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1 Introdução 3
1.1 A mecânica analítica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
1.2 Trabalho e trabalho elementar de uma força . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
1.3 O PTV aplicado ao equilíbrio de uma partícula . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
1.4 Organização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
2 Corpos rígidos 7
2.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
2.2 O movimento de corpo rígido . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
2.3 Problemas planos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
2.4 O PTV aplicado a um corpo rígido . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
2.5 Invariância do trabalho relativamente ao ponto de redução . . . . . . . . . . . . . 11
2.6 Trabalho elementar de um binário e de uma carga distribuída . . . . . . . . . . . 12
2.7 Sobre a natureza infinitesimal dos deslocamentos virtuais no contexto do PTV . . 12
4 Aplicações a mecanismos 23
4.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
4.2 Coordenadas generalizadas e forças generalizadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
4.3 Determinação de configurações de equilíbrio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
4.4 Determinação da relação de forças para assegurar equilíbrio . . . . . . . . . . . . 25
1
5.8 Vantagens do PTV na determinação de reações e esforços em estruturas . . . . . . 40
2
1 Introdução
1.1 A mecânica analítica
Existem duas alternativas para o estabelecimento das equações do movimento, as quais po-
dem ser designadas, respetivamente, por mecânica vetorial e por mecânica analítica. Enquanto
a mecânica vetorial parte diretamente das leis de Newton envolvendo explicitamente grande-
zas vetoriais tais como forças e velocidades, a mecânica analítica lida preferencialmente com
grandezas escalares tais como trabalho e energia cinética.
A mecânica analítica de Lagrange é uma reformulação das leis de Newton, no sentido em
que não é mais geral nem produz diferentes resultados. Para analisar o movimento de partículas
isoladas, as duas formulações são na prática totalmente equivalentes. Porém, para sistemas com
constrangimentos, resultantes de ligações externas ou internas, a mecânica analítica providencia
uma abordagem mais simples de aplicar e com um formalismo mais elegante.
Enquanto na mecânica vetorial as forças de ligação externas e internas desempenham um
papel importante, a mecânica analítica incorpora diretamente os constrangimentos na definição
dos graus de liberdade do sistema e não considera explicitamente essas forças de ligação, dimi-
nuindo assim o número de variáveis (incógnitas). A mecânica analítica é particularmente útil
em problemas conservativos onde as forças podem ser obtidas a partir de uma energia poten-
cial e onde a energia total se conserva. Já na presença de forças de atrito (dissipativas), cujos
valores são dependentes de forças de ligação — as reações normais —, é geralmente vantajosa
a abordagem da mecânica vetorial.
No presente texto, aborda-se unicamente o caso estático de sistemas com um número finito
de graus de liberdade. Dito por outras palavras, ocupa-se do equilíbrio de sistemas de corpos
rígidos. Como é sabido, para estes sistemas (ou estruturas) a aplicação dos métodos da mecânica
vetorial consiste no desenho dos diagramas de corpo livre e na escrita das equações de equilíbrio
(forças e momentos) para cada corpo rígido. Em contrapartida, a abordagem da mecânica
analítica para o caso estático toma a forma do princípio dos trabalhos virtuais, que constitui o
objeto destes apontamentos.
Embora neste texto apenas se estude o equilíbrio de corpos rígidos, vale a pena referir que
este princípio é de aplicação também a corpos deformáveis, desempenhando um papel muito
importante na disciplina de Resistência de Materiais, onde torna mais fácil o cálculo de des-
locamentos em estruturas compostas por barras deformáveis. Note-se que, nesse contexto, a
estrutura não se comporta mais como um conjunto de corpos rígidos pelo que é necessário
também contabilizar o trabalho de todas as forças internas.
Em vez de calcular o trabalho num deslocamento finito, é também possível calcular o traba-
−
→
lho elementar, isto é o trabalho realizado sobre um deslocamento infinitesimal dr,
− −
→ →
dW = F · dr
3
Como é natural, o trabalho total pode ser obtido por integração do trabalho elementar
B B B
− −
→ → → − −
→ → − →− →
− → − −→
Z Z Z
W = dW = F · dr = F · dr = F · r B − r A = F · ∆r
A A A
→
−
onde se teve em conta que, por ser constante, a força F pode passar para fora do integral. Deste
modo, conclui-se que o trabalho da força constante é independente do caminho percorrido pela
força, interessando apenas conhecer o deslocamento total, dado pela diferença entre as posições
final (B) e inicial (A), ou seja
−→ → − →
−
∆r = r B − r A
Para além de forças constantes, existem outras forças, ditas conservativas, cujo trabalho re-
alizado depende apenas do deslocamento total. Mas como se verá, o princípio dos trabalhos
virtuais assenta essencialmente no trabalho elementar, pelo que para os nossos propósitos é
suficiente a consideração de forças constantes.
→
−
onde Fi representa cada uma das n forças que atuam sobre essa partícula. Esta equação é,
evidentemente, uma equação vetorial cuja satisfação equivale a satisfazer cada uma das suas
componentes (1, 2 ou 3, consoante a dimensão do espaço considerado).
→
−
Considere-se agora um deslocamento virtual δr, o qual é um deslocamento infinitesimal ima-
ginado, independente do deslocamento real da partícula ou das forças que nele atuam. Justa-
mente para reforçar a sua natureza virtual, não real, substitui-se o «d», habitualmente utilizado
no cálculo matemático para denotar variação infinitesimal, por um delta «δ».
→
−
Fazendo o produto interno da equação de equilíbrio com este deslocamento δr tem-se o
trabalho virtual δW dado por
n
!
X →
− →
− →
−
δW = Fi · δr = 0, ∀δr
i=1
ou
n
X →
− → − →
−
δW = Fi · δr = 0, ∀δr
i=1
É trivial reconhecer que se a partícula está em equilíbrio então o trabalho virtual total (de
todas as forças) é nulo. Reciprocamente, se o trabalho virtual é nulo para qualquer deslocamento
P → − →
−
virtual arbitrário então pode concluir-se que ni=1 Fi = 0 , isto é, que a partícula está em
equilíbrio. Esta observação permite-nos escrever o enunciado do PTV para uma partícula:
Uma partícula está em equilíbrio se e só se o trabalho virtual de todas as forças for nulo
para qualquer deslocamento virtual.
4
À primeira vista, não é evidente o que se ganha com esta reformulação. Na verdade, as
vantagens do PTV só aparecem em problemas envolvendo constrangimentos e a partícula em
consideração não os tem. Mas abrimos caminho para a aplicação do PTV a situações mais gerais,
importando, desde já, chamar a atenção para os seguintes aspetos:
(i) O princípio é expresso por uma única equação escalar envolvendo a anulação do trabalho
virtual δW . A forma muito geral com que é enunciado irá facilitar a sua aplicação noutros
contextos.
→
−
(ii) Introduz-se o conceito de deslocamento virtual δr, como um deslocamento infinitesimal
imaginado. É importante que o deslocamento virtual seja arbitrário, pois, apenas dessa
forma a equação escalar do PTV é equivalente à equação vetorial do equilíbrio.
(iii) Observa-se que, para a partícula isolada, o deslocamento virtual não precisa de satisfazer
qualquer constrangimento. Além disso, não é, para já, evidente a razão de se exigir que o
deslocamento seja infinitesimal.
1.4 Organização
Na secção 2 analisa-se o equilíbrio de corpos rígidos isolados na perspetiva do PTV, introduzindo
as rotações virtuais na descrição dos deslocamentos virtuais. Na secção 3 a análise é alargada
a sistemas de corpos rígidos, mostrando-se como os constrangimentos externos e internos dão
origem ao conceito de deslocamentos virtuais compatíveis, na prática reduzindo o número de
graus de liberdade do sistema e, também, o número de incógnitas e de equações de equilíbrio.
No campo das aplicações, o PTV é usado na secção 4 para a determinação de configurações
de equilíbrio em mecanismos, o que exige quantificar de uma forma precisa a geometria das
configurações do mecanismo. Em alternativa, é possível estabelecer qual a relação de forças que
assegura o equilíbrio do mecanismo numa dada configuração.
Na secção 5 mostra-se como, recorrendo à introdução de libertações fictícias, o PTV pode
ser utilizado para a obtenção de reações e esforços em estruturas isostáticas a partir das cargas
aplicadas com base numa única equação de equilíbrio — a do PTV — e sem necessidade de
calcular quaisquer outras forças de ligação (externas ou internas).
Uma muito breve introdução ao conceito de estabilidade de equilíbrio é apresentada na
secção 6.
O autor agradece aos professores Carlos Tiago e Luís Guerreiro a ajuda na revisão do texto.
