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LÓGICA ELEMENTAR

RACIOCÍNIO, LINGUAGEM E REALIDADE

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DESIDÉRIO MURCHO

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Copyright © Desidério Murcho e Edições 70, 2019
Revisão: João Moita
Ilustração da capa: Johan De Fre, Três Maçãs na Prateleira
1.ª edição impressa: Agosto de 2019
2.ª edição electrónica: Abril de 2022
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que seja o modo utilizado, incluindo fotocópia e xerocópia, sem prévia autorização do
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judicial.

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CONTENTS

Prefácio

1. Lógica
2. Verofuncionalidade
3. Derivações
4. Quantificação
5. Identidade
6. Árvores
7. Modalidade
8. Além da linguagem
Apêndice
Exercícios resolvidos
Símbolos e abreviaturas
Bibliografia

Notas
Do mesmo autor

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Quero filhos, quero whisky, quero um ideal, quero uma casa
de campo, quero um automóvel, quero um bife de lombo,
quero a eternidade, quero um perfume francês — mas nunca
ouvi da boca de ninguém isto: quero saber pensar.
— JOÃO SOUSA MONTEIRO, TIRE A MÃE DA BOCA

Guardei-me de fazer da verdade um ídolo, preferindo dar-lhe


o nome mais humilde de exactidão.
— MARGUERITE YOURCENAR, A OBRA AO NEGRO

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PREFÁCIO

A lógica conheceu vários desenvolvimentos matemáticos ao longo


do século . É actualmente estudada e usada nas ciências da
computação, na matemática e na linguística, além da filosofia, no
seio da qual nasceu e foi alimentada durante séculos. Este livro é
uma introdução filosófica à lógica elementar, mas espera-se que
seja também interessante para quem vem de outras áreas e procura
uma compreensão mais aprofundada. A abordagem é filosófica por
duas razões. Primeiro, porque se mostra como a lógica é usada
para compreender e examinar ideias filosóficas. A lógica está para a
filosofia como o cálculo para a física: é instrumental e
imprescindível, mas não resolve por si os problemas da filosofia.
Como escreveu Kripke, cujas ideias influenciam marcadamente a
abordagem deste livro, «não há substituto matemático para a
filosofia» (1976: 416). Segundo, porque alguns dos aspectos
filosóficos mais profundos da lógica não são evitados. Vê-se, assim,
que a lógica é também parte integrante da filosofia, pois tem
relações íntimas com temas metafísicos, epistemológicos e de
filosofia da linguagem. Em última análise, é a própria compreensão
de aspectos fundamentais da realidade e do pensamento que está
tantas vezes em jogo na lógica. Daí a esperança de que este livro
seja interessante também para quem vem de outras áreas que não
a filosofia: esses leitores verão que a lógica vai muito além dos seus
aspectos matemáticos e computacionais.
A abordagem filosófica faz-se também sentir na secundarização
do mero pormenor técnico sem relevância e na ênfase no que é
mais substancial. Por exemplo, em vez de apresentar um sistema
puro de dedução natural, com regras primitivas e derivadas, opta-se
por um sistema híbrido em que algumas regras comummente
apresentadas como primitivas aparecem juntamente com as
derivadas. Apesar de esta diferença ser relevante num certo
sentido, o que é também explicado, é irrelevante quando se usa a
lógica para examinar a cogência do raciocínio, e também quando se
enfrenta o desafio de aprender a fazer derivações. Neste livro evita-
se, pois, pormenores técnicos desnecessários, como a formulação

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recursiva das regras de formação de fórmulas; mas é de admitir que
se escapa dessa frigideira para cair no fogo porque não se evita
discutir as questões filosóficas mais profundas onde se entrelaçam
as raízes da lógica. A convicção subjacente é que aprender a repetir
sem grande compreensão procedimentos matemáticos é uma tarefa
prescindível, pelo que todo o esforço de simplificação técnica é
bem-vindo; mas pela mesmíssima razão é desavisado evitar ou
mascarar o que há de substancial para ser compreendido na lógica.
Os conteúdos dos cinco primeiros capítulos constituem o que é
comum ensinar num primeiro semestre universitário de lógica
formal. O capítulo 7, que usa as árvores de verdade desenvolvidas
no capítulo 6, aborda a lógica modal. Esta é cada vez mais
correctamente encarada como uma parte da lógica elementar — e é
um instrumento filosófico de importância capital. O capítulo 8 é
dedicado a aspectos não-dedutivos do raciocínio; procurou-se
fornecer elementos orientadores, que ajudem a compreender como
se raciocina bem indutivamente. É neste capítulo que se torna
evidente para o leitor atento que o raciocínio dedutivo abordado nos
capítulos anteriores é parte integrante de um sistema diversificado
de prova, sem o qual nenhum conhecimento substancial existiria. No
final de cada capítulo são propostos exercícios, cujas sugestões de
resolução se encontram no final do volume. Sobretudo porque em
algumas escolas se insiste, contra os melhores interesses
formativos dos estudantes, em ensinar a lógica aristotélica, o
Apêndice apresenta alguns aspectos sem os quais dificilmente há
qualquer compreensão adequada desta lógica.
Várias decisões que deram forma a este livro resultam de uma
experiência de dez anos a ensinar lógica a estudantes universitários
do primeiro semestre. Vale talvez a pena mencionar uma das
principais lições que resultaram dessa experiência: a urgência de
resistir inequivocamente à tentação de mecanizar, simplificar e
higienizar os conteúdos, para que possam ser diligentemente
decorados sem compreensão e depois esquecidos. Ceder a essa
tentação é prestar um péssimo serviço aos alunos que têm paixão
pelo conhecimento, curiosidade pelas coisas e genuína vontade de
aprender. A lógica é difícil, e qualquer passo no sentido de tornar o
ensino mais parecido com as alegrias ilusórias do fácil é uma

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mentira que prejudica sobretudo os estudantes com mais
dificuldades de aprendizagem, porque o fácil e vazio já eles têm. O
professor tem a obrigação profissional de retirar do seu ensino todas
as dificuldades pedagógicas desnecessárias, mas só essas. Retirar
as outras é como imaginar que se ensina violino mais
proficientemente começando por deitar fora as cordas.
Beneficiei da atenção crítica de vários colegas, amigos e alunos,
que generosamente leram e deram inúmeras sugestões que
permitiram melhorar substancialmente o resultado final: Artur
Polónio, Matheus Silva, Lucas Miotto, Aires Almeida, Isaac Ramos,
Jean Leison Simão, Lucas Grecco, Fellipe Ávila, Leandro Bezerra e
Daniela Moura Soares. Estou muito agradecido a todos.
Espero que este livro seja um bom instrumento de trabalho para
estudantes, professores e outros leitores interessados numa das
áreas mais fascinantes do pensamento do século .

D M
Ouro Preto, 21 de Dezembro de 2018

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LÓGICA

Todas as pessoas raciocinam; contudo, é de prever que poucas


sabem o que são os raciocínios ou como se raciocina bem. É aqui
que entra a lógica, uma área de estudos na qual se investiga o que
distingue os bons dos maus raciocínios. Há vários aspectos
psicológicos, sociais e emocionais que não são estudados em
lógica, excepto na exacta medida em que contribuam para aquela
investigação. Na lógica, não se trata de descrever como as pessoas
realmente raciocinam, mas de determinar como se raciocina bem.
No pensamento europeu, esta área de estudos foi fundada por
Aristóteles no século a.C. Conheceu desenvolvimentos
importantes depois disso, nomeadamente por parte dos filósofos
estóicos, mas os seus aspectos mais fundamentais não evoluíram
significativamente durante séculos. Foi só a partir de finais do século
que surgiram avanços revolucionários.

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1.1 Raciocínio
Uma primeira tarefa quando se estuda lógica é compreender melhor
o que é o raciocínio, qual é a sua importância e quais são as suas
componentes. Uma boa maneira de fazê-lo é começar por ver um
exemplo: «Os animais não têm direitos porque não têm deveres.» A
palavra «porque» indica que se pretende provar a conclusão de que
os animais não têm direitos com base na premissa de que não têm
deveres, e é por isso que é um raciocínio: é uma tentativa de provar
uma conclusão recorrendo a uma ou mais premissas. Tanto as
premissas como as conclusões dos raciocínios são frases
declarativas — um conceito simples, mas que encerra algumas
subtilezas que serão esclarecidas de seguida. Para já, atente-se em
quatro aspectos importantes do conceito de raciocínio.
Em primeiro lugar, os raciocínios tanto têm uma como duas ou
mais premissas, mas só têm uma conclusão — quando têm mais de
uma, trata-se de vários raciocínios encadeados, como se verá
(secção 1.7). Claro que nada custa definir estruturas matemáticas
com várias conclusões (Shoesmith e Smiley 1978); porém, não é
fácil imaginar casos incontroversos de raciocínios genuínos com
mais de uma conclusão. Contudo, como se verá (secção 3.11),
qualquer frase implica várias conclusões. Em segundo lugar,
qualquer definição apropriada de raciocínio inclui o termo
«tentativa», ou quejandos, porque caso contrário excluiria
raciocínios errados, que não provam a conclusão. Em terceiro lugar,
os raciocínios só existem quando alguém pretende provar uma
conclusão. Em muitos raciocínios que não provam a conclusão, não
há qualquer relação que faça de umas frases premissas e da outra
uma conclusão, excepto o facto de alguém usar umas para tentar
em vão provar a outra. Por fim, o sentido de «prova» em questão no
conceito de raciocínio não se restringe a casos em que se tenta
provar aquilo que já se aceita; ao invés, inclui também o mais
importante, que é a tentativa de descobrir qual é a conclusão
apropriada, como quando se faz um cálculo mental para saber qual
é o troco devido numa transacção comercial. Contudo, o conceito de
prova vai muito além destas provas aritméticas simples e definitivas;

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a maior parte das provas não são definitivas. As provas de que
nunca houve vida na Lua são muito fortes, mas não garantem que
nunca houve; talvez os cientistas se tenham enganado, ou talvez
surjam novas provas que mostrem que já houve vida na Lua. Daí
que por vezes se fale de razões, justificações, indícios ou sinais, em
vez de provas. Mas a ideia é sempre a mesma: há algo que conta
apropriadamente a favor da conclusão, ainda que não a prove
definitivamente. É isto que se entende aqui por «prova».
Curiosamente, na língua inglesa não parece haver um só termo
suficientemente amplo como em português; o inglês «evidence», por
vezes traduzido por «evidência» (o que é dissonante em português,
porque grande parte das evidências não são evidentes, como as
provas arqueológicas), refere-se quase sempre a provas empíricas,
mas não às lógicas e matemáticas («proofs»).
Agora que se compreende um pouco melhor o que é o
raciocínio, compreende-se também a sua importância. A maior parte
do conhecimento humano é obtido por raciocínio: não se sabe
directamente que os dinossauros se extinguiram há 65 milhões de
anos, nem que a água é H 2O, nem que os animais não têm direitos.
Em todos estes casos, raciocina-se para concluir essas ideias:
tenta-se descobrir o que não se sabe com base no que se considera
que se sabe. Não há outra maneira de proceder, porque os seres
humanos não têm um acesso místico ou especial ao que não
conseguem saber directamente: só raciocinando se consegue ir
além do conhecimento simples do aqui-e-agora. Porém, os
raciocínios só provam seja o que for caso sejam bons, e o papel da
lógica é ajudar a estabelecer se o são ou não. Raciocinar não é uma
questão de mera opinião subjectiva; pelo contrário, há critérios
objectivos que ajudam a determinar se um raciocínio é bom ou não.
Usa-se muito o termo «argumento» como aproximadamente
sinónimo de «raciocínio». Em rigor, porém, argumenta-se para
persuadir alguém, coisa que nem sempre ocorre quando se
raciocina: um arqueólogo examina uma gruta e conclui que foi em
tempos habitada, mas estava apenas a tentar descobrir a verdade e
não a tentar persuadir alguém. Em contraste, quando se argumenta
para persuadir, não se está a tentar descobrir a conclusão, mas a
tentar fazer alguém aceitá-la. Dois outros termos relacionados são

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«inferência» e «razão»: num raciocínio infere-se uma conclusão
com base em razões.
Por fim, note-se que nem todo o raciocínio é discursivo. Quando
se reconhece um rosto ou se conduz um automóvel e quando se
conclui qualquer coisa olhando para um mapa ou para um gráfico,
quase nunca se articula discursivamente o raciocínio envolvido; em
muitos desses casos nem sequer se consegue fazê-lo porque não é
consciente. O raciocínio não-discursivo só na secção 8.9 será
brevemente abordado, pelo que até lá será sempre o discursivo que
se tem em vista.

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1.2 Valor de verdade
Os raciocínios discursivos são constituídos por premissas e
conclusões, que por sua vez são frases declarativas. Estas
contrastam com outros tipos de frases, como as interrogativas e as
imperativas. O que distingue estes tipos de frases é o que se faz
com elas. Usa-se frases declarativas para fazer asserções, as
interrogativas para fazer perguntas e as imperativas para dar
ordens; contrastam assim com meras palavras ou conjuntos de
palavras que têm significado, mas não são usadas para fazer essas
coisas. «Yourcenar e Le Guin» não é em muitos contextos uma
frase, mas apenas quatro palavras; «romancista francesa» também
não é uma frase. Assim, em geral, uma frase é um conjunto de
palavras (em alguns casos só uma, como em «Choveu»)
organizadas de maneira a permitir fazer asserções ou perguntas,
dar ordens, etc. Note-se que a palavra inglesa «phrase» não
significa «frase», mas antes «expressão» ou «conjunto de termos».
Usa-se por vezes «sentença» em vez de «frase» porque é parecida
à palavra inglesa «sentence».
Só as frases declarativas são verdadeiras ou falsas; nem as
interrogativas, nem as imperativas o são. Quando uma frase é
verdadeira ou falsa, tem valor de verdade. O valor de verdade da
frase «Yourcenar escreveu A Obra ao Negro» é verdadeiro, sendo
falso o valor de verdade de «Yourcenar era portuguesa». Os valores
de verdade não dependem das convicções humanas, porque os
seres humanos não são omniscientes. Por mais que muitos seres
humanos, ou todos, tenham a convicção de que existem
extraterrestres, a frase «Existem extraterrestres» é falsa se eles não
existirem; e a única coisa que a torna verdadeira é a sua existência.
Os seres humanos não sabem qual é o valor de verdade de
muitíssimas frases. Isso não significa que essas frases não têm
valor de verdade. Como se vê, é de importância capital não
confundir o valor de verdade que uma frase realmente tem com o
valor de verdade que os seres humanos consideram que tem.
Daqui em diante, sempre que se falar de frases, ter-se-á em
mente apenas frases com valor de verdade, o que exclui perguntas,

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exclamações e ordens. Note-se, porém, que é comum usar frases
que gramaticalmente não são declarativas para fazer asserções:
uma pessoa pretende realmente dizer que a vida não tem sentido,
mas limita-se a exclamar «Claro que a vida não tem sentido!», ou a
perguntar retoricamente «Não é ridículo considerar que a vida tem
sentido?». Por isso, o que é relevante não é a frase proferida ou
escrita, mas o que se faz com ela. Ao examinar raciocínios,
transforma-se em frases declarativas todas as que forem usadas
para fazer asserções, mesmo que gramaticalmente sejam perguntas
ou exclamações.
Além disso, muitas frases dependem mais fortemente do
contexto em que são proferidas. Caso no dia 15 de Novembro de
2018 se profira em Lisboa a frase «Ontem choveu», o que se quer
dizer não coincide com o que se quererá dizer se essas mesmas
palavras forem proferidas noutro dia ou noutro local. O mesmo
acontece com frases que incluem explicitamente indexicais como
«eu», «ali», e muitas outras (os indexicais, designação dada por
Charles Sanders Peirce aos deícticos, são termos cuja referência
depende do contexto em que são usados; a palavra «eu», por
exemplo, refere quem a profere). Em todos esses casos, a frase que
conta é a que resulta da eliminação dos indexicais, como «Choveu
no dia 14 de Novembro de 2018 em Lisboa».
Nem todas as frases declarativas têm valor de verdade, apesar
de esse ser o seu papel gramatical principal. Quando uma frase
declarativa não tem valor de verdade, é absurda — não no sentido
mais comum de ser escandalosa, mas antes no sentido de ser um
mero jogo de palavras sem valor de verdade. Afirmar que as ideias
verdes incolores dormem furiosamente juntas (Chomsky 1957)
talvez seja sugestivo num contexto literário ou poético, mas não é
verdadeiro nem falso. Grande parte da sabedoria barata pretensiosa
e pretensamente profunda inclui doses generosas de frases
absurdas.

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1.3 Frase
Uma frase não é apenas um conjunto de sons ou de traços. Em si,
nada nestas entidades físicas lhes dá o poder de asserir, pedir,
interrogar ou ordenar. O que lhes dá esse poder é a acção
coordenada dos seres humanos, que as usam de uma maneira
suficientemente regular para fazer certas coisas. Porque várias
pessoas fazem certas coisas com os traços «Está calor», estes
querem dizer, em português e em contextos comuns, que está calor
nesse local e nesse momento — mas em alemão não têm
significado, e em contextos militares talvez queiram dizer que o
ataque está iminente.
Compreende-se melhor os fenómenos linguísticos pensando
num triângulo. Numa das pontas estão entidades físicas como sons
ou traços que, por si, não têm qualquer poder para, entre outras
coisas, falar de entidades como árvores, átomos e galáxias, mas
também de sentimentos, anelos e paixões, que estão na outra ponta
deste triângulo imaginário. Quem coordena e faz a ligação entre
estas duas pontas do triângulo são agentes linguísticos como os
seres humanos, e é a essa coordenação espantosamente bem-
sucedida que se chama «convenção linguística». Sem que na maior
parte dos casos o tenham explicitamente convencionado, vários
seres humanos usam coordenadamente certos sons para falar da
água (e para fazer outras coisas, dependendo do contexto), e só
isso lhes dá esse poder quase mágico. Assim, as frases não se
reduzem às suas componentes físicas, que são os sons ou traços;
ao invés, são os usos coordenados que os agentes linguísticos
fazem dessas componentes físicas que fazem delas frases. Quando
se olha apenas para essas componentes, não se compreende como
têm poder simbólico.
Em filosofia é comum usar o conceito de proposição. Porém,
nem todos os filósofos concordam que é preciso postular
proposições para explicar a linguagem; em contraste, a existência
de frases não é polémica. E se o conceito de frase for
adequadamente compreendido, não o reduzindo à sua componente
física, torna-se ocioso usar o conceito de proposição no

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desenvolvimento da lógica. Em qualquer caso, para compreender os
aspectos elementares do conceito de proposição, considere-se duas
ou mais frases, da mesma língua ou de línguas diferentes, que
tenham o mesmo significado, como «Yourcenar nasceu na Bélgica»
e «Yourcenar was born in Belgium». É razoável considerar que se
trata de duas frases que exprimem o mesmo; a ideia é então que
exprimem a mesma proposição. Assim, considera-se que uma
proposição é o conteúdo verdadeiro ou falso expresso por uma frase
(será depois preciso explicar o que é o conteúdo). De notar que
alguns matemáticos chamam «proposição» às variáveis de frase
(secção 2.2), e não ao que é comum em filosofia entender-se por
essa palavra.
Ao contrário das frases, as proposições não têm qualquer
componente concreta; são entidades inteiramente abstractas.
Porém, o que significa dizer que uma entidade é concreta e outra
abstracta? Apesar de não ser fácil definir estes conceitos de
maneira inteiramente satisfatória, já se ganha uma boa
compreensão contrastando os círculos que se desenham num papel
com o conceito matemático de círculo. No primeiro caso, trata-se de
entidades físicas: traços num papel, localizados no tempo e no
espaço. O conceito matemático de círculo, em contraste, não parece
localizado no tempo nem no espaço. Talvez resulte apenas por
abstracção mental a partir dos vários círculos concretos, ou de uma
definição matemática estipulativa; nesse caso, não é independente
de quem o concebe ou estipula. Ou talvez seja uma entidade
platónica, no sentido de existir num mundo abstracto, fora do
espaço e do tempo, e inteiramente independente de haver ou não
quem conceba ou estipule o conceito de círculo. Seja como for, o
conceito de proposição é abstracto num ou noutro desses sentidos,
ou em sentidos próximos; já as frases têm componentes
inequivocamente concretas, ainda que não se reduzam a elas. Por
isso, nenhuma frase é uma proposição — tal como nenhum círculo
concreto, escrito num papel, é um círculo abstracto. Daí que
escrever o seguinte esteja errado, caso se entenda o conceito de
proposição como é comum hoje em dia:

A proposição «Yourcenar era romancista» é verdadeira.

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Porque as proposições são actualmente entendidas como
entidades abstractas, a frase anterior está errada, uma vez que
presume que entre aspas está a proposição de que Yourcenar era
romancista — porém, o que realmente está entre aspas é uma frase
que exprime essa proposição. As proposições não se escrevem
nem são postas entre aspas, ao contrário das frases, porque são
entidades sem qualquer componente concreta; pela mesma razão,
também não se desenha círculos abstractos. Assim, as maneiras
adequadas de escrever e falar são as seguintes:

A proposição expressa pela frase «Yourcenar era


romancista» é verdadeira.
A proposição de que Yourcenar era romancista é
verdadeira.
A proposição Yourcenar era romancista é verdadeira.

Esta última maneira não é inteiramente adequada, caso se


entenda a convenção do itálico aproximadamente como as aspas;
mas é usada por vezes.

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1.4 Indicadores
Muitíssimos discursos, tanto orais como escritos, incluem
raciocínios. Contudo, o raciocínio nem sempre é a parte mais
importante. Muitos discursos são predominantemente informativos,
poéticos ou confessionais; mesmo que incluam raciocínios, esse
não é o seu aspecto principal. Por outro lado, mesmo que o
raciocínio seja predominante num discurso, não há nele apenas
raciocínio: há também descrições e esclarecimentos, entre outras
coisas. Por isso, é importante saber examinar os discursos para
encontrar os raciocínios que eventualmente contenham e para os
distinguir do que não desempenha qualquer papel inferencial. Uma
maneira de fazê-lo é procurar indicadores de premissa: expressões
que indicam que a frase seguinte é uma premissa; a frase anterior
por vezes é a conclusão, mas nem sempre. Quando alguém afirma
que os animais não têm direitos porque não têm deveres, a palavra
«porque» indica que a frase seguinte é uma premissa. Em
contraste, os indicadores de conclusão assinalam que a frase
seguinte é a conclusão. De notar que estes termos nem sempre
indicam conclusões, ou premissas; a palavra «porque» indica muitas
vezes uma relação causal, e não inferencial: «Yourcenar caiu
porque escorregou» indica a causa da queda, e não a premissa que
prova que ela caiu.

Indicadores de premissa: porque, pois, dado que, visto


que, devido a, a razão é que, admitindo que, sabendo-se
que, supondo que, já que, afinal, uma vez que, caso.
Indicadores de conclusão: logo, portanto,
consequentemente, por isso, por conseguinte, implica
que, daí que, segue-se que, infere-se que, conclui-se que,
como tal, em suma, assim.

Já se vê que há várias maneiras de exprimir o mesmo raciocínio:

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Os animais não têm direitos, uma vez que não têm
deveres.
Os animais não têm direitos, dado que não têm deveres.
Dado que os animais não têm deveres, não têm direitos.
Os animais não têm deveres. Consequentemente, não
têm direitos.
Os animais não têm deveres. Logo, não têm direitos.

Por uma questão de clareza, é melhor juntar as premissas antes


da conclusão e usar apenas a palavra «logo» como indicador de
conclusão:

Os animais não têm deveres.


Logo, não têm direitos.

Esta maneira simplificada e explícita de formular raciocínios é a


sua expressão canónica. Uma das suas vantagens é tornar mais
evidente quando o raciocínio não está completo. Neste exemplo,
torna-se visível que falta algo que faça a ligação entre a premissa e
a conclusão. Caso se pergunte a quem pensa desse modo por que
razão o facto de os animais não terem deveres prova que não têm
direitos, talvez ela diga que é porque quem não tem deveres, não
tem direitos. Isto significa que para completar o raciocínio é preciso
acrescentar uma premissa que estava pressuposta:

Quem não tem deveres, não tem direitos.


Os animais não têm deveres.
Logo, não têm direitos.

Agora que a premissa antes oculta foi explicitada vê-se que é


inequivocamente falsa: os bebés, e também as pessoas em coma e
com doenças profundas, não têm quaisquer deveres, mas têm
direitos. Quando um raciocínio inclui pelo menos uma premissa
falsa, não prova que a conclusão é verdadeira.
Como se vê, encontrar a expressão canónica de um raciocínio
inclui três tarefas: primeiro, localizar as premissas e as conclusões,

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recorrendo aos indicadores de premissa e de conclusão, se os
houver, e eliminar o resto; segundo, explicitar a conclusão e todas
as premissas. Por fim, acrescentar quaisquer premissas, ou até
conclusões, que tenham ficado ocultas.
Nem sempre é fácil ver quais são as premissas ocultas que é
razoável considerar que o autor tinha em mente. Uma pessoa que
defenda que a cocaína deve ser proibida porque provoca
dependência talvez não aceite que tudo o que provoca dependência
deve ser proibido; nesse caso, não se vê como se prova que a
cocaína deve ser proibida com base apenas na dependência. Além
disso, em alguns casos, é a própria conclusão que está oculta;
afirmar «Se Yourcenar nunca visitou África, nunca visitou o Egipto»
sugere por vezes o seguinte raciocínio:

Se Yourcenar nunca visitou África, nunca visitou o Egipto.


Ora, de facto, ela nunca visitou África.
Logo, nunca visitou o Egipto.

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1.5 Lógica na filosofia
Nem sempre os raciocínios são formulados de uma maneira tão
explícita quanto seria desejável. Porém, isso ocorre por vezes:

Se aquilo mais grandioso que o qual nada pode ser pensado


existisse apenas no entendimento, este mesmo ser mais
grandioso que o qual nada pode ser pensado seria algo mais
grandioso que o qual algo pode ser pensado. Mas isto é
obviamente impossível. Logo, não há dúvida de que aquilo
mais grandioso que o qual nada pode ser pensado existe
tanto no entendimento como na realidade. (Anselmo,
Proslogion, II: 82)

A conclusão é obviamente a frase depois de «logo»; as


premissas são as duas frases anteriores. O ser mais grandioso que
o qual nada pode ser pensado é, do ponto de vista de Anselmo,
Deus. Foi a este impressionante raciocínio — conhecido em toda a
Idade Média simplesmente como «o argumento de Anselmo» — que
no século Kant veio a chamar «argumento ontológico». Será
bom? Sem se saber lógica não se consegue responder
apropriadamente a esta pergunta. Contraste-se com o raciocínio
seguinte, que Hume atribui a Epicuro:

Quer Deus impedir o mal, mas não pode? Então é impotente.


Pode, mas não quer? Então é malévolo. Quer e pode? De
onde vem então o mal? (Hume 1779, , § 25)

Não há aqui qualquer indicador — nem de premissa, nem de


conclusão. Além disso, em vez de uma conclusão, há quatro
perguntas. Contudo, o contexto desta passagem torna plausível
considerar que é um raciocínio que visa concluir que Deus não
existe, partindo da sua aparente incompatibilidade com o mal (em
rigor, nesta passagem pretende-se apenas mostrar que não existe
uma divindade que vise a felicidade dos seres humanos e dos

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animais). Dada esta interpretação, eis o raciocínio que Hume parece
ter em mente:

Se Deus existe e não pode impedir o mal, é impotente.


Se Deus existe e não quer impedir o mal, é malévolo.
Mas se Deus existe, não é impotente nem malévolo.
Logo, se Deus existe, pode e quer impedir o mal.

Se Deus existe, pode e quer impedir o mal.


Se Deus pode e quer impedir o mal, o mal não existe.
Ora, o mal existe.
Logo, Deus não existe.

Nesta interpretação, trata-se de dois raciocínios encadeados.


Não é a única interpretação plausível do que Hume parece ter em
mente; mas é uma primeira aproximação promissora. Quando os
autores não formulam explicitamente os seus raciocínios, é preciso
procurar a melhor maneira de fazê-lo.
Estes dois exemplos ilustram a importância de saber lógica. Em
primeiro lugar, sem isso não se consegue explicitar correctamente
os raciocínios. Apesar de ser relativamente fácil explicitar o
raciocínio de Anselmo, o de Hume está longe de o ser.
Consequentemente, quem não sabe lógica não entende bem grande
parte dos textos filosóficos. Em segundo lugar, só sabendo lógica se
consegue determinar se os raciocínios realmente provam o que os
autores visam provar. Por último, repare-se que os dois raciocínios
anteriores têm conclusões opostas: Anselmo conclui que Deus
existe, Hume que não existe. Isto é comum em filosofia, porque é
uma área de estudos especulativos e não um corpo de resultados
substanciais consensuais (Murcho 2008). Caso se considere que
estas duas conclusões opostas não são ambas verdadeiras, contrai-
se a dívida intelectual de descobrir qual dos dois raciocínios não é
bom — e só sabendo lógica se consegue fazê-lo bem.

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1.6 Validade
A partir de agora será usado o termo «cogente» para dizer que um
raciocínio é bom. Os raciocínios cogentes obedecem a pelo menos
quatro condições, mas neste capítulo serão apresentadas apenas
três. A primeira é o conceito fundacional da lógica: a validade.
É importante não confundir o conceito lógico de validade com
outros conceitos habitualmente associados à mesma palavra. Dizer
que uma ideia é válida, em muitos contextos, é dizer que tem valor,
é de aplaudir, é interessante ou tem aplicação. Outras vezes, diz-se
que uma teoria científica é válida querendo com isso dizer que é
verdadeira, mas parece menos ingénuo dizer que é válida — muitas
teorias científicas foram empiricamente verificadas ou validadas, e
isso faz pensar, erradamente, que em vez de serem verdadeiras são
válidas. Além disso, quando uma norma pertence ao ordenamento
jurídico, os jurisconsultos dizem que é válida. O conceito lógico de
validade não tem qualquer relação relevante com estes usos do
termo.
Para compreender a validade, é uma boa ideia começar pelo
conceito de condições de verdade. Considere-se de novo a frase
«Existem extraterrestres». Não se sabe qual é o seu valor de
verdade, mas sabe-se que se eles existirem, a frase será
verdadeira, e será falsa caso contrário; ou seja, sabe-se quais são
as suas condições de verdade. Como se vê neste caso, muitas
vezes sabe-se quais são as condições de verdade de uma frase
sem se saber qual é o seu valor de verdade. Porém, noutros casos,
como «Se os extraterrestres existem, existem», o conhecimento das
condições de verdade é suficiente para saber qual é o seu valor de
verdade. Ora, o que acontece no caso dos raciocínios válidos é que
o conhecimento das condições de verdade das suas frases é
suficiente para saber que não têm conclusão falsa caso as
premissas sejam todas verdadeiras. Considere-se o seguinte
exemplo:

Se a Sofia está em Lisboa, está em Portugal.

26
Mas ela não está em Portugal.
Logo, não está em Lisboa.

Mesmo sem saber quem é a Sofia nem onde está ela, sabe-se
que este raciocínio não tem conclusão falsa caso as duas premissas
sejam verdadeiras. Porquê? Porque se a conclusão for falsa, ela
está em Lisboa — mas nesse caso a segunda premissa também é
falsa, caso a primeira seja verdadeira. O raciocínio não tem
premissas verdadeiras e conclusão falsa, e sabe-se isso com base
apenas nas condições de verdade. É isto que acontece sempre que
um raciocínio é válido. Contraste-se com o caso seguinte:

Se a Sofia está em Lisboa, está em Portugal.


Mas ela não está em Lisboa.
Logo, não está em Portugal.

Neste caso, talvez o raciocínio não tenha premissas verdadeiras


e conclusão falsa, mas com base exclusivamente nas condições de
verdade não se sabe se isso é assim ou não. O que se sabe apenas
nessa base é que se ela estiver noutra cidade portuguesa, a
conclusão será falsa mesmo que as premissas sejam verdadeiras.
Por isso, mesmo que se saiba que as premissas são verdadeiras,
não se sabe, apenas nessa base, que a conclusão também o é. Em
contraste, quando um raciocínio é válido, e mesmo que não se saiba
se as premissas são verdadeiras, sabe-se que o raciocínio não tem
premissas verdadeiras e conclusão falsa. Como se vê, a validade é
o que permite descobrir o que antes não se sabia com base no que
se sabia, coisa que os raciocínios inválidos não permitem fazer.
Eis então uma boa definição do conceito de validade: um
raciocínio é válido sse o conhecimento das condições de verdade
das suas frases for suficiente para saber que não tem conclusão
falsa caso as premissas sejam todas verdadeiras. Esta é uma
maneira rigorosa de apresentar definições. O estranho «sse» é a
abreviatura de «se e só se»: «A sse B» quer dizer que tudo o que é
A é B, e além disso tudo o que é B é também A. Quando tudo o que
é A é B, A é condição suficiente de B, e B é condição necessária de

27
A. Numa boa definição, B é uma condição necessária e suficiente de
A. Nesta definição especifica-se uma condição necessária e
suficiente da validade.
Note-se que o que conta no contraste entre a validade e a
invalidade não é se as premissas são verdadeiras ou falsas, nem se
a conclusão é uma dessas coisas. O que conta é se o conhecimento
das condições de verdade é suficiente ou não para saber que não
tem conclusão falsa caso as premissas sejam todas verdadeiras.
Para que um raciocínio seja válido não é uma condição necessária,
nem suficiente, que as premissas sejam verdadeiras; e para que
seja inválido também não é uma condição necessária, nem
suficiente, que a conclusão seja falsa. O que conta para a validade é
que as premissas e a conclusão estejam de tal modo articuladas
que o conhecimento das suas condições de verdade seja suficiente
para saber que não tem conclusão falsa caso as premissas sejam
todas verdadeiras; e o que conta para a invalidade é que esse
conhecimento não seja suficiente para saber tal coisa. Por isso, a
validade não diz respeito às frases isoladamente, mas antes ao
modo como estão articuladas. No exemplo seguinte, as premissas e
a conclusão são verdadeiras, mas o raciocínio é inválido:

Se Yourcenar nasceu na Bélgica, nasceu na Europa.


Ora, ela nasceu na Europa.
Logo, nasceu na Bélgica.

Tanto as premissas como a conclusão deste raciocínio são


verdadeiras — porém, é inválido. Porquê? Porque com base apenas
nas condições de verdade daquelas frases não se sabe que a
conclusão é verdadeira, mesmo que se saiba que as premissas o
são. O que se sabe só nessa base é que, se ela nasceu na França,
e se este for um país europeu como a Bélgica, a conclusão será
falsa apesar de as premissas serem todas verdadeiras.
O caso anterior mostra que há raciocínios inválidos só com
frases verdadeiras; o seguinte que há raciocínios válidos só com
frases falsas:

28
Alguns cavalos são marcianos.
Logo, alguns marcianos são cavalos.

Tanto a premissa como a conclusão deste raciocínio são falsas.


Contudo, o raciocínio é válido porque o conhecimento das
condições de verdade é suficiente para saber que não tem
conclusão falsa caso a premissa seja verdadeira. Claro que a
premissa não é verdadeira, mas isto não se sabe com base apenas
nas condições de verdade; o que se sabe só nesta base é que se a
premissa for verdadeira, a conclusão também o será. Do mesmo
modo, o conhecimento geográfico permite saber que se Yourcenar
nasceu em Lisboa, nasceu em Portugal — mas não é verdadeiro
que ela tenha nascido em Lisboa.
Os dois exemplos anteriores tornam também evidente que a
verdade contrasta com a validade porque esta última diz respeito à
maneira como as frases estão organizadas, ao passo que a primeira
diz respeito às frases directamente. Quando se diz que uma frase é
válida ou que um raciocínio é verdadeiro, é porque não se
compreende estes conceitos.
A validade é própria dos raciocínios dedutivos, e só deles. E,
como se viu, trata-se de conseguir concluir correctamente, com
base exclusivamente no conhecimento das condições de verdade.
Nos indutivos não é disso que se trata, e por isso se fala de «apoio
indutivo», em vez de validade (secção 8.1). Até indicação em
contrário, sempre que se falar de raciocínio, é do dedutivo que se
trata.
Por fim, note-se que ao falar de validade usa-se por vezes
expressões como «implicação» e «seguir-se (por necessidade)»:
num raciocínio válido, a conclusão segue-se (por necessidade) das
premissas, e estas implicam a conclusão. Fala-se também de
«garantia» e de «consequência lógica»: num raciocínio válido, a
verdade das premissas garante a verdade da conclusão, e a
conclusão é uma consequência lógica das premissas. Afirma-se
ainda que os raciocínios válidos preservam a verdade, ou que não
há interpretação alguma (ou modelo, ou mundo possível, ou
condição de verdade) em que as premissas sejam todas
verdadeiras e a conclusão falsa. Estas maneiras de definir a

29
validade só aproximadamente são equivalentes, ainda que na sua
aplicação matemática não façam diferença. A definição rigorosa de
validade encerra subtilezas filosóficas importantes (secção 7.14),
apesar de os seus aspectos matemáticos serem banais.

30
1.7 Raciocínios encadeados
A primeira condição necessária da cogência é a validade. É uma
condição necessária, mas não suficiente, porque todos os
raciocínios cogentes são válidos, mas há raciocínios válidos que
não são cogentes. A segunda condição é a verdade das premissas.
Os raciocínios que reúnem estas duas condições são sólidos, e
provam definitivamente que a conclusão é verdadeira.
Uma vez que os seres humanos não são omniscientes, há casos
em que se considera erradamente que uma premissa é verdadeira,
ou em que se rejeita uma premissa verdadeira que por erro se
considera falsa. Todos os raciocínios sólidos têm conclusões
verdadeiras, mas nem sempre se sabe se as premissas são
verdadeiras. Quando pelo menos uma das premissas é duvidosa,
recorre-se a outros raciocínios para se tentar provar que é
verdadeira. O seguinte excerto, de um diálogo amplamente usado
como introdução ao pensamento de Platão até ao século ,
quando Schleiermacher (1809) pôs a sua autenticidade em dúvida
com argumentos algo duvidosos (Jirsa 2009), ilustra este aspecto:

Sócrates: Com quem conversas agora? Alguém que não eu?


Alcibíades: Não.
Sóc.: E eu estou a falar contigo?
Alc.: Sim.
Sóc.: É Sócrates quem fala?
Alc.: É ele, certamente.
Sóc.: E quem ouve é Alcibíades?
Alc.: Sim.
Sóc.: E não fala Sócrates com palavras?
Alc.: É claro.
Sóc.: Suponho que dirias que falar é o mesmo que usar
palavras?
Alc.: Certamente.
Sóc.: Mas o que está a ser usado e quem o usa são
diferentes, não?

31
Alc.: Que queres dizer?
Sóc.: Um sapateiro, por exemplo, corta com um estilete e
uma raspadeira, penso, e com outras ferramentas.
Alc.: Sim, é o que ele faz.
Sóc.: Portanto, não é quem faz os cortes e usa as
ferramentas diferente das ferramentas com que corta?
Alc.: É claro.
Sóc.: E, do mesmo modo, não é quem toca harpa diferente
daquilo que usa para fazê-lo?
Alc.: Sim.
Sóc.: Era isso que perguntava — quem usa uma coisa não
parece sempre diferente daquilo que usa?
Alc.: Parece que sim.
Sóc.: Pensemos de novo no sapateiro. Corta ele só com as
ferramentas, ou também com as mãos?
Alc.: Também com as mãos.
Sóc.: Portanto, ele usa também as mãos.
Alc.: Sim.
Sóc.: E não usa ele também os olhos quando faz sapatos?
Alc.: Sim.
Sóc.: Não concordámos que a pessoa que usa é diferente do
que usa?
Alc.: Sim.
Sóc.: Então o sapateiro e o harpista são diferentes das mãos
e dos olhos que usam no seu trabalho.
Alc.: Assim parece.
Sóc.: Não usa um homem também todo o seu corpo?
Alc.: Certamente.
Sóc.: E concordámos que quem usa é diferente da coisa que
está a ser usada.
Alc.: Sim.
Sóc.: Então o homem é diferente do seu próprio corpo.
Alc.: Assim parece.

Platão, Alcibíades I: 129b–129e

32
Platão pretende provar que os seres humanos são diferentes dos
seus próprios corpos, talvez porque pensa que são almas que
habitam corpos. Esta ideia é a conclusão principal do texto, e é a
primeira coisa que urge reconhecer. Uma vez identificada a
conclusão principal, torna-se mais fácil encontrar os raciocínios que
visam prová-la. Sócrates dá vários exemplos em que quem usa e o
que é usado são diferentes, sendo esta a chave para compreender
o raciocínio principal do texto:

Quem usa uma coisa é diferente daquilo que é usado.


Os seres humanos usam os seus próprios corpos.
Logo, são diferentes dos seus corpos.

Porém, como se prova que as premissas são verdadeiras? Se


não forem óbvias ou se não puderem ser conhecidas directamente,
será preciso prová-las raciocinando de novo, que é exactamente o
que faz Sócrates nesta passagem. Para provar a primeira premissa,
ele recorre a um raciocínio complementar:

Os sapateiros são diferentes das ferramentas que usam.


Os harpistas também.
Logo, quem usa uma coisa é diferente daquilo que é usado.

Este raciocínio tem como conclusão a primeira premissa do


raciocínio principal; a segunda é a conclusão de outro raciocínio
complementar:

O sapateiro usa as mãos e os olhos para fazer sapatos.


Logo, os seres humanos usam os seus próprios corpos.

O que se vê neste exemplo é muito comum: um raciocínio


principal, que visa provar uma dada conclusão, e depois vários
raciocínios complementares, que visam provar cada uma das
premissas. Noutros casos, trata-se apenas de apresentar vários
raciocínios relativamente independentes para provar uma dada
conclusão; mas mesmo aí é comum que pelo menos algumas

33
premissas mais disputáveis exijam outros raciocínios para tentar
prová-las.

34
1.8 Plausibilidade
Não basta que os raciocínios sejam sólidos para que sejam
cogentes, como é evidente:

Yourcenar era francesa.


Logo, era francesa.

Este raciocínio é válido e a premissa é verdadeira, mas é


evidente que não é cogente. Quando um raciocínio é circular, não é
cogente: é uma petição de princípio ou petitio principii. Para ser
cogente, é preciso que todas as premissas do raciocínio sejam mais
plausíveis do que a conclusão. Note-se que não basta que as
premissas sejam plausíveis; é preciso que sejam mais plausíveis
que a conclusão. A premissa do raciocínio anterior é plausível, mas
o raciocínio não é cogente.
A circularidade raramente é assim tão gritante; o mais comum é
uma das premissas ser uma variação linguística da conclusão:

Ter direitos implica ter deveres.


Logo, não há direitos sem deveres.

Considere-se outro exemplo:

A desigualdade é uma injustiça.


Logo, não há sociedades justas sem igualdade.

Neste caso, ainda que a conclusão não seja uma mera variação
linguística da premissa, esta não é de modo algum mais plausível
do que aquela. E isso é o que acontece sempre que os raciocínios
são circulares: pelo menos uma premissa efetivamente usada para
chegar à conclusão não é mais plausível do que a conclusão.
A plausibilidade é um juízo algo vago de probabilidade; é o que
parece mais ou menos provável a alguém, num dado contexto, em

35
função de várias informações de fundo ao seu dispor. Quando se vê
uma panela de água em ebulição, é muito plausível que a água
esteja realmente em ebulição, mas maximamente implausível que
seja uma divindade ou um extraterrestre, e não o fogo, que a faz
ferver. O que é plausível ou não depende de variadíssimos factores,
talvez insusceptíveis de serem exaustivamente especificados.
Felizmente, alguns têm força independente das pessoas, e por isso
quase todas concordam quanto à plausibilidade de certas coisas,
mesmo que sejam inicialmente implausíveis. Basta dobrar cinquenta
vezes uma folha de papel de 0,1 milímetros de espessura para ficar
com mais de cem milhões de quilómetros de espessura. Este
resultado é de início mais que muitíssimo implausível — mas depois
faz-se as contas e vê-se que é mesmo assim: 0,1 mm × 2 50 = 112
589 990 684 262,4 mm = 112 589 990 684,2624 m = 112 589
990,6842624 km. A plausibilidade depende não apenas das
impressões iniciais, mas também do que se prova ou não depois
disso e da força dessas provas. Em muitos casos, porém, as
pessoas discordam quanto ao que é mais ou menos plausível.
Para que os raciocínios sólidos sejam cogentes é preciso que
todas as premissas sejam mais plausíveis do que a conclusão; mas
mais plausíveis para quem? Para quem não aceita a conclusão. Isto
é mais evidente quando se argumenta para persuadir alguém: é
preciso que ela considere que todas as premissas são mais
plausíveis que essa conclusão, pois caso contrário limita-se a
rejeitar uma delas. Veja-se o seguinte caso:

A vida foi dada por Deus.


Logo, o aborto não é moralmente permissível.

Este argumento não é cogente caso se vise persuadir um


interlocutor que não é religioso, pois ele limitar-se-á a negar a
premissa. Para que uma pessoa religiosa consiga, de maneira
cogente, defender o seu ponto de vista perante outra que não o
seja, está obrigada a usar premissas não-religiosas que ambos
aceitem. Veja-se o seguinte exemplo contrastante:

36
Se só tivesse direitos quem tem deveres, os bebés não
teriam direitos.
Mas os bebés têm direitos.
Logo, é falso que só tem direitos quem tem deveres.

Todas as premissas deste argumento são mais plausíveis do que


a conclusão para quem considera que só tem direitos quem tem
deveres. Por isso, mesmo essa pessoa aceita todas as premissas; e
isto é o que se exige para que um raciocínio sólido seja cogente.
É ao argumentar que mais se raciocina em círculos: parte-se de
premissas que o interlocutor só aceitaria se já aceitasse a
conclusão. Argumentar bem obriga a descobrir primeiro quais são
os pressupostos relevantes do interlocutor, para tentar então provar
que, a partir deles, se conclui validamente o que ele não aceita. E
isto não é fácil de fazer. Porém, se não for feito, o argumento é
irrelevante, porque o interlocutor, com toda a razão, rejeita as
premissas.
Eis então as primeiras três das quatro condições necessárias
para que um raciocínio seja cogente: 1) ser válido; 2) só ter
premissas verdadeiras; 3) só ter premissas mais plausíveis do que a
conclusão. Estas condições não são, em conjunto, suficientes;
alguns raciocínios que lhes obedecem não são cogentes (secção
8.5). Para já, importa sublinhar que a terceira condição é uma
exigência apenas dos raciocínios tal como foram definidos:
tentativas de provar a conclusão recorrendo a uma ou mais
premissas. Outras coisas parecidas com raciocínios, e muitas vezes
designadas desse modo, não são tentativas de provar a conclusão e
por isso não estão incluídas na definição proposta. Nestes casos,
tudo o que conta são as duas primeiras condições. Veja-se o
seguinte exemplo:

Sócrates é um ser humano.


Todos os seres humanos são mortais.
Logo, Sócrates é mortal.

37
A primeira frase está longe de ser mais plausível do que a última,
pois esta é algo que se sabe directamente (vendo que Sócrates
morreu), ao passo que não se sabe de maneira directa e simples
que todos os seres humanos são mortais. De modo que, caso se
considere que se trata de um raciocínio, não obedece à terceira
condição da cogência. Porém, é razoável defender que não se trata
de um raciocínio no sentido probatório do termo, mas de uma
explicação; em qualquer caso, não é um raciocínio, tal como foi
definido, se for uma tentativa de explicar por que razão Sócrates é
mortal, e não de provar que o é. O mesmo acontece quando se vê
água em ebulição e se explica este fenómeno invocando leis da
natureza. Estas leis são muito menos plausíveis e mais difíceis de
estabelecer que o facto evidente de a água estar em ebulição; a
ideia, porém, não é provar o evidente, mas explicá-lo. Estes casos
mostram que a terceira condição da cogência não se aplica a
explicações.
Não é só no caso das explicações que a terceira condição não
se aplica; ironicamente, não se aplica também em muitos casos da
matemática e da própria lógica. Ao desenvolver uma teoria
matemática ou lógica, é por vezes importante provar que, usando
apenas alguns pontos de partida, se consegue chegar a todas as
outras verdades da área, muitas das quais já são conhecidas. Na
lógica que será aqui estudada consegue-se chegar à verdade lógica
banal «Se Yourcenar era francesa, era francesa» sem usar
quaisquer verdades lógicas como ponto de partida. Os raciocínios
encadeados que conduzem a este resultado são interessantes, mas
o que se pretende realmente provar não é que se ela era francesa,
era francesa, pois isso é banal e já se sabia; ao invés, o que se quer
provar é que se atinge este resultado usando apenas certos pontos
de partida, alguns dos quais são por vezes menos evidentes do que
a conclusão alcançada. Também neste caso não se exige a terceira
condição da cogência, mas também aqui é razoável pensar que não
se trata de uma tentativa de provar a conclusão — o que se visa
provar é que a conclusão se obtém usando apenas certos pontos de
partida.

38
1.9 Exercícios

1. Faça uma lista dos conceitos fundamentais deste capítulo,


e explique-os.
2. Formule os raciocínios seguintes na sua expressão
canónica: 1) Dado que a morte é o fim de tudo, a vida não
tem sentido. 2) É porque Deus não existe que o livre-
arbítrio existe. 3) Os cépticos não têm razão porque, se
tiverem razão, ninguém tem razão. 4) A filosofia é uma
disciplina especulativa. Por conseguinte, é preciso saber
especular para saber fazer filosofia. 5) Não há raciocínios
sem premissas, e por isso só os textos com premissas
têm raciocínios. 6) Yourcenar não é idêntica ao seu
próprio corpo. Afinal, duvida da existência do seu corpo,
mas não da sua própria existência. 7) O dever não
depende da motivação. Se dependesse, a moralidade
perderia o seu carácter normativo. Mas se o perdesse, a
moralidade dependeria da psicologia. Ora, a moralidade
não depende da psicologia.

39
2

40
VEROFUNCIONALIDADE

A lógica formal é o coração da investigação lógica, porque está


muito mais desenvolvida do que a informal. Apesar de haver hoje
várias teorias de lógica formal, é pela clássica que se irá começar.
Com raízes na Antiguidade grega, esta teoria foi sobretudo
desenvolvida a partir de finais do século . Por isso, o adjectivo
«clássica» não é aqui usado para indicar que se trata de uma teoria
da Antiguidade clássica, apesar de ter nela as suas raízes. Aquele
adjectivo é usado no mesmo sentido em que se fala da física
clássica: é aquela primeira teoria muitíssimo bem-sucedida e
adequadamente desenvolvida em relação à qual as lógicas não-
clássicas divergem.

41
2.1 Forma lógica
Considere-se os seguintes raciocínios:

Se a vida fosse absurda, não valeria a pena comer


chocolates.
Mas vale a pena comer chocolates.
Logo, a vida não é absurda.

Se Yourcenar fosse italiana, não seria francesa.


Mas ela era francesa.
Logo, não era italiana.

O primeiro é acerca do absurdo e de comer chocolates; o


segundo, da nacionalidade daquela romancista. Contudo,
desconsiderando essas diferenças, vê-se que ambos têm a mesma
estrutura:

Se p, então não-q.
q.
Logo, não-p.

A forma lógica é este género de estrutura, comum a vários


raciocínios. Ora, a lógica formal começa com duas descobertas
fundamentais, e é por isso que tem essa designação. Primeiro, que
vários raciocínios têm a mesma forma lógica, tal como vários
triângulos têm a mesma estrutura (são todos isósceles, por
exemplo). Segundo, que em muitos casos o exame da forma lógica
é suficiente para saber se os raciocínios são válidos ou não, como
acontece nos dois exemplos anteriores: sabe-se que são válidos
tendo em conta exclusivamente as condições de verdade dos seus
elementos estruturais, as expressões «se…, então…» e «não».

42
2.2 Cinco operadores
A lógica clássica tem duas partes: a quantificada (capítulo 4) e a
verofuncional, que começa agora a ser desenvolvida, e que é
também conhecida como «lógica proposicional» e «lógica frásica».
Nesta lógica, estuda-se apenas uma classe restrita de raciocínios:
aqueles em que as únicas componentes relevantes para a validade
são as condições de verdade de cinco operadores de formação de
frases, que são palavras, ou conjuntos de palavras, que se aplicam
a frases para gerar outras frases. Aplicar apropriadamente o
operador de negação à frase «Mercúrio é um planeta» gera a frase
«Mercúrio não é um planeta». E aplicar apropriadamente o operador
de conjunção («e») às frases «Yourcenar era romancista» e «Le
Guin era romancista» gera a frase «Yourcenar e Le Guin eram
romancistas». Os operadores de formação de frases só formam
frases quando são aplicados a frases; não geram frases se forem
aplicados a palavras que não constituem frases, razão pela qual,
apesar de resultar da aplicação da conjunção, «paz e saúde» não é
uma frase — em alguns contextos será uma frase exclamativa ou
optativa, mas nunca ou raramente será uma frase declarativa. Por
outro lado, as palavras que só por vezes geram frases a partir de
frases não são operadores de frases. O advérbio «rapidamente»
gera a frase com sentido «Yourcenar correu rapidamente» a partir
de «Yourcenar correu», mas partindo de outras frases, como
«Yourcenar era romancista» isso já não acontece; por isso, não é
um operador de formação de frases.
Os operadores de formação de frases têm um papel semântico
muito diferente dos indicadores de conclusão, como «logo», ou de
premissa, como «porque». Os primeiros permitem formar frases
partindo de frases, mas os segundos não formam frases no sentido
lógico do termo, mas raciocínios, que são encadeamentos especiais
de frases. Gramaticalmente, tanto 1 como 2 são frases:

1. Há verdades sintéticas a priori, se Kant tiver razão.


2. Há verdades sintéticas a priori porque Kant tem razão.

43
Porém, 1 é realmente uma frase, mas 2 é um raciocínio — por
isso, não é verdadeiro nem falso. Os indicadores de premissa e de
conclusão não formam frases a partir de frases, mas raciocínios a
partir de frases. Daí que nem «logo», o indicador canónico de
conclusão, nem qualquer outro indicador de premissa ou de
conclusão seja um operador de formação de frases.
Eis então os cinco operadores de frases da lógica clássica,
também conhecidos como «conectivas»:

Chama-se «conjunta» a cada uma das frases de uma conjunção


e «disjunta» a cada uma das frases de uma disjunção. Numa
condicional da forma p → q, p é a antecedente e q a consequente. À
bicondicional chama-se também «equivalência» e é isso que se
abrevia com «sse». Os símbolos que representam os operadores,
como ⋁, são constantes lógicas; em contraste, as letras p, q, r, etc.,
são variáveis de frases elementares, que são aquelas frases que
não incluem operadores verofuncionais. As que os incluem são
frases compostas. Assim, p tanto especifica a forma lógica da frase
«Yourcenar era sagaz», como de «Paris é bonita». Contudo, não
especifica a forma lógica da frase «Le Guin não era francesa», que
é ¬p.
Estes cinco operadores não se limitam a gerar frases a partir de
frases. Além disso, o valor de verdade das frases com qualquer um
destes operadores é inteiramente determinado pelo valor de
verdade das frases constituintes. O caso da negação é o mais
evidente: o operador inverte o valor de verdade da frase; é isto

44
mesmo que se representa na seguinte tabela de verdade, usando V
e F para representar os valores de verdade:

Esta tabela exprime o seguinte: se uma frase da forma p for


verdadeira, a sua negação, ¬p, será falsa; e se for falsa, a sua
negação será verdadeira. Ou seja, se a frase «A lógica é
interessante» for verdadeira, a frase «A lógica não é interessante»
será falsa; e se a primeira frase for falsa, a segunda será
verdadeira. E o mesmo acontece com quaisquer outras frases
elementares. Claro que quando se afirma que ¬p é a negação de p,
pressupõe-se que p especifica, nos dois casos, a forma lógica da
mesma frase. Sem este pressuposto, a afirmação banal anterior
seria falsa, pois «Yourcenar não era belga» não é a negação de «Le
Guin era perspicaz».
Porque a negação é unária (aplica-se a uma só frase), só se tem
em consideração duas condições de verdade, consoante a frase
sem o operador é verdadeira ou falsa. No caso dos outros
operadores tem-se em consideração quatro condições, porque são
binários (aplicam-se a pares de frases):

45
Estas tabelas especificam as condições de verdade dos
operadores. Uma conjunção só é verdadeira se ambas as conjuntas
forem verdadeiras; simetricamente, uma disjunção só é falsa se
ambas as disjuntas forem falsas. Quanto à condicional, só é falsa se
a antecedente for verdadeira e a consequente falsa. Por último, uma
bicondicional só é verdadeira se ambas as frases tiverem o mesmo
valor de verdade.
É crucial não confundir as frases propriamente ditas com a
especificação das suas formas lógicas. Considere-se o seguinte:

1. Yourcenar e Le Guin eram romancistas.


2. p ⋀ q

1 é uma frase portuguesa, mas 2 não o é: apenas especifica a


forma lógica de todas as frases que sejam conjunções de frases
elementares, entre as quais se conta a frase 1. As frases
portuguesas têm valor de verdade, mas 2 não tem valor de verdade
— até porque algumas frases com aquela forma lógica são
verdadeiras e outras são falsas. Por isso, não é apropriado
interpretar a tabela de verdade da conjunção como se mostrasse
que se p e q são verdadeiras, p ⋀ q é verdadeira. O que a tabela
mostra é que se qualquer par de frases das formas p e q forem
verdadeiras, as da forma p ⋀ q também o serão. Ou seja, mostra
que se as frases «Yourcenar era romancista» e «Le Guin era
romancista» forem verdadeiras, a frase «Yourcenar e Le Guin eram
romancistas» também o será — e isto acontece não apenas com
este par de frases, mas com qualquer outro.

46
2.3 Funções de verdade
O valor de verdade de qualquer frase de uma das cinco formas
lógicas anteriormente especificadas é inteiramente determinado pelo
valor de verdade das frases constituintes. Isto acontece porque
aqueles cinco operadores são verofuncionais. Um operador de
formação de frases é verofuncional sse o valor de verdade da frase
que o tenha como operador principal for exclusivamente
determinado pelo valor de verdade da frase ou frases sem ele.
Estes operadores têm esta designação porque são funções de
verdade, ou seja, funções cujos valores de entrada e de saída são
valores de verdade. No sentido matemático do termo, uma função é
qualquer operação na qual os valores de saída são inteiramente
determinados pelos de entrada.
Compare-se qualquer operador verofuncional com o operador
«necessariamente», que não é verofuncional. Neste caso, a tabela
de verdade fica incompleta porque o valor de verdade de uma frase
qualquer com o operador não depende apenas do valor de verdade
da frase sem o operador. Para ver porquê, imagine-se que uma
frase da forma p é verdadeira; qual é o valor de verdade de
«Necessariamente, p»? Não se sabe, pois isso não depende
exclusivamente do seu valor de verdade. A frase verdadeira
«Yourcenar viveu nos EUA» dá origem à frase falsa
«Necessariamente, Yourcenar viveu nos EUA»; já a frase também
verdadeira «O número oito é par» dá origem à frase verdadeira
«Necessariamente, o número oito é par». Isto significa que o
operador «necessariamente» (capítulo 7) não é verofuncional, ao
contrário dos cinco operadores clássicos.
Considere-se agora todos os operadores binários verofuncionais:

47
Há sempre maneira de usar apenas os cinco operadores
clássicos para obter as condições de verdade de qualquer um dos
dezasseis: as frases com o operador 2 têm as mesmas condições
de verdade de ¬(p ⋀ q), as com o 14 têm as mesmas condições de
verdade de ¬(p → q). Isto significa que os cinco operadores da
lógica clássica não foram respigados ao acaso. Pelo contrário, não
só têm uma característica fundamental em comum — são todos
verofuncionais — como permitem formar frases com as condições
de verdade de qualquer operador verofuncional binário. Uma vez
que usando apenas os cinco operadores clássicos se consegue
obter as condições de verdade de qualquer frase com operadores
verofuncionais ternários, quaternários, etc., a lógica verofuncional é
muito mais vasta do que parece à primeira vista, pois é uma teoria
de todo o raciocínio verofuncional e de todas as relações lógicas
entre frases verofuncionais. Uma frase é verofuncional sse permite
formar raciocínios verofuncionais; e um raciocínio é verofuncional
sse as únicas componentes relevantes para a sua validade são os
operadores verofuncionais. Dada esta última definição, os
raciocínios válidos seguintes não são verofuncionais:

Yourcenar é romancista.
Marguerite é Yourcenar.
Logo, Marguerite é romancista.

Le Guin é norte-americana.
Logo, é possivelmente norte-americana.

48
Nestes raciocínios há outras componentes relevantes para a
validade, além dos operadores verofuncionais. Nos capítulos 5 e 7,
a teoria será alargada para abranger raciocínios como estes.

49
2.4 Língua portuguesa
As condições de verdade dos cinco operadores clássicos só
parcialmente correspondem à língua portuguesa. O objectivo não é
dar conta de todos os aspectos do seu significado; o objectivo é
exactamente o oposto: abranger apenas o seu aspecto
verofuncional.
Começando pela conjunção, esta é por vezes usada indicando
um aspecto temporal: «Yourcenar comeu e saiu» indica que saiu
depois de comer e não antes. Porém, este não é um aspecto
verofuncional do significado da conjunção; por isso, é ignorado na
lógica clássica. Além disso, tal como os outros operadores, a
conjunção exprime-se na língua portuguesa de muitas maneiras:

p mas q
p apesar de q
tanto p como q
quer p quer q
p mas também q
p, embora também q

Em todos estes casos, a forma lógica é apenas p e q; esta é a


expressão canónica da conjunção, e a sua vantagem é não deixar
lugar a dúvidas quanto à forma lógica visada. Porém, apesar de se
tratar do conceito de conjunção em todos os casos, nem sempre
estas expressões são usadas da mesma maneira. Usa-se «mas» de
maneira diferente de «e»: «Yourcenar era romancista, mas
perspicaz» sugere que quem é romancista não prima pela
perspicácia. Na lógica clássica atende-se apenas ao significado
verofuncional de «mas», que é igual ao de «e», e ignora-se o resto
— e o mesmo se faz com todas as outras maneiras de exprimir os
cinco operadores.
Quanto à disjunção, a palavra «ou» não é usada apenas da
maneira inclusiva, como na lógica clássica. «Yourcenar era
professora ou romancista» é uma disjunção inclusiva caso não se

50
queira excluir que ela seja as duas coisas. Em contraste, na frase
«Yourcenar nasceu na Bélgica ou nos EUA» sugere-se tipicamente
que se ela nasceu num daqueles países, não nasceu no outro; a
mesma palavra «ou» é usada de maneira exclusiva. As disjunções
exclusivas só são verdadeiras quando as duas frases constituintes
diferem em valor de verdade (é o operador 10 da secção 2.3). Isto
significa que a disjunção exclusiva sobre Yourcenar tem as mesmas
condições de verdade da frase «Yourcenar nasceu na Bélgica sse
não nasceu nos EUA». Por isso, as disjunções exclusivas (p ⩒ q)
são facilmente representadas como bicondicionais (p ⇄ ¬q). Não há
uma maneira exclusivamente linguística de saber se um autor tem
em mente a disjunção inclusiva ou a exclusiva; só o contexto e o
conhecimento de fundo permitem determiná-lo.
A condicional exprime-se por vezes de maneiras menos óbvias.
A expressão canónica das frases da forma p a menos que q é
simplesmente se não-p, então q. Dizer que faz sol durante o dia a
menos que esteja nublado é dizer que se não fizer sol durante o dia,
então está nublado. E a expressão canónica das frases da forma p
somente se q é se p, então q. Dizer que chove somente se houver
nuvens é dizer que se chover, então há nuvens.
As condições de verdade mais surpreendentes e discutidas são
as da condicional. Quando se usa condicionais é muito natural ter a
expectativa, em vários contextos, de uma conexão entre a
antecedente e a consequente. As condicionais clássicas, porém,
são apenas relações verofuncionais; desde que não tenha
antecedente verdadeira e consequente falsa, a condicional é
verdadeira. Isto significa que condicionais como «Se Yourcenar era
romancista, não há vida na Lua» são encaradas como verdadeiras
na lógica clássica — porque tanto a antecedente como a
consequente são verdadeiras, e apesar de não haver qualquer
conexão entre ambas. Só recorrendo à lógica modal (secção 7.13)
se explica em que casos e por que razão são falsas estas e outras
condicionais. De qualquer modo, é de importância capital não
confundir condicionais verofuncionais com causais. Caso uma
condicional verofuncional seja falsa, é também uma condicional
causal falsa, mas não vice-versa. Entendida verofuncionalmente, a
condicional «Se Yourcenar riscar o fósforo, acende-o» é falsa se ela

51
riscar o fósforo sem acendê-lo, e também é falsa caso seja
entendida como condicional causal — riscar o fósforo não causa o
seu acendimento. Porém, basta ela não riscar o fósforo para que a
condicional, entendida verofuncionalmente, seja verdadeira, mas
não para que a condicional causal seja verdadeira.
É muito importante não confundir condicionais com raciocínios,
nem as misturar com palavras como «logo». Dizer «Se Yourcenar foi
à praia, logo levou a toalha» é uma mistura sem sentido de
condicional com raciocínio, ou pressupõe erradamente que a
palavra «logo» é sinónima de «então». Indicar que a frase seguinte
é uma conclusão é muito diferente de indicar que é a consequente
de uma condicional, e é crucial saber qual das duas se pretende.
A lógica clássica só se aplica adequadamente a asserções. A
condicional «Se amanhã chover, fico em casa» é uma promessa ou
declaração de intenções; não é inequivocamente uma asserção.
Uma promessa é cumprida ou não, e é feita com a intenção de
enganar ou não; mas não é inequivocamente verdadeira ou falsa no
mesmo sentido em que uma asserção o é.
Muitas vezes usa-se uma condicional tendo em mente uma
bicondicional. Isto é comum precisamente no caso das promessas
ou declarações de intenções. A promessa anterior é cumprida
quando não chove e a pessoa fica à mesma em casa, mas parece
que nesse caso foi violada. O que acontece é que há o hábito de
interpretar estas promessas que têm a forma de condicionais como
se fossem bicondicionais: «Amanhã fico em casa sse chover.»
Agora é evidente que se a pessoa ficar em casa apesar de não
chover, viola a promessa.
Por fim, considere-se de novo os aspectos temporais presentes
nas mais diversas frases, como «Yourcenar nasceu antes de Le
Guin», que por si só permite concluir validamente que Le Guin
nasceu depois de Yourcenar. Sem uma extensão temporal, não se
capta directamente a validade deste raciocínio na lógica clássica;
será preciso acrescentar a premissa «Quando algo ocorre antes de
outro acontecimento, o segundo ocorre depois do primeiro». Na
lógica clássica, todos os aspectos temporais são ignorados; as
frases são interpretadas como se fossem eternas ou atemporais,
como «Os triângulos têm três lados»: o verbo «ter» está no

52
presente, mas não se quer dizer com isso que os triângulos têm
hoje três lados, embora talvez não os venham a ter ou não os
tenham tido. Assim, apesar de ser evidente que Yourcenar já não
escreve porque morreu, apesar de já ter escrito, na lógica clássica
fala-se como se a frase «Yourcenar escreve» fosse verdadeira
porque é interpretada atemporal ou eternamente, como se quisesse
dizer que ela escreve, já escreveu ou escreverá.

53
2.5 Operador principal
Quando uma frase tem mais de um operador verofuncional, só um é
o principal:

1. p ⋀ (q ⋁ r)
2. (p ⋀ q) ⋁ r

O operador principal das frases da forma 1 é a conjunção, mas é


a disjunção o operador principal das frases da forma 2. Por outras
palavras, só as frases da forma 1 são conjunções; as da forma 2
são disjunções. Como se vê, usa-se parêntesis para indicar o
operador principal, como na aritmética: 5 × (3 – 1) é uma
multiplicação, mas (5 × 3) – 1 é uma subtracção (e os resultados
são diferentes). Quando se usa mais de um par de parêntesis
encaixados, recorre-se a parêntesis diferentes porque fica mais fácil
ver qual é o operador principal:

3. [(p → q) ⋀ p] → q
4. (p → q) ⋀ (p → q)

As frases da forma 3 são condicionais, as da forma 4 são


conjunções. Esta diferença manifesta-se ao fazer tabelas de
verdade: o último operador a preencher é o principal, e é sob ele
que se indica os valores de verdade finais. Nas frases da forma
seguinte, o operador principal é a conjunção:

54
Neste caso, preenche-se primeiro os valores de verdade da
disjunção. Só depois se preenche os valores de verdade da
conjunção, usando os valores de verdade já obtidos. Na linha
destacada, por exemplo, obteve-se V porque é a conjunção de uma
frase verdadeira da forma p com uma frase composta, também
verdadeira (assinalada a cinzento), da forma q ⋁ p. Eis outro
exemplo:

Neste caso, é sob o operador de negação que se escreve os


valores de verdade finais, porque este é o operador principal. É com
base nos valores de verdade da condicional que se determina os
valores de verdade da negação.
Sempre que há mais de um operador numa frase, é preciso
saber qual é o principal. Em alguns casos, isso é evidente. «Se não
houver amor, a vida será absurda» é uma condicional cuja
antecedente está negada: ¬p → q. Em contraste, «Não é verdadeiro
que se houver amor, a vida será absurda» é a negação de uma
condicional: ¬(p → q). No primeiro caso, o operador principal é a
condicional, no segundo, a negação. Porém, a língua portuguesa é
imprecisa e, em muitos casos, não é fácil saber o que se tem em
mente. Considere-se a frase «A arte não é expressão de emoções
ou de sentimentos». Pretende-se dizer 1 ou 2?

1. Não é verdadeiro que a arte seja expressão de emoções


ou de sentimentos: ¬(p ⋁ q).
2. A arte não é expressão de emoções ou não é expressão
de sentimentos: ¬p ⋁ ¬q.

