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Reabilitação de Tectos Estucados

Article · March 2005

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3 authors, including:

Maria Do Rosário Veiga Jorge de Brito


National Laboratory for Civil Engineering University of Lisbon
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REABILITAÇÃO DE TECTOS ESTUCADOS
Hélder Coelho Cotrim (Arquitecto, Mestre em Construção pelo IST)
Maria do Rosário Veiga (Eng.ª Civil, Investigadora Principal do LNEC)
Jorge de Brito (Eng.º Civil, Professor Associado do IST)

O valor histórico e artístico dos estuques antigos justifica a sua reabilitação. Esta acção exige
a identificação das principais anomalias e acções necessárias à sua realização. As
características dos elementos construtivos exigem igualmente a realização de acções
minuciosas, sujeitas a um faseamento rigoroso, num processo onde a observação assume
papel fulcral na identificação e inspecção do contexto de intervenção.

Em Portugal, existe uma grande quantidade de estuques em edifícios construídos maioritariamente entre o
século XVIII e o primeiro quartel do século XX, que carecem de urgente reabilitação. Contudo, esta acção
confronta-se, desde logo, com a falta de trabalhos científicos que permitam um enquadramento objectivo dos
diferentes aspectos envolvidos.

Sobre a história artística, social e técnica dos estuques pouco se tem escrito. Os documentos existentes
resumem-se a alguns artigos e dois estudos de Flórido de Vasconcelos (1991, 1997), a par de uma
monografia sobre Afife, Viana do Castelo (Meira, 1945) e apontamentos dispersos em publicações de cariz
regional, elaborados por pessoas com ligações familiares e afectivas àquela localidade, de onde são naturais
muitos estucadores.

No nosso país, a tradição da utilização de gesso em revestimentos, antes do Renascimento, foi, ao que parece,
bastante diminuta, pelo que a chegada do estuque, no século XVI, acaba por ser um acontecimento novo,
como se o contacto anterior, nos períodos de domínio romano e árabe, nunca tivesse existido. Por esse facto,
também a relação com a decoração estucada sempre decorreu um pouco à margem do que foi considerado a
produção artística nacional.

Se o panorama acerca da história do estuque é reduzido, a situação é ainda mais desoladora no que respeita à
investigação de carácter técnico, constituindo-se o estudo de Ribeiro (2000) como um trabalho de relevo,
apesar de não se encontrar publicado.

Em síntese, à reabilitação de estuques antigos colocam-se diversas dificuldades, principalmente em resultado


dos aspectos a seguir indicados:

⋅ o desconhecimento de grande parte das técnicas tradicionais, no contexto actual, muito em resultado do
egocentrismo de certos artistas do passado (principalmente do final do século XIX e primeira metade do
XX) e da consequente incapacidade de transmissão de conhecimentos;
⋅ o desaparecimento de mão-de-obra habilitada;
⋅ o reduzido número de trabalhos de investigação em torno do estabelecimento de procedimentos gerais
para identificação das causas da patologia e definição de metodologias de intervenção em estuques; e
⋅ a produção de soluções, pela indústria contemporânea, que permitem a resolução de problemas de forma
rápida e relativamente económica, mas potencialmente incompatíveis com as situações antigas (como,
por exemplo, os produtos pré-doseados e os derivados dos polímeros).

Os aspectos referidos estão na origem de intervenções incorrectas, pois o sucesso da reabilitação de estuques
é directamente proporcional ao nível de conhecimento e controlo dos mesmos, em cada contexto. Assim, o
presente artigo visa o enquadramento da intervenção em tectos estucados, nomeadamente no que se refere à
identificação das anomalias mais comuns e respectivos processos de reabilitação.
PRINCIPAIS ANOMALIAS EM TECTOS ESTUCADOS

Os tectos estucados constituem um testemunho importante das anomalias estruturais dos edifícios onde se
integram. Por um lado, os danos estruturais provocam deformações e fissuração que revelam a natureza e a
localização da anomalia, devendo, por isso, dar-se-lhes particular atenção. Por outro, a sua degradação está
associada, em grande medida, à entrada de água pelas coberturas, sendo este aspecto responsável por uma
série de anomalias, com efeitos variáveis em função da duração da sua permanência nos elementos
construtivos.

