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DESIDÉRIO MURCHO
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Copyright © Desidério Murcho e Edições 70, 2019
Revisão: João Moita
Ilustração da capa: Johan De Fre, Três Maçãs na Prateleira
1.ª edição impressa: Agosto de 2019
2.ª edição electrónica: Abril de 2022
Todos os direitos reservados.
Esta obra está protegida pela lei. Não pode ser reproduzida, no todo ou em parte, qualquer
que seja o modo utilizado, incluindo fotocópia e xerocópia, sem prévia autorização do
Editor. Qualquer transgressão à lei dos Direitos de Autor será passível de procedimento
judicial.
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CONTENTS
Prefácio
1. Lógica
2. Verofuncionalidade
3. Derivações
4. Quantificação
5. Identidade
6. Árvores
7. Modalidade
8. Além da linguagem
Apêndice
Exercícios resolvidos
Símbolos e abreviaturas
Bibliografia
Notas
Do mesmo autor
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Quero filhos, quero whisky, quero um ideal, quero uma casa
de campo, quero um automóvel, quero um bife de lombo,
quero a eternidade, quero um perfume francês — mas nunca
ouvi da boca de ninguém isto: quero saber pensar.
— JOÃO SOUSA MONTEIRO, TIRE A MÃE DA BOCA
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PREFÁCIO
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recursiva das regras de formação de fórmulas; mas é de admitir que
se escapa dessa frigideira para cair no fogo porque não se evita
discutir as questões filosóficas mais profundas onde se entrelaçam
as raízes da lógica. A convicção subjacente é que aprender a repetir
sem grande compreensão procedimentos matemáticos é uma tarefa
prescindível, pelo que todo o esforço de simplificação técnica é
bem-vindo; mas pela mesmíssima razão é desavisado evitar ou
mascarar o que há de substancial para ser compreendido na lógica.
Os conteúdos dos cinco primeiros capítulos constituem o que é
comum ensinar num primeiro semestre universitário de lógica
formal. O capítulo 7, que usa as árvores de verdade desenvolvidas
no capítulo 6, aborda a lógica modal. Esta é cada vez mais
correctamente encarada como uma parte da lógica elementar — e é
um instrumento filosófico de importância capital. O capítulo 8 é
dedicado a aspectos não-dedutivos do raciocínio; procurou-se
fornecer elementos orientadores, que ajudem a compreender como
se raciocina bem indutivamente. É neste capítulo que se torna
evidente para o leitor atento que o raciocínio dedutivo abordado nos
capítulos anteriores é parte integrante de um sistema diversificado
de prova, sem o qual nenhum conhecimento substancial existiria. No
final de cada capítulo são propostos exercícios, cujas sugestões de
resolução se encontram no final do volume. Sobretudo porque em
algumas escolas se insiste, contra os melhores interesses
formativos dos estudantes, em ensinar a lógica aristotélica, o
Apêndice apresenta alguns aspectos sem os quais dificilmente há
qualquer compreensão adequada desta lógica.
Várias decisões que deram forma a este livro resultam de uma
experiência de dez anos a ensinar lógica a estudantes universitários
do primeiro semestre. Vale talvez a pena mencionar uma das
principais lições que resultaram dessa experiência: a urgência de
resistir inequivocamente à tentação de mecanizar, simplificar e
higienizar os conteúdos, para que possam ser diligentemente
decorados sem compreensão e depois esquecidos. Ceder a essa
tentação é prestar um péssimo serviço aos alunos que têm paixão
pelo conhecimento, curiosidade pelas coisas e genuína vontade de
aprender. A lógica é difícil, e qualquer passo no sentido de tornar o
ensino mais parecido com as alegrias ilusórias do fácil é uma
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mentira que prejudica sobretudo os estudantes com mais
dificuldades de aprendizagem, porque o fácil e vazio já eles têm. O
professor tem a obrigação profissional de retirar do seu ensino todas
as dificuldades pedagógicas desnecessárias, mas só essas. Retirar
as outras é como imaginar que se ensina violino mais
proficientemente começando por deitar fora as cordas.
Beneficiei da atenção crítica de vários colegas, amigos e alunos,
que generosamente leram e deram inúmeras sugestões que
permitiram melhorar substancialmente o resultado final: Artur
Polónio, Matheus Silva, Lucas Miotto, Aires Almeida, Isaac Ramos,
Jean Leison Simão, Lucas Grecco, Fellipe Ávila, Leandro Bezerra e
Daniela Moura Soares. Estou muito agradecido a todos.
Espero que este livro seja um bom instrumento de trabalho para
estudantes, professores e outros leitores interessados numa das
áreas mais fascinantes do pensamento do século .
D M
Ouro Preto, 21 de Dezembro de 2018
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LÓGICA
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1.1 Raciocínio
Uma primeira tarefa quando se estuda lógica é compreender melhor
o que é o raciocínio, qual é a sua importância e quais são as suas
componentes. Uma boa maneira de fazê-lo é começar por ver um
exemplo: «Os animais não têm direitos porque não têm deveres.» A
palavra «porque» indica que se pretende provar a conclusão de que
os animais não têm direitos com base na premissa de que não têm
deveres, e é por isso que é um raciocínio: é uma tentativa de provar
uma conclusão recorrendo a uma ou mais premissas. Tanto as
premissas como as conclusões dos raciocínios são frases
declarativas — um conceito simples, mas que encerra algumas
subtilezas que serão esclarecidas de seguida. Para já, atente-se em
quatro aspectos importantes do conceito de raciocínio.
Em primeiro lugar, os raciocínios tanto têm uma como duas ou
mais premissas, mas só têm uma conclusão — quando têm mais de
uma, trata-se de vários raciocínios encadeados, como se verá
(secção 1.7). Claro que nada custa definir estruturas matemáticas
com várias conclusões (Shoesmith e Smiley 1978); porém, não é
fácil imaginar casos incontroversos de raciocínios genuínos com
mais de uma conclusão. Contudo, como se verá (secção 3.11),
qualquer frase implica várias conclusões. Em segundo lugar,
qualquer definição apropriada de raciocínio inclui o termo
«tentativa», ou quejandos, porque caso contrário excluiria
raciocínios errados, que não provam a conclusão. Em terceiro lugar,
os raciocínios só existem quando alguém pretende provar uma
conclusão. Em muitos raciocínios que não provam a conclusão, não
há qualquer relação que faça de umas frases premissas e da outra
uma conclusão, excepto o facto de alguém usar umas para tentar
em vão provar a outra. Por fim, o sentido de «prova» em questão no
conceito de raciocínio não se restringe a casos em que se tenta
provar aquilo que já se aceita; ao invés, inclui também o mais
importante, que é a tentativa de descobrir qual é a conclusão
apropriada, como quando se faz um cálculo mental para saber qual
é o troco devido numa transacção comercial. Contudo, o conceito de
prova vai muito além destas provas aritméticas simples e definitivas;
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a maior parte das provas não são definitivas. As provas de que
nunca houve vida na Lua são muito fortes, mas não garantem que
nunca houve; talvez os cientistas se tenham enganado, ou talvez
surjam novas provas que mostrem que já houve vida na Lua. Daí
que por vezes se fale de razões, justificações, indícios ou sinais, em
vez de provas. Mas a ideia é sempre a mesma: há algo que conta
apropriadamente a favor da conclusão, ainda que não a prove
definitivamente. É isto que se entende aqui por «prova».
Curiosamente, na língua inglesa não parece haver um só termo
suficientemente amplo como em português; o inglês «evidence», por
vezes traduzido por «evidência» (o que é dissonante em português,
porque grande parte das evidências não são evidentes, como as
provas arqueológicas), refere-se quase sempre a provas empíricas,
mas não às lógicas e matemáticas («proofs»).
Agora que se compreende um pouco melhor o que é o
raciocínio, compreende-se também a sua importância. A maior parte
do conhecimento humano é obtido por raciocínio: não se sabe
directamente que os dinossauros se extinguiram há 65 milhões de
anos, nem que a água é H 2O, nem que os animais não têm direitos.
Em todos estes casos, raciocina-se para concluir essas ideias:
tenta-se descobrir o que não se sabe com base no que se considera
que se sabe. Não há outra maneira de proceder, porque os seres
humanos não têm um acesso místico ou especial ao que não
conseguem saber directamente: só raciocinando se consegue ir
além do conhecimento simples do aqui-e-agora. Porém, os
raciocínios só provam seja o que for caso sejam bons, e o papel da
lógica é ajudar a estabelecer se o são ou não. Raciocinar não é uma
questão de mera opinião subjectiva; pelo contrário, há critérios
objectivos que ajudam a determinar se um raciocínio é bom ou não.
Usa-se muito o termo «argumento» como aproximadamente
sinónimo de «raciocínio». Em rigor, porém, argumenta-se para
persuadir alguém, coisa que nem sempre ocorre quando se
raciocina: um arqueólogo examina uma gruta e conclui que foi em
tempos habitada, mas estava apenas a tentar descobrir a verdade e
não a tentar persuadir alguém. Em contraste, quando se argumenta
para persuadir, não se está a tentar descobrir a conclusão, mas a
tentar fazer alguém aceitá-la. Dois outros termos relacionados são
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«inferência» e «razão»: num raciocínio infere-se uma conclusão
com base em razões.
Por fim, note-se que nem todo o raciocínio é discursivo. Quando
se reconhece um rosto ou se conduz um automóvel e quando se
conclui qualquer coisa olhando para um mapa ou para um gráfico,
quase nunca se articula discursivamente o raciocínio envolvido; em
muitos desses casos nem sequer se consegue fazê-lo porque não é
consciente. O raciocínio não-discursivo só na secção 8.9 será
brevemente abordado, pelo que até lá será sempre o discursivo que
se tem em vista.
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1.2 Valor de verdade
Os raciocínios discursivos são constituídos por premissas e
conclusões, que por sua vez são frases declarativas. Estas
contrastam com outros tipos de frases, como as interrogativas e as
imperativas. O que distingue estes tipos de frases é o que se faz
com elas. Usa-se frases declarativas para fazer asserções, as
interrogativas para fazer perguntas e as imperativas para dar
ordens; contrastam assim com meras palavras ou conjuntos de
palavras que têm significado, mas não são usadas para fazer essas
coisas. «Yourcenar e Le Guin» não é em muitos contextos uma
frase, mas apenas quatro palavras; «romancista francesa» também
não é uma frase. Assim, em geral, uma frase é um conjunto de
palavras (em alguns casos só uma, como em «Choveu»)
organizadas de maneira a permitir fazer asserções ou perguntas,
dar ordens, etc. Note-se que a palavra inglesa «phrase» não
significa «frase», mas antes «expressão» ou «conjunto de termos».
Usa-se por vezes «sentença» em vez de «frase» porque é parecida
à palavra inglesa «sentence».
Só as frases declarativas são verdadeiras ou falsas; nem as
interrogativas, nem as imperativas o são. Quando uma frase é
verdadeira ou falsa, tem valor de verdade. O valor de verdade da
frase «Yourcenar escreveu A Obra ao Negro» é verdadeiro, sendo
falso o valor de verdade de «Yourcenar era portuguesa». Os valores
de verdade não dependem das convicções humanas, porque os
seres humanos não são omniscientes. Por mais que muitos seres
humanos, ou todos, tenham a convicção de que existem
extraterrestres, a frase «Existem extraterrestres» é falsa se eles não
existirem; e a única coisa que a torna verdadeira é a sua existência.
Os seres humanos não sabem qual é o valor de verdade de
muitíssimas frases. Isso não significa que essas frases não têm
valor de verdade. Como se vê, é de importância capital não
confundir o valor de verdade que uma frase realmente tem com o
valor de verdade que os seres humanos consideram que tem.
Daqui em diante, sempre que se falar de frases, ter-se-á em
mente apenas frases com valor de verdade, o que exclui perguntas,
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exclamações e ordens. Note-se, porém, que é comum usar frases
que gramaticalmente não são declarativas para fazer asserções:
uma pessoa pretende realmente dizer que a vida não tem sentido,
mas limita-se a exclamar «Claro que a vida não tem sentido!», ou a
perguntar retoricamente «Não é ridículo considerar que a vida tem
sentido?». Por isso, o que é relevante não é a frase proferida ou
escrita, mas o que se faz com ela. Ao examinar raciocínios,
transforma-se em frases declarativas todas as que forem usadas
para fazer asserções, mesmo que gramaticalmente sejam perguntas
ou exclamações.
Além disso, muitas frases dependem mais fortemente do
contexto em que são proferidas. Caso no dia 15 de Novembro de
2018 se profira em Lisboa a frase «Ontem choveu», o que se quer
dizer não coincide com o que se quererá dizer se essas mesmas
palavras forem proferidas noutro dia ou noutro local. O mesmo
acontece com frases que incluem explicitamente indexicais como
«eu», «ali», e muitas outras (os indexicais, designação dada por
Charles Sanders Peirce aos deícticos, são termos cuja referência
depende do contexto em que são usados; a palavra «eu», por
exemplo, refere quem a profere). Em todos esses casos, a frase que
conta é a que resulta da eliminação dos indexicais, como «Choveu
no dia 14 de Novembro de 2018 em Lisboa».
Nem todas as frases declarativas têm valor de verdade, apesar
de esse ser o seu papel gramatical principal. Quando uma frase
declarativa não tem valor de verdade, é absurda — não no sentido
mais comum de ser escandalosa, mas antes no sentido de ser um
mero jogo de palavras sem valor de verdade. Afirmar que as ideias
verdes incolores dormem furiosamente juntas (Chomsky 1957)
talvez seja sugestivo num contexto literário ou poético, mas não é
verdadeiro nem falso. Grande parte da sabedoria barata pretensiosa
e pretensamente profunda inclui doses generosas de frases
absurdas.
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1.3 Frase
Uma frase não é apenas um conjunto de sons ou de traços. Em si,
nada nestas entidades físicas lhes dá o poder de asserir, pedir,
interrogar ou ordenar. O que lhes dá esse poder é a acção
coordenada dos seres humanos, que as usam de uma maneira
suficientemente regular para fazer certas coisas. Porque várias
pessoas fazem certas coisas com os traços «Está calor», estes
querem dizer, em português e em contextos comuns, que está calor
nesse local e nesse momento — mas em alemão não têm
significado, e em contextos militares talvez queiram dizer que o
ataque está iminente.
Compreende-se melhor os fenómenos linguísticos pensando
num triângulo. Numa das pontas estão entidades físicas como sons
ou traços que, por si, não têm qualquer poder para, entre outras
coisas, falar de entidades como árvores, átomos e galáxias, mas
também de sentimentos, anelos e paixões, que estão na outra ponta
deste triângulo imaginário. Quem coordena e faz a ligação entre
estas duas pontas do triângulo são agentes linguísticos como os
seres humanos, e é a essa coordenação espantosamente bem-
sucedida que se chama «convenção linguística». Sem que na maior
parte dos casos o tenham explicitamente convencionado, vários
seres humanos usam coordenadamente certos sons para falar da
água (e para fazer outras coisas, dependendo do contexto), e só
isso lhes dá esse poder quase mágico. Assim, as frases não se
reduzem às suas componentes físicas, que são os sons ou traços;
ao invés, são os usos coordenados que os agentes linguísticos
fazem dessas componentes físicas que fazem delas frases. Quando
se olha apenas para essas componentes, não se compreende como
têm poder simbólico.
Em filosofia é comum usar o conceito de proposição. Porém,
nem todos os filósofos concordam que é preciso postular
proposições para explicar a linguagem; em contraste, a existência
de frases não é polémica. E se o conceito de frase for
adequadamente compreendido, não o reduzindo à sua componente
física, torna-se ocioso usar o conceito de proposição no
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desenvolvimento da lógica. Em qualquer caso, para compreender os
aspectos elementares do conceito de proposição, considere-se duas
ou mais frases, da mesma língua ou de línguas diferentes, que
tenham o mesmo significado, como «Yourcenar nasceu na Bélgica»
e «Yourcenar was born in Belgium». É razoável considerar que se
trata de duas frases que exprimem o mesmo; a ideia é então que
exprimem a mesma proposição. Assim, considera-se que uma
proposição é o conteúdo verdadeiro ou falso expresso por uma frase
(será depois preciso explicar o que é o conteúdo). De notar que
alguns matemáticos chamam «proposição» às variáveis de frase
(secção 2.2), e não ao que é comum em filosofia entender-se por
essa palavra.
Ao contrário das frases, as proposições não têm qualquer
componente concreta; são entidades inteiramente abstractas.
Porém, o que significa dizer que uma entidade é concreta e outra
abstracta? Apesar de não ser fácil definir estes conceitos de
maneira inteiramente satisfatória, já se ganha uma boa
compreensão contrastando os círculos que se desenham num papel
com o conceito matemático de círculo. No primeiro caso, trata-se de
entidades físicas: traços num papel, localizados no tempo e no
espaço. O conceito matemático de círculo, em contraste, não parece
localizado no tempo nem no espaço. Talvez resulte apenas por
abstracção mental a partir dos vários círculos concretos, ou de uma
definição matemática estipulativa; nesse caso, não é independente
de quem o concebe ou estipula. Ou talvez seja uma entidade
platónica, no sentido de existir num mundo abstracto, fora do
espaço e do tempo, e inteiramente independente de haver ou não
quem conceba ou estipule o conceito de círculo. Seja como for, o
conceito de proposição é abstracto num ou noutro desses sentidos,
ou em sentidos próximos; já as frases têm componentes
inequivocamente concretas, ainda que não se reduzam a elas. Por
isso, nenhuma frase é uma proposição — tal como nenhum círculo
concreto, escrito num papel, é um círculo abstracto. Daí que
escrever o seguinte esteja errado, caso se entenda o conceito de
proposição como é comum hoje em dia:
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Porque as proposições são actualmente entendidas como
entidades abstractas, a frase anterior está errada, uma vez que
presume que entre aspas está a proposição de que Yourcenar era
romancista — porém, o que realmente está entre aspas é uma frase
que exprime essa proposição. As proposições não se escrevem
nem são postas entre aspas, ao contrário das frases, porque são
entidades sem qualquer componente concreta; pela mesma razão,
também não se desenha círculos abstractos. Assim, as maneiras
adequadas de escrever e falar são as seguintes:
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1.4 Indicadores
Muitíssimos discursos, tanto orais como escritos, incluem
raciocínios. Contudo, o raciocínio nem sempre é a parte mais
importante. Muitos discursos são predominantemente informativos,
poéticos ou confessionais; mesmo que incluam raciocínios, esse
não é o seu aspecto principal. Por outro lado, mesmo que o
raciocínio seja predominante num discurso, não há nele apenas
raciocínio: há também descrições e esclarecimentos, entre outras
coisas. Por isso, é importante saber examinar os discursos para
encontrar os raciocínios que eventualmente contenham e para os
distinguir do que não desempenha qualquer papel inferencial. Uma
maneira de fazê-lo é procurar indicadores de premissa: expressões
que indicam que a frase seguinte é uma premissa; a frase anterior
por vezes é a conclusão, mas nem sempre. Quando alguém afirma
que os animais não têm direitos porque não têm deveres, a palavra
«porque» indica que a frase seguinte é uma premissa. Em
contraste, os indicadores de conclusão assinalam que a frase
seguinte é a conclusão. De notar que estes termos nem sempre
indicam conclusões, ou premissas; a palavra «porque» indica muitas
vezes uma relação causal, e não inferencial: «Yourcenar caiu
porque escorregou» indica a causa da queda, e não a premissa que
prova que ela caiu.
21
Os animais não têm direitos, uma vez que não têm
deveres.
Os animais não têm direitos, dado que não têm deveres.
Dado que os animais não têm deveres, não têm direitos.
Os animais não têm deveres. Consequentemente, não
têm direitos.
Os animais não têm deveres. Logo, não têm direitos.
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recorrendo aos indicadores de premissa e de conclusão, se os
houver, e eliminar o resto; segundo, explicitar a conclusão e todas
as premissas. Por fim, acrescentar quaisquer premissas, ou até
conclusões, que tenham ficado ocultas.
Nem sempre é fácil ver quais são as premissas ocultas que é
razoável considerar que o autor tinha em mente. Uma pessoa que
defenda que a cocaína deve ser proibida porque provoca
dependência talvez não aceite que tudo o que provoca dependência
deve ser proibido; nesse caso, não se vê como se prova que a
cocaína deve ser proibida com base apenas na dependência. Além
disso, em alguns casos, é a própria conclusão que está oculta;
afirmar «Se Yourcenar nunca visitou África, nunca visitou o Egipto»
sugere por vezes o seguinte raciocínio:
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1.5 Lógica na filosofia
Nem sempre os raciocínios são formulados de uma maneira tão
explícita quanto seria desejável. Porém, isso ocorre por vezes:
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animais). Dada esta interpretação, eis o raciocínio que Hume parece
ter em mente:
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1.6 Validade
A partir de agora será usado o termo «cogente» para dizer que um
raciocínio é bom. Os raciocínios cogentes obedecem a pelo menos
quatro condições, mas neste capítulo serão apresentadas apenas
três. A primeira é o conceito fundacional da lógica: a validade.
É importante não confundir o conceito lógico de validade com
outros conceitos habitualmente associados à mesma palavra. Dizer
que uma ideia é válida, em muitos contextos, é dizer que tem valor,
é de aplaudir, é interessante ou tem aplicação. Outras vezes, diz-se
que uma teoria científica é válida querendo com isso dizer que é
verdadeira, mas parece menos ingénuo dizer que é válida — muitas
teorias científicas foram empiricamente verificadas ou validadas, e
isso faz pensar, erradamente, que em vez de serem verdadeiras são
válidas. Além disso, quando uma norma pertence ao ordenamento
jurídico, os jurisconsultos dizem que é válida. O conceito lógico de
validade não tem qualquer relação relevante com estes usos do
termo.
Para compreender a validade, é uma boa ideia começar pelo
conceito de condições de verdade. Considere-se de novo a frase
«Existem extraterrestres». Não se sabe qual é o seu valor de
verdade, mas sabe-se que se eles existirem, a frase será
verdadeira, e será falsa caso contrário; ou seja, sabe-se quais são
as suas condições de verdade. Como se vê neste caso, muitas
vezes sabe-se quais são as condições de verdade de uma frase
sem se saber qual é o seu valor de verdade. Porém, noutros casos,
como «Se os extraterrestres existem, existem», o conhecimento das
condições de verdade é suficiente para saber qual é o seu valor de
verdade. Ora, o que acontece no caso dos raciocínios válidos é que
o conhecimento das condições de verdade das suas frases é
suficiente para saber que não têm conclusão falsa caso as
premissas sejam todas verdadeiras. Considere-se o seguinte
exemplo:
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Mas ela não está em Portugal.
Logo, não está em Lisboa.
Mesmo sem saber quem é a Sofia nem onde está ela, sabe-se
que este raciocínio não tem conclusão falsa caso as duas premissas
sejam verdadeiras. Porquê? Porque se a conclusão for falsa, ela
está em Lisboa — mas nesse caso a segunda premissa também é
falsa, caso a primeira seja verdadeira. O raciocínio não tem
premissas verdadeiras e conclusão falsa, e sabe-se isso com base
apenas nas condições de verdade. É isto que acontece sempre que
um raciocínio é válido. Contraste-se com o caso seguinte:
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A. Numa boa definição, B é uma condição necessária e suficiente de
A. Nesta definição especifica-se uma condição necessária e
suficiente da validade.
Note-se que o que conta no contraste entre a validade e a
invalidade não é se as premissas são verdadeiras ou falsas, nem se
a conclusão é uma dessas coisas. O que conta é se o conhecimento
das condições de verdade é suficiente ou não para saber que não
tem conclusão falsa caso as premissas sejam todas verdadeiras.
Para que um raciocínio seja válido não é uma condição necessária,
nem suficiente, que as premissas sejam verdadeiras; e para que
seja inválido também não é uma condição necessária, nem
suficiente, que a conclusão seja falsa. O que conta para a validade é
que as premissas e a conclusão estejam de tal modo articuladas
que o conhecimento das suas condições de verdade seja suficiente
para saber que não tem conclusão falsa caso as premissas sejam
todas verdadeiras; e o que conta para a invalidade é que esse
conhecimento não seja suficiente para saber tal coisa. Por isso, a
validade não diz respeito às frases isoladamente, mas antes ao
modo como estão articuladas. No exemplo seguinte, as premissas e
a conclusão são verdadeiras, mas o raciocínio é inválido:
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Alguns cavalos são marcianos.
Logo, alguns marcianos são cavalos.
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validade só aproximadamente são equivalentes, ainda que na sua
aplicação matemática não façam diferença. A definição rigorosa de
validade encerra subtilezas filosóficas importantes (secção 7.14),
apesar de os seus aspectos matemáticos serem banais.
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1.7 Raciocínios encadeados
A primeira condição necessária da cogência é a validade. É uma
condição necessária, mas não suficiente, porque todos os
raciocínios cogentes são válidos, mas há raciocínios válidos que
não são cogentes. A segunda condição é a verdade das premissas.
Os raciocínios que reúnem estas duas condições são sólidos, e
provam definitivamente que a conclusão é verdadeira.
Uma vez que os seres humanos não são omniscientes, há casos
em que se considera erradamente que uma premissa é verdadeira,
ou em que se rejeita uma premissa verdadeira que por erro se
considera falsa. Todos os raciocínios sólidos têm conclusões
verdadeiras, mas nem sempre se sabe se as premissas são
verdadeiras. Quando pelo menos uma das premissas é duvidosa,
recorre-se a outros raciocínios para se tentar provar que é
verdadeira. O seguinte excerto, de um diálogo amplamente usado
como introdução ao pensamento de Platão até ao século ,
quando Schleiermacher (1809) pôs a sua autenticidade em dúvida
com argumentos algo duvidosos (Jirsa 2009), ilustra este aspecto:
31
Alc.: Que queres dizer?
Sóc.: Um sapateiro, por exemplo, corta com um estilete e
uma raspadeira, penso, e com outras ferramentas.
Alc.: Sim, é o que ele faz.
Sóc.: Portanto, não é quem faz os cortes e usa as
ferramentas diferente das ferramentas com que corta?
Alc.: É claro.
Sóc.: E, do mesmo modo, não é quem toca harpa diferente
daquilo que usa para fazê-lo?
Alc.: Sim.
Sóc.: Era isso que perguntava — quem usa uma coisa não
parece sempre diferente daquilo que usa?
Alc.: Parece que sim.
Sóc.: Pensemos de novo no sapateiro. Corta ele só com as
ferramentas, ou também com as mãos?
Alc.: Também com as mãos.
Sóc.: Portanto, ele usa também as mãos.
Alc.: Sim.
Sóc.: E não usa ele também os olhos quando faz sapatos?
Alc.: Sim.
Sóc.: Não concordámos que a pessoa que usa é diferente do
que usa?
Alc.: Sim.
Sóc.: Então o sapateiro e o harpista são diferentes das mãos
e dos olhos que usam no seu trabalho.
Alc.: Assim parece.
Sóc.: Não usa um homem também todo o seu corpo?
Alc.: Certamente.
Sóc.: E concordámos que quem usa é diferente da coisa que
está a ser usada.
Alc.: Sim.
Sóc.: Então o homem é diferente do seu próprio corpo.
Alc.: Assim parece.
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Platão pretende provar que os seres humanos são diferentes dos
seus próprios corpos, talvez porque pensa que são almas que
habitam corpos. Esta ideia é a conclusão principal do texto, e é a
primeira coisa que urge reconhecer. Uma vez identificada a
conclusão principal, torna-se mais fácil encontrar os raciocínios que
visam prová-la. Sócrates dá vários exemplos em que quem usa e o
que é usado são diferentes, sendo esta a chave para compreender
o raciocínio principal do texto:
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premissas mais disputáveis exijam outros raciocínios para tentar
prová-las.
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1.8 Plausibilidade
Não basta que os raciocínios sejam sólidos para que sejam
cogentes, como é evidente:
Neste caso, ainda que a conclusão não seja uma mera variação
linguística da premissa, esta não é de modo algum mais plausível
do que aquela. E isso é o que acontece sempre que os raciocínios
são circulares: pelo menos uma premissa efetivamente usada para
chegar à conclusão não é mais plausível do que a conclusão.
A plausibilidade é um juízo algo vago de probabilidade; é o que
parece mais ou menos provável a alguém, num dado contexto, em
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função de várias informações de fundo ao seu dispor. Quando se vê
uma panela de água em ebulição, é muito plausível que a água
esteja realmente em ebulição, mas maximamente implausível que
seja uma divindade ou um extraterrestre, e não o fogo, que a faz
ferver. O que é plausível ou não depende de variadíssimos factores,
talvez insusceptíveis de serem exaustivamente especificados.
Felizmente, alguns têm força independente das pessoas, e por isso
quase todas concordam quanto à plausibilidade de certas coisas,
mesmo que sejam inicialmente implausíveis. Basta dobrar cinquenta
vezes uma folha de papel de 0,1 milímetros de espessura para ficar
com mais de cem milhões de quilómetros de espessura. Este
resultado é de início mais que muitíssimo implausível — mas depois
faz-se as contas e vê-se que é mesmo assim: 0,1 mm × 2 50 = 112
589 990 684 262,4 mm = 112 589 990 684,2624 m = 112 589
990,6842624 km. A plausibilidade depende não apenas das
impressões iniciais, mas também do que se prova ou não depois
disso e da força dessas provas. Em muitos casos, porém, as
pessoas discordam quanto ao que é mais ou menos plausível.
Para que os raciocínios sólidos sejam cogentes é preciso que
todas as premissas sejam mais plausíveis do que a conclusão; mas
mais plausíveis para quem? Para quem não aceita a conclusão. Isto
é mais evidente quando se argumenta para persuadir alguém: é
preciso que ela considere que todas as premissas são mais
plausíveis que essa conclusão, pois caso contrário limita-se a
rejeitar uma delas. Veja-se o seguinte caso:
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Se só tivesse direitos quem tem deveres, os bebés não
teriam direitos.
Mas os bebés têm direitos.
Logo, é falso que só tem direitos quem tem deveres.
37
A primeira frase está longe de ser mais plausível do que a última,
pois esta é algo que se sabe directamente (vendo que Sócrates
morreu), ao passo que não se sabe de maneira directa e simples
que todos os seres humanos são mortais. De modo que, caso se
considere que se trata de um raciocínio, não obedece à terceira
condição da cogência. Porém, é razoável defender que não se trata
de um raciocínio no sentido probatório do termo, mas de uma
explicação; em qualquer caso, não é um raciocínio, tal como foi
definido, se for uma tentativa de explicar por que razão Sócrates é
mortal, e não de provar que o é. O mesmo acontece quando se vê
água em ebulição e se explica este fenómeno invocando leis da
natureza. Estas leis são muito menos plausíveis e mais difíceis de
estabelecer que o facto evidente de a água estar em ebulição; a
ideia, porém, não é provar o evidente, mas explicá-lo. Estes casos
mostram que a terceira condição da cogência não se aplica a
explicações.
Não é só no caso das explicações que a terceira condição não
se aplica; ironicamente, não se aplica também em muitos casos da
matemática e da própria lógica. Ao desenvolver uma teoria
matemática ou lógica, é por vezes importante provar que, usando
apenas alguns pontos de partida, se consegue chegar a todas as
outras verdades da área, muitas das quais já são conhecidas. Na
lógica que será aqui estudada consegue-se chegar à verdade lógica
banal «Se Yourcenar era francesa, era francesa» sem usar
quaisquer verdades lógicas como ponto de partida. Os raciocínios
encadeados que conduzem a este resultado são interessantes, mas
o que se pretende realmente provar não é que se ela era francesa,
era francesa, pois isso é banal e já se sabia; ao invés, o que se quer
provar é que se atinge este resultado usando apenas certos pontos
de partida, alguns dos quais são por vezes menos evidentes do que
a conclusão alcançada. Também neste caso não se exige a terceira
condição da cogência, mas também aqui é razoável pensar que não
se trata de uma tentativa de provar a conclusão — o que se visa
provar é que a conclusão se obtém usando apenas certos pontos de
partida.
38
1.9 Exercícios
39
2
40
VEROFUNCIONALIDADE
41
2.1 Forma lógica
Considere-se os seguintes raciocínios:
Se p, então não-q.
q.
Logo, não-p.
42
2.2 Cinco operadores
A lógica clássica tem duas partes: a quantificada (capítulo 4) e a
verofuncional, que começa agora a ser desenvolvida, e que é
também conhecida como «lógica proposicional» e «lógica frásica».
Nesta lógica, estuda-se apenas uma classe restrita de raciocínios:
aqueles em que as únicas componentes relevantes para a validade
são as condições de verdade de cinco operadores de formação de
frases, que são palavras, ou conjuntos de palavras, que se aplicam
a frases para gerar outras frases. Aplicar apropriadamente o
operador de negação à frase «Mercúrio é um planeta» gera a frase
«Mercúrio não é um planeta». E aplicar apropriadamente o operador
de conjunção («e») às frases «Yourcenar era romancista» e «Le
Guin era romancista» gera a frase «Yourcenar e Le Guin eram
romancistas». Os operadores de formação de frases só formam
frases quando são aplicados a frases; não geram frases se forem
aplicados a palavras que não constituem frases, razão pela qual,
apesar de resultar da aplicação da conjunção, «paz e saúde» não é
uma frase — em alguns contextos será uma frase exclamativa ou
optativa, mas nunca ou raramente será uma frase declarativa. Por
outro lado, as palavras que só por vezes geram frases a partir de
frases não são operadores de frases. O advérbio «rapidamente»
gera a frase com sentido «Yourcenar correu rapidamente» a partir
de «Yourcenar correu», mas partindo de outras frases, como
«Yourcenar era romancista» isso já não acontece; por isso, não é
um operador de formação de frases.
Os operadores de formação de frases têm um papel semântico
muito diferente dos indicadores de conclusão, como «logo», ou de
premissa, como «porque». Os primeiros permitem formar frases
partindo de frases, mas os segundos não formam frases no sentido
lógico do termo, mas raciocínios, que são encadeamentos especiais
de frases. Gramaticalmente, tanto 1 como 2 são frases:
43
Porém, 1 é realmente uma frase, mas 2 é um raciocínio — por
isso, não é verdadeiro nem falso. Os indicadores de premissa e de
conclusão não formam frases a partir de frases, mas raciocínios a
partir de frases. Daí que nem «logo», o indicador canónico de
conclusão, nem qualquer outro indicador de premissa ou de
conclusão seja um operador de formação de frases.
Eis então os cinco operadores de frases da lógica clássica,
também conhecidos como «conectivas»:
44
mesmo que se representa na seguinte tabela de verdade, usando V
e F para representar os valores de verdade:
45
Estas tabelas especificam as condições de verdade dos
operadores. Uma conjunção só é verdadeira se ambas as conjuntas
forem verdadeiras; simetricamente, uma disjunção só é falsa se
ambas as disjuntas forem falsas. Quanto à condicional, só é falsa se
a antecedente for verdadeira e a consequente falsa. Por último, uma
bicondicional só é verdadeira se ambas as frases tiverem o mesmo
valor de verdade.
É crucial não confundir as frases propriamente ditas com a
especificação das suas formas lógicas. Considere-se o seguinte:
46
2.3 Funções de verdade
O valor de verdade de qualquer frase de uma das cinco formas
lógicas anteriormente especificadas é inteiramente determinado pelo
valor de verdade das frases constituintes. Isto acontece porque
aqueles cinco operadores são verofuncionais. Um operador de
formação de frases é verofuncional sse o valor de verdade da frase
que o tenha como operador principal for exclusivamente
determinado pelo valor de verdade da frase ou frases sem ele.
Estes operadores têm esta designação porque são funções de
verdade, ou seja, funções cujos valores de entrada e de saída são
valores de verdade. No sentido matemático do termo, uma função é
qualquer operação na qual os valores de saída são inteiramente
determinados pelos de entrada.
Compare-se qualquer operador verofuncional com o operador
«necessariamente», que não é verofuncional. Neste caso, a tabela
de verdade fica incompleta porque o valor de verdade de uma frase
qualquer com o operador não depende apenas do valor de verdade
da frase sem o operador. Para ver porquê, imagine-se que uma
frase da forma p é verdadeira; qual é o valor de verdade de
«Necessariamente, p»? Não se sabe, pois isso não depende
exclusivamente do seu valor de verdade. A frase verdadeira
«Yourcenar viveu nos EUA» dá origem à frase falsa
«Necessariamente, Yourcenar viveu nos EUA»; já a frase também
verdadeira «O número oito é par» dá origem à frase verdadeira
«Necessariamente, o número oito é par». Isto significa que o
operador «necessariamente» (capítulo 7) não é verofuncional, ao
contrário dos cinco operadores clássicos.
Considere-se agora todos os operadores binários verofuncionais:
47
Há sempre maneira de usar apenas os cinco operadores
clássicos para obter as condições de verdade de qualquer um dos
dezasseis: as frases com o operador 2 têm as mesmas condições
de verdade de ¬(p ⋀ q), as com o 14 têm as mesmas condições de
verdade de ¬(p → q). Isto significa que os cinco operadores da
lógica clássica não foram respigados ao acaso. Pelo contrário, não
só têm uma característica fundamental em comum — são todos
verofuncionais — como permitem formar frases com as condições
de verdade de qualquer operador verofuncional binário. Uma vez
que usando apenas os cinco operadores clássicos se consegue
obter as condições de verdade de qualquer frase com operadores
verofuncionais ternários, quaternários, etc., a lógica verofuncional é
muito mais vasta do que parece à primeira vista, pois é uma teoria
de todo o raciocínio verofuncional e de todas as relações lógicas
entre frases verofuncionais. Uma frase é verofuncional sse permite
formar raciocínios verofuncionais; e um raciocínio é verofuncional
sse as únicas componentes relevantes para a sua validade são os
operadores verofuncionais. Dada esta última definição, os
raciocínios válidos seguintes não são verofuncionais:
Yourcenar é romancista.
Marguerite é Yourcenar.
Logo, Marguerite é romancista.
Le Guin é norte-americana.
Logo, é possivelmente norte-americana.
48
Nestes raciocínios há outras componentes relevantes para a
validade, além dos operadores verofuncionais. Nos capítulos 5 e 7,
a teoria será alargada para abranger raciocínios como estes.
49
2.4 Língua portuguesa
As condições de verdade dos cinco operadores clássicos só
parcialmente correspondem à língua portuguesa. O objectivo não é
dar conta de todos os aspectos do seu significado; o objectivo é
exactamente o oposto: abranger apenas o seu aspecto
verofuncional.
Começando pela conjunção, esta é por vezes usada indicando
um aspecto temporal: «Yourcenar comeu e saiu» indica que saiu
depois de comer e não antes. Porém, este não é um aspecto
verofuncional do significado da conjunção; por isso, é ignorado na
lógica clássica. Além disso, tal como os outros operadores, a
conjunção exprime-se na língua portuguesa de muitas maneiras:
p mas q
p apesar de q
tanto p como q
quer p quer q
p mas também q
p, embora também q
50
queira excluir que ela seja as duas coisas. Em contraste, na frase
«Yourcenar nasceu na Bélgica ou nos EUA» sugere-se tipicamente
que se ela nasceu num daqueles países, não nasceu no outro; a
mesma palavra «ou» é usada de maneira exclusiva. As disjunções
exclusivas só são verdadeiras quando as duas frases constituintes
diferem em valor de verdade (é o operador 10 da secção 2.3). Isto
significa que a disjunção exclusiva sobre Yourcenar tem as mesmas
condições de verdade da frase «Yourcenar nasceu na Bélgica sse
não nasceu nos EUA». Por isso, as disjunções exclusivas (p ⩒ q)
são facilmente representadas como bicondicionais (p ⇄ ¬q). Não há
uma maneira exclusivamente linguística de saber se um autor tem
em mente a disjunção inclusiva ou a exclusiva; só o contexto e o
conhecimento de fundo permitem determiná-lo.
A condicional exprime-se por vezes de maneiras menos óbvias.
A expressão canónica das frases da forma p a menos que q é
simplesmente se não-p, então q. Dizer que faz sol durante o dia a
menos que esteja nublado é dizer que se não fizer sol durante o dia,
então está nublado. E a expressão canónica das frases da forma p
somente se q é se p, então q. Dizer que chove somente se houver
nuvens é dizer que se chover, então há nuvens.
As condições de verdade mais surpreendentes e discutidas são
as da condicional. Quando se usa condicionais é muito natural ter a
expectativa, em vários contextos, de uma conexão entre a
antecedente e a consequente. As condicionais clássicas, porém,
são apenas relações verofuncionais; desde que não tenha
antecedente verdadeira e consequente falsa, a condicional é
verdadeira. Isto significa que condicionais como «Se Yourcenar era
romancista, não há vida na Lua» são encaradas como verdadeiras
na lógica clássica — porque tanto a antecedente como a
consequente são verdadeiras, e apesar de não haver qualquer
conexão entre ambas. Só recorrendo à lógica modal (secção 7.13)
se explica em que casos e por que razão são falsas estas e outras
condicionais. De qualquer modo, é de importância capital não
confundir condicionais verofuncionais com causais. Caso uma
condicional verofuncional seja falsa, é também uma condicional
causal falsa, mas não vice-versa. Entendida verofuncionalmente, a
condicional «Se Yourcenar riscar o fósforo, acende-o» é falsa se ela
51
riscar o fósforo sem acendê-lo, e também é falsa caso seja
entendida como condicional causal — riscar o fósforo não causa o
seu acendimento. Porém, basta ela não riscar o fósforo para que a
condicional, entendida verofuncionalmente, seja verdadeira, mas
não para que a condicional causal seja verdadeira.
É muito importante não confundir condicionais com raciocínios,
nem as misturar com palavras como «logo». Dizer «Se Yourcenar foi
à praia, logo levou a toalha» é uma mistura sem sentido de
condicional com raciocínio, ou pressupõe erradamente que a
palavra «logo» é sinónima de «então». Indicar que a frase seguinte
é uma conclusão é muito diferente de indicar que é a consequente
de uma condicional, e é crucial saber qual das duas se pretende.
A lógica clássica só se aplica adequadamente a asserções. A
condicional «Se amanhã chover, fico em casa» é uma promessa ou
declaração de intenções; não é inequivocamente uma asserção.
Uma promessa é cumprida ou não, e é feita com a intenção de
enganar ou não; mas não é inequivocamente verdadeira ou falsa no
mesmo sentido em que uma asserção o é.
Muitas vezes usa-se uma condicional tendo em mente uma
bicondicional. Isto é comum precisamente no caso das promessas
ou declarações de intenções. A promessa anterior é cumprida
quando não chove e a pessoa fica à mesma em casa, mas parece
que nesse caso foi violada. O que acontece é que há o hábito de
interpretar estas promessas que têm a forma de condicionais como
se fossem bicondicionais: «Amanhã fico em casa sse chover.»
Agora é evidente que se a pessoa ficar em casa apesar de não
chover, viola a promessa.
Por fim, considere-se de novo os aspectos temporais presentes
nas mais diversas frases, como «Yourcenar nasceu antes de Le
Guin», que por si só permite concluir validamente que Le Guin
nasceu depois de Yourcenar. Sem uma extensão temporal, não se
capta directamente a validade deste raciocínio na lógica clássica;
será preciso acrescentar a premissa «Quando algo ocorre antes de
outro acontecimento, o segundo ocorre depois do primeiro». Na
lógica clássica, todos os aspectos temporais são ignorados; as
frases são interpretadas como se fossem eternas ou atemporais,
como «Os triângulos têm três lados»: o verbo «ter» está no
52
presente, mas não se quer dizer com isso que os triângulos têm
hoje três lados, embora talvez não os venham a ter ou não os
tenham tido. Assim, apesar de ser evidente que Yourcenar já não
escreve porque morreu, apesar de já ter escrito, na lógica clássica
fala-se como se a frase «Yourcenar escreve» fosse verdadeira
porque é interpretada atemporal ou eternamente, como se quisesse
dizer que ela escreve, já escreveu ou escreverá.
53
2.5 Operador principal
Quando uma frase tem mais de um operador verofuncional, só um é
o principal:
1. p ⋀ (q ⋁ r)
2. (p ⋀ q) ⋁ r
3. [(p → q) ⋀ p] → q
4. (p → q) ⋀ (p → q)
54
Neste caso, preenche-se primeiro os valores de verdade da
disjunção. Só depois se preenche os valores de verdade da
conjunção, usando os valores de verdade já obtidos. Na linha
destacada, por exemplo, obteve-se V porque é a conjunção de uma
frase verdadeira da forma p com uma frase composta, também
verdadeira (assinalada a cinzento), da forma q ⋁ p. Eis outro
exemplo:
55
Estas e outras ambiguidades sintácticas 1 não existem na lógica;
neste caso, toda a especificação da forma lógica de frases tem no
máximo um operador principal, claramente identificado. Quando há
mais de um operador binário, usa-se parêntesis. Assim, é um erro
escrever p → q ⋀ r, porque tem dois operadores binários, mas não
tem parêntesis; mas não é um erro escrever ¬q ⋀ r, porque só tem
um operador binário e não há ambiguidade. Para negar frases que
incluam pelo menos um operador binário, usa-se parêntesis:
escreve-se ¬(q ⋀ r) para especificar a forma lógica de quaisquer
frases que sejam negações de conjunções; e escreve-se ¬q ⋀ r para
especificar conjunções cuja primeira conjunta seja uma negação.
