Você está na página 1de 168

Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.

GEOGRAFIA E TRABALHO NO SÉCULO XXI

Volume 2

Antonio Thomaz Júnior


Marcelo Dornelis Carvalhal
Terezinha Brumatti Carvalhal
Organizadores

3DUWH GRV FXVWRV SDUD D LPSUHVV¥R GHVWH OLYUR 5 


IRUDP JDUDQWLGRV SHOD 3Uµ5HLWRULD GH 3HVTXLVD81(63 SRU
FRQWD GR FXPSULPHQWR GRV SU«UHTXLVLWRV GR 3URJUDPD GH
,QFHQWLYR ¢ &DSWD©¥R GH 5HFXUVRV 3,&5  1RVVR PXLWR
REULJDGR

Presidente Prudente
Editorial Centelha - CEGeT
2006

1
1
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

Copyright © do Autor, 2006

Apoio Técnico: Biblioteca da FCT/UNESP


Editoração: Marcelo Dornelis Carvalhal e Terezinha Brumatti Carvalhal
Impressão e Fotolito: Editora Viena

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Geografia e trabalho no século XXI : volume 2 /


Antonio Thomaz Júnior, Marcelo Dornelis
G31 Geografia e Trabalho
Carvalhal, no Século
Terezinha XXI
Brumatti / Antonio Thomaz
Carvalhal,
organizadores . -- Santa Cruz do Rio Pardo,
Júnior, Marcelo Dornelis Carvalhal
SP : Editora Viena,e 2006.
Terezinha Brumatti Carvalhal (Orgs.). -
Presidente Prudente: Centelha, 2006.
Vários colaboradores.
Bibliografia v.2 ; 21 cm.
ISBN 85-371-0090-0

1. Geografia 2. Meio ambiente 3. Movimentos


sociais 4. Sindicalismo 5. Trabalho e classes
trabalhadoras I. Thomaz Júnior, Antonio.
II. Carvalhal, Marcelo Dornelis. III. Carvalhal,
Terezinha Brumatti.

1. Moradia 2. Relação Sociedade-Natureza 3.Gênero 4. Comunicação Sindical


4. Classe trabalhadora I. Thomaz Júnior, Antonio II. Título.

06-8461 CDD-306.360981

Índices para catálogo sistemático:


CDD(18 edição) 334
1. Brasil : Geografia e trabalho : Sociologia
do trabalho 306.360981

Projeto Editorial

Todos os direitos reservados ao Grupo de Pesquisa


“Centro de Estudos de Geografia do Trabalho” (CEGeT)
Faculdade de Ciências e Tecnologia/UNESP
Presidente Prudente (SP), 2006.

Rua Roberto Simonsen, n. 305


Caixa Postal: 467 – CEP. 19060-900
Presidente Prudente (SP)
www.prudente.unesp.br/ceget

2
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

Projeto Editorial - CEGeT

Publicações
Gênero e Classe nos Sindicatos
Terezinha Brumatti Carvalhal
Geografia e Trabalho no Século XXI (Vol. I)
Organização: Antonio Thomaz Júnior ▪ Marcelino Andrade
Gonçalves
Geografia Passo a Passo
(Ensaios Críticos dos anos 90)
Antonio Thomaz Júnior
Geografia e Trabalho no Século XXI (Vol. II)
Organização: Antonio Thomaz Júnior ▪
Marcelo Dornelis Carvalhal ▪ Terezinha Brumatti Carvalhal

Revista Pegada
Versões Impressa e Eletrônica
(www.prudente.unesp.br/ceget/pegada.htm)
Próximos Lançamentos
Relação Capital x Trabalho e Dominação de Classe
na Agroindústria Canavieira Paulista
Ana Maria Soares de Oliveira

Qualificação Profissional e Território do Trabalho


Marcelo Dornelis Carvalhal

O Trabalho no Lixo
Marcelino Andrade Gonçalves

Revista Pegada, volume 7, número 2, 2006


Pedidos:
ceget@fct.unesp.br
Telefone (18) 3229-5388 Ramal: 5543 ▪ Fax (18) 3221-8212

3
3
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

SUMÁRIO

Apresentação 5
Trabalho e Comunicação Sindical: Determinações Territoriais
da Luta de Classes
Marcelo Dornelis Carvalhal
8
A Indústria de Curtimento de Couro em Presidente Prudente: a
Relação Sociedade-Natureza em Questão
Fábio Henrique Campos
44
Os Momentos Sociais da Produção e da Re-Produção: uma
Leitura a Partir da Questão da Moradia
Fernanda Keiko Ikuta
71
A Territorialização da Questão de Gênero nos Sindicatos
Terezinha Brumatti Carvalhal
103
Se Camponês, se Operário! Limites e Perspectivas para a
Compreensão da Classe Trabalhadora no Brasil
Antonio Thomaz Júnior
130

4
4
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

Apresentação
Os textos que compõem essa publicação do Projeto Editorial
Centelha, Volume II do livro Geografia e Trabalho no Século XXI, são
contribuições oriundas de quatro dissertações de mestrado desenvolvidas
no Grupo de Pesquisa Centro de Estudos de Geografia do Trabalho
(CEGeT), além de um ensaio do professor Antonio Thomaz Júnior. Toda a
energia mobilizada para finalizar esse livro, nos reanima a continuarmos
nossa batalha e persistência para a realização de novos estudos no âmbito
da Geografia do trabalho.
Ao longo desse Volume, cada autor oferece elementos que nos
ajuda a pensar sobre o desafio acima posto. Podemos sintetizá-lo na
necessidade de ampliação do debate acerca do mundo do trabalho e nos
estímulos que seguem para reflexão.
Assim, Marcelo Carvalhal contribui com reflexões preciosas
sobre as implicações das transformações no capitalismo, não apenas para o
redimensionamento econômico, mas também para as redefinições políticas
entre as classes, pois atinge diferencialmente a materialidade e a
subjetividade dos sujeitos sociais, cujo significado tem apontado para o
esgotamento do modelo fordista de acumulação e regulação social em que o
novo sindicalismo no Brasil pautava suas perspectivas. Assim, a crise do
capital enseja a crise do trabalho, a prática política dos sindicatos é
colocada em questão pela sua incapacidade de frear a degradação dos
trabalhadores, o que necessariamente levanta a hipótese da falência de
paradigmas teóricos do sindicalismo. Dessa forma, para o autor é
necessário compreender o movimento sindical enquanto agente territorial e
a comunicação sindical como instrumento estratégico dos dirigentes
sindicais para fortalecerem-se na representação dos trabalhadores. Assim,
pode-se considerar a imprensa sindical como expressão das concepções
ideológicas dos sindicalistas, tendo como vislumbrar os embates que se
travam no interior destes sindicatos e a direção que está sendo assumida,
pela própria organização do modelo comunicativo.
Fábio Henrique Campos aborda a questão da separação dos
homens e da natureza, que se repete na relação homem-homem, ou seja, a
separação da propriedade da força-de-trabalho e da natureza, base fundante
da dicotomia que a ideologia burguesa se incumbirá de tornar natural na
consciência dos homens. Dessa forma, o trabalhador percebe que é
importante a atenção para o problema ambiental, no entanto este

5
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

trabalhador vislumbra uma natureza longe de si e não consegue percebê-la


perto de seu local de trabalho. O trabalhador tem sua experiência social
mediada por relações mercadológicas e contratuais, pois sua sobrevivência
é mediada no mercado, ou seja, no âmbito da circulação da moeda, via
salário. Assim, para o autor o capitalismo domina as relações através do
trabalho estranhado e da abstração do mundo social separado da natureza,
através do fetichismo da mercadoria.
Fernanda Ikuta discute as reivindicações das Associações de
Moradores de Presidente Prudente no contexto das lutas pela resistência
dos trabalhadores as quais refletem portanto, as condições de exclusão
expressas na questão da moradia. Para a autora, a ausência de articulação e
solidariedade entre as associações/bairros e demais entidades de
organização dos trabalhadores, sobretudo os sindicatos, revela o
individualismo a que estão submetidas e, em decorrência, a ausência de um
projeto coletivo que ultrapasse o imediatismo das reivindicações, capaz de
sinalizar ações para além das quatro paredes, numa clara alusão à
necessária unificação da classe trabalhadora. O tratamento unilateral da
questão da moradia como questão restrita à reprodução faz com que os
elementos da esfera das relações de trabalho fiquem de fora da esfera das
lutas pela moradia. Dessa forma, a questão da moradia não deve ser apenas
compreendida no sentido da reprodução da força-de-trabalho, mas que
tenha significância mais ampliada em relação à casa em si ou a simples
regularização da terra urbana, em respeito às áreas ocupadas.
Já o texto de Terezinha Carvalhal nos traz suas contribuições
acerca da questão de gênero no meio sindical. Entendendo que as mulheres
assim como outros grupos sociais, como os indígenas, negros têm sido
subjugados ao longo da história em relação ao homem branco, a autora
aponta que a condição se agrava quando se situa tais questões na sociedade
de classe capitalista. Porém, as mulheres têm uma especificidade, pois que,
independentemente da classe social, têm sido as responsáveis pelo cuidado
com os filhos/família e com a manutenção da casa. Assim, a inserção no
mercado de trabalho pode trazer, de certa forma, a autonomia financeira,
além de novas experiências para as mulheres, acostumadas a terem seus
horizontes restritos à manutenção da família. Porém, a busca pela
independência financeira e menor subjugação ao homem, têm colocado
para as mulheres novas situações de dominação e subjugação, prova é a
aceitação de trabalhos informais, isentos de seguridade social e direitos
trabalhistas. Ainda nos sugere que, em grande medida, as mulheres quando
ingressam no mercado de trabalho e nos sindicatos exercem a dupla e tripla

6
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

jornada de trabalho, e isso tem mostrado que o acúmulo de funções não tem
impedido-as de participarem ativamente da vida política no âmbito sindical
e de almejarem melhores perspectivas profissionais.
Finalmente o texto do Antonio Thomaz Júnior, nos prestigia
com suas reflexões acerca dos rearranjos da ordem metabólica do capital
que adota as formas e procedimentos derivados/combinados do taylorismo-
fordismo para o toyotismo, bem como outras formas de organização do
processo de trabalho que impactam diretamente na diminuição do
operariado industrial tradicional, na expropriação de milhões de
camponeses, no aumento crescente da legião de desempregados, na
profunda redefinição do mercado de trabalho e, portanto, com expressivos
significados de esgarçamento da classe trabalhadora. O autor aponta que o
redimensionamento das configurações sociais dão sustentação a diferentes
expressões e significados do trabalho, seja nos campos, seja nas cidades, e
acrescenta novos valores e sentidos para os sindicatos, as centrais sindicais,
as associações, os partidos políticos, para os trabalhadores em particular e
para os movimentos sociais populares em geral. No mesmo eixo analítico, o
autor sinaliza a asfixia das compreensões amparadas na ortodoxia da teoria
marxista, que ao seu julgamento estão blindando a oxigenação desse corpo
teórico, quando não conseguem estabelecer vias de comunicação renovadas
com a realidade social do trabalho crescentemente refeita, isolando
formulação original e com isso negando a própria (re)construção da
dialética materialista (marxista). O autor sustenta ainda que as expressões
vivas da luta de classes mostram as fronteiras e as fragmentações da teoria
e das ideologias, o que enrijece o fosso no âmbito do trabalho e da classe
trabalhadora; então são os limites sediados no âmbito teórico-conceitual-
ideológico do marxismo e a especialização científica e da militância
política que fazem com que permaneçam os filtros e as blindagens que
mantêm os trabalhadores distanciados da totalidade social. A construção
teórica do conceito de classe trabalhadora comparece como um dos seus
objetivos, produto das contribuições que está colhendo das pesquisas e dos
aprendizados coletivos em curso, encimados na dinâmica geográfica da
totalidade viva do trabalho.
Com esses textos esperamos oferecer mais algumas contribuições
para fortalecermos posicionamentos e trocas de aprendizados em busca da
consolidação da opção da crítica radical à sociedade do capital, por meio da
nossa leitura geográfica da dinâmica do trabalho.

Os Editores

7
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

Trabalho e Comunicação Sindical:


Determinações Territoriais da Luta de Classes *
Marcelo Dornelis Carvalhal **

1-Introdução

O texto em tela procura trazer as principais elucubrações


decorrentes de nossa elaboração da dissertação de Mestrado e que traz
como mote principal à compreensão da comunicação como campo da luta
de classes que contribui nas redefinições do território, e que, portanto, tem
na imprensa sindical, como canal de comunicação das direções sindicais
com os trabalhadores por ela representados, ou os trabalhadores de uma
forma geral, a possibilidade de disputas sobre os projetos políticos.
A pesquisa abrangeu os jornais publicados no período de Julho
de 1997 a Junho de 1999, pelos seguintes sindicatos: Sindicato dos
Bancários e Financiários de Presidente Prudente e região (SEEB), Sindicato
dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil e Pesada,
Terraplenagem, Instalação Elétrica e Hidráulica, do Mobiliário e Material
Cerâmico de Presidente Prudente e região (SINTCON), Sindicato dos
Servidores Municipais de Presidente Prudente (SSM), Sindicato dos
Trabalhadores nas Indústrias de Artefatos e de Curtimento de Couros e
Peles do Oeste e Sudoeste do Estado de São Paulo (STIAC), Sindicato dos
Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (APEOESP),
Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Química, Farmacêutica e de
Fabricação do Álcool de Presidente Prudente e região (SINDIÁLCOOL) e

*
Este artigo faz parte de nossas reflexões no âmbito da Dissertação de Mestrado intitulada:
A Comunicação Sindical em Presidente Prudente: Elementos para uma “Leitura”
Geográfica, desenvolvida junto ao Programa de Pós-graduação em Geografia da Faculdade
de Ciências e Tecnologia UNESP/Presidente Prudente, financiada pelo CNPq e defendida
em 2000.
**
Professor de Geografia da UNIOESTE – Universidade Estadual do Oeste do Paraná,
campus de Marechal Cândido Rondon, membro do Grupo de Pesquisa “Centro de Estudos
de Geografia do Trabalho-” (CEGeT) e do “Centro de Memória, Documentação e
Hemeroteca Sindical “Florestan Fernandes”- (CEMOSi).
E-mail: mdcarvalhal@hotmail.com.

8
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

Sindicato dos Empregados no Comércio de Presidente Prudente e região


(SEC).
Para efeito de apresentação o texto está subdividido em quatro
seções que procuram detalhar os aspectos que julguei fundamentais para
fazer do tema em questão algo apropriável à compreensão de nossos
objetivos, o que muitas vezes é motivador de confusões e debates
melindrosos.
O que buscamos à época de nossa dissertação, e que certamente
mantêm-nos intelectualmente vivos e politicamente inflexíveis é a
contribuição na compreensão dos desafios postos à superação da ordem
sócio-metabólica do capital, o que implica necessariamente alçar as
compreensões e debates que se travam no campo acadêmico da geografia
para além de suas fronteiras positivistas, situando nossa polêmica no
quadro da práxis, mais do que nos anais universitários.
Tal análise pautou-se no esforço de tornarem explícitas algumas
questões que se inserem no bojo das transformações do capitalismo, com
desdobramentos importantes para o mundo do trabalho, cuja precarização
em termos contratuais contribui para o debate teórico, em que se postula a
perda da centralidade política dos trabalhadores, favorecendo sobremaneira
a ideologia do capital como horizonte único e possível da humanidade, o
que em nossa opinião, é uma postura muito cômoda para a manutenção do
status quo.
Tal contexto econômico, aliado às redefinições políticas, vem
contribuindo para que o movimento associativo dos trabalhadores seja
obrigado a também se redefinir. Dessa forma, a questão posta situa-se no
cerne das alternativas que os trabalhadores podem escolher: as antigas
alternativas emancipatórias, cujo significado mais claro tem sido a negação
do capital como sistema de relações societais sustentável, ou a colaboração
com o sistema produtor de mercadorias, buscando melhorar as condições de
barganhagem da força de trabalho.
As alternativas que se colocam, portanto, para os trabalhadores,
não são todas possíveis, já que a possibilidade encerra-se na capacidade de
vislumbramento dos desafios e objetivos de classe, subsumidos na
hegemonia ideológica do capital.
Desta forma, iniciaremos nossa apresentação através do debate
sobre o caráter da mencionada crise do trabalho, desdobramento das
tentativas de solução da crise estrutural do capital, em que as manifestações
de tal crise podem ser encontradas na dissolução da perspectiva social-
democrata do pleno emprego e maior equalização dos rendimentos do

9
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

capital e remuneração do trabalho. Posteriormente traçaremos alguns


elementos que rebatem diretamente no meio sindical, principalmente no
caso brasileiro, destacando a estrutura sindical e o debate político na seara
do trabalho organizado, aspectos que estão intimamente ligados à
configuração da comunicação sindical e consequentemente ligados à
estratégia de luta sindical definida pelos sindicalistas.

2 - O Contexto da Crise do Capital e a Comunicação Sindical

O trabalho, enquanto elemento ontologicamente determinante no


processo social, impõe a necessidade de discutirmos as questões que estão
colocadas no debate atual sobre a centralidade do trabalho e as
transformações do capital. As implicações disso no mundo do trabalho
estão vinculadas à deterioração do contrato de trabalho, assim como a
precarização das relações de trabalho, com aumento significativo do
desemprego estrutural, que estariam fazendo diminuir o tempo de trabalho
socialmente necessário.
Estes são aspectos visíveis do processo desencadeado pela
necessidade do capital de se transformar visando à superação de sua crise
estrutural, colocando em questão paradigmas forjados no período histórico
delimitado pela hegemonia das concepções social-democratas, cujo axioma
central, do ponto de vista da luta de classes, ensejava a possibilidade de
convivência entre interesses ontologicamente conflituosos, como os da
relação capital e trabalho.
As transformações no capitalismo implicam não apenas o
redimensionamento econômico, mas fundamentalmente redefinições
políticas entre as classes, pois atinge diferencialmente a materialidade e
subjetividade dos sujeitos sociais, cujo significado tem apontado para o
esgotamento do modelo fordista de acumulação e regulação social em que o
novo sindicalismo no Brasil pautava suas perspectivas.
Assim, a crise do capital enseja a crise do trabalho, a prática
política dos sindicatos é colocada em questão pela sua incapacidade de
frear a degradação dos trabalhadores, o que necessariamente levanta a
hipótese da falência de paradigmas teóricos do sindicalismo.
Dessa forma, a materialidade e a subjetividade dos trabalhadores
têm-se redefinido sob bases que implicam, por um lado, na precariedade
material e de outro, seus órgãos de representação estão sob o fogo cruzado
dos trabalhadores, que querem a satisfação imediata de suas demandas e da
ideologia neoliberal que prega a necessidade de se adaptarem aos novos
10
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

tempos, vale dizer, consentimento e colaboração com as novas formas de


gestão do trabalho.
Esses elementos consubstanciam-se enquanto determinações da
configuração territorial, que mesmo sob o aspecto da luta de classes no
plano simbólico, como no caso da comunicação sindical, implicam não só
na capacidade do movimento sindical de verem atendidas suas demandas
em termos de salários, emprego e condições de trabalho, como na própria
redefinição de objetivos e perspectivas políticas que avancem para além do
trabalho1, constituindo-se o movimento sindical enquanto sujeito coletivo
que influencia não somente o espaço restrito das relações de produção, mas
também que atue na reconfiguração do território de forma mais ampla,
como por exemplo nos movimentos de moradia urbana e de reforma
agrária.
As mudanças experimentadas pelo toyotismo caracterizam-se pela
flexibilidade na produção, pois, neste caso, a produção é controlada pela
demanda (just-in-time e kanban), o que requer para seu funcionamento, a
polivalência do trabalhador e flexibilização dos direitos trabalhistas. Tais
aspectos consubstanciam-se com novas formas de gestão da mão-de-obra
que requerem a participação e o envolvimento dos trabalhadores (Círculos
de Controle da Qualidade) de forma consensual, diminuindo, desta forma,
as tensões classistas no processo produtivo, pois supostamente estaria
incorporando nas relações de trabalho a dimensão “desalienante” do
trabalho participativo, ou seja, a participação dos trabalhadores em algumas
decisões sobre o processo produtivo no chão da fábrica estaria superando a
clássica redução do trabalhador fordista a uma mera extensão da máquina,
enfim o trabalho criativo estaria possibilitando a “humanização” do
trabalho, segundo as concepções de muitos administradores2.
Se, por um lado, a participação dos trabalhadores no controle de
qualidade e na gestão do processo produtivo poderia consubstanciar-se
como elemento de desalienação em relação ao trabalho fordista, por outro,
esta incorporação dos trabalhadores ao processo gerencial das empresas
pode significar também a adesão destes trabalhadores ao capital, com
aumento da clivagem entre trabalhadores de empregos estáveis e de boa

1
Este avanço significa sobretudo, ao movimento sindical compreender-se como sujeito
coletivo por dentro e por fora da órbita produtiva e a capacidade de incorporar lutas como a
do meio ambiente, da moradia, reforma agrária, igualdade étnica e de gênero, além de
outras, o que redefiniria e requalificaria também os movimentos sociais específicos destas
lutas. Para mais detalhes ver: BIHR (1998).
2
Para mais detalhes ver GENNARI (1997) e ALVES (1998).

11
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

remuneração, com os trabalhadores de empregos parcelizados e


precariamente inseridos no mercado de trabalho. Derivam deste aumento da
clivagem todas as conseqüências para o projeto político do operariado, ou
seja, poderíamos ter um quadro em que as divisões entre os trabalhadores
tornem difícil e mais complexa a unidade dos trabalhadores estáveis com os
trabalhadores parcelizados/informais em torno de um projeto de superação
do capital.
Em tal cenário, as dificuldades do movimento sindical em
constituir-se enquanto sujeito coletivo da ação contra-hegemônica estaria
em sua própria concepção segmentada do mundo do trabalho, pois sendo
organizador dos trabalhadores estáveis e formalizados, teria sua eficiência,
enquanto sujeito coletivo, restrita a este núcleo e tal restrição, por outro
lado, poderia atuar como segregacionista em relação a grande massa de
trabalhadores precariamente empregados, fragmentando ainda mais os
trabalhadores e a luta operária. O desafio, portanto, para a ação contra-
hegemônica seria organizar coletivamente sujeitos distantes socialmente no
processo produtivo, pois, ao privilegiarem somente os trabalhadores
formais, os sindicatos estariam perdendo a centralidade enquanto agentes
da luta anti-capitalista3.
As conjecturas apontadas revelam-se na contraditoriedade e
conflitualidade internas do movimento sindical, ou seja, os caminhos a
serem seguidos dependerão do jogo de forças díspares dos líderes sindicais,
e as posturas podem, nos extremos, ou seguir a alternativa de construção da
solidariedade entre os mundos do trabalho, ou no outro extremo, favorecer
o sectarismo da luta, com aumento do corporativismo ao defender somente
os interesses dos trabalhadores com emprego estável4. Tal desafio coloca-se
na própria estrutura sindical, que privilegia a organização por categoria
profissional, desta forma eliminando a possibilidade de organizar os

3
Entre outros autores podemos citar HARVEY (1989) para uma análise mais detalhada
sobre as mudanças no processo produtivo e a nova segmentação do trabalho, ver KATZ e
COGGIOLA (1995). Para uma análise das estratégias dos capitalistas para a superação da
crise do Capital, sob uma perspectiva classista e BIHR (1998) que além de uma análise das
transformações atuais, procura compreender alguns desafios e as possíveis alternativas para
o movimento operário.
4
Cabe lembrar que o corporativismo não se resume somente na clivagem entre
trabalhadores estáveis/trabalhadores precarizados, já que mesmo entre os trabalhadores do
setor formal ocorre uma fragmentação de dupla dimensão: territorial e categorial, para mais
detalhes sobre as implicações desta dupla dimensão verificar THOMAZ Jr. (2002) e BOITO
Jr. (1996), e sobre o sentido histórico da “aristocracia operária”, ver: HOBSBAWN (1988).

12
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

trabalhadores instáveis e mesmo trabalhadores estáveis numa base política


mais ampla, conforme aponta BIHR:

O sindicalismo vertical, que privilegia a dimensão de


categoria e profissional, herdada do período fordista,
encontra-se aqui totalmente inadaptado. Somente um
sindicalismo com estrutura horizontal, que privilegia a
dimensão interprofissional, é adequado para organizar
ao mesmo tempo trabalhadores permanentes, instáveis
e desempregados (BIHR, 1998, p.101).

A hegemonia do modelo social-democrata nas organizações


sindicais é um dos fatores que contribuem para que a organização dos
trabalhadores não extrapole a fragmentação técnica do processo de
trabalho, pois no processo de consolidação da hegemonia social-democrata
no movimento sindical houve o progressivo abandono do projeto
comunista, colocando no horizonte, como limite, uma sociedade de Estado
fetichizado5, em que o Estado aparece para os trabalhadores como “além”
da sociedade de classes, cabendo à luta operária o desafio de conquistar o
poder de Estado para exercer sua hegemonia, com a peculiaridade de que
tais lutas, pelas próprias concepções social-democratas devem estar
condicionadas à legalidade.
Enquanto portadora das concepções dos líderes sindicais, a
comunicação sindical insere-se neste contexto como um instrumento
importante para análise das discussões presentes no sindicalismo, como
teremos oportunidade de verificar adiante, através do discurso
externalizado pelos líderes, como também pela própria forma de
organização da comunicação sindical.

3 - A Nova Ordem do Capital e a Ofensiva sobre o Trabalho

A crise atual do sindicalismo é reflexo, de um lado, de uma crise


estrutural do capitalismo, que, após a derrocada do Leste Europeu, teve
condições de estender a agenda neoliberal para o mundo resultando, entre

5
Em seu esforço de análise do modelo social-democrata do movimento operário, Alain Bihr
atenta para o fetichismo do Estado como princípio paradigmático da organização e
concepção do movimento operário, que em sua constituição reelaborou temas da ideologia
burguesa: - o mito da objetivação histórica; - o mito do progresso; - o mito da classe; -o mito
do partido; - o mito da revolução, para mais detalhes ver BIHR op.cit.

13
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

outros aspectos, na diminuição da rede de proteção social dos países da


Europa ocidental e na investidura sobre a estabilidade dos empregos –
através da flexibilização do processo produtivo, sob a égide do paradigma
toyotista. De outro lado, a própria organização sindical dos trabalhadores
propiciou a penetração profunda na subjetividade dos trabalhadores, ao
perderem as condições de organizarem coletivamente um mundo do
trabalho em crescente processo de fragmentação, heterogeneização e
flexibilização, pois mantiveram-se (e ainda se mantêm) presos à lógica de
organização corporativa e inspirados na possibilidade de participação na
administração do Estado, através do pacto social-democrata.
O compromisso fordista, fundamento do pacto social-democrata,
estabelecido logo após o final da Segunda Guerra Mundial previa, grosso
modo, a troca da resistência operária por ganhos salariais efetivos, ou seja,
uma redivisão parcial dos ganhos de produtividade oriundos da aplicação
do fordismo. Tal pacto deve ser compreendido no contexto histórico da luta
de classes, em que burguesia e proletariado colocaram-se frente a frente
pela própria lógica de desenvolvimento do capitalismo anterior a Segunda
Guerra Mundial e o equilíbrio de forças resultantes das lutas operárias nas
décadas de 30 e 40, nos países da Europa Ocidental.
De acordo com BIHR, podemos inferir que o compromisso
fordista foi uma troca “vantajosa” para as duas classes e redefiniu durante
as últimas décadas o desenvolvimento do capitalismo, permitindo a
intensificação da acumulação:

Assim, se, de um lado, colocar em prática o modelo


técnico-organizacional da acumulação intensiva
supunha a aceitação pelo proletariado da dominação
do capital sobre o processo de trabalho (e de maneira
geral sobre toda a sociedade), inversamente a
regulação desse mesmo regime de acumulação não só
tornava possível, mas também necessária a satisfação
de alguns de seus interesses mais imediatos: aqueles
ligados precisamente à sua ‘seguridade social.’(BIHR,
1998, p. 43).

Assim, temos que a renúncia do movimento sindical,


hegemonizado pelas tendências social-democratas, permitiu e parametrizou
o desenvolvimento das forças produtivas durante as últimas décadas, e o
fim desse ciclo levou também à crise dos paradigmas pactuantes do

14
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

movimento sindical nos países desenvolvidos, com grandes repercussões no


sindicalismo brasileiro.
Essa situação leva alguns pesquisadores a apontarem a crise
vivenciada no mundo do trabalho, como sendo inexorável, questionando a
resistência de alguns sindicatos, sobre algumas das mudanças “essenciais”
para a continuidade da sociedade (flexibilidade das relações de trabalho,
políticas, sociais compensatórias, desemprego como algo natural etc.).
Porém, estas análises partem dos efeitos de uma crise mais profunda do
capitalismo, para concluírem que é necessário aos trabalhadores adaptarem-
se à nova ordem, não esclarecendo que vivemos, como aponta
COGGIOLA, numa crise estrutural do capitalismo:

A crise que afeta a economia mundial há mais de duas


décadas tem por base a crise do capital, que possui
características estruturais. Isso significa: 1) Que se
trata de uma crise da relação social entre capitalistas e
trabalhadores assalariados, personificada pelo capital,
crise da realização da mais-valia (ou seja, da auto-
valorização do capital) que implica na queda
tendencial da taxa de lucro do capital em seu conjunto.
2) Que não se trata de uma crise conjuntural ou
cíclica, como aquelas que no pós-guerra foram
chamadas de ‘recessões’ (1948-49, 1952-53, 1957-58,
1960-61, 1971-71), mas de uma crise que atinge
limitações estruturais profundas do capitalismo na
atual etapa histórica. (COGGIOLA, 1999, p. 2).

A crise estrutural vivenciada pelo capitalismo fez com que os


capitalistas implementassem uma série de transformações visando reverter
a tendência histórica de queda da taxa de lucro, implicando em inovações
no processo produtivo, tendo como novo paradigma o modelo japonês e
intensificando a imposição do ideário neoliberal para o conjunto da
sociedade. Essa mudança de paradigmas implica em conseqüências
funestas para o sindicalismo, ainda em grande parte procurando adaptar-se
ao paradigma fordista/taylorista.
Por outro lado, as transformações impõem a necessidade
premente de elaborarmos interpretações que pressuponham a
(re)territorialização dos fenômenos, já que implicam em redefinições de
lugares cuja vantagem do ponto de vista capitalista são constantemente
alteradas pelo “encurtamento” das distâncias.

15
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

Mais do que isso, a territorialização do embate capital x trabalho


é constantemente redefinida pelas próprias interpretações que cada um faz
de sua territorialidade e a apreensão que se faz desta territorialidade é
reduzida muitas vezes à interpretação que a classe hegemônica realiza, ou
seja, através da própria apreensão dos dominados legitima-se o território
enquanto ente pretensamente neutro.
Ao elaborarem teoricamente a territorialidade presente, a partir
das premissas que lhes permitam compreender a concretude territorial,
como algo em construção, portanto histórica e social, os trabalhadores
podem intervir de forma mais efetiva na organização espacial, tendo em
vista suas necessidades e anseios.
Dessa forma, inclui-se no esforço de análise, o papel
desempenhado pelos instrumentos desenvolvidos pelo movimento operário
e sindical na tarefa de organizar coletivamente os trabalhadores para as
disputas políticas. Um desses instrumentos, a comunicação sindical, além
de meio difusor de informações e opiniões, pode desempenhar o papel de
organizador coletivo do movimento sindical, ou seja, aglutinar no projeto
político do sindicato os trabalhadores convencidos da direção política
assumida pelo dirigente sindical.
Nas entrevistas que realizamos com os dirigentes sindicais,
notamos que a imprensa sindical de Presidente Prudente6 tem sido utilizada
freqüentemente como veículo de propagação das realizações da diretoria do
sindicato, porém também tem servido para trazer ao conhecimento dos
trabalhadores questões que envolvem tanto lutas locais, como no embate
direto com empresários, principalmente reivindicando cumprimento dos
contratos coletivos. Ainda que não tenhamos condições de estabelecer
conclusões definitivas sobre o caráter da imprensa sindical em Presidente
Prudente, podemos afirmar que um dos papéis que vem desempenhando, é
o de garantir a legitimidade de atuação dos dirigentes sindicais, quer seja

6
Os sindicatos pesquisados foram os seguintes: Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias
de Artefatos e de Curtimento de Couros e Peles do Oeste e Sudoeste do Estado de São Paulo
(Coureiros); sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo
(APEOESP); Sindicado dos Empregados no Comércio de Presidente Prudente e região
(SEC); sindicato dos Bancários e Financiários de Presidente Prudente e região (SEEB);
sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil e Pesada, Terraplenagem,
Instalação Elétrica e Hidráulica, do Mobiliário e Material Cerâmico de Presidente Prudente
e região (Construção Civil); sindicato dos Servidores Municipais de Presidente Prudente;
sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Química, Farmacêutica e de Fabricação do
Álcool de Presidente Prudente e região (SINDIÁLCOOL).

16
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

através de marketing, quer seja através da divulgação das lutas


empreendidas pelo sindicato.
O movimento sindical, enquanto sujeito coletivo, atua nas
redefinições territoriais, quer passiva ou ativamente, assumindo para os
próprios trabalhadores funções políticas de vários matizes, aproximando-se
ora das concepções emancipatórias do movimento operário, ora
transmutando-se noutros planos de identidades (étnicas, nacionais, sexistas,
etc.). Dessa forma, é necessário compreender o movimento sindical
enquanto agente territorial e a comunicação sindical como instrumento
estratégico dos dirigentes sindicais para fortalecerem-se na representação
destes trabalhadores, o que implica para nós compreendê-la na sua
totalidade como objeto de estudo da Geografia, alocando-se no plano
simbólico da luta de classe e que, portanto é compreensível em sua
territorialidade ao estabelecer nexos e valores próprios ao sindicalismo,
sem que com isso estejamos afirmando que necessariamente o movimento
sindical atue contra-hegemonicamente.
Temos, então, no contexto atual, novas determinações do
capitalismo que avançam para deterioração das relações de trabalho, num
esforço dos capitalistas de manterem sua taxa de lucro e que, portanto,
estão inseridas no bojo da consolidação do neoliberalismo como corpus
teórico e ideológico da hegemonia capitalista, manifestando-se em aspectos
pontuais, aparentemente desconectados entre si, mas que na verdade
exprimem em sua particularidade, as transformações engendradas pelos
capitalistas para manterem-se no domínio do processo produtivo e da
reprodução social7.
No bojo dessas transformações, a livre circulação do capital
apresenta-se como aspecto fundamental, com implicações diretas nas
redefinições do conflito capital x trabalho, consubstanciadas no
reordenamento territorial da sociedade capitalista. Isto implica
principalmente na eliminação de barreiras à livre circulação do capital,
permitindo às grandes empresas que se localizem ou se realoquem nos
lugares onde lhes é mais rentável, ganhando um instrumento estratégico
muito importante para a manutenção ou crescimento de sua taxa de lucro,
com o achatamento salarial, conforme aponta CHESNAIS:

Ao lado dos oligopólios estabelecidos nas indústrias


de alta tecnologia e nas grandes indústrias mecânicas,

7
A esse respeito ver:LESSA (1996) e MÉSZÁROS (1999).

17
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

existem indústrias onde, ao contrário, a existência dos


grupos repousa, de maneira imediata e quase
exclusiva, em sua capacidade de tirar proveito da
liberalização do comércio exterior e da telemática, a
fim de se beneficiarem dos baixos custos salariais e da
ausência de legislação social para “deslocalizar”.
(CHESNAIS: 1996, 113).

Sob a perspectiva da luta de classe, o capital tem, através de


políticas de redução/extermínio das barreiras alfandegárias, um mecanismo
fundamental para derrotar os trabalhadores, pois num contexto de forte
oligopolização da economia mundial, as estratégias das empresas são
definidas onde as “facilidades” são maiores, lendo-se aí mão de obra
qualificada ou semi-qualificada de baixo preço, com sindicatos propensos à
negociação com os capitalistas e um exército de reserva industrial que cada
vez mais é de caráter amplificadamente mundial.
Ou seja, o capitalista tem à sua disposição a possibilidade de se
estabelecer, inclusive com ajuda dos Estados locais, em muitos lugares do
mundo. Aproveitando-se dessas oportunidades, muitas empresas
multinacionais, simplesmente transferem seus parques produtivos para
regiões que apresentam baixos salários ou legislação ambiental e trabalhista
menos restritiva.
Nesse contexto, a imprensa sindical é reveladora da disposição
de alguns sindicalistas em colaborarem com a estratégia capitalista ao
fomentarem, através de seus jornais, as disputas por melhores condições
para o estabelecimento de indústrias de grande porte, mobilizando-se
inclusive para a atuação frente aos órgãos governamentais, no sentido de
oferecerem subsídios fiscais e outros incentivos públicos; desta forma a
imprensa sindical estaria sendo utilizada para legitimar junto aos
trabalhadores de base, acordos envolvendo sindicalistas, empresários e
representantes do Estado, cujo principal sentido é o rebaixamento de
salários diretos e indiretos e evitar movimentos paredistas.
Essas redefinições do ordenamento territorial estão colocadas no
movimento contraditório da sociedade, em que as transformações do capital
estabelecem novas lógicas locacionais e buscam delimitar o campo de ação
contestatória do movimento sindical, que por sua vez apresenta um
conjunto diferenciado de alternativas que se apresentam nos extremos, ora
como entidades de colaboração com o capital no adestramento da mão-de-
obra, ora atuando na tentativa de transformações estruturais no modo de

18
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

produção capitalista rumo a uma sociedade para além do capital


(MÉSZÁROS: 1999), em ambos os casos atuando no favorecimento ou na
contestação do ordenamento territorial imposto pelo capital.
Assim, a imprensa sindical pode servir para ultrapassar os limites
impostos pelo capital, servindo como meio articulador das diferentes
estratégias adotadas pelos sindicatos locais e internacionais, mantendo-se a
par dos desafios colocados para o movimento sindical em termos nacionais,
como atestam por exemplo a interlocução através da internet e a publicação
no Brasil de uma revista, cuja proposta é justamente manter informado o
movimento sindical brasileiro sobre as estratégias de enfrentamento dos
sindicatos de outros países, em relação sobretudo às empresas
multinacionais8.
Se a imprensa pode ultrapassar os limites territoriais impostos
pelo regramento jurídico ao movimento sindical, pode também servir de elo
de ligação com outras organizações da sociedade civil, divulgando no cerne
dos trabalhadores lutas ou questões que estão colocadas “fora” do mundo
do trabalho, mesmo que isso não signifique necessariamente uma
vinculação com as lutas para além do capital.
Antes de aprofundarmos sobre o caráter que a imprensa sindical
pode assumir nas estratégias de luta sindical, apresentaremos um breve
esboço do sindicalismo brasileiro nos últimos anos.