As anomalias podem ainda agravar-se pela acção da gravidade, sendo comum a existência de uma série de
lacunas resultantes do desprendimento de pedaços de estuque que se fragmentam na queda, perdendo-se
definitivamente, conforme se observa nas figuras 1 e 2.

Figura 1. Lacuna em tecto apenas na camada de


acabamento e em faixa. Villa Morais, Ponte de Lima.

Figura 2. Lacuna em tecto com perda total das diversas


camadas do estuque. Palácio do Marquês de Tomar,
Lisboa.

A longa duração da presença da água provoca danos significativos nos suportes, normalmente executados em
madeira (estrutura e fasquiados) ou estafe, nos casos mais recentes, porque deteriora tanto os ripados como o
próprio estuque, originando fissuração e descaimento do plano, também em resultado da corrosão de
elementos metálicos e da cristalização de sais entre camadas, ambos induzidos pela humidade.

Em síntese, as principais anomalias que se registam nos tectos, bem como as causas responsáveis, encontram-
se sistematizadas por J e N. Ashurst (1988), conforme indicado em seguida:

a) descaimentos, devido à corrosão dos elementos de fixação do fasquiado ou à degradação das


madeiras, por acção de fungos, bolores e ataque de insectos;
b) fissuração contínua, devido a cedência do vigamento, com deslocação nas zonas de apoio e nos
entalhes, e à perda de fixação do estuque ao fasquiado, originada por má execução inicial;
c) fissuração irregular, de configuração aleatória, devida às variações térmicas do suporte (neste caso,
desde que não existam desnivelamentos entre as duas superfícies, a fissuração não é crítica para a
estabilidade do tecto);
d) apodrecimento dos topos das vigas de madeira, inseridas nas paredes, por falta de ventilação;
e) descoloração de áreas pintadas ou manchas, em resultado da humidade.
O quadro patológico apresentado, resultante da combinação de uma série de deficiências construtivas com
diferentes efeitos, comprova a importância e necessidade de verificação das condições das zonas ocultas do
tecto antes de qualquer intervenção, com vista a avaliar a extensão e as condições das anomalias.

REABILITAÇÃO DE TECTOS ESTUCADOS

As anomalias assinaladas envolvem uma intervenção conjugada sobre o sistema de suporte e o estuque.
Apenas a análise rigorosa do sistema permite assim determinar quais as acções a efectuar, bem como o
faseamento adequado, dado que o seu desenvolvimento é variável em função da situação em causa.

O processo de reabilitação de tectos, incluindo as acções complementares e subsequentes, regra geral efectua-
se de acordo com a seguinte sequência:

a) desmontagem de revestimentos e limpeza do extradorso do tecto;


b) remoção, estabilização ou consolidação de elementos de estuque em risco de queda;
c) reabilitação dos suportes de madeira.

O processo conclui-se com os trabalhos de acabamento, que consistem na reabilitação dos elementos
decorativos (ornatos e superfícies), nomeadamente a sua reintegração ou reaplicação, a reparação de fissuras,
o preenchimento de lacunas e o tratamento de superfícies.

As operações prévias envolvidas na intervenção sobre tectos incidem sobre as suas duas componentes
construtivas, a decoração e o sistema de suporte, e têm como objectivo a salvaguarda da decoração em risco
de desprendimento ou em desagregação, e que pode danificar-se no decurso dos trabalhos.

Uma destas acções é a observação, a qual assume um papel decisivo na qualidade do resultado final. Para tal,
torna-se essencial assegurar o acesso ao extradorso dos tectos até porque tal é necessário para efectuar os
trabalhos de reparação.