55
Estas e outras ambiguidades sintácticas 1 não existem na lógica;
neste caso, toda a especificação da forma lógica de frases tem no
máximo um operador principal, claramente identificado. Quando há
mais de um operador binário, usa-se parêntesis. Assim, é um erro
escrever p → q ⋀ r, porque tem dois operadores binários, mas não
tem parêntesis; mas não é um erro escrever ¬q ⋀ r, porque só tem
um operador binário e não há ambiguidade. Para negar frases que
incluam pelo menos um operador binário, usa-se parêntesis:
escreve-se ¬(q ⋀ r) para especificar a forma lógica de quaisquer
frases que sejam negações de conjunções; e escreve-se ¬q ⋀ r para
especificar conjunções cuja primeira conjunta seja uma negação.
Alguns autores usam convenções quanto à força relativa entre
operadores, de modo que, por exemplo, a forma lógica de
condicionais cujas antecedentes são conjunções seria p ⋀ q → r.
Esta convenção não é muito proveitosa, porque não dispensa o uso
de parêntesis noutros casos mais complexos e porque com
parêntesis é visualmente mais fácil ver qual é o operador principal.

56
2.6 Tabelas de validade
Usando sequências de tabelas de verdade, aqui denominadas
tabelas de validade 2, é fácil provar a validade ou invalidade de
raciocínios verofuncionais (mas apenas desses). Para ver um
exemplo, considere-se o seguinte:

Não há liberdade genuína — é só uma ilusão. Porquê?


Porque o universo é determinístico.

O primeiro passo para provar a validade ou invalidade deste


raciocínio é ignorar o que não desempenha qualquer papel
inferencial, e reescrevê-lo na sua expressão canónica:

Se o universo for determinístico, a liberdade genuína é uma


ilusão.
O universo é determinístico.
Logo, a liberdade genuína é uma ilusão.

De seguida, é preciso especificar a sua forma lógica. Para fazê-


lo, começa-se por estipular uma interpretação, a que alguns autores
chamam «dicionário»:

p: O universo é determinístico.
q: A liberdade genuína é uma ilusão.

Numa interpretação estipula-se a maneira como se representa


cada uma das frases elementares com valor de verdade que
ocorrem num raciocínio. É um erro representar frases compostas,
assim como partes de frases («Se o universo for determinístico»),
frases sem valor de verdade («Haverá liberdade?») ou frases com
indexicais («Fico em casa»). Estipulada a interpretação, especifica-
se então a forma lógica do raciocínio, usando três pontos como
indicador de conclusão:

57
p→q
p
∴q

Note-se que há inúmeros raciocínios que têm esta forma lógica,


a que se chama modus ponens; o exame que se fizer a partir daqui
aplica-se a todos. O penúltimo passo é fazer, em sequência, uma
tabela de verdade para cada uma das premissas e outra para a
conclusão, formando assim uma tabela de validade:

O último passo é examinar com atenção esta tabela, que


representa a maneira como as condições de verdade das premissas
e da conclusão se articulam no raciocínio em questão. E o que se vê
na tabela, com base apenas no conhecimento destas condições, é
que os raciocínios desta forma lógica não têm conclusão falsa se as
duas premissas forem verdadeiras. Se tiverem conclusão falsa
(segunda e quarta linhas), uma das premissas é também falsa; se
as duas premissas forem verdadeiras, a conclusão também o é. Por
isso qualquer raciocínio desta forma lógica é válido: porque se sabe
com base apenas nas condições de verdade que nenhum tem
conclusão falsa se as duas premissas forem verdadeiras.
Repare-se que o raciocínio original aqui examinado não prova
que a conclusão é verdadeira; mas prova que se as premissas
forem verdadeiras, a conclusão também o será. Por isso, agora vale
a pena tentar descobrir se as premissas são verdadeiras: se forem,
descobre-se que a conclusão também o é. Só vale a pena enfrentar
esta segunda tarefa, bem mais difícil, depois de se provar que o
raciocínio é válido — pois, se o não for, as premissas não provam a
conclusão. Claro que nem todas as validades são assim tão fáceis

58
de provar; mas os instrumentos lógicos permitem provar
inequivocamente pelo menos grande parte delas.
Quem não sabe lógica não vê talvez grande diferença entre o
raciocínio anterior e o seguinte:

Se o universo for determinístico, o livre-arbítrio é uma ilusão.


O livre-arbítrio é uma ilusão.
Logo, o universo é determinístico.

Usando a mesma interpretação, a sua forma lógica é a seguinte:

p→q
q
∴p

Fazendo agora uma tabela de validade, obtém-se o seguinte:

Como se vê, com base apenas nas condições de verdade não se


sabe que o raciocínio não tem conclusão falsa se as duas premissas
forem verdadeiras. Pelo contrário, sabe-se que qualquer raciocínio
desta forma lógica terá premissas verdadeiras e conclusão falsa se
as frases da forma p forem falsas e as da forma q verdadeiras. Por
isso, aquele raciocínio específico é inválido, mesmo que tenha
premissas e conclusão verdadeiras. É inválido porque mesmo que
se saiba que as premissas são verdadeiras, não se sabe, nessa
base apenas, que a conclusão também o é.
Porém, ainda que se admita que os raciocínios verofuncionais
daquela forma lógica não são válidos, por que razão não dizer que
têm apesar disso algum valor, uma vez que se as frases das formas

59
p e q forem verdadeiras, a conclusão também o será? A resposta,
numa palavra, é que saber que as frases da forma p são
verdadeiras é saber já que a conclusão é verdadeira, pelo que
nesse caso não é preciso qualquer raciocínio para descobrir a
conclusão com base nas premissas. É por isso que os raciocínios
inválidos são irrelevantes: não permitem saber que a conclusão é
verdadeira com base apenas nas premissas, a menos que se saiba
já que a conclusão é verdadeira. Veja-se outro exemplo:

Qualquer raciocínio verofuncional desta forma é inválido porque


se as frases da forma p forem verdadeiras e as da forma q falsas, a
conclusão será falsa, apesar de a premissa ser verdadeira. Mas
agora imagine-se que se insiste que os raciocínios desta forma têm
algum valor desde que se saiba que as frases da forma q não são
falsas, pois nesse caso sabe-se que se as premissas forem
verdadeiras, a conclusão também o será. Note-se, contudo, que
saber que as frases da forma q não são falsas é saber que a
condicional da conclusão não tem consequente falsa. Ora, uma vez
que qualquer condicional cuja consequente não seja falsa é
verdadeira, isto significa que já se sabe que a conclusão é
verdadeira, e por isso o raciocínio é irrelevante. Não se sabe que a
condicional da conclusão é verdadeira devido ao raciocínio, mas
porque se sabe que a sua consequente não é falsa. Contraste-se
com os raciocínios da forma seguinte:

60
Neste caso, sabe-se que nenhum raciocínio desta forma tem
premissa verdadeira e conclusão falsa, mesmo sem saber se a
conclusão é verdadeira. Os raciocínios servem precisamente para
tentar descobrir o que não se sabe com base no que se sabe. Só
cumprem esse papel, todavia, se forem válidos.
Em suma, para provar a validade ou invalidade de um raciocínio
verofuncional, começa-se por reescrever todas as frases na sua
expressão canónica, assim como o próprio raciocínio, e acrescenta-
se qualquer premissa que tenha ficado oculta. Estipula-se então
uma interpretação, na base da qual se especifica a forma lógica do
raciocínio. Faz-se por fim uma tabela de validade, que é então
cuidadosamente examinada: os raciocínios daquela forma lógica
são válidos exclusivamente no caso de o conhecimento das
condições de verdade ser suficiente para saber que não tem
conclusão falsa caso todas as premissas sejam verdadeiras. O
primeiro passo é o mais difícil, porque nem os raciocínios nem as
frases trazem a forma lógica no bolso das calças. Além disso, não é
pacífico que uma frase ou raciocínio tenha uma e uma só forma
lógica: o que num contexto é um aspecto relevante da forma lógica
com respeito à validade, é irrelevante noutro. O que se procura fazer
é interpretar o melhor possível as frases e raciocínios nos seus
contextos próprios para se conseguir determinar se estes últimos
são válidos; reescrever cada frase na sua expressão canónica,
destacando os operadores verofuncionais relevantes, é um passo
importante nessa direcção. Quando há mais de uma interpretação
razoável, opta-se pela que torna o raciocínio válido.
Recorde-se que é preciso eliminar quaisquer indexicais (secção
1.2) das frases dos raciocínios cuja validade se pretende determinar.

61
A expressão canónica de «Se sou portuguesa, sou europeia», caso
tenha sido proferida pela Daniela, é «Se a Daniela é portuguesa, é
europeia»; e se tiver sido proferida pela Joana é «Se a Joana é
portuguesa, é europeia». Por isso, na interpretação irá surgir «A
Daniela é portuguesa» ou «A Joana é portuguesa» e não «Sou
portuguesa». Atribuir p a esta última frase numa interpretação é um
erro, porque contém um indexical, e a lógica clássica não inclui
recursos para lidar com indexicais.
Além disso, a lógica verofuncional tem por âmbito
exclusivamente os raciocínios verofuncionais. Caso se faça uma
tabela de validade para examinar um raciocínio que tenha outras
componentes inferenciais relevantes, obtém-se resultados
inadequados. Veja-se o seguinte caso:

Alguns poetas são pintores.


Logo, alguns pintores são poetas.

Este raciocínio é válido porque se sabe com base apenas nas


condições de verdade que não tem premissa verdadeira e
conclusão falsa; porém, caso se faça uma tabela de validade,
parece que tem. O que acontece é que as tabelas de validade só
especificam as condições de verdade que dependem
exclusivamente dos operadores verofuncionais. O raciocínio anterior
é válido, mas não é com base apenas nas condições de verdade
dos operadores clássicos que se sabe da sua validade; é preciso ter
também em conta as condições de verdade do quantificador
«alguns» (secção 4.4). Em suma: as tabelas de validade só provam
a invalidade correctamente caso o raciocínio seja verofuncional.

62
2.7 Duplicar linhas
Os raciocínios com três frases elementares em vez de duas dão
origem a tabelas com oito linhas; e se tiverem quatro, as tabelas
ficam com dezasseis linhas. Cada nova frase elementar duplica o
número de linhas. Isto torna as sequências de tabelas de validade
desajeitadas como método para avaliar alguns raciocínios; nos
capítulos 3 e 6 são apresentados dois métodos que não têm esta
limitação.
Quando se faz uma tabela de verdade apenas com quatro linhas,
é fácil não errar na combinatória. Porém, como garantir que não se
erra ao fazer tabelas com oito ou dezasseis linhas? Eis uma
maneira. Olhe-se com atenção para a combinatória já conhecida:

VV
VF
FV
FF

Vê-se aqui um padrão simples: na primeira coluna, lendo na


direcção descendente, encontra-se dois V e depois dois F, e na
segunda coluna V alterna com F. Para aumentar esta combinatória
para o dobro basta acrescentar uma coluna à esquerda com quatro
V seguidos de quatro F; na segunda coluna mantém-se o padrão de
valores de verdade que alternam dois a dois e, na terceira, valores
de verdade que alternam um a um:

VVV
VVF
VFV
VFF
FVV
FVF
FFV
FFF

63
Se fosse preciso acrescentar mais uma coluna, seria só repetir o
processo: oito V seguidos de oito F, na coluna seguinte os valores
iriam alternar quatro a quatro, na outra dois a dois, e na última um a
um. Eis um exemplo:

p⋁q
p→r
q→r
∴r

Eis a tabela que prova a validade dos raciocínios desta forma


lógica:

Explicar como esta tabela prova a validade dos raciocínios


daquela forma lógica é uma tarefa que fica como exercício.

64
2.8 Falácias
Uma falácia é um raciocínio que parece cogente mas não é. Dadas
as três condições necessárias da cogência, isto significa que há
pelo menos três maneiras de um raciocínio ser falacioso: parecer
válido sem o ser, parecer que tem só premissas verdadeiras quando
algumas são falsas e parecer que todas as premissas são mais
plausíveis do que a conclusão quando isso não acontece. As
falácias do primeiro tipo detectam-se usando tabelas de validade,
desde que se trate de raciocínios verofuncionais. Eis três exemplos:

Falácia da afirmação da consequente


p→q
q
∴p

Falácia da negação da antecedente


p→q
¬p
∴ ¬q

Falácia da inversão da condicional


p→q
∴q→p

As falácias formais, como estas, não têm qualquer diferença


lógica relativamente a quaisquer outros raciocínios inválidos; a
diferença é meramente psicológica. Quem não sabe lógica tende a
considerar válidos alguns raciocínios inválidos, e é só por isso que
são falácias formais.
Nem todos os raciocínios falaciosos são inválidos. Quando é
apenas a segunda condição da cogência que é violada, o raciocínio
é válido — mas apesar disso é falacioso porque parece que todas
as premissas são verdadeiras quando afinal pelo menos uma é

65
falsa. Os raciocínios das formas seguintes são válidos, o que se
prova facilmente com tabelas de validade:

Silogismo disjuntivo
p⋁q
¬p
∴q

Dilema
p⋁q
p→r
q→r
∴r

Os raciocínios destas formas são válidos, mas falaciosos caso a


disjunção pareça verdadeira, apesar de ser falsa. Sempre que se
usa uma disjunção como premissa, é preciso ver com cuidado se há
alternativas relevantes que foram excluídas. É evidente que a
alternativa «Yourcenar era a melhor romancista de sempre ou não
passava de uma fraude literária» é falsa porque exclui alternativas
relevantes. Mas a alternativa «Yourcenar era de esquerda ou de
direita» é igualmente falsa, embora não pareça, caso se esqueça
que há quem concorde com algumas ideias da esquerda e discorde
de outras.

66
2.9 Variáveis irrestritas
Considere-se o seguinte raciocínio:

Se o amor e a arte integram a vida boa, a frivolidade e a


superficialidade são os nossos inimigos. Nesse caso,
devemos resistir corajosamente à frivolidade e à
superficialidade.

Explicitando-o, o raciocínio é o seguinte:

Se o amor e a arte integram a vida boa, a frivolidade e a


superficialidade são os nossos inimigos.
Se a frivolidade e a superficialidade são os nossos inimigos,
devemos resistir-lhes corajosamente.
O amor e a arte integram a vida boa.
Logo, devemos resistir corajosamente à frivolidade e à
superficialidade.

Interpretação
p: O amor integra a vida boa.
q: A arte integra a vida boa.
r: A frivolidade é nossa inimiga.
s: A superficialidade é nossa inimiga.
t: Devemos resistir corajosamente à frivolidade.
u: Devemos resistir corajosamente à superficialidade.

Forma lógica
(p ⋀ q) → (r ⋀ s)
(r ⋀ s) → (t ⋀ u)
p⋀q
∴t⋀u

67
Seria um tédio fazer uma tabela de validade, pois teria sessenta
e quatro linhas. Contudo, olhando com mais atenção, vê-se emergir
um padrão: a terceira premissa tem a forma p ⋀ q, que surge na
antecedente da primeira; r ⋀ s é a forma da consequente da
primeira premissa, mas também a antecedente da segunda; e a
conclusão repete a consequente da segunda premissa. Capta-se
este padrão usando variáveis irrestritas de frases, a que se chama
por vezes «variáveis de fórmula»:

A→B
B→C
A
∴C

As letras A, B, C, etc., serão usadas para especificar a forma


lógica de quaisquer frases verofuncionais, sejam elementares ou
compostas, contrastando assim com as letras p, q, r, etc., que só
especificam a forma lógica de frases elementares. Assim, no caso
anterior, A especifica a forma lógica de uma frase da forma p ⋀ q, B
da forma r ⋀ s, e C da forma t ⋀ u. Agora é mais fácil determinar a
validade dos raciocínios da forma anterior:

Quando se usa variáveis irrestritas de frases e se prova a


validade de um raciocínio verofuncional, todos os raciocínios
verofuncionais com essa forma são válidos, por mais complexos ou
simples que sejam. Porém, quando não se prova a validade, isso

68
não significa que o raciocínio verofuncional examinado não seja
válido; significa apenas que alguns raciocínios verofuncionais com
essa forma não são válidos. Por isso, não é adequado especificar a
forma lógica de raciocínios inválidos usando variáveis irrestritas.
Considere-se o seguinte caso:

A→B
B
∴A

Uma tabela de validade mostra que há raciocínios com esta


forma que são inválidos; todavia, também há raciocínios
verofuncionais com esta forma que são válidos:

(p → p) → r
r
∴p→p

69
2.10 O bem supremo
Considere-se o seguinte texto de Kant:

[…] temos o dever de nos esforçarmos para promover o bem


supremo (que tem, portanto, de ser possível). Assim, a
existência de uma causa de toda a natureza, distinta da
natureza, que contenha o fundamento desta conexão, a
saber, a correspondência exacta da felicidade com a
moralidade, é também postulada. Contudo, esta causa
suprema há-de conter o fundamento da correspondência da
natureza não apenas com uma lei da vontade dos seres
racionais, mas também com a representação desta lei, na
medida em que fizerem dela o fundamento supremo
determinante da vontade, e, consequentemente, não apenas
com a forma da sua moral, mas também com a sua
moralidade enquanto seu fundamento determinante, isto é,
com a sua disposição moral. Logo, o bem supremo no mundo
só é possível na medida em que se pressuponha uma causa
suprema da natureza que tenha uma causalidade em
harmonia com a disposição moral. Ora, um ser capaz de
acções em conformidade com a representação de leis é uma
inteligência (um ser racional), e a causalidade de tal ser em
conformidade com esta representação de leis é a sua
vontade. Logo, a causa suprema da natureza, na medida em
que tem de ser pressuposta para o bem supremo, é um ser
que é a causa da natureza pelo entendimento e vontade
(logo, é o seu autor), isto é, Deus. Consequentemente, o
postulado da possibilidade do bem supremo derivado (o
melhor mundo) é igualmente o postulado da realidade de um
bem supremo original, nomeadamente da existência de Deus.
Ora, era para nós um dever promover o bem supremo; logo,
há em nós não apenas a garantia, mas também a
necessidade, como uma carência conectada ao dever, de
pressupor a possibilidade deste bem supremo que, dado que

70
só é possível sob a condição de Deus existir, conecta o
pressuposto da existência de Deus inseparavelmente com o
dever; isto é, é moralmente necessário pressupor a existência
de Deus. (Kant 1788: 5.125)

Não é fácil extrair daqui um raciocínio de contornos


suficientemente definidos que permitam uma discussão profícua.
Contudo, se isso não for feito, nada haverá de relevante para
discutir. Eis uma proposta:

Há o dever de promover o bem supremo.


Se o bem supremo não fosse possível, não haveria o dever
de promovê-lo.
Se Deus não existisse, o bem supremo não seria possível.
Logo, Deus existe.

Talvez este raciocínio não corresponda exactamente ao que Kant


tinha em mente; mas é filosoficamente interessante e por isso
merece discussão. A primeira coisa a fazer para discuti-lo é ver se é
válido.

Interpretação
p: Há o dever de promover o bem supremo.
q: O bem supremo é possível.
r: Deus existe.

Forma lógica
p
¬q → ¬p
¬r → ¬q
∴r

Fazendo uma tabela de validade, prova-se que qualquer


raciocínio desta forma é válido:

71
Quem sabe lógica nem precisa de fazer a tabela para ver que é
válido, porque isso é evidente. Contudo, considere-se o seguinte
raciocínio:

Há o dever de promover o bem supremo.


Se não houvesse o dever de promovê-lo, o bem supremo não
existiria.
Se este não existisse, Deus também não existiria.
Logo, Deus existe.

Quem não sabe lógica talvez não veja grande diferença entre
este raciocínio e o anterior; contudo, a diferença é abissal porque
este último não é válido, o que significa que é irrelevante discutir as
premissas, pois mesmo que sejam todas verdadeiras não provam
que a conclusão também o é. A forma lógica deste último raciocínio
é a seguinte:

p
¬p → ¬q
¬q → ¬r
∴r

Eis a tabela que prova que não é válido:

72
Especificar a forma lógica de frases e raciocínios é muito mais
que um mero exercício de lógica; é uma condição fundamental para
saber se uma frase é plausível ou se um raciocínio é cogente. A
aplicação da lógica à língua portuguesa é um instrumento capital
para raciocinar melhor e para saber avaliar o raciocínio alheio.
Todavia, essa aplicação não é em si uma actividade sistematizada
pela própria lógica; tudo o que se consegue fazer é usar o
conhecimento lógico, o conhecimento da língua portuguesa e o
contexto das frases e raciocínios para tomar decisões judiciosas
quanto à forma lógica. Depois de especificada a forma lógica de um
raciocínio, há instrumentos lógicos de completo rigor para provar se
é válido ou não; a especificação da forma lógica, contudo, está em
muitos casos aberta a dúvidas, sobretudo em textos menos claros,
nos quais é difícil ver qual será realmente o raciocínio do autor. A
ironia é que nestes casos não é de prever que o próprio autor saiba
com suficiente rigor o que tem em mente.

73
2.11 Negação
O estudo do raciocínio verofuncional acaba por conduzir à
investigação de vários aspectos da lógica das próprias frases e das
relações que têm entre si. São alguns desses aspectos que serão
agora estudados, começando pela negação de frases. Duas frases
negam-se entre si sse com base apenas nas condições de verdade
se sabe que têm valores de verdade opostos. As frases «Yourcenar
escreveu A Obra ao Negro» e «Le Guin não escreveu Os
Despojados» têm valores de verdade opostos, mas não se negam
entre si porque não é com base apenas nas condições de verdade
que se sabe disso. Em contraste, sabe-se apenas nessa base que
as frases «Yourcenar era francesa» e «Yourcenar não era francesa»
têm valores de verdade opostos, e é por isso que são a negação
uma da outra.
Apesar de a negação ser muitíssimo óbvia e simples, dá origem
a erros quando as frases são compostas. Considere-se uma
condicional como «Se Yourcenar nasceu na Bélgica, era chinesa».
Quem não sabe lógica tende a considerar que a sua negação é «Se
ela não nasceu na Bélgica, não era chinesa». Contudo, isto é um
erro, porque não se sabe com base apenas nas suas condições de
verdade que têm valores de verdade opostos, como se vê nas
seguintes tabelas de verdade:

Como se vê, se as duas frases elementares tiverem o mesmo


valor de verdade, as frases compostas não terão valores de verdade
opostos; consequentemente, não são a negação uma da outra. A

74
negação correcta da condicional «Se Yourcenar nasceu na Bélgica,
era chinesa» é «Ela nasceu na Bélgica, mas não era chinesa». O
erro é pensar que a negação de uma condicional é outra
condicional; na verdade, a negação de uma condicional da forma A
→ B é uma conjunção da forma A ⋀ ¬B.

De notar que quando as condicionais não são verofuncionais, a


maneira anterior de negá-las está incompleta. A negação correcta
de condicionais filosóficas como «Se há igualdade, há justiça», que
inclui uma conexão entre a antecedente e a consequente, não é
«Há igualdade, mas não há justiça», mas antes «É possível haver
igualdade sem justiça» (secção 7.13).

75
2.12 Equivalência
Dada uma frase de uma forma qualquer, há sempre um número
infinito de frases com outras formas que são equivalentes à
primeira. Por exemplo, as frases da forma A → B são equivalentes
às da forma ¬A ⋁ B, e as da forma A ⇄ B às da forma (A → B) ⋀ (B
→ A). Duas ou mais frases são equivalentes sse com base apenas
nas condições de verdade se sabe que têm o mesmo valor de
verdade. As frases da forma ¬¬A são equivalentes às da forma A;
na verdade, em geral, qualquer frase negada um número par de
vezes é equivalente à mesmíssima frase sem qualquer negação, e
qualquer frase negada um número ímpar de vezes é equivalente à
mesma frase só com uma negação. Fazendo sequências de tabelas
de verdade é fácil provar se duas ou mais frases verofuncionais são
equivalentes.
Note-se que se trata aqui de equivalência apenas quanto às
condições de verdade, e não de equivalência semântica em
qualquer acepção mais exigente. As frases seguintes são
equivalentes apenas no sentido de terem as mesmíssimas
condições de verdade, e não em qualquer sentido mais exigente do
termo:

A lógica é interessante.
A lógica é interessante, e se Yourcenar era romancista,
era romancista.

76
2.13 Contradição e inconsistência
Quando um par de frases se negam entre si, como as das formas A
e ¬A, diz-se que são contraditórias; é o caso das frases das formas
p → q e ¬(p → q). Mas nem todos os pares de frases contraditórias
têm as formas A e ¬A: as das formas p → q e p ⋀ ¬q são
contraditórias, mas não têm aquela forma mais geral. A única coisa
que conta para que as frases de um dado par sejam contraditórias,
ou seja, se neguem entre si, é que obedeçam à seguinte exigência:
duas frases são contraditórias sse com base apenas nas condições
de verdade se sabe que têm valores de verdade opostos.
A contraditoriedade só ocorre entre pares de frases, ao passo
que a inconsistência, que é uma relação mais fraca, ocorre entre
qualquer número de frases. Duas ou mais frases são inconsistentes
sse com base apenas nas condições de verdade se sabe que não
são todas verdadeiras.
Todas as frases contraditórias são também inconsistentes; mas
há frases inconsistentes que não são contraditórias. Quaisquer
frases das formas p ⋀ q e ¬p ⋀ ¬q são inconsistentes, mas não são
contraditórias, como se prova fazendo uma sequência de tabelas de
verdade. Para que duas ou mais frases sejam inconsistentes basta
saber com base apenas nas condições de verdade que não são
todas verdadeiras; saber que também não são todas falsas é
irrelevante para a inconsistência.
Considere-se agora a consistência: duas ou mais frases são
consistentes sse com base apenas nas condições de verdade não
se sabe que são todas falsas. A consistência — a que se chama por
vezes «coerência» — não tem muito interesse porque não implica a
verdade: há pares de frases consistentes que são ambas falsas,
como «Yourcenar nasceu na Califórnia» e «Le Guin nasceu na
Bélgica». Estas frases são consistentes porque com base apenas
nas condições de verdade não se sabe que são ambas falsas; mas
de facto são-no.
Fala-se por vezes de raciocínios coerentes ou consistentes, mas
em rigor nenhum raciocínio é consistente nem deixa de ser; são as
frases que o constituem que são consistentes ou não entre si.

77
Porém, muitos raciocínios inválidos são constituídos por frases que
são consistentes entre si:

Se Yourcenar nasceu em Lisboa, nasceu na Europa.


Ela nasceu na Europa.
Logo, nasceu em Lisboa.

Este raciocínio é inválido; porém, as três frases são consistentes


entre si. Isto mostra que a consistência não tem interesse no
raciocínio, porque não garante a validade. Pior: qualquer raciocínio
cujas premissas sejam inconsistentes é válido, apesar de não ser
sólido. É válido porque se as premissas forem inconsistentes, sabe-
se com base apenas nas condições de verdade que não tem
premissas verdadeiras — e por isso não tem também premissas
verdadeiras e conclusão falsa. Chama-se vácuas a estas validades
(secção 3.11).

78
2.14 Implicação
O termo «implicação» é infelizmente ambíguo entre dois sentidos
bastante diferentes. No primeiro, entailment, trata-se da relação
entre as premissas e a conclusão de um raciocínio válido. Neste
sentido, uma frase implica outra sse com base apenas nas
condições de verdade se sabe que a primeira não é verdadeira e a
segunda falsa. Esta relação denomina-se menos ambiguamente
«implicação formal» ou «estrita» (secção 7.13). Neste sentido, as
frases da forma A implicam (entail) as da forma A ⋁ B, como se
prova facilmente com uma tabela de validade. O segundo sentido de
«implicação», implication, é apenas a condicional. Neste sentido,
uma frase implica outra desde que a primeira seja falsa ou a
segunda verdadeira. Para evitar esta ambiguidade chama-se-lhe por
vezes «implicação material», mas o melhor é chamar-lhe apenas
«condicional».
É importante não confundir a implicação estrita com a
condicional; a primeira é mais exigente que a segunda. Quando há
implicação entre duas frases, a condicional entre ambas é
verdadeira, mas quando uma condicional é verdadeira nem sempre
a antecedente implica a consequente. Considere-se as seguintes
frases:

1. Yourcenar e Le Guin eram romancistas.


2. Yourcenar era romancista.
3. Se Newton viveu em Cambridge, viveu em Inglaterra.

Porque 1 implica 2, a condicional de 1 para 2 é verdadeira. Mas


apesar de a condicional 3 ser verdadeira, a frase «Newton viveu em
Cambridge» não implica «Newton viveu em Inglaterra» porque,
apesar de serem de facto ambas verdadeiras, não se sabe com
base apenas nas condições de verdade que se a primeira é
verdadeira, também a segunda o é; é preciso saber também que
Cambridge fica em Inglaterra.

79
2.15 Verdade lógica
Quaisquer frases da forma A ⋁ ¬A, como «Yourcenar era inglesa ou
não», são verdades lógicas. Estas não são as únicas: as da forma
[(A → B) ⋀ ¬B] → ¬A também o são. Há um número infinito de
verdades lógicas. Uma frase é uma verdade lógica sse com base
apenas nas condições de verdade se sabe que é verdadeira. A
diferença entre as frases verdadeiras «Yourcenar era francesa» e
«Se ela era francesa, era francesa» é que só a segunda se sabe
que é verdadeira com base apenas nas condições de verdade; só
essa, pois, é uma verdade lógica. Chama-se por vezes «tautologia»
às verdades lógicas, mas esta terminologia é infeliz, porque, em
rigor, uma tautologia é uma redundância ou uma banalidade sem
conteúdo informativo. Ora, nem todas as verdades lógicas são
tautologias neste sentido, uma vez que algumas são muitíssimo
informativas e só foram descobertas depois de muita investigação.
A negação de uma verdade lógica é uma falsidade lógica; uma
frase é uma falsidade lógica sse com base apenas nas condições de
verdade se sabe que é falsa. Quaisquer frases da forma A ⋀ ¬A são
falsidades lógicas, como «Paris é e não é bela». Estas não são as
únicas: quaisquer frases que neguem verdades lógicas são
falsidades lógicas.
Dada uma frase qualquer com valor de verdade, ou é uma
verdade lógica, ou é uma falsidade lógica ou é uma frase
logicamente indeterminada (a que se chama por vezes
«contingência lógica»). Uma frase é logicamente indeterminada sse
com base apenas no conhecimento das condições de verdade não
se sabe se é verdadeira ou falsa, como «Yourcenar escreveu
Memórias de Adriano».
Numa tabela de verdade vê-se que todas as frases da forma p →
p são verdades lógicas, e que todas as suas negações são
falsidades lógicas. Porém, caso se faça uma tabela de verdade para
a frase «Se o número dois é par, o três é ímpar» (p → q) ou para a
frase «As aves são aves» (p), parece que nenhuma é uma verdade
lógica, apesar de ambas o serem. As tabelas de verdade só revelam
correctamente se as frases verofuncionais são verdades lógicas,

80
falsidades lógicas ou frases logicamente indeterminadas. Quando
uma frase não é verofuncional não se sabe qual é o seu estatuto
lógico com base apenas nas condições de verdade dos cinco
operadores clássicos.
Quando um raciocínio é válido, a sua expressão condicional é
uma verdade lógica. A expressão condicional de um raciocínio não é
um raciocínio, mas antes uma frase: é uma condicional que tem
como antecedente a conjunção de todas as premissas e como
consequente a conclusão. Veja-se o seguinte exemplo:

A⋁B
¬A
∴B

Uma vez que qualquer raciocínio desta forma é válido, qualquer


frase que seja a sua expressão condicional é uma verdade lógica,
como as da forma seguinte:

[(A ⋁ B) ⋀ ¬A] → B

Quando um raciocínio é válido, a conjunção de todas as suas


premissas com a negação da conclusão é uma falsidade lógica:

[(A ⋁ B) ⋀ ¬A] ⋀ ¬B

Além disso, qualquer raciocínio que tenha por conclusão uma


verdade lógica é vacuamente válido; e qualquer raciocínio que tenha
pelo menos uma premissa que seja uma falsidade lógica também o
é (secção 3.11).

81
2.16 Realidade e linguagem
É uma tentação considerar que as verdades lógicas são verdadeiras
exclusivamente devido à linguagem, ou à forma lógica. Porém, é
muitíssimo razoável considerar que esta ideia é falsa; além disso,
talvez resulte de se confundir 1 com 2:

1. As verdades lógicas são conhecidas tendo


exclusivamente em consideração as suas condições de
verdade.
2. As verdades lógicas são verdadeiras exclusivamente
devido à linguagem, ou à forma lógica.

Não só 1 é muitíssimo diferente de 2, como esta última não se


conclui validamente da primeira. Para ver a diferença entre ambas,
e a implausibilidade da segunda, considere-se a frase logicamente
indeterminada «Yourcenar nasceu na Bélgica, ou Le Guin». Esta
frase é verdadeira porque Yourcenar nasceu naquele país, e isso é
suficiente para que a disjunção seja verdadeira, devido ao
significado de «ou». Assim, é em parte porque «ou» tem o
significado que tem e não outro qualquer que a frase é verdadeira
(se «ou» quisesse dizer «e», a frase seria falsa); mas não é
exclusivamente devido a isso, pois é também preciso que uma
daquelas duas romancistas, ou ambas, tenha realmente nascido
naquele país. Pensando bem, isto acontece com qualquer frase,
mesmo que não tenha operadores verofuncionais: a frase
«Yourcenar nasceu na Bélgica» é verdadeira também porque quer
dizer o que diz e não outra coisa — além de ser verdadeira porque
ela nasceu naquele país. Caso aquela frase quisesse dizer que
Yourcenar nasceu em Marte, seria falsa. Assim, quando uma frase
logicamente indeterminada é verdadeira, isso deve-se a dois
factores: 1) a frase tem o significado que tem e não outro qualquer,
e 2) a realidade é como a frase diz que é. O primeiro é um factor
meramente linguístico, o segundo um factor extralinguístico (a
menos que a frase seja metalinguística, ou seja, acerca da

82
linguagem, como «A frase “Yourcenar escreveu romances” só tem
um nome próprio»). Pela mesmíssima ordem de ideias, a frase
«Yourcenar nasceu na Bélgica ou não» é verdadeira também
porque uma das disjuntas é verdadeira — ela nasceu naquele país
— e não apenas porque as palavras «ou» e «não» têm o significado
que têm. Consequentemente, parece falso que as verdades lógicas
sejam verdadeiras exclusivamente em virtude do significado das
palavras, ou exclusivamente em virtude da forma lógica, ou de
qualquer outro aspecto meramente linguístico.
Há talvez dois aspectos que provocam confusão, e estão ambos
relacionados. O primeiro é que caso Yourcenar não tivesse nascido
na Bélgica, a frase «Yourcenar nasceu na Bélgica ou não» seria
mesmo assim verdadeira. Isto talvez faça pensar que é só o
significado das palavras que é responsável pela verdade, e não
também a realidade extralinguística. Porém, caso Yourcenar não
tivesse nascido na Bélgica, seria precisamente isso que seria
responsável pela verdade da segunda parte da disjunção —
portanto, uma vez mais, a disjunção seria verdadeira devido à
realidade extralinguística também e não apenas devido ao
significado das palavras. O segundo aspecto é que há obviamente
maneiras de descobrir verdades lógicas tendo em consideração
apenas as condições de verdade e não a realidade extralinguística,
coisa que não acontece no caso das verdades logicamente
indeterminadas. Quando se está perante uma frase logicamente
indeterminada, não se sabe que é verdadeira com base apenas nas
condições de verdade; mas é precisamente isso que acontece
quando se está perante uma verdade lógica. Porém, esta é uma
diferença epistémica, ou seja, acerca da maneira como se consegue
saber de uma verdade, e não uma diferença metafísica 3, ou seja,
acerca do que é responsável pela verdade.

83
2.17 Sintaxe e semântica
Numa língua há dois aspectos diferentes, mas relacionados: a
sintaxe e a semântica. A sintaxe é um conjunto de regras que
determina quais são as maneiras correctas de juntar símbolos: na
língua portuguesa, «Polinésia caminhar orelhas» viola as regras
sintácticas da formação de frases (não é um conjunto simbólico de
símbolos). A semântica faz a ligação entre os símbolos e a realidade
de que se quer falar com eles. Na língua portuguesa, «water» não
tem significado, ao contrário de «água». Dada esta ligação à
realidade, certas combinações simbólicas de símbolos, as frases
declarativas, ganham então valores de verdade. A frase «A neve é
branca» é verdadeira se significar que a neve é branca e se, além
disso, a neve for branca. É a semântica das frases que estabelece
os seus significados, o que permite por sua vez que a realidade as
torne verdadeiras ou falsas.
Estes dois aspectos, a sintaxe e a semântica, estão presentes na
lógica formal. Na sintaxe de uma lógica verofuncional, os símbolos p
→ q constituem uma fórmula bem formada (fbf; em inglês, «wff», de
«well-formed formula»): um conjunto de símbolos que obedecem às
regras de formação de fórmulas que, caso se queira, se especifica
exaustivamente (coisa que não se faz neste livro). Isto contrasta
com p ¬q, que não é uma fbf. As variáveis de frases elementares,
como p, são também fbf. Há diferentes sistemas de notação lógica;
grande parte das diferenças são irrelevantes, mas alguns sistemas
de notação são melhores do que outros, num ou noutro aspecto.
Na semântica formal começa-se por estipular valores semânticos
abstractos — as letras V e F, ou os numerais 0 e 1, ou o que se
quiser. Claro que tal como há uma correspondência entre as regras
sintácticas de formação de fórmulas e a linguagem comum, há
também uma correspondência óbvia entre estes valores semânticos
estipulados e os valores de verdade comuns. Em rigor, porém, tanto
as sintaxes como as semânticas formais da lógica são
desenvolvidas de um ponto de vista puramente estipulativo, que
depois terá aplicação ou não num ou noutro domínio.

84
Depois de se estipular quais são os valores semânticos
abstractos, estipula-se como as fbf compostas ganham valores
semânticos a partir das elementares. Olhando para uma tabela de
verdade o que se vê é precisamente uma representação simples
destas estipulações: atribuindo o valor V a p, ¬p recebe por
estipulação F (na lógica clássica). Claro que literalmente nenhuma
fbf, como ¬p, é realmente falsa, até porque o conceito de falsidade
não existe sequer numa semântica formal; o que se está a fazer é a
espelhar numa linguagem de conto de fadas esse fenómeno banal
de uma negação real ser falsa sse a afirmação for verdadeira.
Dada uma fbf composta, chama-se «modelo» à atribuição de
valores semânticos a cada fbf elementar que a constitui e que
resulte na atribuição de um valor semântico especial à fbf composta.
Quando se quer espelhar o raciocínio real, comum, que as pessoas
fazem, é natural eleger o valor V como especial e falar como se
fosse o conceito de verdade. Assim, no caso de uma fbf como p ⋀ q,
só há um modelo, que resulta de atribuir V às duas fbf elementares
— só dessa atribuição resulta a atribuição V à fbf composta.
A validade define-se então dizendo que todos os modelos das fbf
que fazem as vezes de premissas são modelos da fbf que faz as
vezes de conclusão, e isto exprime-se usando o martelo semântico
(«turnstile», em inglês, que quer dizer «catraca»), como no seguinte
caso: p → q, p ⊨ q. Numa interpretação comum, esta sequência de
símbolos quer dizer que as frases da forma à direita do martelo são
consequências semânticas das frases das formas à sua esquerda,
separadas por vírgula; ou seja, qualquer raciocínio com aquela
forma lógica é válido.
Por sua vez, um contramodelo é uma atribuição de valores
semânticos às fbf elementares que resulta na atribuição V às fbf à
esquerda do martelo e na atribuição F à fbf da direita. Só há
contramodelos quando a fbf à direita do martelo não é uma
consequência semântica das fbf à esquerda. As tabelas de validade
especificam o contramodelo ou contramodelos quando os
raciocínios das formas em causa são inválidos.

85
2.18 Exercícios

1. Faça uma lista dos conceitos fundamentais deste capítulo,


e explique-os.
2. Qual é o valor de verdade das frases seguintes? Justifique
as suas respostas. 1) Eça e Júlio Verne eram franceses.
2) Deus existe e nenhum número par é maior do que
cinco. 3) O Sol é feito de gelo e os extraterrestres são
azuis. 4) Eça escreveu A Capital ou Os Maias. 5) Picasso
era alemão ou egípcio. 6) Deus existe ou não há vida na
Lua. 7) Se a água é H 2O, a Etiópia é um país africano. 8)
Se Eça não escreveu A Capital, a igualdade social é
irrelevante. 9) Se Eça nunca viveu em Paris, a água não é
H 2O. 10) A água é H 2O se e só se a Etiópia é um país
africano. 11) Eça não escreveu A Capital se e só se
Beethoven escreveu Os Miseráveis. 12) Eça nunca viveu
em Paris se e só se a água não é H 2O.
3. Imagine que é verdadeiro que tudo está determinado, mas
falso que a vida tenha sentido. Sob essa hipótese, qual é
o valor de verdade das frases seguintes? Justifique as
suas respostas. 1) Se nem tudo está determinado, a vida
não tem sentido. 2) Se a vida tem sentido, tudo está
determinado. 3) Se tudo está determinado, a vida tem
sentido. 4) Nem tudo está determinado se e só se a vida
não tem sentido. 5) A vida tem sentido se e só se tudo
está determinado. 6) Tudo está determinado se e só se a
vida não tem sentido.
4. Um operador de formação de frases binário é comutativo
quando a ordem das frases componentes não altera o
valor de verdade da frase composta. Examinando as
tabelas de verdade dos quatro operadores binários,
determine quais deles são comutativos e quais não o são.
Justifique a sua resposta.
5. Será o operador «possivelmente» verofuncional? Porquê?

86
6. Considere o seguinte raciocínio válido: «Marguerite
Yourcenar não era casada; logo, era solteira». Será este
raciocínio verofuncional? Porquê?
7. Reescreva as frases seguintes usando as expressões
canónicas dos operadores verofuncionais: 1) Claro que há
chocolates! A alternativa é uma vida sem sentido. 2) A
Joana está na biblioteca, a não ser que tenha ido para
casa. 3) Tanto o conhecimento como a realidade são
estudados pela filosofia. 4) Eça foi tanto diplomata como
romancista. 5) Na Antiguidade grega cultivava-se quer a
virtude quer a guerra. 6) Os medievais cultivavam a
filosofia, mas também a religião. 7) Eça era diplomata,
embora fosse também romancista. 8) Uma condição
necessária para que não haja conhecimento é os cépticos
terem conhecimento de que não há conhecimento. 9) Se
há pensamento, há matéria. 10) A vida humana é hoje
muito melhor do que há duzentos anos, se Hans Rosling
tiver razão. 11) A filosofia é possível somente se
aceitarmos o uso sistemático da racionalidade comum.
12) O mundo exterior é uma ilusão caso os cépticos
tenham razão. 13) A arte não é apenas imitação, a menos
que a música pura não seja arte. 14) Sempre que alguém
pensa, o génio maligno não pode enganá-la quanto à sua
existência. 15) Para haver sentido na vida é necessário
haver entrega activa a projectos de valor. 16) Para que
uma vida humana seja absurda é suficiente que seja
frívola.
8. Indique qual é o operador principal das frases das formas
seguintes: 1) ¬(p ⋀ q). 2) ¬p ⋀ q. 3) ¬p ⇄ ¬q. 4) ¬(p ⇄ ¬q).
5) p ⇄ (¬q ⋀ p). 6) p ⋀ ¬(q ⋀ p). 7) ¬[p ⋀ ¬(q ⋀ p)].
9. Especifique a forma lógica das frases seguintes,
discutindo as ambiguidades de âmbito que encontrar: 1)
Picasso não era parisiense se e só se Paris era uma
cidade alemã. 2) Não é verdadeiro que Picasso não era
parisiense se e só se Paris era uma cidade alemã. 3) Não
há felicidade nem justiça. 4) Não é verdadeiro que há ou
felicidade ou justiça. 5) Não há felicidade ou justiça.

87
10. A conjunção é associativa porque qualquer frase da forma
(A ⋀ B) ⋀ C tem o mesmo valor de verdade de uma frase
da forma A ⋀ (B ⋀ C). Quais dos outros operadores
binários verofuncionais são associativos?
11. Recorrendo a tabelas de validade, prove se os raciocínios
verofuncionais das formas seguintes são válidos ou não:
1) p ⋀ q, ¬p ∴ q. 2) p ⋁ q, ¬p ∴ q. 3) p → q ∴ p ⇄ q. 4) p ⇄
q ∴ p → q. 5) p → q ∴ q ⋀ p. 6) p → q ∴ q → p. 7) p → q, q
→ p ∴ ¬p ⋁ q. 8) p → q, q → r ∴ p → r. 9) p → q, ¬r ∴ r →
p. 10) p, q ⇄ r ∴ r ⋁ q. 11) p ⇄ q, q ⇄ r ∴ r → p. 12) p, ¬q ∴
r → (p ⋀ ¬q). 13) p → (¬q ⋁ ¬r), ¬(q ⋀ r) → s ∴ p → s.
12. Recorrendo a tabelas de validade, prove se os raciocínios
seguintes são válidos ou não: 1) O livre-arbítrio é possível
ou a nossa vida é uma ilusão. Todavia, o livre-arbítrio não
é possível. Logo, a nossa vida é uma ilusão. 2) Há
chocolates. Logo, a felicidade eterna é possível. 3) Se os
filósofos tiverem razão, a vida por examinar não vale a
pena ser vivida. Logo, a vida por examinar não vale a
pena ser vivida. 4) Eça era grego. Eça não era grego.
Logo, há extraterrestres. 5) A justiça é possível se e só se
houver completa igualdade. Não há completa igualdade.
Logo, a justiça não é possível. 6) Se o dever depende da
motivação, a moralidade depende da psicologia. Ora, ou a
moralidade não depende da psicologia ou perde o seu
carácter normativo. Logo, se o dever depende da
motivação, a moralidade perde o seu carácter normativo.
7) Uma pessoa não é o seu corpo. Se o fosse, não
poderia duvidar de que o seu corpo existe. Contudo, é
evidente que pode duvidar da existência do seu corpo,
apesar de não poder duvidar da sua própria existência. 8)
Se uma frase for contingente, é verdadeira em alguns
casos e falsa noutros. Se não existissem verdades, não
haveria frases verdadeiras em alguns casos e falsas
noutros. Logo, sem verdade não há contingência. 9) É
incoerente defender que não temos justificação para as
nossas ideias, porque se não a tivéssemos, não teríamos

88
também justificação para a ideia de que não temos
justificação para as nossas ideias.
13. Usando variáveis irrestritas de frase, especifique a forma
lógica mais geral dos raciocínios das seguintes formas: 1)
p → (r ⇄ s), ¬(r ⇄ s) ∴ ¬p. 2) (p ⋀ q) → r, ¬r ∴ ¬(p ⋀ q). 3)
(p ⋁ q) → (r → p), p ⋁ q ∴ s ⋁ (r → p).
14. Recorrendo a tabelas de verdade, prove o seguinte: 1) A
negação de A → B é A ⋀ ¬B. 2) A negação de A ⋀ B é ¬A
⋁ ¬B. 3) A negação de A ⋁ B é ¬A ⋀ ¬B. 4) A negação de
A ⇄ B é (A ⋀ ¬B) ⋁ (¬A ⋀ B).
15. Negue correctamente as frases seguintes sem usar a
negação como operador principal: 1) Paris e Madrid são
cidades chinesas. 2) Eça não acreditava nas divindades
gregas, nem Orwell. 3) O argumento ontológico é válido
se e só se for formalmente válido. 4) Se Picasso defendia
os universais, não há razão para ser nominalista. 5) Foi
Ursula Le Guin ou Gabriel García Márquez quem
escreveu O Elogio da Loucura.
16. Prove que quaisquer pares de frases com as seguintes
formas são equivalentes: 1) A, ¬¬A. 2) A ⋀ B, B ⋀ A. 3) A
⋁ B, B ⋁ A. 4) A → B, ¬A ⋁ B. 5) A → B, ¬B → ¬A. 6) A ⇄
B, (A → B) ⋀ (B → A).
17. Usando tabelas de verdade, prove que quaisquer frases
verofuncionais das formas p ⋀ q e ¬p ⋀ ¬q são
inconsistentes, mas não são contraditórias.
18. Recorrendo a tabelas de verdade, prove que dado
qualquer par de frases das formas seguintes, a primeira
implica a segunda: 1) A, A ⋁ B. 2) A ⋀ B, A. 3) A ⋀ B, B ⋀
A. 4) A ⋁ B, B ⋁ A. 5) A ⇄ B, A → B. 6) A ⇄ B, B → A.
19. Recorrendo a tabelas de verdade, prove se as frases das
formas seguintes são verdades ou falsidades lógicas: 1)
¬(A ⋁ ¬A). 2) A → (A ⋁ B). 3) A ⋁ ¬A. 4) A ⋀ ¬A. 5) [(A →
B) ⋀ A] → B. 6) (A ⋀ B) → (A ⋁ B). 7) [(A → B) ⋀ ¬B] ⋀ A.
8) [(A → B) ⋀ (B → C)] ⋀ ¬(A → C).

89
3

90
DERIVAÇÕES

As tabelas de validade ajudam a compreender os conceitos de


validade e forma lógica, e esse é o seu papel principal. Examinando
uma tabela, torna-se visível que quando um raciocínio é válido o
conhecimento das condições de verdade é suficiente para saber que
não tem premissas verdadeiras e conclusão falsa. Apesar disso, as
tabelas tornam-se entediantes quando o raciocínio a examinar tem
quatro ou mais frases elementares. A limitação mais séria, porém, é
que não oferecem um método para chegar validamente à conclusão
partindo das premissas — e isso é o que realmente conta no
raciocínio. É aqui que entram as derivações, que são processos de
demonstração ou prova formal. Uma derivação é uma maneira de
chegar validamente a uma conclusão partindo das premissas e
usando apenas raciocínios elementares cuja validade já é
conhecida: as regras de inferência. Deste modo, não se prova
apenas que um dado raciocínio é válido; mostra-se como se chega
validamente à conclusão partindo das premissas.

91
3.1 Modus tollens
Considere-se de novo o raciocínio atribuído a Kant:

Há o dever de promover o bem supremo.


Se o bem supremo não fosse possível, não haveria o dever
de promovê-lo.
Se Deus não existisse, o bem supremo não seria possível.
Logo, Deus existe.

Quem sabe lógica vê facilmente que este raciocínio é válido,


porque se obtém a conclusão aplicando duas vezes uma forma
muito comum de raciocínio válido, chamada modus tollens:

A→B
¬B
∴ ¬A

Evidentemente, uma tabela permite provar facilmente que os


raciocínios desta forma são válidos. Porém, para provar que a
conclusão do raciocínio atribuído a Kant resulta de duas aplicações
do modus tollens é preciso começar por compreendê-la muito bem.
E o primeiro aspecto importante é este: tudo o que conta no modus
tollens é haver uma condicional e também a contraditória da sua
consequente; isto basta para concluir validamente a contraditória da
antecedente. Uma vez que a ordem das premissas é irrelevante, as
duas primeiras premissas daquele raciocínio obedecem
precisamente a este padrão: a primeira premissa é a contraditória
da consequente da condicional da segunda premissa. Isto significa
que se conclui, por modus tollens, a contraditória da antecedente:

Há o dever de promover o bem supremo.


Se o bem supremo não fosse possível, não haveria o dever
de promovê-lo.
Logo, o bem supremo é possível.

92
Chega-se assim a uma conclusão intermédia, raciocinando por
modus tollens. Junte-se agora esta conclusão à terceira premissa do
raciocínio original:

O bem supremo é possível.


Se Deus não existisse, o bem supremo não seria possível.

Como é evidente, surgem de novo os elementos necessários


para uma nova aplicação do modus tollens: a primeira frase é a
contraditória da consequente da condicional. Conclusão:

Deus existe.

É este processo que quem sabe lógica faz quase


instantaneamente ao ver o raciocínio original. E é isto que se
explicita numa derivação, usando «MT» como abreviatura de modus
tollens:

Como se vê, as derivações têm quatro colunas. Na primeira,


numera-se cada passo da derivação. Na segunda, formula-se o
raciocínio propriamente dito; escreve-se as premissas e as
conclusões parciais, até chegar à conclusão final, no último passo.
Na terceira coluna, justifica-se cada passo do processo; especifica-
se a regra usada e os passos a que foi aplicada (ou declara-se que
é uma premissa). Por fim, na última coluna regista-se as premissas
de que depende cada resultado derivado. Sempre que se aplica

93
uma regra a um ou mais passos, fica-se a depender das premissas
de que dependem esses passos.
Os primeiros três passos deste exemplo são apenas as
premissas e é isso que os justifica. Porém, o que justifica o passo 4
é um raciocínio por modus tollens, que usa os passos 1 e 2 como
premissas. E no passo 5, uma nova aplicação da mesma regra de
inferência, usando agora os passos 3 e 4 como premissas, permite
chegar à conclusão final. Ao concluir o passo 5 por modus tollens
com base nos passos 3 e 4, fica-se a depender de todas as
premissas de que dependem estes passos. Ora, 3 é ele próprio uma
premissa, pelo que é isso que se regista na quarta coluna; e 4
dependia das premissas 1 e 2, pelo que são essas dependências
que agora são herdadas.
Como é evidente, a derivação anterior não diz respeito apenas
àquele raciocínio, mas a todos os que tiverem a mesma forma
lógica:

p, ¬q → ¬p, ¬r → ¬q ⊢ r

Usa-se o martelo sintáctico para indicar que as frases da forma à


sua direita são derivadas das frases das formas à sua esquerda.
(Mais rigorosamente, o martelo sintáctico indica que a fórmula da
direita se obtém das da esquerda usando apenas as regras dadas e
sem ter em consideração quaisquer aspectos semânticos.) Eis a
derivação:

Uma vez mais, a conclusão intermédia do passo 4 é derivada


das premissas 1 e 2 por modus tollens; e a conclusão final deriva-se

94
aplicando a mesma regra à premissa 3 e ao resultado anteriormente
derivado no passo 4. O passo 4 depende das premissas 1 e 2
porque o modus tollens foi aplicado a essas premissas; já o 5
depende das premissas 3, 1 e 2, porque o modus tollens foi aplicado
à premissa 3 e ao passo 4 — mas como este passo depende das
premissas 1 e 2, são essas dependências que são agora herdadas.
Na quarta coluna regista-se apenas as premissas de que depende
cada passo; quando uma regra é aplicada a uma premissa, é essa
premissa que se regista, mas quando se aplica a um passo que não
seja uma premissa, herda-se as premissas de que esse passo
depende.
Porque as regras como o modus tollens são expressas em toda
a sua generalidade, usando variáveis irrestritas de frase, é crucial
conseguir ver as formas lógicas mais gerais nas particulares. Assim,
na primeira premissa do modus tollens vê-se uma condicional
aparentemente simples da forma A → B. Na verdade, porém,
porque as variáveis aqui são irrestritas, esta condicional tem um
número infinito de casos, como p → ¬q, mas também (p ⋀ r) → q,
etc. No raciocínio atribuído a Kant, a condicional tem a forma ¬q →
¬p, o que significa que ¬q está no lugar de A, e ¬p no de B. Ora, isto
significa que é ¬¬p que está no lugar de ¬B; todavia, é evidente que
as frases da forma ¬¬p são equivalentes às da forma p. Daí que o
modus tollens se possa aplicar a este caso.
Apesar de toda esta flexibilidade, o modus tollens só se aplica a
duas frases completas, e não a partes de frases. Considere-se o
seguinte exemplo:

p→q
¬q ⋁ s
∴ ¬p X

Os raciocínios desta forma são inválidos e resultam de uma


aplicação errada do modus tollens. Na segunda premissa, as frases
da forma ¬q fazem parte da disjunção, e por isso não é válido usá-
las para concluir as da forma ¬p a partir da condicional.

95
3.2 Silogismo hipotético
O silogismo hipotético (SH) é uma regra de inferência mais
rigorosamente conhecida como «transitividade da condicional» ou
«raciocínio em cadeia». O termo «silogismo» não é aqui usado no
sentido particular da teoria de Aristóteles (secção A.4), mas no
sentido genérico de «raciocínio». O termo «hipotético» resulta da
designação antiga das condicionais, que eram conhecidas como
«juízos hipotéticos». Eis a sua forma lógica:

A→B
B→C
∴A→C

Esta regra oferece uma maneira alternativa de derivar a


conclusão do raciocínio atribuído a Kant:

A estratégia agora foi usar primeiro o silogismo hipotético para


depois usar o modus tollens. No passo 4 aplicou-se o silogismo
hipotético aos passos 2 e 3 (na ordem inversa) e concluiu-se a
condicional indicada. Esta depende das premissas 2 e 3 porque foi a
elas que se aplicou o silogismo hipotético. O modus tollens aplica-se
agora a este passo 4 e ao 1, ficando por isso a depender das
premissas 1, 2 e 3. Esta derivação tem o mesmo número de passos
da anterior; mas em alguns casos consegue-se derivações com
menos passos se forem escolhidas estratégias mais económicas.

96
3.3 Dez regras simples
Como se viu, fazer derivações é uma questão de provar, passo a
passo, que se obtém a conclusão usando apenas as regras de
inferência disponíveis. Estas são apenas raciocínios elementares
dados como válidos, mas cuja validade se prova, caso se queira,
com tabelas de validade. Diferentes sistemas de lógica oferecem
diferentes conjuntos de regras de inferência. Neste livro, são
oferecidos três grupos de regras, que incluem as mais relevantes e
comuns. O primeiro desses grupos é o seguinte:

Eliminação da conjunção (E⋀)


A⋀B
∴ A (ou B)

Introdução da conjunção (I⋀)


A
B
∴A⋀B

Introdução da disjunção (I⋁)


A
∴A⋁B

Eliminação da bicondicional (E⇄)


A⇄B
∴ A → B (ou B → A)

Introdução da bicondicional (I⇄)


A→B
B→A
∴A⇄B

Modus ponens (MP)

97
A→B
A
∴B

Modus tollens (MT)


A→B
¬B
∴ ¬A

Dilema (DIL)
A⋁B
A→C
B→C
∴C

Silogismo disjuntivo (SD)


A⋁B
¬A
∴B

Silogismo hipotético (SH)


A→B
B→C
∴A→C

Estas regras não se aplicam a frases que façam parte de outras


frases; é inválido usar a eliminação da conjunção, por exemplo, para
concluir uma frase da forma p → q partindo de outra da forma (p ⋀ r)
→ q. Por outro lado, a ordem das premissas é sempre irrelevante.
Além disso, porque a conjunção, a disjunção e a bicondicional são
comutativas, tanto faz ter frases da forma A ⋀ B como da forma B ⋀
A, por exemplo; mas, claro, a condicional não é comutativa.
As derivações seguem sempre o mesmo padrão: encontrar um
caminho que permita chegar à conclusão partindo apenas das
premissas e usando correctamente estas dez regras. Considere-se
o seguinte exemplo:

98
No passo 4 conclui-se ¬p raciocinando por modus ponens a
partir dos passos 2 e 3; como estes são premissas, regista-se a
dependência das premissas 2 e 3. No 5 conclui-se ¬q aplicando o
silogismo disjuntivo aos passos 1 e 4, o que permite chegar ao
resultado final; depende-se agora da premissa 1 porque se aplicou a
regra ao passo 1, que é uma premissa, e também das premissas 2 e
3 porque a regra foi aplicada também ao passo 4, que já dependia
delas. As derivações correctas terminam com a conclusão original e
o último passo não depende de outras premissas que não as
originais. Eis mais um exemplo:

No passo 2 aplicou-se a eliminação da conjunção para derivar p


do passo 1; como o passo 1 era uma premissa, indicou-se na coluna
das dependências que o passo 2 depende da premissa 1. Partindo

99
deste resultado, derivou-se p ⋁ r no passo 3 usando a introdução da
disjunção; ficou-se agora a depender à mesma da premissa 1,
porque esta regra foi aplicada ao passo 2, que depende dessa
premissa. No passo 4 aplicou-se de novo a eliminação da conjunção
para derivar q do passo 1, que se junta agora, no passo 5, ao
resultado do passo 3, usando a introdução da conjunção.
Finalmente, no passo 6 derivou-se o que se desejava, aplicando a
introdução da disjunção ao passo 5. Note-se que esta regra permite
acrescentar qualquer forma: neste caso, acrescentou-se s → r
porque era isso que se queria, mas é válido acrescentar qualquer
outra. Isto significa que sempre que a conclusão almejada é uma
disjunção, basta derivar uma das disjuntas, porque a outra se deriva
trivialmente com a regra da introdução da disjunção, como no
seguinte caso:

p → q, p ⊢ q ⋁ r

A pergunta a fazer aqui é: qual das duas disjuntas será mais fácil
derivar? Ora, nas premissas deste caso não ocorre sequer r, pelo
que é forçoso derivar q. Como é evidente, as duas premissas
permitem concluir imediatamente q por modus ponens. Isto é tudo o
que é preciso para fazer a derivação:

Veja-se agora um uso errado, já mencionado, da eliminação da


conjunção:

100
O passo 2 é uma aplicação errada da eliminação da conjunção
porque a aplica à antecedente de uma condicional. Como todas as
regras simples, é inválido aplicá-la a frases que fazem parte de
outras; só é válido aplicá-la a conjunções da forma A ⋀ B, e não a
frases que tenham outras formas, ainda que contenham conjunções.
No exemplo anterior, (p ⋀ q) → r não é uma conjunção, mas uma
condicional cuja antecedente é uma conjunção; o operador principal
não é a conjunção, mas a condicional. Veja-se também um uso
errado do modus ponens:

Esta aplicação do modus ponens é um erro; esta regra só se


aplica validamente a duas frases, uma da forma A → B e outra da
forma A, para então se concluir uma terceira da forma B. Em
contraste, eis uma aplicação válida desta regra:

Como se vê, concluiu-se validamente p aplicando o modus


ponens aos passos 2 e 3, que estão na ordem inversa à usada
aquando da apresentação da regra. Recorde-se que quando uma
regra se aplica a duas ou mais formas, a ordem em que surgem na
derivação é irrelevante, porque a ordem das premissas de um

101
raciocínio é irrelevante no que respeita à validade. Veja-se agora um
exemplo curioso:

A terceira premissa não foi usada para derivar a conclusão.


Quando isto acontece, não há erro; não é preciso usar todas as
premissas. Desde que se chegue ao resultado pretendido sem usar
mais premissas que as iniciais e aplicando bem as regras, a
derivação será correcta. Repare-se que numa derivação consegue-
se sempre usar uma premissa a mais de que não se precisa. No
exemplo anterior, caso se insistisse em usar todas as premissas,
bastaria no passo 6 juntar s a q com a introdução da conjunção
para, no passo seguinte, se usar a eliminação da conjunção,
obtendo-se de novo q, que agora já dependeria da premissa 3.
Precisamente porque numa derivação se consegue fazer isto
sempre, nunca vale a pena fazê-lo.

102
3.4 Regras de substituição
As regras seguintes aplicam-se correctamente a quaisquer frases,
façam ou não parte de outras. Além disso, é correcto substituir uma
frase da forma da direita pela da esquerda, e vice-versa (daí o uso
do trigrama):

Negação dupla (ND)


A 𠪪A

Leis de De Morgan (DM) 1


¬(A ⋁ B) ≡ ¬A ⋀ ¬B
¬(A ⋀ B) ≡ ¬A ⋁ ¬B

Negação da condicional (Neg. →)


¬(A → B) ≡ A ⋀ ¬B

Negação da bicondicional (Neg. ⇄)


¬(A ⇄ B) ≡ (A ⋀ ¬B) ⋁ (¬A ⋀ B)

Definição de condicional (Def. →)


A → B ≡ ¬A ⋁ B

Definição de disjunção (Def. ⋁)


A ⋁ B ≡ ¬A → B

Contraposição (CP) 2
A → B ≡ ¬B → ¬

Comutatividade (Com.)
A⋁B≡B⋁A
A⋀B≡B⋀A
A⇄B≡B⇄

103
Idempotência
A⋀A≡A
A⋁A≡A

Considere-se o seguinte exemplo:

Neste caso foi usada uma regra de substituição no passo 3 para


transformar, usando De Morgan, a antecedente da condicional do
passo 1. Repare-se que a regra de De Morgan tanto permite a
substituição de frases da forma ¬(A ⋀ B) pelas da forma ¬A ⋁ ¬B,
como vice-versa. Note-se, uma vez mais, que as frases das formas
A e ¬¬A são equivalentes (regra da negação dupla). Assim, nesta
derivação, substituiu-se ¬(p ⋁ ¬q) sem mais delongas por ¬p ⋀ q,
em vez de ¬p ⋀ ¬¬q.
Regressando ao raciocínio atribuído a Kant, é agora fácil ver que
há uma terceira maneira de derivar a conclusão:

104
A contraposição permite inferir p → q partindo de ¬q → ¬p, e foi
isso que se fez no passo 4, com base no 2. Isso permitiu então usar
o modus ponens e, de seguida, o modus tollens.

105
3.5 Reductio
A reductio ad absurdum (redução ao absurdo) é uma das três regras
em que se usa suposições: premissas temporárias usadas para
fazer uma subderivação. Depois de se chegar ao resultado parcial
desejado, elimina-se a dependência dessa suposição usando uma
destas três regras. Eis um exemplo da aplicação da reductio, a que
se chama também «introdução da negação»:

No passo 3 foi introduzida a suposição com vista à reductio; é


comum usar a contraditória da conclusão, como neste caso, mas
isso não é obrigatório. A ideia é apenas usar uma suposição
qualquer, que irá gerar uma contradição da forma A ⋀ ¬A. Duas
aplicações do modus ponens permitem concluir q no passo 4, e ¬q,
no 5. Isto significa que se encontrou a contradição desejada, que é
então explicitada no passo 6. Agora resta aplicar a reductio no
passo 7. Para negar a suposição do passo 3, invoca-se o raciocínio
que parte dela e chega à contradição do 6. Depende-se então de
todas as premissas de que depender a contradição, excepto da
suposição introduzida com vista a esta aplicação da reductio. Eis a
forma desta regra:

106
Reductio
B ⊢ A ⋀ ¬A
∴ ¬B

De uma suposição deriva-se uma contradição qualquer;


conclui-se então negando a suposição, da qual se deixa de
depender.

Este modo de raciocinar é conhecido desde a Antiguidade grega


e é usado em geometria e noutros ramos da matemática, assim
como no pensamento comum e filosófico. A ideia é sempre a
mesma: supõe-se a negação do que se quer provar, mostra-se que
dessa suposição se deriva uma contradição, e isso permite concluir
validamente que a negação dessa suposição é verdadeira.
Considere-se outro exemplo:

Note-se que no passo 5 já se tem a conclusão. Contudo, repare-


se na quarta coluna: o passo 5 depende da suposição 3. Nenhuma
derivação está correcta se a última linha depender de uma
suposição, pois isso significa que em vez de se derivar o que se
queria, derivou-se outra coisa, com mais uma premissa. Por isso, é
preciso continuar a derivação até eliminar a dependência dessa
suposição. Quando se chega ao passo 7, surge de novo a

107
conclusão, mas a diferença é que agora depende apenas das duas
premissas iniciais; a dependência da suposição foi eliminada. Veja-
se mais uma derivação por reductio:

Como se vê, desde que se tenha uma frase qualquer da forma A,


por mais complexa que seja, e a sua negação, ¬A, é válido aplicar a
reductio. Veja-se um último exemplo:

108
A reductio é uma variação do modus tollens. Trata-se de mostrar
que se uma dada suposição fosse verdadeira, então uma
contradição seria verdadeira; mas dado que nenhuma contradição é
verdadeira, conclui-se validamente que a suposição era afinal falsa.
Porque o uso de suposições insere uma subderivação que terá
de ser fechada para eliminar a suposição, alguns sistemas de
derivação adoptam indicações gráficas para ajudar os estudantes a
não cometer falácias. Em rigor, a quarta coluna dispensa o uso
desses indicadores gráficos e é mais versátil; mas é útil ver como
funciona um desses sistemas gráficos (os outros são semelhantes):

p → (q ⋀ s), ¬q ⊢ ¬p

109
3.6 Introdução da condicional
A segunda das três regras que envolvem suposições é a introdução
da condicional (I→). Veja-se um exemplo da sua aplicação:

No passo 4 foi introduzida uma suposição que é a antecedente


da condicional a que se deseja chegar. O objectivo agora é derivar a
sua consequente. Quando se consegue esse resultado parcial,
basta formar no passo seguinte uma condicional cuja antecedente é
a suposição introduzida e cuja consequente é o resultado parcial a
que se chegou. O passo 8 depende então de todas as premissas e
suposições de que depender o passo 7, excepto da própria
suposição do passo 4. E é sempre assim que se usa a introdução
da condicional. Eis a sua forma:

Introdução da condicional (I→)


A⊢B
∴A→B

110
Com base numa suposição A deriva-se B; conclui-se então A
→ B, sem depender já dessa suposição.

A condicional obtida ao aplicar a regra tem por antecedente a


suposição introduzida com vista à aplicação desta regra. A
consequente, contudo, está em qualquer passo da derivação; nem
sempre está depois da suposição.
Como é evidente, esta regra é particularmente proveitosa
quando a conclusão da derivação é ela própria uma condicional.
Neste caso, basta supor a antecedente da conclusão com o
objectivo de chegar à consequente. Depois, uma aplicação da
introdução da condicional é tudo o que é preciso para chegar à
conclusão final. É o que acontece neste exemplo:

A introdução da condicional também se usa quando a conclusão


é uma bicondicional:

111
A estratégia foi tratar a conclusão desejada como uma conjunção
de condicionais; fez-se então a introdução da condicional pensando
primeiro numa das condicionais e depois na outra. No último passo,
bastou introduzir a bicondicional. Esta regra também se usa de
maneira encadeada:

112
Uma vez que a própria conclusão tem duas condicionais
encadeadas, começa-se por supor a antecedente da primeira e
depois a da segunda. Veja-se mais um exemplo:

Neste caso, a conclusão é uma condicional complexa,


constituída por uma antecedente que também é uma condicional,
assim como a consequente. Começa-se por usar como suposição a
antecedente da primeira condicional, p → q; depois usa-se como
suposição a antecedente da restante condicional, p. Daqui em
diante, o objectivo é chegar à consequente, r. Uma vez alcançado
este resultado, resta eliminar sucessivamente cada uma das duas
suposições, usando a introdução da condicional.
Veja-se agora um caso que levanta alguma perplexidade:

113
Em rigor, não foi da suposição que se derivou p. Por isso, não
parece uma aplicação correcta da introdução da condicional; mas é.
Isto porque seria fácil no passo 3 juntar p com q usando a
introdução da conjunção; depois, usando a eliminação da
conjunção, chegar-se-ia de novo a p, que agora teria sido derivada
de q. Uma vez que se consegue fazer sempre esta manobra, nunca
vale a pena fazê-la, e a derivação abreviada é perfeitamente
adequada.

