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Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4

Cadernos PDE

VOLUME I
O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS
DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009
SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO
SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL

ROSIMEIRE ROSSETO PEDROCHE

LENDAS E CONTOS AFRICANOS: DAS HISTÓRIAS À CULTURA DO NOSSO


POVO

Artigo Final apresentado ao Programa de


Desenvolvimento Educacional -2009/2010 da
Secretaria De Estado da Educação do Paraná.

Orientador: Prof. Me. Carlos da Silva

UMUARAMA
2011
2
LENDAS E CONTOS AFRICANOS: das histórias à cultura do nosso povo

1
Autor: Rosimeire Rosseto Pedroche
Orientador: Carlos da Silva2

Resumo

Esse artigo tem como propósito promover um estudo sobre leitura de contos e
lendas africanas, partindo-se do pressuposto de que há necessidade de a Escola
refletir sobre algumas questões de natureza étnico-raciais, especialmente às
relacionadas aos negros, com a manifestação de seu universo cultural e a presença
dessa etnia na sociedade brasileira. Pretende-se possibilitar a conscientização dos
alunos de 8ª série na Escola Estadual São Silvestre – Ensino Fundamental, para
temáticas africanas, com a leitura de textos diversificados, a partir dos quais possam
compreender as diferentes visões de mundo presentes neles, estabelecendo as
relações entre obras de diferentes épocas que influenciaram a cultura do povo
brasileiro. Com a leitura destes textos, busca-se despertar os alunos para algumas
questões relacionadas com as situações culturais do universo africano que, de
alguma forma, contribui para a formação da cultura nacional, para a busca da
identidade cultural brasileira, além de incentivar o gosto pela leitura
descompromissada que estes textos podem oferecer, mas propiciando o
envolvimento da subjetividade expressada na tríade obra–autor-leitor, por meio de
um processo de interação que se presentifica no ato de ler.

Palavras-chave: Questões etnicorraciais; gêneros textuais; universo africano;


Cultura afro-brasileira; identidade cultural.

1 Introdução

1 Professora/PDE da Rede Pública do Estado do Paraná. Pós-graduação em Língua


Portuguesa em metodologia e técnica de produção de texto pela UNIPAR; docente da Escola
Estadual São Silvestre-Ensino Fundamental.
2 Professor/Orientador: Pós-graduação em Teoria da Literatura e Literatura Comparada;
docente da Faculdade Estadual de Educação, Ciências e Letras de Paranavaí.
3
O propósito de se fazer um estudo sobre leitura surgiu partindo-se da
constatação de que ao longo da vida educandos e educadores enfrentam diferentes
situações sociais que exigem diversas formas de comunicação oral e escrita. Há
situações que requerem um discurso mais elaborado e, para tanto, é preciso
propiciar momentos que ampliem a aprendizagem de diferentes discursos. Com
base nestes pressupostos e ainda, com a finalidade de contemplar as Leis Nº
10.639/2003 e Nº 11.645/2008, que dizem respeito à obrigatoriedade de se trabalhar
relações etnicorraciais na escola é que este projeto pretende trazer lendas e contos
oriundos de povos de origem africana e afro-brasileiros. E, para que além desses
aspectos, seja dada a devida importância de se resgatar elementos da cultura
africana, que de certa forma, auxiliaram na construção do imaginário brasileiro,
provenientes de povos que, apesar da contribuição cultural e étnica, continuam
relegados a um plano inferior na escala de valores sociais.
Tendo em vista a necessidade da implementação das referidas leis e
sabendo-se da pouca disponibilidade de fontes substanciais para pesquisa, é que se
justifica a necessidade de um trabalho com o intuito de possibilitar a conscientização
dos alunos para temáticas africanas, especialmente as relacionadas aos negros,
com a manifestação de seu universo cultural e a presença dessa etnia na sociedade
brasileira, com a leitura de textos diversificados, a partir dos quais os alunos possam
compreender as diferentes visões de mundo presentes neles, estabelecendo as
relações entre obras de diferentes épocas que influenciaram a cultura do povo
brasileiro.
Com o trabalho de leitura e interpretação dos textos, pretende-se despertar
nos alunos algumas questões relacionadas com as situações culturais do universo
africano que, de alguma forma, contribui para a busca da identidade cultural
brasileira, além de incentivar o gosto pela leitura e pela análise de textos
diversificados sobre a cultura, crenças, mitos, contos e lendas e, sobretudo,
propiciando o envolvimento no processo de ler, como complemento da formação do
aluno-leitor.
Considerando-se em análise, que a leitura é um modo de exercitar a atenção,
a memória e o pensamento, requisitos necessários para a efetiva aprendizagem e
para que haja uma verdadeira efetivação do ato de ler, há que se levar em conta os
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fatores linguísticos e não-linguísticos: o texto é uma potencialidade significativa,
mas necessita da mobilização do universo de conhecimento do outro – o leitor –
para ser atualizado. Faz-se necessário, para isso, o trabalho com diferentes gêneros
textuais, particularidades e intervenções, para que os alunos tornem-se efetivamente
leitores e entendedores dos códigos que estão decifrando.
A concepção de base deste trabalho é a de que a pessoa que lê, expressa-se
melhor e, consequentemente, interpreta com maior facilidade e criticidade. Formar
leitores conscientes é formar as bases para que as pessoas continuem a aprender
durante a vida toda. Desta maneira, fica claro que a leitura deve ser uma atividade
prioritária, como forma de o sujeito intervir no mundo e posicionar-se nele de
maneira construtiva, além do que será a oportunidade que o ambiente escolar terá
para conhecer a existência de textos sobre uma pequena parte da cultura africana.