4 - O Sindicalismo Brasileiro e a Ofensiva do Capital

A estrutura sindical pode ser entendida como a forma de


organização dos sindicatos, tanto em termos de funcionamento interno de
cada sindicato, como no relacionamento do sindicato com outros e com os
trabalhadores, inclusive de outras categorias, além disso, a forma como os
sindicatos se estruturam, revela elementos ideológicos que permitem
identificar o posicionamento político dos sindicalistas responsáveis pela
manutenção da estrutura sindical.
A configuração da estrutura sindical, longe de ser um mero
aspecto técnico-organizacional do movimento sindical, possui elementos
que se desdobram para o plano da ação sindical, em que, portanto, a
estrutura sindical sendo ideologicamente formulada tem uma atuação que
se coloca enquanto mediação do conflito capital x trabalho, no plano

8
Trata-se da revista INTERAÇÃO, publicada pelo TIE, sigla em inglês para Transnationals
Information Exchange (Centro de Troca de Informações Transnacionais).

19
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

organizacional do proletariado, ora na contribuição para os capitalistas, ora


fazendo avançar para a compreensibilidade dos trabalhadores do conflito de
classes existente. Apesar dos importantes avanços durante a década de 80,
rumo a maior independência dos sindicatos em relação ao Estado, cujo
projeto de maior envergadura consolidou-se com a constituição da Central
Única dos Trabalhadores (CUT), os sindicatos não lograram a superação da
estrutura sindical herdada do período getulista, como meta ou projeto
político.
No âmago desta discussão está a questão da autonomia do
movimento sindical e a sobrevivência de sindicatos pequenos, sendo que
muitos deles foram criados a partir de “rachas” de outros sindicatos,
criando-se novos sindicatos que ou abarcam categorias diferenciadas do
sindicato original, ou desmembram-se territorialmente.
A questão da contribuição compulsória ganhou contornos nítidos
de diferenciação de postura política das centrais sindicais na elaboração da
Constituição de 1988 e atualmente tem se demonstrado um “divisor de
águas” na política das Centrais, opondo de um lado a Central Única dos
Trabalhadores (CUT), favorável à extinção da contribuição compulsória e
do outro lado as demais Centrais contrárias à extinção (Força Sindical,
Confederação Geral dos Trabalhadores, Central Geral dos Trabalhadores,
União Sindical Independente e Central Sindical dos Trabalhadores na
Indústria). A postura da CUT parte do pressuposto de que a contribuição
compulsória é um dos principais instrumentos de intervenção do Estado na
organização sindical e que a compulsoriedade da contribuição favorece a
manutenção de sindicalistas sem comprometimento com os trabalhadores.
Em Presidente Prudente verificamos que há afinidade entre o discurso das
lideranças da CUT com a participação dos recursos provenientes de
contribuição voluntária nas entidades sindicais filiadas.
Conforme exposto no Quadro 1, dos treze sindicatos que se
apresentam com a maior parte de seus recursos proveniente da contribuição
voluntária, dez deles são filiados à CUT, o que demonstra que, nesse
sentido, o esforço das lideranças da CUT em caminhar para uma certa
autonomia do movimento sindical logrou êxito, ao menos nos sindicatos
filiados à Central em Presidente Prudente.

20
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

Quadro 1 – Principal instrumento de arrecadação e filiação à Central


Sindical Presidente Prudente – 1999
CUT FS USI CSTI CGT CeGT NF ND Total
Contribuição 3 3 1 1 0 1 10 0 19
Compulsória
Arrecadação 10 0 0 0 1 0 2 0 13
Voluntária
Não Disponível 1 2 0 0 0 0 1 1 5
Total 14 5 1 1 1 1 13 1 37
Fonte: CARVALHAL, 2000.
*Obs: CUT – Central Única dos Trabalhadores; FS – Força Sindical; USI – União Sindical
Independente; CSTI – Central Sindical Trabalhadores Independentes; CGT – Confederação Geral dos
Trabalhadores; CeGT – Central Geral dos Trabalhadores; NF – Não Filiado; ND – Não Disponível.

Portanto, ao pressupormos a extinção da contribuição


compulsória, verificamos que há um quadro de precarização das entidades
sindicais em se manterem com as mensalidades provenientes
voluntariamente dos trabalhadores; no caso específico de Presidente
Prudente, a maioria dos sindicatos que dependem da contribuição
compulsória, possuem baixa taxa de sindicalização, o que agrava o quadro
de precarização se extinta for a contribuição compulsória, mas também
revela o distanciamento que estas entidades mantêm em relação aos
trabalhadores ao negligenciarem a possibilidade de uma relativa
autonomização do movimento sindical através da arrecadação voluntária.
Há, através desta prática, um distanciamento entre as demandas
efetivas dos trabalhadores da base e as definições dos líderes sindicais,
reproduzindo-se no plano sindical a concepção burguesa de divisão do
trabalho, em que os trabalhadores trabalham e os líderes cuidam de seus
interesses.
No cenário político-sindical o significado do surgimento da Força
Sindical deve ser buscado na necessidade de reformulação da direita
sindical, no sentido de oferecerem aos empresários confiança no
movimento sindical para obstaculizar o avanço da esquerda no movimento
sindical, materializados na Central Única dos Trabalhadores. Se no início
da década de 80, a pressão do movimento popular se fez sentir no plano de
ação da recém-criada Central Única dos Trabalhadores (CUT), com um
programa de ataque, no final da década, em face de novas conjunturas,
necessitou-se a elaboração de uma tática defensiva.

21
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

A defesa da política de “parceira”, das negociações


com o patronato, das câmaras setoriais, da
participação conjunta entre capital e trabalho, com
vistas ao “crescimento do país”, tudo isso estrutura-se
de acordo com o projeto e com a prática sindical
social-democrata, do que vem resultando inclusive
numa diminuição crescente da vontade política de
romper com os elementos persistentes da estrutura
sindical atrelada ao Estado e sua conseqüente relativa
adaptação a essa estrutura sindical de cúpula,
institucionalizada e burocratizada, que caracterizou o
sindicalismo brasileiro no pós-30.
Os resultados dessa postura sindical não têm sido nada
animadores: quanto mais se participa dentro da
Ordem, menos se consegue preservar os interesses do
mundo do trabalho (ANTUNES:1999, 24; grifo do
autor).

A participação do movimento sindical nos pactos sociais significa


a unificação das metas das empresas às metas dos trabalhadores, cabendo
aos sindicatos o papel de reivindicar menos para não prejudicar a
competitividade das empresas, dessa forma, para o Capital melhor do que
acabar com os sindicatos é transformá-los em escolas de neoliberalismo9.
Um sindicalismo que não dependa do reconhecimento oficial do
Estado para manter-se financeiramente, que esteja livre da tarefa
assistencialista e do corporativismo imposto pelo Capital (através da
legislação trabalhista), obviamente terá maiores condições de desenvolver
práticas e concepções que atuem em contraposição à hegemonia delineada
pelo Capital para o conjunto da sociedade, e a imprensa sindical poderá ser
organizada de forma a garantir, através da contra-formação/informação, a
organização dos trabalhadores em torno deste objetivo.
Por conta disso, que no processo histórico de constituição da
CUT, a posição de manter a luta imediata no plano da conquista de
entidades sindicais oficiais, significou o abandono efetivo da luta contra a
ordem e o atrelamento desta Central (constituída inicialmente a mercê da
estrutura oficial) à lógica de funcionamento das entidades sindicais oficiais.

9
Faço referência aqui à Lênin, para quem o objetivo dos sindicatos é justamente
funcionarem como escolas de socialismo. (LÊNIN: 1978).

22
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

O privilegiamento das transformações econômicas no capitalismo


como responsáveis pelo refluxo do movimento operário, aliado à
incapacidade de compreensão, da amplitude e dimensão das transformações
do modo capitalista de produção por parte do sindicalismo, transformam-se
em importantes barreiras para compreensão das múltiplas processualidades
envolvendo o mundo do trabalho.
Assim, se levarmos em consideração a hegemonia da ideologia
burguesa no seio da classe trabalhadora, é possível vislumbrarmos a
articulação das necessidades do capitalismo em crise com o controle do
movimento sindical. Pois, apesar dos limites da estrutura sindical para a
construção autônoma do projeto político dos trabalhadores, é necessário
compreender que o elemento que coloca em movimento o aparelho sindical
é o dirigente sindical, e que, portanto, encerra-se na relação dialética
dirigente-estrutura-trabalhadores a chave para compreensão das
dificuldades de superação da crise sindical, e as alternativas que busquem
tal superação também estão aí presentes.
Pelo que expusemos até o momento, fica clara a necessidade de
aprofundarmos algumas questões acerca da relação entre sindicato e
sociedade, para contribuir em nossa compreensão das atuais configurações
territoriais do movimento sindical e para tanto privilegiaremos a análise da
organização sindical de base como elemento fundamental na evidenciação
da relação trabalho-território-sociedade.
Mesmo com a eclosão do novo sindicalismo no início da década
de 1980, a centralização dos sindicatos manteve-se como característica
fundamental, pois a despeito do movimento grevista do final da década de
1970, que culminou no chamado novo sindicalismo, ter-se constituído à
margem da estrutura sindical oficial, originado principalmente nos
conselhos de fábrica, não obteve êxito na transformação das organizações
sindicais de base enquanto elementos definidores da ação sindical, pois o
que efetivamente se observa é a existência dessas organizações como
extensões da direção sindical, ou seja, o trabalhador representante, embora
escolhido por seus pares, encontra-se atrelado à direção sindical e portanto
tende a estar em consonância política com ela.
As organizações sindicais de base podem ser vistas como um dos
instrumentos de democratização dos sindicatos, já que permitem um
contato mais freqüente entre o dirigente sindical e os trabalhadores da base,
o que significa uma certa descentralização do poder nos sindicatos, porém
as organizações de base ao se efetivarem enquanto meras extensões da
direção sindical, podem vir a sufocar também o movimento espontâneo dos

23
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

trabalhadores nos locais de trabalho, pois essa presença do sindicato no


local de trabalho pode levar a uma certa acomodação dos trabalhadores,
efeito possível e esperado.
Obviamente que este é um efeito possível das organizações de
base, que estão a depender do projeto político dos sindicatos para se
tornarem enquanto extensões da direção sindical, uma estratégia de
policiamento, ou constituírem-se como propostas de maior
comunicabilidade com os trabalhadores da base, procurando sanar alguns
problemas no distanciamento dos dirigentes e dos trabalhadores da base,
conforme já tivemos oportunidade de salientar.
O que gostaríamos de frisar é que a exata compreensão do papel
que as organizações sindicais de base exercem no movimento sindical vai
além da mera implantação, ou não, destas organizações pelos sindicatos, já
que o que se deve atentar é a cultura sindical subjacente à direção sindical,
ou seja, se o que se pretende através destas organizações é a possibilidade
de coordenação da ação sindical pelos dirigentes, e com isso utilizar estas
organizações como extensões dos sindicatos, no intuito de maior
efetividade nas decisões tomadas, ou se pretende torná-las como novas
bases de sustentação da política do sindicato, em que efetivamente os
trabalhadores detenham o controle do processo decisório nos sindicatos.
Entre as propostas recentes de articulação vertical tem surgido no
cerne da Central Única dos Trabalhadores a discussão sobre o sindicato
orgânico, que seria a vinculação direta dos sindicatos com a Central
Sindical, através dos sindicatos Nacionais por ramos de atividade, cujo
objetivo seria o de garantir maior organicidade nas ações dos sindicatos
cutistas e com isso garantir maior eficiência da ação sindical, porém tal
proposta tem sido criticada principalmente por representar potencialmente
maior centralização nas decisões sobre o movimento sindical e conseqüente
submissão das organizações de base10.

4.1- Paradigmas Explicativos da Comunicação Sindical

As recentes transformações no mundo do trabalho, de que


tratamos anteriormente, estão contextualizadas, portanto, num quadro de
redefinições de projetos societais, tanto da perspectiva empresarial, quanto
das forças que se colocam como representantes dos trabalhadores. É neste

10
Ver textos bases e emendas apresentadas a 9a PLENCUT, realizada em Novembro de
1999.

24
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

quadro que buscaremos elucidar os liames definidores das estratégias


presentes no movimento sindical, no qual especificamente a comunicação
sindical apresenta-se como importante instrumento estratégico, como
estratégico também é seu estudo para compreendermos os discursos das
lideranças sindicais e os projetos societais subsumidos na imprensa
sindical.
O discurso dos dirigentes para a sociedade faz com que a
imprensa sindical exerça a função de “vitrine” destes sindicalistas, pois é
através dessa imprensa que o sindicalista veiculará suas concepções de
mundo, inclusive ao não explicitar, por exemplo, algumas questões
prementes do mundo do trabalho.
Sendo, então, portadora de projetos societais, a imprensa
sindical, transmuta-se enquanto portadora simultaneamente de projetos
territoriais, pois todo projeto societal revela-se em sua concretude enquanto
redefinidor de lógicas espaciais. O desafio posto, portanto é o de desvendar
nestes discursos, a territorialidade imanente, tarefa dificultada pela escassez
de referências nestes estudos e pelo próprio caráter dissimulado, quando
não completamente ausente, da preocupação teórico-conceitual sobre os
desdobramentos políticos e determinações territoriais, por parte dos
sindicalistas.
Enquanto portadora de discursos que, por um lado, revelam
concepções teóricas e políticas do mundo e de outro lado, formadora de
opinião e de valores, a comunicação social pode ser considerada como
mediadora de ações humanas, cujas implicações estão no bojo de
(re)configurações territoriais. Neste caso, a comunicação sindical situa-se
no campo dos meios de comunicação alternativos, sem que por alternativo
signifique necessariamente oposição de idéias e valores em relação às
concepções hegemônicas, portanto a comunicação sindical pode ser a
mediadora de ações que se situam no plano da contestação da hegemonia e
por conseguinte poderíamos situá-la no contra-espaço11.
Portanto, o que desejamos ressaltar neste momento é que para
alguns dirigentes sindicais não se torna importante manter um canal de
comunicação de caráter eminentemente formativo com os trabalhadores da
base, como a imprensa sindical; os motivos para tal desinteresse devem ser
encontrados ou no próprio desconhecimento, por parte do dirigente, da
importância estratégica da imprensa sindical (independente do
posicionamento político), ou até mesmo na negligência voluntária, já que

11
Termo utilizado por MOREIRA (1985).

25
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

conforme a concepção que se tenha de sindicato, não há necessidade de


manter-se em comunicação com os trabalhadores da base através da
imprensa sindical.
Também ressaltamos que a comunicação sindical como objeto de
conhecimento revela a configuração da luta de classe no campo simbólico,
ou seja, é também no campo das representações simbólicas que as classes
opõem-se através de concepções distintas de comunicação, que sejam
adequadas para o seu projeto político. Assim, a grande imprensa portadora
do discurso dominante estrutura-se como uma empresa de mercado, com
forte hierarquização e autoritarismo, assumindo como perspectiva a
satisfação do cliente, subsumindo o papel formador de opiniões da
imprensa, de outro lado a comunicação sindical portadora do discurso dos
dirigentes sindicais, em que na identificação com o projeto operário,
organiza-se, ou pretende se organizar, para exercer a contra-voz, utilizando
a comunicação sindical como instrumento de consecução da contra-
hegemonia.

4.2- Caracterização da Comunicação Sindical

A comunicação sindical apresenta alguns aspectos que nos


permitem distingui-la de outras formas comunicativas, seja pela vinculação
orgânica com os sindicatos, seja pelas potencialidades contra-hegemônicas
que apresenta.
Apesar dos esforços recentes de muitos autores que se debruçam
sobre o tema, ainda não há definições muito claras sobre muitos aspectos da
comunicação sindical, a começar por sua vinculação ideológica do
discurso: é uma comunicação de esquerda, social-democrata ou de direita?
Como pretendemos demonstrar adiante, a caracterização principal
que podemos ter a respeito da comunicação sindical é que ela está ligada ao
projeto político do sindicato que a realiza, portanto não há como a priori
defini-la conceitualmente como sendo de direita ou de esquerda, reformista
ou revolucionária, pois é justamente pela vinculação ideológica com os
dirigentes sindicais, que a comunicação sindical apresenta-se como um viés
prolixo para os estudos de disputas político-ideológicas internas ao
movimento sindical, todavia a fortiori, com rebatimento também para a
sociedade como um todo, ainda que com abrangência reduzida.
A comunicação sindical engloba além da imprensa sindical, que
seria sua forma impressa, outros meios como os carros de sons, bonés,
cartazes, rádio peão, programas formais etc, cada qual com sua
26
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

especificidade comunicativa. Grosso modo, a imprensa sindical enquadra-


se como um meio de comunicação sindical impresso, que inclui além dos
jornais, as revistas, panfletos, mosquitinhos, ou seja, toda forma impressa
de comunicação, que juntamente com a comunicação irradiada, seriam os
dois grandes grupos de meios de comunicação utilizados pelos sindicatos12.
A própria imprensa sindical apresenta uma variabilidade de
formas que incluem panfletos, boletins, jornais periódicos, revistas,
cartilhas, cada qual com sua especificidade estratégica, que foram se
consolidando no processo histórico de constituição desta imprensa. Assim
os boletins, mosquitinhos e panfletos são muito utilizados nos momentos de
mobilizações, greves, etc, para transmitirem mensagens, noticiando sobre
as negociações, entre outras informações, enquanto os jornais periódicos,
por exemplo, pelo contato mais freqüente com os trabalhadores permite a
veiculação da política e da ideologia dos dirigentes sindicais, de forma mais
consistente.
Portanto, a diversidade de formas demonstra a versatilidade da
imprensa sindical em adaptar-se às condições mais adversas, tanto pelas
limitações financeiras como pela repressão patronal, atendendo às
demandas urgentes de mobilização durante as greves, ou formando
opiniões, falando ora para os trabalhadores da categoria, ora para a
sociedade em geral; sendo instrumento de ações imediatas e/ou históricas13.
Essa diversidade representa a multiplicidade de ferramentas que
podem ser utilizadas para fins específicos, sendo que cada meio de
comunicação utilizado atinge de forma diferenciada o público-trabalhador,
em momentos e lugares diferentes. Na busca pela adaptação, a imprensa
sindical é engendrada quando elemento constitutivo/constituinte das práxis
sindical, pois é elaborada no conjunto de outras atividades enquanto meios
de comunicação/difusão do sindicalista com os trabalhadores da base,
consoante a seu vislumbramento enquanto elemento de interpretação e
compreensão das concepções ideológicas do movimento sindical. Ao
constituir-se em elemento da práxis sindical, permite (re)interpretar a
prática consciente dos dirigentes sindicais, quer para a concordância e por

12
Mais recentemente a informática tem sido utilizada pelos sindicatos, principalmente com
a utilização da rede mundial de computadores, tanto para a construção de home pages como
através do correio eletrônico, elaborando listas sindicais, como a lista formulada pela
Central Única dos Trabalhadores.
13
Para mais detalhes sobre a função da diversidade na comunicação sindical ver sobretudo
SANTIAGO e GIANNOTTI (1997).

27
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

conseguinte aliança com ideologia hegemônica, quer para a contestação da


mesma, admitindo-se todas as nuances possíveis.
Podemos relacionar esta diversidade à importância que assume
para cada dirigente sindical comunicar-se com sua base, já que a busca pela
diversidade advém justamente da necessidade de difundir mensagens e
formar opiniões para uma massa de trabalhadores diversificados em sua
formação político-social, em momentos e lugares também diversos.
Objetivar a comunicação, desta forma, é buscar legitimidade com
os representados, sem que isso signifique necessariamente a busca do
diálogo, no sentido de construção coletiva do projeto político do
movimento sindical. A comunicação pode assim, significar simplesmente a
necessidade de aceitação das ações dos sindicalistas pelos trabalhadores.
Se o conjunto do movimento sindical logrou em sua história
constituir meios diversos de comunicação, reagindo às dificuldades
diversas e atuando conforme as condições materiais e ideológicas do
contexto sócio-histórico, a consolidação de uma prática generalizada de
comunicação diversificada ainda está por vir.
De qualquer forma, a diversidade de opções para comunicar
revela por um lado, a importância estratégica da comunicação sindical e por
outro, o acúmulo histórico e geográfico de experiências da luta operária no
movimento sindical, ou seja, respondendo às pressões por manterem a
comunicação com a base de trabalhadores, os dirigentes sindicais foram
(re)inventando formas comunicativas segundo suas necessidades, que
variaram em suas experiências no processo histórico de constituição destas
práticas, assim como se diferenciaram territorialmente14.
Portanto, a referência ao intercâmbio enunciado acima deve ser
compreendida no quadro da estrutura sindical, cuja consubstanciação
paradigmática cliva-se na distinção entre trabalhadores da base e cúpula
dirigente sindical, que é detentora dos meios materiais e organizacionais
necessários para a concretização deste modelo comunicativo.
Assim a comunicação sindical refletirá as concepções ideológicas
dos dirigentes sindicais, os conteúdos por ela vinculados e a forma
assumida por esta comunicação e até mesmo a existência (ou ausência) da
imprensa sindical será reveladora dessa concepção.
Desta forma, é suficientemente claro que a imprensa sindical
estará contextualizada no projeto sócio-político que lhe deu origem,

14
Para mais detalhes ver FERREIRA (1978).

28
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

garantindo uma identificação necessária do sindicalista e seu discurso com


as veiculações ideológicas presentes na imprensa sindical.
À imprensa sindical, vincula-se o projeto do sindicato que lhe dá
origem, não só no sentido do conteúdo veiculado por esta imprensa, mas
pela própria existência desta imprensa num determinado sindicato,
lembrando-se sempre das características que enunciamos acima, ou seja,
quando nos reportamos aos sindicatos estamos nos referindo ao conjunto
trabalhadores da base e cúpula dirigente sindical, em que a hegemonia e o
controle da organização sindical estão nas mãos dos dirigentes.
Por estar veiculando as concepções ideológicas dos dirigentes
sindicais, a imprensa sindical assumirá a concretude do conflito enraizado
no movimento sindical, que nos permite distinguí-lo do movimento
operário e cuja expressão conceitual só pode ser compreendida na
contextualização das mediações presentes no movimento sindical e nas
relações que esse movimento estabelece com outros movimentos sociais,
com o Estado e com os capitalistas:

A comunicação sindical, estudada enquanto fenômeno


indissociável da ação sindical, permite visualizar que
o processo de comunicação em todos os seus níveis e
a negociação em torno dele é a expressão concreta dos
conflitos e das crises vivenciadas pelo movimento
sindical. Tentar entender a comunicação sem levar em
conta as condições de produção do discurso, as forças
que interagem implícita e explicitamente na sua
produção e as forças ideológicas que sustentam esses
discursos, significa refletir apenas sobre a maquiagem
das relações sociais. (GERALDO, 1995, 58).

Portanto, devemos buscar a compreensão da comunicação


sindical no bojo de estratégias distintas que sindicalistas adotam nos
sindicatos e na própria política comunicacional, no contexto caracterizado
pela manutenção da estrutura sindical forjada para impedir a organização
autônoma dos trabalhadores, mas que logrou o nascimento e fortalecimento
de Centrais Sindicais, que vêm hegemonizando o cenário da política
sindical nos últimos anos.
Nos sindicatos pesquisados em Presidente Prudente, verificamos
que 66,5% dos assuntos estão voltados diretamente para a categoria,
enquanto que somente 10% tratam de assuntos ligados a outras categorias
ou aos trabalhadores de uma forma geral, o que demonstra o perfil

29
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

categorial da imprensa sindical em Presidente Prudente, ou seja, mantêm-se


condizente com o perfil em que há ausência de interação horizontal entre as
diversas categorias, e uma tendência de “guetização” dos sindicatos em
suas respectivas categorias.
Esta é, talvez, uma das fortes características da imprensa sindical
de uma forma geral, pois é reveladora do discurso do sindicalista voltado
prioritariamente a desenvolver assuntos que tenham interesse para os
trabalhadores da categoria, mas cuja alternativa enseja, talvez, o
distanciamento de discussões importantes que perpassam o mundo do
trabalho, e que nem sempre têm relações diretas com a categoria em
questão.
Tal fato adquire novos significados quando lembramos que, em
alguns casos, determinadas categorias estão intimamente vinculadas às
outras pelo compartilhamento do mesmo local de trabalho e mesmo
empregador. A despeito disso, a imprensa sindical não logra auxiliar como
eixo integrador entre as diferentes categorias de trabalhadores, ao deixar
ausente em sua pauta assuntos que envolvam também outras categorias ou
informações sobre o movimento sindical de uma forma geral.
Em alguns sindicatos, essa concentração é mais evidente, como
no caso do SINDIÁLCOOL (100%) e do SINTCON (88,7%), e as menores
concentrações estão na APEOESP (52,9%) e no SSM (55,0%). Nestes dois
últimos sindicatos à menor concentração nos assuntos da categoria reflete-
se na significativa participação percentual em assuntos de interesse geral,
respectivamente 34,9% e 33,8%.
O desdobramento desses assuntos corresponde à presença de
outros como os de negociação/acordo coletivos (135), problemas nos locais
de trabalho (93), informações sobre empresas (76), ação sindical (74) e
organização sindical (51), que, juntos, correspondem a quase 80% dos
assuntos de interesse da categoria. Ou seja, demonstram o privilegiamento
da imprensa sindical nas questões voltadas exclusivamente à categoria,
principalmente aqueles que envolvem diretamente o aspecto econômico e
os temas do sindicato.Entre os sindicatos, a diversidade discursiva pode ser
vislumbrada através do Quadro 2, que procura expressar a dimensão
relativa de cada assunto na composição da freqüência total daqueles ligados
exclusivamente à categoria.

30
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

Quadro 2 - Participação relativa (%) dos cinco assuntos mais


freqüentes nos jornais analisados. Presidente Prudente/SP (Julho de
1997/Junho de 1999)

SINDIÁLCOOL
APEOESP

SINTCON
Assuntos

SEEB

SSM
SEC
Problemas nos locais de trabalho 25,6 19,2 - - 12,3 42,8
Ação sindical 23,1 10,5 8,3 13,9 22,4 -
Orientação jurídica 18,3 - 16,6 - - -
Organização sindical 11,0 - - 11,4 42,8 -
Negociação/acordos coletivos - 30,0 - 45,5 6,2 35,7
Atividades esportivas e culturais 9,7 5,5 16,6 11,4 16,3 7,1
Saúde e segurança no trabalho - - 25,0 - - 14,3
Informação sobre as empresas - 25,6 - - - -
Assistencialismo 20,8 - - 5,0 - -
Total (5 assuntos mais freqüentes) 87,8 91,1 87,5 87,3 100 100
Número de matérias publicadas 72 269 21 69 49 14
(5 assuntos mais freqüentes)
Fonte: CARVALHAL, 2000.

Observa-se que nos sindicatos SEEB, SINTCON e no


SINDIÁLCOOL, há uma significativa participação das negociações
coletivas, que envolvem principalmente as informações sobre as
negociações da campanha salarial. Tal fato demonstra que os dirigentes
destes sindicatos, através da imprensa sindical, procuram se comunicar com
os trabalhadores da base sobre diversos assuntos, todavia ao priorizarem o
temário salarial, utilizam-se de um viés economicista.
Em outros sindicatos, o destaque fica por conta de temas ligados
às atividades do sindicato (Problemas nos locais de trabalho, ação sindical,
organização sindical, assistencialismo, orientação jurídica) como a
APEOESP, o SSM e o SEC. Ou seja, procuram evidenciar o que os
dirigentes estão se propondo a realizar em relação, por exemplo, a alguns
problemas que surgem nos locais de trabalho, como atraso no pagamento

31
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

de salários, mau tratamento das chefias, condições insalubres, etc.


Informam ainda através da imprensa sindical as ações que os sindicatos se
propõem a fazer, que como veremos mais adiante apresentam-se de forma
defensiva.
Mesmo entre estes três sindicatos é possível vislumbrarmos uma
distinção importante entre a APEOESP e o SSM com o SEC, pois este
último, apesar de relatar com freqüência as atividades do sindicato, utiliza-
se das informações sobre saúde e segurança (basicamente orientações
sobre a saúde de forma geral, com especial destaque para a prevenção das
Lesões por Esforço Repetitivo-LER) ou divulgando lista de convênios,
como aparece no título “Assistencialismo”.
Enquanto a APEOESP e o SSM procuram informar os
trabalhadores da categoria sobre atividades sindicais que envolvem tanto a
denúncia de problemas específicos nos locais de trabalho, como a
realização de ações sindicais, como greves e manifestações que o sindicato
organiza. Dessa forma, privilegiando a combatitividade do sindicato, no
caso do SEC, esta questão é aparentemente negligenciada por razões que
estão ligadas às posturas dos sindicalistas em relação à utilização da
imprensa sindical como instrumento apenas informativo, como mera
extensão do assistencialismo dos sindicatos, como poderemos detalhar mais
adiante.
Dessas questões, reagrupamos os assuntos em termos deste triplo
viés: atividades sindicais, assistencialismo e economicista15, e elaboramos o
Gráfico 1 em que é demonstrada a diferenciação da imprensa sindical em
relação ao tratamento dos assuntos da categoria. Nota-se o peso
significativo das informações sobre as atividades do sindicato na
APEOESP, SEEB e SSM, o relativo equilíbrio entre as informações sobre
atividades sindicais e as de caráter economicista no SINDIÁLCOOL, a
forte presença economicista no SINTCON e o caráter assistencialista da
imprensa do SEC.

15
Os agrupamentos incluem os seguintes assuntos: Atividades sindicais – Problemas nos
locais de trabalho; Informações sobre as empresas; Ação sindical; Organização sindical.
Assistencialismo – Atividades esportivas e culturais; Saúde e segurança; Orientação
jurídica; Assistencialismo. Econômico – Negociação/acordos coletivos

32
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

Gráfico 1 - Assuntos da categoria Presidente Prudente - 1999

Total 54% 21% 25%

Sindiálcool 43% 21% 36%

Servidores Municipais 78% 16% 6%

Const. Civil 29% 25% 46%

Comerciários 17% 79% 4%

Bancários 59% 11% 30%

APEOESP 60% 38% 2%

0% 20% 40% 60% 80% 100%

Atividades sindicais Assistencialismo Economico

Fonte: CARVALHAL, 2000.

Em relação aos assuntos para os trabalhadores em geral, a grande


parte é constituída de informações sobre o movimento sindical e
movimentos sociais de uma forma geral (cerca de 86% deste assunto)
complementada com informações sobre manifestações nacionais das
Centrais Sindicais, sindicatos ou movimentos sociais, notadamente o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), este assunto surge
exclusivamente na imprensa da APEOESP e do SEEB.
A interatividade da comunicação sindical assume, então,
relevância para a ação contra-hegemônica, pois significa resgatar a essência
da comunicação, o que recolocaria os modelos comunicativos praticados
nas entidades sindicais em distinção ao modelo hegemônico de
comunicação burguesa. Significa, então, resgatar um modelo sindical que,
ao instituir-se e com o desenvolvimento organizacional, foi perdendo
capacidade de diálogo entre base e cúpula. O que se encontra na literatura
pertinente consultada é que esse resgate é fundamental para que a
comunicação sindical seja instrumentalizada como componente de
democratização sindical. Pois, é justamente o resgate do contato com os
trabalhadores no cotidiano que reside a essência da comunicação sindical,
como MOMESSO afirma:

33
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

...é um processo dialógico ininterrupto, dinâmico,


vivo, sempre em transformação, que se processa
através de canais constituídos pelas próprias práticas
cotidianas da vida dos trabalhadores, pelo ambiente
instituído nos locais de trabalho a partir das atividades
sindicais, etc. (MOMESSO, 1994, p. 5).

A democratização das relações sindicais significa estabelecer


novos elos de solidariedade entre trabalhadores da base e cúpula dirigente,
rompendo com a divisão no interior do movimento sindical, significa,
portanto, estabelecer como liames definidores da atuação sindical a
participação ativa de todos os trabalhadores nas decisões do sindicato, o
que resulta uma organização sindical propícia à conscientização política,
condição para a participação e para a gestão sindical democrática.
À comunicação sindical, neste contexto, coloca-se a
responsabilidade de garantir canais de diálogo entre trabalhadores e
dirigentes. Todavia, só poderá cumprir essa função, se for concebida para
tal, pois, apesar de ser inerente à comunicação, a interatividade só se
concretiza com a atuação dos responsáveis por sua organização, conforme
podemos observar na afirmação de GERALDO:

Se o movimento sindical mantiver sua postura


tradicionalmente cupulista, autoritária e despolitizada,
a comunicação sindical e as relações estabelecidas na
sua produção também serão unidirecionais e
autoritárias e despolitizadas. A democratização da
comunicação sindical é inerente à democratização da
estrutura e das relações sindicais, e isso só é possível
com o envolvimento dos trabalhadores enquanto
sujeitos ativos desse processo. (1995 p. 51).

Portanto, para estes autores a comunicação sindical interativa e a


democracia sindical complementam-se na constituição de sindicatos
potencialmente contra-hegemônicos.
Em alguns autores podemos verificar a importância da imprensa
sindical enquanto locus da luta de classes e também de outros embates
ideológicos no interior do sindicalismo (sindicalismo de classe,
sindicalismo de resultados, sindicato neoliberal, etc.). Tal perspectiva
revela-se particularmente importante para nossos estudos, pois permite-nos
constatar na imprensa sindical as diferentes posições ideológicas presentes

34
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

no sindicalismo brasileiro, que apresentam tanto posições assumidamente


classistas (operárias) como em oposição, as concepções colaboracionistas
do capital.
A luta de classes na imprensa sindical apresenta-se delineada pela
intervenção no interior do sindicato das concepções burguesas de
organização sindical e da própria comunicação sindical, como já tivemos
oportunidade de salientar. Ora, se considerarmos a imprensa sindical como
expressão das concepções ideológicas dos sindicalistas, temos condições de
vislumbrar os embates que se travam no interior destes sindicatos e a
direção que está sendo assumida, pela própria organização do modelo
comunicativo.
As concepções sobre a organização do setor comunicacional já se
revelam distintas neste aspecto, colocando de um lado os sindicatos que
vislumbram a importância estratégica da comunicação sindical, elevando-a
à condição de secretaria ou departamento de imprensa, desta forma
buscando garantir um veículo de comunicação impresso de forma regular e
conscientemente com os trabalhadores da base, de outro lado, os sindicatos
que ainda mantêm como característica da organização comunicacional a
centralização das decisões no presidente do sindicato.
Ainda enquanto instrumento de análise da luta de classes no
interior do sindicalismo podemos também verificar como se distinguem os
jornais sindicais quanto aos assuntos abordados, pois revelam justamente o
que pretendem os sindicalistas de seu jornal, ao privilegiarem determinadas
informações, podem favorecer a inculcação de determinadas ideologias,
obviamente que tal análise deve ser feita no contexto de atuação e das
condições materiais de manutenção de cada sindicato. Além disso, é
necessário atentar para abordagem que pode ser dada a cada assunto, pois
o mesmo pode ter várias abordagens, cada qual com desdobramentos
políticos distintos.
A análise da imprensa sindical em Presidente Prudente revelou a
concentração da pauta em alguns assuntos, já que em todos os sindicatos
analisados os cinco mais freqüentes correspondem a mais de 50% daqueles
tratados pelo sindicato, cujos extremos são de um lado a APEOESP com
52,1% de concentração e de outro o SINDIÁLCOOL com 100% de
concentração em apenas quatro assuntos.
A análise que realizamos até o momento, de caráter quantitativo,
contribui para a definição dos perfis diferenciados da imprensa sindical em
Presidente Prudente, com especial destaque para o privilegiamento de
alguns assuntos, que demonstram a concepção de sindicato presente nos

35
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

dirigentes sindicais, como por exemplo, a forte presença de conteúdo


assistencialista no SEC, cujos sentidos apontam para uma concepção de
sindicato forjada pelo sindicalismo de Estado, em que os sindicatos
contribuem para melhoria das condições de vida dos trabalhadores
fornecendo vantagens que busquem compensar as dificuldades originadas
nas precárias condições de trabalho (baixa remuneração e ineficiência dos
serviços públicos).

5- Territorialidade e Comunicação Sindical: Além das Fronteiras


Acadêmicas

Ao referenciarmos nosso estudo nas entidades representativas dos


trabalhadores, oficialmente reconhecidas pelo Estado, tínhamos claro que
só nos seria possível a apreensão da diferencialidade discursiva e
ideológica dos sindicalistas, através da compreensão de que tais líderes
foram forjados no cerne da luta de classes, que portanto, estão eivados de
contradições nas interpretações que fazem do cenário político-ideológico
do capital, assim como pelas suas próprias ações.
Compreendemos que as dificuldades encontradas por muitos
sindicalistas em seu esforço de contribuir para melhoria da qualidade de
vida dos trabalhadores, estejam na compreensão multidimensional do
trabalhador, na incapacidade de compreensão da impossibilidade
ontológica de superação da condição obreira, sem a superação da condição
do capital.
Tais aspectos delineados genericamente estão diluídos na
operacionalidade da luta de classe, em que os sindicatos movimentam-se
contraditoriamente entre si - o surgimento da CUT e posterior reação
patronal com a criação da Força Sindical é exemplo disso – e com os
próprios trabalhadores.
Então, a “diferencialidade” de concepções de sindicato, que
revelam a natureza dialética dessa dinâmica societária, manifestam
posições de acomodação e/ou contestação da estrutura sindical oficial que
vão estar presentes na configuração territorial, ora como sindicatos
adequadamente enquadrados na ordenação estatal, ora buscando
alternativas que se colocam na incapacidade de controle social absoluto do
capital.
É através desta última concepção de sindicato que podemos
estabelecer os parâmetros de um sindicato que vá além do sindicato oficial,

36
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

restrito à luta econômica dos trabalhadores e, portanto, restrito aos locais de


trabalho e às sedes dos sindicatos.
Porque estabelecer-se para além destes locais significa,
territorialmente, expandir-se para os locais de moradia, para o espaço do
lazer e do lúdico, portanto, outras dimensões do espaço da circulação e não
somente a luta salarial, o que traria em si a reinterpretação do trabalhador
em suas múltiplas dimensões, fato talvez politicamente insuportável para o
metabolismo social do capital.
Pois, enquanto controle societário, o capital atua como um
sistema de controle sem sujeito, cujo fundamento ontológico está na
alienação do controle em relação aos produtores, em que os
desdobramentos apontam para a reificação do sujeito produtor de
mercadorias, no entanto, este sujeito deve reconhecer em outro sujeito real,
a superioridade, portanto o capital precisa personificar-se, e utiliza-se do
Estado como potencial garantia contra a resistência dos trabalhadores. Mas,
conforme aponta MÉSZÁROS:

...a resistência é reproduzida cotidianamente através


das operações normais do sistema, e nem os esforços
mistificadores para estabelecer “relações industriais”
ideais – por intermédio da “engenharia humana” e da
“administração científica” ou induzindo os
trabalhadores a comprarem um punhado de ações e,
assim, se tornarem “co-proprietários” ou “co-
participantes” da administração do “capitalismo
popular”, etc. – nem a garantia dissuasiva do Estado
contra a rebelião política potencial podem eliminar as
aspirações emancipatórias (de autocontrole) do
trabalho.(MÉSZÁROS: 1999, 119).

Explicita-se a situação dos sindicatos enquanto entidades


representativas dos trabalhadores, e reconhecidas oficialmente pelo Estado
como instrumentos estratégicos do capital de obterem mecanismos, mais ou
menos eficientes, de controle da força de trabalho.
No entanto, a resistência à exploração do trabalho eclode
constantemente pela própria incapacidade operativa do Estado no processo
produtivo, e também pela reafirmação de autocontrole do trabalho,
coadunados entre si e gestando conflitos, cujas soluções indicam a
hegemonia burguesa no controle societal.