114
3.7 Eliminação da disjunção
A eliminação da disjunção (E⋁) é a última das três regras que
envolvem suposições; não deve ser confundida com o silogismo
disjuntivo, a que por vezes se dá confusamente esta designação.
Como é evidente, eliminar validamente a disjunção não é o
seguinte:

p⋁q
∴p X

Qualquer raciocínio verofuncional com esta forma é inválido. Ao


invés, a eliminação da disjunção é uma versão especial de uma
regra que já foi usada e que é intuitiva: o dilema. A forma da regra é
a seguinte:

Eliminação da disjunção (E⋁)


A⋁B
A⊢C
B⊢C
∴C

Dada uma disjunção, supõe-se cada uma das disjuntas;


depois de se obter o mesmo resultado C de ambas, conclui-
se C e fica-se a depender da disjunção, mas não das
suposições. Ao derivar C de A não se depende de B, e ao
derivar C de B não se depende de A.

Eis uma aplicação da regra:

115
No passo 3 introduziu-se como suposição da eliminação da
disjunção a primeira disjunta do passo 1. Daqui obteve-se r, porque
era o que se desejava extrair da disjunção. No passo 5 foi
introduzida então outra suposição: a segunda disjunta do passo 1. O
objectivo é chegar de novo a r, o que se conseguiu no passo 6. No
passo 7 conclui-se então r sem depender de qualquer das duas
suposições, mas dependendo da disjunção original do passo 1.
Quando se aplica a eliminação da disjunção, fica-se a depender de
todas as premissas de que depender a disjunção original e de todas
as premissas de que depender cada um dos resultados parciais,
excepto das duas suposições. As duas suposições têm de ser
exactamente iguais a cada uma das disjuntas da disjunção que se
pretende eliminar. Assim, se a disjunta tiver a forma lógica (p → r) ⋁
s, supõe-se primeiro p → r e depois s. Além disso, os dois
resultados parciais a que se chega partindo das suposições têm de
ser iguais. De modo que ao usar a eliminação da disjunção escreve-
se sempre três vezes o mesmo. Veja-se outro exemplo:

116
A estratégia foi olhar para a primeira premissa e ver que,
transformando-a numa disjunção, é fácil concluir o que se quer; isto
porque, por De Morgan, a segunda premissa fornece os meios para
concluir q tanto da primeira como da segunda disjunta. Veja-se outro
exemplo:

117
A estratégia neste caso foi ver que não é difícil chegar ora à
primeira disjunta da conclusão, ora à segunda, caso se parta da
disjunção extraída da premissa. Uma vez que ao obter uma das
disjuntas da conclusão a outra é fácil de obter por introdução da
disjunção, a estratégia torna-se evidente. No passo 5 obteve-se a
primeira disjunta da conclusão e acrescentou-se a segunda no
passo 6; simetricamente, no passo 8 obteve-se a segunda disjunta
da conclusão e acrescentou-se a primeira.

118
3.8 Verdades lógicas
Repare-se no seguinte contraste:

1. p ⋀ q ⊢ q ⋀ p
2. ⊢ (p ⋀ q) → (q ⋀ p)

Em 1, o martelo indica que as frases da forma à sua direita se


derivam das frases da forma da esquerda. Em 2, indica que as
frases da forma à direita se derivam sem depender de outras frases.
No primeiro caso, são representados todos os raciocínios válidos
daquela forma; no segundo, todas as verdades lógicas daquela
forma. Uma vez que a negação de uma verdade lógica é uma
falsidade lógica — isto é, uma contradição — a reductio oferece
uma maneira óbvia de derivar verdades lógicas:

Como se vê, o último passo não depende de quaisquer


premissas nem de suposições. É isto que prova que as frases
daquela forma são verdades lógicas. Outra regra usada para provar
verdades lógicas é a introdução da condicional, pois, como se viu, a
expressão condicional de qualquer raciocínio válido é uma verdade
lógica. Considere-se qualquer raciocínio da forma seguinte:

1. A ⊢ A ⋁ B

A sua expressão condicional é a seguinte:

119
2. ⊢ A → (A ⋁ B)

Porque os raciocínios da forma 1 são válidos, as frases da forma


2 são verdades lógicas. E para provar que o são, basta usar a
antecedente da condicional como premissa para chegar à sua
consequente. Depois, uma aplicação da regra da introdução da
condicional devolve o resultado desejado. Eis outro exemplo:

120
3.9 Deus e o mal
Considere-se de novo a interpretação do raciocínio atribuído por
Hume a Epicuro:

Se Deus existe e não pode impedir o mal, é impotente.


Se Deus existe e não quer impedir o mal, é malévolo.
Mas Deus não é impotente nem malévolo.
Logo, se Deus existe, pode e quer impedir o mal.

Se Deus existe, pode e quer impedir o mal.


Se Deus pode e quer impedir o mal, o mal não existe.
Ora, o mal existe.
Logo, Deus não existe.

Como se vê, trata-se de dois raciocínios encadeados: a primeira


premissa do segundo é a conclusão do primeiro. E agora já se
consegue provar que são válidos.

Interpretação
p: Deus existe.
q: Deus pode impedir o mal.
r: Deus é impotente.
s: Deus quer impedir o mal.
t: Deus é malévolo.
u: O mal existe.

Formas lógicas
1. (p ⋀ ¬q) → r, (p ⋀ ¬s) → t, ¬r ⋀ ¬t ⊢ p → (q ⋀ s)
2. p → (q ⋀ s), (q ⋀ s) → ¬u, u ⊢ ¬p

Derivação 1

121
Derivação 2

Só agora vale a pena discutir cuidadosamente as premissas.


Vale a pena discuti-las porque se provou que são raciocínios
válidos; por isso, se todas as premissas forem verdadeiras, Deus
não existe. Por outro lado, o raciocínio de Kant também é válido, o
que significa que se todas as suas premissas forem verdadeiras,
Deus existe. Qual dos dois raciocínios tem premissas mais
duvidosas? Agora vale a pena fazer esta discussão.

122
3.10 Sintaxe e derivação
As derivações são sistemas sintácticos de prova que são por vezes
inteiramente estipulados como meras manipulações de entidades
físicas — correntes eléctricas ou registos electrónicos num ecrã ou
numa fita magnética. Estes sistemas são também por vezes
desenvolvidos de maneira inteiramente abstracta, sem pretender dar
conta do raciocínio real, tornando-se assim meramente um jogo de
manipulações dessas entidades — mesmo que se lhes atribua uma
semântica formal, dado que isto não é uma semântica no sentido
comum do termo (secção 2.17).
Alguns sistemas de prova são axiomáticos, e esses são os mais
antigos: já eram usados na geometria da Antiguidade e são ainda
muito usados na matemática. O que caracteriza um sistema
axiomático de lógica é ter dois pontos de partida. Por um lado,
algumas fbf são escolhidas como axiomas, e é delas que se vai
tentar então derivar todas as outras. De um ponto de vista
puramente sintáctico, os axiomas são arbitrários; na prática, porém,
correspondem a verdades lógicas consideradas tão evidentes que
não carecem de prova. 3 Só por si, os axiomas são inferencialmente
inertes: não permitem derivar, sem usar regras de inferência, seja o
que for (Carroll 1895). Para se derivar as outras fbf que se deseja é
preciso recorrer a um segundo ponto de partida: sequências de fbf
que irão funcionar como regras de manipulação, que permitem
transformar umas fbf noutras.
Outros sistemas de prova não são axiomáticos, porque só têm
um tipo de ponto de partida: regras de manipulação. Estas são de
dois tipos: as primitivas e as derivadas, sendo que estas últimas se
derivam das primeiras. Um sistema de dedução natural só tem,
como regras primitivas, regras de introdução e eliminação dos
operadores verofuncionais (no caso da lógica verofuncional). O
sistema desenvolvido neste livro só tem regras, mas nem todas são
primitivas.
Quando se faz um sistema de derivações, seja ele axiomático ou
não, emergem alguns aspectos interessantes. O primeiro e mais
evidente é este: qual será o sistema mínimo de pontos de partida,

123
sejam eles apenas regras ou regras com axiomas, que permitam
chegar a todos os resultados que se quer? Tradicionalmente era
comum considerar que a lógica clássica se baseava em três «leis do
pensamento»: 4

1. Não-contradição: ¬(A ⋀ ¬A)


2. Terceiro excluído: A ⋁ ¬A
3. Identidade: a = a.

Hoje sabe-se três coisas. Primeiro, não é possível fazer um


sistema apropriado de lógica só com estes pontos de partida. O
modus ponens, por exemplo, é crucial — mas é insusceptível de ser
derivado daquelas supostas leis fundamentais. Segundo, não é
preciso usar essas supostas leis fundamentais para fazer um
sistema apropriado de lógica. Ao invés, essas três supostas leis
fundamentais são afinal resultados de outros princípios mais
fundamentais: são teoremas, não axiomas (e não são regras de
inferência). Terceiro, consegue-se fazer sistemas com diferentes
pontos de partida, pelo que está longe ser claro se existem
realmente «leis» fundamentais únicas da lógica clássica ou se, pelo
contrário, há diferentes conjuntos mínimos de regras (ou de regras
juntamente com axiomas), nenhum deles mais fundamental do que
os outros.
É a metalógica que se ocupa de temas deste género, e uma das
suas contribuições é mostrar que a pergunta do primeiro parágrafo
da página anterior esconde, na verdade, dois aspectos diferentes. O
primeiro diz respeito ao conceito de independência, o segundo ao
de completude. Um sistema de regras de inferência é independente
sse nenhuma regra se deriva das outras (o sistema deste livro não é
independente). Por exemplo, caso se tenha o modus ponens, o
modus tollens, a contraposição e a negação dupla como regras
iniciais, o sistema não é independente porque, usando a segunda
com a terceira e a quarta, obtém-se a primeira, e obtém-se a
segunda usando a primeira, a terceira e a quarta. Num sistema
sintáctico de derivações é então comum ter regras primitivas, que
são escolhidas de modo a serem independentes, e regras

124
derivadas, que se obtêm das primeiras. Isto corresponde à diferença
entre axiomas e teoremas: estes últimos derivam-se dos primeiros.
Um segundo conceito é o de consistência. Um sistema de regras
de inferência (ou de regras com axiomas) é consistente sse nele
não se deriva fbf da forma A ⋀ ¬A. Na lógica clássica, qualquer
sistema que não seja consistente é trivial, porque nele se deriva
qualquer fbf. Isto acontece devido a um aspecto característico desta
lógica: o princípio da explosão, segundo o qual qualquer fbf se
deriva de A ⋀ ¬A. Uma maneira de evitar a exigência de
consistência é fazer uma lógica paraconsistente, que começa por
rejeitar o princípio da explosão, bloqueando assim a trivialização de
qualquer sistema de regras que não seja consistente.
Finalmente, um terceiro conceito conecta a sintaxe e a
semântica dos sistemas lógicos. Um sistema de regras de inferência
é completo sse nele se deriva todas as verdades lógicas (e uma vez
que qualquer validade se transforma numa verdade lógica, isto inclui
as validades). Ou seja, é completo sse se ⊨ A, então ⊢ A: se A for
uma verdade lógica, então deriva-se no sistema. Em contrapartida,
um sistema é sólido (sound) ou correcto sse se ⊢ A, então ⊨ A: se
se deriva no sistema, então é uma verdade lógica. Evidentemente,
caso um sistema não seja consistente e aceite o princípio da
explosão, é trivialmente completo (mas não é sólido) precisamente
porque deriva tudo, o que inclui todas as verdades lógicas, mas
também todas as falsidades lógicas e todas as frases logicamente
indeterminadas.
Aplicando estes conceitos modernos à ideia tradicional das três
«leis» da lógica, vê-se que as primeiras duas não são
independentes, pelo menos em alguns sistemas, porque resultam
uma da outra por De Morgan, negação dupla e comutatividade. E
sabe-se que nenhum sistema clássico consistente só com esses
três pontos de partida é completo, além de se saber que muitos
sistemas consistentes e completos não têm qualquer uma daquelas
três supostas «leis» fundamentais como ponto de partida.

125
3.11 Validades vácuas
Uma breve reflexão mostra que é válido qualquer raciocínio com
premissas inconsistentes ou cuja conclusão seja uma verdade
lógica (secção 2.15). Isto é algo desconcertante — mas não tanto,
porque ao desenvolver qualquer teoria se chega amiúde a
resultados surpreendentes e contra-intuitivos, como a diferença
entre peso e massa na física, ou a profunda relação entre a
velocidade e o decorrer do tempo. Contudo, vale sempre a pena ver
se há maneiras de evitar resultados indesejáveis que não obriguem
a aceitar outros resultados tão ou mais indesejáveis. No caso das
validades vácuas, é fácil mudar a definição de validade para
bloqueá-las; basta exigir que as premissas não sejam inconsistentes
e que a conclusão não seja uma verdade lógica. O que é menos
fácil — e obriga a abandonar a lógica clássica — é bloquear as
derivações vácuas. Considere-se o caso dos raciocínios válidos com
premissas inconsistentes:

Para bloquear esta derivação é preciso restringir pelo menos


uma das regras usadas — e não é fácil ver qual seria, pois todas
parecem perfeitamente razoáveis. Por outro lado, é preciso garantir
que ao restringi-la não se deixa de conseguir derivar validades que

126
não sejam vácuas. O mesmo acontece no caso dos raciocínios
cujas conclusões são verdades lógicas:

Os raciocínios com premissas inconsistentes e os que têm


verdades lógicas como conclusão não são os únicos casos de
validades algo inesperadas; também os raciocínios estritamente
circulares são válidos, ainda que não sejam cogentes. Além disso,
qualquer frase implica validamente um número infinito de outras.
Tome-se o caso talvez mais evidente: as frases da forma p ⋀ q
implicam validamente as da forma p e também as da forma q.
Porém, implicam também as das seguintes formas:

p⋁r
q⋁r
p ⋁ (s → r)
[(p → q) ⋀ p] → q
[(p → q) ⋀ ¬q] → ¬p

Uma vez que qualquer frase implica validamente um número


infinito de outras, não é assim tão surpreendente insistir que um
raciocínio tenha, num certo sentido, mais de uma conclusão.
Quando se raciocina de facto não se visa geralmente mais de uma
conclusão, mas é verdadeiro que as premissas de qualquer
raciocínio implicam validamente um número infinito de conclusões,

127
independentemente de quem raciocina ter essas outras conclusões
em mente ou não.

128
3.12 Exercícios

1. Faça uma lista dos conceitos fundamentais deste capítulo,


e explique-os.
2. Indique a quais das frases das formas seguintes a
eliminação da conjunção se aplica ou não validamente.
Justifique. 1) p ⋀ (q ⋀ r). 2) p ⋁ (q ⋀ r). 3) (p ⋁ q) ⋀ r. 4) p
→ (q ⋀ r).
3. Identifique a forma lógica dos seguintes raciocínios: 1) Se
os libertistas tiverem razão, temos livre-arbítrio. Mas não
temos livre-arbítrio. Logo, eles não têm razão. 2) Se
temos livre-arbítrio, os libertistas têm razão. Ora, eles têm
razão. Logo, temos livre-arbítrio. 3) Se os animais não-
humanos sentem dor, são dignos de protecção moral. Mas
eles não sentem dor. Logo, não são dignos de protecção
moral. 4) Se Deus existe, a vida tem sentido. Ora, Deus
existe. Logo, a vida tem sentido. 5) Se os defensores do
véu da ignorância tiverem razão, o igualitarismo resulta do
cálculo egoísta. Se o igualitarismo resultar do cálculo
egoísta, é imoral. Logo, se os defensores do véu da
ignorância tiverem razão, o igualitarismo é imoral. 6) Ou
os libertários têm razão, ou os liberais. Mas os primeiros
não têm razão. Logo, tem-na os segundos. 7) Os cépticos
têm razão ou não. Se têm razão, sabe-se algo. Se não
têm razão, sabe-se algo. Logo, em qualquer caso, sabe-
se algo.
4. Para cada uma das formas lógicas seguintes, formule um
raciocínio verofuncional que tenha essa forma: 1) Falácia
da afirmação da consequente. 2) Dilema. 3) Modus
tollens. 4) Silogismo hipotético. 5) Modus ponens. 6)
Falácia da negação da antecedente. 7) Silogismo
disjuntivo.
5. Derive usando apenas as dez regras simples: 1) p → (q ⋁
r), p ⋀ r ⊢ q ⋁ r. 2) p ⋀ q, r ⋀ s ⊢ p ⋀ r. 3) p → q, q → r, r
→ p ⊢ p ⇄ r. 4) p → q, s → q, p ⋁ s ⊢ p ⋁ q. 5) p → (q ⋀

129
¬r), p ⊢ ¬r. 6) p ⋁ (q → p), ¬p ⋀ r ⊢ q → p. 7) p ⇄ q, p → r,
¬r ⊢ ¬q ⋁ p. 8) p ⋁ (q ⋀ r), p ⇄ s, (q ⋀ r) → s, q ⊢ s ⋀ q. 9)
(p → r) ⋀ (q → r), ¬r ⊢ ¬p ⋀ ¬q. 10) (p → r) ⋁ q, q → ¬r, (p
→ r) → ¬r ⊢ ¬r. 11) (p → r) ⋁ q, q → p, ¬p ⊢ p → r. 12) p ⊢
p ⋁ (q ⋀ r). 13) p ⋀ q, r ⊢ q ⋀ r. 14) p ⋀ q ⊢ (q ⋀ r) ⋁ (q ⋀
p). 15) p, q ⋁ r ⊢ [p ⋀ (q ⋁ r)] ⋀ p. 16) p ⋀ (q ⋀ r) ⊢ r ⋁ s.
17) (p ⇄ q) ⋀ p ⊢ p ⋁ q. 18) p ⇄ (q ⋀ p), p ⊢ q. 19) (p ⋁ r)
→ q, p ⊢ q. 20) p ⋀ q, (q ⋁ r) → s ⊢ s. 21) p, (p ⋁ q) → r, (r
⋀ p) → s ⊢ s. 22) p → (p → r), p ⊢ r. 23) (p ⇄ q) ⋀ p ⊢ p ⋁
q.
6. Derive usando também as regras de inserção: 1) p → (q ⋁
s), ¬q, ¬s ⊢ ¬p. 2) p → (r ⋁ s), ¬r ⋀ q, ¬s ⊢ ¬p. 3) ¬(p ⋁ q),
¬p → r ⊢ r. 4) ¬(¬p ⋀ q), ¬p ⋀ r ⊢ ¬q. 5) ¬(p → q), p → ¬r
⊢ ¬r. 6) p ⋀ q, (p ⋁ r) → s ⊢ s. 7) r, p → (¬r ⋁ ¬s), s ⊢ ¬p.
8) ¬r → p, ¬(p ⋁ q), s ⊢ r ⋁ q. 9) ¬(¬p ⋀ q), r, r → ¬p ⊢ ¬q.
10) s → ¬p, ¬(p → q), ¬s → ¬r ⊢ ¬r. 11) ¬(s → p) → ¬p,
¬(¬p ⋁ ¬q), q → (s → p) ⊢ s → p. 12) (q → p) ⋀ s, s → (p
→ r) ⊢ ¬r → ¬q. 13) ¬(¬r ⋁ ¬s) → ¬p, r, s ⊢ ¬p ⋀ s. 14) ¬(p
→ ¬q), ¬(r ⋀ s) → ¬q ⊢ r. 15) p ⋁ (¬r → q), p → q, ¬q ⋀ s
⊢ ¬q → r. 16) (p ⋁ q) ⋀ p ⊢ p ⋁ (q ⋀ p). 17) ¬(¬p ⋁ ¬q), q
→ (s → p) ⊢ s → p. 18) ¬r → p, ¬(p ⋁ q) ⊢ r ⋁ q. 19) (p ⋁
r) ⇄ q ⊢ ¬q ⋁ (¬p → r). 21) p ⇄ q ⊢ ¬q ⋁ p. 21) p ⊢ q → p.
22) p → (q ⋁ r), p ⊢ r ⋁ q.
7. Derive por reductio: 1) p ⋀ (q ⋀ r) ⊢ r ⋁ s. 2) p → (q ⋁ s),
¬q, ¬s ⊢ ¬p. 3) p → (r ⋁ s), ¬r ⋀ q, ¬s ⊢ ¬p. 4) ¬(p ⋁ q), ¬p
→ r ⊢ r. 5) ¬(¬p ⋀ q), ¬p ⋀ r ⊢ ¬q. 6) ¬(p → q), p → ¬r ⊢
¬r. 7) p ⋀ q, (p ⋁ r) → s ⊢ s. 8) r, p → (¬r ⋁ ¬s), s ⊢ ¬p. 9)
¬(¬p ⋀ q), r, r → ¬p ⊢ ¬q. 10) s → ¬p, ¬(p → q), ¬s → ¬r ⊢
¬r. 11) q → r, ¬(¬p ⋀ ¬q), ¬r → ¬p ⊢ r. 12) p → ¬q, q ⋁ (¬p
⋀ t) ⊢ ¬p. 13) (p → q) ⋀ (p → ¬q) ⊢ ¬p.
8. Derive usando a introdução da condicional: 1) ¬q → r, r →
¬p ⊢ ¬q → ¬p. 2) r, q → p ⊢ q → (p ⋀ r). 3) p → (q ⋁ r), q
→ s, r → s ⊢ p → s. 4) p → q ⊢ (q → r) → (p → r). 5) p →
(q ⋁ r), q → s ⊢ (r → s) → (p → s). 6) p ⇄ q, q ⇄ r ⊢ p ⇄ r.
7) p ⊢ q → p. 8) (p ⋀ r) ⋁ (q → r) ⊢ q → r. 9) p ⇄ (q ⋀ p) ⊢
p → q. 10) ¬p ⋁ q, ¬p → ¬q ⊢ p ⇄ q. 11) (p ⋁ q) → [(r ⋁ s)

130
→ (¬t ⋀ u)], (¬t ⋁ ¬o) → v ⊢ p → (r → v). 12) p → q, r → q
⊢ (p ⋁ r) → q. 13) p → t, q → t ⊢ (q ⋁ p) → t. 14) q → r, p
⊢ (p → q) → r. 15) p → r, q → s ⊢ (p ⋀ q) → (r ⋀ s). 16) p
⋁ q, r → ¬p ⊢ ¬q → ¬r. 17) q → ¬s, q ⋁ p ⊢ s → p. 18) p
→ (q → r) ⊢ (p ⋀ q) → r. 19) p → q, r ⇄ q ⊢ ¬r → ¬p.
9. Derive usando a eliminação da disjunção: 1) (p ⋀ r) ⋁ (q
→ r), q ⊢ r. 2) (p ⋀ q) ⋁ (q ⋀ r) ⊢ q ⋁ s. 3) p ⋁ (q ⋀ p) ⊢ p
⋁ r. 4) p ⋁ q, p → r, ¬r → ¬q ⊢ r. 5) (p → q) ⋁ (q ⋁ r), (¬q
→ ¬p) → r, ¬r → ¬(q ⋁ r) ⊢ r. 6) p ⋁ (¬r ⋀ q), r → ¬p ⊢ ¬r.
7) p, (q ⋀ p) → r, q ⋁ s ⊢ r ⋁ s. 8) p → ¬q, q ⋁ (¬p ⋀ t) ⊢
¬p. 9) p ⋁ q, p ⇄ r, q → r ⊢ r. 10) ¬(¬p ⋀ ¬q), p → s, ¬s →
¬q ⊢ s. 11) p, (q ⋀ p) → r, q ⋁ t ⊢ r ⋁ t. 12) (p ⋀ q) ⋁ (p ⋀
¬r), ¬r → ¬p ⊢ q.
10. Derive: 1) ⊢ ¬(p ⋀ ¬p). 2) ⊢ p → p. 3) ⊢ q → (p ⋁ ¬p). 4) ⊢
(p ⋀ ¬p) → q. 5) ⊢ (p ⋀ q) → (p ⋁ q).

131
4

132
QUANTIFICAÇÃO

A teoria do raciocínio verofuncional apresentada informalmente nos


dois capítulos anteriores é muitíssimo bem-sucedida porque
estabelece critérios definitivos para determinar a validade e a
invalidade daquela classe de raciocínios. Uma lição importante aqui
é que as teorias mais bem-sucedidas não começam por ser
maximamente gerais; ao invés, são bem-sucedidas precisamente
porque, entre outros factores, começam por delimitar
cuidadosamente o campo de aplicação. Uma segunda lição é que
quando se começa desta maneira modesta, consegue-se por vezes
alargar a teoria para abranger igualmente bem outros domínios. E
isso é exactamente o que acontece neste caso: a teoria
verofuncional é alargada para incluir também o raciocínio
quantificado, sem que seja preciso mudar seja o que for na teoria
anterior. Quando uma teoria é alargada deste modo diz-se que a
segunda é uma extensão da primeira. A lógica quantificada clássica
que será agora estudada (também conhecida como «lógica de
predicados» ou «cálculo de predicados») é uma extensão da
verofuncional. Uma extensão conservadora, por sua vez, é o que se
obtém quando se alarga a linguagem, mas não se alarga o poder
inferencial da teoria anterior. Como se verá, acrescentar apenas
nomes próprios e predicados à lógica verofuncional não aumenta o
seu poder inferencial; por isso, enquanto não se introduz
quantificadores, estamos perante uma extensão conservadora.

133
4.1 Nomes e predicados
Considere-se as seguintes frases:

1. Anne Frank era admirável.


2. Miep Gies era admirável.

Na lógica verofuncional especifica-se as suas formas lógicas


simplesmente como p e q. Porque nesta lógica só se presta atenção
aos cinco operadores verofuncionais, não se dá conta do que há de
comum nas duas frases anteriores. A lógica quantificada permitirá
fazê-lo porque nesta teoria se dá atenção a três outros aspectos
importantes do raciocínio: predicados, nomes próprios e
quantificadores. Como é evidente, o que há de comum nas frases 1
e 2 é o predicado «é admirável», diferindo apenas os nomes
próprios. Usando F para representar predicados e a e b para
representar nomes próprios, as formas lógicas das frases 1 e 2 são
Fa e Fb. Agora há uma maneira simples de ver que as duas frases
têm o mesmo predicado, mas nomes próprios diferentes. As letras
a, b, c, etc., serão usadas para representar quaisquer nomes
próprios, como «Anne», «Paris» e «Lua». As letras F, G, H, etc.,
serão usadas para representar quaisquer predicados, como «é
admirável», «é bonita» e «é cinzenta». Juntas, representam
quaisquer frases da forma especificada: Fa representa «Anne era
alemã», «Gies era corajosa», etc. Não há boas razões para
escrever Fa em vez de aF, que seria mais próximo da língua
portuguesa; porém, usa-se quase sempre a primeira alternativa, que
será também aqui adoptada.
Nem todos os predicados são unários; alguns são binários,
outros, ternários. O predicado «é admirável» é unário porque se
aplica exactamente a um nome próprio de cada vez, ainda que se
aplique separadamente a vários, como «Anne» e «Gies». Isto
contrasta com os predicados binários, como «é irmão de», que se
aplicam a dois nomes próprios ao mesmo tempo, como «O Carlos é
irmão da Maria». Note-se que «O Carlos é irmão» não é uma frase

134
porque falta saber de quem é ele irmão. Um exemplo de um
predicado ternário é «dar»: «O Carlos deu Os Maias à Maria.» Uma
vez que nem todos os predicados são unários, para especificar a
sua forma lógica exige-se uma maneira de indicar a sua aridade (ou
seja, se são unários, binários, ternários, etc.); isso é feito com as
letras x, y, z, etc. Assim, a forma lógica de quaisquer predicados
unários, como «é romano», é Fx; e a de quaisquer predicados
binários, como «fica a norte de», é Fxy; já a forma lógica dos
predicados ternários, como «dar algo a alguém», é Fxyz. Note-se o
contraste: Fx especifica a forma lógica de quaisquer predicados
unários, como «ser romano», ao passo que Fa especifica a forma
lógica de quaisquer frases com um predicado unário e um nome
próprio, como «Anne era alemã». Há assim uma maneira simples de
especificar a forma lógica de frases como «O Carlos ama a Maria»:

Interpretação
a: Carlos
b: Maria
Fxy: x ama y

Forma lógica
Fab

Dada a mesma interpretação, Fba especifica a forma lógica de


uma frase diferente: «A Maria ama o Carlos.»

135
4.2 Propriedades e particulares
Porque é importante não confundir palavras com a realidade
extralinguística, é também importante não confundir predicados com
propriedades nem nomes próprios com particulares. Os predicados
são palavras cuja função é exprimir propriedades; as propriedades
são os atributos, qualidades ou características das entidades. A
brancura não é uma palavra, mas uma propriedade, contrastando
com o predicado «branco», que é uma palavra. Do mesmo modo, os
nomes próprios são palavras usadas para referir particulares. Os
particulares são entidades que têm propriedades, mas não são
propriedade seja do que for. Paris não é uma palavra, mas um
particular, contrastando com o nome próprio «Paris», que é uma
palavra. E Paris tem propriedades, como ser bela, mas nenhuma
entidade a tem a ela como propriedade.
Os predicados unários são enganadores porque exprimem
quase sempre propriedades relacionais, às quais se chama também
«relações»: fala-se assim da relação ou propriedade relacional de
ser irmão. Por exemplo, nenhum particular é em si branco; a
brancura não é uma propriedade não-relacional, mas uma relação
cujos relata (os membros da relação) incluem a luz que incide no
particular e a estrutura molecular deste último, que a reflecte de uma
certa maneira. Apesar disso, o predicado «é branco» é unário e não
relacional. É por isso um erro considerar que todo o predicado
unário exprime uma propriedade não-relacional.
É também um erro considerar que todo o predicado exprime uma
propriedade genuína. O predicado «sem propriedades» é
gramaticalmente tão legítimo como qualquer outro, mas seria
precipitado considerar que caso um particular não tenha
propriedades, tem a propriedade de as não ter. Além disso, muitos
predicados exprimem na verdade relações de constituição, e não
propriedades propriamente ditas: a água é H 2O, mas isso quer
apenas dizer que é constituída por três particulares (duas moléculas
de hidrogénio e uma de oxigénio), apropriadamente combinados.
Qualquer termo geral, como «girafa», permite formar
gramaticalmente predicados elementares, como «ser uma girafa».

136
Porém, é duvidoso que ser uma girafa seja uma propriedade em
qualquer sentido robusto; o que é inegável é que ser uma girafa é
pertencer a uma dada espécie biológica, que se caracteriza por
variadíssimas propriedades, muitas delas relacionais, constitutivas e
históricas (porque a origem biológica dos organismos é relevante
para a sua natureza).
Finalmente, há propriedades de segunda ordem, como ser
numeroso. Nenhum particular é numeroso, mas alguns conjuntos de
particulares, como o conjunto dos indianos, são numerosos. A lógica
clássica só se aplica com segurança a frases cujos predicados
exprimam propriedades directamente de particulares. Se não se
atender a esta restrição, cai-se na falácia de concluir que a Indira é
numerosa porque é indiana e os indianos são numerosos.
Também o conceito de particular é problemático, apesar de ser
muito fácil dar nomes próprios seja ao que for. Em termos
simplistas, os nomes próprios referem particulares, ou pelo menos é
esse o seu papel semântico; mas seria desavisado considerar que
todo o nome próprio refere um particular em qualquer sentido
robusto, ao invés de um punhado mais ou menos vago de
entidades, como uma cidade ou uma equipa de futebol. Mesmo os
particulares mais claramente delimitados, como um ser humano, são
colecções algo vagas de várias entidades, como estados neuronais,
células e órgãos.

137
4.3 Operadores verofuncionais
Viu-se até agora a linguagem de predicados da lógica quantificada
sem operadores verofuncionais. Contudo, é evidente como fazer
para acrescentá-los. Considere-se a frase «Anne não era
japonesa»; a sua forma lógica é obviamente ¬Fa. Já a frase «Anne
e Gies eram admiráveis» é uma conjunção: Fa ⋀ Fb. Eis um
exemplo um pouco mais complexo: «Se Anne e Gies eram
admiráveis, Gies não era carreirista» é uma condicional cuja
antecedente é por sua vez uma conjunção: (Fa ⋀ Fb) → ¬Gb.
Também as frases com predicados relacionais têm formas lógicas
que já se consegue especificar; a frase «Anne escreveu o Diário e
admirava Gies» tem a forma lógica Fab ⋀ Gac.
Alguns predicados ocultam operadores. Considere-se a frase «O
Carlos é irmão da Maria e do Pedro». Talvez seja tentador
considerar que o predicado é ternário, caso em que a forma lógica
da frase seria Fabc. Porém, é razoável considerar que o predicado
«ser irmão» é binário e que a frase anterior oculta uma conjunção,
caso em que a sua forma lógica é Fab ⋀ Fac. É preciso por isso ver
com atenção qual é a aridade mínima de um dado predicado; a
aridade superficial de um predicado oculta por vezes uma ou mais
conjunções.
É preciso insistir que nem todo o conjunto de palavras é uma
frase: uma frase é um conjunto de palavras estruturadas de modo a
permitir fazer uma asserção ou pergunta, dar uma ordem, exprimir
um desejo, etc. Daí que os seguintes casos não especifiquem
formas lógicas de frases, e nem sequer de predicados, mas de
meras expressões: ¬a («não Anne»), a ⋁ b («Anne ou Gies»), a → b
(«se Anne, então Gies»).
Outra maneira de usar operadores verofuncionais na lógica
quantificada é exemplificada pela forma p → Fa. Uma frase com
esta forma lógica é «Se a vida tem sentido, Woody Allen está
enganado». Neste caso, p especifica a forma lógica de qualquer
frase insusceptível de ser adequadamente especificada por Fa,
como «A vida tem sentido». Isto porque não é líquido que esta frase

138
inclua um nome próprio; «vida» não é certamente um nome próprio
na mesma acepção em que «Woody Allen» ou «Grécia» o são.
Nestes casos, usa-se os recursos já disponíveis da lógica
verofuncional.

139
4.4 Quantificadores
Acrescentar nomes próprios e predicados à lógica verofuncional
aumenta o seu poder expressivo, mas não o seu poder inferencial: a
validade dos raciocínios que já antes era captada, continua a sê-lo,
mas não se adquire a capacidade de captar novas validades. Só
com a introdução dos quantificadores se passa a conseguir dar
conta de validades que ultrapassam a lógica verofuncional.
Um quantificador é um pronome, artigo ou qualquer outro termo
usado como determinante para indicar a quantidade de coisas de
que se fala. As frases seguintes incluem quantificadores:

A maioria dos alemães são simpáticos.


Quase nenhum português é homicida.
Poucos artistas são matemáticos.

Todavia, a lógica clássica inclui apenas dois quantificadores: o


universal («todos») e o existencial («algum»), a que se chama
também «particular». Assim, nenhuma das três frases anteriores
tem uma forma que se especifique correctamente nesta lógica. Já
as formas das frases seguintes são correctamente especificadas na
lógica clássica, porque só incluem quantificadores universais e
existenciais:

Nenhum português é astronauta.


Os artistas são criativos.
Tudo é água.
Todos os romances de Maugham são bons.
Quem anda à chuva molha-se.

Não há divindades.
Algumas pessoas são mais generosas do que outras.

140
Há quem não goste de ler.
Pelo menos algumas bibliotecas são boas.
Os números não existem.

Tanto o quantificador universal como o existencial são usados de


maneira peculiar em lógica e filosofia, mas também na ciência,
diferindo marcadamente de muitos usos quotidianos. Quando um
físico afirma «Os protões têm massa» não quer dizer que é quase
todos ou a maioria, mas sim literalmente todos — e quem conseguir
encontrar um só exemplo de um protão sem massa prova que essa
afirmação é, afinal, falsa. Este uso dos artigos «os» e «as» como
quantificadores rigorosamente universais difere bastante, contudo,
de outros usos. Quando alguém diz «As aves voam» nem sempre
quer dizer que todas as aves voam; em alguns contextos quer falar
apenas da maioria das aves, ou da maioria das aves comuns
daquela cidade, ou quer dizer que várias aves voam, ou que as
únicas aves relevantes no contexto voam, ou que todas as aves de
que se lembra de momento voam, porque se esqueceu das galinhas
que tem no quintal e dos pinguins que viu a semana passada na
televisão. Esta diferença entre o uso impreciso e o rigoroso ocorre
não apenas com o artigo «os» e «as» quando são usados como
quantificadores universais, mas também com quaisquer outros
termos usados desse modo. Em lógica, como em física, usa-se o
quantificador universal da maneira rigorosa para falar exactamente
de todos, e não apenas dos mais salientes ou da maior parte.
O quantificador existencial é também usado de maneiras
enganadoras em português. Caso se pergunte a quem não sabe
lógica se a frase «Alguns seres humanos são mamíferos» é
verdadeira, talvez ela diga que não. Quando se pergunta porquê ela
dirá talvez que é falsa porque todos os seres humanos são
mamíferos. Isto significa que interpretou aquela frase da maneira
comum e não-literal, considerando que pressupõe que alguns seres
humanos não são mamíferos; e é porque este pressuposto é falso
que ela afirma que a frase é falsa. Contudo, isto introduz uma
confusão desnecessária. Como é evidente, se há dez pessoas
numa sala, também há cinco, apesar de não haver só cinco; por
isso, dizer que há cinco pessoas é verdadeiro quando há dez e não

141
quer dizer que só há cinco. O mesmo acontece com «Alguns seres
humanos são mamíferos»: é verdadeira precisamente porque todos
o são. Mas a frase verdadeira é aquela frase literal e não a
interpretação comum, que é «Só alguns seres humanos são
mamíferos». Em lógica usa-se o quantificador existencial para falar
de pelo menos um, sem pressupor seja o que for quanto a todos,
exactamente como se faz na matemática e noutras áreas.
O símbolo ∀ (da palavra inglesa «all») será usado como
quantificador universal. Será considerada universal qualquer frase
dominada por esse quantificador. Assim, qualquer frase da forma ∀x
Ax é universal, por mais que seja tão fortemente restringida por
condições subsequentes que careça de generalidade. A frase
«Todos os seres humanos que forem homens e falarem francês e
inglês fluentemente e forem autores de Servidão Humana merecem
apreço» é universal, mas não tem qualquer generalidade, porque
inclui tantas condições que se aplica apenas a Somerset Maugham.
Para especificar a forma lógica de uma frase como «Tudo é
matéria» precisa-se uma maneira de ligar o predicado ao
quantificador; isso faz-se por meio das letras já usadas para indicar
a aridade dos predicados: x, y, z, etc. Assim, a sua forma lógica é ∀x
Fx. Lendo-a literalmente, significa que, dado um particular qualquer
x, x é F. As letras minúsculas do fim do alfabeto são assim variáveis
livres ou ligadas, consoante o caso. Uma variável está ligada sse
ocorrer no âmbito de um quantificador que tenha a mesma variável,
como acontece com o x de ∀x Fxy; uma variável está livre sse não
estiver ligada, como o y de ∀x Fxy. O âmbito de um quantificador é
toda a expressão à sua direita até à ocorrência de um operador
binário.
Considere-se ∀x ¬Fx → Gx. O predicado Gx não está no âmbito
do quantificador universal (ou seja, a variável está livre); mas ¬Fx
está no seu âmbito (a variável está ligada). Quando pelo menos
uma variável está livre, como neste caso, o que se especifica não é
a forma lógica de frases, mas de predicados, ainda que sejam
quase ininteligíveis em português por não passarem de frases
incompletas: «Se tudo não for material, então... ser líquido». Caso
se acrescente parêntesis, Gx passa a ficar no âmbito do
quantificador: ∀x (¬Fx → Gx).

142
O símbolo ∃ será usado como quantificador existencial; qualquer
frase dominada por esse quantificador será denominada «frase
existencial». Os dois quantificadores surgem muitas vezes juntos,
como na frase «Tudo é azul ou algo é verde», cuja forma lógica é ∀x
Fx ⋁ ∃x Gx. Neste caso, tanto faz usar variáveis diferentes ou a
mesma, nos dois lados da disjunção, porque não interferem entre si.
Contudo, caso se coloque os dois quantificadores à cabeça da
expressão, será preciso usar variáveis ligadas diferentes, porque
nenhuma variável se liga a mais de um quantificador, e exige-se
além disso parêntesis para ligar o «y» ao quantificador existencial:
∀x ∃y (Fx ⋁ Gy). As duas maneiras de especificar a forma lógica da
frase original são equivalentes.
Como se vê, a forma lógica de frases como «Tudo é matéria»,
«Só há matéria» e afins é ∀x Fx; e a forma lógica de frases como
«Há átomos», «Existem átomos» e afins é ∃x Fx. Nestes dois casos,
há apenas um predicado. Quando há dois predicados, contudo,
recorre-se aos operadores verofuncionais já conhecidos. A forma
lógica da frase «Alguns filósofos são gentis» é ∃x (Fx ⋀ Gx). Os dois
predicados estão unidos pela conjunção porque o que se pretende
dizer é que existe pelo menos um particular que é simultaneamente
filósofo e gentil. Isto contrasta com a forma lógica de frases como
«Todos os gatos são felinos», que inclui uma condicional e não uma
conjunção: ∀x (Fx → Gx). O que se pretende dizer agora é que,
dado qualquer particular, se for um gato, é um felino. Em contraste,
∀x (Fx ⋀ Gx) é a forma lógica de frases como «Tudo é gatos e
felinos» ou «Só há gatos e felinos». Este é um caso em que a lógica
fornece um instrumento de análise linguística com resultados
surpreendentes: algumas frases ocultam conjunções; outras,
condicionais. Ao contrário do que sugere a sua gramática
superficial, a diferença entre as frases «Alguns gatos são felinos» e
«Todos os gatos são felinos» não é apenas a quantificação.
Considere-se agora a frase «O Carlos deu uma rosa à Maria».
Já se vê que o predicado é ternário; mas apesar de se ter três
lugares no predicado, a frase só inclui dois nomes próprios. Isto
acontece porque o que ele lhe deu não tem nome próprio: foi
apenas uma rosa. Assim, será preciso usar o predicado «ser uma
rosa» para captar a forma lógica da frase.

143
Interpretação
a: Carlos
b: Maria
Fx: x é uma rosa
Gxyz: x deu y a z

Forma lógica
∃x (Fx ⋀ Gaxb)

Ou seja, há algo que é uma rosa, e o Carlos deu-a à Maria.


Note-se que esta manobra só está disponível no caso de termos
gerais como «rosa», «português», «mamífero», etc. A extensão de
um termo geral como «rosa» (ou seja, os particulares a que o termo
se aplica) é determinada precisamente pela qualidade, atributo ou
propriedade de ser uma rosa (ou seja, pela intensão — com s — ou
significado do termo). Isto contrasta com os termos singulares, como
«Anne», cuja extensão não é explicitamente determinada pela sua
intensão, mesmo que a tenha; aquele nome próprio refere Anne,
mas não por meio de qualquer propriedade que ela tenha.
Os dois quantificadores clássicos são interdefiníveis:

∀x Fx ≡ ¬∃x ¬Fx
∃x Fx ≡ ¬∀x ¬Fx

Isto significa que é válido substituir qualquer quantificador


universal por um existencial, acrescentando as negações nos
lugares apropriados e vice-versa. Assim, «Tudo é matéria» é
equivalente a «Não há coisa alguma que não seja matéria».
Também «Há beleza» é equivalente a «Nem tudo nega a beleza».
Além disso, negar um quantificador universal é afirmar um
existencial, negando o restante; o mesmo acontece, mutatis
mutandis, com o quantificador existencial:

¬∀x Fx ≡ ∃x ¬Fx
¬∃x Fx ≡ ∀x ¬Fx

144
Ou seja, negar que tudo seja feito de átomos é afirmar que há
algo que não é feito de átomos; e negar a existência de
extraterrestres é afirmar que, dado um particular qualquer, não é um
extraterrestre.
Considere-se agora «As verdades são relativas»; a sua negação
correcta não é «Nenhuma verdade é relativa», mas «Algumas
verdades não são relativas». A forma lógica da primeira frase é ∀x
(Fx → Gx). A sua negação directa é ¬∀x (Fx → Gx): «Nem tudo são
verdades relativas». Ora, negar um quantificador universal é afirmar
um existencial negando o resto, pelo que daqui se deriva ∃x ¬(Fx →
Gx). Recordando que se nega uma condicional afirmando uma
conjunção, e não afirmando outra condicional, deriva-se ∃x (Fx ⋀
¬Gx). Esta é a forma lógica de «Algumas verdades não são
relativas».
Algo semelhante acontece no caso da negação correcta de «Há
alemães australianos», que é «Nenhum alemão é australiano». A
forma lógica da primeira frase é ∃x (Fx ⋀ Gx). A sua negação directa
é ¬∃x (Fx ⋀ Gx): «Não há alemães australianos.» Negar um
quantificador existencial é afirmar um universal negando o resto: ∀x
¬(Fx ⋀ Gx). Por De Morgan, deriva-se ∀x (¬Fx ⋁ ¬Gx). Daqui, e
dada a definição de condicional, conclui-se ∀x (Fx → ¬Gx). Ora,
esta é a forma lógica de «Nenhum alemão é australiano». A forma
lógica desta última frase talvez seja surpreendente; mas a ideia é
que dado qualquer particular, se for alemão, não é australiano.

145
4.5 Domínios
É comum, ao falar, ter em mente domínios restritos: uma pessoa diz
que já não há maçãs, mas quer apenas dizer que as não há na sua
cozinha e não no universo inteiro. Do mesmo modo, «Há quem
admire Anne» parece pressupor um domínio restrito a pessoas; não
se quer certamente dizer que há peixes, pedras ou pulgas que a
admiram. Aos conjuntos de particulares que se tem em mente ao
usar quantificadores chama-se «domínios de quantificação».
Restringindo o domínio a pessoas, a sua forma lógica é apenas ∃x
Fxa: existe pelo menos uma pessoa que admira Anne. Porém, caso
não se estipule um domínio restrito será preciso restringir a própria
forma lógica: ∃x (Gx ⋀ Fxa). Ou seja, há particulares que
simultaneamente são pessoas (Gx) e admiram Anne (Fxa). Nas
frases existenciais, a restrição introduz-se com uma conjunção,
como se viu; nas universais, porém, a restrição introduz-se com uma
condicional. Assim, num domínio restrito a pessoas, a forma lógica
de «Toda a gente admira Anne» é simplesmente ∀x Fxa. Caso não
se use um domínio restrito, será preciso restringir a própria forma
lógica: ∀x (Gx → Fxa). Ou seja: dado um particular qualquer, se for
uma pessoa, admira Anne. Restringindo o domínio a pessoas, eis a
forma lógica das seguintes frases:

1. Anne admira alguém: ∃x Fax.


2. Alguém admira Anne: ∃x Fxa.
3. Anne admira toda a gente: ∀x Fax.
4. Toda a gente admira Anne: ∀x Fxa.
5. Anne admira-se a si própria: Faa.
6. Toda a gente se admira a si própria: ∀x Fxx.
7. Alguém se admira a si própria: ∃x Fxx.
8. Alguém admira alguém: ∃x ∃y Fxy.
9. Toda a gente admira toda a gente: ∀x ∀y Fxy.
10. Alguém admira toda a gente: ∃x ∀y Fxy.
11. Toda a gente admira alguém: ∀x ∃y Fxy.
12. Há alguém que toda a gente admira: ∃x ∀y Fyx.

146
13. Toda a gente tem alguém que o admira: ∀x ∃y Fyx.

Especificar a forma lógica de todas estas frases sem restringir o


domínio a pessoas é um exercício interessante. Por exemplo,
porque a última frase é universal, a sua forma lógica é ∀x ∃y [(Gx ⋀
Gy) → Fyx] caso não se especifique o domínio, mas a forma da
penúltima é ∃x ∀y [Gx ⋀ (Gy → Fyx)], porque é uma frase
existencial.
Se uma frase for verdadeira em alguns domínios, mas não
noutros, não é uma verdade lógica; para o ser exige-se que seja
verdadeira em qualquer domínio. A frase «Toda a gente estuda» é
verdadeira num domínio constituído por um grupo de amigos
estudiosos, mas não é uma verdade lógica porque há muitas
pessoas fora desse domínio que não estudam. O mesmo acontece
com a validade: não basta que num domínio restrito as premissas e
a conclusão sejam verdadeiras. É preciso que o sejam em qualquer
domínio. Estas exigências decorrem da natureza linguística da
validade e da verdade lógica. Se para saber que uma frase é
verdadeira o conhecimento das suas condições de verdade não é
suficiente, se é preciso além disso saber qual é o domínio em
questão, não é uma verdade lógica.

147
4.6 Quantificação sem quantificadores
Considere-se um domínio de quantificação muitíssimo limitado, com
dois particulares apenas: Anne e Gies. Como é evidente, afirmar
com respeito a este domínio que tudo são pessoas admiráveis é
exactamente o mesmo que afirmar que Anne e Gies são admiráveis;
e afirmar que há pelo menos uma escritora é exactamente o mesmo
que afirmar que Anne o é, ou Gies. Isto significa que os dois
quantificadores clássicos são, afinal, abreviaturas de conjunções e
disjunções:

∀x Fx abrevia Fa ⋀ Fb ⋀ Fc ⋀ … e assim por diante, até


esgotar todos os particulares do domínio, ou sem parar,
caso o domínio seja infinito.
∃x Fx abrevia Fa ⋁ Fb ⋁ Fc ⋁ … e assim por diante, até
esgotar todos os particulares do domínio, ou sem parar,
caso o domínio seja infinito.

Assim, mantendo o domínio de dois particulares apenas, as


frases das formas da esquerda são substituíveis pelas da direita e
vice-versa:

∀x (Fx → Gx) ≡ (Fa → Ga) ⋀ (Fb → Gb)


∃x (Fx ⋀ Gx) ≡ (Fa ⋀ Ga) ⋁ (Fb ⋀ Gb)

Ou seja, afirmar que todos os seres humanos são mortais, no


domínio especificado, é afirmar que se Anne for um ser humano,
será mortal, e se Gies também o for, será igualmente mortal. E
afirmar que algumas escritoras são alemãs é afirmar que ou Anne é
escritora e alemã, ou Gies tem essas duas propriedades. Este
aspecto da quantificação ajuda a compreender por que razão as
frases das formas seguintes não são equivalentes:

1. ∀x Fx → p

148
2. ∀x (Fx → p)

É tentador considerar que são equivalentes precisamente porque


o parêntesis não parece mudar o âmbito do quantificador. Porém,
mesmo intuitivamente se vê a diferença:

1. Se tudo for ficcional, o mundo é uma ficção.


2. Dada qualquer coisa, se for ficcional, o mundo é uma
ficção.

1 é verdadeira porque a antecedente é falsa, mas 2 é falsa.


Tendo uma vez mais em mente um domínio com apenas dois
particulares, vê-se mais facilmente que as duas frases não são
equivalentes:

1. (Fa ⋀ Fb) → p
2. (Fa → p) ⋀ (Fb → p)

1 conclui-se validamente de 2, mas não vice-versa (secção 6.4).

149
4.7 Predicados negados
Nas frases da forma ∀x ¬Fx, à frente do operador de negação surge
apenas um predicado, e isso leva a considerar erradamente que é o
predicado que está a ser negado, e não uma frase propriamente
dita. Que algo está errado nesta maneira de pensar torna-se patente
quando se tem em mente que a negação clássica é um operador de
formação de frases: aplica-se a frases e forma outras frases. Caso a
interpretação de ∀x ¬Fx fosse a mencionada, esta seria uma
fórmula mal formada. Ter em conta a expressão conjuntiva do
quantificador universal, porém, ajuda a compreender este erro de
interpretação. As frases daquela forma abreviam apenas conjunções
da forma ¬Fa ⋀ ¬Fb ⋀ …, e agora é evidente que à frente do
operador de negação está uma frase completa, e não apenas um
predicado.
Porém, este esclarecimento pede outro. Na língua portuguesa, a
negação não é apenas frásica; há também a negação de adjectivos.
A negação frásica é a clássica: trata-se de um operador que se
aplica exclusivamente a frases e forma outras frases. A negação de
adjectivos aplica-se não a frases, mas a adjectivos, como a negação
de «feliz», que é «infeliz». Ora, esta negação nem sempre se reduz
adequadamente à frásica. Compare-se os seguintes dois
raciocínios:

Anne está infeliz.


Logo, não está feliz.

Anne não está feliz.


Logo, está infeliz.

É evidente que o primeiro é válido, mas o segundo inválido:


talvez ela não esteja feliz nem infeliz, mas apenas neutra. Na lógica
clássica não se capta adequadamente a forma lógica destes
raciocínios porque nela não se nega predicados; a forma lógica da
primeira premissa do primeiro raciocínio não é ¬Fa; esta é a forma

150
lógica da conclusão: «Anne não está feliz». O adjectivo «infeliz» é,
na lógica clássica, encarado apenas como outro predicado, cuja
forma lógica é Gx. Consequentemente, não se capta nesta lógica a
validade do primeiro raciocínio, nem se explica o contraste com o
segundo, que é inválido.
Nestes casos, uma das saídas é alargar a lógica clássica, caso
se considere que o que ficou por captar tem suficiente interesse ou
generalidade. Note-se, porém, que a lógica do prefixo «in-» é
diferente de adjectivo para adjectivo. A lógica da infelicidade incluiria
«Quem está infeliz, não está feliz» como verdade lógica, mas não
«Quem não está feliz, está infeliz»; já o adjectivo «reflectido»
incluiria como verdades lógicas tanto «Quem não é reflectido, é
irreflectido», como «Quem não é irreflectido, é reflectido».
Para ver outra saída considere-se o seguinte raciocínio:

Os sapatos de Anne são completamente pretos.


Logo, não são azuis.

Este raciocínio também é válido; uma vez mais, porém, a sua


validade não se capta directamente na lógica clássica. Isto porque
nesta lógica capta-se apenas as validades que dependem
exclusivamente das condições de verdade dos cinco operadores
clássicos, da quantificação e da identidade (capítulo 5); a validade
deste raciocínio depende também das condições de verdade dos
conceitos de cor.
Tanto neste caso como no da negação de adjectivos, caso não
se deseje fazer uma lógica das cores e da infelicidade, há outra
saída: acrescentar premissas que explicitem as condições de
verdade dos conceitos relevantes. Neste último caso, a premissa «O
que é completamente preto não é azul» permite explicitar a sua
validade; nos primeiros dois casos, a premissa «Quem está infeliz,
não está feliz» permite explicitar a validade de um, ao passo que a
invalidade do outro se explicita com «Há quem não esteja feliz nem
infeliz».
Porém, é preciso ter em mente que os dois primeiros raciocínios
já eram válidos, mas dependiam de outras condições de verdade
que não as clássicas. As próprias premissas que foram

151
acrescentadas são verdades lógicas da lógica das cores e da
infelicidade porque explicitam as condições de verdade associadas
àqueles conceitos. Isto contrasta com casos como o seguinte:

Anne foi ao cinema com sapatos de lona.


Logo, foi ao cinema com sapatos pretos.

Este raciocínio não é válido. Porém, acrescentar a premissa


«Todos os sapatos de lona de Anne são pretos» transforma-o num
raciocínio válido. A diferença é que esta premissa não é a
explicitação das condições de verdade seja do que for, mas uma
afirmação extralinguística sobre os seus sapatos de lona.

152
4.8 Regras simples e de substituição
Agora que a linguagem quantificada e de predicados foi esclarecida,
é tempo de examinar a sua lógica. Considere-se o seguinte
exemplo:

Como é evidente, se tudo tem uma dada propriedade, um dado


particular também a tem. Esta é a ideia da regra da eliminação do
quantificador universal (E∀), usada no passo 3. Neste passo,
eliminou-se o quantificador universal do passo 1 inserindo a sem
mais delongas. Ao substituir x por a, é obrigatório substituir todas as
ocorrências de x, porque todas estão ligadas ao mesmo
quantificador. Sempre que se elimina um quantificador universal, é
preciso que todas as variáveis a ele ligadas sejam substituídas. Esta
exigência bloqueia a seguinte falácia:

Toda a gente gosta de si própria: ∀x Fxx.


Logo, toda a gente gosta de Estaline: ∀x Fxa. X

Esta aplicação da regra está errada porque não foram


substituídas todas as variáveis ligadas ao mesmo quantificador.
Esta regra tanto se aplica a ∀x Fx como a ∀x [(Fx → (Gx ⋀ Ha)]:
aplica-se a qualquer frase universal, por mais complexa que seja.
Em qualquer caso, ao eliminar um quantificador universal, exige-se

153
que todas as variáveis que por ele estavam ligadas sejam
substituídas pela mesma letra que representa nomes próprios.
Porém, não se aplica a (Gx ⋀ Ha) → ∀x Fx porque esta não é uma
frase universal; apenas inclui uma frase universal. Pela mesma
razão, aplica-se apenas a frases da forma 2:

1. ∀x Fx → p
2. ∀x (Fx → p)

Apesar de ser tentador considerar que as frases com estas


formas são equivalentes, não o são. As da forma 1 são condicionais
e não frases universais, como as da forma 2. Precisamente devido a
essa diferença, só é correcto aplicar a eliminação do quantificador
universal às frases da forma 2.
Eis outro exemplo da aplicação desta regra:

Todos os escritores são mortais.


Nenhum mortal é divino.
Logo, se Anne é escritora, não é divina.

Interpretação
Fx: x é escritora
Gx: x é mortal
Hx: x é divino
a: Anne

Forma lógica
∀x (Fx → Gx)
∀x (Gx → ¬Hx)
∴ Fa → ¬Ha

Derivação

154
Considere-se agora a introdução do quantificador existencial (I∃).
É evidente que se conclui validamente e sem mais delongas que há
escritoras da premissa «Anne é escritora». Eis um exemplo do uso
desta regra:

Quando se introduziu o quantificador existencial, no passo 4,


substituiu-se todas as ocorrências de a pela variável ligada, porque
era isso que permitia completar a derivação; mas é válido substituir
apenas uma das ocorrências. Caso se tenha Fa ⋀ Fb, introduz-se
dois quantificadores, porque há mais de um nome próprio: ∃x ∃y (Fx
⋀ Fy). Mas se há apenas um nome próprio, é igualmente válido
substituir todas ou apenas algumas das suas ocorrências: partindo
de Fa ⋀ Ga tanto se conclui validamente ∃x (Fx ⋀ Gx) como ∃x (Fx
⋀ Ga). Eis um exemplo mais complexo:

Foi Anne ou Gies que escreveu o Diário.


Se foi Anne, ela era escritora.
Se foi Gies, era também escritora.
Logo, em qualquer caso, existem escritoras.

155
Interpretação
a: Anne
b: Gies
c: Diário
Fxy: x escreveu y
Gx: x é escritora

Forma lógica
Fac ⋁ Fbc
Fac → Ga
Fbc → Gb
∴ ∃x Gx

Derivação

Depois de supor cada uma das disjuntas, derivou-se o mesmo


resultado, com uma aplicação da regra da introdução do
quantificador existencial. Com a eliminação da disjunção chega-se
então directamente ao resultado pretendido.
A lógica quantificada não tem regras para lidar apenas com a
predicação — esta, só por si, não acrescenta qualquer poder
inferencial à lógica verofuncional. Só tem regras para lidar com a
quantificação. Como anteriormente, há três tipos de regras: as

156
simples, as de substituição e as que usam suposições. Eis as
simples e as de substituição:

Eliminação do quantificador universal (E∀)


∀x Ax
∴ Aa

Exige-se que todas as variáveis ligadas pelo quantificador


sejam substituídas por a.

Introdução do quantificador existencial (I∃)


Aa
∴ ∃x Ax

Não se exige que todos os nomes sejam substituídos pela


variável ligada.

Definição de quantificadores
∀x Ax ≡ ¬∃x ¬Ax
∃x Ax ≡ ¬∀x ¬Ax

Negação de quantificadores
¬∀x Ax ≡ ∃x ¬Ax
¬∃x Ax ≡ ∀x ¬Ax

157
4.9 Introdução do quantificador universal
Como é evidente, é inválido concluir ∀x Fx de Fa: de «Anne é
escritora» não se conclui validamente que no universo só há
escritores. Portanto, a regra da introdução do quantificador universal
(I∀) não é assim. As regras da introdução e eliminação do
quantificador universal estão coordenadas entre si; na maioria dos
casos, trata-se de eliminar temporariamente o quantificador
universal para se fazer alguns raciocínios, reintroduzindo-o depois.
Quando isso se faz usa-se não as letras a, b, c, etc., que
representam quaisquer nomes próprios, mas m, n, o, etc., que
representam quaisquer nomes arbitrários. Um nome próprio, como
«Anne», refere um particular específico; isto contrasta com os
nomes arbitrários, que são introduzidos para falar arbitrariamente de
qualquer particular. Isto corresponde em parte ao uso que se fazia
na língua portuguesa de antanho quando se usava o termo «zé-
povinho»: é um nome arbitrário de qualquer português que pertença
a essa categoria imaginária anacrónica que é o povo. E ainda hoje
se usa os nomes arbitrários «fulano», «sicrano» e «beltrano». Veja-
se um exemplo da aplicação da introdução do quantificador
universal:

No passo 2 eliminou-se o quantificador universal inserindo n


porque se visava já a introdução posterior do mesmo quantificador;

158
foi o que se fez no passo 4. Ao introduzir o quantificador universal, a
variável ligada substitui todas as ocorrências de n, e não apenas
algumas. Além disso, exige-se que o passo a que se aplica a regra
e que contém n não seja uma premissa, nem dependa de qualquer
premissa que contenha n. Veja-se outro exemplo:

Uma vez mais, a regra foi usada da maneira mais óbvia: para
reintroduzir um quantificador universal antes eliminado. Veja-se
agora como se usa esta regra na presença de suposições:

Todos os seres humanos são mortais.


Todos os mortais são animais.
Logo, todos os seres humanos são animais.

Interpretação
Fx: x é humano
Gx: x é mortal
Hx: x é animal

Forma lógica
∀x (Fx → Gx)
∀x (Gx → Hx)
∴ ∀x (Fx → Hx)

159
Derivação

Neste caso, foi introduzida uma suposição no passo 5. Contudo,


no passo 9 aplicou-se a regra ao passo 8, que não depende já
dessa suposição. Esta é a restrição já formulada: esta regra não se
aplica validamente a um passo que seja uma premissa, ou que
dependa de uma premissa na qual ocorra n. Note-se que as
suposições são premissas, o que significa que esta restrição exclui
a aplicação da regra ao passo 7 porque este depende da suposição
do passo 5, que contém n. Veja-se um último exemplo:

160
Uma vez mais, é um erro eliminar n em qualquer passo que
dependa da suposição do passo 2, porque este contém esse nome
arbitrário. Eis então a formulação da regra:

Introdução do quantificador universal (I∀)


An
∴ ∀x Ax

A variável ligada ao quantificador substitui todas as


ocorrências de n. O passo a que se aplica a regra não é uma
premissa nem depende de qualquer premissa que contenha
n.

161
4.10 Eliminação do quantificador existencial
Como é evidente, a regra da eliminação do quantificador existencial
(E∃) não é uma questão de concluir Fa de ∃x Fx, pois apesar de
haver filósofas, Anne não era uma delas. Elimina-se o quantificador
existencial introduzindo uma suposição com as letras já conhecidas
que representam nomes arbitrários:

O quantificador existencial foi eliminado introduzindo uma


suposição no passo 2 com n, que substitui todas as variáveis
ligadas. No passo 5 aplicou-se a regra ao passo 4; isto é válido
porque este passo não tem n nem depende de outras premissas,
além da suposição, que tenham n. Como justificação, invoca-se o
passo onde está o quantificador existencial e o raciocínio que
decorre da suposição que o elimina e termina no resultado
desejado. Depende-se então de todas as premissas de que
depender o passo 1 e de todas as premissas de que depender o
passo 4, excepto da suposição introduzida neste uso da regra. Veja-
se outro exemplo:

162
No passo 3 foi introduzida uma suposição com vista ao uso da
regra, eliminando o quantificador existencial do passo 1 e inserindo
n no lugar de x. Desta suposição derivou-se o passo 7, que não
contém qualquer n nem depende de qualquer premissa ou
suposição que o contenha, excepto da própria suposição do passo
3. Então, conclui-se o raciocínio no passo 8, com base no passo 1 e
na subderivação que parte da suposição do passo 3 e termina no 7.
Como se vê, o nome desta regra é um pouco enganador, uma vez
que, na maior parte das suas aplicações, introduz-se de novo o
quantificador. Todavia, nem sempre isso acontece (secção 5.3).
Considere-se agora um exemplo com quantificadores
existenciais e universais misturados:

163
Como se vê, o processo consiste em ser metódico, eliminando
primeiro o quantificador mais à esquerda (com uma suposição) e
depois o outro, usando primeiro n e depois o. Note-se que o
raciocínio na direcção inversa é inválido: é a falácia da inversão dos
quantificadores. Eis o que acontece caso se tente provar a sua
validade:

O passo 4 é um erro, pois aplicou-se a regra da introdução do


quantificador universal a uma suposição. Eis um exemplo desta
falácia:

Todas as pessoas têm uma mãe.


Logo, há uma mãe de todas as pessoas.

164
Este raciocínio inválido tem uma forma lógica superficialmente
semelhante à do raciocínio válido na direcção inversa:

Há um planeta em que vivem todos os seres humanos.


Logo, todos os seres humanos vivem num planeta.

Em contextos filosóficos, a diferença entre as duas formas de


raciocínio é crucial, pois significa que é inválido inferir que há uma
só causa do universo — Deus, por exemplo — partindo da hipótese
de tudo ter uma causa.
Veja-se agora um caso com dois quantificadores existenciais:

∃x ∃y (Fx ⋁ Fy), ∀x (Fx → Gx) ⊢ ∃x ∃y (Gx ⋁ Gy)

165
A suposição do passo 3 elimina o primeiro quantificador
existencial, e a do passo 4, o segundo; exige-se uma letra diferente
para cada um. A derivação usa a eliminação da disjunção, e inclui
por isso mais duas suposições. Note-se também que se eliminou
duas vezes o quantificador universal do passo 2. Eis então a
formulação da regra:

Eliminação do quantificador existencial (E∃)


∃x Ax

166
An ⊢ C
∴C

Dada uma frase existencial, é válido concluir uma frase da


forma C desde que seja derivada de uma suposição que
elimina o quantificador da frase original, usando um nome
arbitrário. C não contém esse nome arbitrário e não depende
de quaisquer premissas que o contenham, excepto da
suposição original.

Esta regra é apenas a versão quantificada da eliminação da


disjunção, na qual se conclui uma frase que é implicada por cada
uma das disjuntas. Imagine-se um domínio com apenas duas
pessoas, Anne e Gies. É verdadeiro neste domínio que existe uma
alemã: ou uma ou outra o é. Ora, caso Anne seja alemã, será
europeia; caso seja Gies que o é, será ela a sê-lo. Logo, em
qualquer caso, alguém no domínio é europeu. Este é o raciocínio
subjacente à aplicação desta regra; a única diferença é que se usa
um nome arbitrário. Contudo, dizer que fulana é alemã é dizer afinal
outra vez que ou uma ou outra delas o é. Veja-se um último
exemplo:

Alguns pintores são músicos.


Logo, alguns músicos são pintores.

Interpretação
Fx: x é pintor
Gx: x é músico

Forma lógica
∃x (Fx ⋀ Gx)
∴ ∃x (Gx ⋀ Fx)

Derivação

167
Como se vê, o raciocínio original é apenas uma versão
quantificada da comutatividade da conjunção; e é porque a
condicional não é comutativa que os raciocínios da forma do
seguinte são inválidos:

Os mamíferos são animais.