1.1 Os desafios do ato de ler

Sabendo-se que a leitura deve compreender o contato do aluno com uma


ampla variedade de textos produzidos em diversas práticas sociais, e que os alunos
em geral não têm interesse para leitura e interpretação, com constatadas
dificuldades de compreensão, devem então os educadores propiciar o
desenvolvimento de uma atitude crítica que leve o educando a perceber-se sujeito
presente nos textos e, dessa forma, reconhecer a situação-problema presente neles.
Segundo SILVA (2005, p.22), “o espaço da leitura apresenta problemas e
contradições que precisam ser superados para que os leitores possam ter uma
educação melhor”. Partindo deste pressuposto, e analisando a atual situação das
escolas como um todo, em relação à leitura e escrita, pode-se concluir que a maioria
dos alunos não se sente motivada para a leitura, não tem interesse em ler pelo
prazer ou pelo gosto, e esses alunos raramente utilizam-se dos acervos disponíveis
nas bibliotecas escolares.
O grande desafio do professor de Língua Portuguesa hoje, é despertar o
prazer e o gosto pela leitura, deixando-a fazer parte do cotidiano de seus alunos.
5
Diante dessa realidade, surgem alguns questionamentos: como motivar alunos do
Ensino Básico a desenvolver a prática da leitura? O que fazer para incentivar a
elaboração de textos a serem produzidos por eles? O que fazer para que
reconheçam os diversos gêneros textuais? Que práticas de oralidade deverão ser
desenvolvidas? Através de que práticas o professor de Língua Portuguesa pode
desenvolver nos alunos o senso crítico no ato da leitura? Quais métodos serão
apropriados para incentivar o aluno a dramatizar um texto e narrar um fato com
desenvoltura e naturalidade, a partir do processo de compreensão de leitura? Ou
ainda, como resgatar a contribuição de povos africanos que construíram a cultura
brasileira, respeitando-a de acordo com seus valores e suas crenças?
Responder a essas questões implica o enfrentamento da realidade existente
nas escolas brasileiras de um modo geral, partindo do princípio do despreparo dos
educandos para o ato de ler. Além disso, torna-se necessário atentar para o resgate
de textos provenientes de outro universo cultural que não o brasileiro,
especificamente os africanos, por questões de natureza diversificada: a formação de
uma sociedade em cuja base encontram-se elementos africanos, a transplantação
de uma cultura que aos poucos foi se modificando ao gosto dos brasileiros. SOUZA
(2006, p.7) falando sobre a importância de se trabalhar a cultura africana, deixa claro
que:

Abordar conteúdos que trazem para a sala de aula a história da África e do


Brasil africano é fazer cumprir nossos grandes objetivos como educadores:
levar à reflexão sobre a discriminação racial, valorizar a diversidade étnica,
gerar debate, estimular valores e comportamento de respeito, solidariedade
e tolerância. E é também a oportunidade de levantar a bandeira de
combate ao racismo e às discriminações que atingem em particular a
população negra, afro-brasileira ou afrodescendente. Discutir esse tema
junto de nossos alunos é o primeiro passo na trilha da reconstrução de uma
face de nosso passado que ainda precisa ser entendida.

A partir destes questionamentos, propõe-se uma nova abordagem da leitura


e de seus vários níveis de aprendizagem, trazendo para o texto a proposta de
interpretar as questões marcadas pelos autores da referida temática, suas
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identidades, seus pressupostos, suas condições de produções históricas,
ideológicas e sociais.
Ciente de que é através do professor que a escola deve mostrar a
responsabilidade de recriar o conhecimento pré-existente, nas mais variadas áreas e
temáticas, percebe-se que ela encontra-se num estado crítico de crise de identidade,
não sabendo exatamente qual a sua função na comunidade, tantos são os
problemas que se apresentam para ela solucionar.
Nesse ciclo de criação e recriação, a leitura ocupa um grande destaque,
porque confunde-se com a própria caracterização dos atos de educar e de ler, e
ainda possibilita o conhecimento de um mundo diferente daquele proposto pelas
mídias eletrônicas que, nesta fase da formação cultural, são dominantes no mundo
dos adolescentes.
O Projeto de Intervenção Pedagógica, de que se ocupou este artigo,
procurou associar o processo de leitura nos alunos de 8ª série da Educação Básica
aos textos previamente escolhidos dentre aqueles da literatura africana de Língua
Portuguesa que estivessem apropriados à capacidade de recepção desses alunos.
Dessa forma, alguns resultados podem ser antecipados, se considerar-se o gosto
pela leitura dos textos de outra literatura, o universo de sentido presente nesses
textos e a capacidade de reflexão aguçada por situações próprias de uma cultura em
que os conceitos sobre a existência e as coisas diferem muito do universo cultural
brasileiro.