5
6
2 Corpos rígidos
2.1 Introdução
Nesta secção aborda-se o equilíbrio de corpos rígidos isolados, formulado na perspetiva do PTV.
Começa-se por descrever sucintamente a cinemática dos corpos rígidos, dando particular
atenção aos movimentos elementares, tanto no espaço tridimensional como no plano.
Depois, opta-se por introduzir o PTV como um princípio (sem demonstração) e posterior-
mente verificar que ele é equivalente à versão estática das leis de Newton e da sua generaliza-
ção para corpos rígidos. Esta opção permite evidenciar as vantagens do formalismo da mecânica
analítica: todas as equações de equilíbrio derivam de um princípio geral e da consideração das
relações cinemáticas relevantes para o problema em causa.
Mostra-se que o trabalho de um sistema de forças pode ser feito a partir dos seus elementos
de redução, aproveitando-se para se obter expressões para o cálculo do trabalho de um momento
ou de uma carga distribuída. A secção termina com uma discussão sobre a necessidade de
considerar movimentos virtuais infinitesimais e não finitos.
Na prática, esta lei significa que o movimento pode ser decomposto na soma de uma translação
com uma rotação: a velocidade de um ponto B pode ser obtida somando à velocidade de trans-
lação de um ponto A (tomado como referência) a velocidade que resulta da rotação de B em
torno de A. A escolha do ponto A é arbitrária.
Face à semelhança formal entre a lei de propagação de velocidades (1) e a lei de propagação
de momentos de um sistema de forças
−
→ −
→ −−→ →− −
→ →
− −−→
M B = M A + BA × R = M A + R × AB (2)
7
direção do eixo de rotação e o sentido de acordo com a regra da mão direita (ou da progressão
de um saca-rolhas).
Multiplicando a lei de propagação de velocidades por dt obtemos a lei de propagação de
deslocamentos elementares num corpo rígido,
−
→ −
→ −
→ −−→
drB = drA + dθ × AB (3)
É importante tomar consciência de que, à parte o factor de escala dt que lhes altera as di-
mensões de grandeza física, os deslocamentos elementares comportam-se no essencial como
−
→ −−→ −−→
velocidades. Em particular, a parcela de rotação dθ × AB é perpendicular a AB. Então, se A
−
→ →
− −
→
for um ponto fixo (drA = 0 ), o deslocamento elementar drB é tangente à trajetória descrita
pelo ponto B. Neste aspeto, os deslocamentos elementares têm muito mais a ver com veloci-
dades (também tangentes à trajetória) do que com deslocamentos finitos (os quais seguem a
trajetória).
De resto, o campo de deslocamentos elementares num corpo rígido herda as propriedades
do campo de velocidades que se recordam aqui:
−
→ −−→ − → −−→ −
→ → − −
→ → −
propriedade projetiva : drA · AB = drB · AB ou drA · λ AB = drB · λ AB ;
−
→ −
→ − →
invariantes : invariante vetorial dθ e invariante escalar dr · dθ;
−
→
eixo central : se o invariante vetorial dθ é não nulo, existe um eixo central onde os desloca-
−
→
mentos elementares são mínimos (em módulo) e paralelos a dθ.
A propriedade projetiva de que goza o campo de deslocamentos elementares tem uma in-
−
→ −
→
terpretação física clara. Como são iguais as projeções dos deslocamentos drA e drB sobre a
linha que os une, concluímos que os dois pontos A e B mantêm a sua distância relativa — de
acordo, portanto, com a indeformabilidade do corpo rígido. Observe-se que se se tratasse de
movimentos não elementares, a propriedade projetiva não se manteria verdadeira.
Com base nos valores dos invariantes é possível a identificação de quatro casos de redução:
−
→ → − − → → −
repouso elementar : dθ = 0 ; dr = 0 ;
−
→ → − − → → −
translação elementar : dθ = 0 ; dr 6= 0 ;
−
→ → − − → − →
rotação elementar : dθ 6= 0 e dr · dθ = 0;
−
→ → − − → − →
translação mais rotação elementar : dθ 6= 0 e dr · dθ 6= 0.
Quando existe, o eixo central recebe a designação geral de eixo helicoidal instantâneo ou, no
caso da rotação elementar, de eixo instantâneo de rotação, sendo o eixo em torno do qual se dá
a rotação elementar.
8
Na figura 1 representa-se uma rotação elementar num movimento plano, estando assinalada
a posição do respetivo centro instantâneo de rotação C (o qual pode ser ou não ser um ponto
do corpo). Sendo nulo o deslocamento no centro instantâneo de rotação, a direção dos des-
locamentos dos pontos do corpo é perpendicular à linha que os une ao centro instantâneo de
rotação.
−
→
drB
B
−
→
drA
A
yA dθ
dθ
C
xA
Dito por outras palavras, a componente horizontal do deslocamento é dada pelo braço na ver-
tical vezes a rotação elementar enquanto a componente vertical do deslocamento é dada pelo
braço na horizontal vezes a rotação elementar. Quanto ao sentido dessas componentes, elas são
facilmente determinadas a partir do desenho.
9
Considere-se então um corpo rígido no qual estão aplicados n forças, como representado na
→
−
figura 2. Seja Pi o ponto de aplicação da força Fi .
−
→
P1 Pn Fn
−
→
F1
−−→
MA
P2 A ... →
−
Fi ⇔ A
−
→
F2 →
−
... R
P3 Pi
−
→
F3
Figura 2: Equilíbrio de corpo rígido. Para que o trabalho virtual de um sistema de forças
aplicado a um corpo rígido seja nulo para qualquer movimento virtual de corpo
rígido é necessário que os elementos de redução sejam nulos.
onde
→
− −−→
ri = APi
10
→
− − →
onde R e M A são os elementos de redução do sistema de forças dados por
n
→
− X→
−
R = Fi
i=1
n
−
→ X →
− → −
MA = ri × Fi
i=1
11
Mais uma vez, os pontos A e B, embora sirvam para descrever o movimento virtual do corpo e
para calcular os elementos de redução do sistema de forças, podem ser quaisquer.
Não pode deixar de observar-se que esta invariância é fruto da semelhança formal que ca-
racteriza as duas leis de propagação. Esta dualidade entre uma relação estática (a propagação
de momentos) e uma relação cinemática (a propagação de deslocamentos elementares) é típica
da mecânica estrutural, desempenhando um papel muito importante na análise de estruturas.
Isto é, o trabalho elementar é dado pelo produto interno do momento de um binário com o vetor
rotação elementar (é indiferente se o movimento elementar é virtual ou real) do corpo rígido.
De resto, esta mesma expressão aplica-se a outros sistemas de (mais que duas) forças que sejam
também equivalentes a conjugado.
Cargas distribuídas são forças aplicadas que estão distribuídas por um volume, área ou linha.
Se todas as forças distribuídas têm a mesma direção e sentido então o sistema de forças é
inevitavelmente equivalente a força única. É portanto possível substituir o sistema de forças
→
−
distribuídas por uma única força (a resultante R ) atuando sobre a sua linha de ação (coincide
com o eixo central do sistema de forças). Então, escolhendo um ponto qualquer Q dessa linha
−
→
de ação, onde o momento M Q é nulo, o trabalho virtual é
→
− → − −
→ → − →
− → −
δW = R · δr Q + M Q · δθ = R · δr Q
Isto significa que o trabalho de uma carga distribuída num movimento de corpo rígido pode ser
calculado multiplicando (produto interno) a resultante da carga distribuída pelo deslocamento
de um ponto da linha de ação dessa resultante.
Observe-se que qualquer destas expressões só é válida se todas as forças que constituem o
sistema de forças estiverem aplicadas ao mesmo corpo rígido.
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F F
A B corpo rigido em equilibrio
rotacao finita
δW 6= 0
Figura 3: Corpo rígido em equilíbrio sujeito a rotação virtual infinitesimal e rotação finita.
Porém, com as rotações é necessário mais cuidado. Tomem-se por exemplo as duas rotações
indicadas na figura: uma infinitesimal — embora exagerada para melhor leitura do desenho —
e outra finita, ambas em torno do ponto médio entre os pontos de aplicação das forças. No
primeiro caso, os deslocamentos virtuais dos pontos de aplicação das forças são perpendiculares
às forças e nenhuma das forças produz trabalho. Portanto, ao equilíbrio corresponde trabalho
nulo, o que está de acordo com o enunciado do PTV. No segundo caso, os pontos A e B descrevem
dois arcos de círculo, pelo que o trabalho de ambas as forças é negativo. Ou seja, neste segundo
caso da rotação finita, a condição de equilíbrio não é equivalente à anulação do trabalho.
