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Pesquisa em Foco
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Caderno de Experiências
Geraldo Sarno, entre outros profissionais. Os região” (2006, p. 101). Logo, a compreensão do
ambientes retratados vão desde a periferia carioca Nordeste pauta-se nas suas múltiplas realidades
até o interior do Nordeste. culturais, econômicas e sociais, e não na divisão
Nas suas declarações sobre a Caravana ele se define geográfica instituída, apesar de o fator físico ser
quanto ao seu papel nas produções: “Nunca me explorado com ênfase nas suas representações.
entendi como mecenas. Era uma ambição política A seca e suas conseqüências, as paisagens
fazer aqueles filmes. E evidentemente era época litorâneas, as manifestações religiosas, os ritos, as
para isso.”3 Esse projeto se mostra preocupado em danças e outras expressões culturais são temas
retratar, nos documentários, pessoas, usos e recorrentes quando o Nordeste é abordado. O que
costumes de um Brasil distante geográfica e não se constitui como um equívoco, exceto quando
socialmente dos centros urbanos instituídos como a postura diante dessa diversidade se instaura a
irradiadores culturais. Com relação à fotografia, partir de uma visão homogeneizada, marcada pela
pretende-se entender como tal inquietação gerou negação das diferenças e das contradições que essa
séries fotográficas que tenham o Nordeste como região abarca. A respeito da produção fotográfica
assunto; sejam elas contemporâneas à realização da brasileira, Angela Magalhães e Nadja Peregrino
Caravana ou posteriores. indicam:
Nesse sentido, buscam-se vestígios, na sua o Nordeste, como referencial
produção fotográfica, do Brasil por ele da obra de diversos fotógrafos
“redescoberto” por meio do cinema documental, contemporâneos, surge
mesmo considerando que a produção dos filmes foi, constantemente em diversas
produções, que enfocam desde
para Farkas, uma nova fase da trajetória. A
o emblemático ciclo das secas e
declaração de abandono da divulgação fotográfica dos retirantes nordestinos, até
para a dedicação ao cinema documentário não as tradições culturais e sociais
implica na inexistência de fotografias produzidas que se inscrevem de forma
durante essa fase. Em 2006, veio à tona uma série arquetípica na representação
de imagens do fotógrafo até então desconhecidas, fotográfica da experiência da
publicadas no livro Notas de Viagem, onde consta vida nordestina (1998, p. 245).
uma série de fotografias feitas por ele nos anos 70
(FARKAS, 2006). Esta série abrange os ambientes Sua série colorida produzida na década de 70 por
do Norte e Nordeste brasileiros. Assim, este Farkas se diferencia dos seus trabalhos anteriores.
trabalho analisará algumas dessas imagens feitas Não só pela exploração das cores, contrapondo-se
no Nordeste, buscando compreender como ele ao preto e branco predominante nos trabalhos
interpretou fotograficamente esta região, fotoclubistas e nas séries urbanas, mas pelo caráter
fomentando uma aproximação que evidencie suas fotodocumental das imagens. Pelo olhar que, ao
formas de representação na fotografia brasileira. mesmo tempo em que promove um
aprofundamento do que se sabe sobre uma
determinada realidade/situação, ainda está
4 O Nordeste na fotografia brasileira descobrindo-a, pois as imagens relatam uma
cultura até então desconhecida ou não explorada
Ao colocar-se diante de uma determinada realidade pelo fotógrafo.
o que o fotógrafo faz é expurgar suas impressões e
intenções por meio do registro fotográfico. Tal Trata-se, então, de reconhecer
nesse processo, uma dialética
registro se constitui, então, como produto das
que se estabelece entre o
internalizações das especificidades culturais de fotodocumentarismo e a
uma situação vivida por ele, um produto que devido cultura, reatualizada nas
a essa relação não se desprende de quem a imagens que circulam como
idealizou, do processo técnico que a viabilizou e de um traço da memória social.
tudo aquilo que é nela representado. A fotografia é Conseqüentemente, a
transgressora, pois através de uma construção fotografia documental passa a
extremamente individual pode-se tentar ser, também, um reflexo das
compreender os pressupostos dos discursos questões culturais
imagéticos e/ou textuais numa esfera mais ampla (MAGALHÃES; PEREGRINO,
1998, p. 245)
acerca do espaço e do período representado.
