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Cadernos PDE
VOLUME I
O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS
DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009
SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO
SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL
UMUARAMA
2011
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LENDAS E CONTOS AFRICANOS: das histórias à cultura do nosso povo
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Autor: Rosimeire Rosseto Pedroche
Orientador: Carlos da Silva2
Resumo
Esse artigo tem como propósito promover um estudo sobre leitura de contos e
lendas africanas, partindo-se do pressuposto de que há necessidade de a Escola
refletir sobre algumas questões de natureza étnico-raciais, especialmente às
relacionadas aos negros, com a manifestação de seu universo cultural e a presença
dessa etnia na sociedade brasileira. Pretende-se possibilitar a conscientização dos
alunos de 8ª série na Escola Estadual São Silvestre – Ensino Fundamental, para
temáticas africanas, com a leitura de textos diversificados, a partir dos quais possam
compreender as diferentes visões de mundo presentes neles, estabelecendo as
relações entre obras de diferentes épocas que influenciaram a cultura do povo
brasileiro. Com a leitura destes textos, busca-se despertar os alunos para algumas
questões relacionadas com as situações culturais do universo africano que, de
alguma forma, contribui para a formação da cultura nacional, para a busca da
identidade cultural brasileira, além de incentivar o gosto pela leitura
descompromissada que estes textos podem oferecer, mas propiciando o
envolvimento da subjetividade expressada na tríade obra–autor-leitor, por meio de
um processo de interação que se presentifica no ato de ler.
1 Introdução
2 Desenvolvimento
Tão certo quanto ler é uma viagem através dos diferentes mundos, é
também combinar textos em experiências vividas pelo leitor, dentro e fora dos livros.
Sendo assim, é um trabalho que demanda dedicação, pesquisa, conhecimento e
predisposição.
Para MENEGASSI, (2005, p.77) “faz-se necessário o trabalho com as
estratégias de leitura em sala de aula aos alunos do Ensino Fundamental. Com esse
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ensino, o aluno aprende a desenvolver sua leitura com mais facilidade e de
maneira mais adequada”
Não basta que o aluno saiba decodificar as palavras. É preciso que saiba
atribuir ao texto um significado ao qual tenha chegado partindo de uma leitura onde
possa levantar hipóteses sobre a significação dos implícitos que porventura
reconheça.
KLEIMAN (1989, p.56) afirma que “um leitor experiente não decodifica; ele
percebe as palavras globalmente e advinha muitas outras, guiado por seu
conhecimento prévio e por suas hipóteses de leitura”. Mas, como adquirir este
conhecimento?
Para que tal processo ocorra, a língua e a leitura, precisam ser trabalhadas
na escola, criando situações em que o falar e o ler tenham uma finalidade
específica, de modo que não se perca seu caráter social e não se torne assim um
aspecto mecânico no ensino de Língua Portuguesa. Esta leitura eficiente deve
atingir objetivos determinados, tais como: ser capaz de relacionar textos entre si e
com a experiência de leitura anteriormente adquirida, conseguir que o aluno
compreenda que não existe nenhum texto isolado do mundo real, fazer com que sua
visão de mundo se interponha entre o texto e ele para que seja capaz de interagir
com o escritor no processo de leitura.
É importante, então, que o ensino de leitura, ao menos em princípio, crie
vínculos com a realidade pessoal dos alunos, atraindo-os para o que já conhecem,
transmitindo-lhes a sensação de estarem lendo algo que faz parte de suas vidas, ou
mesmo que não tenha vínculo imediato com elas, possa contribuir para despertar o
interesse em conhecer esse universo novo advindo do processo de leitura.
Cabe, portanto, aos professores propiciar um encontro adequado entre os
alunos e os textos, para que quando necessitarem, estes possam valer-se da escrita
com adequação, tranquilidade e autonomia, estando assim preparados para os
diversos textos literários que todo professor de Português gostaria que fossem
amplamente difundidos e apreciados.
O ensino de leitura e, consequentemente, de escrita deve, essencialmente,
preparar o cidadão para se tornar alguém capaz de pensar e de dirigir seus próprios
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caminhos. A escola deve, portanto, ver no indivíduo um ser pensante e, a partir daí,
desenvolver suas habilidades e capacidades próprias de conhecimento.
Na vida cotidiana, acostuma-se a associar leitura com aquisição de
informações, de conhecimentos sobre os mais variados assuntos, mas é sabido que
um livro ou um texto, também podem colocar o próprio leitor como personagem,
como interlocutor de aventuras insuspeitadas de sentimento e vivências inusitadas,
de reflexões a que não se teria podido ter acesso sem tê-los conhecido.