37
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

A relação conflituosa que se estabelece então, redefine a


contradição capital x trabalho, para uma conflituosidade mediatizada pelo
Estado, a favor do capital, ou seja, uma relação capital-Estado x trabalho,
em que metaforicamente o Estado é utilizado como escudo contra a ação
dos trabalhadores.
Tal fato confirma-se em nossa pesquisa, quando foram apontadas
inúmeras críticas ao Estado brasileiro, sem que haja em nenhum momento,
nas publicações analisadas, críticas ao próprio sistema do capital. Ou seja, o
Estado logrou sua condição de controle do metabolismo social ao canalizar
para si a resistência dos trabalhadores, cujos projetos políticos mais
importantes perpassam a conquista do poder de Estado.
Assim, o axioma central capital x trabalho, redefinindo-se em
suas nuances, demonstra sua vitalidade analítica, ao permitir que
compreendamos a dinâmica societária em suas contradições, tendo em vista
que, mesmo no campo simbólico, as classes ponham-se em posições
distintas, e por vezes opostas, da política.
Ao territorializar-se, o capital materializa sua hegemonia, que se
expressa como ordenador e gestor territorial, recolocando-o enquanto
dimensão político-espacial de controle social, ao alienar da dominação
territorial a classe-que-vive-do-trabalho (ANTUNES: 1995), que se
subsume inconscientemente de sua própria territorialização.
Assim é o que acontece com a fragmentação categorial e
territorial dos sindicatos, que se estabelece em sua concretude material para
fazer dessas entidades, instituições corporativistas. Entretanto,
aproveitando-se da inculcação ideológica nos trabalhadores para firmarem-
se em sua representatividade, como controladora da força de trabalho.
A delimitação forçada do campo de disputa e de representação
pelo Estado facilita a dominação de classe, pois se no caso das entidades
representativas dos trabalhadores a configuração territorial é artificialmente
imposta, de acordo com a conveniência política do capital, no caso deste
último, seus limites territoriais colocam-se no mesmo patamar dos limites
do processo produtivo, ou seja, é ontologicamente determinado.
Portanto, ao compreendermos as mediações que se estabelecem
entre o controle capitalista sobre o processo produtivo, e sobre a sociedade,
necessariamente devemos considerar o espaço geográfico como expressão
da luta de classes, ou através da fragmentação territorial dos sindicatos, ou
veiculando a ideologia identidária do sujeito coletivo apenas em sua
dimensão corporativa, fragmentando o ser social.

38
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

Tendo estes pressupostos na definição da ação sindical, podemos


inferir sobre a singularidade dos sindicatos, tanto quanto a sua
especificidade diante do capital, quanto em sua diversidade intrínseca, pois
a dinâmica que enseja o movimento sindical coloca-se diretamente no cerne
da luta de classes, donde os trabalhadores, ora estando categorialmente
fragmentados, ora territorialmente, re-criam alternativas diversas.
Sendo portadores do rescaldo cultural dos trabalhadores, os
sindicalistas não estão alheios à ideologia burguesa e, portanto
redimensionam no espaço de representação do trabalho as condições da
dominação, ao colocarem-se como meros administradores sindicais.
Porém, é necessário atentar-se para a diversidade de posições que
existem no movimento sindical, pois é na concretude material, na
cotidianiedade que se estabelecem os liames definidores de práticas
colaboracionistas, reformistas ou revolucionárias, e deste modo, as posturas
políticas encontradas são diversificadas e revelam também a disposição
territorial das forças em conflito.
Então, é justamente na combinação de elementos intrínsecos aos
trabalhadores com a necessidade de controle social do capital, que temos a
singularidade dos sindicatos, pressionados para exercerem sua função
controladora ou para atuarem contra o capital, mesmo que essa atuação
esteja subsumida na fetichização do Estado, como mediador neutro da
conflitualidade.
Em suas singularidades, os sindicatos vão redefinindo formas e
funções impostas pelo Estado, posturas políticas adotadas pelos
sindicalistas são também constantemente postas à prova na solução de
conflitos cotidianos.
Neste movimento de singularização do sindicalismo, as entidades
vão se diferenciando em suas ações e posturas ideológicas. Há, contudo,
um imbricamento entre a divisão territorial do trabalho, a regionalização
própria do processo produtivo e a diversificação própria do movimento
sindical.
Nossa hipótese é a de que concorre para esta diversidade a
combinação de alguns elementos, tais como, a fragmentação categorial, em
que a inserção diferenciada na divisão técnica do trabalho, e conseqüente
diferenciação salarial, de condições de trabalho e de status, tem
implicações importantes na disposição de luta dos trabalhadores.
Outro aspecto situa-se na diversidade regional, tanto do processo
produtivo, quanto do rescaldo cultural, quer adotemos a escala local,
nacional ou global, pois os aspectos culturais são fundamentais para

39
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

compreendermos essas diferencialidades, que estão portanto, vinculadas a


processos historicamente diversos.
Esses elementos não interferem de maneira determinante na
composição de forças da luta de classes, acreditamos que são condições que
implicam em maior ou menor conflitualidade, mas cuja determinação em
última análise, é própria dos sujeitos sociais.
Portanto, quando nos referimos genericamente ao movimento
sindical, não devemos esquecer a diversidade existente, pois significaria
tomarmos como unidade, aquilo que se apresenta diverso, embora existam
características que atravessam o movimento sindical em sua generalidade,
tais como o corporativismo.
Pelo que pudemos observar em nossa pesquisa, o corporativismo
transparece na imprensa sindical, através do discurso que expressa a
segmentação dos sindicatos, ou seja, do sindicato privilegiar as informações
ou notícias que envolvem diretamente os interesses dos trabalhadores da
base.
Esse corporativismo tem suas justificativas, ou seja, o
privilegiamento destas questões podem estar relacionadas à necessidade
que os trabalhadores têm de manterem-se informados sobre a categoria,
pois, sem dúvida, o sindicato é a única entidade com condições de
satisfazer tal anseio, já que é sua função intrínseca.
No entanto, o risco que se corre é o de manter-se alheio à
dinâmica societária, aumentando talvez a própria alienação dos
trabalhadores, diminuindo as chances de construção de projetos políticos
alternativos ou até revolucionários. Não há como negligenciarmos que os
sindicatos são detentores de posições privilegiadas em relação aos
trabalhadores, pela possibilidade de articulação nos locais de trabalho e
com outras categorias, através de outros sindicatos. Essa característica lhe
confere um papel fundamental na construção da contra-hegemonia.
Observamos que em alguns sindicatos, o corporativismo
discursivo é mais presente, como no caso do SINDIÁLCOOL, SEC e
SINTCON, sendo que nos outros sindicatos que mantêm publicações, este
corporativismo é mais diluído, não por coincidência, mas estes sindicatos
(APEOESP, SEEB e SSM) são filiados à CUT. Isso demonstra que, apesar
das hesitações na cúpula da Central, os sindicatos a ela filiados têm se
mantido com posicionamentos diferenciados em relação aos outros
sindicatos, pelo menos no que se refere ao discurso que expressa maior
interlocução entre as diversas categorias de trabalhadores, ou seja, de

40
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

utilização da imprensa sindical como instrumento de divulgação da própria


Central ou de sindicatos ideologicamente alinhados.
O discurso sindical presente em sua imprensa não se apresenta
despolitizado, já que assume posturas contestatórias à política
governamental, cujas diferenciações situam-se nos argumentos contrários
aos desdobramentos da política econômica, portanto é uma politização
pautada nos interesses econômicos dos trabalhadores, que, se por um
aspecto é limitada em seus termos, por outro não pode ser negligenciada,
enquanto potencial contra-discurso, cujos desdobramentos podem se situar
além da esfera econômica.
A interpretação da imprensa sindical como componente da ação
sindical implica na articulação orgânica entre o discurso do sindicalista e
suas implicações territoriais, toda crítica a uma concepção de mundo é uma
ação política, portanto desdobra-se enquanto componente espacial.
A utilização que os sindicatos analisados fazem da imprensa
sindical, pelo viés interpretativo acima exposto, demonstra que a ação
sindical subjacente coloca-se enquanto ação contestatória, que se volta
prioritariamente ou para a defesa de direitos conquistados anteriormente e
luta pelo cumprimento dos acordos negociados, ou para a crítica da política
econômica do governo federal.
Ou seja, enquanto ação sindical, a imprensa sindical fragiliza-se
como eixo de direção política, pelo menos não explicitamente, o que
decorre que sua utilização pelos sindicatos não seja tal qual as concepções
leninianas propuseram para a imprensa operária.
Talvez possamos interpretá-la, em nosso estudo, como
instrumento de conhecimento, e que, portanto, possui a direção política que
é conveniente para os sindicalistas, sem que necessariamente isso implique
na direção política operária.
Como objeto de conhecimento para a Geografia, mostrou-se fonte
documental importante para interpretarmos os sujeitos sociais em sua
territorialidade, ou seja, através do discurso presente na imprensa sindical
podemos verificar a ação territorial do sindicalista, ao negar ou apoiar a
configuração societal própria do capital.
Isto nos remete ao título de nossa pesquisa: “A comunicação
sindical em Presidente Prudente: elementos para uma leitura geográfica”,
em que transparece nossa preocupação de estar elencando alguns aspectos
que consideramos fundamentais para a análise da comunicação sindical na
Geografia.

41
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

Um primeiro aspecto reside no fato de que é necessário elevar a


Geografia além da clássica divisão positivista, cujos desdobramentos
temáticos apontam para o afastamento desta disciplina, de temas prolixos
para compreensão de nosso mundo, como a própria comunicação social e o
mundo do trabalho.
A compreensão do movimento sindical requer estudos específicos
e regionalizados, na busca de inteligibilidade de sua diferencialidade, o que
não significa a impossibilidade de generalizações, desde que venham a
contribuir para elucidação de questões prementes do mundo do trabalho.
Do ponto de vista analítico, a territorialidade pode ser
compreendida como a capacidade de expressão territorialmente
hegemonizada dos sujeitos sociais, na qual se subsume o trabalho alienado.
Portanto, esta expressão é característica do capitalismo, embora esse
sistema tenha que conviver com sua incapacidade operativa no controle do
metabolismo social, o que resgata a noção contraditória do espaço.
Para isso é importante vislumbrarmos o espaço dos homens, não
somente como o espaço do construído, mas talvez, e fundamentalmente,
como o espaço do vir a se construir, como dimensão inalienável do ser
humano. Pretensões emancipatórias requerem o resgate da utopia, o que
inclui necessariamente a utopia do espaço.

6-Bibliografia

ALVES, Giovanni Reestruturação produtiva e crise do sindicalismo no


Brasil Tese de doutorado, Campinas: IFCH/UNICAMP, 1998.
ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho? São Paulo: Cortez, 1995.
ANTUNES, Ricardo. Os Sentidos do Trabalho São Paulo: Boitempo,
1999.
BIHR, Alain Da Grande Noite à Alternativa São Paulo: Boitempo, 1998.
BOITO Jr., Armando. “Hegemonia neoliberal e sindicalismo no Brasil”.
In: Crítica Marxista. São Paulo: Brasiliense, v.1, nº 3, 1996, p 80-105.
CARVALHAL, Marcelo Dornelis. A Comunicação Sindical em
Presidente Prudente: Elementos para uma Leitura Geográfica. 2000,
Dissertação (Mestrado em Geografia), FCT/UNESP, Presidente Prudente.
CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES. 9º PLENCUT – Plenária
Nacional da Central Única dos trabalhadores. Texto Base e Resoluções.
São Paulo: CUT, 1999.
CHESNAIS, François A Mundialização do Capital. São Paulo: Xamã,
1996.

42
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

FERREIRA, Maria Nazareth. A Imprensa Operária no Brasil: 1880-


1920. Petrópolis: Vozes, 1978.
GENNARI, Emílio Automação, Terceirização e Programas de
Qualidade Total São Paulo: CPV, 1997.
GERALDO, Sebastião. “A globalização da economia e a comunicação
sindical” In: FERREIRA, M.N. (Org.) O Impasse da Comunicação
Sindical: de Processo Interativo a Transmissora de Mensagens. São
Paulo:CEBELA, 1995, p. 36-59.
HARVEY, David A Condição Pós-Moderna São Paulo: Loyola, 1989
HOBSBAWM, Eric J. Mundos do Trabalho São Paulo: Paz e Terra, 1988
(2ª edição)
KATZ, C. COGGIOLA, O. Neoliberalismo ou Crise do Capital? São
Paulo: Xamã, 1995.
LÊNIN, Vladimir I. Que Fazer? São Paulo: Hucitec, 1978.
LESSA, Sérgio. “A Categoria da Reprodução Social” In: ____. A
ontologia de Lukács. Maceió: Edufal, 1996.
MÉSZÁROS, István. “A Ordem do Capital no Metabolismo Social da
Reprodução, In: Ad Hominen, São Paulo: Edições Ad Hominen, 1999, nº
1”.
MOMESSO, Luiz Anastácio. Comunicação Sindical: Limites,
Contradições, Perspectivas. Tese de Doutorado. São Paulo: ECA/USP,
1994.
MOREIRA, Rui. O Movimento Operário e a Questão Cidade-Campo
no Brasil. Petrópolis:Vozes, 1985.
SANTIAGO, Cláudia e GIANNOTTI, Vito Comunicação Sindical:
Falando para Milhões. Petrópolis:Vozes, 1997.
THOMAZ JR., Antonio. Por Trás dos Canaviais os (Nós) da Cana.
(Uma Contribuição ao Entendimento da Relação Capital x Trabalho e
do Movimento Sindical na Agroindústria Canavieira Paulista). São
Paulo: Annablume/FAPESP, 2002.

43
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

A Indústria de Curtimento de Couro em Presidente


Prudente: a Relação Sociedade-Natureza em Questão*

Fábio Henrique Campos**

1 - Introdução
O dia não veio, / o bonde não veio, / o riso não veio,
não veio a utopia,
e agora, José?
Carlos Drumond de Andrade

Tratar da relação sociedade-natureza internamente à Geografia é


remeter as atenções à um amplo e complexo enunciado de assuntos e
polêmicas. A fragmentação natural e não-natural e/ou sociedade-natureza
permeia a discussão no universo desta ciência, desde sua sistematização no
início do século XIX1.
A relação sociedade-natureza, assim como espaço e tempo,
devem ser historicamente contextualizados, pois são mutáveis no tempo e
na sociedade que os engendram. Dessa forma, cada conceituação deve ser
entendida no próprio processo em que é tecida. É de fundamental
importância o cuidar com a base teórica da Geografia para entendermos o
discurso (im)posto.
Para a "leitura" da realidade, a Geografia, assim como as outras
ciências, deve ter como preocupação o maior número de pontos possíveis
de observação e análise como a demografia, a economia, a geomorfologia.

*
Este artigo faz parte de nossas reflexões no âmbito da Dissertação de Mestrado intitulada:
A indústria de Curtimento de Couro em Presidente Prudente: a Relação Sociedade-Natureza
em Questão, desenvolvida junto ao Programa de Pós-graduação em Geografia da Faculdade
de Ciências e Tecnologia UNESP/Presidente Prudente, financiada pelo CNPq e defendida
em 2003.
**
Professor da rede pública de ensino e membro do Grupo de Pesquisa “Centro de Estudos
de Geografia do Trabalho” (CEGeT). Email: fabiohcampos@hotmail.com
1
Isso nos remete, necessariamente, às clássicas: Geografia Física e Geografia Humana. Para
um aprofundamento sobre este assunto ver: GONÇALVES (1984), MOREIRA (1988e
1993), SMITH (1988), LACOSTE (1988), PEREIRA (1995).

44
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

Por isso, deve-se buscar instrumentos e categorias que permitam fazer a


melhor compreensão a fim de indicar as direções possíveis de se seguir
para que haja transformação, solidariedade e justiça para toda a sociedade.

2 - As Concepções a Respeito da Natureza


Ninguém sabe que coisa quere,
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem,
Tudo é incerto e derradeiro,
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Fernando Pessoa

A concepção de natureza é histórica e, portanto, social. Isto


porque a natureza é histórica enquanto discurso, enquanto percepção do
conhecimento humano, que logicamente varia no tempo e no espaço. É
histórica enquanto relação com as sociedades, na qual mesmo
influenciando alguns aspectos do social, ela é modificada com freqüência
pela ação humana. No entanto, é igualmente uma realidade objetiva, um
encadeamento de processos naturais (físico, químicos e biológicos) que
possui a sua dinâmica própria e autônoma. Como realidade objetiva, a
natureza é um complexo que originou a vida humana que continua a fazer
parte dela enquanto organismo que nasce e morre, que necessita de
oxigênio, comida, repouso, que possui, enfim, um ritmo biológico
independente do social apesar de intimamente interligado a ele.
Justamente uma das grandes questões postas diante da ciência
geográfica é o entendimento desse processo contraditório, no qual a
sociedade, sendo formada por indivíduos biologicamente unidos à
natureza, não se concebe como concomitante da natureza devido aos
paradigmas historicamente construídos. Para alguns – e isso desde os
clássicos do século XIX, que em sua maioria tinham uma visão empirista e
objetiva do real – só existe o aspecto material e autônomo da natureza. Ela
seria apenas uma coisa em si, uma realidade objetiva e à margem do social-
histórico (BAUAB, 2001).
Nesses termos, quer a natureza seja vista como o lugar em que o
homem vai ocupar, ou mesmo sendo um recurso para a sociedade moderna,
trata-se de algo pré-definido. A primeira natureza original e independente
da ação humana, não mais existe concomitante a uma segunda natureza ou
natureza humanizada, reelaborada pela sociedade moderna. O grande
desafio neste momento é o de estudarmos as formas de como se expressam
45
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

as contradições da sociedade, sendo a compreensão da natureza um


subproduto destas.
A questão ecológica vem a cada dia ocupando um espaço maior
em nossas vidas. Isto se manifesta não só pelo surgimento de movimentos
em defesa do verde como também nos anúncios do mercado imobiliário,
cada vez mais freqüentes, que tentam vender “qualidade de vida”. Assim,
verificamos que, se de um lado cresce uma consciência necessária em torno
do problema ambiental, de outro, esta tomada de consciência apenas, não é
suficiente para superar as mazelas de nossa sociedade.
Desta forma, a crise ecológica nos leva a colocar em questão a
forma como a ideologia capitalista rege o funcionamento da nossa
sociedade: gestão dos recursos naturais, os meios de produção, o
consumismo, a criação de necessidades, a ciência, a técnica, a distribuição,
a alienação.
Não obstante, a dicotomia homem-natureza não é privilégio do
modo capitalista de produção. Na verdade, esta dualidade pode ser
percebida no tempo e no espaço – dentro de cada período da sociedade em
que ocorreu a dominação de um ser sobre outro – e no discurso implícito
em cada modo de produção anterior ao capitalismo2.
A visão de natureza que a Geografia herdou e sempre reproduziu
foi a cartesiano-newtoniana (BAUAB, 2001), na qual a física é a ciência
chave para se explicar o universo, categoria que se confunde com a de
natureza em seu nível mais abrangente. Daí o estudo geográfico da
natureza ter sido denominado “geografia física” e as escassas tentativas de
abordagens globalizantes – ou de criar sínteses – tinham por base,
princípios da física clássica: causalidade, analogia, espaço absoluto,
natureza como fenômenos físicos que não têm vida consciente, quando
muito, vida vegetativa ou passiva.

2
Segundo CARVALHO (1991), a concepção de natureza é um discurso que foi construído a
fim de justificar as ideologias que regeram (e ainda regem) os paradigmas dos modos de
produção das sociedades.

46
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

2.1 - A Dicotomia entre Social e Natural: uma Necessidade à


Alienação

A dicotomia entre homem e meio existe nas condições concretas


do modo de produção a fim de servir a favor da alienação do primeiro.
Enquanto “ente exterior”, a natureza não passa de uma abstração
cuidadosamente cultivada e se destaca por causa do papel paradigmático
que assume ao sempre expressar uma formulação pretendida para nada
menos que a totalidade das coisas.

(...) a natureza é uma totalidade abstrata que


‘governa’ o conjunto das coisas naturais, inclusive a
cultura que nela espelha seus paradigmas, segundo as
concepções por nós conferidas a esta totalidade e,
portanto, a natureza sempre exprime um discurso que
é tão provisório quanto a provisoriedade das nossas
concepções sobre o conjunto das coisas que integram
o real. (CARVALHO, 1991:06).

Dito de outra forma, a natureza é sempre uma espécie de discurso


momentâneo, cujo conteúdo está sujeito às mesmas transformações que
ocorrem através do tempo e alternam a história dos próprios homens e suas
sociedades.
A partir do advento da existência humana e de seu
desdobramento cultural, a natureza se apresentou como entidade distinta
dos homens. Entre os artifícios produzidos pela cultura está o da natureza
que, em cada agrupamento humano ou cada sociedade particular, assume
significados diversos que se revelam como discursos (leis, teorias e
variadas explicações), que os homens reservam para expressar as
concepções que têm dos outros integrantes (não humanos) de seus
universos.
Partindo disso, o reconhecimento de uma natureza separada do
homem não seria possível sem que antes os homens tivessem o seu
pensamento domesticado pela necessidade de produzir objetos. Num
mundo sem objetos não há natureza e, a rigor, nem sociedade, pois um é a
referência do outro3.

3
CARVALHO (1991) op.cit.

47
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

Na medida em que agrupamentos humanos passam a compor


sociedades, cujas relações sociais promovam a desigualdade entre os
homens, estabelece-se entre eles relações diferenciadas de poder, pois não
há outra forma de domesticar os pensamentos no sentido de conduzi-los a
produzir excedentes, lucros ou rendimentos. Então a natureza era algo a ser
inventado ou a ser revelado como identidade distinta, pois ela tem que ser,
de maneira individual, apropriada e consumida.
O desenvolvimento da sociedade de classes e seu desdobramento
espacial (entre cidade e campo) é que abriu o caminho para que, a partir da
consolidação da distância social dos homens entre si, estes pudessem ver,
pensar e conceituar natureza e sociedade como coisas distintas.
A distinção de classes sociais, a adoção de uma hierarquia de
valores, a definição de “lugares sociais” e a segregação espacial para quem
domina ou para quem é dominado, são os principais sintomas do
rompimento com o universo primitivo do pensamento selvagem e da
instauração da desigualdade e segregação sociais.
Segundo Carvalho (1991), a expressão espaço-territorial deste
rompimento – a diferenciação ecológica cidade/campo – abriu o caminho
para o exercício de um pensamento racional que culmina na elaboração das
primeiras cosmologias (explicações da natureza a partir de fatos presentes
nela mesma)4 e no reconhecimento da natureza como identidade distinta da
dos homens.
A necessidade de se criar essas cosmologias se dá em virtude de
que, mais do que a sociedade de classes e a fragmentação do espaço
(campo/cidade), a separação homem/natureza só se consolidará plenamente
quando se elaborarem as teorias que sejam capazes de introduzir no
universo mental das pessoas o reconhecimento desta situação. Ou seja, é
preciso, além de se criar a dicotomia, formular uma explicação para que a
visão fragmentada da realidade seja aceita pela sociedade como verdadeira.

2.2 - Trabalho e Natureza: Separados no Processo Histórico

Seguindo esta lógica, com relação à discussão posta aqui, pode-


se dizer que:
Sob a racionalidade capitalista da relação homem-
meio se agitam as contradições que ela mesma
engendra, uma vez que a apropriação capitalista da

4
Idem, (1991)

48
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

natureza e do trabalho subordina-os à lógica que


converte os homens em predadores, a força de
trabalho em energia destrutiva, o trabalho em
sugadouro humano, a produção de riqueza em
pauperização, a igualdade do mercado em
subordinação, a dignidade em virtude, a luta pela
subsistência em cativeiro. (MOREIRA, 1982: 206)

A separação no interior das forças produtivas, da propriedade da


força de trabalho e da natureza, separam os homens e a natureza, pois

(...) a dinâmica do processo de produção-reprodução


da lógica totalizadora do capital tem por motor as
contradições que antepõem as classes fundamentais
que derivam das relações capitalistas de propriedade:
a burguesia – detentora dos meios de produção,
incluindo a natureza – e o proletariado – dono de sua
força humana (MOREIRA, 1982: 205).

São os termos da relação homem-homem que se repetem na


relação homem-meio. Ou seja, a separação da propriedade da força de
trabalho e da natureza separa os homens e a natureza. Nasce a dicotomia
que a ideologia burguesa se incumbirá de tornar natural na consciência dos
homens.
A sociedade parece incapaz de resistir às transformações
(im)postas. Isto porque a dinâmica das sociedades não pode ser deduzida
exclusivamente a partir da dinâmica do capital que impõe um determinismo
que menospreza outros níveis: história, cultura, política. No entanto, o
capital se desenvolve num dinâmico metabolismo que impõe à sociedade
suas determinações.
A discussão acerca da temática homem-natureza, não é uma
discussão recente, pois permeia praticamente todo o caminho da história
das ciências, principalmente das ciências humanas, no sentido da sua
interação, dominação e de superação dos discursos impostos.
Milton Santos coloca em suas obras a relação homem-natureza,
como a capacidade do homem, através do trabalho, de impor à natureza,
suas próprias formas, as quais ele chama de formas ou objetos culturais,
artificiais e históricos. Assim, é sabido que...

49
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

a principal forma de relação entre o Homem e a


Natureza, ou melhor, entre o Homem e o Meio, é dada
pelas técnicas. As técnicas são um conjunto de meios
instrumentais e sociais, com os quais o homem realiza
sua vida, produz e, ao mesmo tempo, cria espaço.
(SANTOS, 1997, p. 25).

Com a utilização das técnicas e do trabalho, a relação do homem


com a natureza passa a ser progressiva e dinâmica. A natureza passa a
incorporar, registrar a ação humana, e adquire diferentes feições, que
correspondem às feições do respectivo momento histórico. A natureza
conhece então um processo de humanização cada vez maior, ganhando a
cada passo, elementos que são resultado da cultura. Portanto:

a história das chamadas relações entre sociedade e


natureza é, em todos os lugares habitados, a da
substituição de um meio natural, dado a uma
determinada sociedade, por um meio cada vez mais
artificializado, isto é, sucessivamente
instrumentalizado por esta mesma sociedade.
(SANTOS, 1997, p. 186).

Assim, cada parte da superfície da Terra, o caminho que vai de


uma situação a outra se dá, de maneira particular e, à parte do natural e do
artificial também varia, assim como as mudanças no seu arranjo.
Quando tudo era meio natural, o homem escolhia da natureza
aquelas suas partes ou aspectos considerados fundamentais ao exercício da
vida, valorizando diferentemente, segundo os lugares e as culturas, essas
condições naturais que constituíam a base material da existência do grupo.
Desta forma, esse meio natural generalizado era utilizado pelo
homem sem grandes transformações. As técnicas e o trabalho se casavam
com as dádivas de natureza, com a qual se relacionavam sem outra
mediação.
As técnicas, mais e mais vão incorporando-se à natureza, e esta
deixa de ser algo que funciona apenas segundo leis naturais e passa a ser
um grande conjunto de objetos, ficando cada vez mais socializada. No
cenário da socialização da natureza, entram em jogo os objetos técnicos que
juntam à razão natural, sua própria razão, uma lógica instrumental que
desafia as lógicas naturais, criando nos lugares atingidos, mistos ou
híbridos conflitivos.

50
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

Os objetos técnicos e o espaço maquinizado são o


lócus de ações superiores, graças à sua superposição
triunfante às forças naturais. Tais ações são, também,
considerados superiores pela crença de que os homens
atribuem novos poderes, o maior dos quais é a
prerrogativa de enfrentar a natureza natural ou já
socializada, vinda do período anterior, com
instrumentos que já não são prolongamentos do seu
corpo, mas que representam prolongamentos do
território, verdadeiras próteses. Utilizando novos
materiais e transgredindo a distância, o Homem
começa a fabricar um tempo novo, no trabalho, no
intercâmbio, no lar. Os tempos sociais tendem a se
superpor e contrapor os tempos naturais. (SANTOS,
1997, p. 189)

Apesar do homem conseguir impor à natureza suas próprias


formas artificiais, ele, ainda não consegue ter o controle ativo sobre os
diversos fenômenos naturais. A evolução do trabalho humano, nos dias
atuais, já consegue detectar uma possível ocorrência de um terremoto, por
exemplo, mas ainda não consegue detê-lo, nem ao menos datá-lo no espaço
e tempo cronológico.
A história da Humanidade parte de um mundo de
coisas em conflito para um mundo de ações em
conflito. No início, as ações se instalavam nos
interstícios das forças naturais, enquanto hoje é o
natural que ocupa tais interstícios. Antes, a sociedade
se instalava sobre lugares naturais, pouco modificados
pelo homem, hoje, os eventos naturais se dão em
lugares cada vez mais artificiais, que alteram o valor, a
significação dos acontecimentos naturais. (SANTOS,
1986 p. 117).

Diante disto, o homem consegue ter apenas “um controle


passivo” da natureza quando consegue modificá-la e adaptá-la aos seus
interesses, ou mesmo “tirar partido” de um fenômeno natural que poderia
ter efeitos nefastos ou puramente negativos. Controle de enchentes,
minimização de efeitos de uma geada, escolha de melhor estação do ano
para plantio, são alguns exemplos para demonstrar o “controle passivo” da
natureza, que então, passa a ser chamada, por ele, de segunda natureza.

51
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

Quando o meio ambiente, como "natureza-espetáculo", substitui


a natureza como lugar de trabalho de todos os homens, o processo de
ocultação do significado da concepção de natureza atinge o seu auge. É
também desse modo que se estabelece uma dolorosa confusão entre os
sistemas técnicos, sociedade, cultura e moral. Neste instante o artificial se
torna natural quando se incorpora a natureza, ao mesmo tempo em que o
que ainda é natural passa a ser apresentado como sobrenatural.
Assim, o trabalho é visto como “a aplicação de energia sobre a
natureza” e o homem constitui, dentro da natureza, mais uma forma de
vida. O que deve distinguir o homem das outras formas de vida é a sua
capacidade de produzir de forma inventiva/útil e não repetitiva.
A história do homem sobre a Terra é a história de um avanço
progressivo entre ele e o entorno. Esse processo se acelera quando,
praticamente ao mesmo tempo, o homem se descobre como indivíduo e
inicia o processo de mecanização do planeta, armando-se de novos
instrumentos para tentar dominá-lo. A natureza artificializada marca uma
grande mudança na história da humanidade. Hoje com a tecnociência,
alcançamos o estágio supremo desta "evolução" (SANTOS, 1997).

2.3 - A Natureza como Propriedade Privada

Dentro do capitalismo industrial surgem as concepções e visões


contemporâneas sobre natureza. A transformação global da natureza
realizada por este modo de produção domina tanto o consumo físico quanto
intelectual da natureza. Elimina concepções antigas e incompatíveis da
natureza e faz com que outras novas se apresentem. A dominação da
natureza é uma realidade aceita por todos, quer ela seja vista com espanto,
como uma medida do progresso humano, ou com temor.
A concepção social de natureza tem acumulado inumeráveis
camadas de significado no decorrer da História. O capitalismo industrial
trouxe à luz os significados acumulados da natureza, de modo que eles
possam ser moldados e transformados em concepções de natureza
apropriados à época atual. Num elenco de concepções da natureza todos
esses significados sobrevivem hoje, mas mesmo em sua complexidade eles
são organizados em um dualismo essencial que domina a concepção de
natureza5.

5
A esse respeito, ver SMITH (1988).

52
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

Com o aparecimento das classes sociais, o acesso à natureza não


é distribuído de forma qualitativa e quantitativamente entre as classes. A
classe dominante, que controla diretamente ou não os meios de produção
sociais, certamente controla o excedente apropriado da natureza pelo
trabalho humano de terceiros, enquanto a classe trabalhadora opera os
meios de produção. Com a propriedade privada, evidencia-se o acesso
desigual à natureza, que assume uma dimensão espacial.
O processo de trabalho implica na reunificação das forças
produtivas (do homem e da natureza) separadas pelas relações de
propriedade. A relação de compra-venda de força de trabalho restabelece a
unidade do homem com a natureza, mas não restabelece a identidade
desfeita pela instauração das relações capitalistas de propriedade entre os
homens. Através da alienação do trabalho, homem e meio natural tornam-
se cativos do capital. Despersonalizados, são reduzidos a capital variável e
capital constante.
Dominadores da natureza com seu trabalho, os trabalhadores não
são seus dominadores para si e para os homens. São transformadores da
natureza em mercadoria. Quando com ela se identificam no plano mais alto
da consciência, encontram, nos termos concretos do capital, o limite real da
identidade: a natureza é propriedade privada, assim como os frutos de seus
esforços não lhes pertencem, a natureza que eles trabalham é para outro
homem.
O capital é uma relação social que pressupõe o trabalho
assalariado e, para que esta seja constituída, torna-se necessária a
expropriação do trabalhador de seus meios de produção. Esta separação
entre trabalhador e meios de produção está na base do capitalismo, pois o
homem que dispõe de meios de produção não se subordina ao capital, não
precisa, portanto, vender a sua força de trabalho. O primeiro modo de
manifestação desse fenômeno é a desterritorialização do trabalhador,
quando ele é arrancado da sua relação com a natureza. Ora, à medida que o
homem não dispõe dos meios de produção, todas as suas necessidades terão
de ser satisfeitas através do mercado, de uma relação mercantil.
Quanto mais o homem se encontra separado da natureza, mais ele
tem que suprir suas necessidades através de uma relação mercantil.
Portanto, ao separar o homem da natureza, o capitalismo se produz e se
reproduz, assim como cria necessidades novas que fundamentam a sua
existência enquanto modo de produção de mercadorias. A separação entre
homem e natureza, o fato da existência ser garantida apenas na medida em
que é para a geração do capital e a determinação das relações de produção

53
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

pelo trabalho abstrato, são os fundamentos históricos, sócio-econômicos da


alienação. Essa verdadeira subversão da realidade do processo de trabalho
efetuada pelo capitalismo está indissoluvelmente articulada ao processo de
degradação ambiental, pois o fruto do trabalho deve ser direcionado para
um mundo de sentido para quem pratica a atividade laborativa e não para
gerar valor de troca (GONÇALVES, 1982).

3 - A Organização do Trabalho
O trabalho quando conjuga corpo e consciência
ensina a interrogar o mundo.
J. Moura

A força de trabalho é transformada em mercadoria para produzir


mercadorias. Assim, os padrões de produção, tanto no fordismo quanto no
toyotismo, têm como única diretriz a produtividade em consonância com
consumo de mercadorias e o controle do processo de trabalho. No primeiro,
uma especificação mecânica e compartimentada do processo produtivo, no
segundo, a automação faz com que ocorra uma transferência da inteligência
do homem para a máquina e uma dependência a esta.
A reestruturação produtiva constitui-se de novas formas de
gestão do trabalho e controle dos trabalhadores através do incremento
tecnológico, apostando na possibilidade de contarem com a “parceria”
destes trabalhadores na gestão do processo produtivo. Desta forma, o
capital insere no ideário dos trabalhadores a sensação de estarem sendo
valorizados enquanto sujeitos importantes para a empresa, provocando uma
clivagem na classe entre os “privilegiados” do setor formal e os “excluídos”
que ingressam no emprego informal ou se sujeitam ao emprego temporário
(CARVALHAL, 2000, p. 66).
O desemprego estrutural, devido a automação do processo
produtivo, desencadeou uma drástica redução do operário industrial e uma
intensa heterogeneização6 da classe trabalhadora. Com isso, o trabalhador
tem perdido cada vez mais o seu poder de reivindicação devido à
fragmentação da classe, cuja conseqüência é a insegurança constante de
estar desempregado a qualquer momento, desencadeando uma corrida
desenfreada em busca de qualificação em virtude de uma incerteza de estar
ou não inserido no mercado.

6
Cf. ANTUNES (1995), op. cit.

54
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

Mesmo com a qualificação do trabalhador, sua capacitação se


limita a conhecer uma parte mínima das circunstâncias em que está
inserido. A reestruturação produtiva, enquanto elemento fragmentador das
novas formas de gestão do trabalho, tem sido alardeada por todos os cantos
como a grande transformação da sociedade neste final de milênio, com
conseqüências avassaladoras para o mundo do trabalho, para os
trabalhadores portanto, e seus órgãos de representação, em especial os
sindicatos.
Vejamos o Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Artefatos
e de Curtimento de Couros e Peles do Oeste e Sudoeste do Estado de São
Paulo - SP com sede em Presidente Prudente, em conjunto com os
associados, montou uma cooperativa de serviços que foi instalada na sede
do antigo Curtume São Paulo, localizado no mesmo município, e que
desenvolvia suas atividades até o final do ano de 2002. Isto porque devido a
problemas com a gestão do curtume, os cooperados resolveram vender o
curtume para o frigorífico Bon Mart.
A cooperativa era só para os trabalhadores que já trabalhavam no
referido curtume que pertencia à família Vitale. Ao falir, como pagamento
de salários atrasados, sua sede ficou sob tutela do Sindicato. Dos 150
operários, apenas 100 aderiram à cooperativa.
Segundo o presidente do sindicato, isso se explica pelo fato de
que os outros 50 faziam parte das seções de administração e transporte da
antiga empresa, o que os impossibilitou de se identificarem com a causa
dos trabalhadores ligados à atividade produtiva, ou seja, no curtimento.
Quando indagado se a cooperativa seria aberta a outros trabalhadores, o
presidente do Sindicato disse que "por enquanto não, tudo vai depender da
demanda de mercado", ou seja, caso houvesse demanda para a atividade,
haveria a possibilidade de se contratar ou associar mais trabalhadores.
Segundo o presidente do sindicato, a porcentagem de
trabalhadores sindicalizados se refere apenas aos trabalhadores ligados
diretamente com o curtimento, o que reafirma a segmentação nas categorias
envolvidas com a atividade (veja quadro abaixo). De acordo com o
dirigente, estes trabalhadores, “por estarem mais perto do patrão, acabam
ficando do lado dele (...)" não se filiando, "(...) porque ele (o patrão) é
contra o sindicato”.

55
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

Quadro 1- Trabalhadores sindicalizados e não sindicalizados das


indústrias de curtimento da região*

Sindicalizados Não-sindicalizados
Trabalhadores envolvidos Trabalhadores envolvidos
Período1 com a atividade de com outras atividades2
curtimento
1997/1998 5.000 2.220
2000/2001 1.800 800
Fonte: Sindicato dos Coureiros de Presidente Prudente, 2001.

* Abrange os municípios de Adamantina, Andradina, Anhumas, Araçatuba, Assis, Bastos,


Bilac, Birigui, Borá, Cândido Mota, Coroados, Dracena, Guararapes, Junqueirópolis,
Lins, Martinópolis, Marília, Paraguaçu Paulista, Penápolis, Presidente Epitácio,
Presidente Prudente, Presidente Venceslau, Promissão, Rancharia, Regente Feijó, Santo
Anastácio e Tupã.
1 - O Sindicato dos Coureiros de Presidente Prudente não possui um histórico do número
de trabalhadores sindicalizados. Os dados mais precisos são de 2000-2001 que indicam
55,6% de trabalhadores sindicalizados.
2 - Vigias, motoristas, gerentes, secretários, químicos, administrativo.