Logo, os animais são mamíferos. X

168
4.11 Implicação existencial
Na lógica clássica considera-se válido qualquer raciocínio que
conclua uma frase da forma ∃x Fx partindo apenas de outra da
forma ∀x Fx; diz-se então que o quantificador universal tem
implicação existencial, ou seja, implica que algo existe. Pensa-se
por vezes que a implicação existencial é um aspecto inadequado da
lógica clássica, porque se o domínio de quantificação for vazio, os
raciocínios daquela forma lógica serão (supostamente) inválidos.
Para compreender esta crítica é preciso compreender primeiro o
conceito de domínio vazio.
A primeira coisa a dizer é que só há um domínio vazio: o que
distingue os conjuntos entre si é exclusivamente os seus elementos,
ou seja, quaisquer hipotéticos dois conjuntos que tenham
exactamente os mesmos elementos são afinal um só. Dado que o
conjunto vazio não tem elementos, nenhuns hipotéticos dois
conjuntos vazios têm elementos que os possam diferenciar, pelo
que não são dois, afinal, mas apenas um. A segunda coisa a dizer é
que apesar de só haver um domínio vazio, há inúmeras maneiras
diferentes de especificá-lo. O conjunto de marcianos inteligentes, de
seres humanos com mais de dez metros de altura ou até de
governantes competentes são maneiras diferentes de especificar o
mesmo conjunto vazio, se nenhuma dessas entidades existir.
Voltando à discussão, é evidente que as frases da forma ∃x Fx
serão falsas se o domínio for vazio porque não há nele qualquer
particular. Porém, o que dizer de ∀x Fx? Serão verdadeiras ou falsas
se o domínio for vazio? Caso sejam verdadeiras, a lógica
quantificada clássica será inadequada, porque sanciona como
válidos raciocínios que partem de premissas verdadeiras, da forma
∀x Fx, e chegam a conclusões falsas, da forma ∃x Fx. A ideia de
que se o domínio for vazio, as frases da forma ∀x Fx seriam
vacuamente verdadeiras baseia-se na consideração do valor de
verdade da sua negação: ∃x ¬Fx. Se o domínio for vazio, defende
então o crítico, as frases desta forma serão falsas, porque não
existe particular algum; consequentemente, as suas negações, da

169
forma ∀x Fx, serão verdadeiras e por isso este aspecto da lógica
clássica é inadequado.
Esta maneira de pensar, contudo, é falaciosa, pois a
mesmíssima razão que há para aceitar que serão inequivocamente
falsas as frases da forma ∃x Fx se o domínio for vazio, obriga a
aceitar que nesse domínio também as da forma ∀x Fx serão falsas,
pelo que a implicação existencial da lógica clássica está correcta. As
frases existenciais abreviam disjunções como Fa ⋁ Fb ⋁ …; ora, se
o domínio for vazio, todas estas disjuntas serão falsas, porque não
há particular algum. Mas nesse caso também serão falsas as
conjuntas Fa ⋀ Fb ⋀ …, que as frases universais da forma ∀x Fx
abreviam. Consequentemente, não há aqui qualquer contra-exemplo
ao princípio da implicação existencial da lógica clássica; o que há é
uma interpretação falaciosa das frases da forma ∃x ¬Fx, que as
encara como se fossem conjunções: «existe um particular x, e esse
particular…». Mas esta não é a interpretação correcta na lógica
clássica. Estas frases abreviam apenas a disjunção infinita ¬Fa ⋁
¬Fb ⋁ …, que é inequivocamente verdadeira se o domínio for vazio,
porque a alternativa seria considerar que cada uma das
contraditórias das suas disjuntas (Fa ⋁ Fb ⋁ …) seria verdadeira
nesse mesmo caso. Se o domínio for vazio, as frases da forma Fa
serão inequivocamente falsas, precisamente porque não haverá
particular algum; e as da forma ¬Fa serão verdadeiras, porque irão
negar falsidades. Aliás, é por isso que as frases da forma Fa ⋁ ¬Fa
são verdades lógicas: são verdadeiras seja qual for o domínio,
incluindo o vazio, porque neste caso as frases da forma Fa são
falsas, mas as suas negações são verdadeiras. Para continuar a
insistir que as frases da forma ∃x ¬Fx são falsas se o domínio for
vazio é preciso abandonar a ideia de que as da forma Fa ⋁ ¬Fa são
verdades lógicas, porque então seriam falsas nesse caso.
Talvez seja surpreendente pensar que se o domínio for vazio, a
frase «Anne não é escritora» é verdadeira, mas a surpresa
desaparece caso se tenha em conta que a frase, tal como é
interpretada na lógica clássica, quer apenas dizer que não é
verdadeiro que ela é escritora — o que é perfeitamente razoável,
dado que no domínio vazio ela não existe. O que não é correcto é
considerar que na lógica clássica aquela frase quer dizer que Anne

170
existe e tem a propriedade de não ser escritora, ou de ser não-
escritora (secção 4.7).
Para encerrar este assunto da implicação existencial, é
importante ter em mente que na lógica clássica não se infere
validamente frases da forma ∃x (Fx ⋀ Gx) de frases da forma ∀x (Fx
→ Gx); porém, isto deve-se à invalidade de concluir uma conjunção
de uma condicional, e não à (suposta) invalidade de concluir uma
frase existencial de uma universal.

171
4.12 Exercícios

1. Faça uma lista dos conceitos fundamentais deste capítulo,


e explique-os.
2. Especifique a forma lógica das frases seguintes,
estipulando a sua interpretação: 1) Eça era perspicaz. 2)
Eça era romancista. 3) Ligeti era húngaro. 4) Leonardo
ama Salai. 5) Salai ama Leonardo. 6) Leonardo ama
Leonardo. 7) Coimbra fica entre o Porto e Lisboa. 8) O
Porto fica entre Coimbra e Lisboa. 9) Coimbra fica entre
Lisboa e o Porto.
3. Considere a seguinte interpretação: a: Leonardo; b: Salai;
Fx: x é gentil; Gxy: x admira y. Usando esta interpretação,
escreva frases com as seguintes formas lógicas: 1) Fa. 2)
Fb. 3) Gab. 4) Gba. 5) Gaa.
4. Especifique a forma lógica das frases seguintes,
estipulando a sua interpretação: 1) Se Maugham era
inglês, Orwell era inglês. 2) Maugham não era grego se e
só se Orwell também não o era. 3) Maugham e Orwell
eram ingleses. 4) Orwell era casado com Sonia, mas
Maugham não. 5) Orwell era casado com Sonia se e só se
Sonia era casada com Orwell. 6) Orwell era casado com
Sonia ou consigo mesmo. 7) Orwell não era cobarde.
5. Considere a seguinte interpretação: a: Orwell; b: Sonia;
Fx: x é gentil; Gxy: x admira y. Usando esta interpretação,
escreva frases com as seguintes formas lógicas: 1) Fa →
Gab. 2) Fb ⋀ ¬Gaa. 3) Gab ⋁ ¬Fb. 4) Gba ⇄ ¬Gab. 5)
¬Gaa ⋀ Fb.
6. Negue a forma ∀x Fx sem usar o quantificador universal.
7. Negue a forma ∃x Fx sem usar o quantificador existencial.
8. Qual é a negação de «Os cépticos são irracionais»?
9. Qual é a negação de «Alguns poetas são
desinteressantes»?
10. Especifique a forma lógica das frases seguintes, depois
de estipular uma interpretação: 1) Nada é água. 2) Algo é

172
água. 3) Algo não é água. 4) Nem tudo é água. 5) Tudo é
água. 6) Todos os mamíferos são velozes. 7) Nenhum
mamífero é veloz. 8) Alguns mamíferos são velozes. 9)
Alguns mamíferos não são velozes. 10) Orwell é ensaísta
e inglês. 11) Se Orwell é ensaísta, não é inglês. 12) Não é
verdadeiro que se Orwell é ensaísta, não é inglês. 13)
Orwell é ensaísta ou inglês. 14) Se há ensaístas, Orwell é
um deles. 15) Se Orwell não é inglês, não há ingleses. 16)
Se todos os ensaístas são ingleses, Orwell é inglês. 17)
Alguns ensaístas não são ingleses e Orwell é um deles.
18) Se Isidoro é fantasioso, algo é fantasioso. 19) Isidoro
não é fantasioso.
11. Considere a seguinte interpretação: a: Orwell; Fx: x é
inglês; Gx: x é ensaísta. Usando esta interpretação,
escreva frases com as seguintes formas lógicas: 1) ∀x (Fx
→ Gx). 2) ∀x (Fx → ¬Gx). 3) ∃x (Fx ⋀ Gx). 4) ∃x (Fx ⋀
¬Gx). 5) ∀x Fx. 6) ∃x Fx. 7) Fa → ∃x (Fx ⋀ Gx). 8) Fa →
∃x Fx. 9) Fa → (∃x Fx ⋀ ∃x Gx). 10) ∀x (Fx → Gx) → Ga.
11) Ga → Fa.
12. Especifique a forma lógica das frases seguintes, depois
de estipular uma interpretação e um domínio de
quantificação: 1) Alguém ama Yourcenar. 2) Yourcenar
ama alguém. 3) Alguém ama alguém. 4) Alguém se ama a
si mesmo. 5) Toda a gente ama alguém. 6) Alguém ama
toda a gente.
13. No domínio das pessoas, considere a seguinte
interpretação: a: Isidoro; Fxy: x fala com y. Usando esta
interpretação, escreva frases com as seguintes formas
lógicas: 1) ∀x Fax. 2) ∀x Fxa. 3) ∃x Fxa. 4) ∃x Fax. 5) ∃x
Fxx. 6) ∃x ∃y Fxy. 7) ∀x ∀y Fxy. 8) ∀x Fxx.
14. Escreva formas equivalentes sem quantificadores num
domínio com apenas dois particulares: 1) ∀x Fx. 2) ∃x Fx.
3) ∀x (Fx → Gx). 4) ∃x (Fx ⋀ Gx). 5) ∀x (Fx ⋀ Gx). 6) ∃x
(Fx → Gx). 7) ∀x ¬Fx. 8) ¬∀x Fx. 9) ∃x ¬Fx. 10) ¬∃x Fx.
15. Derive: 1) ∀x (Fx → Gx), ¬Ga ⊢ ¬Fa. 2) ∀x ¬(Fx → Fx) ⊢
Ga. 3) ∀x ¬(Fx → Gx) ⊢ ¬Ga. 4) ∀x Fx ⊢ ∃x Fx. 5) ∃x (Fx
→ Gx) ⊢ ∃x (¬Gx → ¬Fx). 6) ¬∀x (Fx → Gx) ⊢ ∃x (Fx ⋀

173
¬Gx). 7) ¬∀x (Fx → ¬Gx) ⊢ ∃x (Fx ⋀ Gx). 8) ¬∃x (Fx ⋀ Gx)
⊢ ∀x (Fx → ¬Gx). 9) ¬∃x (Fx ⋀ ¬Gx) ⊢ ∀x (Fx → Gx). 10)
∀x (Fx → Gx), Fa ⊢ ∃x Gx. 11) ∀x (Fx ⋁ Gx), Fa → Ha, Ga
→ Ha ⊢ ∃x Hx.
16. Derive usando a introdução do quantificador universal: 1)
∀x (Fx ⇄ Gx) ⊢ ∀x (Fx → Gx). 2) ∀x (Fx ⋀ Gx) ⊢ ∀x Fx. 3)
∀x Fx ⊢ ∀x (Fx ⋁ Gx). 4) ∀x (Fx → Gx), ∀x Fx ⊢ ∀x Gx. 5)
∀x (Fx → Gx), ∀x ¬Gx ⊢ ∀x ¬Fx. 6) ∀x (Fx ⋁ Gx), Fa → ∃x
Hx, Ga → ¬∀x ¬Hx ⊢ ∃x Hx.
17. Derive usando a eliminação do quantificador existencial:
1) ∀x (Fx → Gx), ∃x Fx ⊢ ∃x (Fx ⋀ Gx). 2) ∃x (Fx ⋁ Gx) ⊢
∃x Fx ⋁ ∃x Gx. 3) ∃x Fx ⋁ ∃x Gx ⊢ ∃x (Fx ⋁ Gx). 4) ∃x (Fx
⋀ Gx) ⊢ ∃x Fx ⋀ ∃x Gx. 5) ∀x (Fx → Gx), ∃x Fx ⊢ ∃x (Fx ⋀
Gx). 6) ∃y ∀x Fyx ⊢ ∀x ∃y Fyx.

174
5

175
IDENTIDADE

A lógica quantificada é muitíssimo mais abrangente do que a


meramente verofuncional, mas é ao acrescentar o conceito de
identidade que surge algo realmente novo. Isto porque o raciocínio
quantificado clássico é apenas um caso generalizado do
verofuncional, dado tratar-se afinal de conjunções e disjunções
abreviadas. Em contraste, os raciocínios que envolvem identidade
são irredutíveis à verofuncionalidade. De modo que só com a
identidade se vai além do raciocínio exclusivamente verofuncional.

176
5.1 A linguagem da identidade
Na língua portuguesa exprime-se a identidade com a palavra «é»:
«George Orwell é Eric Blair.» Claro que se usa a mesmíssima
palavra para exprimir também a predicação: «Orwell é perspicaz». A
diferença é que depois do «é» se encontra um nome próprio no
primeiro caso, mas não no segundo. A identidade é em si um
predicado, mas é especial, por duas razões. Em primeiro lugar
porque é binário, como «ser irmão»: é uma relação. Em segundo
lugar porque só se forma frases verdadeiras quando se atribui a
identidade ao mesmo particular: nada mais no universo é Orwell, no
sentido da identidade, a não ser ele — ainda que se use outro nome
próprio, como «Blair».
Como se viu, Fxy especifica a forma lógica de qualquer
predicado binário, pelo que seria razoável usar Ixy para a relação de
identidade. Contudo, é comum usar o sinal de igualdade da
matemática. Assim, a = b especificará a forma lógica das frases de
identidade com dois nomes próprios, como «Blair é Orwell».
A identidade numérica aqui em causa difere da qualitativa. Só há
identidade numérica quando não se trata de dois particulares, mas
de apenas um, mesmo que se use nomes próprios diferentes. Isto
contrasta com a identidade qualitativa, porque neste caso trata-se
de dois particulares, numericamente distintos, mas que partilham
várias propriedades, como dois lápis iguais acabados de comprar.
A identidade, como qualquer outro predicado binário, precisa do
seguinte para formar frases em vez de predicados:

1. Dois nomes próprios, ou um que ocorra duas vezes:


– Orwell é Eric: a = b
– Orwell é Orwell: a = a

2. Um nome próprio e um quantificador:


– Tudo é Osíris: ∀x (x = a)
– Algo é Orwell: ∃x (x = a)

177
3. Um quantificador apenas:
– Tudo é idêntico a si próprio: ∀x (x = x)
– Algo é idêntico a si próprio: ∃x (x = x)

4. Dois quantificadores:
– Há algo que é idêntico a tudo: ∃x ∀y (x = y)
– Tudo é idêntico a algo: ∀x ∃y (x = y)

Em contraste, nos seguintes casos não se trata de frases, mas


de predicados:

1. Ser Orwell: x = a
2. Ser idêntico a si próprio: x = x
3. Ser idêntico a tudo: ∀y (x = y)
4. Ser idêntico a algo: ∃y (x = y)

Na posse do predicado binário de identidade já se capta a forma


lógica de afirmações simples de existência, como «Orwell existe». É
tentador considerar que a sua forma lógica seria Fa, porque a frase
portuguesa tem a mesma estrutura gramatical de «Orwell escreve»;
na lógica clássica, porém, considera-se que a sua forma lógica é
bastante diferente: ∃x (x = a), ou seja, algo é Orwell. Deste modo, o
conceito de existência é reduzido à quantificação e a essa
propriedade binária especial que é a identidade. Apesar de esta
opção ser filosoficamente polémica (Nelson 2016), não deixa de ser
razoável. Afinal, a quantificação parece envolver a existência, pois
seria redundante considerar que a forma lógica da frase «Alguns
cientistas são brilhantes» é ∃x (Fx ⋀ Gx ⋀ Ex): existem particulares
que simultaneamente são cientistas, são brilhantes e existem. O
terceiro predicado está sem dúvida a mais, porque o quantificador
existencial já faz o seu trabalho. Por isso, tudo o que é preciso para
captar a forma lógica de «Orwell existe» é uma maneira de ligar o
nome ao quantificador. A relação aqui adequada é a identidade,
porque se trata de dizer que ele é (idêntico a) um dos particulares
do domínio, como quando se diz que Orwell é (idêntico a) Blair.

178
5.2 Descrições definidas
Uma descrição definida é algo como «O autor de Os Dragões do
Éden» ou «A primeira mulher que foi à Lua». Os artigos definidos
«o» e «a» indicam que se pretende falar de um só particular, como
acontece com os nomes próprios. Por isso, é inadequado usar uma
descrição definida quando mais de um particular tem o atributo
indicado; quando se diz «O professor de lógica é belga», mas há
mais de um, a reacção apropriada é perguntar «Qual deles?». Neste
aspecto, portanto, as descrições definidas são como os nomes
próprios: referem um só particular e não vários (é claro que há
várias pessoas chamadas «Sagan», mas o contexto ajuda a
especificar qual delas se tem em mente). Contudo, as descrições
definidas são obviamente diferentes dos nomes próprios, porque
incluem sempre predicados, por vezes complexos. Assim, mesmo
que o nome próprio «Sagan» e a descrição definida «O autor de Os
Dragões do Éden» refiram o mesmo particular, o modo como o
fazem é diferente, porque o nome próprio não refere aquela pessoa
por meio de atributos ou predicados. Diz-se, por isso, que os nomes
próprios não são gramaticalmente atributivos ou descritivos, mas as
descrições definidas são-no.
Numa frase que inclua uma descrição definida, como «O autor
de Os Dragões do Éden era norte-americano», a ideia é que só uma
pessoa escreveu aquele livro e essa pessoa era norte-americana.
Assim, é razoável considerar que a sua forma lógica é uma
conjunção de três afirmações: 1) existiu pelo menos um autor de Os
Dragões do Éden; 2) só existiu um; e 3) esse autor era norte-
americano. Consequentemente, a forma lógica daquela frase capta-
se como se segue:

Interpretação
Fxy: x é autor de y
a: Os Dragões do Éden
Gx: x é norte-americano

179
Forma lógica
∃x [Fxa ⋀ ∀y [Fya → (y = x)] ⋀ Gx]

Examine-se agora cuidadosamente esta forma lógica. Não se


usa aqui parêntesis para indicar qual das conjunções é a principal
porque isso atrapalha a leitura e é irrelevante (dado que a conjunção
é associativa). A primeira expressão depois do quantificador é
apenas Fxa, que é a forma lógica do predicado complexo «ser autor
de Os Dragões do Éden». A segunda é a única que inclui uma
subtileza: o modo como em lógica se especifica que há um só
particular, e a que se chama «cláusula da unicidade». Isso é feito
afirmando que qualquer particular que tenha a relação F com a é
idêntico ao particular inicial; por outras palavras, só há um particular
que tem essa relação, ou seja, só há um autor de Os Dragões do
Éden. A terceira limita-se a atribuir Gx, que é a forma lógica do
predicado «ser norte-americano», ao mesmo particular de que se
falou desde o início.
Esta maneira de entender as descrições definidas permite
especificar também a forma lógica de frases com descrições
definidas que envolvem identidade, como «O autor de Cosmos é
Carl Sagan»:

Interpretação
Fxy: x é autor de y
a: Cosmos
b: Carl Sagan

Forma lógica
∃x [Fxa ⋀ ∀y [Fya → (y = x)] ⋀ (x = b)]

Neste caso, trata-se de afirmar a identidade entre aquele único


autor de Cosmos e Carl Sagan. Difere do primeiro tipo, que atribui
uma dada propriedade ao particular único em questão. Num terceiro
tipo, usa-se duas descrições definidas para dizer depois que se trata
do mesmo particular, como «O autor de Cosmos é o autor de Os
Dragões do Éden»:

180
Interpretação
Fxy: x é autor de y
a: Cosmos
b: Os Dragões do Éden

Forma lógica
∃x ∃y [Fxa ⋀ ∀z [Fza → (z = x)] ⋀ Fyb ⋀ ∀z [Fzb → (z = y)] ⋀
(x = y)]

Esta maneira de entender as descrições definidas como


conjunções existencialmente quantificadas foi defendida por Russell
(1905; 1912: 107–118). Porém, apesar de ser comum pressupô-la
em muitos contextos, é filosoficamente controversa, pelo menos
desde as objecções de Strawson (1950). Hoje em dia, é um dos
problemas em aberto na filosofia da linguagem. Em particular, as
descrições definidas são muitas vezes usadas apenas para indicar
precisão numérica, como quando se diz «O número de planetas do
sistema solar é oito» e se quer dizer apenas que há oito planetas no
sistema solar — mas, pragmaticamente, anuncia-se desde logo ao
ouvinte que se irá usar um número preciso (Murcho 2010). Além
disso, usa-se por vezes descrições definidas de maneira não-
atributiva, para referir um particular que, ao contrário do que se
pensa, não obedece à descrição usada: uma pessoa numa festa diz
«O homem que está a beber martíni é matemático», mas o
matemático está afinal a beber água (Lycan 2008: 9–30).
Russell entendia que os nomes próprios comuns eram afinal
descrições definidas abreviadas; também por isso, estas
desempenharam um papel importante na filosofia. Russell não via
como um conjunto de sons ou traços como «Luís de Camões»,
pronunciados ou rabiscados hoje, teria o poder misterioso de referir
uma pessoa há muito morta e que nem seria reconhecida se
passasse na rua. Por isso, «Luís de Camões» abreviaria afinal uma
descrição definida como «O autor de Os Lusíadas», que teria então
o poder de referir essa pessoa atributivamente. Esta perspectiva
está quase certamente errada e resulta de não se ver a dimensão
social da linguagem. Se nada num conjunto de sons ou traços como
«Luís de Camões» permite referir aquela pessoa, então também

181
nada num conjunto de sons ou traços como «O autor de Os
Lusíadas» permitirá fazê-lo. Os sons ou traços só conseguem referir
o que referem porque os seres humanos se coordenam
admiravelmente bem para fazê-lo, e não há neste aspecto
diferenças relevantes entre predicados e nomes próprios. Quando
Luís de Camões nasceu, os pais ou outras pessoas deram-lhe esse
nome próprio e desde então as pessoas coordenadamente usaram
sons e traços que remontam a essa estipulação para falar da
mesma pessoa. Esta é a perspectiva social dos nomes próprios
sugerida por Geach (1969) e que com Kripke (1980) deu um novo
rumo às discussões contemporâneas acerca da referência e
significado desses termos (Lycan 2008: 31–62). De notar que para
explicar a extensão e o significado dos termos gerais será preciso
dizer o mesmo: os seres humanos coordenam sons e traços
estipulados para falar da mesma cor, e é só devido a isso que
«verde» tem o significado e a extensão que tem (Murcho 2011).

182
5.3 A lógica da identidade
Porque a identidade é uma relação, tem propriedades lógicas como
qualquer outra. Três propriedades importantes das relações são a
reflexividade, a simetria e a transitividade. Uma relação é reflexiva
sse todo o particular tem essa relação consigo mesmo: ∀x Fxx. É o
que não acontece no caso do fascínio, pois nem toda a gente está
fascinada consigo mesma, como acontece com outras. Mas
qualquer pessoa pesa o mesmo que ela própria. Quanto à simetria,
uma relação é simétrica sse, dados quaisquer dois particulares, se o
primeiro tiver essa relação com o segundo, este também a tem com
o primeiro: ∀x ∀y (Fxy → Fyx). É o que não acontece na relação de
admiração, pois por vezes uma pessoa admira alguém que não a
admira a ela; mas se uma pessoa é colega de outra, esta é colega
dela. Por último, uma relação é transitiva sse, dados quaisquer três
particulares, se o primeiro tiver essa relação com o segundo, e este
a tiver com um terceiro, então o primeiro tem essa relação com o
terceiro: ∀x ∀y ∀z [(Fxy ⋀ Fyz) → Fxz]. É o que não acontece, por
exemplo, no caso da amizade: em alguns casos, uma pessoa é
amiga de outra, e esta de uma terceira, sem que a primeira seja
amiga da terceira. Já a relação de descendência é transitiva: se uma
pessoa é descendente de outra e esta de uma terceira, a primeira é-
o da terceira.
A lógica quantificada clássica lida adequadamente com o exótico
domínio vazio, ao contrário do que parece à primeira vista (secção
4.11). Porém, ao acrescentar a identidade, acaba-se o estado de
graça. A identidade é supostamente reflexiva, mas caso se inclua o
domínio vazio, nenhuma relação o é. Isto porque se o domínio for
vazio, qualquer frase da forma Faa é falsa — seja qual for o
predicado, e mesmo que seja uma relação reflexiva, como a
identidade. Uma maneira de contemplar também o domínio vazio é
redefinir o conceito de reflexividade: ∃x (x = x) → ∀x Fxx.
Estipulando então a exclusão do domínio vazio ou a inclusão não-
dita desta antecedente, a identidade numérica é reflexiva: ∀x (x = x).
Dada a implicação existencial da lógica clássica, daqui conclui-se

183
validamente que qualquer frase da forma ∃x (x = x) é uma verdade
lógica, assim como a = a. Além de reflexiva, a identidade numérica é
também simétrica e transitiva:

∀x ∀y [(x = y) → (y = x)]
∀x ∀y ∀z [[(x = y) ⋀ (y = z)] → (x = z)]

Porém, a propriedade crucial na lógica da identidade é a


substituição de idênticos:

∀x ∀y [[(x = y) ⋀ Fx] → Fy]

Ou seja: dados quaisquer hipotéticos dois particulares, se afinal


forem um só, e se o primeiro tiver uma dada propriedade, o segundo
também a tem. Adequadamente entendida, a substituição de
idênticos permite provar a simetria e a transitividade da identidade;
além disso, desempenha um papel importante na filosofia. Será por
isso usada como regra primitiva numa formulação diferente da
anterior. Por outro lado, a reflexividade raramente é usada, mas a
sua negação tem um papel importante a desempenhar nas
derivações por reductio.
Para ver como se aplica a regra da substituição de idênticos,
considere-se o caso de Eric Blair, que usava «George Orwell» como
nom de plume. É razoável considerar que em casos como este se
conclui validamente que Blair era escritor porque Orwell o era, e
este era Blair:

Fa
a=b
∴ Fb

A ideia é que quando um particular qualquer a tem uma


propriedade e, além disso, a e b é o mesmíssimo particular, conclui-
se validamente que b tem também essa propriedade. Mas a ideia da
substituição de idênticos é mais geral: dada a identidade entre a e b,
inserir um dos nomes seja onde for que esteja o outro não muda o

184
valor de verdade. De modo que o caso seguinte é também uma
aplicação correcta desta regra:

Fa → ∀x Gxb
a=b
∴ Fa → ∀x Gxa

Como se vê, onde estava b na primeira premissa, escreveu-se a


na conclusão, com base na identidade da segunda premissa. Além
disso, é correcto substituir apenas alguns dos nomes próprios; os
raciocínios da seguinte forma são válidos e resultam da aplicação
válida da regra da substituição de idênticos, apesar de se substituir
apenas um dos a por b:

Faa → Ga
a=b
∴ Fab → Ga

Só se aplica a substituição de idênticos caso se tenha uma frase


completa da forma a = b; se a identidade fizer parte de uma frase
mais vasta, a regra não se aplica validamente: é inválido partir de p
→ (a = b) e aplicar a substituição de idênticos para concluir Fb de
Fa. Eis então a formulação da regra:

Substituição de idênticos (SI)

Dada uma identidade da forma a = b, é válido substituir


qualquer dos nomes pelo outro em qualquer frase.

O nome mais completo desta regra é «substituição de idênticos


por idênticos salva veritate» (mantendo a verdade). Chama-se-lhe
também «princípio da indiscernibilidade de idênticos». A ideia é que
os particulares numericamente idênticos são indiscerníveis, no
sentido de terem exactamente as mesmas propriedades. O princípio
simétrico é a identidade dos indiscerníveis: a ideia de que quaisquer

185
dois particulares que tenham exactamente as mesmas propriedades
não são afinal dois, mas apenas um. Apesar de plausível, este
segundo princípio não é consensual — nem é uma regra da lógica.
Porque Leibniz aparentemente defendia as duas ideias, chama-se
por vezes «lei de Leibniz» à conjunção de ambas; outras vezes,
porém, usa-se esta designação apenas para a substituição de
idênticos.
Para ver como se usa a regra da substituição de idênticos nas
derivações, considere-se o seguinte raciocínio obviamente válido:

Blair era ensaísta e romancista.


Blair era Orwell.
Logo, Orwell era ensaísta.

Interpretação
a: Blair
b: Orwell
Fx: x é ensaísta
Gx: x é romancista

Forma lógica
Fa ⋀ Ga
a=b
∴ Fb

Derivação

Como se vê, uma aplicação da substituição de idênticos ao


passo 3, com base na identidade do 2, permite concluir

186
imediatamente o resultado desejado. Ao aplicar esta regra fica-se a
depender de todas as premissas de que dependiam esses dois
passos. A substituição de idênticos exige sempre um passo com a
identidade que é usada para reescrever qualquer passo. Eis mais
um exemplo:

A identidade entre dois nomes próprios só é verdadeira quando


ambos referem o mesmo particular. Porém, é crucial notar que uma
afirmação de identidade não é uma afirmação sobre os nomes
próprios; se o fosse, todas as afirmações da forma a = b seriam
falsas, pois é claro que se trata de dois nomes próprios diferentes.
Além disso, na língua portuguesa, ao contrário do que ocorre na
linguagem da lógica clássica, os nomes próprios são por vezes
mencionados, e não apenas usados. A distinção entre uso e
menção de um nome próprio (ou de qualquer outro termo) é a
seguinte: usa-se um nome próprio para falar do que ele refere;
menciona-se-lo para falar do próprio nome. Veja-se o contraste
seguinte:

1. Orwell era ensaísta.


2. «Orwell» era ensaísta.

A frase 1 é verdadeira porque o nome próprio é usado para falar


de Orwell; mas a 2 é falsa porque o nome próprio é mencionado e
não usado, e por isso diz-se falsamente que o nome em si era
ensaísta. É crucial ter atenção a este aspecto banal da língua
portuguesa porque a regra da substituição de idênticos aplica-se

187
exclusivamente quando os nomes são usados, e não quando são
mencionados. Considere-se a seguinte aplicação correcta da regra
da substituição de idênticos:

Orwell é o autor de 1984.


Orwell é Blair.
Logo, Blair é o autor de 1984.

Porém, o raciocínio seguinte não é uma aplicação correcta da


mesma regra:

«Orwell» é um pseudónimo de Blair.


Orwell é Blair.
Logo, «Blair» é um pseudónimo de Blair. X

O erro é que neste raciocínio o nome «Orwell» é mencionado na


premissa, e não usado. Dado que os dois nomes são efectivamente
diferentes, a regra não se aplica — Orwell é numericamente idêntico
a Blair, mas «Orwell» não é numericamente idêntico a «Blair».
Para encerrar este assunto, repare-se que a pseudonímia é
diferente da heteronímia. No primeiro caso, trata-se de um autor que
usa um nome próprio diferente do seu nome civil para assinar as
suas obras; no segundo, contudo, trata-se de criar personagens
ficcionais que depois, ficcionalmente, escrevem obras literárias. A
Álvaro de Campos, a personagem ficcional criada por Fernando
Pessoa, atribui Pessoa ficcionalmente a autoria do poema Tabacaria
(de facto, quem escreveu o poema foi Pessoa, e não Campos).
Porque nenhuma entidade não-ficcional, como Pessoa, é
numericamente idêntica a qualquer entidade ficcional, Pessoa não é
Campos.
Veja-se agora um caso em que se combina a substituição de
idênticos com a eliminação do quantificador universal:

188
O quantificador universal do passo 1 foi eliminado no passo 4;
escolheu-se a e não b para usar o modus ponens no passo 5.
Finalmente, aplicou-se a substituição de idênticos ao passo 5 com
base na identidade do 3. Eis outro exemplo:

Camões era poeta.


Quem é poeta é meticuloso com a linguagem.
Camões é Luís.
Logo, Luís é meticuloso com a linguagem.

Interpretação
a: Camões
b: Luís
Fx: x é poeta
Gx: x é meticuloso com a linguagem

Forma lógica
Fa
∀x (Fx → Gx)
a=b
∴ Gb

Derivação

189
No passo 4 eliminou-se o quantificador universal do passo 2, o
que permite, por modus ponens, derivar uma frase da forma Ga no
5. Com base agora na identidade do passo 3, uma aplicação da
regra da substituição de idênticos permite chegar à conclusão
almejada.
Veja-se agora como se prova a simetria da identidade usando a
regra da substituição de idênticos:

No passo 2 aplicou-se a regra da substituição de idênticos ao


passo 1 com base na própria identidade desse passo; o passo 3 não
tem surpresas. Repare-se que nos passos 5 e 6 só se usou a regra
da introdução do quantificador universal porque nem o passo 4 nem
o 5 dependem de quaisquer premissas ou suposições onde os
nomes arbitrários ocorram; seria inválido aplicar essa regra nos
passos 2 e 3, porque dependem da suposição 1, que contém esses

190
nomes arbitrários. A transitividade da identidade prova-se usando a
mesma estratégia, resultado que fica como exercício.
Como se viu (secção 4.10), a regra da eliminação do
quantificador existencial é algo enganadora porque quase sempre
se volta a introduzi-lo; mas isso nem sempre acontece:

A regra da eliminação do quantificador existencial foi aplicada ao


passo 5 porque este não contém n nem depende de quaisquer
premissas ou suposições que o contenham, excepto da própria
suposição que elimina o quantificador existencial.
Todos os operadores verofuncionais de frases, assim como os
quantificadores, permitem a aplicação irrestrita da substituição de
idênticos; mas há operadores que não o permitem. Diz-se que tais
operadores, ou os contextos em que ocorrem, são opacos em vez
de transparentes. É o caso do operador de crença (secção 8.3).
Caso a Ofélia acredite que o Fernando está na China, mas não
acredite que ele se chama também «António», isto não lhe permite
concluir validamente que o António está na China. O operador de
crença não permite a aplicação simples e irrestrita da regra de
substituição de idênticos, a menos que o mesmo operador de
crença esteja presente em todo o raciocínio: caso a Ofélia acredite
que o Fernando está na China e acredite, além disso, que ele se
chama também «António», está agora em condições de concluir
validamente que o António está na China.
A regra da substituição de idênticos ajuda a compreender a
relação íntima entre o símbolo usado para a identidade (=) e o

191
trigrama (≡). Tanto num caso como no outro, trata-se de substituir o
que está à esquerda pelo que está à direita, e vice-versa. A
diferença é que a identidade propriamente dita é uma relação entre
particulares, ao passo que a substituição de umas expressões por
outras não exige identidade: não há identidade entre as frases da
forma p e as da forma ¬¬p, mas substitui-se à mesma umas pelas
outras, salva veritate. Nos livros de matemática encontra-se por
vezes p = ¬¬p porque se usa o símbolo da identidade sem o
distinguir do trigrama.
Resta esclarecer dois aspectos relacionados. A formulação das
quatro propriedades lógicas da identidade são outras tantas
verdades lógicas. Mas não se captam usando apenas os recursos
da lógica quantificada sem identidade, pois dizem respeito
especificamente ao conceito de identidade e não aos conceitos de
quantificação nem de verofuncionalidade. Em contraste, as frases
da forma ∀x (Fx → Fx), ou quaisquer outras que envolvam
quantificação sem identidade, são verdades lógicas que se captam
sem usar quantificação: (Fa → Fa) ⋀ (Fb → Fb) ⋀ … Daí o segundo
aspecto: porque na lógica da identidade surge um tipo novo de
verdades lógicas, surge também um novo tipo de contradição. Até
aqui, todas as contradições se reduziam a A ⋀ ¬A, e era esta forma
que se procurava nas derivações por reductio, independentemente
de se tratar de uma derivação da lógica verofuncional ou da
quantificada. Em contraste, na lógica da identidade surge um tipo
diferente de contradição: ¬(a = a). Em alguns casos, usa-se este
novo tipo de contradição:

192
193
5.4 Compromisso ontológico
O compromisso ontológico dos nomes próprios é a ideia, específica
da lógica clássica, de que se infere validamente ∃x Fx de Fa; ou
seja, usar um nome próprio é comprometer-se com a existência do
que é nomeado. Durante décadas, os filósofos consideraram que
havia contra-exemplos evidentes à validade dos raciocínios desta
forma lógica. Hoje é muito menos evidente que se tenha aqui
realmente uma dificuldade, ao invés de uma embaraçosa confusão.
A dificuldade seria supostamente a seguinte: Pégaso não existe
porque não há cavalos alados; é por isso um nome próprio vácuo,
vazio ou sem referente. Porém, «Pégaso é um cavalo alado» é uma
frase verdadeira, ao passo que é falso que existem cavalos alados.
Aqui se teria então a suposta refutação do compromisso ontológico
dos nomes próprios: Fa não implicaria ∃x Fx.
Esta maneira de pensar, contudo, com base em exemplos de
entidades ficcionais ou míticas, é falaciosa. Pois considere-se em
que sentido exactamente é supostamente verdadeira a premissa
«Pégaso é um cavalo alado»; como é evidente, só ficcionalmente é
verdadeiro que Pégaso é um cavalo alado. Não se está certamente
a falar de um cavalo orgânico não-ficcional ou não-mítico, da
mesma categoria ontológica dos cavalos de Napoleão. Mas então,
nesse mesmo sentido ficcional ou mítico, a conclusão «Existem
cavalos alados» não é falsa. Por outro lado, no mesmíssimo sentido
em que é falso que existem cavalos alados — isto é, no sentido não-
ficcional — também é falso que Pégaso seja um cavalo alado.
Portanto, caso não se cometa a falácia da equivocidade ou
ambiguidade (ter um sentido em mente na premissa, mas depois
mudar de sentido na conclusão como quem muda de camisa), não
há dificuldade alguma com nomes próprios ficcionais ou míticos.
Estes não são nomes próprios realmente vazios, mas antes com
referentes ficcionais ou míticos.
Claro que do simples facto de se usar um exemplo inapropriado
não se conclui validamente que todos os exemplos são
inapropriados. Porém, haverá alguns nomes próprios genuínos que
não tenham referente? Caso existam, há realmente contra-exemplos

194
à suposta validade clássica, que parte de qualquer frase da forma
Fa e, só nessa base, conclui outra da forma ∃x Fx. Felizmente para
a lógica clássica, não parece haver nomes próprios genuínos sem
referente. O mais próximo que se consegue encontrar são nomes
próprios como «Vulcano», mas com nomes próprios destes não é
líquido que se tenha contra-exemplos apropriados, por razões que
serão explicadas já de seguida.
No século , o matemático francês Le Verrier detectou
anomalias na órbita de Mercúrio, e não havia maneira de explicá-las
excepto supondo a existência de um planeta entre este corpo
celeste e o Sol. A esse suposto planeta chamou ele «Vulcano».
Porém, não só nunca se encontrou tal suposto planeta como, além
disso, não é preciso supor que existe para dar conta da órbita de
Mercúrio — a física de Einstein (que Le Verrier obviamente não
conhecia) explica essas anomalias. Este é um caso em que se
introduz um nome próprio por meio de uma descrição definida («O
planeta entre Sol e Mercúrio responsável pelas anomalias tal e tal»),
e depois nunca se encontra o tal particular hipotético. Alguns nomes
próprios são introduzidos deste modo, mas muitos não o são; o mais
normal é nascer um bebé, e na sua presença os pais dão-lhe um
nome próprio — ou deram-lho antes mesmo de nascer, mas depois
ficam em contacto com ele. Ou dá-se um nome próprio a uma
estrela que se vê, a uma cidade que se funda ou a um cão que se
adopta. Em todos estes casos, como é evidente, não se encontra
qualquer contra-exemplo ao compromisso ontológico dos nomes
próprios, precisamente porque em todos há sempre um referente.
Daí o interesse de «Vulcano»: neste caso não há referente e não se
trata de haver um referente ficcional, como nos nomes próprios
«Sherlock Holmes», «Super-Homem» ou «Pégaso».
Contudo, os casos como «Vulcano» estão longe de constituir
contra-exemplos inequívocos à validade do raciocínio que parte de
«Vulcano é um planeta situado entre Mercúrio e o Sol» e conclui
«Existe pelo menos um planeta situado entre Mercúrio e o Sol». O
nome próprio «Vulcano» tem duas características cruciais: por um
lado, foi introduzido por meio de uma descrição definida; por outro,
nunca se encontrou o seu referente. É preciso que estes dois
aspectos estejam presentes para haver um (suposto) contra-

195
exemplo ao compromisso ontológico dos nomes próprios. Porém,
quando estes dois aspectos estão presentes, é razoável considerar
que o nome próprio é apenas uma abreviatura da descrição definida
usada para introduzi-lo, no sentido de ser rigorosamente equivalente
a ela. Isto nem sempre acontece, porque um nome próprio
introduzido por descrição definida torna-se independente dela, se
tiver referente. O célebre exemplo de Mill (1843: I.ii § 5) é a cidade
de Dartmouth, cujo nome próprio ganha vida própria e continua a
referir aquela cidade mesmo que o rio Dart, que serviu de inspiração
descritiva para denominá-la, desapareça ou seja desviado e deixe
de passar naquela cidade («Dartmouth» quer dizer literalmente «foz
do Dart»). Mas estes casos nunca constituirão contra-exemplos
apropriados, precisamente porque são nomes próprios com
referente. Quando isto não acontece, é defensável que o nome
supostamente próprio não o é sequer em qualquer sentido robusto,
não passando de uma abreviatura cómoda da descrição definida.
Nesse caso, o valor de verdade de qualquer frase que inclua esse
nome supostamente próprio sem referente será sempre o mesmo
que o dessa mesma frase com a descrição definida em seu lugar.
Assim, a frase «Vulcano é um planeta situado entre Mercúrio e o
Sol» não é verdadeira, precisamente porque caso se substitua o
nome supostamente próprio pela descrição que este abrevia é
evidente que a frase não é verdadeira, uma vez que afirma existir
um planeta que afinal não existe. Consequentemente, não há aqui
qualquer contra-exemplo ao compromisso ontológico dos nomes
próprios que não seja razoável rejeitar.
Este resultado não é surpreendente caso se considere que um
nome próprio é, por natureza, bastante diferente de termos
descritivos. Um nome próprio é como se fosse uma etiqueta colada
num particular. Se esse particular não existir, o suposto nome
próprio não o é verdadeiramente; não é um nome genuinamente
próprio, é apenas algo que parece sê-lo devido à gramática. Pensar
que qualquer coisa gramaticalmente parecida com um nome próprio
o é realmente é ignorar a função semântica dos nomes próprios e
não anda longe de se pensar erradamente que qualquer papel
adequadamente pintado é uma nota de cem euros. Os nomes
próprios e o dinheiro são entidades sociais que só existem sob

196
apertadas restrições sociais. Quando um filósofo acaba de inventar
um suposto nome próprio vácuo, como «Osagep», estipulando que
o seu referente é um particular diferente de si próprio, não passa de
uma fantasia; não é realmente um nome próprio, porque para sê-lo
é preciso que outras pessoas o usem como nome próprio, tal como
o dinheiro só é dinheiro quando é usado de certas maneiras num
dado contexto social. 1
Em suma, o compromisso ontológico dos nomes próprios não é
um aspecto inequivocamente inadequado da lógica clássica.
Contudo, o exame desta suposta inadequação é instrutivo, pois põe
a nu um aspecto muitíssimo importante da lógica clássica: a
natureza da existência. Como é fácil provar, excluindo o domínio
vazio, qualquer frase da forma ∃x (x = a) é verdadeira, como «Deus
existe», mas também «Osíris existe» e «Apolo existe». À primeira
vista, isto é surpreendente; porém, a surpresa desaparece caso se
tenha em consideração que o conceito de existência aqui em
questão é muitíssimo fraco: não se trata de dizer que Osíris existe
no mesmo sentido em que existe o rio Nilo, nem no mesmo sentido
em que existem entidades platónicas fora do espaço e do tempo,
como a Beleza. Trata-se apenas de dizer que existe no sentido fraco
de ser objecto de discurso; não quer dizer que existe em qualquer
outro sentido mais robusto, e é este outro que se tem em mente
quando se pergunta se Deus existe.

197
5.5 Almas ou animais?
Recorde-se o raciocínio atribuído a Platão:

Quem usa uma coisa é diferente do que é usado.


Os seres humanos usam o seu próprio corpo.
Logo, os seres humanos são diferentes dos seus corpos.

Uma maneira de explicitar a sua forma lógica é começar por


compreender que a primeira premissa quer dizer que os seres
humanos que usam uma coisa são diferentes daquilo que usam.
Urge compreender, contudo, o que é isso de ser diferente de algo.
Ora, um ser humano é diferente de outro quando não há entre eles
a relação de identidade. Assim, a primeira premissa afirma que não
há identidade entre as coisas usadas e os seres humanos que as
usam. Esta é a chave para compreender a sua forma lógica:

∀x ∀y [(Gx ⋀ Fxy) → ¬(x = y)]

A ideia é que dadas quaisquer duas coisas, se a primeira for um


ser humano e usar a segunda, não há identidade entre ambas. A
forma lógica da segunda premissa é agora mais fácil de explicitar.
Trata-se da afirmação de que dadas quaisquer duas coisas, se a
primeira for um ser humano e a segunda o seu corpo, a primeira usa
a segunda:

∀x ∀y [(Gx ⋀ Hyx) → Fxy]

A forma lógica da conclusão é agora óbvia:

∀x ∀y [(Gx ⋀ Hyx) → ¬(x = y)]

Eis então a forma lógica do raciocínio e a derivação que prova a


sua validade:

198
Interpretação
Gx: x é humano
Fxy: x usa y
Hxy: x é o corpo de y

Forma lógica
∀x ∀y [(Gx ⋀ Fxy) → ¬(x = y)]
∀x ∀y [(Gx ⋀ Hyx) → Fxy]
∴ ∀x ∀y [(Gx ⋀ Hyx) → ¬(x = y)]

Derivação

Como se vê, o domínio da lógica permite não apenas provar a


validade do raciocínio, mas também interpretá-lo, porque obriga a
especificar a forma lógica das premissas e conclusão. A discussão
filosófica, porém, não termina com este trabalho lógico preliminar;
pelo contrário, é só agora que começa: com a discussão das
premissas. Considere-se um raciocínio contrastante que defende a
tese filosófica hoje conhecida como «animalismo», ou seja, que os

199
seres humanos são numericamente idênticos a animais (Blatti
2014):

Há um animal sentado na cadeira de Platão.


Esse animal está a pensar.
Platão é o ser pensante sentado nessa cadeira.
Logo, Platão é um animal.

Interpretação
Fx: x é um animal
Gxy: x está sentado na cadeira de y
Hx: x está a pensar
a: Platão

Forma lógica
∃x (Fx ⋀ Gxa)
∀x [(Fx ⋀ Gxa) → Hx]
∀x [(Hx ⋀ Gxa) → (x = a)]
∴ ∃x [(Fx ⋀ (x = a)]

Derivação

200
O raciocínio é válido, o que significa que se as premissas forem
todas verdadeiras, está provado que Platão é numericamente
idêntico a um animal. Porém, no raciocínio anterior, que o próprio
Platão atribui dramaticamente a Sócrates, conclui-se que os seres
humanos não são idênticos aos seus corpos. Será que isso
acontece também com os animais? Nesse caso, a conclusão de
Platão é mais desinteressante do que parece, pois não significa que
não sejamos afinal animais, no mesmíssimo sentido de um cavalo.
Ou será que os animais se identificam com os seus corpos e Platão
queria dizer que não somos afinal animais? Nesse caso, temos
agora dois raciocínios válidos cujas conclusões são incompatíveis.
Quais das premissas dos dois raciocínios são mais plausíveis? Se
houvesse apenas um raciocínio válido com premissas que não
fossem evidentemente falsas, seria razoável aceitar a conclusão
sem mais demandas — sobretudo se não fosse muito implausível. A
questão é que em filosofia há muitas vezes este tipo de conflito: dois
raciocínios aparentemente cogentes a favor de conclusões
aparentemente incompatíveis. Sem a lógica não se vê sequer essa
incompatibilidade, porque não se sabe se os dois raciocínios são
realmente válidos ou se apenas parece que o são.

201
5.6 Ética e pobreza
Considere-se a questão ética urgente e fundamental de saber se as
pessoas que têm muito além do necessário para satisfazer as suas
necessidades básicas têm o dever de ajudar as que não o têm,
como defende Peter Singer (2011: 191–215):

Se pudermos impedir uma coisa má sem sacrificar algo de


importância comparável, temos o dever de fazê-lo.
A pobreza extrema 2 é má.
Há alguma pobreza extrema que podemos impedir sem
sacrificar algo de importância moral comparável.
Logo, temos o dever de impedir alguma pobreza extrema.

Interpretação
Fx: x é mau.
Gx: x pode ser impedido sem sacrificar algo de importância
moral comparável.
Hx: x deve ser impedido.
Ix: x é pobreza extrema.

Forma lógica
∀x [(Fx ⋀ Gx) → Hx]
∀x (Ix → Fx)
∃x (Ix ⋀ Gx)
∴ ∃x (Ix ⋀ Hx)

Derivação

202
Uma vez que o raciocínio de Peter Singer é válido, a menos que
alguma das premissas seja falsa, quem pode ajudar a combater a
pobreza extrema e não o faz não cumpre um dever fundamental.

203
5.7 Exercícios

1. Faça uma lista dos conceitos fundamentais deste capítulo,


e explique-os.
2. Estipulando uma interpretação, especifique as formas
lógicas das frases seguintes: 1) Se algo é fantasioso, é
Isidoro. 2) Isidoro não existe. 3) Se tudo é fantasioso,
Isidoro não existe. 4) Tudo existe.
3. Considere a seguinte interpretação: a: Orwell; Fx: x é
ensaísta. Usando esta interpretação, escreva frases com
as seguintes formas: 1) ∃x [(Fx ⋀ (x = a)]. 2) ¬∃x (x = a).
3) ∃x ¬(x = a). 4) Fa ⋁ ¬∀x (x = x). 5) Fa → ∃x (x = a).
4. Especifique a forma lógica das frases seguintes,
estipulando uma interpretação: 1) O autor de 1984 não
era holandês, mas inglês. 2) Maugham foi o autor da O
Fio da Navalha. 3) O filósofo que deitou fora a escada
depois de subir por ela era austríaco.
5. Derive: 1) (a = b) → Ga, a = b ⊢ Gb. 2) a = b, b = c, Fa ⊢
Fc. 3) Fa, ¬Fb ⊢ ¬(a = b). 4) ∀x (x = a), Fb ⊢ Fa. 5) ∃x Fx
→ (a = b), Fa ⊢ Fb. 6) Fa, a = b, Fb → Ga ⊢ ∃x Gx. 7) ⊢
∃x (x = a). 8) ⊢ ∃x (x = x). 9) ⊢ ∀x (x = x). 10) ∃x [Fx ⋀ ∀y
[Fy → (y = x)], Fa ⋀ Fb ⊢ a = b. 11) ∀x [Fx → ¬(x = a)], ∃x
(Fx ⋀ Gx) ⊢ ∃x [Gx ⋀ ¬(x = a)].

204
6

205
ÁRVORES

As derivações não permitem provar a invalidade dos raciocínios. Isto


significa que quando não se consegue fazer uma derivação, não há
maneira de garantir que não há realmente uma derivação que ainda
falte descobrir. O método das árvores de verdade tem a vantagem
não apenas de ser muitíssimo simples, mas também de permitir
provar tanto a validade como a invalidade dos raciocínios. O preço a
pagar, contudo, é que se opera sempre por reductio e não se
explicita o raciocínio que permite chegar validamente de um
conjunto de premissas a uma conclusão. Inicialmente denominadas
semantic tableaux, as árvores de verdade já foram também
denominadas analytic tableaux e Smullyan trees; actualmente, é
comum chamar-lhes truth trees.

206
6.1 Método
No método das árvores de verdade prova-se sempre por reductio a
validade ou invalidade dos raciocínios. Veja-se como se prova a
validade do modus ponens:

p→q
p
∴q

As primeiras duas linhas são as premissas; a terceira é a


negação da conclusão. O que se fez nas duas linhas paralelas
seguintes foi decompor a primeira premissa, que é uma condicional.
Para decompor uma condicional, abre-se dois ramos: no esquerdo
coloca-se a negação da antecedente; no direito, a consequente.
Esta árvore de verdade prova que qualquer raciocínio com esta
forma lógica é válido porque em todos os ramos há contradições: ¬p
contradiz p, e q contradiz ¬q. Quando há contradições num ramo,
este é sublinhado para indicar que foi fechado. As frases da forma A
só são contraditórias com ¬A e vice-versa.
Nas árvores de verdade procede-se sempre por decomposição,
ou seja, transformando frases compostas em frases elementares (ou
em frases ainda compostas, mas mais simples). Excepto no caso
das frases universalmente quantificadas e da substituição de

207
idênticos, depois de se decompor uma frase não se volta a
decompô-la. Recorde-se que uma frase é elementar (no sentido
clássico) quando não tem operadores verofuncionais nem
quantificadores clássicos. Só há dois tipos de frases que não serão
decompostas: as elementares e as suas negações. Uma árvore
chega ao fim quando não há mais frases para decompor ou quando
todos os ramos foram fechados. Veja-se o seguinte exemplo:

p→q
q
∴p

Como se vê, não há mais decomposições a fazer, mas nenhum


dos ramos fechou. Isto prova que os raciocínios verofuncionais
desta forma são inválidos. Note-se que basta um ramo ficar aberto
para se provar a invalidade. E recorde-se que provar que todos os
raciocínios verofuncionais de uma dada forma são inválidos não é
provar que qualquer raciocínio com essa forma, verofuncional ou
não, é inválido. Há raciocínios com a forma anterior que são válidos;
apenas não são raciocínios cujos únicos factores inferenciais
relevantes sejam os operadores verofuncionais.

208
6.2 Condicional
Já se viu que a regra da decomposição da condicional obriga a abrir
dois ramos:

Isto não é surpreendente, dada a regra de substituição já


conhecida que define a própria condicional: A → B ≡ ¬A ⋁ B. Nas
árvores de verdade os ramos representam disjunções: dada uma
condicional, conclui-se validamente que a antecedente é falsa ou a
consequente verdadeira. Já a decomposição da negação de
condicionais não é feita em ramo, mas em lista:

¬(A → B)
A
¬B

As decomposições em lista representam conjunções. Ora, como


já se sabe, a negação de uma condicional é uma conjunção com a
consequente negada: ¬(A → B) ≡ A ⋀ ¬B. É isto mesmo que se
representa ao decompor a negação da condicional. Nenhuma
surpresa aqui, portanto. Eis um exemplo:

p→q
q→r
∴p→r

209
Decompôs-se primeiro a terceira linha, mas seria correcto
começar por qualquer outra; a ordem das decomposições é
irrelevante com respeito à prova que se procura. Mas não é
pragmaticamente irrelevante, porque quanto mais tarde se abrir
ramos, mais simples será a árvore. Por isso, tenta-se decompor
primeiro o que não obriga a abri-los, como é o caso da negação da
condicional. Quando se decompôs então a primeira premissa, o
primeiro ramo que se abriu fechou imediatamente; para ter árvores
mais simples, tenta-se abrir primeiro aqueles ramos que se vê que
irão fechar imediatamente um dos seus lados. Esta árvore prova
que todos os raciocínios daquela forma são válidos porque todos os
ramos da árvore fecham, ou seja, porque acrescentar a negação da
conclusão às premissas dá origem a um conjunto inconsistente de
frases.
Ao escrever uma árvore de verdade, sobretudo quando é mais
complexa, é proveitoso ir assinalando as linhas que já foram
decompostas com um sinal como ✓. Contudo, isto só é proveitoso à
medida que se faz uma árvore, e não quando as árvores já surgem
completas, como neste livro.

210
6.3 Disjunção
A decomposição de disjunções é óbvia:

Eis uma aplicação desta regra:

p⋁q
¬p
∴q

211
Para decompor a negação de uma disjunção usa-se a já
conhecida lei de De Morgan: ¬(A ⋁ B) ≡ ¬A ⋀ ¬B. A negação de
uma disjunção é uma conjunção com ambas as conjuntas negadas
e por isso a decomposição é em lista:

¬(A ⋁ B)
¬A
¬B

Eis um exemplo da sua aplicação:

¬(p → q) → r
¬r
∴ ¬p ⋁ q

Decompôs-se primeiro a negação da conclusão para adiar a


abertura de ramos. E é claro que neste caso se escreveu ¬¬p, mas
poder-se-ia ter escrito logo p: qualquer número par de negações é
equivalente a nenhuma, e qualquer número ímpar se reduz a
apenas uma. O primeiro ramo que se abriu foi para decompor a
primeira condicional; aqui, em vez de escrever ¬¬(p → q) eliminou-
se a dupla negação sem mais peripécias. E dado que r contradiz ¬r,

212
o ramo fechou de imediato. Finalmente, abriu-se um segundo ramo
para decompor a condicional que faltava, o que permitiu fechar os
dois ramos. Veja-se outro exemplo:

p⋁q
p→r
q→s
∴r⋁s

Começou-se por decompor a negação da disjunção para adiar a


abertura de ramos. De seguida foram decompostas as duas
condicionais das premissas, que permitiram fechar logo dois ramos
direitos. Restou então decompor a primeira premissa, que permitiu
fechar os dois ramos.

213
Na maior parte dos casos há mais de uma maneira correcta de
fazer a árvore, e por vezes há mais de uma maneira correcta e
igualmente simples:

Neste caso, depois de decompor a primeira condicional


procedeu-se à decomposição da disjunção da primeira premissa.
Mas esta árvore não é mais complicada do que a anterior; é apenas
diferente. E mesmo que fosse mais complicada, desde que
resultasse da aplicação correcta das regras, seria igualmente
correcta. Veja-se outro exemplo:

(p → q) ⋁ (r → p)
(p → q) → p
(r → p) → p
∴p

214
Como se vê, só se continua o processo de decomposição até
encontrar uma contradição qualquer no ramo. E não é apenas p que
contradiz ¬p; qualquer frase da forma A contradiz ¬A. Nesta árvore,
p → q contradiz ¬(p → q), e r → p contradiz ¬(r → p).

215
6.4 Conjunção
A decomposição de conjunções é óbvia:

A⋀B
A
B

A decomposição da negação de conjunções é também óbvia,


tendo em mente a lei de De Morgan:

Eis um exemplo da aplicação destas regras, para provar a


distribuição da conjunção sobre a disjunção:

p ⋀ (q ⋁ r)
∴ (p ⋀ q) ⋁ (p ⋀ r)

216
Note-se que ao negar a conclusão para fazer uma árvore é
preciso negar realmente a conclusão; daí o uso de parêntesis rectos
na segunda linha. Caso se tivesse escrito ¬(p ⋀ q) ⋁ (p ⋀ r), estar-
se-ia a negar apenas a primeira disjunta da conclusão, e não a
conclusão.
Considere-se agora os dois casos mencionados na secção 4.6:

(Fa ⋀ Fb) → p
∴ (Fa → p) ⋀ (Fb → p)

217
Como se vê, qualquer raciocínio verofuncional desta forma é
inválido. Note-se de novo que é preciso encontrar contradições no
mesmo ramo; as frases da forma ¬Fb não contradizem Fb quando
estão em ramos diferentes. Estes raciocínios contrastam com os da
forma seguinte:

(Fa → p) ⋀ (Fb → p)
∴ (Fa ⋀ Fb) → p

218
219
6.5 Bicondicional
A decomposição de bicondicionais é menos óbvia do que as regras
anteriores. A ideia é que qualquer bicondicional só é verdadeira
caso as duas frases a que se aplica o operador tenham o mesmo
valor de verdade. Mas isto quer dizer que, dada uma bicondicional,
ou ambas as frases são verdadeiras ou ambas são falsas. É isto
que se capta na regra da decomposição da bicondicional:

Eis uma aplicação desta regra:

p⇄q
q⇄r
∴p→r

220
Ao decompor a primeira bicondicional, o ramo da direita fechou
logo com ¬p, mas escreveu-se à mesma ¬q por uma questão de
clareza; o mesmo aconteceu ao decompor a segunda bicondicional.
A decomposição da negação de bicondicionais segue a mesma
ordem de ideias. Uma bicondicional só é falsa quando as suas duas
frases diferem em valor de verdade. Assim, dada uma bicondicional
negada, conclui-se validamente que ou a primeira das frases é
verdadeira e a segunda falsa, ou vice-versa. É isso que se capta na
regra de decomposição de negações de bicondicionais:

221
Eis uma aplicação desta regra:

p⇄q
q⇄r
∴p⇄r

222
Como se vê, ao decompor uma forma é preciso repetir o
resultado da decomposição em todos os ramos abertos abaixo da
forma a decompor. Assim, quando se abriu o segundo ramo para
decompor a segunda premissa sob q foi necessário abrir outro ramo
igual sob ¬q, porque ambos os ramos estavam ainda abertos. E o
mesmo voltou a acontecer ao decompor a negação da bicondicional.

223
6.6 Quantificador universal
Como se viu, o método das árvores aplicado à lógica verofuncional
é muitíssimo simples. Com respeito à lógica quantificada, as coisas
não são muito diferentes, apesar de incluir algumas restrições.
A decomposição do quantificador universal é óbvia: basta
eliminá-lo e substituir cada uma das variáveis anteriormente ligadas
por uma letra que represente nomes próprios:

∀x Fx
Fa

Note-se que se substitui todas as variáveis ligadas pelo


quantificador. Assim, a decomposição de ∀x (Fx → Gx) é Fa → Ga,
como se vê no seguinte exemplo:

∀x (Fx → Gx)
Fa
∴ Ga

É válido decompor o mesmo quantificador universal mais de uma


vez, como no seguinte exemplo:

224
∀x (Fx → Gx)
∀x (Gx → Hx)
Fa ⋁ Fb
∴ Ha ⋁ Hb

225
Os dois quantificadores universais foram primeiro decompostos
com a e depois de novo com b. Isto é autorizado pela regra. Ao
decompor um quantificador universal, escolhe-se sem restrições
qualquer letra que represente um nome próprio; porém, escolhe-se
evidentemente as letras que permitem fechar a árvore. Foi por isso
que nesta árvore se escolheu primeiro a e depois b: para conseguir
fechar primeiro com ¬Ha e depois com ¬Hb.
Quanto à decomposição de negações de frases universais, é
evidente:

¬∀x Ax
∃x ¬Ax

226
6.7 Quantificador existencial
A decomposição de negações de frases existenciais é também
evidente:

¬∃x Ax
∀x ¬Ax

Em contraste, a decomposição de frases existenciais inclui uma


exigência importante. ∃x Fx decompõe-se com Fa, substituindo
todas as variáveis ligadas:

∃x Fx
Fa

Porém, exige-se que a letra escolhida para representar um nome


próprio seja nova no ramo. Isto porque o simples facto de se saber
que há filósofas não permite concluir validamente que a Amália é
filósofa; mas permite concluir validamente que a Josefina é filósofa
caso se tenha acabado de estipular este nome precisamente para
falar dessa filósofa que não se sabe quem é. Esta exigência
significa que quando há mais de um quantificador existencial no
mesmo ramo é obrigatório usar uma letra nova para cada um —
mas pode-se usar a mesma letra em ramos diferentes. Significa
também que quando se tem ao mesmo tempo quantificadores
universais e existenciais é uma boa política começar por decompor
os existenciais com nomes novos, para depois se poder usar os
mesmos nomes ao decompor os universais. Veja-se o seguinte
exemplo:

∀x (Fx → Gx)
∃x Fx
∴ ∃x Gx

227
Começou-se por decompor a segunda premissa porque, caso se
tivesse começado por ∀x ¬Gx usando a, isso obrigaria a usar b para
decompor ∃x Fx, o que por sua vez obrigaria a decompor de novo
∀x ¬Gx, mas usando b. Isto é permitido, mas tornaria neste caso a
árvore desnecessariamente maior. Recorde-se que é permitido
voltar a decompor os quantificadores universais, mas não os
existenciais; e é permitido usar qualquer letra que represente nomes
próprios quando se decompõe os universais, mas no caso dos
existenciais é obrigatório usar uma letra que ainda não exista no
ramo em causa.
Veja-se mais um exemplo, o modus ponens universalmente
quantificado:

∀x (Fx → Gx)
∀x Fx
∴ ∀x Gx

228
Decompôs-se primeiro ∃x ¬Gx para depois se poder usar a
mesma letra ao decompor as duas primeiras premissas.
Quando uma árvore da lógica quantificada clássica não fecha,
isso significa apenas que os raciocínios clássicos dessa forma são
inválidos; não significa que todo e qualquer raciocínio dessa forma é
inválido, seja clássico ou não. Um raciocínio é clássico sse a sua
validade ou invalidade depende exclusivamente dos operadores
verofuncionais, dos dois quantificadores clássicos ou da identidade.
Considere-se agora a falácia da inversão dos quantificadores
(secção 4.10):

Todas as coisas têm uma causa.


Logo, há uma causa de todas as coisas.

A premissa afirma que caso se tome uma coisa qualquer,


encontra-se sempre outra que é causa da primeira. Em contraste, a
conclusão afirma que há uma coisa específica que é a causa de
qualquer outra coisa que se encontre. Esta diferença é captada
como se segue, sendo Fxy a forma lógica do predicado «x é causa
de y»:

229
∀x ∃y Fyx
∴ ∃y ∀x Fyx

Como se vê, na premissa afirma-se que dada uma coisa


qualquer há algo que é causa dessa primeira. A conclusão inverte
os quantificadores, afirmando-se que há algo que causa todas as
coisas. Eis a prova de que qualquer raciocínio clássico com esta
forma é inválido:

∀x ∃y Fyx
¬∃y ∀x Fyx
∀y ∃x ¬Fyx
∃y Fya
Fba
∃x ¬Fbx
¬Fbc

Como se vê, o único ramo da árvore não fecha. E isto acontece


porque ao decompor ∃x ¬Fbx não é permitido usar a, que já ocorre
no ramo. Compare-se com o seguinte raciocínio válido, usando a
mesma interpretação:

Há uma causa para todas as coisas.


Logo, todas as coisas têm uma causa.

∃y ∀x Fyx
∴ ∀x ∃y Fyx

∃y ∀x Fyx
¬∀x ∃y Fyx
∃x ∀y ¬Fyx
∀x Fax
∀y ¬Fyb
Fab
¬Fab

230
Repare-se que depois de chegar a ∀x Fax, se este resultado
tivesse de imediato sido decomposto, obtendo Fab, não seria
permitido decompor depois ∃x ∀y ¬Fyx usando a outra vez.
Por fim, veja-se a prova da invalidade de um raciocínio que se
limita a inverter a condicional (secção 4.10):

∀x (Fx → Gx)
∴ ∀x (Gx → Fx)

231
6.8 Identidade
A substituição de idênticos é muito simples. Sempre que se tem
num ramo qualquer uma identidade da forma a = b, é permitido
substituir um nome próprio pelo outro em qualquer forma desse
ramo, por mais complexa que seja. É permitido reaplicar a regra, ou
seja, a mesma identidade permite várias substituições, desde que
sejam feitas no ramo em que ocorre. Eis um exemplo evidente da
sua aplicação:

Fa
a=b
∴ Fb

Fa
a=b
¬Fb
Fb

Tudo o que se fez foi usar a primeira premissa para substituir a


por b com base na identidade da segunda. Mas seria também
correcto substituir b por a na negação da conclusão para obter ¬Fa,
o que também fecharia a árvore. Eis outro exemplo:

a=b
b=c
∴a=c

a=b
b=c
¬(a = c)
a=c

Eis um exemplo mais complexo:

232
∃x Fx
∃x Gx
∀x (Fx ⇄ ¬Gx)
∴ ∃x [(x = a) ⋀ ¬(x = b)]

Como se vê, usa-se também ¬(a = a) para fechar ramos.

233
6.9 Verdades lógicas
Considere-se qualquer frase da forma A. Faça-se agora uma árvore
de verdade partindo de ¬A. Caso todos os ramos fechem, isso prova
que as frases da forma A são verdades lógicas, como no seguinte
caso:

Considere-se de novo qualquer frase da forma A. Faça-se agora


uma árvore partindo de A. Caso todos os ramos fechem, isso prova
que as frases da forma A são falsidades lógicas, como no seguinte
caso:

∀x Fx ⋀ ∃y ¬Fy
∀x Fx
∃y ¬Fy

234
¬Fa
Fa

Considere-se por último qualquer frase da forma A. E imagine-se


que nem a árvore de ¬A nem a de A fecha todos os ramos. Isto não
significa que essa frase é logicamente indeterminada, mas que
algumas frases daquela forma lógica o são; nomeadamente, as
clássicas: uma frase é clássica sse as suas únicas componentes
logicamente relevantes são a verofuncionalidade, a quantificação e
a identidade.

235
6.10 Exercícios

1. Faça uma lista dos conceitos fundamentais deste capítulo,


e explique-os.
2. Determine a validade ou invalidade dos raciocínios
verofuncionais das seguintes formas: 1) p ⋁ q ∴ q ⋁ p. 2)
(p ⋀ q) ⋁ (q ⋀ r) ∴ q. 3) (p ⋀ q) ⋁ (q ⋀ r) ∴ q ⋁ s. 4) p ⋁ (q
⋀ p) ∴ p ⋁ r. 5) (p ⋁ q) ⋀ p ∴ p ⋁ (q ⋀ p). 6) (p ⋁ r) → q, p ∴
q. 7) p → (q ⋁ r), p ∴ r ⋁ q. 8) p ⋀ q, (q ⋁ r) → s ∴ s. 9) p,
(p ⋁ q) → r, (r ⋀ p) → s ∴ s. 10) p ⋁ q, p → r, q → r ∴ s →
r. 11) p → (q ⋁ r), q → s ∴ (r → s) → (p → s). 12) p ⇄ (q ⋀
p) ∴ p → q. 13) ¬p ⋁ q, ¬p → ¬q ∴ p ⇄ q.14) (p ⋁ q) → [(r
⋁ s) → (¬t ⋀ u)], (¬t ⋁ ¬o) → v ∴ p → (r → v). 15) p ⇄ (q
→ r), r → q ∴ p ⋁ ¬q.
3. Determine a validade ou invalidade dos raciocínios
clássicos das seguintes formas: 1) ∀x Fx, ∀x Gx ∴ ∀x (Fx
⋀ Gx). 2) ∀x (Fx ⋀ Gx) ∴ ∀x Fx ⋀ ∀x Gx. 3) ∃x Fx → (a =
b), Fa ∴ Fb.4) ∃x (Fx → Gx) ∴ ∃x (¬Gx → ¬Fx). 5) ∀x (Fx
→ Gx), ∃x Fx ∴ ∃x (Fx ⋀ Gx). 6) ∀x (Fx → ¬Gx), ∃x Fx ∴
∃x (Fx ⋀ ¬Gx). 7) (a = b) → Ga, a = b ∴ Gb. 8) ∀x Fx ⋁ ∃x
Gx ∴ ∀x ∃y (Fx ⋁ Gy). 9) ∀x ∃y (Fx ⋁ Gy) ∴ ∀x Fx ⋁ ∃x Gx.
10) ∃x ∀y Fxy → a = b, Ga ⇄ ∃x Fx ∴ ∀x Fx.
4. Prove se todas as frases das formas seguintes são
verdades lógicas ou falsidades lógicas. 1) (p ⇄ q) → p. 2)
(p ⋀ ¬p) → q. 3) (p → q) ⇄ (p ⋀ ¬q). 4) ∃x (x=a). 5) ∃x Fx
→ Fa. 6) [∀x (Fx → Gx) ⋀ ∀x Fx] → ∀x Gx. 7) (¬∃x Fx ⋁
∀x Gx) ⋀ (Fa ⇄ Ga). 8) [∀x (Fx → Gx) ⋀ ¬∀x Fx] → ¬∀x
Gx.