Alguns autores usam convenções quanto à força relativa entre
operadores, de modo que, por exemplo, a forma lógica de
condicionais cujas antecedentes são conjunções seria p ⋀ q → r.
Esta convenção não é muito proveitosa, porque não dispensa o uso
de parêntesis noutros casos mais complexos e porque com
parêntesis é visualmente mais fácil ver qual é o operador principal.
56
2.6 Tabelas de validade
Usando sequências de tabelas de verdade, aqui denominadas
tabelas de validade 2, é fácil provar a validade ou invalidade de
raciocínios verofuncionais (mas apenas desses). Para ver um
exemplo, considere-se o seguinte:
p: O universo é determinístico.
q: A liberdade genuína é uma ilusão.
57
p→q
p
∴q
58
de provar; mas os instrumentos lógicos permitem provar
inequivocamente pelo menos grande parte delas.
Quem não sabe lógica não vê talvez grande diferença entre o
raciocínio anterior e o seguinte:
p→q
q
∴p
59
p e q forem verdadeiras, a conclusão também o será? A resposta,
numa palavra, é que saber que as frases da forma p são
verdadeiras é saber já que a conclusão é verdadeira, pelo que
nesse caso não é preciso qualquer raciocínio para descobrir a
conclusão com base nas premissas. É por isso que os raciocínios
inválidos são irrelevantes: não permitem saber que a conclusão é
verdadeira com base apenas nas premissas, a menos que se saiba
já que a conclusão é verdadeira. Veja-se outro exemplo:
60
Neste caso, sabe-se que nenhum raciocínio desta forma tem
premissa verdadeira e conclusão falsa, mesmo sem saber se a
conclusão é verdadeira. Os raciocínios servem precisamente para
tentar descobrir o que não se sabe com base no que se sabe. Só
cumprem esse papel, todavia, se forem válidos.
Em suma, para provar a validade ou invalidade de um raciocínio
verofuncional, começa-se por reescrever todas as frases na sua
expressão canónica, assim como o próprio raciocínio, e acrescenta-
se qualquer premissa que tenha ficado oculta. Estipula-se então
uma interpretação, na base da qual se especifica a forma lógica do
raciocínio. Faz-se por fim uma tabela de validade, que é então
cuidadosamente examinada: os raciocínios daquela forma lógica
são válidos exclusivamente no caso de o conhecimento das
condições de verdade ser suficiente para saber que não tem
conclusão falsa caso todas as premissas sejam verdadeiras. O
primeiro passo é o mais difícil, porque nem os raciocínios nem as
frases trazem a forma lógica no bolso das calças. Além disso, não é
pacífico que uma frase ou raciocínio tenha uma e uma só forma
lógica: o que num contexto é um aspecto relevante da forma lógica
com respeito à validade, é irrelevante noutro. O que se procura fazer
é interpretar o melhor possível as frases e raciocínios nos seus
contextos próprios para se conseguir determinar se estes últimos
são válidos; reescrever cada frase na sua expressão canónica,
destacando os operadores verofuncionais relevantes, é um passo
importante nessa direcção. Quando há mais de uma interpretação
razoável, opta-se pela que torna o raciocínio válido.
Recorde-se que é preciso eliminar quaisquer indexicais (secção
1.2) das frases dos raciocínios cuja validade se pretende determinar.
61
A expressão canónica de «Se sou portuguesa, sou europeia», caso
tenha sido proferida pela Daniela, é «Se a Daniela é portuguesa, é
europeia»; e se tiver sido proferida pela Joana é «Se a Joana é
portuguesa, é europeia». Por isso, na interpretação irá surgir «A
Daniela é portuguesa» ou «A Joana é portuguesa» e não «Sou
portuguesa». Atribuir p a esta última frase numa interpretação é um
erro, porque contém um indexical, e a lógica clássica não inclui
recursos para lidar com indexicais.
Além disso, a lógica verofuncional tem por âmbito
exclusivamente os raciocínios verofuncionais. Caso se faça uma
tabela de validade para examinar um raciocínio que tenha outras
componentes inferenciais relevantes, obtém-se resultados
inadequados. Veja-se o seguinte caso:
62
2.7 Duplicar linhas
Os raciocínios com três frases elementares em vez de duas dão
origem a tabelas com oito linhas; e se tiverem quatro, as tabelas
ficam com dezasseis linhas. Cada nova frase elementar duplica o
número de linhas. Isto torna as sequências de tabelas de validade
desajeitadas como método para avaliar alguns raciocínios; nos
capítulos 3 e 6 são apresentados dois métodos que não têm esta
limitação.
Quando se faz uma tabela de verdade apenas com quatro linhas,
é fácil não errar na combinatória. Porém, como garantir que não se
erra ao fazer tabelas com oito ou dezasseis linhas? Eis uma
maneira. Olhe-se com atenção para a combinatória já conhecida:
VV
VF
FV
FF
VVV
VVF
VFV
VFF
FVV
FVF
FFV
FFF
63
Se fosse preciso acrescentar mais uma coluna, seria só repetir o
processo: oito V seguidos de oito F, na coluna seguinte os valores
iriam alternar quatro a quatro, na outra dois a dois, e na última um a
um. Eis um exemplo:
p⋁q
p→r
q→r
∴r
64
2.8 Falácias
Uma falácia é um raciocínio que parece cogente mas não é. Dadas
as três condições necessárias da cogência, isto significa que há
pelo menos três maneiras de um raciocínio ser falacioso: parecer
válido sem o ser, parecer que tem só premissas verdadeiras quando
algumas são falsas e parecer que todas as premissas são mais
plausíveis do que a conclusão quando isso não acontece. As
falácias do primeiro tipo detectam-se usando tabelas de validade,
desde que se trate de raciocínios verofuncionais. Eis três exemplos:
65
falsa. Os raciocínios das formas seguintes são válidos, o que se
prova facilmente com tabelas de validade:
Silogismo disjuntivo
p⋁q
¬p
∴q
Dilema
p⋁q
p→r
q→r
∴r
66
2.9 Variáveis irrestritas
Considere-se o seguinte raciocínio:
Interpretação
p: O amor integra a vida boa.
q: A arte integra a vida boa.
r: A frivolidade é nossa inimiga.
s: A superficialidade é nossa inimiga.
t: Devemos resistir corajosamente à frivolidade.
u: Devemos resistir corajosamente à superficialidade.
Forma lógica
(p ⋀ q) → (r ⋀ s)
(r ⋀ s) → (t ⋀ u)
p⋀q
∴t⋀u
67
Seria um tédio fazer uma tabela de validade, pois teria sessenta
e quatro linhas. Contudo, olhando com mais atenção, vê-se emergir
um padrão: a terceira premissa tem a forma p ⋀ q, que surge na
antecedente da primeira; r ⋀ s é a forma da consequente da
primeira premissa, mas também a antecedente da segunda; e a
conclusão repete a consequente da segunda premissa. Capta-se
este padrão usando variáveis irrestritas de frases, a que se chama
por vezes «variáveis de fórmula»:
A→B
B→C
A
∴C
68
não significa que o raciocínio verofuncional examinado não seja
válido; significa apenas que alguns raciocínios verofuncionais com
essa forma não são válidos. Por isso, não é adequado especificar a
forma lógica de raciocínios inválidos usando variáveis irrestritas.
Considere-se o seguinte caso:
A→B
B
∴A
(p → p) → r
r
∴p→p
69
2.10 O bem supremo
Considere-se o seguinte texto de Kant:
70
só é possível sob a condição de Deus existir, conecta o
pressuposto da existência de Deus inseparavelmente com o
dever; isto é, é moralmente necessário pressupor a existência
de Deus. (Kant 1788: 5.125)
Interpretação
p: Há o dever de promover o bem supremo.
q: O bem supremo é possível.
r: Deus existe.
Forma lógica
p
¬q → ¬p
¬r → ¬q
∴r
71
Quem sabe lógica nem precisa de fazer a tabela para ver que é
válido, porque isso é evidente. Contudo, considere-se o seguinte
raciocínio:
Quem não sabe lógica talvez não veja grande diferença entre
este raciocínio e o anterior; contudo, a diferença é abissal porque
este último não é válido, o que significa que é irrelevante discutir as
premissas, pois mesmo que sejam todas verdadeiras não provam
que a conclusão também o é. A forma lógica deste último raciocínio
é a seguinte:
p
¬p → ¬q
¬q → ¬r
∴r
72
Especificar a forma lógica de frases e raciocínios é muito mais
que um mero exercício de lógica; é uma condição fundamental para
saber se uma frase é plausível ou se um raciocínio é cogente. A
aplicação da lógica à língua portuguesa é um instrumento capital
para raciocinar melhor e para saber avaliar o raciocínio alheio.
Todavia, essa aplicação não é em si uma actividade sistematizada
pela própria lógica; tudo o que se consegue fazer é usar o
conhecimento lógico, o conhecimento da língua portuguesa e o
contexto das frases e raciocínios para tomar decisões judiciosas
quanto à forma lógica. Depois de especificada a forma lógica de um
raciocínio, há instrumentos lógicos de completo rigor para provar se
é válido ou não; a especificação da forma lógica, contudo, está em
muitos casos aberta a dúvidas, sobretudo em textos menos claros,
nos quais é difícil ver qual será realmente o raciocínio do autor. A
ironia é que nestes casos não é de prever que o próprio autor saiba
com suficiente rigor o que tem em mente.
73
2.11 Negação
O estudo do raciocínio verofuncional acaba por conduzir à
investigação de vários aspectos da lógica das próprias frases e das
relações que têm entre si. São alguns desses aspectos que serão
agora estudados, começando pela negação de frases. Duas frases
negam-se entre si sse com base apenas nas condições de verdade
se sabe que têm valores de verdade opostos. As frases «Yourcenar
escreveu A Obra ao Negro» e «Le Guin não escreveu Os
Despojados» têm valores de verdade opostos, mas não se negam
entre si porque não é com base apenas nas condições de verdade
que se sabe disso. Em contraste, sabe-se apenas nessa base que
as frases «Yourcenar era francesa» e «Yourcenar não era francesa»
têm valores de verdade opostos, e é por isso que são a negação
uma da outra.
Apesar de a negação ser muitíssimo óbvia e simples, dá origem
a erros quando as frases são compostas. Considere-se uma
condicional como «Se Yourcenar nasceu na Bélgica, era chinesa».
Quem não sabe lógica tende a considerar que a sua negação é «Se
ela não nasceu na Bélgica, não era chinesa». Contudo, isto é um
erro, porque não se sabe com base apenas nas suas condições de
verdade que têm valores de verdade opostos, como se vê nas
seguintes tabelas de verdade:
74
negação correcta da condicional «Se Yourcenar nasceu na Bélgica,
era chinesa» é «Ela nasceu na Bélgica, mas não era chinesa». O
erro é pensar que a negação de uma condicional é outra
condicional; na verdade, a negação de uma condicional da forma A
→ B é uma conjunção da forma A ⋀ ¬B.
75
2.12 Equivalência
Dada uma frase de uma forma qualquer, há sempre um número
infinito de frases com outras formas que são equivalentes à
primeira. Por exemplo, as frases da forma A → B são equivalentes
às da forma ¬A ⋁ B, e as da forma A ⇄ B às da forma (A → B) ⋀ (B
→ A). Duas ou mais frases são equivalentes sse com base apenas
nas condições de verdade se sabe que têm o mesmo valor de
verdade. As frases da forma ¬¬A são equivalentes às da forma A;
na verdade, em geral, qualquer frase negada um número par de
vezes é equivalente à mesmíssima frase sem qualquer negação, e
qualquer frase negada um número ímpar de vezes é equivalente à
mesma frase só com uma negação. Fazendo sequências de tabelas
de verdade é fácil provar se duas ou mais frases verofuncionais são
equivalentes.
Note-se que se trata aqui de equivalência apenas quanto às
condições de verdade, e não de equivalência semântica em
qualquer acepção mais exigente. As frases seguintes são
equivalentes apenas no sentido de terem as mesmíssimas
condições de verdade, e não em qualquer sentido mais exigente do
termo:
A lógica é interessante.
A lógica é interessante, e se Yourcenar era romancista,
era romancista.
76
2.13 Contradição e inconsistência
Quando um par de frases se negam entre si, como as das formas A
e ¬A, diz-se que são contraditórias; é o caso das frases das formas
p → q e ¬(p → q). Mas nem todos os pares de frases contraditórias
têm as formas A e ¬A: as das formas p → q e p ⋀ ¬q são
contraditórias, mas não têm aquela forma mais geral. A única coisa
que conta para que as frases de um dado par sejam contraditórias,
ou seja, se neguem entre si, é que obedeçam à seguinte exigência:
duas frases são contraditórias sse com base apenas nas condições
de verdade se sabe que têm valores de verdade opostos.
A contraditoriedade só ocorre entre pares de frases, ao passo
que a inconsistência, que é uma relação mais fraca, ocorre entre
qualquer número de frases. Duas ou mais frases são inconsistentes
sse com base apenas nas condições de verdade se sabe que não
são todas verdadeiras.
Todas as frases contraditórias são também inconsistentes; mas
há frases inconsistentes que não são contraditórias. Quaisquer
frases das formas p ⋀ q e ¬p ⋀ ¬q são inconsistentes, mas não são
contraditórias, como se prova fazendo uma sequência de tabelas de
verdade. Para que duas ou mais frases sejam inconsistentes basta
saber com base apenas nas condições de verdade que não são
todas verdadeiras; saber que também não são todas falsas é
irrelevante para a inconsistência.
Considere-se agora a consistência: duas ou mais frases são
consistentes sse com base apenas nas condições de verdade não
se sabe que são todas falsas. A consistência — a que se chama por
vezes «coerência» — não tem muito interesse porque não implica a
verdade: há pares de frases consistentes que são ambas falsas,
como «Yourcenar nasceu na Califórnia» e «Le Guin nasceu na
Bélgica». Estas frases são consistentes porque com base apenas
nas condições de verdade não se sabe que são ambas falsas; mas
de facto são-no.
Fala-se por vezes de raciocínios coerentes ou consistentes, mas
em rigor nenhum raciocínio é consistente nem deixa de ser; são as
frases que o constituem que são consistentes ou não entre si.
77
Porém, muitos raciocínios inválidos são constituídos por frases que
são consistentes entre si:
78
2.14 Implicação
O termo «implicação» é infelizmente ambíguo entre dois sentidos
bastante diferentes. No primeiro, entailment, trata-se da relação
entre as premissas e a conclusão de um raciocínio válido. Neste
sentido, uma frase implica outra sse com base apenas nas
condições de verdade se sabe que a primeira não é verdadeira e a
segunda falsa. Esta relação denomina-se menos ambiguamente
«implicação formal» ou «estrita» (secção 7.13). Neste sentido, as
frases da forma A implicam (entail) as da forma A ⋁ B, como se
prova facilmente com uma tabela de validade. O segundo sentido de
«implicação», implication, é apenas a condicional. Neste sentido,
uma frase implica outra desde que a primeira seja falsa ou a
segunda verdadeira. Para evitar esta ambiguidade chama-se-lhe por
vezes «implicação material», mas o melhor é chamar-lhe apenas
«condicional».
É importante não confundir a implicação estrita com a
condicional; a primeira é mais exigente que a segunda. Quando há
implicação entre duas frases, a condicional entre ambas é
verdadeira, mas quando uma condicional é verdadeira nem sempre
a antecedente implica a consequente. Considere-se as seguintes
frases:
79
2.15 Verdade lógica
Quaisquer frases da forma A ⋁ ¬A, como «Yourcenar era inglesa ou
não», são verdades lógicas. Estas não são as únicas: as da forma
[(A → B) ⋀ ¬B] → ¬A também o são. Há um número infinito de
verdades lógicas. Uma frase é uma verdade lógica sse com base
apenas nas condições de verdade se sabe que é verdadeira. A
diferença entre as frases verdadeiras «Yourcenar era francesa» e
«Se ela era francesa, era francesa» é que só a segunda se sabe
que é verdadeira com base apenas nas condições de verdade; só
essa, pois, é uma verdade lógica. Chama-se por vezes «tautologia»
às verdades lógicas, mas esta terminologia é infeliz, porque, em
rigor, uma tautologia é uma redundância ou uma banalidade sem
conteúdo informativo. Ora, nem todas as verdades lógicas são
tautologias neste sentido, uma vez que algumas são muitíssimo
informativas e só foram descobertas depois de muita investigação.
A negação de uma verdade lógica é uma falsidade lógica; uma
frase é uma falsidade lógica sse com base apenas nas condições de
verdade se sabe que é falsa. Quaisquer frases da forma A ⋀ ¬A são
falsidades lógicas, como «Paris é e não é bela». Estas não são as
únicas: quaisquer frases que neguem verdades lógicas são
falsidades lógicas.
Dada uma frase qualquer com valor de verdade, ou é uma
verdade lógica, ou é uma falsidade lógica ou é uma frase
logicamente indeterminada (a que se chama por vezes
«contingência lógica»). Uma frase é logicamente indeterminada sse
com base apenas no conhecimento das condições de verdade não
se sabe se é verdadeira ou falsa, como «Yourcenar escreveu
Memórias de Adriano».
Numa tabela de verdade vê-se que todas as frases da forma p →
p são verdades lógicas, e que todas as suas negações são
falsidades lógicas. Porém, caso se faça uma tabela de verdade para
a frase «Se o número dois é par, o três é ímpar» (p → q) ou para a
frase «As aves são aves» (p), parece que nenhuma é uma verdade
lógica, apesar de ambas o serem. As tabelas de verdade só revelam
correctamente se as frases verofuncionais são verdades lógicas,
80
falsidades lógicas ou frases logicamente indeterminadas. Quando
uma frase não é verofuncional não se sabe qual é o seu estatuto
lógico com base apenas nas condições de verdade dos cinco
operadores clássicos.
Quando um raciocínio é válido, a sua expressão condicional é
uma verdade lógica. A expressão condicional de um raciocínio não é
um raciocínio, mas antes uma frase: é uma condicional que tem
como antecedente a conjunção de todas as premissas e como
consequente a conclusão. Veja-se o seguinte exemplo:
A⋁B
¬A
∴B
[(A ⋁ B) ⋀ ¬A] → B
[(A ⋁ B) ⋀ ¬A] ⋀ ¬B
81
2.16 Realidade e linguagem
É uma tentação considerar que as verdades lógicas são verdadeiras
exclusivamente devido à linguagem, ou à forma lógica. Porém, é
muitíssimo razoável considerar que esta ideia é falsa; além disso,
talvez resulte de se confundir 1 com 2:
82
linguagem, como «A frase “Yourcenar escreveu romances” só tem
um nome próprio»). Pela mesmíssima ordem de ideias, a frase
«Yourcenar nasceu na Bélgica ou não» é verdadeira também
porque uma das disjuntas é verdadeira — ela nasceu naquele país
— e não apenas porque as palavras «ou» e «não» têm o significado
que têm. Consequentemente, parece falso que as verdades lógicas
sejam verdadeiras exclusivamente em virtude do significado das
palavras, ou exclusivamente em virtude da forma lógica, ou de
qualquer outro aspecto meramente linguístico.
Há talvez dois aspectos que provocam confusão, e estão ambos
relacionados. O primeiro é que caso Yourcenar não tivesse nascido
na Bélgica, a frase «Yourcenar nasceu na Bélgica ou não» seria
mesmo assim verdadeira. Isto talvez faça pensar que é só o
significado das palavras que é responsável pela verdade, e não
também a realidade extralinguística. Porém, caso Yourcenar não
tivesse nascido na Bélgica, seria precisamente isso que seria
responsável pela verdade da segunda parte da disjunção —
portanto, uma vez mais, a disjunção seria verdadeira devido à
realidade extralinguística também e não apenas devido ao
significado das palavras. O segundo aspecto é que há obviamente
maneiras de descobrir verdades lógicas tendo em consideração
apenas as condições de verdade e não a realidade extralinguística,
coisa que não acontece no caso das verdades logicamente
indeterminadas. Quando se está perante uma frase logicamente
indeterminada, não se sabe que é verdadeira com base apenas nas
condições de verdade; mas é precisamente isso que acontece
quando se está perante uma verdade lógica. Porém, esta é uma
diferença epistémica, ou seja, acerca da maneira como se consegue
saber de uma verdade, e não uma diferença metafísica 3, ou seja,
acerca do que é responsável pela verdade.
83
2.17 Sintaxe e semântica
Numa língua há dois aspectos diferentes, mas relacionados: a
sintaxe e a semântica. A sintaxe é um conjunto de regras que
determina quais são as maneiras correctas de juntar símbolos: na
língua portuguesa, «Polinésia caminhar orelhas» viola as regras
sintácticas da formação de frases (não é um conjunto simbólico de
símbolos). A semântica faz a ligação entre os símbolos e a realidade
de que se quer falar com eles. Na língua portuguesa, «water» não
tem significado, ao contrário de «água». Dada esta ligação à
realidade, certas combinações simbólicas de símbolos, as frases
declarativas, ganham então valores de verdade. A frase «A neve é
branca» é verdadeira se significar que a neve é branca e se, além
disso, a neve for branca. É a semântica das frases que estabelece
os seus significados, o que permite por sua vez que a realidade as
torne verdadeiras ou falsas.
Estes dois aspectos, a sintaxe e a semântica, estão presentes na
lógica formal. Na sintaxe de uma lógica verofuncional, os símbolos p
→ q constituem uma fórmula bem formada (fbf; em inglês, «wff», de
«well-formed formula»): um conjunto de símbolos que obedecem às
regras de formação de fórmulas que, caso se queira, se especifica
exaustivamente (coisa que não se faz neste livro). Isto contrasta
com p ¬q, que não é uma fbf. As variáveis de frases elementares,
como p, são também fbf. Há diferentes sistemas de notação lógica;
grande parte das diferenças são irrelevantes, mas alguns sistemas
de notação são melhores do que outros, num ou noutro aspecto.
Na semântica formal começa-se por estipular valores semânticos
abstractos — as letras V e F, ou os numerais 0 e 1, ou o que se
quiser. Claro que tal como há uma correspondência entre as regras
sintácticas de formação de fórmulas e a linguagem comum, há
também uma correspondência óbvia entre estes valores semânticos
estipulados e os valores de verdade comuns. Em rigor, porém, tanto
as sintaxes como as semânticas formais da lógica são
desenvolvidas de um ponto de vista puramente estipulativo, que
depois terá aplicação ou não num ou noutro domínio.
84
Depois de se estipular quais são os valores semânticos
abstractos, estipula-se como as fbf compostas ganham valores
semânticos a partir das elementares. Olhando para uma tabela de
verdade o que se vê é precisamente uma representação simples
destas estipulações: atribuindo o valor V a p, ¬p recebe por
estipulação F (na lógica clássica). Claro que literalmente nenhuma
fbf, como ¬p, é realmente falsa, até porque o conceito de falsidade
não existe sequer numa semântica formal; o que se está a fazer é a
espelhar numa linguagem de conto de fadas esse fenómeno banal
de uma negação real ser falsa sse a afirmação for verdadeira.
Dada uma fbf composta, chama-se «modelo» à atribuição de
valores semânticos a cada fbf elementar que a constitui e que
resulte na atribuição de um valor semântico especial à fbf composta.
Quando se quer espelhar o raciocínio real, comum, que as pessoas
fazem, é natural eleger o valor V como especial e falar como se
fosse o conceito de verdade. Assim, no caso de uma fbf como p ⋀ q,
só há um modelo, que resulta de atribuir V às duas fbf elementares
— só dessa atribuição resulta a atribuição V à fbf composta.
A validade define-se então dizendo que todos os modelos das fbf
que fazem as vezes de premissas são modelos da fbf que faz as
vezes de conclusão, e isto exprime-se usando o martelo semântico
(«turnstile», em inglês, que quer dizer «catraca»), como no seguinte
caso: p → q, p ⊨ q. Numa interpretação comum, esta sequência de
símbolos quer dizer que as frases da forma à direita do martelo são
consequências semânticas das frases das formas à sua esquerda,
separadas por vírgula; ou seja, qualquer raciocínio com aquela
forma lógica é válido.
Por sua vez, um contramodelo é uma atribuição de valores
semânticos às fbf elementares que resulta na atribuição V às fbf à
esquerda do martelo e na atribuição F à fbf da direita. Só há
contramodelos quando a fbf à direita do martelo não é uma
consequência semântica das fbf à esquerda. As tabelas de validade
especificam o contramodelo ou contramodelos quando os
raciocínios das formas em causa são inválidos.
85
2.18 Exercícios
86
6. Considere o seguinte raciocínio válido: «Marguerite
Yourcenar não era casada; logo, era solteira». Será este
raciocínio verofuncional? Porquê?
7. Reescreva as frases seguintes usando as expressões
canónicas dos operadores verofuncionais: 1) Claro que há
chocolates! A alternativa é uma vida sem sentido. 2) A
Joana está na biblioteca, a não ser que tenha ido para
casa. 3) Tanto o conhecimento como a realidade são
estudados pela filosofia. 4) Eça foi tanto diplomata como
romancista. 5) Na Antiguidade grega cultivava-se quer a
virtude quer a guerra. 6) Os medievais cultivavam a
filosofia, mas também a religião. 7) Eça era diplomata,
embora fosse também romancista. 8) Uma condição
necessária para que não haja conhecimento é os cépticos
terem conhecimento de que não há conhecimento. 9) Se
há pensamento, há matéria. 10) A vida humana é hoje
muito melhor do que há duzentos anos, se Hans Rosling
tiver razão. 11) A filosofia é possível somente se
aceitarmos o uso sistemático da racionalidade comum.
12) O mundo exterior é uma ilusão caso os cépticos
tenham razão. 13) A arte não é apenas imitação, a menos
que a música pura não seja arte. 14) Sempre que alguém
pensa, o génio maligno não pode enganá-la quanto à sua
existência. 15) Para haver sentido na vida é necessário
haver entrega activa a projectos de valor. 16) Para que
uma vida humana seja absurda é suficiente que seja
frívola.
8. Indique qual é o operador principal das frases das formas
seguintes: 1) ¬(p ⋀ q). 2) ¬p ⋀ q. 3) ¬p ⇄ ¬q. 4) ¬(p ⇄ ¬q).
5) p ⇄ (¬q ⋀ p). 6) p ⋀ ¬(q ⋀ p). 7) ¬[p ⋀ ¬(q ⋀ p)].
9. Especifique a forma lógica das frases seguintes,
discutindo as ambiguidades de âmbito que encontrar: 1)
Picasso não era parisiense se e só se Paris era uma
cidade alemã. 2) Não é verdadeiro que Picasso não era
parisiense se e só se Paris era uma cidade alemã. 3) Não
há felicidade nem justiça. 4) Não é verdadeiro que há ou
felicidade ou justiça. 5) Não há felicidade ou justiça.
87
10. A conjunção é associativa porque qualquer frase da forma
(A ⋀ B) ⋀ C tem o mesmo valor de verdade de uma frase
da forma A ⋀ (B ⋀ C). Quais dos outros operadores
binários verofuncionais são associativos?
11. Recorrendo a tabelas de validade, prove se os raciocínios
verofuncionais das formas seguintes são válidos ou não:
1) p ⋀ q, ¬p ∴ q. 2) p ⋁ q, ¬p ∴ q. 3) p → q ∴ p ⇄ q. 4) p ⇄
q ∴ p → q. 5) p → q ∴ q ⋀ p. 6) p → q ∴ q → p. 7) p → q, q
→ p ∴ ¬p ⋁ q. 8) p → q, q → r ∴ p → r. 9) p → q, ¬r ∴ r →
p. 10) p, q ⇄ r ∴ r ⋁ q. 11) p ⇄ q, q ⇄ r ∴ r → p. 12) p, ¬q ∴
r → (p ⋀ ¬q). 13) p → (¬q ⋁ ¬r), ¬(q ⋀ r) → s ∴ p → s.
12. Recorrendo a tabelas de validade, prove se os raciocínios
seguintes são válidos ou não: 1) O livre-arbítrio é possível
ou a nossa vida é uma ilusão. Todavia, o livre-arbítrio não
é possível. Logo, a nossa vida é uma ilusão. 2) Há
chocolates. Logo, a felicidade eterna é possível. 3) Se os
filósofos tiverem razão, a vida por examinar não vale a
pena ser vivida. Logo, a vida por examinar não vale a
pena ser vivida. 4) Eça era grego. Eça não era grego.
Logo, há extraterrestres. 5) A justiça é possível se e só se
houver completa igualdade. Não há completa igualdade.
Logo, a justiça não é possível. 6) Se o dever depende da
motivação, a moralidade depende da psicologia. Ora, ou a
moralidade não depende da psicologia ou perde o seu
carácter normativo. Logo, se o dever depende da
motivação, a moralidade perde o seu carácter normativo.
7) Uma pessoa não é o seu corpo. Se o fosse, não
poderia duvidar de que o seu corpo existe. Contudo, é
evidente que pode duvidar da existência do seu corpo,
apesar de não poder duvidar da sua própria existência. 8)
Se uma frase for contingente, é verdadeira em alguns
casos e falsa noutros. Se não existissem verdades, não
haveria frases verdadeiras em alguns casos e falsas
noutros. Logo, sem verdade não há contingência. 9) É
incoerente defender que não temos justificação para as
nossas ideias, porque se não a tivéssemos, não teríamos
88
também justificação para a ideia de que não temos
justificação para as nossas ideias.
13. Usando variáveis irrestritas de frase, especifique a forma
lógica mais geral dos raciocínios das seguintes formas: 1)
p → (r ⇄ s), ¬(r ⇄ s) ∴ ¬p. 2) (p ⋀ q) → r, ¬r ∴ ¬(p ⋀ q). 3)
(p ⋁ q) → (r → p), p ⋁ q ∴ s ⋁ (r → p).
14. Recorrendo a tabelas de verdade, prove o seguinte: 1) A
negação de A → B é A ⋀ ¬B. 2) A negação de A ⋀ B é ¬A
⋁ ¬B. 3) A negação de A ⋁ B é ¬A ⋀ ¬B. 4) A negação de
A ⇄ B é (A ⋀ ¬B) ⋁ (¬A ⋀ B).
15. Negue correctamente as frases seguintes sem usar a
negação como operador principal: 1) Paris e Madrid são
cidades chinesas. 2) Eça não acreditava nas divindades
gregas, nem Orwell. 3) O argumento ontológico é válido
se e só se for formalmente válido. 4) Se Picasso defendia
os universais, não há razão para ser nominalista. 5) Foi
Ursula Le Guin ou Gabriel García Márquez quem
escreveu O Elogio da Loucura.
16. Prove que quaisquer pares de frases com as seguintes
formas são equivalentes: 1) A, ¬¬A. 2) A ⋀ B, B ⋀ A. 3) A
⋁ B, B ⋁ A. 4) A → B, ¬A ⋁ B. 5) A → B, ¬B → ¬A. 6) A ⇄
B, (A → B) ⋀ (B → A).
17. Usando tabelas de verdade, prove que quaisquer frases
verofuncionais das formas p ⋀ q e ¬p ⋀ ¬q são
inconsistentes, mas não são contraditórias.
18. Recorrendo a tabelas de verdade, prove que dado
qualquer par de frases das formas seguintes, a primeira
implica a segunda: 1) A, A ⋁ B. 2) A ⋀ B, A. 3) A ⋀ B, B ⋀
A. 4) A ⋁ B, B ⋁ A. 5) A ⇄ B, A → B. 6) A ⇄ B, B → A.
19. Recorrendo a tabelas de verdade, prove se as frases das
formas seguintes são verdades ou falsidades lógicas: 1)
¬(A ⋁ ¬A). 2) A → (A ⋁ B). 3) A ⋁ ¬A. 4) A ⋀ ¬A. 5) [(A →
B) ⋀ A] → B. 6) (A ⋀ B) → (A ⋁ B). 7) [(A → B) ⋀ ¬B] ⋀ A.
8) [(A → B) ⋀ (B → C)] ⋀ ¬(A → C).
89
3
90
DERIVAÇÕES
91
3.1 Modus tollens
Considere-se de novo o raciocínio atribuído a Kant:
A→B
¬B
∴ ¬A
92
Chega-se assim a uma conclusão intermédia, raciocinando por
modus tollens. Junte-se agora esta conclusão à terceira premissa do
raciocínio original:
Deus existe.
93
uma regra a um ou mais passos, fica-se a depender das premissas
de que dependem esses passos.
Os primeiros três passos deste exemplo são apenas as
premissas e é isso que os justifica. Porém, o que justifica o passo 4
é um raciocínio por modus tollens, que usa os passos 1 e 2 como
premissas. E no passo 5, uma nova aplicação da mesma regra de
inferência, usando agora os passos 3 e 4 como premissas, permite
chegar à conclusão final. Ao concluir o passo 5 por modus tollens
com base nos passos 3 e 4, fica-se a depender de todas as
premissas de que dependem estes passos. Ora, 3 é ele próprio uma
premissa, pelo que é isso que se regista na quarta coluna; e 4
dependia das premissas 1 e 2, pelo que são essas dependências
que agora são herdadas.
Como é evidente, a derivação anterior não diz respeito apenas
àquele raciocínio, mas a todos os que tiverem a mesma forma
lógica:
p, ¬q → ¬p, ¬r → ¬q ⊢ r
94
aplicando a mesma regra à premissa 3 e ao resultado anteriormente
derivado no passo 4. O passo 4 depende das premissas 1 e 2
porque o modus tollens foi aplicado a essas premissas; já o 5
depende das premissas 3, 1 e 2, porque o modus tollens foi aplicado
à premissa 3 e ao passo 4 — mas como este passo depende das
premissas 1 e 2, são essas dependências que são agora herdadas.
Na quarta coluna regista-se apenas as premissas de que depende
cada passo; quando uma regra é aplicada a uma premissa, é essa
premissa que se regista, mas quando se aplica a um passo que não
seja uma premissa, herda-se as premissas de que esse passo
depende.
Porque as regras como o modus tollens são expressas em toda
a sua generalidade, usando variáveis irrestritas de frase, é crucial
conseguir ver as formas lógicas mais gerais nas particulares. Assim,
na primeira premissa do modus tollens vê-se uma condicional
aparentemente simples da forma A → B. Na verdade, porém,
porque as variáveis aqui são irrestritas, esta condicional tem um
número infinito de casos, como p → ¬q, mas também (p ⋀ r) → q,
etc. No raciocínio atribuído a Kant, a condicional tem a forma ¬q →
¬p, o que significa que ¬q está no lugar de A, e ¬p no de B. Ora, isto
significa que é ¬¬p que está no lugar de ¬B; todavia, é evidente que
as frases da forma ¬¬p são equivalentes às da forma p. Daí que o
modus tollens se possa aplicar a este caso.
Apesar de toda esta flexibilidade, o modus tollens só se aplica a
duas frases completas, e não a partes de frases. Considere-se o
seguinte exemplo:
p→q
¬q ⋁ s
∴ ¬p X
95
3.2 Silogismo hipotético
O silogismo hipotético (SH) é uma regra de inferência mais
rigorosamente conhecida como «transitividade da condicional» ou
«raciocínio em cadeia». O termo «silogismo» não é aqui usado no
sentido particular da teoria de Aristóteles (secção A.4), mas no
sentido genérico de «raciocínio». O termo «hipotético» resulta da
designação antiga das condicionais, que eram conhecidas como
«juízos hipotéticos». Eis a sua forma lógica:
A→B
B→C
∴A→C
96
3.3 Dez regras simples
Como se viu, fazer derivações é uma questão de provar, passo a
passo, que se obtém a conclusão usando apenas as regras de
inferência disponíveis. Estas são apenas raciocínios elementares
dados como válidos, mas cuja validade se prova, caso se queira,
com tabelas de validade. Diferentes sistemas de lógica oferecem
diferentes conjuntos de regras de inferência. Neste livro, são
oferecidos três grupos de regras, que incluem as mais relevantes e
comuns. O primeiro desses grupos é o seguinte:
97
A→B
A
∴B
Dilema (DIL)
A⋁B
A→C
B→C
∴C
98
No passo 4 conclui-se ¬p raciocinando por modus ponens a
partir dos passos 2 e 3; como estes são premissas, regista-se a
dependência das premissas 2 e 3. No 5 conclui-se ¬q aplicando o
silogismo disjuntivo aos passos 1 e 4, o que permite chegar ao
resultado final; depende-se agora da premissa 1 porque se aplicou a
regra ao passo 1, que é uma premissa, e também das premissas 2 e
3 porque a regra foi aplicada também ao passo 4, que já dependia
delas. As derivações correctas terminam com a conclusão original e
o último passo não depende de outras premissas que não as
originais. Eis mais um exemplo:
99
deste resultado, derivou-se p ⋁ r no passo 3 usando a introdução da
disjunção; ficou-se agora a depender à mesma da premissa 1,
porque esta regra foi aplicada ao passo 2, que depende dessa
premissa. No passo 4 aplicou-se de novo a eliminação da conjunção
para derivar q do passo 1, que se junta agora, no passo 5, ao
resultado do passo 3, usando a introdução da conjunção.
Finalmente, no passo 6 derivou-se o que se desejava, aplicando a
introdução da disjunção ao passo 5. Note-se que esta regra permite
acrescentar qualquer forma: neste caso, acrescentou-se s → r
porque era isso que se queria, mas é válido acrescentar qualquer
outra. Isto significa que sempre que a conclusão almejada é uma
disjunção, basta derivar uma das disjuntas, porque a outra se deriva
trivialmente com a regra da introdução da disjunção, como no
seguinte caso:
p → q, p ⊢ q ⋁ r
A pergunta a fazer aqui é: qual das duas disjuntas será mais fácil
derivar? Ora, nas premissas deste caso não ocorre sequer r, pelo
que é forçoso derivar q. Como é evidente, as duas premissas
permitem concluir imediatamente q por modus ponens. Isto é tudo o
que é preciso para fazer a derivação:
100
O passo 2 é uma aplicação errada da eliminação da conjunção
porque a aplica à antecedente de uma condicional. Como todas as
regras simples, é inválido aplicá-la a frases que fazem parte de
outras; só é válido aplicá-la a conjunções da forma A ⋀ B, e não a
frases que tenham outras formas, ainda que contenham conjunções.
No exemplo anterior, (p ⋀ q) → r não é uma conjunção, mas uma
condicional cuja antecedente é uma conjunção; o operador principal
não é a conjunção, mas a condicional. Veja-se também um uso
errado do modus ponens:
101
raciocínio é irrelevante no que respeita à validade. Veja-se agora um
exemplo curioso:
102
3.4 Regras de substituição
As regras seguintes aplicam-se correctamente a quaisquer frases,
façam ou não parte de outras. Além disso, é correcto substituir uma
frase da forma da direita pela da esquerda, e vice-versa (daí o uso
do trigrama):
Contraposição (CP) 2
A → B ≡ ¬B → ¬
Comutatividade (Com.)
A⋁B≡B⋁A
A⋀B≡B⋀A
A⇄B≡B⇄
103
Idempotência
A⋀A≡A
A⋁A≡A
104
A contraposição permite inferir p → q partindo de ¬q → ¬p, e foi
isso que se fez no passo 4, com base no 2. Isso permitiu então usar
o modus ponens e, de seguida, o modus tollens.
105
3.5 Reductio
A reductio ad absurdum (redução ao absurdo) é uma das três regras
em que se usa suposições: premissas temporárias usadas para
fazer uma subderivação. Depois de se chegar ao resultado parcial
desejado, elimina-se a dependência dessa suposição usando uma
destas três regras. Eis um exemplo da aplicação da reductio, a que
se chama também «introdução da negação»:
106
Reductio
B ⊢ A ⋀ ¬A
∴ ¬B
107
conclusão, mas a diferença é que agora depende apenas das duas
premissas iniciais; a dependência da suposição foi eliminada. Veja-
se mais uma derivação por reductio:
108
A reductio é uma variação do modus tollens. Trata-se de mostrar
que se uma dada suposição fosse verdadeira, então uma
contradição seria verdadeira; mas dado que nenhuma contradição é
verdadeira, conclui-se validamente que a suposição era afinal falsa.
Porque o uso de suposições insere uma subderivação que terá
de ser fechada para eliminar a suposição, alguns sistemas de
derivação adoptam indicações gráficas para ajudar os estudantes a
não cometer falácias. Em rigor, a quarta coluna dispensa o uso
desses indicadores gráficos e é mais versátil; mas é útil ver como
funciona um desses sistemas gráficos (os outros são semelhantes):
p → (q ⋀ s), ¬q ⊢ ¬p
109
3.6 Introdução da condicional
A segunda das três regras que envolvem suposições é a introdução
da condicional (I→). Veja-se um exemplo da sua aplicação:
110
Com base numa suposição A deriva-se B; conclui-se então A
→ B, sem depender já dessa suposição.
111
A estratégia foi tratar a conclusão desejada como uma conjunção
de condicionais; fez-se então a introdução da condicional pensando
primeiro numa das condicionais e depois na outra. No último passo,
bastou introduzir a bicondicional. Esta regra também se usa de
maneira encadeada:
112
Uma vez que a própria conclusão tem duas condicionais
encadeadas, começa-se por supor a antecedente da primeira e
depois a da segunda. Veja-se mais um exemplo:
113
Em rigor, não foi da suposição que se derivou p. Por isso, não
parece uma aplicação correcta da introdução da condicional; mas é.
Isto porque seria fácil no passo 3 juntar p com q usando a
introdução da conjunção; depois, usando a eliminação da
conjunção, chegar-se-ia de novo a p, que agora teria sido derivada
de q. Uma vez que se consegue fazer sempre esta manobra, nunca
vale a pena fazê-la, e a derivação abreviada é perfeitamente
adequada.
114
3.7 Eliminação da disjunção
A eliminação da disjunção (E⋁) é a última das três regras que
envolvem suposições; não deve ser confundida com o silogismo
disjuntivo, a que por vezes se dá confusamente esta designação.
Como é evidente, eliminar validamente a disjunção não é o
seguinte:
p⋁q
∴p X
115
No passo 3 introduziu-se como suposição da eliminação da
disjunção a primeira disjunta do passo 1. Daqui obteve-se r, porque
era o que se desejava extrair da disjunção. No passo 5 foi
introduzida então outra suposição: a segunda disjunta do passo 1. O
objectivo é chegar de novo a r, o que se conseguiu no passo 6. No
passo 7 conclui-se então r sem depender de qualquer das duas
suposições, mas dependendo da disjunção original do passo 1.
Quando se aplica a eliminação da disjunção, fica-se a depender de
todas as premissas de que depender a disjunção original e de todas
as premissas de que depender cada um dos resultados parciais,
excepto das duas suposições. As duas suposições têm de ser
exactamente iguais a cada uma das disjuntas da disjunção que se
pretende eliminar. Assim, se a disjunta tiver a forma lógica (p → r) ⋁
s, supõe-se primeiro p → r e depois s. Além disso, os dois
resultados parciais a que se chega partindo das suposições têm de
ser iguais. De modo que ao usar a eliminação da disjunção escreve-
se sempre três vezes o mesmo. Veja-se outro exemplo:
116
A estratégia foi olhar para a primeira premissa e ver que,
transformando-a numa disjunção, é fácil concluir o que se quer; isto
porque, por De Morgan, a segunda premissa fornece os meios para
concluir q tanto da primeira como da segunda disjunta. Veja-se outro
exemplo:
117
A estratégia neste caso foi ver que não é difícil chegar ora à
primeira disjunta da conclusão, ora à segunda, caso se parta da
disjunção extraída da premissa. Uma vez que ao obter uma das
disjuntas da conclusão a outra é fácil de obter por introdução da
disjunção, a estratégia torna-se evidente. No passo 5 obteve-se a
primeira disjunta da conclusão e acrescentou-se a segunda no
passo 6; simetricamente, no passo 8 obteve-se a segunda disjunta
da conclusão e acrescentou-se a primeira.
118
3.8 Verdades lógicas
Repare-se no seguinte contraste:
1. p ⋀ q ⊢ q ⋀ p
2. ⊢ (p ⋀ q) → (q ⋀ p)
1. A ⊢ A ⋁ B
119
2. ⊢ A → (A ⋁ B)
120
3.9 Deus e o mal
Considere-se de novo a interpretação do raciocínio atribuído por
Hume a Epicuro:
Interpretação
p: Deus existe.
q: Deus pode impedir o mal.
r: Deus é impotente.
s: Deus quer impedir o mal.
t: Deus é malévolo.
u: O mal existe.
