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Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3

Cadernos PDE

I
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE
NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO - SEED
SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO - SUED
DIRETORIA DE POLÍTICAS E PROGRAMAS EDUCACIONAIS - DPPE
PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL - PDE
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA - UEL

JOELMA DE SENE VIEIRA

Mia Couto na sala de aula: Leitura de O Fio das Missangas

Londrina – 2015
JOELMA DE SENE VIEIRA

Mia Couto na sala de aula: Leitura de O Fio das Missangas

Artigo apresentado à Universidade Estadual de


Londrina (UEL) e à Secretaria de Estado da
Educação do Paraná (SEED-PR) para o
Programa de Formação Continuada intitulado
Programa de Desenvolvimento Educacional
(PDE), sob a orientação da Professora Drª
Maria Carolina de Godoy

Londrina – 2015
RESUMO

A elaboração desse artigo registra elementos contidos num Projeto de Intervenção


na Escola onde está proposto trabalhar com os alunos em aulas de Língua
Portuguesa os saberes que constituem a herança deixada por mulheres e homens
negros que, como escravos, aportaram no Brasil. Para disseminar parte desse
conhecimento foi elaborado um projeto específico de implementação pedagógica,
que integra o Programa de Desenvolvimento Educacional - PDE da Secretaria de
Educação do Paraná, em parceria com a Universidade Estadual de Londrina - UEL
intitulado Mia Couto na sala de aula: Leitura de O Fio das Missangas. No
conteúdo desse artigo se destacam observações sobre a ausência de elementos
significativos da cultura africana nos sistemas educacionais brasileiros. No objetivo
geral, explora-se o conhecimento de Mia Couto, um escritor estrangeiro que
considera o português do Brasil uma língua viva que tem sido apropriada por cinco
países africanos, com formatos diferentes, mas similares ao português do nosso
país. Nos objetivos específicos se busca a promoção da literatura africana nas aulas
de Língua Portuguesa tendo como suporte a leitura e interpretação dos contos de
Mia Couto e a preparação com os alunos de espaços destinados à reflexão,
discussão e interação entre o professor e seus alunos. Complementam-se tais
processos pedagógicos com filmes, documentários que abordem o tema escolhido
de forma adequada. Nesse artigo serão abordados os referenciais contidos na
legislação específica e as citações de especialistas sobre o tema escolhido.
Mediante uma pesquisa bibliográfica se destacam os conhecimentos
disponibilizados em textos legais e definidos para a construção de novos saberes, a
partir das tradições culturais inspiradas em matrizes africanas. Os elementos que
compõem a fundamentação teórica desse estudo se identificam com uma pesquisa
bibliográfica qualitativa considerando que se incluem itens e informações sobre
alguns países africanos, sua independência recente e onde ainda sofrem por
exclusão social, fome, pobreza e violência. Também estão registradas informações
sobre o escritor Mia Couto e suas considerações sobre o tema em tela. Nas
considerações gerais apresentam-se pontos positivos e negativos identificados nos
enunciados desse artigo acadêmico.