236
7

237
MODALIDADE

Mantendo a lógica clássica intacta e acrescentando apenas


operadores de necessidade e possibilidade, obtém-se a lógica
modal alética (da palavra grega para «verdade», «ἀλήθεια»). Uma
vez que a necessidade, a possibilidade e a contingência são
conceitos de importância capital em filosofia, esta lógica tornou-se
cada vez mais parte fundamental das competências filosóficas
elementares. Diz-se que são conceitos modais aléticos porque
dizem respeito a modos da verdade: diferentes maneiras de uma
frase ser verdadeira. Uma frase verdadeira ou o é contingentemente
(modo da contingência) ou necessariamente (modo da
necessidade). A lógica modal foi fundada por Aristóteles e conheceu
importantes contribuições ao longo da Idade Média, mas só a partir
do século atingiu resultados substanciais.
A lógica modal alética tem muito em comum com as lógicas
modais não-aléticas, nomeadamente as deônticas (lógicas do
dever), doxásticas (lógicas da crença) e temporais. Por isso,
dominar a primeira (a que é comum chamar apenas «lógica modal»)
é um bom ponto de partida para dominar as outras.

238
7.1 Necessidade e possibilidade
A necessidade e a possibilidade exprimem-se em português quer
com advérbios, quer com adjectivos:

Não há necessariamente oito planetas.


Não é necessário que haja oito planetas.

Considerar-se-á aqui que estas maneiras de falar são


equivalentes, e o conceito de necessidade será entendido como um
operador de formação de frases. Claro que em muitos contextos se
usa o advérbio e o adjectivo como reforços enfáticos para indicar
certeza. Nestes casos, usa-se essas palavras para exprimir outra
coisa que não o conceito que se pretende isolar na lógica modal
alética: a ideia de uma frase que não poderia ter um valor de
verdade diferente. A frase «Oito é um número par» é
necessariamente verdadeira se além de ser verdadeira não pode
ser falsa; a frase «Os triângulos têm quatro lados» é
necessariamente falsa se além de ser falsa não pode ser
verdadeira. Em contraste, a frase «Philip Glass nasceu em
Baltimore» não é necessariamente verdadeira se apesar de ser
verdadeira poderia não o ser.
O operador de necessidade será representado por uma caixa, de
modo que □ A especifica a forma lógica de frases como as
seguintes:

Necessariamente, oito é um número par.


É necessário que oito seja um número par.
O número oito tem de ser par.

O operador de possibilidade será representado por um diamante,


e por isso ◇ A especifica a forma lógica de frases como as
seguintes:

Possivelmente, existem oito planetas.

239
É possível que existam oito planetas.
O número de planetas pode ser oito.

Estes termos são muitas vezes usados para dizer que talvez as
coisas sejam assim, ou que é plausível que o sejam, o que difere do
conceito em questão na lógica modal alética, que é apenas a
negação da impossibilidade, como se verá já de seguida.
A contingência ( ▽ ) é definida com os operadores de
possibilidade, conjunção e negação:

▽A ≡ ◇A ⋀ ◇¬A

Ou seja, as frases «O número de planetas é contingentemente


oito» e «O número de planetas pode ser oito e pode também não o
ser» são equivalentes. Por isso, o operador de contingência não
será usado. Claro que o conceito de contingência é muitas vezes
usado de outra maneira. Afirmar «Paris é contingentemente uma
cidade espanhola» soa a falso, porque é normal entender que isto
pressupõe que Paris é uma cidade espanhola, mas poderia não o
ser; a forma lógica dessa frase seria p ⋀ ◇¬p. Porém, o conceito de
contingência é usado na lógica modal para exprimir apenas a ideia
de que tanto p como ¬p são (separadamente) possíveis.
Evidentemente, ao interpretar um discurso é preciso ver, pelo
contexto, qual dos dois conceitos de contingência o autor tem em
mente.
Os exemplos mais evidentes de verdades contingentes são
frases como «Glass visitou Roma»: verdades comezinhas que
aparentemente poderiam ter sido falsas. Em contraste, os exemplos
mais evidentes de verdades necessárias são verdades matemáticas
ou lógicas, como as da forma ∀x (Fx → Fx). Porém, seria
precipitado concluir exclusivamente nessa base que só as verdades
lógicas ou matemáticas são necessárias. Talvez algumas verdades
necessárias não sejam verdades lógicas nem matemáticas, como
«A água é H 2O», ou talvez não. A lógica modal ajuda a esclarecer
esta questão filosófica, sem contudo tomar partido no debate.

240
À semelhança da contingência, também o conceito de
impossibilidade é entendido na lógica modal como derivado: é
apenas a negação da possibilidade. Isto significa que na lógica
modal se recorta uma maneira especial de entender a possibilidade,
que difere da comum. Quando se diz «É possível que esteja
nevoeiro», isto pressupõe quase sempre que não está nevoeiro, tal
como quando se diz que alguns seres humanos são mamíferos se
pressupõe comummente que alguns não o são. Como acontecia na
lógica quantificada, também aqui se interpreta literalmente a
possibilidade: ser possível significa apenas que pode ocorrer, e isso
é compatível com a sua ocorrência. Por isso, quando algo é
necessário, como um triângulo ter três lados, isso também é
possível. A expressão «é possível» é entendida literalmente na
lógica modal; não quer dizer «é falso mas possível». Devido a esta
maneira de entender a possibilidade na lógica modal, esta e a
necessidade são interdefiníveis por meio da negação, como
acontece com os quantificadores universal e existencial:

□A ≡ ¬◇¬A
◇A ≡ ¬□¬A

Ou seja, as frases «É necessário que a água seja H 2O» e «Não


é possível que a água não seja H 2O» são equivalentes, assim como
as frases «É possível que Glass se engane» e «Não é necessário
que Glass não se engane». Já se vê que, dada esta maneira de os
entender, os operadores modais interagem com a negação
exactamente como os quantificadores:

¬□A ≡ ◇¬A
¬◇A ≡ □¬A

Ou seja, as frases «Não é necessário que o sistema solar tenha


oito planetas» e «É possível que o sistema solar não tenha oito
planetas» são equivalentes, assim como «Não é possível que o
número oito seja ímpar» e «É necessário que o número oito não
seja ímpar».

241
Qualquer compreensão preliminar adequada dos conceitos de
necessidade e de possibilidade, tal como foram especificados, inclui
as seguintes relações inferenciais, algumas das quais só são válidas
se certas condições forem satisfeitas (secção 7.5):

– Ser implica poder ser: A ∴ ◇A.


Mas poder ser não implica ser.
– Ter de ser implica ser: □A ∴ A.
Mas ser não implica ter de ser.
– Ter de ser implica poder ser: □A ∴ ◇A.
Mas poder ser não implica ter de ser.

Os operadores de necessidade e de possibilidade não são


verofuncionais, ao contrário do operador de negação. Contudo,
como este último, são unários: aplicam-se exclusivamente a uma
frase, composta ou elementar, e não a pares de frases. Isto significa
que em qualquer posição onde seja sintacticamente correcto colocar
o operador de negação, é também sintacticamente correcto colocar
o operador de necessidade ou o de possibilidade. Assim, há frases
com as seguintes formas:

◇A → □B
□(A ⋁ B) → (□A ⋁ ◇B)

Do mesmo modo que se reitera o operador de negação (¬¬¬¬A),


reitera-se também os operadores modais, misturando-os ou não:

◇◇A
□□□A
□◇◇□A

Contudo, há uma diferença importante: a reiteração do operador


de negação é logicamente banal, mas a reiteração de operadores
modais está longe de o ser, como se verá.

242
A lógica modal alética é desenvolvida tendo em mente a
necessidade e possibilidade genuínas; por isso, é de suma
importância não as confundir com modalidades semânticas e
epistémicas. A frase «Glass é Glass» é uma verdade analítica
porque com base apenas nas suas condições de verdade se sabe
que é verdadeira, em contraste com «Glass é um mamífero». Esta
última é uma verdade sintética porque não é só naquela base que
se sabe que é verdadeira. Além disso, a primeira é conhecida a
priori, ou seja, com base apenas no pensamento, em contraste com
a segunda, que é conhecida a posteriori: é com base também na
experiência que se sabe que é verdadeira. As modalidades
semânticas do analítico e do sintético, tal como as epistémicas do a
priori e do a posteriori, não são aléticas porque não dizem respeito
às próprias verdades, mas aos modos como são conhecidas. Já as
aléticas dizem respeito aos modos das próprias verdades. A falácia
aqui comum, e que é de importância capital não cometer, é concluir
que a frase «Glass é um mamífero» é contingente só porque é
sintética e conhecida a posteriori. Talvez seja contingente, mas se o
for não é por essa razão; afinal, trata-se de modalidades diferentes
e não passa de antropocentrismo pressupor que a realidade é assim
tão solícita que se acomoda perfeitamente aos modos humanos de
conhecer as coisas. Talvez Glass seja necessariamente um
mamífero, ou talvez não; em qualquer caso, o raciocínio que parte
da modalidade semântica do sintético, ou da epistémica do a
posteriori, e conclui a modalidade alética do contingente é inválido.
Se Glass for necessariamente um mamífero, é exclusivamente
porque ele próprio não poderia não o ser, e não porque se sabe de
uma dada maneira que é um mamífero. E se não o for, é
exclusivamente porque ele próprio poderia não o ser, e não porque
não se sabe a priori que é um mamífero.
É também imperativo não confundir o conceito alético de
contingência com o conceito temporal de transformação. Os
organismos morrem, as sementes transformam-se em árvores e as
poeiras cósmicas em planetas; mas isto não é a contingência no
sentido alético. Caso Glass seja necessariamente humano, e não
apenas contingentemente, isso não significa que ele é humano
sempre, ao longo de todo o tempo, e que não sofre transformações;

243
significa apenas que enquanto Glass não se transforma noutra
coisa, é humano, e não pode não ser humano sem deixar de ser
Glass. Transformação não é contingência, e necessidade não é
permanência.
Não é o sentido alético de «necessidade» que se tem em mente
quando se diz que uma condição necessária para estar em Lisboa é
estar em Portugal. As condições necessárias nem sempre são
necessariamente necessárias, apesar do ar paradoxal da frase. Na
expressão «condição necessária» o termo «necessária» não diz
respeito à modalidade alética: B é condição necessária de A sse
tudo o que é A é B, e isto nada diz quanto à necessidade de B.
Por último, considere-se a frase «Glass é necessariamente um
mamífero»; na lógica modal trata-se de investigar o que se conclui
validamente dela e de outras afirmações modais, e não de
estabelecer que é verdadeira. Isto é paralelo à lógica clássica, em
que não se trata de estabelecer que Glass é um mamífero, mas de
investigar o que se conclui validamente dessa e de outras
afirmações. E do mesmo modo que na lógica clássica não se prova
que Glass é um mamífero, ainda que o seja, também na modal não
se prova que é necessariamente um mamífero, ainda que o seja.

244
7.2 Mundos possíveis
Um dos aspectos que permitiu o impressionante desenvolvimento
da lógica modal no século foi a linguagem dos mundos
possíveis. Apesar da sua conotação algo fantasiosa acerca de
supostas realidades paralelas, a linguagem dos mundos possíveis
limita-se a oferecer traduções da linguagem directamente modal
para uma linguagem quantificada (algo pitoresca e enganadora);
não implica seja o que for quanto à existência de realidades
paralelas. A vantagem óbvia dessa linguagem é permitir a aplicação
da lógica quantificada já desenvolvida para estudar o raciocínio
modal.
Na verdade, o conceito de mundos possíveis, no sentido que lhe
é dado na lógica modal, surgiu desde o início (secção 1.6), mas sem
lhe ser dada essa designação. Considere-se de novo o conceito
crucial de condições de verdade. Sabe-se empiricamente que a Lua
não é feita de queijo, mas o conhecimento das condições de
verdade só estabelece que se a frase «A Lua é feita de queijo» for
verdadeira, a Lua será feita de queijo; e se for falsa, não o será. É a
estas duas condições de verdade que se chama «mundos
possíveis», e diz-se então algo abusivamente que há um mundo
possível em que a Lua é feita de queijo e outro em que não o é. Mas
é ocioso pressupor que há literalmente uma realidade paralela com
uma Lua feita de queijo; tudo o que aquela expressão algo abusiva
quer dizer, na lógica modal, é que se a frase «A Lua for feita de
queijo» for verdadeira, a Lua é feita de queijo, e se a frase for falsa,
não o será. Trata-se de duas hipóteses meramente linguísticas,
formuladas com base exclusivamente no conhecimento das
condições de verdade.
Já se vê que o conceito de validade inclui desde o início o
conceito de mundos possíveis: um raciocínio é válido sse não há
qualquer condição de verdade, ou mundo possível, em que a
conclusão seja falsa apesar de todas as premissas serem
verdadeiras. Porém, é crucialmente importante compreender o quer
dizer que há esta ou aquela condição de verdade, ou mundo

245
possível — ou melhor, o que isso não quer dizer. Considere-se o
seguinte raciocínio obviamente inválido:

A Lua é feita de queijo.


Logo, a neve é branca.

Este raciocínio é inválido porque há pelo menos uma condição


de verdade, ou mundo possível, na qual a premissa é verdadeira e a
conclusão falsa. Porém, esta banalidade lógica não quer dizer que
no mesmíssimo sentido em que há pessoas generosas há também
uma realidade paralela na qual a Lua é feita de queijo e a neve não
é branca. Falar directamente da existência ou não de condições de
verdade, ou mundos possíveis, é prático mas é enganador porque
abrevia afinal um operador epistémico de conhecimento linguístico.
O que a primeira frase deste parágrafo quer dizer é que o raciocínio
é inválido porque com base apenas nas condições de verdade não
se exclui a hipótese meramente linguística de a neve não ser branca
quando a Lua é feita de queijo. Ora, como é evidente, da hipótese
meramente linguística de a neve não ser branca e a Lua ser feita de
queijo não se infere validamente que há uma realidade paralela, em
qualquer acepção robusta, na qual a neve não é branca e a Lua é
mesmo feita de queijo. É um erro transformar hipóteses meramente
linguísticas, formuladas com base exclusivamente no conhecimento
das condições de verdade, em realidades paralelas ou em
possibilidades genuínas. É ocioso pressupor que qualquer hipótese
meramente linguística é uma possibilidade genuína do mundo.
Considere-se agora a tese filosófica de que a água é
necessariamente H 2O. A ideia não é que não há condições de
verdade em que a frase «A água é H 2O» seja falsa; claro que há —
mas apenas no sentido em que se sabe com base apenas nas
condições de verdade que se a água não for H 2O, aquela frase é
falsa. Quem considera que a água é necessariamente H 2O não
rejeita essas condições de verdade; mas defende que a
possibilidade meramente linguística aí em questão não é uma
possibilidade genuína da água. «Possibilidade linguística» só quer
dizer que não se sabe por meios exclusivamente linguísticos que a

246
água não é H 2O; mas talvez a água em si não possa não o ser. É
por isso de suma importância distinguir o conceito meramente
linguístico de mundo possível, ou condição de verdade, do conceito
robusto de mundos metafisicamente possíveis, que representam
possibilidades genuínas e não meras possibilidades linguísticas. A
lógica modal alética é desenvolvida para dar conta dos raciocínios
que envolvem os conceitos de necessidade e possibilidade
genuínas, e não meramente linguísticas. Porém, tal como na lógica
clássica se tem em consideração condições de verdade em que a
água não é H 2O, apesar de o ser, também na lógica modal alética
se tem em consideração mundos possíveis em que não o é, mesmo
que não sejam genuinamente possíveis — o que conta é que são
condições de verdade como quaisquer outras, e é isso que é
relevante, porque a validade é sempre uma questão de concluir
exclusivamente com base nelas. Mesmo que a água seja
necessariamente H 2O, é inválido concluir «Glass bebeu H 2O»
exclusivamente da premissa de que bebeu água, porque há mundos
possíveis, no sentido de condições de verdade, em que a premissa
é verdadeira e a conclusão falsa.

247
7.3 Acessibilidade
A tradução da linguagem directamente modal para a linguagem dos
mundos possíveis exige a introdução do conceito de possibilidade
relativa ou acessibilidade entre mundos possíveis — e este foi o
segundo passo de gigante no desenvolvimento das lógicas modais.
Para se compreender preliminarmente o que está em causa,
considere-se de novo a ideia filosófica de que a água é
necessariamente H 2O. É evidente que há mundos possíveis em que
a água não é H 2O, no sentido de condições de verdade: se a água
não for H 2O, a frase que diz que o é, é falsa. Isto significa que é
preciso introduzir alguma restrição para que a linguagem dos
mundos possíveis seja apropriadamente neutra. O que se faz então
é dizer que se a água for necessariamente H 2O, os mundos
possíveis em que ela não o é não são acessíveis ao mundo actual:
são condições de verdade que não especificam possibilidades
genuínas da água.
O conceito de acessibilidade entre mundos possíveis define-se
do seguinte modo, usando as letras gregas como designações de
mundos possíveis: o mundo possível β é acessível a α sse toda a
frase verdadeira em β é possível em α; ou seja, sse β {A} → α {◇A}.
Esta definição especifica em que condições um mundo é acessível a
outro: quando tudo o que é verdadeiro em β é possível em α, o
primeiro é acessível ao segundo. Caso α seja o mundo actual e β
lhe seja acessível, isto significa que tudo o que é verdadeiro em β é
possível. O mundo actual é a conjunção de todas aquelas condições
em que as frases são verdadeiras; porque a frase «Glass é norte-
americano» é verdadeira, diz-se algo pitorescamente que é
verdadeira no mundo actual. Dizer que uma frase é verdadeira no
mundo actual é o mesmo que dizer apenas que é verdadeira.
Para compreender melhor a definição de acessibilidade entre
mundos possíveis, considere-se a frase «Glass poderia ter sido
egípcio»; esta frase é verdadeira sse 1) existir pelo menos um
mundo possível em que Glass é egípcio; e 2) esse mundo for
acessível ao actual. A primeira condição é trivialmente satisfeita,

248
pois exige apenas uma condição de verdade em que a frase «Glass
é egípcio» é verdadeira. Porém, se Glass não poderia
genuinamente ter sido egípcio, essa condição de verdade ou mundo
possível não é acessível ao mundo actual — é uma mera condição
de verdade e não uma possibilidade genuína. E se acaso ele
realmente poderia ser egípcio, então esse mundo possível é
acessível ao actual, ou seja, essa condição de verdade é uma
possibilidade genuína, e não uma mera hipótese linguística.
Consequentemente, dizer «Num mundo possível acessível ao
actual, Glass é egípcio» é só uma maneira menos óbvia de dizer
«Glass poderia ter sido egípcio» — essa maneira menos óbvia é a
linguagem dos mundos possíveis.
Não é por meios exclusivamente linguísticos que se estabelece
que um dado mundo possível é acessível ao actual ou que não é; o
que se estabelece por esses meios é que se a frase «Glass poderia
ser egípcio» for verdadeira, existe um mundo possível acessível ao
actual em que a frase «Glass é egípcio» é verdadeira. De modo que
não é depois de se saber que um mundo é acessível a outro que se
sabe que Glass poderia ou não ser egípcio; é ao contrário: depois
de se saber que ele realmente poderia ter sido egípcio, sabe-se que
o mundo possível em que o for é acessível ao actual. E, claro, talvez
nunca se consiga saber se ele poderia genuinamente ter sido
egípcio; mesmo nesse caso, porém, sabe-se em que condições
poderia sê-lo, o que é melhor do que nada.
Para encerrar este assunto, considere-se agora a frase «Ligeti
poderia ter sido um rabanete». É razoável considerar que é falsa —
mas não é por meios exclusivamente linguísticos que isso se sabe.
Porém, por esses meios sabe-se que essa frase é falsa sse 1) não
houver mundo possível algum em que Ligeti seja um rabanete; ou 2)
houver um mundo desses, mas não for acessível ao actual. Visto
que é evidente que há uma condição de verdade — um mundo
possível — em que Ligeti é um rabanete, se a frase original for falsa,
é devido a 2. E isto é o que acontece com todas as frases
impossíveis que não sejam falsidades lógicas. Pois contraste-se
com «Ligeti poderia ser e não ser um rabanete»; neste caso, não há
qualquer condição de verdade em que a frase é verdadeira. A frase

249
é falsa não porque o mundo possível em que é verdadeira não seja
acessível ao mundo actual, mas porque esse mundo não existe.
Eis então as traduções da linguagem modal para a linguagem
dos mundos possíveis:

□A: em todos os mundos possíveis acessíveis ao actual


A.
◇A: pelo menos num mundo possível acessível ao actual
A.
▽A: pelo menos num mundo possível acessível ao actual
A e pelo menos num mundo possível acessível ao actual
¬A.

Para terminar estas considerações introdutórias, note-se que


dizer «Há pelo menos um mundo possível no qual Glass
possivelmente não compôs a peça Façades» é reiterar
possibilidades: literalmente, diz-se que é possível que seja possível
que Glass não tenha composto aquela obra. Do mesmo modo,
quando se diz que em todos os mundos possíveis o número dois é
necessariamente par, diz-se literalmente que é necessário que isso
seja necessário. Caso não se queira realmente reiterar
modalidades, é um erro falar dessa maneira. Erro que resulta de se
usar o termo «necessariamente» para dar ênfase e o termo
«possivelmente» para exprimir dúvida — usos que é da máxima
importância não confundir com os usos realmente aléticos das
mesmas palavras.

250
7.4 Árvores
Considere-se o início de uma árvore modal que irá provar a validade
do modus ponens necessitado:

□(p → q)
□p
∴ □q

□(p → q)
□p
¬□q

O que se fez até agora foi supor que as premissas e a negação


da conclusão são verdadeiras no mundo actual, α; daí que não se
tenha qualquer indicação de mundo possível. Precisa-se agora de
uma maneira de decompor frases com operadores modais. A
decomposição de frases da forma ¬ □ A é óbvia: ◇ ¬A. Mas como
decompor frases desta última forma? Quando uma frase da forma
◇A é verdadeira — ou seja, verdadeira em α — essa mesma frase
sem o operador de possibilidade, A, é verdadeira em pelo menos
um mundo possível acessível a α. Que mundo possível é esse? Não
se sabe. Talvez seja o próprio α; ou talvez seja outro qualquer. Tudo
o que se sabe é que num mundo possível acessível a α as frases da
forma A são verdadeiras pois, caso contrário, as frases da forma ◇A
não seriam verdadeiras em α. O que se faz, então, é falar de um
mundo possível acessível a α no qual as frases da forma A são
verdadeiras, dando-lhe uma designação nova, β, pois ainda não há
β algum na árvore (caso houvesse, escolher-se-ia γ, δ, ε, ζ, η, etc.).
Assim, retomando a árvore, tem-se o seguinte:

□(p → q)
□p
¬□q
◇¬q

251
α-β
β {¬q}

Usa-se α-β para indicar que o mundo possível β é acessível a α.


A ideia é que se sabe que num mundo possível acessível a α as
frases da forma ¬q são verdadeiras, e por isso se introduz α-β e β
{¬q}. Resta decompor as duas premissas. Como decompor,
contudo, frases da forma □ A? Se as frases desta forma forem
verdadeiras em α, as da forma A serão verdadeiras em todos os
mundos possíveis acessíveis a α. Em particular, serão verdadeiras
em β, que já se sabe que é acessível a α. Por isso, consegue-se já
decompor as duas premissas:

□(p → q)
□p
¬□q
◇¬q
α-β
β {¬q}
β {p → q}
β {p}

Olhando agora com atenção para as três últimas linhas, vê-se


que se tem o início da árvore clássica do modus ponens, mas em β.
Usando as regras de decomposição já conhecidas, completa-se a
árvore e fecha-se todos os ramos:

252
Esta árvore prova que todo o raciocínio que tenha a forma do
modus ponens necessitado é válido, uma vez que todos os ramos
da árvore fecham. Note-se que β {¬p} fecha com β {p}, mas não
fecharia com p (que abrevia α {p}). Para que uma frase da forma A
seja contraditória com ¬A é preciso que estejam ambas no mesmo
ramo e no mesmo mundo possível.
Eis então as primeiras quatro regras de decomposição:

Negação da necessidade
¬□A
◇¬A
Negação da possibilidade
¬◇A
□¬A

Necessidade
□A

253
α-β
|
β {A}
É permitido reaplicar a regra.

Possibilidade
◇A
|
α-β
β {A}
Exige-se que β seja novo no ramo.

Note-se o contraste entre a decomposição da necessidade e a


da possibilidade. Neste último caso, introduz-se primeiro α-β e só
depois β {A}. No primeiro, é preciso que já se tenha α-β na árvore,
para então se inferir β {A}. Ou seja, a diferença é que no caso da
decomposição da possibilidade se especifica uma nova relação de
acessibilidade, ao passo que na decomposição da necessidade se
usa uma já especificada. Caso nenhuma relação relevante de
acessibilidade tenha já sido especificada, não há maneira de
decompor a necessidade sem usar regras de extensão (secção 7.5).
Veja-se agora um exemplo em que não é preciso usar qualquer
regra modal:

□p → p
p → ◇p
∴ □p → ◇p

254
Como se vê, os raciocínios clássicos válidos estão integrados na
lógica modal de maneira muito simples: usa-se pura e simplesmente
as regras de decomposição do capítulo 6 e obtém-se os
mesmíssimos resultados clássicos que já anteriormente se obtinha.
Veja-se agora o caso de um raciocínio com componentes modais
relevantes:

□(p ⋀ q)
∴ □p ⋀ □q

255
Recorde-se que ao decompor qualquer frase da forma ◇ A é
obrigatório especificar um mundo possível novo; contudo, usou-se
α-β no ramo da direita ao decompor ◇¬q, apesar de já se ter usado
α-β no ramo da esquerda. Isto é permitido porque os ramos são
independentes. No ramo da direita não se poderia usar α-β ao
decompor ◇¬q se nesse ramo β já tivesse sido usado. Veja-se outro
exemplo:

□(p → q)
p
∴ □q

256
Nesta árvore, um dos ramos fica aberto; mas isso não prova que
todos os raciocínios daquela forma lógica são inválidos. O raciocínio
seguinte tem a forma anterior mas é válido:

Necessariamente, se os triângulos têm três lados, têm mais


de dois lados.
Ora, os triângulos têm três lados.
Logo, necessariamente, têm mais de dois lados.

O que aquela árvore prova é que todos os raciocínios aléticos


daquela forma lógica são inválidos. Um raciocínio é alético sse as
únicas componentes relevantes para a validade são a
verofuncionalidade, a quantificação clássica, a identidade e os
conceitos aléticos de necessidade e possibilidade. Eis outro
exemplo:

□(p → q)

257
◇p
∴ □q

Ao decompor a segunda premissa é preciso usar γ, porque β já


está no mesmo ramo. A razão é que se sabe que as frases da forma
p são verdadeiras num mundo possível acessível a α, mas não se
sabe se são verdadeiras em β. Na tentativa gorada de fechar a
árvore, decompôs-se duas vezes □(p → q), uma vez em β e outra
em γ. Tal como acontece com os quantificadores universais, e pela
mesma razão, é permitido repetir a decomposição de frases da
forma □A; mas não é permitido fazer o mesmo no caso das frases
da forma ◇A.
Veja-se agora uma versão particularmente cândida do famoso
argumento da batalha naval:

Necessariamente, ou ocorre uma batalha naval ou não.

258
Logo, ou é necessário que ocorra uma batalha naval, ou é
necessário que não ocorra.

A ideia é partir da necessidade de «Ou ocorre uma batalha naval


ou não» — uma verdade lógica da forma A ⋁ ¬A. Uma vez que
qualquer verdade lógica é uma verdade necessária, declara-se que
a frase é necessária. Mas então parece concluir-se que, ocorra o
que ocorrer, não poderia ter ocorrido outra coisa — o que parece
provar demasiado facilmente o fatalismo. A forma do raciocínio e a
prova da sua invalidade é como se segue:

□(p ⋁ ¬p)
∴ □p ⋁ □¬p

259
Como seria de esperar, o raciocínio é inválido: a necessidade
não distribui sobre a disjunção. Da necessidade de frases da forma
A ⋁ B não se conclui validamente frases da forma □ A ⋁ □ B. Pelo
menos em parte, Aristóteles parece ter-se dado conta deste
aspecto:

Tudo necessariamente é ou não e será ou não; porém, não


se pode dividir e dizer que uma ou outra das alternativas é
necessária. Ou seja, por exemplo: é necessário que amanhã
ocorra ou não uma batalha naval; mas não é necessário que
uma batalha naval ocorra amanhã, nem que não ocorra —
apesar de ser necessário que ocorra ou não ocorra.
(Aristóteles, Da Interpretação, IX: 19a23)

Em contraste com a necessidade, a possibilidade distribui sobre


a conjunção e também sobre a disjunção; veja-se apenas este
último caso:

◇(p ⋁ q)
∴ ◇p ⋁ ◇q

260
Apesar de a necessidade obviamente não distribuir sobre a
disjunção, distribui sobre a condicional:

□(p → q)
∴ □p → □q

261
Considere-se agora qualquer verdade lógica, como as da forma
seguinte:

[(p → q) ⋀ (q → r)] → (p → r)

A sua necessitação é uma frase com a forma seguinte:

□[[(p → q) ⋀ (q → r)] → (p → r)]

Todas as frases desta forma lógica são também verdades


lógicas:

262
O mesmo acontece com todas as verdades lógicas da lógica
clássica. Dada qualquer frase da forma A que seja uma verdade
lógica, as da forma □A serão também verdades lógicas; daqui não
se conclui validamente, contudo, que todas as verdades necessárias
são verdades lógicas.

263
7.5 Regras de extensão
Obtém-se diferentes sistemas de lógica modal consoante se faz
mais ou menos exigências com respeito à relação de acessibilidade
entre mundos possíveis. K é o sistema que foi até agora estudado e
é o mais fraco. Neste sistema não se faz qualquer exigência quanto
à acessibilidade. O preço a pagar é não dar conta da validade óbvia
dos raciocínios da forma □ p ∴ p. A ideia, contudo, é explicitar
completamente em que condições de verdade os raciocínios desta
forma são válidos. Ora, estes raciocínios só são válidos caso a
acessibilidade seja reflexiva, ou seja, caso todos os mundos
possíveis sejam acessíveis a si próprios. Veja-se como isto se
manifesta nas árvores:

□p
∴p

□p
¬p
Refl.
α-α
p

Para provar a validade, especificou-se que α é acessível a si


próprio. A ideia é que se as frases da forma □ p forem verdadeiras
em α, então também as da forma p serão verdadeiras em α se todos
os mundos possíveis forem acessíveis a si próprios. Quando se
especifica a reflexividade, passa-se do sistema K para o T. Numa
árvore de K nada se faz partindo unicamente de frases da forma □A,
porque não se sabe se as da forma A são verdadeiras em algum
mundo possível relevante.
Eis então as três regras de extensão que serão usadas:

Reflexividade
|

264
Refl.
α-α

Simetria
α-β
|
Sim.
β-α

Transitividade
α-β
β-γ
|
Trans.
α-γ

Introduz-se a reflexividade ao especificar que o mundo possível


no qual são verdadeiras as frases da forma □ A é acessível a si
próprio; daqui infere-se então validamente que A é verdadeira nesse
mesmo mundo possível. Ao formular a regra usou-se α como
exemplo, mas a reflexividade aplica-se a qualquer outro caso: caso
se tenha β {□(p → p)}, a reflexividade permite inferir β-β e depois β
{p → p}. Para introduzir a reflexividade, basta ter uma frase qualquer
da forma □ A em qualquer mundo possível. Para introduzir a
simetria, contudo, é preciso já ter especificada uma relação qualquer
de acessibilidade, como α-β, ou γ-δ; veja-se um exemplo:

◇□p
∴p

◇□p
¬p
α-β
β {□p}
Sim.
β-α

265
p

Para fechar a árvore usou-se a simetria: inferiu-se β-α com base


em α-β. Porque α é acessível a β e as frases da forma □ p são
verdadeiras em β, conclui-se validamente que as da forma p são
verdadeiras em α. E é isso que permite fechar a árvore. Deste
modo, não se provou apenas que os raciocínios daquela forma são
válidos; provou-se que são válidos sse a relação de acessibilidade
for simétrica.
Veja-se agora um exemplo da aplicação da transitividade:

□p
∴ □□p

□p
¬□□p
◇◇¬p
α-β
β {◇¬p}
β-γ
γ {¬p}
Trans.
α-γ
γ {p}

Usou-se a transitividade porque se inferiu α-γ com base em α-β e


β-γ. Assim, provou-se que os raciocínios daquela forma são válidos
sse a relação de acessibilidade for transitiva. Repare-se que para
decompor β {◇¬p} se inferiu β-γ e depois γ {¬p}. Isto porque quando
se tem β { ◇ A}, especifica-se um mundo possível acessível a β, e
não um mundo possível acessível a α; e, evidentemente, quando se
tem γ {◇A}, conclui-se primeiro γ-δ e depois δ {A}.
Veja-se agora um exemplo em que se usa a simetria e a
transitividade:

◇p

266
∴ □◇p

◇p
¬□◇p
◇□¬p
α-β
β {p}
α-γ
γ {□¬p}
Sim.
γ-α
Trans.
γ-β
β {¬p}

Inferiu-se, por simetria, γ-α com base em α-γ, para depois inferir
γ-β com base em γ-α e α-β por transitividade. Isto significa que os
raciocínios daquela forma são válidos sse a relação de
acessibilidade for simétrica e transitiva.
Apesar de haver outros sistemas de lógica modal, eis os mais
comuns no que respeita à modalidade alética:

K – Não faz exigências quanto à relação de acessibilidade;


resulta de adicionar os operadores modais à lógica clássica,
além de regras que permitam provar a validade do modus
ponens necessitado.

T – Exige reflexividade; é uma extensão de K que permite


provar □A ∴ A.

KB – Exige simetria, mas não reflexividade; é uma extensão


de K, mas não de T, que permite provar ◇□A ∴ A.

B – Exige simetria e reflexividade; é uma extensão de T que


permite provar ◇□A ∴ A, além de □A ∴ A.

267
KS4 – Exige transitividade, mas não reflexividade; é uma
extensão de K, mas não de T, que permite provar ◇◇A ∴ ◇A.

S4 – Exige transitividade e reflexividade; é uma extensão de


T que permite provar ◇◇A ∴ ◇A, além de □A ∴ A.

KS5 – Exige simetria e transitividade, mas não reflexividade;


é uma extensão de K, mas não de T, que permite provar ◇□A
∴ □A.

S5 – Exige simetria e transitividade, além da reflexividade; é


uma extensão de B e de S4 que permite provar ◇□A ∴ □A,
além de □A ∴ A.

Como se vê, ao reiterar ou eliminar operadores modais faz-se


sentir o impacto da relação de acessibilidade entre mundos
possíveis. Em S5 todos os mundos possíveis são acessíveis a
todos, pelo que não vale a pena falar dela: basta uma frase ser
verdadeira num mundo para ser possível em todos.

268
7.6 Quantificação
Não é preciso acrescentar qualquer regra para incluir a lógica
quantificada. Veja-se a prova da validade do modus ponens
necessitado e universalmente quantificado:

□∀x (Fx → Gx)


□∀x Fx
∴ □∀x Gx

□∀x (Fx → Gx)


□∀x Fx
¬□∀x Gx
◇∃x ¬Gx
α-β
β {∃x ¬Gx}
β {¬Ga}
β {∀x (Fx → Gx)}
β {∀x Fx}

Nenhuma surpresa até agora: começou-se por passar de ¬ □∀x


Gx para ◇ ∃x ¬Gx, evitando ◇ ¬∀x Gx, que acabaria por dar o
mesmo resultado. Olhando com atenção, vê-se que nas últimas três
linhas está tudo o que é preciso para fechar todos os ramos da
árvore, como se fosse clássica. Completa-se por isso a árvore e
fecha-se todos os ramos:

269
Veja-se agora um exemplo de uma verdade lógica:

□[(∀x Fx ⋀ ∀x Gx) → ∀x (Fx ⋀ Gx)]

270
Como se vê, toda a árvore é como se fosse clássica a partir da
quarta linha. Assim, na lógica modal quantificada, sem identidade, e
quando os operadores modais não estão sob o âmbito de
quantificadores, nada se encontra que não se tenha encontrado
antes. Isto porque, como é evidente, as regras que se aplicavam a
frases das formas □A e ◇A aplicam-se da mesma maneira quando
as da forma A incluem quantificadores. Porém, como ficam as
árvores quando os operadores modais surgem no âmbito dos
quantificadores? Veja-se um exemplo:

∃x ◇Fx → ◇∃x Fx

¬(∃x ◇Fx → ◇∃x Fx)


∃x ◇Fx

271
¬◇∃x Fx
□∀x ¬Fx
◇Fa
α-β
β {Fa}
β {∀x ¬Fx}
β {¬Fa}

Ao decompor ∃x ◇ Fx inseriu-se a no âmbito do operador de


possibilidade, o que é permitido pois qualquer condicional com a
forma anterior é uma verdade lógica. Caso se exprima a condicional
com disjunções em vez de quantificadores, isso é evidente:

(◇Fa ⋁ ◇Fb) → ◇(Fa ⋁ Fb)

Na verdade, a condicional na direcção inversa é também uma


verdade lógica, ou seja, a possibilidade distribui sobre a disjunção
(difere por isso da necessidade, que só distribui sobre a conjunção):

272
◇(Fa ⋁ Fb) → (◇Fa ⋁ ◇Fb)

Como seria de esperar, a árvore fecha, o que prova que qualquer


condicional com esta forma é uma verdade lógica. Por isso,
qualquer condicional equivalente, com quantificação existencial em
vez de disjunção, é também uma verdade lógica:

◇∃x Fx → ∃x ◇Fx

¬(◇∃x Fx → ∃x ◇Fx)

273
◇∃x Fx
¬∃x ◇Fx
∀x □¬Fx
α-β
β {∃x Fx}
β {Fa}
□¬Fa
β {¬Fa}

Esta condicional é uma das fórmulas de Barcan (1946). Uma


razão para considerar que as condicionais com esta forma são
verdades lógicas é que num domínio com qualquer número de
particulares as expressões disjuntivas do quantificador existencial
são verdades lógicas, como se viu no caso de apenas dois
particulares. A outra das duas fórmulas de Barcan é a seguinte:

∀x □Fx → □∀x Fx

¬[∀x □Fx → □∀x Fx]


∀x □Fx
¬□∀x Fx
◇∃x ¬Fx
α-β
β {∃x ¬Fx}
β {¬Fa}
□Fa
β {Fa}

Também as condicionais com esta forma são verdades lógicas,


uma vez que as condicionais conjuntivas equivalentes, sem
quantificação, são verdades lógicas — resultado que fica como
exercício. As condicionais na direcção inversa, da forma □∀x Fx →
∀x □Fx, são verdades lógicas banais, cuja prova fica também como
exercício. Assim, obtém-se o seguinte:

274
◇∃x Fx ≡ ∃x ◇Fx
□∀x Fx ≡ ∀x □Fx

Chama-se de dicto às modalidades das frases à esquerda do


trigrama e de re às da direita; a ideia algo enganadora é que as
modalidades da esquerda dizem respeito a frases (dicta, em latim) e
as da direita a coisas (res). Isto é enganador porque em ambos os
casos a modalidade é atribuída a frases; a diferença é que na
modalidade de dicto as frases são compostas e a modalidade é
atribuída a operadores de frases ou quantificadores, em contraste
com a modalidade de re, que a atribui a frases que não os têm. Isto
é mais fácil de ver examinando a expressão disjuntiva e conjuntiva
das frases anteriores, num domínio com apenas dois particulares:

◇(Fa ⋁ Fb) ≡ ◇Fa ⋁ ◇Fb


□(Fa ⋀ Fb) ≡ □Fa ⋀ □Fb

Agora é evidente que nas frases da esquerda é às disjunções e


conjunções que se atribui as modalidades: no primeiro caso afirma-
se que a disjunção é possível, e no segundo que a conjunção é
necessária. Isto contrasta com as frases da direita; neste caso, as
modalidades são atribuídas directamente a frases sem operadores
verofuncionais nem modais.
Algumas modalidades de dicto são equivalentes a modalidades
de re; nos casos acima, isso acontece porque a possibilidade
distribui sobre a disjunção e a necessidade sobre a conjunção.
Porém, nem todas as modalidades de dicto são equivalentes a
modalidades de re. Nomeadamente, dado que a necessidade não
distribui sobre a disjunção, as condicionais da forma seguinte não
são verdades lógicas (a modalidade de dicto não implica neste caso
a de re):
□∃x Fx → ∃x □Fx

¬(□∃x Fx → ∃x □Fx)
□∃x Fx
¬∃x □Fx

275
∀x ◇¬Fx
◇¬Fa
α-β
β {¬Fa}
β {∃x Fx}
β {Fb}

Como se vê, não se fecha a árvore. Caso decomponha primeiro


o quantificador existencial, também não se fecha a árvore:

¬(□∃x Fx → ∃x □Fx)
□∃x Fx
¬∃x □Fx
∀x ◇¬Fx
Refl.
α-α
∃x Fx
Fa
◇¬Fa
α-β
β {¬Fa}

Agora a árvore não fecha porque é obrigatório inferir α-β ao


decompor o operador de possibilidade. A condicional na direcção
inversa, porém, é uma verdade lógica:

∃x □Fx → □∃x Fx

¬(∃x □Fx → □∃x Fx)


∃x □Fx
¬□∃x Fx
□Fa
◇∀x ¬Fx
α-β
β {∀x ¬Fx}

276
β {¬Fa}
β {Fa}

277
7.7 De dicto e de re
A diferença entre modalidades aléticas de dicto e de re é
comummente apresentada, por um lado, em termos metafísicos e,
por outro, em termos sintácticos, procurando-se depois harmonizar
ambos. Começa-se assim por levar a sério a ideia do contraste
entre modalidades atribuídas a entidades linguísticas (frases, dicta)
e a particulares (coisas, res). Isto é razoável porque é o que parece
acontecer noutros casos — como o operador de crença, que, usado
juntamente com descrições definidas, é um caso esclarecedor.
Quando a Úrsula está num tribunal e acredita que o criminoso é
malévolo, há duas crenças diferentes em questão, consoante o
contexto. Talvez ela tenha a crença de dicto de que seja quem for
que cometeu aquele crime é malévolo; esta não é uma crença
especificamente acerca daquela pessoa que está acusada no
tribunal e que a Úrsula vê à sua frente. Será acerca daquela pessoa,
se acaso ela realmente cometeu aquele crime, mas a Úrsula não
tem, em rigor, uma crença directamente acerca dela. Por outro lado,
talvez a Úrsula tenha a crença de re de que aquela pessoa que vê à
sua frente é malévola devido à maneira como se comporta e use a
descrição definida apenas para indicá-la, porque acredita que foi ela
que cometeu o crime. Mas se acaso se provar que não foi ela, a
Úrsula continuará a acreditar que o réu, que agora ela sabe que
está inocente, é malévolo.
A diferença é muito óbvia neste caso, mas está longe de ser
evidente que se consiga espelhá-la no caso da modalidade alética,
e ainda menos que se consiga depois traduzi-la em termos
sintácticos. A ideia seria que na modalidade de re é acerca das
entidades extralinguísticas que se afirma directamente terem um
dado atributo modal, ao passo que no caso da modalidade de dicto
se afirma que são as frases que o têm. A ideia é inicialmente
plausível quando se tem em mente o contraste entre frases da
forma ∃x ◇ Fx e ◇ ∃x Fx, pois no primeiro caso parece que no
âmbito do operador de possibilidade não está sequer uma frase, ao
contrário do que acontece no segundo. Se as coisas fossem assim
tão simples, seria então fácil captar esta diferença sintacticamente,

278
em termos do que está no âmbito dos operadores modais: caso no
seu âmbito esteja uma frase, seria uma modalidade de dicto, sendo
de re caso contrário.
Isto não é assim, contudo, porque nas frases da forma ◇ Fa a
modalidade é de re, apesar de estar uma frase no âmbito do
operador — e não uma pessoa que alguém vê, como no caso da
crença. A saída a que é então comum recorrer (Hughes e Cresswell
1996, Forbes 1985, Branquinho 2006) para continuar a caracterizar
sintacticamente a diferença entre modalidade de dicto e de re é
dizer que no primeiro caso está sob o âmbito do operador modal um
nome próprio, como acontece nas frases da forma ◇ Fa, ou uma
variável livre (que talvez esteja ligada a um quantificador, que,
contudo, estará fora do âmbito do operador modal), como nas frases
da forma ∃x ◇Fx. Além de à primeira vista esta definição parecer
sofrer de «disjuntivite» 1, esconde uma subtileza que aponta para o
que realmente conta na distinção entre as modalidades de dicto e
de re. Segundo a definição comum, as modalidades da forma ◇∃x
Fx são claramente de dicto, mas também o são as da forma ◇(Fa ⋁
Fb), apesar de terem nomes próprios no âmbito do operador modal,
uma vez que num domínio com dois particulares as frases destas
duas formas são equivalentes. Por isso, a ideia não é que basta um
nome próprio estar no âmbito de um operador modal para que seja
de re, mas que basta estar no seu âmbito directo. O mesmo
acontece no caso de frases da forma □(∀x Fx → Fa): o que está sob
o âmbito directo do operador de necessidade é uma verdade lógica
(da lógica clássica), e por isso a modalidade é de dicto: afirma-se
que a frase seguinte é necessária. Porém, há um nome próprio no
âmbito do operador modal.
Estes casos mostram que o que realmente conta se capta
dizendo simplesmente que uma modalidade alética é de re sse for
atribuída a uma frase sem operadores de frases nem
quantificadores, e é de dicto sse, ao invés, for atribuída
precisamente a esses operadores ou quantificadores. Esta maneira
de entender as coisas permite compreender por que razão nas
frases da forma □ ◇ Fa a necessidade é de dicto, sendo de re a
possibilidade: é que a necessidade é atribuída à possibilidade, e
esta, em contraste, é atribuída a uma frase sem operadores de

279
frases. E permite também compreender por que razão nas frases da
forma □(a = a) a modalidade é de re, apesar de ser à identidade que
se atribui a necessidade: é que a identidade não é um operador de
formação de frases, mas um predicado, ainda que relacional. Do
mesmo modo, é também razoável defender que nas frases da forma
◇¬Fa a modalidade é de dicto, porque é atribuída à negação.

280
7.8 Possibilia
Chama-se possibilia a entidades que não existem, mas poderiam ter
existido — são entidades meramente possíveis. A primeira das
fórmulas de Barcan parece obrigar a rejeitar possibilia, uma vez que
parece obrigar a aceitar que todas as entidades que poderiam ter
existido existem. Em rigor, porém, a fórmula de Barcan é apenas a
afirmação de que se é possível que um particular seja algo, então
existe um particular que é possivelmente algo — e isto é compatível
com a aceitação de que é possível que um particular seja algo
apesar de não existir particular algum que o seja. A primeira
condicional, que é a fórmula de Barcan, tem a forma ◇∃x Fx → ∃x
◇Fx e é muitíssimo diferente da segunda, ◇ ∃x Fx → ∃x Fx; esta
não é uma verdade lógica:

¬(◇∃x Fx → ∃x Fx)
◇∃x Fx
¬∃x Fx
α-β
β {∃x Fx}
β {Fa}
∀x ¬Fx
¬Fa

Como se vê, a árvore não fecha, o que significa que a fórmula de


Barcan não obriga a aceitar que existem marcianos só porque
poderiam ter existido; o que obriga a aceitar é que existem
particulares que poderiam ser marcianos, caso se aceite que
poderiam existir marcianos. Porém, esta ideia é também
surpreendente; pois parece razoável afirmar que se não existem
marcianos, nada do que existe poderia ter sido marciano.
Eis um exemplo diferente que torna as coisas mais claras.
Parece razoável acreditar que Orwell poderia ter tido uma filha,
apesar de nunca a ter tido. Isto tem a forma lógica ◇∃x Fxa: poderia
existir alguém que fosse filha de Orwell. Contudo, parece falso que

281
existe alguém que poderia ser filha de Orwell, ∃x ◇ Fxa; quem seria
ela, afinal? É razoável acreditar que nenhuma das pessoas que
realmente existe poderia ter sido filha de Orwell porque
aparentemente ninguém poderia ter tido progenitores diferentes dos
que realmente tem. Imagine-se dois mundos possíveis apenas, α e
β, em que o primeiro faz as vezes de mundo actual. Imagine-se que
em β, mas não em α, Orwell tem uma filha. Essa pessoa pura e
simplesmente não existe em α, e por isso parece que não existe
pessoa alguma neste mundo possível que poderia ter sido filha dele.
Aceitar a fórmula de Barcan parece obrigar a aceitar que a pessoa
que poderia ser filha de Orwell tem de algum modo de existir em α,
apesar de não ser aí filha dele. Isto, porém, é uma ilusão: a fórmula
de Barcan não obriga a aceitar tal coisa.
Uma maneira de interpretar correctamente a fórmula de Barcan é
eliminar os operadores modais e os quantificadores, e usar apenas
disjunções. Continuando a pensar apenas em dois mundos
possíveis, as frases da forma ◇ A são abreviaturas de frases da
forma α {A} ⋁ β {A}: dizer que uma frase da forma A é possível é
dizer que é verdadeira em α ou em β. Por sua vez, uma frase da
forma ∃x Fx abrevia também uma disjunção, Fa ⋁ Fb, caso se
considere um domínio com apenas dois particulares. Assim, as
frases da forma ◇∃x Fx abreviam frases da forma seguinte:

α {Fa ⋁ Fb} ⋁ β {Fa ⋁ Fb}

Ou seja, dizer que é possível que exista um particular F é dizer


que ou em α ou em β o primeiro particular é F, ou o segundo. Já se
vê que devido à associatividade da disjunção isto é equivalente à
forma seguinte:

(α {Fa} ⋁ β {Fa}) ⋁ (α {Fb} ⋁ β {Fb})

Mas isto é o que se abrevia comodamente com a forma ∃x ◇Fx.


Ora, mesmo admitindo que não há particular algum a em α, a
segunda disjunção acima é verdadeira, porque a é F em β. Por isso,
não é preciso insistir que no mundo α existe um particular que é F

282
em β. De modo que a fórmula de Barcan, ao contrário do que
parece, é compatível com possibilia: neste exemplo, mesmo que a
seja um possibilia, um particular que não existe mas poderia ter
existido, ambas as frases são verdadeiras — as da forma α {Fa ⋁
Fb} ⋁ β {Fa ⋁ Fb} e também as da forma (α {Fa} ⋁ β {Fa}) ⋁ (α {Fb}
⋁ β {Fb}). E em ambos os casos são verdadeiras devido
exactamente ao mesmo: porque em β são verdadeiras as frases da
forma Fa.
Contraste-se com as frases da forma □∃x Fx → ∃x □Fx, que não
são verdades lógicas (secção 7.6). Faça-se a mesma operação de
exprimi-la num domínio com dois particulares apenas e dois mundos
possíveis. A antecedente é uma conjunção porque, dados dois
mundos possíveis apenas, □A quer dizer α {A} ⋀ β {A}. Quanto às
frases da forma ∃x Fx, são disjunções e, portanto, a antecedente
completa tem a forma seguinte:

α {Fa ⋁ Fb} ⋀ β {Fa ⋁ Fb}

Trata-se, pois, de uma conjunção de disjunções. Em contraste, a


consequente é uma disjunção de conjunções:

(α {Fa} ⋀ β {Fa}) ⋁ (α {Fb} ⋀ β {Fb})

Ou seja, a consequente afirma que ou um particular ou o outro é


F em todos os mundos possíveis. Agora é evidente que a
condicional original não é uma verdade lógica, porque caso só as
frases das formas α {Fa} e β {Fb} sejam verdadeiras, a antecedente
é verdadeira, mas a consequente falsa.
Em suma, a suposta dificuldade da fórmula de Barcan resulta de
uma leitura das frases da forma ∃x ◇Fx que rejeita a ideia razoável
de que tanto o quantificador existencial como o operador de
possibilidade abreviam disjunções. Numa tal leitura, a que se chama
«actualista», as frases da forma ∃x ◇Fx só são verdadeiras se no
mundo actual existir um particular que é F em pelo menos um
mundo possível; em contraste, na leitura possibilista aqui adoptada,
as frases daquela forma são verdadeiras desde que um particular

283
seja possivelmente F, sendo irrelevante se existe no mundo actual
ou noutro qualquer. Esta leitura preserva a harmonia entre o
operador de possibilidade, a quantificação existencial sobre mundos
possíveis e a expressão disjuntiva desta quantificação, o que não
acontece na actualista.

284
7.9 Identidade
A substituição de idênticos, usada já nas árvores clássicas, será
também aqui usada, mas as consequências são momentosas. Veja-
se um exemplo:

□Fa
□(a = b)
∴ □Fb

□Fa
□(a = b)
¬□Fb
◇¬Fb
α-β
β {¬Fb}
β {Fa}
β {a = b}
β {Fb}

A substituição de idênticos permitiu inferir β {Fb} com base na


identidade β {a = b} e na predicação β {Fa}. Na verdade, abaixo de
α-β a árvore é como se fosse clássica. Note-se, todavia, que foi
preciso decompor □(a = b) antes de usar a identidade; não se aplica
a substituição de idênticos caso a identidade esteja sob o âmbito de
quaisquer operadores (incluindo modais) ou quantificadores. Desde
que se tenha uma identidade da forma a = b, que não seja
antecedida por qualquer operador, modal ou não, nem por qualquer
quantificador, permite-se a substituição de a por b (ou vice-versa)
em qualquer forma que esteja no mesmo ramo e no mesmo mundo
possível da identidade, tenha ou não operadores modais. Ou seja,
dada uma frase da forma a = b e outra da forma □◇Fa no mesmo
mundo possível, a substituição de idênticos permite concluir
validamente □ ◇ Fb nesse mesmo mundo. Intuitivamente, a ideia é

285
que o seguinte raciocínio é válido e resulta de uma aplicação da
substituição de idênticos:

Luís é Camões.
Luís é possivelmente italiano.
Logo, Camões é possivelmente italiano.

Dada uma interpretação óbvia, eis a forma lógica deste


raciocínio e a prova da sua validade:

a=b
◇Fa
∴ ◇Fb

a=b
◇Fa
¬◇Fb
◇Fb

Esta aplicação da substituição de idênticos é legítima porque as


frases das duas formas são verdadeiras em α, além de estarem no
mesmo ramo. É a substituição de idênticos que permite demonstrar
a necessidade da identidade, um resultado que teve muito impacto
na filosofia da segunda metade do século :

(a = b) → □(a = b)

¬[(a = b) → □(a = b)]


a=b
¬□(a = b)
◇¬(a = b)
◇¬(a = a)
α-β
β {¬(a = a)}

286
Substituiu-se a por b, com base na identidade da premissa e na
negação da conclusão. Uma vez que as frases de ambas as formas
lógicas são verdadeiras no mesmo mundo possível, é uma
aplicação válida da substituição de idênticos. O resultado, porém,
tem imenso impacto filosófico, pois era comum pressupor que uma
verdade só seria necessária caso fosse uma verdade lógica. Ora, se
este resultado estiver correcto, esse pressuposto filosófico é
logicamente falso: as identidades verdadeiras, como «Luís é
Camões», são necessárias, apesar de não serem verdades lógicas.
Uma maneira de rejeitar este resultado é negar que seja válido
aplicar a regra da substituição de idênticos a nomes próprios que
estejam no âmbito de operadores aléticos. Deste modo, na árvore
anterior rejeitar-se-ia a passagem de ◇¬(a = b) para ◇¬(a = a) com
base na identidade da segunda linha. Esta manobra não parece
razoável, porque também na lógica clássica se aplica a substituição
de idênticos deste modo irrestrito. Claro que esta regra não se
aplica irrestritamente em contextos opacos (secção 5.3): do facto de
uma pessoa saber que Camões é poeta não se conclui validamente
que ela sabe que Luís é poeta, apesar de se tratar da mesma
pessoa. Porém, pressupor desde o início que os contextos aléticos
são opacos é circular se não houver uma razão para o aceitar que
seja independente do pressuposto filosófico de que todas as
verdades necessárias são verdades lógicas. Se o conceito de
necessidade visado nas frases da forma □ A for genuinamente
alético, e não uma mera abreviatura de «verdade lógica» ou
«necessidade conceptual», não há razão para restringir a
substituição de idênticos, porque não há razão para considerar que
há opacidade neste contexto.
Dada a prova da necessidade da identidade, é razoável formular
a regra da substituição modal de idênticos de maneira mais
permissiva:

Substituição modal de idênticos

Dada uma identidade da forma a = b, em qualquer mundo


possível, é válido substituir qualquer um dos nomes pelo
outro em qualquer frase de qualquer mundo possível.

287
Esta formulação mais permissiva da regra permite provar a
necessidade da não-identidade:

¬(a = b) → □¬(a = b)

¬[¬(a = b) → □¬(a = b)]


¬(a = b)
¬□¬(a = b)
◇¬¬(a = b)
α-β
β {¬¬(a = b)}
β {a = b}
¬(a = a)

288
7.10 Âmbito
É comum afirmar que se um raciocínio for válido e tiver premissas
verdadeiras, a sua conclusão terá de ser verdadeira ou será
necessariamente verdadeira. Eis um caso recente:

Para um lógico, dizer que um argumento é válido é, pois,


dizer exactamente isto: se as premissas forem verdadeiras, a
conclusão tem também de ser verdadeira. (Shenefelt e White
2013: 3)

Contudo, basta um exemplo para ver que algo está errado nesta
afirmação:

Se Glass nasceu em Baltimore, nasceu nos EUA.


Ora, ele nasceu nessa cidade.
Logo, nasceu nos EUA.

Este raciocínio é válido e as suas premissas são verdadeiras,


mas a conclusão não tem de ser verdadeira: poderia ser falsa, se
ele pudesse não ter nascido nos EUA. Chama-se «deslize das
modalidades» ao erro aqui cometido na compreensão do conceito
de validade. O erro é confundir as seguintes duas condicionais
quando se define a validade:

1. A → □B
2. □(A → B)

A primeira é a forma lógica da frase «Se um argumento válido


tiver premissas verdadeiras, a sua conclusão será necessariamente
verdadeira». Esta frase é falsa porque as conclusões de muitos
argumentos válidos com premissas verdadeiras não são
necessariamente verdadeiras. A segunda é a forma lógica da frase
verdadeira «Necessariamente, se as premissas de um argumento

289
válido forem verdadeiras, a sua conclusão será verdadeira».
Acontece que esta maneira de falar é algo artificiosa; a primeira é
mais natural. Infelizmente, há entre ambas um abismo de diferença:
a primeira é falsa, a segunda verdadeira. Ter atenção ao âmbito dos
operadores modais é, pois, da máxima importância; sem isso, é a
compreensão do próprio conceito de validade que fica
comprometida.
Eis outro caso em que ter atenção ao âmbito dos operadores
modais é decisivo:

Pode-se, de forma concebível, dizer que os matemáticos são


necessariamente racionais e não necessariamente bípedes; e
que os ciclistas são necessariamente bípedes e não
necessariamente racionais. Mas o que dizer de um indivíduo
que conta entre as suas excentricidades tanto a matemática
como o ciclismo? É este indivíduo concreto necessariamente
racional e contingentemente bípede ou vice-versa? (Quine
1960: 253)

Quine acreditava que havia aqui uma contradição latente: caso


se aceite que os ciclistas são necessariamente bípedes mas não
necessariamente racionais, e os matemáticos vice-versa, a
conclusão contraditória é que um ciclista matemático particular seria
e não seria necessariamente bípede. Todavia, como entender
rigorosamente a frase «Os ciclistas são necessariamente bípedes»?
Qual é o âmbito adequado do operador de necessidade? Sem o
operador modal, a frase «Os ciclistas são bípedes» tem a seguinte
forma lógica, dada uma interpretação óbvia: ∀x (Fx → Gx). Caso se
insira o operador de necessidade onde ele parece ocorrer na língua
portuguesa, obtém-se ∀x (Fx → □Gx). Partindo desta leitura obtém-
se a contradição que Quine tem em mente.
Contudo, esta forma lógica não capta bem o que se tem em
mente quando se afirma que os ciclistas são necessariamente
bípedes. Pois certamente não se quer dizer que, dada uma pessoa
qualquer, se ela for ciclista, ela não poderia não ter sido bípede (no
sentido fraco de ter duas pernas, e não no sentido mais robusto de
pertencer a uma espécie biológica bípede). Certamente que uma

290
pessoa que é ciclista poderia não o ter sido, pois poderia ter nascido
sem pernas, caso em que não seria também bípede. Assim, para
captar bem a frase inicial, é preciso que o âmbito do operador de
necessidade seja longo: □ ∀x (Fx → Gx). Ou seja,
«Necessariamente, os ciclistas são bípedes». Esta interpretação é
mais razoável porque é compatível com a ideia de que uma pessoa
que é efectivamente ciclista e bípede poderia não ter sido bípede
nem ciclista. Nesta interpretação, porém, a contradição que Quine
tinha em mente não existe (Murcho 2002: 45–48).
Um terceiro caso em que é preciso ter atenção ao âmbito dos
operadores modais envolve descrições definidas. Considere-se a
frase «O compositor de Lux Aeterna não era surdo de nascença».
Usando uma interpretação óbvia, a sua forma lógica é a seguinte:

∃x [Fxa ⋀ ∀y [Fya → (y = x)] ⋀ ¬Gx]

Caso se queira agora dizer que ele não poderia ser surdo de
nascença, é fácil cair na ilusão de considerar que o âmbito do
operador modal é curto, como a língua portuguesa parece sugerir:

∃x [Fxa ⋀ ∀y [Fya → (y = x)] ⋀ ¬◇Gx]

Esta é a forma lógica da frase «O compositor de Lux Aeterna


não poderia ter sido surdo de nascença»; mas entendida
literalmente, a frase é falsa, pois Ligeti, que de facto compôs aquela
peça, poderia ter nascido surdo (ainda que nesse caso não a tivesse
composto). Assim, o que se pretende originalmente dizer tem a
seguinte forma lógica:

¬◇∃x [Fxa ⋀ ∀y [Fya → (y = x)] ⋀ Gx]

Ou seja, «Não é possível que alguém seja o compositor de Lux


Aeterna e ao mesmo tempo seja surdo de nascença». Acontece que
o que se pretende dizer em português se exprime mais
naturalmente de uma maneira que significa afinal outra coisa. A

291
lógica modal ajuda a ver que há uma diferença da máxima
importância no âmbito do operador de possibilidade.

292
7.11 Modalidades conceptuais
Considere-se um problema qualquer em aberto da matemática,
como a conjectura de Goldbach, originalmente formulada por
Christian Goldbach em 1742, não exactamente na forma actual:
todo o número inteiro par maior do que 2 é a soma de dois primos.
Não se sabe se é verdadeira, mas dada a natureza da matemática,
é razoável acreditar que ou é necessariamente verdadeira ou é
necessariamente falsa — é necessária em qualquer caso. Por isso,
sendo p a forma lógica da conjectura, parece razoável aceitar a
premissa da forma ◇ □ p: é possível que a conjectura seja
necessária. Mas então prova-se facilmente que a conjectura é
verdadeira, exclusivamente com base nessa premissa, desde que a
relação de acessibilidade entre mundos possíveis seja simétrica.
Deste modo, haveria uma maneira incrivelmente simples de provar
uma conjectura que tem escapado aos melhores matemáticos; mas
não há. Por isso, algo correu mal.
As modalidades aléticas são modos da própria verdade; não
dizem respeito ao modo como são conhecidas ou não. Isto contrasta
com as modalidades conceptuais, que dizem respeito ao que se
sabe ou não com base apenas nas condições de verdade; estas são
as modalidades semânticas do analítico e do sintético, e as
epistémicas do a priori e a posteriori. Assim, há um contraste
marcado entre a afirmação de que algo é possível no sentido
alético, por um lado, ou no conceptual, por outro. Se for possível, no
sentido alético, que a água não seja H 2O, isso diz respeito à própria
água: esta substância poderia realmente ter uma composição
química diferente da que efectivamente tem. Em contraste, a
afirmação de que é conceptualmente possível que a água não seja
H 2O quer apenas dizer que não se sabe por meios meramente
linguísticos ou a priori que é H 2O. Ora, a negação de operadores
epistémicos é neutralizadora: negar que se sabe que Glass é um
romancista nada permite inferir quanto a Glass; talvez seja
romancista, ou talvez não. Não saber que o é, é muitíssimo diferente
de saber que o não é — e a segunda não se infere validamente da

293
primeira. A inexistência de conhecimento é muito diferente de
conhecimento da inexistência, tal como a inexistência de prova é
muito diferente de prova de inexistência.
Precisamente porque o operador de possibilidade conceptual é
apenas a negação do operador epistémico de conhecimento
meramente conceptual, nada de substancial se infere validamente
dele; na verdade, o principal papel do operador de possibilidade
conceptual é bloquear inferências, e não sancioná-las. Assim,
usando um índice para marcar o operador de possibilidade
conceptual, torna-se evidente que qualquer raciocínio da forma
seguinte é inválido porque a necessidade não se infere validamente
da mera possibilidade conceptual de ser necessário:

◇ c □A
∴ □A X

A mera possibilidade conceptual de algo ser necessário só quer


dizer que não se sabe, por meios exclusivamente conceptuais, que
não é necessário; nada mais. E daí nada se infere validamente
quanto a ser realmente necessário ou não.
O diagnóstico do que correu mal no raciocínio que parte apenas
da possibilidade conceptual de a conjectura de Goldbach ser
necessária e conclui que é verdadeira é agora claro: sempre que se
parte da mera possibilidade conceptual seja do que for, nada de
substancial se infere validamente. A mera possibilidade conceptual
é muitíssimo fraca e contrasta fortemente com a necessidade
conceptual. Esta última tem muito mais poder inferencial; de frases
da forma □ c □A é razoável defender que se infere validamente □A. 2
Porém, as frases da forma ◇ c □ A bloqueiam qualquer inferência
substancial. Eis algumas formas inferenciais inválidas que envolvem
a modalidade conceptual:

◇ c □A
∴ □A

294
◇c □c A
∴ □c A

◇c A
∴ ◇A

□A
∴ □ c □A

Em contraste, os raciocínios das formas seguintes são válidos:

□ c □A
∴ □A

◇A
∴ ◇ c ◇A

□c A
∴ □c □c A

◇c ◇c A
∴ ◇c A

□c A
∴A

A
∴ ◇c A

Como se vê, na modalidade conceptual a relação de


acessibilidade é reflexiva e transitiva, mas não simétrica. Porém, só
é transitiva na ausência de operadores aléticos: os raciocínios que
concluem uma frase da forma ◇ A exclusivamente de ◇ c ◇ A são

295
inválidos, apesar de resultarem da transitividade da relação de
acessibilidade. Por último, note-se que os operadores epistémicos
são opacos, pelo que a regra da substituição de idênticos é inválida
nestes contextos. Consequentemente, as frases da forma (a = b) →
□ c (a = b) não são verdades lógicas: as identidades verdadeiras não
são todas conceptualmente necessárias, ainda que sejam todas
necessárias.

296
7.12 Argumento ontológico
Considere-se de novo o pensamento de Anselmo:

Se aquilo mais grandioso que o qual nada pode ser pensado


existisse apenas no entendimento, este mesmo ser mais
grandioso que o qual nada pode ser pensado seria algo mais
grandioso que o qual algo pode ser pensado. Mas isto é
obviamente impossível. Logo, não há dúvida de que aquilo
mais grandioso que o qual nada pode ser pensado existe
tanto no entendimento como na realidade. (Anselmo,
Proslogion II: 82)

Numa interpretação mais literal, não se vê onde está a


impossibilidade invocada, que, supostamente, é uma simples
contradição. Uma das frases centrais que Anselmo tem em mente
tem a forma lógica ◇∃x ∀y [¬(y = x) → Fxy]: é possível que exista
algo mais grandioso que tudo o resto. Ele parece acreditar que esta
frase produz uma contradição caso se combine com a afirmação de
que não existe essa entidade: ¬∃x ∀y [¬(y = x) → Fxy]. Porém, não
há aqui qualquer contradição, o que se prova fazendo uma árvore
com as duas formas lógicas. Para se gerar uma contradição, é
preciso mudar a premissa para que afirme a possibilidade de existir
algo necessariamente mais grandioso que tudo o resto: ◇∃x ∀y [¬(y
= x) → □ Fxy]. Esta é uma interpretação razoável do que Anselmo
parece ter em mente; mas será um raciocínio válido?