Formas lógicas
1. (p ⋀ ¬q) → r, (p ⋀ ¬s) → t, ¬r ⋀ ¬t ⊢ p → (q ⋀ s)
2. p → (q ⋀ s), (q ⋀ s) → ¬u, u ⊢ ¬p
Derivação 1
121
Derivação 2
122
3.10 Sintaxe e derivação
As derivações são sistemas sintácticos de prova que são por vezes
inteiramente estipulados como meras manipulações de entidades
físicas — correntes eléctricas ou registos electrónicos num ecrã ou
numa fita magnética. Estes sistemas são também por vezes
desenvolvidos de maneira inteiramente abstracta, sem pretender dar
conta do raciocínio real, tornando-se assim meramente um jogo de
manipulações dessas entidades — mesmo que se lhes atribua uma
semântica formal, dado que isto não é uma semântica no sentido
comum do termo (secção 2.17).
Alguns sistemas de prova são axiomáticos, e esses são os mais
antigos: já eram usados na geometria da Antiguidade e são ainda
muito usados na matemática. O que caracteriza um sistema
axiomático de lógica é ter dois pontos de partida. Por um lado,
algumas fbf são escolhidas como axiomas, e é delas que se vai
tentar então derivar todas as outras. De um ponto de vista
puramente sintáctico, os axiomas são arbitrários; na prática, porém,
correspondem a verdades lógicas consideradas tão evidentes que
não carecem de prova. 3 Só por si, os axiomas são inferencialmente
inertes: não permitem derivar, sem usar regras de inferência, seja o
que for (Carroll 1895). Para se derivar as outras fbf que se deseja é
preciso recorrer a um segundo ponto de partida: sequências de fbf
que irão funcionar como regras de manipulação, que permitem
transformar umas fbf noutras.
Outros sistemas de prova não são axiomáticos, porque só têm
um tipo de ponto de partida: regras de manipulação. Estas são de
dois tipos: as primitivas e as derivadas, sendo que estas últimas se
derivam das primeiras. Um sistema de dedução natural só tem,
como regras primitivas, regras de introdução e eliminação dos
operadores verofuncionais (no caso da lógica verofuncional). O
sistema desenvolvido neste livro só tem regras, mas nem todas são
primitivas.
Quando se faz um sistema de derivações, seja ele axiomático ou
não, emergem alguns aspectos interessantes. O primeiro e mais
evidente é este: qual será o sistema mínimo de pontos de partida,
123
sejam eles apenas regras ou regras com axiomas, que permitam
chegar a todos os resultados que se quer? Tradicionalmente era
comum considerar que a lógica clássica se baseava em três «leis do
pensamento»: 4
124
derivadas, que se obtêm das primeiras. Isto corresponde à diferença
entre axiomas e teoremas: estes últimos derivam-se dos primeiros.
Um segundo conceito é o de consistência. Um sistema de regras
de inferência (ou de regras com axiomas) é consistente sse nele
não se deriva fbf da forma A ⋀ ¬A. Na lógica clássica, qualquer
sistema que não seja consistente é trivial, porque nele se deriva
qualquer fbf. Isto acontece devido a um aspecto característico desta
lógica: o princípio da explosão, segundo o qual qualquer fbf se
deriva de A ⋀ ¬A. Uma maneira de evitar a exigência de
consistência é fazer uma lógica paraconsistente, que começa por
rejeitar o princípio da explosão, bloqueando assim a trivialização de
qualquer sistema de regras que não seja consistente.
Finalmente, um terceiro conceito conecta a sintaxe e a
semântica dos sistemas lógicos. Um sistema de regras de inferência
é completo sse nele se deriva todas as verdades lógicas (e uma vez
que qualquer validade se transforma numa verdade lógica, isto inclui
as validades). Ou seja, é completo sse se ⊨ A, então ⊢ A: se A for
uma verdade lógica, então deriva-se no sistema. Em contrapartida,
um sistema é sólido (sound) ou correcto sse se ⊢ A, então ⊨ A: se
se deriva no sistema, então é uma verdade lógica. Evidentemente,
caso um sistema não seja consistente e aceite o princípio da
explosão, é trivialmente completo (mas não é sólido) precisamente
porque deriva tudo, o que inclui todas as verdades lógicas, mas
também todas as falsidades lógicas e todas as frases logicamente
indeterminadas.
Aplicando estes conceitos modernos à ideia tradicional das três
«leis» da lógica, vê-se que as primeiras duas não são
independentes, pelo menos em alguns sistemas, porque resultam
uma da outra por De Morgan, negação dupla e comutatividade. E
sabe-se que nenhum sistema clássico consistente só com esses
três pontos de partida é completo, além de se saber que muitos
sistemas consistentes e completos não têm qualquer uma daquelas
três supostas «leis» fundamentais como ponto de partida.
125
3.11 Validades vácuas
Uma breve reflexão mostra que é válido qualquer raciocínio com
premissas inconsistentes ou cuja conclusão seja uma verdade
lógica (secção 2.15). Isto é algo desconcertante — mas não tanto,
porque ao desenvolver qualquer teoria se chega amiúde a
resultados surpreendentes e contra-intuitivos, como a diferença
entre peso e massa na física, ou a profunda relação entre a
velocidade e o decorrer do tempo. Contudo, vale sempre a pena ver
se há maneiras de evitar resultados indesejáveis que não obriguem
a aceitar outros resultados tão ou mais indesejáveis. No caso das
validades vácuas, é fácil mudar a definição de validade para
bloqueá-las; basta exigir que as premissas não sejam inconsistentes
e que a conclusão não seja uma verdade lógica. O que é menos
fácil — e obriga a abandonar a lógica clássica — é bloquear as
derivações vácuas. Considere-se o caso dos raciocínios válidos com
premissas inconsistentes:
126
não sejam vácuas. O mesmo acontece no caso dos raciocínios
cujas conclusões são verdades lógicas:
p⋁r
q⋁r
p ⋁ (s → r)
[(p → q) ⋀ p] → q
[(p → q) ⋀ ¬q] → ¬p
127
independentemente de quem raciocina ter essas outras conclusões
em mente ou não.
128
3.12 Exercícios
129
¬r), p ⊢ ¬r. 6) p ⋁ (q → p), ¬p ⋀ r ⊢ q → p. 7) p ⇄ q, p → r,
¬r ⊢ ¬q ⋁ p. 8) p ⋁ (q ⋀ r), p ⇄ s, (q ⋀ r) → s, q ⊢ s ⋀ q. 9)
(p → r) ⋀ (q → r), ¬r ⊢ ¬p ⋀ ¬q. 10) (p → r) ⋁ q, q → ¬r, (p
→ r) → ¬r ⊢ ¬r. 11) (p → r) ⋁ q, q → p, ¬p ⊢ p → r. 12) p ⊢
p ⋁ (q ⋀ r). 13) p ⋀ q, r ⊢ q ⋀ r. 14) p ⋀ q ⊢ (q ⋀ r) ⋁ (q ⋀
p). 15) p, q ⋁ r ⊢ [p ⋀ (q ⋁ r)] ⋀ p. 16) p ⋀ (q ⋀ r) ⊢ r ⋁ s.
17) (p ⇄ q) ⋀ p ⊢ p ⋁ q. 18) p ⇄ (q ⋀ p), p ⊢ q. 19) (p ⋁ r)
→ q, p ⊢ q. 20) p ⋀ q, (q ⋁ r) → s ⊢ s. 21) p, (p ⋁ q) → r, (r
⋀ p) → s ⊢ s. 22) p → (p → r), p ⊢ r. 23) (p ⇄ q) ⋀ p ⊢ p ⋁
q.
6. Derive usando também as regras de inserção: 1) p → (q ⋁
s), ¬q, ¬s ⊢ ¬p. 2) p → (r ⋁ s), ¬r ⋀ q, ¬s ⊢ ¬p. 3) ¬(p ⋁ q),
¬p → r ⊢ r. 4) ¬(¬p ⋀ q), ¬p ⋀ r ⊢ ¬q. 5) ¬(p → q), p → ¬r
⊢ ¬r. 6) p ⋀ q, (p ⋁ r) → s ⊢ s. 7) r, p → (¬r ⋁ ¬s), s ⊢ ¬p.
8) ¬r → p, ¬(p ⋁ q), s ⊢ r ⋁ q. 9) ¬(¬p ⋀ q), r, r → ¬p ⊢ ¬q.
10) s → ¬p, ¬(p → q), ¬s → ¬r ⊢ ¬r. 11) ¬(s → p) → ¬p,
¬(¬p ⋁ ¬q), q → (s → p) ⊢ s → p. 12) (q → p) ⋀ s, s → (p
→ r) ⊢ ¬r → ¬q. 13) ¬(¬r ⋁ ¬s) → ¬p, r, s ⊢ ¬p ⋀ s. 14) ¬(p
→ ¬q), ¬(r ⋀ s) → ¬q ⊢ r. 15) p ⋁ (¬r → q), p → q, ¬q ⋀ s
⊢ ¬q → r. 16) (p ⋁ q) ⋀ p ⊢ p ⋁ (q ⋀ p). 17) ¬(¬p ⋁ ¬q), q
→ (s → p) ⊢ s → p. 18) ¬r → p, ¬(p ⋁ q) ⊢ r ⋁ q. 19) (p ⋁
r) ⇄ q ⊢ ¬q ⋁ (¬p → r). 21) p ⇄ q ⊢ ¬q ⋁ p. 21) p ⊢ q → p.
22) p → (q ⋁ r), p ⊢ r ⋁ q.
7. Derive por reductio: 1) p ⋀ (q ⋀ r) ⊢ r ⋁ s. 2) p → (q ⋁ s),
¬q, ¬s ⊢ ¬p. 3) p → (r ⋁ s), ¬r ⋀ q, ¬s ⊢ ¬p. 4) ¬(p ⋁ q), ¬p
→ r ⊢ r. 5) ¬(¬p ⋀ q), ¬p ⋀ r ⊢ ¬q. 6) ¬(p → q), p → ¬r ⊢
¬r. 7) p ⋀ q, (p ⋁ r) → s ⊢ s. 8) r, p → (¬r ⋁ ¬s), s ⊢ ¬p. 9)
¬(¬p ⋀ q), r, r → ¬p ⊢ ¬q. 10) s → ¬p, ¬(p → q), ¬s → ¬r ⊢
¬r. 11) q → r, ¬(¬p ⋀ ¬q), ¬r → ¬p ⊢ r. 12) p → ¬q, q ⋁ (¬p
⋀ t) ⊢ ¬p. 13) (p → q) ⋀ (p → ¬q) ⊢ ¬p.
8. Derive usando a introdução da condicional: 1) ¬q → r, r →
¬p ⊢ ¬q → ¬p. 2) r, q → p ⊢ q → (p ⋀ r). 3) p → (q ⋁ r), q
→ s, r → s ⊢ p → s. 4) p → q ⊢ (q → r) → (p → r). 5) p →
(q ⋁ r), q → s ⊢ (r → s) → (p → s). 6) p ⇄ q, q ⇄ r ⊢ p ⇄ r.
7) p ⊢ q → p. 8) (p ⋀ r) ⋁ (q → r) ⊢ q → r. 9) p ⇄ (q ⋀ p) ⊢
p → q. 10) ¬p ⋁ q, ¬p → ¬q ⊢ p ⇄ q. 11) (p ⋁ q) → [(r ⋁ s)
130
→ (¬t ⋀ u)], (¬t ⋁ ¬o) → v ⊢ p → (r → v). 12) p → q, r → q
⊢ (p ⋁ r) → q. 13) p → t, q → t ⊢ (q ⋁ p) → t. 14) q → r, p
⊢ (p → q) → r. 15) p → r, q → s ⊢ (p ⋀ q) → (r ⋀ s). 16) p
⋁ q, r → ¬p ⊢ ¬q → ¬r. 17) q → ¬s, q ⋁ p ⊢ s → p. 18) p
→ (q → r) ⊢ (p ⋀ q) → r. 19) p → q, r ⇄ q ⊢ ¬r → ¬p.
9. Derive usando a eliminação da disjunção: 1) (p ⋀ r) ⋁ (q
→ r), q ⊢ r. 2) (p ⋀ q) ⋁ (q ⋀ r) ⊢ q ⋁ s. 3) p ⋁ (q ⋀ p) ⊢ p
⋁ r. 4) p ⋁ q, p → r, ¬r → ¬q ⊢ r. 5) (p → q) ⋁ (q ⋁ r), (¬q
→ ¬p) → r, ¬r → ¬(q ⋁ r) ⊢ r. 6) p ⋁ (¬r ⋀ q), r → ¬p ⊢ ¬r.
7) p, (q ⋀ p) → r, q ⋁ s ⊢ r ⋁ s. 8) p → ¬q, q ⋁ (¬p ⋀ t) ⊢
¬p. 9) p ⋁ q, p ⇄ r, q → r ⊢ r. 10) ¬(¬p ⋀ ¬q), p → s, ¬s →
¬q ⊢ s. 11) p, (q ⋀ p) → r, q ⋁ t ⊢ r ⋁ t. 12) (p ⋀ q) ⋁ (p ⋀
¬r), ¬r → ¬p ⊢ q.
10. Derive: 1) ⊢ ¬(p ⋀ ¬p). 2) ⊢ p → p. 3) ⊢ q → (p ⋁ ¬p). 4) ⊢
(p ⋀ ¬p) → q. 5) ⊢ (p ⋀ q) → (p ⋁ q).
131
4
132
QUANTIFICAÇÃO
133
4.1 Nomes e predicados
Considere-se as seguintes frases:
134
porque falta saber de quem é ele irmão. Um exemplo de um
predicado ternário é «dar»: «O Carlos deu Os Maias à Maria.» Uma
vez que nem todos os predicados são unários, para especificar a
sua forma lógica exige-se uma maneira de indicar a sua aridade (ou
seja, se são unários, binários, ternários, etc.); isso é feito com as
letras x, y, z, etc. Assim, a forma lógica de quaisquer predicados
unários, como «é romano», é Fx; e a de quaisquer predicados
binários, como «fica a norte de», é Fxy; já a forma lógica dos
predicados ternários, como «dar algo a alguém», é Fxyz. Note-se o
contraste: Fx especifica a forma lógica de quaisquer predicados
unários, como «ser romano», ao passo que Fa especifica a forma
lógica de quaisquer frases com um predicado unário e um nome
próprio, como «Anne era alemã». Há assim uma maneira simples de
especificar a forma lógica de frases como «O Carlos ama a Maria»:
Interpretação
a: Carlos
b: Maria
Fxy: x ama y
Forma lógica
Fab
135
4.2 Propriedades e particulares
Porque é importante não confundir palavras com a realidade
extralinguística, é também importante não confundir predicados com
propriedades nem nomes próprios com particulares. Os predicados
são palavras cuja função é exprimir propriedades; as propriedades
são os atributos, qualidades ou características das entidades. A
brancura não é uma palavra, mas uma propriedade, contrastando
com o predicado «branco», que é uma palavra. Do mesmo modo, os
nomes próprios são palavras usadas para referir particulares. Os
particulares são entidades que têm propriedades, mas não são
propriedade seja do que for. Paris não é uma palavra, mas um
particular, contrastando com o nome próprio «Paris», que é uma
palavra. E Paris tem propriedades, como ser bela, mas nenhuma
entidade a tem a ela como propriedade.
Os predicados unários são enganadores porque exprimem
quase sempre propriedades relacionais, às quais se chama também
«relações»: fala-se assim da relação ou propriedade relacional de
ser irmão. Por exemplo, nenhum particular é em si branco; a
brancura não é uma propriedade não-relacional, mas uma relação
cujos relata (os membros da relação) incluem a luz que incide no
particular e a estrutura molecular deste último, que a reflecte de uma
certa maneira. Apesar disso, o predicado «é branco» é unário e não
relacional. É por isso um erro considerar que todo o predicado
unário exprime uma propriedade não-relacional.
É também um erro considerar que todo o predicado exprime uma
propriedade genuína. O predicado «sem propriedades» é
gramaticalmente tão legítimo como qualquer outro, mas seria
precipitado considerar que caso um particular não tenha
propriedades, tem a propriedade de as não ter. Além disso, muitos
predicados exprimem na verdade relações de constituição, e não
propriedades propriamente ditas: a água é H 2O, mas isso quer
apenas dizer que é constituída por três particulares (duas moléculas
de hidrogénio e uma de oxigénio), apropriadamente combinados.
Qualquer termo geral, como «girafa», permite formar
gramaticalmente predicados elementares, como «ser uma girafa».
136
Porém, é duvidoso que ser uma girafa seja uma propriedade em
qualquer sentido robusto; o que é inegável é que ser uma girafa é
pertencer a uma dada espécie biológica, que se caracteriza por
variadíssimas propriedades, muitas delas relacionais, constitutivas e
históricas (porque a origem biológica dos organismos é relevante
para a sua natureza).
Finalmente, há propriedades de segunda ordem, como ser
numeroso. Nenhum particular é numeroso, mas alguns conjuntos de
particulares, como o conjunto dos indianos, são numerosos. A lógica
clássica só se aplica com segurança a frases cujos predicados
exprimam propriedades directamente de particulares. Se não se
atender a esta restrição, cai-se na falácia de concluir que a Indira é
numerosa porque é indiana e os indianos são numerosos.
Também o conceito de particular é problemático, apesar de ser
muito fácil dar nomes próprios seja ao que for. Em termos
simplistas, os nomes próprios referem particulares, ou pelo menos é
esse o seu papel semântico; mas seria desavisado considerar que
todo o nome próprio refere um particular em qualquer sentido
robusto, ao invés de um punhado mais ou menos vago de
entidades, como uma cidade ou uma equipa de futebol. Mesmo os
particulares mais claramente delimitados, como um ser humano, são
colecções algo vagas de várias entidades, como estados neuronais,
células e órgãos.
137
4.3 Operadores verofuncionais
Viu-se até agora a linguagem de predicados da lógica quantificada
sem operadores verofuncionais. Contudo, é evidente como fazer
para acrescentá-los. Considere-se a frase «Anne não era
japonesa»; a sua forma lógica é obviamente ¬Fa. Já a frase «Anne
e Gies eram admiráveis» é uma conjunção: Fa ⋀ Fb. Eis um
exemplo um pouco mais complexo: «Se Anne e Gies eram
admiráveis, Gies não era carreirista» é uma condicional cuja
antecedente é por sua vez uma conjunção: (Fa ⋀ Fb) → ¬Gb.
Também as frases com predicados relacionais têm formas lógicas
que já se consegue especificar; a frase «Anne escreveu o Diário e
admirava Gies» tem a forma lógica Fab ⋀ Gac.
Alguns predicados ocultam operadores. Considere-se a frase «O
Carlos é irmão da Maria e do Pedro». Talvez seja tentador
considerar que o predicado é ternário, caso em que a forma lógica
da frase seria Fabc. Porém, é razoável considerar que o predicado
«ser irmão» é binário e que a frase anterior oculta uma conjunção,
caso em que a sua forma lógica é Fab ⋀ Fac. É preciso por isso ver
com atenção qual é a aridade mínima de um dado predicado; a
aridade superficial de um predicado oculta por vezes uma ou mais
conjunções.
É preciso insistir que nem todo o conjunto de palavras é uma
frase: uma frase é um conjunto de palavras estruturadas de modo a
permitir fazer uma asserção ou pergunta, dar uma ordem, exprimir
um desejo, etc. Daí que os seguintes casos não especifiquem
formas lógicas de frases, e nem sequer de predicados, mas de
meras expressões: ¬a («não Anne»), a ⋁ b («Anne ou Gies»), a → b
(«se Anne, então Gies»).
Outra maneira de usar operadores verofuncionais na lógica
quantificada é exemplificada pela forma p → Fa. Uma frase com
esta forma lógica é «Se a vida tem sentido, Woody Allen está
enganado». Neste caso, p especifica a forma lógica de qualquer
frase insusceptível de ser adequadamente especificada por Fa,
como «A vida tem sentido». Isto porque não é líquido que esta frase
138
inclua um nome próprio; «vida» não é certamente um nome próprio
na mesma acepção em que «Woody Allen» ou «Grécia» o são.
Nestes casos, usa-se os recursos já disponíveis da lógica
verofuncional.
139
4.4 Quantificadores
Acrescentar nomes próprios e predicados à lógica verofuncional
aumenta o seu poder expressivo, mas não o seu poder inferencial: a
validade dos raciocínios que já antes era captada, continua a sê-lo,
mas não se adquire a capacidade de captar novas validades. Só
com a introdução dos quantificadores se passa a conseguir dar
conta de validades que ultrapassam a lógica verofuncional.
Um quantificador é um pronome, artigo ou qualquer outro termo
usado como determinante para indicar a quantidade de coisas de
que se fala. As frases seguintes incluem quantificadores:
Não há divindades.
Algumas pessoas são mais generosas do que outras.
140
Há quem não goste de ler.
Pelo menos algumas bibliotecas são boas.
Os números não existem.
141
quer dizer que só há cinco. O mesmo acontece com «Alguns seres
humanos são mamíferos»: é verdadeira precisamente porque todos
o são. Mas a frase verdadeira é aquela frase literal e não a
interpretação comum, que é «Só alguns seres humanos são
mamíferos». Em lógica usa-se o quantificador existencial para falar
de pelo menos um, sem pressupor seja o que for quanto a todos,
exactamente como se faz na matemática e noutras áreas.
O símbolo ∀ (da palavra inglesa «all») será usado como
quantificador universal. Será considerada universal qualquer frase
dominada por esse quantificador. Assim, qualquer frase da forma ∀x
Ax é universal, por mais que seja tão fortemente restringida por
condições subsequentes que careça de generalidade. A frase
«Todos os seres humanos que forem homens e falarem francês e
inglês fluentemente e forem autores de Servidão Humana merecem
apreço» é universal, mas não tem qualquer generalidade, porque
inclui tantas condições que se aplica apenas a Somerset Maugham.
Para especificar a forma lógica de uma frase como «Tudo é
matéria» precisa-se uma maneira de ligar o predicado ao
quantificador; isso faz-se por meio das letras já usadas para indicar
a aridade dos predicados: x, y, z, etc. Assim, a sua forma lógica é ∀x
Fx. Lendo-a literalmente, significa que, dado um particular qualquer
x, x é F. As letras minúsculas do fim do alfabeto são assim variáveis
livres ou ligadas, consoante o caso. Uma variável está ligada sse
ocorrer no âmbito de um quantificador que tenha a mesma variável,
como acontece com o x de ∀x Fxy; uma variável está livre sse não
estiver ligada, como o y de ∀x Fxy. O âmbito de um quantificador é
toda a expressão à sua direita até à ocorrência de um operador
binário.
Considere-se ∀x ¬Fx → Gx. O predicado Gx não está no âmbito
do quantificador universal (ou seja, a variável está livre); mas ¬Fx
está no seu âmbito (a variável está ligada). Quando pelo menos
uma variável está livre, como neste caso, o que se especifica não é
a forma lógica de frases, mas de predicados, ainda que sejam
quase ininteligíveis em português por não passarem de frases
incompletas: «Se tudo não for material, então... ser líquido». Caso
se acrescente parêntesis, Gx passa a ficar no âmbito do
quantificador: ∀x (¬Fx → Gx).
142
O símbolo ∃ será usado como quantificador existencial; qualquer
frase dominada por esse quantificador será denominada «frase
existencial». Os dois quantificadores surgem muitas vezes juntos,
como na frase «Tudo é azul ou algo é verde», cuja forma lógica é ∀x
Fx ⋁ ∃x Gx. Neste caso, tanto faz usar variáveis diferentes ou a
mesma, nos dois lados da disjunção, porque não interferem entre si.
Contudo, caso se coloque os dois quantificadores à cabeça da
expressão, será preciso usar variáveis ligadas diferentes, porque
nenhuma variável se liga a mais de um quantificador, e exige-se
além disso parêntesis para ligar o «y» ao quantificador existencial:
∀x ∃y (Fx ⋁ Gy). As duas maneiras de especificar a forma lógica da
frase original são equivalentes.
Como se vê, a forma lógica de frases como «Tudo é matéria»,
«Só há matéria» e afins é ∀x Fx; e a forma lógica de frases como
«Há átomos», «Existem átomos» e afins é ∃x Fx. Nestes dois casos,
há apenas um predicado. Quando há dois predicados, contudo,
recorre-se aos operadores verofuncionais já conhecidos. A forma
lógica da frase «Alguns filósofos são gentis» é ∃x (Fx ⋀ Gx). Os dois
predicados estão unidos pela conjunção porque o que se pretende
dizer é que existe pelo menos um particular que é simultaneamente
filósofo e gentil. Isto contrasta com a forma lógica de frases como
«Todos os gatos são felinos», que inclui uma condicional e não uma
conjunção: ∀x (Fx → Gx). O que se pretende dizer agora é que,
dado qualquer particular, se for um gato, é um felino. Em contraste,
∀x (Fx ⋀ Gx) é a forma lógica de frases como «Tudo é gatos e
felinos» ou «Só há gatos e felinos». Este é um caso em que a lógica
fornece um instrumento de análise linguística com resultados
surpreendentes: algumas frases ocultam conjunções; outras,
condicionais. Ao contrário do que sugere a sua gramática
superficial, a diferença entre as frases «Alguns gatos são felinos» e
«Todos os gatos são felinos» não é apenas a quantificação.
Considere-se agora a frase «O Carlos deu uma rosa à Maria».
Já se vê que o predicado é ternário; mas apesar de se ter três
lugares no predicado, a frase só inclui dois nomes próprios. Isto
acontece porque o que ele lhe deu não tem nome próprio: foi
apenas uma rosa. Assim, será preciso usar o predicado «ser uma
rosa» para captar a forma lógica da frase.
143
Interpretação
a: Carlos
b: Maria
Fx: x é uma rosa
Gxyz: x deu y a z
Forma lógica
∃x (Fx ⋀ Gaxb)
∀x Fx ≡ ¬∃x ¬Fx
∃x Fx ≡ ¬∀x ¬Fx
¬∀x Fx ≡ ∃x ¬Fx
¬∃x Fx ≡ ∀x ¬Fx
144
Ou seja, negar que tudo seja feito de átomos é afirmar que há
algo que não é feito de átomos; e negar a existência de
extraterrestres é afirmar que, dado um particular qualquer, não é um
extraterrestre.
Considere-se agora «As verdades são relativas»; a sua negação
correcta não é «Nenhuma verdade é relativa», mas «Algumas
verdades não são relativas». A forma lógica da primeira frase é ∀x
(Fx → Gx). A sua negação directa é ¬∀x (Fx → Gx): «Nem tudo são
verdades relativas». Ora, negar um quantificador universal é afirmar
um existencial negando o resto, pelo que daqui se deriva ∃x ¬(Fx →
Gx). Recordando que se nega uma condicional afirmando uma
conjunção, e não afirmando outra condicional, deriva-se ∃x (Fx ⋀
¬Gx). Esta é a forma lógica de «Algumas verdades não são
relativas».
Algo semelhante acontece no caso da negação correcta de «Há
alemães australianos», que é «Nenhum alemão é australiano». A
forma lógica da primeira frase é ∃x (Fx ⋀ Gx). A sua negação directa
é ¬∃x (Fx ⋀ Gx): «Não há alemães australianos.» Negar um
quantificador existencial é afirmar um universal negando o resto: ∀x
¬(Fx ⋀ Gx). Por De Morgan, deriva-se ∀x (¬Fx ⋁ ¬Gx). Daqui, e
dada a definição de condicional, conclui-se ∀x (Fx → ¬Gx). Ora,
esta é a forma lógica de «Nenhum alemão é australiano». A forma
lógica desta última frase talvez seja surpreendente; mas a ideia é
que dado qualquer particular, se for alemão, não é australiano.
145
4.5 Domínios
É comum, ao falar, ter em mente domínios restritos: uma pessoa diz
que já não há maçãs, mas quer apenas dizer que as não há na sua
cozinha e não no universo inteiro. Do mesmo modo, «Há quem
admire Anne» parece pressupor um domínio restrito a pessoas; não
se quer certamente dizer que há peixes, pedras ou pulgas que a
admiram. Aos conjuntos de particulares que se tem em mente ao
usar quantificadores chama-se «domínios de quantificação».
Restringindo o domínio a pessoas, a sua forma lógica é apenas ∃x
Fxa: existe pelo menos uma pessoa que admira Anne. Porém, caso
não se estipule um domínio restrito será preciso restringir a própria
forma lógica: ∃x (Gx ⋀ Fxa). Ou seja, há particulares que
simultaneamente são pessoas (Gx) e admiram Anne (Fxa). Nas
frases existenciais, a restrição introduz-se com uma conjunção,
como se viu; nas universais, porém, a restrição introduz-se com uma
condicional. Assim, num domínio restrito a pessoas, a forma lógica
de «Toda a gente admira Anne» é simplesmente ∀x Fxa. Caso não
se use um domínio restrito, será preciso restringir a própria forma
lógica: ∀x (Gx → Fxa). Ou seja: dado um particular qualquer, se for
uma pessoa, admira Anne. Restringindo o domínio a pessoas, eis a
forma lógica das seguintes frases:
146
13. Toda a gente tem alguém que o admira: ∀x ∃y Fyx.
147
4.6 Quantificação sem quantificadores
Considere-se um domínio de quantificação muitíssimo limitado, com
dois particulares apenas: Anne e Gies. Como é evidente, afirmar
com respeito a este domínio que tudo são pessoas admiráveis é
exactamente o mesmo que afirmar que Anne e Gies são admiráveis;
e afirmar que há pelo menos uma escritora é exactamente o mesmo
que afirmar que Anne o é, ou Gies. Isto significa que os dois
quantificadores clássicos são, afinal, abreviaturas de conjunções e
disjunções:
1. ∀x Fx → p
148
2. ∀x (Fx → p)
1. (Fa ⋀ Fb) → p
2. (Fa → p) ⋀ (Fb → p)
149
4.7 Predicados negados
Nas frases da forma ∀x ¬Fx, à frente do operador de negação surge
apenas um predicado, e isso leva a considerar erradamente que é o
predicado que está a ser negado, e não uma frase propriamente
dita. Que algo está errado nesta maneira de pensar torna-se patente
quando se tem em mente que a negação clássica é um operador de
formação de frases: aplica-se a frases e forma outras frases. Caso a
interpretação de ∀x ¬Fx fosse a mencionada, esta seria uma
fórmula mal formada. Ter em conta a expressão conjuntiva do
quantificador universal, porém, ajuda a compreender este erro de
interpretação. As frases daquela forma abreviam apenas conjunções
da forma ¬Fa ⋀ ¬Fb ⋀ …, e agora é evidente que à frente do
operador de negação está uma frase completa, e não apenas um
predicado.
Porém, este esclarecimento pede outro. Na língua portuguesa, a
negação não é apenas frásica; há também a negação de adjectivos.
A negação frásica é a clássica: trata-se de um operador que se
aplica exclusivamente a frases e forma outras frases. A negação de
adjectivos aplica-se não a frases, mas a adjectivos, como a negação
de «feliz», que é «infeliz». Ora, esta negação nem sempre se reduz
adequadamente à frásica. Compare-se os seguintes dois
raciocínios:
150
lógica da conclusão: «Anne não está feliz». O adjectivo «infeliz» é,
na lógica clássica, encarado apenas como outro predicado, cuja
forma lógica é Gx. Consequentemente, não se capta nesta lógica a
validade do primeiro raciocínio, nem se explica o contraste com o
segundo, que é inválido.
Nestes casos, uma das saídas é alargar a lógica clássica, caso
se considere que o que ficou por captar tem suficiente interesse ou
generalidade. Note-se, porém, que a lógica do prefixo «in-» é
diferente de adjectivo para adjectivo. A lógica da infelicidade incluiria
«Quem está infeliz, não está feliz» como verdade lógica, mas não
«Quem não está feliz, está infeliz»; já o adjectivo «reflectido»
incluiria como verdades lógicas tanto «Quem não é reflectido, é
irreflectido», como «Quem não é irreflectido, é reflectido».
Para ver outra saída considere-se o seguinte raciocínio:
151
acrescentadas são verdades lógicas da lógica das cores e da
infelicidade porque explicitam as condições de verdade associadas
àqueles conceitos. Isto contrasta com casos como o seguinte:
152
4.8 Regras simples e de substituição
Agora que a linguagem quantificada e de predicados foi esclarecida,
é tempo de examinar a sua lógica. Considere-se o seguinte
exemplo:
153
que todas as variáveis que por ele estavam ligadas sejam
substituídas pela mesma letra que representa nomes próprios.
Porém, não se aplica a (Gx ⋀ Ha) → ∀x Fx porque esta não é uma
frase universal; apenas inclui uma frase universal. Pela mesma
razão, aplica-se apenas a frases da forma 2:
1. ∀x Fx → p
2. ∀x (Fx → p)
Interpretação
Fx: x é escritora
Gx: x é mortal
Hx: x é divino
a: Anne
Forma lógica
∀x (Fx → Gx)
∀x (Gx → ¬Hx)
∴ Fa → ¬Ha
Derivação
154
Considere-se agora a introdução do quantificador existencial (I∃).
É evidente que se conclui validamente e sem mais delongas que há
escritoras da premissa «Anne é escritora». Eis um exemplo do uso
desta regra:
155
Interpretação
a: Anne
b: Gies
c: Diário
Fxy: x escreveu y
Gx: x é escritora
Forma lógica
Fac ⋁ Fbc
Fac → Ga
Fbc → Gb
∴ ∃x Gx
Derivação
156
simples, as de substituição e as que usam suposições. Eis as
simples e as de substituição:
Definição de quantificadores
∀x Ax ≡ ¬∃x ¬Ax
∃x Ax ≡ ¬∀x ¬Ax
Negação de quantificadores
¬∀x Ax ≡ ∃x ¬Ax
¬∃x Ax ≡ ∀x ¬Ax
157
4.9 Introdução do quantificador universal
Como é evidente, é inválido concluir ∀x Fx de Fa: de «Anne é
escritora» não se conclui validamente que no universo só há
escritores. Portanto, a regra da introdução do quantificador universal
(I∀) não é assim. As regras da introdução e eliminação do
quantificador universal estão coordenadas entre si; na maioria dos
casos, trata-se de eliminar temporariamente o quantificador
universal para se fazer alguns raciocínios, reintroduzindo-o depois.
Quando isso se faz usa-se não as letras a, b, c, etc., que
representam quaisquer nomes próprios, mas m, n, o, etc., que
representam quaisquer nomes arbitrários. Um nome próprio, como
«Anne», refere um particular específico; isto contrasta com os
nomes arbitrários, que são introduzidos para falar arbitrariamente de
qualquer particular. Isto corresponde em parte ao uso que se fazia
na língua portuguesa de antanho quando se usava o termo «zé-
povinho»: é um nome arbitrário de qualquer português que pertença
a essa categoria imaginária anacrónica que é o povo. E ainda hoje
se usa os nomes arbitrários «fulano», «sicrano» e «beltrano». Veja-
se um exemplo da aplicação da introdução do quantificador
universal:
158
foi o que se fez no passo 4. Ao introduzir o quantificador universal, a
variável ligada substitui todas as ocorrências de n, e não apenas
algumas. Além disso, exige-se que o passo a que se aplica a regra
e que contém n não seja uma premissa, nem dependa de qualquer
premissa que contenha n. Veja-se outro exemplo:
Uma vez mais, a regra foi usada da maneira mais óbvia: para
reintroduzir um quantificador universal antes eliminado. Veja-se
agora como se usa esta regra na presença de suposições:
Interpretação
Fx: x é humano
Gx: x é mortal
Hx: x é animal
Forma lógica
∀x (Fx → Gx)
∀x (Gx → Hx)
∴ ∀x (Fx → Hx)
159
Derivação
160
Uma vez mais, é um erro eliminar n em qualquer passo que
dependa da suposição do passo 2, porque este contém esse nome
arbitrário. Eis então a formulação da regra:
161
4.10 Eliminação do quantificador existencial
Como é evidente, a regra da eliminação do quantificador existencial
(E∃) não é uma questão de concluir Fa de ∃x Fx, pois apesar de
haver filósofas, Anne não era uma delas. Elimina-se o quantificador
existencial introduzindo uma suposição com as letras já conhecidas
que representam nomes arbitrários:
162
No passo 3 foi introduzida uma suposição com vista ao uso da
regra, eliminando o quantificador existencial do passo 1 e inserindo
n no lugar de x. Desta suposição derivou-se o passo 7, que não
contém qualquer n nem depende de qualquer premissa ou
suposição que o contenha, excepto da própria suposição do passo
3. Então, conclui-se o raciocínio no passo 8, com base no passo 1 e
na subderivação que parte da suposição do passo 3 e termina no 7.
Como se vê, o nome desta regra é um pouco enganador, uma vez
que, na maior parte das suas aplicações, introduz-se de novo o
quantificador. Todavia, nem sempre isso acontece (secção 5.3).
Considere-se agora um exemplo com quantificadores
existenciais e universais misturados:
163
Como se vê, o processo consiste em ser metódico, eliminando
primeiro o quantificador mais à esquerda (com uma suposição) e
depois o outro, usando primeiro n e depois o. Note-se que o
raciocínio na direcção inversa é inválido: é a falácia da inversão dos
quantificadores. Eis o que acontece caso se tente provar a sua
validade:
164
Este raciocínio inválido tem uma forma lógica superficialmente
semelhante à do raciocínio válido na direcção inversa:
165
A suposição do passo 3 elimina o primeiro quantificador
existencial, e a do passo 4, o segundo; exige-se uma letra diferente
para cada um. A derivação usa a eliminação da disjunção, e inclui
por isso mais duas suposições. Note-se também que se eliminou
duas vezes o quantificador universal do passo 2. Eis então a
formulação da regra:
166
An ⊢ C
∴C
Interpretação
Fx: x é pintor
Gx: x é músico
Forma lógica
∃x (Fx ⋀ Gx)
∴ ∃x (Gx ⋀ Fx)
Derivação
167
Como se vê, o raciocínio original é apenas uma versão
quantificada da comutatividade da conjunção; e é porque a
condicional não é comutativa que os raciocínios da forma do
seguinte são inválidos:
168
4.11 Implicação existencial
Na lógica clássica considera-se válido qualquer raciocínio que
conclua uma frase da forma ∃x Fx partindo apenas de outra da
forma ∀x Fx; diz-se então que o quantificador universal tem
implicação existencial, ou seja, implica que algo existe. Pensa-se
por vezes que a implicação existencial é um aspecto inadequado da
lógica clássica, porque se o domínio de quantificação for vazio, os
raciocínios daquela forma lógica serão (supostamente) inválidos.
Para compreender esta crítica é preciso compreender primeiro o
conceito de domínio vazio.
A primeira coisa a dizer é que só há um domínio vazio: o que
distingue os conjuntos entre si é exclusivamente os seus elementos,
ou seja, quaisquer hipotéticos dois conjuntos que tenham
exactamente os mesmos elementos são afinal um só. Dado que o
conjunto vazio não tem elementos, nenhuns hipotéticos dois
conjuntos vazios têm elementos que os possam diferenciar, pelo
que não são dois, afinal, mas apenas um. A segunda coisa a dizer é
que apesar de só haver um domínio vazio, há inúmeras maneiras
diferentes de especificá-lo. O conjunto de marcianos inteligentes, de
seres humanos com mais de dez metros de altura ou até de
governantes competentes são maneiras diferentes de especificar o
mesmo conjunto vazio, se nenhuma dessas entidades existir.
Voltando à discussão, é evidente que as frases da forma ∃x Fx
serão falsas se o domínio for vazio porque não há nele qualquer
particular. Porém, o que dizer de ∀x Fx? Serão verdadeiras ou falsas
se o domínio for vazio? Caso sejam verdadeiras, a lógica
quantificada clássica será inadequada, porque sanciona como
válidos raciocínios que partem de premissas verdadeiras, da forma
∀x Fx, e chegam a conclusões falsas, da forma ∃x Fx. A ideia de
que se o domínio for vazio, as frases da forma ∀x Fx seriam
vacuamente verdadeiras baseia-se na consideração do valor de
verdade da sua negação: ∃x ¬Fx. Se o domínio for vazio, defende
então o crítico, as frases desta forma serão falsas, porque não
existe particular algum; consequentemente, as suas negações, da
169
forma ∀x Fx, serão verdadeiras e por isso este aspecto da lógica
clássica é inadequado.
Esta maneira de pensar, contudo, é falaciosa, pois a
mesmíssima razão que há para aceitar que serão inequivocamente
falsas as frases da forma ∃x Fx se o domínio for vazio, obriga a
aceitar que nesse domínio também as da forma ∀x Fx serão falsas,
pelo que a implicação existencial da lógica clássica está correcta. As
frases existenciais abreviam disjunções como Fa ⋁ Fb ⋁ …; ora, se
o domínio for vazio, todas estas disjuntas serão falsas, porque não
há particular algum. Mas nesse caso também serão falsas as
conjuntas Fa ⋀ Fb ⋀ …, que as frases universais da forma ∀x Fx
abreviam. Consequentemente, não há aqui qualquer contra-exemplo
ao princípio da implicação existencial da lógica clássica; o que há é
uma interpretação falaciosa das frases da forma ∃x ¬Fx, que as
encara como se fossem conjunções: «existe um particular x, e esse
particular…». Mas esta não é a interpretação correcta na lógica
clássica. Estas frases abreviam apenas a disjunção infinita ¬Fa ⋁
¬Fb ⋁ …, que é inequivocamente verdadeira se o domínio for vazio,
porque a alternativa seria considerar que cada uma das
contraditórias das suas disjuntas (Fa ⋁ Fb ⋁ …) seria verdadeira
nesse mesmo caso. Se o domínio for vazio, as frases da forma Fa
serão inequivocamente falsas, precisamente porque não haverá
particular algum; e as da forma ¬Fa serão verdadeiras, porque irão
negar falsidades. Aliás, é por isso que as frases da forma Fa ⋁ ¬Fa
são verdades lógicas: são verdadeiras seja qual for o domínio,
incluindo o vazio, porque neste caso as frases da forma Fa são
falsas, mas as suas negações são verdadeiras. Para continuar a
insistir que as frases da forma ∃x ¬Fx são falsas se o domínio for
vazio é preciso abandonar a ideia de que as da forma Fa ⋁ ¬Fa são
verdades lógicas, porque então seriam falsas nesse caso.
Talvez seja surpreendente pensar que se o domínio for vazio, a
frase «Anne não é escritora» é verdadeira, mas a surpresa
desaparece caso se tenha em conta que a frase, tal como é
interpretada na lógica clássica, quer apenas dizer que não é
verdadeiro que ela é escritora — o que é perfeitamente razoável,
dado que no domínio vazio ela não existe. O que não é correcto é
considerar que na lógica clássica aquela frase quer dizer que Anne
170
existe e tem a propriedade de não ser escritora, ou de ser não-
escritora (secção 4.7).
Para encerrar este assunto da implicação existencial, é
importante ter em mente que na lógica clássica não se infere
validamente frases da forma ∃x (Fx ⋀ Gx) de frases da forma ∀x (Fx
→ Gx); porém, isto deve-se à invalidade de concluir uma conjunção
de uma condicional, e não à (suposta) invalidade de concluir uma
frase existencial de uma universal.
171
4.12 Exercícios
172
água. 3) Algo não é água. 4) Nem tudo é água. 5) Tudo é
água. 6) Todos os mamíferos são velozes. 7) Nenhum
mamífero é veloz. 8) Alguns mamíferos são velozes. 9)
Alguns mamíferos não são velozes. 10) Orwell é ensaísta
e inglês. 11) Se Orwell é ensaísta, não é inglês. 12) Não é
verdadeiro que se Orwell é ensaísta, não é inglês. 13)
Orwell é ensaísta ou inglês. 14) Se há ensaístas, Orwell é
um deles. 15) Se Orwell não é inglês, não há ingleses. 16)
Se todos os ensaístas são ingleses, Orwell é inglês. 17)
Alguns ensaístas não são ingleses e Orwell é um deles.
18) Se Isidoro é fantasioso, algo é fantasioso. 19) Isidoro
não é fantasioso.
11. Considere a seguinte interpretação: a: Orwell; Fx: x é
inglês; Gx: x é ensaísta. Usando esta interpretação,
escreva frases com as seguintes formas lógicas: 1) ∀x (Fx
→ Gx). 2) ∀x (Fx → ¬Gx). 3) ∃x (Fx ⋀ Gx). 4) ∃x (Fx ⋀
¬Gx). 5) ∀x Fx. 6) ∃x Fx. 7) Fa → ∃x (Fx ⋀ Gx). 8) Fa →
∃x Fx. 9) Fa → (∃x Fx ⋀ ∃x Gx). 10) ∀x (Fx → Gx) → Ga.