Por isso, a afirmação por vezes proferida que os deslocamentos virtuais usados no contexto
do PTV são infinitesimais por conveniência, de modo a simplificar os cálculos, não é verda-
deira: os deslocamentos virtuais são infinitesimais por necessidade, por só assim a anulação do
trabalho virtual ser equivalente ao equilíbrio.
No fundo, esta observação é uma consequência de o equilíbrio ser uma condição local, no
sentido em que depende apenas do estado do sistema em configurações vizinhas, infinitesimal-
mente próximas.
13
14
3 Sistemas de corpos rígidos
3.1 Constrangimentos
Em vez de partículas ou corpos rígidos isolados, iremos agora considerar sistemas de corpos
rígidos sujeitos a constrangimentos, isto é, um conjunto de corpos rígidos com ligações entre
eles e com ligações ao exterior. É aliás para estes sistemas com constrangimentos que o PTV
ganha a sua principal razão de ser.
Convém começar por esclarecer que, para os nossos propósitos, só consideramos constrangi-
mentos que podem ser escritos sob a forma de uma equação do tipo5
→
− → − → −
f ( r 1 , r 2 , r 3 , . . .) = 0 (6)
→
−
onde r i representa a posição de um ponto genérico do corpo.
A própria condição de corpo rígido é um constrangimento deste tipo, já que as posições entre
quaisquer dois pontos de um corpo rígido satisfazem
→
− →
−
k r i − r j k − dij = 0
onde dij representa a distância entre os dois pontos. É aliás a existência deste constrangimento
que permite ter em conta apenas os seis graus de liberdade no movimento de corpo rígido.
Optando à partida por descrever o movimento dos corpos rígidos por uma translação e por uma
rotação, as equações de constrangimento deverão naturalmente ser expressas na forma
→
− → − → − →
− → − → −
f ( r 1 , r 2 , r 3 , . . . , θ 1 , θ 2 , θ 3 , . . .) = 0 (7)
→
− →
−
onde agora r i e θ i representam a translação e a rotação6 de cada corpo rígido.
Em particular, interessa-nos considerar os constrangimentos cinemáticos que resultam das
ligações exteriores e interiores de um determinado sistema de corpos rígidos. Nas ligações ao
exterior há (pelo menos) um deslocamento ou rotação que está impedido, de acordo com um
determinado aparelho de apoio. Nas ligações interiores lidamos com corpos rígidos ligados entre
si de modo a que o deslocamento (ou rotação) relativo de dois pontos — um de cada corpo —
seja nulo.
A figura 4 ilustra situações comuns, no contexto de uma estrutura plana. No apoio móvel
horizontal em A o deslocamento vertical está impedido (mas não o deslocamento horizontal ou
a rotação), pelo que a equação de constrangimento toma a forma
→
− AB →
− AB
rA · ey =0 ⇒ rAy =0
5
Por poderem ser expressos por uma diferencial exata estes constrangimentos designam-se por holónomos. Além
disso, admitimos adicionalmente que são independentes do tempo. Apenas constrangimentos holónomos permitem
reduzir o número graus de liberdade e a introdução de coordenadas generalizadas.
Existem constrangimentos não holónomos que envolvem relações diferenciais não integráveis. Um exemplo deste
tipo é o associado a um carro que se desloca sobre uma superfície plana. O deslocamento está condicionado pela
posição das rodas, pelo que o carro não pode, por exemplo, deslocar-se diretamente para a direita. No entanto,
o carro pode manobrar para a frente e para trás de forma a vir a ocupar a posição pretendida à direita (ou outra
qualquer). Existe, portanto, um constrangimento sobre o movimento instantâneo que não se traduz numa relação
total do tipo da equação (6). Já um comboio circulando sobre carris constitui um constrangimento holónomo.
Outro exemplo de constrangimentos que não podem ser expressos na forma (6) são os que correspondem ao
contacto unilateral, que apenas podem ser expressos por inequações e não por equações.
6
A descrição de uma rotação finita no espaço tridimensional envolve dificuldades não abordadas aqui. Para os
nossos propósitos, basta saber que o formato exibido em (7) é válido para problemas planos (nesse caso a rotação
de um corpo rígido é descrita por um escalar) ou para problemas tridimensionais envolvendo pequenas rotações
(infinitesimais).
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FBy
P P MC
FBx FBx
RCx
P B C P B C
y B FBy
F F A
x
A RAy
d
Na rótula em B na ligação entre duas barras o deslocamento é o mesmo em qualquer uma das
barras (mas as rotações não), pelo que
(
AB = r BC
rBx
→
− AB → − BC Bx
rB − rB =0 ⇒ AB = r BC
rBy By
o que, na prática, é uma equação vetorial a que correspondem duas equações escalares (uma
para cada componente). É também possível incluir rotações nas equações de constrangimento.
Por exemplo, o encastramento deslizante em C implica que
BC BC
rCx =d e θC =0
forças de ligação — forças associadas a um constrangimento do tipo (6). É portanto o caso das
reações de apoio, das forças interiores dentro de um corpo rígido, do esforço axial num fio
inextensível ou das forças de uma ligação entre dois corpos rígidos.
forças aplicadas — todas as outras. No contexto dos sistemas de corpos rígidos, interessa
essencialmente considerar o peso próprio, sobrecargas (o peso de outros corpos suportados
pela estrutura) ou forças aplicadas que são conhecidas à partida.
Para melhor explicar a diferença entre forças aplicadas e de ligação retome-se o exemplo
plano da figura 4. Admita-se que a estrutura (um mecanismo) está sujeita às forças aplicadas
representadas à esquerda. Nos diagramas de corpo livre de cada uma das barras, desenhados à
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direita, identificam-se tanto as forças aplicadas (a preto) como as forças de ligação (a vermelho).
De facto, de acordo com a classificação apresentada, por estarem associadas a constrangimentos,
constatamos que as reações (exteriores) em A e C, mas também as forças de ligação (interiores)
na rótula B são forças de ligação. Já a força horizontal F aplicada em A e o peso P das barras
AB e BC são forças aplicadas.7
AB AB BC AB BC BC
δrAy = 0; δrBx = δrBx ; δrBy = δrBy ; δrCx = 0; δθBC = 0
de modo a que os deslocamentos virtuais sejam compatíveis com as ligações externas (em A e
C) e internas (em B).
Como é evidente, para que seja possível submeter uma estrutura constituída por barras rígi-
das a deslocamentos virtuais compatíveis com as ligações é necessário que esta seja um meca-
nismo (estrutura hipostática). Uma estrutura constituída por barras rígidas que seja isostática
ou hiperestática não se pode mexer e está necessariamente em equilíbrio.
Finalmente note-se que, sempre que os constrangimentos em consideração são expressos
por uma equação, todos os deslocamentos virtuais são reversíveis, isto é, podem ser dados em
qualquer sentido.
pelo que
→
− →
− AB → − BC →− BC
δW = F AB
B · δr B + F B · δr B = 0
7
Os pesos das barras são cargas distribuídas, mas, de acordo com o explicado na secção 2.6, as cargas distribuídas
aplicadas num mesmo corpo rígido podem ser substituídas pela sua resultante.
17
Também é nulo o trabalho das forças internas no interior de um corpo rígido. Para demons-
trar esta afirmação é necessário admitir que as forças entre duas partículas genéricas A e B de
um mesmo corpo rígido constituem um par ação–reação que partilham a mesma linha de ação,
→
− →
− →
− →
− →
−
F A = F λ AB F B = − F A = −F λ AB
Mostrou-se então a partir da terceira lei de Newton8 que o trabalho das forças de ligação é
nulo. No entanto, na formulação da mecânica analítica, prefere-se simplesmente admitir como
postulado esse resultado que recebe o nome da condição dos trabalhos virtuais:
O trabalho virtual das forças de ligação é nulo para qualquer deslocamento virtual
compatível com as ligações.
As forças atuando num dado ponto material podem ser divididas em forças de ligação e
forças aplicadas,
→
− →
− →
−
Fi = Fi apl + Fi lig
Existe aqui um ponto subtil. Quando considerado isoladamente, todas as forças exteriores que
atuam num corpo rígido são forças aplicadas. Porém, como discutido anteriormente, quando
englobamos vários corpos rígidos num único sistema, apenas as forças que não estão associadas
a constrangimentos são forças aplicadas.
Introduzindo esta divisão na expressão do trabalho leva a
n n n
X →− apl →
− → − X →
− apl →
− X →
− lig →
−
δW = Fi + Fi lig · δr i = Fi · δr i + Fi · δr i
i=1 i=1 i=1
Se apenas considerarmos deslocamentos virtuais compatíveis com as ligações, pela condição dos
trabalhos virtuais o último somatório é nulo, pelo que, para um sistema em equilíbrio
n
X →
− apl →
−
δW = Fi · δr i = 0 (8)
i=1
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Comparando este enunciado com o relativo a partículas podemos fazer as seguintes obser-
vações:
(i) O princípio continua a ser expresso por uma única equação escalar envolvendo a anulação
do trabalho virtual das forças aplicadas. As forças de ligação (reações, forças entre corpos
e no interior de cada corpo rígido) não precisam de ser consideradas, o que constitui a
grande vantagem da aplicação do PTV.