Nesse sentido, ler é interpretar, é espalhar conhecimentos de mundo em
infinitas direções e é também incorporar à própria experiência o sonho de outras
pessoas, conjugando-o com o do próprio leitor. Ler é reler, conhecer, reconhecer,
criar. Também faz parte do ato de ler o criar-se um texto quando se lê:
Na concepção de PAULO FREIRE (2005, p.29) a leitura é mais do que ela
permite ver:
Desde que o ser humano inicia sua interação linguística, o faz oralmente, e
durante a vida inteira esta será sua modalidade predominante. Porém, há situações
que exigirão formas específicas para se manifestar, de acordo com a natureza da
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ocasião. Para tanto, deve haver o domínio da oralidade. Se isto ocorre já no
interior da oralidade, imaginem a escrita, que comporta diferentes níveis; então,
cabe ao sujeito o domínio concreto das diversas estratégias de escrita.
Há uma tendência de se pensar que o leitor já nasce pronto, mas sabe-se
que todo indivíduo normal possui uma capacidade para dar significado às coisas e
aos diferentes códigos escritos ou não, que simbolizam o mundo. Esse potencial é
desenvolvido na sociedade, durante sua estadia no âmbito educacional.
A leitura é fundamentalmente uma prática social. Professores, escola e
governantes devem propiciar condições para que todos tomem gosto por tal prática,
pois ninguém nasce como leitor pronto.
Para MARCUSCHI (2005, p.39), a leitura e a compreensão de texto, tanto
oral como escrito, é uma prática social. Tendo como base três objetivos, que é
possível sintetizar da seguinte forma:
1) Evidenciar a importância de tratar textos escritos e orais na escola,
extraídos sempre de fontes autênticas; com isso desmitificar a dicotomia entre
oralidade e escrita, já que a escrita tem traços da oralidade;
2) A escrita não tem um valor intrínseco e autônomo, diferenciando os
indivíduos entre os incapazes de pensar logicamente (iletrados) e os capazes de
pensar logicamente (letrados).
3) Mostrar mecanismos envolvidos na atividade de compreensão de texto,
sugerindo que na prática escolar se desenvolva maior respeito pela criatividade do
aluno sem submetê-lo a respostas estanques, como se um texto só tivesse apenas
uma leitura.
Assim, ao trabalhar-se com o conto, que normalmente é definido como
sendo uma narração falada ou escrita, pouco extensa, concisa, que contém unidade
dramática, e na qual a ação se concentra num único ponto de interesse, pretende-se
despertar este “gosto” através da leitura de temáticas africanas, com textos que
enfoquem questões étnico-raciais.
Muitos contos correm de boca em boca, com algumas ou com muitas
modificações. Faz-se um acréscimo ocasionalmente, retiram-se algumas noções
consideradas apropriadas em um dado momento, conservam as mais acentuadas
em outras circunstâncias. Conta-se que é assim que o povo tem reinventado a
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literatura oral, na qual se incluem as lendas, os contos, os folguedos, as cantorias,
dentre outras manifestações de caráter popular. Trata-se de material rico e muito
dinâmico, que ao partilharem conhecimentos, valorizam e estimulam o respeito à
diversidade.
Tal é a relevância da palavra na África, que existe um papel específico
desempenhado pelos profissionais da tradição oral – os griots – pessoas que têm o
ofício de guardar e ensinar a memória cultural na comunidade. Eles armazenam
séculos e mais séculos de segredos, crenças, costumes, lendas e lições de vida,
recorrendo à memorização. Existem também mulheres que exercem essas funções,
conhecidas como griotes.
Diante dos estudos, conclui-se que culturas africanas e afro-brasileiras
preservam também na escrita narrativas que podem ser associadas ao que a crítica
literária ocidental classifica como contos, lendas, fábulas, provérbios, canções, etc.
Dessa forma, é fundamental compreender que a base de todas as histórias dessas
culturas é guardada através da lembrança, pela tradição oral e posteriormente, pela
escrita.
Para obter êxito, a escola e seus professores não podem improvisar. Têm
que desfazer mentalidade racista e discriminadora secular, superando o
etnocentrismo europeu, reestruturando relações étnico-raciais e sociais,
desalienando processos pedagógicos. Isto não pode ficar reduzido a
palavras e a raciocínios desvinculados da experiência de ser inferiorizados
vivida pelos negros, tampouco das baixas classificações que lhe são
atribuídas nas escalas de desigualdades sociais, econômicas,
educacionais e políticas.
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Todavia, trata-se de uma tarefa difícil, que é desenvolver na escola, novos
espaços pedagógicos que promovam a valorização das muitas identidades que
constituem a formação do povo brasileiro, por meio de um currículo que permita ao
aluno conhecer suas origens e a do povo brasileiro.