11) Ga → Fa.
12. Especifique a forma lógica das frases seguintes, depois
de estipular uma interpretação e um domínio de
quantificação: 1) Alguém ama Yourcenar. 2) Yourcenar
ama alguém. 3) Alguém ama alguém. 4) Alguém se ama a
si mesmo. 5) Toda a gente ama alguém. 6) Alguém ama
toda a gente.
13. No domínio das pessoas, considere a seguinte
interpretação: a: Isidoro; Fxy: x fala com y. Usando esta
interpretação, escreva frases com as seguintes formas
lógicas: 1) ∀x Fax. 2) ∀x Fxa. 3) ∃x Fxa. 4) ∃x Fax. 5) ∃x
Fxx. 6) ∃x ∃y Fxy. 7) ∀x ∀y Fxy. 8) ∀x Fxx.
14. Escreva formas equivalentes sem quantificadores num
domínio com apenas dois particulares: 1) ∀x Fx. 2) ∃x Fx.
3) ∀x (Fx → Gx). 4) ∃x (Fx ⋀ Gx). 5) ∀x (Fx ⋀ Gx). 6) ∃x
(Fx → Gx). 7) ∀x ¬Fx. 8) ¬∀x Fx. 9) ∃x ¬Fx. 10) ¬∃x Fx.
15. Derive: 1) ∀x (Fx → Gx), ¬Ga ⊢ ¬Fa. 2) ∀x ¬(Fx → Fx) ⊢
Ga. 3) ∀x ¬(Fx → Gx) ⊢ ¬Ga. 4) ∀x Fx ⊢ ∃x Fx. 5) ∃x (Fx
→ Gx) ⊢ ∃x (¬Gx → ¬Fx). 6) ¬∀x (Fx → Gx) ⊢ ∃x (Fx ⋀
173
¬Gx). 7) ¬∀x (Fx → ¬Gx) ⊢ ∃x (Fx ⋀ Gx). 8) ¬∃x (Fx ⋀ Gx)
⊢ ∀x (Fx → ¬Gx). 9) ¬∃x (Fx ⋀ ¬Gx) ⊢ ∀x (Fx → Gx). 10)
∀x (Fx → Gx), Fa ⊢ ∃x Gx. 11) ∀x (Fx ⋁ Gx), Fa → Ha, Ga
→ Ha ⊢ ∃x Hx.
16. Derive usando a introdução do quantificador universal: 1)
∀x (Fx ⇄ Gx) ⊢ ∀x (Fx → Gx). 2) ∀x (Fx ⋀ Gx) ⊢ ∀x Fx. 3)
∀x Fx ⊢ ∀x (Fx ⋁ Gx). 4) ∀x (Fx → Gx), ∀x Fx ⊢ ∀x Gx. 5)
∀x (Fx → Gx), ∀x ¬Gx ⊢ ∀x ¬Fx. 6) ∀x (Fx ⋁ Gx), Fa → ∃x
Hx, Ga → ¬∀x ¬Hx ⊢ ∃x Hx.
17. Derive usando a eliminação do quantificador existencial:
1) ∀x (Fx → Gx), ∃x Fx ⊢ ∃x (Fx ⋀ Gx). 2) ∃x (Fx ⋁ Gx) ⊢
∃x Fx ⋁ ∃x Gx. 3) ∃x Fx ⋁ ∃x Gx ⊢ ∃x (Fx ⋁ Gx). 4) ∃x (Fx
⋀ Gx) ⊢ ∃x Fx ⋀ ∃x Gx. 5) ∀x (Fx → Gx), ∃x Fx ⊢ ∃x (Fx ⋀
Gx). 6) ∃y ∀x Fyx ⊢ ∀x ∃y Fyx.
174
5
175
IDENTIDADE
176
5.1 A linguagem da identidade
Na língua portuguesa exprime-se a identidade com a palavra «é»:
«George Orwell é Eric Blair.» Claro que se usa a mesmíssima
palavra para exprimir também a predicação: «Orwell é perspicaz». A
diferença é que depois do «é» se encontra um nome próprio no
primeiro caso, mas não no segundo. A identidade é em si um
predicado, mas é especial, por duas razões. Em primeiro lugar
porque é binário, como «ser irmão»: é uma relação. Em segundo
lugar porque só se forma frases verdadeiras quando se atribui a
identidade ao mesmo particular: nada mais no universo é Orwell, no
sentido da identidade, a não ser ele — ainda que se use outro nome
próprio, como «Blair».
Como se viu, Fxy especifica a forma lógica de qualquer
predicado binário, pelo que seria razoável usar Ixy para a relação de
identidade. Contudo, é comum usar o sinal de igualdade da
matemática. Assim, a = b especificará a forma lógica das frases de
identidade com dois nomes próprios, como «Blair é Orwell».
A identidade numérica aqui em causa difere da qualitativa. Só há
identidade numérica quando não se trata de dois particulares, mas
de apenas um, mesmo que se use nomes próprios diferentes. Isto
contrasta com a identidade qualitativa, porque neste caso trata-se
de dois particulares, numericamente distintos, mas que partilham
várias propriedades, como dois lápis iguais acabados de comprar.
A identidade, como qualquer outro predicado binário, precisa do
seguinte para formar frases em vez de predicados:
177
3. Um quantificador apenas:
– Tudo é idêntico a si próprio: ∀x (x = x)
– Algo é idêntico a si próprio: ∃x (x = x)
4. Dois quantificadores:
– Há algo que é idêntico a tudo: ∃x ∀y (x = y)
– Tudo é idêntico a algo: ∀x ∃y (x = y)
1. Ser Orwell: x = a
2. Ser idêntico a si próprio: x = x
3. Ser idêntico a tudo: ∀y (x = y)
4. Ser idêntico a algo: ∃y (x = y)
178
5.2 Descrições definidas
Uma descrição definida é algo como «O autor de Os Dragões do
Éden» ou «A primeira mulher que foi à Lua». Os artigos definidos
«o» e «a» indicam que se pretende falar de um só particular, como
acontece com os nomes próprios. Por isso, é inadequado usar uma
descrição definida quando mais de um particular tem o atributo
indicado; quando se diz «O professor de lógica é belga», mas há
mais de um, a reacção apropriada é perguntar «Qual deles?». Neste
aspecto, portanto, as descrições definidas são como os nomes
próprios: referem um só particular e não vários (é claro que há
várias pessoas chamadas «Sagan», mas o contexto ajuda a
especificar qual delas se tem em mente). Contudo, as descrições
definidas são obviamente diferentes dos nomes próprios, porque
incluem sempre predicados, por vezes complexos. Assim, mesmo
que o nome próprio «Sagan» e a descrição definida «O autor de Os
Dragões do Éden» refiram o mesmo particular, o modo como o
fazem é diferente, porque o nome próprio não refere aquela pessoa
por meio de atributos ou predicados. Diz-se, por isso, que os nomes
próprios não são gramaticalmente atributivos ou descritivos, mas as
descrições definidas são-no.
Numa frase que inclua uma descrição definida, como «O autor
de Os Dragões do Éden era norte-americano», a ideia é que só uma
pessoa escreveu aquele livro e essa pessoa era norte-americana.
Assim, é razoável considerar que a sua forma lógica é uma
conjunção de três afirmações: 1) existiu pelo menos um autor de Os
Dragões do Éden; 2) só existiu um; e 3) esse autor era norte-
americano. Consequentemente, a forma lógica daquela frase capta-
se como se segue:
Interpretação
Fxy: x é autor de y
a: Os Dragões do Éden
Gx: x é norte-americano
179
Forma lógica
∃x [Fxa ⋀ ∀y [Fya → (y = x)] ⋀ Gx]
Interpretação
Fxy: x é autor de y
a: Cosmos
b: Carl Sagan
Forma lógica
∃x [Fxa ⋀ ∀y [Fya → (y = x)] ⋀ (x = b)]
180
Interpretação
Fxy: x é autor de y
a: Cosmos
b: Os Dragões do Éden
Forma lógica
∃x ∃y [Fxa ⋀ ∀z [Fza → (z = x)] ⋀ Fyb ⋀ ∀z [Fzb → (z = y)] ⋀
(x = y)]
181
nada num conjunto de sons ou traços como «O autor de Os
Lusíadas» permitirá fazê-lo. Os sons ou traços só conseguem referir
o que referem porque os seres humanos se coordenam
admiravelmente bem para fazê-lo, e não há neste aspecto
diferenças relevantes entre predicados e nomes próprios. Quando
Luís de Camões nasceu, os pais ou outras pessoas deram-lhe esse
nome próprio e desde então as pessoas coordenadamente usaram
sons e traços que remontam a essa estipulação para falar da
mesma pessoa. Esta é a perspectiva social dos nomes próprios
sugerida por Geach (1969) e que com Kripke (1980) deu um novo
rumo às discussões contemporâneas acerca da referência e
significado desses termos (Lycan 2008: 31–62). De notar que para
explicar a extensão e o significado dos termos gerais será preciso
dizer o mesmo: os seres humanos coordenam sons e traços
estipulados para falar da mesma cor, e é só devido a isso que
«verde» tem o significado e a extensão que tem (Murcho 2011).
182
5.3 A lógica da identidade
Porque a identidade é uma relação, tem propriedades lógicas como
qualquer outra. Três propriedades importantes das relações são a
reflexividade, a simetria e a transitividade. Uma relação é reflexiva
sse todo o particular tem essa relação consigo mesmo: ∀x Fxx. É o
que não acontece no caso do fascínio, pois nem toda a gente está
fascinada consigo mesma, como acontece com outras. Mas
qualquer pessoa pesa o mesmo que ela própria. Quanto à simetria,
uma relação é simétrica sse, dados quaisquer dois particulares, se o
primeiro tiver essa relação com o segundo, este também a tem com
o primeiro: ∀x ∀y (Fxy → Fyx). É o que não acontece na relação de
admiração, pois por vezes uma pessoa admira alguém que não a
admira a ela; mas se uma pessoa é colega de outra, esta é colega
dela. Por último, uma relação é transitiva sse, dados quaisquer três
particulares, se o primeiro tiver essa relação com o segundo, e este
a tiver com um terceiro, então o primeiro tem essa relação com o
terceiro: ∀x ∀y ∀z [(Fxy ⋀ Fyz) → Fxz]. É o que não acontece, por
exemplo, no caso da amizade: em alguns casos, uma pessoa é
amiga de outra, e esta de uma terceira, sem que a primeira seja
amiga da terceira. Já a relação de descendência é transitiva: se uma
pessoa é descendente de outra e esta de uma terceira, a primeira é-
o da terceira.
A lógica quantificada clássica lida adequadamente com o exótico
domínio vazio, ao contrário do que parece à primeira vista (secção
4.11). Porém, ao acrescentar a identidade, acaba-se o estado de
graça. A identidade é supostamente reflexiva, mas caso se inclua o
domínio vazio, nenhuma relação o é. Isto porque se o domínio for
vazio, qualquer frase da forma Faa é falsa — seja qual for o
predicado, e mesmo que seja uma relação reflexiva, como a
identidade. Uma maneira de contemplar também o domínio vazio é
redefinir o conceito de reflexividade: ∃x (x = x) → ∀x Fxx.
Estipulando então a exclusão do domínio vazio ou a inclusão não-
dita desta antecedente, a identidade numérica é reflexiva: ∀x (x = x).
Dada a implicação existencial da lógica clássica, daqui conclui-se
183
validamente que qualquer frase da forma ∃x (x = x) é uma verdade
lógica, assim como a = a. Além de reflexiva, a identidade numérica é
também simétrica e transitiva:
∀x ∀y [(x = y) → (y = x)]
∀x ∀y ∀z [[(x = y) ⋀ (y = z)] → (x = z)]
Fa
a=b
∴ Fb
184
valor de verdade. De modo que o caso seguinte é também uma
aplicação correcta desta regra:
Fa → ∀x Gxb
a=b
∴ Fa → ∀x Gxa
Faa → Ga
a=b
∴ Fab → Ga
185
dois particulares que tenham exactamente as mesmas propriedades
não são afinal dois, mas apenas um. Apesar de plausível, este
segundo princípio não é consensual — nem é uma regra da lógica.
Porque Leibniz aparentemente defendia as duas ideias, chama-se
por vezes «lei de Leibniz» à conjunção de ambas; outras vezes,
porém, usa-se esta designação apenas para a substituição de
idênticos.
Para ver como se usa a regra da substituição de idênticos nas
derivações, considere-se o seguinte raciocínio obviamente válido:
Interpretação
a: Blair
b: Orwell
Fx: x é ensaísta
Gx: x é romancista
Forma lógica
Fa ⋀ Ga
a=b
∴ Fb
Derivação
186
imediatamente o resultado desejado. Ao aplicar esta regra fica-se a
depender de todas as premissas de que dependiam esses dois
passos. A substituição de idênticos exige sempre um passo com a
identidade que é usada para reescrever qualquer passo. Eis mais
um exemplo:
187
exclusivamente quando os nomes são usados, e não quando são
mencionados. Considere-se a seguinte aplicação correcta da regra
da substituição de idênticos:
188
O quantificador universal do passo 1 foi eliminado no passo 4;
escolheu-se a e não b para usar o modus ponens no passo 5.
Finalmente, aplicou-se a substituição de idênticos ao passo 5 com
base na identidade do 3. Eis outro exemplo:
Interpretação
a: Camões
b: Luís
Fx: x é poeta
Gx: x é meticuloso com a linguagem
Forma lógica
Fa
∀x (Fx → Gx)
a=b
∴ Gb
Derivação
189
No passo 4 eliminou-se o quantificador universal do passo 2, o
que permite, por modus ponens, derivar uma frase da forma Ga no
5. Com base agora na identidade do passo 3, uma aplicação da
regra da substituição de idênticos permite chegar à conclusão
almejada.
Veja-se agora como se prova a simetria da identidade usando a
regra da substituição de idênticos:
190
nomes arbitrários. A transitividade da identidade prova-se usando a
mesma estratégia, resultado que fica como exercício.
Como se viu (secção 4.10), a regra da eliminação do
quantificador existencial é algo enganadora porque quase sempre
se volta a introduzi-lo; mas isso nem sempre acontece:
191
trigrama (≡). Tanto num caso como no outro, trata-se de substituir o
que está à esquerda pelo que está à direita, e vice-versa. A
diferença é que a identidade propriamente dita é uma relação entre
particulares, ao passo que a substituição de umas expressões por
outras não exige identidade: não há identidade entre as frases da
forma p e as da forma ¬¬p, mas substitui-se à mesma umas pelas
outras, salva veritate. Nos livros de matemática encontra-se por
vezes p = ¬¬p porque se usa o símbolo da identidade sem o
distinguir do trigrama.
Resta esclarecer dois aspectos relacionados. A formulação das
quatro propriedades lógicas da identidade são outras tantas
verdades lógicas. Mas não se captam usando apenas os recursos
da lógica quantificada sem identidade, pois dizem respeito
especificamente ao conceito de identidade e não aos conceitos de
quantificação nem de verofuncionalidade. Em contraste, as frases
da forma ∀x (Fx → Fx), ou quaisquer outras que envolvam
quantificação sem identidade, são verdades lógicas que se captam
sem usar quantificação: (Fa → Fa) ⋀ (Fb → Fb) ⋀ … Daí o segundo
aspecto: porque na lógica da identidade surge um tipo novo de
verdades lógicas, surge também um novo tipo de contradição. Até
aqui, todas as contradições se reduziam a A ⋀ ¬A, e era esta forma
que se procurava nas derivações por reductio, independentemente
de se tratar de uma derivação da lógica verofuncional ou da
quantificada. Em contraste, na lógica da identidade surge um tipo
diferente de contradição: ¬(a = a). Em alguns casos, usa-se este
novo tipo de contradição:
192
193
5.4 Compromisso ontológico
O compromisso ontológico dos nomes próprios é a ideia, específica
da lógica clássica, de que se infere validamente ∃x Fx de Fa; ou
seja, usar um nome próprio é comprometer-se com a existência do
que é nomeado. Durante décadas, os filósofos consideraram que
havia contra-exemplos evidentes à validade dos raciocínios desta
forma lógica. Hoje é muito menos evidente que se tenha aqui
realmente uma dificuldade, ao invés de uma embaraçosa confusão.
A dificuldade seria supostamente a seguinte: Pégaso não existe
porque não há cavalos alados; é por isso um nome próprio vácuo,
vazio ou sem referente. Porém, «Pégaso é um cavalo alado» é uma
frase verdadeira, ao passo que é falso que existem cavalos alados.
Aqui se teria então a suposta refutação do compromisso ontológico
dos nomes próprios: Fa não implicaria ∃x Fx.
Esta maneira de pensar, contudo, com base em exemplos de
entidades ficcionais ou míticas, é falaciosa. Pois considere-se em
que sentido exactamente é supostamente verdadeira a premissa
«Pégaso é um cavalo alado»; como é evidente, só ficcionalmente é
verdadeiro que Pégaso é um cavalo alado. Não se está certamente
a falar de um cavalo orgânico não-ficcional ou não-mítico, da
mesma categoria ontológica dos cavalos de Napoleão. Mas então,
nesse mesmo sentido ficcional ou mítico, a conclusão «Existem
cavalos alados» não é falsa. Por outro lado, no mesmíssimo sentido
em que é falso que existem cavalos alados — isto é, no sentido não-
ficcional — também é falso que Pégaso seja um cavalo alado.
Portanto, caso não se cometa a falácia da equivocidade ou
ambiguidade (ter um sentido em mente na premissa, mas depois
mudar de sentido na conclusão como quem muda de camisa), não
há dificuldade alguma com nomes próprios ficcionais ou míticos.
Estes não são nomes próprios realmente vazios, mas antes com
referentes ficcionais ou míticos.
Claro que do simples facto de se usar um exemplo inapropriado
não se conclui validamente que todos os exemplos são
inapropriados. Porém, haverá alguns nomes próprios genuínos que
não tenham referente? Caso existam, há realmente contra-exemplos
194
à suposta validade clássica, que parte de qualquer frase da forma
Fa e, só nessa base, conclui outra da forma ∃x Fx. Felizmente para
a lógica clássica, não parece haver nomes próprios genuínos sem
referente. O mais próximo que se consegue encontrar são nomes
próprios como «Vulcano», mas com nomes próprios destes não é
líquido que se tenha contra-exemplos apropriados, por razões que
serão explicadas já de seguida.
No século , o matemático francês Le Verrier detectou
anomalias na órbita de Mercúrio, e não havia maneira de explicá-las
excepto supondo a existência de um planeta entre este corpo
celeste e o Sol. A esse suposto planeta chamou ele «Vulcano».
Porém, não só nunca se encontrou tal suposto planeta como, além
disso, não é preciso supor que existe para dar conta da órbita de
Mercúrio — a física de Einstein (que Le Verrier obviamente não
conhecia) explica essas anomalias. Este é um caso em que se
introduz um nome próprio por meio de uma descrição definida («O
planeta entre Sol e Mercúrio responsável pelas anomalias tal e tal»),
e depois nunca se encontra o tal particular hipotético. Alguns nomes
próprios são introduzidos deste modo, mas muitos não o são; o mais
normal é nascer um bebé, e na sua presença os pais dão-lhe um
nome próprio — ou deram-lho antes mesmo de nascer, mas depois
ficam em contacto com ele. Ou dá-se um nome próprio a uma
estrela que se vê, a uma cidade que se funda ou a um cão que se
adopta. Em todos estes casos, como é evidente, não se encontra
qualquer contra-exemplo ao compromisso ontológico dos nomes
próprios, precisamente porque em todos há sempre um referente.
Daí o interesse de «Vulcano»: neste caso não há referente e não se
trata de haver um referente ficcional, como nos nomes próprios
«Sherlock Holmes», «Super-Homem» ou «Pégaso».
Contudo, os casos como «Vulcano» estão longe de constituir
contra-exemplos inequívocos à validade do raciocínio que parte de
«Vulcano é um planeta situado entre Mercúrio e o Sol» e conclui
«Existe pelo menos um planeta situado entre Mercúrio e o Sol». O
nome próprio «Vulcano» tem duas características cruciais: por um
lado, foi introduzido por meio de uma descrição definida; por outro,
nunca se encontrou o seu referente. É preciso que estes dois
aspectos estejam presentes para haver um (suposto) contra-
195
exemplo ao compromisso ontológico dos nomes próprios. Porém,
quando estes dois aspectos estão presentes, é razoável considerar
que o nome próprio é apenas uma abreviatura da descrição definida
usada para introduzi-lo, no sentido de ser rigorosamente equivalente
a ela. Isto nem sempre acontece, porque um nome próprio
introduzido por descrição definida torna-se independente dela, se
tiver referente. O célebre exemplo de Mill (1843: I.ii § 5) é a cidade
de Dartmouth, cujo nome próprio ganha vida própria e continua a
referir aquela cidade mesmo que o rio Dart, que serviu de inspiração
descritiva para denominá-la, desapareça ou seja desviado e deixe
de passar naquela cidade («Dartmouth» quer dizer literalmente «foz
do Dart»). Mas estes casos nunca constituirão contra-exemplos
apropriados, precisamente porque são nomes próprios com
referente. Quando isto não acontece, é defensável que o nome
supostamente próprio não o é sequer em qualquer sentido robusto,
não passando de uma abreviatura cómoda da descrição definida.
Nesse caso, o valor de verdade de qualquer frase que inclua esse
nome supostamente próprio sem referente será sempre o mesmo
que o dessa mesma frase com a descrição definida em seu lugar.
Assim, a frase «Vulcano é um planeta situado entre Mercúrio e o
Sol» não é verdadeira, precisamente porque caso se substitua o
nome supostamente próprio pela descrição que este abrevia é
evidente que a frase não é verdadeira, uma vez que afirma existir
um planeta que afinal não existe. Consequentemente, não há aqui
qualquer contra-exemplo ao compromisso ontológico dos nomes
próprios que não seja razoável rejeitar.
Este resultado não é surpreendente caso se considere que um
nome próprio é, por natureza, bastante diferente de termos
descritivos. Um nome próprio é como se fosse uma etiqueta colada
num particular. Se esse particular não existir, o suposto nome
próprio não o é verdadeiramente; não é um nome genuinamente
próprio, é apenas algo que parece sê-lo devido à gramática. Pensar
que qualquer coisa gramaticalmente parecida com um nome próprio
o é realmente é ignorar a função semântica dos nomes próprios e
não anda longe de se pensar erradamente que qualquer papel
adequadamente pintado é uma nota de cem euros. Os nomes
próprios e o dinheiro são entidades sociais que só existem sob
196
apertadas restrições sociais. Quando um filósofo acaba de inventar
um suposto nome próprio vácuo, como «Osagep», estipulando que
o seu referente é um particular diferente de si próprio, não passa de
uma fantasia; não é realmente um nome próprio, porque para sê-lo
é preciso que outras pessoas o usem como nome próprio, tal como
o dinheiro só é dinheiro quando é usado de certas maneiras num
dado contexto social. 1
Em suma, o compromisso ontológico dos nomes próprios não é
um aspecto inequivocamente inadequado da lógica clássica.
Contudo, o exame desta suposta inadequação é instrutivo, pois põe
a nu um aspecto muitíssimo importante da lógica clássica: a
natureza da existência. Como é fácil provar, excluindo o domínio
vazio, qualquer frase da forma ∃x (x = a) é verdadeira, como «Deus
existe», mas também «Osíris existe» e «Apolo existe». À primeira
vista, isto é surpreendente; porém, a surpresa desaparece caso se
tenha em consideração que o conceito de existência aqui em
questão é muitíssimo fraco: não se trata de dizer que Osíris existe
no mesmo sentido em que existe o rio Nilo, nem no mesmo sentido
em que existem entidades platónicas fora do espaço e do tempo,
como a Beleza. Trata-se apenas de dizer que existe no sentido fraco
de ser objecto de discurso; não quer dizer que existe em qualquer
outro sentido mais robusto, e é este outro que se tem em mente
quando se pergunta se Deus existe.
197
5.5 Almas ou animais?
Recorde-se o raciocínio atribuído a Platão:
198
Interpretação
Gx: x é humano
Fxy: x usa y
Hxy: x é o corpo de y
Forma lógica
∀x ∀y [(Gx ⋀ Fxy) → ¬(x = y)]
∀x ∀y [(Gx ⋀ Hyx) → Fxy]
∴ ∀x ∀y [(Gx ⋀ Hyx) → ¬(x = y)]
Derivação
199
seres humanos são numericamente idênticos a animais (Blatti
2014):
Interpretação
Fx: x é um animal
Gxy: x está sentado na cadeira de y
Hx: x está a pensar
a: Platão
Forma lógica
∃x (Fx ⋀ Gxa)
∀x [(Fx ⋀ Gxa) → Hx]
∀x [(Hx ⋀ Gxa) → (x = a)]
∴ ∃x [(Fx ⋀ (x = a)]
Derivação
200
O raciocínio é válido, o que significa que se as premissas forem
todas verdadeiras, está provado que Platão é numericamente
idêntico a um animal. Porém, no raciocínio anterior, que o próprio
Platão atribui dramaticamente a Sócrates, conclui-se que os seres
humanos não são idênticos aos seus corpos. Será que isso
acontece também com os animais? Nesse caso, a conclusão de
Platão é mais desinteressante do que parece, pois não significa que
não sejamos afinal animais, no mesmíssimo sentido de um cavalo.
Ou será que os animais se identificam com os seus corpos e Platão
queria dizer que não somos afinal animais? Nesse caso, temos
agora dois raciocínios válidos cujas conclusões são incompatíveis.
Quais das premissas dos dois raciocínios são mais plausíveis? Se
houvesse apenas um raciocínio válido com premissas que não
fossem evidentemente falsas, seria razoável aceitar a conclusão
sem mais demandas — sobretudo se não fosse muito implausível. A
questão é que em filosofia há muitas vezes este tipo de conflito: dois
raciocínios aparentemente cogentes a favor de conclusões
aparentemente incompatíveis. Sem a lógica não se vê sequer essa
incompatibilidade, porque não se sabe se os dois raciocínios são
realmente válidos ou se apenas parece que o são.
201
5.6 Ética e pobreza
Considere-se a questão ética urgente e fundamental de saber se as
pessoas que têm muito além do necessário para satisfazer as suas
necessidades básicas têm o dever de ajudar as que não o têm,
como defende Peter Singer (2011: 191–215):
Interpretação
Fx: x é mau.
Gx: x pode ser impedido sem sacrificar algo de importância
moral comparável.
Hx: x deve ser impedido.
Ix: x é pobreza extrema.
Forma lógica
∀x [(Fx ⋀ Gx) → Hx]
∀x (Ix → Fx)
∃x (Ix ⋀ Gx)
∴ ∃x (Ix ⋀ Hx)
Derivação
202
Uma vez que o raciocínio de Peter Singer é válido, a menos que
alguma das premissas seja falsa, quem pode ajudar a combater a
pobreza extrema e não o faz não cumpre um dever fundamental.
203
5.7 Exercícios
204
6
205
ÁRVORES
206
6.1 Método
No método das árvores de verdade prova-se sempre por reductio a
validade ou invalidade dos raciocínios. Veja-se como se prova a
validade do modus ponens:
p→q
p
∴q
207
idênticos, depois de se decompor uma frase não se volta a
decompô-la. Recorde-se que uma frase é elementar (no sentido
clássico) quando não tem operadores verofuncionais nem
quantificadores clássicos. Só há dois tipos de frases que não serão
decompostas: as elementares e as suas negações. Uma árvore
chega ao fim quando não há mais frases para decompor ou quando
todos os ramos foram fechados. Veja-se o seguinte exemplo:
p→q
q
∴p
208
6.2 Condicional
Já se viu que a regra da decomposição da condicional obriga a abrir
dois ramos:
¬(A → B)
A
¬B
p→q
q→r
∴p→r
209
Decompôs-se primeiro a terceira linha, mas seria correcto
começar por qualquer outra; a ordem das decomposições é
irrelevante com respeito à prova que se procura. Mas não é
pragmaticamente irrelevante, porque quanto mais tarde se abrir
ramos, mais simples será a árvore. Por isso, tenta-se decompor
primeiro o que não obriga a abri-los, como é o caso da negação da
condicional. Quando se decompôs então a primeira premissa, o
primeiro ramo que se abriu fechou imediatamente; para ter árvores
mais simples, tenta-se abrir primeiro aqueles ramos que se vê que
irão fechar imediatamente um dos seus lados. Esta árvore prova
que todos os raciocínios daquela forma são válidos porque todos os
ramos da árvore fecham, ou seja, porque acrescentar a negação da
conclusão às premissas dá origem a um conjunto inconsistente de
frases.
Ao escrever uma árvore de verdade, sobretudo quando é mais
complexa, é proveitoso ir assinalando as linhas que já foram
decompostas com um sinal como ✓. Contudo, isto só é proveitoso à
medida que se faz uma árvore, e não quando as árvores já surgem
completas, como neste livro.
210
6.3 Disjunção
A decomposição de disjunções é óbvia:
p⋁q
¬p
∴q
211
Para decompor a negação de uma disjunção usa-se a já
conhecida lei de De Morgan: ¬(A ⋁ B) ≡ ¬A ⋀ ¬B. A negação de
uma disjunção é uma conjunção com ambas as conjuntas negadas
e por isso a decomposição é em lista:
¬(A ⋁ B)
¬A
¬B
¬(p → q) → r
¬r
∴ ¬p ⋁ q
212
o ramo fechou de imediato. Finalmente, abriu-se um segundo ramo
para decompor a condicional que faltava, o que permitiu fechar os
dois ramos. Veja-se outro exemplo:
p⋁q
p→r
q→s
∴r⋁s
213
Na maior parte dos casos há mais de uma maneira correcta de
fazer a árvore, e por vezes há mais de uma maneira correcta e
igualmente simples:
(p → q) ⋁ (r → p)
(p → q) → p
(r → p) → p
∴p
214
Como se vê, só se continua o processo de decomposição até
encontrar uma contradição qualquer no ramo. E não é apenas p que
contradiz ¬p; qualquer frase da forma A contradiz ¬A. Nesta árvore,
p → q contradiz ¬(p → q), e r → p contradiz ¬(r → p).
215
6.4 Conjunção
A decomposição de conjunções é óbvia:
A⋀B
A
B
p ⋀ (q ⋁ r)
∴ (p ⋀ q) ⋁ (p ⋀ r)
216
Note-se que ao negar a conclusão para fazer uma árvore é
preciso negar realmente a conclusão; daí o uso de parêntesis rectos
na segunda linha. Caso se tivesse escrito ¬(p ⋀ q) ⋁ (p ⋀ r), estar-
se-ia a negar apenas a primeira disjunta da conclusão, e não a
conclusão.
Considere-se agora os dois casos mencionados na secção 4.6:
(Fa ⋀ Fb) → p
∴ (Fa → p) ⋀ (Fb → p)
217
Como se vê, qualquer raciocínio verofuncional desta forma é
inválido. Note-se de novo que é preciso encontrar contradições no
mesmo ramo; as frases da forma ¬Fb não contradizem Fb quando
estão em ramos diferentes. Estes raciocínios contrastam com os da
forma seguinte:
(Fa → p) ⋀ (Fb → p)
∴ (Fa ⋀ Fb) → p
218
219
6.5 Bicondicional
A decomposição de bicondicionais é menos óbvia do que as regras
anteriores. A ideia é que qualquer bicondicional só é verdadeira
caso as duas frases a que se aplica o operador tenham o mesmo
valor de verdade. Mas isto quer dizer que, dada uma bicondicional,
ou ambas as frases são verdadeiras ou ambas são falsas. É isto
que se capta na regra da decomposição da bicondicional:
p⇄q
q⇄r
∴p→r
220
Ao decompor a primeira bicondicional, o ramo da direita fechou
logo com ¬p, mas escreveu-se à mesma ¬q por uma questão de
clareza; o mesmo aconteceu ao decompor a segunda bicondicional.
A decomposição da negação de bicondicionais segue a mesma
ordem de ideias. Uma bicondicional só é falsa quando as suas duas
frases diferem em valor de verdade. Assim, dada uma bicondicional
negada, conclui-se validamente que ou a primeira das frases é
verdadeira e a segunda falsa, ou vice-versa. É isso que se capta na
regra de decomposição de negações de bicondicionais:
221
Eis uma aplicação desta regra:
p⇄q
q⇄r
∴p⇄r
222
Como se vê, ao decompor uma forma é preciso repetir o
resultado da decomposição em todos os ramos abertos abaixo da
forma a decompor. Assim, quando se abriu o segundo ramo para
decompor a segunda premissa sob q foi necessário abrir outro ramo
igual sob ¬q, porque ambos os ramos estavam ainda abertos. E o
mesmo voltou a acontecer ao decompor a negação da bicondicional.
223
6.6 Quantificador universal
Como se viu, o método das árvores aplicado à lógica verofuncional
é muitíssimo simples. Com respeito à lógica quantificada, as coisas
não são muito diferentes, apesar de incluir algumas restrições.
A decomposição do quantificador universal é óbvia: basta
eliminá-lo e substituir cada uma das variáveis anteriormente ligadas
por uma letra que represente nomes próprios:
∀x Fx
Fa
∀x (Fx → Gx)
Fa
∴ Ga
224
∀x (Fx → Gx)
∀x (Gx → Hx)
Fa ⋁ Fb
∴ Ha ⋁ Hb
225
Os dois quantificadores universais foram primeiro decompostos
com a e depois de novo com b. Isto é autorizado pela regra. Ao
decompor um quantificador universal, escolhe-se sem restrições
qualquer letra que represente um nome próprio; porém, escolhe-se
evidentemente as letras que permitem fechar a árvore. Foi por isso
que nesta árvore se escolheu primeiro a e depois b: para conseguir
fechar primeiro com ¬Ha e depois com ¬Hb.
Quanto à decomposição de negações de frases universais, é
evidente:
¬∀x Ax
∃x ¬Ax
226
6.7 Quantificador existencial
A decomposição de negações de frases existenciais é também
evidente:
¬∃x Ax
∀x ¬Ax
∃x Fx
Fa
∀x (Fx → Gx)
∃x Fx
∴ ∃x Gx
227
Começou-se por decompor a segunda premissa porque, caso se
tivesse começado por ∀x ¬Gx usando a, isso obrigaria a usar b para
decompor ∃x Fx, o que por sua vez obrigaria a decompor de novo
∀x ¬Gx, mas usando b. Isto é permitido, mas tornaria neste caso a
árvore desnecessariamente maior. Recorde-se que é permitido
voltar a decompor os quantificadores universais, mas não os
existenciais; e é permitido usar qualquer letra que represente nomes
próprios quando se decompõe os universais, mas no caso dos
existenciais é obrigatório usar uma letra que ainda não exista no
ramo em causa.
Veja-se mais um exemplo, o modus ponens universalmente
quantificado:
∀x (Fx → Gx)
∀x Fx
∴ ∀x Gx
228
Decompôs-se primeiro ∃x ¬Gx para depois se poder usar a
mesma letra ao decompor as duas primeiras premissas.
Quando uma árvore da lógica quantificada clássica não fecha,
isso significa apenas que os raciocínios clássicos dessa forma são
inválidos; não significa que todo e qualquer raciocínio dessa forma é
inválido, seja clássico ou não. Um raciocínio é clássico sse a sua
validade ou invalidade depende exclusivamente dos operadores
verofuncionais, dos dois quantificadores clássicos ou da identidade.
Considere-se agora a falácia da inversão dos quantificadores
(secção 4.10):
229
∀x ∃y Fyx
∴ ∃y ∀x Fyx
∀x ∃y Fyx
¬∃y ∀x Fyx
∀y ∃x ¬Fyx
∃y Fya
Fba
∃x ¬Fbx
¬Fbc
∃y ∀x Fyx
∴ ∀x ∃y Fyx
∃y ∀x Fyx
¬∀x ∃y Fyx
∃x ∀y ¬Fyx
∀x Fax
∀y ¬Fyb
Fab
¬Fab
230
Repare-se que depois de chegar a ∀x Fax, se este resultado
tivesse de imediato sido decomposto, obtendo Fab, não seria
permitido decompor depois ∃x ∀y ¬Fyx usando a outra vez.
Por fim, veja-se a prova da invalidade de um raciocínio que se
limita a inverter a condicional (secção 4.10):
∀x (Fx → Gx)
∴ ∀x (Gx → Fx)
231
6.8 Identidade
A substituição de idênticos é muito simples. Sempre que se tem
num ramo qualquer uma identidade da forma a = b, é permitido
substituir um nome próprio pelo outro em qualquer forma desse
ramo, por mais complexa que seja. É permitido reaplicar a regra, ou
seja, a mesma identidade permite várias substituições, desde que
sejam feitas no ramo em que ocorre. Eis um exemplo evidente da
sua aplicação:
Fa
a=b
∴ Fb
Fa
a=b
¬Fb
Fb
a=b
b=c
∴a=c
a=b
b=c
¬(a = c)
a=c
232
∃x Fx
∃x Gx
∀x (Fx ⇄ ¬Gx)
∴ ∃x [(x = a) ⋀ ¬(x = b)]
233
6.9 Verdades lógicas
Considere-se qualquer frase da forma A. Faça-se agora uma árvore
de verdade partindo de ¬A. Caso todos os ramos fechem, isso prova
que as frases da forma A são verdades lógicas, como no seguinte
caso:
∀x Fx ⋀ ∃y ¬Fy
∀x Fx
∃y ¬Fy
234
¬Fa
Fa
235
6.10 Exercícios
236
7
237
MODALIDADE
238
7.1 Necessidade e possibilidade
A necessidade e a possibilidade exprimem-se em português quer
com advérbios, quer com adjectivos:
239
É possível que existam oito planetas.
O número de planetas pode ser oito.
Estes termos são muitas vezes usados para dizer que talvez as
coisas sejam assim, ou que é plausível que o sejam, o que difere do
conceito em questão na lógica modal alética, que é apenas a
negação da impossibilidade, como se verá já de seguida.
A contingência ( ▽ ) é definida com os operadores de
possibilidade, conjunção e negação:
▽A ≡ ◇A ⋀ ◇¬A
240
À semelhança da contingência, também o conceito de
impossibilidade é entendido na lógica modal como derivado: é
apenas a negação da possibilidade. Isto significa que na lógica
modal se recorta uma maneira especial de entender a possibilidade,
que difere da comum. Quando se diz «É possível que esteja
nevoeiro», isto pressupõe quase sempre que não está nevoeiro, tal
como quando se diz que alguns seres humanos são mamíferos se
pressupõe comummente que alguns não o são. Como acontecia na
lógica quantificada, também aqui se interpreta literalmente a
possibilidade: ser possível significa apenas que pode ocorrer, e isso
é compatível com a sua ocorrência. Por isso, quando algo é
necessário, como um triângulo ter três lados, isso também é
possível. A expressão «é possível» é entendida literalmente na
lógica modal; não quer dizer «é falso mas possível». Devido a esta
maneira de entender a possibilidade na lógica modal, esta e a
necessidade são interdefiníveis por meio da negação, como
acontece com os quantificadores universal e existencial:
□A ≡ ¬◇¬A
◇A ≡ ¬□¬A
¬□A ≡ ◇¬A
¬◇A ≡ □¬A
241
Qualquer compreensão preliminar adequada dos conceitos de
necessidade e de possibilidade, tal como foram especificados, inclui
as seguintes relações inferenciais, algumas das quais só são válidas
se certas condições forem satisfeitas (secção 7.5):
◇A → □B
□(A ⋁ B) → (□A ⋁ ◇B)
◇◇A
□□□A
□◇◇□A
242
A lógica modal alética é desenvolvida tendo em mente a
necessidade e possibilidade genuínas; por isso, é de suma
importância não as confundir com modalidades semânticas e
epistémicas. A frase «Glass é Glass» é uma verdade analítica
porque com base apenas nas suas condições de verdade se sabe
que é verdadeira, em contraste com «Glass é um mamífero». Esta
última é uma verdade sintética porque não é só naquela base que
se sabe que é verdadeira. Além disso, a primeira é conhecida a
priori, ou seja, com base apenas no pensamento, em contraste com
a segunda, que é conhecida a posteriori: é com base também na
experiência que se sabe que é verdadeira. As modalidades
semânticas do analítico e do sintético, tal como as epistémicas do a
priori e do a posteriori, não são aléticas porque não dizem respeito
às próprias verdades, mas aos modos como são conhecidas. Já as
aléticas dizem respeito aos modos das próprias verdades. A falácia
aqui comum, e que é de importância capital não cometer, é concluir
que a frase «Glass é um mamífero» é contingente só porque é
sintética e conhecida a posteriori. Talvez seja contingente, mas se o
for não é por essa razão; afinal, trata-se de modalidades diferentes
e não passa de antropocentrismo pressupor que a realidade é assim
tão solícita que se acomoda perfeitamente aos modos humanos de
conhecer as coisas. Talvez Glass seja necessariamente um
mamífero, ou talvez não; em qualquer caso, o raciocínio que parte
da modalidade semântica do sintético, ou da epistémica do a
posteriori, e conclui a modalidade alética do contingente é inválido.
Se Glass for necessariamente um mamífero, é exclusivamente
porque ele próprio não poderia não o ser, e não porque se sabe de
uma dada maneira que é um mamífero. E se não o for, é
exclusivamente porque ele próprio poderia não o ser, e não porque
não se sabe a priori que é um mamífero.
É também imperativo não confundir o conceito alético de
contingência com o conceito temporal de transformação. Os
organismos morrem, as sementes transformam-se em árvores e as
poeiras cósmicas em planetas; mas isto não é a contingência no
sentido alético. Caso Glass seja necessariamente humano, e não
apenas contingentemente, isso não significa que ele é humano
sempre, ao longo de todo o tempo, e que não sofre transformações;
243
significa apenas que enquanto Glass não se transforma noutra
coisa, é humano, e não pode não ser humano sem deixar de ser
Glass. Transformação não é contingência, e necessidade não é
permanência.
Não é o sentido alético de «necessidade» que se tem em mente
quando se diz que uma condição necessária para estar em Lisboa é
estar em Portugal. As condições necessárias nem sempre são
necessariamente necessárias, apesar do ar paradoxal da frase. Na
expressão «condição necessária» o termo «necessária» não diz
respeito à modalidade alética: B é condição necessária de A sse
tudo o que é A é B, e isto nada diz quanto à necessidade de B.
Por último, considere-se a frase «Glass é necessariamente um
mamífero»; na lógica modal trata-se de investigar o que se conclui
validamente dela e de outras afirmações modais, e não de
estabelecer que é verdadeira. Isto é paralelo à lógica clássica, em
que não se trata de estabelecer que Glass é um mamífero, mas de
investigar o que se conclui validamente dessa e de outras
afirmações. E do mesmo modo que na lógica clássica não se prova
que Glass é um mamífero, ainda que o seja, também na modal não
se prova que é necessariamente um mamífero, ainda que o seja.
244
7.2 Mundos possíveis
Um dos aspectos que permitiu o impressionante desenvolvimento
da lógica modal no século foi a linguagem dos mundos
possíveis. Apesar da sua conotação algo fantasiosa acerca de
supostas realidades paralelas, a linguagem dos mundos possíveis
limita-se a oferecer traduções da linguagem directamente modal
para uma linguagem quantificada (algo pitoresca e enganadora);
não implica seja o que for quanto à existência de realidades
paralelas. A vantagem óbvia dessa linguagem é permitir a aplicação
da lógica quantificada já desenvolvida para estudar o raciocínio
modal.
Na verdade, o conceito de mundos possíveis, no sentido que lhe
é dado na lógica modal, surgiu desde o início (secção 1.6), mas sem
lhe ser dada essa designação. Considere-se de novo o conceito
crucial de condições de verdade. Sabe-se empiricamente que a Lua
não é feita de queijo, mas o conhecimento das condições de
verdade só estabelece que se a frase «A Lua é feita de queijo» for
verdadeira, a Lua será feita de queijo; e se for falsa, não o será. É a
estas duas condições de verdade que se chama «mundos
possíveis», e diz-se então algo abusivamente que há um mundo
possível em que a Lua é feita de queijo e outro em que não o é. Mas
é ocioso pressupor que há literalmente uma realidade paralela com
uma Lua feita de queijo; tudo o que aquela expressão algo abusiva
quer dizer, na lógica modal, é que se a frase «A Lua for feita de
queijo» for verdadeira, a Lua é feita de queijo, e se a frase for falsa,
não o será. Trata-se de duas hipóteses meramente linguísticas,
formuladas com base exclusivamente no conhecimento das
condições de verdade.