Palavras-Chave: Mia Couto, Leitura, Língua Portuguesa, Cultura Africana

INTRODUÇÃO

Na atualidade, em ambientes escolares e nas aulas da Língua Portuguesa é


possível ter ciência de um conhecimento linguístico construído por determinadas
nações africanas que foram escravizadas e, ao mesmo tempo, considera-se
importante desconstruir os preconceitos históricos que até hoje afloram, muitas
vezes, na sociedade nacional multifacetada em que se vive. Esses novos saberes
embasam a construção de um conhecimento identificado com a necessidade de se
buscar a eliminação, na escola, de uma visão permeada de racismo e falta de
respeito aos povos africanos que foram participantes ativos no trabalho de
construção da nação brasileira. Na exploração da capacidade educacional em
questionar e refletir sobre como promover o combate ao racismo pretende-se que os
professores participem pedagogicamente do esforço e interesse dos alunos em
entenderem e se integrarem na luta contra manifestações gratuitas de racismo e,
assim, construírem novos conhecimentos onde a liberdade, aceitação e o respeito
individual, em nosso país, se tornem elementos efetivos para promover a integração
e convivência de todos os brasileiros.
Por muito tempo, houve ausência de registros e desconhecimento dos
brasileiros sobre a história de muitos seres humanos que nasceram em liberdade e
se tornaram escravos dos grandes senhores de engenho, das fazendas e das
famílias abastadas. Esses indivíduos e suas histórias foram deixados de lado por
décadas e mais décadas. O desconhecimento dessas histórias tem permitido a
manutenção de uma prática racista que ainda perdura na sociedade brasileira em
geral, apesar de existirem leis atuais que propagam a proteção e integração de
todos os brasileiros independentes de sua origem, cor , raça , sexo, idade, etc.
Nesse texto, enfoca-se também a oportunidade dos alunos de escolas brasileiras em
poder aprofundar o conhecimento da história de outros povos para desconstruir os
preconceitos herdados dos antigos senhores, que podem estar ainda presentes na
concepção de muitos indivíduos brasileiros.
Falar da escolha de Mia Couto, o motivo dessa escolha, as principais teorias
para o estudo, a escola onde foi desenvolvido o trabalho.
O processo de organização dos conteúdos programáticos para aplicação da
ação pedagógica nas salas de leitura se concretizou pela proposta e escolha do livro
de autoria de Mia Couto denominado O fio de Missangas.
Na proposta pedagógica das aulas de leitura se julga oportuno destacar uma
citação de Nelson Mandela que, de certa forma fundamenta o processo de
elaboração desse artigo.

Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem
ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se
podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar. (MANDELA, 1995
apud ÂNGELO, 2012, p.5)
Nelson Mandela, durante anos foi feito prisioneiro pela sua constante luta a
favor da liberdade do seu país. A citação acima traz para todos a certeza de que
odiar ou não gostar das pessoas se são pobres, carentes ou deficientes, se sua cor
é diferente da cor branca, ou pela sua religião não há sentido em um mundo em que
a diversidade humana é um fato permanente. Odiar na realidade é uma palavra
cheia de desespero e muita dor. È necessário que o mundo entenda que é muito
mais fácil, desde a infância aprender a amar a todos aqueles que fazem parte da
nossa vida, desde nossa família, amigos, colegas de escola, de trabalho além das
pessoas que conhecemos. Ensinar a amar faz parte de vida de todos nós desde
criança.