As operações de remoção ou estabilização iniciam-se após a análise da informação recolhida no


levantamento. Deste modo, obtém-se uma visão global da situação, nomeadamente do tipo de deformações,
das parcelas a remover, a fixar, a consolidar ou a substituir, dos ornatos com falta de coesão ou em boas
condições de conservação, das superfícies que necessitam de apoios ou fixações complementares, bem como
as zonas passíveis de nelas se colocar escoras ou suspensões.

Os suportes dos estuques são, na maioria, constituídos por madeira 1, sendo comum verificar-se a necessidade
de intervir sobre os diversos elementos de madeira (estruturas de suporte e fasquiados), razão que justifica
uma abordagem sucinta do tema.

Operações prévias à intervenção sobre o estuque

Na intervenção em tectos, estão envolvidos três procedimentos preparatórios, sem os quais não é possível
efectuar uma reabilitação eficaz, devido à dificuldade de acesso ao seu extradorso e à quantidade de sujidade
aí acumulada. São eles a desmontagem de pisos ou coberturas, a limpeza do extradorso e a verificação das
condições de fixação do estuque ao suporte e do próprio vigamento

A primeira acção consiste na desmontagem dos elementos que ocultam o extradorso, efectuando-se
posteriormente as operações de limpeza, em geral por meio de aspiração mecânica da poeira e outros detritos
depositados sobre os fasquiados (figura 3).

1 A este propósito, importa analisar o capítulo “Caracterização construtiva de elementos estucados” em Ribeiro (2000),

no qual é possível observar que, na construção tradicional, todos os elementos de suporte dos estuques são constituídos
por madeira, nomeadamente os frontais, tabiques e tectos. Em todos, a primeira camada do estuque, o pardo, é aplicada
sobre réguas de madeira estreitas, de secção trapezoidal, denominadas fasquias.
Por último, devem inspeccionar-se as condições do fasquiado, de modo a identificar fasquias degradadas ou
demasiado próximas, devendo, nesses casos, proceder-se ao seu corte e remoção, por forma a criar uma
maior superfície de colagem entre o existente e a nova pasta de gesso a adicionar.

Figura 3. Aspiração do extradorso de tecto. Villa Morais,


Ponte de Lima.

Remoção, estabilização ou consolidação de estuques

As operações de remoção, estabilização ou consolidação executam-se como forma de protecção dos


elementos decorativos que se encontram em queda iminente ou em desagregação. Nos trabalhos correntes, a
remoção de ornatos destina-se, em geral, à execução de cópias. No entanto, pode ter também como objectivo
a reconstrução de ornatos fragmentados.

As anomalias que exigem acções de estabilização são de natureza diversa e têm como objectivo a
salvaguarda de áreas em risco de ruína; por isso, estas acções tanto podem efectuar-se no início dos trabalhos
de reabilitação, como durante a sua execução, sempre que se verifiquem situações de instabilidade estrutural.
Para efectuar esta operação, é normalmente necessário recorrer a estruturas e sistemas complementares de
suporte.

Remoção de ornatos

A remoção de ornatos pode efectuar-se no início das operações ou após a estabilização e eventual
consolidação dos elementos decorativos, sempre que tal se revele necessário de modo a evitar qualquer dano
em áreas de estuque instáveis.

A remoção do local permite que ornatos fragmentados sejam tratados em oficina, onde é possível efectuar um
trabalho de reabilitação mais minucioso do que no seu contexto decorativo, estando envolvido algum
trabalho complementar, para instalação de estruturas provisórias de suspensão ou apoio, de modo a evitar
desprendimentos bruscos de peças de estuque que podem provocar danos ainda mais graves,
comparativamente às condições de conservação iniciais.

As estruturas provisórias de suporte são amarradas ao ornato e à estrutura, devendo ser realizadas com um
material macio e flexível de modo a não vincar o estuque (corda, PVC, nylon, etc.).