Já se vê que o conceito de validade inclui desde o início o
conceito de mundos possíveis: um raciocínio é válido sse não há
qualquer condição de verdade, ou mundo possível, em que a
conclusão seja falsa apesar de todas as premissas serem
verdadeiras. Porém, é crucialmente importante compreender o quer
dizer que há esta ou aquela condição de verdade, ou mundo
245
possível — ou melhor, o que isso não quer dizer. Considere-se o
seguinte raciocínio obviamente inválido:
246
água não é H 2O; mas talvez a água em si não possa não o ser. É
por isso de suma importância distinguir o conceito meramente
linguístico de mundo possível, ou condição de verdade, do conceito
robusto de mundos metafisicamente possíveis, que representam
possibilidades genuínas e não meras possibilidades linguísticas. A
lógica modal alética é desenvolvida para dar conta dos raciocínios
que envolvem os conceitos de necessidade e possibilidade
genuínas, e não meramente linguísticas. Porém, tal como na lógica
clássica se tem em consideração condições de verdade em que a
água não é H 2O, apesar de o ser, também na lógica modal alética
se tem em consideração mundos possíveis em que não o é, mesmo
que não sejam genuinamente possíveis — o que conta é que são
condições de verdade como quaisquer outras, e é isso que é
relevante, porque a validade é sempre uma questão de concluir
exclusivamente com base nelas. Mesmo que a água seja
necessariamente H 2O, é inválido concluir «Glass bebeu H 2O»
exclusivamente da premissa de que bebeu água, porque há mundos
possíveis, no sentido de condições de verdade, em que a premissa
é verdadeira e a conclusão falsa.
247
7.3 Acessibilidade
A tradução da linguagem directamente modal para a linguagem dos
mundos possíveis exige a introdução do conceito de possibilidade
relativa ou acessibilidade entre mundos possíveis — e este foi o
segundo passo de gigante no desenvolvimento das lógicas modais.
Para se compreender preliminarmente o que está em causa,
considere-se de novo a ideia filosófica de que a água é
necessariamente H 2O. É evidente que há mundos possíveis em que
a água não é H 2O, no sentido de condições de verdade: se a água
não for H 2O, a frase que diz que o é, é falsa. Isto significa que é
preciso introduzir alguma restrição para que a linguagem dos
mundos possíveis seja apropriadamente neutra. O que se faz então
é dizer que se a água for necessariamente H 2O, os mundos
possíveis em que ela não o é não são acessíveis ao mundo actual:
são condições de verdade que não especificam possibilidades
genuínas da água.
O conceito de acessibilidade entre mundos possíveis define-se
do seguinte modo, usando as letras gregas como designações de
mundos possíveis: o mundo possível β é acessível a α sse toda a
frase verdadeira em β é possível em α; ou seja, sse β {A} → α {◇A}.
Esta definição especifica em que condições um mundo é acessível a
outro: quando tudo o que é verdadeiro em β é possível em α, o
primeiro é acessível ao segundo. Caso α seja o mundo actual e β
lhe seja acessível, isto significa que tudo o que é verdadeiro em β é
possível. O mundo actual é a conjunção de todas aquelas condições
em que as frases são verdadeiras; porque a frase «Glass é norte-
americano» é verdadeira, diz-se algo pitorescamente que é
verdadeira no mundo actual. Dizer que uma frase é verdadeira no
mundo actual é o mesmo que dizer apenas que é verdadeira.
Para compreender melhor a definição de acessibilidade entre
mundos possíveis, considere-se a frase «Glass poderia ter sido
egípcio»; esta frase é verdadeira sse 1) existir pelo menos um
mundo possível em que Glass é egípcio; e 2) esse mundo for
acessível ao actual. A primeira condição é trivialmente satisfeita,
248
pois exige apenas uma condição de verdade em que a frase «Glass
é egípcio» é verdadeira. Porém, se Glass não poderia
genuinamente ter sido egípcio, essa condição de verdade ou mundo
possível não é acessível ao mundo actual — é uma mera condição
de verdade e não uma possibilidade genuína. E se acaso ele
realmente poderia ser egípcio, então esse mundo possível é
acessível ao actual, ou seja, essa condição de verdade é uma
possibilidade genuína, e não uma mera hipótese linguística.
Consequentemente, dizer «Num mundo possível acessível ao
actual, Glass é egípcio» é só uma maneira menos óbvia de dizer
«Glass poderia ter sido egípcio» — essa maneira menos óbvia é a
linguagem dos mundos possíveis.
Não é por meios exclusivamente linguísticos que se estabelece
que um dado mundo possível é acessível ao actual ou que não é; o
que se estabelece por esses meios é que se a frase «Glass poderia
ser egípcio» for verdadeira, existe um mundo possível acessível ao
actual em que a frase «Glass é egípcio» é verdadeira. De modo que
não é depois de se saber que um mundo é acessível a outro que se
sabe que Glass poderia ou não ser egípcio; é ao contrário: depois
de se saber que ele realmente poderia ter sido egípcio, sabe-se que
o mundo possível em que o for é acessível ao actual. E, claro, talvez
nunca se consiga saber se ele poderia genuinamente ter sido
egípcio; mesmo nesse caso, porém, sabe-se em que condições
poderia sê-lo, o que é melhor do que nada.
Para encerrar este assunto, considere-se agora a frase «Ligeti
poderia ter sido um rabanete». É razoável considerar que é falsa —
mas não é por meios exclusivamente linguísticos que isso se sabe.
Porém, por esses meios sabe-se que essa frase é falsa sse 1) não
houver mundo possível algum em que Ligeti seja um rabanete; ou 2)
houver um mundo desses, mas não for acessível ao actual. Visto
que é evidente que há uma condição de verdade — um mundo
possível — em que Ligeti é um rabanete, se a frase original for falsa,
é devido a 2. E isto é o que acontece com todas as frases
impossíveis que não sejam falsidades lógicas. Pois contraste-se
com «Ligeti poderia ser e não ser um rabanete»; neste caso, não há
qualquer condição de verdade em que a frase é verdadeira. A frase
249
é falsa não porque o mundo possível em que é verdadeira não seja
acessível ao mundo actual, mas porque esse mundo não existe.
Eis então as traduções da linguagem modal para a linguagem
dos mundos possíveis:
250
7.4 Árvores
Considere-se o início de uma árvore modal que irá provar a validade
do modus ponens necessitado:
□(p → q)
□p
∴ □q
□(p → q)
□p
¬□q
□(p → q)
□p
¬□q
◇¬q
251
α-β
β {¬q}
□(p → q)
□p
¬□q
◇¬q
α-β
β {¬q}
β {p → q}
β {p}
252
Esta árvore prova que todo o raciocínio que tenha a forma do
modus ponens necessitado é válido, uma vez que todos os ramos
da árvore fecham. Note-se que β {¬p} fecha com β {p}, mas não
fecharia com p (que abrevia α {p}). Para que uma frase da forma A
seja contraditória com ¬A é preciso que estejam ambas no mesmo
ramo e no mesmo mundo possível.
Eis então as primeiras quatro regras de decomposição:
Negação da necessidade
¬□A
◇¬A
Negação da possibilidade
¬◇A
□¬A
Necessidade
□A
253
α-β
|
β {A}
É permitido reaplicar a regra.
Possibilidade
◇A
|
α-β
β {A}
Exige-se que β seja novo no ramo.
□p → p
p → ◇p
∴ □p → ◇p
254
Como se vê, os raciocínios clássicos válidos estão integrados na
lógica modal de maneira muito simples: usa-se pura e simplesmente
as regras de decomposição do capítulo 6 e obtém-se os
mesmíssimos resultados clássicos que já anteriormente se obtinha.
Veja-se agora o caso de um raciocínio com componentes modais
relevantes:
□(p ⋀ q)
∴ □p ⋀ □q
255
Recorde-se que ao decompor qualquer frase da forma ◇ A é
obrigatório especificar um mundo possível novo; contudo, usou-se
α-β no ramo da direita ao decompor ◇¬q, apesar de já se ter usado
α-β no ramo da esquerda. Isto é permitido porque os ramos são
independentes. No ramo da direita não se poderia usar α-β ao
decompor ◇¬q se nesse ramo β já tivesse sido usado. Veja-se outro
exemplo:
□(p → q)
p
∴ □q
256
Nesta árvore, um dos ramos fica aberto; mas isso não prova que
todos os raciocínios daquela forma lógica são inválidos. O raciocínio
seguinte tem a forma anterior mas é válido:
□(p → q)
257
◇p
∴ □q
258
Logo, ou é necessário que ocorra uma batalha naval, ou é
necessário que não ocorra.
□(p ⋁ ¬p)
∴ □p ⋁ □¬p
259
Como seria de esperar, o raciocínio é inválido: a necessidade
não distribui sobre a disjunção. Da necessidade de frases da forma
A ⋁ B não se conclui validamente frases da forma □ A ⋁ □ B. Pelo
menos em parte, Aristóteles parece ter-se dado conta deste
aspecto:
◇(p ⋁ q)
∴ ◇p ⋁ ◇q
260
Apesar de a necessidade obviamente não distribuir sobre a
disjunção, distribui sobre a condicional:
□(p → q)
∴ □p → □q
261
Considere-se agora qualquer verdade lógica, como as da forma
seguinte:
[(p → q) ⋀ (q → r)] → (p → r)
262
O mesmo acontece com todas as verdades lógicas da lógica
clássica. Dada qualquer frase da forma A que seja uma verdade
lógica, as da forma □A serão também verdades lógicas; daqui não
se conclui validamente, contudo, que todas as verdades necessárias
são verdades lógicas.
263
7.5 Regras de extensão
Obtém-se diferentes sistemas de lógica modal consoante se faz
mais ou menos exigências com respeito à relação de acessibilidade
entre mundos possíveis. K é o sistema que foi até agora estudado e
é o mais fraco. Neste sistema não se faz qualquer exigência quanto
à acessibilidade. O preço a pagar é não dar conta da validade óbvia
dos raciocínios da forma □ p ∴ p. A ideia, contudo, é explicitar
completamente em que condições de verdade os raciocínios desta
forma são válidos. Ora, estes raciocínios só são válidos caso a
acessibilidade seja reflexiva, ou seja, caso todos os mundos
possíveis sejam acessíveis a si próprios. Veja-se como isto se
manifesta nas árvores:
□p
∴p
□p
¬p
Refl.
α-α
p
Reflexividade
|
264
Refl.
α-α
Simetria
α-β
|
Sim.
β-α
Transitividade
α-β
β-γ
|
Trans.
α-γ
◇□p
∴p
◇□p
¬p
α-β
β {□p}
Sim.
β-α
265
p
□p
∴ □□p
□p
¬□□p
◇◇¬p
α-β
β {◇¬p}
β-γ
γ {¬p}
Trans.
α-γ
γ {p}
◇p
266
∴ □◇p
◇p
¬□◇p
◇□¬p
α-β
β {p}
α-γ
γ {□¬p}
Sim.
γ-α
Trans.
γ-β
β {¬p}
Inferiu-se, por simetria, γ-α com base em α-γ, para depois inferir
γ-β com base em γ-α e α-β por transitividade. Isto significa que os
raciocínios daquela forma são válidos sse a relação de
acessibilidade for simétrica e transitiva.
Apesar de haver outros sistemas de lógica modal, eis os mais
comuns no que respeita à modalidade alética:
267
KS4 – Exige transitividade, mas não reflexividade; é uma
extensão de K, mas não de T, que permite provar ◇◇A ∴ ◇A.
268
7.6 Quantificação
Não é preciso acrescentar qualquer regra para incluir a lógica
quantificada. Veja-se a prova da validade do modus ponens
necessitado e universalmente quantificado:
269
Veja-se agora um exemplo de uma verdade lógica:
270
Como se vê, toda a árvore é como se fosse clássica a partir da
quarta linha. Assim, na lógica modal quantificada, sem identidade, e
quando os operadores modais não estão sob o âmbito de
quantificadores, nada se encontra que não se tenha encontrado
antes. Isto porque, como é evidente, as regras que se aplicavam a
frases das formas □A e ◇A aplicam-se da mesma maneira quando
as da forma A incluem quantificadores. Porém, como ficam as
árvores quando os operadores modais surgem no âmbito dos
quantificadores? Veja-se um exemplo:
∃x ◇Fx → ◇∃x Fx
271
¬◇∃x Fx
□∀x ¬Fx
◇Fa
α-β
β {Fa}
β {∀x ¬Fx}
β {¬Fa}
272
◇(Fa ⋁ Fb) → (◇Fa ⋁ ◇Fb)
◇∃x Fx → ∃x ◇Fx
¬(◇∃x Fx → ∃x ◇Fx)
273
◇∃x Fx
¬∃x ◇Fx
∀x □¬Fx
α-β
β {∃x Fx}
β {Fa}
□¬Fa
β {¬Fa}
∀x □Fx → □∀x Fx
274
◇∃x Fx ≡ ∃x ◇Fx
□∀x Fx ≡ ∀x □Fx
¬(□∃x Fx → ∃x □Fx)
□∃x Fx
¬∃x □Fx
275
∀x ◇¬Fx
◇¬Fa
α-β
β {¬Fa}
β {∃x Fx}
β {Fb}
¬(□∃x Fx → ∃x □Fx)
□∃x Fx
¬∃x □Fx
∀x ◇¬Fx
Refl.
α-α
∃x Fx
Fa
◇¬Fa
α-β
β {¬Fa}
∃x □Fx → □∃x Fx
276
β {¬Fa}
β {Fa}
277
7.7 De dicto e de re
A diferença entre modalidades aléticas de dicto e de re é
comummente apresentada, por um lado, em termos metafísicos e,
por outro, em termos sintácticos, procurando-se depois harmonizar
ambos. Começa-se assim por levar a sério a ideia do contraste
entre modalidades atribuídas a entidades linguísticas (frases, dicta)
e a particulares (coisas, res). Isto é razoável porque é o que parece
acontecer noutros casos — como o operador de crença, que, usado
juntamente com descrições definidas, é um caso esclarecedor.
Quando a Úrsula está num tribunal e acredita que o criminoso é
malévolo, há duas crenças diferentes em questão, consoante o
contexto. Talvez ela tenha a crença de dicto de que seja quem for
que cometeu aquele crime é malévolo; esta não é uma crença
especificamente acerca daquela pessoa que está acusada no
tribunal e que a Úrsula vê à sua frente. Será acerca daquela pessoa,
se acaso ela realmente cometeu aquele crime, mas a Úrsula não
tem, em rigor, uma crença directamente acerca dela. Por outro lado,
talvez a Úrsula tenha a crença de re de que aquela pessoa que vê à
sua frente é malévola devido à maneira como se comporta e use a
descrição definida apenas para indicá-la, porque acredita que foi ela
que cometeu o crime. Mas se acaso se provar que não foi ela, a
Úrsula continuará a acreditar que o réu, que agora ela sabe que
está inocente, é malévolo.
A diferença é muito óbvia neste caso, mas está longe de ser
evidente que se consiga espelhá-la no caso da modalidade alética,
e ainda menos que se consiga depois traduzi-la em termos
sintácticos. A ideia seria que na modalidade de re é acerca das
entidades extralinguísticas que se afirma directamente terem um
dado atributo modal, ao passo que no caso da modalidade de dicto
se afirma que são as frases que o têm. A ideia é inicialmente
plausível quando se tem em mente o contraste entre frases da
forma ∃x ◇ Fx e ◇ ∃x Fx, pois no primeiro caso parece que no
âmbito do operador de possibilidade não está sequer uma frase, ao
contrário do que acontece no segundo. Se as coisas fossem assim
tão simples, seria então fácil captar esta diferença sintacticamente,
278
em termos do que está no âmbito dos operadores modais: caso no
seu âmbito esteja uma frase, seria uma modalidade de dicto, sendo
de re caso contrário.
Isto não é assim, contudo, porque nas frases da forma ◇ Fa a
modalidade é de re, apesar de estar uma frase no âmbito do
operador — e não uma pessoa que alguém vê, como no caso da
crença. A saída a que é então comum recorrer (Hughes e Cresswell
1996, Forbes 1985, Branquinho 2006) para continuar a caracterizar
sintacticamente a diferença entre modalidade de dicto e de re é
dizer que no primeiro caso está sob o âmbito do operador modal um
nome próprio, como acontece nas frases da forma ◇ Fa, ou uma
variável livre (que talvez esteja ligada a um quantificador, que,
contudo, estará fora do âmbito do operador modal), como nas frases
da forma ∃x ◇Fx. Além de à primeira vista esta definição parecer
sofrer de «disjuntivite» 1, esconde uma subtileza que aponta para o
que realmente conta na distinção entre as modalidades de dicto e
de re. Segundo a definição comum, as modalidades da forma ◇∃x
Fx são claramente de dicto, mas também o são as da forma ◇(Fa ⋁
Fb), apesar de terem nomes próprios no âmbito do operador modal,
uma vez que num domínio com dois particulares as frases destas
duas formas são equivalentes. Por isso, a ideia não é que basta um
nome próprio estar no âmbito de um operador modal para que seja
de re, mas que basta estar no seu âmbito directo. O mesmo
acontece no caso de frases da forma □(∀x Fx → Fa): o que está sob
o âmbito directo do operador de necessidade é uma verdade lógica
(da lógica clássica), e por isso a modalidade é de dicto: afirma-se
que a frase seguinte é necessária. Porém, há um nome próprio no
âmbito do operador modal.
Estes casos mostram que o que realmente conta se capta
dizendo simplesmente que uma modalidade alética é de re sse for
atribuída a uma frase sem operadores de frases nem
quantificadores, e é de dicto sse, ao invés, for atribuída
precisamente a esses operadores ou quantificadores. Esta maneira
de entender as coisas permite compreender por que razão nas
frases da forma □ ◇ Fa a necessidade é de dicto, sendo de re a
possibilidade: é que a necessidade é atribuída à possibilidade, e
esta, em contraste, é atribuída a uma frase sem operadores de
279
frases. E permite também compreender por que razão nas frases da
forma □(a = a) a modalidade é de re, apesar de ser à identidade que
se atribui a necessidade: é que a identidade não é um operador de
formação de frases, mas um predicado, ainda que relacional. Do
mesmo modo, é também razoável defender que nas frases da forma
◇¬Fa a modalidade é de dicto, porque é atribuída à negação.
280
7.8 Possibilia
Chama-se possibilia a entidades que não existem, mas poderiam ter
existido — são entidades meramente possíveis. A primeira das
fórmulas de Barcan parece obrigar a rejeitar possibilia, uma vez que
parece obrigar a aceitar que todas as entidades que poderiam ter
existido existem. Em rigor, porém, a fórmula de Barcan é apenas a
afirmação de que se é possível que um particular seja algo, então
existe um particular que é possivelmente algo — e isto é compatível
com a aceitação de que é possível que um particular seja algo
apesar de não existir particular algum que o seja. A primeira
condicional, que é a fórmula de Barcan, tem a forma ◇∃x Fx → ∃x
◇Fx e é muitíssimo diferente da segunda, ◇ ∃x Fx → ∃x Fx; esta
não é uma verdade lógica:
¬(◇∃x Fx → ∃x Fx)
◇∃x Fx
¬∃x Fx
α-β
β {∃x Fx}
β {Fa}
∀x ¬Fx
¬Fa
281
existe alguém que poderia ser filha de Orwell, ∃x ◇ Fxa; quem seria
ela, afinal? É razoável acreditar que nenhuma das pessoas que
realmente existe poderia ter sido filha de Orwell porque
aparentemente ninguém poderia ter tido progenitores diferentes dos
que realmente tem. Imagine-se dois mundos possíveis apenas, α e
β, em que o primeiro faz as vezes de mundo actual. Imagine-se que
em β, mas não em α, Orwell tem uma filha. Essa pessoa pura e
simplesmente não existe em α, e por isso parece que não existe
pessoa alguma neste mundo possível que poderia ter sido filha dele.
Aceitar a fórmula de Barcan parece obrigar a aceitar que a pessoa
que poderia ser filha de Orwell tem de algum modo de existir em α,
apesar de não ser aí filha dele. Isto, porém, é uma ilusão: a fórmula
de Barcan não obriga a aceitar tal coisa.
Uma maneira de interpretar correctamente a fórmula de Barcan é
eliminar os operadores modais e os quantificadores, e usar apenas
disjunções. Continuando a pensar apenas em dois mundos
possíveis, as frases da forma ◇ A são abreviaturas de frases da
forma α {A} ⋁ β {A}: dizer que uma frase da forma A é possível é
dizer que é verdadeira em α ou em β. Por sua vez, uma frase da
forma ∃x Fx abrevia também uma disjunção, Fa ⋁ Fb, caso se
considere um domínio com apenas dois particulares. Assim, as
frases da forma ◇∃x Fx abreviam frases da forma seguinte:
282
em β. De modo que a fórmula de Barcan, ao contrário do que
parece, é compatível com possibilia: neste exemplo, mesmo que a
seja um possibilia, um particular que não existe mas poderia ter
existido, ambas as frases são verdadeiras — as da forma α {Fa ⋁
Fb} ⋁ β {Fa ⋁ Fb} e também as da forma (α {Fa} ⋁ β {Fa}) ⋁ (α {Fb}
⋁ β {Fb}). E em ambos os casos são verdadeiras devido
exactamente ao mesmo: porque em β são verdadeiras as frases da
forma Fa.
Contraste-se com as frases da forma □∃x Fx → ∃x □Fx, que não
são verdades lógicas (secção 7.6). Faça-se a mesma operação de
exprimi-la num domínio com dois particulares apenas e dois mundos
possíveis. A antecedente é uma conjunção porque, dados dois
mundos possíveis apenas, □A quer dizer α {A} ⋀ β {A}. Quanto às
frases da forma ∃x Fx, são disjunções e, portanto, a antecedente
completa tem a forma seguinte:
283
seja possivelmente F, sendo irrelevante se existe no mundo actual
ou noutro qualquer. Esta leitura preserva a harmonia entre o
operador de possibilidade, a quantificação existencial sobre mundos
possíveis e a expressão disjuntiva desta quantificação, o que não
acontece na actualista.
284
7.9 Identidade
A substituição de idênticos, usada já nas árvores clássicas, será
também aqui usada, mas as consequências são momentosas. Veja-
se um exemplo:
□Fa
□(a = b)
∴ □Fb
□Fa
□(a = b)
¬□Fb
◇¬Fb
α-β
β {¬Fb}
β {Fa}
β {a = b}
β {Fb}
285
que o seguinte raciocínio é válido e resulta de uma aplicação da
substituição de idênticos:
Luís é Camões.
Luís é possivelmente italiano.
Logo, Camões é possivelmente italiano.
a=b
◇Fa
∴ ◇Fb
a=b
◇Fa
¬◇Fb
◇Fb
(a = b) → □(a = b)
286
Substituiu-se a por b, com base na identidade da premissa e na
negação da conclusão. Uma vez que as frases de ambas as formas
lógicas são verdadeiras no mesmo mundo possível, é uma
aplicação válida da substituição de idênticos. O resultado, porém,
tem imenso impacto filosófico, pois era comum pressupor que uma
verdade só seria necessária caso fosse uma verdade lógica. Ora, se
este resultado estiver correcto, esse pressuposto filosófico é
logicamente falso: as identidades verdadeiras, como «Luís é
Camões», são necessárias, apesar de não serem verdades lógicas.
Uma maneira de rejeitar este resultado é negar que seja válido
aplicar a regra da substituição de idênticos a nomes próprios que
estejam no âmbito de operadores aléticos. Deste modo, na árvore
anterior rejeitar-se-ia a passagem de ◇¬(a = b) para ◇¬(a = a) com
base na identidade da segunda linha. Esta manobra não parece
razoável, porque também na lógica clássica se aplica a substituição
de idênticos deste modo irrestrito. Claro que esta regra não se
aplica irrestritamente em contextos opacos (secção 5.3): do facto de
uma pessoa saber que Camões é poeta não se conclui validamente
que ela sabe que Luís é poeta, apesar de se tratar da mesma
pessoa. Porém, pressupor desde o início que os contextos aléticos
são opacos é circular se não houver uma razão para o aceitar que
seja independente do pressuposto filosófico de que todas as
verdades necessárias são verdades lógicas. Se o conceito de
necessidade visado nas frases da forma □ A for genuinamente
alético, e não uma mera abreviatura de «verdade lógica» ou
«necessidade conceptual», não há razão para restringir a
substituição de idênticos, porque não há razão para considerar que
há opacidade neste contexto.
Dada a prova da necessidade da identidade, é razoável formular
a regra da substituição modal de idênticos de maneira mais
permissiva:
287
Esta formulação mais permissiva da regra permite provar a
necessidade da não-identidade:
¬(a = b) → □¬(a = b)
288
7.10 Âmbito
É comum afirmar que se um raciocínio for válido e tiver premissas
verdadeiras, a sua conclusão terá de ser verdadeira ou será
necessariamente verdadeira. Eis um caso recente:
Contudo, basta um exemplo para ver que algo está errado nesta
afirmação:
1. A → □B
2. □(A → B)
289
válido forem verdadeiras, a sua conclusão será verdadeira».
Acontece que esta maneira de falar é algo artificiosa; a primeira é
mais natural. Infelizmente, há entre ambas um abismo de diferença:
a primeira é falsa, a segunda verdadeira. Ter atenção ao âmbito dos
operadores modais é, pois, da máxima importância; sem isso, é a
compreensão do próprio conceito de validade que fica
comprometida.
Eis outro caso em que ter atenção ao âmbito dos operadores
modais é decisivo:
290
pessoa que é ciclista poderia não o ter sido, pois poderia ter nascido
sem pernas, caso em que não seria também bípede. Assim, para
captar bem a frase inicial, é preciso que o âmbito do operador de
necessidade seja longo: □ ∀x (Fx → Gx). Ou seja,
«Necessariamente, os ciclistas são bípedes». Esta interpretação é
mais razoável porque é compatível com a ideia de que uma pessoa
que é efectivamente ciclista e bípede poderia não ter sido bípede
nem ciclista. Nesta interpretação, porém, a contradição que Quine
tinha em mente não existe (Murcho 2002: 45–48).
Um terceiro caso em que é preciso ter atenção ao âmbito dos
operadores modais envolve descrições definidas. Considere-se a
frase «O compositor de Lux Aeterna não era surdo de nascença».
Usando uma interpretação óbvia, a sua forma lógica é a seguinte:
Caso se queira agora dizer que ele não poderia ser surdo de
nascença, é fácil cair na ilusão de considerar que o âmbito do
operador modal é curto, como a língua portuguesa parece sugerir:
291
lógica modal ajuda a ver que há uma diferença da máxima
importância no âmbito do operador de possibilidade.
292
7.11 Modalidades conceptuais
Considere-se um problema qualquer em aberto da matemática,
como a conjectura de Goldbach, originalmente formulada por
Christian Goldbach em 1742, não exactamente na forma actual:
todo o número inteiro par maior do que 2 é a soma de dois primos.
Não se sabe se é verdadeira, mas dada a natureza da matemática,
é razoável acreditar que ou é necessariamente verdadeira ou é
necessariamente falsa — é necessária em qualquer caso. Por isso,
sendo p a forma lógica da conjectura, parece razoável aceitar a
premissa da forma ◇ □ p: é possível que a conjectura seja
necessária. Mas então prova-se facilmente que a conjectura é
verdadeira, exclusivamente com base nessa premissa, desde que a
relação de acessibilidade entre mundos possíveis seja simétrica.
Deste modo, haveria uma maneira incrivelmente simples de provar
uma conjectura que tem escapado aos melhores matemáticos; mas
não há. Por isso, algo correu mal.
As modalidades aléticas são modos da própria verdade; não
dizem respeito ao modo como são conhecidas ou não. Isto contrasta
com as modalidades conceptuais, que dizem respeito ao que se
sabe ou não com base apenas nas condições de verdade; estas são
as modalidades semânticas do analítico e do sintético, e as
epistémicas do a priori e a posteriori. Assim, há um contraste
marcado entre a afirmação de que algo é possível no sentido
alético, por um lado, ou no conceptual, por outro. Se for possível, no
sentido alético, que a água não seja H 2O, isso diz respeito à própria
água: esta substância poderia realmente ter uma composição
química diferente da que efectivamente tem. Em contraste, a
afirmação de que é conceptualmente possível que a água não seja
H 2O quer apenas dizer que não se sabe por meios meramente
linguísticos ou a priori que é H 2O. Ora, a negação de operadores
epistémicos é neutralizadora: negar que se sabe que Glass é um
romancista nada permite inferir quanto a Glass; talvez seja
romancista, ou talvez não. Não saber que o é, é muitíssimo diferente
de saber que o não é — e a segunda não se infere validamente da
293
primeira. A inexistência de conhecimento é muito diferente de
conhecimento da inexistência, tal como a inexistência de prova é
muito diferente de prova de inexistência.
Precisamente porque o operador de possibilidade conceptual é
apenas a negação do operador epistémico de conhecimento
meramente conceptual, nada de substancial se infere validamente
dele; na verdade, o principal papel do operador de possibilidade
conceptual é bloquear inferências, e não sancioná-las. Assim,
usando um índice para marcar o operador de possibilidade
conceptual, torna-se evidente que qualquer raciocínio da forma
seguinte é inválido porque a necessidade não se infere validamente
da mera possibilidade conceptual de ser necessário:
◇ c □A
∴ □A X
◇ c □A
∴ □A
294
◇c □c A
∴ □c A
◇c A
∴ ◇A
□A
∴ □ c □A
□ c □A
∴ □A
◇A
∴ ◇ c ◇A
□c A
∴ □c □c A
◇c ◇c A
∴ ◇c A
□c A
∴A
A
∴ ◇c A
295
inválidos, apesar de resultarem da transitividade da relação de
acessibilidade. Por último, note-se que os operadores epistémicos
são opacos, pelo que a regra da substituição de idênticos é inválida
nestes contextos. Consequentemente, as frases da forma (a = b) →
□ c (a = b) não são verdades lógicas: as identidades verdadeiras não
são todas conceptualmente necessárias, ainda que sejam todas
necessárias.
296
7.12 Argumento ontológico
Considere-se de novo o pensamento de Anselmo:
297
O raciocínio é falacioso porque a possibilidade inicial é
meramente conceptual. O ateu concede ao crente que, tanto quanto
se sabe, talvez exista algo que seja necessariamente mais
grandioso do que qualquer outra coisa. Uma vez que esta
possibilidade é meramente conceptual, o próprio mundo possível β
é meramente conceptual; por isso, é falacioso usar a regra da
substituição de idênticos no ramo da esquerda com base na
identidade β {b = a}. Esta identidade significa apenas, afinal, que
aquela identidade é conceptualmente possível; ora, de uma mera
possibilidade conceptual nada de substancial se conclui. Também é
298
conceptualmente possível que Glass seja Ligeti, mas é falacioso
com base nessa identidade hipotética concluir que Ligeti é norte-
americano porque Glass o é. Quanto ao ramo da direita, é também
falacioso inferir que uma frase é verdadeira com base
exclusivamente na possibilidade conceptual de ser necessária. Isto
porque dizer que é conceptualmente possível que a conjectura de
Goldbach seja necessariamente verdadeira, por exemplo, significa
apenas que não se sabe exclusivamente com base nas condições
de verdade que não o é; e daqui não se conclui validamente que é
verdadeira.
Eis duas outras tentativas de atribuir um raciocínio válido a
Anselmo. Parece razoável aceitar que Deus, caso exista, é um
existente necessário. Um existente necessário é algo que existe e
não poderia não ter existido. Isto contrasta com os existentes
contingentes, como os seres humanos ou os rios, caso possam não
ter existido. Deste modo, capta-se parcialmente a ideia de que Deus
é o mais excelso dos seres quanto à existência: excepto ele (e
talvez entidades platónicas como os números, se existirem), tudo o
mais existe contingentemente. Ora, parece razoável que o ateu
aceite a mera hipótese da existência de tal entidade; acontece
apenas, considera o ateu, que ela afinal não existe. Assim, o ateu
parece aceitar que Deus poderia existir necessariamente, mas
acrescenta que não existe. E é aqui que superficialmente Anselmo
parece ter razão: estas duas afirmações parecem contraditórias.
Especificando p a forma lógica da frase «Deus existe», a primeira
frase tem a forma ◇□p; a segunda tem apenas a forma lógica ¬p. E
as frases destas duas formas são realmente contraditórias em
algumas condições de verdade. Contudo, uma vez mais, o operador
de possibilidade aqui em questão é conceptual e não alético, pois o
ateu admite apenas que é conceptualmente possível, e não
realmente possível, que Deus exista necessariamente. Por isso, o
raciocínio é falacioso: o operador meramente conceptual de
possibilidade não permite inferir seja o que for de substancial. O
mesmo acontece, talvez ainda mais obviamente, numa terceira
interpretação do pensamento de Anselmo:
◇p
299
□p ⋁ □¬p
∴p
300
terrivelmente fraco de não se saber por meios puramente
conceptuais que é falsa.
Em suma, quando se afirma a possibilidade de algo é preciso ver
se acaso se quer dizer apenas que é conceptualmente possível; se
assim for, trata-se mais de um beco sem saída inferencial do que de
um bilhete gratuito para a conclusão desejada. A mera possibilidade
conceptual é apenas o que não se sabe conceptualmente, e do que
não se sabe há que fazer silêncio inferencial porque daí nada de
substancial se conclui validamente.
301
7.13 Condicionais
No pensamento europeu, deve-se a Aristóteles a primeira tentativa
de fazer uma lógica modal; mas apesar da marcada importância
filosófica dos conceitos modais aléticos, nomeadamente na filosofia
do próprio Aristóteles e ao longo da Idade Média, foi só a partir do
início do século , com o trabalho de C. I. Lewis, que se chegou às
bases que permitiram o seu desenvolvimento posterior. Uma das
motivações de Lewis para desenvolver os seus vários sistemas de
lógica modal foi a ideia de que a condicional clássica é inadequada.
Chama-se por vezes «paradoxos da implicação material» ao que é
apenas a falta de sintonia entre as condições de verdade intuitivas
de algumas condicionais e as da lógica clássica (não é um paradoxo
genuíno). A dificuldade resulta de ser muito comum usar
condicionais para afirmar uma conexão mais forte entre a
antecedente e a consequente do que a meramente verofuncional. A
lógica modal ajuda a esclarecer alguns destes casos.
Há dois tipos de condicionais que a lógica modal ajuda a
esclarecer. O primeiro diz respeito a condicionais que envolvem
relações conceptuais entre a antecedente e a consequente, como
«Se há igualdade, há justiça». Muitas condicionais filosóficas são
conceptuais neste sentido: não se pretende dizer apenas que ou
não há igualdade ou há justiça, mas antes que há uma ligação
conceptual entre a antecedente e a consequente. Assim, é mais
apropriado entender que a forma lógica daquela condicional é □ c (p
→ q) e não apenas p → q. É àquela condicional necessitada que se
chama «implicação formal» (p ⥽ q). Por vezes, porém, usa-se
apenas a seta comum, usando-se então a ferradura (p ⊃ q) para a
condicional clássica, a que se chama também «implicação
material». Não é comum usar o índice c na caixa porque raramente
se distingue a necessidade alética da conceptual.
Caso se entenda que a condicional «Se há igualdade, há justiça»
tem a forma p → q, o resultado é surpreendente: uma vez que não
há igualdade, a condicional seria vacuamente verdadeira porque a
antecedente é falsa; além disso, para negar aquela tese filosófica
302
seria preciso aceitar que há realmente igualdade, mas não há
justiça. De modo que aquela tese filosófica muitíssimo forte e
implausível seria insusceptível de refutação razoável. E isto
aconteceria com muitas outras condicionais filosóficas que
envolvem relações conceptuais, como «Se Deus não existe, a vida
não tem sentido», «Se a arte é imitação, a música pura não é arte»,
«Se tudo está determinado, não há livre-arbítrio», e tantas outras.
Caso se entenda que todas estas condicionais envolvem uma
ligação conceptual entre a antecedente e a consequente, a lógica
modal ajuda a compreender as suas condições de verdade: negar
«É conceptualmente necessário que se houver igualdade, há
justiça» é apenas afirmar a possibilidade conceptual de haver
igualdade sem justiça, o que não obriga a aceitar que há realmente
igualdade. Isto porque a negação de qualquer frase da forma □ c (p
→ q) tem a forma ◇ c (p ⋀ ¬q). Esta leitura das condicionais
conceptuais é, pois, esclarecedora, e alarga-se a quaisquer casos
em que se visa uma relação de necessidade conceptual entre a
antecedente e a consequente, ainda que inexplicitamente, o que é
muitíssimo comum.
O segundo tipo de condicionais que a lógica modal ajuda a
esclarecer são as contrafactuais. A lógica clássica só se aplica
adequadamente, na melhor das hipóteses, a condicionais
indicativas, e não a contrafactuais, que são condicionais nas quais
se pressupõe que a antecedente é falsa e se visa falar do que teria
acontecido caso fosse, ao invés, verdadeira. A condicional «Se
Glass nasceu em Lisboa, só há três galáxias» é gramaticalmente
enganadora porque superficialmente parece indicativa, mas é na
verdade, em contextos comuns, uma contrafactual, mais
rigorosamente expressa como «Se Glass tivesse nascido em
Lisboa, só haveria três galáxias», que já manifesta o pressuposto de
que ele não nasceu naquela cidade porque usa o modo subjuntivo.
Lidas como se fossem condicionais indicativas clássicas, todas as
contrafactuais são vacuamente verdadeiras porque a antecedente é
sempre falsa, o que não permite distinguir as verdadeiras das falsas:
303
2. Se Glass tivesse nascido em Lisboa, só haveria três
galáxias.
304
7.14 O conceito epistémico de validade
Há diferentes maneiras de entender a validade; com respeito aos
aspectos matemáticos da lógica formal, não faz muita diferença
fazê-lo em termos de modelos, mundos possíveis, implicação ou de
outras maneiras (secção 1.6). Apesar disso, é um erro cair no
deslize das modalidades (secção 7.10), pois isso já trai uma
incompreensão da validade. Contudo, persiste a pergunta filosófica:
o que é, em rigor, a validade?
É importante começar por ver o que a validade não é. As
seguintes definições estão erradas:
Glass é norte-americano.
Logo, Ligeti é austro-húngaro.
305
superficialmente o fazem; na realidade, limitam-se a disfarçá-lo.
Dizer que em nenhum modelo ou interpretação as premissas são
verdadeiras e a conclusão falsa limita-se a esconder a modalidade,
pois não se trata de falar dos modelos ou interpretações que os
lógicos e matemáticos realmente especificaram, mas das que
podem ser especificadas, ainda que efectivamente nunca venham a
sê-lo. Os raciocínios são válidos não quando não há efectivamente
modelos ou interpretações dessas, mas quando não pode haver tal
coisa.
A definição modal de validade está errada porque ao
desenvolver a própria lógica modal alética descobre-se que há
raciocínios inválidos que obedecem à definição, como o seguinte:
Luís é poeta.
Logo, Camões é poeta.
306
Este entendimento da validade é neutro quanto à questão
filosófica substancial da existência ou não de modalidades
genuinamente aléticas. Talvez todas as verdades sejam em si
apenas verdadeiras, sem quaisquer diferenças aléticas entre si;
talvez as diferenças sejam apenas quanto ao modo como são
conhecidas. Ou talvez não; talvez pelo menos algumas verdades
tenham realmente modos, sendo em si contingentes ou necessárias.
Em qualquer caso, a modalidade alética não é suficiente nem
necessária para definir bem o conceito de validade. Além disso,
qualquer entendimento adequado da validade irá incluir uma
componente epistémica. Consequentemente, parece razoável defini-
la em termos exclusivamente epistémicos.
O entendimento epistémico da validade é também neutro quanto
à questão de saber se o mundo tem ou não algo como uma
estrutura lógica. As verdades lógicas são por vezes entendidas
como uma espécie de leis da natureza, mas ainda mais gerais do
que as leis da física ou da biologia; deste ponto de vista, o mundo
teria como que uma estrutura lógica. Eis uma passagem de Russell
que aponta nesta direcção:
307
ambos os casos, desde que se inclua na explicação agentes que
conheçam as condições de verdade de linguagens com a semântica
relevante.
308
7.15 Exercícios
309
r). 5) ◇(p → q), ◇(q ⇄ r) ∴ ◇(p → r). 6) ◇(p ⋀ q) ∴ ◇p. 7)
(◇p ⇄ □q) ∴ (p ⋁ ¬q). 8) ◇p → □◇p ∴ p → ◇p.
6. Usando regras de extensão, prove a validade ou
invalidade dos raciocínios modais com as seguintes
formas: 1) ◇p ∴ ◇◇p. 2) □p ∴ ◇□p. 3) □p ∴ ◇◇p. 4) p ∴
□◇□◇p. 5) □¬(p → p) ∴ □◇q. 6) p ∴ ◇(q → q). 7) □p → p,
p → ◇p ∴ □p → ◇p. 8) ◇p → □◇p ∴ p → ◇p.
7. Usando regras de extensão, determine se todas as frases
das seguintes formas são verdades lógicas ou não: 1)
□◇◇p ⇄ ◇◇□p. 2) □□□p ⇄ □p. 3) ◇◇◇p ⇄ p.
8. Prove a validade ou invalidade dos raciocínios modais
com as seguintes formas: 1) □∀x (Fx → Gx), Fa ∴ □Ga. 2)
∀x (Fx → □Gx), Fa ∴ □Ga. 3) ¬◇Fa, ∀x Fx ∴ Gb. 4) ◇Gb ∴
□(Fa ⋁ ¬Fa). 5) a = b, Fa ∴ □Fb. 6) a = b, Fa ∴ ◇Fb.
9. Determine se as frases das seguintes formas são
verdades lógicas ou não: 1) (◇∃x Fx → ∃x ◇Fx) ⇄ (∀x
□¬Fx → □∀x ¬Fx). 2) □(◇∃x Fx → ∃x ◇Fx). 3) □(∀x □Fx
→ □∀x Fx). 4) ◇∃x (x = a) → ∃x ◇(x = a). 5) □∃x (x = a).
6) □∀x (x = x). 7) □(∀x Fx → ∃x Fx). 8) □[(a = b) → □(a =
b)]. 9) ◇Fa → ∃x [(x = a) ⋀ Fx].
310
8
311
ALÉM DA LINGUAGEM
312
conhecimento da vida quotidiana. Em todos estes casos, o
raciocínio indutivo desempenha um papel fundamental, em íntima
interacção com o dedutivo. São alguns dos seus aspectos mais
importantes e desejavelmente orientadores que se abordam
brevemente neste capítulo.
313
8.1 Indução
Quando as premissas apoiam dedutivamente uma conclusão, sabe-
se com base apenas nas condições de verdade que as primeiras
não são verdadeiras e a última falsa. Em contraste, quando o apoio
é indutivo, sabe-se apenas que isso é improvável; acresce que se
sabe disto com base no conhecimento extralinguístico e não com
base apenas no conhecimento das condições de verdade. Porque o
caso dedutivo é tão diferente do indutivo, o termo «validade» será
usado no primeiro e «apoio indutivo» no segundo (alguns autores
chamam-lhe «validade indutiva»). Eis então uma definição
adequada: as premissas de um raciocínio dão apoio indutivo à
conclusão sse, apesar de não a implicarem, se sabe, com base
nelas e no conhecimento extralinguístico, que é improvável que as
primeiras sejam verdadeiras e a segunda falsa. Note-se que a
possibilidade conceptual de as premissas serem verdadeiras e a
conclusão falsa está sempre presente no raciocínio indutivo, mas
não implica que tal coisa seja possível. Se a água for
necessariamente H 2O, não é possível que as premissas da indução
que conclui que a água tem aquela composição química sejam
verdadeiras e a conclusão falsa, ainda que isso seja
conceptualmente possível.
Porque o apoio indutivo não se decide tendo exclusivamente em
consideração as condições de verdade, é sempre conceptualmente
possível que surjam informações que mostrem que, ao contrário do
que se considerava, não é improvável que as premissas sejam
verdadeiras e a conclusão falsa. É isto que significa dizer que o
apoio indutivo é derrotável ou não-monotónico: novas informações
cancelam-no por vezes. Isto contrasta fortemente com a validade,
que é monotónica: acrescentar premissas não a cancela. Desde que
um raciocínio seja válido, nenhumas premissas que se acrescentem
cancelam a validade. Este aspecto é nítido no seguinte exemplo:
314
A premissa apoia indutivamente a conclusão, mas o raciocínio
não é válido porque não se sabe com base apenas nas condições
de verdade que não tem premissa verdadeira e conclusão falsa;
talvez aquele dado seja controlado à distância por extraterrestres
que impedem que saia 3. Na indução desconsidera-se estas e
outras possibilidades conceptuais; o que se tem crucialmente em
consideração são as condições extralinguísticas relevantes, e não
apenas as condições de verdade. Porém, se ocorrer o que se
considerava erradamente que era uma mera possibilidade
conceptual, o apoio indutivo é cancelado ou enfraquecido, apesar de
as premissas não serem disputadas. E, claro, nem todas as
possibilidades conceptuais são assim tão extravagantes; talvez
Glass tenha comprado um dado viciado. Acrescentar a premissa «O
dado está viciado» ao raciocínio anterior cancela o apoio indutivo.