Outro ponto a destacar é o fato da redução abrupta (64%) dos


trabalhadores envolvidos na indústria de curtimento de couro. Isso ocorreu
devido à intensa mecanização do processo produtivo7, o que potenciou o
fechamento de vários curtumes da região, pois alguns empresários não
conseguiram se adaptar a esta reestruturação produtiva implementada no
setor, como por exemplo medidas preventivas e mecanismos de redução de
impactos ambientais ligados à atividade de curtimento.
Diante dos fatos, pode-se dizer que devido à uma crise estrutural
do capital, há um efeito depressivo que acentua seus aspectos destrutivos
como o desemprego estrutural (postos de trabalho perdidos com as
inovações tecnológicas e organizacionais) o que acaba por ocasionar a
redução dos rendimentos das famílias, reduzindo o consumo, diminuindo a
produção e ampliando o desemprego.
Expande-se de maneira articulada o projeto econômico, social e
político neoliberal afetando fortemente o mundo do trabalho. Todas as
conquistas dos trabalhadores e o princípio do pleno emprego são

7
Segundo uma entrevista com o Diretor de Serviços do Curtume Touro, em Presidente
Prudente, até a década de 1980, trabalhava-se, em média por seção na empresa, de seis a sete
operários e hoje, em torno de três a quatro operários por seção.

56
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

desconsiderados, pois há a necessidade do empresário em se tornar


competitivo no mercado global, cujo custo recai sobre os assalariados.
Embora o avanço tecnológico seja adotado como realidade
concreta, não se dispensou o trabalho vivo como fonte produtora de valor e
de mais valia, basta verificar que o frigorífico Bon Mart, mesmo com a
intenção de fechar o curtume, ainda mantém em torno de 40 funcionários
para manter as operações dentro do estabelecimento, e destacar a
importância do fator humano no controle de qualidade do couro acabado,
qualidade esta de padrão para exportação. Pode-se perceber que no mundo
do trabalho há um conjunto de processos que procuram desqualificar a
importância do trabalhador dentro da empresa, um dos quais podemos
chamar de “desproletarização do trabalho industrial, fabril”8.
Soma-se a isso a desarticulação do Sindicato que, com uma visão
segmentada, não consegue ter uma intervenção eficaz por estar fracionado
em categorias (os que trabalham com curtimento e os que não trabalham
com curtimento), culminando inclusive na perca de um patrimônio comum
à categoria (Coopercouro). Este fato acaba por se tornar, ao mesmo tempo,
reflexo e condicionante de um trabalhador que se vê seccionado dentro do
seu ambiente de trabalho (que é estranho) e inserido em categorias
específicas como desdobramento da divisão técnica do trabalho, o que
impossibilita uma identificação de classe operária9.

“O Sindicato (dos coureiros) deve garantir o ganho e o


emprego dos seus sócios e não se envolver com brigas
com o patrão, deve fazer com que ele cumpra seus
deveres para com nós que trabalhamos com o couro”.
(trabalhador do curtume Vitapelli)

É possível perceber este fato pelo relato do sindicalista que


circunscreve os associados da cooperativa ao universo dos antigos
trabalhadores do curtume São Paulo e pelo fato dos outros trabalhadores
(vigias, administrativos, químicos, motoristas) não se identificarem como
um grupo envolvido dentro de uma atividade produtiva. Isto mostra esta
visão fragmentada do universo da categoria, fazendo com que a "leitura" da
realidade seja também particularizada. "Leitura" esta que ultrapassa os
limites do dia a dia do chão da fábrica e invade o ideário que este
trabalhador tem de si e do seu universo particular.

8
ANTUNES, R. Op. Cit., p. 41.
9
THOMAZ JR (1999, p. 5).

57
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

Este aspecto se torna ainda mais nefasto quando a direção do


Sindicato explica o motivo de venda da Coopercouro: “Não foi possível
tocar a produção e cumprir os prazos porque o cooperado começa a achar
que ele é dono, que ele é patrão, que ele pode chegar a hora que quiser para
trabalhar e sair também. Desse jeito só podia dar nisso.”
Neste momento nos cabe uma pergunta: será que o sindicato
procurou fazer com que todos os cooperados pudessem ter a capacidade de
perceber a realidade diante de seus olhos? O fato de ter criado a cooperativa
somente para os ex-funcionários, não teria criado um sentimento de
segmentação que se expressou na postura dos cooperados em relação aos
seus papéis na gestão da empresa? Afinal, era a oportunidade deles deterem
os meios de produção, obterem a autonomia e conseguir abrir e ampliar
novas possibilidades para os outros companheiros de atividade.
A resposta parece clara: o corporativismo e a visão fragmentada
do Sindicato deixa como legado uma postura individual e até
preconceituosa em relação aos fatos. O que ocorre em um problema, pois
esta compreensão da realidade cria ou acirra uma postura nos trabalhadores
associados e ex-cooperados, expressa no sonho de uma parcela deles em se
tornar patrão, ou ainda, de que precisam ter alguém (líder sindical) para
decidir e/ou direcionar as ações.

3.2 - O Sindicato e a Questão Ambiental: para Além do


Ecologismo

Neste final de século e de milênio começa a haver uma mudança


significativa na visão dilapidadora do capital. Essa profunda preocupação
dos países ricos com a questão ambiental planetária não se fundamenta
apenas nos riscos de catástrofes, ou nas possibilidades de empobrecimento
da diversidade biológica e cultural para as futuras gerações, mas tem
igualmente um motivo bastante prático: a biodiversidade vem se
transformando num negócio lucrativo com o desenvolvimento da
biotecnologia e com todos os demais aspectos interligados, quais sejam: as
indústrias de novos materiais, as pesquisas biológicas de novas fontes de
energia, os novos remédios e tratamentos médicos com a engenharia
genética, a nova agropecuária com o melhoramento genético de animais e
plantas, inclusive com a futura produção in vitro numa escala gigantesca10.

10
Ver THOMAZ Jr. (1994).

58
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

Por outro lado, a “onda ambiental” é integrada por correntes


preocupadas com a degradação e esgotamento dos recursos, resultado de
atuação nefasta de um “homem” genérico e abstrato sobre uma natureza da
qual ele não faz parte, mas sobre a qual atua de uma forma em que
independeria das relações sociais. O que reforça uma linha de atuação para
a defesa de uma “natureza” que, entendida como fonte de lucros, estaria em
parte ameaçada pelo esgotamento dos recursos naturais.
Para o discurso ecologista não se coloca uma alternativa não
capitalista à reorganização de toda a sociedade e de todo o sistema de
produção. O objetivo consiste em descobrir uma maneira de ultrapassar a
crise da produtividade, mantendo-se, porém, no quadro das relações básicas
que definem o capitalismo. A “questão ecológica” nasce já sob pesada
carga ideológica: serve para esconder a questão real e sua causa.
A deterioração do meio ambiente induz ao maior investimento de
capital constante destinado à “reprodução da natureza” (técnicas
despoluentes, recuperação de solos e mananciais, reflorestamento,
descoberta de novos recursos) o que acaba por se tornar um novo negócio.
Em outras palavras, administra-se a contradição (solução/problema) em
prol da reprodução ampliada do capital, pois não há como este sistema
deixar de ser nocivo ao meio ambiente, pois sua existência está vinculada
diretamente às expropriações da mais-valia e da natureza, necessárias à
produção de objetos mediados pelo valor de troca.
Todavia, não podemos enveredar por um caminho extremamente
perigoso que é o da condenação moral do capitalismo, à sua maldade
inerente, como se a burguesia fosse composta de seres desprovidos de boa
razão e bons sentimentos e, por isso, incapaz de fazer o mundo caminhar no
“bom sentido”.
Por este motivo, concordamos com Mészáros (1999, p. 86)
quando afirma que:
A principal razão pela qual este sistema escapa a
qualquer grau significativo de controle humano é que
ele próprio surgiu no curso da história como uma
poderosíssima – e ainda, até o presente, de longe a
mais poderosa – estrutura ‘totalizante’ de
controle, à qual tudo o mais, inclusive os seres
humanos, deve se adaptar, escolhendo entre
provar sua ‘viabilidade produtiva’ ou perecer.
(grifo nosso)

59
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

As dificuldades em solucionar os problemas relacionados à


destruição ambiental não consistem apenas em que os perigos inerentes ao
desenvolvimento em curso sejam muito maiores que antes

(...) uma vez que o sistema capitalista global atingiu


seu apogeu contraditório de maturação e saturação.
(...) Mas, para agravar a situação, tudo se complica
porque não é possível encontrar soluções parciais para
os problemas a serem enfrentados. Nenhuma ‘questão
única’ pode ser realisticamente considerada como
‘única questão’. (MÉSZÁROS, 1999,p. 84)

Trata-se, na verdade, de um problema estrutural que, em síntese,


se assenta no caráter privado da produção capitalista, onde cada empresário
age por sua própria cabeça com vistas à chamada “utilização ótima” dos
recursos que dispõe, objetivando ganhar a concorrência.
Contudo, apenas a capacidade demonstrada de realizar trabalho
não é condição suficiente para completar o processo de alienação do
homem em relação à natureza, pois é necessário que o resultado deste
trabalho seja apropriado por quem não o realizou. E como não há,
inicialmente, outra forma de se apropriar dos “frutos”, a não ser
apropriando-se também dos meios de produzí-los, a alienação homem-
natureza só se completa de fato com a alienação do próprio trabalho.
Num outro sentido, a natureza é também claramente concebida
como universal11, na qual está implícito que os seres humanos e seu
comportamento social são absolutamente tão naturais quanto os aspectos
ditos externos da natureza. Em contradição a concepção exterior da
natureza, a concepção universal inclui o humano com o não-humano da
natureza.
Em resumo, o conceito de natureza abriga um dualismo essencial
entre exterioridade e universalidade. A concepção exterior é um resultado
direto da objetivação da natureza no processo de produção.

“Eu sei que é importante cuidar da natureza, por


exemplo o Morro do Diabo, eu já visitei e acho que
deve continuar o trabalho de monitoria que tem lá
porque só assim as pessoas vão respeitar o que a gente
tem de mais bonito./ (...) sempre sai cheiro no processo

11
Cf. SMITH (1988), op.cit.

60
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

de curtimento mas são tomados todos os cuidados para


que não prejudique a gente que trabalha e as pessoas
que moram perto do curtume. Muitas vezes a própria
população não cuida do seu lixo e e,goto e joga tudo
nos córregos. Às vezes a água que vai para fora sai um
pouco mais suja, mas o pior foi retirado e é enterrado
dentro do terreno do curtume”. (trabalhador do
curtume Touro)

Neste caso o trabalhador percebe que é importante se dar atenção


para o problema ambiental, no entanto ele vislumbra uma natureza que está
longe dele. Não consegue percebê-la perto de seu local de trabalho ou
convívio, apesar de ter a compreensão de alguns prejuízos (mau cheiro e
lixo) que estão presentes em seu meio.
Na seqüência, percebe-se como é que um trabalhador tem a sua
capacidade de percepção da realidade sitiada:

“Não tem jeito de resolver esse problema ecológico, a


gente tem que trabalhar, que nem no Vitapelli, toda as
vezes que a justiça vai lá e fecha, eu fico com a pulga
atrás da orelha porque eu tenho que pagar as minhas
contas e sem trabalho como é que faz?” (trabalhador
do curtume Vitapelli)

Aqui o trabalhador se vê a mercê de um sistema que o engoliu e


que ele, apesar de saber o que está em jogo, só consegue se preocupar em
cumprir com seus "deveres", ou seja, ele está envolvido num emaranhado
do tecido social e se sente completamente preso pois não consegue
vislumbrar que pode haver vida além do que está (im)posto.
O conceito de natureza é um produto social e nós vimos que, esse
conceito tem uma função social e política. A hostilidade da natureza
exterior justificava sua dominação e a moralidade espiritual da natureza
universal fornecia um modelo para o comportamento social. É a ideologia
da natureza.
A função obscura da concepção universal é atribuir a certos
comportamentos sociais o status de eventos naturais, pelos quais se quer
significar que tais comportamentos e características são normais. A
competição, o lucro, a guerra, a propriedade privada, o erotismo, o racismo,
a existência de ricos e despojados, tudo é considerado natural.

61
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

Neste sentido, o capitalismo não é tratado historicamente, mas


como um produto inevitável e universal da natureza, onde a sobrevivência
do mais apto é a regra. O capitalismo é natural, lutar contra ele é lutar
contra a natureza humana. O argumento da natureza humana é um dos mais
lucrativos investimentos na ideologia burguesa.
Neste sentido, a questão ecológica deve interrogar, inclusive de
um modo fundamental, todas as forças sociais do mundo capitalista
contemporâneo. O que implica dizer que a capacidade de intervenção passa
pelo questionamento do produtivismo o que coloca em discussão o
funcionamento da sociedade em sua totalidade, ou seja, suas formas de
gerir o patrimônio da humanidade: a natureza. Bem como os modos de
produção e de consumo, os produtos que resultam da atividade econômica,
os meios de produção, suas necessidades, seu modo de vida, suas técnicas e
sua ciência. Isto porque o desperdício sistemático de matérias-primas,
energia e trabalho social resulta da necessidade do capital em submeter o
valor de uso a uma produção visando à reprodução.

O desenvolvimento capitalista parece cada vez mais


se apoiar em tudo aquilo que nega a vida, não só
exigindo dos homens que produzam coisas para a
destruição, como também produzindo coisas cuja
única razão é manter o capitalismo de pé
(GONÇALVES, 1982, p. 230).

Assim, ficamos solidários a MENDONÇA (1996) quando


ressalta que isso tudo não significa em um final do estudo geográfico da
natureza em si, como apregoam aqueles que pretendem reduzir tudo ao
econômico ou ao “modo de produção”, e sim uma passagem da Geografia
física e Geografia humana para uma verdadeira Geografia da natureza.
Ocorre que o contexto histórico-social dos nossos dias – a nova ordem
mundial com uma revalorização da questão ambiental, a revolução técnico-
científica, com as profundas mudanças que se desdobram em valores
dominantes na sociedade moderna – exige uma revisão nessa concepção de
natureza. Neste sentido nos remetemos a Alain Bihr12 a respeito da idéia de
que uma crítica ecológica leva não só o operariado, mas toda a sociedade a
elaborar uma lógica contrária à indústria capitalista, pois passa pelo
questionamento do próprio modo de produção. Pois no seio da
12
BIHR, A. “A Opção Verde”. Entrevista ao professor Ricardo Antunes e publicada na
edição do Caderno Mais, da Folha de São Paulo, do dia 10 de janeiro de 1999, p.5.

62
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

comunidade, a natureza ocupa apenas um lugar secundário destinado à


matéria-prima e derivativo de riqueza a ser tomada, transformada e
consumida13.

4-Considerações Finais
Em cada mira/Em cada muro/Em cada fresta/Em cada furo
O sol que nasce/A cada dia/A cada aniversário
Contra o que for hereditário
Nando Reis

O homem aprendeu a trabalhar e pensar e inaugurou a dominação


sobre seu semelhante. Neste sentido a natureza é a fonte “inesgotável” de
beleza e recursos a ser explorada e apropriada individualmente, pois sua
posse a transforma em riqueza. Este ter, aprimorado com a dominação de
classes, justifica várias injustiças: uma delas é a propriedade privada, a qual
proporciona, para quem a possui, o aval de dilapidá-la para proveito próprio
às custas do trabalho de outros que não a detêm.
Assim, a contradição homem x natureza é a mesma existente na
relação homem x homem, por ele ser natureza e existir o conflito nas
relações sociais engendradas na estrutura de classe e nas ideologias
inerentes ao modo de produção hegemônico, no qual o capital tem como
essência o controle da produção-distribuição-consumo e das relações entre
as classes, além de promover a compreensão fragmentada da realidade.

"Cumpro meu papel separando bem o meu lixo no


saco e colocando ele na lixeira para o caminhão passar
e pegar" (trabalhador do curtume Coopercouro).

A dicotomia ultrapassa a empresa e invade a percepção de mundo


do trabalhador em relação ao seu dia-a-dia, pois ele entende que o problema
do lixo que produz termina no momento em que o coloca para ser coletado
pelo serviço público, sem mesmo ter a idéia de que este há que ter um local
para ser depositado e confinado.
A fragmentação está inserida no cerne do modo de produção
capitalista, servindo à lógica alienada da reprodução de capital. Por um
lado, a natureza é reserva de recursos a serem transformados em
mercadoria, cuja base é o valor de troca. Por outro, o homem atua como a

13
BIHR (1998 p.136).

63
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

energia (força de trabalho) que transforma o corpo da natureza em “corpos-


mercadoria” (MOREIRA, 1993: 22).
Dito isto, pode-se afirmar que a relação homem-natureza é
entendida como relação social que constrói um quadro de vida, condição de
reprodução da própria sociedade. Isto porque o animal se torna homem
através do trabalho, por dar respostas à necessidades que as exigem.

(...) o homem torna-se um ser que dá respostas


precisamente na medida em que – paralelamente ao
desenvolvimento social e em proporção crescente –
ele generaliza, transformando em perguntas seus
próprios carecimentos e suas possibilidades de
satisfazê-los; e quando, em sua resposta ao
carecimento que provoca, funda e enriquece a
própria atividade com tais mediações,
freqüentemente bastante articuladas. (LUKÁCS,
1978, p. 05)

O trabalho é a proto-forma da existência humana14. Em outras


palavras, é sua realização que diferencia o homem dos outros seres, pois
consiste em ir além da competição biológica no ambiente. A interação
homem-meio se dá através da mediação do processo laborativo. Não
obstante, cada transformação da sociedade ocorre de maneira consciente e
ativa pois, é esta consciência que movimenta o processo produtivo e guia a
atividade humana.
No entanto, o resultado é o trabalho não simplesmente como uma
expressão da atividade do ser social, mas uma determinação do modelo do
próprio homem.
Tal como se manifesta hoje, o trabalho é submetido à lógica da
produção de mercadorias. Assim acaba por ser transformado num
instrumento de controle social15 do indivíduo porque os homens que o
realizam devem ser dirigidos por finalidades determinadas. Por um lado, o
trabalho possui um caráter útil por ser a relação no intercâmbio entre
homem e natureza, produzindo coisas socialmente úteis. Por outro, pode ser
visto como apenas dispêndio de força humana produtiva determinada
socialmente para gerar valor de troca.

14
Cf. LUKÁCS (1978).
15
Para um aprofundamento maior sobre o trabalho como forma de controle social necessária
na sociedade de classes, sugerimos: MÉSZÁROS (1993).

64
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

Tudo isso culmina na subjetividade que o trabalhador tem de si,


ou seja, ele não se entende como produtor, mas como força que desenvolve
uma determinada atividade, não se reconhece no trabalho, porque é
forçado, não voluntário. Em conseqüência, não há satisfação de uma
necessidade pessoal, mas uma forma de sobrevivência fora de si.

“Sei que o trabalho que faço traz alguns problemas


para a natureza, mas é o que consegui. Preciso pagar as
minhas contas e sustentar minha família. Acho que
parece que a gente só trabalha para pagar as contas. A
gente até brinca um com o outro na firma quando sai o
pagamento: já vai levar o dinheiro para os cobradores,
é porque o dinheiro não é nosso porque já tá todo
comprometido”. (trabalhador do curtume Touro)

O trabalhador tem sua experiência social mediada por relações


mercadológicas e contratuais, pois sua sobrevivência é mediada no
mercado, ou seja, no âmbito da circulação da moeda, via salário. Assim o
capitalismo domina as relações através do trabalho estranhado e da
abstração do mundo social separado da natureza, através do fetichismo da
mercadoria. Neste sentido, sentimo-nos instigados quando BIHR (1998:
136) assevera que “No seio da consciência proletária a natureza ocupa
apenas um lugar secundário, relegado à condição de acessório e de
derivativo no universo do lazer”.
A partir do momento em que a sociedade se baseia no valor de
troca, a natureza e o homem passam a ser valorizados através de dados
exteriores.
O ser a quem pertencem o trabalho e o produto deste,
a quem o trabalho é devotado, e para cuja fruição se
destina o produto do trabalho, só pode ser o próprio
homem. Se o produto do trabalho não pertence ao
trabalhador, mas o enfrenta como força estranha, isso
só pode acontecer porque pertence a um outro homem
que não o trabalhador. Se sua atividade é para ele um
tormento, ela deve ser uma fonte de satisfação e
prazer para outro. Não os deuses nem a natureza, mas
só o próprio homem pode ser essa força estranha dos
homens. (MARX, 1983: 98).

65
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

O que deveria se constituir na finalidade básica do ser social16


acaba por ser submetido à lógica do capital. O trabalho acaba por se tornar
um meio de subsistência. A força de trabalho é transformada em
mercadoria para produzir mercadorias.

(...) a armadura do processo social de produção tem


como referência a produção de valores de uso, o que
tem impulsionado a prática do desperdício de energia,
de trabalho e de matérias primas que expressa as
mazelas do processo de apropriação da natureza.
(THOMAZ JÚNIOR, 1998: 03).

Um dos motivadores principais da sociedade pós-moderna está


na elevação da ciência como principal força produtiva do capitalismo atual,
não obstante, precisamos levar em consideração que as transformações no
processo produtivo se fizeram em nome do modo de produção hegemônico,
a despeito de todas as mudanças no mundo do trabalho. A esse respeito, o
processo de valorização e reprodução ampliada do capital segue os mesmos
princípios desde a sua implantação. É o trabalho que produz os meios da
acumulação – as máquinas, estas por seu intermédio tornam-se mais
valiosas, enquanto ele perde seu valor – correspondendo ao capital.

O trabalho vivo produz a si mesmo como mercadoria,


mas, por meio dos bens de capital, produz também a
relação capitalista e sua própria dependência da
mesma. Pelo fetiche do capital, o trabalhador coletivo,
social, aparece dominado em todas as dimensões (...).
(MAAR, 1997, p. 83).

De todo modo, o movimento sindical, colocado sob a hegemonia


social-democrata, mostrou-se solidário à lógica produtivista de exploração
intensiva da natureza17. Isto ocorre porque o trabalhador se define pela
separação dos meios de produção, começando pela propriedade privada da
terra e a natureza através dela. Desta forma, a questão ambiental no

16
Para um melhor aprofundamento, ver LUKÁCS (1978).
17
Apesar de tratar especificamente sobre o corte e queima da cana, uma análise interessante
sobre a questão ambiental e as relações de trabalho pode ser vista em OLIVEIRA (1999).

66
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

movimento trabalhista contribuiria para uma contestação do controle


hegemônico do capital, tanto da produção quanto do metabolismo social18.
Neste intento, a Geografia cumpre um papel importante tendo em
vista os impactos dos desdobramentos territoriais desencadeados pelo
processo de socialização capitalista da natureza19, o que dá origem às crises
e conflitos.
(...) partimos do pressuposto da unidade entre
sociedade e natureza, sendo esta considerada como
totalidade e as relações sociais os principais fatores
que regem o processo de construção espacial. Por
conseguinte, o tratamento especificamente
geográfico dos mais diversos temas (...) pode se
concretizar somente se não fizermos uma abordagem
dicotômica pois, dessa maneira estar-se-ia isolando
fatores que não podem ser considerados em
separado, quando se trata de uma abordagem
geográfica. (PEREIRA, 1995, p. 72).

Rompendo com a concepção reducionista das relações entre


sociedade e natureza herdada do universo capitalista, será possível superar
com a separação e possibilitar a naturalização do homem e a humanização
da natureza, adotando um novo estilo de relação com a natureza; para
retomar a célebre formulação de Marx (1975, p. 50)

o trabalho, como criador de valores de uso, como


trabalho útil, é indispensável à existência do homem –
quaisquer que sejam as formas de sociedade – , é
necessariamente natural e eterna de efetivar o
intercâmbio material entre o homem e a natureza, e,
portanto, de manter a vida humana.

As limitações e privações que permeiam o indivíduo na


sociedade não surgem de uma ou duas únicas maneiras, elas cercam-no e
oprimem em diferentes direções de forma tão intensa que este se vê
completamente enredado na malha societal, o que faz com que ele apenas
consiga procurar maneiras de cumprir suas obrigações (contas, aluguel,
impostos, comida, estudo, lazer, vestuário, transporte, emprego), vedando

18
Sobre metabolismo social, ver MÉSZÁROS (2002).
19
Estamos nos referindo ao fato de que o capital concentra os ganhos com a produção e
socializa os problemas acarretados por esta.

67
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

as suas possibilidades de busca e superação destas travas que impedem a


emancipação do ser social.
Assim, devemos buscar o que Thomaz Jr. (1992) chama de
unificação orgânica. No entanto, os entraves para esta não se devem apenas
às suas realidades internas e específicas. Há um conjunto de ações
imbricadas que partem do capital e do Estado, através do projeto neoliberal,
em nome do desenvolvimento, sob o amparo da democracia burguesa e
constitucional20.
Na verdade, os movimentos da sociedade, em especial os
relacionados a questões trabalhistas e ecológicas, colocados sob a
hegemonia social democrata, contribuem com freqüência, de maneira
consciente ou não, para medidas paliativas que acabam por uma simples
adequação social e cultural do capitalismo, “aperfeiçoando-o” à sociedade.
O desdobramento disso é a renovação do arsenal ideológico do capitalismo
desenvolvido: livre empresa, autogestão, flexibilidade, terceira via, tempo
livre, desenvolvimento sustentável, etc.
Contudo é possível repensarmos a prática do enfrentamento
contra a condição (im)posta pela hegemonia capitalista. Neste sentido a
unificação orgânica dos movimentos da sociedade (ecologistas, MST,
Movimento Estudantil, sindicato, etc.) é importante porque através da ação,
principalmente coletiva, que se pode revelar a identidade do homem com
outro homem. O contato com o outro implica na descoberta de modos de
vida, seus limites e objetivos comuns, cuja estratégia maior deve estar
numa discussão para além do capital.

5-Bibliografia

ALVES, G. Apresentação do livro Desafios do Trabalho. In: BATISTA,


R. L. Desafios do trabalho. Londrina: Práxis, 2003.
ALTVATER. E. O Preço da Riqueza. São Paulo: Editora Unesp, 1995.
AMORIM, M. C. de C. T. Análise Ambiental e Qualidade de Vida na
Cidade de Presidente Prudente-SP. 1994. Dissertação (Mestrado em
Geografia) Faculdade de Ciências e Tecnologia – UNESP, Presidente
Prudente.
ANTUNES, R. Adeus ao Trabalho? Ensaio Sobre as Metamorfoses e a
Centralidade do Mundo do Trabalho. São Paulo: Cortez Editora: 1995.
20
Para um aprofundamento maior nessa questão, ver THOMAZ JR (2001).

68
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

BAUAB, F. P. O organicismo da natureza dos “quadros”: um estudo


sobre alguns vínculos teóricos que alicerçaram os quadros da natureza,
de Alexander Von Humboldt. 2001, Dissertação (Mestrado em
Geografia) Faculdade de Ciências e Tecnologia/UNESP, Presidente
Prudente.
BIHR, A. Da Grande Noite à Alternativa. São Paulo: Boitempo, 1998.
CAMPOS, Fábio H. A Indústria de Curtimento de Couro em Presidente
Prudente: a Relação Sociedade-Natureza em Questão. 2003,
Dissertação( Mestrado em Geografia) Faculdade de Ciências e Tecnologia
– UNESP, Presidente Prudente.
CARVALHAL, M. A Comunicação Sindical em Presidente
Prudente/SP: Elementos para Uma “Leitura” Geográfica. 2000,
Dissertação (Mestrado em Geografia) Faculdade de Ciências e Tecnologia
– UNESP, Presidente Prudente.
CARVALHAL, M. D. & THOMAZ JÚNIOR, A. “A Comunicação
Sindical Frente à Ofensiva Neoliberal”. In: Geografia em Atos. Presidente
Prudente: Departamento de Geografia – Faculdade de Ciências e
Tecnologia – UNESP, vol. 1, no 1, 1999.
CARVALHO, M. B. A Geografia do Discurso da Natureza. 1991,
Dissertação (Mestrado em Geografia) Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas/ USP, São Paulo.
GONÇALVES, C. W. P. Paixão da Terra: Ensaios Críticos de Ecologia
e Geografia. Rio de Janeiro, Socii, 1984.
______. Notas para uma interpretação não-ecologista do problema
ecológico. In: MOREIRA, R. Geografia: Teoria e Crítica. Petrópolis:
Vozes, 1982, p. 221-230.
LACOSTE, Y. A Geografia, Isso Serve, em Primeiro Lugar, para
Fazer a Guerra. São Paulo: Papirus, 1988.
LUKÁCS, G. As bases ontológicas do pensamento e da atividade do
homem. In: Temas de Ciências Humanas. São Paulo: Livraria Editora
Ciências Humanas, 1978.
MAAR, W. L. A centralidade do trabalho social e seus encantos. In: A
Sociologia no Horizonte do Século XXI. São Paulo: Boitempo, 1997.
MARX, K. Capítulo 1 de “O Capital”. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1975.
______. Manuscritos econômicos e filosóficos. In: FROMM, E. Conceito
Marxista de Homem. Rio de Janeiro: Zahar, 1983, p. 85-169.
MENDONÇA, F. Geografia Física: Ciência Humana? São Paulo:
Contexto, 1996.

69
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

MESZÁROS, I. A Necessidade do Controle Social. São Paulo: Ensaio,


1993.
______. A ordem do capital no metabolismo social da reprodução. In:
Ensaios Ad Hominem 1. São Paulo: Estudos e Edições Ad Hominem,
1999, p. 83-124.
______. Para Além do Capital. São Paulo: Boitempo, 2002.
MOREIRA, R. "A Geografia serve para desvendar máscaras sociais". In:
MOREIRA, R. (org). Geografia: Teoria e Crítica. Petrópolis: Vozes, p.
33-63, 1982.
______. O Círculo e a Espiral. São Paulo: Obra Aberta, 1993.
______. O Discurso do Avesso. Rio de Janeiro: Dois Pontos, 1988.
OLIVEIRA, A. M. S. de. A queima da cana-de-açúcar na usina Nova
América (Tarumã-SP): gestão ambiental e relações de trabalho. 1999.
Monografia (Bacharelado em Geografia), Faculdade de Ciências e
Tecnologia – UNESP, Presidente Prudente.
PEREIRA, D. “Geografia escolar: conteúdos e/ou objetivos?”. In:
Caderno Prudentino de Geografia. Presidente Prudente: AGB, 1995, p.
72.
SANTOS, M. Pensando o Espaço do Homem. São Paulo: Hucitec, 1986.
______. Técnica, Espaço, Tempo. Globalização e Meio Técnico-
Científico Informacional. São Paulo: Hucitec, 1997.
______. A Natureza do Espaço. São Paulo: Hucitec, 1998.
SMITH, N. Desenvolvimento Desigual. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
1988.
THOMAZ JÚNIOR, A. Por trás dos canaviais os (nós) da cana (uma
contribuição ao entendimento da relação capital X trabalho e do
movimento sindical dos trabalhadores na agroindústria canavieira
paulista). São Paulo: Anna Blume/FAPESP, 2002.
______. Reflexões introdutórias sobre a questão ambiental para o trabalho
e para o movimento operário nesse final de século. In: Revista
Geográfica, Bauru: AGB/Bauru, nº 16, 2000.
______. ‘Leitura’ geográfica e gestão política na sociedade de classes. In:
Boletim Gaúcho de Geografia, no 24, AGB/Porto Alegre, 1998.
______. “Território em transe”. In: Actas del Seminário Internacional
sobre Perspectivas de Desarollo en Ibéroamericana. Santiago de
Compostela: Servicio de Publicacións e Intercambio Cientifico, 1999.
VESENTINI, J. W. A Questão da Natureza na Geografia e no seu
Ensino. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1995 (impresso).

70
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

Os Momentos Sociais da Produção e da Re-Produção:


uma Leitura a Partir da Questão da Moradia*

Fernanda Keiko Ikuta **

1- Introdução

As Associações de Moradores e os Sindicatos dos Trabalhadores


de Presidente Prudente, com suas territorialidades geo-grafadas pelas
transformações societais atuais, são aqui objeto da nossa investigação,
expresso num conjunto de exercícios que nos propicia refletir sobre a
fragmentação da práxis social na sociedade capitalista.
Essa fragmentação deve ser pensada ontologicamente. O fio
condutor por nós adotado será a discussão da fragmentação dos momentos
sociais da produção e da reprodução, expressa na práxis fetichizada21 das
entidades comunitárias e sindicais sobre o território.
Assim, tendo em vista a questão da moradia, somos remetidos a
pensar a dicotomização do viver/morar e trabalhar. Dicotomização esta que
é fundada na divisão social e técnica do trabalho e nos exige, então, a
necessidade teórico-metodológica de uma imbricação entre os momentos
sociais da produção e da reprodução, materializada na interlocução entre a
questão da moradia e o mundo do trabalho para a construção de uma
reflexão que possa ir além da unilateralidade, predominante tanto na prática
como no discurso/análise dessas questões.

*
Este artigo faz parte de nossas reflexões no âmbito da dissertação de Mestrado intitulada
“A questão da moradia para além de quatro paredes: uma reflexão sobre a fragmentação
dos momentos sociais da produção e da re-produção em Presidente Prudente/SP”,
desenvolvida junto ao Programa de Pós-graduação em Geografia da Faculdade de Ciências e
Tecnologia UNESP/Presidente Prudente, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de São Paulo – FAPESP e defendida em 2003.
**
Doutoranda em Geografia pela FCT/UNESP/Presidente Prudente, membro Grupo de
Pesquisa “Centro de Estudos de Geografia do Trabalho” (CEGeT)”, Bolsista FAPESP. E-
mail: ferikuta@hotmail.com.
21
Cf. KOSIK, 1976.

71
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

Diante da nova ofensiva do capital para recuperar sua hegemonia


perante a crise estrutural vivida, podemos supor que somente a práxis
sindical é afetada, vivenciando um momento de crise, de intensificação da
captura da sua subjetividade e de incorporação da racionalidade capitalista.
Todavia, partimos do pressuposto de que vivenciamos uma crise política da
classe, ou seja, uma crise da práxis política da classe trabalhadora. Assim,
se o que está em jogo é uma questão de classe, toda a práxis social está
igualmente envolvida, sendo que isto não deixa de incluir e abranger os
conflitos do âmbito da esfera da reprodução, como a luta por moradia.
O objetivo maior de pensar a fragmentação da práxis social nos
remete ainda à necessidade de se pensar a imbricação dessas lutas para um
caminhar no sentido da superação do imediatismo, da atomização e da
institucionalização. Isto é, uma luta contra-hegemônica, uma luta que
objetive colocar-se para além do capital e que seja, então, unificada
organicamente. Dessa maneira, tal reflexão não se limitaria ao exemplo a
ser trabalhado, ou seja, a necessidade de busca de unificação não é somente
das dimensões citadas (moradia e trabalho). Ao contrário, a discussão pode
levar a um (re)pensar das práticas e das teorias de todos os movimentos
sociais, ou ainda, da sociedade fragmentada (composta de indivíduos
ensimesmados, distantes da perspectiva coletiva de organização), porque
fetichizada pela lógica do metabolismo societário do capital em que
vivemos.
E nesse sentido, pretende-se discutir a questão da moradia
ampliando as delimitações do debate predominante até o presente. Isso
requer que entendamos a dinâmica de tal problemática sem nos limitarmos
apenas à análise da esfera da re-produção/consumo, mas que consideremos
as relações sociais de produção para compreendermos a questão da
moradia. Entendemos que a problemática da moradia é um dos
componentes de todo um conjunto de precariedades manifestas nas
condições de existência dos trabalhadores. Assim, o processo engendrante
das contradições sociais não pode ser apreendido apenas por meio do
mercado como espaço de leitura da história, pois o momento da reprodução
não é uma esfera autônoma, independente, em relação ao metabolismo
social como um todo.
Propomo-nos, então, a repensar, de um lado, a questão da
moradia para além das restritas determinações impostas pela “leitura”
predominante, que a limita como análise que respeita apenas a esfera da
reprodução (vista como reprodução dos meios de produção somente). E, de
outro lado, pretendemos repensar certas “leituras” do mundo do trabalho,

72
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

que ignoram ou consideram indevidamente (porque a fazem de maneira


limitada e parcial) os aspectos da esfera da reprodução. Nossa busca seria
então, tentar pensar a superação do “engessamento” das análises que
dicotomizam tais processos. E nesse sentido, a geografia do trabalho nos
oferece elementos que contribuem para uma análise voltada para a
compreensão da totalidade.

2- O Morar e o Trabalhar em Presidente Prudente para Além


das Fragmentações

Discutir a fragmentação das lutas sociais é um objetivo


fundamental para nós. Essa discussão é enviesada pela compreensão de que
a sociabilidade, no âmbito do capital, afeta e divide a vida em duas esferas:
dentro e fora do trabalho. A práxis social reflete tal dicotomização,
sobretudo em lutas cujo significado reivindicativo é específico, atomizado,
imediatista.
A gênese desta fragmentação pode ser entendida nos processos de
alienação e estranhamento22 do ser social. Isto é, alienado no processo
social de produção e submetido a uma existência inautêntica e estranhada, o
ser social fica impedido de viver a integridade da existência social. A
alienação e o estranhamento, as fetichizações e reificações do ser social
dissimulam as contradições sociais, dissolvem a luta de classes; o que se
faz perceber nas práticas organizativas, nos movimentos sociais, nos
sindicatos, nas associações. Daí propormos por meio de uma ponte entre
moradia e trabalho, realizar uma reflexão que ultrapasse as fragmentações a
que as práxis sociais são submetidas.
De um lado, o movimento operário reivindicando melhores
salários e condições de trabalho e, do outro, os movimentos urbanos,
ecológicos, de gênero, de raça, etc., requerendo especificamente aspectos
ligados à re-produção como moradia, saúde, educação, preservação da
natureza, igualdade nas relações de gênero e raciais. Isso se dá, em geral,
sem um reconhecimento mútuo das lutas. Cada reivindicação tem a sua
esfera de atuação. O trabalhador não associa o sindicato com a luta por uma
escola no seu bairro e tampouco vai discutir as relações de trabalho na
associação de bairro, por exemplo. Dessa maneira, o viver e o trabalhar
estão separados, fragmentados nas práticas das lutas.