Quando proposta a análise da representação da
Assim, pensar o Nordeste fotografado é, também,
região Nordeste nas fotografias de Thomaz Farkas,
reconhecê-lo como um conjunto de manifestações,
entende-se o sentido da palavra região da forma
acontecimentos, ritos e falas, que, interpretadas
como coloca Albuquerque Junior: “Cada região é
pelos fotógrafos que neste universo mergulham,
esse conjunto de fragmentos imagéticos e
geram leituras desta mesma realidade. Se por um
enunciativos, que foram agrupados em torno de um
lado há pareceres pessoais nas fotografias, por
espaço, de uma ideia inicialmente abstrata de
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outro, delas emanam a força das realidades que segundo plano está desfocado e a imagem do
deste contexto emergem. sertanejo com um chapéu de couro próximo a um
galho espinhoso de uma árvore assume relevância
maior devido a isso. Do ponto de vista documental,
5 O Nordeste descoberto por Thomaz Farkas mostra a habilidade do homem que lida
cotidianamente com a situação de falta de água no
O olhar de Thomaz Farkas neste trabalho ambiente no qual está inserido, o que surge como o
fotográfico é antes de tudo, um exercício de foco da intencionalidade do fotógrafo.
partilha. Pois a forma como os elementos do campo
do visível são organizados, remetem o conjunto de Figura 2 – Detalhes da Cultura Sertaneja – Homem
imagens ao reconhecimento de um fotógrafo ainda rodeado de couro
em processo de descoberta do espaço, mas que, no
entanto, está ciente da necessidade de integração
com as pessoas e situações a serem fotografadas, e
assim o faz. As imagens desta série produzida nos
anos 70 são, nesse sentido, o resultado da troca de
experiência e da mútua valorização que se deu
entre o fotógrafo, o meio e as pessoas que o
constituíam.
Segundo Fernandes Junior, as fotografias de Farkas
feitas no Nordeste possuem características que
dialogam com o trabalho de fotógrafos como Anna
Mariani e Mario Cravo Neto, entre outros. Sobre a Fonte: FARKAS, 2006, s/ página.
série colorida a qual pertencem as fotografias a
seguir analisadas, o autor defende que: Na figura 2, há um sertanejo sem camisa apoiado
em uma corda na qual estão penduradas peças de
Farkas consegue antecipar couro para secagem. Ele usa um chapéu de palha e
uma totalidade de sua postura transmite a ideia de rigidez e cansaço
possibilidades visuais, que ao mesmo tempo. Por ser um homem magro, seus
décadas depois emergem por ossos estão visíveis e se destacam em relação a sua
partes, e em diferentes expressão facial que está recoberta pela posição de
trabalhos. Ele transita com seus braços. As peças de couro dão uma espécie de
fluência em várias alternativas
textura à fotografia, e, contrastam tanto com a
visuais, demonstrando em seu
olhar cultivado um especial vegetação no segundo plano quanto com o tecido
potencial criativo que soube jeans da calça que o homem está vestindo.
perceber e fotografar situações Cada espaço configura uma relação diferente do
ainda em estado latente e que indivíduo com o meio, nas imagens 1 e 2 Farkas
clamavam por visibilidade representa tais diferenças. Tanto a secagem de
(FERNANDES JR, 2006, p. couro quanto o conhecimento das plantas que
16). acumulam água em seu interior são formas de lidar
com a realidade na qual vivem. Sendo situações
Figura 1 – Detalhes da Cultura Sertaneja – Homem adversas ou não, essas representações de Farkas
bebe água
não são uma denúncia. Elas são a forma que ele
encontra de desvendar o território nordestino.
Figura 3 – Retrato de músico da região do Cariri a partir de um processo de escolha que envolve uma
trama complexa entre o fotógrafo e a realidade
cultural que representa (KOSSOY, 1999, p. 27).
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