Outro aspecto em que o apoio indutivo difere da validade é que o
primeiro tem graus, mas a segunda não. Nenhum raciocínio é «mais
válido» que qualquer outro; ou é válido ou não. No caso do apoio
indutivo, porém, alguns raciocínios são mais fortes que outros,
porque é uma questão de ser mais ou menos improvável que as
premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa. Contraste-se o
exemplo anterior com o seguinte:
315
aproxime de 16%. Para ver por que razão isto é assim basta pensar
que caso se lance um dado seis vezes não é de esperar que em
cada lançamento saia um número diferente — e só se isso
acontecesse é que em cem lançamentos cada número sairia
dezasseis vezes.
Alguns raciocínios indutivos não dão qualquer apoio às
conclusões, caso em que são piores que fracos: são totalmente
inadequados. Veja-se o seguinte exemplo:
316
Mas apesar do carácter enganador de tais expectativas,
elas existem. O mero facto de que algo aconteceu um certo
número de vezes é causa da expectativa de animais e
homens de que irá acontecer outra vez. Assim, os nossos
instintos certamente que causam em nós a crença de que o
Sol irá nascer amanhã, mas podemos não estar em melhor
posição do que a galinha cujo pescoço é inesperadamente
torcido. Temos, portanto, de distinguir o facto de as
uniformidades do passado causarem expectativas quanto ao
futuro, da questão de saber se há algum fundamento
razoável para dar peso a tais expectativas depois de a
questão da sua validade [ou seja, do apoio indutivo] ter sido
levantada. (Russell 1912: 122)
317
Todos os corvos observados até hoje são pretos.
Logo, todos os corvos são pretos.
318
casos, é preciso recorrer a instrumentos lógicos como as derivações
ou as árvores de verdade, e agora as coisas são mais parecidas
com as induções em que se recorre também a muitas informações.
Nos dois casos há circularidade, mas, caso os raciocínios sejam
cogentes, não é viciosa. Prova-se que uma dedução complexa é
válida recorrendo a outras deduções que se pressupõe serem
válidas e prova-se que as premissas apoiam indutivamente uma
conclusão recorrendo a outras informações obtidas por indução que
se pressupõe serem verdadeiras. Claro que no caso dedutivo, mas
não no indutivo, o raciocínio é monotónico, e o conhecimento
meramente linguístico é suficiente; mas estas diferenças não
implicam que num caso há justificação adequada e no outro não, a
menos que se pressuponha arbitrariamente que só as justificações
inteiramente linguísticas são adequadas.
Eis então as quatro diferenças mencionadas entre a validade e o
apoio indutivo: em primeiro lugar, a validade estabelece-se
exclusivamente por meios linguísticos; em contraste, o apoio
indutivo exige, além disso, informação de fundo extralinguística. Em
segundo lugar, na validade sabe-se que o raciocínio não tem
premissas verdadeiras e conclusão falsa; em contraste, no apoio
indutivo sabe-se apenas que isso é improvável. Em terceiro lugar, a
validade é monotónica, mas o apoio indutivo não. Por último, a
validade não tem graus, mas o apoio indutivo é mais ou menos
forte.
Há dois tipos principais de induções, no sentido mais imediato
deste termo: as generalizações e as previsões. Numa generalização
conclui-se que todas as porções de água são H 2O, mas só foram
observadas algumas; numa previsão, que a próxima porção que se
analisar será também H 2O. Algumas previsões dizem respeito ao
passado (são retroprevisões), como quando se prevê que um
cometa provocou a extinção dos dinossauros. Há outros tipos de
raciocínios não-dedutivos que não são obviamente induções, como
os argumentos de autoridade. Apesar disso, é razoável considerar
que todos dependem crucialmente da indução.
319
8.2 Probabilidades
No âmago da indução está o raciocínio probabilístico. Mesmo nos
casos em que não tem aplicação directa e simples, este tipo de
raciocínio é um modelo da indução cogente. Eis alguns dos
elementos mais simples e iniciais deste tipo de raciocínio.
Escreve-se P(A) = 1 para indicar que a probabilidade de uma
dada frase A ser verdadeira é 1. As probabilidades situam-se entre
zero e 1: 0 ≤ P(A) ≤ 1. As verdades lógicas têm probabilidade 1, e as
falsidades lógicas zero. O complemento de uma probabilidade é a
sua negação e calcula-se facilmente: P(¬A) = 1 – P(A). Caso a
probabilidade de A seja 0,4, a probabilidade de ¬A é 0,6. E o
complemento da probabilidade 1 é zero, evidentemente, e vice-
versa. Como se vê, infere-se validamente a probabilidade de ¬A da
de A e vice-versa. Porém, em vez de se ter apenas que as frases da
forma ¬A são verdadeiras sse as da forma A forem falsas, como na
lógica clássica, tem-se um valor numérico entre zero e 1.
O cálculo de probabilidades ajuda a compreender o conceito de
apoio indutivo: quanto mais as premissas apoiam indutivamente
uma conclusão, maior é a probabilidade condicional de a conclusão
ser verdadeira se as premissas o forem também. Escreve-se então
P(B|A) para exprimir a ideia da probabilidade condicional de a
conclusão B ser verdadeira dadas as premissas A. No caso da
validade, esta probabilidade é 1. Consequentemente, dado o
conceito probabilístico de complemento, a probabilidade de a
conclusão de um raciocínio válido ser falsa se as premissas forem
verdadeiras é zero: P(¬B|A) = 0. Em contraste, quando as
premissas não implicam a conclusão mas a apoiam indutivamente, a
probabilidade condicional de esta ser falsa caso aquelas sejam
verdadeiras é baixa, mas não é zero. Note-se que há uma
probabilidade elevada de a conclusão «Nenhum objecto é mais
pesado que ele próprio» ser verdadeira caso a premissa «Glass é
norte-americano» seja verdadeira, mas não se diria que esta
premissa apoia indutivamente aquela conclusão. A probabilidade é
elevada apenas porque a conclusão é uma verdade lógica, e estas
têm probabilidade 1. Porém, qualquer raciocínio que tenha uma
320
verdade lógica como conclusão é válido, ainda que vacuamente,
pelo que não é indutivo. As premissas de um raciocínio só apoiam
indutivamente uma conclusão caso não a impliquem.
Antes de voltar ao conceito crucial de probabilidade condicional
urge esclarecer a disjunção e a conjunção de probabilidades. Estas
são muito simples quando são exclusivas e independentes. Duas ou
mais probabilidades são mutuamente exclusivas sse a probabilidade
de ocorrerem simultaneamente for zero. A probabilidade de sair 1 e
a de sair 2 num mesmo lançamento de um dado são mutuamente
exclusivas se a probabilidade de sair os dois resultados for zero.
Quando duas ou mais probabilidades são mutuamente exclusivas, a
probabilidade da sua disjunção resulta da sua soma simples:
321
sair 2. Por isso, a probabilidade da conjunção — sair 1 e 2 —
obtém-se por simples multiplicação: 1/6 × 1/6 = 1/36 = 0,028 (valor
arredondado). Assim, em geral, a conjunção de probabilidades
independentes resulta da sua multiplicação:
322
Como se vê, trata-se de multiplicar a probabilidade de A pela
probabilidade condicional de B dado A. Assim, para calcular a
probabilidade de sair ímpar e 3 num lançamento multiplica-se a
primeira, 0,5, pela probabilidade condicional de sair 3 caso saia
ímpar. Esta última é 1/3 = 0,333, porque num dado só há três
números ímpares. A multiplicação de ambas é 0,166. Assim, neste
caso simples, a probabilidade conjunta de sair ímpar e 3 num
lançamento é simplesmente a probabilidade da menor das duas
probabilidades, que é a de sair 3.
Para ver outro caso, imagine-se que num saco há dez bolas,
numeradas de 1 a 10. Só as bolas 3, 5, 7, 9 e 10 são brancas. Qual
é a probabilidade de sair uma bola branca par, caso se retire uma
delas cegamente? A probabilidade de sair branca é 5/10 = 0,5. A
probabilidade condicional de sair uma bola par caso seja branca é
de apenas 1/5 = 0,2. Consequentemente, P(branca ⋀ par) = 0,5 ×
0,2 = 0,1.
Quanto à disjunção de probabilidades não-exclusivas calcula-se
do seguinte modo:
323
de B dado A, divide-se a probabilidade da conjunção de ambas pela
probabilidade da segunda (pressupondo que esta é maior do que
zero, pois não se divide por zero — mas nesse caso é evidente que
a probabilidade condicional será vacuamente zero):
324
probabilidade de A chama-se «prévia» ou «a priori», «anterior» ou
«inicial», e à probabilidade de B chama-se «posterior»; a ideia é
determinar qual é a probabilidade posterior dada a anterior.
A aplicação e o alcance do teorema de Bayes torna-se mais
visível com um exemplo. Imagine-se que Ligeti fez um exame
médico para ver se tem uma dada doença. O resultado do exame foi
positivo, mas sabe-se que erra em 10% dos casos porque dá falsos
positivos, ainda que nunca falhe em revelar quem tem a doença.
Face apenas ao exame, a probabilidade de ter aquela doença é,
pois, de 0,9. Por outro lado, as estatísticas mostram que só uma
pessoa em cada cinco mil tem aquela doença. Há razões para ficar
assustado com o resultado do exame, uma vez que é fidedigno em
90% dos casos? O erro aqui a evitar é pensar que a probabilidade
de ter aquela doença é de 0,9. O teorema de Bayes permite
determinar qual é exactamente a probabilidade posterior ao exame
de ele ter aquela doença, dada a probabilidade anterior:
325
A probabilidade anterior, P(B), dadas as estatísticas, é 0,0002. A
probabilidade de o resultado do exame ser positivo caso ele tenha a
doença é 1, porque o exame nunca erra se a pessoa tiver a doença
— apenas por vezes indica falsamente que a tem. Isto significa que
o numerador e o primeiro membro da soma que constitui o
denominador é 0,0002: a simples probabilidade de ter aquela
doença. Falta apenas calcular o segundo membro da soma que
constitui o denominador: P(¬B) × P(A|¬B). O primeiro factor é o
complemento da probabilidade anterior de ter a doença, ou seja 1 –
0,0002 = 0,9998. O segundo é a probabilidade de o exame dar
positivo quando a pessoa não tem a doença. Porque o exame é
fidedigno em 90% dos casos, 10% das pessoas que o fazem e dá
positivo não têm a doença — ou seja, a probabilidade de o exame
dar positivo caso a pessoa não tenha a doença é 0,1. Ora, 0,9998 ×
0,1 = 0,09998. Somar este valor com 0,0002 dá 0,10018. Este é o
valor do denominador. Dividir 0,0002 por este valor dá
0,001996406468357: uma probabilidade muito baixa. Arredondando
o valor, apenas 0,20% das pessoas que acusam positivo no exame
têm aquela doença.
Como se vê, é preciso muito cuidado ao interpretar o que
significa dizer que um exame — ou teste, observação ou
confirmação — é muitíssimo fidedigno. A menos que seja 100%
fidedigno, e caso a probabilidade anterior seja muito baixa, a
probabilidade posterior, dado o exame, será bastante mais baixa do
que parece à primeira vista. Mantendo a probabilidade de 0,0002 de
ter uma dada doença, e caso se disponha de um exame 99%
fidedigno, mesmo assim a probabilidade condicional de ter a doença
dado o resultado positivo do exame é de 0,019611688566386:
arredondando, só 20 pessoas em cada 100 cujo exame acusa
positivo têm aquela doença. A moral da história é que o impacto que
tem uma observação ou dado novo depende crucialmente da
improbabilidade anterior do que se procura confirmar. Quanto mais
improvável é o que se procura confirmar, mais o teste usado para
confirmá-lo precisa de ser muitíssimo, mas mesmo muitíssimo,
robusto: «Afirmações extraordinárias exigem provas
extraordinárias.» (Sagan 1979: 73) Quando alguém olha pela janela
e lhe parece ver nevoeiro, isso basta como prova de que está
326
realmente nevoeiro se a probabilidade anterior de estar nevoeiro
não for baixa; afinal, o nevoeiro é um fenómeno corriqueiro do
quotidiano, em muitos lugares do planeta. Porém, quando essa
mesma pessoa olha pela janela e lhe parece ver Jesus Cristo a
caminhar sobre as águas, isso exige provas extraordinárias
simplesmente porque a probabilidade anterior de uma divindade se
passear entre os mortais para fazer números de circo é, para dizer o
mínimo, ridiculamente baixa.
Este é um primeiro aspecto importante do teorema de Bayes; um
segundo é o que acontece à medida que se acrescenta informação
à probabilidade anterior. Para se ver o que está aqui em questão,
imagine-se que Ligeti e o seu médico decidem repetir o exame, que
dá de novo positivo. O cálculo faz-se usando a probabilidade obtida
depois de realizado o primeiro exame, que se torna agora a anterior.
Assim, em vez de 0,0002, e arredondando o valor obtido de
0,001996406468357, usa-se 0,002. O resultado da nova
probabilidade posterior é agora significativamente mais elevado:
0,019646365422397. Quase 2% das pessoas que fazem duas
vezes o exame e dá positivo têm aquela doença. Ainda é uma
probabilidade baixa, mas mostra um padrão importante: quantos
mais exames positivos se fizer, maior é a probabilidade de ter
aquela doença. Fazendo então um terceiro exame, e arredondando
o valor anteriormente obtido para 0,02, obtém-se uma probabilidade
mais elevada caso dê positivo: 0,169491525423729. Quase 17%
das pessoas que fizerem três exames positivos têm aquela doença.
Como se vê, passa-se de 0,20% para 2% e, finalmente, para 17%.
Porém, mal se faça um exame que dê negativo, e uma vez que se
detecta por esse meio 100% das pessoas que têm a doença, a
probabilidade condicional cai para zero. Em exames mais realistas,
nos quais além de falsos positivos há também falsos negativos (o
exame nem sempre revela a doença em pessoas que a têm), a
probabilidade diminui mas não cai imediatamente para zero. No
caso acima, imaginando que 10% das pessoas que fazem o exame
e dá negativo têm a doença, e usando 0,2 como a probabilidade
anterior de ter a doença, a probabilidade posterior de tê-la dado um
exame negativo é de 0,027.
327
O teorema de Bayes oferece, pois, um modelo preciso da
maneira apropriada de confirmar hipóteses. Por um lado, as
hipóteses são confirmadas ou infirmadas contra um pano de fundo
de outras informações relevantes; por outro, as novas informações
obtidas tanto podem aumentar como diminuir ou reduzir a zero a
probabilidade de uma hipótese. Nos dois casos, torna-se patente
que o raciocínio indutivo, ao contrário do dedutivo, é intrinsecamente
dinâmico e não estático — em consequência do seu carácter não-
monotónico. Uma vez que a informação de fundo e as novas
informações são cruciais no raciocínio indutivo — porque o
conhecimento das condições de verdade não é suficiente — é
preciso integrá-las apropriadamente; o teorema de Bayes oferece
um modelo de como isso se faz com rigor.
Para encerrar esta breve apresentação do raciocínio
probabilístico, considere-se o caso do lançamento de uma moeda; a
probabilidade de sair caras é 0,5. Esta conclusão probabilística é
indutiva, mas o cálculo de probabilidades em si é dedutivo — afinal,
é um ramo da matemática. Acrescentar a premissa seguinte torna
evidente o carácter dedutivo do raciocínio probabilístico: «Quando
se lança uma moeda, há exactamente dois resultados equiprováveis
e exclusivos.» Contudo, com base apenas nas condições de
verdade não se sabia antes de acrescentar esta premissa que o
raciocínio não tinha premissas verdadeiras e conclusão falsa; e
agora não se sabe exclusivamente nessa base que aquela moeda
específica não está viciada, que as moedas não ficam de pé quando
são lançadas ou que não se transformam em elefantes. Por isso, de
nada adianta transformar em deduções os raciocínios probabilísticos
porque tudo o que se faz é transferir o risco epistémico para as
novas premissas. Além disso, só em casos muito simples, como no
lançamento de uma moeda, é razoável pressupor que só há um
número específico de resultados equiprováveis e exclusivos.
Noutros casos, como no exame médico de Ligeti, pressupõe-se que
a frequência observada na população é relevante para determinar a
probabilidade anterior de ele ter essa doença. Este pressuposto é
falível, pois caso um aspecto desconhecido da biologia de Ligeti o
impeça de ter aquela doença, a probabilidade de a ter é zero. Mas a
aplicação repetida do teorema de Bayes a novos exames irá acabar
328
por estabelecê-lo, pois mais cedo ou mais tarde o exame dará
negativo. E essa é uma estratégia muitíssimo mais promissora do
que transformar à força induções em deduções.
329
8.3 Crença e conhecimento
Raciocina-se muitas vezes para tentar saber se uma dada
conclusão é verdadeira, ou para ter uma opinião mais responsável.
Isto nem sempre acontece, pois por vezes pretende-se apenas
saber o que se conclui apropriadamente de um dado conjunto de
frases, sem pressupor que são verdadeiras — neste caso, trata-se
de explorar ideias a título hipotético. Em qualquer dos casos, os
conceitos de conhecimento ou saber, assim como os de crença ou
de opinião, estão intimamente associados ao raciocínio, pelo que é
importante esclarecer alguns dos seus aspectos.
No seu sentido mais abrangente o termo «crença» inclui
convicções muito fortes, crenças religiosas e opiniões elaboradas,
mas também crenças simples, crenças matemáticas e científicas.
Curiosamente, usa-se o verbo «pensar» para falar de crenças: diz-
se «Glass pensa que Ligeti tem composições maravilhosas», e isto
significa que essa é a sua opinião, ou crença. Porque é um conceito
muito elementar, é difícil defini-lo satisfatoriamente; grosso modo, as
crenças são representações que alguém faz da realidade. Entre
estas, as representações discursivas, expressas em frases como
«Ligeti nasceu na Transilvânia», são verdadeiras ou falsas; mas
nem todas as representações são discursivas. Uma pintura é uma
representação não-discursiva, e por mais que represente Ligeti
muito bem, não é verdadeira nem falsa. Daqui em diante, salvo
indicação em contrário, são as crenças discursivas, susceptíveis de
serem verdadeiras ou falsas, que se tem em mente. Popularmente,
usa-se o conceito de crença como sinónimo de «mera crença»,
sugerindo-se que não é conhecimento, mas isto é uma confusão; a
crença de que sete é um número ímpar não deixa de sê-lo só
porque é também conhecimento.
Emerge já aqui um aspecto importante das crenças: envolvem
sempre agentes cognitivos. As crenças não andam no ar como
nuvens, sem que algum agente cognitivo as tenha. Uma crença é
uma relação peculiar de representação entre o agente que a tem e
um aspecto relevante da realidade. Quando alguém acredita que
Ligeti era polaco representa mal um aspecto da realidade; quando
330
acredita que ele compôs Lux Aeterna, representa bem um aspecto
da realidade. Note-se que, neste sentido, a crença tem sempre por
objecto um aspecto da realidade susceptível de representação
discursiva; «crença-que», poder-se-ia dizer, pois usa-se o «que»
conjuntivo 3 para introduzir a oração-objecto. Isto difere da crença no
sentido de «confiança», que muitas vezes não tem uma oração-
objecto: diz-se que Glass acredita em Ligeti, mas agora é no sentido
de confiar nele, no seu talento ou na sua integridade. Nestes casos,
depois de «acredita» ou das suas variantes, não se encontra o
«que» conjuntivo. De ora em diante, «crença» será usado apenas
no sentido declarativo.
Uma vez que os seres humanos são falíveis, nem todas as suas
crenças são verdadeiras. É isto que significa dizer que a crença não
é factiva. Um operador é factivo sse a frase com esse operador
implica a frase sem ele. O operador de crença não é factivo porque
1 não implica 2:
331
dois tipos de conhecimento diferem do conhecimento declarativo, a
que é comum em filosofia chamar «proposicional»; Russell (1912:
105) chamava-lhe «conhecimento de verdades». O conhecimento
declarativo é um «saber-que», como o caso anterior da crença-que:
envolve um aspecto qualquer da realidade susceptível de
representação discursiva.
O conhecimento declarativo tem relações óbvias com os outros
tipos de conhecimento: não implica evidentemente o saber-fazer,
nem exige conhecimento por contacto. Uma pessoa que nunca
visitou Paris mas estudou vários dos seus aspectos históricos e
arquitectónicos, entre outros, tem um conhecimento declarativo
profundo sem ter conhecimento por contacto. E vice-versa: uma
pessoa que vive naquela cidade sem quase nada ter estudado
sobre ela, tem um bom conhecimento por contacto, mas um
conhecimento declarativo muitíssimo limitado. Já o saber-fazer e o
conhecimento declarativo são mutuamente independentes: saber
muito sobre pintura não implica saber pintar, nem vice-versa. De ora
em diante, salvo indicação em contrário, «conhecimento» quer dizer
«conhecimento declarativo».
Como a crença, o conhecimento é uma relação entre um agente
cognitivo e um aspecto da realidade. Usando K como operador de
conhecimento (do inglês «knowledge»), a forma lógica de frases
como «Glass sabe que a Terra se move» é KaA. Uma diferença
crucial entre a mera crença e o conhecimento é que o segundo é
factivo, mas a primeira não. Ou seja, 2 infere-se validamente de 1:
332
sabe ou se apenas parece ilusoriamente que se sabe; a factividade
do conhecimento quer dizer que a palavra final sobre se afinal se
sabe mesmo é da própria realidade, e não dos agentes, nem dos
seus processos de prova. Claro que quando se tem bons processos
de prova, a probabilidade de se saber realmente o que se provou é
muitíssimo elevada; mas por mais que se tenha boas provas de que
a Terra se move, não se sabe que se move se não se mover, ainda
que se acredite nisso.
Eis alguns aspectos esclarecedores da lógica da crença e do
conhecimento:
Factividade
KaA → A
¬(BaA → A)
Negação da omnisciência
¬(¬KaA → ¬A)
¬(¬BaA → ¬A)
Crença e conhecimento
KaA → BaA
¬(BaA → KaA)
¬(BaKaA → KaA)
De notar que uma criança de dez anos sabe falar, e por isso
conhece inexplicitamente (no sentido de saber-fazer) as condições
de verdade de vários elementos da língua, mas não consegue só
nessa base saber que um raciocínio complexo é válido; e muitos
adultos não conseguem concluir validamente o que outros
conseguem. Por isso, o que se quer dizer em muitos contextos com
expressões como «sabe-se» ou «acredita-se» é que pelo menos
alguns agentes cognitivos o sabem ou acreditam, mas talvez nem
todos. Isto é relevante para a compreensão da validade e do apoio
indutivo. No primeiro caso, não se trata de todos os agentes
saberem com base apenas nas condições de verdade que o
raciocínio não tem premissas verdadeiras e conclusão falsa, mas
333
pelo menos alguns; e no segundo trata-se também de pelo menos
alguns saberem que a conclusão é provável dadas as premissas.
Finalmente, note-se que é importante não perder de vista três
alternativas quanto à crença e ao conhecimento. Usando apenas o
caso do conhecimento, veja-se os três casos:
1. KaA
2. Ka¬A
3. ¬KaA
334
8.4 Provas
O conhecimento não é apenas uma crença verdadeira, porque é
diferente de acertar por sorte na verdade. Imagine-se que uma
pessoa olha para o relógio e forma a crença de que são três da
tarde; e imagine-se que realmente são três da tarde. Contudo, o seu
relógio está parado desde as três da manhã porque se avariou sem
que a pessoa o saiba; por coincidência, olhou para o relógio
precisamente às três horas. Neste caso, a pessoa tem uma crença
verdadeira, mas não sabe que são três horas, porque a prova de
que dispõe é inadequada. Isto contraria a ideia de que acertar na
verdade é tudo o que conta. Pelo contrário, a exigência filosófica
muitíssimo razoável é que algum processo adequado de prova está
envolvido no conhecimento; acertar por sorte na verdade não conta
como conhecimento. Mesmo que se rejeite esta exigência filosófica,
continuará a haver uma diferença crucial entre acertar por sorte e
descobrir a verdade por meio de processos adequados de prova,
pelo que será enganador dizer que nos dois casos se trata do
mesmo. Além disso, note-se já um aspecto crucial das provas:
quando se olha para um relógio que não está avariado, isso é uma
prova suficientemente boa para que seja razoável considerar que a
pessoa sabe que são três da tarde. Assim, olhar para o relógio
conta como prova adequada para haver conhecimento no contexto
em que o relógio não está avariado, mas não no contexto em que o
está. Isto mostra que as provas não são uma questão de tudo ou
nada, mas antes elementos a pesar, contrastar e examinar
cuidadosamente, para eliminar ao máximo provas inadequadas —
que infelizmente são a maioria. Não há maneiras simples e
automáticas de determinar se uma prova é adequada ou não; só
contra o pano de fundo de várias informações relevantes se
consegue fazê-lo, e esse processo é falível.
Como se vê, as provas são cruciais no conhecimento; mas
também o são nas crenças. Um agente tem uma crença
epistemicamente responsável sse tiver boas provas, mesmo que
tenha azar epistémico e afinal a crença seja falsa; e tem-na
irresponsavelmente sse não tiver boas provas, ainda que por sorte
335
seja verdadeira. Esta diferença torna-se clara imaginando duas
investigadoras policiais. A primeira é extremamente cuidadosa e
competente e pauta-se pela tentativa genuína de descobrir a
verdade, procurando diligentemente as melhores provas. Acontece
que teve azar, e todas as provas apontam na direcção de alguém
que está de facto inocente; ela conclui que foi essa pessoa que
cometeu o crime. A investigadora foi epistemicamente responsável,
mas teve azar epistémico, porque as provas apontam na direcção
errada. Em contraste, a segunda investigadora é incompetente,
desonesta e preconceituosa e tem uma atitude de descaso
epistémico (Cassam 2018); deixa-se sempre guiar cegamente pelas
suas inclinações ou pelos seus interesses. Por sorte, porém, acusa
a pessoa que realmente cometeu o crime. Esta segunda
investigadora é epistemicamente irresponsável, mesmo quando
acerta por sorte na verdade: ela não sabe, apesar de ter uma crença
verdadeira. Em contraste, a primeira é epistemicamente
responsável, mesmo quando tem azar epistémico e forma crenças
falsas.
Uma vez que a responsabilidade epistémica exige provas, urge
esclarecer este conceito. Recorde-se que o termo «prova» é aqui
usado da maneira mais abrangente, incluindo por isso provas lógico-
matemáticas («proofs», em inglês), mas também argumentos,
razões ou justificações, indícios («evidence»), sinais ou pistas
(«clues»); a ideia é que uma prova é seja o que for que conta
apropriadamente a favor de uma conclusão, ainda que não a prove
definitivamente. À excepção das derivações e outros métodos
lógico-matemáticos, as provas não são factivas porque 2 não se
conclui validamente de 1:
336
presumível derivação tenha sido muito difícil de fazer, a maneira de
verificar se tem erros é muito simples: é só ver se em cada passo as
regras especificadas foram correctamente usadas. Por mais
complexa que seja uma prova lógico-matemática, reduz-se a um
conjunto de passos, e a validade de cada um deles verifica-se
facilmente. Na dedução informal — que se encontra na filosofia,
mas também na vida quotidiana — isto não acontece: não há
métodos igualmente simples para encontrar erros, e por isso não há
aqui a mesma segurança epistémica.
Contudo, nas provas indutivas, além de não serem monotónicas,
não se dispõe de métodos simples para encontrar erros. Por isso, os
dois factores cruciais na indução são a procura de novas
informações relevantes e a procura contínua de erros. As provas
indutivas têm assim um dinamismo que contrasta com o carácter
estático das dedutivas. Porém, há um factor que acaba por reenviar
estas últimas para o seio do risco epistémico das primeiras: é que, à
excepção das provas exclusivamente sobre questões de
matemática ou de lógica puras, as premissas dos raciocínios
dedutivos são obtidas indutivamente. Consequentemente, mesmo
na dedução há uma dependência forte da indução, porque a
validade não é tudo o que conta; conta também a verdade das
premissas, para não falar da plausibilidade relativa entre premissas
e conclusão. Consequentemente, a abertura a novas informações e
a procura de erros são os dois factores fundamentais para
compreender adequadamente a natureza das provas em geral.
Porém, porque o papel das novas informações é também corrigir os
erros anteriores e não apenas acrescentar crenças, o factor
realmente cimeiro com respeito às provas é a procura de erros.
337
A Figura 1 ajuda a compreender alguns aspectos importantes da
procura de erros. Os tampos das mesas que as imagens
aparentemente representam parecem diferentes; contudo, depois de
se medir cuidadosamente, descobre-se que têm exactamente as
mesmas dimensões; e os ângulos são também iguais. Esta é uma
das muitas ilusões visuais, que são apenas casos particulares das
muitas ilusões cognitivas. É porque há várias ilusões cognitivas que
é preciso ter processos tão fidedignos quanto possível para
encontrar erros; uma maneira de o fazer, como aqui, é usar
instrumentos de medida. Porém, note-se que a impressão visual
errada não desaparece, mesmo depois de se medir
cuidadosamente. Isto significa que há crenças falsas que resultam
de ilusões cognitivas de tal modo profundas que são insusceptíveis
de correcção directa; no caso da Figura 1, tudo o que se consegue
fazer é rejeitar a crença visual directa com base noutras provas mais
fortes mas menos directas. Isto não é muito diferente do que
aconteceu com respeito ao movimento da Terra: sem outras
informações relevantes, não parece que a Terra se move, e mesmo
depois de se ter boas provas de que se move, isso não é algo que
se possa saber directamente, porque não se sente qualquer
movimento.
Como se vê no caso da Figura 1, as impressões visuais simples
são corrigidas por outras impressões — algumas também visuais,
embora não todas, porque a confiança num sistema métrico não
resulta apenas de novas impressões visuais, mas também da
338
memória e da interpretação das medições. Noutros casos,
contrasta-se provas de diferentes fontes: quando alguém vê que as
chaves não estão afinal na gaveta, isso é uma boa prova de que a
sua memória algo vaga de que as tinha colocado lá era falsa. Mas
não é uma prova definitiva, pois talvez alguém as tenha tirado da
gaveta sem ela saber. A memória é uma fonte de prova, e a visão,
outra; cada uma é usada para encontrar os seus próprios erros e
também os erros da outra. E isto é o que acontece com todas as
fontes de prova: são contrastadas entre si, na tentativa de encontrar
e corrigir os erros inevitáveis.
Entre as diversas fontes de prova contam-se os sentidos
externos (percepção sensorial) e os internos. Os primeiros incluem
diferentes modalidades: o sentido de equilíbrio e os cinco sentidos
tradicionais (visão, audição, tacto, cheiro, paladar). Os sentidos
internos incluem os proprioceptores (indicam a posição e os
movimentos do corpo) e os interoceptores (indicam o estado interno
do corpo, incluindo dos órgãos), entre outros (Land 2015). A
memória é também uma fonte de prova, mas não é um sentido,
assim como a compreensão lógica e matemática, que pelo menos
em parte coincide com o que por vezes se chama «intuição
racional»: aquela «visão interior» de que dois mais dois são quatro.
Nenhuma destas fontes de prova é infalível nem definitiva; a
responsabilidade epistémica obriga a procurar erros em todas, o que
se faz em parte cruzando as informações obtidas de várias. Em
qualquer caso, com ou sem responsabilidade epistémica, quase
todas as crenças resultam de uma multiplicidade de fontes de prova,
e não de apenas uma.
Considere-se alguém que pretende saber o resultado de
multiplicar 2345 por 998. A maneira hoje em dia mais simples é usar
uma calculadora. A sua prova de que o resultado é 2 340 310 é
indirecta: baseia-se na sua crença de que a calculadora é fidedigna.
A surpresa, porém, é que não há uma maneira realmente directa,
mas apenas menos indirecta, de saber o resultado. A menos que a
pessoa tenha poderes computacionais fora do comum, irá usar
papel e lápis para fazer os cálculos. Acontece que isso significa que
confia que se lembra correctamente do procedimento que aprendeu
na escola; confia na visão, quando escreve um determinado
339
algarismo; e também confia na memória de curta duração, que lhe
indica que foi ela que escreveu aqueles algarismos anteriores, em
resultado de uma soma mental que faz parte do processo de
descoberta do resultado final e na qual também confia. Como é
evidente, a prova está longe de ser directa. Além disso, note-se
também que usar uma calculadora, neste caso, é um método de
prova mais forte que fazer cálculos com papel e lápis, porque a
probabilidade de errar é menor. Consequentemente, algumas
provas mais indirectas são mais fortes do que outras menos
indirectas — e isto é contra-intuitivo porque há a tendência infeliz
para pensar que o melhor é ver para crer. Em suma, não há provas
directas simples nem mesmo de um resultado banal de aritmética.
Não só a suposta prova directa daquele resultado não é afinal
realmente directa, porque depende de uma pluralidade de fontes de
prova, como, além disso, depende também crucialmente do uso de
instrumentos cognitivos extra-somáticos, como o papel e o lápis. As
provas são crucialmente múltiplas e indirectas, e a alma do negócio
é sempre a procura e correcção de erros; e quanto menos provável
é o erro, mais forte é a prova, independentemente de ser mais ou
menos indirecta.
Não valeria a pena procurar erros, contudo, se isso não tivesse
qualquer impacto nas crenças; e a ideia é que a responsabilidade
epistémica exige que se ajuste as crenças às provas disponíveis,
depois de corrigidos os erros. Não se trata apenas de manter ou
rejeitar crenças, mas também de fortalecê-las ou enfraquecê-las; é
aqui que entra o importante conceito de força, adesão ou confiança
das crenças. Aplicando a escala das probabilidades à confiança que
se tem numa dada crença, é razoável acreditar com uma confiança
próxima de 1 numa verdade lógica simples e no que se vê em
contextos comuns; mas é de esperar que se acredite que existem
extraterrestres com uma confiança muitíssimo inferior a 1, ou no que
se vê num espectáculo de ilusionismo. Para acomodar erros
desconhecidos, a confiança epistemicamente responsável é sempre
inferior ao que se obtém usando o cálculo de probabilidades: a
probabilidade de sair caras no lançamento de uma moeda é 0,5,
mas a responsabilidade epistémica exige que a confiança seja
inferior a esse valor, porque talvez a moeda esteja viciada, ou talvez
340
outros factores desconhecidos interfiram. A atitude epistemicamente
responsável é manter sempre um «ligeiro elemento de dúvida»
(Russell 1912: 87). Mesmo o que há boas razões para pensar que é
uma verdade lógica, talvez não o seja se a teoria lógica subjacente
estiver errada, e é por isso que só superficialmente a dedução válida
é monotónica e factiva.
A lição mais importante aqui é que há sempre uma pluralidade
de provas, até no caso dedutivo; o trabalho probatório responsável é
uma questão de procurar as provas e contraprovas mais fortes,
sejam elas mais ou menos indirectas, e ver para que lado cai a
balança. Quando surgem novas informações é preciso voltar a ver
se a balança acaso pende agora para o outro lado; e se não pender
agora para um dos lados, a atitude epistemicamente responsável é
suspender a crença. Chama-se por vezes «condutivos» aos
raciocínios que explicitamente usam prós e contras para tentar
estabelecer ou rejeitar uma dada conclusão, mas esta terminologia
não está estabelecida e é disputada (Paglieri 2013; Possin 2016).
Em suma, as provas, entendidas no seu sentido mais
abrangente, têm três características cruciais, das quais decorrem
duas outras não menos importantes. Primeiro, há sempre uma
pluralidade de provas e contraprovas; é preciso pesar
cuidadosamente umas e outras para ver para que lado cai a
balança. Segundo, as provas não são factivas; por melhores que
sejam as provas de que os dinossauros se extinguiram há sessenta
e cinco milhões de anos, isso é compatível com a falsidade dessa
hipótese. Terceiro, as provas também não são monotónicas, nem
sequer quando o são superficialmente, como é o caso da dedução;
caso surjam boas razões para considerar que é falso um
pressuposto lógico usado para deduzir uma dada conclusão, isso
bloqueia a validade do raciocínio sem disputar as premissas. Destas
três características decorrem duas outras de capital importância. Por
um lado, as provas são dinâmicas e não estáticas; não é uma
questão de provar algo e acaba-se a conversa, mas antes de ter as
melhores provas que se conseguir no momento, sabendo que de
futuro novas provas talvez mostrem que as coisas não eram como
se acreditava. Em consequência, uma crença só é epistemicamente
responsável quando se apoia numa procura contínua de
341
contraprovas relevantes. Por outro lado, como se verá (secção 8.6),
as provas não são examinadas no vazio, mas antes à luz de várias
crenças de fundo, o que levanta dificuldades adicionais. Estas cinco
características conduzem ao aspecto capital: sem processos
robustos e contínuos de procura e correcção de erros, as provas
são pouco significativas porque são falíveis, terrivelmente falíveis.
342
8.5 Argumentos de autoridade
Quase todo o conhecimento — todo, quando se sai do aqui-e-agora
— depende do conhecimento de outras pessoas (Hardwig 1985).
Não se trata apenas de dizer o evidente: que só com base nos
arqueólogos uma pessoa sabe que os dinossauros se extinguiram
há sessenta e cinco milhões de anos. Trata-se de dizer que os
próprios arqueólogos só o sabem porque se apoiam noutros
especialistas; regra geral, quanto mais especializado for o
conhecimento, maior é o número de especialistas em que cada
especialista se apoia. Assim, quase todo o conhecimento, sobretudo
o mais especializado, é duplamente indirecto, porque, além de as
provas baseadas nos sentidos e noutras fontes serem indirectas,
uma das fontes mais relevantes para o conhecimento de um ser
humano são os outros seres humanos.
Além disso, mesmo no caso dos métodos de prova lógico-
matemáticos, a procura alheia de erros é fundamental; o que dá
segurança epistémica a uma suposta derivação é que se tiver um
erro que o autor não viu, os seus colegas facilmente o vêem. E o
mesmo acontece no caso das outras provas. Não basta que um
arqueólogo tenha provas de que os dinossauros se extinguiram há
sessenta e cinco milhões de anos; é preciso que essas provas
sejam cuidadosamente examinadas por outros arqueólogos, para
encontrar e eliminar o máximo de erros que se conseguir. Assim, o
conhecimento depende dos outros não apenas no sentido de eles
terem um acesso menos indirecto que nós a várias provas, mas
porque é preciso que várias pessoas as examinem cuidadosamente
para ver se escondem erros. O erro que uma não viu, encontra-o a
outra. Não há crenças bem provadas radicalmente privadas:
343
convite permanente ao mundo inteiro para provar que são
infundadas. (Mill 1859: 26)
344
daquela afirmação específica, não é uma autoridade epistémica
relevante. As falácias da autoridade deslocada, da qual há três
versões, ocorrem quando a autoridade invocada não tem boas
provas do que afirma. Num primeiro tipo de caso, uma pessoa
detém muita autoridade institucional, política, económica ou
mediática — é um actor famoso — e pronuncia-se sobre a eutanásia
sem conhecer quaisquer provas relevantes na área. Dar-lhe crédito
é um erro, porque a única autoridade relevante é a epistémica; os
outros tipos de autoridade são irrelevantes. Num segundo tipo de
caso, uma pessoa tem autoridade epistémica, mas não quanto ao
assunto acerca do qual se pronuncia. Uma socióloga é uma
autoridade epistémica em sociologia, mas não em medicina, pelo
que invocar as suas afirmações sobre vacinas é falacioso caso ela
não tenha boas provas do que afirma. Por último, o terceiro tipo de
falácia da autoridade deslocada ocorre quando se invoca alguém
que é uma autoridade epistémica na área em questão, mas que não
tem apesar disso boas provas do que afirma. Uma médica é uma
autoridade epistémica em medicina, mas se não tem boas provas
específicas das suas afirmações acerca das vacinas, é falacioso
invocá-la como autoridade.
Note-se que a autoridade epistémica relevante é específica e
não é transferível. É específica porque tudo o que conta é a
autoridade ter boas provas da afirmação em questão, e não de
outras afirmações. E não é transferível porque quem tem autoridade
epistémica relevante quanto a uma afirmação não a tem só por
causa disso quanto a outra, ainda que seja da mesma área — e
menos ainda a tem se for de uma área distinta. Muitos argumentos
de autoridade são falaciosos porque se desconsidera estes dois
aspectos e fixa-se a atenção exclusivamente em sinais indirectos
enganadores. Um sinal indirecto da verdade de uma afirmação
biológica é ter sido feita por uma bióloga, mas isso não garante que
seja realmente uma autoridade epistémica com respeito a essa
afirmação específica; só o será se tiver boas provas dessa
afirmação. O mesmo acontece com outros sinais indirectos usados
como critérios para determinar a cogência dos argumentos de
autoridade (Murcho 2006). O consenso entre biólogos é um sinal
indirecto de que uma afirmação biológica de uma bióloga é
345
verdadeira, mas o que é consensual entre especialistas é amiúde
não apenas errado, como profundamente errado e sem qualquer
apoio em boas provas. Afinal, quase tudo o que os médicos
receitavam aos pacientes até meados do século piorava a
5
situação deles, em vez de melhorá-la , e até ao século grande
parte do que os mais respeitados especialistas em astronomia
afirmavam era falso. Por outro lado, quando Galileu defendeu que a
Terra se movia, a sua afirmação não colhia o consenso entre os
especialistas, mas era ele que tinha razão, porque era ele que tinha
as melhores provas, e não os seus colegas. Outro sinal indirecto é
as autoridades invocadas terem ou não interesses suspeitos na
afirmação em questão. Um médico tem um interesse económico em
aconselhar as pessoas a fazer exames anuais; mas se tiver boas
provas de que isso previne doenças graves, o que é inadequado é
rejeitar o seu conselho, e não aceitá-lo. Daí que quanto à questão
de saber se uma pessoa tem razão ou não, seja irrelevante mostrar
apenas que ela tem interesses económicos em jogo.
Uma vez que os sinais indirectos estão longe de ser fidedignos,
porque o que realmente conta é a autoridade invocada ter boas
provas da afirmação específica em questão, surge a dificuldade
cimeira: como saber se ela tem ou não boas provas? Afinal, se
quem a invoca tivesse acesso a essas provas, não precisaria de
usar um argumento de autoridade; bastaria examiná-las. Esta
dificuldade resolve-se, pelo menos em parte, tendo em atenção três
aspectos.
Em primeiro lugar, para aceitar um argumento de autoridade de
maneira epistemicamente responsável é preciso compreender pelo
menos genericamente as provas da autoridade. Se uma pessoa
ignora completamente como os arqueólogos concluem que os
dinossauros se extinguiram há sessenta e cinco milhões de anos, é
epistemicamente irresponsável caso aceite argumentos de
autoridade sobre esta questão. É por isso que uma publicação
epistemicamente responsável não se limita a noticiar uma
descoberta científica: explica também quais são as provas em que
tal descoberta se apoia (Mammoser 2018 é um exemplo). Quem
invoca uma autoridade mas é incapaz de explicar de que provas ela
dispõe, é epistemicamente irresponsável. Daí as duas perguntas
346
cardinais quanto aos argumentos de autoridade: como sabe a
autoridade o que afirmou, ou seja, que provas tem ela? E como sei
eu que ela sabe, ou seja, como entendo eu essas provas?
Em segundo lugar, é preciso usar os mesmos processos de
procura de erros que são usados também noutros casos;
nomeadamente, o contraste de fontes de prova. Tal como se
contrasta a memória com a percepção visual, e esta com a medição
cuidadosa, é preciso contrastar as provas de diferentes autoridades
para tentar determinar quais são mais fortes. Não se trata de tentar
decidir quem tem razão olhando apenas para sinais secundários —
quais das autoridades têm mais prestígio académico, por exemplo
— mas de comparar o peso relativo das provas por elas invocadas.
E tal como se tenta medir com cuidado, em vez de se olhar apenas
descontraidamente, é preciso estudar com atenção a bibliografia
baseada na investigação especializada; acompanhar apenas as
notícias acerca do aquecimento global não é suficiente para ter uma
posição epistemicamente responsável sobre o assunto.
Por fim, em terceiro lugar, é importante levar a sério a divisão do
trabalho cognitivo especializado e compreender que do mesmo
modo que uma pessoa admite facilmente que não sabe pilotar um
avião a jacto, deve admitir também facilmente que não tem qualquer
opinião epistemicamente responsável sobre vários assuntos que lhe
exigiriam um estudo que não está disposta a fazer. Quem tem
crenças epistemicamente responsáveis sobre temas de ética
aplicada — como o aborto — são os filósofos que estudam esses
temas, e não quem desconhece a bibliografia relevante; estas
pessoas devem suspender o juízo.