(ii) Os deslocamentos virtuais têm agora de estar em harmonia com os constrangimentos,
respeitando as ligações ao exterior, as ligações entre corpos e a indeformabilidade de cada
corpo rígido.
(iii) Dentro dos limites impostos pelos constrangimentos, os deslocamentos virtuais são deslo-
camentos infinitesimais arbitrários, podendo ser em ambos os sentidos (reversíveis).
xA
P xB
Este problema é facilmente resolúvel desenhando os diagramas de corpo livre dos dois blo-
cos, observando que a força de tração no cabo é constante e escrevendo duas equações de equi-
líbrio: na direção vertical para o bloco Q e na direção paralela ao plano inclinado para o bloco
P (de modo a não envolver a reação normal). Mas não deixa de ser interessante a resolução
com base no PTV.
Assim, comece-se por constatar que, admitindo o cabo inextensível, se tem que a soma dos
comprimentos de três troços é constante e que, consequentemente, a soma das suas variações
virtuais é nula
xA + xB + xB = L ⇒ δxA + 2 δxB = 0 ⇒ δxA = −2 δxB
Trata-se pois de um problema de um único grau de liberdade.
Então, o anulação do trabalho virtual permite identificar a pretendida relação de forças,
δW = P sen α δxA + Q δxB = (−2P sen α + Q) δxB = 0 ⇒ Q = 2P sen α
Para a escrita desta expressão teve-se em conta que o deslocamento vertical do peso P vale
sen α δxA .
Observe-se que, por se tratarem de forças de ligação, nem a força de tração no cabo nem a
reação normal do plano inclinado sobre o peso P precisaram de ser explicitamente consideradas.
19
3.7 Forças elásticas, de contacto e de atrito
Nas aplicações do PTV que temos em vista iremos considerar principalmente sistemas de corpos
rígidos com ligações exteriores e interiores ideais (rígidas). Mas, para uma apresentação mais
completa, discutiremos brevemente os casos de forças elásticas, forças de contacto unilateral
e das forças de atrito. Numa primeira leitura deste documento, correspondente ao primeiro
contacto com o PTV, esta discussão pode ser ignorada.
forças elásticas
A classificação das forças atrás apresentada, distinguindo forças aplicadas das forças de ligação,
pode ter consequências aparentemente algo paradoxais quando generalizada a corpos deformá-
veis ou com ligações flexíveis.
Considere-se o caso de dois corpos ligados por uma mola elástica: à luz da classificação
acima apresentada, a força de ligação transmitida pela mola não pode ser classificada como
força de ligação, já que, atendendo à deformabilidade da mola, o constrangimento não pode
ser expresso por uma equação do tipo (6). Dito de outro modo, ao contrário das forças aqui
classificadas como forças de ligação, a força elástica da mola realiza trabalho, devendo, portanto,
ser classificada como força aplicada.
O mesmo acontece com os esforços de uma estrutura deformável (constituída por barras que
não possam ser consideradas rígidas). Este tópico é analisado na disciplina de Resistência de
Materiais.
Quando existe contacto unilateral os constrangimentos são expressos por inequações em vez
de equações. Nesse caso, os deslocamentos virtuais compatíveis com as ligações apenas podem
acontecer num sentido — o que se traduz na perda de contacto — e deixam de ser reversíveis,
como até aqui admitido. Para ter em conta este tipo de constrangimentos e a existência de
deslocamentos virtuais não reversíveis, é possível reformular o PTV, expressando-o também
na forma duma inequação: no equilíbrio, o trabalho virtual das forças aplicadas deve ser não
positivo para deslocamentos virtuais compatíveis com as ligações (e não necessariamente nulo
como no enunciado apresentado anteriormente).
Por exemplo, um bloco assente numa superfície horizontal (sem atrito) pode deslocar-se
(realmente e virtualmente) para cima mas não para baixo. Quando o bloco está em equilíbrio
a reação normal é uma força de ligação com a mesma intensidade mas sentido oposto ao peso,
o qual é a única força aplicada. Para deslocamentos virtuais para o lado, o trabalho do peso é
nulo. Porém, para deslocamentos virtuais para cima o trabalho da força aplicada é negativo.
Problemas envolvendo a potencial perda de contacto, ou, reciprocamente, a formação de
novos contactos não são aqui estudados.
forças de atrito
Havendo contacto entre corpos, o movimento tangencial relativo é condicionado pela existência
de atrito (seco) entre as duas superfícies. Do ponto de vista da aplicação do PTV é fundamental
distinguir duas situações.
Se a força máxima de atrito não é atingida, não há deslizamento relativo entre as superfí-
cies pelo que o contacto funciona exatamente como um apoio fixo, o qual se traduz por um
constrangimento do tipo (6). Neste caso, para deslocamentos virtuais que respeitem o constran-
gimento, a força de atrito não realiza trabalho e pode ser classificada como uma força de ligação,
como qualquer outra reação. Problemas com apoios envolvendo atrito sem deslizamento não
necessitam portanto de qualquer cuidado especial.
20
Porém, em problemas em que o atrito é vencido e existe deslizamento, não existe um cons-
trangimento absoluto, pelo que as forças de atrito produzirão trabalho em geral e, portanto, se
quiséssemos utilizar o PTV, teriam que ser classificadas como forças aplicadas e o seu trabalho
contabilizado.
Note-se, porém, que a quantificação da força máxima de atrito requer o conhecimento da
reação normal, a qual é uma força de ligação que não produz trabalho e que, portanto, não é
explicitamente considerada na abordagem do PTV. Por esta razão, se se põe a hipótese de haver
deslizamento é geralmente preferível a via da mecânica vetorial, a qual envolve desenhar os
diagramas de corpo livre e escrever as equações de equilíbrio para cada corpo rígido, nas quais
participam todas as forças (incluindo reações normais e forças de atrito).
21
22
4 Aplicações a mecanismos
4.1 Introdução
Um mecanismo é um sistema de corpos rígidos cujas ligações interiores e exteriores permitem
algum tipo de movimento.
Um corpo rígido tem seis graus de liberdade no espaço (três componentes de translação e três
componentes de rotação) e três graus de liberdade no plano (duas componentes de translação e
uma componente de rotação). Num conjunto de corpos rígidos isolados estes números devem ser
multiplicados pelo número de corpos, mas cada equação de constrangimento (correspondente
a uma ligação entre corpos ou ao exterior) faz naturalmente diminuir o número de graus de
liberdade do sistema.
No vocabulário das estruturas, um mecanismo é uma estrutura hipostática, sendo o número
de graus de liberdade dado pelo grau de hipoestatia.
Nesta secção, começa-se por introduzir os conceitos de coordenadas e forças generalizadas,
para depois exemplificar dois tipos de aplicações do PTV a mecanismos: (i) determinação de
configurações de equilíbrio e (ii) determinação da relação de forças para assegurar equilíbrio
numa dada configuração.
Esta dependência existe para todos os pontos do sistema de corpos rígidos, mas, para efeitos
práticos, basta considerar os pontos onde existem forças aplicadas. O deslocamento virtual de
cada um destes n pontos, pode ser obtido por diferenciação (a variação virtual é tratada como
um diferencial)
N →
−
→
− X ∂ri
δr i = δqj
∂ qj
j=1
onde δqj representa a variação virtual da coordenada generalizada genérica. Então a expressão
do trabalho utilizada na equação (8), pode ser rescrita como
n n X
N →
− N
X →
− apl →
− X →
− apl ∂ r i X
δW = Fi · δr i = Fi · δqj = Qj δqj (9)
∂ qj
i=1 i=1 j=1 j=1
23
sendo Qj a força generalizada associada à coordenada generalizada qj
n →
−
X →
− apl ∂ r i
Qj = Fi · (10)
∂ qj
i=1
uma vez que a variação virtual de cada uma das coordenadas generalizadas permite descrever
todos as formas (linearmente independentes) como o mecanismo se pode mover respeitando os
constrangimentos. Ou seja, um mecanismo de N graus de liberdade está em equilíbrio se cada
uma das N forças generalizadas Qj for nula.
P E
D
C
L θ2
P
B
y
θ1 x
F
A
Figura 6: Mecanismo de dois graus de liberdade. Definição do problema e as quatro confi-
gurações de equilíbrio para F = P .