2 Desenvolvimento

Tão certo quanto ler é uma viagem através dos diferentes mundos, é
também combinar textos em experiências vividas pelo leitor, dentro e fora dos livros.
Sendo assim, é um trabalho que demanda dedicação, pesquisa, conhecimento e
predisposição.
Para MENEGASSI, (2005, p.77) “faz-se necessário o trabalho com as
estratégias de leitura em sala de aula aos alunos do Ensino Fundamental. Com esse
7
ensino, o aluno aprende a desenvolver sua leitura com mais facilidade e de
maneira mais adequada”
Não basta que o aluno saiba decodificar as palavras. É preciso que saiba
atribuir ao texto um significado ao qual tenha chegado partindo de uma leitura onde
possa levantar hipóteses sobre a significação dos implícitos que porventura
reconheça.
KLEIMAN (1989, p.56) afirma que “um leitor experiente não decodifica; ele
percebe as palavras globalmente e advinha muitas outras, guiado por seu
conhecimento prévio e por suas hipóteses de leitura”. Mas, como adquirir este
conhecimento?
Para que tal processo ocorra, a língua e a leitura, precisam ser trabalhadas
na escola, criando situações em que o falar e o ler tenham uma finalidade
específica, de modo que não se perca seu caráter social e não se torne assim um
aspecto mecânico no ensino de Língua Portuguesa. Esta leitura eficiente deve
atingir objetivos determinados, tais como: ser capaz de relacionar textos entre si e
com a experiência de leitura anteriormente adquirida, conseguir que o aluno
compreenda que não existe nenhum texto isolado do mundo real, fazer com que sua
visão de mundo se interponha entre o texto e ele para que seja capaz de interagir
com o escritor no processo de leitura.
É importante, então, que o ensino de leitura, ao menos em princípio, crie
vínculos com a realidade pessoal dos alunos, atraindo-os para o que já conhecem,
transmitindo-lhes a sensação de estarem lendo algo que faz parte de suas vidas, ou
mesmo que não tenha vínculo imediato com elas, possa contribuir para despertar o
interesse em conhecer esse universo novo advindo do processo de leitura.
Cabe, portanto, aos professores propiciar um encontro adequado entre os
alunos e os textos, para que quando necessitarem, estes possam valer-se da escrita
com adequação, tranquilidade e autonomia, estando assim preparados para os
diversos textos literários que todo professor de Português gostaria que fossem
amplamente difundidos e apreciados.
O ensino de leitura e, consequentemente, de escrita deve, essencialmente,
preparar o cidadão para se tornar alguém capaz de pensar e de dirigir seus próprios
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caminhos. A escola deve, portanto, ver no indivíduo um ser pensante e, a partir daí,
desenvolver suas habilidades e capacidades próprias de conhecimento.
Na vida cotidiana, acostuma-se a associar leitura com aquisição de
informações, de conhecimentos sobre os mais variados assuntos, mas é sabido que
um livro ou um texto, também podem colocar o próprio leitor como personagem,
como interlocutor de aventuras insuspeitadas de sentimento e vivências inusitadas,
de reflexões a que não se teria podido ter acesso sem tê-los conhecido.
Nesse sentido, ler é interpretar, é espalhar conhecimentos de mundo em
infinitas direções e é também incorporar à própria experiência o sonho de outras
pessoas, conjugando-o com o do próprio leitor. Ler é reler, conhecer, reconhecer,
criar. Também faz parte do ato de ler o criar-se um texto quando se lê:
Na concepção de PAULO FREIRE (2005, p.29) a leitura é mais do que ela
permite ver:

Desde o começo, na prática democrática e crítica, a leitura do mundo e a


leitura da palavra estão dinamicamente juntas. O comando da leitura e da
escrita se dá a partir de palavras e de temas significativos à experiência
comum dos alfabetizandos e não de palavras e de temas apenas ligados à
experiência do educador.

Assim como a atividade de ler pode confundir-se com a de escrever, pode-


se percebê-la em sua dimensão criadora, de produção e não de mera recepção, a
escrita também pode ser uma forma de leitura. Mas antes da escrita é preciso
reconhecer o texto que se quer produzir e as formas dos diversos gêneros textuais
disponíveis para esta produção.
Enfim, a leitura é vista por SOARES (2005) como um processo político. Por
isso, professores, alfabetizadores e formadores em geral, desempenham um papel
que poderá ou não estar comprometido com a transformação social, conforme
estejam ou não conscientes da sua força de reprodução e tenham assumido a luta
contra o estado de estagmatismo em que o leitor se insere.
Ler e escrever são, hoje, duas práticas sociais básicas em todas as
sociedades letradas, independente do tempo médio com elas dispensado e das
pessoas que as praticam. Em todas as sociedades letradas, os que têm acesso à
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escrita podem desenvolver quatro habilidades no uso da língua: falar e escrever,
ouvir e ler. Falar e escrever são duas formas do uso produtivo e criativo da língua
(gerando e transmitindo saber) por outro lado, ouvir e ler são ações igualmente
ativas, produtivas e criativas.

2.1 Gêneros textuais

Sabendo-se que não existe uma tipologia única, há uma frequente


preocupação em estabelecer diferentes tipologias de textos, que reflitam intenções
como falantes e ouvintes de uma língua, isso para facilitar a produção e a
interpretação de todos os textos que circulam no ambiente social.
Quando se fala de leitura, há que se lembrar sempre das questões dos
diferentes gêneros textuais, obras diversificadas, para que assim o processo de
leitura seja mais completo e prenda a atenção do leitor. Sobre essa questão
BAKHTIN (1992, p.279) diz o seguinte:

a riqueza e a variedade dos gêneros do discurso são infinitas, pois a


variedade virtual da escrita humana é inesgotável, e cada esfera dessa
atividade comporta um repertório de gêneros do discurso que vai
diferenciando-se e ampliando-se à medida que a própria esfera se
desenvolve e fica mais complexa.