347
factos e da bibliografia relevantes é falsa; não há maneira de ter
qualquer opinião abalizada sem o conhecimento factual ou
bibliográfico relevante. As pessoas gostam aparentemente de ter
opiniões sobre o que desconhecem para exibir cultura e inteligência
ou para dar mostras de um compromisso que consideram
prestigiante com causas morais e políticas; na verdade, porém, isso
só mostra que são epistemicamente irresponsáveis. A suspensão da
crença é quase sempre a opção apropriada quando não se conhece
os factos nem a bibliografia relevantes. «Quase sempre» porque há
excepções. Voltando ao caso de Ligeti, ele não sabe realmente se
aquele exame é 90% fidedigno, mas seria uma má ideia rejeitá-lo.
Nestes casos, é preciso usar sinais indirectos acerca da idoneidade
e competência do médico, para nessa base ter deferência
epistémica por ele: aceitar a hipótese de que ele sabe o que diz. O
que é falacioso é usar esses sinais para tomar posição quando não
é preciso tomar posição.
Em suma: caso não seja preciso tomar posição sobre o que não
se sabe, a responsabilidade epistémica exige a suspensão da
crença; nos casos em que é preciso tomar posição, nomeadamente
por razões práticas, é preciso ter deferência epistémica por quem se
tem sinais admitidamente indirectos — mas tão bons quanto
possível — de que sabe o que diz. Note-se, porém, que a deferência
epistémica não é uma questão de tudo ou nada, mas de mais ou
menos; além disso, é preciso não esquecer que a autoridade
epistémica é específica e não é transferível. Por isso, também a
deferência epistémica é específica e não-transferível.
Imagine-se agora que Ligeti discute astrologia com uma
astróloga, apesar de ele quase nada saber sobre o tema. A
astróloga deixa-o sem resposta para os seus argumentos, pela
simples razão de que há uma disparidade epistémica relevante
entre ambos: ela deita mão de várias supostas provas que Ligeti
desconhece. Porém, é epistemicamente irresponsável da parte dele
aceitá-las caso se verifiquem duas condições: 1) Ligeti não tem
boas razões para considerar que a astrologia seja digna de
deferência epistémica; 2) Ligeti tem boas razões para considerar
que a disparidade epistémica entre ambos permite que a astróloga
consiga enganá-lo se quiser. Assim, a quarta condição da cogência
348
do raciocínio é a paridade epistémica quanto ao assunto em
questão. Na sua ausência, e se não houver boas razões para ser
epistemicamente deferente, é irresponsável aceitar as provas do
interlocutor, por mais que se seja incapaz de dizer onde está
exactamente o erro. Este é um limite fundamental dos argumentos
de autoridade.
Eis um caso diferente: um funcionário do banco tenta persuadir
uma pessoa a fazer uma aplicação financeira, e ela não vê qualquer
erro nas suas provas. Porém, sem confiança epistémica naquele
funcionário ou na instituição, e se houver disparidade epistémica
com respeito a aplicações financeiras, a pessoa será incapaz de ver
que foi enganada, e é por isso que é irresponsável da sua parte
aceitar as provas invocadas. Quando há disparidade epistémica,
quem está em vantagem engana facilmente a outra pessoa; de
modo que ou há razões para ser epistemicamente deferente, ou é
irresponsável aceitar as suas provas. Este caso é diferente do
anterior porque é de admitir que os estudos acerca de aplicações
financeiras são dignos de deferência epistémica; a questão aqui não
é essa. A questão é a malevolência epistémica daquela instituição
ou daquele funcionário. A malevolência epistémica é a atitude
predatória de tentar enganar alguém explorando a disparidade
epistémica ou as fraquezas cognitivas do interlocutor. Para
prejudicar seriamente alguém não é preciso que a prática em si seja
epistemicamente irresponsável; basta que o especialista seja
epistemicamente malévolo.
349
8.6 Crenças de fundo
As provas não são ajuizadas no vazio, mas contra um pano de
fundo de outras crenças. Quem acredita que o método de medir
usando réguas é mais fidedigno do que um simples olhar tem boas
razões para rejeitar a sua crença visual directa quando olha para a
Figura 1. Por outro lado, algumas crenças são mais fundamentais
que outras, no sentido de afectarem um maior número de crenças:
qualquer pessoa revê facilmente a sua crença de memória algo
vaga de que pôs as chaves na gaveta; mas exige, e com razão,
provas maximamente fortes de que são falsas todas as memórias
que tem de ter visitado Londres há uma semana. Já se vê que isto
levanta uma dificuldade importante caso um número significativo de
crenças de fundo sejam falsas. Considere-se algumas das crenças
que, nos primeiros anos do século , teria um europeu com
formação escolar:
350
roubados. Viu o corno de um unicórnio, mas não um
unicórnio.
Acredita que um corpo vítima de homicídio sangra na
presença do homicida. Acredita que há um unguento que
cura feridas se for esfregado no punhal que as causou.
Acredita que a forma, cor e textura de uma planta pode ser
uma pista do seu uso medicinal porque Deus fez a natureza
de modo a ser interpretada pela humanidade. Acredita que é
possível transformar o metal vil em ouro, ainda que duvide
que alguém saiba como isso se faz. Acredita que a natureza
tem horror ao vácuo. Acredita que o arco-íris é um sinal de
Deus e que os cometas anunciam o mal. Acredita que os
sonhos prevêem o futuro, se soubermos interpretá-los.
Acredita, é claro, que a Terra está imóvel e que o Sol e as
estrelas andam à sua volta a cada vinte e quatro horas —
ouviu mencionar Copérnico, mas não imagina que ele
pretendesse que o seu modelo heliocêntrico do cosmos fosse
de encarar literalmente. Acredita na astrologia, mas como
não sabe o momento exacto do seu nascimento, pensa que
mesmo o melhor dos astrólogos não seria capaz de lhe dizer
grande coisa que ele seja incapaz de encontrar nos livros.
(Wootton 2015a: 28–30)
351
talvez ela tenha uma doença, ou talvez tenha ingerido sem saber
uma droga alucinogénica. Caso aquela memória seja falsa, isso põe
em dúvida grande parte das outras memórias. Contudo, acreditar
que há lobisomens ou que as vítimas de homicídio sangram na
presença do homicida não são crenças fundamentais; se forem
falsas, não põem em dúvida grande parte das outras crenças sobre
a fauna e a criminalidade. Uma crença socialmente difundida não é,
só por isso, fundamental; é apenas comum. E em muitos casos é
apenas uma falsidade em que se acredita porque os outros
acreditam, formando um círculo probatório epistemicamente vicioso.
A segunda resposta emerge precisamente da consciência de
que existem esses círculos: alguém afirma algo, e quando se
pergunta porquê, é-se reenviado para uma suposta autoridade, que
por sua vez reenvia para outra, e esta para outra, sem que nenhuma
tenha afinal provas sequer remotamente apropriadas de tal
afirmação. Perante isto, a resposta apropriada encontra-se no mote
latino da Royal Society de Londres, fundada em 1660: «nullius in
verba», ou seja, «nada pela palavra». A ideia é que seja qual for a
crença que alguém tem, e por mais autoridade que detenha, ou se
consegue encontrar provas mais fortes que as contraprovas, ou não
é de aceitar. A simples palavra de várias pessoas, mesmo que
sejam autoridades prestigiadas, não tem qualquer força probatória;
ou essas pessoas têm provas apropriadas mais fortes que as
contraprovas, ou não passa de disse-que-disse.
Por fim, a terceira resposta volta a sublinhar a importância da
força relativa e da especificidade de provas e contraprovas. As
crenças de fundo não são imunes à revisão; apenas se exige provas
mais fortes. Quem se lembra de ter deixado as chaves na gaveta
não exige provas muito fortes de que tem uma memória falsa,
porque esta não é uma crença de fundo; mas mesmo quem se
lembra de ter visitado Londres há uma semana deixa em aberto a
hipótese de rever essa crença, se for epistemicamente responsável.
É irresponsável rejeitar revê-la caso as provas específicas de que
esteve, ao invés, em Macau sejam mais fortes que as provas de que
esteve na primeira cidade. Caso a pessoa se depare com amplas
provas documentais, incluindo vídeos, de que esteve em Macau e
não em Londres, é muitíssimo provável que a sua crença de
352
memória seja falsa, apesar de ser uma crença de fundo, e é
epistemicamente irresponsável da sua parte recusar-se a revê-la.
Em suma, estas são as perguntas a fazer: é realmente uma
crença de fundo, ou apenas uma crença comum? É apenas disse-
que-disse? Há provas específicas mais fortes que as provas a favor
da crença de fundo?
353
8.7 Crenças estatísticas
Não era só nos primeiros anos do século que as pessoas
tinham crenças factuais tão grotescamente falsas; o mesmo
acontece hoje em dia. Nos últimos vinte anos, a proporção da
população mundial que vive na pobreza extrema quase duplicou,
manteve-se mais ou menos na mesma, ou diminuiu quase para
metade? Esta é uma pergunta factual simples e cuja resposta
correcta qualquer pessoa letrada descobre em estatísticas
fidedignas facilmente acessíveis. Porém, «em média, só 7% das
pessoas — menos de uma em dez — acerta na resposta» (Rosling
2018: 6). Ou seja, como Rosling (2018: 9) faz notar, caso se fizesse
a mesma pergunta a chimpanzés, a média de respostas correctas
seria superior, pois responder aleatoriamente garante que 33% dos
inquiridos acerta na resposta correcta. Não se trata apenas de não
ter conhecimento de um facto importante acerca do mundo; trata-se
de ter crenças grotescamente falsas, e que são tomadas como
conhecimento. Não é muito diferente do que acontecia nos primeiros
anos do século , quando se acreditava em bruxas, lobisomens
ou na geração espontânea de ratos. E tal como presumivelmente
acontecia nesse tempo, algumas das crenças falsas são mais
comuns entre quem é mais informado do que entre quem o é
menos:
354
Quem não tem qualquer informação sobre a pobreza absoluta no
mundo, facilmente admite que não sabe e suspende a crença. Em
contraste, quem tem informações erradas está numa situação pior,
porque acredita falsamente que sabe, como nos primeiros anos do
século uma pessoa instruída acreditava falsamente que sabia
da geração espontânea de ratos. E há actualmente muitas outras
crenças falsas deste género: por um lado, é fácil verificar que são
falsas mas, por outro, são tão comuns que fazem parte da
mundividência contemporânea das pessoas supostamente
informadas.
O erro não é muito difícil de explicar, e depende principalmente
de três factores. O primeiro diz respeito à estrutura cognitiva
humana. Aquilo a que uma pessoa é mais exposta diariamente
ganha para ela uma relevância estatística ilusória. Quem vive
rodeado de pessoas corruptas ganha uma imagem pouco generosa
da humanidade, mas a sua experiência não tem qualquer relevância
estatística — talvez tenha o azar de contactar diariamente com
pessoas atípicas. O raciocínio estatístico que os seres humanos
partilham com muitos animais está longe de ser fidedigno; é apenas
o suficiente para que consigam deixar descendentes.
Além disso, e este é o segundo factor, mesmo que no seu
ambiente original o raciocínio estatístico humano fosse muitíssimo
fidedigno, o contexto agora é outro: os seres humanos
supostamente informados contactam diariamente com notícias que
são divulgadas não pela sua relevância estatística, mas apenas
porque chamam a atenção. O ataque de 11 de Setembro de 2001
ocorreu nos EUA, e os jornalistas não mentem quando o noticiam;
mas promovem uma crença falsa acerca da sua relevância
estatística. No que respeita à probabilidade de morte violenta nos
EUA, o terrorismo é irrelevante quando se compara com a
probabilidade de morrer de acidente de automóvel:
355
Olhar pela janela e ver que está nevoeiro é uma boa prova; mas
nem todas as crenças empíricas se provam adequadamente por
meio da observação casual (anecdoctal evidence). Ler ou ouvir
algumas notícias não é relevante para saber seja o que for de
estatisticamente relevante sobre a pobreza ou o terrorismo. A
observação ou experiência assistemática, casual e quotidiana só é
suficiente para provar crenças muitíssimo específicas: onde fica o
banco, se está frio, se o trânsito está lento. Não se consegue saber
dessa maneira se nos últimos anos a criminalidade está pior, se há
mais pessoas pobres ou se é mais difícil encontrar emprego; estas
coisas só se sabem por meio de estudos científicos. Daí que as
notícias sejam quase sempre enganadoras: limitam-se a difundir
crenças formadas por observação casual, sem atender à sua
relevância estatística.
Finalmente, o terceiro factor resulta de se usar algumas crenças
como marcos orientadores da vida de uma pessoa. Nestes casos,
serão falaciosamente encaradas como se fossem fundamentais e
insusceptíveis de revisão, por mais que se apresente boas provas
que as refutem cabalmente. Uma pessoa que nos primeiros anos do
século decide dedicar a sua vida à erradicação dessa terrível
ameaça que são os lobisomens terá dificuldade em reconhecer que
não há provas remotamente boas de que existe tal coisa; quem faz
carreira anunciando que tudo vai de mal a pior, não aceita pura e
simplesmente que a pobreza extrema diminuiu para quase metade
nos últimos vinte anos.
Mesmo perante boas estatísticas, é comum cometer erros
elementares de interpretação. Imagine-se que na escola secundária
as raparigas têm em média melhores resultados em matemática do
que os rapazes; concluir apenas nesta base que as primeiras são
melhores em matemática do que os segundos é falacioso porque
esta conclusão é demasiado vaga. Elas são melhores em que
sentido, exactamente? Já se sabe que em média têm melhores
resultados do que os rapazes, mas isso é só repetir o dado
estatístico inicial, que na verdade é compatível com as seguintes
situações:
356
Os 10% de rapazes mais talentosos em matemática são
mais talentosos que os 10% mais talentosos de raparigas.
Os 10% de rapazes menos talentosos em matemática são
menos talentosos que os 10% de raparigas menos
talentosas.
357
8.8 Crenças causais
As crenças causais são como as estatísticas no seguinte aspecto: a
mera observação casual não tem relevância probatória. Ver um
acontecimento depois de outro não prova sequer remotamente que
um causou o outro — mesmo que se veja isso repetidamente. Nem
a mera sucessão de acontecimentos nem a mera correlação provam
apropriadamente que há causalidade entre eles. Entre 2000 e 2009,
a correlação entre o índice de divórcios no estado norte-americano
do Maine e o consumo de margarina per capita naquele país foi de
0,992558. 7 Consegue-se imaginar várias causas para esta
correlação, mas isso é irrelevante; seria preciso provar que há uma
relação causal, e não apenas imaginá-la. E não se prova uma
relação causal mostrando apenas que a correlação é perfeita e que
não há contra-exemplos; é preciso dispor de uma boa explicação
causal que não seja meramente imaginária: como causa
exactamente uma coisa a outra? Sem essa explicação, não passa
de uma correlação; uma coincidência aleatória. O mundo está cheio
de coincidências dessas.
Sempre que se encontra uma correlação entre dois
acontecimentos há três hipóteses: talvez um deles cause o outro;
talvez sejam ambos efeitos simultâneos de outro acontecimento, ou
de outros; ou talvez não exista qualquer relação causal relevante. É
um erro concluir uma das hipóteses sem provas que excluam as
outras.
Não há maneira de descobrir conexões causais sem provas
científicas: observações rigorosas e experiências controladas. Claro
que há expectativas causais, tal como há expectativas indutivas,
mas não provam sequer remotamente que há relações causais. O
mundo é surpreendente, e estudá-lo de maneira epistemicamente
responsável obriga a deixar-se surpreender: as expectativas causais
são as mais das vezes contrariadas quando se observa
rigorosamente e se faz experiências científicas controladas.
Imagine-se alguém perguntar na televisão a uma comentadora se
ela acha que a gravidade de Júpiter é o factor causal principal
responsável pelas tempestades que ocorrem naquele planeta; como
358
é evidente, a menos que seja uma cientista que estuda este tema
específico, ela não sabe nem tem quaisquer provas remotamente
relevantes sobre tal coisa. Porém, a situação é exactamente a
mesma quando se pergunta a uma comentadora se ela acha que
permitir a eutanásia irá aumentar o número de pacientes que serão
mortos contra a sua vontade: sem provas científicas relevantes, não
há maneira de saber tal coisa. As relações causais não se
descobrem sem provas científicas. A legalização das drogas fará
mais pessoas consumi-las, ou menos? A eliminação de exames
nacionais bem feitos e exigentes terá como consequência
estudantes melhores, ou piores? Não há maneira de saber as
respostas a estas perguntas sem estudos científicos. A mera
expectativa causal é irrelevante, e não há qualquer discussão
epistemicamente responsável entre quem não tem provas científicas
apropriadas. Claro que é razoável levantar hipóteses causais ainda
antes de se ter provas — afinal, sem as primeiras não se descobrirá
as últimas. Porém, se essas hipóteses não forem formuladas por
quem conhece a área em questão, e se não servirem de base para
procurar seriamente provas causais, mais não fazem senão revelar
descaso epistémico. Na ausência de provas apropriadas, a
suspensão da crença é a atitude epistemicamente responsável;
confiar nas expectativas causais é como confiar no simples olhar de
relance sem instrumentos de medida perante a Figura 1.
359
8.9 Racionalização
A computação necessária para a locomoção bípede ou para
reconhecer as emoções expressas num rosto humano é gigantesca.
Contudo, os seres humanos fazem essas coisas muitíssimo bem,
sem qualquer esforço e sem saber como o fazem; saber fazer não
implica saber como se faz. Quanto à multiplicação de 235 por 95,
por outro lado, as coisas são exactamente ao contrário: os seres
humanos escolarizados sabem perfeitamente como a fazem, passo
a passo, mas só com esforço e ajuda extra-somática — papel e
lápis — o conseguem. Estão aqui dois sistemas cognitivos em jogo,
a que Keith Stanovich e Richard West chamaram Sistema 1 e
Sistema 2 (Kahneman 2008: 20), designação que se tornou comum.
O primeiro é responsável por respostas rápidas e intuitivas, mas
opacas; o segundo pelo raciocínio explícito, passo a passo. Eis uma
síntese das diferenças entre os dois sistemas (adaptada de Evans
2007: 14–15):
360
Esta arquitectura dá origem a duas ilusões fundamentais.
Primeiro, que todo e qualquer padrão, congruência ou «coerência» é
relevante. Segundo, que há como que uma voz interior, uma intuição
ou ligação mística que permite aceder a domínios especiais da
verdade, mais profundos do que a redutora e pedestre maneira
científica e lógica de raciocinar.
Quando não se sabe lógica, e por isso não se faz a mínima ideia
se um raciocínio é válido ou não — até porque não se sabe o que é
a validade —, recorre-se à «coerência»: um vago padrão
harmonioso. Acontece que isto é irrelevante para a validade; um
sem-fim de raciocínios «coerentes» são inválidos, e outros não são
«coerentes» mas são válidos. Estes casos, como o da Figura 1,
ilustram bem a ilusão dos padrões. O género de padrões que se
encontra com o Sistema 1 é pura e simplesmente irrelevante no
raciocínio dedutivo; só que também o é para descobrir relações
causais, estabelecer o que é estatisticamente relevante ou fazer
boas previsões e generalizações indutivas. Além disso, em qualquer
361
grupo vasto de fenómenos há muitíssimos mais padrões irrelevantes
do que relevantes; deixar-se guiar pelo Sistema 1 implica ficar sem
saber se o padrão é ou não uma mera coincidência enganadora.
Perante um problema de aritmética, não há a pretensão de
encontrar uma boa resposta com base em padrões e intuições
vagas; ou se faz a conta, ou se suspende honestamente a crença.
Contudo, perante outros assuntos — alguns muitíssimo mais
complexos — forma-se opiniões irresponsavelmente com base
apenas nos padrões que se encontra devido ao Sistema 1. Quando
depois disso se usa o Sistema 2 para dar uma aparência de
ponderação ao que foi na verdade apenas uma reacção instintiva,
surge o fenómeno omnipresente da racionalização. Racionalizar é
recorrer a quaisquer provas que venham à mente, por mais fracas
que sejam em comparação com as contraprovas, para dar uma
aparência de responsabilidade epistémica a uma crença que na
verdade nunca se esteve disposto a rever. Alguns dicionários de
língua portuguesa 8 não registam este sentido pejorativo de
«racionalização», mas apenas o positivo: racionaliza-se os gastos
de uma instituição procurando usar os recursos da melhor maneira
que se conseguir. Não é este sentido positivo que está aqui em
questão. E não se trata também de apresentar pretextos, que é algo
próximo da racionalização, mas diferente. Quando alguém
apresenta um pretexto visa ocultar a verdadeira razão que a levou a
fazer algo e invoca uma razão que ela mesma sabe, ainda que
vagamente, que é uma fantasia.
O que caracteriza a racionalização não é o desajuste entre as
provas invocadas e o que realmente está na origem (causal ou
outra) da crença 9, porque uma pessoa que tem a forte crença algo
impensada de que a tortura de inocentes é imoral não racionaliza
quando estuda, depois disso, as provas e contraprovas e acaba por
ficar com a mesmíssima crença que já tinha. Porém, racionaliza
caso procure as provas e contraprovas tendenciosamente, dando
força excessiva a umas e descontando ou ignorando
inadequadamente outras porque não está realmente disposta a
mudar de ideias: não se orienta pela tentativa de descobrir a
verdade, mas pela sustentação a todo o custo da sua crença prévia.
Procurar provas depois de já se ter uma crença, e até uma crença
362
forte, é muitíssimo frequente, porque muitas crenças são adquiridas
a partir das práticas e crenças comuns no meio em que a pessoa se
encontra; além disso, as expectativas indutivas, causais e
estatísticas são por vezes bons pontos de partida para raciocinar
indutivamente. Mas só há racionalização caso a pessoa seja
tendenciosa na procura posterior de provas e contraprovas.
O recurso comum da racionalização é a supressão de provas.
Suprimir provas é ocultar ou não ter em conta provas desfavoráveis
ao que se pretende, ao mesmo tempo que se invoca e destaca
todas as provas favoráveis. Recordando que na melhor das
hipóteses só no caso dedutivo há provas únicas de uma dada
crença, a multiplicidade de provas indutivas obriga a sopesar cada
uma delas para ver para que lado cai a balança. Porém, é mais fácil
usar o Sistema 1 para ver rapidamente um padrão favorável ao que
se pretende, ou desfavorável ao que se contesta; o trabalho
seguinte consiste em usar o Sistema 2 para desenvolver as provas
que já foram previamente seleccionadas, ignorando o resto. Assim,
insiste-se que o transplante de órgãos não deve ser legalizado
porque, se o for, os médicos irão matar os pacientes para retirar
órgãos e ficar famosos fazendo transplantes. Não há quaisquer
provas que sustentem esta assustadora previsão, nem a
consideração de provas que a refutem; tudo o que conta é usar um
chavão para sustentar o que é apenas um preconceito. A crença de
uma pessoa é um preconceito quando ela a aceita com imensa
força ao mesmo tempo que dispõe de provas evidentemente muito
fracas, não se dispondo, além disso, a procurar e pesar
imparcialmente as contraprovas. Praticamente qualquer coisa que
os seres humanos decidem fazer envolve riscos; andar de
automóvel é um risco muitíssimo elevado devido aos acidentes. O
simples facto de algo ser um risco é quase irrelevante; o que conta é
pesar os prós e os contras, e caso se tenha razões poderosas a
favor de se fazer algo que é arriscado, o passo seguinte é estudar
como se consegue diminuir ao máximo o risco. Não se deixa de
fazer uma ponte só porque há o risco de um dia cair ou de morrerem
trabalhadores durante a construção, nem se deixa de fazer
transplantes de órgãos só porque há o risco de os médicos matarem
pessoas acidentadas para lhes retirar os órgãos. 10 Claro que não se
363
racionaliza apenas porque se tem preconceitos; por vezes,
racionaliza-se para se parecer uma pessoa reflectida, outras para
assinalar a pertença a um dado grupo. Outras vezes, ainda,
racionaliza-se só porque se tem medo de levar a sério uma hipótese
assustadora.
Por último, note-se que nem tudo o que envolve o apelo
tendencioso a provas parciais é inequivocamente uma
racionalização. Na malevolência epistémica faz-se o mesmo apelo
tendencioso, mas não se acredita verdadeiramente no que se
defende; pretende-se apenas persuadir alguém a todo o custo
porque se quer ganhar eleições, dinheiro, prestígio ou qualquer
outra coisa. As fronteiras entre a malevolência epistémica e a
racionalização são porosas.
364
8.10 Exercícios
365
366
APÊNDICE
367
LÓGICA ARISTOTÉLICA
368
quase todos os desenvolvimentos lógicos contemporâneos: foram
eles que explicitaram o raciocínio verofuncional, que é a base de
grande parte da dedução formal — estando até presente, ainda que
inexplicitamente, na lógica quantificada. A ironia é que foi a lógica
de Aristóteles que mais influência exerceu no pensamento europeu
ao longo da Idade Média e até finais do século — apesar de ser
a outra que guardava a chave dos desenvolvimentos posteriores.
369
A.1 Formas lógicas
Aristóteles considera apenas oito formas lógicas:
370
«Sócrates é grego» é universal ou considerar que aquela frase quer
dizer «Todas as coisas chamadas “Sócrates” são gregas» (o que é
muitíssimo pior porque confunde o uso com a menção de palavras).
Uma deficiência capital da lógica de Aristóteles é encarar a frase
«Todo o grego é europeu» como se resultasse de se acrescentar um
quantificador a uma frase que tem a mesma estrutura lógica de
«Sócrates é europeu», o que é falso. Nesta última frase atribui-se
um predicado a «Sócrates», que é um sujeito genuíno; mas na
primeira, «grego» não é realmente o sujeito da frase. Este é o x
oculto que se vê na lógica clássica: ∀x (Fx → Gx). Dizer que todo o
grego é europeu não é atribuir o predicado «europeu» ao sujeito
«grego», mas antes atribuir os predicados «ser grego» e «ser
europeu» a particulares: todo o particular que tem o primeiro
predicado tem também o segundo. Para desenvolver a lógica de
Aristóteles diz-se então que «grego», naquela frase, é o termo
sujeito; mas é da máxima importância não confundir termos sujeitos
com sujeitos, pois os primeiros são na verdade predicados que
estão num lugar sintáctico que noutras frases, ilusoriamente vistas
como análogas, é ocupado por sujeitos genuínos.
Estas considerações explicam por que razão na lógica de
Aristóteles o termo sujeito é permutável com o predicado, coisa que
de facto não ocorre com sujeitos genuínos. Permutar o sujeito com o
predicado na frase «Sócrates é grego» resulta na frase «Grego é
Sócrates», que só tem sentido caso seja encarada como uma
variação poética da primeira; literalmente entendida, a frase quer
dizer que o sujeito grego tem o predicado Sócrates, o que é
destituído de sentido. Em contraste, a permutação é perfeitamente
razoável na frase «Todo o grego é europeu» (ainda que a frase
resultante seja falsa — mas uma frase só é falsa se tiver sentido).
Acresce que quando se considera que a frase «Todo o grego é
europeu» tem a forma «Todo o S é P», introduz-se mais um aspecto
enganador. Superficialmente, parece que as frases daquela forma
têm quatro elementos: quantificador, termo sujeito, termo predicado
e uma misteriosa «cola» que conecta ambos, a cópula. Uma vez
mais, isto decorre da analogia com frases como «Sócrates é
europeu», e esconde duas confusões. Em primeiro lugar, como se
viu, o «é» daquela frase quantificada é muitíssimo diferente do «é»
371
desta última, pois neste caso o verbo «ser» é usado
predicativamente, mas não no caso de frases universalmente
quantificadas. Não se trata de dizer que o sujeito «grego» tem o
predicado «europeu», mas que os sujeitos que têm o predicado «ser
grego» também têm o predicado «ser europeu». Em segundo lugar,
imaginar que há uma «cola» que liga sujeitos a predicados, mesmo
em frases como «Sócrates é europeu», é enganador por duas
razões. A primeira é que faz pensar erradamente que todas as
frases com sentido têm a estrutura «S é P»; isto é obviamente falso,
dado que «Sócrates é Sócrates» não tem aquela estrutura, para não
falar de «Sócrates é mais sábio do que Protágoras» ou de «Está
nevoeiro». A segunda é que se acaso fosse realmente preciso uma
cópula para conectar sujeitos a predicados, isso daria início a uma
regressão infinita. Pois imagine-se que na frase «Sócrates é
europeu» é preciso uma cópula; nesse caso, será preciso outra
cópula para conectar o sujeito à cópula, e uma terceira para
conectar o sujeito à segunda cópula — e isto nunca mais acaba. A
solução é eliminar esta conversa da cópula e afirmar que se atribui
directamente ao sujeito «Sócrates», sem precisar de intermediário, o
predicado «ser europeu». Em qualquer caso, é evidente que a
cópula não é um elemento imprescindível numa frase com sentido
devido a casos como «Está nevoeiro».
A lógica de Aristóteles tem aspectos combinatórios, mas noutros
aspectos cruciais não é combinatória. Nomeadamente, não o é
quanto à formação de novas formas lógicas, além das quatro
iniciais. Na lógica verofuncional, forma-se a partir de apenas cinco
operadores um número infinito de formas lógicas, por mera
combinatória sintáctica; mas na lógica de Aristóteles nunca se sai
das quatro formas iniciais. Isto é uma limitação séria, pois não
permite o imenso alcance da lógica clássica. Um dos aspectos em
que a lógica de Aristóteles é combinatória resulta do entendimento
das componentes das suas quatro formas lógicas: quantificação
(universal e particular), afirmação e negação. Combinando estes
elementos, e tendo sempre em mente apenas a mesma estrutura,
obtém-se as quatro formas originais:
372
373
A.2 Teoria da conversão
A lógica de Aristóteles tem duas partes: a teoria da conversão e a
teoria do silogismo. A primeira é usada para provar resultados na
segunda. Algumas inferências são encaradas como axiomáticas:
são insusceptíveis de prova e são usadas para provar as outras,
exactamente como se faz na lógica clássica, em que se usa o
modus ponens para provar a validade de outros raciocínios.
Na teoria da conversão emerge outro aspecto em que o
pensamento de Aristóteles foi sistemático e combinatório. Caso se
considere apenas as formas A, E, I, O, os raciocínios que resultam
de se mudar o termo sujeito para o termo predicado e vice-versa
são apenas os seguintes:
374
Todos os selenitas são lunáticos.
Logo, alguns lunáticos são selenitas.
375
da lógica de Aristóteles uma ilha, isolada da lógica verofuncional, e
por isso insusceptível de ser integrada naquela. Até que ponto isto
terá contribuído para atrasar o desenvolvimento de uma lógica
quantificada devidamente integrada na verofuncional é uma
hipótese histórica que merece ser estudada. Em qualquer caso, é
realmente intuitivo considerar que «Todo o selenita é lunático» é
falsa porque parece limitar-se a atribuir um predicado a um sujeito
inexistente; o preço a pagar, porém, parece demasiado alto.
Este caso encerra uma lição importante: no desenvolvimento de
teorias, é preciso comparar prós e contras, porque nenhuma é tão
angélica que só tenha pontos a seu favor. Falando apenas dos
casos com termos vazios, Aristóteles tem um entendimento intuitivo
das frases da forma A (parecem falsas, e ele considera-as falsas),
mas contra-intuitivo no caso das da forma O (não parecem
verdadeiras, mas ele considera-as verdadeiras); a imagem simétrica
disto é o entendimento moderno que é perfeitamente intuitivo no
caso O (parecem falsas e são falsas), mas contra-intuitivo no caso A
(são entendidas como verdadeiras, mas parecem falsas). De modo
que não é isto que desempata o debate, mas a consequência de ir
na direcção de Aristóteles: não se consegue integrar a lógica
verofuncional na quantificada.
376
A.3 Quadrado de oposição
Além de se perguntar que inferências simples se obtinha por
conversão, Aristóteles perguntou-se também que relações lógicas
existiam entre aquelas quatro formas. E apesar de não se dispor
hoje de um texto em que todas as relações estejam claramente
formuladas, na passagem seguinte Aristóteles apresenta o
suficiente para se inferir o resto:
377
não se rejeite as classes vazias, «Todo o selenita é lunático» e
«Nenhum selenita é lunático» são ambas verdadeiras.
Daquela passagem de Aristóteles infere-se o restante quadrado
de oposição (Parsons 2017), sempre tendo em atenção a sua
leitura, ou a exclusão de classes vazias:
378
A.4 Formas silogísticas
A lógica silogística tem por objecto a validade de raciocínios como o
seguinte:
Todo o M é P.
Todo o S é M.
Logo, todo o S é P.
379
Mantém-se a estrutura «S é P», como se vê, mas usa-se agora a
letra M para aquele único termo que se repete nas premissas e que
não ocorre na conclusão, e a que Aristóteles chama
imaginativamente «termo médio». Mantendo a conclusão intacta e
mudando nas premissas apenas a ordem dos termos, já se vê que
se obtém mais três formas:
Todo o P é M.
Todo o S é M.
Logo, todo o S é P.
Todo o M é P.
Todo o M é S.
Logo, todo o S é P.
Todo o P é M.
Todo o M é S.
Logo, todo o S é P.
380
modos há é óbvia: uma vez que na lógica de Aristóteles só se usa
frases de uma de quatro formas, e uma vez que os silogismos só
têm três frases, a combinatória completa de modos é 4 3 = 64.
Considerando as quatro figuras, obtém-se 64 × 4 = 256 silogismos.
Esta é a combinatória completa: a totalidade de silogismos com
formas lógicas diferentes. (Note-se que, em contraste, na lógica
verofuncional obtém-se um número infinito de raciocínios dedutivos
com formas lógicas diferentes, partindo apenas de cinco
operadores.) O trabalho seguinte é determinar quais são válidos e
quais são inválidos.
381
A.5 Provar validades
Aristóteles usava, como hoje, dois tipos de prova: directa e por
reductio. Em ambos os casos, é preciso partir de alguns silogismos
dados como obviamente válidos (Aristóteles chamava-lhes
«perfeitos» ou «completos») e, em conjunção com a teoria da
conversão, prova-se então que outro silogismo é também válido.
Entre os silogismos «perfeitos» estão os das seguintes formas
lógicas, cujos nomes foram dados pelos medievais:
Bárbara
Todo o M é P.
Todo o S é M.
Logo, todo o S é P.
Celarent
Nenhum M é P.
Todo o S é M.
Logo, nenhum S é P.
Todo P é M.
Nenhum S é M.
Logo, nenhum S é P.
382
todo o P; S irá então pertencer a nenhum P; pois formou-se
de novo a primeira figura. Mas dado que a negativa se
converte, P irá pertencer a nenhum S. (Analíticos Anteriores,
I.5: 27a)
Todo o M é P.
Todo o S é M.
Logo, algum S é P.
383
A.6 Análise dos resultados
Depois de estabelecida a lista completa de todas as formas
silogísticas válidas, Aristóteles pergunta-se: o que têm em comum
as formas válidas, que as distingue das inválidas? É desta análise
que resulta o que depois foi usado como regras para determinar a
validade dos silogismos. Isto é duplamente irónico. Em primeiro
lugar porque são resultados metalógicos de Aristóteles, ou seja,
emergem da análise da sua teoria lógica; não são constitutivos
desta. O que é constitutivo da sua teoria lógica é a maneira como
ele provava os seus resultados, seja directamente seja por reductio.
Em segundo lugar, a ironia é que as tradicionalmente denominadas
«regras» não são regras em qualquer sentido lógico do termo
porque não são regras de inferência, por um lado, e porque não se
aplicam ao raciocínio dedutivo em geral. Em suma: a lógica de
Aristóteles tal como é tradicionalmente ensinada é uma mentira
pedagógica, no sentido em que se consegue o feito impressionante
de não se saber lógica alguma apesar de se saber dizer
correctamente se um silogismo é válido ou não.
Eis então os resultados da análise das formas silogísticas
válidas:
384
chegar validamente à conclusão — até porque isso já foi feito.
Considere-se de novo a forma Camestres:
Todo P é M.
Nenhum S é M.
Logo, nenhum S é P.
385
Alguns répteis são animais agressivos.
Nem todo o réptil tem asas.
Logo, nem tudo tem asas, mas há animais agressivos.
386
387
EXERCÍCIOS RESOLVIDOS
388
E.1 Lógica
389
E.2 Verofuncionalidade
390
das disjuntas seja verdadeira. 6) A frase é verdadeira
porque não há vida na Lua, e para que uma disjunção
seja verdadeira é suficiente que uma disjunta o seja. 7) A
frase é verdadeira porque tanto a antecedente como a
consequente são verdadeiras, e uma condicional só é
falsa quando a primeira é verdadeira mas a segunda
falsa. 8) A frase é verdadeira porque a antecedente é
falsa, e qualquer condicional com antecedente falsa é
vacuamente verdadeira. 9) A frase é verdadeira pela
mesma razão: porque a antecedente é falsa. 10) A frase é
verdadeira porque as bicondicionais são verdadeiras
quando as duas frases constituintes são verdadeiras. 11)
A frase é verdadeira porque as duas frases constituintes
são falsas. 12) A frase é verdadeira porque as duas frases
constituintes são falsas.
3. 1) A frase é verdadeira porque a antecedente é falsa (as
condicionais só são falsas quando a antecedente é
verdadeira e a consequente falsa). 2) A frase é verdadeira
pela mesma razão da anterior: porque a antecedente é
falsa. 3) A frase é falsa porque a antecedente é
verdadeira e a consequente falsa. 4) A frase é falsa
porque uma das frases é verdadeira e a outra falsa; ora,
uma bicondicional só é verdadeira quando as duas frases
constituintes têm o mesmo valor de verdade. 5) A frase é
falsa pela mesma razão: porque as duas frases têm
valores de verdade diferentes. 6) A frase é verdadeira
porque ambas as suas constituintes são verdadeiras.
4. A conjunção, disjunção e bicondicional são operadores
comutativos; a condicional não é. Isto porque nas tabelas
de verdade se vê que os três primeiros operadores têm as
mesmas condições de verdade nas condições VF e FV, o
que não acontece no caso da condicional.
5. O operador «possivelmente» não é verofuncional porque
o simples valor de verdade de uma frase sem o operador
é insuficiente para determinar o valor de verdade da frase
com esse operador. Por exemplo, a frase falsa «A Terra
tem duas luas» dá lugar a uma frase verdadeira quando
391
lhe acrescentamos o operador de possibilidade, pois é
possível que a Terra tivesse duas luas em vez de uma
apenas; em contraste, a frase também falsa «O número 3
é par» não dá lugar a uma frase verdadeira quando lhe
acrescentamos o operador de possibilidade, pois não é
possível que o número 3 seja par.
6. O raciocínio não é verofuncional porque a sua validade se
estabelece recorrendo não apenas aos operadores
verofuncionais, mas também aos conceitos de ser casada
e de ser solteira.
7. 1) Ou há chocolates ou a vida não tem sentido. 2) Se a
Joana não está na biblioteca, foi para casa. 3) O
conhecimento e a realidade são estudados pela filosofia.
4) Eça foi diplomata e romancista. 5) Na Antiguidade
grega cultivava-se a virtude e a guerra. 6) Os medievais
cultivavam a filosofia e a religião. 7) Eça era diplomata e
romancista. 8) Se não há conhecimento, os cépticos têm
conhecimento de que não há conhecimento. 9) Se há
pensamento, há matéria. 10) Se Hans Rosling tiver razão,
a vida humana é hoje muito melhor do que há duzentos
anos. 11) Se a filosofia for possível, aceitamos o uso
sistemático da racionalidade comum. 12) Se os cépticos
tiverem razão, o mundo exterior é uma ilusão. 13) Se a
arte for apenas imitação, a música pura não é arte. 14) Se
alguém pensa, o génio maligno não pode enganá-lo
quanto à sua existência. 15) Se há sentido na vida, há
entrega activa a projectos de valor. 16) Se uma vida
humana for frívola, é absurda.
8. 1, 4, 7: Negação. 2, 6: Conjunção. 3, 5: Bicondicional.
9. 1) ¬p ⇄ q. 2) ¬(¬p ⇄ q). 3) ¬p ⋀ ¬q. 4) ¬(p ⋁ q). 5) ¬p ⋁ q;
ou: ¬p ⋁ ¬q. Não é possível saber, sem outro contexto,
qual delas é mais apropriada.
10. A disjunção e a bicondicional são associativas. A
condicional não é associativa.
11. 1, 2, 4, 7–9, 11–13: Válidos. Os restantes são inválidos.
12. 1) p ⋁ q, ¬p ∴ q. Válido. 2) p ∴ q. Inválido. Será válido
caso se considere que oculta a premissa «Se há
392
chocolates, a felicidade eterna é possível». 3) p → ¬q ∴
¬q. Inválido. Será válido caso se considere que oculta a
premissa «Os filósofos têm razão». 4) p, ¬p ∴ q. Válido. 5)
p ⇄ q, ¬q ∴ ¬p. Válido. 6) p → q, ¬q ⋁ r ∴ p → r. Válido. 7)
p → ¬q, q ⋀ ¬r ∴ ¬p. Válido. 8) p → q, ¬r → ¬q ∴ ¬r → ¬p.
Válido. 9) ¬p → ¬¬p, ¬p ∴ p. Válido.
13. 1) A → B, ¬B ∴ ¬A 2) A → B, ¬B ∴ ¬A 3) A → B, A ∴ C ⋁
B.
14. 1) A tabela seguinte prova que a negação de A → B é A ⋀
¬B porque têm valores de verdade opostos em qualquer
condição:
393
17. A tabela seguinte prova que quaisquer frases
verofuncionais das formas p ⋀ q e ¬p ⋀ ¬q são
inconsistentes, porque se uma delas for verdadeira, a outra é
falsa, mas não são contraditórias, porque em algumas
condições são ambas falsas:
394
E.3 Derivações
395
não soubermos lógica, nada de relevante teremos para
discutir nos textos dos filósofos. 5) Se a arte for expressão
de emoções, o urinol de Duchamp não é arte. Ora, a arte
é expressão de emoções. Logo, o urinol não é arte. 6) Se
Deus não existe, a vida moral não é possível. Mas Deus
existe. Logo, a vida moral é possível. 7) Ou os naturalistas
têm razão quanto ao dualismo, ou pensadores religiosos.
Mas os naturalistas não têm razão. Logo, os pensadores
religiosos têm razão.
5.
1)
1. p → (q ⋁ r) Prem.
2. p⋀r Prem.
3. p 2, E⋀ 2
4. q⋁r 1, 3, MP 1, 2
2)
1. p⋀q Prem.
2. r⋀s Prem.
3. p 1, E⋀ 1
4. r 2, E⋀ 2
5. p⋀r 3, 4, I⋀ 1, 2
3)
1. p→q Prem.
2. q→r Prem.
3. r→p Prem.
4. p→r 1, 2, SH 1, 2
5. p⇄r 3, 4, I⇄ 3, 1, 2
4)
396
1. p→q Prem.
2. s→q Prem.
3. p⋁s Prem.
4. q 1, 2, 3, DIL 1, 2, 3
5. p⋁q 4, I⋁ 1, 2, 3
5)
1. p → (q ⋀ ¬r) Prem.
2. p Prem.
3. q ⋀ ¬r 1, 2, MP 1, 2
4. ¬r 3, E⋀ 1, 2
6)
1. p ⋁ (q → p) Prem.
2. ¬p ⋀ r Prem.
3. ¬p 2, E⋀ 2
4. q→p 1, 3, SD 1, 2
7)
1. p⇄q Prem.
2. p→r Prem.
3. ¬r Prem.
4. q→p 1, E ⇄ 1
5. ¬p 2, 3, MT 2, 3
6. ¬q 4, 5, MT 1, 2, 3
7. ¬q ⋁ p 6, I⋁ 1, 2, 3
8)
1. p ⋁ (q ⋀ r) Prem.
2. p ⇄ s Prem.
3. (q ⋀ r) → s Prem.
397
4. q Prem.
5. p→s 2, E ⇄ 2
6. s 1, 5, 3, DIL 1, 2, 3
7. s⋀q 4, 6, I⋀ 4, 1, 2, 3
9)
1. (p → r) ⋀ (q → r) Prem.
2. ¬r Prem.
3. p→r 1, E⋀ 1
4. ¬p 2, 3, MT 2, 1
5. q→r 1, E⋀ 1
6. ¬q 2, 5, MT 2, 1
7. ¬p ⋀ ¬q 4, 6, I⋀ 2, 1
10)
1. (p → r) ⋁ q Prem.
2. q → ¬r Prem.
3. (p → r) → ¬r Prem.