297
O raciocínio é falacioso porque a possibilidade inicial é
meramente conceptual. O ateu concede ao crente que, tanto quanto
se sabe, talvez exista algo que seja necessariamente mais
grandioso do que qualquer outra coisa. Uma vez que esta
possibilidade é meramente conceptual, o próprio mundo possível β
é meramente conceptual; por isso, é falacioso usar a regra da
substituição de idênticos no ramo da esquerda com base na
identidade β {b = a}. Esta identidade significa apenas, afinal, que
aquela identidade é conceptualmente possível; ora, de uma mera
possibilidade conceptual nada de substancial se conclui. Também é

298
conceptualmente possível que Glass seja Ligeti, mas é falacioso
com base nessa identidade hipotética concluir que Ligeti é norte-
americano porque Glass o é. Quanto ao ramo da direita, é também
falacioso inferir que uma frase é verdadeira com base
exclusivamente na possibilidade conceptual de ser necessária. Isto
porque dizer que é conceptualmente possível que a conjectura de
Goldbach seja necessariamente verdadeira, por exemplo, significa
apenas que não se sabe exclusivamente com base nas condições
de verdade que não o é; e daqui não se conclui validamente que é
verdadeira.
Eis duas outras tentativas de atribuir um raciocínio válido a
Anselmo. Parece razoável aceitar que Deus, caso exista, é um
existente necessário. Um existente necessário é algo que existe e
não poderia não ter existido. Isto contrasta com os existentes
contingentes, como os seres humanos ou os rios, caso possam não
ter existido. Deste modo, capta-se parcialmente a ideia de que Deus
é o mais excelso dos seres quanto à existência: excepto ele (e
talvez entidades platónicas como os números, se existirem), tudo o
mais existe contingentemente. Ora, parece razoável que o ateu
aceite a mera hipótese da existência de tal entidade; acontece
apenas, considera o ateu, que ela afinal não existe. Assim, o ateu
parece aceitar que Deus poderia existir necessariamente, mas
acrescenta que não existe. E é aqui que superficialmente Anselmo
parece ter razão: estas duas afirmações parecem contraditórias.
Especificando p a forma lógica da frase «Deus existe», a primeira
frase tem a forma ◇□p; a segunda tem apenas a forma lógica ¬p. E
as frases destas duas formas são realmente contraditórias em
algumas condições de verdade. Contudo, uma vez mais, o operador
de possibilidade aqui em questão é conceptual e não alético, pois o
ateu admite apenas que é conceptualmente possível, e não
realmente possível, que Deus exista necessariamente. Por isso, o
raciocínio é falacioso: o operador meramente conceptual de
possibilidade não permite inferir seja o que for de substancial. O
mesmo acontece, talvez ainda mais obviamente, numa terceira
interpretação do pensamento de Anselmo:

◇p

299
□p ⋁ □¬p
∴p

Esta forma de raciocínio, caso fosse válida, permitiria também


provar que a conjectura de Goldbach é verdadeira, partindo da sua
possibilidade conceptual e da ideia razoável de que a conjectura é
necessariamente verdadeira, se for verdadeira, ou necessariamente
falsa, se for falsa. O diagnóstico é o mesmo: da mera possibilidade
conceptual de uma frase da forma p ser verdadeira nada se conclui
validamente de substancial. No ramo da direita, a suposta
contradição em questão é ilusória: as frases da forma ◇ p
contradizem realmente as da forma □ ¬p — que, afinal, são
equivalentes à suas negações directas: ¬◇p. Porém, ◇ c p não é a
contraditória de ¬◇p; a falácia decorre precisamente de não se ter
especificado que a possibilidade em questão é meramente
conceptual. A questão é que não se sabe se Deus é aleticamente
possível, pois isso não se infere da sua possibilidade meramente
conceptual, tal como não se sabe se a conjectura de Goldbach é
aleticamente possível, ainda que seja possível no sentido

300
terrivelmente fraco de não se saber por meios puramente
conceptuais que é falsa.
Em suma, quando se afirma a possibilidade de algo é preciso ver
se acaso se quer dizer apenas que é conceptualmente possível; se
assim for, trata-se mais de um beco sem saída inferencial do que de
um bilhete gratuito para a conclusão desejada. A mera possibilidade
conceptual é apenas o que não se sabe conceptualmente, e do que
não se sabe há que fazer silêncio inferencial porque daí nada de
substancial se conclui validamente.

301
7.13 Condicionais
No pensamento europeu, deve-se a Aristóteles a primeira tentativa
de fazer uma lógica modal; mas apesar da marcada importância
filosófica dos conceitos modais aléticos, nomeadamente na filosofia
do próprio Aristóteles e ao longo da Idade Média, foi só a partir do
início do século , com o trabalho de C. I. Lewis, que se chegou às
bases que permitiram o seu desenvolvimento posterior. Uma das
motivações de Lewis para desenvolver os seus vários sistemas de
lógica modal foi a ideia de que a condicional clássica é inadequada.
Chama-se por vezes «paradoxos da implicação material» ao que é
apenas a falta de sintonia entre as condições de verdade intuitivas
de algumas condicionais e as da lógica clássica (não é um paradoxo
genuíno). A dificuldade resulta de ser muito comum usar
condicionais para afirmar uma conexão mais forte entre a
antecedente e a consequente do que a meramente verofuncional. A
lógica modal ajuda a esclarecer alguns destes casos.
Há dois tipos de condicionais que a lógica modal ajuda a
esclarecer. O primeiro diz respeito a condicionais que envolvem
relações conceptuais entre a antecedente e a consequente, como
«Se há igualdade, há justiça». Muitas condicionais filosóficas são
conceptuais neste sentido: não se pretende dizer apenas que ou
não há igualdade ou há justiça, mas antes que há uma ligação
conceptual entre a antecedente e a consequente. Assim, é mais
apropriado entender que a forma lógica daquela condicional é □ c (p
→ q) e não apenas p → q. É àquela condicional necessitada que se
chama «implicação formal» (p ⥽ q). Por vezes, porém, usa-se
apenas a seta comum, usando-se então a ferradura (p ⊃ q) para a
condicional clássica, a que se chama também «implicação
material». Não é comum usar o índice c na caixa porque raramente
se distingue a necessidade alética da conceptual.
Caso se entenda que a condicional «Se há igualdade, há justiça»
tem a forma p → q, o resultado é surpreendente: uma vez que não
há igualdade, a condicional seria vacuamente verdadeira porque a
antecedente é falsa; além disso, para negar aquela tese filosófica

302
seria preciso aceitar que há realmente igualdade, mas não há
justiça. De modo que aquela tese filosófica muitíssimo forte e
implausível seria insusceptível de refutação razoável. E isto
aconteceria com muitas outras condicionais filosóficas que
envolvem relações conceptuais, como «Se Deus não existe, a vida
não tem sentido», «Se a arte é imitação, a música pura não é arte»,
«Se tudo está determinado, não há livre-arbítrio», e tantas outras.
Caso se entenda que todas estas condicionais envolvem uma
ligação conceptual entre a antecedente e a consequente, a lógica
modal ajuda a compreender as suas condições de verdade: negar
«É conceptualmente necessário que se houver igualdade, há
justiça» é apenas afirmar a possibilidade conceptual de haver
igualdade sem justiça, o que não obriga a aceitar que há realmente
igualdade. Isto porque a negação de qualquer frase da forma □ c (p
→ q) tem a forma ◇ c (p ⋀ ¬q). Esta leitura das condicionais
conceptuais é, pois, esclarecedora, e alarga-se a quaisquer casos
em que se visa uma relação de necessidade conceptual entre a
antecedente e a consequente, ainda que inexplicitamente, o que é
muitíssimo comum.
O segundo tipo de condicionais que a lógica modal ajuda a
esclarecer são as contrafactuais. A lógica clássica só se aplica
adequadamente, na melhor das hipóteses, a condicionais
indicativas, e não a contrafactuais, que são condicionais nas quais
se pressupõe que a antecedente é falsa e se visa falar do que teria
acontecido caso fosse, ao invés, verdadeira. A condicional «Se
Glass nasceu em Lisboa, só há três galáxias» é gramaticalmente
enganadora porque superficialmente parece indicativa, mas é na
verdade, em contextos comuns, uma contrafactual, mais
rigorosamente expressa como «Se Glass tivesse nascido em
Lisboa, só haveria três galáxias», que já manifesta o pressuposto de
que ele não nasceu naquela cidade porque usa o modo subjuntivo.
Lidas como se fossem condicionais indicativas clássicas, todas as
contrafactuais são vacuamente verdadeiras porque a antecedente é
sempre falsa, o que não permite distinguir as verdadeiras das falsas:

1. Se Glass tivesse nascido em Lisboa, teria nascido em


Portugal.

303
2. Se Glass tivesse nascido em Lisboa, só haveria três
galáxias.

Acrescentar um operador de necessidade causal às


contrafactuais é esclarecedor porque se fica mais próximo do que se
pretende. A condicional 2 é falsa porque é causalmente possível
que Glass nasça em Lisboa apesar de não haver apenas três
galáxias. Mas a 1 é verdadeira porque não é causalmente possível
nascer em Lisboa sem nascer em Portugal.

304
7.14 O conceito epistémico de validade
Há diferentes maneiras de entender a validade; com respeito aos
aspectos matemáticos da lógica formal, não faz muita diferença
fazê-lo em termos de modelos, mundos possíveis, implicação ou de
outras maneiras (secção 1.6). Apesar disso, é um erro cair no
deslize das modalidades (secção 7.10), pois isso já trai uma
incompreensão da validade. Contudo, persiste a pergunta filosófica:
o que é, em rigor, a validade?
É importante começar por ver o que a validade não é. As
seguintes definições estão erradas:

Um raciocínio é válido sse se as premissas forem


verdadeiras, a conclusão também o será.
Um raciocínio é válido sse não tiver premissas
verdadeiras e conclusão falsa.

Estão erradas porque o raciocínio seguinte está de acordo com


ambas mas é inválido:

Glass é norte-americano.
Logo, Ligeti é austro-húngaro.

A condicional, só por si, tal como a conjunção, é insuficiente para


definir a validade. O que falta? É comum recorrer à necessidade,
mesmo sem dispor de qualquer estudo rigoroso deste conceito,
porque é natural considerar que o raciocínio anterior é inválido,
apesar de ter premissa e conclusão verdadeira, porque poderia ter
premissa verdadeira e conclusão falsa; se fosse válido, não poderia
ter tal coisa.
Nada há de obviamente errado com esta maneira de definir a
validade, até se dispor de um tratamento lógico profundo da
modalidade alética — e aí descobre-se que a definição está errada.
Antes de ver porquê, contudo, repare-se que as variações que
parecem evitar o pesado conceito de necessidade só

305
superficialmente o fazem; na realidade, limitam-se a disfarçá-lo.
Dizer que em nenhum modelo ou interpretação as premissas são
verdadeiras e a conclusão falsa limita-se a esconder a modalidade,
pois não se trata de falar dos modelos ou interpretações que os
lógicos e matemáticos realmente especificaram, mas das que
podem ser especificadas, ainda que efectivamente nunca venham a
sê-lo. Os raciocínios são válidos não quando não há efectivamente
modelos ou interpretações dessas, mas quando não pode haver tal
coisa.
A definição modal de validade está errada porque ao
desenvolver a própria lógica modal alética descobre-se que há
raciocínios inválidos que obedecem à definição, como o seguinte:

Luís é poeta.
Logo, Camões é poeta.

Este raciocínio é inválido, mas é aleticamente impossível a


premissa ser verdadeira e a conclusão falsa. Porém, é
conceptualmente possível a premissa ser verdadeira e a conclusão
falsa, e é por isso que é inválido. Isto significa que a definição modal
de validade, que surge desde a fundação da lógica, com
Aristóteles 3, é ambígua entre duas interpretações que só com os
próprios desenvolvimentos recentes da lógica modal e da filosofia
da modalidade se tornaram visíveis.
A interpretação errada é a alética; é falso que um raciocínio seja
válido sse for aleticamente impossível ter premissas verdadeiras e
conclusão falsa. A correcta é a conceptual porque apesar de ser
aleticamente impossível que Camões não seja poeta caso Luís o
seja, isso é conceptualmente possível. Porém, esta maneira de
entender a validade obriga a compreender muito bem o que é a
modalidade conceptual. Ora, esta diz respeito apenas ao que se
sabe exclusivamente com base nas condições de verdade — diz
respeito à modalidade semântica do analítico ou à epistémica do a
priori. Consequentemente, o entendimento filosoficamente mais
rigoroso de validade é o epistémico: um raciocínio é válido sse com
base apenas nas condições de verdade se sabe que não tem
premissas verdadeiras e conclusão falsa.

306
Este entendimento da validade é neutro quanto à questão
filosófica substancial da existência ou não de modalidades
genuinamente aléticas. Talvez todas as verdades sejam em si
apenas verdadeiras, sem quaisquer diferenças aléticas entre si;
talvez as diferenças sejam apenas quanto ao modo como são
conhecidas. Ou talvez não; talvez pelo menos algumas verdades
tenham realmente modos, sendo em si contingentes ou necessárias.
Em qualquer caso, a modalidade alética não é suficiente nem
necessária para definir bem o conceito de validade. Além disso,
qualquer entendimento adequado da validade irá incluir uma
componente epistémica. Consequentemente, parece razoável defini-
la em termos exclusivamente epistémicos.
O entendimento epistémico da validade é também neutro quanto
à questão de saber se o mundo tem ou não algo como uma
estrutura lógica. As verdades lógicas são por vezes entendidas
como uma espécie de leis da natureza, mas ainda mais gerais do
que as leis da física ou da biologia; deste ponto de vista, o mundo
teria como que uma estrutura lógica. Eis uma passagem de Russell
que aponta nesta direcção:

A crença na lei da contradição é uma crença sobre coisas, e


não sobre pensamentos. Não é, por exemplo, a crença de
que se pensamos que uma certa árvore é uma faia, não
podemos ao mesmo tempo pensar que não é uma faia; é a
crença de que se a árvore é uma faia, não pode ao mesmo
tempo não ser uma faia. (Russell 1912: 148)

Como se viu (secção 2.16), dado um mundo com árvores que


são realmente faias e agentes com linguagens desenvolvidas, isso é
suficiente para explicar por que razão é uma verdade lógica que
uma certa árvore é uma faia ou não: é que se a árvore o for, a frase
é verdadeira porque a primeira disjunta é verdadeira; e se não o for,
a frase é à mesma verdadeira porque a segunda disjunta será
verdadeira. Não é preciso imaginar que há algo na árvore que a faz
ser uma faia ou não. O que a faz ser uma faia, se o for, é suficiente
para explicar aquela verdade lógica; e o que a faz não ser uma faia,
se acaso não o for, é também suficiente para explicá-lo — em

307
ambos os casos, desde que se inclua na explicação agentes que
conheçam as condições de verdade de linguagens com a semântica
relevante.

308
7.15 Exercícios

1. Faça uma lista dos conceitos fundamentais deste capítulo,


e explique-os.
2. Estipule uma interpretação e represente a forma lógica
das frases seguintes: 1) Se fosse necessária a existência
do bem, não seria possível a existência do mal. 2) É
possível que Maugham esteja enganado, mas não é
necessário. 3) Os matemáticos não são necessariamente
bípedes, mas são necessariamente racionais. 4) Não só é
necessário que existam triângulos, como é necessário que
seja necessário.
3. Exprima frases equivalentes às seguintes sem usar a
linguagem dos mundos possíveis nem termos como
«necessário» ou «possível»: 1) Não é necessário que
Aristófanes tenha nascido em Atenas. 2) Não é
necessário que a vida não tenha sentido. 3) É possível
que o livre-arbítrio não seja uma ilusão. 4) É impossível
que um argumento válido tenha premissas verdadeiras e
conclusão falsa. 5) A existência da arte é contingente. 6)
Não é possível que Picasso não tenha razão. 7) É
possível ir a Marte.
4. Exprima frases equivalentes às expressas de seguida
usando a linguagem dos mundos possíveis: 1) Não é
necessário que Aristófanes tenha nascido em Atenas. 2)
Não é necessário que a vida não tenha sentido. 3) É
possível que o livre-arbítrio não seja uma ilusão. 4) É
impossível que um argumento válido tenha premissas
verdadeiras e conclusão falsa. 5) A existência da arte é
contingente. 6) Não é possível que Orwell não tenha
razão. 7) É possível ir a Marte.
5. Prove a validade ou invalidade dos raciocínios modais
com as seguintes formas: 1) q ∴ ¬□¬p → ◇p. 2) □q ∴ □(p
→ p). 3) □¬(p → p) ∴ □q. 4) □(p → q), ◇(q ⇄ r) ∴ ◇(p →

309
r). 5) ◇(p → q), ◇(q ⇄ r) ∴ ◇(p → r). 6) ◇(p ⋀ q) ∴ ◇p. 7)
(◇p ⇄ □q) ∴ (p ⋁ ¬q). 8) ◇p → □◇p ∴ p → ◇p.
6. Usando regras de extensão, prove a validade ou
invalidade dos raciocínios modais com as seguintes
formas: 1) ◇p ∴ ◇◇p. 2) □p ∴ ◇□p. 3) □p ∴ ◇◇p. 4) p ∴
□◇□◇p. 5) □¬(p → p) ∴ □◇q. 6) p ∴ ◇(q → q). 7) □p → p,
p → ◇p ∴ □p → ◇p. 8) ◇p → □◇p ∴ p → ◇p.
7. Usando regras de extensão, determine se todas as frases
das seguintes formas são verdades lógicas ou não: 1)
□◇◇p ⇄ ◇◇□p. 2) □□□p ⇄ □p. 3) ◇◇◇p ⇄ p.
8. Prove a validade ou invalidade dos raciocínios modais
com as seguintes formas: 1) □∀x (Fx → Gx), Fa ∴ □Ga. 2)
∀x (Fx → □Gx), Fa ∴ □Ga. 3) ¬◇Fa, ∀x Fx ∴ Gb. 4) ◇Gb ∴
□(Fa ⋁ ¬Fa). 5) a = b, Fa ∴ □Fb. 6) a = b, Fa ∴ ◇Fb.
9. Determine se as frases das seguintes formas são
verdades lógicas ou não: 1) (◇∃x Fx → ∃x ◇Fx) ⇄ (∀x
□¬Fx → □∀x ¬Fx). 2) □(◇∃x Fx → ∃x ◇Fx). 3) □(∀x □Fx
→ □∀x Fx). 4) ◇∃x (x = a) → ∃x ◇(x = a). 5) □∃x (x = a).
6) □∀x (x = x). 7) □(∀x Fx → ∃x Fx). 8) □[(a = b) → □(a =
b)]. 9) ◇Fa → ∃x [(x = a) ⋀ Fx].

310
8

311
ALÉM DA LINGUAGEM

No raciocínio dedutivo trata-se sempre de tentar concluir tendo por


base exclusivamente o conhecimento linguístico — o conhecimento
das condições de verdade das frases do raciocínio. Porém, nem
todo o raciocínio dedutivo é abordado na lógica formal. Na lógica
clássica, por exemplo, estuda-se apenas a dedução que depende
exclusivamente das condições de verdade dos operadores
verofuncionais (capítulos 2 e 3), da quantificação (capítulo 4) e da
identidade (capítulo 5); e nas lógicas modais, desenvolvidas como
extensões da lógica clássica, acrescenta-se os operadores aléticos
de necessidade e possibilidade (capítulo 7). Outras lógicas, como as
temporais ou as deônticas, abordam raciocínios dedutivos que
dependem das condições de verdade de outros elementos da
linguagem, como os operadores de temporalidade ou de
obrigatoriedade e permissibilidade. E muitas lógicas desviantes
afastam-se da lógica clássica para procurar incluir aspectos das
condições de verdade que esta lógica não abrange, como
hipotéticas asserções sem valor de verdade (lógicas intuicionistas)
ou simultaneamente verdadeiras e falsas (lógicas paraconsistentes).
Por outro lado, muitos raciocínios dedutivos não parecem
suficientemente interessantes para merecer o desenvolvimento de
uma lógica, como os que dependem dos conceitos de cor («Se a
parede é completamente azul, não é verde») ou de estatuto civil
(«Se Le Guin é casada, não é solteira»).
Porém, nem todo o raciocínio se baseia exclusivamente nas
condições de verdade. A parte dedutiva do raciocínio é apenas a
que mais obviamente permite o desenvolvimento e aplicação de
instrumentos matemáticos, mas daqui não se conclui cogentemente
que é a parte mais importante do raciocínio. Cedo ou tarde torna-se
manifesta a importância do raciocínio que vai além da linguagem —
ou seja, que não depende exclusivamente do conhecimento das
condições de verdade, mas também do conhecimento da realidade
extralinguística. Este raciocínio é responsável pelos impressionantes
desenvolvimentos das ciências empíricas — da física à biologia, da
astronomia à psicologia cognitiva — mas também pelo

312
conhecimento da vida quotidiana. Em todos estes casos, o
raciocínio indutivo desempenha um papel fundamental, em íntima
interacção com o dedutivo. São alguns dos seus aspectos mais
importantes e desejavelmente orientadores que se abordam
brevemente neste capítulo.

313
8.1 Indução
Quando as premissas apoiam dedutivamente uma conclusão, sabe-
se com base apenas nas condições de verdade que as primeiras
não são verdadeiras e a última falsa. Em contraste, quando o apoio
é indutivo, sabe-se apenas que isso é improvável; acresce que se
sabe disto com base no conhecimento extralinguístico e não com
base apenas no conhecimento das condições de verdade. Porque o
caso dedutivo é tão diferente do indutivo, o termo «validade» será
usado no primeiro e «apoio indutivo» no segundo (alguns autores
chamam-lhe «validade indutiva»). Eis então uma definição
adequada: as premissas de um raciocínio dão apoio indutivo à
conclusão sse, apesar de não a implicarem, se sabe, com base
nelas e no conhecimento extralinguístico, que é improvável que as
primeiras sejam verdadeiras e a segunda falsa. Note-se que a
possibilidade conceptual de as premissas serem verdadeiras e a
conclusão falsa está sempre presente no raciocínio indutivo, mas
não implica que tal coisa seja possível. Se a água for
necessariamente H 2O, não é possível que as premissas da indução
que conclui que a água tem aquela composição química sejam
verdadeiras e a conclusão falsa, ainda que isso seja
conceptualmente possível.
Porque o apoio indutivo não se decide tendo exclusivamente em
consideração as condições de verdade, é sempre conceptualmente
possível que surjam informações que mostrem que, ao contrário do
que se considerava, não é improvável que as premissas sejam
verdadeiras e a conclusão falsa. É isto que significa dizer que o
apoio indutivo é derrotável ou não-monotónico: novas informações
cancelam-no por vezes. Isto contrasta fortemente com a validade,
que é monotónica: acrescentar premissas não a cancela. Desde que
um raciocínio seja válido, nenhumas premissas que se acrescentem
cancelam a validade. Este aspecto é nítido no seguinte exemplo:

Glass lançou um dado com seis lados.


Logo, a probabilidade de sair 3 é 1/6 = 0,16.

314
A premissa apoia indutivamente a conclusão, mas o raciocínio
não é válido porque não se sabe com base apenas nas condições
de verdade que não tem premissa verdadeira e conclusão falsa;
talvez aquele dado seja controlado à distância por extraterrestres
que impedem que saia 3. Na indução desconsidera-se estas e
outras possibilidades conceptuais; o que se tem crucialmente em
consideração são as condições extralinguísticas relevantes, e não
apenas as condições de verdade. Porém, se ocorrer o que se
considerava erradamente que era uma mera possibilidade
conceptual, o apoio indutivo é cancelado ou enfraquecido, apesar de
as premissas não serem disputadas. E, claro, nem todas as
possibilidades conceptuais são assim tão extravagantes; talvez
Glass tenha comprado um dado viciado. Acrescentar a premissa «O
dado está viciado» ao raciocínio anterior cancela o apoio indutivo.
Outro aspecto em que o apoio indutivo difere da validade é que o
primeiro tem graus, mas a segunda não. Nenhum raciocínio é «mais
válido» que qualquer outro; ou é válido ou não. No caso do apoio
indutivo, porém, alguns raciocínios são mais fortes que outros,
porque é uma questão de ser mais ou menos improvável que as
premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa. Contraste-se o
exemplo anterior com o seguinte:

Glass lançou cem vezes um dado com seis lados.


Saiu catorze vezes 3.
Logo, a probabilidade de lhe voltar a sair 3 na próxima vez
que o lançar é 0,16.

Esta indução é mais forte do que a do primeiro exemplo porque


as premissas minimizam a hipótese de o dado estar viciado. Não é
válido, porém, porque não se sabe com base apenas nas condições
de verdade que não tem premissas verdadeiras e conclusão falsa: é
conceptualmente possível que os tais extraterrestres tenham
decidido intervir só na centésima primeira jogada, pelo que a
probabilidade de lhe sair então 3 é 0 e não 0,16. Note-se que não é
de esperar que saia dezasseis vezes 3 quando se lança cem vezes
um dado não-viciado; o que é de esperar é que quantos mais
lançamentos se fizer, mais o número de vezes que sai 3 se

315
aproxime de 16%. Para ver por que razão isto é assim basta pensar
que caso se lance um dado seis vezes não é de esperar que em
cada lançamento saia um número diferente — e só se isso
acontecesse é que em cem lançamentos cada número sairia
dezasseis vezes.
Alguns raciocínios indutivos não dão qualquer apoio às
conclusões, caso em que são piores que fracos: são totalmente
inadequados. Veja-se o seguinte exemplo:

Há dez bolas numa caixa fechada.


Por uma abertura, foram retiradas nove bolas pretas.
Logo, há uma probabilidade elevada de a bola restante ser
preta.

Sem outras informações de fundo relevantes, estas premissas


não dão qualquer apoio indutivo à conclusão. Talvez seja uma caixa
de um jogo só com bolas pretas; nesse caso, a conclusão é
verdadeira. Mas talvez seja um jogo com uma bola verde; nesse
caso, a conclusão é falsa. Sem informação adicional, aquelas
premissas são insuficientes para dar apoio indutivo à conclusão.
Este exemplo mostra a importância de distinguir as expectativas
indutivas da indução cogente. As expectativas indutivas são
reacções intuitivas ou instintivas que as pessoas e outros animais
têm perante algumas repetições constantes. Na melhor das
hipóteses, é razoável usá-las como pontos de partida provisórios
para tentar descobrir induções cogentes; não são de modo algum
pontos de chegada de qualquer raciocínio indutivo cogente. Daí o
célebre exemplo da galinha de Russell:

Os animais domésticos ficam à espera de comida quando


vêem a pessoa que habitualmente os alimenta. Sabemos que
estas expectativas de uniformidade algo grosseiras estão
sujeitas ao engano. O homem que alimentou a galinha todos
os dias ao longo da sua vida finalmente torce-lhe o pescoço,
mostrando que teriam sido úteis à galinha perspectivas mais
aprimoradas quanto à uniformidade da natureza.

316
Mas apesar do carácter enganador de tais expectativas,
elas existem. O mero facto de que algo aconteceu um certo
número de vezes é causa da expectativa de animais e
homens de que irá acontecer outra vez. Assim, os nossos
instintos certamente que causam em nós a crença de que o
Sol irá nascer amanhã, mas podemos não estar em melhor
posição do que a galinha cujo pescoço é inesperadamente
torcido. Temos, portanto, de distinguir o facto de as
uniformidades do passado causarem expectativas quanto ao
futuro, da questão de saber se há algum fundamento
razoável para dar peso a tais expectativas depois de a
questão da sua validade [ou seja, do apoio indutivo] ter sido
levantada. (Russell 1912: 122)

Assim, é muitíssimo importante não confundir as expectativas


indutivas com a indução cogente. Justificar esta última não é uma
questão de justificar o injustificável, que são essas expectativas em
que as premissas não dão qualquer apoio indutivo à conclusão,
ainda que irreflectidamente pareça que o fazem. Qualquer tentativa
de justificar o raciocínio indutivo está condenada à partida se não
começar por distinguir induções cogentes de meras expectativas;
seria como tentar justificar a dedução sem começar por distinguir os
raciocínios válidos dos inválidos que parecem válidos.
A galinha de Russell e a caixa com dez bolas ilustram também a
importância de não pressupor duas ideias falsas: que o mundo é
uniforme e que a indução é só uma questão de encontrar essas
uniformidades. Na verdade, o mundo não é uniforme em qualquer
sentido simplista; várias coisas que acontecem repetidamente ao
longo de dias, anos, séculos ou milénios, deixam de acontecer. O
apoio indutivo não é uma questão de provar que o mundo é
uniforme, pois já se sabe que não é, mas de provar uma
uniformidade específica; e não depende da premissa de que o
mundo é uniforme, não só porque se sabe que o não é, mas
também porque essa premissa é tão genérica que não permitiria
distinguir as induções cogentes das que o não são. Veja-se o
seguinte caso:

317
Todos os corvos observados até hoje são pretos.
Logo, todos os corvos são pretos.

Tal como no exemplo da caixa e da galinha, a primeira reacção


talvez seja considerar que a premissa apoia indutivamente a
conclusão. Mas isto é uma ilusão. Também é verdadeiro que todos
os corvos observados até hoje nasceram antes do ano 2050, mas
isso não dá apoio indutivo à conclusão de que todos irão nascer
antes desse ano; e o Sol sempre nasceu até hoje, mas isso também
não dá apoio indutivo à conclusão de que irá nascer sempre. E caso
se acrescente a premissa (falsa) de que o mundo é uniforme, não se
consegue explicar o que se fez de errado ao concluir que todos os
corvos irão nascer antes do ano 2050 ou que o Sol irá nascer
sempre.
Qualquer raciocínio como o dos corvos só se aproxima da
cogência quando se explicita algumas informações de fundo
cruciais. Neste caso, trata-se da ideia de que a cor das aves, e dos
animais e plantas em geral, é parcialmente uniforme — não é
realmente uniforme porque há variações e casos raros, como
animais albinos, além de a cor variar em algumas espécies, como
nos gatos e cães. Daí que a conclusão apropriada, caso todos os
corvos observados fossem realmente pretos (o que é falso porque o
Corvus albus tem peito branco), não seria que todos os corvos são
pretos, mas que quase todos o são. A indução não é monotónica, e
levar a sério este aspecto obriga a dar muita atenção à informação
de fundo. Ver vários corvos pretos e concluir imediatamente que
todos são pretos é uma péssima indução, semelhante ao exemplo
anterior da caixa com dez bolas em que se conclui que a próxima
bola que se retirar será preta. Talvez estas más induções sejam
reacções instintivas, como o caso da galinha de Russell, mas não
são cogentes — seja porque carecem de informação relevante de
fundo, seja porque são incompatíveis com ela.
Finalmente, note-se que é enganador comparar deduções
simples como o modus ponens, em que se sabe directamente que é
válido, com induções difíceis, que exigem informação de fundo
substancial. A comparação adequada e iluminante é com deduções
difíceis, as quais não se sabe directamente que são válidas. Nestes

318
casos, é preciso recorrer a instrumentos lógicos como as derivações
ou as árvores de verdade, e agora as coisas são mais parecidas
com as induções em que se recorre também a muitas informações.
Nos dois casos há circularidade, mas, caso os raciocínios sejam
cogentes, não é viciosa. Prova-se que uma dedução complexa é
válida recorrendo a outras deduções que se pressupõe serem
válidas e prova-se que as premissas apoiam indutivamente uma
conclusão recorrendo a outras informações obtidas por indução que
se pressupõe serem verdadeiras. Claro que no caso dedutivo, mas
não no indutivo, o raciocínio é monotónico, e o conhecimento
meramente linguístico é suficiente; mas estas diferenças não
implicam que num caso há justificação adequada e no outro não, a
menos que se pressuponha arbitrariamente que só as justificações
inteiramente linguísticas são adequadas.
Eis então as quatro diferenças mencionadas entre a validade e o
apoio indutivo: em primeiro lugar, a validade estabelece-se
exclusivamente por meios linguísticos; em contraste, o apoio
indutivo exige, além disso, informação de fundo extralinguística. Em
segundo lugar, na validade sabe-se que o raciocínio não tem
premissas verdadeiras e conclusão falsa; em contraste, no apoio
indutivo sabe-se apenas que isso é improvável. Em terceiro lugar, a
validade é monotónica, mas o apoio indutivo não. Por último, a
validade não tem graus, mas o apoio indutivo é mais ou menos
forte.
Há dois tipos principais de induções, no sentido mais imediato
deste termo: as generalizações e as previsões. Numa generalização
conclui-se que todas as porções de água são H 2O, mas só foram
observadas algumas; numa previsão, que a próxima porção que se
analisar será também H 2O. Algumas previsões dizem respeito ao
passado (são retroprevisões), como quando se prevê que um
cometa provocou a extinção dos dinossauros. Há outros tipos de
raciocínios não-dedutivos que não são obviamente induções, como
os argumentos de autoridade. Apesar disso, é razoável considerar
que todos dependem crucialmente da indução.

319
8.2 Probabilidades
No âmago da indução está o raciocínio probabilístico. Mesmo nos
casos em que não tem aplicação directa e simples, este tipo de
raciocínio é um modelo da indução cogente. Eis alguns dos
elementos mais simples e iniciais deste tipo de raciocínio.
Escreve-se P(A) = 1 para indicar que a probabilidade de uma
dada frase A ser verdadeira é 1. As probabilidades situam-se entre
zero e 1: 0 ≤ P(A) ≤ 1. As verdades lógicas têm probabilidade 1, e as
falsidades lógicas zero. O complemento de uma probabilidade é a
sua negação e calcula-se facilmente: P(¬A) = 1 – P(A). Caso a
probabilidade de A seja 0,4, a probabilidade de ¬A é 0,6. E o
complemento da probabilidade 1 é zero, evidentemente, e vice-
versa. Como se vê, infere-se validamente a probabilidade de ¬A da
de A e vice-versa. Porém, em vez de se ter apenas que as frases da
forma ¬A são verdadeiras sse as da forma A forem falsas, como na
lógica clássica, tem-se um valor numérico entre zero e 1.
O cálculo de probabilidades ajuda a compreender o conceito de
apoio indutivo: quanto mais as premissas apoiam indutivamente
uma conclusão, maior é a probabilidade condicional de a conclusão
ser verdadeira se as premissas o forem também. Escreve-se então
P(B|A) para exprimir a ideia da probabilidade condicional de a
conclusão B ser verdadeira dadas as premissas A. No caso da
validade, esta probabilidade é 1. Consequentemente, dado o
conceito probabilístico de complemento, a probabilidade de a
conclusão de um raciocínio válido ser falsa se as premissas forem
verdadeiras é zero: P(¬B|A) = 0. Em contraste, quando as
premissas não implicam a conclusão mas a apoiam indutivamente, a
probabilidade condicional de esta ser falsa caso aquelas sejam
verdadeiras é baixa, mas não é zero. Note-se que há uma
probabilidade elevada de a conclusão «Nenhum objecto é mais
pesado que ele próprio» ser verdadeira caso a premissa «Glass é
norte-americano» seja verdadeira, mas não se diria que esta
premissa apoia indutivamente aquela conclusão. A probabilidade é
elevada apenas porque a conclusão é uma verdade lógica, e estas
têm probabilidade 1. Porém, qualquer raciocínio que tenha uma

320
verdade lógica como conclusão é válido, ainda que vacuamente,
pelo que não é indutivo. As premissas de um raciocínio só apoiam
indutivamente uma conclusão caso não a impliquem.
Antes de voltar ao conceito crucial de probabilidade condicional
urge esclarecer a disjunção e a conjunção de probabilidades. Estas
são muito simples quando são exclusivas e independentes. Duas ou
mais probabilidades são mutuamente exclusivas sse a probabilidade
de ocorrerem simultaneamente for zero. A probabilidade de sair 1 e
a de sair 2 num mesmo lançamento de um dado são mutuamente
exclusivas se a probabilidade de sair os dois resultados for zero.
Quando duas ou mais probabilidades são mutuamente exclusivas, a
probabilidade da sua disjunção resulta da sua soma simples:

P(A ⋁ B) = P(A) + P(B)

A probabilidade de sair 1 ou 2 num só lançamento de um dado


com seis lados mutuamente exclusivos é a probabilidade da soma
das probabilidades individuais: 1/6 + 1/6 = 2/6 = 0,33. De notar que,
dada a idempotência, as frases da forma A ⋁ A são equivalentes às
da forma A, pelo que a probabilidade de sair caras ou coroas ou
coroas ou caras ao lançar uma moeda com duas faces mutuamente
exclusivas não é, evidentemente, 1/2 + 1/2 + 1/2 + 1/2 = 4/2 = 2,
mas antes 1/2 + 1/2 = 1. É de importância capital não perder de
vista a idempotência também no caso da conjunção, que é muito
simples caso as probabilidades sejam independentes. Duas ou mais
probabilidades são independentes sse não interferem entre si. O
conceito de probabilidades independentes difere do de
probabilidades exclusivas. Quando duas probabilidades são
exclusivas, não são independentes, porque interferem uma com a
outra de um modo especial: a probabilidade de ambas ocorrerem é
zero. Porém, há outras maneiras de uma probabilidade interferir
com a outra. A probabilidade de sair 3 num dado é 1/6, e a de sair
ímpar é 3/6 = 1/2. Mas as duas interferem entre si porque caso não
saia ímpar, também não sai 3. Porém, não se trata de
probabilidades exclusivas, pois quando sai 3 também sai ímpar.
Quando se lança duas ou mais vezes um dado, ou vários dados
simultaneamente, a probabilidade de sair 1 é independente da de

321
sair 2. Por isso, a probabilidade da conjunção — sair 1 e 2 —
obtém-se por simples multiplicação: 1/6 × 1/6 = 1/36 = 0,028 (valor
arredondado). Assim, em geral, a conjunção de probabilidades
independentes resulta da sua multiplicação:

P(A ⋀ B) = P(A) × P(B)

Como se vê, a conjunção de quaisquer duas ou mais


probabilidades independentes é inferior à probabilidade de cada
uma delas separadamente. A probabilidade de lançar um dado seis
vezes e sair sempre 3 é inferior à probabilidade de lançá-lo uma só
vez e sair 3. Isto significa que a probabilidade de ser compositor e
alemão é inferior à probabilidade de ser compositor (caso sejam
probabilidades independentes). Quando não se atende a este
aspecto comete-se o seguinte erro:

Em 2017 estavam matriculadas pela primeira vez no ensino


superior português 113 927 pessoas. 1 Nesse mesmo ano, a
população de residentes em território português era de dez
milhões de pessoas. A Daniela e a Joana são portuguesas.
Logo, a probabilidade de estarem matriculadas no ensino
público é de 113 927/10 000 000 = 0,0113927.

As premissas deste raciocínio não apoiam indutivamente a


conclusão. A probabilidade de cada uma estar matriculada é
realmente 0,011 (arredondando o valor); porém, a probabilidade de
ambas o estarem é muito inferior: 0,0113927 × 0,0113927 = 0,0001
(arredondando o valor).
Quando as probabilidades não são exclusivas e independentes,
as suas disjunções e conjunções são menos óbvias. Quando A e B
não são independentes, a conjunção das suas probabilidades inclui
a probabilidade condicional:

P(A ⋀ B) = P(A) × P(B|A)

322
Como se vê, trata-se de multiplicar a probabilidade de A pela
probabilidade condicional de B dado A. Assim, para calcular a
probabilidade de sair ímpar e 3 num lançamento multiplica-se a
primeira, 0,5, pela probabilidade condicional de sair 3 caso saia
ímpar. Esta última é 1/3 = 0,333, porque num dado só há três
números ímpares. A multiplicação de ambas é 0,166. Assim, neste
caso simples, a probabilidade conjunta de sair ímpar e 3 num
lançamento é simplesmente a probabilidade da menor das duas
probabilidades, que é a de sair 3.
Para ver outro caso, imagine-se que num saco há dez bolas,
numeradas de 1 a 10. Só as bolas 3, 5, 7, 9 e 10 são brancas. Qual
é a probabilidade de sair uma bola branca par, caso se retire uma
delas cegamente? A probabilidade de sair branca é 5/10 = 0,5. A
probabilidade condicional de sair uma bola par caso seja branca é
de apenas 1/5 = 0,2. Consequentemente, P(branca ⋀ par) = 0,5 ×
0,2 = 0,1.
Quanto à disjunção de probabilidades não-exclusivas calcula-se
do seguinte modo:

P(A ⋁ B) = [P(A) + P(B)] – [P(A ⋀ B)]

A probabilidade de sair ímpar ou 3 num lançamento de um dado


resulta de subtrair da sua soma a conjunção de ambas. A
probabilidade de sair ímpar é 0,5, e a de sair 3 é 0,166. A soma de
ambas é 0,666. Resta agora subtrair a conjunção de ambas, que já
foi calculada e é 0,166. O resultado final é de novo 0,5. Neste caso
simples, a probabilidade de sair ímpar ou 3 é apenas a
probabilidade maior, que é a de sair ímpar.
Voltando ao caso das bolas, qual é a probabilidade de retirar
uma delas cegamente e sair uma bola branca ou par? A
probabilidade de sair branca é 0,5, tal como a de sair par; a soma de
ambas é 1. Daqui subtrai-se então a conjunção já calculada de sair
branca e par (0,1), o que tem como resultado 0,9 (como seria de
esperar, esta é exactamente a probabilidade complementar de sair a
bola 1, que é a única que não é par nem branca).
São as probabilidades condicionais que se revelaram
particularmente profícuas. Para calcular a probabilidade condicional

323
de B dado A, divide-se a probabilidade da conjunção de ambas pela
probabilidade da segunda (pressupondo que esta é maior do que
zero, pois não se divide por zero — mas nesse caso é evidente que
a probabilidade condicional será vacuamente zero):

Dado que a conjunção de probabilidades independentes é


apenas uma multiplicação, obtém-se o seguinte:

Porque a probabilidade de A no numerador e denominador se


cancelam, a probabilidade condicional de B dado A, quando são
independentes, é simplesmente a probabilidade de B. A
probabilidade de Glass estar em Paris se Ligeti estiver em Roma é
simplesmente a probabilidade de o primeiro estar em Paris caso a
segunda probabilidade não interferira com a primeira.
É quando as probabilidades não são independentes que se
aplica o teorema de Bayes 2, que se tem revelado profícuo em várias
áreas, sobretudo mais recentemente. Numa versão simples, é o
seguinte:

No denominador soma-se dois produtos. O primeiro é apenas o


mesmo produto do numerador. O segundo inclui a probabilidade
complementar de B e a probabilidade condicional de A dado ¬B. À

324
probabilidade de A chama-se «prévia» ou «a priori», «anterior» ou
«inicial», e à probabilidade de B chama-se «posterior»; a ideia é
determinar qual é a probabilidade posterior dada a anterior.
A aplicação e o alcance do teorema de Bayes torna-se mais
visível com um exemplo. Imagine-se que Ligeti fez um exame
médico para ver se tem uma dada doença. O resultado do exame foi
positivo, mas sabe-se que erra em 10% dos casos porque dá falsos
positivos, ainda que nunca falhe em revelar quem tem a doença.
Face apenas ao exame, a probabilidade de ter aquela doença é,
pois, de 0,9. Por outro lado, as estatísticas mostram que só uma
pessoa em cada cinco mil tem aquela doença. Há razões para ficar
assustado com o resultado do exame, uma vez que é fidedigno em
90% dos casos? O erro aqui a evitar é pensar que a probabilidade
de ter aquela doença é de 0,9. O teorema de Bayes permite
determinar qual é exactamente a probabilidade posterior ao exame
de ele ter aquela doença, dada a probabilidade anterior:

325
A probabilidade anterior, P(B), dadas as estatísticas, é 0,0002. A
probabilidade de o resultado do exame ser positivo caso ele tenha a
doença é 1, porque o exame nunca erra se a pessoa tiver a doença
— apenas por vezes indica falsamente que a tem. Isto significa que
o numerador e o primeiro membro da soma que constitui o
denominador é 0,0002: a simples probabilidade de ter aquela
doença. Falta apenas calcular o segundo membro da soma que
constitui o denominador: P(¬B) × P(A|¬B). O primeiro factor é o
complemento da probabilidade anterior de ter a doença, ou seja 1 –
0,0002 = 0,9998. O segundo é a probabilidade de o exame dar
positivo quando a pessoa não tem a doença. Porque o exame é
fidedigno em 90% dos casos, 10% das pessoas que o fazem e dá
positivo não têm a doença — ou seja, a probabilidade de o exame
dar positivo caso a pessoa não tenha a doença é 0,1. Ora, 0,9998 ×
0,1 = 0,09998. Somar este valor com 0,0002 dá 0,10018. Este é o
valor do denominador. Dividir 0,0002 por este valor dá
0,001996406468357: uma probabilidade muito baixa. Arredondando
o valor, apenas 0,20% das pessoas que acusam positivo no exame
têm aquela doença.
Como se vê, é preciso muito cuidado ao interpretar o que
significa dizer que um exame — ou teste, observação ou
confirmação — é muitíssimo fidedigno. A menos que seja 100%
fidedigno, e caso a probabilidade anterior seja muito baixa, a
probabilidade posterior, dado o exame, será bastante mais baixa do
que parece à primeira vista. Mantendo a probabilidade de 0,0002 de
ter uma dada doença, e caso se disponha de um exame 99%
fidedigno, mesmo assim a probabilidade condicional de ter a doença
dado o resultado positivo do exame é de 0,019611688566386:
arredondando, só 20 pessoas em cada 100 cujo exame acusa
positivo têm aquela doença. A moral da história é que o impacto que
tem uma observação ou dado novo depende crucialmente da
improbabilidade anterior do que se procura confirmar. Quanto mais
improvável é o que se procura confirmar, mais o teste usado para
confirmá-lo precisa de ser muitíssimo, mas mesmo muitíssimo,
robusto: «Afirmações extraordinárias exigem provas
extraordinárias.» (Sagan 1979: 73) Quando alguém olha pela janela
e lhe parece ver nevoeiro, isso basta como prova de que está

326
realmente nevoeiro se a probabilidade anterior de estar nevoeiro
não for baixa; afinal, o nevoeiro é um fenómeno corriqueiro do
quotidiano, em muitos lugares do planeta. Porém, quando essa
mesma pessoa olha pela janela e lhe parece ver Jesus Cristo a
caminhar sobre as águas, isso exige provas extraordinárias
simplesmente porque a probabilidade anterior de uma divindade se
passear entre os mortais para fazer números de circo é, para dizer o
mínimo, ridiculamente baixa.
Este é um primeiro aspecto importante do teorema de Bayes; um
segundo é o que acontece à medida que se acrescenta informação
à probabilidade anterior. Para se ver o que está aqui em questão,
imagine-se que Ligeti e o seu médico decidem repetir o exame, que
dá de novo positivo. O cálculo faz-se usando a probabilidade obtida
depois de realizado o primeiro exame, que se torna agora a anterior.
Assim, em vez de 0,0002, e arredondando o valor obtido de
0,001996406468357, usa-se 0,002. O resultado da nova
probabilidade posterior é agora significativamente mais elevado:
0,019646365422397. Quase 2% das pessoas que fazem duas
vezes o exame e dá positivo têm aquela doença. Ainda é uma
probabilidade baixa, mas mostra um padrão importante: quantos
mais exames positivos se fizer, maior é a probabilidade de ter
aquela doença. Fazendo então um terceiro exame, e arredondando
o valor anteriormente obtido para 0,02, obtém-se uma probabilidade
mais elevada caso dê positivo: 0,169491525423729. Quase 17%
das pessoas que fizerem três exames positivos têm aquela doença.
Como se vê, passa-se de 0,20% para 2% e, finalmente, para 17%.
Porém, mal se faça um exame que dê negativo, e uma vez que se
detecta por esse meio 100% das pessoas que têm a doença, a
probabilidade condicional cai para zero. Em exames mais realistas,
nos quais além de falsos positivos há também falsos negativos (o
exame nem sempre revela a doença em pessoas que a têm), a
probabilidade diminui mas não cai imediatamente para zero. No
caso acima, imaginando que 10% das pessoas que fazem o exame
e dá negativo têm a doença, e usando 0,2 como a probabilidade
anterior de ter a doença, a probabilidade posterior de tê-la dado um
exame negativo é de 0,027.

327
O teorema de Bayes oferece, pois, um modelo preciso da
maneira apropriada de confirmar hipóteses. Por um lado, as
hipóteses são confirmadas ou infirmadas contra um pano de fundo
de outras informações relevantes; por outro, as novas informações
obtidas tanto podem aumentar como diminuir ou reduzir a zero a
probabilidade de uma hipótese. Nos dois casos, torna-se patente
que o raciocínio indutivo, ao contrário do dedutivo, é intrinsecamente
dinâmico e não estático — em consequência do seu carácter não-
monotónico. Uma vez que a informação de fundo e as novas
informações são cruciais no raciocínio indutivo — porque o
conhecimento das condições de verdade não é suficiente — é
preciso integrá-las apropriadamente; o teorema de Bayes oferece
um modelo de como isso se faz com rigor.
Para encerrar esta breve apresentação do raciocínio
probabilístico, considere-se o caso do lançamento de uma moeda; a
probabilidade de sair caras é 0,5. Esta conclusão probabilística é
indutiva, mas o cálculo de probabilidades em si é dedutivo — afinal,
é um ramo da matemática. Acrescentar a premissa seguinte torna
evidente o carácter dedutivo do raciocínio probabilístico: «Quando
se lança uma moeda, há exactamente dois resultados equiprováveis
e exclusivos.» Contudo, com base apenas nas condições de
verdade não se sabia antes de acrescentar esta premissa que o
raciocínio não tinha premissas verdadeiras e conclusão falsa; e
agora não se sabe exclusivamente nessa base que aquela moeda
específica não está viciada, que as moedas não ficam de pé quando
são lançadas ou que não se transformam em elefantes. Por isso, de
nada adianta transformar em deduções os raciocínios probabilísticos
porque tudo o que se faz é transferir o risco epistémico para as
novas premissas. Além disso, só em casos muito simples, como no
lançamento de uma moeda, é razoável pressupor que só há um
número específico de resultados equiprováveis e exclusivos.
Noutros casos, como no exame médico de Ligeti, pressupõe-se que
a frequência observada na população é relevante para determinar a
probabilidade anterior de ele ter essa doença. Este pressuposto é
falível, pois caso um aspecto desconhecido da biologia de Ligeti o
impeça de ter aquela doença, a probabilidade de a ter é zero. Mas a
aplicação repetida do teorema de Bayes a novos exames irá acabar

328
por estabelecê-lo, pois mais cedo ou mais tarde o exame dará
negativo. E essa é uma estratégia muitíssimo mais promissora do
que transformar à força induções em deduções.

329
8.3 Crença e conhecimento
Raciocina-se muitas vezes para tentar saber se uma dada
conclusão é verdadeira, ou para ter uma opinião mais responsável.
Isto nem sempre acontece, pois por vezes pretende-se apenas
saber o que se conclui apropriadamente de um dado conjunto de
frases, sem pressupor que são verdadeiras — neste caso, trata-se
de explorar ideias a título hipotético. Em qualquer dos casos, os
conceitos de conhecimento ou saber, assim como os de crença ou
de opinião, estão intimamente associados ao raciocínio, pelo que é
importante esclarecer alguns dos seus aspectos.
No seu sentido mais abrangente o termo «crença» inclui
convicções muito fortes, crenças religiosas e opiniões elaboradas,
mas também crenças simples, crenças matemáticas e científicas.
Curiosamente, usa-se o verbo «pensar» para falar de crenças: diz-
se «Glass pensa que Ligeti tem composições maravilhosas», e isto
significa que essa é a sua opinião, ou crença. Porque é um conceito
muito elementar, é difícil defini-lo satisfatoriamente; grosso modo, as
crenças são representações que alguém faz da realidade. Entre
estas, as representações discursivas, expressas em frases como
«Ligeti nasceu na Transilvânia», são verdadeiras ou falsas; mas
nem todas as representações são discursivas. Uma pintura é uma
representação não-discursiva, e por mais que represente Ligeti
muito bem, não é verdadeira nem falsa. Daqui em diante, salvo
indicação em contrário, são as crenças discursivas, susceptíveis de
serem verdadeiras ou falsas, que se tem em mente. Popularmente,
usa-se o conceito de crença como sinónimo de «mera crença»,
sugerindo-se que não é conhecimento, mas isto é uma confusão; a
crença de que sete é um número ímpar não deixa de sê-lo só
porque é também conhecimento.
Emerge já aqui um aspecto importante das crenças: envolvem
sempre agentes cognitivos. As crenças não andam no ar como
nuvens, sem que algum agente cognitivo as tenha. Uma crença é
uma relação peculiar de representação entre o agente que a tem e
um aspecto relevante da realidade. Quando alguém acredita que
Ligeti era polaco representa mal um aspecto da realidade; quando

330
acredita que ele compôs Lux Aeterna, representa bem um aspecto
da realidade. Note-se que, neste sentido, a crença tem sempre por
objecto um aspecto da realidade susceptível de representação
discursiva; «crença-que», poder-se-ia dizer, pois usa-se o «que»
conjuntivo 3 para introduzir a oração-objecto. Isto difere da crença no
sentido de «confiança», que muitas vezes não tem uma oração-
objecto: diz-se que Glass acredita em Ligeti, mas agora é no sentido
de confiar nele, no seu talento ou na sua integridade. Nestes casos,
depois de «acredita» ou das suas variantes, não se encontra o
«que» conjuntivo. De ora em diante, «crença» será usado apenas
no sentido declarativo.
Uma vez que os seres humanos são falíveis, nem todas as suas
crenças são verdadeiras. É isto que significa dizer que a crença não
é factiva. Um operador é factivo sse a frase com esse operador
implica a frase sem ele. O operador de crença não é factivo porque
1 não implica 2:

1. Glass acredita que a vida tem sentido.


2. A vida tem sentido.

Usando B como operador de crença (do inglês «belief»), a forma


lógica da frase 1 é BaA. Como se vê agora mais claramente, as
crenças são relações. E porque não são factivas, as frases da forma
BaA não implicam as da forma A, e esse é um dos aspectos
elementares da lógica da crença.
Passando agora ao conceito de conhecimento, é preciso
começar por distinguir três tipos e só um deles será especialmente
importante aqui. Quando alguém visita ou vive em Paris tem um
conhecimento por contacto daquela cidade — conceito que
desempenha um papel importante no pensamento de Russell (1912:
107–108), que usava a palavra «acquaintance». Isto difere do
conhecimento prático ou de procedimentos, como saber andar de
bicicleta. Há uma relação óbvia entre estes dois tipos de
conhecimento, pois saber andar de bicicleta implica o conhecimento
por contacto de pelo menos uma bicicleta, mas o conhecimento por
contacto de bicicletas não implica saber andar de bicicleta. Ao
conhecimento prático é apropriado chamar «saber-fazer». Estes

331
dois tipos de conhecimento diferem do conhecimento declarativo, a
que é comum em filosofia chamar «proposicional»; Russell (1912:
105) chamava-lhe «conhecimento de verdades». O conhecimento
declarativo é um «saber-que», como o caso anterior da crença-que:
envolve um aspecto qualquer da realidade susceptível de
representação discursiva.
O conhecimento declarativo tem relações óbvias com os outros
tipos de conhecimento: não implica evidentemente o saber-fazer,
nem exige conhecimento por contacto. Uma pessoa que nunca
visitou Paris mas estudou vários dos seus aspectos históricos e
arquitectónicos, entre outros, tem um conhecimento declarativo
profundo sem ter conhecimento por contacto. E vice-versa: uma
pessoa que vive naquela cidade sem quase nada ter estudado
sobre ela, tem um bom conhecimento por contacto, mas um
conhecimento declarativo muitíssimo limitado. Já o saber-fazer e o
conhecimento declarativo são mutuamente independentes: saber
muito sobre pintura não implica saber pintar, nem vice-versa. De ora
em diante, salvo indicação em contrário, «conhecimento» quer dizer
«conhecimento declarativo».
Como a crença, o conhecimento é uma relação entre um agente
cognitivo e um aspecto da realidade. Usando K como operador de
conhecimento (do inglês «knowledge»), a forma lógica de frases
como «Glass sabe que a Terra se move» é KaA. Uma diferença
crucial entre a mera crença e o conhecimento é que o segundo é
factivo, mas a primeira não. Ou seja, 2 infere-se validamente de 1:

1. Glass sabe que a Terra se move.


2. A Terra move-se.

Precisamente porque o conhecimento é factivo mas a crença


não, há uma diferença capital entre acreditar que se sabe e saber
realmente. Se acaso a Terra não se move, ninguém sabe realmente
que se move; apenas acredita que o sabe. Por mais que se acredite
que se sabe que a Terra se move, e por mais que a crença seja
muito forte, não se sabe disso a menos que a Terra se mova. Além
disso, não há maneiras puramente internas (como a força da
convicção ou a certeza) de estabelecer sem erro se realmente se

332
sabe ou se apenas parece ilusoriamente que se sabe; a factividade
do conhecimento quer dizer que a palavra final sobre se afinal se
sabe mesmo é da própria realidade, e não dos agentes, nem dos
seus processos de prova. Claro que quando se tem bons processos
de prova, a probabilidade de se saber realmente o que se provou é
muitíssimo elevada; mas por mais que se tenha boas provas de que
a Terra se move, não se sabe que se move se não se mover, ainda
que se acredite nisso.
Eis alguns aspectos esclarecedores da lógica da crença e do
conhecimento:

Factividade
KaA → A
¬(BaA → A)

Negação da omnisciência
¬(¬KaA → ¬A)
¬(¬BaA → ¬A)

Crença e conhecimento
KaA → BaA
¬(BaA → KaA)
¬(BaKaA → KaA)

De notar que uma criança de dez anos sabe falar, e por isso
conhece inexplicitamente (no sentido de saber-fazer) as condições
de verdade de vários elementos da língua, mas não consegue só
nessa base saber que um raciocínio complexo é válido; e muitos
adultos não conseguem concluir validamente o que outros
conseguem. Por isso, o que se quer dizer em muitos contextos com
expressões como «sabe-se» ou «acredita-se» é que pelo menos
alguns agentes cognitivos o sabem ou acreditam, mas talvez nem
todos. Isto é relevante para a compreensão da validade e do apoio
indutivo. No primeiro caso, não se trata de todos os agentes
saberem com base apenas nas condições de verdade que o
raciocínio não tem premissas verdadeiras e conclusão falsa, mas

333
pelo menos alguns; e no segundo trata-se também de pelo menos
alguns saberem que a conclusão é provável dadas as premissas.
Finalmente, note-se que é importante não perder de vista três
alternativas quanto à crença e ao conhecimento. Usando apenas o
caso do conhecimento, veja-se os três casos:

1. KaA
2. Ka¬A
3. ¬KaA

Tanto se pode saber que A, como saber que ¬A ou não saber


que A; 2 implica 3, mas não vice-versa. No caso da crença, Ba¬A
não implica ¬BaA porque as pessoas são falíveis e têm crenças
inconsistentes: muitas pessoas acreditam simultaneamente que só
tem direitos quem tem deveres e que os bebés têm direitos. A
suspensão da crença, ¬BaA, nem sempre é exercida quando seria
mais razoável que o fosse, como se verá.

334
8.4 Provas
O conhecimento não é apenas uma crença verdadeira, porque é
diferente de acertar por sorte na verdade. Imagine-se que uma
pessoa olha para o relógio e forma a crença de que são três da
tarde; e imagine-se que realmente são três da tarde. Contudo, o seu
relógio está parado desde as três da manhã porque se avariou sem
que a pessoa o saiba; por coincidência, olhou para o relógio
precisamente às três horas. Neste caso, a pessoa tem uma crença
verdadeira, mas não sabe que são três horas, porque a prova de
que dispõe é inadequada. Isto contraria a ideia de que acertar na
verdade é tudo o que conta. Pelo contrário, a exigência filosófica
muitíssimo razoável é que algum processo adequado de prova está
envolvido no conhecimento; acertar por sorte na verdade não conta
como conhecimento. Mesmo que se rejeite esta exigência filosófica,
continuará a haver uma diferença crucial entre acertar por sorte e
descobrir a verdade por meio de processos adequados de prova,
pelo que será enganador dizer que nos dois casos se trata do
mesmo. Além disso, note-se já um aspecto crucial das provas:
quando se olha para um relógio que não está avariado, isso é uma
prova suficientemente boa para que seja razoável considerar que a
pessoa sabe que são três da tarde. Assim, olhar para o relógio
conta como prova adequada para haver conhecimento no contexto
em que o relógio não está avariado, mas não no contexto em que o
está. Isto mostra que as provas não são uma questão de tudo ou
nada, mas antes elementos a pesar, contrastar e examinar
cuidadosamente, para eliminar ao máximo provas inadequadas —
que infelizmente são a maioria. Não há maneiras simples e
automáticas de determinar se uma prova é adequada ou não; só
contra o pano de fundo de várias informações relevantes se
consegue fazê-lo, e esse processo é falível.
Como se vê, as provas são cruciais no conhecimento; mas
também o são nas crenças. Um agente tem uma crença
epistemicamente responsável sse tiver boas provas, mesmo que
tenha azar epistémico e afinal a crença seja falsa; e tem-na
irresponsavelmente sse não tiver boas provas, ainda que por sorte

335
seja verdadeira. Esta diferença torna-se clara imaginando duas
investigadoras policiais. A primeira é extremamente cuidadosa e
competente e pauta-se pela tentativa genuína de descobrir a
verdade, procurando diligentemente as melhores provas. Acontece
que teve azar, e todas as provas apontam na direcção de alguém
que está de facto inocente; ela conclui que foi essa pessoa que
cometeu o crime. A investigadora foi epistemicamente responsável,
mas teve azar epistémico, porque as provas apontam na direcção
errada. Em contraste, a segunda investigadora é incompetente,
desonesta e preconceituosa e tem uma atitude de descaso
epistémico (Cassam 2018); deixa-se sempre guiar cegamente pelas
suas inclinações ou pelos seus interesses. Por sorte, porém, acusa
a pessoa que realmente cometeu o crime. Esta segunda
investigadora é epistemicamente irresponsável, mesmo quando
acerta por sorte na verdade: ela não sabe, apesar de ter uma crença
verdadeira. Em contraste, a primeira é epistemicamente
responsável, mesmo quando tem azar epistémico e forma crenças
falsas.
Uma vez que a responsabilidade epistémica exige provas, urge
esclarecer este conceito. Recorde-se que o termo «prova» é aqui
usado da maneira mais abrangente, incluindo por isso provas lógico-
matemáticas («proofs», em inglês), mas também argumentos,
razões ou justificações, indícios («evidence»), sinais ou pistas
(«clues»); a ideia é que uma prova é seja o que for que conta
apropriadamente a favor de uma conclusão, ainda que não a prove
definitivamente. À excepção das derivações e outros métodos
lógico-matemáticos, as provas não são factivas porque 2 não se
conclui validamente de 1:

1. Há provas de que não há vida na Lua.


2. Não há vida na Lua.

As derivações e outros métodos lógico-matemáticos são


superficialmente provas factivas, mas não pelo simples facto de a
dedução ser (também superficialmente) monotónica. O outro factor
crucial, e que encerra uma lição importante, são os métodos
relativamente simples para encontrar erros. Por mais que uma

336
presumível derivação tenha sido muito difícil de fazer, a maneira de
verificar se tem erros é muito simples: é só ver se em cada passo as
regras especificadas foram correctamente usadas. Por mais
complexa que seja uma prova lógico-matemática, reduz-se a um
conjunto de passos, e a validade de cada um deles verifica-se
facilmente. Na dedução informal — que se encontra na filosofia,
mas também na vida quotidiana — isto não acontece: não há
métodos igualmente simples para encontrar erros, e por isso não há
aqui a mesma segurança epistémica.
Contudo, nas provas indutivas, além de não serem monotónicas,
não se dispõe de métodos simples para encontrar erros. Por isso, os
dois factores cruciais na indução são a procura de novas
informações relevantes e a procura contínua de erros. As provas
indutivas têm assim um dinamismo que contrasta com o carácter
estático das dedutivas. Porém, há um factor que acaba por reenviar
estas últimas para o seio do risco epistémico das primeiras: é que, à
excepção das provas exclusivamente sobre questões de
matemática ou de lógica puras, as premissas dos raciocínios
dedutivos são obtidas indutivamente. Consequentemente, mesmo
na dedução há uma dependência forte da indução, porque a
validade não é tudo o que conta; conta também a verdade das
premissas, para não falar da plausibilidade relativa entre premissas
e conclusão. Consequentemente, a abertura a novas informações e
a procura de erros são os dois factores fundamentais para
compreender adequadamente a natureza das provas em geral.
Porém, porque o papel das novas informações é também corrigir os
erros anteriores e não apenas acrescentar crenças, o factor
realmente cimeiro com respeito às provas é a procura de erros.

337
A Figura 1 ajuda a compreender alguns aspectos importantes da
procura de erros. Os tampos das mesas que as imagens
aparentemente representam parecem diferentes; contudo, depois de
se medir cuidadosamente, descobre-se que têm exactamente as
mesmas dimensões; e os ângulos são também iguais. Esta é uma
das muitas ilusões visuais, que são apenas casos particulares das
muitas ilusões cognitivas. É porque há várias ilusões cognitivas que
é preciso ter processos tão fidedignos quanto possível para
encontrar erros; uma maneira de o fazer, como aqui, é usar
instrumentos de medida. Porém, note-se que a impressão visual
errada não desaparece, mesmo depois de se medir
cuidadosamente. Isto significa que há crenças falsas que resultam
de ilusões cognitivas de tal modo profundas que são insusceptíveis
de correcção directa; no caso da Figura 1, tudo o que se consegue
fazer é rejeitar a crença visual directa com base noutras provas mais
fortes mas menos directas. Isto não é muito diferente do que
aconteceu com respeito ao movimento da Terra: sem outras
informações relevantes, não parece que a Terra se move, e mesmo
depois de se ter boas provas de que se move, isso não é algo que
se possa saber directamente, porque não se sente qualquer
movimento.
Como se vê no caso da Figura 1, as impressões visuais simples
são corrigidas por outras impressões — algumas também visuais,
embora não todas, porque a confiança num sistema métrico não
resulta apenas de novas impressões visuais, mas também da

338
memória e da interpretação das medições. Noutros casos,
contrasta-se provas de diferentes fontes: quando alguém vê que as
chaves não estão afinal na gaveta, isso é uma boa prova de que a
sua memória algo vaga de que as tinha colocado lá era falsa. Mas
não é uma prova definitiva, pois talvez alguém as tenha tirado da
gaveta sem ela saber. A memória é uma fonte de prova, e a visão,
outra; cada uma é usada para encontrar os seus próprios erros e
também os erros da outra. E isto é o que acontece com todas as
fontes de prova: são contrastadas entre si, na tentativa de encontrar
e corrigir os erros inevitáveis.
Entre as diversas fontes de prova contam-se os sentidos
externos (percepção sensorial) e os internos. Os primeiros incluem
diferentes modalidades: o sentido de equilíbrio e os cinco sentidos
tradicionais (visão, audição, tacto, cheiro, paladar). Os sentidos
internos incluem os proprioceptores (indicam a posição e os
movimentos do corpo) e os interoceptores (indicam o estado interno
do corpo, incluindo dos órgãos), entre outros (Land 2015). A
memória é também uma fonte de prova, mas não é um sentido,
assim como a compreensão lógica e matemática, que pelo menos
em parte coincide com o que por vezes se chama «intuição
racional»: aquela «visão interior» de que dois mais dois são quatro.
Nenhuma destas fontes de prova é infalível nem definitiva; a
responsabilidade epistémica obriga a procurar erros em todas, o que
se faz em parte cruzando as informações obtidas de várias. Em
qualquer caso, com ou sem responsabilidade epistémica, quase
todas as crenças resultam de uma multiplicidade de fontes de prova,
e não de apenas uma.
Considere-se alguém que pretende saber o resultado de
multiplicar 2345 por 998. A maneira hoje em dia mais simples é usar
uma calculadora. A sua prova de que o resultado é 2 340 310 é
indirecta: baseia-se na sua crença de que a calculadora é fidedigna.
A surpresa, porém, é que não há uma maneira realmente directa,
mas apenas menos indirecta, de saber o resultado. A menos que a
pessoa tenha poderes computacionais fora do comum, irá usar
papel e lápis para fazer os cálculos. Acontece que isso significa que
confia que se lembra correctamente do procedimento que aprendeu
na escola; confia na visão, quando escreve um determinado

339
algarismo; e também confia na memória de curta duração, que lhe
indica que foi ela que escreveu aqueles algarismos anteriores, em
resultado de uma soma mental que faz parte do processo de
descoberta do resultado final e na qual também confia. Como é
evidente, a prova está longe de ser directa. Além disso, note-se
também que usar uma calculadora, neste caso, é um método de
prova mais forte que fazer cálculos com papel e lápis, porque a
probabilidade de errar é menor. Consequentemente, algumas
provas mais indirectas são mais fortes do que outras menos
indirectas — e isto é contra-intuitivo porque há a tendência infeliz
para pensar que o melhor é ver para crer. Em suma, não há provas
directas simples nem mesmo de um resultado banal de aritmética.
Não só a suposta prova directa daquele resultado não é afinal
realmente directa, porque depende de uma pluralidade de fontes de
prova, como, além disso, depende também crucialmente do uso de
instrumentos cognitivos extra-somáticos, como o papel e o lápis. As
provas são crucialmente múltiplas e indirectas, e a alma do negócio
é sempre a procura e correcção de erros; e quanto menos provável
é o erro, mais forte é a prova, independentemente de ser mais ou
menos indirecta.
Não valeria a pena procurar erros, contudo, se isso não tivesse
qualquer impacto nas crenças; e a ideia é que a responsabilidade
epistémica exige que se ajuste as crenças às provas disponíveis,
depois de corrigidos os erros. Não se trata apenas de manter ou
rejeitar crenças, mas também de fortalecê-las ou enfraquecê-las; é
aqui que entra o importante conceito de força, adesão ou confiança
das crenças. Aplicando a escala das probabilidades à confiança que
se tem numa dada crença, é razoável acreditar com uma confiança
próxima de 1 numa verdade lógica simples e no que se vê em
contextos comuns; mas é de esperar que se acredite que existem
extraterrestres com uma confiança muitíssimo inferior a 1, ou no que
se vê num espectáculo de ilusionismo. Para acomodar erros
desconhecidos, a confiança epistemicamente responsável é sempre
inferior ao que se obtém usando o cálculo de probabilidades: a
probabilidade de sair caras no lançamento de uma moeda é 0,5,
mas a responsabilidade epistémica exige que a confiança seja
inferior a esse valor, porque talvez a moeda esteja viciada, ou talvez

340
outros factores desconhecidos interfiram. A atitude epistemicamente
responsável é manter sempre um «ligeiro elemento de dúvida»
(Russell 1912: 87). Mesmo o que há boas razões para pensar que é
uma verdade lógica, talvez não o seja se a teoria lógica subjacente
estiver errada, e é por isso que só superficialmente a dedução válida
é monotónica e factiva.
A lição mais importante aqui é que há sempre uma pluralidade
de provas, até no caso dedutivo; o trabalho probatório responsável é
uma questão de procurar as provas e contraprovas mais fortes,
sejam elas mais ou menos indirectas, e ver para que lado cai a
balança. Quando surgem novas informações é preciso voltar a ver
se a balança acaso pende agora para o outro lado; e se não pender
agora para um dos lados, a atitude epistemicamente responsável é
suspender a crença. Chama-se por vezes «condutivos» aos
raciocínios que explicitamente usam prós e contras para tentar
estabelecer ou rejeitar uma dada conclusão, mas esta terminologia
não está estabelecida e é disputada (Paglieri 2013; Possin 2016).
Em suma, as provas, entendidas no seu sentido mais
abrangente, têm três características cruciais, das quais decorrem
duas outras não menos importantes. Primeiro, há sempre uma
pluralidade de provas e contraprovas; é preciso pesar
cuidadosamente umas e outras para ver para que lado cai a
balança. Segundo, as provas não são factivas; por melhores que
sejam as provas de que os dinossauros se extinguiram há sessenta
e cinco milhões de anos, isso é compatível com a falsidade dessa
hipótese. Terceiro, as provas também não são monotónicas, nem
sequer quando o são superficialmente, como é o caso da dedução;
caso surjam boas razões para considerar que é falso um
pressuposto lógico usado para deduzir uma dada conclusão, isso
bloqueia a validade do raciocínio sem disputar as premissas. Destas
três características decorrem duas outras de capital importância. Por
um lado, as provas são dinâmicas e não estáticas; não é uma
questão de provar algo e acaba-se a conversa, mas antes de ter as
melhores provas que se conseguir no momento, sabendo que de
futuro novas provas talvez mostrem que as coisas não eram como
se acreditava. Em consequência, uma crença só é epistemicamente
responsável quando se apoia numa procura contínua de

341
contraprovas relevantes. Por outro lado, como se verá (secção 8.6),
as provas não são examinadas no vazio, mas antes à luz de várias
crenças de fundo, o que levanta dificuldades adicionais. Estas cinco
características conduzem ao aspecto capital: sem processos
robustos e contínuos de procura e correcção de erros, as provas
são pouco significativas porque são falíveis, terrivelmente falíveis.