Estabilização de estuques

A estabilização dos estuques processa-se com a introdução de estruturas complementares de suporte, de


modo a corrigir deformações críticas, como as flechas, descaimentos ou desnivelamento de zonas contíguas.
Estas estruturas têm como objectivo o restabelecimento da posição inicial ou o simples apoio, permitindo a
realização dos trabalhos subsequentes em condições de estabilidade adequadas.
Os sistemas de estabilização diferem, naturalmente, em função das condições e características morfológicas
do tecto e da necessidade de assegurar a utilização do compartimento. Esta operação deve ser realizada com o
cuidado necessário para não danificar nenhum elemento, podendo ser necessário recorrer à remoção de
ornatos com aquele objectivo.

Nos casos em que a decoração é bastante complexa, pode justificar-se a realização de um plano de
escoramento e suspensão, de modo a conjugar a localização dos apoios e suspensões com o desenho do tecto
e com as deformações e, assim, executar as operações com total conhecimento da situação contextual.

A estabilização pode efectuar-se através de escoramento com prumos metálicos ajustáveis, ou de madeira,
que suportam painéis de contraplacado ou aglomerado de madeira e estes, por sua vez, as superfícies lisas do
tecto não danificadas (figura 4). Entre a superfície do estuque e os painéis, é interposto um material macio
(serapilheira, cartão canelado, espumas sintéticas, feltro geotêxtil, etc.) destinado a protegê-la (J. e N.
Ashurst, 1988; Oliveira, 1983). Este é o processo mais adequado para apoio de tectos lisos.

A estabilização pode também realizar-se por suspensão, com recurso a tirantes amarrados às zonas sãs da
estrutura ou a elementos provisórios (figura 5). Ao contrário do sistema de escoramento, a suspensão adequa-
se mais às situações de grande ornamentação ou pintura, porque permite a selecção de locais de fixação
estrategicamente colocados, evitando o contacto dos prumos com os elementos decorativos.

Figura 4. Escoras de suporte do tecto durante as Figura 5. Nova estrutura de suporte de uma parcela de tecto em
operações de reabilitação. Palácio do Freixo, Porto. ruína. Palácio do Freixo, Porto.

Reabilitação

A reabilitação dos estuques exige uma série de acções que variam em função do contexto específico de cada
anomalia. Como exemplo, assinalam-se os tectos descolados do suporte, pois a sua fixação pode efectuar-se
por aparafusamento, pela introdução de novo estuque no extradorso, combinado ou não com uma estrutura
complementar de suporte, ou com recurso a resinas sintéticas.

A desvantagem dos sistemas que introduzem novo estuque sobre os fasquiados reside no aumento de peso. J.
e N. Ashurst (1988) consideram, assim, que no caso das estruturas de fragilidade elevada ou próximo do
limite de carga admissível, podem ocorrer deformações elevadas com capacidade para colocar em risco a
estabilidade da estrutura estucada.

Apresenta-se no quadro 1 uma comparação entre o acréscimo de peso, em percentagem, para as diferentes
soluções e materiais e o grau de aderência promovido por cada uma. Salienta-se que os consolidantes
contemporâneos (resinas), apesar de não introduzirem peso sobre o suporte e apresentarem uma boa
aderência aos materiais originais, têm a desvantagem de não se conhecer o seu comportamento a longo prazo.
Aumento de peso Secagem Aderência
Estuque + armadura
18 % 8,5 dias Baixa / média
(rede, linhadas, etc.)
Reparação de fissuras
no extradorso 9,1 % 8 dias Boa
Resina acrílica e fibra
4% 15 dias Muito boa
de vidro
Resina epoxy e fibra de Muito boa mas
4% 15 dias
vidro irreversível
Quadro 1. Comparação entre diversos métodos de reparação (Fonte: J. e N. Ashurst, 1988).