22
Sobre estes conceitos em Marx, ver: RANIERI, 1991.

73
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

Entendemos assim, que o ser social é uno, mas sua submissão aos
processos de alienação e estranhamento fragmenta-o, divide-o. Todavia,
uma outra faceta do real (ou a nossa interpretação dele) nos demonstra o
quanto o viver e o trabalhar estão imbricados. É o que apreendemos da
análise do panorama das condições do morar e do trabalhar em Presidente
Prudente. Percebemos que há uma superposição das precariedades no
espaço e que todo o conjunto das condições de vida, tanto os aspectos
diretamente ligados à esfera da produção (condições e relações de
trabalho), como os ligados à esfera da re-produção (condições de moradia e
urbanidade), são engendrados e afetados pelo metabolismo social do capital
e de sua lógica fragmentadora.
Ao levantar o quadro prudentino das condições de moradia e
urbanidade (ocupação de áreas públicas; processo de luta por moradia
popular; periferização da população; concentração dos imóveis precários;
intervenções públicas nas áreas de favela e loteamentos; demanda por
moradia, monopolização e especulação fundiária e imobiliária; loteamentos
fechados; evasão escolar; saúde, transporte coletivo urbano, problemas
sanitários e ambientais das ruas) e das condições e relações de trabalho
(distribuição da demanda por trabalho e emprego no espaço urbano;
atividades ocupacionais: empregos, sub-empregos, desemprego e outros;
faixas salariais) 23, percebemos que há uma superposição das precariedades
que não se concretizam isoladamente. Todo o conjunto de sub-condições de
existência está “confinado” nas áreas mais precárias da cidade. Os piores
índices se concentram todos nas mesmas áreas, o que significa que é a
mesma população que está precarizada no conjunto das condições sociais
de existência, ou ainda, que as situações de exclusão24 “são decorrentes da
superposição de carências de diferentes naturezas”.
Ou seja, a sociabilidade, no âmbito do capital, precariza
profundamente as relações do ser social, tanto fora como dentro do
trabalho. “Fora” do trabalho o ser social vive mal, não tem casa ou mora
em condições sub-humanas, não tem acesso à educação, saúde, transporte,
lazer, alimentação, saneamento básico de boa qualidade. E “dentro” do

23
Para maiores detalhes cf.: Ikuta, 2003, em que esses dados são apresentados em quadros e
mapas (capítulo 1 da nossa dissertação de mestrado).
24
Não acreditamos ser a simples inclusão dos trabalhadores (versus a atual exclusão), no
sistema, no mercado capitalista, a solução para a subsunção, numa postura de crença no
Estado. Se adotamos aqui o uso das noções inclusão/exclusão social, é porque fazemos
referência às noções e sistematizações do SIMESPP, na elaboração do mapeamento em
questão.

74
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

trabalho, o capitalismo mundializado contemporâneo estreita e restringe


cada vez mais o núcleo de trabalhadores estáveis e com garantias, enquanto
se intensifica a massa flutuante de trabalhadores instáveis (os
subcontratados, os trabalhadores em tempo parcial, os temporários, os da
“economia subterrânea” ou “clandestinos”) e dos proletários excluídos do
trabalho, jogados por muito tempo, ou até mesmo definitivamente, fora do
mercado de trabalho, vivendo a despossessão no limite.
Nesse sentido, consideramos ser necessário evidenciar a relação
entre a questão da moradia (em si) com o conjunto das condições sociais de
existência dos trabalhadores, explicitando que o tratamento isolado destas
questões não dá conta de explicar toda a processualidade social em apreço,
seu movimento e conteúdo contraditórios.
Há uma separação forçada entre o trabalhar –esfera da produção-
e o morar –esfera da re-produção-, através da despossessão do trabalhador
das condições de vida, até o ponto em que ele (trabalhador) constrói
inúmeras casas mas permanece sem-teto. Mas será que os
trabalhadores/moradores entendem de maneira lúcida, ou externalizam esse
entendimento em forma de pauta ou bandeira de luta em suas organizações?
Ou, antes ainda, estão eles organizados?
Depois de lançadas essas questões, caberia investigar uma forma
de organização ligada diretamente às reivindicações pela moradia (esfera da
re-produção) e outra organização diretamente ligada às reivindicações do
trabalho (esfera da produção) já que não existe uma organização que
unifique as duas reivindicações. Por isso, nos questionamos sobre as
Associações de Moradores25 de Presidente Prudente como organizações
identificadas na esfera da re-produção e os Sindicatos dos Trabalhadores de
Presidente Prudente, como organizações identificadas na esfera da
produção.

25
Nesse sentido, se de um lado, hoje, não há, em Presidente Prudente, movimentos sociais
de luta pela moradia para enunciar suas reivindicações, do outro, existem as associações de
moradores – conhecidas também como associações de bairro (e há uma ausência muito
significativa de estudos sobre elas).

75
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

2.1 - As Associações de Moradores de Presidente Prudente: uma


Práxis “Emparedada”.

A territorialidade das Associações de Moradores de Presidente


Prudente é delimitada pelo bairro. A atuação das associações, seus
objetivos, projetos e reivindicações não ultrapassam o limite do bairro, ou,
metaforicamente, podemos dizer ainda que, na verdade, como concepção
geral de luta, não conseguem ir além das quatro paredes. O
“emparedamento” começa, por exemplo, no fato de que, em geral, não há
identificação de seus problemas com os problemas vivenciados em outros
bairros e tampouco há a compreensão clara de que um mesmo processo
engendra bairros que convivem, muitas vezes “eternamente”, em condições
de moradia e urbanidade precários e bairros que têm as mais otimizadas
condições infra-estruturais (assim como outros locais, serviços e infra-
estruturas a que nem todos têm acesso pleno: shoppings-centers, ensino
superior, hospitais de alto padrão, verticalização, condomínios fechados
que privatizam espaço público, enfim a cidade programada para que
predomine a tirania do automóvel em detrimento do pedestre). Portanto,
não se luta pelo direito à cidade, pelos atributos de urbano que ela tem, mas
apenas por uma parcela desta cidade.
São 41 associações de moradores26, que formam um cinturão
periférico. A grande maioria dos bairros é de alta e média exclusão social;
já no “miolo” da malha urbana, onde estão as áreas de inclusão não há
sequer uma associação. Podemos inferir, logo de início, que essa é uma
sinalização de que tais bairros periféricos são os que têm mais
reivindicações a fazer.
Em geral, as Associações de Moradores de Presidente Prudente
têm reivindicações que refletem as condições de exclusão da maior parte
desses bairros, sendo que em sua maioria estão situados em áreas de
máxima exclusão social. Equipamentos e infra-estrutura urbana básicos
compõem os principais elementos requeridos.
Fica claro que o estabelecimento comum de bandeiras de luta que
unifiquem essas entidades entre si, e com outras entidades para além de
suas reivindicações específicas, é inexistente. A articulação destas

26
No texto original da dissertação de mestrado (Ikuta, 2003), apresentamos um mapa que
cruza a localização das associações de moradores com os setores de exclusão/inclusão social
de Presidente Prudente (o mapa da exclusão/inclusão social tem como referência o trabalho
do SIMESPP/FCT-UNESP/PMPP, 2000).

76
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

simplesmente não está colocada como uma necessidade premente. Nem


mesmo as ações, a luta dos Movimentos Populares por moradia nas grandes
cidades são alvo de interesse como projeto político, muito menos as ações
de outras entidades com bandeiras de luta diversas, como o Movimento
Sindical ou os Movimentos Sociais, como o Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra – MST, ou as experiências mais destacadas de luta por
moradia popular em outros países. Não se percebe qualquer convergência
entre essas lutas. O cenário global não está em pauta, tanto que nem mesmo
estão filiadas a Federações, Centrais ou qualquer outra agremiação.
As associações entrevistadas não demonstraram uma carga de
envolvimento com o processo de luta por moradia existente outrora27; isso,
mesmo em bairros onde havia áreas de resistência ou áreas implantadas
para receber famílias deslocadas de núcleos de favelas.
Pode-se perceber que o grau de acatamento da legalidade vigente
em relação à sua luta é absoluto. Não se colocam em pauta práticas que
possam extrapolar ou questionar a legalidade, até mesmo porque os
objetivos aí colocados não exigem isso. A ocupação de prédios por parte
dos Movimentos Urbanos das capitais, ou a ocupação de terras pelos
Movimentos Rurais, chegam a ser reconhecidas como legítimas, mas não
como práticas a serem incorporadas.
Diante de tudo isso, foi possível perceber que não há uma
elaboração aprimorada de táticas e estratégias próprias de enfrentamento
com o poder público e outras instituições. Na verdade, percebemos um
quase que absoluto peleguismo das associações ou mesmo a predominância
de uma inércia geral frente a dificuldades na relação com o poder público.
O assistencialismo reinante na atual gestão pública municipal,
principalmente no que se refere ao poder executivo, é um incentivo tanto
para a inércia quanto para o peleguismo.
Podemos ainda relacionar esse quadro com a falta de expressão e
representatividade das associações de moradores. A escassa participação da
comunidade do bairro nas associações foi salientada pelos próprios
presidentes das entidades. As questões mais amplas como a fome, a saúde,

27
Desde a década de 60, iniciou-se em Presidente Prudente um processo de ocupação de
áreas públicas. Em 1988, eram 66 áreas de favelas, com 736 unidades habitacionais,
correspondentes a um total de 3.353 habitantes. Entre 1989 1992, vivenciou-se o auge de um
processo conflituoso entre o poder público municipal e o então Movimento de luta pela
Moradia. A intervenção pública, mediada pela confrontação com o Movimento, significou a
intensificação ou, no máximo, a manutenção das precariedades nas condições de existência dessas
famílias.

77
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

a educação, o desemprego e a desigualdade social no país, não fazem parte


de sua escala de atuação. São questões do âmbito dos sindicatos, todavia,
para serem resolvidas pelos governos estadual e federal. Essa concepção
denota a crença no Estado.
Assim, uma primeira conclusão que podemos apontar é que a
ausência de articulação, cooperação e solidariedade (não do
assistencialismo e paternalismo, que em geral imperam no comunitarismo),
entre as associações/bairros, revela o total individualismo, ensimesmamento
a que estão submetidas e coloca fora do horizonte dessas “comunidades”
um projeto coletivo, emancipatório, ou que ultrapasse o imediatismo das
reivindicações que não conseguem ir além das quatro paredes. Mesmo que
ainda nos mantenhamos numa linha imediatista, podemos perceber que a
práxis atomizada deixa de resolver inclusive a carência do teto para morar
e, mais, reproduz os mecanismos que perpetuam a inclusão precária a que
estão submetidos.

2.2- A Fragmentação Territorial e as Perspectivas Econômico-


Corporativas dos Sindicatos dos Trabalhadores de Presidente
Prudente.

O mundo do trabalho tem passado por profundas transformações


tanto no que respeita à materialidade, quanto nos aspectos da subjetividade.
As condições de emprego e salário sofrem mudanças que estão gerando
intensa precarização do mundo do trabalho. O aumento monumental do
exército industrial de reserva, do número de desempregados é uma
decorrência objetiva desse processo, assim como, a captura da
subjetividade do trabalhador de acordo com os imperativos da lógica do
sistema produtor de mercadorias, que vem convertendo a concorrência e a
busca da produtividade num processo destrutivo. Daí, a crescente
fragilidade do movimento sindical em diversos países, inclusive o Brasil
(ALVES, 2000; ANTUNES, 2000; BIHR, 1998; SANTOS, A. 2001;
ARAÚJO, A. 2002; DIEESE, 2002).
Um ponto de partida para identificarmos os processos que levam
a essa dinâmica pode ser a cisão dos sindicatos por meio da sua
fragmentação territorial e corporativa28. A Carta Sindical dita uma longa
sub-divisão das categorias profissionais. Um exemplo é o que constatamos

28
Para uma abordagem teórica sobre a fragmentação territorial dos sindicatos cf. Thomaz
Júnior (1998).

78
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

na execução do trabalho de campo: uma mesma empresa pode ter seus


funcionários trabalhando lado a lado e organizados, internamente, em pelo
menos 4 sindicatos diferentes.
A Carta dita também as bases territoriais, apoiadas na divisão
político-administrativa do Estado, que os sindicatos devem ter. Um dos
aspectos que pudemos apreender nas entrevistas aplicadas aos sindicatos de
Presidente Prudente é que a divisão oficialmente imposta, quando não
tomada como algo dado e inexorável, muitas vezes ainda é vista como um
facilitador e potencializador do sindicato: angariaria o interesse dos
trabalhadores pelo sindicato para que “seus” problemas, “suas”
reivindicações mais imediatas, fossem atendidas.
Embora o conseqüente enfraquecimento do movimento sindical
com o corporativismo29 seja por vezes reconhecido, o “bicho papão” que
impede e afasta a idéia da construção de um movimento sindical ofensivo e
orgânico é a eminente ameaça do desemprego. Este é o principal
instrumento do controle social exercido pelo capital30.
Fragilizados, a maior parte dos Sindicatos de Presidente Prudente
apresenta a campanha salarial como a principal bandeira de luta. A agenda
política praticamente limita-se às negociações na data-base de cada
categoria. Além da questão salarial, o outro ponto principal da agenda da
maior parte dos sindicatos é a manutenção de direitos trabalhistas já
conquistados por meio da Consolidação da Legislação Trabalhista - CLT
ou de negociação direta com as empresas, como cesta básica, café da
manhã, folgas no final do ano. Em alguns sindicatos há algum esforço para
que a campanha salarial seja coletiva. Todavia, em geral, a noção de
coletividade não ultrapassa a questão salarial.
Percebemos que as questões relativas à vida do trabalhador fora
do local de trabalho como saúde, educação e moradia, compreendidas como
questões macroeconômicas, têm uma relevância paralela, ou seja, em geral,
não têm rebatimento como pauta prioritária da maior parte dos sindicatos.
Na relação com o Estado, principalmente como poder público
municipal, há uma declarada crença neste, revelada no lançamento e apoio
de candidatos próprios a cargos políticos com a justificativa de que é
preciso fazer parte do governo para garantir as reivindicações dos seus
trabalhadores. A preocupação com as eleições estaduais e federais também

29
ARAUJO, A. (2002) organiza toda uma obra a respeito do corporativismo.
30
Para uma leitura aprofundada sobre a necessidade do controle social, ver: MÉSZÁROS
(1987).

79
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

está presente para alguns sindicatos, principalmente para os que são da


oposição: crêem que por meio de uma gestão governamental diferenciada,
se estará mudando a sociedade; o que somente a luta direta com o patrão
não permite.
Pudemos perceber que alguns sindicalistas apostam na “solução
de mercado” até mesmo para suas “conquistas”31, pois consideram que a
flexibilização dos direitos trabalhistas ou, enfim, toda a política neoliberal
que vem sendo implementada, façam parte de um processo inexorável, um
“caminho sem volta”.
Quanto à filiação e articulação dos sindicatos com Federações e
Centrais, notamos que há uma evidente fragilidade nessas relações. Na
verdade, a dificuldade se inicia no distanciamento existente entre liderança
e base, e se reflete no que poderia ser uma relação de cadeia entre os
primeiros. O próprio Conselho Intersindical de Presidente Prudente revela
que, internamente as Federações são entendidas apenas como um canal de
informação sobre a conjuntura estadual, e não como um veículo que
poderia propiciar uma articulação entre as entidades sindicais.
E não é muito diferente a questão da articulação dos sindicatos
com outras entidades ou Movimentos Sociais. Ou seja, não há a busca da
construção de um projeto político comum, não há o reconhecimento da
possibilidade da construção de bandeiras de luta comum. Se nem os
sindicatos e os trabalhadores conseguem superar entre si as especificidades,
requerer aspectos extra-mundo do trabalho é uma realidade mais que
eventual.
Assim, enquanto o capital, com sua estrutura totalizante, busca
garantir a sua hegemonia reorganizando-se para retomar o seu patamar de
acumulação e o seu projeto de dominação, os trabalhadores se vêem e se
entendem nos limites da “legitimação jurídico-política do processo
produtivo capitalista” (THOMAZ JÚNIOR, 2002a, p. 248).
Nesse cenário, pensar a articulação orgânica entre as lutas de
“fora” e de “dentro” do trabalho é, no máximo, apontada como uma
necessidade reconhecida, mas ainda sem nenhuma prática concreta. Já a
luta “para além do capital” é considerada demasiada utópica para romper os
complexos e “reais” processos sociais, sobretudo os políticos e econômicos.

31
Para mais detalhes sobre as implicações objetivas e subjetivas para os trabalhadores da resposta do
capital à sua crise e a recuperação de sua hegemonia, ver Ikuta, 2003 (principalmente sub-item 1.2.2 do
capítulo 1 e as reflexões do capítulo 2).

80
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

É nesse contexto que se reconhece que os aspectos diretamente


ligados ao trabalho repercutem no conjunto dos aspectos ligados à re-
produção, isto é, ao viver, ao morar e vice-versa; este segundo é
reconhecido com mais dificuldade ainda ou simplesmente não reconhecido
– quem sabe até mesmo por alguns marxistas ortodoxos, já que nos
referimos não só à prática de luta dos sindicatos, mas também às análises
teóricas a respeito do tema.
E, se ao discursar há certo reconhecimento (em geral restrito às
lideranças) das repercussões mútuas entre o trabalhar e o viver, os
desdobramentos territoriais disso praticamente ainda não são explorados.

3-Trabalho e Moradia no Contexto das Transformações Atuais


na Estrutura Societal

Vivenciamos a transição da base da sociedade capitalista,


prioritariamente, da indústria para a centralidade financeira que altera a
forma e o processo da acumulação do capital. Mas a “Economia-Mundo”,
como denominam autores como Wallerstein (1987), é conseguida
paralelamente a uma hegemonia política e cultural. Tais metamorfoses
conformam novas territorialidades em tensão (GONÇALVES, C. 2002),
do que podemos apreender novas relações de poder, novas formas de
objetivação e subjetivação (alienação, estranhamento), novas
representações dos seres sociais em todas as suas dimensões, tanto dentro
como fora do trabalho.
Atentar-se para a construção de novas representações sociais
diante das transformações hodiernas, proporciona a reflexão sobre as
transformações ocorridas, ou em vias de ocorrer, nos movimentos,
organizações e lutas sociais.
Dessa maneira, as transformações ocorridas com a globalização,
em suas diferentes dimensões e com a mundialização do capital têm
produzido repercussões no contexto das demandas gerais da sociedade
(ALVES, 2000). Assim, a exclusão ou inclusão precária em relação à
moradia é uma das conseqüências objetivas dessas transformações; por
isso, não pode ser compreendida isoladamente: um sem-teto é
concomitantemente precarizado nos âmbitos da saúde, da alimentação, do
trabalho, da qualidade ambiental, do lazer, dos meios de transporte, etc.
Portanto, é a partir da compreensão da intensificação da precarização do
conjunto das condições sociais de existência, que surge o exercício teórico
de estreitamento da discussão da moradia com o mundo do trabalho. E para
81
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

apreender o processo de precarização do conjunto das condições sociais de


existência, não se podem desconsiderar as conseqüências provindas da
reestruturação produtiva que, no Brasil, se deu a partir do governo Collor,
nos anos 90, devido à política neoliberal que impulsionou maior integração
do capitalismo brasileiro à mundialização do capital.
Além dos aspectos objetivos citados, a subjetividade social é
também atingida a partir de um processo contraditório e simultâneo,
pautado na lógica fragmentadora e, ao mesmo tempo, homogeneizante do
capital. Dentro dessa lógica, se reproduz uma sociabilidade ou um modo de
vida apropriado às imposições do capital. Tal padronização da sociedade
exprime a fetichização da mercadoria (ou, ainda, a fetichização societal;
isso significa que a sociedade de massa que tem como elemento integrador,
o consumo) e estrutura-se sob condições da normalização e da
normatização dos comportamentos e práticas sociais impostos pelo
metabolismo do capital.
Ao mesmo tempo, se produz uma dessocialização que dissolve as
relações comunitárias, relaxa o vínculo social e fragmenta as negociações
coletivas na crescente dificuldade em agregar interesses político-
ideológicos (BIHR, 1998). Harvey nos acrescenta que “a luta de classes se
fragmenta com excessiva facilidade em um sem-fim de interesses
comunitários fragmentados geograficamente, facilmente cooptados pelo
poder burguês ou explorados pelos mecanismos da penetração do mercado
neoliberal” (HARVEY, 1999, p.63). Esse processo
homogeneizador/fragmentador e suas conseqüências para a práxis social é o
que Bihr (1998) identifica como sendo a crise da sociabilidade.
É importante ressaltar que, ao tratar da vida dentro e fora do
trabalho, em seus aspectos objetivos e subjetivos, estamos levando em
consideração todo o conjunto da organização do modo de vida capitalista.
Colocamos em pauta as transformações gerais que afetaram a sociedade em
seu conjunto, sob a influência crescente das relações sociais capitalistas.

3.1- Reestruturação Produtiva do Capital e Crise do


Sindicalimso no Brasil: a Nova Ofensiva do Capital sobre a
Classe Trabalhadora.

A partir da perspectiva de constituição de uma nova ofensiva do


capital na produção, iniciada na década de 80 e fortemente impulsionada na
década de 90, G. Alves (2000) analisa a crise do sindicalismo no Brasil

82
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

que, para ele, tem como características principais não só “a perda da


representatividade sindical, a esclerose organizacional e a crescente
dificuldade em agregar interesses, mas, também, e principalmente, a
debilitação político-ideológica da perspectiva de classe” (p. 11-12). Ou
seja, a crise do sindicalismo reflete a incapacidade das suas estratégias
diante das novas condições de acumulação capitalista, da mundialização do
capital e dos seus desdobramentos objetivos e subjetivos na classe
trabalhadora (THOMAZ JÚNIOR, 2002b e ANTUNES, 1991 e 1993).
Todas essas metamorfoses nas regras da acumulação do capital
devem ser entendidas como uma experiência histórico-geográfica, que
constitui, portanto, novas configurações de poder, novas territorialidades,
não só porque o ser social é indissociável do estar e o território é a condição
de existência material da sociedade.Vejamos:

[a] acumulação do capital sempre foi um assunto


geográfico. Sem as possibilidades inerentes à expansão
geográfica, a reorganização espacial e o
desenvolvimento geográfico desigual, há muito tempo
o capitalismo teria deixado de funcionar como sistema
político-econômico. Esse perpétuo recurso de um
“remédio espacial” às contradições internas do
capitalismo (muito destacavelmente, as que aparecem
como sobre-acumulação de capital dentro de uma área
geográfica particular), combinado com a inserção
desigual dos diversos territórios e formações sociais
dentro do mercado mundial capitalista, criou uma
geografia histórica global da acumulação do capital,
cujo caráter deve ser bem entendido. (HARVEY,
1999, p. 49).

Assim, a crise do taylorismo e do fordismo é identificada como a


expressão fenomênica da crise estrutural do capital, que se reorganiza no
seu sistema ideológico e político de dominação. Essa resposta do capital
para sua crise, isto é, a adoção do toyotismo e suas formas de acumulação
flexível, de gestão organizacional e de avanço tecnológico, tem
repercussões diretas para o trabalho, até porque cumpre o papel de ser uma
ofensiva do capital para recuperar a sua hegemonia. Isso implica controlar
as lutas sociais (o conflito). São, então, criadas novas formas de
intensificação do trabalho, sendo que Antunes pontua as seguintes:
desregulamentação dos direitos do trabalho; aumento da fragmentação no

83
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

interior da classe trabalhadora; precarização e terceirização da força


humana que trabalha; e destruição do sindicalismo de classe e sua
conversão num sindicalismo dócil, propositivo, de empresa (ANTUNES,
2000, p. 52-53). Ocorre hoje uma redução do proletariado industrial
(tradicional) concomitantemente ao aumento do “novo proletariado” (os
terceirizados, os trabalhadores temporários e os subcontratados) e a toda a
horda de trabalhadores que se inserem, de maneira crescente, na
informalização, bem como o contingente expressivo de desempregados.
É com a debilitação (fragmentação) subjetiva da classe que se
desenvolvem as estratégias sindicais neocorporativas. Agora, a própria
“disposição intelectual-afetiva” do trabalhador “é constituída para cooperar
com a lógica de valorização do capital”, e não mais apenas o “fazer” e o
“saber” operários são capturados (ALVES, 2000, p. 54). Os imperativos da
concorrência se explicitam nas reações corporativas dos sindicatos e, além
da burocratização sindical, pode-se assinalar que o sindicalismo vive
limites histórico-ontológicos que se configura na sua crise estrutural e não
conjuntural. O que coloca, em escala de importância, a práxis política e
ideológica da classe acima da práxis sindical.
Vindo de uma modernização hipertardia no Brasil, a
reestruturação produtiva iniciada nos anos 80, tem as seguintes
determinações: 1) a crise do capitalismo industrial, com a dívida externa
como sua maior expressão, ocasiona um “choque de competitividade” nas
principais indústrias do país; 2) a ascensão do “novo sindicalismo” de
caráter classista e de combatividade; 3) a implantação das novas estratégias
das corporações transnacionais, que implicaram a adoção (restrita e
seletiva) de novos padrões organizacionais-tecnológicos, inspirados no
toyotismo.
As inovações tecnológicas, introduzidas pela reestruturação
produtiva32, não são percebidas pelos trabalhadores como mecanismos
desenvolvidos para aumentar a exploração do trabalho e eliminar focos
potenciais de resistência coletiva. E nesse sentido, a lógica do processo de
precarização do trabalho e a exclusão social, aparecem como efeitos
aparentemente neutros da inovação tecnológica, e não como provenientes
da luta de classes.
A debilitação objetiva das estratégias sindicais “obreiristas” não
consegue ir além do espaço econômico-corporativo. A nova ofensiva do

32
Tentativa de superação da crise estrutural do capital por meio do aumento da composição
orgânica do capital, e conseqüente aumento da taxa de mais-valia.

84
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

capital, com sua produção destrutiva, garante “a manipulação da


subjetividade afetivo-intelectual da força de trabalho” (ALVES, 2000, p.
351). Há uma crescente dificuldade em organizar a classe que está
fragmentada e debilitada. E isto não só no plano objetivo-material, mas no
subjetivo-ideológico:
Em última instância, a negação da exploração
pressupõe a negação do ‘sujeito’ da exploração: o
capital. O que não quer dizer que o movimento de
negação do capital possa ocorrer tão-somente
valendo-se da luta sindical – o que seria assumir um
viés ‘obreirista’. Na verdade, a luta sindical constitui
um dos elos decisivos do movimento (e da luta) de
classe, capazes de instaurar, a partir da produção,
uma nova sociabilidade além da do capital. (ALVES,
2000, p. 324, grifo nosso).

Assim, acreditamos não só que o movimento de negação do


capital não tenha que ocorrer exclusivamente na luta sindical, na esfera da
produção, como queremos tomar como pressuposto o fato de que o
movimento anticapitalista deva ocorrer por meio de uma unificação
orgânica entre as mobilizações e movimentos sociais como um todo. Isso
significa dizer que deve ocorrer uma imbricação entre os movimentos que
se identificam como de base social definida na esfera da produção e os
movimentos de base social definida na esfera da re-produção, ou mesmo a
constituição de movimentos que conjuguem as duas esferas. Isso deve
ocorrer até mesmo porque as mutações societais anteriormente descritas
afetam não só o mundo do trabalho, mas igualmente o mundo fora do
trabalho, todo o conjunto da organização do modo de vida capitalista. Ora,
não é possível segmentar o ser social. A subjetividade do ser social como
um todo é afetada nesse processo, e não apenas a sua parte trabalhador.
Concluímos, que as novas territorialidades constituídas na
conformação das atuais regras da acumulação do capital expressam,
sobretudo, a mudança de um controle social limitado ao mundo fabril para
um controle que se espalha por todas as dimensões sociais.

85
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

4- Unificando o Caracol e sua Concha33: Elementos para


Repensar a Re-Produção das Relações de Produção.

A problemática da moradia sempre esteve relacionada, nos textos


literários e científicos, com o processo de industrialização. As grandes
cidades industriais viviam o problema do “inchaço urbano” e suas
“condições de vida espoliativas”. A título de exemplo, autores como Evers,
Mller-Platenberg e Spessast (1982;1987) e Kowarick (1979 e 2000) tratam
da “industrialização periférica” na América Latina, ou ainda, da “metrópole
do subdesenvolvimento industrializado” como um processo causador da
“deterioração das condições reprodutivas”, ou da “espoliação urbana”, ou,
ainda, da crescente “pauperização das classes trabalhadoras”, devido à
diminuição do emprego, à redução do salário real e à concentração da
renda, assim como à intensificação das migrações internas (campo-cidade),
responsáveis pela “inchação” ou “crescimento incontrolável” das grandes
cidades.
A redução drástica das possibilidades de gastos estatais no campo
do “bem-estar social” com o aumento da dívida externa e a expansão das
ditaduras militares, se soma às causas que resultaram na “pauperização da
massa trabalhadora” na América Latina, ou seja, da população que não
consegue “suprir as necessidades históricas de reprodução através da venda
de sua força de trabalho no mercado (...) [em] dimensões jamais atingidas
antes do início do processo de industrialização” (EVERS, MLLER-
PLATENBERG e SPESSAST, 1987, p.7).
Nesse sentido (e ampliando a referência para além dos estudiosos
citados), chega-se até mesmo a interpretar que a satisfação/solução da
questão da moradia está no acesso aos bens de consumo que “qualificam os
sujeitos da ação social” (RUSCHEINSKY, 1999, p.164). A aquisição da
casa própria, o planejamento e/ou políticas públicas estatais seriam a
redenção da questão. Todavia, há algumas observações a serem feitas sobre
tais análises.

33
Essa metáfora foi inspirada em Marx, A Ideologia Alemã. A despossessão do trabalhador
assalariado das condições de vida, a separação e alienação dos meios de produção, ou ainda,
a separação entre o caracol e sua concha (a dicotomia entre o viver e o trabalhar, a
separação entre o local de trabalho/produção e o local de vida/re-produção) vigem desde os
primórdios da produção capitalista.

86
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

Um primeiro aspecto é que a problemática da moradia não se


reduz às grandes cidades industrializadas. Há muito, as favelas, os cortiços
e os moradores de rua são também uma realidade nas cidades médias não
industrializadas. Tal fato denota a complexidade e amplitude da lógica de
valorização do capital e gestão capitalista do espaço.
Mas o aspecto fundamental a ser destacado é que, ao
objetivarmos realizar uma ponte que evidencie a imbricação da questão da
moradia com o mundo do trabalho, nosso viés não é necessariamente o
processo de industrialização, ou mesmo a consolidação de um complexo
industrial no país. Ou seja, não se trata de compreender o processo de
industrialização e a questão da moradia como causa-efeito. Nossos
pressupostos são as transformações societais atuais e suas conseqüências
para o mundo do trabalho, ou ainda, as transformações no mundo do
trabalho e suas repercussões para as relações sociais como um todo que,
logicamente, inclui os aspectos da re-produção da força de trabalho e, como
parte disso, a questão da moradia.
Na verdade, interessa-nos mais refletir sobre a questão da moradia
no contexto da dominação do trabalho pelo capital, como relação básica
para a extração da mais-valia que, caso contrário, não poderia ser extraída e
teria como conseqüência máxima, o desaparecimento da acumulação
(HARVEY, 1982).
Ao discutir a dominação do trabalho pelo capital, os processos de
alienação e estranhamento podem ser desnudados e nos dar as bases para
compreendermos a fragmentação da práxis social: é a consideração desses
aspectos o diferencial em comparação às análises “tradicionais”34. Nesse
sentido, as seguintes perguntas são colocadas em pauta: de que maneira os
problemas e as lutas urbanas, elementos pertencentes à esfera da re-
produção, estão imbricadas com a dominação do trabalho pelo capital, isto
é, com as questões diretamente ligadas à produção? Ou por que as lutas
travadas no espaço urbano devem ser vistas por dentro dessa relação e não
como lutas independentes?
O primeiro ponto a ser considerado é que a moradia é um dos
elementos necessários à re-produção da força de trabalho; mas o capitalista

34
Denominamos análises tradicionais às que sempre trataram a questão da moradia,
consagrando a fragmentação dos momentos sociais da produção e da re-produção, e que,
portanto, não colocam em pauta a dominação do trabalho pelo capital como aspecto
fundamental para entender a dialética do processo social, ou seja, a sua totalidade.

87
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

transpõe isso ao trabalhador, deixando de responsabilizar-se pelo


provimento da habitação.
Por meio do trabalho não pago, o capitalista deixa de
responsabilizar-se pela moradia. Dessa forma, amplia sua extração de mais-
valia, sobrecarregando o trabalhador. Quando ocorre a autoconstrução, por
exemplo, há um alongamento da jornada de trabalho que irá repercutir na
acumulação do capital, uma vez que permite o pagamento de salários mais
baixos. Trata-se, então, de voltar, concomitantemente, a atenção para a
dominação do trabalho pelo capital, relação básica para a extração da mais-
valia, como apontamos acima. Ou seja, vemos que, de fato, a moradia é um
elemento fundamental para a re-produção do capital, mas compreendê-la
requer que se considere e se entenda todo o ciclo do capital: produção e re-
produção.
O segundo ponto, que na verdade se intersecciona com o primeiro
e nos ajuda a explicá-lo melhor, é a separação entre o “caracol e sua
concha” - a despossessão do trabalhador assalariado das condições de vida;
a separação e alienação dos meios de produção de que trata Marx em A
ideologia alemã. Esses meios vigem desde os primórdios do capitalismo. A
dicotomia da separação entre o local de trabalho e o local de re-produção
e consumo (efetivada pelo capitalismo industrial por meio da reorganização
do trabalho e do advento do sistema fabril que força essa separação) oculta
a fonte do verdadeiro conflito (capital x trabalho), amenizando as
contradições sociais por meio da fetichização, que transporta o conflito para
a esfera do mercado. Na verdade, tal separação tem seus primórdios quando
da instauração do trabalho assalariado pelo capital e da promoção da
despossessão do trabalhador assalariado das condições de vida, isto é, de
seus meios de produção.
Para Harvey (1982, p. 8), que considera a dicotomia entre o viver
e o trabalhar como “uma divisão artificial imposta pelo sistema capitalista
(...) a separação dos locais de trabalhar e de viver significa que a luta do
trabalhador para controlar as condições de sua própria existência divide-se
em duas lutas independentes.” Acrescentamos que, com isso, o mercado (a
esfera da re-produção/consumo), ao ganhar a dimensão de esfera analítica
independente, dissimula a verdadeira fonte de tensão: o conflito capital x
trabalho. Dessa “leitura”, desdobram múltiplas análises como as que vêem,
na falta de acesso de grande parte dos trabalhadores à moradia e ao próprio
direito à cidade, um problema que se restringe meramente à incapacidade
potencial de renda para tanto.

88
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

Também tem a mesma origem a crença de que a solução para o


déficit habitacional (sem contar que em si tal noção é uma falácia, pois o
problema da moradia não está no desequilíbrio entre oferta e demanda) é
solucionada por meio da produção capitalista de unidades habitacionais, ou
ainda, a crença nas promessas do urbanismo moderno, que não deixa de ter
como objetivo a maximização do lucro, a valorização capitalista do espaço
urbano, e que, conseqüentemente, intensifica a exclusão social. Para
Lefebvre (1999), pensar uma solução para a problemática urbana não é
pensar “um crescimento organizado (planejado) das forças produtivas!”.
Em outra tendência analítica freqüente, costuma-se abordar a
problemática da moradia descrevendo-se todo o quadro de precariedade e
exclusão “dos benefícios do desenvolvimento urbano” como extorsões dos
elementos socialmente necessários para a re-produção dos trabalhadores
que aguçam a situação de exploração do trabalho ou mesmo do
desemprego. Apresenta atenção especial, nesse tipo de análise, a
“mediatização” do Estado35, que cumpre o papel de regular os padrões de
re-produção urbana, melhorando-os ou piorando-os, de acordo com o que
os moradores consigam obter do poder público. Esses processos irão variar
de acordo com a conjuntura política e “podem, ou não, estar associados às
conquistas que o movimento operário ou sindical obtenha na esfera das
relações de trabalho” (KOWARICK, 2000, p. 23).
Reconhece-se que a espoliação urbana é decorrente do processo
de acumulação do capital, todavia a questão fundamental é restrita à
“conquista dos elementos básicos para a sobrevivência nas cidades”, ou
melhor, à capacidade de negociação “dos vários grupos e camadas sociais”
junto ao Estado, na conquista daqueles. O campo de conflito permanece
sendo unilateralmente a esfera da re-produção/consumo, apesar de
reconhecida a íntima ligação com a acumulação do capital, tanto que, para
tal abordagem, tal processo pode ou não estar associado às conquistas do
mundo do trabalho, já que o capital não está identificado como um dos
“adversários” reais nessa dinâmica. Isso revela outra dicotomia das lutas,
ao menos das que estamos estudando, no caso, lutas pela moradia e
sindical: o Estado tem sido sempre tomado como o adversário do
movimento popular pela moradia, enquanto o capital o adversário do
movimento sindical. Essa perspectiva acaba por desconsiderar que o
sistema de metabolismo do capital subordina todas as relações sociais,
inclusive as de re-produção. E, levando a situação às últimas

35
Sobre o papel do Estado, ver AMMANN (1991).

89
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

conseqüências, tal perspectiva pode neutralizar Estado e capital como se


não se compusessem na representação de uma determinada classe social e
como se ambos não reagissem sobre os diferentes momentos sociais
(produção e re-produção).
O tratamento unilateral da questão da moradia, como questão
restrita à re-produção, faz com que os elementos da esfera das relações de
trabalho fiquem de fora da relação de luta direta: ainda que os trabalhadores
assalariados, autônomos ou informais, ou desempregados sejam também, e
ao mesmo tempo, os moradores precarizados, no campo da luta, tais
sujeitos não se cruzam, mesmo que o foco de análise seja as Vilas
Operárias36. Ou seja, a questão da moradia é entendida no âmbito dos bens
de consumo urbano.
Faz-se necessário ainda enfatizar que a intervenção do Estado está
direcionada para a maximização da realização do capital em escala
ampliada, gerando prejuízo aos trabalhadores. Caso contrário, na maior
parte das vezes, se aposta na confusa questão da cidadania, que sem os
devidos cuidados, pode tornar-se, na verdade, um culto à chamada
sociedade democrática (ANTUNES: 2000): um verdadeiro “pisar em
falso” na questão.
A nossa proposta é, então, ultrapassar a unilateralidade da esfera
da re-produção como dimensão analítica da questão da moradia. Mas, ao
mesmo tempo em que queremos trazer para a discussão elementos da esfera
da produção, trabalhando a necessidade de se pensar a imbricação desses
dois momentos sociais, também queremos fazer alguns apontamentos que
nos propiciem revalorizar/repensar a esfera da re-produção, na qual os
processos são muito mais que mera repetição da esfera da produção. É
nesse sentido que direcionamos o item a seguir.

4.1- A Questão da Moradia e a Re-Produção das Relações de


Produção.

Lefébvre (1973) problematiza o conceito (e realidade, como ele


mesmo adverte) de re-produção das relações sociais de produção.
Segundo o autor, um duplo terrorismo perturbou a elaboração e dialetização
do conceito, a saber: o terrorismo da direita estrutural-funcionalista e o

36
Todavia, para BLAY (1985), as vilas operárias são um importante elemento mediador
entre a venda da força de trabalho e o preço pago por essa força e como tal, um caminho
para entender a complexidade do papel da casa nas relações de produção.

