trazendo para os dias atuais, o testemunho do período.

3. Diagnóstico do objeto de estudo

A calha selecionada como objeto de estudo encontra-se localizada na


fachada frontal (Figura 4), voltada para a Avenida Governador José Malcher. A
análise visual da calha selecionada, feita a partir de visita in loco e
levantamento fotográfico, permitiu constatar o estado de conservação e que a
mesma se encontra

Figura 4: Planta baixa do 1º pavimento da edificação. Em vermelho, a localização da calha


selecionada para estudo. Fonte: Pinto, 2011. adaptado pelas autoras.
De modo geral, a calha apresenta-se em grave estado de deterioração.
Pôde-se notar que há uma associação de ao menos dois processos de
degradação em maior parte da calha. Na inspeção visual foram detectados
cinco processos de degradação: presença de microrganismos
(biodeterioração), perdas de material, perdas em camada pictórica, película de
sujidades, e corrosão.

Ressalta-se neste contexto o processo da biodeterioração visualizada


no objeto em questão (Figura 5A). A calha encontra-se tomada por colonização
microbiológica, destacando-se uma espessa camada de microrganismos
presente em aproximadamente 70% da mesma. Ao longo da metade superior,
quando a camada se torna menos espessa é possível visualizar a corrosão
presente, assim como pequenos pontos de perda da camada pictórica (Figura
5C). A perda de pequenas camadas do revestimento é mais notáveis próximas
às conexões da calha.

Outro fator a ser destacado é que esta calha já não apresenta mais
nenhuma de suas braçadeiras (Figura 5B), caracterizando assim a perda de
material da mesma. Nas extremidades superior e inferior, locais onde a calha
apresenta menor nível de degradação, nota-se uma película de sujidades,
possivelmente constituída de partículas orgânicas e inorgânicas (Figura 5D).

A B

1
2
C D

Figura 5: (A) camada de microorganismos, sendo a menos espessa na parte superior (1) e a
mais espessa na área inferior (2) ;(B) perda de material da braçadeira e pontos de corrosão;
(C) pequenos destacamentos da camada pictórica; (D) película de sujidades na área da
extremidade inferior da calha. Fonte: Cecília Menezes, 2018.

O levantamento fotográfico e análise visual das patologias também


possibilitaram elaborar o mapeamento de danos da calha selecionada (Figura
6). O mapa dos processos de degradação foi desenvolvido no software
AutoCad, e para casa processo foi dada uma cor ou hachura determinada.
Figura 6: Mapeamento de danos da calha selecionada. Fonte: autoras, 2018.
4. Propostas

As ações de conservação e restauro de um bem tem como objetivo


aumentar o tempo de vida deste objeto, mantendo suas características
documentais e, se possível, funcionais, respeitando também sua historicidade.
A escolha das ações e dos materiais a serem empregadas necessitam ser
críticas, buscando aqueles que assegurem a continuidade da matéria original e
a durabilidade do objeto (PALÁCIOS, 2011).

Sendo assim, é necessário a investigação prévia do objeto estudado,


afim de entender quais os materiais e os danos que apresentam, considerando
suas particularidades. Os elementos em ferro, por exemplo, fogem dos padrões
de intervenções “tradicionais”, onde o restaurador intervém profundamente
apenas quando extremamente necessário; para tratar as patologias do metal, é
necessário retirar revestimentos e outras camadas externas, se corroídas
(Idem).

Levando estes fatores em conta, selecionamos dois artigos para


embasar as propostas de intervenção das calhas metálicas:

O primeiro artigo chama-se Conservation of Architectural Metalwork:


Historical Approaches to the Surface Treatment of Iron, e trata sobre a
importância da investigação histórica e das análises laboratoriais na
identificação das ligas componentes e dos revestimentos originais das
superfícies metálicas, aplicados a um estudo de caso de uma edificação
específica.