A reparação, propriamente dita, inicia-se com a fixação das áreas desligadas do fasquiado. Em Portugal, a
maior parte dos trabalhos de consolidação de tectos consiste na aplicação de linhadas de gesso 2 sobre os
fasquiados (figuras 6 e 7), os quais não podem estar degradados, sob pena de inviabilização dessa operação.
Este método é adequado para o suporte de superfícies lisas e, por conseguinte, leves.

Figura 6. Pasta de gesso armada com sisal. Villa Morais, Figura 7. Linhadas de sisal preparadas para aplicação em
Ponte de Lima. operação de consolidação. Palácio do Marquês de
Pombal, Lisboa.

Um trabalho de consolidação eficiente, destinado a colar pequenas áreas desligadas do fasquiado, segundo J.
e N. Ashurst (1988), executa-se com recurso a pontes de novo estuque (figura 8).

As pontes são constituídas por arames de latão ou cobre, colocados entre vigas e amarrados a parafusos,
também de latão, fixados às faces laterais das vigas. A zona em redor dos arames é preenchida por pasta de
gesso, adicionada com retardador de presa (cola animal ou grude), na quantidade necessária ao seu
envolvimento. Este sistema é disposto perpendicularmente às vigas e, por conseguinte, paralelo ao fasquiado.

Antes do preenchimento, os elementos pré-existentes (estuque antigo e fasquias) devem ser limpos com uma
solução de goma laca, a 10 %, dissolvida em álcool desnaturado ou PVA 3, de modo a reduzir a sua
porosidade e a consequente absorção da água contida no novo estuque.

2 Pasta de gesso, armada com sisal.


3Poliacetato de vinilo. Substância de cor branca, solúvel em água, que ao secar fica transparente. Também conhecida por
cola de marceneiro.
Figura 8. Consolidação de desprendimentos em áreas localizadas [adaptado para português a
partir de J. e N. Ashurst (1988)].

Por seu lado, nas zonas onde existem grandes áreas desprendidas, é necessário um tratamento mais profundo.
Procede-se, assim, ao tratamento do extradorso como descrito anteriormente, sendo o suporte reforçado,
neste caso, com uma rede de cobre ou latão, com malha de 6 mm (figura 9).

Figura 9. Consolidação de desprendimentos em grandes áreas contínuas [adaptado para


português a partir de J. e N. Ashurst (1988)].

A rede é estendida sobre o estuque pré-existente, com dobras de encontro às vigas, às quais é fixada por meio
de ripas. Após a colocação da rede, aplica-se a primeira camada de pasta de gesso com retardante,
assegurando a completa imersão no gesso. A segunda camada é aplicada antes da formação de presa da
primeira, devendo obter-se uma espessura total com cerca de 12 a 18 mm, por forma a embeber totalmente a
rede.

Finalmente, realizam-se os acabamentos nas superfícies e nos ornatos (somente após a execução das
operações de consolidação). No caso de ser necessário reforçar ou estabilizar os ornatos de maior dimensão,
devem então executar-se novas amarrações à estrutura do tecto.

REABILITAÇÃO DE SUPORTES DE MADEIRA

A maioria dos trabalhos de reabilitação de tectos estucados envolve a recuperação de elementos de madeira,
em virtude de quase todos serem constituídos por estruturas daquele material. Os suportes são, em geral,
constituídos por peças estreitas de madeira, dispostas paralelamente (fasquiados), pregadas a vigamentos do
mesmo material. Por conseguinte, são elementos muito susceptíveis às variações estruturais dos edifícios e ao
apodrecimento, devido à entrada de água.

A acumulação de poeiras e outros detritos, para além de aumentar o peso dos tectos, provoca a redução da
ventilação das fasquias e aumenta o nível de humidade devido à capacidade higroscópica da poeira,
potenciando assim a degradação dos elementos de suporte.

As fasquias podem encontrar-se directamente pregadas às estruturas de suporte, tanto dos telhados como do
pavimento do piso superior 4, ou a estruturas secundárias fixadas às primeiras. No entanto, em termos de
reabilitação, as situações mais complexas são aquelas onde as estruturas de suporte fixam, simultaneamente,
o revestimento do tecto e o pavimento ou o ripado da cobertura.