90
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

esquerdismo anarquizante. Daí já extraímos a primeira indicação do porquê


esse conceito foi simplificado e utilizado equivocadamente nas análises.
Henri Lefebvre (1973, p. 6) expõe que “se o conceito de ‘re-
produção das relações de produção’ for verdadeiramente um conceito (e,
como conceito, tiver a sua verdade), então, não nos dará apenas um fio
condutor, um instrumento intelectual para descrição e análise crítica do
‘real’ ”, mas também um alcance global e sintético (que não se trata das
sínteses clássicas).
Não designa nem uma metáfora, nem uma determinação.
Designa, sim, “um processo complexo que arrasta consigo contradições e
não só as repete, as re-duplica, mas também as desloca, as modifica, as
amplifica” (1973, p. 6).
Um aspecto fundamental dessa discussão, para Lefebvre (1973), e
o que aqui queremos enfatizar, é que se trata não da re-produção dos meios
de produção37, mas da re-produção das relações sociais de produção38, ou,
ainda como explica o autor, se trata, noutros termos, da “capacidade do
capitalismo para se manter, passados os seus momentos críticos” (p.79).
É com tais pressupostos que entendemos a nova ofensiva do
capital, a sua reorganização pós-auge dos movimentos sociais, pós-
crise/momento crítico; uma ofensiva para recuperar sua hegemonia ou
controlar as lutas sociais, tal como tratado no capítulo dois. Ou seja, essa
nova ofensiva é justamente a reorganização do capitalismo para se manter
depois de um momento crítico.
Como apontou Lefébvre, as relações sociais capitalistas se
reproduzem não em um processo de pura repetição, re-duplicação, mas sob
novas bases. Daí a vida urbana também se modifica. A cooptação da
subjetividade é, talvez, o elemento principal do que é este novo. Já vimos
que o mundo do trabalho introduz sua lógica na esfera da vida, do
cotidiano. Da mesma maneira, talvez como nunca, a esfera da re-produção
(que não é apenas repetição da esfera da produção, e tem potencialidade

37
Os meios de produção, representados pelas forças produtivas, são os próprios
trabalhadores e os seus instrumentos de trabalho (LEFEBVRE, 1973, p. 49).
38
Segundo BOTTOMORE (1988, p. 157), “As relações de produção são constituídas pela
propriedade econômica das forças produtivas. No capitalismo, a mais fundamental dessas
relações é a propriedade que a burguesia tem dos meios de produção, ao passo que o
proletariado possui apenas a sua força de trabalho. A propriedade econômica é diferente da
propriedade jurídica, pois está referida ao controle das forças produtivas.”

91
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

transformadora), também influencia no mundo do trabalho, modificando-o,


transformando-o.
Então, ao “olharmos” para a questão da moradia, não podemos
pensá-la como a expressão do problema da re-produção da força de
trabalho, apenas. Esta não pode ser uma análise unilateral da esfera da re-
produção dos meios de produção, ou melhor, não pode ser uma descrição
demográfica, ou da produção material, ou do consumo somente (como nas
análises tradicionais).

4.2-As Experiências do Espaço da Vida Cotidiana e suas


Expressões no Mundo do Trabalho: novos Referenciais para a
Mobilização Social?

Com a reestruturação produtiva, é a subjetividade do trabalhador


que deve ser organizada e dominada. Com esse objetivo, o capital hoje
utiliza a estratégia de trazer aspectos e experiências do cotidiano para as
relações de trabalho. Dessa maneira, a apreensão da subjetividade do
trabalhador se amplia. Abaixo, listamos alguns dos exemplos em que o
capital utiliza, no seu projeto (porque na verdade, o objetivo é garantir a
produtividade e a competitividade capitalista), as virtudes de
comprometimento, confiança, solidariedade, cooperação, criatividade e
ajuda mútua, constituídas e vivenciadas no cotidiano, para a subsunção da
subjetividade do trabalhador à sua lógica:
x as redes de cooperação política nas quais os novos
produtores devem ser capazes de comunicar e de intervir
no trabalho de equipe;
x os modelos “participativos” de gestão da produção
implantados com os CCQs (Círculos de Controle de
Qualidade);
x a participação nos lucros e resultados (PLR) das
empresas39;

39
Medida regulamentada no Brasil em dezembro de 1994, pela edição da Medida Provisória
794/94, a partir da qual a organização sindical e as relações trabalhistas sofreram mudanças
em suas características. A maioria dos acordos está vinculada ao cumprimento de metas.

92
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

x a “cultura de empresa”, ou seja, a forma como o


trabalhador se sente diretamente responsável pelo
desenvolvimento da empresa.
A educação, a saúde e o lazer também são aspectos da esfera da
vida/re-produção de que o capital se empenha em apropriar, em beneficio
da sua acumulação:
x no campo da educação: os cursos de formação e
capacitação continuada, qualificação e requalificação
para o mercado de trabalho; a apropriação do
conhecimento técnico-científico por meio das parcerias
entre as empresas, os órgãos de pesquisa e fomento e as
universidades – empresas junior, fundações, etc.;
x na saúde: a aplicação da ergonomia, pois a organização
do trabalho deve ser a mais metódica possível a fim de
que a relação entre homem e máquina seja
perfeitamente regrada para que se possa aproveitar ao
máximo o tempo de trabalho;
x no lazer: os produtos e as mercadorias culturais, como a
indústria musical, de cinema, de jogos; o lazer como
consumo padronizado nos shopping centers; os dias em
que as empresas “abrem as portas” para os
trabalhadores, junto à família, poderem desfrutar de
diversões no espaço da fábrica e até participarem de
sorteios dos bens que eles mesmos produzem (carros,
geladeiras, etc.).
A seguir, apresentamos algumas experiências concretas que têm
características completamente contrárias às anteriores. São experiências em
que algumas dimensões da esfera da re-produção são capazes de incutir
certas mudanças na produção; mas uma produção que se diz alternativa; ou
seja, são dimensões da esfera da re-produção que, de certa maneira,
transformam a esfera da produção. Essas experiências que nos estimulam a
refletir sobre a potencialidade transformadora da esfera da re-produção. Tal
exercício permite pensar se há ou não novas perspectivas que anunciam
uma outra práxis social que não a fragmentada e fetichizada que vimos
conferindo nos casos dos Sindicatos dos Trabalhadores e das Associações
de Moradores de Presidente Prudente.
São exemplos de experiências que, em geral, se auto-declaram
como construtoras de um projeto alternativo, mas que, na verdade, variam,

93
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

por exemplo, em relação à opção de incluírem-se ou não na economia de


mercado, na dependência ou independência institucional, na articulação ou
não com outras entidades, etc., ou seja, no projeto e rumo político tomado.
Vamos aos exemplos:
x Assentamento Anita Garibaldi/Movimento dos Trabalhadores
Sem Teto (MTST)40: o Movimento associa a luta pelo trabalho
com a luta pela moradia, como instrumento de formação política.
Busca ter uma prática política independente da via institucional,
partidária e governamental e defende a ruptura com o atual sistema.
A tática utilizada é a ocupação (acampamento). O Assentamento
Anita Garibaldi (organizado em maio/2001, localizado em
Guarulhos/SP, com 2000 famílias) é uma das experiências deste
Movimento no país. Possui uma proposta diferente de organização
do assentamento, o Rururbano41, que é uma saída criada para a
subsistência imediata das famílias; a idéia rompe com os limites
impostos pela divisão administrativa de centro-periferia; ultrapassa
a separação cidade-campo. Os militantes trabalham com as famílias
em núcleos, que têm como objetivo a criação de uma cooperativa
mista, que atenda desde a produção à prestação de serviços, sem ser
uma política inclusiva: não é do tipo de incubadora do tipo da
economia solidária, desta do Paul Singer, uma vez que nós somos
pela ruptura (...). Isso tudo...visa a sobrevivência, mais ou menos
racionalizada (defende uma liderança em entrevista à revista
Crítica marxista, n.14, p. 146). A comunidade é organizada por
meio de uma certa ruptura com a forma de política representativa, e
possui um projeto de urbanização do assentamento inovador.
x Conjunto Palmeiras/Banco Palmas: Com 30 mil moradores, o
Conjunto Palmeiras, uma favela localizada na periferia de

40
Para mais detalhes sobre o assentamento Anita Garibaldi, ver: Crítica marxista. São
Paulo: Boitempo, n. 14. p. 134 – 149. Entrevista; ou <www.mtst.org>
41
O assentamento rururbano é uma proposta de organização do território com o objetivo de
formar uma comunidade de resistência e de luta com uma nova forma de convivência social
no urbano. Tem como características: 1) assentamentos localizados entre o perímetro urbano
e o rural, de maneira que não se fixem tão distantes dos centros urbanos para não perder
acesso à infra-estrutura da cidade; 2) organização em núcleos dos trabalhadores, distribuídos
por setores de trabalho (educação, saúde, cultura, etc.); 3) espaço para produção agrícola de
subsistência e de hortas medicinais com o propósito de gerar trabalho; 4) área livre para uso
social com barracões coletivos (farmácia, escola, secretaria, galpão para atividades culturais,
etc.). (Cf. <www.mtst.org>)

94
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

Fortaleza/Ceará, é resultado de uma ocupação de terras. A


comunidade morava, inicialmente, na beira-mar, mas teve de
abandonar a região por causa da expansão imobiliária. Quando os
militantes chegaram ali, o local era um grande pântano. Ao longo
dos anos, em regime de mutirão, foram construindo o bairro. O
Banco de Palmas, criado em 1998, é uma experiência desenvolvida
pela Associação de Moradores, com o objetivo de garantir micro-
créditos para a produção e o consumo locais, a juros baixos, sem
exigência de consultas cadastrais, comprovação de renda ou fiador.
O banco oferece quatro modalidades de crédito: para a profissão
(voltado para pequenos negócios), para o consumo (financiamento
para compra), o Palma Casa (para pequenas reformas em moradias)
e o crédito para mulheres em situação de risco (é a Incubadora
Feminina, um projeto de segurança alimentar com o objetivo de
inserir socialmente mulheres em situação de risco pessoal e social).
O Banco Palmas utiliza um cartão de crédito próprio, aceito
exclusivamente pelo comércio local; criou empresas como a Palma
Fashion (comércio de vestuário), a Palmalimp (de material de
limpeza) e a Palmart (confecção de artesanato); e criou também a
Escola de Socioeconomia Solidária (PalmaTech), cujo objetivo
central é oferecer capacitação gerencial e profissional na
perspectiva da Socioeconomia Solidária, bem como desenvolver
formas de sensibilização para a cultura da solidariedade e difundir
a metodologia e os produtos criados pelo Banco em sua estratégia
de combate à pobreza pelo desenvolvimento local. Existe ainda um
Laboratório de Agricultura Urbana. O Conjunto também possui
uma moeda própria (que não é indexada a nenhuma outra; o que
define o valor do Palmares, como é chamada, é a hora trabalhada e
os insumos para fabricação de determinada mercadoria), que é
empregada nas reuniões quinzenais do Clube de Trocas
Solidárias42.
x Federación Uruguaya de Cooperativas de Vivienda por Ayuda
Mutua – FUCVAM: a Federação é constituída por mais de 300

42
Mais detalhes ver: O desafio de transformar o inabitável. Revista Sebrae. Disponível em:
<http://200.252.248.103/sites/revistassebrae/07/temadecapa_05.htm>Acesso em: 20/06/2003; Socioeconomia
solidária: transformando as relações de produção e consumo. La insignia.Disponível em:
<www.lainsignia.org/2002/mayo/econ_060.htm> Acesso em: 20/06/2003; MELO, J. O banco de palmas.
Disponível em: <www.flem.org.br/cadernosflem/Artigos/Cadernos5/Cadernos5-BancoPalmas.pdf> Acesso
em: 20/06/2003.

95
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

cooperativas de base, em distintas etapas de desenvolvimento, com


presença em, praticamente, todas as cidades do país. Em finais de
janeiro de 1998, estavam integradas à FUCVAM,
aproximadamente, 16.000 famílias de salários considerados baixos
e médios para o padrão do país (entre 400 e 900 dólares mensais),
representativas de um amplo segmento de trabalhadores das mais
diversas origens. A princípio, as cooperativas estavam constituídas
majoritariamente por setores operários industriais, trabalhadores do
setor de serviços e empregados públicos com alto índice de
sindicalização. Mas cada vez mais surgem cooperativas integradas
majoritariamente por trabalhadores do chamado setor informal da
economia. A FUCVAM tem três áreas de ação: no plano gremial,
atua no sentido de solucionar o problema habitacional dos
trabalhadores a partir de uma perspectiva integral, não se limitando
à produção de moradias, mas dando lugar à elaboração de
propostas e mobilização em torno das reivindicações gremiais
(acesso à terra, canais de financiamento, condições de amortização)
e sempre na perspectiva de pensar a solução da moradia no
contexto de reivindicações por uma superior qualidade de vida dos
trabalhadores em geral (daí sua unidade e ação coletiva junto às
outras forças sociais). No plano social, o aspecto básico das
cooperativas agrupadas é a participação das famílias na solução
coletiva da problemática habitacional (trabalho solidário na
construção das moradias, administração autogestionária das obras e
convivência mediante programas de desenvolvimento social e
comunitário dos complexos habitacionais). No plano educativo,
desenvolve programas orientados pela metodologia da Educação
Popular. A propriedade da moradia é coletiva, ou seja, o sócio da
cooperativa é um usuário, o que garante a concepção da moradia
como um bem social e não como mercadoria 43.
As três experiências que relatamos associam, cada uma à sua
maneira, moradia e trabalho. São experiências que, de certa forma, tentam
reivindicar mais que a casa em si ou a simples regularização da terra urbana
que ocuparam. Têm a compreensão de que não é possível ignorar a questão
do desemprego e que, portanto, é preciso incorporar em suas organizações a
garantia da subsistência por meio do trabalho. No caso do MTST e da
FUCVAM, estes fazem da proposta de produção uma via para a formação

43
Cf. <www.chasque.net/fucvam/fucvam1.htm> e Chávez (1990).
96
96
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

política, de conscientização da necessidade de se ampliar o conjunto das


condições de existência dos trabalhadores. Já a experiência do Conjunto
Palmeira é um projeto que reproduz os esquemas do mercado, ainda que
busque fortalecer a solidariedade dentro da comunidade.
Além dessas, poderíamos citar ainda experiências como a dos
trabalhadores argentinos que unificaram vários setores em sua luta,
inclusive desempregados, e trouxeram a luta da fábrica para o bairro44; a
Universidade Popular coordenada pelas Mães da Praça de Maio45; a
Farmácia Viva e a luta contra os transgênicos do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra46; as chamadas redes de consumidores
responsáveis, em que a produção está determinada/condicionada pelos
consumidores, isto é, consumidores e produtores estão integrados, por meio
da produção e consumo solidários47; os projetos editoriais alternativos
como o proyecto editorial Traficantes de Sueños de Madri/Espanha, que
realiza a edição e distribuição de materiais por meios próprios e com o
objetivo maior de difundir experiência e conhecimentos que estejam
firmados em um pensamento crítico diante das concepções dominantes, o
“pensamento único”48; as emissoras de rádios livres, comunitárias e
culturais49; as ocupações de fábricas, que passam a ficar sob o controle dos
trabalhadores como alternativa ao fechamento das empresas e garantia do
emprego na Argentina50; etc.
Poderíamos ainda indicar mais um sem número de diferentes
experiências. Mas nos interessa mais ressaltar que tais experiências, em
geral, transformam dimensões constituídas no cotidiano, na esfera da re-
produção, como a cultura e o lazer (os projetos editorias, as rádios livres), a
educação (Universidade Popular das Mães da Praça de Maio), a
solidariedade (cooperativas mistas de produção e serviços, economias
populares e/ou solidárias), a saúde (ervas medicinais, luta contra os

44
Comentamos sobre essa experiência no final do capítulo dois. Cf. CECEÑA apud
GONÇALVES (2002).
45
Ver: <www.madres.org>
46
Sobre a Farmácia Viva, experiência de produção de remédios fitoterápicos das mulheres
assentadas em Itapeva/SP Cf. LERRER In: <www.pt.org.br/san/farmaciavivamst.doc> e
sobre os transgênicos, ver: PINHEIRO (1999) e GORGEN (2000).
47
Ver, por exemplo: MANCE (1998 e 2000).
48
Ver: <www.altediciones.com/b.htm>.
49
Para experiências como esta na Espanha, ver
<www.geocities.com/CapitolHill/2838/contacto.html>.
50
Ver:<www.erqi.hpg.ig.com.br/jornal/17/controlobrero.htm>;
<www.erqi.hpg.ig.com.br/jornal/17/petras.htm>

97
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

transgênicos) para aplicá-las à produção. E aí, os resultados são diversos.


Vimos que há desde experiências que têm como princípio ser anti-
capitalista, em detrimento das experiências que são reformistas. Por outro
lado, se a experiência do Assentamento Anita Garibaldi e a luta contra os
transgênicos do MST, a princípio, podem ser definidas como lutas éticas,
tais movimentos respaldam essa reivindicação com a luta contra o
capitalismo. Por exemplo, estão mais próximas de serem efetivamente
contra-hegemônicas, de terem princípios não-capitalistas, do que as
experiências de Economia Solidária ou de constituição de um Banco local.
Essas experiências, umas mais outras menos, tendem a constituir-
se a partir de novos referenciais. As experiências do Assentamento Anita
Garibaldi do MTST, do Conjunto Palmeira e da FUCVAM partem da
questão da moradia e, com base nela, tentam dar um passo além da
predominância do imediato como objetivo de suas organizações.

5- Unificação Orgânica para Reapropriação da Totalidade das


Condições Sociais de Existência.

A prática dos sindicatos dos trabalhadores e das associações de


moradores de Presidente Prudente demonstrou que ambas entidades têm
uma práxis fragmentada e que nem uma e nem outra, isoladas, separadas,
são capazes de levar em frente uma luta que aponte para a emancipação. E
não só pelas dificuldades e limitações dessas entidades em particular. Falar
de uma luta contra-hegemônica, não é falar apenas da contestação e
reapropriação do poder da classe dominante sobre as forças produtivas,
como fez o movimento operário. É sim, falar do poder sobre o conjunto das
condições sociais de existência.
Os pressupostos economicistas que restringiram a luta do
proletariado a apenas melhores condições de exploração de sua força de
trabalho precisam ser superados por uma luta contra o conjunto da
dominação capitalista, que se dá tanto dentro como fora do trabalho. Trata-
se da superação do modo de vida capitalista e da construção de um modo de
vida autêntico (BIHR, 1998). E isso não pode ser alcançado por uma práxis
social regida por uma separação rígida entre mundo do trabalho e da
produção e o mundo fora do trabalho, ou mundo da re-produção.
Nesse sentido, se um dos grandes desafios dos trabalhadores,
hoje, é articular as lutas “fora” do mundo do trabalho com as lutas “dentro”
do trabalho, como vimos argumentando, somente essa articulação não

98
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

garante uma luta para além do capital51. Ou seja, é necessário articular as


lutas visando a superação do capital.
Se esses são os grandes desafios dos trabalhadores atualmente,
debruçar sobre a questão da moradia, tanto no que respeita às abordagens
teóricas, quanto à pratica de luta, exige, necessariamente, pensá-las para
além de quatro paredes. Nossa tentativa foi realizar tal exercício. Isto é,
tomar como ponto de partida, como foco central, a questão da moradia,
entendida a partir da Geografia do Trabalho, dos arcabouços teóricos que
nos permitissem ampliar o entendimento da nossa temática,
compreendendo-a atravessada pelo mundo do trabalho, mas um mundo do
trabalho situado para além do chão da fábrica.
Trata-se de pensar o para além de quatro paredes e o para além
do chão da fábrica fundamentado no para além do capital.

6- Bibliografia

ALVES, G. O Novo (e Precário) Mundo do Trabalho: reestruturação


produtiva e crise do sindicalismo. São Paulo: Boitempo, 2000.
AMMANN, S. B. Movimento Popular de Bairro: de frente para o Estado,
em busca do parlamento. São Paulo: Cortez, 1991.
ANTUNES, R. A Crise e os Sindicatos. Revista Teoria & Debate. São
Paulo, n. 20, p. 66 - 69, abr. 1993.
______. O Novo Sindicalismo. São Paulo: Scritta, 1991.
______. Os Sentidos do Trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação
do trabalho. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2000.
ARAÚJO, A. (org.) Do Corporativismo ao Neoliberalismo. São Paulo:
Boitempo, 2002.
BIHR, A. A Crise da Sociabilidade. In: . Da Grande Noite à
Alternativa: O Movimento Europeu em Crise. São Paulo: Boitempo, 1998.
p. 143 - 162.
BLAY, E. A. Eu Não Tenho Onde Morar: vilas operárias na cidade de
São Paulo. São Paulo: Nobel, 1985.
BOTTOMORE, T. Dicionário do Pensamento Marxista. Rio de Janeiro:
Zahar, 1988.
CHÁVEZ, D. FUCVAM, la historia viva - Testimonios de Organización
y Lucha: el cooperativismo de vivienda por ayuda mutua en el Uruguay.
Montevideo: FUCVAM, 1990.

51
Sobre o significado de para além do capital cf.: MÉSZÁROS, 2002, p. 1064 – 1066.

99
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

DIEESE. A Situação do Trabalho no Brasil. São Paulo, 2002.


EVERS, T.; MLLER-PLANTENBERG, C.; SPESSART, S. Movimentos
de bairro e estado: lutas na esfera da reprodução na América Latina. In:
GONÇALVES, C. W. P. Da Geografia às Geografias: um mundo em
busca de novas territorialidades. Associação dos geógrafos brasileiros.
Disponível em: <www. cibergeo.org/agbnacional/documentos>. Acesso
em: maio 2002.
GORGEN, S. A. (org.) Riscos dos Transgênicos. São Paulo: Vozes, 2000.
HARVEY, D. La geografía del poder de clase. Revista Viento del Sur.
[S.l.], n. 14, p. 49 - 72, mar. 1999.
______. O trabalho, o Capital e o Conflito de Classes em Torno do
Ambiente Construído nas Sociedades Capitalistas Avançadas. Revista
Espaço e Debates, São Paulo, n. 6, p. 6 - 35, 1982.
IKUTA, F. K. A Questão da Moradia para Além de Quatro Paredes:
uma Reflexão sobre a Fragmentação dos Momentos Sociais da
Produção e da Reprodução em Presidente Prudente/SP. 2003. 163 f.
Dissertação (Mestrado em Geografia). Faculdade de Ciências e Tecnologia,
Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente.
KOSIK, K. Dialética do Concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.
KOWARICK, L. A Espoliação Urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1979.
______. Escritos urbanos. São Paulo: 34, 2000.
LEFEBVRE, H. A Re-Produção das Relações de Produção. Porto:
Escorpião, 1973.
LEFEBVRE, H. A Cidade do Capital. Rio de Janeiro: DP&A, 1999.
______. LERRER, D. F. A Farmácia Viva das Mulheres do MST.
Disponível em: <www.pt.org.br/san/farmaciavivamst.doc>. Acesso em: 01
jul. 2003.
LOJKINE, J. A Revolução Informacional. São Paulo: Cortez, 1995.
MANCE, E. A. A Revolução das Redes: a colaboração solidária como
uma alternativa pós-capitalista à globalização atual. In: ______. [S.l.: s.n.],
1998. Disponível em:
<www.rbc.org.br/redes/revolu%E7%E3o%20das%20redes.doc>. Acesso
em: abr. 2003.
______. Redes de Colaboração Solidária: construindo uma nova
sociedade. Disponível em: <www.milenio.com.br/mance/rede.htm>.
Acesso em: abr. 2003.
MARX, K.; ENGELS, F. A Ideologia Alemã (Feurbach). 10ed. São Paulo:
Hucitec, 1996.

100
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

MELO, J. O Banco de Palmas. Disponível em:


<www.flem.org.br/cadernosflem/Artigos/Cadernos5/Cadernos5-
BancoPalmas.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2003.
MÉSZÁROS, I. A Necessidade do Controle Social. São Paulo: Ensaio,
1987.
______. Marx: a Teoria da Alienação. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.
______. Para Além do Capital. São Paulo: Boitempo, 2002.
MOREIRA, R. Inovações Tecnológicas e Novas Formas de Gestão do
Trabalho. In: Trabalho e Tecnologia: o Processo de Globalização. [S.l]:
CNM, 1998.
O ASSENTAMENTO Anita Garibaldi. Revista Crítica Marxista. São
Paulo: Boitempo, n. 14. p. 134 – 149, [19-?]. Entrevista.
O DESAFIO de transformar o inabitável. Revista Sebrae. Disponível em:
<http://200.252.248.103/sites/revistassebrae/07/temadecapa_05.htm>. Acesso em:
20/06/2003.
PINHEIRO, S. Transgênicos: o Fim do Gênesis. [S.l.]: POA, 1999.
RANIERI, J. A Câmara Escura: alienação e estranhamento em Marx. São
Paulo: Boitempo, 1991.
RUSCHEINSKY, A. Metamorfoses da Cidadania: Sujeitos Sociais,
Cultura Política e Institucionalidade. São Leopoldo: UNISINOS, 1999.
SANTOS, A. Trabalho e Globalização: a Crise do Sindicalismo
Propositivo. [S.l.]: Práxis, 2001.
SIMESPP;UNESP/ FCT;PMPP. Sistema de Informação para a Tomada
de Decisão Municipal (Relatório de pesquisa). Presidente Prudente, 2000.
Disponível em: <www.simespp.prudente.unesp.br>. Acesso em: 05 jan.
2002.
SOCIOECONOMIA solidária: transformando as relações de produção e consumo. La
insignia. Disponível em: <www.lainsignia.org/2002/mayo/econ_060.htm> Acesso
em: 20/06/2003
THOMAZ JÚNIOR, A. “Leitura” Geográfica e Gestão Política na
Sociedade de Classes. Boletim Gaúcho de Geografia. Porto Alegre, n. 24,
1998. Edição especial do XVII Encontro Estadual de Professores de
Geografia.
_______. Por trás dos canaviais os (nós) da cana. (Uma Contribuição
ao Entendimento da Relação Capital x Trabalho e do Movimento
Sindical na Agroindústria Canavieira Paulista). São Paulo:
Annablume/FAPESP, 2002a.

101
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

______. O mundo do trabalho e as transformações territoriais: os limites da


‘leitura geográfica’. Revista Pegada, Presidente Prudente:
CEGeT/FCT/UNESP, v. 3, n. 3, p. 6 - 19, out. 2002b.
WALLERSTEIN, I. El moderno sistema mundial. México: Siglo XXI.
1987.
Sites consultados:
http://www.mtst.info
www.geocities.com/CapitolHill/2838/contacto.html

102
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

A Territorialização da Questão de
Gênero nos Sindicatos*
Terezinha Brumatti Carvalhal**

1 - Introdução

Por meio dessa pesquisa buscamos ressaltar a importância de se


estudar a questão de gênero, permeada pela relação de classe, sob a
perspectiva geográfica. Para isso, delimitamos o espaço do sindicato como
forma de demonstrar o embate das relações de classes, mas também das
relações de poder entre os sexos. O que no caso específico se territorializa
nas composições das diretorias, onde as mulheres tendem a ocupar cargos
secundários, haja vista que o sindicato assim como o espaço político e
público tem sido diluído na sociedade capitalista como ocupado
primordialmente pelos homens. Enquanto que, apesar das mudanças
ocorridas nesse sentido, tem estado inerente às próprias mulheres que o
espaço privado do lar, deve ser de sua única responsabilidade.
Observamos, então, uma falta de “interesse” por questões
políticas, por parte da mulher trabalhadora, além do que, ela tende a dividir
seu tempo na execução do trabalho assalariado, no funcionamento do lar e
no provimento de filhos, maridos e no seu próprio provimento. Pois devido
a construção social de gênero que tem delegado à mulher a total
responsabilidade com o lar, cujas atenções devem ser voltadas para seu
funcionamento, mesmo que essa venha se inserir no mercado de trabalho,

*
Este artigo faz parte de nossas reflexões no âmbito da Dissertação de Mestrado
desenvolvida junto ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Faculdade de Ciências
e Tecnologia UNESP/Presidente Prudente, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de São Paulo-FAPESP, defendida em 2003 e revisada para publicação: Gênero e
Classe nos Sindicatos. Presidente Prudente: Edições Centelha, 2004, 142p.
**
Doutoranda em Geografia pela FCT/UNESP/Presidente Prudente/SP, membro do Grupo
de Pesquisa “Centro de Estudos de Geografia do Trabalho” (CEGeT), e do “Centro de
Memória, Documentação e Hemeroteca Sindical “Florestan Fernandes” (CEMOSi), Bolsista
CAPES. E-mail: tbrumatti@hotmail.com

103
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

além da concepção criada de que as questões políticas e voltadas para o


âmbito público devem ser de dedicação exclusiva dos homens.
E que, quando as mulheres passam a ocupar o espaço do sindicato
como presidentes, logo percebemos que assim como a diretoria, a base
trabalhadora é majoritariamente feminina. E vemos também nesses
sindicatos, que os esforços da diretoria sindical têm sido efetivamente os
mesmos que o da maioria, ou seja, com o empenho pela garantia de salários
e manutenção do emprego, sem se voltar para a questão de gênero. Uma
vez que a título de universo relacional, abordamos os sindicatos1 presididos
por homens; onde não havia mulheres na diretoria, os sindicatos com
mulheres na diretoria; presidido por homem e os sindicatos dirigidos e
presididos pelas mulheres também.
Nesse sentido, longe de estabelecermos um perfil comparativo de
atuação entre os sexos na direção sindical, o que fica claro é que, apesar de
as mulheres possuírem características que as fazem subjugadas de forma
diferenciada na relação capital/trabalho, onde seu trabalho permite a
reprodução de sua família, sem custo adicional para o capital, esse fato não
tem sido trazido à tona como um mecanismo de embate pelo sindicalismo,
mesmo naqueles hegemonicamente femininos. Essa questão não tem sido
considerada relevante para discussão no interior da diretoria, como na
relação com a base, mesmo com a tentativa de organização de um Coletivo
de Mulheres Sindicais ter sido propagado há algum tempo, porém sem sua
efetiva estruturação.
Dessa forma, em contato com a base de trabalhadoras das
categorias pesquisadas, pudemos perceber através de questionários, bem
como por meio de entrevistas, um distanciamento entre a base e a direção,
muitas vezes motivadas pelas contingências do processo global da
reestruturação produtiva, onde a inserção no mercado de trabalho informal
tem dado a pauta, ou seja, diminuindo o número de trabalhadoras ligadas ao
sindicato e de potenciais quadros políticos, como também por conta da
própria política adotada, de manutenção das conquistas obtidas ao longo
dos anos e de sustentação da estrutura sindical. Esse processo se agrava

1
Para a realização dessa pesquisa, realizamos entrevistas com 9 mulheres e 5 homens
sindicalistas de 8 sindicatos escolhidos dos 37 existentes na cidade, além de 10 entrevistas
com algumas trabalhadoras que fazem parte das categorias trabalhadas, bem como fizemos a
aplicação de 135 questionários às mulheres dessas mesmas categorias. Também
entrevistamos duas militantes que tem atuado nos movimentos sindicais da cidade, uma
atualmente como assessora da CUT.

104
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

com o fato de as trabalhadoras não conseguirem identificar o sindicato a


que pertencem, bem como uma certa aversão por questões políticas e que
envolvem seu próprio cotidiano.
Mas apesar da configuração territorial que se apresenta por um
lado, com as trabalhadoras alienadas enquanto trabalhadoras com dupla
jornada de trabalho, poderíamos ver com outros olhos essa mesma
configuração. Ou seja, apesar de um objeto poder ser observado e analisado
sob diversos ângulos, o fato é que, talvez pela nossa herança cartesiana,
olhamos dada realidade sob um aspecto apenas, onde vemos o mundo com
olhar voltado para aquilo que queremos ver e que preenche as nossas
expectativas, um olhar linear e sem contradições. Nesse sentido podemos
ver com “outros olhos” a atuação da mulher no mercado de trabalho, no
sindicato e na sociedade de forma geral, como atuantes e construindo seu
espaço, não apenas como agentes passivas, mas como sujeitos atuantes,
uma vez que podemos pensar que a Geografia tem o papel de desvendar as
máscaras sociais e não somente isso, mas a de tentar reverter essa realidade.
Podemos pensar então, qual a contribuição dos estudos das
mulheres e da questão de gênero para a Geografia e ousamos pensar se a
Geografia pode se tornar uma referência nos estudos de gênero a ponto de
intervir nessa realidade? Se é que existe a possibilidade de uma intervenção
que traga mais benefícios para seu objeto de estudo, pois segundo Lacoste
(1997), a ciência também pode contribuir para intervir negativamente em
dada realidade.
Apesar de nossas leituras terem suscitado muitas dúvidas e
incertezas, vamos expor nossas reflexões e esperamos que com esse
exercício, possamos dar mais um passo na busca da compreensão desse
desafio colocado no âmbito da Geografia. O que irá mediar nossas
reflexões, é o fato de que a questão de gênero abordada é permeada pela
questão de classe. Portanto será a mulher trabalhadora, com suas
especificidades de dupla e tripla jornada de trabalho, quando inserida na
militância sindical, que será analisada, como forma de contribuirmos com
os estudos de Geografia do Trabalho.
Essa mediação entre a questão de gênero e os estudos de
Geografia do Trabalho devem, por meio de nossa pesquisa, levantar as
primeiras bases de construção de um referencial, já que as grandes
contribuições para esse estudo partiram de outras áreas da ciência,
especialmente da Sociologia e da História. Da mesma forma, os estudos na
área do trabalho têm sido agora direcionados em algumas pesquisas

105
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

geográficas2, portanto o horizonte apresenta-se com duplo desafio: o de


relacionar a questão de gênero do ponto de vista de classes com a Geografia
do trabalho.
Segundo Thomaz Jr.(2002), o trabalho sempre mediou as
atividades dos homens, porém as abordagens feitas pela Geografia baseadas
nas relações homem-meio, eram fetichizadas pelo positivismo, onde
somente se identificava o processo de trabalho.
A geografia nasceu como um saber oficializado, segundo Moreira
(1994), onde escamoteava o caráter concreto do trabalho sob o capitalismo
e assim propiciava a idéia de que a relação homem-meio sempre existiu,
sem, no entanto, demonstrar que o trabalho sob o capitalismo subordinava-
se ao capital. Tornado um saber escolar, passou a expressar as relações da
sociedade pela sua aparência, sem as contradições entre as classes sociais,
sem falar dos homens concretos.
A idéia seria tornar o trabalhador alienado de sua condição, para
que ele aceitasse essa situação de subordinação, por meio do ensinamento
de uma geografia da paisagem, sem a análise das relações estabelecidas no
espaço. Pois as relações que se dão no espaço geográfico, são bem outras
do que a geografia oficial, a serviço do capital, tem buscado mostrar e o
capitalismo nas suas diversas fases tem diferentemente assumido posições
em que consegue sempre despojar os trabalhadores dos seus meios de
produção e alienando-os da natureza e dos outros homens, portanto do
saber e do poder.
O capital cresce subvertendo o modo de vida dos homens, a base
da dissolução de antigas relações e cria outras dependentes do mundo
mercantil, e o homem alienado as reproduz ao ritmo da reprodução do
capital. A individualização aumenta com a divisão do trabalho e o espaço
geográfico dimensiona a alienação do trabalho e do homem numa escala
planetária. (MOREIRA, 1994).

2 - O Perfil das Trabalhadoras de Presidente Prudente

Sendo o espaço geográfico produzido pelo trabalho e a um só


tempo agente e resultado do desenvolvimento da história dos homens, nos

2
Pois a temática do trabalho tem sido pouco versada no âmbito da Geografia, sendo que
participamos de um Grupo de Pesquisa o CEGeT (Centro de Estudos de Geografia do
Trabalho) que se dedica diretamente a essa temática.

106
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

propomos a reforçar por meio de nossa pesquisa os estudos sobre o


trabalho, justamente por verificar a importância de decifrar as relações
estabelecidas na sociedade, quando da intervenção do homem ao meio
ambiente, pois essas relações são envolvidas por muitas contradições de
classes, e têm por isso repercutido diferenciadamente no território, segundo
as classes sociais, a raça, o sexo, a etnia, etc.
Pois:
....a Geografia do trabalho deve chamar para si a tarefa
de apreender o mundo do trabalho através do espaço
geográfico, entendido, pois, como uma das
características do fenômeno, e da rede de relações
categoriais/teóricas/escalares, ou seja, a paisagem, o
território e o lugar de existência dos fenômenos, num
vai e vem de múltiplas determinações. (THOMAZ Jr.,
2002, p.5)

Por meio dessa pesquisa procuramos estudar a Geografia da


questão de gênero, entendendo que as mulheres assim como outros grupos
sociais, como os indígenas, a parcela negra, etc, têm sido ao longo da
história subjugados em relação ao homem branco e a condição se agrava
quando situamos tais questões numa sociedade de classes como a
capitalista.
Porém, as mulheres têm uma especificidade de que,
independentemente da classe social, têm sido as responsáveis pelo cuidado
com os filhos e na manutenção da casa e provimento de filhos e maridos.
Segundo Saffioti (1987) há um processo de naturalização dos
processos socioculturais, pois essas funções foram criadas socialmente
quando a família se estruturou dessa forma, com a mulher exercendo
“naturalmente” sua função de mãe e no cuidado com o lar. Enquanto que ao
homem, quando do surgimento da divisão social do trabalho, com a geração
do excedente, separando o espaço da produção e o da reprodução, coube o
exercício dos afazeres fora do âmbito privado do lar. A partir daí a
identidade social, segundo a autora, foi socialmente construída.

É de extrema importância compreender como a


naturalização dos processos socioculturais de
discriminação contra a mulher e outras categorias
sociais constitui o caminho mais fácil e curto para
legitimar a “superioridade” dos homens, assim como a

107
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

dos brancos, a dos heterossexuais, a dos ricos.


(SAFFIOTI, 1987, p.11).

Nesse sentido, nos propomos a entender como a mulher tem


convivido com essa situação e como tem se dado sua inserção no mercado
de trabalho, haja vista que, como vimos, as mulheres são as únicas
responsáveis pela manutenção da reprodução da família.
Importante frisar que a inserção no mercado de trabalho pode
trazer de certa forma a autonomia financeira, sendo que muitas mulheres
têm sido as principais responsáveis pelo sustento da casa, seja pelo
falecimento do marido ou pela sua própria opção pessoal.
A inserção no mercado de trabalho tem trazido novas experiências
para as mulheres, acostumadas a terem seus horizontes restritos à
manutenção da família.
A própria configuração da família, tem estado tendencionalmente
em mudança, com o surgimento da família monoparental, onde somente um
dos cônjuges vive no domicílio, surgindo o que Castells (1999) denomina
de crise da família patriarcal, na medida em que o comando da casa deixa
de ser função exclusivamente do homem.
Segundo uma pesquisa feita por Gois (2001) baseada nos
primeiros dados obtidos com o censo 2000, a mulher atualmente é a
responsável por um em cada quatro domicílios no Brasil, com cerca de 11,1
milhões de mulheres (ou 24,9% do total) e essa presença é maior no
Nordeste, onde, por conta da migração dos maridos, acaba ficando para a
esposa a responsabilidade da casa e dos filhos. Os maiores índices são nas
cidades de Maceió em Alagoas com 47,9% e em Teodoro Sampaio no
Estado da Bahia com 42,7% dos domicílios sendo comandados pelas
mulheres. Em Sucupira, no Estado de Tocantins, temos o maior percentual
de crianças que vivem em domicílios chefiados somente por mulheres
(42,1%).
Segundo Gois (2001), metade das mulheres que são responsáveis
pelo domicílio, recebem de meio a um salário mínimo. E isso é um
agravante, se formos pensar que a mulher tem tido mais crianças sob suas
responsabilidades. Segundo o autor, houve um aumento de 35% em
comparação ao ano de 1991, passando de 10,5% para 14,4% em 2001.
Em coadunação com isso, segundo nosso levantamento de campo,
as mulheres continuam ganhando menos do que os homens.