Para as Diretrizes Curriculares da Educação Básica de Língua Portuguesa


(2008, p.52), “alguns gêneros do discurso hoje, são adaptados, transformados, ou
até mesmo criados a partir da necessidade que o homem tem de se comunicar com
o outro”. Com o surgimento de novas modalidades de comunicação, houve então o
acesso de diferentes gêneros nas escolas. Como por exemplo: e-mail, chat, blog,
mensagens, imagens digitais e virtuais, fórum de discussão, entre outros, variando
conforme vão acontecendo as mudanças na sociedade moderna.
O trabalho com os gêneros, contudo, deverá priorizar o poder que a língua
tem e reconhecê-la como instrumento de uma prática social concreta. Para que isso
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ocorra de forma satisfatória, os educandos deverão conhecer, reconhecer e
ampliar o uso da norma culta como prática social. Para isso, a escola é a
responsável por tornar este contato com uma variedade textual, dando ênfase aos
gêneros priorizados em cada etapa do ensino. Neste sentido, também é de
primordial importância a biblioteca, que deverá ser um corpo ativo da escola,
sistema integrador entre alunos, professores e comunidade.
A leitura é um tópico natural para tentar-se encontrar a resolução de
problemas de compreensão e tem cada vez as mais variadas aplicações no mundo
das relações interpessoais. Por si só, este argumento já é bastante forte para
justificar um trabalho como o que aqui se pretende, porém não é o único.
As várias maneiras ou níveis de leitura favorecem um tipo particular de
pensamento que está ligado às relações que o ser humano pode conseguir e à sua
capacidade de síntese e entendimento com o mundo. Deste modo, buscando
situações de leitura e compreensão, sendo sensíveis aos impactos visuais e
interrogando sobre eles, pode-se ir construindo e desenvolvendo habilidades de
leitura.
Fala-se muito na necessidade de o aluno construir seu próprio
conhecimento. Para isso, considera-se imprescindível que ele tenha a oportunidade
de fazer explorações, representações, construções, discussões, que possa
investigar, descobrir, descrever e perceber o mundo que o cerca.
É preciso um trabalho de conscientização para que o professor tenha
sempre em mente que há, fora dos muros escolares, uma sociedade concreta,
composta por seres interrelacionados concretamente e, por este motivo, capaz de
promover no aluno a chance de exteriorizar seus pensamentos e sentimentos em
conformidade com a situação em que vive. Neste ponto, é essencial a diversidade
textual, elementos diferenciados para um contato com outras formas de
pensamento, outras análises de mundo.

2.2 Gênero narrativo


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A narração constitui o relato de um fato. Estão presentes numa narração os
seguintes elementos: personagem, fato, enredo, tempo e espaço.
Entende-se, dessa forma, que os textos são construídos conforme a sua
destinação, e por esta razão, a leitura em direção da conquista das palavras
abrange ler e escrever, escrever e ler como atributos principais na busca concreta
da expressão, do domínio de um vocabulário adequado tornando os leitores capazes
de agir e interagir no universo do vocabulário. O texto deve propiciar ao leitor o salto
deste para o seu contexto. Se isso não acontece, a leitura muda completamente a
sua validade, as palavras do escritor ficam como que fechadas em si mesmas.
Dentro do gênero narrativo, encontram-se os contos e lendas, que pelas suas
especificidades neste trabalho, serão descritos a seguir:
Conto: É uma narrativa curta, em prosa, com um reduzido número de
páginas ou linhas. Diferencia-se dos romances não apenas pelo tamanho, mas
também pela estrutura: há poucas personagens, nunca apresentadas
detalhadamente; há acontecimentos breves, sem grandes complicações de enredo;
e há apenas um clímax, no qual a tensão da história atinge seu auge. O tempo e o
espaço são elementos secundários, podendo até não existir. De acordo com as
diferentes formas em que se apresentam, os contos podem ser divididos em cinco
tipos: o conto de ação, romance, aventura, suspense e ficção.
Esta modalidade narrativa teve origem com “O livro do Mágico” (cerca de
4000 a.C.), escrito pelos egípcios, até na Bíblia Sagrada encontram-se textos
diversos com estrutura de contos.
Os contos africanos e afro-descendentes têm em foco as diferentes nações
do continente africano, onde a natureza e os homens desenvolvem ritmos próprios.
Daí advêm muitas de suas histórias e mitos. Têm-se notícias, por exemplo, da figura
do akpalô (fazedor de conto), cuja atividade caracteriza-se por espalhar histórias
pelos lugares por onde passa, o que, segundo Gilberto Freire, pode ser reconhecido
nas atividades das negras velhas ou amas-de-leite, que contavam as histórias que
traziam como herança, caminhando de engenho em engenho, no contexto do Brasil
Colônia. Sabe-se, por essas e outras evidências, que os contos de origem africana
não se perderam, preservaram aspectos relevantes do imaginário social brasileiro.
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Em Moçambique, o conto é um gênero próspero, como se pode ver pela
obra de Mia Couto, que em muitas de suas produções tenta recriar a língua
portuguesa, utilizando o léxico de várias regiões do país e produzindo um novo
modelo de narrativa africana.
Lenda: É uma narrativa de origem popular que é transmitida, principalmente
na oralidade, de geração para geração. Não podem ser comprovadas
cientificamente, são de caráter fantástico ou fictício, pois são frutos da imaginação
do povo que as criaram, geralmente fornecem explicações para coisas que não têm
explicações científicas comprovadas.
O imenso imaginário popular possui muitas lendas. No folclore brasileiro há
muitas lendas conhecidíssimas, mas você poderia exemplificar uma de origem
africana? Alguns de nossos livros didáticos costumam trazer, nas séries iniciais,
exemplos de lendas de origem indígena. Mas e as de origem africana? Este povo
não tem contribuição no nosso universo cultural? Então por que seus hábitos, seus
costumes, suas histórias são tão pouco difundidas?
Júlio Emílio Braz, por exemplo, encoraja a mergulhar no universo de
algumas lendas africanas, a fim de aguçar nossa curiosidade:

Quantas histórias sobre os tuaregues, o lendário povo nômade do norte da


África, já ouviram? Qualquer um deles conhece a história de reinos tão
poderosos quanto desconhecidos como de Ghana e Achanti? E sobre um
império Mali? O que ouviram? Songai? Kanem-bornu? Bambara? Pouco ou
nada se falou sobre a África para os jovens de hoje, afro-descendentes ou
não. E quando se falou, buscou-se mais a discussão sobre as religiões ou
o folclore, quando não o estereótipo. Para muitos, a África ainda é um
mistério ou, pior ainda, quando aparece nos noticiários, é como palco de
terríveis guerras civis, epidemias pavorosas ou de países muito próximos
de barbárie, onde a civilização parece não existir. (BRAZ 2001, p. 4-5).