1 ENSINO DA LINGUA PORTUGUESA DOS PAÍSES AFRICANOS NO BRASIL

Em agosto de 2010, conforme o Projeto José Aparecido de Oliveira, que


juntamente com Portugal definiu a criação da Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa, menção em biografia no livro O melhor mineiro do mundo diversos
professores brasileiros participaram de um seminário realizado no Centro Cultural
Brasil-Cabo Verde, realizado na cidade de Praia em Cabo Verde na África do Sul.
(GARCEZ, 15/11/2015)
A convivência com a realidade e a literatura e poesias dos países africanos
que vivem e falam a Língua Portuguesa vem progredindo no Brasil com a finalidade
de ampliar espaços para o intercâmbio de conhecimento, e possibilitando que
professores de português possam construir com seus alunos outros saberes que
podem, sem dúvida, enfocar os países africanos, sua cultura e linguagem.
(SANTIAGO, 2012, p. 01)
Mantido pelos Ministérios de Ciência, Tecnologia e Inovação da Educação e
das Relações Exteriores do Brasil, o Programa Linguagem das Letras e dos
Números (PLLN) busca promover formação continuada de professores africanos e já
trouxe para o Brasil 426 professores, sendo 300 de Cabo Verde, 114 da Guiné-
Bissau e 12 dos outros países de língua oficial portuguesa: Angola (4), Moçambique
(4) e São Tomé e Príncipe (4). Ofereceu também em Cabo Verde cursos
complementares para cerca de 90 professores de Língua Portuguesa, dentre os
quais dois de Angola e um de Guiné-Bissau. Somando o total das atividades
desenvolvidas fora do Brasil esse Programa já tornou viável atendimento para mais
de 500 professores da educação básica dos países citados. (GARCEZ, 15/11/2015)
O Programa de Linguagem das Letras e dos Números (PLLN) foi criado e
planejado por Hélio Guedes de Campos Barros, assessor especial para os
Ministérios de Ciência, Tecnologia e Informação e organiza cursos de formação
presencial com carga horária de quase 200 h/a cada um. Os cursos são realizados
sempre em Fortaleza/CE, a partir da segunda quinzena de julho e primeira quinzena
de agosto, desde 2008. (GARCEZ, 15/11/2015)
Na elaboração da proposta de estudo foi indispensável obter informações
básicas sobre os países africanos. Para isso foi utilizado o acesso ao seguinte
endereço eletrônico htt:www.infopedia.pt/Spaises-africanos-de-lingua-oficial
portuguesa. As informações obtidas situam o contexto histórico desses países que
se tornaram independentes no período de 1974–1975. Nesse período foi o fim do
Estado Novo e das guerras contra o domínio da Lisboa, especialmente em Angola,
Moçambique e Guiné–Bissau. Nesses países a exclusão social, a fome, a pobreza e
a violência estão rondando as famílias, idosos, adultos, jovens e crianças.
Numa retrospectiva da literatura e de aspectos históricos de Moçambique se
torna possível considerar que essas duas áreas de conhecimento interagem em
diversos formatos que refletem peculiaridades de escolhas de um povo sobre
registro de temas literários e dados históricos que representam a realidade de uma
nação emergente que vive, estuda, canta, representa e cultua seus historiadores,
poetas, escritores e o seu país. Para dimensionar um resumo adequado sobre
moçambicanos e suas obras literárias registraram-se informações sobre os Países
Africanos de Língua Portuguesa.
O escritor Mia Couto escreve sobre a importância em se conhecer a poesia
universal na seguinte citação:

Mas eu trato o facto verídico como se ele pudesse também ser ficcional (...)
Uma das mais belas funções da escrita é o convite a transgredir fronteiras.
Algo se torna verdadeiro apenas porque o dizemos com saber poético. (MIA
COUTO apud CORREIA, 2009, p.13.)

Nesse texto, Correia (2009) registra o pensamento do autor que ao escrever


sobre um fato real empresta à sua escrita um toque de poesia, por entender que,
cabe a quem escreve alguma coisa tornar as suas palavras um fato verdadeiro.
Outros autores e suas obras possibilitaram ampliar o conhecimento sobre o povo
moçambicano em relação ao que seus autores escreveram e escrevem.
Muitos autores elaboraram a literatura de Moçambique dentro dos limites
impostos por dirigentes estrangeiros que proibiam o avanço do conhecimento
literário.
Mia Couto apud Ribeiro e Menezes (2008, p. 32), a respeito da literatura em
Moçambique afirma que:

[...] nascia em Moçambique uma corrente de intelectuais ocupados em


procurar a moçambicanidade. Já era então, clara a ruptura com Portugal e
os modelos europeus. Escritores como Rui Noronha, Noémia de Souza,
Orlando Mendes, Rui Nogar, ensaiavam uma escrita que fosse mais ligada
à terra e a gente moçambicana. (COUTO, 2005, p. 104)