108
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

Em Presidente Prudente3 temos uma média de 56,2% das


trabalhadoras que ganham até três salários mínimos, com destaque para a
categoria do SIEMACO, onde as trabalhadoras pesquisadas recebem de um
a dois salários mínimos e é nessa mesma categoria que se encontram
também as trabalhadoras menos escolarizadas, onde a maioria (ou 63,3%)
não possui o ensino fundamental completo. Na categoria do SEC
encontramos 19 trabalhadoras e no SSM, 21 trabalhadoras que recebem até
três salários mínimos.
Observamos, também, que a inserção da mulher no mercado de
trabalho, tem trazido novas configurações para a população mundial, com
reduções da taxa de fecundidade, adiamento do nascimento dos filhos e
redução do número deles. Além disso, muitas famílias se apresentam com
um membro apenas sendo responsável por elas, com o surgimento de lares
de mães ou pais solteiros, além de muitos casais sem filhos4.
A queda na taxa de fecundidade é confirmada pelo IBGE apud
Almanaque Abril (2002), onde do percentual de 6,28% filhos na década de
60 passou ao de 2,3% em 1999. Isso tendo em vista os fatores que ajudaram
a diminuir o número de filhos: como a inserção da mulher no mercado de
trabalho, o uso de métodos anticoncepcionais e o aumento da escolarização
das mulheres. O resultado é que a pirâmide populacional tende a se inverter
até chegar em 2020 com uma crescente participação de idosos na
população, com diminuição do número de crianças e de adolescentes5.
Um fato que pode confirmar o aumento do nível de escolaridade é
o estudo feito por Toledo (2002), onde o autor aponta que as mulheres têm
levado vantagem em relação ao nível de escolaridade, já que os homens

3
Os sindicatos pesquisados foram: Sindicato dos Servidores Municipais de Presidente
Prudente (SSM), Sindicato dos Bancários e Financiários de Presidente Prudente e Região
(SEEB); Sindicato dos Trabalhadores na Construção Civil e Pesada, Terraplanagem,
Instalação Elétrica e Hidráulica, do Mobiliário e Material Cerâmico de Presidente Prudente
e Região (SINTCON); Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Químicas, Farmacêutica e
de Fabricação de Álcool de Presidente Prudente e Região (SINDIÁLCOOL); Sindicato dos
Empregados em Empresas de Asseio e Conservação de Presidente Prudente e Região
(SIEMACO); Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Artefatos e de Curtimentos de
Couros e Peles do Oeste e Sudoeste do Estado de São Paulo (STIAC); Sindicatos dos
Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (APEOESP); Sindicatos dos
Empregados no Comércio de Presidente Prudente e Região (SEC).
4
Para mais detalhes ver: CASTELLS, 1999.
5
Estimativa expressa no Almanaque Abril 2002 - Brasil

109
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

ingressam no mercado de trabalho a partir dos 13 anos e a mulher por volta


dos 14,4 anos. Isso pode ser explicado pelo fato de que existe uma pressão
maior da sociedade para que o homem se insira no mercado de trabalho, no
sentido de ajudar no orçamento doméstico, enquanto que as mulheres ficam
em casa para ajudarem nas funções domésticas. Segundo essa mesma
pesquisa, cerca de 18% dos homens entraram no mercado de trabalho antes
dos 9 anos de idade enquanto que 13% das mulheres tiveram o mesmo
caminho e cerca de 53% dos homens e 43% das mulheres entraram no
mercado de trabalho, na faixa etária dos 10 aos 15 anos. Porém a boa
perspectiva apresentada pela pesquisa é que, apesar de lenta, há uma
tendência do adiamento do ingresso da população no mercado de trabalho.
Em consonância com a pesquisa citada e de acordo com o Gráfico
1, vemos que, das mulheres pesquisadas, a maioria delas estão acima do
ensino médio e estão distribuídas principalmente nas categorias do SEC,
SSM e APEOESP. Percebemos por meio desses dados e também pelas
entrevistas, que as mulheres menos escolarizadas atuam em profissões onde
o salário é mais baixo, girando em torno de menos de um até dois Salários
Mínimos, como é o caso das trabalhadoras situadas na categoria do
SIEMACO, onde realizam serviços ligados à limpeza urbana, como a
limpeza de ruas, bancos, etc.
De nossa pesquisa de campo, realizada por meio de entrevistas,
também apreendemos que a profissão escolhida pelas trabalhadoras em sua
maioria está ligada à Licenciatura. Em relação as sindicalistas pesquisadas,
encontramos 5 delas e isso também se observou em uma das militantes,
além de uma trabalhadora da base, das 10 entrevistadas.

110
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

Gráfico 1- Nível de Escolaridade das Mulheres Trabalhadoras

analfabeto
1% ensino
fundamental
pós-graduação
incompleto
4%
16%
ensino
ensino
superior
fundamental
completo
completo
27%
8%
ensino médio
incompleto
ensino 4%
superior ensino médio
incompleto completo
10% 30%
Fonte: Pesquisa de Campo, 2002.

Tendo em vista o Gráfico 1, vemos que de forma geral, as


mulheres estão ficando com nível de escolaridade elevada, sendo que
apenas 1% delas é analfabeta. Em contrapartida a esse quadro do nível de
escolaridade alta das mulheres, encontrado em Presidente Prudente, os
dados apontados pelo Boletim Quinzena6 nº 255, não apontam nesse
sentido. Neste boletim são apresentados alguns dados da OIT (Organização
Internacional do Trabalho), que coloca que dos quase 1 bilhão de
analfabetos adultos de todo o mundo, dois terços são mulheres,
representando na opinião da organização, que a discriminação no ensino é
uma das causas principais da pobreza e do subemprego da mulher. O
boletim ainda aponta que nos países em desenvolvimento da África, 90%
das mulheres com 25 anos ou mais são analfabetas e dos 100 milhões de
menores que não tem acesso ao ensino primário em todo o mundo, 60% são
meninas. Segundo o artigo, apesar de as meninas em países pobres, terem
maiores probabilidades do que os meninos, de abandonarem os estudos,
para a realização de tarefas domésticas, tem-se observado que a cada ano a
entrada de mulheres na escola cresce 15%, enquanto que a taxa entre os
homens é de 11%. Nesse caso também não coincide com os dados

6
Quinzena, publicação do Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro, que apresenta um
conjunto de artigos provenientes dos veículos da grande imprensa.

111
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

apresentados em relação ao Brasil, já que conforme vimos, os meninos é


que abandonam a escola em função no ingresso no mercado de trabalho.
Segundo a OIT apud DIEESE (2001), mais de 45% da população
feminina entre 15 e 64 anos é economicamente ativa atualmente. Nos
países industrializados, esse percentual chega a 50%, e na América Latina
passou de 22% a 34%. Para a organização, não basta aumentar a oferta de
emprego, mas criar ações que melhorem as condições desse emprego, já
que as mulheres se inserem demasiadamente nos empregos informais, onde
geralmente o salário é menor.
Além do que as atividades realizadas acabam sendo aquelas
“tipicamente femininas”, isso porque segundo a OIT apud DIEESE (2001),
quando as mulheres conseguem ter acesso à educação, as instituições
continuam oferecendo às meninas qualificações como datilografia,
enfermagem, costura, restauração e hotelaria, limitando a oferta de
conhecimentos científicos e técnicos.
Assim, contraditoriamente, a busca pela maior independência
financeira e menor subjugação ao homem, têm colocado para as mulheres
novas situações de dominação e subjugação. Um fato que comprove isso é
a aceitação em trabalhos informais, distantes de seguridade social e direitos
trabalhistas. Ou então, acabam se submetendo, por conta da própria
confusão da idéia de independência conquistada e pelo alto valor recebido,
muitas mulheres acabam expondo seu corpo em revistas, filmes, etc.
Se isso tem sido para muitas mulheres uma forma de conseguirem
autonomia, pode por outro lado, reafirmar sua subordinação, na medida em
que elas continuam a fazer o jogo da sociedade patriarcalista e machista.
Porque segundo essa concepção, as mulheres sendo incapazes de
realizarem tarefas que exigem muito esforço de seu intelecto, as suas
atividades devem se voltar ao comando do homem e isso inclui se
submeterem também aos seus desejos físicos.
As mulheres da sociedade capitalista são estigmatizadas na figura
de Maria ou Eva, a primeira como sendo Maria, a santa mãe dos homens e
por isso deve servir ao homem nos afazeres domésticos ou então se não
seguem esse ordenamento devem, então, dar prazer aos homens, tomando o
papel de Eva. Sendo que em ambas as situações, a função da mulher é a de
sempre servir ao homem.
Saffioti (1987) coloca que para o homem, foi destinado segundo a
ideologia dominante, o poder de macho e caçador e por isso, sempre em
busca de sua presa e a mulher deveria por outro lado, estar sempre disposta
a lhe servir, seja marido ou pai.

112
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

Nesse sentido, com todas essas determinantes permeando a


questão da mulher na sociedade, investigamos como isso se reflete no
órgão representante da classe trabalhadora, ou seja, como ocorrem essas
relações de gênero no meio sindical, seja na elaboração de propostas para
melhorar a condição da mulher na sociedade, devido a sua crescente
inserção no mercado de trabalho, seja na avaliação de propostas de inserção
no próprio sindicato. Pois temos como pressuposto que, como representante
da classe trabalhadora, o sindicato deveria estar sintonizado com as
necessidades e anseios dos trabalhadores, dos homens e das mulheres
trabalhadoras.
Dessa forma, através da relação de gênero, permeada pela relação
de classe, nos colocamos a entender a configuração territorial das mulheres
trabalhadoras nos sindicatos de Presidente Prudente, com o objetivo de
desvendarmos como se dá esse processo de incorporação da mulher na luta
por melhores condições de vida, pois enquanto mulher-mãe-trabalhadora,
lhe é reservada as responsabilidades das tarefas domésticas e cuidados com
os filhos. Ou seja, como trabalhadora a mulher é duplamente subjugada
pelo capital, na esfera da produção de mercadorias e na esfera da
reprodução, como provedora de força-de-trabalho, com precárias
condições, de forma geral, pois não há o que garanta auxílio à reprodução,
como creches e escolas infantis.
Sendo assim, tendo em vista a tripla jornada de trabalho da
mulher militante, procuramos entender por meio das entrevistas realizadas,
qual o nível de entendimento das mulheres nessa questão e o que tem sido
feito no sentido de aliviar esse “fardo” das trabalhadoras, além da própria
consciência política dessa condição da mulher militante e sindicalista.
Lembrando que a condição da mulher, existe graças à divisão
sexual do trabalho que define as funções segundo o sexo e que na sociedade
capitalista, patriarcalista e monogâmica, designa à mulher o espaço privado
do lar e ao homem o espaço público. Para Engels (1991), a monogamia
passou a surgir como uma escravização da mulher em relação ao homem.
Isso porque, a monogamia passou a vigorar com o intuito de preservar a
herança da família e para isso era necessário que a mulher tivesse um único
parceiro, seguindo na contramão da antiga liberdade de relações sexuais.

... o primeiro antagonismo de classes que apareceu na


história coincide com o aparecimento do antagonismo
entre a mulher e o homem na monogamia; e a primeira

113
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

opressão de classes, com a opressão do sexo feminino


pelo sexo masculino. (ENGELS, 1991, p.70).

Assim, pelo viés da Geografia, temos tentado desvendar as


máscaras configuradas no espaço, representadas pelas relações
estabelecidas no sindicato, ou seja, nos propomos entender a atuação da
mulher no sindicato e com as atenções voltadas para o ponto de vista dos
sindicalistas, como também das trabalhadoras da base e através das próprias
sindicalistas.
Percebemos que a forma de inserção nesse espaço do sindicato,
majoritariamente masculino, tendo em vista as relações estabelecidas, não
somente por ser um reduto masculino, mas pelas relações patriarcalistas
criadas na sociedade, faz com que a inserção nesse meio político torne-se
mais oneroso para a mulher.
Lembrando que quando falamos em relação de gênero, é no
sentido das conotações criadas pela sociedade para designar o homem e a
mulher, sendo que a condição do homem é aquela apoiada nos estereótipos
onde cabe a ele, a função de provedor da casa e por isso detentor do poder
econômico do lar, enquanto que a mulher deve obediência e arcar com as
funções domésticas e cuidado com os filhos, mesmo que ela se insira no
mercado de trabalho assalariado.
Através de questionários aplicados junto às trabalhadoras dos oito
sindicatos pesquisados, pudemos dimensionar a condição vivenciada pela
mulher-mãe-trabalhadora, bem como a percepção sobre sua condição de
dupla jornada de trabalho e como resolvem essa questão para atuarem no
mercado de trabalho, já que do total de 135 questionários aplicados, temos
um percentual de 59,2% das mulheres casadas, conforme Gráfico 2, sendo
que somente 28,1% delas não possuem filhos (Gráfico 3). Assim então,
temos um maior percentual de mulheres pesquisadas (71,8%), que possuem
filhos e que exercem a dupla jornada de trabalho, formada pelas mulheres
casadas, separadas, viúvas, desquitadas e pelas solteiras. E do total de 9
sindicalistas, 4 são casadas e as outras 5 dividem-se entre 2 solteiras, 2
separadas e uma delas desquitada, sendo que apenas 3 delas não possuem
filhos. Das militantes, uma é casada e a outra solteira, sendo que a casada
possui filhos. Das trabalhadoras entrevistadas, temos 4 casadas, 5 solteiras
e uma separada, com apenas 3 delas que não possuem filhos.

114
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

Gráfico 2- Estado Civil das Mulheres Trabalhadoras


separadas viúvas outros
8% 6% 3% desquitadas
1%

solteiras
23%
casadas
59%

Fonte: Pesquisa de Campo, 2002.

Podemos perceber de acordo com o Gráfico 3, que o maior


percentual do número de filhos por mulher trabalhadora está entre 0 até 4
filhos, com maior incidência para o número de dois filhos, indicando uma
taxa de fecundidade em torno de 1,84 filhos. E do conjunto de mulheres
pesquisadas, (sindicalistas, trabalhadoras da base e militantes) a média de
filhos é em torno de 1,79 filhos (280 filhos para 156 mulheres pesquisadas),
número também bem abaixo da média nacional, cuja taxa de fecundidade
está em 2,3 filhos.
Gráfico 3 - Número de Filhos por Mulher Trabalhadora

30%

20%

10%
s

0%
s

ho
s

ho
s

ho
s

ho

fil
s

ho

fil
s

ho

fil
ho

ho

fil

8
ho

fil

7
fil

6
fil

fil

5
fil

4
3
1

2
0

Fonte: Pesquisa de Campo, 2002.

115
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

2.2 – A Questão de Gênero e a Relação de Classe

A história da humanidade foi escrita sempre enfocada nas atitudes


dos homens, nas frentes de batalhas e nas expedições, enquanto que a
mulher era colocada como um ornamento à paisagem, uma peça essencial à
beleza da casa, havendo pois, a omissão em relação ao fruto de seu
trabalho, porém essenciais para que esses desbravadores pudessem realizar
seu trabalho. Além de que, na história das mulheres houveram várias
distorções defendidas por médicos, que ao desconhecerem as anomalias do
corpo da mulher, acusavam-nas de histéricas e de serem castigadas pelos
pecados cometidos no passado, como por exemplo, a sedução provocada
por Eva, tese fortemente defendida pela Igreja Católica7.
Todas as anomalias ocorridas com a mulher acabavam se
resumindo a essa explicação, já que a medicina era ainda incipiente e
tratava o desconhecido como coisas do “além”. O poder centrado na igreja
impedia os avanços na medicina e, conforme Del Priore (2000a), houve até
um período em que a medicina portuguesa ficou no obscurantismo, porque
foi proibida pela Igreja de avançar nas experiências e descobertas
científicas enquanto em outros lugares essa condição já havia começado a
mudar. Nesse ínterim, os problemas das mulheres eram muitas vezes
resolvidos com as curandeiras, também condenadas pela Igreja, muitas
delas foram queimadas pela Santa Inquisição, já que se mostravam
contrárias às determinações da sabedoria cristã. A condenação se dava
primeiro, porque as curandeiras eram mulheres e em segundo lugar, porque
sabiam tratar das doenças muitas vezes melhor do que os médicos, segundo
Del Priore(2000a).
A Igreja, então, ao manifestar a misoginia em relação à mulher,
demonstrou contribuir para a criação de estigmas e tabus em relação às
atitudes das mulheres na sociedade e muitas delas estão presentes até hoje,
como a cobrança pela virgindade antes do casamento e a negação de
exercerem a profissão de padres. Isso certamente ajudou a construir a idéia
de que o trabalho era associado à demonstração de força e saber, e estes
eram realizados no ambiente público, enquanto que as mulheres se
confinavam no ambiente privado do lar, com as tarefas mais monótonas de
cuidar de filhos, costurar, cozer, etc.
Engesls apud Guterres (2001) coloca que a opressão feminina
surgiu com a família monogâmica e com a apropriação do excedente, pois

7
Mais detalhes ver DEL PRIORE (2000a e 2000b.)

116
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

nas sociedades pré-capitalistas o trabalho produtivo era realizado pelas


mulheres de forma relevante. Segundo a autora, na Antiguidade, as
mulheres desempenhavam funções juntamente com os homens e na Idade
Média participavam da confecção de vários artigos sem serem mestres de
ofício. Para Guterres (2001) a opressão surge com a sociedade de classes e
a apropriação do excedente produzido, o que acaba gerando a divisão social
do trabalho.
A separação entre o local de produção e reprodução, por outro
lado acaba gerando a divisão sexual do trabalho e é nesse momento que a
mulher se torna subjugada, pois o poder passa a ser identificado pela pessoa
responsável pelo sustento da família, já que o trabalho doméstico se torna
um trabalho invisível e inexpressivo.
A família monogâmica passou a servir como uma forma de
preservar a riqueza gerada pelo excedente, no sentido de que era necessário
saber quem eram seus herdeiros, pois diferentemente das sociedades
primitivas onde não era importante saber o paradeiro do pai, aqui o
parentesco se torna o referencial para a preservação da riqueza. As relações
estabelecidas com a família monogâmica se associaram ao patriarcalismo,
cuja característica era identificada na figura do homem como sendo o chefe
da família, o que acabou reproduzindo dessa forma, relações de dominação
e de poder econômico. Esses fatores segundo Guterrez (2001) fizeram com
que se estabelecesse na família relações de dominação e de poder por parte
do homem sobre a mulher, pois:

O patriarcalismo é a apropriação masculina das


condições de trabalho, dos meios de produção e de
subsistência do trabalhador. A mulher permanece
enclausurada no âmbito doméstico enquanto o homem
esgota-se no trabalho na fábrica, no comércio, etc.
Assim estruturada, a sociedade não se dá conta de que
a divisão sexual do trabalho permite que determinados
membros da família trabalhem para que outros possam
investir o tempo poupado em casa, no trabalho
produtivo, “fora de casa”. O tempo de trabalho
doméstico poupado é alocado à produção capitalista. O
núcleo familiar patriarcal reproduz as relações internas
de dominação entre homens e mulheres. O homem
aparece como dominador e a mulher como a dominada.
( GUTERREZ, 2001, p.24).

117
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

Em contrapartida, as mulheres quando ingressam no trabalho


assalariado, não são redistribuídas as funções domésticas, tornando, então
para a mulher muito mais oneroso seu ingresso no mercado de trabalho.
Porém essa inserção pode revelar não só a busca de mudanças a essa
condição, mas pode revelar a construção de uma nova identidade da mulher,
ao resistir as condições enquanto trabalhadora.
Lênin (1980) coloca que o trabalho na fábrica pode ampliar os
horizontes da operária, pois pode transformá-la numa pessoa instruída e
mais independente e que pode se libertar das travas da família patriarcal.
Para ele, o desenvolvimento da grande indústria criaria a base para a plena
emancipação da mulher.
Nesse sentido, podemos refletir se apesar do duplo sofrimento das
mulheres ao se assalariar, em decorrência da dupla jornada de trabalho, essa
experiência pode acarretar a adoção de uma forma diferenciada de ver o
mundo? Ou seja, a realização da dupla jornada de trabalho seria uma forma
de resistência das trabalhadoras? E estariam pela inserção no mercado de
trabalho, transformando aos poucos a ordenação da sociedade com a
formação de famílias monoparentais, expressando nessas atitudes o poder
de transformar sua realidade?
Assim, as diversas formas de inserção das mulheres nos diversos
meios, antes impensáveis para ela, como o mercado de trabalho, com
cargos de chefias, nas direções de sindicatos e nos partidos políticos, pode
estar sendo uma tendência que pode viabilizar mudanças para si e para o
gênero.

2.2.1 – As Desigualdades no Mercado de Trabalho

Existe uma idéia difundida por boa parte do empresariado em


relação à atuação da mulher no mercado de trabalho, de que as funções
exercidas pelas mulheres devem ser aquelas que exigem habilidade dos
dedos e mãos, pois são mais pacientes e atenciosas.
Hirata apud Antunes (1999), aponta que através de um estudo
feito no Japão, na França e no Brasil, os trabalhos manuais e repetitivos são
atribuídos às mulheres e aqueles que requerem conhecimento científico são
atribuídos aos homens. A autora aponta que “não há a universalização da
especialização flexível ou a emergência de um novo paradigma produtivo
alternativo, quando se fala de gênero”.
Além disso, Souza-Lobo (1991) reforça a idéia de que existe na
indústria o pretexto de que as mulheres são mais dóceis para trabalhar, o
118
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

que a autora contra-argumenta, pois há um controle maior sobre elas,


passando das revistas diárias até o controle contraceptivo. As mulheres
também se submetem a serviços mais exigentes, por vários motivos, seja
pela manutenção de seus filhos ou pela sensação de liberdade financeira
que ela tem em relação ao marido. Isso, então, de certa forma, explica a
docilidade, a aceitação de desigualdade salarial, da não promoção e da
desqualificação, configurando a subordinação das mulheres no conjunto da
sociedade. O fato é que as mulheres acabam trabalhando em profissões em
que possam conciliar sua dupla jornada de trabalho, sendo normalmente
essas ocupações as mais mal remuneradas e precárias.
Quando analisamos do ponto de vista salarial o rendimento médio
das mulheres no mercado de trabalho formal, verificamos que em média,
elas recebem cerca de 25% menos do que os trabalhadores homens, isto na
região metropolitana de São Paulo. Segundo o OIT apud Quinzena, essa
diferença no mundo todo varia de 50% a 80% em relação ao salário
recebido pelos homens e servem de indicativo da inferioridade salarial das
mulheres, conforme demonstrado no Gráfico 4.
A diferença de salários entre os homens e mulheres diminui entre
1996 e 2000, isso decorreu da queda maior do salário masculino em relação
ao salário feminino que, também diminuiu. A queda ficou em 16,6% no
caso dos homens e de 9,7% no caso das mulheres.

Gráfico 4- Rendimento Médio Anual por Hora, RMSP.

6,26
700%
600% 5,22
4,33
500% 3,91

400% 1996

300% 1,44
1,33 2000
200%
100%
0%
masculino feminino masc/fem

Fonte: PED-Convênio SEADE-DIEESE, 2001.

119
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

Faria e Nobre (1998) colocam que segundo a ONU, as mulheres


executam 2/3 do trabalho da humanidade e recebem 1/3 dos salários e são
proprietárias de 1% dos imóveis.
As mulheres, apesar de representarem cerca de 40% da PEA no
mundo, no final do século XX, segundo Antunes (1999), isso não significa
que recebam bons salários, tampouco direitos e boas condições de trabalho,
pois como são absorvidas em grande parte dos casos pelo trabalho
precarizado, part time e desregulamentado, o seu percentual salarial é
menor do que o masculino.
No Brasil, segundo dados da publicação MULHER E
TRABALHO da Fundação SEADE (2001), entre 1999 e 2000 a taxa de
participação feminina passou de 52,0% para 52,7% na força de trabalho e a
dos homens permaneceu estável em 73,4%.
O nível ocupacional das mulheres em 2000, na indústria, segundo
a publicação aumentou 5,7%, um pouco mais do que os homens, cujo
percentual ficou em 5,4%, mas pela sua predominância, os homens
aumentaram seu contingente nesse setor. No comércio foi mais favorável
para os homens, porém entre as mulheres o aumento ocorreu para as
trabalhadoras sem carteira assinada (3,2%), sobretudo, para trabalhadoras
autônomas (4,7%). No setor de serviços o percentual de crescimento para
homens e mulheres foi de 4,5% e 4,4% respectivamente, mas o aumento
para as mulheres ocorreu também naquelas ocupações mais frágeis: sem
carteira assinada no setor privado (15,1%) e como autônomas (12,3%),
sendo que para os homens o percentual foi de 13,6% e 4,4%
respectivamente.
De acordo com o Gráfico 5, a média das mulheres com emprego
formal no Brasil gira em torno de 38%, sendo maior sua presença na região
nordeste (42%) e menor na região centro-oeste (34,5%). Observa-se que
esses percentuais correspondem à participação das mulheres no emprego
formal, não havendo disponíveis dados confiáveis para o País em relação
ao emprego informal.

120
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

Gráfico 5 – Participação do Emprego Formal Feminino por


Regiões Geográficas
45%
42%
40% 40,40% 39%
37,40% 38,40%
35% 34,50%
30%
25%
20%
15%
10%
5%
0%
Nordeste Norte Sul Sudeste Centro-Oeste Brasil

Fonte: Ministério do Trabalho/RAIS, 1998.

Paralelo a isso há um avanço no contingente de mulheres


desempregadas no mundo, passando de 31,8% em 1980 para 48,3% em
1998 (DIEESE, 2001). O desemprego no Brasil cresceu assustadoramente
nos anos 90 e o desemprego feminino que historicamente é maior que o
masculino foi o mais atingido nesse período.
Por sua vez, segundo MULHER E TRABALHO (2001), a taxa de
desemprego feminino decresceu em 3,7%, passando de 21,7% para 20,9%,
entre 1999 e 2000 interrompendo a tendência do crescimento desse
indicador na década de 90, sendo que para os homens a queda foi de 17,3%
para 15,0%, na região metropolitana de São Paulo. Em ambos os casos o
decréscimo do desemprego foi devido ao crescimento do nível de
ocupação.
Verifica-se que a taxa de desemprego feminino assim como o
percentual total é mais elevado entre as mulheres, atingindo seu ápice, de
acordo com o Gráfico 6, tanto feminino como masculino, nos últimos 3
anos da década de 90.

121
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

Gráfico 6- Taxa de Desemprego Aberto - semana (%)


9
8,5
8 Feminino
7,5
7
6,5
6
5,5 Masculino
5
4,5
4
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001

Fonte: PME- IBGE, 2001

Perante esse quadro extremamente frágil para as mulheres, em


que predomina a concentração nos setores em que não há carteira assinada
e trabalhos autônomos, além da taxa de desemprego, que apesar de ter
havido um certo decréscimo no último ano, a média tem sido muito maior
do que a dos homens.
Diante desse contexto precarizado de inserção da força-de-
trabalho feminina, nos indagamos como inserí-las no meio sindical, se o
sindicato é representativo somente dos trabalhadores com registro em
carteira, exercendo o trabalho formal e com todas as garantias?
Esses trabalhadores são representados pelos sindicatos tendo em
vista que a taxa assistencial e a contribuição do imposto sindical são
descontados somente dos formalizados, mesmo sem o consentimento e sem
serem sindicalizados. Ou seja, o sindicato somente está ligado a esses
trabalhadores porque consentiu com a investidura sindical, que desencadeia
outros elementos de subordinação e de dependência ao Estado, no momento
em que este garante o recolhimento do imposto dos trabalhadores e repassa
ao sindicato.
O sindicato não tem preocupação em relação à busca de sua
sobrevivência já que o Estado obriga legalmente os trabalhadores a
sustentarem financeiramente o sindicato. Nesse sentido é que o sindicato
depende muito mais do reconhecimento oficial do aparelho sindical do que
dos trabalhadores. E apesar de romper com algumas limitações, ainda
permanece atrelada a estrutura sindical. No momento em que o sindicato
recebe a carta de reconhecimento, há um consentimento com a investidura

122
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

sindical, elemento essencial de subordinação, sendo a contribuição sindical


compulsória e unicidade sindical, complementares dessa subordinação.
Devemos nos atentar para o fato apontado por Boito (1991), que
aponta que as contribuições compulsórias existem nos sindicatos, somente
se eles se tornam sindicatos oficiais, porém segundo ele, podem existir
sindicatos oficiais sem que necessariamente consintam e recebam a
contribuição compulsória. Ou seja, uma coisa não é condição para a outra,
pois o fato de os sindicatos se tornarem oficiais com o aval do Estado para
funcionarem, não implique que este tenha que receber a contribuição
compulsória, pois ela foi instituída posteriormente à criação dos sindicatos
oficiais. Essa decisão cabe, então, a cada sindicato e sua diretoria, o que
abre para a compreensão das mediações vigentes no cenário sindical no que
tange ao atrelamento ao peleguismo reinantes.
Porém Carvalhal (2000), pondera que a associação da
contribuição sindical com a unicidade sindical implica na fragmentação
territorial e categorial, já que a contribuição facilita, conforme visto, a
criação de muitos sindicatos por categoria e por municípios. E enquanto a
fragmentação sindical esbarra no obstáculo político-administrativo, o
capital, por outro lado, possui homogeneidade sobre o território.
Para o autor, o fim da contribuição sindical significa também a
precariedade dos sindicatos, pois geralmente eles que dependem mais dessa
arrecadação para se manterem, são também os que apresentam a mais baixa
taxa de sindicalização. E aponta também que o fim da contribuição sindical
em Presidente Prudente, também implicaria o fim da maioria dos
sindicatos, pois 51% deles sobrevivem da contribuição sindical.
Assim nos questionamos como inserir questões de gênero, da
discriminação, da subordinação das mulheres e dos homens ao jugo do
capital, se os sindicatos sobrevivem independentemente da vontade dos
trabalhadores. Independe também dos trabalhadores o pertencimento a dada
categoria regrada pelo enquadramento sindical, além, é claro, da unicidade
sindical, que impõe a existência de um representante categorial por
município, impedindo o que Boito (1991) fala de rivalidade e de geração de
uma dinâmica de difícil controle por parte do Estado.
Temos, então, um quadro precário, representado pelas mulheres
que estão inseridas no mercado de trabalho, sem condições de sequer serem
representadas por esses “aparelhos do Estado”, extremamente deficientes
do ponto de vista não somente financeiro, mas político-ideológico, pois no
momento em que consentem com a investidura sindical, abortam qualquer
inspiração mais radical de sobrevivência. As mulheres, então, se vêem

123
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

aquém do organismo oficial de representatividade do trabalhador, conforme


Quadro 1, na medida não conseguem se inserir em grande número nas
diretorias que não sejam dirigidas pelas mulheres.

Quadro 1- Participação da Mulher nos Sindicatos


Sindicato Diretores Diretoras % de Diretores Diretoras
mulheres afastados afastadas
na
diretoria

SINDIALCOOL 11 0 0 4 0
APEOESP 31 19 61,2% 0 0
SEEB 58 12 20,6% 12 3
SEC 22 2 9% 9 2
SINTCON 24 0 0 7 0
STIAC 27 2 7,4% 1 0
SSM 38 24 63,1% 0 5
SIEMACO 20 16 80% 1 1
Fonte: Pesquisa de campo, 2001.

Nesse ínterim, como achar que os 30% de mulheres nas diretorias


poderão influir na ampliação de interlocução e preocupação por parte dos
sindicalistas com a causa da mulher trabalhadora? E estando o sindicato
calcado nessas bases extremamente cooptadas e fragilizadas, seria por essa
via a alternativa de emancipação da mulher e da classe trabalhadora como
um todo?
Mesmo nos sindicatos filiados a CUT, precursora da proposta da
cota de 30%, vemos em Presidente Prudente que as mulheres estão mais
presentes em diretorias de sindicatos cujas bases são em sua maioria
formadas por mulheres.
O problema seria o da imposição da política de cotas para os
sindicatos?
Analisando mais profundamente essa questão, podemos perceber
a falta de diálogo e de esclarecimento para a ampla maioria dos sindicatos
cutistas, sobre a proposta da política8. Nesse sentido, pudemos verificar
concretamente, que os sindicatos fizeram cada qual a sua interpretação
acerca de tal política. Isso se exemplifica no fato de muitos sindicatos

8
Para mais detalhes consultar as Teses e Resoluções da CUT.

124
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

preencherem a diretoria com a cota de mulheres, mesmo sem estas


possuírem qualquer afinidade política, para talvez passar a impressão de
que sindicato está preocupado com as questões das mulheres.
Percebemos que tal política pode ser considerada uma “faca de
dois gumes”, na medida em que muitos sindicatos acabaram adotando a
cota nos sindicatos de Presidente Prudente, como um mecanismo de atender
a uma deliberação aprovada na instância maior. Porém também percebemos
que somente com a adoção dessa medida é que em alguns sindicatos
podemos encontrar a presença de mulheres ocupando cargos nas diretorias
sindicais. E isso mesmo naqueles sindicatos em que as diretoras ainda não
visualizaram a dimensão dessa oportunidade, através da interação com os
acontecimentos da estrutura interna do sindicato e, portanto, de sua própria
politização.
Também pudemos apreender que de forma geral, onde levamos o
questionamento da política de cotas, essa discussão não teve ainda o
alcance desejado pela CUT, criadora da proposta. Não apenas no momento
da adoção de tal política, mas pela própria discussão interna da questão de
gênero ou da inserção dessa questão como pauta de discussões
permanentes.

2.3 - Mulheres Trabalhadoras: Submissão ou Resistência?

Diante do que foi exposto até então, podemos fazer alguns


apontamentos iniciais.
Retomando um dos objetivos propostos por nosso trabalho,
pretendíamos do ponto de vista das trabalhadoras, apreender, de um lado a
“leitura” que as mesmas fazem delas como trabalhadoras que fazem parte
de dada categoria e que podem reivindicar direitos relacionados a sua
questão de gênero e de outro, demonstrar a relação entre sindicato e a base
por meio das trabalhadoras.
Percebemos de acordo com alguns autores que com a inserção da
mulher no mercado de trabalho, apesar de as formas de trabalho serem
extremamente precarizadas e com salários desiguais, tem havido uma
mudança na forma de organização das famílias, antes majoritariamente
nucleares, formada pelo pai e pela mãe. E essa inserção no mercado de
trabalho também tem trazido mudanças do ponto de vista de sua
subjetividade, no sentido de suas perspectivas, seja pela questão da maior
independência, de sua valorização e responsabilidade, desencadeados pela

125
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

atividade remunerada. Porque esse sentimento tende a permear a sociedade


do trabalho e o trabalhador se reconhece primeiro como trabalhador e
depois como ser humano. Também tem aumentado o número de domicílios
chefiados pelas mulheres que, entre outros motivos, têm sido objeto de
escolha pelas próprias mulheres.
Pudemos observar por meio de nossa pesquisa de campo, que a
maternidade acaba gerando alguns conflitos internos, por ter que deixar os
filhos sob os cuidados de outras pessoas, mas a maioria das entrevistadas se
mostram satisfeitas com a escolha de não deixar o trabalho remunerado em
virtude do retorno ao lar e o cuidado com os filhos. Seja pela independência
econômica já apontada e da perspectiva que se cria do ponto de vista
profissional, pois muitas sonham em estudar e se formar.
Podemos apontar que é pela inserção no mercado de trabalho que
há a percepção de que há uma desigualdade salarial e que faltam mais
oportunidades para as mulheres e é nesse sentido que algumas entrevistadas
colocaram que se pudessem escolher, não seriam mais mulheres.
E se, por um lado, o sindicato tem fortalecido essa alienação, pela
sua fragmentação em categorias e pela incorporação dos trabalhadores
nessas categorias sem relação entre si, de acordo com os preceitos da
unicidade sindical, por outro, o capital exerce sua dominação sobre o
território de forma homogeneizadora, já que os limites territoriais
(municipais) não estão colocados como obstáculos. E a situação se agrava a
partir do momento em que não existe uma identidade entre os próprios
trabalhadores do ponto de vista da classe e do gênero.
Porém, mesmo com os limites do movimento sindical ao obstruir
a identidade entre os diversos segmentos de trabalhadores, apostamos na
vivência da mulher com a terceira jornada de trabalho. Pois a inserção nos
sindicatos poderia servir como um processo de aprendizagem política, pelo
qual as mulheres passariam com a perspectiva de que as formas de luta e de
resistência possam ultrapassar o campo do sindicato. Lembrando que a
atual configuração sindical cooptada, corporativista e de cariz propositiva,
possui características que podem impedir maiores “vôos”, se formos pensar
do ponto de vista de gênero e classe social.
Vimos que, em sua grande maioria, as mulheres quando
ingressam no mercado de trabalho e nos sindicatos, exercem a dupla e tripla
jornada de trabalho. Mas essa atuação da mulher tem mostrado também que
esse acúmulo de funções não tem impedido-as de apresentarem uma alta
taxa de escolaridade, indicando a vontade de oficializar seus conhecimentos
e a perspectiva de melhorias profissionais.

126
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

A própria inserção no trabalho assalariado pode demonstrar a


caminhada a uma nova configuração social, uma vez que estando nesse
espaço não querem voltar ao espaço privado do lar, exercendo apenas a
função de dona-de-casa. Até mesmo porque a sociedade do trabalho impõe
a relação com o trabalho alienante, em tal condição, que as pessoas só se
sentem mais úteis ao realizá-lo. E mesmo que as funções exercidas pelas
mulheres tendam a ser as mais precarizadas, com salários menores do que
dos homens, a possibilidade para sua emancipação enquanto gênero
subordinado na sociedade tende a ser maior, portanto, com a saída do
espaço privado do lar, privativo de suas potencialidades.
O fato é que as mulheres têm conquistado seu lugar no espaço de
poder do homem e do capitalista, com a inserção no mundo mais politizado
do sindicato, da militância política e em diversos movimentos sociais
envolvidos na luta pela terra. Apostamos na caminhada rumo à construção
de lugares com perspectivas voltadas a questão de gênero com as mulheres
atuando de forma crescente no mercado de trabalho e no meio político, seja
em sindicatos, partidos políticos, movimentos sociais, etc. Porque
entendemos que a caminhada tende a não ser mais invisível, ao contrário,
as mulheres têm aos poucos e de forma silenciosa, cravado suas marcas na
história. A luta é para que sua subordinação não seja mais camuflada ou
ignorada pela sociedade patriarcalista-capitalista e que a configuração
espacial tende a ser construída com as perspectivas de classe e gênero, fruto
da territorialização das lutas e conquistas das mulheres trabalhadoras,
exercedoras da dupla e tripla jornada de trabalho.