4. ¬r 1, 2, 3, DIL 1, 2, 3
11)
1. (p → r) ⋁ q Prem.
2. q→p Prem.
3. ¬p Prem.
4. ¬q 2, 3, MT 2, 3
5. p→r 1, 4, SD 1, 2, 3
12)
1. p Prem.
2. p ⋁ (q ⋀ r) 1, I⋁ 1
398
13)
1. p⋀q Prem.
2. r Prem.
3. q 1, E⋀ 1
4. q⋀r 2, 3, I⋀ 2, 1
14)
1. p⋀q Prem.
2. p 1, E⋀ 1
3. q 1, E⋀ 1
4. q⋀p 2, 3, I⋀ 1
5. (q ⋀ r) ⋁ (q ⋀ p) 4, I⋁ 1
15)
1. p Prem.
2. q⋁r Prem.
3. p ⋀ (q ⋁ r) 1, 2, I⋀ 1, 2
4. [p ⋀ (q ⋁ r)] ⋀ p 1, 3, I⋀ 1, 2
16)
1. p ⋀ (q ⋀ r) Prem.
2. q⋀r 1, E⋀ 1
3. r 2, E⋀ 1
4. r⋁s 3, I⋁ 1
17)
1. (p ⇄ q) ⋀ p Prem.
2. p 1, E⋀ 1
3. p ⋁ q 2, I⋁ 1
399
18)
1. p ⇄ (q ⋀ p) Prem.
2. p Prem.
3. p → (q ⋀ p) 1, E ⇄ 1
4. q⋀p 2, 3, MP 2, 1
5. q 4, E⋀ 2, 1
19)
1. (p ⋁ r) → q Prem.
2. p Prem.
3. p⋁r 2, I⋁ 2
4. q 1, 3, MP 1, 2
20)
1. p⋀q Prem.
2. (q ⋁ r) → s Prem.
3. q 1, E⋀ 1
4. q⋁r 3, I⋁ 1
5. s 2, 4, MP 2, 1
21)
1. p Prem.
2. (p ⋁ q) → r Prem.
3. (r ⋀ p) → s Prem.
4. p⋁q 1, I⋁ 1
5. r 2, 4, MP 2, 1
6. r⋀p 1, 5, I⋀ 1, 2
7. s 3, 6, MP 3, 1, 2
22)
400
1. p → (p → r) Prem.
2. p Prem.
3. p→r 1, 2, MP 1, 2
4. r 2, 3, MP 2, 1
23)
1. (p ⇄ q) ⋀ p Prem.
2. p 1, E⋀ 1
3. p ⋁ q 2, I⋁ 1
6.
1)
1. p → (q ⋁ s) Prem.
2. ¬q Prem.
3. ¬s Prem.
4. ¬q ⋀ ¬s 2, 3, I⋀ 2, 3
5. ¬(q ⋁ s) 4, DM 2, 3
6. ¬p 1, 5, MT 1, 2, 3
2)
1. p → (r ⋁ s) Prem.
2. ¬r ⋀ q Prem.
3. ¬s Prem.
4. ¬r 2, E⋀ 2
5. ¬r ⋀ ¬s 3, 4, I⋀ 3, 2
6. ¬(r ⋁ s) 5, DM 3, 2
7. ¬p 1, 6, MT 1, 3, 2
3)
1. ¬(p ⋁ q) Prem.
2. ¬p → r Prem.
401
3. ¬p ⋀ ¬q 1, DM 1
4. ¬p 3, E⋀ 1
5. r 2, 4, MP 2, 1
4)
1. ¬(¬p ⋀ q) Prem.
2. ¬p ⋀ r Prem.
3. p ⋁ ¬q 1, DM 1
4. ¬p → ¬q 3, Def. ⋁ 1
5. ¬p 2, E⋀ 2
6. ¬q 4, 5, MP 1, 2
5)
1. ¬(p → q) Prem.
2. p → ¬r Prem.
3. p ⋀ ¬q 1, Neg. → 1
4. p 3, E⋀ 1
5. ¬r 2, 4, MP 2, 1
6)
1. p⋀q Prem.
2. (p ⋁ r) → s Prem.
3. p 1, E⋀ 1
4. p⋁r 3, I⋁ 1
5. s 2, 4, MP 2, 1
7)
1. r Prem.
2. p → (¬r ⋁ ¬s) Prem.
3. s Prem.
4. r⋀s 1, 3, I⋀ 1, 3
402
5. ¬(¬r ⋁ ¬s) 4, DM 1, 3
6. ¬p 2, 5, MT 2, 1, 3
8)
1. ¬r → p Prem.
2. ¬(p ⋁ q) Prem.
3. s Prem.
4. ¬p ⋀ ¬q 2, DM 2
5. ¬p 4, E⋀ 2
6. r 1, 5, MT 1, 2
7. r⋁q 6, I⋁ 1, 2
9)
1. ¬(¬p ⋀ q) Prem.
2. r Prem.
3. r → ¬p Prem.
4. p ⋁ ¬q 1, DM 1
5. ¬p → ¬q 4, Def. ⋁ 1
6. ¬p 2, 3, MP 2, 3
7. ¬q 5, 6, MP 1, 2, 3
10)
1. s → ¬p Prem.
2. ¬(p → q) Prem.
3. ¬s → ¬r Prem.
4. p ⋀ ¬q 2, Neg. → 2
5. p 4, E⋀ 2
6. ¬s 1, 5, MT 1, 2
7. ¬r 3, 6, MP 3, 1, 2
11)
403
1. ¬(s → p) → ¬p Prem.
2. ¬(¬p ⋁ ¬q) Prem.
3. q → (s → p) Prem.
4. p⋀q 2, DM 2
5. p 4, E⋀ 2
6. ¬s ⋁ p 5, I⋁ 2
7. s→p 6, Def. → 2
12)
1. (q → p) ⋀ s Prem.
2. s → (p → r) Prem.
3. s 1, E⋀ 1
4. p→r 2, 3, MP 2, 1
5. q→p 1, E⋀ 1
6. q→r 4, 5, SH 2, 1
7. ¬r → ¬q 6, CP 2, 1
13)
14)
404
6. r 5, E⋀ 2, 1
15)
1. p ⋁ (¬r → q) Prem.
2. p→q Prem.
3. ¬q ⋀ s Prem.
4. ¬q 3, E⋀ 3
5. ¬p 2, 4, MT 2, 3
6. ¬r → q 1, 5, SD 1, 2, 3
7. ¬q → r 6, CP 1, 2, 3
16)
1. (p ⋁ q) ⋀ p Prem.
2. p 1, E⋀ 1
3. p ⋁ (q ⋀ p) 2, I⋁ 1
17)
18)
1. ¬r → p Prem.
2. ¬(p ⋁ q) Prem.
3. ¬p ⋀ ¬q 2, DM 2
4. ¬p 3, E⋀ 2
5. r 1, 4, MT 1, 2
6. r⋁q 5, I⋁ 1, 2
405
19)
1. (p ⋁ r) ⇄ q Prem.
2. q → (p ⋁ r) 1, E ⇄ 1
3. ¬q ⋁ (p ⋁ r) 2, Def. → 1
4. ¬q ⋁ (¬p → r) 3, Def. ⋁ 1
20)
1. p ⇄ q Prem.
2. q → p 1, E ⇄ 1
3. ¬q ⋁ p 2, Def. → 1
21)
1. p Prem.
2. ¬q ⋁ p 1, I⋁ 1
3. q → p 2, Def. → 1
22)
1. p → (q ⋁ r) Prem.
2. p Prem.
3. q⋁r 1, 2, MP 1, 2
4. r⋁q 3, Com. 1, 2
7.
1)
1. p ⋀ (q ⋀ r) Prem.
2. ¬(r ⋁ s) Sup. reductio
3. ¬r ⋀ ¬s 2, DM 2
4. q⋀r 1, E⋀ 1
5. r 4, E⋀ 1
406
6. ¬r 3, E⋀ 2
7. r ⋀ ¬r 5, 6, I⋀ 1, 2
8. r ⋁ s 2–7, reductio 1
2)
1. p → (q ⋁ s) Prem.
2. ¬q Prem.
3. ¬s Prem.
4. p Sup. reductio
5. q⋁s 1, 4, MP 1, 4
6. ¬q ⋀ ¬s 2, 3, I⋀ 2, 3
7. ¬(q ⋁ s) 6, DM 2, 3
8. (q ⋁ s) ⋀ ¬(q ⋁ s) 5, 7, I⋀ 1, 4, 2, 3
9. ¬p 4–8, reductio 1, 2, 3
3)
1. p → (r ⋁ s) Prem.
2. ¬r ⋀ q Prem.
3. ¬s Prem.
4. p Sup. reductio
5. r⋁s 1, 4, MP 1, 4
6. r 3, 5, SD 3, 1, 4
7. ¬r 2, E⋀ 2
8. r ⋀ ¬r 6, 7, I⋀ 3, 1, 4, 2
9. ¬p 4–8, reductio 3, 1, 2
4)
1. ¬(p ⋁ q) Prem.
2. ¬p → r Prem.
3. ¬r Sup. reductio
4. p 2, 3, MT 2, 3
5. ¬p ⋀ ¬q 1, DM 1
407
6. ¬p 5, E⋀ 1
7. p ⋀ ¬p 4, 6, I⋀ 2, 3, 1
8. r 3–6, reductio 2, 1
5)
1. ¬(¬p ⋀ q) Prem.
2. ¬p ⋀ r Prem.
3. q Sup. reductio
4. p ⋁ ¬q 1, DM 1
5. ¬p 2, E⋀ 2
6. ¬q 4, 5, SD 1, 2
7. q ⋀ ¬q 3, 6, I⋀ 3, 1, 2
8. ¬q 3–7, reductio 1, 2
6)
1. ¬(p → q) Prem.
2. p → ¬r Prem.
3. r Sup. reductio
4. ¬p 2, 3, MT 2, 3
5. p ⋀ ¬q 1, Neg. → 1
6. p 5, E⋀ 1
7. p ⋀ ¬p 4, 6, I⋀ 2, 3, 1
8. ¬r 3–7, reductio 2, 1
7)
1. p⋀q Prem.
2. (p ⋁ r) → s Prem.
3. ¬s Sup. reductio
4. ¬(p ⋁ r) 2, 3, MT 2, 3
5. ¬p ⋀ ¬r 4, DM 2, 3
6. ¬p 5, E⋀ 2, 3
7. p 1, E⋀ 1
408
8. p ⋀ ¬p 6, 7, I⋀ 2, 3, 1
9. s 3–8, reductio 2, 1
8)
1. r Prem.
2. p → (¬r ⋁ ¬s) Prem.
3. s Prem.
4. p Sup. reductio
5. ¬r ⋁ ¬s 2, 4, MP 2, 4
6. ¬(r ⋀ s) 5, DM 2, 4
7. r⋀s 1, 3, I⋀ 1, 3
8. (r ⋀ s) ⋀ ¬(r ⋀ s) 6, 7, I⋀ 2, 4, 1, 3
9. ¬p 4–8, reductio 2, 1, 3
9)
1. ¬(¬p ⋀ q) Prem.
2. r Prem.
3. r → ¬p Prem.
4. q Sup. reductio
5. ¬p 2, 3, MP 2, 3
6. ¬p ⋀ q 4, 5, I⋀ 4, 2, 3
7. (¬p ⋀ q) ⋀ ¬(¬p ⋀ q) 1, 6, I⋀ 1, 4, 2, 3
8. ¬q 4–7, reductio 1, 2, 3
10)
1. s → ¬p Prem.
2. ¬(p → q) Prem.
3. ¬s → ¬r Prem.
4. r Sup. reductio
5. p ⋀ ¬q 2, Neg. → 2
6. p 5, E⋀ 2
7. s 3, 4, MT 3, 4
409
8. ¬p 1, 7, MP 1, 3, 4
9. p ⋀ ¬p 6, 8, I⋀ 2, 1, 3, 4
10. ¬r 4–9, reductio 2, 1, 3
11)
1. q→r Prem.
2. ¬(¬p ⋀ ¬q) Prem.
3. ¬r → ¬p Prem.
4. ¬r Sup. reductio
5. p⋁q 2, DM 2
6. ¬p → q 5, Def. ⋁ 2
7. ¬q 1, 4, MT 1, 4
8. ¬p 3, 4, MP 3, 4
9. q 6, 8, MP 2, 3, 4
10. q ⋀ ¬q 7, 9, I⋀ 1, 4, 2, 3
11. r 4–10, reductio 1, 2, 3
12)
1. p → ¬q Prem.
2. q ⋁ (¬p ⋀ t) Prem.
3. p Sup. reductio
4. ¬q 1, 3, MP 1, 3
5. ¬p ⋀ t 2, 4, SD 2, 1, 3
6. ¬p 5, E⋀ 2, 1, 3
7. p ⋀ ¬p 3, 6, I⋀ 3, 2, 1
8. ¬p 3–7, reductio 2, 1
13)
1. (p → q) ⋀ (p → ¬q) Prem.
2. p Sup. reductio
3. p→q 1, E⋀ 1
4. q 2, 3, MP 2, 1
410
5. p → ¬q 1, E⋀ 1
6. ¬q 2, 5, MP 2, 1
7. q ⋀ ¬q 4, 6, I⋀ 2, 1
8. ¬p 2–7, reductio 1
8.
1)
1. ¬q → r Prem.
2. r → ¬p Prem.
3. ¬q Sup. I→
4. r 1, 3, MP 1, 3
5. ¬p 2, 4, MP 2, 1, 3
6. ¬q → ¬p 3–5, I→ 2, 1
2)
1. r Prem.
2. q→p Prem.
3. q Sup. I→
4. p 2, 3, MP 2, 3
5. p⋀r 1, 4, I⋀ 1, 2, 3
6. q → (p ⋀ r) 3–5, I→ 1, 2
3)
1. p → (q ⋁ r) Prem.
2. q→s Prem.
3. r→s Prem.
4. p Sup. I→
5. q⋁r 1, 4, MP 1, 4
6. s 2, 3, 5, DIL 2, 3, 1, 4
7. p→s 4–6, I→ 2, 3, 1
4)
411
1. p→q Prem.
2. q→r Sup. I→
3. p Sup. I→
4. q 1, 3, MP 1, 3
5. r 2, 4, MP 2, 1, 3
6. p→r 3–5, I→ 2, 1
7. (q → r) → (p → r) 2–6, I→ 1
5)
1. p → (q ⋁ r) Prem.
2. q→s Prem.
3. r→s Sup. I→
4. p Sup. I→
5. q⋁r 1, 4, MP 1, 4
6. s 2, 3, 5, DIL 2, 3, 1, 4
7. p→s 4–6, I→ 2, 3, 1
8. (r → s) → (p → s) 3–7, I→ 2, 1
6)
1. p⇄q Prem.
2. q⇄r Prem.
3. p Sup. I→
4. p→q 1, E ⇄ 1
5. q→r 2, E ⇄ 2
6. p→r 4, 5, SH 1, 2
7. r 3, 6, MP 3, 1, 2
8. p→r 3–7, I→ 1, 2
9. r Sup. I→
10. r→q 2, E ⇄ 2
11. q→p 1, E ⇄ 1
12. r→p 10, 11, SH 2, 1
13. p 9, 12, MP 9, 2, 1
14. r→p 9–13, I→ 2, 1
15. p⇄r 8, 14, I ⇄ 1, 2
412
7)
1. p Prem.
2. q Sup. I→
3. q → p 2–1, I→ 1
8)
1. (p ⋀ r) ⋁ (q → r) Prem.
2. ¬r Sup. I→
3. ¬p ⋁ ¬r 2, I⋁ 2
4. ¬(p ⋀ r) 3, DM 2
5. (q → r) ⋁ (p ⋀ r) 1, Com. 1
6. ¬(q → r) → (p ⋀ r) 5, Def. ⋁ 1
7. q→r 4, 6, MT 2, 1
8. ¬q 2, 7, MT 2, 1
9. ¬r → ¬q 2–8, I→ 1
10. q→r 9, CP 1
9)
1. p ⇄ (q ⋀ p) Prem.
2. p Sup. I→
3. p → (q ⋀ p) 1, E ⇄ 1
4. q⋀p 2, 3, MP 2, 1
5. q 4, E⋀ 2, 1
6. p→q 2–5, I→ 1
10)
1. ¬p ⋁ q Prem.
2. ¬p → ¬q Prem.
3. p Sup. I→
4. q 1, 3, SD 1, 3
5. p→q 3–4, I→ 1
413
6. q Sup. I→
7. p 2, 6, MT 2, 6
8. q→p 6–7, I→ 2
9. p⇄q 5, 8, I ⇄ 1, 2
11)
12)
1. p→q Prem.
2. r→q Prem.
3. p⋁r Sup. I→
4. q 1, 2, 3, DIL 1, 2, 3
5. (p ⋁ r) → q 3–4, I→ 1, 2
13)
1. p→t Prem.
2. q→t Prem.
3. ¬t Sup. I→
4. ¬q 2, 3, MT 2, 3
414
5. ¬p 1, 3, MT 1, 2
6. ¬q ⋀ ¬p 4, 5, I⋀ 2, 3, 1
7. ¬t → (¬q ⋀ ¬p) 3–6, I→ 2, 1
8. ¬(¬q ⋀ ¬p) → t 7, CP 2, 1
9. (q ⋁ p) → t 8, DM 2, 1
14)
1. q→r Prem.
2. p Prem.
3. p→q Sup. I→
4. q 2, 3, MP 2, 3
5. r 1, 4, MP 1, 2, 3
6. (p → q) → r 3–5, I→ 1, 2
15)
1. p→r Prem.
2. q→s Prem.
3. p⋀q Sup. I→
4. p 3, E⋀ 3
5. r 1, 4, MP 1, 3
6. q 3, E⋀ 3
7. s 2, 6, MP 2, 3
8. r⋀s 5, 7, I⋀ 1, 3, 2
9. (p ⋀ q) → (r ⋀ s) 3–8, I→ 1, 2
16)
1. p⋁q Prem.
2. r → ¬p Prem.
3. ¬q Sup. I→
4. p 1, 3, SD 1, 3
5. ¬r 2, 4, MT 2, 1, 3
6. ¬q → ¬r 3–5, I→ 2, 1
415
17)
1. q → ¬s Prem.
2. q⋁p Prem.
3. s Sup. I→
4. ¬q 1, 3, MT 1, 3
5. p 2, 4, SD 2, 1, 3
6. s→p 3–5, I→ 2, 1
18)
1. p → (q → r) Prem.
2. p⋀q Sup. I→
3. p 2, E⋀ 2
4. q→r 1, 3, MP 1, 2
5. q 2, E⋀ 2
6. r 4, 5, MP 1, 2
7. (p ⋀ q) → r 2–6, I→ 1
19)
1. p→q Prem.
2. r⇄q Prem.
3. ¬r Sup. I→
4. q→r 2, E ⇄ 2
5. ¬q 3, 4, MT 3, 2
6. ¬p 1, 5, MT 1, 3, 2
7. ¬r → ¬p 3–6, I→ 1, 2
9.
1)
1. (p ⋀ r) ⋁ (q → r) Prem.
2. q Prem.
3. p ⋀ r Sup. E⋁
416
4. r 3, E⋀ 3
5. q→r Sup. E⋁
6. r 2, 5, MP 2, 5
7. r 1, 3–4, 5–6, E⋁ 1, 2
2)
1. (p ⋀ q) ⋁ (q ⋀ r) Prem.
2. p⋀q Sup. E⋁
3. q 2, E⋀ 2
4. q⋀r Sup. E⋁
5. q 5, E⋀ 4
6. q 1, 2–3, 4–5, E⋁ 1
7. q⋁s 6, I⋁ 1
3)
1. p ⋁ (q ⋀ p) Prem.
2. p Sup. E⋁
3. q⋀p Sup. E⋁
4. p 3, E⋀ 3
5. p 1, 2–2, 3–4, E⋁ 1
6. p⋁r 5, I⋁ 1
4)
1. p⋁q Prem.
2. p→r Prem.
3. ¬r → ¬q Prem.
4. p Sup. E⋁
5. r 2, 4, MP 2, 4
6. q Sup. E⋁
7. r 3, 6, MT 3, 6
8. r 1, 4–5, 6–7, E⋁ 1, 2, 3
417
5)
1. (p → q) ⋁ (q ⋁ r) Prem.
2. (¬q → ¬p) → r Prem.
3. ¬r → ¬(q ⋁ r) Prem.
4. p→q Sup. E⋁
5. (p → q) → r 2, CP 2
6. r 4, 5, MP 4, 2
7. q⋁r Sup. E⋁
8. r 3, 7, MT 3, 7
9. r 1, 4–6, 7–8, E⋁ 1, 2, 3
6)
1. p ⋁ (¬r ⋀ q) Prem.
2. r → ¬p Prem.
3. p Sup. E⋁
4. ¬r 2, 3, MT 2, 3
5. ¬r ⋀ q Sup. E⋁
6. ¬r 5, E⋀ 5
7. ¬r 1, 3–4, 5–6, E⋁ 1, 2
7)
1. p Prem.
2. (q ⋀ p) → r Prem.
3. q⋁s Prem.
4. q Sup. E⋁
5. q⋀p 1, 4, I⋀ 1, 4
6. r 2, 5, MP 2, 1, 4
7. r⋁s 6, I⋁ 2, 1, 4
8. s Sup. E⋁
9. r⋁s 8, I⋁ 8
10. r⋁s 3, 4–7, 8–9, E⋁ 3, 2, 1
418
8)
1. p → ¬q Prem.
2. q ⋁ (¬p ⋀ t) Prem.
3. q Sup. E⋁
4. ¬p 3, 1, MT 1, 3
5. ¬p ⋀ t Sup. E⋁
6. ¬p 5, E⋀ 5
7. ¬p 2, 3–4, 5–6, E⋁ 2, 1
9)
1. p⋁q Prem.
2. p⇄r Prem.
3. q→r Prem.
4. p Sup. E⋁
5. p→r 2, E ⇄ 2
6. r 4, 5, MP 4, 2
7. q Sup. E⋁
8. r 3, 7, MP 3, 7
9. r 1, 4–6, 7–8, E⋁ 1, 2, 3
10)
11)
419
1. p Prem.
2. (q ⋀ p) → r Prem.
3. q⋁t Prem.
4. q Sup. E⋁
5. q⋀p 1, 4, I⋀ 1, 4
6. r 2, 5, MP 2, 1, 4
7. r⋁t 6, I⋁ 2, 1, 4
8. t Sup. E⋁
9. r⋁t 8, I⋁ 8
10. r⋁t 3, 4–7, 8–9, E⋁ 3, 2, 1
12)
1. (p ⋀ q) ⋁ (p ⋀ ¬r) Prem.
2. ¬r → ¬p Prem.
3. p⋀q Sup. E⋁
4. q 3, E⋀ 3
5. p ⋀ ¬r Sup. E⋁
6. ¬q Sup. reductio
7. p 5, E⋀ 5
8. r 2, 7, MT 2, 5
9. ¬r 5, E⋀ 5
10. r ⋀ ¬r 8, 9, I⋀ 2, 5
11. q 6–10, reductio 2, 5
12. q 1, 3–4, 5–10, E⋁ 1, 2
10.
1)
420
2)
3)
1. q Sup. I→
2. ¬(p ⋁ ¬p) Sup. reductio
3. ¬p ⋀ p 2, DM 2
4. p ⋁ ¬p 2–3, reductio
5. q → (p ⋁ ¬p) 1–4, I→
4)
1. p ⋀ ¬p Sup. →
2. ¬p 1, E⋀ 1
3. ¬p ⋁ q 2, I⋁ 1
4. p→q 3, Def. ⋁ 1
5. p 1, E⋀ 1
6. q 4, 5, MP 1
7. (p ⋀ ¬p) → q 1–6, I→
5)
1. p⋀q Sup. I→
2. p 1, E⋀ 1
3. p⋁q 2, I⋁ 1
4. (p ⋀ q) → (p ⋁ q) 1–3, I→
421
E.4 Quantificação
422
Orwell não admira Sonia. 5) Orwell não se admira a si
próprio e Sonia é gentil.
6. ∃x ¬Fx
7. ∀x ¬Fx
8. Alguns cépticos não são irracionais.
9. Nenhum poeta é desinteressante.
10. 1) Fx: x é água; ¬∃x Fx; 2) ∃x Fx; 3) ∃x ¬Fx; 4) ¬∀x Fx. 5)
∀x Fx; 6) Fx: x é um mamífero; Gx: x é veloz; ∀x (Fx →
Gx); 7) ¬∃x (Fx ⋀ Gx); 8) ∃x (Fx ⋀ Gx); 9) ∃x (Fx ⋀ ¬Gx);
10) Fx: x é ensaísta; Gx: x é inglês; a: Orwell; Fa ⋀ Ga;
11) Fa → ¬Ga; 12) ¬(Fa → ¬Ga); 13) Fa ⋁ Ga; 14) ∃x Fx
→ Fa. 15) ¬Fa → ¬∃x Fx. 16) ∀x (Fx → Gx) → Ga. 17) ∃x
(Fx ⋀ ¬Gx) ⋀ (Fa ⋀ ¬Ga). 18) Fx: x é fantasioso; a:
Isidoro; Fa → ∃x Fx. 19) ¬Fa.
11. 1) Os ingleses são ensaístas. 2) Nenhum inglês é
ensaísta. 3) Há ingleses ensaístas. 4) Há ingleses que
não são ensaístas. 5) Tudo é inglês. 6) Há ingleses. 7) Se
Orwell é inglês, há ingleses ensaístas. 8) Se Orwell é
inglês, há ingleses. 9) Se Orwell é inglês, há ingleses e
ensaístas. 10) Se todos os ingleses são ensaístas, Orwell
é ensaísta. 11) Se Orwell é ensaísta, é inglês.
12. 1) Domínio: pessoas; a: Yourcenar; Fxy: x ama y; ∃x Fxa.
2) ∃x Fax. 3) ∃x ∃y Fxy. 4) ∃x Fxx. 5) ∀x ∃y Fxy. 6) ∃x ∀y
Fxy.
13. 1) Isidoro fala com toda a gente. 2) Toda a gente fala com
Isidoro. 3) Há quem fale com Isidoro. 4) Isidoro fala com
alguém. 5) Alguém fala consigo próprio. 6) Alguém fala
com alguém. 7) Toda a gente fala com toda a gente. 8)
Toda a gente fala consigo própria.
14. 1) Fa ⋀ Fb. 2) Fa ⋁ Fb. 3) (Fa → Ga) ⋀ (Fb → Gb). 4) (Fa
⋀ Ga) ⋁ (Fb ⋀ Gb). 5) (Fa ⋀ Ga) ⋀ (Fb ⋀ Gb). 6) (Fa →
Ga) ⋁ (Fb → Gb). 7) ¬Fa ⋀ ¬Fb. 8) ¬(Fa ⋀ Fb). 9) ¬Fa ⋁
Fb. 10) ¬(Fa ⋁ Fb).
15.
1)
423
1. ∀x (Fx → Gx) Prem.
2. ¬Ga Prem.
3. Fa → Ga 1, E∀ 1
4. ¬Fa 2, 3, MT 2, 1
2)
3)
4)
1. ∀x Fx Prem.
2. Fa 1, E∀ 1
3. ∃x Fx 2, I∃ 1
5)
6)
424
2. ∃x ¬(Fx → Gx) 1, Neg. ∀ 1
3. ∃x (Fx ⋀ ¬Gx) 2, Neg. → 1
7)
8)
9)
10)
11)
425
2. Fa → Ha Prem.
3. Ga → Ha Prem.
4. Fa ⋁ Ga 1, E∀ 1
5. Fa Sup. E⋁
6. Ha 2, 5, MP 2, 5
7. Ga Sup. E⋁
8. Ha 3, 7, MP 3, 7
9. Ha 4, 5–6, 7–8, E⋁ 1, 2, 3
10. ∃x Hx 9, I∃ 1, 2, 3
16.
1)
2)
3)
1. ∀x Fx Prem.
2. Fn 1, E∀ 1
3. Fn ⋁ Gn 1, I⋁ 1
4. ∀x (Fx ⋁ Gx) 3, I∀ 1
4)
426
2. ∀x Fx Prem.
3. Fn → Gn 1, E∀ 1
4. Fn 2, E∀ 2
5. Gn 3, 4, MP 1, 2
6. ∀x Gx 5, I∀ 1, 2
5)
6)
17.
1)
427
5. Gn 3, 4, MP 3, 1
6. Fn ⋀ Gn 3, 5, I⋀ 3, 1
7. ∃x (Fx ⋀ Gx) 6, I∃ 3, 1
8. ∃x (Fx ⋀ Gx) 2, 3–7, E∃ 2, 1
2)
3)
1. ∃x Fx ⋁ ∃x Gx Prem.
2. ∃x Fx Sup. E⋁
3. Fn Sup. E∃
4. Fn ⋁ Gn 3, I⋁ 3
5. ∃x (Fx ⋁ Gx) 4, I∃ 3
6. ∃x (Fx ⋁ Gx) 2, 3–5, E∃ 2
7. ∃x Gx Sup. E⋁
8. Gn Sup. E∃
9. Fn ⋁ Gn 8, I⋁ 8
10. ∃x (Fx ⋁ Gx) 9, I∃ 8
11. ∃x (Fx ⋁ Gx) 7, 8–10, E∃ 7
12. ∃x (Fx ⋁ Gx) 1, 2–6, 7–11, E⋁ 1
4)
428
1. ∃x (Fx ⋀ Gx) Prem.
2. Fn ⋀ Gn Sup. E∃
3. Fn 2, E⋀ 2
4. ∃x Fx 3, I∃ 2
5. Gn 2, E⋀ 2
6. ∃x Gx 5, I∃ 2
7. ∃x Fx ⋀ ∃x Gx 4, 6, I⋀ 2
8. ∃x Fx ⋀ ∃x Gx 1, 2–7, E∃ 1
5)
6)
1. ∃y ∀x Fyx Prem.
2. ∀x Fnx Sup. E∃
3. Fnm 2, E∀ 2
4. ∃y Fym 3, I∃ 2
5. ∀x ∃y Fyx 4, I∀ 2
6. ∀x ∃y Fyx 1, 2–5, E∃ 1
429
E.5 Identidade
1)
1. (a = b) → Ga Prem.
2. a=b Prem.
3. Ga 1, 2, MP 1, 2
4. Gb 2, 3, SI 2, 1
2)
1. a = b Prem.
2. b = c Prem.
3. Fa Prem.
430
4. Fb 1, 3, SI 1, 3
5. Fc 2, 4, SI 2, 1, 3
3)
1. Fa Prem.
2. ¬Fb Prem.
3. a=b Sup. reductio
4. Fb 1, 3, SI 1, 3
5. Fb ⋀ ¬Fb 2, 4, I⋀ 2, 1, 3
6. ¬(a = b) 3–5, reductio 2, 1
4)
1. ∀x (x = a) Prem.
2. Fb Prem.
3. b=a 1, E∀ 1
4. Fa 2, 3, SI 2, 1
5)
1. ∃x Fx → (a = b) Prem.
2. Fa Prem.
3. ∃x Fx 2, I∃ 2
4. a=b 1, 3, MP 1, 2
5. Fb 2, 4, I= 2, 1
6)
1. Fa Prem.
2. a=b Prem.
3. Fb → Ga Prem.
4. Fb 1, 2, I= 1, 2
5. Ga 3, 4, MP 3, 1, 2
6. ∃x Gx 5, I∃ 3, 1, 2
431
7)
8)
9)
10)
432
11)
433
E.6 Árvores
1. Árvore de verdade, decomposição de frases em ramo e em lista,
frase clássica.
2.
1)
434
4)
435
5)
6)
436
7)
8)
437
9)
10)
438
11)
439
12)
13)
14)
440
15)
3.
1)
441
2)
3)
442
4)
5)
443
6)
7)
444
8)
9)
445
10)
4.
446
1)
2)
¬[(p ⋀ ¬p) → q]
p ⋀ ¬p
¬q
p
¬p
3)
447
4)
¬∃x (x = a)
∀x ¬(x = a)
¬(a = a)
5)
6)
448
7)
8)
449
450
E.7 Modalidade
451
acessíveis ao actual onde não há arte. 6) Não há qualquer
mundo possível acessível ao actual no qual Orwell não
tenha razão. 7) Há mundos possíveis acessíveis ao actual
onde se vai a Marte.
1)
q
¬(¬□¬p → ◇p)
¬□¬p
¬◇p
◇p
2)
□q
¬□(p → p)
◇¬(p → p)
α-β
β {¬(p → p)}
β {p}
β {¬p}
3)
□¬(p → p)
¬□q
◇¬q
α-β
β {¬q}
β {¬(p → p)}
β {p}
β {¬p}
452
4)
5)
453
6)
◇(p ⋀ q)
¬◇p
□¬p
α-β
β {p ⋀ q}
β {p}
β {q}
β {¬p}
7)
◇p ⇄ □q
¬(p ⋁ ¬q)
454
¬p
q
╱╲
◇p □¬p
□q ◇¬q
α-β α-β
β {p} β {¬q}
β {q} β {¬p}
8)
◇p → □◇p
¬(p → ◇p)
p
□¬p
╱╲
□¬p □◇p
6.
1)
◇p
□□¬p
α-β
β {p}
β {□¬p}
Refl.
β-β
β {¬p}
2)
□p
□◇¬p
Refl.
455
α-α
◇¬p
α-β
β {¬p}
β {p}
3)
□p
□□¬p
Refl.
α-α
□¬p
p
¬p
4)
p
◇□◇□¬p
α-β
β {□◇□¬p}
Sim.
β-α
◇□¬p
α-γ
γ {□¬p}
Sim.
γ-α
¬p
5)
□¬(p → p)
¬□◇q
Refl.
456
α-α
¬(p → p)
p
¬p
6)
p
□¬(q → q)
Refl.
α-α
¬(q → q)
q
¬q
7)
8)
457
◇p → □◇p
¬(p → ◇p)
p
□¬p
Refl.
α-α
¬p
7.
1)
458
2)
459
3)
8.
1)
460
2)
3)
¬◇Fa
461
∀x Fx
¬Gb
□¬Fa
Refl.
α-α
¬Fa
Fa
4)
◇Gb
¬□(Fa ⋁ ¬Fa)
◇¬(Fa ⋁ ¬Fa)
α-β
β {¬(Fa ⋁ ¬Fa)}
β {¬Fa}
β {Fa}
5)
a=b
Fa
¬□Fb
◇¬Fb
α-β
β {¬Fb}
β {¬Fa}
6)
a=b
Fa
¬◇Fb
□¬Fb
Refl.
462
α-α
¬Fb
¬Fa
9.
1)
2)
¬□(◇∃x Fx → ∃x ◇Fx)
◇¬(◇∃x Fx → ∃x ◇Fx)
α-β
β {¬(◇∃x Fx → ∃x ◇Fx)}
β {◇∃x Fx}
β {¬∃x ◇Fx}
463
β {∀x □ ¬Fx}
β-γ
γ {∃x Fx}
γ {Fa}
β {□¬Fa}
γ {¬Fa}
3)
4)
¬[◇∃x (x = a) → ∃x ◇ (x = a)]
◇∃x (x = a)
∀x □¬(x = a)
α-β
β {∃x (x = a)}
β {b = a}
□¬(b = a)
β {¬(b = a)}
5)
¬□∃x (x = a)
464
◇∀x ¬(x = a)
α-β
β {∀x ¬(x = a)}
β {¬(a = a)}
6)
¬□∀x (x = x)
◇∃x ¬(x = x)
α-β
β {∃x ¬(x = x)}
β {¬(a = a)}
7)
¬□(∀x Fx → ∃x Fx)
◇¬(∀x Fx → ∃x Fx)
α-β
β {¬(∀x Fx → ∃x Fx)}
β {∀x Fx}
β {¬∃x Fx}
β {∀x ¬Fx}
β {Fa}
β {¬Fa}
8)
465
γ {¬(a = a)}
9)
466
E.8 Além da linguagem
467
468
SÍMBOLOS E ABREVIATURAS
sse Se e só se
¬ Negação
⋀ Conjunção
⋁ Disjunção
→ Condicional
⇄ Bicondicional
p, q, r… Variáveis de frases elementares
V, F Verdadeiro, falso
⩒ Disjunção exclusiva
( ), [ ] Parêntesis
∴ Indicador de conclusão
A, B, C… Variáveis irrestritas de frases
fbf Fórmula bem formada
⊨ Indicador de consequência semântica
⊢ Indicador de derivabilidade
E⋀ Eliminação da conjunção
I⋀ Introdução da conjunção
I⋁ Introdução da disjunção
E⇄ Eliminação da bicondicional
I⇄ Introdução da bicondicional
MP Modus ponens
MT Modus tollens
DIL Dilema
SD Silogismo disjuntivo
SH Silogismo hipotético
Prem. Premissa
≡ Intersubstituibilidade
ND Negação dupla
DM De Morgan
Neg. → Negação da condicional
Neg. ⇄ Negação da bicondicional
Def. → Definição de condicional
Def. ⋁ Definição de disjunção
469
CP Contraposição
Com. Comutatividade
Sup. Suposição
I→ Introdução da condicional
E⋁ Eliminação da disjunção
a, b, c… Constantes nominais
Fx, Gx,… Variáveis predicativas
∀x Quantificador universal
∃x Quantificador existencial
E∀ Eliminação do quantificador universal
I∃ Introdução do quantificador existencial
m, n, o… Constantes nominais arbitrárias
I∀ Introdução do quantificador universal
E∃ Eliminação do quantificador existencial
= Identidade numérica
SI Substituição de idênticos
□ Necessidade
◇ Possibilidade
▽ Contingência
α, β, γ… Mundos possíveis
α-β β é acessível a α
Refl. Reflexividade
Sim. Simetria
Trans. Transitividade
□c Necessidade conceptual
◇c Possibilidade conceptual
⥽ Implicação formal
⊃ Condicional
P(A) Probabilidade de A
P(B|A) Probabilidade de B dado A
BaA a acredita que A
KaA a sabe que A
470
471
BIBLIOGRAFIA
472
Chomsky, N. (1957) Syntactic Structures. Nova Iorque: Mouton de
Gruyter, 2.ª ed., 2002.
473
Gillon, B. (2016) «Logic in Classical Indian Philosophy», in Stanford
Encyclopedia of Philosophy, ed. E. N. Zalta, https://plato.stanford.
edu/entries/logic-india/.
474
Kenny, A. (2004) Nova História da Filosofia Ocidental, Vol. I:
Filosofia Antiga. Trad. M. F. Carmo e P. Galvão. Lisboa: Gradiva,
2010, cap. 6.
475
Mill, J. S. (1859) On Liberty and Other Essays. Ed. J. Gray. Oxford:
Oxford University Press, 1998.
476
Newton-Smith, W. H. (1985) Lógica: Um Curso Introdutório. Trad. D.
Murcho. Lisboa: Gradiva, 1998.
477
Russell, B. (1912) Os Problemas da Filosofia. Trad. D. Murcho.
Lisboa: Edições 70, 2008.
478
Singer, P. (1999) Ética Prática. Trad. Á. A. Fernandes. Lisboa:
Gradiva, 2000.
479
480
NOTAS
481
2. Verofuncionalidade
1 As ambiguidades semânticas resultam da ambiguidade das palavras: «Yourcenar está no
banco» tanto quer dizer que está no banco do hospital, como no banco do jardim ou numa
instituição financeira, dependendo do contexto. Isto contrasta com as ambiguidades
sintácticas, que resultam da estrutura da frase.
2 Newton-Smith (1985) usa a designação «inspector de circunstâncias»; outros autores
chamam-lhes apenas «tabelas de verdade», o que é algo enganador porque são
sequências articuladas de tabelas de verdade.
3 No seu sentido filosófico hoje mais comum, e alinhado com a própria história da filosofia,
a metafísica e o adjectivo «metafísico» não dizem respeito a domínios esotéricos ou
místicos que estejam além do físico (como a palavra sugere), mas antes à realidade e não
ao que se sabe ou julga que se sabe, que é o domínio da epistemologia (Murcho 2012).
482
3. Derivações
1 Augustus De Morgan foi um lógico e matemático britânico do século XIX.
2 Também conhecida como «transposição». Note-se que a contraposição é mais forte do
que esta formulação; dado qualquer raciocínio válido que tenha A e B como premissas e C
como conclusão, é válido concluir ¬A ⋁ ¬B partindo de ¬C.
3 Isto não significa, porém, que os axiomas são irrefutáveis. Caso de um axioma se derive
algo que há boas razões para considerar que é falso, isso é em si uma boa razão para
rejeitá-lo.
4 A ideia aqui seria importar para a lógica o conceito de lei, que tanto impacto teve na física
a partir do século XVII. Isto porque durante muito tempo parecia que a marca da
cientificidade seria a descoberta de leis, no mesmo sentido das leis da física. Porém, não
só não é isso que dá cientificidade à física, como o próprio conceito de lei tal como é usado
nessa ciência é problemático, porque começa logo mal: como uma metáfora baseada na
legislação humana, um pouco como se Deus tivesse ordenado aos corpos celestes e aos
átomos que se comportassem de certas maneiras. O crucial das leis da física é serem
descrições muitíssimo gerais de regularidades, proporções e relações — não são leis em
qualquer sentido normativo. Já as supostas leis tradicionais da lógica são apenas, afinal,
verdades lógicas elementares.
483
5. Identidade
1 Searle (1995) foi responsável por dar início ao estudo filosófico mais aturado da
interacção entre os fenómenos linguísticos e os sociais. Hoje há inúmeros estudos
filosóficos sobre estes fenómenos. Em português, destaque-se Searle (2008).
2 «A pobreza extrema, tal como definida pelo Banco Mundial, quer dizer que não se tem
rendimento suficiente para responder às necessidades humanas mais básicas de comida
adequada, assim como de água, abrigo, roupas, instalações sanitárias, cuidados de saúde
ou educação» (Singer 2011: 191).
484
7. Modalidade
1 Termo jocoso que se aplica a definições artificiosamente conseguidas à custa de usar
disjunções para conseguir integrar o que de outro modo ficaria excluído. Nem todas as
definições disjuntivas são más, contudo (Kingsbury e McKeown-Green 2009).
2 À rejeição da sua validade chama-se «voluntarismo cartesiano», pois Descartes (1648:
358–359) parecia acreditar que as necessidades lógicas eram metafisicamente
contingentes: Deus poderia ter feito a soma de 1 com 2 não ser 3.
3 «Uma dedução é um discurso no qual, afirmadas certas coisas, outra além do que se
afirmou se segue por necessidade delas. Com esta última expressão quero dizer que se
segue devido a elas, e com isto quero dizer que não é preciso qualquer outro termo exterior
para tornar a consequência necessária.» (Aristóteles, Analíticos Anteriores, I.2: 24b19–
24b22)
485
8. Além da linguagem
1 Fonte: pordata.pt.
2 Thomas Bayes foi um teólogo e matemático britânico do século XVIII. O teorema foi
independentemente descoberto por Laplace (McGrayne 2011: ix–x).
3 Esta designação gramatical nada tem que ver com a conjunção verofuncional. Na
gramática, «ou» é classificado como uma conjunção, assim como «e», porque ambos os
termos têm a mesma função de juntar orações; o seu papel gramatical mais profundo, que
é obviamente muitíssimo diferente, é ignorado.
4 O termo «ciência» é relativamente tardio (Wootton 2015b), e no século XIX era ainda
comum chamar «filosofia natural» ao que hoje se chama «ciência».
5 «Durante qualquer coisa como dois mil anos, do primeiro século depois de Cristo até
meados do século XIX, a principal terapia usada pelos médicos era a sangria (abrindo
habitualmente uma veia do braço com uma faca especial chamada lanceta, um processo
denominado flebotomia ou vivissecção; mas usava-se também por vezes ventosas ou
sanguessugas), que enfraquecia e até matava os pacientes.» (Wootton 2006: 2)
6 Como muitos autores, Wootton confunde infelizmente nesta passagem acreditar que se
sabe com saber.
7 Fonte: http://tylervigen.com/view_correlation?id=1703. Uma correlação de 1 é a
coincidência perfeita.
8 Priberam, https://dicionario.priberam.org/racionalizar; Porto Editora, https://www.
infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa-aao/racionalizar.
9 Esta é a noção comum em filosofia (Schwitzgebel e Ellis 2017: 171), que, contudo,
parece mais próxima do conceito de pretexto.
10 Se a pessoa parou de respirar ou for um cadáver em qualquer sentido comum do termo,
os seus órgãos não poderão ser transplantados; daí o conceito de morte cerebral (Singer
1994: 22 ss.). Consequentemente, há sempre o risco de um médico mais afoito decidir
retirar órgãos sem haver morte cerebral.
486
487
DO MESMO AUTOR
488