2.3 A oralidade nos contos e lendas

Desde que o ser humano inicia sua interação linguística, o faz oralmente, e
durante a vida inteira esta será sua modalidade predominante. Porém, há situações
que exigirão formas específicas para se manifestar, de acordo com a natureza da
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ocasião. Para tanto, deve haver o domínio da oralidade. Se isto ocorre já no
interior da oralidade, imaginem a escrita, que comporta diferentes níveis; então,
cabe ao sujeito o domínio concreto das diversas estratégias de escrita.
Há uma tendência de se pensar que o leitor já nasce pronto, mas sabe-se
que todo indivíduo normal possui uma capacidade para dar significado às coisas e
aos diferentes códigos escritos ou não, que simbolizam o mundo. Esse potencial é
desenvolvido na sociedade, durante sua estadia no âmbito educacional.
A leitura é fundamentalmente uma prática social. Professores, escola e
governantes devem propiciar condições para que todos tomem gosto por tal prática,
pois ninguém nasce como leitor pronto.
Para MARCUSCHI (2005, p.39), a leitura e a compreensão de texto, tanto
oral como escrito, é uma prática social. Tendo como base três objetivos, que é
possível sintetizar da seguinte forma:
1) Evidenciar a importância de tratar textos escritos e orais na escola,
extraídos sempre de fontes autênticas; com isso desmitificar a dicotomia entre
oralidade e escrita, já que a escrita tem traços da oralidade;
2) A escrita não tem um valor intrínseco e autônomo, diferenciando os
indivíduos entre os incapazes de pensar logicamente (iletrados) e os capazes de
pensar logicamente (letrados).
3) Mostrar mecanismos envolvidos na atividade de compreensão de texto,
sugerindo que na prática escolar se desenvolva maior respeito pela criatividade do
aluno sem submetê-lo a respostas estanques, como se um texto só tivesse apenas
uma leitura.
Assim, ao trabalhar-se com o conto, que normalmente é definido como
sendo uma narração falada ou escrita, pouco extensa, concisa, que contém unidade
dramática, e na qual a ação se concentra num único ponto de interesse, pretende-se
despertar este “gosto” através da leitura de temáticas africanas, com textos que
enfoquem questões étnico-raciais.
Muitos contos correm de boca em boca, com algumas ou com muitas
modificações. Faz-se um acréscimo ocasionalmente, retiram-se algumas noções
consideradas apropriadas em um dado momento, conservam as mais acentuadas
em outras circunstâncias. Conta-se que é assim que o povo tem reinventado a
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literatura oral, na qual se incluem as lendas, os contos, os folguedos, as cantorias,
dentre outras manifestações de caráter popular. Trata-se de material rico e muito
dinâmico, que ao partilharem conhecimentos, valorizam e estimulam o respeito à
diversidade.
Tal é a relevância da palavra na África, que existe um papel específico
desempenhado pelos profissionais da tradição oral – os griots – pessoas que têm o
ofício de guardar e ensinar a memória cultural na comunidade. Eles armazenam
séculos e mais séculos de segredos, crenças, costumes, lendas e lições de vida,
recorrendo à memorização. Existem também mulheres que exercem essas funções,
conhecidas como griotes.
Diante dos estudos, conclui-se que culturas africanas e afro-brasileiras
preservam também na escrita narrativas que podem ser associadas ao que a crítica
literária ocidental classifica como contos, lendas, fábulas, provérbios, canções, etc.
Dessa forma, é fundamental compreender que a base de todas as histórias dessas
culturas é guardada através da lembrança, pela tradição oral e posteriormente, pela
escrita.

2.4 O currículo e as relações étnico-raciais

No Brasil, compartilha-se de um universo cultural constituído por uma


imensa diversidade de povos que construíram o histórico brasileiro, trata-se de uma
sociedade complexa, com múltiplas identidades que não integram o currículo escolar
com a abordagem devida, inclusive nos livros didáticos, mesmo com a
obrigatoriedade das leis nº 10.639/2003 11.645/08.
A construção de estratégias educacionais que visem ao combate do racismo
é uma tarefa de todos os educadores, independentemente do seu pertencimento
étnico-racial. Sobre essa questão, BENTO (2005, p.21), tem a seguinte opinião:

As pessoas nascem seres humanos, e tornam-se, por força da experiência


de viver em sociedade, negros, brancos ou amarelos. Portanto, não é a
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diferença entre as pessoas, mas a forma como encaramos essa
diferença que pode nos levar a tratar as pessoas com afeto e respeito ou
com medo e desprezo.

A autoestima também se apresenta como elemento central na construção de


um currículo escolar que proporcione aos estudantes negros se visualizarem nos
livros, nas aulas e no aprendizado de forma positiva, portanto a escolha do livro
didático e das atividades utilizadas em sala de aula devem levar em conta tais
pontos.
Os educadores de Língua Portuguesa, em especial, precisam estar
preparados para trabalhar, de forma crítica, os temas referentes à diversidade
cultural brasileira e, sobretudo, apresentar novos significados para a história e
cultura dos africanos e afro-brasileiros. Sobre esse assunto o Caderno Temático –
Educando para as relações étnico-racial (2006,p.24) ressalta que:

Professores do ensino fundamental devem dar a conhecer a seus alunos


as lendas, contos, mitos, cantigas que têm como cenário o universo negro,
a cultura africana. (...)
Uma atividade que contribui nessa direção é solicitar aos alunos que
recolham de seus avós ou pessoas idosas da comunidade, histórias,
contos, cantigas, brincadeiras, e depois de classificadas, repassem aos
demais colegas da escola e de outras escolas.