Em 1951 foi organizada e publicada a Poesia em Moçambique, antologia


preparada por Orlando Albuquerque e Vitor Evaristo. Ao final da Segunda Guerra
Mundial os horizontes se tornaram abertos e claros e ideias e novos escritos
surgiram. Estudantes jovens foram estudar em Portugal o que era raro, mas deu
abertura para novas ideologias. Orlando Albuquerque que fundou o “Grupo dos
Moçambicanos de Coimbra abriu caminhos para a verdadeira literatura
moçambicana pelo seu posicionamento em propor a valorização e conscientização
da terra africana, seu elemento social e humano. Em 1935 se pode destacar o
movimento literário em Portugal – Neorrealismo e o que era proibido nos países
africanos trilhou novos desafios onde, entre muitos, se destacam Anunciação
Prudente e Irene Gil, nos novos caminhos para os intelectuais de Moçambique.
Também neste ano é fundado o Núcleo de Arte do Círculo de Amadores de Letras e
do Centro Cultural dos Novos e em conferências e recitais de poesias com poetas
como Anunciação Prudente, Irene Gil e muitos outros. Dinis Abano Carneiro
Gonçalves usava pseudônimos de Sebastião Alba, Lourenço de Carvalho, Eduardo
Pitta, Jorge Viegas e mais alguns nomes que edificando a escrita de seu país
descobriram uma literatura rica em conteúdo e beleza. (OLIVEIRA, 2012, p. 50)
Alguns autores podem ser citados pela sua obra corajosa como Caetano
Campos que se destacou com a obra Nayaka (1942). Ele arriscou escrevendo uma
poesia negrista como sendo um observador dos problemas da época.
Pode-se constatar que a imprensa colaborou muito para a história da
literatura de Moçambique por ter sido um espaço aberto para desenvolver estilos e
exercitar a linguagem. Foi partindo da ação da imprensa que ficaram conhecidos os
escritores moçambicanos. A literatura atual registrada nas estórias desse país se
constata a interdependência entre a história e a literatura e a sua conexão no que se
escreve com a condição histórica dos temas abordados e da própria ocorrência dos
fatos. (OLIVEIRA, 2012, p. 48)

As literaturas de Angola e Moçambique carregam desde o período colonial


os tons da realidade desses países, as esperanças de seus povos, as
angústias advindas dos conflitos de colonizador contra colonizado, de negro
contra negro, buscam retratar a vida das tribos, as raízes de suas culturas
ancestrais. Buscam mais ainda: retratar o novo rosto de seus povos. Rosto
este construído em entrelaçamentos de negros contra negros, negros contra
indianos, negros do norte da África com negros da África do sul. e de todos
esses entre si. Tais literaturas procuram ainda, como uma espécie de
compromisso ou missão, espelhar o político, sem escamoteá–lo, trabalhar o
estético, sem separá-lo das questões mundanas. (MIRANDA, 2009, p. 55)

Na literatura dos diversos autores moçambicanos se pode constatar, como


comentário interpretativo, que a função estética está impregnada de uma função
social que na realidade, é uma forma de denunciar problemas sociais e políticos do
país sem apresentar culpas evidentes. Assim, para os escritores e poetas de
Moçambique, a literatura foi um instrumento fundamental na educação do povo,
mesmo utilizando a crítica e a utopia que marcou a literatura do tempo das lutas
anticoloniais que só terá um resultado efetivo quando todos os países africanos se
tornarem plenamente livres, e neles esteja incluído Moçambique. (MIRANDA, 2009,
p. 58)

2 MIA COUTO – A SALA DE AULA E A LEITURA DE O FIO DE MISSANGAS

O texto do livro Raiz de Orvalho (poemas), primeira obra do autor foi lançado
em 1983 e logo após outros textos foram publicados. Vozes Adormecidas (1986) e
Cada homem é uma Raça (1990) foram as obras seguintes desse autor e outras
mais. Esse autor se destaca nas letras moçambicanas pela qualidade as sua prosa.
Ele tem uma linguagem própria e com isso atravessa as regras estabelecidas.
Escreve o mágico e o surrealismo e usa o humor com uma ironia. Usa termos que
rodeiam a condição humana dos fracos e desfavorecidos e as memórias de causos
contados pelas pessoas idosas. Tem como registro de suas marcas o provérbio,
trocadilhos, amalgamas linguísticas e os neologismos.
Fazendo parte dos novos escritores moçambicanos como Pedro Chissana,
Helder Muteia e outros, Mia Couto expressa naquilo que escreve um compromisso
permanente com a qualidade da literatura, como se pode depreender dos seus
textos. O lugar desse autor se destaca nas letras moçambicanas pela qualidade de
sua prosa. Ele tem uma linguagem própria e com isso atravessa as regras
estabelecidas. Escreve o mágico e o surrealismo e usa o humor com uma ironia.
Usa termos que rodeiam a condição humana dos fracos e desfavorecidos e as
memórias de causos contados pelas pessoas idosas. Tem como registro de suas
marcas o provérbio, trocadilhos, amalgamas linguísticas e os neologismos.