A madeira sofre uma série de acções de degradação provocadas pelo ataque de insectos e pela humidade,
propiciando o desenvolvimento de agentes biológicos e provocando variações dimensionais. Importa, por
isso, conhecer desde a fase de levantamento as condições em que se encontram as estruturas de madeira.

Com a reabilitação daquelas estruturas pretende-se melhorar as condições existentes, através do


restabelecimento de aspectos funcionais do sistema estuque e suporte, o que implica a execução de trabalhos
de extrema complexidade (figuras 10 e 11).

A reabilitação de elementos de madeira obriga a manter as estruturas, o mais possível, acessíveis e


ventiladas, não sendo aconselhável ocultar os elementos estruturais, para que seja possível efectuar
observações e acções de manutenção periódicas (Faria, 2002).

Nos tectos, esta situação é agravada pelo facto de o estuque se destinar a ocultar as estruturas de suporte.
Neste caso, a necessidade de observação dos suportes constitui-se como uma situação que importa assegurar
desde a fase de projecto.

4 Sempre que os elementos estruturais de madeira servem, simultaneamente, de suporte ao fasquiado e aos pavimentos,

designam-se por sistemas solidários, constituindo a solução mais económica e de mais fácil execução (Ribeiro, 2000).
Figura 10. Fase prévia de reabilitação de tecto estucado:
substituição de estruturas e fasquiados de madeira. Palácio
do Freixo, Porto.

Figura 11. Extradorso de tectos estucados: estrutura


original e novo suporte do telhado. Palácio do Marquês de
Pombal, Lisboa.

Os elementos de madeira em boas condições não devem ser desmontados (figuras 12 e 13). No caso das
superfícies estucadas, este princípio assume uma maior pertinência porque, muitas vezes, é impossível
desmontar todo o suporte, por razões técnicas ou económicas, dado que tal operação acarreta custos
demasiado elevados.

Figura 12. Elementos estruturais de madeira de suporte a Figura 13. Elementos estruturais de madeira em parede,
tecto estucado do séc. XVIII. Palácio do Marquês de para reintegração do estuque. Palácio Marquês de Pombal.
Pombal, Lisboa. Lisboa.

No entanto, os elementos de madeira que apresentem sintomas de apodrecimento devem ser removidos, quer
no todo quer em parte. No caso dos fasquiados, conforme foi referido, isso envolve a sua remoção, a eventual
substituição das partes degradadas e a aplicação de um imunizador 5.

5 Um imunizador é uma substância fungicida, com capacidade de proteger a madeira contra os ataques biológicos,

nomeadamente insectos xilófagos, fungos e bolores.


Nas acções de reabilitação de madeiras deve observar-se um conjunto de princípios gerais, enquadrados nos
princípios da reabilitação do património, conforme indicado em seguida (Faria, 2002):

a) respeitar as intervenções de outras épocas, desde que não ponham em causa os valores
arquitectónicos ou os aspectos de desempenho estrutural;
b) adoptar soluções reversíveis, dentro de limites razoáveis, permitidas pelas necessidades de
reabilitação das estruturas;
c) reduzir ao mínimo o sacrifício dos materiais originais;
d) eliminar todas as causas de degradação, nomeadamente o contacto da madeira com a água, a
progressão dos ataques por fungos e insectos através de tratamento fungicida e promover a
ventilação;
e) manter os elementos de madeira no nível de esforço adequado, evitando o aumento das cargas;
f) substituir apenas os elementos, ou parte destes, que comprovadamente não possam ser mantidos;
g) aliviar do esforço os elementos que não estejam em condições de o suportar, através da transferência
das cargas para novos elementos estruturais;
h) evitar alterações no equilíbrio de esforços dos elementos, nomeadamente em resultado da colocação
de novos apoios, que podem alterar o diagrama de esforços e provocar danos imprevistos;
i) assegurar a compatibilidade material e construtiva, na introdução de elementos de outra natureza, de
acordo com os valores arquitectónicos do imóvel;
j) identificar claramente a intervenção.