O texto começa com uma pequena introdução sobre o uso da


Arquitetura de Ferro , com destaque para a expansão da mesma na América
do Norte durante a segunda metade do século XIX. O autor ressalta que
enquanto crescia o interesse no ferro e no aço como materiais empregados em
construções na América e na Europa, o tratamento das superfícies e
finalização dos mesmos com proteção contra a corrosão era de igual interesse
(MATERO, 1994).

Apesar dos avanços tecnológicos relacionados ao emprego de metais


ferrosos na arquitetura, a corrosão continuou sendo um dos maiores problemas
e preocupações tanto no uso estrutural quanto no uso decorativo destes
elementos. Os materiais nobres mais comumente empregados na arquitetura,
como o bronze e o cobre geralmente não requerem uma superfície adicional de
proteção, já que sua pátina natural ou artificialmente induzida era considerada
esteticamente aceitável e resistente.

Os metais menos nobres, como zinco e ferro, eram quase sempre


protegidos por pintura contra a corrosão atmosférica. No texto ressalta-se que
além da pintura, pode-se proteger os metais aplicando o método da
galvanização,e também pelo método "Barffing", que trata-se da conversão de
uma superfície de óxido no metal em camada protetora. Estes métodos foram
os resultados da aplicação de descobertas científicas, e foram aplicados
comercialmente ao final do século XIX.

O texto também destaca alguns materiais aplicados como primers nos


elementos arquitetônicos metálicos desta era, como tintas ou vernizes à base
de óxido de ferro ou zinco. Resinas e ceras específicas também eram
empregadas. Dependendo dos pigmentos empregados, acreditava-se que
muitos dos tratamentos reduziam ou preveniam a corrosão pela ação galvânica
de óxidos metálicos e carbonatos.

Em seguida, é apresentado o estudo de caso da edificação conhecida


como "The Rookery", localizada na cidade de Chicago, nos Estados Unidos.
Trata-se de uma construção do ano de 1888, e um dos destaques da
arquitetura comercial do século XIX na América do Norte. A edificação já
passara por intervenções nos anos de 1907 e 1931, e para a intervenção de
1991, foram feitos um estudo histórico-documental detalhado da edificação e
análises laboratoriais.

Para as análises laboratoriais, foram recolhidas 150 amostras de


diversas superfícies da edificação. Uma vez que estes materiais foram
caracterizados, identificados, e documentados, um programa de testes foi
iniciado para verificar a viabilidade de recuperar a aparência histórica original
do material.
O texto destaca três fotomicrografias de amostras coletadas de
diferentes lugares da edificação. A primeira foi retirada da alça de uma das
janelas, que passou pelo processo de "Barffing" ou "Bower-Barff". A segunda
amostra foi retirada de um dos balaústres da escadaria suspensa, na qual
destaca-se o revestimento de cobre. A terceira amostra foi coletada de um
balaústre da escadaria principal, destacando-se na fotomicrografia o substrato
de ferro fundido (cinzento), uma camada de revestimento de cobre, e uma
camada de resina.

O texto finaliza com os resultados parciais obtidos durante o processo de


intervenção restaurativa da edificação, com destaque para a recuperação das
escadarias suspensa e principal, por meio de limpeza mecânica e aplicação de
tintas de sacrifício.

O segundo artigo, “Iron, the repair of wrought and cast ironwork”, aborda
as ações de limpeza, conservação e restauro de forma mais abrangente,
demonstrando desde as técnicas mais simples e superficiais, até as mais
complexas, que atuam diretamente na conservação do metal.

O livro faz um pequeno histórico acerca da produção de ferro, fundido e


forjado, e seu uso em países europeus, principalmente na Irlanda. O material
foi amplamente utilizado por conta de sua dureza, versatilidade e durabilidade,
utilizado principalmente em ornamentos, que eram muito populares.

Também trata principalmente da importância da manutenção para a


conservação de elementos de ferro. Rotinas de limpeza simples, como a
lavagem do elemento com água (em pequenas quantidades) e sabão evitando
que o acumulo de poluição e sujidade, elevando a durabilidade do revestimento
e do metal.