E, ainda, é mensurável destacar que no Caderno Temático – História e


Cultura Afro-Brasileira e Africana (2005, p.22) sobre essa questão está evidenciado:

Para obter êxito, a escola e seus professores não podem improvisar. Têm
que desfazer mentalidade racista e discriminadora secular, superando o
etnocentrismo europeu, reestruturando relações étnico-raciais e sociais,
desalienando processos pedagógicos. Isto não pode ficar reduzido a
palavras e a raciocínios desvinculados da experiência de ser inferiorizados
vivida pelos negros, tampouco das baixas classificações que lhe são
atribuídas nas escalas de desigualdades sociais, econômicas,
educacionais e políticas.
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Todavia, trata-se de uma tarefa difícil, que é desenvolver na escola, novos
espaços pedagógicos que promovam a valorização das muitas identidades que
constituem a formação do povo brasileiro, por meio de um currículo que permita ao
aluno conhecer suas origens e a do povo brasileiro.
SOUZA (2006, p.7) falando sobre a importância de se trabalhar a cultura
africana ressalta em sua obra: África e Brasil africano que:

Ao olhar para as pessoas que formam o povo brasileiro, os negros


africanos deram uma contribuição muito importante para o Brasil ser o que
é hoje. Depois de uma dura travessia pelo oceano Atlântico, foram
obrigados a mudar sua maneira de viver, adaptando seus costumes e suas
tradições ao novo ambiente. Misturando-se aos povos que aqui
encontraram, esses negros deram origem à mestiçagem que amorenou a
nossa pele, alongou nossa silhueta, encrespou nossos cabelos e nos
conferiu a originalidade de gestos macios e andar requebrado. Ao
incorporarem elementos africanos ao seu dia-a-dia nas lavouras, nos
engenhos de açúcar, nas minas e nas cidades, construíram uma nova
identidade e nos legaram o que hoje chamamos de cultura afro-brasileira.

Ainda nessa concepção, TEODORO (2005, p.83) afirma que “um currículo
escolar que contemple as relações étnico-raciais faz surgir na escola e na sociedade
uma comunidade plena da consciência da participação de cada um na construção
do bem comum”.
Ao ampliar conhecimentos já estabelecidos, bem como desenvolver com os
alunos e alunas projetos e aulas significativos, percebe-se que o universo afro-
brasileiro é múltiplo e que existem várias Áfricas que informam nossa cultura.
Ainda como alerta o autor, é importante que se esteja atento e que se reveja
quanto a cultura africana impregnou-se na cultura brasileira:

A riqueza étnica é impressionante, responsável por uma herança cultural e


artística e precisamos conhecê-la, uma vez que ainda a conhecemos
pouco, apesar de a África ter uma influência decisiva nos hábitos e nos
costumes mesmo daqueles brasileiros que não são afro-descendentes
(BRAZ, 2001, p. 4 e 5).
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Abordar questões relativas ao preconceito não é um fato apenas da
história do Brasil, tornou-se um objeto de muitas pesquisas vindas até os dias de
hoje. Muitos estudiosos dedicam seu tempo a questões relativas a esse tema.
No meio cultural em que se vive hoje, na religião, no modo de as pessoas
se vestirem, alimentarem-se, há marcas de uma mistura em nossa formação que
constitui o povo brasileiro. Por exemplo:
- Na música: o samba, o rap, hip-hop, blues, pagode;
- Na religião: santos que são máscaras de deuses surgidos na África;
- Costumes: o uso da rede para descanso, culinária, capoeira, entre outros.
A educação moderna não pode ficar alheia aos fatos que constituem o
cotidiano dos alunos. O conhecimento da realidade é essencial, pois só deste modo
será possível viver e atuar como sujeitos que saibam agir e interagir no mundo hoje.
Com a leitura de vários textos, de vários autores e épocas diferentes,
permite-se ver como se constitui a identidade cultural brasileira, sua essência e sua
origem.
O projeto: Lendas e contos africanos: das histórias à cultura do nosso povo
foi desenvolvido com alunos da 8ª série da Escola Estadual São Silvestre - Ensino
Fundamental, sob forma de Implementação Pedagógica, através de aulas
expositivas, pesquisas, leituras de diversas lendas e contos de origem africana e
afro-brasileira e atividades em grupo. O trabalho foi realizado tendo como base o
estudo do objeto de pesquisa e da produção do material didático-pedagógico,
produzido pela professora PDE/09 sob forma de Unidade Didática.
A metodologia utilizada neste trabalho está contemplada nas Diretrizes
Curriculares de Língua Portuguesa do Paraná, que teve como eixos norteadores a
leitura, a oralidade e a escrita como ponto primordial.
Segundo o tema proposto, a leitura foi priorizada, por constituir-se num dos
conteúdos estruturantes destas Diretrizes. Para a realização do projeto, as leituras
propostas foram devidamente articuladas com a oralidade e escrita. Quanto à
fundamentação teórica, esta foi elaborada tendo como parâmetro autores
renomados sobre o tema da cultura africana, e de acordo com o Projeto Político-
Pedagógico da escola onde foi desenvolvido o referido trabalho.
18
Textos variados em forma de lendas e contos africanos, vídeos, e TV
Pendrive, entre outros recursos foram utilizados para leitura, reflexão e
interpretação, tendo como finalidade a produção de uma coletânea de textos que
ficou disponibilizada na biblioteca da escola para uso futuro com turmas variadas.
A referida proposta passou por vária etapas:
Trabalho oral, com a contação de “causos”, lendas, histórias, por parte de
pessoas idosas de etnia negra da comunidade.
Essa primeira etapa do trabalho foi de muita relevância, afinal, 03 avós de
alunos, de origem afro-descendente foram convidados para participar da aula
inaugural do Projeto de Intervenção na escola. De maneira simples, porém
espontânea, os idosos contaram vários “causos” e histórias que ouviram, oralmente,
de seus familiares, quando ainda eram crianças e adolescentes, vivendo em
comunidade familiar. Os alunos mostraram-se bastante participativos ao
interrogarem os convidados sobre as histórias contadas, mediante a oralidade dos
mais velhos do grupo. Foi um momento de descontração, memória e oralidade na
escola.
Realizou-se ainda um levantamento de contos e lendas de origem africanas,
em que os alunos mediados pela professora PDE/09, foram convidados a lerem
sobre alguns contos e lendas de origem africana ou afro-brasileira. Diante da
aceitação da tarefa, a turma foi conduzida ao Laboratório Paraná Digital, onde
pesquisou sobre o conto angolano O segredo das tranças e Oxumaré , uma lenda
africana que explica a origem do arco-íris e os movimentos da Terra. Estes textos
foram selecionados previamente pela professora, sendo que na oportunidade, os
alunos também pesquisaram sobre outras lendas e contos de origem africana ou
afro-brasileira, para posterior estudo.
Houve leitura, compreensão e interpretação dos textos previamente
selecionados pela professora. Além dos pesquisados pelos alunos foram utilizados
como objeto de estudo nas aulas de Língua Portuguesa, mediante a leitura e
compreensão, através da oralidade e atividades variadas elaboradas pela professora
PDE, contidas na Unidade Didática e referentes a esta temática no Projeto de
Intervenção “Lendas e contos africanos: das histórias à cultura do nosso povo”.
19
Na sequência houve a apresentação do filme “Kiriku e a feiticeira”, que
narra uma tradicional lenda do Senegal que retrata um herói minúsculo que enfrenta
as maldades de uma poderosa feiticeira. Seguido de comentários, debates e
resolução de atividades sobre esse magnífico ícone dos desenhos animados, a
temática africana foi evidenciada através obra de Michel Ocelot. Através desse filme,
os alunos puderam interpretar, numa dimensão mais ampla, a cultura e os valores
de grupo étnico em destaque no continente africano.
Com as leituras e as interpretações realizadas, passa-se então, à produção
de textos e ilustração a partir do conto N’Golo e Bendé-Bendé e da lenda A origem
da Morte. Ambos da África do Sul, além da lenda afro-brasileira Chico Rei. Esta
lenda exalta, nas terras livres das Minas Gerais, a fisionomia de Chico Rei, o negro
soberano, vencedor do destino, fundador de tronos, pela persistência, serenidade e
confiança nos recursos eternos do trabalho.
Há ainda a seleção e organização dos textos produzidos para montagem de
uma coletânea disponibilizada na biblioteca da escola. Ao final das leituras e
análises das obras variadas, no decorrer dos estudos de contos e lendas, os textos
produzidos pelos alunos, as ilustrações e as atividades direcionadas pela professora
PDE/09 foram selecionadas, organizadas e passaram a constituir uma coletânea,
que foi entregue à Equipe Pedagógica para compor o acervo bibliotecário da escola.
Para finalizar os trabalhos, os alunos elaboraram uma peça teatral e fizeram
uma encenação, onde tratou-se da questão do preconceito racial ontem e hoje.
Os componentes curriculares de História, Geografia, Arte e Educação Física
contribuíram para que este trabalho se realizasse com maior abrangência. Eles
auxiliaram na melhor compreensão da cultura dos povos em estudo, na localização
geográfica e na elaboração de ilustrações de painéis. Houve, dessa forma, uma
interdisciplinaridade entre tais disciplinas, e isso contribuiu para que o projeto ficasse
mais abrangente, no que se refere ao conhecimento de mundo do tema abordado,
ou seja : a cultura africana e as implicações na cultura brasileira.
As ações pedagógicas foram desenvolvidas para que os alunos pudessem
utilizar a leitura como forma de análise, compreensão e entendimento das lendas e
contos trabalhados. Foram abordadas, ainda, questões referentes ao racismo,
20
diferentes culturas, mudança social e importância das diferenças dentro da
sociedade.
Os resultados deste trabalho apresentaram-se de forma satisfatória por parte
dos alunos, na medida em que se mostraram instigados para conhecer as lendas e
contos que compõem o cenário da cultura e universo africano.
Após terem ouvido as histórias e os “causos” contados pelos avós, quando
da visita à escola para a aula inaugural, os alunos tornaram-se motivados e atuantes
para a pesquisa, leitura, produção dos textos, encenações e ilustrações. Em relação
aos alunos participantes do projeto, constatou-se uma grande curiosidade no que diz
respeito a povos com uma cultura tão diferente da nossa, com um universo tão
encantador, onde as lendas e os contos encantam, fazem viajar nestas histórias tão
emocionantes. Há ainda que lembrar a questão da discriminação racial, que ao ser
abordada teve uma discussão e um debate muito proveitoso, procurando aguçar o
lado crítico e questionador dos alunos.
Dentre as várias atividades, elaboraram painéis ilustrativos, prepararam
alguns pratos típicos africanos, que foram degustados pela comunidade escolar,
além da composição e encenação de uma peça teatral, cuja temática esteve voltada
para a necessidade do respeito à diversidade cultural brasileira, sobretudo, a dos
africanos e afro-descendentes, objetivando a valorização de suas histórias e
culturas.
Na data marcada para o encerramento do Projeto, todas as atividades,
realizadas com prazer e responsabilidade, foram socializadas aos demais colegas
da escola e comunidade local, mediante a mostra, degustação de pratos típicos e
entrega da coletânea para o acervo bibliográfico da escola.
O Grupo de Trabalho em Rede (GTR) foi um instrumento relevante para a
avaliação dos resultados deste trabalho. Através desse curso, dezenove professores
da rede pública estadual paranaense tiveram oportunidade de conhecer tanto o
Projeto de Intervenção quanto a Unidade Didática, elaborados pela professora
PDE/09, durante o primeiro e o segundo semestres deste Programa. Na ocasião, os
cursistas fizeram a leitura e análise dos referidos materiais e os debates, mediante a
Plataforma Moodle, possibilitaram momentos oportunos de discussões, e a
socialização ocorreu de forma satisfatória entre os participantes e a tutora. Ao final
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do curso, pode-se constatar através dos depoimentos registrados nas ferramentas
Diários e Fóruns que os referidos materiais tiveram boa aceitação.
Portanto, diante desses relatos, foi possível verificar que a aplicabilidade e a
viabilidade desse projeto e do material didático-pedagógico são possíveis no Ensino
Básico das escolas da rede pública estadual paranaense, ainda mais por se tratar de
um tema obrigatório para a Educação Básica.
Quanto aos pareceres da Direção e Equipe Pedagógica, foram unânimes, ao
mostrarem-se favoráveis ao projeto de lendas e contos africanos desenvolvido junto
aos alunos de 8ª série. Desde o princípio, tanto a diretora quanto a pedagoga
tornaram-se solícitas em auxiliar nas ações desenvolvidas no decorrer do trabalho.
Sempre que houve solicitação de apoio, estiveram prontas na providência do que se
fez necessário.
Segundo afirmação da equipe pedagógica da escola, a proposta de trabalho
desenvolvida contempla uma temática presente nas Diretrizes Curriculares
Estaduais que trata das questões étnico-raciais e da cultura afro-brasileira e
africana. Que o trabalho desenvolvido foi extremamente interessante, pois através
do conhecimento de lendas e contos africanos, houve a difusão da ideia de
valorização dessa cultura e o combate de posturas racistas. Além do que o texto e a
sua leitura devem ser colocados como questões primordiais nas aulas de Língua
Portuguesa e, por esta questão, precisam assumir cada vez mais uma competência
sobre todas as especificidades do ensino da língua. Que quanto às atividades foram
bem organizadas e aplicadas, atendendo às expectativas de envolvimento dos
alunos e comunidade escolar.
E sendo assim, um projeto que visa à construção de uma coletânea de
lendas e contos africanos para compor o acervo bibliotecário da escola foi de grande
relevância, levando em consideração que os resultados obtidos com o referido
projeto serão socializados com todas as turmas, na medida em que este material
didático-pedagógico tiver uso na comunidade escolar.