Na sequência dos princípios enunciados, qualquer acção sobre as estruturas de madeira deve processar-se de
acordo com o quadro de objectivos a seguir indicado:

a) permitir inspecções periódicas às estruturas;


b) melhorar as condições de serviço das peças;
c) assegurar a ventilação adequada dos elementos;
d) prestar extrema atenção aos apoios, de modo a garantir uma ventilação adequada, impedindo a
retenção de humidade nas zonas de encosto das peças;
e) evitar a ocultação total dos elementos estruturais, sob pena de se desenvolverem processos de
degradação não detectáveis;
f) dar prioridade ao restauro dos elementos estruturalmente mais importantes ou mais degradados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com este artigo, pretende-se contribuir para uma melhor compreensão das exigências necessárias à
reabilitação de tectos estucados. Entende-se, assim, que este trabalho exige o cumprimento de um faseamento
objectivo e o conhecimento total do contexto.

No que respeita às fases de intervenção, os trabalhos têm início em acções de âmbito global, destinadas a
anular os efeitos mais graves, designadamente a estabilização estrutural do edifício e dos suportes e a
eliminação da entrada de água pela envolvente, terminando nos trabalhos sobre os elementos mais frágeis,
que envolvem tarefas mais delicadas, como é o caso da intervenção nas superfícies.

BIBLIOGRAFIA

(1) ASHURST, John; ASHURST, Nicola – Practical building conservation. English heritage technical
handbook: Volume 3: mortars, plasters and renders. Aldershot, UK [etc.]: Ashgate, 1988. 85 p.
ISBN 0 291 39747 6.

(2) COTRIM; Hélder Coelho – Reabilitação de estuques antigos. Lisboa: [s.n.], 2004. 218 p. Dissertação
do 10.º Mestrado em Construção, apresentado no Instituto Superior Técnico da Universidade Técnica
de Lisboa.
(3) FARIA, José Amorim – Reabilitação de estruturas de madeira em edifícios históricos. Estudos /
Património. Lisboa. ISSN 1645-2453. 3 (2002) 8-13.
(4) MEIRA, Avelino Ramos – Afife, Monografia. Porto: Ed. do autor, 1945.
(5) OLIVEIRA, Mário Mendonça de – Um sistema para consolidação de estuque no palácio Rio
Branco. Salvador da Bahia: Universidade Federal da Bahia, 1983. 116 p.

(6) RIBEIRO, Paulo Alexandre Pereira Malta da Silveira - Estuques antigos: caracterização construtiva
e análise patológica. Lisboa: [s.n.], 2000. 177 p. Dissertação do 8.º Mestrado em Construção,
apresentado no Instituto Superior Técnico da Universidade Técnica de Lisboa.

(7) TÁVORA, Fernando; TÁVORA, José Bernardo – Palácio do Freixo. Jornal Arquitectos. Lisboa.
ISSN 0870-1504. 213 (Nov. / Dez. 2003) 44-51.

(8) VASCONCELOS, Flórido de – Estuques decorativos do Norte de Portugal. Porto: Centro Regional
de Artes Tradicionais, 1991. 70 p. Catálogo da exposição de fotografias.

(9) VASCONCELOS, Flórido de – Os estuques do Porto. Porto. Câmara Municipal do Porto, 1997.
Colecção Porto Património. ISSN 0873-9110.

Referências fotográficas

Figura 4: fotografia extraída de F. e J. B. Távora, (2003).


Figuras 5 e 10: fotografado por Luís Baganha (2002). Cedidas pelo autor.
Figuras 8 e 9: extraído de J. e N. Ashurst (1988) e adaptado para português.
Fotografias restantes por Hélder Cotrim (2003).

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