A literatura é o território sagrado onde se inventa um chão e nos sentamos


com os deuses. O lugar onde, também nós, somos deuses. No momento
dessa relação, estamos fundando um tempo fora do tempo. E nos religamos
com o universo. É isso que torna num momento divino esse pequeno delírio
que é o ato de inventar (COUTO, 2001 apud CAVACAS, 2006, p. 57).

Mia Couto expressa os seus sentimentos quando está escrevendo e flutua


num espaço imaginário onde se liga com o universo. É para ele um momento
especial em que inventa seus escritos e modela a sua obra literária. Dessa forma em
seus escritos ele traz e procura entender os episódios onde a dor está presente nos
capítulos da vida, mas também situa a esperança como uma possibilidade de vencer
o sofrimento.
Natural de Beira, lusodescendente, nascido em 1955, António Emílio Leite
Couto (Mia Couto) é biólogo especializado em Ecologia, tendo sido também aluno
da Faculdade de Medicina de Maputo entre 1971 e 1974 e ex-colaborador da
FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique). Como jornalista, Mia Couto dirigiu
a "Agência de Informação de Moçambique" (1976 a 1979), a revista "Tempo" (1979
a 1981) e o jornal "Notícias" (1981 a 1985). (ALMEIDA, 2013, p. 24)
Uma persona marcante de uma nova geração de escritores africanos
escreve em português. É um autor contemporâneo que descreve vida e descortina
problemas e a vida cotidiana. É como um ser mágico da língua que recria, renova,
cria, apropria a língua portuguesa em diferentes direções. Nos seus textos o leitor
percebe os cheiros, sabores e os modos de viver dos africanos. As palavras falam
das tradições, das histórias e dos modos de ser do povo moçambicano. Ele traz em
suas histórias de pessoas fragmentadas pelas guerras, pelo colonialismo e retratam
um país que está mudando, mas preserva ainda o temor e guarda os valores
tradicionais. (FONSECA, 2008)
Mia Couto produz uma escrita expandida que consegue abraçar as falas de
outros espaços marginalizados do mundo. (FONSECA, 2008)

2.1 A LEITURA DO TEXTO O FIO DE MISSANGAS

Em sala de aula foi feita a leitura do conteúdo dos diversos contos


registrados no livro. Após se discutiu o entendimento e a qualidade dos contos lidos
pelos alunos. Dessa leitura foi possível conferir aspectos interessantes como o
entendimento, a atenção e o significado do que o autor desejou transmitir para os
seus leitores. A seguir segue um breve resumo do texto sobre aspectos que
marcaram o entendimento dos alunos pela sua leitura.

2.1.1 LIVRO: O FIO DAS MISSANGAS

O autor registra em seu livro a missanga, todos a vêem. Ninguém nota o fio
que, em um colar vistoso, vai compondo as missangas. “Também assim é a voz do
poeta: um fio de silêncio costurando o tempo." “A vida é um colar. Eu dou o fio, as
mulheres dão as missangas. São sempre tantas as missangas”.
O personagem do conto define com essa metáfora o fato de existir. As 29
histórias agrupadas no livro tem uma poesia que de certa maneira abrange todo o
livro, ou seja, os contos estão presos ao colar que prende as missangas. O texto é
intenso e registrado como uma ficção e ter uma apresentação e condensada o que
vem se tornando raro na literatura atual. Mia Couto usa o lirismo como um renomado
mestre ou um ourives que trabalha a linguagem que usa. Sua escrita é bastante
simples e baseada na fala do homem de sua terra, Moçambique. Se entende que ele
se expressa conforme o formato similar ao de Guimarães Rosa a quem admira. As
tramas são breves e estão focadas na épica contemplação de situações, de
personagens, ou simples estados de espírito plenos dos significados de cada uma
delas conforme se usa na poesia., procedimento típico da poesia. Os neologismos
do autor são chaves fundamentais para se interpretar a leitura.
A maioria dos contos do livro O Fio das Missangas refletem de forma
sensível o universo feminino, dando voz e importância a almas que parecem não
existir e estão esquecidas. Como objetos que perdem o seu uso as mulheres são
vistas como uma saia velha, um cesto de comida, ou então a um fio de missangas.
"Agora, estou sentada olhando a saia rodada, a saia amarfanhosa, almarrotada. E
parece que me sento sobre a minha própria vida” diz uma personagem que narra
uma belíssima missanga literária.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse artigo apresenta duas faces importantes sendo a primeira que se


