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SACO DE PANCADAS

Droga! Droga! Droga! Eu não aguento mais! Eu queria poder


quebrar a cara de um desses idiotas! Ter que ficar me escondendo...
Fugindo o tempo todo pra não ter que aturar a zoação desse bando
de sem noção! Eu não aguento mais esses idiotas, não aguento mais
essa escola! Não aguento mais essa vida! Por que que meus pais
não me ouviram quando eu disse que não queria mudar pra essa
cidade horrível? Mas não... Eles só se preocupam com eles mesmos.
Me obrigaram a vir pra esse fim de mundo onde eu não conheço
ninguém e pra piorar eu ainda virei o saco de pancadas da escola.
Não... Não dá mais pra viver desse jeito... Eu quero voltar pra minha
casa de verdade... Quer saber? É isso mesmo que eu vou fazer... Vou
voltar pra minha casa... Ahhh... Droga!!!! Como que eu vou fazer isso
se eu não tenho um centavo? Até o dinheiro do lanche tiram de mim
quando entro nessa porcaria de escola! Dane-se, eu vou dar o meu
jeito... Aqui eu não fico mais... Não quero nem saber o que os meus
pais vão pensar... Aliás eles não tem nem que saber, tão pouco se
lixando pra mim mesmo... Ah... Eu já decidi... Eu quero mais é que
todo mundo se dane, mas aqui nessa droga de cidade eu não fico
nem mais um dia!
NÓ CEGO (NATÁLIA CORRÊA)

Eu aprendi a amarrar meus sapatos sozinha, vendo meu irmão tentar


colocar o coelho dentro da toca, e desde então tenho essa coisa
com laços. Laços de presente, de cabelo, de gravata. Laços de fita,
de veludo, de cetim – e por que não laços de chita? Meus vestidos,
quase todos, têm um laço na cintura. Minha árvore de natal, eu
enfeito com laços. Guardo caixas te todos os tamanhos, com laços
vermelhos, dourados, marfins… Um laço bem feito, com as pontas
cortadas do mesmo tamanho e o tecido virado para o lado correto
não é pra qualquer um. É preciso paciência, capricho. E talvez por
isso tenham começado a utilizar essa palavra para descrever ligações
especiais entre as pessoas: laços de sangue, de amizade, de amor.
Mas eis que quando um desses laços se rompe de forma inesperada,
a gente fica se perguntando: de que vale toda a pompa e beleza de
um laço que se desata tão facilmente? Antes fosse um nó cego.
UM SEGREDO (NATÁLIA CORRÊA)

Houve um tempo em que eu adorava jogar xadrez. Em parte porque


eu era apaixonada por um jogador quase profissional (bem minha
cara se apaixonar pelo cara mais nerd da turma em vez do atleta
popular), mas principalmente por considerar o jogo fascinante. Não
pense que estou sendo esnobe ou querendo parecer inteligente
quando digo isso. Na verdade, a parte da estratégia sempre foi um
desafio pra mim, a ponto de eu precisar praticar comigo mesma
para tentar melhorar meu desempenho – e impressionar aquele
garoto, claro. Mas o que realmente me estimulava no jogo era essa
possibilidade de me superar sempre.
A cada partida eu me saía melhor, e mesmo quando terminava uma
rodada eu continuava relembrando cada jogada dentro da minha
cabeça para entender o que eu tinha feito de errado e como eu
poderia melhorar. Confesso que às vezes era realmente exaustivo.
Mas apesar de ter superado essa fase – e aquela paixão – eu nunca
realmente deixei de tentar me superar. Por isso, todas as vezes que
eu sinto que não estou preparada para enfrentar determinada
situação, eu uso minha velha estratégia do xadrez e começo a
praticar comigo mesma.
VONTADE DE CALAR (NATÁLIA CORRÊA)

Eu sempre gostei de falar. Falo pelos cotovelos, pelos joelhos, pelos


olhos, pelos poros. Diria que falo tudo que penso, mas ainda seria
pouco. A verdade é que tem coisas que eu digo que eu nem pensei
ainda, e passo a pensar justamente porque disse.
É claro, nesta dinâmica eu já saí perdendo muitas vezes. Já disse
coisas que não devia e, consequentemente, (porque tudo que vai –
volta) ouvi outras que não queria. Tentei mudar isso. Tentei refletir
mais. Tentei até falar pra dentro em vez de falar pra fora, mas nada
deu certo. Eu precisava desta liberdade! Dar minhas opiniões mesmo
que estivessem erradas, fazer suposições mesmo que não fizessem
sentido. Eu precisava verbalizar não apenas pensamentos, mas
sentimentos e sensações, para senti-los reais.
Acontece que tudo em excesso sobra. E acho que, de tanto falar,
minhas palavras tornaram-se banais. É doloroso perceber que
ninguém mais pára pra me ouvir. É como se minha voz fosse uma
sopa de letrinhas que as pessoas simplesmente engolem, sem
mastigar. Não importa se o que eu digo é importante ou não.
Sequer percebem que entre aquele amontoado de orações
subordinadas estava o meu coração.
Ao contrário do que possa parecer, eu sou uma boa ouvinte. Gosto
de ouvir o que os outros têm a dizer, porque é assim eu conheço o
que existe dentro deles. A voz é o instrumento que a alma usa pra
cantar – as palavras são as notas -, e eu sempre me interessei por
música. A minha música, porém, parece que tocou demais. Sabe
aquele refrão que irrita por não sair da cabeça? É como eu me sinto.
E talvez pra evitar este sentimento, tenho agora vontade de calar.
Calar tudo. Todas as vozes que gritam em mim e até mesmo as
dores.
Não é uma decisão, entenda, é uma vontade. Pode passar ou não.
Mas agora – neste instante – a única forma de ouvir o que diz meu
coração é usando um estetoscópio.
MENTIRAS SINCERAS (NATÁLIA CORRÊA)