24
As variações virtuais destas coordenadas, constituem os deslocamentos virtuais desses pontos
na direção das forças, sendo obtidos por diferenciação
Igualando estas forças a zero, permite-nos concluir que as configurações de equilíbrio se carac-
terizam por
3P P
tan θ1 = tan θ2 =
2F 2F
Por exemplo, se F = P , obtemos θ1 = 56,31o e θ2 = 26,57o . Como a função tangente não
se modifica se somarmos 180o , existem ao todo quatro configurações de equilíbrio, as quais
se encontram esquematicamente representadas na figura 6. Três dessas configurações só são
possíveis admitindo que os apoios móveis e a rótula interna permitem movimentos de amplitude
ilimitada, o que poderá não se verificar num problema real.
Este exemplo simples ilustra bem o conceito de coordenadas e forças generalizadas e a sua
utilidade. Contudo, note-se que, sempre que os constrangimentos impõem relações entre ân-
gulos, o procedimento atrás utilizado pode envolver algo complexas relações trigonométricas.
Por exemplo, se o apoio em E for fixo a uma dada altura h, o problema tem apenas um grau de
liberdade, existindo a seguinte relação entre as rotações das duas barras
h
L sen θ1 + L sen θ2 = h ⇒ θ2 = arcsen − sen θ1
L
Neste caso, o cálculo dos deslocamentos virtuais em função de δθ1 (tomada como única coorde-
nada generalizada) ficaria consideravelmente dificultado, sendo necessário o cálculo de dθ
dθ1 .
2
25
CIR1 δθ1 P E≡CIR2
C D
P δθ2
3 C
5L
B
A A
F
4
5L
L
4L 4
δrCy = δθ1 = Lδθ2 ⇒ δθ2 = δθ1
5 5
A deformada que corresponde a este movimento elementar virtual está apresentada também na
figura 7, mas note-se que este desenho não é estritamente necessário para resolver o problema.
Sendo assim, a equação dos trabalhos fica
Na escrita desta expressão, teve-se em conta a localização dos centros instantâneos de rotação e
o sentido escolhido para o movimento virtual para determinar os deslocamentos dos pontos de
aplicação das forças e também o sinal do trabalho de cada uma das forças.
Como a rotação δθ1 é arbitrária, a quantidade entre parênteses (na verdade, a força genera-
lizada associada a θ1 ) tem que se anular, pelo que obtemos o resultado pretendido
4
F = P
3
26
5 Aplicações a estruturas isostáticas
5.1 Utilização do PTV em estruturas isostáticas
Pode parecer estranho a aplicação do PTV a estruturas isostáticas constituídas por barras rígi-
das, as quais, evidentemente, não se podem mexer e, portanto, não podem ser submetidas a
deslocamentos compatíveis com as suas ligações (externas e internas).
Mas o PTV é sobretudo uma forma diferente de escrever equações de equilíbrio, cujo objetivo
pode perfeitamente ser a determinação de uma reação ou de um esforço. Para que seja possível
aplicar o PTV em estruturas isostáticas com este propósito, é primeiro necessário introduzir ar-
tificialmente uma libertação, o que permite desde logo alcançar um duplo feito: (i) a incógnita
pretendida passa a poder realizar trabalho e (ii) a estrutura tornada hipostática passa a poder
mover-se. A introdução da libertação cinemática deve ser acompanhada pela consideração ex-
plícita da reação ou esforço correspondente, uma vez que essa variável estática assume agora o
papel de uma força aplicada.
Se a estrutura era isostática antes da libertação, após a sua introdução torna-se num meca-
nismo de apenas um grau de liberdade, pelo que à equação dos trabalhos virtuais corresponde
apenas uma equação de equilíbrio, cuja única incógnita é a reação ou esforço pretendido.9 A
configuração de equilíbrio é já conhecida, o que facilita muito a escrita das relações cinemáticas,
permitindo por exemplo o recurso a conceitos tais como o centro instantâneo de rotação. Na ver-
dade, a determinação de reações ou esforços em estruturas isostáticas por este método é muito
semelhante à determinação da relação de forças para assegurar o equilíbrio em mecanismos de
um grau de liberdade, exemplificada na secção 4.4.
V
H M
Assim, no caso dos apoios externos, basta modificar o apoio, permitindo o grau de liber-
dade (translação ou rotação) associado à reação pretendida. Na figura 8, representam-se vários
exemplos de libertações de reações, mostrando o apoio antes e depois da libertação. Observe-se
que a libertação da única reação do apoio móvel corresponde a simplesmente retirar o apoio.
9
Em contrapartida, no caso de uma estrutura hiperestática composta por barras rígidas, não existe movimento
possível mesmo após a introdução de uma libertação. Este facto mostra que em estruturas hiperestáticas não é
possível determinar reações ou esforços com base na aplicação do PTV, como, de resto, também não é possível
apenas com base em equações de equilíbrio escritas de outra forma qualquer.
27
No caso dos esforços, há que ter em atenção que estes são forças ou momentos internos
que aparecem sempre em pares ação–reação. Para que um esforço possa realizar trabalho é
necessário libertar o deslocamento relativo ou rotação relativa na secção em causa, ao mesmo
tempo que se mantêm impedidos os deslocamentos e/ou rotações relativos correspondentes aos
restantes esforços.
Na figura 9 estão representadas esquematicamente as libertações correspondentes aos três
esforços numa secção de uma barra de uma estrutura plana: momento fletor M , esforço trans-
verso V e esforço normal N . A secção onde se avaliam os esforços divide a barra (horizontal) em
duas partes (esquerda e direita) que passam a pertencer a dois corpos rígidos distintos. Para fa-
cilitar o desenho do par de forças correspondentes ao esforço normal, recorre-se frequentemente
a uma representação alternativa da libertação de esforço axial (também incluída na figura), em
vez da representação «telescópica» mais intuitiva fisicamente.
V
M M
ou:
V N
M M
V
N N
V
N N
V
Figura 9: Libertações de esforços em estruturas planas e exemplos de movimentos virtuais
compatíveis.
No caso do momento fletor a libertação é uma rótula, permitindo a rotação relativa, mas
assegurando o mesmo deslocamento da secção tanto na parte esquerda como na parte direita.
Já no caso das libertações de esforço transverso e de esforço normal existe uma descontinuidade
numa das componentes do deslocamento relativo (a transversal para o esforço transverso e a
axial para o esforço normal), mas tanto a rotação como a outra componente do deslocamento
são iguais à esquerda e à direita.
Na figura 9 incluem-se ainda possíveis configurações deformadas após o movimento relativo.
Embora na aplicação do PTV os deslocamentos e rotações virtuais devam sempre ser admitidos
infinitesimais, os deslocamentos são desenhados com amplitude finita para permitir a sua visu-
alização. Esta discrepância pode, ao princípio, causar alguma dificuldade na interpretação nos
desenhos. Como indicado na figura, o deslocamento relativo na libertação de esforço transverso
deve ser sempre representado perpendicularmente à direção inicial da barra, independente-
mente de a barra rodar ou não. Analogamente o deslocamento relativo na libertação de esforço
axial deve ser sempre representado paralelamente à direção inicial da barra.
Uma menção especial para a determinação do esforço axial em barras que, por serem bi-
-articuladas e sem cargas de vão, à partida apenas podem ter esforço axial. Nesta situação, em
vez de introduzir uma libertação de esforço axial é preferível retirar simplesmente a barra e
28
aplicar o esforço normal (a incógnita) diretamente nos nós de extremidade.
5.3 Procedimento
Para sistematizar a aplicação do PTV à determinação de reações ou esforços, apresenta-se uma
metodologia geral no quadro seguinte:
Metodologia
5.4 Vigas
Vigas são estruturas que se desenvolvem apenas numa direção. Podem ter um ou vários apoios
e libertações internas (geralmente rótulas). Se a viga é isostática a existência de rótulas internas
29
é compensada pela existência de apoios verticais ou encastramentos em excesso. A análise
deste tipo de estrutura incide habitualmente sobre a determinação do esforço transverso ou do
momento fletor, já que numa viga isostática apenas pode existir uma reação horizontal e os
esforços axiais não existem ou são de determinação trivial.
Nestas condições, os deslocamentos virtuais são sempre verticais. Com efeito, os desloca-
mentos horizontais são forçosamente nulos10 sob pena de não respeitar ou o constrangimento
(horizontal) num apoio (fixo ou encastramento) ou a propriedade projetiva entre dois pontos
de um corpo rígido (a linha que os une é horizontal pelo que o deslocamento horizontal dos
dois pontos deve ser igual). Consequentemente, os centros instantâneos dos corpos em rotação
estarão sempre ao nível da viga. Um apoio impedindo o deslocamento vertical será o centro
instantâneo de rotação do corpo rígido de que faz parte, exceto no caso particular de o corpo
estar em repouso instantâneo.