3 Conclusão
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O presente estudo buscou analisar algumas lendas e contos africanos,
levando em consideração a constatação de que a leitura e escrita constituem-se
num grande desafio para os educadores da Língua Portuguesa, que é despertar nos
educandos o gosto e o prazer no ato de ler e escrever.
As questões abordadas neste artigo também contribuíram para a discussão
sobre a necessidade de reformulação do currículo de Língua Portuguesa,
objetivando incluir a temática africana como elemento de análise e estudo nas aulas,
envolvendo leitura, escrita, compreensão e produção de textos pelos próprios
alunos. Sabendo-se que os livros didáticos pouco ou quase nada tratam sobre este
assunto, é relevante tratar desta temática, em primeiro plano, para que haja a real
implementação da Lei 10.639/03, regulamentada mediante as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação das Relações Étnicosrraciais, segundo o Parecer do
Conselho CNE/CP 03/2004 e CNE/CP resolução 01/2004, bem como a Lei
11.645/08 e, sobretudo, pelo fato de propiciar reflexões aos alunos sobre a
diversidade e o respeito à pluralidade cultural de que é formada a sociedade
brasileira.
Apesar de todas as dificuldades de tornar a leitura e a escrita uma tarefa
prazerosa, é preciso considerar que quando se trata de temas que visam ao
combate ao racismo, o preconceito e os estereótipos etnocêntricos, especialmente
aqueles que objetivam conhecer e valorizar a cultura afro-descendente, todo o
esforço deve ser buscado, num trabalho coletivo na escola. Para que isso ocorra,
entretanto, é necessário que parcerias se realizem, desde o apoio da Direção,
Equipe Pedagógica até a interdisciplinaridade com as demais áreas do currículo
escolar, para que os resultados das ações sejam relevantes e eficazes.
Dessa forma, há que salientar que o trabalho com os contos e lendas deve
ser interdisciplinar e pode adquirir um dos lugares centrais do projeto pedagógico
das escolas, valorizando o uso da palavra oral, como uma das mais importantes
modalidades da linguagem. Para que tais resultados sejam alcançados, faz-se
necessário que o coletivo da escola esteja devidamente preparado para
desencadear ações cabíveis a cada profissional da educação, conforme as variadas
funções desempenhadas no ambiente escolar. Contudo, para que isso ocorra na
prática, torna-se urgente, além da reformulação curricular, a formação continuada,
23
para que tais profissionais possam repensar suas práticas pedagógicas, visando
às alterações de conteúdos, incorporação de novos valores e uma nova postura
diante das desigualdades sociais, culturais e étnicas evidenciadas no dia a dia da
sala de aula. Zelar pelo cumprimento do respeito aos valores e culturas dos sujeitos
afro-descendentes, incluindo essa temática no currículo escolar, é algo necessário
nas escolas da rede pública paranaense, considerando-se, ainda, que a formação
da sociedade brasileira não pode ignorar a presença de várias etnias e, dentre elas,
a de origem africana. Sua importância, enquanto elemento de composição histórica
e cultural vem confirmada por vários autores como (BENTO, 2005) e (TEODORO,
2005), além de outros que se esforçam para divulgar textos de origem africana
(CASCUDO, 2003) e (BRAZ, 2001).
Ao concluir este artigo, é necessário afirmar que o projeto de intervenção
pedagógica explorando lendas e contos africanos não procurou atingir toda a
extensão da enorme produção africana, especialmente em língua portuguesa. A
escolha dos textos procurou considerar, particularmente, as condições de recepção
de alunos da 8ª série da Educação Básica, seu universo de relações e a
compreensão de mundo pertinentes a essa faixa etária. Ao lado disso, considera-se
extremamente importante a exploração dessa temática na Educação Básica, o
aprofundamento de certas questões raciais, enquanto persistirem os conhecidos
problemas de ordem social, de inclusão e de convivência das inúmeras diferenças
presentes na sociedade brasileira.

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