Quando eu minto, só minha boca mente. E quando eu vejo que


quase todo mundo acredita, tenho vontade de vomitar. Às pessoas
estão tão preocupadas em ouvir apenas o que elas querem, que não
percebem que olhares são bem mais sinceros que palavras. Só quem
ouve com os olhos entende aquele sim dizendo não, ou aquele
adeus dizendo “fica”. Só quem ouve com os olhos sabe quando um
“eu te odeio” significa “eu te amo”, e entende que, às vezes, as
palavras são apenas disfarces. Mesmo quando o corpo inteiro
mente, os olhos falam a verdade.
Eu minto sempre na esperança de que alguém me descubra. Minto
com a boca e desminto com os olhos, ao mesmo tempo – esse é
meu segredo. Minto apertando as mãos, mordendo o lábio,
franzindo a testa, mas nunca desvio o olhar. Eu minto e deixo pistas
pra que encontrem, nas entrelinhas das minhas mentiras, as minhas
maiores verdades.
EU NÃO SOU FOFA (AUTOR DESCONHECIDO)

Eu não sou fofa! Se você soubesse o que eu aprontei nesses (fala


idade) de vida, você iria pensar do mesmo jeito que eu. Sabe uma
criança peste, peste mesmo? Então, sou eu! Sabe o que eu fiz só
ontem? Eu pintei os pelos do gato com o esmalte da minha irmã.
Coloquei cola no shampoo do meu pai. Coloquei uma minhoca no
prato de macarrão da minha tia.
Sabe o que eles dizem? “Ai, que fofa!” Ai que fofa? Eu?
Todas as crianças da minha idade tem medo de mim, algumas, até
mais velhas do que eu, quando me vêem na rua, atravessam para o
outro lado. Ás vezes, só para assustar, eu corro bem alto na direção
delas e dou um grito!
Já com os meus professores, eu cansei de aprontar por lá, o máximo
que aconteceu foi eles apertarem a minha bochecha. “Ai que fofinha,
tão levada e bonitinha”.
Filhinho é fofo, pantufa é fofa, a barriga do meu pai é fofa, eu não!
Qual é o problema dos adultos? A única pessoa que eu não apronto
nada, é a minha mãe. Mãe é mãe, e com ela pelo menos eu preciso
ser fofa né?
IRMÃO

Se tem uma coisa que eu não suporto nesse mundo, são os


meninos. Você acredita que meu irmão e os amigos dele entraram
no meu quarto e pegaram meu tênis importado que minha
madrinha trouxe de Nova Iorque, pra fazer baliza num campo de
futebol improvisado no meio da sala da minha casa? Eu não
entendo como eles podem ser tão infantis. Além de porcos e mal
educados. Mas eu sei que ele vai crescer... E enquanto essa fase não
passa, eu vou levando meu irmão na base dos cascudos mesmo...
Pelo menos enquanto ele é menor que eu né...
CERTEZA

Já parou pra pensar que se tudo fosse diferente, como você sempre
diz querer, você não seria quem é hoje? E mesmo assim continuaria
querendo que tudo fosse diferente?
Confuso, não é?
É neste ponto que eu quero chegar.
Tudo é muito relativo, a verdade, a vida, a música, os pensamentos.
E, se pararmos para pensar desse modo que foi descrito acima nos
tornaremos loucos.
Mas, vamos continuar nessa linha de delírios…
Se pararmos para pensar assim, a única certeza que teremos é a de
não temos certeza de nada (O que seria extremamente
contraditório). Mas, se podemos ter certeza que não temos certeza
de nada, porque não podemos ter certeza de pequenas coisas?
Eu tenho minhas pequenas certezas, pois nunca parei pra pensar em
tudo, e acho que ninguém nem conseguiria. E, embora ninguém
tenha pedido, eu direi uma delas.
Assim como pensar, o amor é algo muito confuso. Mas é vital assim
como os batimentos de nosso coração ou a respiração.
O que seria do ser humano sem amor? Talvez uma pedra ou
qualquer outra coisa inanimada, eu acho.
Na vida duas coisas são tão certas quanto respirar: o amor e a
morte. Pois para ambos cabe a mesma frase: “Para amar ou morrer,
basta estar vivo.”

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