A partir destas observações e da compatibilização dos deslocamentos virtuais nas rótulas
(ou da igualdade das rotações nas libertações de esforço transverso), o traçado das deformadas
virtuais faz-se sem grandes problemas.
∗∗∗
Considere-se a viga isostática representada na figura 10, a qual está submetida a uma carga
distribuída p, a uma carga concentrada P e a um momento aplicado M . Pretendem-se calcular
as reações de apoio e o valor dos esforços em algumas secções. A figura 10 mostra também as
deformadas correspondentes a várias libertações, sobre as quais se tecem os seguintes comentá-
rios:
(i) Para não sobrecarregar a leitura não se representa o carregamento nos desenhos das defor-
madas, apenas a reação ou esforço específico de cada deformada. Os esforços considerados
em todas as libertações internas são positivos para as barras orientadas da esquerda para
a direita.
(ii) As libertações correspondentes aos esforços na secção A servem também para determinar
as reações no encastramento. Já a libertação para a determinação da reação vertical em D,
RD , difere das libertações correspondentes ao esforço transverso nessa secção (à esquerda
ou à direita). Na verdade, como a reação vertical é dada pela diferença entre o esforço
transverso à direita e à esquerda, a deformada associada a RD é necessariamente uma
combinação linear das outras duas.
(iii) Sempre que se pretende determinar um esforço numa secção onde existe uma carga con-
centrada (ou reação intermédia) que implique uma descontinuidade do esforço, é neces-
sário estabelecer se se pretende avaliar o esforço à esquerda ou à direita do ponto de
aplicação da carga e introduzir a libertação correspondente. Por exemplo, na determina-
ção do momento fletor à esquerda de C, MCesq , introduziu-se uma rótula à esquerda de C,
pelo que o momento aplicado concentrado M atua no corpo rígido CDE.
(iv) A identificação dos corpos rígidos é simples: na determinação das reações existem dois cor-
pos rígidos (separados pela rótula da estrutura), na determinação de esforços no interior
da viga existem três corpos rígidos (separados pela rótula e pela libertação introduzida).
(v) Em algumas deformadas existem corpos que permanecem fixos. É o caso da barra AB
sempre que não é introduzida uma libertação no encastramento em A. É também o caso
da barra BCD na deformada correspondente à determinação de VDdir para o qual é possível
identificar dois pontos fixos: o ponto B que pertence à barra AB imóvel e o ponto D onde
existe um apoio impedindo o movimento vertical.
10
Exceto evidentemente se for libertado uma reação horizontal ou o esforço normal de uma secção.
30
L L L L
p P
A
B CM E
D
2Lδθ
δθ
Lδθ
VA
2Lδθ
2δθ δθ
Lδθ
MA
VC
δθ Lδθ
Lδθ
Lδθ
δθ
VC
MCesq MCesq
δθ δθ Lδθ
δθ 2Lδθ 3Lδθ
RD
VDesq
δθ 2Lδθ δθ Lδθ
VDesq
VDdir
δr
VDdir
Figura 10: Viga. Aplicação do PTV para determinação de algumas reações e esforços.
31
(vi) Os centros instantâneos de rotação correspondem aos pontos que estão impedidos de ter
deslocamento vertical pelos apoios da viga ou por serem comuns a corpos em repouso (por
exemplo, o ponto B nos casos em que barra AB está encastrada). As barras em translação
vertical são condicionadas por libertações de esforço transverso entre a barra em causa e
corpos vizinhos em repouso.
(viii) Nas libertações de esforço transverso não existe rotação relativa entre corpos pelo que as
rotações dos dois corpos são iguais (e no mesmo sentido). Nas libertações de momento fle-
tor (e também na rótula original da estrutura) o deslocamento do ponto é partilhado pelos
dois corpos, o que permite relacionar as rotações virtuais. Por exemplo, na determinação
de MA o deslocamento vertical de B é δry = L δθAB = 2L δθBCDE , donde se conclui que a
rotação da barra AB é dupla da da barra BCDE (mas em sentido contrário).
(x) Na escrita da equação dos trabalhos virtuais é muito importante ter presente em que corpo
rígido está aplicada cada força, momento ou carga distribuída.
(xi) Cada uma das forças ou momentos que constituem um par (nas libertações para deter-
minar o valor de um esforço) atuam evidentemente em corpos distintos. O trabalho do
esforço pode ser calculado somando as contribuições de cada uma das forças ou de cada
um dos momentos. Em alternativa, esse trabalho pode ser obtido multiplicando o esforço
pelo deslocamento relativo ou rotação relativa.
(xii) O trabalho das cargas distribuídas pode ser calculado multiplicando a resultante pelo des-
locamento do ponto na linha de ação da resultante, desde que toda a carga distribuída
atue num mesmo corpo rígido, podendo ser necessário dividir a carga distribuída em duas
ou mais (é o que acontece nas libertações de esforços na secção C).
Escrevem-se de seguida as equações dos trabalhos virtuais para cada uma das deformadas
apresentadas na figura e o valor correspondente da incógnita a que se é conduzido após reco-
nhecer que o valor da rotação δθ (ou do deslocamento δr) é arbitrário:
M P
VA 2L δθ − p 2L L δθ + M δθ + P L δθ = 0 ⇒ VA = p L − −
2L 2
M PL
−MA 2δθ − p 2L L δθ + M δθ + P L δθ = 0 ⇒ MA = −p L2 + +
2 2
L L M P
−VC L δθ − VC L δθ − p L δθ + p L δθ − M δθ − P L δθ = 0 ⇒ VC = − −
2 2 2L 2
L L pL 2 M PL
MCesq δθ + MCesq δθ − p L δθ − p L δθ + M δθ + P L δθ = 0 ⇒ MCesq = − −
2 2 2 2 2
M 3P
RD 2L δθ − p 2L L δθ − M δθ − P 3L δθ = 0 ⇒ RD = p L + +
2L 2
M P
−VDesq 2L δθ − p 2L L δθ − M δθ − P L δθ = 0 ⇒ esq
VD = −p L − −
2L 2
VDdir δr − P δr = 0 ⇒ VDdir = P
32
Evidentemente, todos estes valores podiam ser obtidos da forma mais habitual, escrevendo
três equações de equilíbrio global e a equação de momentos à direita (ou à esquerda) da rótula
para determinar as reações e, subsequentemente, calculando os valores dos esforços pretendidos
por equilíbrio. Na verdade, essa é a forma preferível se o objetivo for a determinação de muitos
desses valores, já que utilizando o PTV é necessário recomeçar a resolução para cada novo
esforço. No entanto, se o objetivo for a determinação de um número muito limitado de reações
ou esforços, a utilização do PTV pode ser vantajosa, por ser mais económica.
Mas note-se que a utilização do PTV permite evidenciar a forma como cada esforço depende
de cada uma das cargas aplicadas. Esta avaliação da dependência tem em conta quer a influência
direta das cargas, quer indireta, isto é das reações provocadas por essas cargas. Por exemplo,
o momento fletor em A provocado pela carga concentrada P vale MA = P2L , valor que soma a
contribuição direta (−4P L), com a contribuição da reação em D (RD 3L = 3P 9
2 3L = 2 P L).
5.5 Pórticos
No caso de pórticos ou quaisquer outras estruturas que não sejam vigas, a determinação dos cen-
tros instantâneos de rotação é um pouco mais complicada, pois requer em geral a determinação
de duas coordenadas. Além disso, o movimento deixa de se dar exclusivamente na vertical,
tendo os diversos pontos da estrutura deslocamentos com duas componentes. Os exemplos que
se apresentam de seguida, focam-se sobretudo nesses aspetos novos.
2m 2m
CIR2
δθ2
9 kN/m 3m
12 kN
2 MG
E F G E F MG
G
3m
C D C
3
D
3m y
1
δθ1 δθ3
A B
x
A≡CIR1 B≡CIR3
4m 4m 4m
CIR2 CIR3
δθ2 2m 2m
3m 3m δθ3
3
5
E F G E F G
1,5 m
3 CIR4
2
C C NCD
4 δθ4
D D
NAD NCD
1
1
2
NAD δθ3 δθ5
δθ1 δθ1 δθ2
A≡CIR1 B≡CIR3 A≡CIR1 ≡CIR2 B≡CIR5
33
determinação dos centros instantâneos de rotação, sendo pertinentes os seguintes comentários:
(i) Como as barras em que se pretende determinar o esforço axial são bi-articuladas, as res-
petivas libertações são conseguidas retirando simplesmente a barra.