apresenta como uma mensagem aos professores de Língua Portuguesa sobre a
importância em intercalar em suas aulas a discussão sobre os preconceitos que
ainda emergem em nosso país, seja por cor da pele, pela diversidade, pela pobreza
e outros preconceitos que envergonham as pessoas, causam bullyng e muitas vezes
prejudicam as pessoas. A segunda face é a importância e beleza da literatura de Mia
Couto que consegue transmitir beleza, alegria e faz com que as pessoas se sintam
em paz com a vida onde a alegria e a consciência de que como um fio condutor
cada ser humano carrega suas missangas, e com elas, torna sua vida melhor, mais
produtiva, e especialmente, mais feliz. Foi um texto impregnado da certeza de que
os moçambicanos tem um contador de histórias que cultua uma forma bela de se
expressar, mas que respeita a força do povo de quem ele é o arauto de saberes
locais a serem construídos e cultuados por toda a humanidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Patrícia Caldeira de. Literatura africana de expressão em língua


portuguesa: a língua portuguesa de Mia Couto em “O último voo do flamingo” como
instrumento de construção da identidade cultural moçambicana e pontos de
intersecção com João Guimarães Rosa em "Grande sertão: Veredas". Trabalho de
Iniciação Científica de Licenciatura em Letras apresentado à Universidade Paulista -
UNIP. 2013.

ÂNGELO, JOSCÍRES DE OLIVEIRA. Estudo sobre as relações étnico-raciais


existentes na formação da sociedade xapuriense a partir da década de 1940.
Monografia apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação para a
Diversidade da Universidade Federal de Ouro Preto, Xapuri – Acre, 2012.

CAVACAS, F. Mia Couto: a palavra oral de sabor quotidiano / palavra escrita de


saber literário. In: CHAVES, R.; MACEDO, T. (Org.). Marcas da diferença: as
literaturas africanas de língua portuguesa. São Paulo: Alameda, 2006.
CORREIA, Maria Teresa Nobre. A Personagem Feminina na Obra Contística de
Mia Couto. Universidade da Beira Interior, Faculdade de Artes e Letras,
Departamento de Letras. Covilhã, Junho de 2009.

COUTO, Mia, entrevista ao Jornal O Globo, 08-06-2008 (ed. on-line)

COUTO, Mia. Pensatempos. Textos de opinião. Maputo: Editorial Ndjira, 2005.

GARCEZ, Pedro. Iniciativa brasileira traz centenas de professores da educação


pública de Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa para formação
continuada no Ceará /ALAB. Disponível em http://www.alab.org.br Acesso 15 de
nov de 2015, 18hs30min.

MIRANDA, M. G. de. Literaturas angolana e moçambicana: espelho da


resistência e da disposição de construir um novo tempo. Revista Augustus, Rio
de Janeiro, v. 14, n. 27, p. 50- 57, fev. 2009. Disponível http://apl.unisuam.edu.br/
Acesso em: 10 de nov. de 2015, 20hs20min..

OLIVEIRA, Aluísio Barros de. África(s), moçambicanidade, Mia Couto: uma


varanda para o índico. Dissertação apresentado ao Programa de Pós-Graduação
em estudos da Linguagem da UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, Natal, 2012.

RIBEIRO, Margarida Calafate e MENESES, Maria Paula (orgs). Moçambique das


Palavras Escritas. Edições Afrontamento, 2008.

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