Existem vários níveis de limpeza mecânica dos metais, desde a mais


superficial até as mais profundas, que retiram todo o revestimento e corrosão,
deixando o metal sadio aparente. Estes procedimentos devem levar em conta o
tipo de metal e o estado de conservação do mesmo.

O texto aborda especificamente os cuidados demandados às calhas e


dutos de metal. Por estarem em contato direto com a água das chuvas – afinal,
sua função é conduzir a água das lajes para as valas – necessitam serem
limpas e pintadas constantemente. Este tipo de manutenção constante
conserva o metal, evitando que os dutos venham apresentar algum problema
de funcionamento.

Desta forma, os procedimentos indicados para a Conservação e


Restauro da calha estudada são – após as análises metalográficas, tanto das
ligas e das camadas de tinta, quanto dos produtos de intemperismo – a limpeza
da superfície da calha, inicialmente com limpeza manual, e em seguida com
jateamento abrasivo, que remove as impurezas não removidas com a primeira
limpeza e também remove os acúmulos orgânicos, além de preparar a
superfície do metal para o recebimento de uma nova camada de tinta.

Após este procedimento, será aplicada uma nova camada de


revestimento de sacrifício, com materiais anticorrosivos, afim de garantir que os
processos de degradação demorem a chegar na liga sadia e possam garantir
melhor durabilidade da calha. Por fim, a camada de revestimento pictórico
deverá ser reestabelecida, considerando o estudo cromático realizado nos
processos anteriores e a coerência cromática da construção.

5. Conclusões

O Palacete hoje encontra-se sem uso, necessitando de ações que


possam reestabelecer a estrutura, a funcionalidade e a estética da construção
e todos seus elementos. A perda de um ou mais elementos podem
comprometer a leitura da fachada como um todo, não apenas na questão
estética, mas também na parte histórica e documental.

O mapeamento de danos e o estudo de propostas de intervenção são


parte de todo as ações que envolvem a conservação e restauro de bens, que
deve levar em conta sua historicidade e materialidade para a escolha das
melhores ações para a continuidade do bem em seu local de origem.

Sendo assim, o mapeamento realizado na calha estudada apontou que


esta encontra-se em ruim estado de conservação, com corrosão aparente,
contaminação por agentes biológicos e perda de camadas de tinta através de
destacamento do revestimento.

Para o controle e reabilitação do duto, indica-se a limpeza mecânica


utilizando o método do jateamento abrasivo, que removerá as impurezas
inorgânicas, como manchas de poluição, e as orgânicas, como a infestação por
microrganismos.

Referências

BARRA, Ana Carolina Regis. Fragmentos de Sonho: A arquitetura do ferro em


Belém. Cadernos de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo, São Paulo,
v. 3, n. 1, p. 9-28, 2003.

COSTA, Cacilda Teixeira. O Sonho e a Técnica: A Arquitetura de Ferro no


Brasil. Universidade de São Paulo, 2001.

DAVEY, Ali. Iron: The Repair or Wrought and Cast Ironwork. Government of
Ireland, 2009.

MATERO, Frank G. Conservation of Architectural Metalwork: Historical


Approaches to the Surface Treatment of Iron. Ancient and Historic Metals:
Conservation and Scientific Research. Santa Monica, CA, United States : J.
Paul Getty Trust 1994.

PALÁCIOS, Flávia Olegário. Estudo Tecnológico do Chalé de Ferro IOEPA:


Subsídios para a Salvaguarda da Arquitetura de ferro no Brasil. Dissertação de
Mestrado, Universidade Federal da Bahia. 2011.

PINTO, Amanda Monteiro Corrêa. Palacete Bibi Costa: Proposta de


Restauração e Reabilitação. Monografia de conclusão de curso. Universidade
Federal do Pará, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Belém, 2010.

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