(ii) Após a libertação para a determinação de MG ou de NAD é ainda possível identificar
conjuntos barras que se comportam como um corpo rígido (zonas a azul). Por essa razão,
nesses casos existem ao todo apenas três corpos rígidos. No caso da libertação para a
determinação de NCD todas as barras são corpos rígidos diferentes.
(iii) Muitos dos centros instantâneos de rotação localizam-se nos apoios fixos. Os restantes
são obtidos intersectando linhas perpendiculares ao deslocamento de pontos cuja direção
é conhecida (por pertencerem a outro corpo cujo centro já é conhecido). Essas direções
estão assinaladas a vermelho nas figuras, as linhas perpendiculares ao deslocamento desses
pontos estão representadas com traço interrompido a azul. Por exemplo, na determinação
de NCD , a ordem de determinação dos centros é: primeiro a dos corpos 1, 2 e 5, depois a
dos corpos 3 e 4 (este último com base nos centros 2 e 3 ou nos centros 2 e 5).
(iv) A posição exata dessas intersecções são obtidas por semelhança de triângulos ou através da
intersecção das equações das retas. Por exemplo, a determinação do centro instantâneo de
rotação do corpo 4 na determinação de NCD resulta de (equações escritas no referencial
x − y localizado em A:
3 6
y= x ∧ y = − (x − 12) ⇒ x=6 ∧ y = 4,5
4 8
(v) Determinados os centros, escolhe-se o sentido de uma das rotações virtuais e, com base
nos sentidos de deslocamento dos pontos em comum, determinam-se todos os outros. Em
todos os casos deste problema, escolheu-se o sentido horário para o corpo 1. Note-se que,
na determinação de NCD , embora os corpos 1 e 2 tenham o mesmo centro de rotação, os
sentidos são contrários, sendo condicionados pelos sentidos dos deslocamentos dos pontos
C, F e D.
(vi) Para relacionar as rotações basta compatibilizar o deslocamento — ou uma das suas com-
ponentes — dos pontos partilhados por dois corpos. Assim, na determinação de MG ,
tem-se
δrF x = 6 δθ1 = 3 δθ2 ∧ δrGx = 6 δθ3 = 3 δθ2 ⇒ δθ2 = 2 δθ1 ∧ δθ3 = δθ1
Na determinação de NAD , tem-se
1 1
δrCx = 3 δθ1 = 6 δθ2 ∧ δrF x = 6 δθ3 = 3 δθ2 ⇒ δθ2 = δθ1 ∧ δθ3 = δθ1
2 4
Finalmente, na determinação de NCD , tem-se
δrCx = 3 δθ1 = 6 δθ3 ∧ δrF x = 3 δθ3 = 1,5 δθ4 = 6 δθ5 ∧ δrDy = 4 δθ2 = 2 δθ4
1 1 1
⇒ δθ2 = δθ1 ∧ δθ3 = δθ1 ∧ δθ4 = δθ1 ∧ δθ5 = δθ1
2 2 4
(vii) Na equação do trabalho virtual, escreve-se primeiro o trabalho de cada carga em termos da
rotação do corpo em que está aplicada, introduzindo subsequentemente as relações entre
rotações determinadas atrás. O esforço pretendido é o que garante a satisfação da equação
para qualquer deslocamento virtual. Assim, para a determinação de MG tem-se
9 × 8 × 2 δθ2 + 12 × 3 δθ2 + MG δθ2 + MG δθ3 = 0
⇒ δθ1 (9 × 8 × 2 × 2 + 12 × 3 × 2 + MG (2 + 1)) = 0
⇒ MG = 156 kNm
34
Na determinação de NAD , tem-se
⇒ NAD = −35 kN
Note-se que uma das forças NAD não produz trabalho. Para o cálculo do trabalho da
outra força NAD optou-se por calcular separadamente o trabalho de cada uma das suas
componentes.
Na determinação de NCD , tem-se
⇒ NCD = −28 kN
(viii) Face aos resultados obtidos, conclui-se que MG é positivo (admitindo a barra orientada da
esquerda para a direita) e que ambas as barras estão à compressão.
∗∗∗
L δθ
Lδθ
MB MD
F B C D
MD
MB MC MC δθ
L
δθ δθ
A E
Em todos os casos, após a libertação temos dois corpos rígidos, estando o centro instantâneo
de rotação do corpo da esquerda sempre no apoio fixo em A.
Para obter o centro instantâneo de rotação do corpo da direita na deformada virtual relativa
a MB , obtemos duas retas paralelas (perpendiculares aos deslocamentos horizontais em B e
E), pelo que o segundo corpo está em translação instantânea. A deformada relativa a MC não
difere qualitativamente das do problema anterior, mas a última deformada é mais interessante
pois contém uma situação nova.
De facto, na deformada relativa à determinação de MD , observamos que o centro instan-
tâneo de rotação do corpo da direita — a barra DE — se situa (na intersecção de duas retas)
em D que é um ponto do corpo. Logo o ponto D está fixo, não se movendo. Ora, o ponto D
também pertence ao corpo da esquerda pelo que podemos concluir que o corpo da esquerda não
35
se move, estando, portanto em repouso instantâneo.11 Como consequência, quaisquer cargas
aplicadas ao corpo da esquerda não terão influência no valor do esforço MD .
As deformadas, que neste caso são simples de representar, estão desenhadas na figura. As
equações dos trabalhos virtuais e a correspondente determinação dos esforços pretendidos são
F L δθ − MB δθ = 0 ⇒ MB = F L
FL
F L δθ − MC δθ − MC δθ = 0 ⇒ MC =
2
−MD δθ = 0 ⇒ MD = 0
P CIRAB
3 δθ
3 10 L 3 C
5L 4
3
10 L B
A
4
5L L
2 7
5L 5L 4
d2 = 3L
9 3
5L
P δθ P δθ
VB
VB
CIRBC ≡C CIRBC ≡C
NB NB
B 3 B
v 4 v
A u A u
d1 = 34 L
uAB BC
B = uB
δθ
AB BC
vB = vB
CIRAB
36
Como encontrar outra recta para determinar a localização do centro instantâneo de rotação
de corpo AB? A chave passa por reconhecer os três factos seguintes:
(i) Como as libertações introduzidas não permitem a rotação relativa, a rotação dos dois
corpos é igual,
δθAB = δθBC = δθ
Ou seja:
• os centros de rotação de dois corpos separados por uma libertação de esforço transverso
situam-se numa linha paralela à barra
• os centros de rotação de dois corpos separados por uma libertação de esforço axial situam-
-se numa linha perpendicular à barra
Estas conclusões, embora obtidas aqui no contexto de um problema particular, são válidas para
quaisquer libertações destes tipos. Note-se que se a secção onde se pretendem calcular os esfor-
ços for horizontal ou vertical a resolução fica facilitada pois envolve apenas a consideração de
braços na horizontal ou vertical.
Apresentam-se de seguida os cálculos que levam à determinação dos esforços transverso e
axial em B no problema em análise. As distâncias d1 e d2 que referenciam a coordenada vertical
dos centros de rotação da barra AB são obtidos por semelhança de triângulos:
d1 + 53 L 9
L 3
= 5 ⇒ d1 = L
3 4 4
d2 − 35 L 9
L
= 5 ⇒ d2 = 3L
4 3
37
Cada um dos esforços pode ser decomposto nas suas componentes horizontal e vertical, ha-
vendo naturalmente que contabilizar as contribuições de cada uma das forças que constitui o
par ação–reação, pelo que as equações de trabalhos ficam
4 2L 3 3L 3L 4 7L 3 3L 4
VB + + + + δθ − P Lδθ = 0 ⇒ VB = P
5 5 5 4 10 5 5 5 10 9
3 2L 4 3L 3 7L 4 3L P
NB − − 3L − − + δθ − P Lδθ = 0 ⇒ NB = −
5 5 5 10 5 5 5 10 3
P C D P C D MD
3
L
1
P P
B B
L E
2 E
2
A A
4
y P P
F F F
x
Comece-se por observar que a determinação dos centros instantâneos de rotação não é fácil
de fazer pelas técnicas descritas anteriormente. Com efeito, exceto para o corpo 1 (cujo centro
instantâneo de rotação está obviamente no apoio fixo A), para cada um dos outros corpos só é
possível limitar a localização dos respetivos centros instantâneos de rotação a uma reta — a reta
vertical que passa em A para os corpos 2 e 3 e a reta vertical que passa em F para o corpo 4.
Então, admita-se que as rotações elementares dos quatro corpos valem δθ1 , δθ2 , δθ3 e δθ4 ,
consideradas positivas no sentido direto (anti-horário). O deslocamento de cada ponto pode
ser obtido por aplicação sucessiva de propagações de deslocamentos elementares. Por exemplo,
o deslocamento do ponto F é calculado a partir do deslocamento nulo no apoio fixo A e em
12
Uma outra possível abordagem, baseia-se em teoremas que recorrem ao conceito de centro de rotação relativo
entre dois corpos. Mas a aplicação destes teoremas é um pouco intrincada, pelo que se prefere a abordagem aqui
apresentada.