SOUZA (2006, p.7) falando sobre a importância de se trabalhar a cultura
africana ressalta em sua obra: África e Brasil africano que:
Ainda nessa concepção, TEODORO (2005, p.83) afirma que “um currículo
escolar que contemple as relações étnico-raciais faz surgir na escola e na sociedade
uma comunidade plena da consciência da participação de cada um na construção
do bem comum”.
Ao ampliar conhecimentos já estabelecidos, bem como desenvolver com os
alunos e alunas projetos e aulas significativos, percebe-se que o universo afro-
brasileiro é múltiplo e que existem várias Áfricas que informam nossa cultura.
Ainda como alerta o autor, é importante que se esteja atento e que se reveja
quanto a cultura africana impregnou-se na cultura brasileira:
3 Conclusão
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O presente estudo buscou analisar algumas lendas e contos africanos,
levando em consideração a constatação de que a leitura e escrita constituem-se
num grande desafio para os educadores da Língua Portuguesa, que é despertar nos
educandos o gosto e o prazer no ato de ler e escrever.
As questões abordadas neste artigo também contribuíram para a discussão
sobre a necessidade de reformulação do currículo de Língua Portuguesa,
objetivando incluir a temática africana como elemento de análise e estudo nas aulas,
envolvendo leitura, escrita, compreensão e produção de textos pelos próprios
alunos. Sabendo-se que os livros didáticos pouco ou quase nada tratam sobre este
assunto, é relevante tratar desta temática, em primeiro plano, para que haja a real
implementação da Lei 10.639/03, regulamentada mediante as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação das Relações Étnicosrraciais, segundo o Parecer do
Conselho CNE/CP 03/2004 e CNE/CP resolução 01/2004, bem como a Lei
11.645/08 e, sobretudo, pelo fato de propiciar reflexões aos alunos sobre a
diversidade e o respeito à pluralidade cultural de que é formada a sociedade
brasileira.
Apesar de todas as dificuldades de tornar a leitura e a escrita uma tarefa
prazerosa, é preciso considerar que quando se trata de temas que visam ao
combate ao racismo, o preconceito e os estereótipos etnocêntricos, especialmente
aqueles que objetivam conhecer e valorizar a cultura afro-descendente, todo o
esforço deve ser buscado, num trabalho coletivo na escola. Para que isso ocorra,
entretanto, é necessário que parcerias se realizem, desde o apoio da Direção,
Equipe Pedagógica até a interdisciplinaridade com as demais áreas do currículo
escolar, para que os resultados das ações sejam relevantes e eficazes.
Dessa forma, há que salientar que o trabalho com os contos e lendas deve
ser interdisciplinar e pode adquirir um dos lugares centrais do projeto pedagógico
das escolas, valorizando o uso da palavra oral, como uma das mais importantes
modalidades da linguagem. Para que tais resultados sejam alcançados, faz-se
necessário que o coletivo da escola esteja devidamente preparado para
desencadear ações cabíveis a cada profissional da educação, conforme as variadas
funções desempenhadas no ambiente escolar. Contudo, para que isso ocorra na
prática, torna-se urgente, além da reformulação curricular, a formação continuada,
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para que tais profissionais possam repensar suas práticas pedagógicas, visando
às alterações de conteúdos, incorporação de novos valores e uma nova postura
diante das desigualdades sociais, culturais e étnicas evidenciadas no dia a dia da
sala de aula. Zelar pelo cumprimento do respeito aos valores e culturas dos sujeitos
afro-descendentes, incluindo essa temática no currículo escolar, é algo necessário
nas escolas da rede pública paranaense, considerando-se, ainda, que a formação
da sociedade brasileira não pode ignorar a presença de várias etnias e, dentre elas,
a de origem africana. Sua importância, enquanto elemento de composição histórica
e cultural vem confirmada por vários autores como (BENTO, 2005) e (TEODORO,
2005), além de outros que se esforçam para divulgar textos de origem africana
(CASCUDO, 2003) e (BRAZ, 2001).
Ao concluir este artigo, é necessário afirmar que o projeto de intervenção
pedagógica explorando lendas e contos africanos não procurou atingir toda a
extensão da enorme produção africana, especialmente em língua portuguesa. A
escolha dos textos procurou considerar, particularmente, as condições de recepção
de alunos da 8ª série da Educação Básica, seu universo de relações e a
compreensão de mundo pertinentes a essa faixa etária. Ao lado disso, considera-se
extremamente importante a exploração dessa temática na Educação Básica, o
aprofundamento de certas questões raciais, enquanto persistirem os conhecidos
problemas de ordem social, de inclusão e de convivência das inúmeras diferenças
presentes na sociedade brasileira.
4 Referências
FREIRE, P. A importância do ato de ler. -46 ed. – São Paulo: Cortez, 2005.
SISTO, C. Mãe África mitos, lendas, fábulas e contos. São Paulo: Paulus, 2007.