342
8.5 Argumentos de autoridade
Quase todo o conhecimento — todo, quando se sai do aqui-e-agora
— depende do conhecimento de outras pessoas (Hardwig 1985).
Não se trata apenas de dizer o evidente: que só com base nos
arqueólogos uma pessoa sabe que os dinossauros se extinguiram
há sessenta e cinco milhões de anos. Trata-se de dizer que os
próprios arqueólogos só o sabem porque se apoiam noutros
especialistas; regra geral, quanto mais especializado for o
conhecimento, maior é o número de especialistas em que cada
especialista se apoia. Assim, quase todo o conhecimento, sobretudo
o mais especializado, é duplamente indirecto, porque, além de as
provas baseadas nos sentidos e noutras fontes serem indirectas,
uma das fontes mais relevantes para o conhecimento de um ser
humano são os outros seres humanos.
Além disso, mesmo no caso dos métodos de prova lógico-
matemáticos, a procura alheia de erros é fundamental; o que dá
segurança epistémica a uma suposta derivação é que se tiver um
erro que o autor não viu, os seus colegas facilmente o vêem. E o
mesmo acontece no caso das outras provas. Não basta que um
arqueólogo tenha provas de que os dinossauros se extinguiram há
sessenta e cinco milhões de anos; é preciso que essas provas
sejam cuidadosamente examinadas por outros arqueólogos, para
encontrar e eliminar o máximo de erros que se conseguir. Assim, o
conhecimento depende dos outros não apenas no sentido de eles
terem um acesso menos indirecto que nós a várias provas, mas
porque é preciso que várias pessoas as examinem cuidadosamente
para ver se escondem erros. O erro que uma não viu, encontra-o a
outra. Não há crenças bem provadas radicalmente privadas:

Mesmo no caso da filosofia newtoniana 4, se não se


permitisse que fosse questionada, a humanidade não poderia
sentir a confiança tão completa na sua verdade que agora
sente. As crenças a favor das quais temos mais garantias
não têm qualquer salvaguarda em que se apoiar a não ser o

343
convite permanente ao mundo inteiro para provar que são
infundadas. (Mill 1859: 26)

Devido a estas duas razões, é de importância capital


compreender os argumentos de autoridade, cuja forma lógica é
muito simples: a afirma que A; logo, A. A autoridade a é um autor,
um especialista ou qualquer pessoa. Claro que é raro encontrar
argumentos de autoridade formulados desta maneira tão explícita; o
mais comum é escrever algo como «Para Glass, Perotin era um
compositor inexcedível». A ideia, porém, é a mesma: considera-se
que a posição de Glass acerca de Perotin conta a favor da ideia de
que aquele compositor medieval realmente era inexcedível. E a
primeira armadilha em que se cai por vezes nos argumentos de
autoridade é atribuir uma afirmação a quem não a fez. Daí que seja
importante provar que a autoridade invocada realmente afirmou o
que lhe é atribuído: em que publicação o afirmou ela, e em que
página? No contexto em que ela o afirmou, quer dizer o que parece,
ou trata-se de uma citação abusiva porque distorce o pensamento
do autor?
Presumindo então que a autoridade invocada realmente afirmou
o que lhe é atribuído, é preciso compreender bem a estrutura da
prova aqui em questão. Considere-se Glass, que está a falar pelo
telefone com alguém que está noutro país. Esta pessoa pergunta-
lhe como está o tempo, e Glass responde que está nevoeiro. Ele
não é meteorologista, mas é uma autoridade epistémica quanto
àquela afirmação específica porque tem um acesso simples à prova:
olha pela janela e vê. Isto esclarece o aspecto fundamental deste
tipo de raciocínio: nos argumentos de autoridade visa-se
estabelecer uma cadeia probatória entre as provas que a autoridade
tem de uma afirmação específica e a crença de outra pessoa; só
são cogentes se essas provas forem boas. Só nesse caso ela é uma
autoridade epistémica relevante. Note-se que é irrelevante se Glass
é meteorologista ou não; poderia até ser analfabeto. Desde que
tenha boas provas do que afirma, é uma autoridade epistémica
relevante. Inversamente, por mais que alguém tenha muita
autoridade seja no que for, e mesmo que tenha autoridade
epistémica na área em que se manifesta, se não tiver boas provas

344
daquela afirmação específica, não é uma autoridade epistémica
relevante. As falácias da autoridade deslocada, da qual há três
versões, ocorrem quando a autoridade invocada não tem boas
provas do que afirma. Num primeiro tipo de caso, uma pessoa
detém muita autoridade institucional, política, económica ou
mediática — é um actor famoso — e pronuncia-se sobre a eutanásia
sem conhecer quaisquer provas relevantes na área. Dar-lhe crédito
é um erro, porque a única autoridade relevante é a epistémica; os
outros tipos de autoridade são irrelevantes. Num segundo tipo de
caso, uma pessoa tem autoridade epistémica, mas não quanto ao
assunto acerca do qual se pronuncia. Uma socióloga é uma
autoridade epistémica em sociologia, mas não em medicina, pelo
que invocar as suas afirmações sobre vacinas é falacioso caso ela
não tenha boas provas do que afirma. Por último, o terceiro tipo de
falácia da autoridade deslocada ocorre quando se invoca alguém
que é uma autoridade epistémica na área em questão, mas que não
tem apesar disso boas provas do que afirma. Uma médica é uma
autoridade epistémica em medicina, mas se não tem boas provas
específicas das suas afirmações acerca das vacinas, é falacioso
invocá-la como autoridade.
Note-se que a autoridade epistémica relevante é específica e
não é transferível. É específica porque tudo o que conta é a
autoridade ter boas provas da afirmação em questão, e não de
outras afirmações. E não é transferível porque quem tem autoridade
epistémica relevante quanto a uma afirmação não a tem só por
causa disso quanto a outra, ainda que seja da mesma área — e
menos ainda a tem se for de uma área distinta. Muitos argumentos
de autoridade são falaciosos porque se desconsidera estes dois
aspectos e fixa-se a atenção exclusivamente em sinais indirectos
enganadores. Um sinal indirecto da verdade de uma afirmação
biológica é ter sido feita por uma bióloga, mas isso não garante que
seja realmente uma autoridade epistémica com respeito a essa
afirmação específica; só o será se tiver boas provas dessa
afirmação. O mesmo acontece com outros sinais indirectos usados
como critérios para determinar a cogência dos argumentos de
autoridade (Murcho 2006). O consenso entre biólogos é um sinal
indirecto de que uma afirmação biológica de uma bióloga é

345
verdadeira, mas o que é consensual entre especialistas é amiúde
não apenas errado, como profundamente errado e sem qualquer
apoio em boas provas. Afinal, quase tudo o que os médicos
receitavam aos pacientes até meados do século piorava a
5
situação deles, em vez de melhorá-la , e até ao século grande
parte do que os mais respeitados especialistas em astronomia
afirmavam era falso. Por outro lado, quando Galileu defendeu que a
Terra se movia, a sua afirmação não colhia o consenso entre os
especialistas, mas era ele que tinha razão, porque era ele que tinha
as melhores provas, e não os seus colegas. Outro sinal indirecto é
as autoridades invocadas terem ou não interesses suspeitos na
afirmação em questão. Um médico tem um interesse económico em
aconselhar as pessoas a fazer exames anuais; mas se tiver boas
provas de que isso previne doenças graves, o que é inadequado é
rejeitar o seu conselho, e não aceitá-lo. Daí que quanto à questão
de saber se uma pessoa tem razão ou não, seja irrelevante mostrar
apenas que ela tem interesses económicos em jogo.
Uma vez que os sinais indirectos estão longe de ser fidedignos,
porque o que realmente conta é a autoridade invocada ter boas
provas da afirmação específica em questão, surge a dificuldade
cimeira: como saber se ela tem ou não boas provas? Afinal, se
quem a invoca tivesse acesso a essas provas, não precisaria de
usar um argumento de autoridade; bastaria examiná-las. Esta
dificuldade resolve-se, pelo menos em parte, tendo em atenção três
aspectos.
Em primeiro lugar, para aceitar um argumento de autoridade de
maneira epistemicamente responsável é preciso compreender pelo
menos genericamente as provas da autoridade. Se uma pessoa
ignora completamente como os arqueólogos concluem que os
dinossauros se extinguiram há sessenta e cinco milhões de anos, é
epistemicamente irresponsável caso aceite argumentos de
autoridade sobre esta questão. É por isso que uma publicação
epistemicamente responsável não se limita a noticiar uma
descoberta científica: explica também quais são as provas em que
tal descoberta se apoia (Mammoser 2018 é um exemplo). Quem
invoca uma autoridade mas é incapaz de explicar de que provas ela
dispõe, é epistemicamente irresponsável. Daí as duas perguntas

346
cardinais quanto aos argumentos de autoridade: como sabe a
autoridade o que afirmou, ou seja, que provas tem ela? E como sei
eu que ela sabe, ou seja, como entendo eu essas provas?
Em segundo lugar, é preciso usar os mesmos processos de
procura de erros que são usados também noutros casos;
nomeadamente, o contraste de fontes de prova. Tal como se
contrasta a memória com a percepção visual, e esta com a medição
cuidadosa, é preciso contrastar as provas de diferentes autoridades
para tentar determinar quais são mais fortes. Não se trata de tentar
decidir quem tem razão olhando apenas para sinais secundários —
quais das autoridades têm mais prestígio académico, por exemplo
— mas de comparar o peso relativo das provas por elas invocadas.
E tal como se tenta medir com cuidado, em vez de se olhar apenas
descontraidamente, é preciso estudar com atenção a bibliografia
baseada na investigação especializada; acompanhar apenas as
notícias acerca do aquecimento global não é suficiente para ter uma
posição epistemicamente responsável sobre o assunto.
Por fim, em terceiro lugar, é importante levar a sério a divisão do
trabalho cognitivo especializado e compreender que do mesmo
modo que uma pessoa admite facilmente que não sabe pilotar um
avião a jacto, deve admitir também facilmente que não tem qualquer
opinião epistemicamente responsável sobre vários assuntos que lhe
exigiriam um estudo que não está disposta a fazer. Quem tem
crenças epistemicamente responsáveis sobre temas de ética
aplicada — como o aborto — são os filósofos que estudam esses
temas, e não quem desconhece a bibliografia relevante; estas
pessoas devem suspender o juízo.

«Mas», dir-se-á, «sou um homem ocupado; não tenho tempo


para os demorados estudos que seriam necessários para me
dar alguma competência para avaliar certas questões, ou
mesmo para me tornar capaz de compreender a natureza dos
argumentos.» Nesse caso, não deveria ter tempo para
acreditar. (Clifford 1877: 109)

A ideia de que há algo como um «pensamento crítico»


epistemicamente responsável na ausência do conhecimento dos

347
factos e da bibliografia relevantes é falsa; não há maneira de ter
qualquer opinião abalizada sem o conhecimento factual ou
bibliográfico relevante. As pessoas gostam aparentemente de ter
opiniões sobre o que desconhecem para exibir cultura e inteligência
ou para dar mostras de um compromisso que consideram
prestigiante com causas morais e políticas; na verdade, porém, isso
só mostra que são epistemicamente irresponsáveis. A suspensão da
crença é quase sempre a opção apropriada quando não se conhece
os factos nem a bibliografia relevantes. «Quase sempre» porque há
excepções. Voltando ao caso de Ligeti, ele não sabe realmente se
aquele exame é 90% fidedigno, mas seria uma má ideia rejeitá-lo.
Nestes casos, é preciso usar sinais indirectos acerca da idoneidade
e competência do médico, para nessa base ter deferência
epistémica por ele: aceitar a hipótese de que ele sabe o que diz. O
que é falacioso é usar esses sinais para tomar posição quando não
é preciso tomar posição.
Em suma: caso não seja preciso tomar posição sobre o que não
se sabe, a responsabilidade epistémica exige a suspensão da
crença; nos casos em que é preciso tomar posição, nomeadamente
por razões práticas, é preciso ter deferência epistémica por quem se
tem sinais admitidamente indirectos — mas tão bons quanto
possível — de que sabe o que diz. Note-se, porém, que a deferência
epistémica não é uma questão de tudo ou nada, mas de mais ou
menos; além disso, é preciso não esquecer que a autoridade
epistémica é específica e não é transferível. Por isso, também a
deferência epistémica é específica e não-transferível.
Imagine-se agora que Ligeti discute astrologia com uma
astróloga, apesar de ele quase nada saber sobre o tema. A
astróloga deixa-o sem resposta para os seus argumentos, pela
simples razão de que há uma disparidade epistémica relevante
entre ambos: ela deita mão de várias supostas provas que Ligeti
desconhece. Porém, é epistemicamente irresponsável da parte dele
aceitá-las caso se verifiquem duas condições: 1) Ligeti não tem
boas razões para considerar que a astrologia seja digna de
deferência epistémica; 2) Ligeti tem boas razões para considerar
que a disparidade epistémica entre ambos permite que a astróloga
consiga enganá-lo se quiser. Assim, a quarta condição da cogência

348
do raciocínio é a paridade epistémica quanto ao assunto em
questão. Na sua ausência, e se não houver boas razões para ser
epistemicamente deferente, é irresponsável aceitar as provas do
interlocutor, por mais que se seja incapaz de dizer onde está
exactamente o erro. Este é um limite fundamental dos argumentos
de autoridade.
Eis um caso diferente: um funcionário do banco tenta persuadir
uma pessoa a fazer uma aplicação financeira, e ela não vê qualquer
erro nas suas provas. Porém, sem confiança epistémica naquele
funcionário ou na instituição, e se houver disparidade epistémica
com respeito a aplicações financeiras, a pessoa será incapaz de ver
que foi enganada, e é por isso que é irresponsável da sua parte
aceitar as provas invocadas. Quando há disparidade epistémica,
quem está em vantagem engana facilmente a outra pessoa; de
modo que ou há razões para ser epistemicamente deferente, ou é
irresponsável aceitar as suas provas. Este caso é diferente do
anterior porque é de admitir que os estudos acerca de aplicações
financeiras são dignos de deferência epistémica; a questão aqui não
é essa. A questão é a malevolência epistémica daquela instituição
ou daquele funcionário. A malevolência epistémica é a atitude
predatória de tentar enganar alguém explorando a disparidade
epistémica ou as fraquezas cognitivas do interlocutor. Para
prejudicar seriamente alguém não é preciso que a prática em si seja
epistemicamente irresponsável; basta que o especialista seja
epistemicamente malévolo.

349
8.6 Crenças de fundo
As provas não são ajuizadas no vazio, mas contra um pano de
fundo de outras crenças. Quem acredita que o método de medir
usando réguas é mais fidedigno do que um simples olhar tem boas
razões para rejeitar a sua crença visual directa quando olha para a
Figura 1. Por outro lado, algumas crenças são mais fundamentais
que outras, no sentido de afectarem um maior número de crenças:
qualquer pessoa revê facilmente a sua crença de memória algo
vaga de que pôs as chaves na gaveta; mas exige, e com razão,
provas maximamente fortes de que são falsas todas as memórias
que tem de ter visitado Londres há uma semana. Já se vê que isto
levanta uma dificuldade importante caso um número significativo de
crenças de fundo sejam falsas. Considere-se algumas das crenças
que, nos primeiros anos do século , teria um europeu com
formação escolar:

Acredita na bruxaria e leu talvez o livro Daemonologie (1597),


de Jaime VI da Escócia, o futuro Jaime I da Inglaterra, que dá
uma imagem alarmante e crédula da ameaça que são os
agentes do demónio. Acredita que as bruxas podem invocar
tempestades que afundam navios — Jaime quase perdeu a
vida numa tempestade. Acredita em lobisomens, ainda que
não existam na Inglaterra — mas sabe 6 que existem na
Bélgica (Jean Bodin, o grande filósofo francês do século ,
era a autoridade reconhecida nestas matérias). Acredita que
Circe transformou realmente a tripulação de Ulisses em
porcos. Acredita que os ratos são gerados espontaneamente
em montes de palha. Acredita nos mágicos contemporâneos:
ouviu falar de John Dee, e talvez de Agrippa de Nettesheim
(1486–1535), cujo cão preto, Monsieur, se pensava que era
um demónio disfarçado. Se vive em Londres, pode conhecer
pessoas que consultaram o médico e astrólogo Simon
Forman, que usa magia para ajudar a recuperar bens

350
roubados. Viu o corno de um unicórnio, mas não um
unicórnio.
Acredita que um corpo vítima de homicídio sangra na
presença do homicida. Acredita que há um unguento que
cura feridas se for esfregado no punhal que as causou.
Acredita que a forma, cor e textura de uma planta pode ser
uma pista do seu uso medicinal porque Deus fez a natureza
de modo a ser interpretada pela humanidade. Acredita que é
possível transformar o metal vil em ouro, ainda que duvide
que alguém saiba como isso se faz. Acredita que a natureza
tem horror ao vácuo. Acredita que o arco-íris é um sinal de
Deus e que os cometas anunciam o mal. Acredita que os
sonhos prevêem o futuro, se soubermos interpretá-los.
Acredita, é claro, que a Terra está imóvel e que o Sol e as
estrelas andam à sua volta a cada vinte e quatro horas —
ouviu mencionar Copérnico, mas não imagina que ele
pretendesse que o seu modelo heliocêntrico do cosmos fosse
de encarar literalmente. Acredita na astrologia, mas como
não sabe o momento exacto do seu nascimento, pensa que
mesmo o melhor dos astrólogos não seria capaz de lhe dizer
grande coisa que ele seja incapaz de encontrar nos livros.
(Wootton 2015a: 28–30)

Como se vê, ter um número significativo de crenças falsas não é


uma hipótese remota. Ora, grande parte delas são tidas como
crenças de fundo, pois constituem o que por vezes se denomina
Weltanschauung ou mundividência — a imagem algo vaga que se
forma acerca da natureza geral da realidade. Dado que se usa
inevitavelmente crenças de fundo ao examinar quaisquer crenças,
se grande parte das primeiras forem falsas, haverá muitos casos em
que uma crença parecerá falsa, apesar de ser verdadeira, só porque
colide com elas. Como responder a esta dificuldade?
A primeira resposta é mostrar que muitas crenças tidas como
fundamentais não o são de facto; são apenas crenças comuns. A
crença de uma pessoa de que visitou Londres há uma semana é
fundamental porque se for falsa, há algo de terrivelmente errado
com a sua memória, que é uma das suas fontes principais de prova;

351
talvez ela tenha uma doença, ou talvez tenha ingerido sem saber
uma droga alucinogénica. Caso aquela memória seja falsa, isso põe
em dúvida grande parte das outras memórias. Contudo, acreditar
que há lobisomens ou que as vítimas de homicídio sangram na
presença do homicida não são crenças fundamentais; se forem
falsas, não põem em dúvida grande parte das outras crenças sobre
a fauna e a criminalidade. Uma crença socialmente difundida não é,
só por isso, fundamental; é apenas comum. E em muitos casos é
apenas uma falsidade em que se acredita porque os outros
acreditam, formando um círculo probatório epistemicamente vicioso.
A segunda resposta emerge precisamente da consciência de
que existem esses círculos: alguém afirma algo, e quando se
pergunta porquê, é-se reenviado para uma suposta autoridade, que
por sua vez reenvia para outra, e esta para outra, sem que nenhuma
tenha afinal provas sequer remotamente apropriadas de tal
afirmação. Perante isto, a resposta apropriada encontra-se no mote
latino da Royal Society de Londres, fundada em 1660: «nullius in
verba», ou seja, «nada pela palavra». A ideia é que seja qual for a
crença que alguém tem, e por mais autoridade que detenha, ou se
consegue encontrar provas mais fortes que as contraprovas, ou não
é de aceitar. A simples palavra de várias pessoas, mesmo que
sejam autoridades prestigiadas, não tem qualquer força probatória;
ou essas pessoas têm provas apropriadas mais fortes que as
contraprovas, ou não passa de disse-que-disse.
Por fim, a terceira resposta volta a sublinhar a importância da
força relativa e da especificidade de provas e contraprovas. As
crenças de fundo não são imunes à revisão; apenas se exige provas
mais fortes. Quem se lembra de ter deixado as chaves na gaveta
não exige provas muito fortes de que tem uma memória falsa,
porque esta não é uma crença de fundo; mas mesmo quem se
lembra de ter visitado Londres há uma semana deixa em aberto a
hipótese de rever essa crença, se for epistemicamente responsável.
É irresponsável rejeitar revê-la caso as provas específicas de que
esteve, ao invés, em Macau sejam mais fortes que as provas de que
esteve na primeira cidade. Caso a pessoa se depare com amplas
provas documentais, incluindo vídeos, de que esteve em Macau e
não em Londres, é muitíssimo provável que a sua crença de

352
memória seja falsa, apesar de ser uma crença de fundo, e é
epistemicamente irresponsável da sua parte recusar-se a revê-la.
Em suma, estas são as perguntas a fazer: é realmente uma
crença de fundo, ou apenas uma crença comum? É apenas disse-
que-disse? Há provas específicas mais fortes que as provas a favor
da crença de fundo?

353
8.7 Crenças estatísticas
Não era só nos primeiros anos do século que as pessoas
tinham crenças factuais tão grotescamente falsas; o mesmo
acontece hoje em dia. Nos últimos vinte anos, a proporção da
população mundial que vive na pobreza extrema quase duplicou,
manteve-se mais ou menos na mesma, ou diminuiu quase para
metade? Esta é uma pergunta factual simples e cuja resposta
correcta qualquer pessoa letrada descobre em estatísticas
fidedignas facilmente acessíveis. Porém, «em média, só 7% das
pessoas — menos de uma em dez — acerta na resposta» (Rosling
2018: 6). Ou seja, como Rosling (2018: 9) faz notar, caso se fizesse
a mesma pergunta a chimpanzés, a média de respostas correctas
seria superior, pois responder aleatoriamente garante que 33% dos
inquiridos acerta na resposta correcta. Não se trata apenas de não
ter conhecimento de um facto importante acerca do mundo; trata-se
de ter crenças grotescamente falsas, e que são tomadas como
conhecimento. Não é muito diferente do que acontecia nos primeiros
anos do século , quando se acreditava em bruxas, lobisomens
ou na geração espontânea de ratos. E tal como presumivelmente
acontecia nesse tempo, algumas das crenças falsas são mais
comuns entre quem é mais informado do que entre quem o é
menos:

Testei audiências um pouco por todo o mundo, e de todas as


classes: estudantes de Medicina, professores, académicos,
cientistas eminentes, investidores, executivos de
multinacionais, jornalistas, activistas e até altos decisores
políticos. Trata-se de pessoas com muitos estudos e que têm
interesse no mundo. Mas na sua maior parte — uma maioria
impressionante — dão respostas erradas. Alguns destes
grupos dão respostas piores do que as pessoas comuns;
alguns dos resultados mais chocantes são de um grupo de
laureados com o prémio Nobel e de médicos de investigação.
(Rosling 2018: 8)

354
Quem não tem qualquer informação sobre a pobreza absoluta no
mundo, facilmente admite que não sabe e suspende a crença. Em
contraste, quem tem informações erradas está numa situação pior,
porque acredita falsamente que sabe, como nos primeiros anos do
século uma pessoa instruída acreditava falsamente que sabia
da geração espontânea de ratos. E há actualmente muitas outras
crenças falsas deste género: por um lado, é fácil verificar que são
falsas mas, por outro, são tão comuns que fazem parte da
mundividência contemporânea das pessoas supostamente
informadas.
O erro não é muito difícil de explicar, e depende principalmente
de três factores. O primeiro diz respeito à estrutura cognitiva
humana. Aquilo a que uma pessoa é mais exposta diariamente
ganha para ela uma relevância estatística ilusória. Quem vive
rodeado de pessoas corruptas ganha uma imagem pouco generosa
da humanidade, mas a sua experiência não tem qualquer relevância
estatística — talvez tenha o azar de contactar diariamente com
pessoas atípicas. O raciocínio estatístico que os seres humanos
partilham com muitos animais está longe de ser fidedigno; é apenas
o suficiente para que consigam deixar descendentes.
Além disso, e este é o segundo factor, mesmo que no seu
ambiente original o raciocínio estatístico humano fosse muitíssimo
fidedigno, o contexto agora é outro: os seres humanos
supostamente informados contactam diariamente com notícias que
são divulgadas não pela sua relevância estatística, mas apenas
porque chamam a atenção. O ataque de 11 de Setembro de 2001
ocorreu nos EUA, e os jornalistas não mentem quando o noticiam;
mas promovem uma crença falsa acerca da sua relevância
estatística. No que respeita à probabilidade de morte violenta nos
EUA, o terrorismo é irrelevante quando se compara com a
probabilidade de morrer de acidente de automóvel:

Em 2001, as mortes por acidente de automóvel nos EUA


foram iguais às que teriam ocorrido se houvesse um ataque
igual ao de 11 de Setembro a cada 26 dias. (Wilson e
Thomson 2005: 332).

355
Olhar pela janela e ver que está nevoeiro é uma boa prova; mas
nem todas as crenças empíricas se provam adequadamente por
meio da observação casual (anecdoctal evidence). Ler ou ouvir
algumas notícias não é relevante para saber seja o que for de
estatisticamente relevante sobre a pobreza ou o terrorismo. A
observação ou experiência assistemática, casual e quotidiana só é
suficiente para provar crenças muitíssimo específicas: onde fica o
banco, se está frio, se o trânsito está lento. Não se consegue saber
dessa maneira se nos últimos anos a criminalidade está pior, se há
mais pessoas pobres ou se é mais difícil encontrar emprego; estas
coisas só se sabem por meio de estudos científicos. Daí que as
notícias sejam quase sempre enganadoras: limitam-se a difundir
crenças formadas por observação casual, sem atender à sua
relevância estatística.
Finalmente, o terceiro factor resulta de se usar algumas crenças
como marcos orientadores da vida de uma pessoa. Nestes casos,
serão falaciosamente encaradas como se fossem fundamentais e
insusceptíveis de revisão, por mais que se apresente boas provas
que as refutem cabalmente. Uma pessoa que nos primeiros anos do
século decide dedicar a sua vida à erradicação dessa terrível
ameaça que são os lobisomens terá dificuldade em reconhecer que
não há provas remotamente boas de que existe tal coisa; quem faz
carreira anunciando que tudo vai de mal a pior, não aceita pura e
simplesmente que a pobreza extrema diminuiu para quase metade
nos últimos vinte anos.
Mesmo perante boas estatísticas, é comum cometer erros
elementares de interpretação. Imagine-se que na escola secundária
as raparigas têm em média melhores resultados em matemática do
que os rapazes; concluir apenas nesta base que as primeiras são
melhores em matemática do que os segundos é falacioso porque
esta conclusão é demasiado vaga. Elas são melhores em que
sentido, exactamente? Já se sabe que em média têm melhores
resultados do que os rapazes, mas isso é só repetir o dado
estatístico inicial, que na verdade é compatível com as seguintes
situações:

356
Os 10% de rapazes mais talentosos em matemática são
mais talentosos que os 10% mais talentosos de raparigas.
Os 10% de rapazes menos talentosos em matemática são
menos talentosos que os 10% de raparigas menos
talentosas.

Considere-se agora outro caso: imagine-se que em média os


homens são mais rápidos na corrida que as mulheres, e que, além
disso, os 10% mais rápidos são mais rápidos que as 10% das mais
rápidas das mulheres. É falacioso inferir daqui que qualquer homem
é mais rápido do que qualquer mulher: um barrigudo que fica em
casa o dia inteiro de mão na cerveja e olho na televisão é mais lento
do que qualquer atleta do sexo feminino. O que os casos deste
género mostram é que é amiúde falacioso inferir conclusões
específicas acerca de membros de um grupo partindo apenas de
estatísticas do grupo.

357
8.8 Crenças causais
As crenças causais são como as estatísticas no seguinte aspecto: a
mera observação casual não tem relevância probatória. Ver um
acontecimento depois de outro não prova sequer remotamente que
um causou o outro — mesmo que se veja isso repetidamente. Nem
a mera sucessão de acontecimentos nem a mera correlação provam
apropriadamente que há causalidade entre eles. Entre 2000 e 2009,
a correlação entre o índice de divórcios no estado norte-americano
do Maine e o consumo de margarina per capita naquele país foi de
0,992558. 7 Consegue-se imaginar várias causas para esta
correlação, mas isso é irrelevante; seria preciso provar que há uma
relação causal, e não apenas imaginá-la. E não se prova uma
relação causal mostrando apenas que a correlação é perfeita e que
não há contra-exemplos; é preciso dispor de uma boa explicação
causal que não seja meramente imaginária: como causa
exactamente uma coisa a outra? Sem essa explicação, não passa
de uma correlação; uma coincidência aleatória. O mundo está cheio
de coincidências dessas.
Sempre que se encontra uma correlação entre dois
acontecimentos há três hipóteses: talvez um deles cause o outro;
talvez sejam ambos efeitos simultâneos de outro acontecimento, ou
de outros; ou talvez não exista qualquer relação causal relevante. É
um erro concluir uma das hipóteses sem provas que excluam as
outras.
Não há maneira de descobrir conexões causais sem provas
científicas: observações rigorosas e experiências controladas. Claro
que há expectativas causais, tal como há expectativas indutivas,
mas não provam sequer remotamente que há relações causais. O
mundo é surpreendente, e estudá-lo de maneira epistemicamente
responsável obriga a deixar-se surpreender: as expectativas causais
são as mais das vezes contrariadas quando se observa
rigorosamente e se faz experiências científicas controladas.
Imagine-se alguém perguntar na televisão a uma comentadora se
ela acha que a gravidade de Júpiter é o factor causal principal
responsável pelas tempestades que ocorrem naquele planeta; como

358
é evidente, a menos que seja uma cientista que estuda este tema
específico, ela não sabe nem tem quaisquer provas remotamente
relevantes sobre tal coisa. Porém, a situação é exactamente a
mesma quando se pergunta a uma comentadora se ela acha que
permitir a eutanásia irá aumentar o número de pacientes que serão
mortos contra a sua vontade: sem provas científicas relevantes, não
há maneira de saber tal coisa. As relações causais não se
descobrem sem provas científicas. A legalização das drogas fará
mais pessoas consumi-las, ou menos? A eliminação de exames
nacionais bem feitos e exigentes terá como consequência
estudantes melhores, ou piores? Não há maneira de saber as
respostas a estas perguntas sem estudos científicos. A mera
expectativa causal é irrelevante, e não há qualquer discussão
epistemicamente responsável entre quem não tem provas científicas
apropriadas. Claro que é razoável levantar hipóteses causais ainda
antes de se ter provas — afinal, sem as primeiras não se descobrirá
as últimas. Porém, se essas hipóteses não forem formuladas por
quem conhece a área em questão, e se não servirem de base para
procurar seriamente provas causais, mais não fazem senão revelar
descaso epistémico. Na ausência de provas apropriadas, a
suspensão da crença é a atitude epistemicamente responsável;
confiar nas expectativas causais é como confiar no simples olhar de
relance sem instrumentos de medida perante a Figura 1.

359
8.9 Racionalização
A computação necessária para a locomoção bípede ou para
reconhecer as emoções expressas num rosto humano é gigantesca.
Contudo, os seres humanos fazem essas coisas muitíssimo bem,
sem qualquer esforço e sem saber como o fazem; saber fazer não
implica saber como se faz. Quanto à multiplicação de 235 por 95,
por outro lado, as coisas são exactamente ao contrário: os seres
humanos escolarizados sabem perfeitamente como a fazem, passo
a passo, mas só com esforço e ajuda extra-somática — papel e
lápis — o conseguem. Estão aqui dois sistemas cognitivos em jogo,
a que Keith Stanovich e Richard West chamaram Sistema 1 e
Sistema 2 (Kahneman 2008: 20), designação que se tornou comum.
O primeiro é responsável por respostas rápidas e intuitivas, mas
opacas; o segundo pelo raciocínio explícito, passo a passo. Eis uma
síntese das diferenças entre os dois sistemas (adaptada de Evans
2007: 14–15):

360
Esta arquitectura dá origem a duas ilusões fundamentais.
Primeiro, que todo e qualquer padrão, congruência ou «coerência» é
relevante. Segundo, que há como que uma voz interior, uma intuição
ou ligação mística que permite aceder a domínios especiais da
verdade, mais profundos do que a redutora e pedestre maneira
científica e lógica de raciocinar.
Quando não se sabe lógica, e por isso não se faz a mínima ideia
se um raciocínio é válido ou não — até porque não se sabe o que é
a validade —, recorre-se à «coerência»: um vago padrão
harmonioso. Acontece que isto é irrelevante para a validade; um
sem-fim de raciocínios «coerentes» são inválidos, e outros não são
«coerentes» mas são válidos. Estes casos, como o da Figura 1,
ilustram bem a ilusão dos padrões. O género de padrões que se
encontra com o Sistema 1 é pura e simplesmente irrelevante no
raciocínio dedutivo; só que também o é para descobrir relações
causais, estabelecer o que é estatisticamente relevante ou fazer
boas previsões e generalizações indutivas. Além disso, em qualquer

361
grupo vasto de fenómenos há muitíssimos mais padrões irrelevantes
do que relevantes; deixar-se guiar pelo Sistema 1 implica ficar sem
saber se o padrão é ou não uma mera coincidência enganadora.
Perante um problema de aritmética, não há a pretensão de
encontrar uma boa resposta com base em padrões e intuições
vagas; ou se faz a conta, ou se suspende honestamente a crença.
Contudo, perante outros assuntos — alguns muitíssimo mais
complexos — forma-se opiniões irresponsavelmente com base
apenas nos padrões que se encontra devido ao Sistema 1. Quando
depois disso se usa o Sistema 2 para dar uma aparência de
ponderação ao que foi na verdade apenas uma reacção instintiva,
surge o fenómeno omnipresente da racionalização. Racionalizar é
recorrer a quaisquer provas que venham à mente, por mais fracas
que sejam em comparação com as contraprovas, para dar uma
aparência de responsabilidade epistémica a uma crença que na
verdade nunca se esteve disposto a rever. Alguns dicionários de
língua portuguesa 8 não registam este sentido pejorativo de
«racionalização», mas apenas o positivo: racionaliza-se os gastos
de uma instituição procurando usar os recursos da melhor maneira
que se conseguir. Não é este sentido positivo que está aqui em
questão. E não se trata também de apresentar pretextos, que é algo
próximo da racionalização, mas diferente. Quando alguém
apresenta um pretexto visa ocultar a verdadeira razão que a levou a
fazer algo e invoca uma razão que ela mesma sabe, ainda que
vagamente, que é uma fantasia.
O que caracteriza a racionalização não é o desajuste entre as
provas invocadas e o que realmente está na origem (causal ou
outra) da crença 9, porque uma pessoa que tem a forte crença algo
impensada de que a tortura de inocentes é imoral não racionaliza
quando estuda, depois disso, as provas e contraprovas e acaba por
ficar com a mesmíssima crença que já tinha. Porém, racionaliza
caso procure as provas e contraprovas tendenciosamente, dando
força excessiva a umas e descontando ou ignorando
inadequadamente outras porque não está realmente disposta a
mudar de ideias: não se orienta pela tentativa de descobrir a
verdade, mas pela sustentação a todo o custo da sua crença prévia.
Procurar provas depois de já se ter uma crença, e até uma crença

362
forte, é muitíssimo frequente, porque muitas crenças são adquiridas
a partir das práticas e crenças comuns no meio em que a pessoa se
encontra; além disso, as expectativas indutivas, causais e
estatísticas são por vezes bons pontos de partida para raciocinar
indutivamente. Mas só há racionalização caso a pessoa seja
tendenciosa na procura posterior de provas e contraprovas.
O recurso comum da racionalização é a supressão de provas.
Suprimir provas é ocultar ou não ter em conta provas desfavoráveis
ao que se pretende, ao mesmo tempo que se invoca e destaca
todas as provas favoráveis. Recordando que na melhor das
hipóteses só no caso dedutivo há provas únicas de uma dada
crença, a multiplicidade de provas indutivas obriga a sopesar cada
uma delas para ver para que lado cai a balança. Porém, é mais fácil
usar o Sistema 1 para ver rapidamente um padrão favorável ao que
se pretende, ou desfavorável ao que se contesta; o trabalho
seguinte consiste em usar o Sistema 2 para desenvolver as provas
que já foram previamente seleccionadas, ignorando o resto. Assim,
insiste-se que o transplante de órgãos não deve ser legalizado
porque, se o for, os médicos irão matar os pacientes para retirar
órgãos e ficar famosos fazendo transplantes. Não há quaisquer
provas que sustentem esta assustadora previsão, nem a
consideração de provas que a refutem; tudo o que conta é usar um
chavão para sustentar o que é apenas um preconceito. A crença de
uma pessoa é um preconceito quando ela a aceita com imensa
força ao mesmo tempo que dispõe de provas evidentemente muito
fracas, não se dispondo, além disso, a procurar e pesar
imparcialmente as contraprovas. Praticamente qualquer coisa que
os seres humanos decidem fazer envolve riscos; andar de
automóvel é um risco muitíssimo elevado devido aos acidentes. O
simples facto de algo ser um risco é quase irrelevante; o que conta é
pesar os prós e os contras, e caso se tenha razões poderosas a
favor de se fazer algo que é arriscado, o passo seguinte é estudar
como se consegue diminuir ao máximo o risco. Não se deixa de
fazer uma ponte só porque há o risco de um dia cair ou de morrerem
trabalhadores durante a construção, nem se deixa de fazer
transplantes de órgãos só porque há o risco de os médicos matarem
pessoas acidentadas para lhes retirar os órgãos. 10 Claro que não se

363
racionaliza apenas porque se tem preconceitos; por vezes,
racionaliza-se para se parecer uma pessoa reflectida, outras para
assinalar a pertença a um dado grupo. Outras vezes, ainda,
racionaliza-se só porque se tem medo de levar a sério uma hipótese
assustadora.
Por último, note-se que nem tudo o que envolve o apelo
tendencioso a provas parciais é inequivocamente uma
racionalização. Na malevolência epistémica faz-se o mesmo apelo
tendencioso, mas não se acredita verdadeiramente no que se
defende; pretende-se apenas persuadir alguém a todo o custo
porque se quer ganhar eleições, dinheiro, prestígio ou qualquer
outra coisa. As fronteiras entre a malevolência epistémica e a
racionalização são porosas.

364
8.10 Exercícios

1. Faça uma lista dos conceitos fundamentais deste capítulo,


e explique-os.

365
366
APÊNDICE

367
LÓGICA ARISTOTÉLICA

No pensamento clássico chinês (Rošker 2015) e indiano (Gillon


2016), são usados recorrentemente raciocínios válidos da mesma
forma lógica, mas não parece haver uma investigação explícita do
conceito de validade nem um estudo sistemático das diferentes
formas lógicas (Shenefelt e White 2013: 15). Também Platão usa
recorrentemente nos seus escritos raciocínios da mesma forma
lógica, mas não estudou explicitamente os conceitos de validade e
forma lógica. Evidentemente, toda a gente usa recorrentemente
raciocínios da mesma forma lógica — uns válidos, outros inválidos
— mas isso é muito diferente de fazer o exame e explicitação
dessas formas lógicas e do conceito fundacional de validade. E isso
é o que se encontra em Aristóteles, que explicitamente se queixa da
ausência de estudos prévios:

Quanto ao tema da dedução, não existia em absoluto coisa


alguma anterior a mencionar; ao invés, foi preciso trabalhar
durante muito tempo em investigações experimentais.
(Aristóteles, Refutações Sofísticas, 34: 184a)

Aristóteles não se limitou a definir explicitamente a validade de


maneira fundamentalmente correcta; nem se limitou a descobrir o
conceito de forma lógica. Como se isso não bastasse, deu conta de
todas as validades e invalidades da classe muito restrita de
raciocínios a que dedicou a sua investigação. Além disso, fê-lo de
maneira aproximadamente axiomática e combinatória, numa época
em que o próprio desenvolvimento axiomático da geometria de
Euclides ainda estava por fazer. Não é um exagero afirmar que os
feitos lógicos de Aristóteles revelam um talento como há poucos. E
é claro que não foi apenas em lógica que Aristóteles se destacou.
A sua lógica, porém, tem deficiências de pormenor, além de ser
um beco sem saída teórico, no sentido de não permitir extensões
poderosas. Numa ironia histórica curiosa, foi a lógica desenvolvida
depois de Aristóteles, pelos estóicos, que se revelou a base de

368
quase todos os desenvolvimentos lógicos contemporâneos: foram
eles que explicitaram o raciocínio verofuncional, que é a base de
grande parte da dedução formal — estando até presente, ainda que
inexplicitamente, na lógica quantificada. A ironia é que foi a lógica
de Aristóteles que mais influência exerceu no pensamento europeu
ao longo da Idade Média e até finais do século — apesar de ser
a outra que guardava a chave dos desenvolvimentos posteriores.

369
A.1 Formas lógicas
Aristóteles considera apenas oito formas lógicas:

1. Universal afirmativa: frases da forma «Todo o S é P»,


como «Todos os gregos são europeus». Forma A.
2. Universal negativa: frases da forma «Nenhum S é P»,
como «Nenhum grego é africano». Forma E.
3. Particular afirmativa: frases da forma «Algum S é P»,
como «Alguns gregos são escultores». Forma I.
4. Particular negativa: frases da forma «Algum S não é P»,
como «Alguns gregos não são escultores». Forma O.
5. Indefinida afirmativa: frases da forma «S é P», como
«Gregos são europeus».
6. Indefinida negativa: frases da forma «S não é P», como
«Gregos não são asiáticos».
7. Singular afirmativa: frases da forma «a é P» como
«Sócrates é europeu».
8. Singular negativa: frases da forma «a não é P», como
«Sócrates não é asiático».

Contudo, só as primeiras quatro serão activamente usadas no


desenvolvimento da sua lógica, tendo sido codificadas na Idade
Média seguindo as primeiras quatro vogais, o que permitiu construir
um elaborado sistema mnemónico logicamente irrelevante — e
talvez pedagogicamente desastroso, porque em vez de contribuir
para se compreender por que razão um dado raciocínio é válido ou
não, ensinava apenas a decorar quais o são ou não.
Na lógica de Aristóteles investiga-se e sistematiza-se deduções
constituídas exclusivamente por frases que tenham uma das
primeiras quatro formas lógicas — mas não se sistematiza todas as
deduções constituídas por estas quatro formas lógicas, como se
verá. Aristóteles não usa termos singulares no desenvolvimento da
sua lógica, mas tão-só termos gerais. E há boas razões para não o
fazer, pois introduz artificialismos escusados: insistir que a frase

370
«Sócrates é grego» é universal ou considerar que aquela frase quer
dizer «Todas as coisas chamadas “Sócrates” são gregas» (o que é
muitíssimo pior porque confunde o uso com a menção de palavras).
Uma deficiência capital da lógica de Aristóteles é encarar a frase
«Todo o grego é europeu» como se resultasse de se acrescentar um
quantificador a uma frase que tem a mesma estrutura lógica de
«Sócrates é europeu», o que é falso. Nesta última frase atribui-se
um predicado a «Sócrates», que é um sujeito genuíno; mas na
primeira, «grego» não é realmente o sujeito da frase. Este é o x
oculto que se vê na lógica clássica: ∀x (Fx → Gx). Dizer que todo o
grego é europeu não é atribuir o predicado «europeu» ao sujeito
«grego», mas antes atribuir os predicados «ser grego» e «ser
europeu» a particulares: todo o particular que tem o primeiro
predicado tem também o segundo. Para desenvolver a lógica de
Aristóteles diz-se então que «grego», naquela frase, é o termo
sujeito; mas é da máxima importância não confundir termos sujeitos
com sujeitos, pois os primeiros são na verdade predicados que
estão num lugar sintáctico que noutras frases, ilusoriamente vistas
como análogas, é ocupado por sujeitos genuínos.
Estas considerações explicam por que razão na lógica de
Aristóteles o termo sujeito é permutável com o predicado, coisa que
de facto não ocorre com sujeitos genuínos. Permutar o sujeito com o
predicado na frase «Sócrates é grego» resulta na frase «Grego é
Sócrates», que só tem sentido caso seja encarada como uma
variação poética da primeira; literalmente entendida, a frase quer
dizer que o sujeito grego tem o predicado Sócrates, o que é
destituído de sentido. Em contraste, a permutação é perfeitamente
razoável na frase «Todo o grego é europeu» (ainda que a frase
resultante seja falsa — mas uma frase só é falsa se tiver sentido).
Acresce que quando se considera que a frase «Todo o grego é
europeu» tem a forma «Todo o S é P», introduz-se mais um aspecto
enganador. Superficialmente, parece que as frases daquela forma
têm quatro elementos: quantificador, termo sujeito, termo predicado
e uma misteriosa «cola» que conecta ambos, a cópula. Uma vez
mais, isto decorre da analogia com frases como «Sócrates é
europeu», e esconde duas confusões. Em primeiro lugar, como se
viu, o «é» daquela frase quantificada é muitíssimo diferente do «é»

371
desta última, pois neste caso o verbo «ser» é usado
predicativamente, mas não no caso de frases universalmente
quantificadas. Não se trata de dizer que o sujeito «grego» tem o
predicado «europeu», mas que os sujeitos que têm o predicado «ser
grego» também têm o predicado «ser europeu». Em segundo lugar,
imaginar que há uma «cola» que liga sujeitos a predicados, mesmo
em frases como «Sócrates é europeu», é enganador por duas
razões. A primeira é que faz pensar erradamente que todas as
frases com sentido têm a estrutura «S é P»; isto é obviamente falso,
dado que «Sócrates é Sócrates» não tem aquela estrutura, para não
falar de «Sócrates é mais sábio do que Protágoras» ou de «Está
nevoeiro». A segunda é que se acaso fosse realmente preciso uma
cópula para conectar sujeitos a predicados, isso daria início a uma
regressão infinita. Pois imagine-se que na frase «Sócrates é
europeu» é preciso uma cópula; nesse caso, será preciso outra
cópula para conectar o sujeito à cópula, e uma terceira para
conectar o sujeito à segunda cópula — e isto nunca mais acaba. A
solução é eliminar esta conversa da cópula e afirmar que se atribui
directamente ao sujeito «Sócrates», sem precisar de intermediário, o
predicado «ser europeu». Em qualquer caso, é evidente que a
cópula não é um elemento imprescindível numa frase com sentido
devido a casos como «Está nevoeiro».
A lógica de Aristóteles tem aspectos combinatórios, mas noutros
aspectos cruciais não é combinatória. Nomeadamente, não o é
quanto à formação de novas formas lógicas, além das quatro
iniciais. Na lógica verofuncional, forma-se a partir de apenas cinco
operadores um número infinito de formas lógicas, por mera
combinatória sintáctica; mas na lógica de Aristóteles nunca se sai
das quatro formas iniciais. Isto é uma limitação séria, pois não
permite o imenso alcance da lógica clássica. Um dos aspectos em
que a lógica de Aristóteles é combinatória resulta do entendimento
das componentes das suas quatro formas lógicas: quantificação
(universal e particular), afirmação e negação. Combinando estes
elementos, e tendo sempre em mente apenas a mesma estrutura,
obtém-se as quatro formas originais:

372
373
A.2 Teoria da conversão
A lógica de Aristóteles tem duas partes: a teoria da conversão e a
teoria do silogismo. A primeira é usada para provar resultados na
segunda. Algumas inferências são encaradas como axiomáticas:
são insusceptíveis de prova e são usadas para provar as outras,
exactamente como se faz na lógica clássica, em que se usa o
modus ponens para provar a validade de outros raciocínios.
Na teoria da conversão emerge outro aspecto em que o
pensamento de Aristóteles foi sistemático e combinatório. Caso se
considere apenas as formas A, E, I, O, os raciocínios que resultam
de se mudar o termo sujeito para o termo predicado e vice-versa
são apenas os seguintes:

1. Todo o S é P; logo, todo o P é S.


2. Nenhum S é P; logo, nenhum P é S.
3. Algum S é P; logo, algum P é S.
4. Algum S não é P; logo, algum P não é S.

A tarefa seguinte é determinar quais destas conversões são


válidas, para depois perguntar o que se consegue fazer nos casos
inválidos. Usando a lógica clássica, que torna tudo mais simples, vê-
se logo que a 2 é válida por contraposição, e a 3 devido à
comutatividade da conjunção. A 4 é inválida, tal como a 1, mas esta
última consegue-se converter enfraquecendo o quantificador: dado
que todo o S é P, conclui-se validamente que algum P é S — em
algumas condições a discutir já de seguida. Obtém-se assim dois
tipos de conversões válidas: as simpliciter, com frases das formas E
e I; e as per accidens, com as frases da forma A.
A partir do século , a conversão per accidens viria a tornar-se
uma dor de cabeça para gerações de estudantes e professores que
descobriram, espantados, que afinal se conclui uma frase falsa de
uma verdadeira em algumas partes da lógica de Aristóteles —
quando supostamente a inferência seria válida. Considere-se a
seguinte conversão per accidens:

374
Todos os selenitas são lunáticos.
Logo, alguns lunáticos são selenitas.

A premissa é vacuamente verdadeira porque é uma condicional


universalmente quantificada com antecedente falsa; e mesmo na
lógica de Aristóteles se vê que é verdadeira caso se considere que a
sua contraditória, «Alguns selenitas não são lunáticos», é falsa.
Contudo, como se verá, sem a conversão per accidens, não se
consegue provar a validade de alguns silogismos válidos.
Consequentemente, para se ser fiel ao método de prova de
Aristóteles é preciso excluir os termos vazios, como «selenitas»,
«marcianos», «sereias» e outras ameaças deste jaez. Claro que os
termos que já se sabe que são vazios não levantam grandes
dificuldades. O pior são os termos que não se sabe se são vazios ou
não, como «divindades» ou «mónadas» — pois é perfeitamente
razoável querer raciocinar validamente com eles, mas isso não é
compatível com a aceitação da conversão per accidens.
Contudo, não é preciso excluir termos vazios caso se entenda as
frases da forma O como Aristóteles o fazia, assim como gerações
de lógicos posteriores (Parsons 2017). Deste ponto de vista, a frase
«Alguns selenitas não são lunáticos» é verdadeira, e não falsa,
porque é interpretada como «Nem todo o selenita é lunático», que
soa a verdadeira precisamente porque não há selenitas. Vendo as
coisas desta maneira, a frase «Todos os selenitas são lunáticos» é
falsa, e não verdadeira, também porque não há selenitas. Foi
porque Aristóteles e gerações posteriores de lógicos entendiam as
frases da forma O desta maneira que as conversões per accidens
não exigiam a exclusão de termos vazios.
Contudo, é muito difícil defender este entendimento das frases
da forma O, porque a negação de qualquer frase da forma ∀x (Fx →
Gx) é falsa, e não verdadeira, quando não há qualquer F. O
entendimento tradicional obriga a considerar que as frases da forma
A não são condicionais universalmente quantificadas, mas
predicações como «Sócrates é europeu», acrescidas apenas de um
quantificador; diferem das frases da forma I apenas na
quantificação, e não também porque estas últimas sejam
conjunções existencialmente quantificadas. Este entendimento faz

375
da lógica de Aristóteles uma ilha, isolada da lógica verofuncional, e
por isso insusceptível de ser integrada naquela. Até que ponto isto
terá contribuído para atrasar o desenvolvimento de uma lógica
quantificada devidamente integrada na verofuncional é uma
hipótese histórica que merece ser estudada. Em qualquer caso, é
realmente intuitivo considerar que «Todo o selenita é lunático» é
falsa porque parece limitar-se a atribuir um predicado a um sujeito
inexistente; o preço a pagar, porém, parece demasiado alto.
Este caso encerra uma lição importante: no desenvolvimento de
teorias, é preciso comparar prós e contras, porque nenhuma é tão
angélica que só tenha pontos a seu favor. Falando apenas dos
casos com termos vazios, Aristóteles tem um entendimento intuitivo
das frases da forma A (parecem falsas, e ele considera-as falsas),
mas contra-intuitivo no caso das da forma O (não parecem
verdadeiras, mas ele considera-as verdadeiras); a imagem simétrica
disto é o entendimento moderno que é perfeitamente intuitivo no
caso O (parecem falsas e são falsas), mas contra-intuitivo no caso A
(são entendidas como verdadeiras, mas parecem falsas). De modo
que não é isto que desempata o debate, mas a consequência de ir
na direcção de Aristóteles: não se consegue integrar a lógica
verofuncional na quantificada.

376
A.3 Quadrado de oposição
Além de se perguntar que inferências simples se obtinha por
conversão, Aristóteles perguntou-se também que relações lógicas
existiam entre aquelas quatro formas. E apesar de não se dispor
hoje de um texto em que todas as relações estejam claramente
formuladas, na passagem seguinte Aristóteles apresenta o
suficiente para se inferir o resto:

Digo que a afirmação e a negação são opostos contraditórios


quando o que uma diz universalmente, a outra diz não-
universalmente; por exemplo: todo o homem é branco, nem
todo o homem é branco; nenhum homem é branco, algum
homem é branco. Mas chamo à afirmação universal e à
negação universal opostos contrários; por exemplo: todo o
homem é justo, nenhum homem é justo. Estas não podem
ser verdadeiras em simultâneo, mas as suas opostas podem
ser ambas verdadeiras com respeito à mesma coisa; por
exemplo: nem todo o homem é branco, algum homem é
branco. (Da Interpretação, 7: 17b17–17b26)

«Todo o homem é branco» tem a forma A, e a sua contraditória,


a forma O: «Nem todo o homem é branco.» Ambas são
contraditórias no sentido em que uma delas é verdadeira sse a outra
for falsa. As frases da forma A não têm como contraditórias as da
forma E, que são apenas contrárias, como «Nenhum homem é
branco» — e o exemplo escolhido por Aristóteles mostra logo que
em alguns casos são ambas falsas, pois tanto é falso que todo o
homem é justo como que nenhum o é. Note-se que as frases da
forma A e E só são contrárias — no sentido de serem ambas falsas
em alguns casos, mas não haver casos em que sejam ambas
verdadeiras — desde que se rejeite os termos vazios, ou se insista
na leitura de Aristóteles, segundo a qual «Todo o selenita é lunático»
é falsa porque não há selenitas. Caso se aceite a leitura moderna e

377
não se rejeite as classes vazias, «Todo o selenita é lunático» e
«Nenhum selenita é lunático» são ambas verdadeiras.
Daquela passagem de Aristóteles infere-se o restante quadrado
de oposição (Parsons 2017), sempre tendo em atenção a sua
leitura, ou a exclusão de classes vazias:

Nas linhas diagonais, estão as contraditórias: as frases das


formas A-O nunca são ambas verdadeiras nem ambas falsas, e o
mesmo acontece com E-I. Isto é assim mesmo que se rejeite a
leitura de Aristóteles, e mesmo que se aceite termos vazios. Tudo o
resto depende, porém, da leitura de Aristóteles ou da rejeição de
termos vazios. As frases das formas A-E são contrárias, mas não
contraditórias: algumas são ambas falsas, mas nunca são ambas
verdadeiras. As das formas I-O são subcontrárias: algumas são
ambas verdadeiras, como «Algum homem é justo» e «Algum
homem não é justo», mas nunca são ambas falsas. As frases da
forma A implicam as da forma I, ou seja, as últimas inferem-se
validamente das primeiras. Diz-se então que as frases da forma I
são as subalternas das A. E também as da forma O são subalternas
das E.

378
A.4 Formas silogísticas
A lógica silogística tem por objecto a validade de raciocínios como o
seguinte:

Todos os mamíferos são animais.


Todos os seres humanos são mamíferos.
Logo, todos os seres humanos são animais.

Apesar de a ordem das premissas ser logicamente irrelevante,


neste e noutros casos seria mais intuitivo começar pela segunda;
contudo, devido em parte à maneira algo bizarra como Aristóteles
por vezes escrevia («O mamífero é afirmado de todos os seres
humanos»), a sua silogística está de cabeça para baixo —
ironicamente, porque na maneira como ele escrevia pareceria de
pernas para o ar se a ordem fosse invertida. Em qualquer caso, é
aos raciocínios que têm este tipo de forma lógica que se chama hoje
«silogismo», mas é preciso ver que o termo grego original,
«συλλογισμός», quer dizer apenas «dedução». Isto obriga a traduzir
os textos de Aristóteles com subtileza interpretativa porque em
alguns casos se trata do conceito genérico de dedução — que inclui
a dedução das subalternas e as conversões — e noutros casos é
este género muitíssimo delimitado de raciocínio que está em causa.
Nem todos os raciocínios com duas premissas e uma conclusão,
e cujas frases sejam todas das formas A-O, são silogismos. O
conceito de silogismo é bastante restrito e resulta de um dos
aspectos em que o pensamento lógico de Aristóteles é
combinatório. Partindo do primeiro exemplo, e isolando a sua forma
lógica, compreende-se como Aristóteles terá pensado:

Todo o M é P.
Todo o S é M.
Logo, todo o S é P.

379
Mantém-se a estrutura «S é P», como se vê, mas usa-se agora a
letra M para aquele único termo que se repete nas premissas e que
não ocorre na conclusão, e a que Aristóteles chama
imaginativamente «termo médio». Mantendo a conclusão intacta e
mudando nas premissas apenas a ordem dos termos, já se vê que
se obtém mais três formas:

Todo o P é M.
Todo o S é M.
Logo, todo o S é P.

Todo o M é P.
Todo o M é S.
Logo, todo o S é P.

Todo o P é M.
Todo o M é S.
Logo, todo o S é P.

De notar que pedagogicamente se usou apenas a quantificação


universal e a afirmação; mas é evidente que agora é preciso
introduzir mais estas diferenças na combinatória.
Independentemente de se usar um ou outro dos quantificadores,
contudo, e quer se afirme quer se negue, desde que a disposição
relativa dos termos sujeito, predicado e médio seja como acima, diz-
se que a forma silogística pertence à Figura I, II, III ou IV. A quarta
figura não foi apresentada por Aristóteles pela simples razão de ser
redundante, depois de feita a restante combinatória, relativamente
às outras. Além de pertencer a uma dada figura, os silogismos têm
também modos, que dizem respeito a qual das quatro formas
pertencem as premissas e a conclusão; assim, um silogismo no
modo AAA é constituído por três frases da forma A.
Os modos e as figuras desempenham unicamente o papel de
permitir fazer a lista exaustiva de todas as formas silogísticas. Por
sua vez, isto só é importante para determinar depois quais delas são
válidas e quais são inválidas. A maneira de determinar quantos

380
modos há é óbvia: uma vez que na lógica de Aristóteles só se usa
frases de uma de quatro formas, e uma vez que os silogismos só
têm três frases, a combinatória completa de modos é 4 3 = 64.
Considerando as quatro figuras, obtém-se 64 × 4 = 256 silogismos.
Esta é a combinatória completa: a totalidade de silogismos com
formas lógicas diferentes. (Note-se que, em contraste, na lógica
verofuncional obtém-se um número infinito de raciocínios dedutivos
com formas lógicas diferentes, partindo apenas de cinco
operadores.) O trabalho seguinte é determinar quais são válidos e
quais são inválidos.

381
A.5 Provar validades
Aristóteles usava, como hoje, dois tipos de prova: directa e por
reductio. Em ambos os casos, é preciso partir de alguns silogismos
dados como obviamente válidos (Aristóteles chamava-lhes
«perfeitos» ou «completos») e, em conjunção com a teoria da
conversão, prova-se então que outro silogismo é também válido.
Entre os silogismos «perfeitos» estão os das seguintes formas
lógicas, cujos nomes foram dados pelos medievais:

Bárbara
Todo o M é P.
Todo o S é M.
Logo, todo o S é P.

Celarent
Nenhum M é P.
Todo o S é M.
Logo, nenhum S é P.

Para ver um exemplo de como Aristóteles provava os seus


resultados, considere-se a seguinte forma silogística, a que os
medievais chamaram «Camestres»:

Todo P é M.
Nenhum S é M.
Logo, nenhum S é P.

Eis como Aristóteles prova a validade dos silogismos desta


forma lógica:

Se M pertence a todo o P, mas a nenhum S, então P irá


pertencer a nenhum S. Pois se M pertence a nenhum S, S
pertence a nenhum M; mas M (como se disse) pertence a

382
todo o P; S irá então pertencer a nenhum P; pois formou-se
de novo a primeira figura. Mas dado que a negativa se
converte, P irá pertencer a nenhum S. (Analíticos Anteriores,
I.5: 27a)

A expressão «M pertence a todo o P» é a maneira como


Aristóteles diz habitualmente que todo o P é M. O seu raciocínio é
estão o seguinte:

Com provas directas como esta, e outras por reductio, consegue-


se então provar que há vinte e quatro formas silogísticas válidas,
algumas das quais não eram consideradas relevantes por
Aristóteles porque resultam simplesmente do enfraquecimento da
conclusão. Dado um silogismo da forma Bárbara, por exemplo,
forma-se facilmente outro passando a conclusão para a sua
subalterna:

Todo o M é P.
Todo o S é M.
Logo, algum S é P.

É preciso não esquecer que a subalternidade depende de excluir


termos vazios, ou de entender, como Aristóteles, que «Todo o
selenita é lunático» é falsa. Sem uma ou outra destas restrições, os
raciocínios da forma anterior são inválidos.

383
A.6 Análise dos resultados
Depois de estabelecida a lista completa de todas as formas
silogísticas válidas, Aristóteles pergunta-se: o que têm em comum
as formas válidas, que as distingue das inválidas? É desta análise
que resulta o que depois foi usado como regras para determinar a
validade dos silogismos. Isto é duplamente irónico. Em primeiro
lugar porque são resultados metalógicos de Aristóteles, ou seja,
emergem da análise da sua teoria lógica; não são constitutivos
desta. O que é constitutivo da sua teoria lógica é a maneira como
ele provava os seus resultados, seja directamente seja por reductio.
Em segundo lugar, a ironia é que as tradicionalmente denominadas
«regras» não são regras em qualquer sentido lógico do termo
porque não são regras de inferência, por um lado, e porque não se
aplicam ao raciocínio dedutivo em geral. Em suma: a lógica de
Aristóteles tal como é tradicionalmente ensinada é uma mentira
pedagógica, no sentido em que se consegue o feito impressionante
de não se saber lógica alguma apesar de se saber dizer
correctamente se um silogismo é válido ou não.
Eis então os resultados da análise das formas silogísticas
válidas:

1. Nenhum silogismo válido tem duas premissas negativas.


2. Nenhum silogismo válido tem duas premissas
particulares.
3. Quando um silogismo válido tem conclusão afirmativa,
tem duas premissas afirmativas.
4. Quando um silogismo válido tem conclusão negativa, tem
também uma premissa negativa.
5. Quando um silogismo tem conclusão universal, tem duas
premissas universais.

Como é evidente, estas não são regras de inferência, no sentido


em que não visam permitir partir de duas premissas para conseguir

384
chegar validamente à conclusão — até porque isso já foi feito.
Considere-se de novo a forma Camestres:

Todo P é M.
Nenhum S é M.
Logo, nenhum S é P.

Aplicando as «regras», consegue-se determinar que é válido


porque não as viola. Porém, isto não é de modo algum a prova de
que é válido, ou sequer um exercício de raciocínio lógico; é apenas
a aplicação mecânica de receitas. Para aplicar as regras de maneira
genuinamente lógica, fazendo várias inferências que visam provar
uma conclusão, é preciso modificá-las:

Porém, as cinco «regras» não são princípios lógicos gerais, que


se apliquem a qualquer raciocínio válido. Nada impede um
raciocínio válido de ter duas premissas negativas, violando assim a
primeira «regra»; isso apenas não acontece nos silogismos. Eis um
exemplo:

Nem todo o gato é réptil.


Nem todo o réptil é mamífero.
Logo, há gatos, mas nem tudo são mamíferos.

O mesmo acontece com a segunda «regra»: há raciocínios


válidos com duas premissas particulares, como o seguinte:

385
Alguns répteis são animais agressivos.
Nem todo o réptil tem asas.
Logo, nem tudo tem asas, mas há animais agressivos.

Recorrendo à lógica verofuncional, que na verdade é o


fundamento do raciocínio quantificado, é ainda mais fácil encontrar
raciocínios válidos que violam as «regras», como o seguinte:

Não é verdadeiro que se estiver nublado, chove.


Mas também não é verdadeiro que não chove e não está
nevoeiro.
Logo, está nevoeiro.

Neste caso, o raciocínio tem conclusão afirmativa, apesar de ter


duas premissas negativas — viola por isso a terceira «regra» —
mas é válido.
A investigação lógica de Aristóteles é um feito impressionante.
Contudo, as lições que tirou do reduzido leque de raciocínios válidos
que estudou são ilusórias; não são princípios lógicos em qualquer
sentido significativo do termo. São aspectos exclusivamente daquele
punhado de raciocínios a que hoje chamamos «silogismos». É um
pouco como se Euclides analisasse apenas círculos e ovais,
pretendendo então retirar daí lições geométricas significativas.

386
387
EXERCÍCIOS RESOLVIDOS

388
E.1 Lógica

1. Raciocínio, prova, condições de verdade, validade,


cogência.
2. 1) Se a morte é o fim de tudo, a vida não tem sentido; a
morte é o fim de tudo; logo, a vida não tem sentido. 2) Se
Deus existisse, o livre-arbítrio não existiria; mas Deus não
existe; logo, o livre-arbítrio existe. 3) Se os cépticos
tiverem razão, ninguém tem razão; os cépticos têm razão;
logo, não têm razão. 4) Se a filosofia é uma disciplina
especulativa, é preciso saber especular para saber fazer
filosofia; a filosofia é uma disciplina especulativa; logo, é
preciso saber especular para saber fazer filosofia. 5) Todo
o raciocínio tem premissas; logo, se um texto tem
raciocínios, tem premissas. 6) Yourcenar duvida da
existência do seu corpo; mas não duvida da sua própria
existência; quando se duvida da existência de uma coisa
mas não de outra, as duas não são idênticas; logo,
Yourcenar não é idêntica ao seu corpo. 7) Se o dever
dependesse da motivação, a moralidade perderia o seu
carácter normativo; se o perdesse, dependeria da
psicologia; mas a moralidade não depende da psicologia;
logo, o dever não depende da motivação.