38
três propagações no interior de três corpos rígidos distintos (tirando partido do facto de os
deslocamentos dos pontos B e E serem os mesmos para os corpos rígidos neles ligados),
→
− →
− →
− →
− −→ −−→ → − →
− −→ −−→ → − →
− −→ −−→
δr A = 0 δr B = δr A + δθ1 × AB δr E = δr B + δθ2 × BE δr F = δr E + δθ4 × EF
ou, concisamente, como
→
− →
− −→ −−→ −→ −−→ −→ −−→
δr F = 0 + δθ1 × AB + δθ2 × BE + δθ4 × EF
Como no apoio móvel em F o deslocamento vertical é nulo, dever-se-á verificar a equação13
L
δrF y = 0 + 0 δθ1 + L δθ2 +δθ4 = 0 ⇒ δθ4 = −2 δθ2
2
Para obter mais equações relacionando rotações elementares, propaga-se os deslocamentos de
B para D através de dois caminhos diferentes
→
− →
− −→ −−→ −→ −−→ →
− →
− −→ −−→ −→ −−→
δr D = δr B + δθ1 × BC + δθ3 × CD δr D = δr B + δθ2 × BE + δθ4 × ED
pelo que se tem forçosamente
−→ −−→ −→ −−→ −→ −−→ −→ −−→
δθ1 × BC + δθ3 × CD = δθ2 × BE + δθ4 × ED
Então, da igualdade das componentes em x e y desta equação vetorial conclui-se que
−L δθ1 + 0 δθ3 = 0 δθ2 − L δθ4 ⇒ δθ4 = δθ1
L L
0 δθ1 + δθ3 = L δθ2 − δθ4 ⇒ δθ3 = 2δθ2 − δθ4
2 2
Reunindo as três equações obtidas, escrevem-se as rotações elementares em função de um único
parâmetro independente δθ como
δθ
δθ1 = δθ δθ2 = − δθ3 = −2δθ δθ4 = δθ
2
Com o conhecimento destas relações, utilizam-se novamente as propagações relevantes para
escrever o deslocamento de todos os pontos notáveis em função do mesmo δθ, (omitem-se os
cálculos detalhados)
→
− L → −
δr B = − δθ ex
2
→
− 3L → −
δr C = − δθ ex
2
→
− 3L → − →
−
δr D = − δθ ex − L δθ ey
2
→
− L → − L → −
δr E = − δθ ex − δθ ey
2 2
→
− L → −
δr F = + δθ ex
2
o que permite fazer o desenho da deformada que se apresenta à direita na figura 14. Acres-
cente-se que com base nestes deslocamentos é relativamente fácil determinar a posteriori as
localizações dos centros instantâneos de rotação, como se esquematiza no desenho da defor-
mada. Note-se, contudo, que esta determinação não é realmente necessária para concluir a
resolução do problema, pois todos os deslocamentos de interesse são já conhecidos.
Para obter a solução do problema basta, escrever a equação dos trabalhos virtuais, utilizando
os deslocamentos dos pontos de aplicação das cargas,
δW = P δrCx − P δrEy + P δrF x + M δθ2 − M δθ4
3P L P L P L PL
= δθ − + + − 2M − M = 0 ⇒M =−
2 2 2 6
13
Cada uma das componentes resultantes de um produto externo continua a poder ser obtida multiplicando um
braço por uma rotação.
39
5.8 Vantagens do PTV na determinação de reações e esforços em estruturas
Mostrou-se como o PTV pode ser utilizado para a determinação de reações ou esforços em estru-
turas isostáticas com base numa única equação de equilíbrio, sem ter a necessidade de calcular
outras reações de apoio ou outros esforços. Em contrapartida, torna-se necessário caracterizar
rigorosamente o movimento virtual elementar que a libertação introduzida passa a permitir.
De um ponto de vista prático, a análise recorrendo ao PTV pode ser vantajosa quando se quer
determinar o valor de apenas uma reação ou de um esforço. De facto, para cada novo valor
pretendido é necessário recomeçar a resolução do problema, o que torna inviável a abordagem
se o objetivo é a determinação de esforços em muitas secções.
Talvez a maior vantagem da aplicação do PTV para a determinação de esforços seja a de
tornar muito clara a dependência total de cada reação ou esforço de cada uma das cargas apli-
cadas. Esta característica é muito valiosa para identificar qual a combinação do carregamento
que é mais desfavorável para um determinado esforço e que, portanto, deve ser considerada
para o seu dimensionamento. Acrescente-se a propósito que na disciplina de Dimensionamento
de Estruturas recorre-se ao conceito de linhas de influência — gráficos que mostram como um
esforço depende da localização de uma carga móvel — cuja construção é facilitada recorrendo
ao PTV. De resto, este tipo de análise pode, com as devidas modificações, também ser aplicado
a estruturas hiperestáticas.
Uma outra aplicação do PTV a estruturas (isostáticas ou hiperestáticas) é estudada na disci-
plina de Resistência de Materiais. Na análise plástica de estruturas, procura-se saber qual o valor
da carga que está em equilíbrio com os esforços de plastificação em determinadas secções (as
associadas a um dado mecanismo de colapso), através de um procedimento muito semelhante
ao explicado ao longo da presente secção.
40
6 Energia potencial e estabilidade do equilíbrio
6.1 Introdução
Até agora, a atenção tem estado focada exclusivamente no trabalho elementar e na formulação
do PTV que dita a equivalência entre o equilíbrio e o trabalho elementar das cargas aplicadas.
Mas o trabalho realizado num deslocamento finito também é útil para caracterizar o comporta-
mento de um mecanismo. Nesta secção apresenta-se uma muito breve introdução ao conceito
de estabilidade do equilíbrio, mantendo-se a discussão limitada a forças constantes e a sistemas
de um grau de liberdade.
∆W = − (Vf − Vi ) = −∆V
Dito de outro modo, uma força constante é uma força conservativa cujo trabalho não depende
do caminho mas apenas da posição inicial e final. Consequentemente, o trabalho realizado pela
força é igual ao simétrico da variação da sua energia potencial.
A energia potencial de uma carga constante aumenta (linearmente) à medida que o ponto
se desloca no sentido contrário ao da força. Assim, no caso do peso de um objeto, que é uma
força constante14 que atua de cima para baixo, a energia potencial aumenta com a altura a que
se encontra o objecto.
41
V (θ)
θ 270 θ
0 90
L
V (θ) = P sen θ
2
O gráfico da função energia potencial está representado na figura 15, assinalando-se também
os dois pontos de estacionariedade que são dados por (omitem-se as soluções que consistem em
somar múltiplos de 360o por descreverem exatamente as mesmas configurações).
dV PL
= cos θ = 0 ⇒ cos θ = 0 ⇒ θ = 90o ∨ θ = 270o
dθ 2
Neste problema particular, observa-se que a configuração de equilíbrio não depende do valor
do peso P .
42
No exemplo da barra, a segunda derivada da energia potencial é
d2 V PL
2
=− sen θ
dθ 2
pelo que, para cada uma das posições de equilíbrio determinadas anteriormente, se tem
d2 V
o PL PL
θ = 270 ⇒ 2
=− sen(270o ) = > 0 ⇒ Estável
dθ 270o
2 2
d2 V
o PL PL
θ = 90 ⇒ 2
=− sen(90o ) = − < 0 ⇒ Instável
dθ 90o 2 2
Esta conclusão é independente do valor (positivo) de P , o que mostra que a barra em equilíbrio
por cima do apoio é, naturalmente, sempre uma posição de equilíbrio instável.
Na disciplina de Resistência de Materiais inclui-se, no final, uma introdução à estabilidade
de estruturas elásticas. Nesse contexto, é necessário adicionar à energia potencial das cargas,
também a energia potencial associada à deformação. Por exemplo, se no exemplo apresentado
a rotação em torno do apoio fixo mobilizasse uma mola elástica com suficiente rigidez (de
rotação), a posição θ = 90o podia ser estável. Particularmente relevante para a análise estrutural
é a determinação de cargas críticas, isto é, a determinação de qual o valor de uma carga aplicada
a uma coluna a partir do qual o equilíbrio, embora possível em teoria, se torna instável e,
portanto, impossível na prática. No entanto, a análise de corpos deformáveis está fora do âmbito
deste texto.
18 Maio 2017
https://fenix.tecnico.ulisboa.pt/homepage/ist12396/textos-pedagogicos
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