389
E.2 Verofuncionalidade

1. Forma lógica, operador de formação de frases, negação,


disjunção, conjunção, condicional, bicondicional, conjunta,
disjunta, antecedente, consequente, equivalência,
constante lógica, variável de frase elementar, frase
elementar, frase composta, tabela de verdade, operador
unário, operador binário, função de verdade, operador
verofuncional, raciocínio verofuncional, frase
verofuncional, disjunção inclusiva, disjunção exclusiva,
tabela de validade, interpretação, modus ponens, falácia,
afirmação da consequente, negação da antecedente,
inversão da condicional, silogismo disjuntivo, dilema,
variável irrestrita, contradição, inconsistência, implicação
formal, implicação material, verdade lógica, falsidade
lógica, frase logicamente indeterminada, validade vácua,
sintaxe, semântica, fórmula bem formada, martelo
semântico, consequência semântica, modelo,
contramodelo.
2. 1) A frase é falsa porque Eça não era francês, e uma
conjunção só é verdadeira caso ambas as conjuntas
sejam verdadeiras. 2) A frase é falsa porque há números
pares maiores do que cinco. Ora, para que uma
conjunção seja falsa, basta que uma das conjuntas seja
falsa. Por isso, não é preciso determinar se Deus existe
ou não para determinar que a conjunção é falsa. 3) A
frase é falsa pela mesma razão da anterior: porque uma
das conjuntas é falsa. Não é preciso determinar se há
extraterrestres azuis: mesmo que existam, a conjunção é
falsa porque o Sol não é feito de gelo. 4) A frase é
verdadeira porque uma disjunção inclusiva é verdadeira
quando pelo menos uma das disjuntas é verdadeira, ou
quando ambas o são, como neste caso. 5) A frase é falsa
porque ele não era alemão nem egípcio (era espanhol);
ora, uma disjunção só é verdadeira caso pelo menos uma

390
das disjuntas seja verdadeira. 6) A frase é verdadeira
porque não há vida na Lua, e para que uma disjunção
seja verdadeira é suficiente que uma disjunta o seja. 7) A
frase é verdadeira porque tanto a antecedente como a
consequente são verdadeiras, e uma condicional só é
falsa quando a primeira é verdadeira mas a segunda
falsa. 8) A frase é verdadeira porque a antecedente é
falsa, e qualquer condicional com antecedente falsa é
vacuamente verdadeira. 9) A frase é verdadeira pela
mesma razão: porque a antecedente é falsa. 10) A frase é
verdadeira porque as bicondicionais são verdadeiras
quando as duas frases constituintes são verdadeiras. 11)
A frase é verdadeira porque as duas frases constituintes
são falsas. 12) A frase é verdadeira porque as duas frases
constituintes são falsas.
3. 1) A frase é verdadeira porque a antecedente é falsa (as
condicionais só são falsas quando a antecedente é
verdadeira e a consequente falsa). 2) A frase é verdadeira
pela mesma razão da anterior: porque a antecedente é
falsa. 3) A frase é falsa porque a antecedente é
verdadeira e a consequente falsa. 4) A frase é falsa
porque uma das frases é verdadeira e a outra falsa; ora,
uma bicondicional só é verdadeira quando as duas frases
constituintes têm o mesmo valor de verdade. 5) A frase é
falsa pela mesma razão: porque as duas frases têm
valores de verdade diferentes. 6) A frase é verdadeira
porque ambas as suas constituintes são verdadeiras.
4. A conjunção, disjunção e bicondicional são operadores
comutativos; a condicional não é. Isto porque nas tabelas
de verdade se vê que os três primeiros operadores têm as
mesmas condições de verdade nas condições VF e FV, o
que não acontece no caso da condicional.
5. O operador «possivelmente» não é verofuncional porque
o simples valor de verdade de uma frase sem o operador
é insuficiente para determinar o valor de verdade da frase
com esse operador. Por exemplo, a frase falsa «A Terra
tem duas luas» dá lugar a uma frase verdadeira quando

391
lhe acrescentamos o operador de possibilidade, pois é
possível que a Terra tivesse duas luas em vez de uma
apenas; em contraste, a frase também falsa «O número 3
é par» não dá lugar a uma frase verdadeira quando lhe
acrescentamos o operador de possibilidade, pois não é
possível que o número 3 seja par.
6. O raciocínio não é verofuncional porque a sua validade se
estabelece recorrendo não apenas aos operadores
verofuncionais, mas também aos conceitos de ser casada
e de ser solteira.
7. 1) Ou há chocolates ou a vida não tem sentido. 2) Se a
Joana não está na biblioteca, foi para casa. 3) O
conhecimento e a realidade são estudados pela filosofia.
4) Eça foi diplomata e romancista. 5) Na Antiguidade
grega cultivava-se a virtude e a guerra. 6) Os medievais
cultivavam a filosofia e a religião. 7) Eça era diplomata e
romancista. 8) Se não há conhecimento, os cépticos têm
conhecimento de que não há conhecimento. 9) Se há
pensamento, há matéria. 10) Se Hans Rosling tiver razão,
a vida humana é hoje muito melhor do que há duzentos
anos. 11) Se a filosofia for possível, aceitamos o uso
sistemático da racionalidade comum. 12) Se os cépticos
tiverem razão, o mundo exterior é uma ilusão. 13) Se a
arte for apenas imitação, a música pura não é arte. 14) Se
alguém pensa, o génio maligno não pode enganá-lo
quanto à sua existência. 15) Se há sentido na vida, há
entrega activa a projectos de valor. 16) Se uma vida
humana for frívola, é absurda.
8. 1, 4, 7: Negação. 2, 6: Conjunção. 3, 5: Bicondicional.
9. 1) ¬p ⇄ q. 2) ¬(¬p ⇄ q). 3) ¬p ⋀ ¬q. 4) ¬(p ⋁ q). 5) ¬p ⋁ q;
ou: ¬p ⋁ ¬q. Não é possível saber, sem outro contexto,
qual delas é mais apropriada.
10. A disjunção e a bicondicional são associativas. A
condicional não é associativa.
11. 1, 2, 4, 7–9, 11–13: Válidos. Os restantes são inválidos.
12. 1) p ⋁ q, ¬p ∴ q. Válido. 2) p ∴ q. Inválido. Será válido
caso se considere que oculta a premissa «Se há

392
chocolates, a felicidade eterna é possível». 3) p → ¬q ∴
¬q. Inválido. Será válido caso se considere que oculta a
premissa «Os filósofos têm razão». 4) p, ¬p ∴ q. Válido. 5)
p ⇄ q, ¬q ∴ ¬p. Válido. 6) p → q, ¬q ⋁ r ∴ p → r. Válido. 7)
p → ¬q, q ⋀ ¬r ∴ ¬p. Válido. 8) p → q, ¬r → ¬q ∴ ¬r → ¬p.
Válido. 9) ¬p → ¬¬p, ¬p ∴ p. Válido.
13. 1) A → B, ¬B ∴ ¬A 2) A → B, ¬B ∴ ¬A 3) A → B, A ∴ C ⋁
B.
14. 1) A tabela seguinte prova que a negação de A → B é A ⋀
¬B porque têm valores de verdade opostos em qualquer
condição:

15. 1) Paris não é uma cidade chinesa ou Madrid não o é. 2)


Eça ou Orwell acreditava nas divindades gregas. 3) O
argumento ontológico é válido mas não é formalmente válido,
ou não é válido mas é formalmente válido. 4) Picasso
defendia os universais e há razão para se ser nominalista. 5)
Nem Ursula Le Guin escreveu O Elogio da Loucura nem
Gabriel García Márquez o fez.
16. 2) A seguinte tabela prova que as frases das formas A ⋀
B e B ⋀ A são equivalentes porque têm o mesmo valor de
verdade em qualquer condição:

393
17. A tabela seguinte prova que quaisquer frases
verofuncionais das formas p ⋀ q e ¬p ⋀ ¬q são
inconsistentes, porque se uma delas for verdadeira, a outra é
falsa, mas não são contraditórias, porque em algumas
condições são ambas falsas:

18. 1) A tabela seguinte prova que as frases da forma A


implicam as da forma A ⋁ B, porque se as da primeira forma
forem verdadeiras, também as da segunda o serão:

19. 1, 4, 7, 8: Falsidades lógicas. As outras são verdades


lógicas.

394
E.3 Derivações

1. Regra de inferência, modus tollens, derivação, martelo


sintáctico. Regras de inferência: silogismo hipotético,
eliminação da conjunção, introdução da conjunção,
introdução da disjunção, eliminação da bicondicional,
introdução da bicondicional, dilema, modus ponens,
silogismo disjuntivo, negação dupla, leis de De Morgan,
negação da condicional, negação da bicondicional,
definição de condicional, definição de disjunção,
contraposição, comutatividade, idempotência, reductio ad
absurdum, introdução da condicional, eliminação da
disjunção. Axioma, teorema, dedução natural, metalógica;
independência, consistência, completude e solidez de um
sistema; regra primitiva, regra derivada, trivialidade lógica,
princípio da explosão.
2. A eliminação da conjunção aplica-se validamente a 1 e 3
porque a conjunção é o operador principal; não se aplica
validamente nos outros casos porque a conjunção não é
aí o operador principal.
3. 1) Modus tollens; 2) falácia da afirmação da consequente;
3) falácia da negação da antecedente; 4) modus ponens;
5) silogismo hipotético; 6) silogismo disjuntivo; 7) dilema.
4. 1) Se os seres humanos não são os seus próprios corpos,
têm almas imortais. Ora, eles têm almas imortais. Logo,
não são os seus próprios corpos. 2) Ou uma vida humana
temporalmente finita tem sentido, ou não. Se tiver sentido,
não é a imortalidade que lho dá. Se não o tiver, a
imortalidade também não lho dá. Logo, em qualquer caso,
a imortalidade não dá sentido à vida. 3) Se não tivermos
livre-arbítrio, não seremos moralmente responsáveis pelo
que fazemos. Mas somo-lo. Logo, há livre-arbítrio. 4) Se
não soubermos lógica, não saberemos se os raciocínios
dos filósofos são válidos. Se não soubermos que são
válidos, nada de relevante teremos para discutir. Logo, se

395
não soubermos lógica, nada de relevante teremos para
discutir nos textos dos filósofos. 5) Se a arte for expressão
de emoções, o urinol de Duchamp não é arte. Ora, a arte
é expressão de emoções. Logo, o urinol não é arte. 6) Se
Deus não existe, a vida moral não é possível. Mas Deus
existe. Logo, a vida moral é possível. 7) Ou os naturalistas
têm razão quanto ao dualismo, ou pensadores religiosos.
Mas os naturalistas não têm razão. Logo, os pensadores
religiosos têm razão.

5.
1)

1. p → (q ⋁ r) Prem.
2. p⋀r Prem.
3. p 2, E⋀ 2
4. q⋁r 1, 3, MP 1, 2

2)

1. p⋀q Prem.
2. r⋀s Prem.
3. p 1, E⋀ 1
4. r 2, E⋀ 2
5. p⋀r 3, 4, I⋀ 1, 2

3)

1. p→q Prem.
2. q→r Prem.
3. r→p Prem.
4. p→r 1, 2, SH 1, 2
5. p⇄r 3, 4, I⇄ 3, 1, 2

4)

396
1. p→q Prem.
2. s→q Prem.
3. p⋁s Prem.
4. q 1, 2, 3, DIL 1, 2, 3
5. p⋁q 4, I⋁ 1, 2, 3

5)

1. p → (q ⋀ ¬r) Prem.
2. p Prem.
3. q ⋀ ¬r 1, 2, MP 1, 2
4. ¬r 3, E⋀ 1, 2

6)

1. p ⋁ (q → p) Prem.
2. ¬p ⋀ r Prem.
3. ¬p 2, E⋀ 2
4. q→p 1, 3, SD 1, 2

7)

1. p⇄q Prem.
2. p→r Prem.
3. ¬r Prem.
4. q→p 1, E ⇄ 1
5. ¬p 2, 3, MT 2, 3
6. ¬q 4, 5, MT 1, 2, 3
7. ¬q ⋁ p 6, I⋁ 1, 2, 3

8)

1. p ⋁ (q ⋀ r) Prem.
2. p ⇄ s Prem.
3. (q ⋀ r) → s Prem.

397
4. q Prem.
5. p→s 2, E ⇄ 2
6. s 1, 5, 3, DIL 1, 2, 3
7. s⋀q 4, 6, I⋀ 4, 1, 2, 3

9)

1. (p → r) ⋀ (q → r) Prem.
2. ¬r Prem.
3. p→r 1, E⋀ 1
4. ¬p 2, 3, MT 2, 1
5. q→r 1, E⋀ 1
6. ¬q 2, 5, MT 2, 1
7. ¬p ⋀ ¬q 4, 6, I⋀ 2, 1

10)

1. (p → r) ⋁ q Prem.
2. q → ¬r Prem.
3. (p → r) → ¬r Prem.
4. ¬r 1, 2, 3, DIL 1, 2, 3

11)

1. (p → r) ⋁ q Prem.
2. q→p Prem.
3. ¬p Prem.
4. ¬q 2, 3, MT 2, 3
5. p→r 1, 4, SD 1, 2, 3

12)

1. p Prem.
2. p ⋁ (q ⋀ r) 1, I⋁ 1

398
13)

1. p⋀q Prem.
2. r Prem.
3. q 1, E⋀ 1
4. q⋀r 2, 3, I⋀ 2, 1

14)

1. p⋀q Prem.
2. p 1, E⋀ 1
3. q 1, E⋀ 1
4. q⋀p 2, 3, I⋀ 1
5. (q ⋀ r) ⋁ (q ⋀ p) 4, I⋁ 1

15)

1. p Prem.
2. q⋁r Prem.
3. p ⋀ (q ⋁ r) 1, 2, I⋀ 1, 2
4. [p ⋀ (q ⋁ r)] ⋀ p 1, 3, I⋀ 1, 2

16)

1. p ⋀ (q ⋀ r) Prem.
2. q⋀r 1, E⋀ 1
3. r 2, E⋀ 1
4. r⋁s 3, I⋁ 1

17)

1. (p ⇄ q) ⋀ p Prem.
2. p 1, E⋀ 1
3. p ⋁ q 2, I⋁ 1

399
18)

1. p ⇄ (q ⋀ p) Prem.
2. p Prem.
3. p → (q ⋀ p) 1, E ⇄ 1
4. q⋀p 2, 3, MP 2, 1
5. q 4, E⋀ 2, 1

19)

1. (p ⋁ r) → q Prem.
2. p Prem.
3. p⋁r 2, I⋁ 2
4. q 1, 3, MP 1, 2

20)

1. p⋀q Prem.
2. (q ⋁ r) → s Prem.
3. q 1, E⋀ 1
4. q⋁r 3, I⋁ 1
5. s 2, 4, MP 2, 1

21)

1. p Prem.
2. (p ⋁ q) → r Prem.
3. (r ⋀ p) → s Prem.
4. p⋁q 1, I⋁ 1
5. r 2, 4, MP 2, 1
6. r⋀p 1, 5, I⋀ 1, 2
7. s 3, 6, MP 3, 1, 2

22)

400
1. p → (p → r) Prem.
2. p Prem.
3. p→r 1, 2, MP 1, 2
4. r 2, 3, MP 2, 1

23)

1. (p ⇄ q) ⋀ p Prem.
2. p 1, E⋀ 1
3. p ⋁ q 2, I⋁ 1

6.
1)

1. p → (q ⋁ s) Prem.
2. ¬q Prem.
3. ¬s Prem.
4. ¬q ⋀ ¬s 2, 3, I⋀ 2, 3
5. ¬(q ⋁ s) 4, DM 2, 3
6. ¬p 1, 5, MT 1, 2, 3

2)

1. p → (r ⋁ s) Prem.
2. ¬r ⋀ q Prem.
3. ¬s Prem.
4. ¬r 2, E⋀ 2
5. ¬r ⋀ ¬s 3, 4, I⋀ 3, 2
6. ¬(r ⋁ s) 5, DM 3, 2
7. ¬p 1, 6, MT 1, 3, 2

3)

1. ¬(p ⋁ q) Prem.
2. ¬p → r Prem.

401
3. ¬p ⋀ ¬q 1, DM 1
4. ¬p 3, E⋀ 1
5. r 2, 4, MP 2, 1

4)

1. ¬(¬p ⋀ q) Prem.
2. ¬p ⋀ r Prem.
3. p ⋁ ¬q 1, DM 1
4. ¬p → ¬q 3, Def. ⋁ 1
5. ¬p 2, E⋀ 2
6. ¬q 4, 5, MP 1, 2

5)

1. ¬(p → q) Prem.
2. p → ¬r Prem.
3. p ⋀ ¬q 1, Neg. → 1
4. p 3, E⋀ 1
5. ¬r 2, 4, MP 2, 1

6)

1. p⋀q Prem.
2. (p ⋁ r) → s Prem.
3. p 1, E⋀ 1
4. p⋁r 3, I⋁ 1
5. s 2, 4, MP 2, 1

7)

1. r Prem.
2. p → (¬r ⋁ ¬s) Prem.
3. s Prem.
4. r⋀s 1, 3, I⋀ 1, 3

402
5. ¬(¬r ⋁ ¬s) 4, DM 1, 3
6. ¬p 2, 5, MT 2, 1, 3

8)

1. ¬r → p Prem.
2. ¬(p ⋁ q) Prem.
3. s Prem.
4. ¬p ⋀ ¬q 2, DM 2
5. ¬p 4, E⋀ 2
6. r 1, 5, MT 1, 2
7. r⋁q 6, I⋁ 1, 2

9)

1. ¬(¬p ⋀ q) Prem.
2. r Prem.
3. r → ¬p Prem.
4. p ⋁ ¬q 1, DM 1
5. ¬p → ¬q 4, Def. ⋁ 1
6. ¬p 2, 3, MP 2, 3
7. ¬q 5, 6, MP 1, 2, 3

10)

1. s → ¬p Prem.
2. ¬(p → q) Prem.
3. ¬s → ¬r Prem.
4. p ⋀ ¬q 2, Neg. → 2
5. p 4, E⋀ 2
6. ¬s 1, 5, MT 1, 2
7. ¬r 3, 6, MP 3, 1, 2

11)

403
1. ¬(s → p) → ¬p Prem.
2. ¬(¬p ⋁ ¬q) Prem.
3. q → (s → p) Prem.
4. p⋀q 2, DM 2
5. p 4, E⋀ 2
6. ¬s ⋁ p 5, I⋁ 2
7. s→p 6, Def. → 2

12)

1. (q → p) ⋀ s Prem.
2. s → (p → r) Prem.
3. s 1, E⋀ 1
4. p→r 2, 3, MP 2, 1
5. q→p 1, E⋀ 1
6. q→r 4, 5, SH 2, 1
7. ¬r → ¬q 6, CP 2, 1

13)

1. ¬(¬r ⋁ ¬s) → ¬p Prem.


2. r Prem.
3. s Prem.
4. r⋀s 2, 3, I⋀ 2, 3
5. ¬(¬r ⋁ ¬s) 4, DM 2, 3
6. ¬p 1, 5, MP 1, 2, 3
7. ¬p ⋀ s 3, 6, I⋀ 2, 1, 3

14)

1. ¬(p → ¬q) Prem.


2. ¬(r ⋀ s) → ¬q Prem.
3. p⋀q 1, Neg. → 1
4. q 3, E⋀ 1
5. r⋀s 2, 4, MT 2, 1

404
6. r 5, E⋀ 2, 1

15)

1. p ⋁ (¬r → q) Prem.
2. p→q Prem.
3. ¬q ⋀ s Prem.
4. ¬q 3, E⋀ 3
5. ¬p 2, 4, MT 2, 3
6. ¬r → q 1, 5, SD 1, 2, 3
7. ¬q → r 6, CP 1, 2, 3

16)

1. (p ⋁ q) ⋀ p Prem.
2. p 1, E⋀ 1
3. p ⋁ (q ⋀ p) 2, I⋁ 1

17)

1. ¬(¬p ⋁ ¬q) Prem.


2. q → (s → p) Prem.
3. p⋀q 1, DM 1
4. q 3, E⋀ 1
5. s→p 2, 4, MP 2, 1

18)

1. ¬r → p Prem.
2. ¬(p ⋁ q) Prem.
3. ¬p ⋀ ¬q 2, DM 2
4. ¬p 3, E⋀ 2
5. r 1, 4, MT 1, 2
6. r⋁q 5, I⋁ 1, 2

405
19)

1. (p ⋁ r) ⇄ q Prem.
2. q → (p ⋁ r) 1, E ⇄ 1
3. ¬q ⋁ (p ⋁ r) 2, Def. → 1
4. ¬q ⋁ (¬p → r) 3, Def. ⋁ 1

20)

1. p ⇄ q Prem.
2. q → p 1, E ⇄ 1
3. ¬q ⋁ p 2, Def. → 1

21)

1. p Prem.
2. ¬q ⋁ p 1, I⋁ 1
3. q → p 2, Def. → 1

22)

1. p → (q ⋁ r) Prem.
2. p Prem.
3. q⋁r 1, 2, MP 1, 2
4. r⋁q 3, Com. 1, 2

7.
1)

1. p ⋀ (q ⋀ r) Prem.
2. ¬(r ⋁ s) Sup. reductio
3. ¬r ⋀ ¬s 2, DM 2
4. q⋀r 1, E⋀ 1
5. r 4, E⋀ 1

406
6. ¬r 3, E⋀ 2
7. r ⋀ ¬r 5, 6, I⋀ 1, 2
8. r ⋁ s 2–7, reductio 1

2)

1. p → (q ⋁ s) Prem.
2. ¬q Prem.
3. ¬s Prem.
4. p Sup. reductio
5. q⋁s 1, 4, MP 1, 4
6. ¬q ⋀ ¬s 2, 3, I⋀ 2, 3
7. ¬(q ⋁ s) 6, DM 2, 3
8. (q ⋁ s) ⋀ ¬(q ⋁ s) 5, 7, I⋀ 1, 4, 2, 3
9. ¬p 4–8, reductio 1, 2, 3

3)

1. p → (r ⋁ s) Prem.
2. ¬r ⋀ q Prem.
3. ¬s Prem.
4. p Sup. reductio
5. r⋁s 1, 4, MP 1, 4
6. r 3, 5, SD 3, 1, 4
7. ¬r 2, E⋀ 2
8. r ⋀ ¬r 6, 7, I⋀ 3, 1, 4, 2
9. ¬p 4–8, reductio 3, 1, 2

4)

1. ¬(p ⋁ q) Prem.
2. ¬p → r Prem.
3. ¬r Sup. reductio
4. p 2, 3, MT 2, 3
5. ¬p ⋀ ¬q 1, DM 1

407
6. ¬p 5, E⋀ 1
7. p ⋀ ¬p 4, 6, I⋀ 2, 3, 1
8. r 3–6, reductio 2, 1

5)

1. ¬(¬p ⋀ q) Prem.
2. ¬p ⋀ r Prem.
3. q Sup. reductio
4. p ⋁ ¬q 1, DM 1
5. ¬p 2, E⋀ 2
6. ¬q 4, 5, SD 1, 2
7. q ⋀ ¬q 3, 6, I⋀ 3, 1, 2
8. ¬q 3–7, reductio 1, 2

6)

1. ¬(p → q) Prem.
2. p → ¬r Prem.
3. r Sup. reductio
4. ¬p 2, 3, MT 2, 3
5. p ⋀ ¬q 1, Neg. → 1
6. p 5, E⋀ 1
7. p ⋀ ¬p 4, 6, I⋀ 2, 3, 1
8. ¬r 3–7, reductio 2, 1

7)

1. p⋀q Prem.
2. (p ⋁ r) → s Prem.
3. ¬s Sup. reductio
4. ¬(p ⋁ r) 2, 3, MT 2, 3
5. ¬p ⋀ ¬r 4, DM 2, 3
6. ¬p 5, E⋀ 2, 3
7. p 1, E⋀ 1

408
8. p ⋀ ¬p 6, 7, I⋀ 2, 3, 1
9. s 3–8, reductio 2, 1

8)

1. r Prem.
2. p → (¬r ⋁ ¬s) Prem.
3. s Prem.
4. p Sup. reductio
5. ¬r ⋁ ¬s 2, 4, MP 2, 4
6. ¬(r ⋀ s) 5, DM 2, 4
7. r⋀s 1, 3, I⋀ 1, 3
8. (r ⋀ s) ⋀ ¬(r ⋀ s) 6, 7, I⋀ 2, 4, 1, 3
9. ¬p 4–8, reductio 2, 1, 3

9)

1. ¬(¬p ⋀ q) Prem.
2. r Prem.
3. r → ¬p Prem.
4. q Sup. reductio
5. ¬p 2, 3, MP 2, 3
6. ¬p ⋀ q 4, 5, I⋀ 4, 2, 3
7. (¬p ⋀ q) ⋀ ¬(¬p ⋀ q) 1, 6, I⋀ 1, 4, 2, 3
8. ¬q 4–7, reductio 1, 2, 3

10)

1. s → ¬p Prem.
2. ¬(p → q) Prem.
3. ¬s → ¬r Prem.
4. r Sup. reductio
5. p ⋀ ¬q 2, Neg. → 2
6. p 5, E⋀ 2
7. s 3, 4, MT 3, 4

409
8. ¬p 1, 7, MP 1, 3, 4
9. p ⋀ ¬p 6, 8, I⋀ 2, 1, 3, 4
10. ¬r 4–9, reductio 2, 1, 3

11)

1. q→r Prem.
2. ¬(¬p ⋀ ¬q) Prem.
3. ¬r → ¬p Prem.
4. ¬r Sup. reductio
5. p⋁q 2, DM 2
6. ¬p → q 5, Def. ⋁ 2
7. ¬q 1, 4, MT 1, 4
8. ¬p 3, 4, MP 3, 4
9. q 6, 8, MP 2, 3, 4
10. q ⋀ ¬q 7, 9, I⋀ 1, 4, 2, 3
11. r 4–10, reductio 1, 2, 3

12)

1. p → ¬q Prem.
2. q ⋁ (¬p ⋀ t) Prem.
3. p Sup. reductio
4. ¬q 1, 3, MP 1, 3
5. ¬p ⋀ t 2, 4, SD 2, 1, 3
6. ¬p 5, E⋀ 2, 1, 3
7. p ⋀ ¬p 3, 6, I⋀ 3, 2, 1
8. ¬p 3–7, reductio 2, 1

13)

1. (p → q) ⋀ (p → ¬q) Prem.
2. p Sup. reductio
3. p→q 1, E⋀ 1
4. q 2, 3, MP 2, 1

410
5. p → ¬q 1, E⋀ 1
6. ¬q 2, 5, MP 2, 1
7. q ⋀ ¬q 4, 6, I⋀ 2, 1
8. ¬p 2–7, reductio 1

8.
1)

1. ¬q → r Prem.
2. r → ¬p Prem.
3. ¬q Sup. I→
4. r 1, 3, MP 1, 3
5. ¬p 2, 4, MP 2, 1, 3
6. ¬q → ¬p 3–5, I→ 2, 1

2)

1. r Prem.
2. q→p Prem.
3. q Sup. I→
4. p 2, 3, MP 2, 3
5. p⋀r 1, 4, I⋀ 1, 2, 3
6. q → (p ⋀ r) 3–5, I→ 1, 2

3)

1. p → (q ⋁ r) Prem.
2. q→s Prem.
3. r→s Prem.
4. p Sup. I→
5. q⋁r 1, 4, MP 1, 4
6. s 2, 3, 5, DIL 2, 3, 1, 4
7. p→s 4–6, I→ 2, 3, 1

4)

411
1. p→q Prem.
2. q→r Sup. I→
3. p Sup. I→
4. q 1, 3, MP 1, 3
5. r 2, 4, MP 2, 1, 3
6. p→r 3–5, I→ 2, 1
7. (q → r) → (p → r) 2–6, I→ 1

5)

1. p → (q ⋁ r) Prem.
2. q→s Prem.
3. r→s Sup. I→
4. p Sup. I→
5. q⋁r 1, 4, MP 1, 4
6. s 2, 3, 5, DIL 2, 3, 1, 4
7. p→s 4–6, I→ 2, 3, 1
8. (r → s) → (p → s) 3–7, I→ 2, 1

6)

1. p⇄q Prem.
2. q⇄r Prem.
3. p Sup. I→
4. p→q 1, E ⇄ 1
5. q→r 2, E ⇄ 2
6. p→r 4, 5, SH 1, 2
7. r 3, 6, MP 3, 1, 2
8. p→r 3–7, I→ 1, 2
9. r Sup. I→
10. r→q 2, E ⇄ 2
11. q→p 1, E ⇄ 1
12. r→p 10, 11, SH 2, 1
13. p 9, 12, MP 9, 2, 1
14. r→p 9–13, I→ 2, 1
15. p⇄r 8, 14, I ⇄ 1, 2

412
7)

1. p Prem.
2. q Sup. I→
3. q → p 2–1, I→ 1

8)

1. (p ⋀ r) ⋁ (q → r) Prem.
2. ¬r Sup. I→
3. ¬p ⋁ ¬r 2, I⋁ 2
4. ¬(p ⋀ r) 3, DM 2
5. (q → r) ⋁ (p ⋀ r) 1, Com. 1
6. ¬(q → r) → (p ⋀ r) 5, Def. ⋁ 1
7. q→r 4, 6, MT 2, 1
8. ¬q 2, 7, MT 2, 1
9. ¬r → ¬q 2–8, I→ 1
10. q→r 9, CP 1

9)

1. p ⇄ (q ⋀ p) Prem.
2. p Sup. I→
3. p → (q ⋀ p) 1, E ⇄ 1
4. q⋀p 2, 3, MP 2, 1
5. q 4, E⋀ 2, 1
6. p→q 2–5, I→ 1

10)

1. ¬p ⋁ q Prem.
2. ¬p → ¬q Prem.
3. p Sup. I→
4. q 1, 3, SD 1, 3
5. p→q 3–4, I→ 1

413
6. q Sup. I→
7. p 2, 6, MT 2, 6
8. q→p 6–7, I→ 2
9. p⇄q 5, 8, I ⇄ 1, 2

11)

1. (p ⋁ q) → [(r ⋁ s) → (¬t ⋀ u)] Prem.


2. (¬t ⋁ ¬o) → v Prem.
3. p Sup. I→
4. r Sup. I→
5. p⋁q 3, I⋁ 3
6. (r ⋁ s) → (¬t ⋀ u) 1, 5, MP 1, 3
7. r⋁s 4, I⋁ 4
8. ¬t ⋀ u 6, 7, MP 1, 3, 4
9. ¬t 8, E⋀ 1, 3, 4
10. ¬t ⋁ ¬o 9, I⋁ 1, 3, 4
11. v 2, 10, MP 2, 1, 3, 4
12. r→v 4–11, I→ 2, 1, 3
13. p → (r → v) 3–12, I→ 2, 1

12)

1. p→q Prem.
2. r→q Prem.
3. p⋁r Sup. I→
4. q 1, 2, 3, DIL 1, 2, 3
5. (p ⋁ r) → q 3–4, I→ 1, 2

13)

1. p→t Prem.
2. q→t Prem.
3. ¬t Sup. I→
4. ¬q 2, 3, MT 2, 3

414
5. ¬p 1, 3, MT 1, 2
6. ¬q ⋀ ¬p 4, 5, I⋀ 2, 3, 1
7. ¬t → (¬q ⋀ ¬p) 3–6, I→ 2, 1
8. ¬(¬q ⋀ ¬p) → t 7, CP 2, 1
9. (q ⋁ p) → t 8, DM 2, 1

14)

1. q→r Prem.
2. p Prem.
3. p→q Sup. I→
4. q 2, 3, MP 2, 3
5. r 1, 4, MP 1, 2, 3
6. (p → q) → r 3–5, I→ 1, 2

15)

1. p→r Prem.
2. q→s Prem.
3. p⋀q Sup. I→
4. p 3, E⋀ 3
5. r 1, 4, MP 1, 3
6. q 3, E⋀ 3
7. s 2, 6, MP 2, 3
8. r⋀s 5, 7, I⋀ 1, 3, 2
9. (p ⋀ q) → (r ⋀ s) 3–8, I→ 1, 2

16)

1. p⋁q Prem.
2. r → ¬p Prem.
3. ¬q Sup. I→
4. p 1, 3, SD 1, 3
5. ¬r 2, 4, MT 2, 1, 3
6. ¬q → ¬r 3–5, I→ 2, 1

415
17)

1. q → ¬s Prem.
2. q⋁p Prem.
3. s Sup. I→
4. ¬q 1, 3, MT 1, 3
5. p 2, 4, SD 2, 1, 3
6. s→p 3–5, I→ 2, 1

18)

1. p → (q → r) Prem.
2. p⋀q Sup. I→
3. p 2, E⋀ 2
4. q→r 1, 3, MP 1, 2
5. q 2, E⋀ 2
6. r 4, 5, MP 1, 2
7. (p ⋀ q) → r 2–6, I→ 1

19)

1. p→q Prem.
2. r⇄q Prem.
3. ¬r Sup. I→
4. q→r 2, E ⇄ 2
5. ¬q 3, 4, MT 3, 2
6. ¬p 1, 5, MT 1, 3, 2
7. ¬r → ¬p 3–6, I→ 1, 2

9.
1)

1. (p ⋀ r) ⋁ (q → r) Prem.
2. q Prem.
3. p ⋀ r Sup. E⋁

416
4. r 3, E⋀ 3
5. q→r Sup. E⋁
6. r 2, 5, MP 2, 5
7. r 1, 3–4, 5–6, E⋁ 1, 2

2)

1. (p ⋀ q) ⋁ (q ⋀ r) Prem.
2. p⋀q Sup. E⋁
3. q 2, E⋀ 2
4. q⋀r Sup. E⋁
5. q 5, E⋀ 4
6. q 1, 2–3, 4–5, E⋁ 1
7. q⋁s 6, I⋁ 1

3)

1. p ⋁ (q ⋀ p) Prem.
2. p Sup. E⋁
3. q⋀p Sup. E⋁
4. p 3, E⋀ 3
5. p 1, 2–2, 3–4, E⋁ 1
6. p⋁r 5, I⋁ 1

4)

1. p⋁q Prem.
2. p→r Prem.
3. ¬r → ¬q Prem.
4. p Sup. E⋁
5. r 2, 4, MP 2, 4
6. q Sup. E⋁
7. r 3, 6, MT 3, 6
8. r 1, 4–5, 6–7, E⋁ 1, 2, 3

417
5)

1. (p → q) ⋁ (q ⋁ r) Prem.
2. (¬q → ¬p) → r Prem.
3. ¬r → ¬(q ⋁ r) Prem.
4. p→q Sup. E⋁
5. (p → q) → r 2, CP 2
6. r 4, 5, MP 4, 2
7. q⋁r Sup. E⋁
8. r 3, 7, MT 3, 7
9. r 1, 4–6, 7–8, E⋁ 1, 2, 3

6)

1. p ⋁ (¬r ⋀ q) Prem.
2. r → ¬p Prem.
3. p Sup. E⋁
4. ¬r 2, 3, MT 2, 3
5. ¬r ⋀ q Sup. E⋁
6. ¬r 5, E⋀ 5
7. ¬r 1, 3–4, 5–6, E⋁ 1, 2

7)

1. p Prem.
2. (q ⋀ p) → r Prem.
3. q⋁s Prem.
4. q Sup. E⋁
5. q⋀p 1, 4, I⋀ 1, 4
6. r 2, 5, MP 2, 1, 4
7. r⋁s 6, I⋁ 2, 1, 4
8. s Sup. E⋁
9. r⋁s 8, I⋁ 8
10. r⋁s 3, 4–7, 8–9, E⋁ 3, 2, 1

418
8)

1. p → ¬q Prem.
2. q ⋁ (¬p ⋀ t) Prem.
3. q Sup. E⋁
4. ¬p 3, 1, MT 1, 3
5. ¬p ⋀ t Sup. E⋁
6. ¬p 5, E⋀ 5
7. ¬p 2, 3–4, 5–6, E⋁ 2, 1

9)

1. p⋁q Prem.
2. p⇄r Prem.
3. q→r Prem.
4. p Sup. E⋁
5. p→r 2, E ⇄ 2
6. r 4, 5, MP 4, 2
7. q Sup. E⋁
8. r 3, 7, MP 3, 7
9. r 1, 4–6, 7–8, E⋁ 1, 2, 3

10)

1. ¬(¬p ⋀ ¬q) Prem.


2. p→s Prem.
3. ¬s → ¬q Prem.
4. p⋁q 1, DM 1
5. p Sup. E⋁
6. s 2, 5, MP 2, 5
7. q Sup. E⋁
8. s 3, 7, MT 3, 7
9. s 4, 5–6, 7–8, E⋁ 1, 2, 3

11)

419
1. p Prem.
2. (q ⋀ p) → r Prem.
3. q⋁t Prem.
4. q Sup. E⋁
5. q⋀p 1, 4, I⋀ 1, 4
6. r 2, 5, MP 2, 1, 4
7. r⋁t 6, I⋁ 2, 1, 4
8. t Sup. E⋁
9. r⋁t 8, I⋁ 8
10. r⋁t 3, 4–7, 8–9, E⋁ 3, 2, 1

12)

1. (p ⋀ q) ⋁ (p ⋀ ¬r) Prem.
2. ¬r → ¬p Prem.
3. p⋀q Sup. E⋁
4. q 3, E⋀ 3
5. p ⋀ ¬r Sup. E⋁
6. ¬q Sup. reductio
7. p 5, E⋀ 5
8. r 2, 7, MT 2, 5
9. ¬r 5, E⋀ 5
10. r ⋀ ¬r 8, 9, I⋀ 2, 5
11. q 6–10, reductio 2, 5
12. q 1, 3–4, 5–10, E⋁ 1, 2

10.
1)

1. ¬(p ⋁ ¬p) Sup. reductio


2. ¬p ⋀ p 1, DM 1
3. p ⋁ ¬p 1–2, reductio
4. ¬p ⋁ p 3, Com.
5. ¬(p ⋀ ¬p) 4, DM

420
2)

1. ¬(p → p) Sup. reductio


2. p ⋀ ¬p 1, Neg. → 1
3. p → p 1–2, reductio

3)

1. q Sup. I→
2. ¬(p ⋁ ¬p) Sup. reductio
3. ¬p ⋀ p 2, DM 2
4. p ⋁ ¬p 2–3, reductio
5. q → (p ⋁ ¬p) 1–4, I→

4)

1. p ⋀ ¬p Sup. →
2. ¬p 1, E⋀ 1
3. ¬p ⋁ q 2, I⋁ 1
4. p→q 3, Def. ⋁ 1
5. p 1, E⋀ 1
6. q 4, 5, MP 1
7. (p ⋀ ¬p) → q 1–6, I→

5)

1. p⋀q Sup. I→
2. p 1, E⋀ 1
3. p⋁q 2, I⋁ 1
4. (p ⋀ q) → (p ⋁ q) 1–3, I→

421
E.4 Quantificação

1. Extensão e extensão conservadora de uma teoria,


predicado e propriedade, nome e particular, propriedade
relacional, quantificador, quantificador universal,
quantificador existencial, generalidade, variável livre,
variável ligada, âmbito de um quantificador, domínio de
quantificação. Regras de inferência: eliminação do
quantificador universal, introdução do quantificador
existencial, definição de quantificadores, negação de
quantificadores, introdução do quantificador universal,
eliminação do quantificador existencial. Nome arbitrário,
implicação existencial.
2. 1) Fx: ser perspicaz; a: Eça; Fa. 2) Fx: ser romancista; a:
Eça; Fa. 3) Fx: ser húngaro; a: Ligeti; Fa. 4) Fxy: x ama y;
a: Leonardo; b: Salai; Fab. 5) Fxy: x ama y; a: Salai; b:
Leonardo; Fba. 6) Fxy: x ama y; a: Leonardo; Fab. 7)
Fxyz: x fica entre y e z; a: Coimbra; b: Porto; c: Lisboa;
Fabc. 8) Fxyz: x fica entre y e z; a: Coimbra; b: Porto; c:
Lisboa; Fbac. 9) Fxyz: x fica entre y e z; a: Coimbra; b:
Porto; c: Lisboa; Facb.
3. 1) Leonardo é gentil; 2) Salai é gentil; 3) Leonardo admira
Salai; 4) Salai admira Leonardo; 5) Leonardo admira-se a
si próprio.
4. 1) Fx: x é inglês; a: Maugham; b: Orwell; Fa → Fb. 2) Fx: x
é grego; a: Maugham; b: Orwell; ¬Fa ⇄ ¬Fb. 3) Fx: x é
inglês; a: Maugham; b: Orwell; Fa ⋀ Fb; 4) Fxy: x é
casado com y; a: Orwell; b: Sonia; c: Maugham; Fab ⋀
¬Fcb. 5) Fxy: x é casado com y; a: Orwell; b: Sonia; Fab
⇄ Fba. 6) Fxy: x é casado com y; a: Orwell; b: Sonia; Fab
⋁ Faa. 7) Fx: x é cobarde; a: Orwell; ¬Fa.
5. 1) Se Orwell é gentil, admira Sonia. 2) Sonia é gentil e
Orwell não se admira a si próprio. 3) Orwell admira Sonia
ou Sonia não é gentil. 4) Sonia admira Orwell se e só se

422
Orwell não admira Sonia. 5) Orwell não se admira a si
próprio e Sonia é gentil.
6. ∃x ¬Fx
7. ∀x ¬Fx
8. Alguns cépticos não são irracionais.
9. Nenhum poeta é desinteressante.
10. 1) Fx: x é água; ¬∃x Fx; 2) ∃x Fx; 3) ∃x ¬Fx; 4) ¬∀x Fx. 5)
∀x Fx; 6) Fx: x é um mamífero; Gx: x é veloz; ∀x (Fx →
Gx); 7) ¬∃x (Fx ⋀ Gx); 8) ∃x (Fx ⋀ Gx); 9) ∃x (Fx ⋀ ¬Gx);
10) Fx: x é ensaísta; Gx: x é inglês; a: Orwell; Fa ⋀ Ga;
11) Fa → ¬Ga; 12) ¬(Fa → ¬Ga); 13) Fa ⋁ Ga; 14) ∃x Fx
→ Fa. 15) ¬Fa → ¬∃x Fx. 16) ∀x (Fx → Gx) → Ga. 17) ∃x
(Fx ⋀ ¬Gx) ⋀ (Fa ⋀ ¬Ga). 18) Fx: x é fantasioso; a:
Isidoro; Fa → ∃x Fx. 19) ¬Fa.
11. 1) Os ingleses são ensaístas. 2) Nenhum inglês é
ensaísta. 3) Há ingleses ensaístas. 4) Há ingleses que
não são ensaístas. 5) Tudo é inglês. 6) Há ingleses. 7) Se
Orwell é inglês, há ingleses ensaístas. 8) Se Orwell é
inglês, há ingleses. 9) Se Orwell é inglês, há ingleses e
ensaístas. 10) Se todos os ingleses são ensaístas, Orwell
é ensaísta. 11) Se Orwell é ensaísta, é inglês.
12. 1) Domínio: pessoas; a: Yourcenar; Fxy: x ama y; ∃x Fxa.
2) ∃x Fax. 3) ∃x ∃y Fxy. 4) ∃x Fxx. 5) ∀x ∃y Fxy. 6) ∃x ∀y
Fxy.
13. 1) Isidoro fala com toda a gente. 2) Toda a gente fala com
Isidoro. 3) Há quem fale com Isidoro. 4) Isidoro fala com
alguém. 5) Alguém fala consigo próprio. 6) Alguém fala
com alguém. 7) Toda a gente fala com toda a gente. 8)
Toda a gente fala consigo própria.
14. 1) Fa ⋀ Fb. 2) Fa ⋁ Fb. 3) (Fa → Ga) ⋀ (Fb → Gb). 4) (Fa
⋀ Ga) ⋁ (Fb ⋀ Gb). 5) (Fa ⋀ Ga) ⋀ (Fb ⋀ Gb). 6) (Fa →
Ga) ⋁ (Fb → Gb). 7) ¬Fa ⋀ ¬Fb. 8) ¬(Fa ⋀ Fb). 9) ¬Fa ⋁
Fb. 10) ¬(Fa ⋁ Fb).

15.
1)

423
1. ∀x (Fx → Gx) Prem.
2. ¬Ga Prem.
3. Fa → Ga 1, E∀ 1
4. ¬Fa 2, 3, MT 2, 1

2)

1. ∀x ¬(Fx → Fx) Prem.


2. ¬Ga Sup. reductio
3. ¬(Fa → Fa) 1, E∀ 1
4. Fa ⋀ ¬Fa 2, Neg. → 1
5. Ga 2–4, reductio 1

3)

1. ∀x ¬(Fx → Gx) Prem.


2. ¬(Fa → Ga) 1, E∀ 1
3. Fa ⋀ ¬Ga 2, Neg. → 1
4. ¬Ga 3, E⋀ 1

4)

1. ∀x Fx Prem.
2. Fa 1, E∀ 1
3. ∃x Fx 2, I∃ 1

5)

1. ∃x (Fx → Gx) Prem.


2. ∃x (¬Gx → ¬Fx) 1, CP 1

6)

1. ¬∀x (Fx → Gx) Prem.

424
2. ∃x ¬(Fx → Gx) 1, Neg. ∀ 1
3. ∃x (Fx ⋀ ¬Gx) 2, Neg. → 1

7)

1. ¬∀x (Fx → ¬Gx) Prem.


2. ∃x ¬(Fx → ¬Gx) 1, Neg. ∀ 1
3. ∃x (Fx ⋀ Gx) 2, Neg. → 1

8)

1. ¬∃x (Fx ⋀ Gx) Prem.


2. ∀x ¬(Fx ⋀ Gx) 1, Neg. ∃ 1
3. ∀x (¬Fx ⋁ ¬Gx) 2, DM 1
4. ∀x (Fx → ¬Gx) 3, Def. → 1

9)

1. ¬∃x (Fx ⋀ ¬Gx) Prem.


2. ∀x ¬(Fx ⋀ ¬Gx) 1, Neg. ∃ 1
3. ∀x (¬Fx ⋁ Gx) 2, DM 1
4. ∀x (Fx → Gx) 3, Def. → 1

10)

1. ∀x (Fx → Gx) Prem.


2. Fa Prem.
3. Fa → Ga 1, E∀ 1
4. Ga 2, 3, MP 2, 1
5. ∃x Gx 4, I∃ 2, 1

11)

1. ∀x (Fx ⋁ Gx) Prem.

425
2. Fa → Ha Prem.
3. Ga → Ha Prem.
4. Fa ⋁ Ga 1, E∀ 1
5. Fa Sup. E⋁
6. Ha 2, 5, MP 2, 5
7. Ga Sup. E⋁
8. Ha 3, 7, MP 3, 7
9. Ha 4, 5–6, 7–8, E⋁ 1, 2, 3
10. ∃x Hx 9, I∃ 1, 2, 3

16.
1)

1. ∀x (Fx ⇄ Gx) Prem.


2. Fn ⇄ Gn 1, E∀ 1
3. Fn → Gn 2, E ⇄ 1
4. ∀x (Fx → Gx) 3, I∀ 1

2)

1. ∀x (Fx ⋀ Gx) Prem.


2. Fn ⋀ Gn 1, E∀ 1
3. Fn 2, E⋀ 1
4. ∀x Fx 3, I∀ 1

3)

1. ∀x Fx Prem.
2. Fn 1, E∀ 1
3. Fn ⋁ Gn 1, I⋁ 1
4. ∀x (Fx ⋁ Gx) 3, I∀ 1

4)

1. ∀x (Fx → Gx) Prem.

426
2. ∀x Fx Prem.
3. Fn → Gn 1, E∀ 1
4. Fn 2, E∀ 2
5. Gn 3, 4, MP 1, 2
6. ∀x Gx 5, I∀ 1, 2

5)

1. ∀x (Fx → Gx) Prem.


2. ∀x ¬Gx Prem.
3. Fn → Gn 1, E∀ 1
4. ¬Gn 2, E∀ 2
5. ¬Fn 3, 4, MT 1, 2
6. ∀x ¬Fx 5, I∀ 1, 2

6)

1. ∀x (Fx ⋁ Gx) Prem.


2. Fa → ∃x Hx Prem.
3. Ga → ¬∀x ¬Hx Prem.
4. Fa ⋁ Ga 1, E∀ 1
5. Fa Sup. E⋁
6. ∃x Hx 2, 5, MP 2, 5
7. Ga Sup. E⋁
8. ¬∀x ¬Hx 3, 7, MP 3, 7
9. ∃x Hx 8, Neg. ∀ 3, 7
10. ∃x Hx 4, 5–6, 7–9, E⋁ 1, 2, 3

17.
1)

1. ∀x (Fx → Gx) Prem.


2. ∃x Fx Prem.
3. Fn Sup. E∃
4. Fn → Gn 1, E∀ 1

427
5. Gn 3, 4, MP 3, 1
6. Fn ⋀ Gn 3, 5, I⋀ 3, 1
7. ∃x (Fx ⋀ Gx) 6, I∃ 3, 1
8. ∃x (Fx ⋀ Gx) 2, 3–7, E∃ 2, 1

2)

1. ∃x (Fx ⋁ Gx) Prem.


2. Fn ⋁ Gn Sup. E∃
3. Fn Sup. E⋁
4. ∃x Fx 3, I∃ 3
5. ∃x Fx ⋁ ∃x Gx 4, I⋁ 3
6. Gn Sup. E⋁
7. ∃x Gx 6, I∃ 6
8. ∃x Fx ⋁ ∃x Gx 7, I⋁ 6
9. ∃x Fx ⋁ ∃x Gx 2, 3–5, 6–8, E⋁ 2
10. ∃x Fx ⋁ ∃x Gx 1, 2–9, E∃ 1

3)

1. ∃x Fx ⋁ ∃x Gx Prem.
2. ∃x Fx Sup. E⋁
3. Fn Sup. E∃
4. Fn ⋁ Gn 3, I⋁ 3
5. ∃x (Fx ⋁ Gx) 4, I∃ 3
6. ∃x (Fx ⋁ Gx) 2, 3–5, E∃ 2
7. ∃x Gx Sup. E⋁
8. Gn Sup. E∃
9. Fn ⋁ Gn 8, I⋁ 8
10. ∃x (Fx ⋁ Gx) 9, I∃ 8
11. ∃x (Fx ⋁ Gx) 7, 8–10, E∃ 7
12. ∃x (Fx ⋁ Gx) 1, 2–6, 7–11, E⋁ 1

4)

428
1. ∃x (Fx ⋀ Gx) Prem.
2. Fn ⋀ Gn Sup. E∃
3. Fn 2, E⋀ 2
4. ∃x Fx 3, I∃ 2
5. Gn 2, E⋀ 2
6. ∃x Gx 5, I∃ 2
7. ∃x Fx ⋀ ∃x Gx 4, 6, I⋀ 2
8. ∃x Fx ⋀ ∃x Gx 1, 2–7, E∃ 1

5)

1. ∀x (Fx → Gx) Prem.


2. ∃x Fx Prem.
3. Fn → Gn 1, E∀ 1
4. Fn Sup. E∃
5. Gn 3, 4, MP 1, 4
6. Fn ⋀ Gn 4, 5, I⋀ 4, 1
7. ∃x (Fx ⋀ Gx) 6, I∃ 4, 1
8. ∃x (Fx ⋀ Gx) 2, 4–7, E∃ 2, 1

6)

1. ∃y ∀x Fyx Prem.
2. ∀x Fnx Sup. E∃
3. Fnm 2, E∀ 2
4. ∃y Fym 3, I∃ 2
5. ∀x ∃y Fyx 4, I∀ 2
6. ∀x ∃y Fyx 1, 2–5, E∃ 1

429
E.5 Identidade

1. Identidade: numérica e qualitativa. Descrição definida;


relações: reflexivas, simétricas e transitivas. Propriedades
lógicas da identidade; regra de inferência: substituição de
idênticos. Uso e menção de nomes; compromisso
ontológico dos nomes próprios.
2. 1) Fx: x é fantasioso; a: Isidoro; ∃x [Fx → (x = a)]. Noutra
interpretação: ∃x Fx → Fa. 2) ¬∃x (x = a). 3) ∀x Fx → ¬∃x
(x = a); 4) ∀x ∃y (x = y).
3. 1) Há algo que é ensaísta e é Orwell. 2) Orwell não existe.
3) Existe algo que não é Orwell. 4) Orwell é ensaísta ou
nada é idêntico a si próprio. 5) Se Orwell é ensaísta,
existe.
4. 1) Fxy: x é autor de y; a: 1984; Gx: x é holandês; Hx: x é
inglês; ∃x [Fxa ⋀ ∀y [Fya → (y = x)] ⋀ ¬Gx ⋀ Hx]. 2) a:
Maugham; b: O Fio da Navalha; Fxy: x é autor de y; ∃x
[Fxb ⋀ ∀y [Fyb → (y = x)] ⋀ (x = a)]. 3) Fxyz: x deita fora y
depois de subir por z; Gx: x é filósofo; Hx: x é uma
escada; Ix: x é austríaco; ∃x ∃y [Gx ⋀ Hy ⋀ Fxyy ⋀ ∀w
[Fwyy → (w = x)] ⋀ Ix].

1)

1. (a = b) → Ga Prem.
2. a=b Prem.
3. Ga 1, 2, MP 1, 2
4. Gb 2, 3, SI 2, 1

2)

1. a = b Prem.
2. b = c Prem.
3. Fa Prem.

430
4. Fb 1, 3, SI 1, 3
5. Fc 2, 4, SI 2, 1, 3

3)

1. Fa Prem.
2. ¬Fb Prem.
3. a=b Sup. reductio
4. Fb 1, 3, SI 1, 3
5. Fb ⋀ ¬Fb 2, 4, I⋀ 2, 1, 3
6. ¬(a = b) 3–5, reductio 2, 1

4)

1. ∀x (x = a) Prem.
2. Fb Prem.
3. b=a 1, E∀ 1
4. Fa 2, 3, SI 2, 1

5)

1. ∃x Fx → (a = b) Prem.
2. Fa Prem.
3. ∃x Fx 2, I∃ 2
4. a=b 1, 3, MP 1, 2
5. Fb 2, 4, I= 2, 1

6)

1. Fa Prem.
2. a=b Prem.
3. Fb → Ga Prem.
4. Fb 1, 2, I= 1, 2
5. Ga 3, 4, MP 3, 1, 2
6. ∃x Gx 5, I∃ 3, 1, 2

431
7)

1. ¬∃x (x = a) Sup. reductio


2. ∀x ¬(x = a) 1, Neg. ∃ 1
3. ¬(a = a) 2, E∀ 1
4. ∃x (x = a) 1–3, reductio

8)

1. ¬∃x (x = x) Sup. reductio


2. ∀x ¬(x = x) 1, Neg. ∃ 1
3. ¬(n = n) 2, E∀ 1
4. ∃x (x = x) 1–3, reductio

9)

1. ¬(n = n) Sup. reductio


2. n = n 1–1, reductio
3. ∀x (x = x) 1, I∀

10)

1. ∃x [Fx ⋀ ∀y [Fy → (y = x)] Prem.


2. Fa ⋀ Fb Prem.
3. Fn ⋀ ∀y [Fy → (y = n)] Sup. E∃
4. ∀y [Fy → (y = n)] 3, E⋀ 3
5. Fa → (a = n) 4, E∀ 3
6. Fa 2, E⋀ 2
7. a=n 5, 6, MP 3, 2
8. Fb 2, E⋀ 2
9. Fb → (b = n) 4, E∀ 3
10. b=n 8, 9, MP 2, 3
11. a=b 7, 10, SI 3, 2
12. a=b 1, 3–11, E∃ 1, 2

432
11)

1. ∀x [Fx → ¬(x = a)] Prem.


2. ∃x (Fx ⋀ Gx) Prem.
3. Fn → ¬(n = a) 1, E∀ 1
4. Fn ⋀ Gn 2, Sup. E∃
5. Fn 4, E⋀ 4
6. ¬(n = a) 3, 5, MP 1, 4
7. Gn 4, E⋀ 4
8. Gn ⋀ ¬(n = a) 6, 7, I⋀ 1, 4
9. ∃x [Gx ⋀ ¬(x = a)] 8, I∃ 1, 4
10. ∃x [Gx ⋀ ¬(x = a)] 2, 4–9, E∃ 2, 1

433
E.6 Árvores
1. Árvore de verdade, decomposição de frases em ramo e em lista,
frase clássica.
2.
1)

434
4)

435
5)

6)

436
7)

8)

437
9)

10)

438
11)

439
12)

13)

14)

440
15)

3.
1)

441
2)

3)

442
4)

5)

443
6)

7)

444
8)

9)

445
10)

4.

446
1)

2)

¬[(p ⋀ ¬p) → q]
p ⋀ ¬p
¬q
p
¬p

3)

447
4)

¬∃x (x = a)
∀x ¬(x = a)
¬(a = a)

5)

6)

448
7)

8)

449
450
E.7 Modalidade

1. Lógica modal alética, lógicas modais não-aléticas,


necessidade, possibilidade, contingência, verdade
analítica, verdade sintética, conhecimento a priori,
conhecimento a posteriori; modalidades aléticas,
semânticas e epistémicas; mundos possíveis,
acessibilidade entre mundos possíveis, mundo actual;
regras de inferência: negação da necessidade, negação
da possibilidade, necessidade, possibilidade. Raciocínio
alético, argumento da batalha naval; regras de extensão:
reflexividade, simetria e transitividade. Sistemas de lógica
modal: K, T, KB, B, KS4, S4, KS5, S5. Fórmulas de
Barcan, modalidades de dicto e de re, possibilia,
necessidade da idêntidade, âmbito do operador modal,
modalidade conceptual.
2. 1) p: Há bem; q: Há mal. □p → ¬◇q. 2) a: Maugham; Fx: x
está enganado. ◇Fa ⋀ ¬□Fa. 3) Fx: x é matemático; Gx: x
é bípede; Hx: x é racional. ¬□(∀x Fx → Gx) ⋀ □(∀x Fx →
Hx). 4) Fx: x é um triângulo. □∃x Fx ⋀ □□∃x Fx.
3. 1) Aristófanes não tinha de ter nascido em Atenas. 2) A
vida não tem de não ter sentido. 3) O livre-arbítrio pode
não ser uma ilusão. 4) Um argumento válido não pode ter
premissas verdadeiras e conclusão falsa. 5) A arte tanto
pode existir como não. 6) Picasso não pode não ter razão.
7) Pode-se ir a Marte.
4. 1) Aristófanes não nasceu em Atenas em todos os
mundos possíveis acessíveis ao actual. 2) A vida não é
destituída de sentido em todos os mundos possíveis
acessíveis ao actual. 3) O livre-arbítrio não é uma ilusão
em alguns mundos possíveis acessíveis ao actual. 4) Não
há qualquer mundo possível acessível ao actual no qual
um argumento válido tenha premissas verdadeiras e
conclusão falsa. 5) Há mundos possíveis acessíveis ao
actual onde há arte e mundos possíveis também

451
acessíveis ao actual onde não há arte. 6) Não há qualquer
mundo possível acessível ao actual no qual Orwell não
tenha razão. 7) Há mundos possíveis acessíveis ao actual
onde se vai a Marte.

1)

q
¬(¬□¬p → ◇p)
¬□¬p
¬◇p
◇p

2)

□q
¬□(p → p)
◇¬(p → p)
α-β
β {¬(p → p)}
β {p}
β {¬p}

3)

□¬(p → p)
¬□q
◇¬q
α-β
β {¬q}
β {¬(p → p)}
β {p}
β {¬p}

452
4)

5)

453
6)

◇(p ⋀ q)
¬◇p
□¬p
α-β
β {p ⋀ q}
β {p}
β {q}
β {¬p}

7)

◇p ⇄ □q
¬(p ⋁ ¬q)

454
¬p
q
╱╲
◇p □¬p
□q ◇¬q
α-β α-β
β {p} β {¬q}
β {q} β {¬p}

8)

◇p → □◇p
¬(p → ◇p)
p
□¬p
╱╲
□¬p □◇p

6.
1)

◇p
□□¬p
α-β
β {p}
β {□¬p}
Refl.
β-β
β {¬p}

2)

□p
□◇¬p
Refl.

455
α-α
◇¬p
α-β
β {¬p}
β {p}

3)

□p
□□¬p
Refl.
α-α
□¬p
p
¬p

4)

p
◇□◇□¬p
α-β
β {□◇□¬p}
Sim.
β-α
◇□¬p
α-γ
γ {□¬p}
Sim.
γ-α
¬p

5)

□¬(p → p)
¬□◇q
Refl.

456
α-α
¬(p → p)
p
¬p

6)

p
□¬(q → q)
Refl.
α-α
¬(q → q)
q
¬q

7)

8)

457
◇p → □◇p
¬(p → ◇p)
p
□¬p
Refl.
α-α
¬p

7.
1)

458
2)

459
3)

8.
1)

460
2)

3)

¬◇Fa

461
∀x Fx
¬Gb
□¬Fa
Refl.
α-α
¬Fa
Fa

4)

◇Gb
¬□(Fa ⋁ ¬Fa)
◇¬(Fa ⋁ ¬Fa)
α-β
β {¬(Fa ⋁ ¬Fa)}
β {¬Fa}
β {Fa}

5)

a=b
Fa
¬□Fb
◇¬Fb
α-β
β {¬Fb}
β {¬Fa}

6)

a=b
Fa
¬◇Fb
□¬Fb
Refl.

462
α-α
¬Fb
¬Fa

9.
1)

2)

¬□(◇∃x Fx → ∃x ◇Fx)
◇¬(◇∃x Fx → ∃x ◇Fx)
α-β
β {¬(◇∃x Fx → ∃x ◇Fx)}
β {◇∃x Fx}
β {¬∃x ◇Fx}

463
β {∀x □ ¬Fx}
β-γ
γ {∃x Fx}
γ {Fa}
β {□¬Fa}
γ {¬Fa}

3)

¬□(∀x □Fx → □∀x Fx)


◇¬(∀x □Fx → □∀x Fx)
α-β
β {¬(∀x □Fx → □∀x Fx)}
β {∀x □Fx}
β {◇∃x ¬Fx}
β-γ
γ {∃x ¬Fx}
γ {¬Fa}
β {□Fa}
γ {Fa}

4)

¬[◇∃x (x = a) → ∃x ◇ (x = a)]
◇∃x (x = a)
∀x □¬(x = a)
α-β
β {∃x (x = a)}
β {b = a}
□¬(b = a)
β {¬(b = a)}

5)

¬□∃x (x = a)

464
◇∀x ¬(x = a)
α-β
β {∀x ¬(x = a)}
β {¬(a = a)}

6)

¬□∀x (x = x)
◇∃x ¬(x = x)
α-β
β {∃x ¬(x = x)}
β {¬(a = a)}

7)

¬□(∀x Fx → ∃x Fx)
◇¬(∀x Fx → ∃x Fx)
α-β
β {¬(∀x Fx → ∃x Fx)}
β {∀x Fx}
β {¬∃x Fx}
β {∀x ¬Fx}
β {Fa}
β {¬Fa}

8)

¬□[(a = b) → □(a = b)]


◇¬[(a = b) → □(a = b)]
α-β
β {¬[(a = b) → □(a = b)]}
β {a = b}
β {◇¬(a = b)}
β {◇¬(a = a)}
β-γ

465
γ {¬(a = a)}

9)

466
E.8 Além da linguagem

1. Apoio indutivo, raciocínio monotónico e não-monotónico,


expectativas indutivas, generalização indutiva, previsão
indutiva, raciocínio probabilístico, complemento da
probabilidade, probabilidade condicional, probabilidades
exclusivas, disjunção de probabilidades, probabilidades
independentes, conjunção de probabilidades, teorema de
Bayes, crença declarativa, factividade, conhecimento
declarativo, responsabilidade epistémica, azar epistémico,
fontes de prova, argumentos de autoridade, cadeia
probatória, autoridade epistémica relevante, falácias da
autoridade deslocada, deferência epistémica, paridade
epistémica, malevolência epistémica, crenças de fundo,
crenças estatísticas, crenças causais, racionalização,
sistemas cognitivos 1 e 2, supressão de provas,
preconceito.

467
468
SÍMBOLOS E ABREVIATURAS

sse Se e só se
¬ Negação
⋀ Conjunção
⋁ Disjunção
→ Condicional
⇄ Bicondicional
p, q, r… Variáveis de frases elementares
V, F Verdadeiro, falso
⩒ Disjunção exclusiva
( ), [ ] Parêntesis
∴ Indicador de conclusão
A, B, C… Variáveis irrestritas de frases
fbf Fórmula bem formada
⊨ Indicador de consequência semântica
⊢ Indicador de derivabilidade
E⋀ Eliminação da conjunção
I⋀ Introdução da conjunção
I⋁ Introdução da disjunção
E⇄ Eliminação da bicondicional
I⇄ Introdução da bicondicional
MP Modus ponens
MT Modus tollens
DIL Dilema
SD Silogismo disjuntivo
SH Silogismo hipotético
Prem. Premissa
≡ Intersubstituibilidade
ND Negação dupla
DM De Morgan
Neg. → Negação da condicional
Neg. ⇄ Negação da bicondicional
Def. → Definição de condicional
Def. ⋁ Definição de disjunção

469
CP Contraposição
Com. Comutatividade
Sup. Suposição
I→ Introdução da condicional
E⋁ Eliminação da disjunção
a, b, c… Constantes nominais
Fx, Gx,… Variáveis predicativas
∀x Quantificador universal
∃x Quantificador existencial
E∀ Eliminação do quantificador universal
I∃ Introdução do quantificador existencial
m, n, o… Constantes nominais arbitrárias
I∀ Introdução do quantificador universal
E∃ Eliminação do quantificador existencial
= Identidade numérica
SI Substituição de idênticos
□ Necessidade
◇ Possibilidade
▽ Contingência
α, β, γ… Mundos possíveis
α-β β é acessível a α
Refl. Reflexividade
Sim. Simetria
Trans. Transitividade
□c Necessidade conceptual
◇c Possibilidade conceptual
⥽ Implicação formal
⊃ Condicional
P(A) Probabilidade de A
P(B|A) Probabilidade de B dado A
BaA a acredita que A
KaA a sabe que A

470
471
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479
480
NOTAS

481
2. Verofuncionalidade
1 As ambiguidades semânticas resultam da ambiguidade das palavras: «Yourcenar está no
banco» tanto quer dizer que está no banco do hospital, como no banco do jardim ou numa
instituição financeira, dependendo do contexto. Isto contrasta com as ambiguidades
sintácticas, que resultam da estrutura da frase.
2 Newton-Smith (1985) usa a designação «inspector de circunstâncias»; outros autores
chamam-lhes apenas «tabelas de verdade», o que é algo enganador porque são
sequências articuladas de tabelas de verdade.
3 No seu sentido filosófico hoje mais comum, e alinhado com a própria história da filosofia,
a metafísica e o adjectivo «metafísico» não dizem respeito a domínios esotéricos ou
místicos que estejam além do físico (como a palavra sugere), mas antes à realidade e não
ao que se sabe ou julga que se sabe, que é o domínio da epistemologia (Murcho 2012).

482
3. Derivações
1 Augustus De Morgan foi um lógico e matemático britânico do século XIX.
2 Também conhecida como «transposição». Note-se que a contraposição é mais forte do
que esta formulação; dado qualquer raciocínio válido que tenha A e B como premissas e C
como conclusão, é válido concluir ¬A ⋁ ¬B partindo de ¬C.
3 Isto não significa, porém, que os axiomas são irrefutáveis. Caso de um axioma se derive
algo que há boas razões para considerar que é falso, isso é em si uma boa razão para
rejeitá-lo.
4 A ideia aqui seria importar para a lógica o conceito de lei, que tanto impacto teve na física
a partir do século XVII. Isto porque durante muito tempo parecia que a marca da
cientificidade seria a descoberta de leis, no mesmo sentido das leis da física. Porém, não
só não é isso que dá cientificidade à física, como o próprio conceito de lei tal como é usado
nessa ciência é problemático, porque começa logo mal: como uma metáfora baseada na
legislação humana, um pouco como se Deus tivesse ordenado aos corpos celestes e aos
átomos que se comportassem de certas maneiras. O crucial das leis da física é serem
descrições muitíssimo gerais de regularidades, proporções e relações — não são leis em
qualquer sentido normativo. Já as supostas leis tradicionais da lógica são apenas, afinal,
verdades lógicas elementares.

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5. Identidade
1 Searle (1995) foi responsável por dar início ao estudo filosófico mais aturado da
interacção entre os fenómenos linguísticos e os sociais. Hoje há inúmeros estudos
filosóficos sobre estes fenómenos. Em português, destaque-se Searle (2008).
2 «A pobreza extrema, tal como definida pelo Banco Mundial, quer dizer que não se tem
rendimento suficiente para responder às necessidades humanas mais básicas de comida
adequada, assim como de água, abrigo, roupas, instalações sanitárias, cuidados de saúde
ou educação» (Singer 2011: 191).

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7. Modalidade
1 Termo jocoso que se aplica a definições artificiosamente conseguidas à custa de usar
disjunções para conseguir integrar o que de outro modo ficaria excluído. Nem todas as
definições disjuntivas são más, contudo (Kingsbury e McKeown-Green 2009).
2 À rejeição da sua validade chama-se «voluntarismo cartesiano», pois Descartes (1648:
358–359) parecia acreditar que as necessidades lógicas eram metafisicamente
contingentes: Deus poderia ter feito a soma de 1 com 2 não ser 3.
3 «Uma dedução é um discurso no qual, afirmadas certas coisas, outra além do que se
afirmou se segue por necessidade delas. Com esta última expressão quero dizer que se
segue devido a elas, e com isto quero dizer que não é preciso qualquer outro termo exterior
para tornar a consequência necessária.» (Aristóteles, Analíticos Anteriores, I.2: 24b19–
24b22)

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8. Além da linguagem
1 Fonte: pordata.pt.
2 Thomas Bayes foi um teólogo e matemático britânico do século XVIII. O teorema foi
independentemente descoberto por Laplace (McGrayne 2011: ix–x).
3 Esta designação gramatical nada tem que ver com a conjunção verofuncional. Na
gramática, «ou» é classificado como uma conjunção, assim como «e», porque ambos os
termos têm a mesma função de juntar orações; o seu papel gramatical mais profundo, que
é obviamente muitíssimo diferente, é ignorado.
4 O termo «ciência» é relativamente tardio (Wootton 2015b), e no século XIX era ainda
comum chamar «filosofia natural» ao que hoje se chama «ciência».
5 «Durante qualquer coisa como dois mil anos, do primeiro século depois de Cristo até
meados do século XIX, a principal terapia usada pelos médicos era a sangria (abrindo
habitualmente uma veia do braço com uma faca especial chamada lanceta, um processo
denominado flebotomia ou vivissecção; mas usava-se também por vezes ventosas ou
sanguessugas), que enfraquecia e até matava os pacientes.» (Wootton 2006: 2)
6 Como muitos autores, Wootton confunde infelizmente nesta passagem acreditar que se
sabe com saber.
7 Fonte: http://tylervigen.com/view_correlation?id=1703. Uma correlação de 1 é a
coincidência perfeita.
8 Priberam, https://dicionario.priberam.org/racionalizar; Porto Editora, https://www.
infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa-aao/racionalizar.
9 Esta é a noção comum em filosofia (Schwitzgebel e Ellis 2017: 171), que, contudo,
parece mais próxima do conceito de pretexto.
10 Se a pessoa parou de respirar ou for um cadáver em qualquer sentido comum do termo,
os seus órgãos não poderão ser transplantados; daí o conceito de morte cerebral (Singer
1994: 22 ss.). Consequentemente, há sempre o risco de um médico mais afoito decidir
retirar órgãos sem haver morte cerebral.

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