3 - Bibliografia

ALMANAQUE ABRIL 2002. São Paulo: Editora Abril, 2002, 495p.


ANTUNES, Ricardo. Os Sentidos do Trabalho. São Paulo: Boitempo,
1999.
BOITO JÚNIOR, Armando. O Sindicalismo de Estado no Brasil: uma
Análise Crítica da Estrutura Sindical Campinas: Editora da UNICAMP,
São Paulo: Hucitec, 1991, 312p.
BRUMATTI CARVALHAL Terezinha B. Gênero e Classe nos
Sindicatos. Presidente Prudente: Edições Centelha, 2004, 142p.
CARVALHAL, Marcelo D. A Comunicação Sindical em Presidente
Prudente/SP: Elementos para uma Leitura Geográfica. 2000, 215f
Dissertação (Mestrado em Geografia). Faculdade de Ciências e Tecnologia
– Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente.
127
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

CASTELLS, Manuel. O poder da Identidade.São Paulo: Paz e Terra,


1999, 530 p.
CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES. II CONCUT - Teses e
Resoluções. São Paulo: CUT, 1986.
CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES. III CONCUT - Teses e
Resoluções. São Paulo: CUT, 1988
CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES. IV CONCUT - Teses e
Resoluções. São Paulo: CUT, 1991.
CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES. V CONCUT - Teses e
Resoluções. São Paulo: CUT, 1994.
CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES. 8º PLENCUT – Plenária
Nacional da Central Única dos trabalhadores. Resoluções. São Paulo:
CUT, 1996.
CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES. 9º PLENCUT – Plenária
Nacional da Central Única dos trabalhadores. Texto Base e Resoluções.
São Paulo: CUT, 1999.
CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES. 10º PLENCUT –
Plenária Nacional da Central Única dos trabalhadores. Texto Base e
Resoluções. São Paulo: CUT, 2001.
CENSO 2000 – Página Especial 1 In: Folha de São Paulo, 20 dez/2001.
CNMT/CUT (Comissão Nacional de Mulher Trabalhadora da Central
Única dos Trabalhadores) Política de Gênero: Igualdade de
Oportunidades um Desafio para a CUT. Disponível em:www.cut.org.br
DEL PRIORE, Mary. Magia e medicina na Colônia: o corpo feminino In:
DEL PRIORE, Mary (org.) História das Mulheres no Brasil. São Paulo:
Contexto, São Paulo: Edunesp, p. 78-114, 2000a.
DEL PRIORE, Mary. Mulheres no Brasil Colonial. São Paulo: Contexto,
2000b, 95p.
DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTUDOS E ESTATÍSTICAS
SÓCIO-ECONÔMICAS. Pesquisa de Emprego e Desemprego. Disponível
em: www.dieese.com.br. Acesso: 2001.
DIEESE. Mulheres representam 70% dos trabalhadores em condições de
pobreza. In: Quinzena. São Paulo: CPV, nº 255, p. 11-13. jul. 1997.
DIEESE. A Situação do Trabalho no Brasil. São Paulo: DIEESE, 2001.
ENGELS. F. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do
Estado. Editora Bertrand Brasil, 1991.
FARIA, Nalu e NOBRE, Mirian. Gênero e Desigualdade. In: Cadernos
Sempreviva. São Paulo: Sempreviva Organizações Feministas, 1997, 52p.

128
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

GÓIS, Antonio. Mulher é a responsável por uma em cada quatro moradias.


In: Folha de São Paulo. São Paulo, 20 dez. 2001.
GUTERRES. Simone Bastos. Classe Social e Gênero: Elementos para
uma Controvérsia. 2001. 110f. Dissertação (Mestrado em Ciências
Políticas). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – Universidade
Estadual de Campinas. Campinas.
LACOSTE. Yves. A Geografia. Isso Serve em Primeiro Lugar para
Fazer a Guerra. Campinas: Papirus, 1997, 263p.
LENIN, V. Sobre a Emancipação da Mulher. São Paulo: Editora Alfa
Omega, 1980, 139p.
MOREIRA, Ruy O que é Geografia. São Paulo: Brasiliense, 1994, 111p.
MULHER E TRABALHO. São Paulo: Fundação SEADE, nº3, 2001, 27p.
QUINZENA. Mulheres representam 70% dos trabalhadores em condições
de pobreza. São Paulo:CPV, nº 255, jul.1997.
SAFFIOTI, Heleieth I. B. O poder do Macho. São Paulo: Moderna, 1987,
120p.
SOUZA-LOBO, Elisabeth. A Classe Operária tem Dois Sexos. São
Paulo: Brasiliense, 1991.
THOMAZ JR.A. Por uma Geografia do Trabalho. (Reflexões
Preliminares) Scrita Nova, revista Electrónica de Geografia y Ciencias
Sociais. Universidad de Barcelona. Vol. VI, nm.119(27), 1 de agosto de
2002b. Disponível em: www.ub.es/geocrit/sn119-5.htm
TOLEDO, José R. Para homens, trabalho se inicia aos 13. In: Folha de São
Paulo. São Paulo, 24 mar., 2002. Folha Trabalho, Página Especial, p. 1-8.

129
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

Se Camponês, se Operário!
Limites e Desafios para a Compreensão
da Classe Trabalhadora no Brasil*

Antonio Thomaz Júnior**

1- Introdução

Com base no argumento de que é impossível conhecer e entender


a totalidade do trabalho se constrói o edifício teórico-político-ideológico da
sociedade moderna, limitado ao divórcio entre sujeito e objeto. Sob esse
referencial, amparado, pois, na necessidade da especialização técnica,
científica, e em decorrência da militância política, os sindicatos e os
movimentos sociais se transformam em seres em si, deslocados e
distanciados da totalidade social do trabalho, e passam a representar as
predefinições da racionalidade científica e política, que justifica a
diferencialidade das categorias sindicais. É como se pudéssemos identificar
os vínculos positivistas que assimilam, por exemplo, o solo como problema
da Agronomia, o trabalho e a sociedade como um problema da Sociologia e
o relevo como o da Geografia1.

*
Este texto representa parte das reflexões proporcionadas pelo projeto de pesquisa
"Reestruturação Produtiva do Capital no Campo e os Desafios para o Trabalho",
em nível de pós-doutorado, realizado junto à Universidade de Santiago de
Compostela (Espanha), com o apoio do CNPq, durante o período de outubro de
2004 a setembro de 2005. Também registra parte dos resultados alcançados através
do Projeto de Pesquisa "Território Minado: Metabolismo Societário do Capital e os
Desafios para a Organização do Trabalho", financiado pelo CNPq na alínea
Produtividade em Pesquisa (PQ), já concluído em 2004.
**
Professor dos cursos de Graduação e de Pós-Graduação em
Geografia/FCT/UNESP/Presidente Prudente; coordenador do Grupo de Pesquisa “Centro de
Estudos de Geografia do Trabalho” (CEGeT); pesquisador do CNPq; autor dos livros “Por
trás dos canaviais os nós da cana”. São Paulo: Annablume/Fapesp, 2002; e “Geografia
Passo-a-Passo”. Santiago de Compostela: Editorial Centelha, 2005. C.P.: 467. CEP 19060-
900. Presidente Prudente (SP). Tel. (18) 3229-5375 Fax: (18) 3221-8212.
E-mail: thomazjrgeo@fct.unesp.br
1
Cf. SANTOS, D., 2002.

130
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

Isso nos põe a pensar na própria fundamentação da separação


entre sujeito e objeto, que não é privilégio das correntes positivistas, mas
para centrarmos as atenções aos objetivos desse texto, diríamos que se faz
necessário um re-exame profundo dos fundamentos teórico-metodológicos
que dão sustentação aos pressupostos e paradigmas interpretativos da
sociedade atual. Isto, pois, para alcançarmos a emancipação da humanidade
do metabolismo do capital como pleiteamos, temos que colocar sob o crivo
da crítica e da autocrítica a superação dos limites científico-políticos, diante
do cenário que questiona essas delimitações e por conseqüência, as teorias
e os conceitos que se apresentam para esse fim, e por estarem apropriados
para realidades específicas e particulares do trabalho. Não queremos com
isso defender que a teoria não seja importante, tampouco que o esforço de
teorização é substituível. Queremos tão-somente ponderar que não está
sendo possível compreender a totalidade viva do trabalho, pois ao mesmo
tempo em que está sendo refeita, com mais ou menos intensidade aqui e ali,
não somos capazes de considerar nas nossas análises e estudos, a
plasticidade do trabalho que indica haver uma rica trama de relações, de
fragmentações, de valores, de significados e de subjetividades.
Nossos estudos nos têm revelado que a sociedade do capital,
encimada no ambiente contraditório da reestruturação produtiva, vem sendo
modificada intensamente nas últimas décadas, e isso tem atingido a
estrutura de classes, a própria dinâmica das dimensões objetiva e subjetiva
dos trabalhadores e a dinâmica geográfica do trabalho, enquanto
movimento contínuo e contraditório de (des)realização da territorialização-
desterritorialização-reterritorialização.
Está-se diante, pois, dos rearranjos da ordem metabólica do
capital em nível mundial, que adota as formas e procedimentos
derivados/combinados do taylorismo-fordismo para o toyotismo, bem como
outras formas de organização do processo de trabalho que impactam
diretamente na diminuição do operariado industrial tradicional, na
expropriação de milhões de camponeses, no aumento crescente da legião de
desempregados, na profunda redefinição do mercado de trabalho.
Esse é o caminho mais seguro para construirmos novos
referenciais teórico-metodológicos para vislumbrarmos a compreensão do
universo do trabalho, cada vez mais fragmentado, heterogeneizado e
precarizado, particularmente sob o fogo cruzado da reestruturação
produtiva do capital, todavia sem perder sua centralidade. Em síntese,
temos o redimensionamento das configurações sociais que dão sustentação
a diferentes expressões e significados do trabalho, seja nos campos, seja nas

131
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

cidades, e acrescenta novos valores e sentidos para os sindicatos, as centrais


sindicais, as associações, os partidos políticos e para os trabalhadores em
particular.
Nos centros urbanos as principais marcas desse processo de
reestruturação produtiva do capital se evidenciam no crescimento inaudito
da urbanização, seguido das maiores taxas de favelização e de desemprego
da população trabalhadora. Nos campos esses fundamentos se expressam
em nível mundial de forma também contundente e diferenciada, todavia
governados pelo modelo agroexportador dos grandes conglomerados
agroalimentares, vinculado aos programas de ajustes estruturais do Banco
Mundial (BM), do Fundo Monetário Internacional (FMI), e do regime de
livre comércio da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Nos tempos de globalização se reserva ao conjunto dos países
periféricos, particularmente aos bem-sucedidos, “consumir de maneira
parcial o progresso da terceira revolução tecnológica”, contudo, vinculado
umbilicalmente às diretrizes do Consenso de Washington e à voracidade
destrutiva da pragmática neoliberal, que vêm devastando social, econômica
e territorialmente os povos e as comunidades tradicionais (camponeses,
indígenas, nativos) da América Latina, África, Ásia.
É como se o projeto de desenvolvimento tivesse que ser único
para o conjunto da sociedade, contanto que seu recorte para o campo fosse
afinado aos interesses exclusivos de classe (das classes dominantes
nacionais e estrangeiras). Estas, representadas, pois, pelas grandes
empresas capitalistas relacionadas ao agronegócio, cujos vínculos se
estendem de forma mais ou menos expressiva ao capital industrial
(químico-agroalimentário), capital bancário e financeiro, aos latifundiários
e grileiros de terras públicas e devolutas.
Assim, a reprodução de formas de produção, como a praticada
pelos camponeses, é rechaçada, mesmo que haja determinados interesses
econômicos no seu formato estruturado no trabalho familiar, todavia tem
subordinado seu processo autônomo de geração de renda e de excedentes.
É importante destacar que a aceitação paradoxal por parte do
capital do ser camponês está dimensionada pelos regramentos do padrão
hegemônico de desenvolvimento rural que determina a adoção de formas
de produção, de insumos, de tecnologias, de rotinas e de relações de
produção, que não respondem historicamente aos anseios da autonomia e
da preponderância da organização familiar do trabalho.
Essa base material de sustentação do edifício social no campo
impõe aos camponeses o impasse de classe: negar o modo

132
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

camponês/familiar de reprodução social, e adotar a racionalidade


capitalista, podendo se transformar em agricultores familiares em escala
empresarial, ou se proletarizarem.
É sob as determinações desses referenciais que contingentes
expressivos de camponeses, organizações sindicais, movimentos sociais
populares no campo e intelectuais, defendem e multiplicam os valores da
concepção burguesa de mundo. Claro está que esses são os horizontes
válidos para toda a sociedade, não se restringindo a este ou aquele setor,
tampouco aos trabalhadores envolvidos.
Para esse momento, colocamos em discussão as dificuldades de
compreensão da complexa trama de relações da dinâmica geográfica do
trabalho no Brasil, nessa viragem do século XXI, considerando
especialmente os limites/barreiras sediadas no âmbito teórico-conceitual-
ideológico do marxismo. Isto é, o que entendemos sobre o mundo do
trabalho quando nos utilizamos do instrumental teórico que vimos
utilizando, amparado no marxismo? Se assalariado (rural e urbano), à
primeira vista a identidade de operário se consuma, e se produtor autônomo
no campo, camponês, subproletário, ou trabalhador em vias de extinção.
Não estamos nos distanciando dessa corrente de pensamento. Ao
contrário, apenas estamos nos propondo a mapear o que conseguimos
explicar da totalidade viva do trabalho (MÉSZÁROS, 2002), ou nos
envolvermos concretamente nos desafios de fazermos a autocrítica radical e
consciente para que possamos entender os movimentos, os sentidos do
trabalho, e os seus desdobramentos e significados no âmbito da classe
trabalhadora.

2-(Des)realização do Trabalho

Então, a questão central permanece: o que entender do constante


fluxo, e cada vez mais intenso de trabalhadores urbanos que realizam
inúmeras tarefas/atividades nas cidades, e migram de
categorias/corporações sindicais? E ainda, para alguns desses, ou para a
maioria dos seus ascendentes que um dia já foram camponeses, e que
retornam ao campo, sobretudo via as ocupações de terra, ou ainda as
atividades realizadas nos centros urbanos por aqueles que de alguma
maneira já estão no campo, e retiram parcialmente o sustento de sua família
das atividades agrárias?
O recorte das nossas reflexões é priorizar o fluxo de relações que
vincula as mudanças no perfil dos camponeses com a composição em suas
133
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

fileiras dos operários urbanos e rurais, com suas trajetórias também


específicas, as vias de comunicação entre essas frações do universo do
trabalho no âmbito de uma realidade que está sendo construída por meio
das ocupações de terra2, ou da luta pela terra e pela Reforma Agrária.
É como se pudéssemos pensar esse quadro a partir da simulação
se camponês, se operário, num movimento de ida e volta. Ou então, a
plasticidade do trabalho, refeita e lastreada nas mediações que redefinem a
(des)realização deste e da classe trabalhadora, para expressar os recortes de
identificação de classe sintonizados para aqueles que pensam, atuam e
pesquisam cada uma dessas expressões concretas da existência do trabalho.
Com isso, se estão abordando situações e realidades específicas
dos trabalhadores assalariados: todo esforço converge para esse recorte,
sem contar se a opção incide sobre experiências urbanas e rurais, sendo que
em algumas situações, outras formas de expressão do trabalho, como os
camponeses, nem sequer são consideradas, para tomarmos um exemplo
concreto.
O mesmo se passa quando estamos diante de estudos, discursos,
documentos e posicionamentos, que têm como ponto de referência o
campesinato, pois o campo fica restrito a essa forma específica da realidade
social, resguardando às formas assalariadas uma segunda ordem de
importância. Ou ainda, sintonizadas a menor destaque caso se expressem
no urbano, numa clara e inequívoca tomada de posição em favor do campo.
Essa primazia equivocada também se expressa para aqueles que se dedicam
unilateralmente ao operariado urbano, ou às formas de trabalho assalariado
e autônomo nos centros urbanos.
Os interesses corporativos prevalecem e o esvaziamento e
neutralização do enfoque de classe são assumidos dessa forma, em favor da
concepção estranhada de trabalho, com nítidos conteúdos de
individualidade e unilateralidade social, política e ideológica do mesmo.
O que está consolidado no meio acadêmico é que diante da
especialização (científica, e também da militância política), os
trabalhadores se transformam, de um lado, em seres em si, deslocados e
distanciados da totalidade, e por outro lado são enquadrados no âmbito das
predefinições da racionalidade científica que justifica a diferencialidade dos
fenômenos às dimensões da linguagem científica.

2
Aqui não nos dedicaremos à temática das ações específicas dos trabalhadores Sem-Teto,
ou da luta pela terra nas cidades.

134
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

Isso nos põe a pensar na própria fundamentação da separação


entre sujeito e objeto, que não é privilégio das correntes positivistas, mas
para centrarmos as atenções nos objetivos desse texto, diríamos que se faz
necessário um re-exame profundo dos fundamentos teórico-metodológicos
que dão sustentação aos pressupostos e paradigmas interpretativos da
sociedade atual. Isto, pois, para alcançarmos a emancipação da humanidade
do metabolismo do capital como pleiteamos, temos que colocar sob o crivo
da crítica e da autocrítica a superação dos limites teórico-científico-
políticos.
Mais precisamente, centramos nossas reflexões, com base nas
pesquisas concluídas e em andamento3, para colocarmos em questão os
limites explicativos da realidade do trabalho em respeito ao movimento que
requalifica constante e continuamente seus sentidos e o da sua totalidade
viva4, por meio da re-inserção laborativa dos trabalhadores, na grande
maioria dos casos, circunscritas às expressões mais precarizadas, e
informais.
Os diversos assuntos que compõem a temática do trabalho nos
está possibilitando desenvolver experiências de pesquisa parametrizadas
nos referenciais teórico-metodológicos, por onde nos valemos para
apreender o trabalho por meio da “leitura” geográfica. Assim, a dialética da
dinâmica geográfica do trabalho ou do seu movimento contínuo de
territorialização, desterritorialização e reterritorialização é a expressão
concreta das formas geográficas que revelam o conteúdo do fenômeno do
trabalho, ou mais propriamente, o conteúdo da luta de classes nos lugares.
(THOMAZ JR., 2004a).
Como se fosse a boa máxima para a humanidade, para os
trabalhadores, para os homens e para as mulheres, o fundamento do projeto
de sociedade do capital se propõe único, homogeneizador de valores e
sabores, passando pelos princípios, pela ética, pela ideologia, etc.. É como

3
Apenas destacamos aqui os projetos que são referências para o conjunto dos demais
Projetos de Pesquisas em curso no âmbito do Centro de Estudos de Geografia do Trabalho
(CEGeT), ambos sob nossa responsabilidade: 1) “Território Mutante e Fragmentação da
Práxis Social do Trabalho”. (Projeto PQ/CNPq), em vigência; 2) “Agronegócio e Conflito
pela Posse da Terra em São Paulo: A Dinâmica Territorial da Luta de Classes no Campo e
os Desafios para os Trabalhadores”. (Auxílio à Pesquisa/Fapesp), em julgamento.
4
Essa proposição de Mészáros (2002), indica-nos haver um complexo de relações, e
redefinições de grande magnitude não somente na esfera econômica, mas também política,
social, e no interior da classe trabalhadora. Ainda que para o autor essas redefinições não
tenham as mesmas preocupações que para nós, são essenciais para nossos estudos.

135
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

se metaforicamente estivéssemos diante da mcdonaldização do planeta à


sua imagem e semelhança.
A adoção por parte dos Estados, das políticas neoliberais exigidas
pelos órgãos de fomento do grande capital, dos setores hegemônicos da
burguesia, com freqüência tem utilizado de meios violentos, incluindo o
emprego das forças armadas (como os casos da Colômbia, México,
Filipinas, Egito); de milícias (Colômbia, Equador, Paraguai, Tailândia),
esquadrões da morte, ou pistoleiros (Brasil, Zimbabwe, África do Sul,
Indonésia).
Municiado por esses referenciais o capital em nível internacional
se propõe: a) sufocar a resistência dos camponeses, das comunidades
nativas, indígenas, pescadores, atingidos por barragens, operários urbanos e
rurais, desempregados, subempregados, para implementar a expropriação e
a sujeição dos camponeses, sendo que ao recriá-los subordina-os com mais
intensidade; b) blindar qualquer forma de acesso à terra que não seja via
mercado; c) deteriorar e precarizar as condições de trabalho; d) intensificar
as jornadas de trabalho; e) ampliar os horizontes da adoção da mão-de-obra
infantil; f) desempregar assalariados; g) fragilizar relações de trabalho
formais; h) intensificar as práticas da terceirização e das cooperativas de
trabalho; i) rebaixar salários, etc.
É por dentro das contradições desse processo que entendemos a
violência expressa também pelo crescimento intensivo da concentração de
riquezas (terra, renda, capital) em escala planetária, e toda a manipulação
que garante aos setores dominantes a imposição dos pressupostos do
modelo destrutivo da sociedade do capital, e da barbárie social. A título de
exemplo: 1) as 225 pessoas mais abastadas possuem patrimônio equivalente
a 2,5 bilhões de mortais; 2) 48% das maiores empresas são estadunidenses;
3) 1,2 bilhões de pessoas vivem com US$1,00 ao dia; 4) 3 bilhões de
pessoas vivem com US$3,00 ao dia; 5) em 1960, 20% dos mais ricos
ganhavam 3 vezes mais que os 20% dos mais pobres, em 1990 essa
proporção passou para 60 vezes e, em 1997 saltou para 74 vezes5; 6) quase
60% dos habitantes do planeta vivem nas áreas rurais (3,1 bilhões), sendo
que nessas áreas se concentram 70% da pobreza mundial, onde 800 milhões
passam fome, o que nos indica que a maioria das pessoas desnutridas ou
insuficientemente alimentadas não são consumidores-compradores de

5
Informativos divulgados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), 2004 e 2005;
e pelo encarte do Le Monde Diplomatique, na Espanha, 2004.

136
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

alimentos, senão os camponeses empobrecidos6, produtores-vendedores de


mercadorias de origem agrícola, recentemente condenados ao êxodo em
direção aos centros urbanos, às favelas, ou em direção a campos de
refugiados; 7) sob os efeitos da intoxicação química dos solos e dos
mananciais, a superfície cerealista diminuiu de 732 milhões de ha, em
1981, para 670 milhões de ha em 2000, e sob os efeitos da salinização, em
1994 havia 40 milhões de ha inaptos para a agricultura, em 1995 saltou
para 100 milhões de ha salinizados em todo o planeta.
Quando recorrermos à história recente facilmente constatamos
que os sucessos tão alardeados pela máquina midiática do capital sobre os
resultados da revolução verde, que carrega os significados do progresso
técnico-científico na agricultura, considerando a articulação da
motomecanização aos insumos químicos e de outros matizes, iniciada nos
anos 1950/1960, não poderíamos deixar de contrapor o quanto mais de
miséria e de exclusão proporcionou para os camponeses e para os
trabalhadores assalariados.
O par bem sucedido dessa trama histórica, portanto receptor
seletivo da modernidade, conheceu aumentos surpreendentes de
produtividade e de produção, a elevação dos coeficientes técnicos que se
espraiaram pelos países do centro do sistema e para alguns mais
favorecidos da órbita de dependência por conta dos interesses
expansionistas, tais como o Brasil, Argentina, Índia; na maioria dos casos
para produtos vinculados à exportação e à prática monocultura (soja,
algodão, laranja, cana-de-açúcar, cacau, etc.).
No centro de gravidade desse processo é que temos de um lado, o
rebaixamento dos preços como conseqüência do aumento da produção, da
diminuição dos custos e dos mecanismos reguladores dos mercados
preferenciais, liderados pelos países e grupos transnacionais europeus,
americanos e japoneses. Por outro lado isso tem causado a precarização das
condições de vida e de trabalho das famílias camponesas e dos assalariados.
Os desdobramentos mais perversos já são conhecidos, mas valeria destacar:
1) a redução das áreas de cultivo destinadas ao autoconsumo e à parte
comercial; 2) diminuição da capacidade de produção agrícola dos países e
das comunidades camponesas pobres; 3) a degradação da fertilidade natural

6
É importante assegurar que a população pobre e desnutrida do planeta não é simplesmente
herdeira do passado, senão expressão do destrutivismo da lógica do capital e,
conseqüentemente, do processo permanente e crescente de empobrecimento extremo.
(MAZOYER, 2004).

137
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

das terras; 4) o abandono das terras; 5) o êxodo; 6) o desemprego; 7) o


empobrecimento e a exterminação de milhões de famílias camponesas em
todo o mundo. (MAZOYER, 2004).
Em conseqüência, o que se assiste é ao crescimento de pobres no
campo e também nas periferias das cidades, que nessa viragem do século
XXI está ainda mais acentuado e mundializado, pois os indicadores sociais7
mostram que a despeito de um êxodo rural de 50 milhões de pessoas, o
número de pobres e famintos nos campos não diminui, o que implica no
surgimento de mais de 40 milhões de novos pobres e famintos, sem
condições de trabalho. Esse processo revela os seguintes traços comuns:
renovação intensa da miséria rural e da miséria urbana, considerando que as
pesquisas mostram as correntes migratórias de camponeses desterreados
para os centros urbanos, e a manutenção da concentração da estrutura
fundiária.
Para o Brasil, esse quadro é também alarmante8, pois a proporção
de pobres no campo é mais do que o dobro da existente nas cidades, 57% e
27% respectivamente, ou em termos absolutos 40 milhões de pobres nos
centros urbanos, e 16,5 milhões no meio rural. A manutenção do
escorchante patamar da concentração fundiária no Brasil (Tabela 1) ocupa
lugar central para explicar o estágio de miserabilidade e de precarização
dos trabalhadores mais empobrecidos, e desempregados, nos campos e nas
cidades.

7
Cf. ONU, 2004. Essas informações também foram confirmadas por pesquisadores.
8
Segundo informações oficiais e amplamente divulgadas pela imprensa, em 2003, 54
milhões de brasileiros eram pobres, e viviam com renda familiar per capita de até ½ salário
mínimo (R$120,00); 22 milhões de indigentes, com renda domiciliar per capita de até ¼ do
salário mínimo (R$60,00); 1% dos brasileiros mais ricos (1,78 milhão de pessoas), apropria-
se de 13% de toda a renda gerada, sendo que os 50% mais pobres (89 milhões) detêm
somente 13% da renda.

138
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

Tabela 1. Brasil - Estrutura Fundiária, 2003


Estratos de área Nº Imóveis % dos Área total % de Área Área Média
total Imóveis
Até 10 ha 1.338.711 31,6 7.616.113 1,8 5,7
De 10 a 25 ha 1.102.999 26,0 18.985.869 4,5 17,2
De 25 a 50 ha 684.237 16,1 24.141.638 5,7 35,3
De 50 a 100 ha 485.482 11,5 33.630.240 8,0 69,3
De 100 a 500 ha 482.677 11,4 100.216.200 23,8 207,6
De 500 a 1000 ha 75.158 1,8 52.191.003 12,4 694,4
De 1000 a 2000 ha 36.859 0,9 50.932.790 12,1 1.381,8
Mais de 2000 ha 32.264 0,8 132.631.509 31,6 4.110,8
Total 4.238.421 100 420.345.382 100 99,2
Fonte: Cadastro do Incra – situação em agosto de 2003

A concentração fundiária revela também que o alcance social


dimensionado pelo número de pessoal ocupado (Tabela 2), dos
estabelecimentos acima de 200 ha (médias e grandes) é irrisório se
comparado às pequenas áreas dos estabelecimentos, até 200 ha, da mesma
forma que ao contrário do que se pensa, as médias e grandes extensões de
terra não concentram a maior parte das lavouras, o que mostra que o
agronegócio e as culturas de exportação não se concentram nessas faixas9.
Ou seja, as maiores extensões estão reservadas, fora do uso, no aguardo do
melhor momento para serem incorporadas ao circuito da
especulação/produção, a depender das flutuações das taxas de juros, da
demanda pelo bem, e pelo embate político entre latifundiários e
trabalhadores Sem Terras.

Tabela 2. Brasil - Estabelecimentos e Pessoal Ocupado por Estrato de


Área
Tipos Número (%) Área (ha) Pessoal Terras c/ Lavouras
Empregado
Pequenas 93,8 103 mil (29,2%) 87,3 (%) 53%
Médias 5,3 130 mil (36,6%) 10,2% 34,5%
Grandes 0,5 120 mil (34,2%) 2,5% 12,5%
Fonte: IBGE, 1996

9
Esse assunto foi aprofundado por Oliveira, 2003.

139
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

Essa estrutura agrária solidificada há 500 anos amplifica a


pobreza, a mortalidade infantil, o desemprego e a desigualdade social no
meio rural, no Brasil. Não obstante, a “modernização” da agricultura
apurada nos últimos 30 anos, espelha a performance do setor,
especialmente quando se consideram os indicadores econômicos, como
PIB, e sua participação na balança comercial, enquanto que a maior parte
das famílias que vivem no campo encontra-se abaixo da linha de pobreza, à
ordem de 5 milhões, e conforme o Censo Demográfico de 2000, vivendo
com menos de dois salários mínimos mensais.
Sem contar que 85 milhões de ha pertencem a 4.236 titulares, o
que representa uma média de 20.000 ha para cada um. De acordo com as
informações cadastrais do INCRA, de 2003, depreende-se que apenas
51,3% (436,6 milhões de ha) das terras estão declaradas oficialmente, e
15,17% foram autodeclaradas improdutivas (120,4 milhões de ha); 20,3%
(172,95 milhões de ha) são de terras públicas (devolutas não declaradas).
Em relação ao valor da produção temos o seguinte para os
estabelecimentos, considerando 4 estratos de área: < 100 ha = 47%; 101 a
< 1000 ha = 32%; 1001 a < 10.000 ha = 17%; > 10.000 ha = 4% (IBGE,
2006). Do total de 600 milhões de ha de terras potencialmente
agricultáveis, apenas 63 milhões de ha estão sendo efetivamente cultivados
na prática da agricultura, dos quais 22 milhões estão ocupados com soja
para exportação, e 5,5 milhões com cana-de-açúcar.
Isso em detrimento das 6 milhões de famílias que podem ser
consideradas como o público potencial da Reforma Agrária, levando-se em
conta os trabalhadores agrícolas sem terra e os estabelecimentos cujas áreas
são insuficientes para manter uma família10, as 840.000 famílias que se
cadastraram no “Programa de Acesso à Terra”, ou “Reforma Agrária pelo
Correio”, sendo que esse número pode ser bem maior, tendo em vista ter
subestimado outras populações demandantes de terra, ou mesmo
regularização de posse, dos quilombolas, das famílias atingidas por
barragens11, . e ainda, as 200.000 famílias que já se encontram acampadas e
vivendo nos barracos de lona nas margens das estradas, à espera de acessar
seu lote, e as 25.000 famílias expulsas nos últimos 2 anos.

10
Cf. Metodologia adotada pela equipe coordenada pelo professor Plínio de Arruda
Sampaio, que preparou o II Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), em 2003.
11
Dados obtidos junto ao MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) indicam: Público
Emergencial, já desalojados, 36.317 famílias; Público Potencial, obras já projetadas ou em
fase de construção, 18.600 famílias.

140
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

De forma orquestrada estão sendo destruídas as culturas


tradicionais, as comunidades camponesas, os empregos, os vínculos
formais de trabalho, e ameaçadas as diferentes experiências organizativas
que se efetivam no dia-a-dia das lutas. Em qualquer lugar onde se
apresentam as resistências e se efetivam os conflitos, em confrontação com
o modelo hegemônico e único de desenvolvimento, as ações em reação são
rápidas e na maioria das vezes certeiras, por meio de diversos expedientes:
perseguição, lista-negra, açoite, homicídio/genocídio, etc.
Assim, é no interior das contradições da ordem metabólica do
capital, que regem os mecanismos centrais da produção, o processo mais
geral de sua reprodução ampliada e os impactos para o universo do
trabalho, que podemos entender o campesinato no âmbito da classe
trabalhadora. Esta, ciente de sua missão histórica, jogará pelos ares as
travagens do estranhamento e da alienação, e apostará na radicalidade da
necessária construção societária emancipada e liberta do capital. Imerso no
metabolismo social do capital e, conseqüentemente, no ambiente da
organização, das disputas e das alianças político-ideológicas do trabalho,
numa clara tomada de consciência de pertencimento de classe, o
campesinato é sim parte integrante da classe trabalhadora, todavia
emancipada das predeterminações e dos pressupostos engessados a priori.
Em outros trabalhos pudemos apresentar os fundamentos dessa
compreensão sobre o campesinato, e aqui sintetizamos três aspectos, com
base no princípio de que: a) apesar de tratar-se de um ator-sujeito social que
não vende força de trabalho para o capital (daí então a simetria de ser
entendido como não trabalhador, mas sim como profissional), b) e também
pelo fato de ser proprietário dos meios de produção e de portanto, possuir
autonomia em relação ao trabalhador assalariado (o que o distancia ainda
mais do universo do trabalho, com base nos parâmetros consagrados pelos
modelos explicativos), c) estendemos nossa compreensão do camponês no
universo do trabalho e da classe trabalhadora, o que nos mantém
envolvidos para participar da construção desse conceito.
A oportunidade de avançar os estudos e investigações sobre a
realidade do trabalho é a fonte concreta para atentarmos para a
construção/destruição/reconstrução cotidiana dos significados e sentidos
territoriais do trabalho nos diferentes lugares; e os vínculos concretos que
se mantêm vivos/superados continuamente e que não são captados pelas
pesquisas, por exemplo, a dinâmica territorial dos trabalhadores informais
pelo país, tampouco são objeto dos sindicatos, das centrais sindicais, o
mesmo se passando nos demais países. Ainda mais as ações que se

141
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

manifestam por terra, como nos têm revelado as pesquisas sobre o tema,
tanto nas ocupações, quanto nos assentamentos rurais, como ainda por
emprego e moradia, no caso específico das ações do Movimento dos Sem
Teto, assalariados rurais.
Aceitar esse desafio intelectual e político é participar
sobremaneira da possibilidade de contribuir para a construção de
instrumental teórico-metodológico capaz de subsidiar com capacidade
explicativa e analítica, o entendimento da realidade que se apresenta nessa
viragem do século XXI para a classe trabalhadora.

3- Reestruturação Produtiva e Centralidade do Trabalho

Não seria, dessa forma, mero jogo de palavras dizermos que a


classe trabalhadora vem sendo profundamente atingida pelos mecanismos
dos quais se valem o capital, os Estados nacionais e os setores
hegemônicos, para a manutenção da extração de valor, de mais valia, às
expensas da fragilização, da desrealização crescente e intensa dos direitos
sociais conquistados por meio das lutas históricas, da despossessão, do
direito ao trabalho, da segurança no trabalho, do direito de greve, e tantos
outros.
A reestruturação produtiva do capital produz então, novas
fragmentações no interior da classe e, conseqüentemente, novas identidades
do trabalho estranhado, bem como atinge expressivos segmentos de
trabalhadores vinculados às relações de produção não essencialmente
capitalistas. Apesar da sua forma clássica se expressar no assalariamento,
também se estende aos trabalhadores por conta própria, para os autônomos,
para os camponeses. Na qualidade, pois, de elemento subordinado ao
sistema de trocas, o trabalho estranhado está aprisionado às determinações
da sujeição da renda da terra ao capital, à propriedade privada e a toda
estrutura social do edifício da dominação de classe e do destrutivismo
intrínseco ao modo capitalista de produção.
Assim, a precarização da força de trabalho (do trabalho vivo) em
geral assume formas sócio-histórico-geográficas diferenciadas ao longo do
processo de desenvolvimento capitalista.
A título de exemplo poderíamos elencar os trabalhadores de
telemarketing, os digitalizadores, os trabalhadores envolvidos na
cibernética de modo geral, que em grande medida se vinculam ao mercado
de trabalho na modalidade de subcontratados, terceirizados, ou formas
derivadas da informalização.
142
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

As repercussões desse processo para o conjunto dos trabalhadores


refletem um quadro em que a classe trabalhadora aumentou de tamanho, e
em quantidade, porém de forma heterogênea, fragmentada. Mais ainda,
diferenciada pelos territórios e lugares, e crescentemente mais precarizada,
sobretudo nos países onde predominam os baixos índices de proteção social
e de políticas sociais mais abrangentes12.
Assim, na América Latina, África, Sudeste Asiático e mais
porções periféricas da Europa e da Ásia Central, nota-se de forma muito
mais intensa do que nas outras partes do planeta, diferentemente do que se
assevera aos quatro cantos, de que o trabalho está diminuindo ou está
acabando, por meio de afirmações assemelhadas ao fim do proletariado,
fim do trabalho e de sua centralidade – aliás, afirmações amparadas nas
realidades européia, nipônica e norte-americana –a presença de aumentos
impressionantes dos contingentes de trabalhadores.
Disso poderíamos sintetizar que o trabalho não está acabando, o
emprego sim é que está moribundo. O que está em questão é a
eliminação/precarização do posto de trabalho com garantias, com
reconhecimento dos direitos sociais e trabalhistas, portador de seguridade
social e previdenciária, etc.
Como assevera Antunes (1995, p.78): “Mais fetichizada do que
em épocas anteriores, a sociabilidade contemporânea (...) reafirma e
intensifica a lógica destrutiva do sistema produtor de mercadorias e a
conseqüente vigência do trabalho estranhado”.
No âmbito da crítica marxiana à economia política, notamos que,
sob a vigência e mando do capital, o trabalho estranhado é por
conseqüência, (des)efetivação, (des)identidade, e (des)realização,
especialmente nos últimos tempos com a crescente e intensa mobilidade de
formas de expressão e de sua plasticidade vivenciadas pelo trabalhador
diante dos signos imperantes do século XXI. Mas é também fonte de
criação de humanização, é superação/negação e sua própria emancipação,,
o que nos permite pensá-lo como revolucionário13 e como emancipador de
fato.

12
A esse respeito, Antunes (1999) apresenta reflexões de longo alcance teórico e explicativo
do processo recente de transformações que recaem sobre o mundo do trabalho e que lhe
permite indagar seus sentidos , nessa viragem do século XXI.
13
Aqui demarcamos uma discordância com Kurz, em “Manifesto Contra o Trabalho”
(1998), tendo em vista limitar sua compreensão do trabalho somente enquanto
desrealização.

143
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

Se não entendemos esse processo pelo viés da dialética existente


entre negatividade/positividade e, por via de conseqüência, a potência
emancipadora do trabalho, que ao negar a sociedade do capital se afirma
enquanto ator-sujeito transformador, não nos será possível defender sua
centralidade como pressuposto para a construção de uma sociedade
anticapital.
Então, se abstraímos do contexto em foco o conteúdo e as
contradições da lógica metabólica do capital, e as dimensões ocultas do
processo em que as riquezas produzidas pelo trabalho aparecem como
produto do capital, e que nessa relação o trabalho concreto se transforma
em trabalho abstrato (parte do trabalho coletivo, social), nos resta
propormos avaliações parciais e desconectadas da totalidade.
Temos que recolocar em pauta o trabalho a partir da dialética
existente entre as dimensões abstrata e concreta, porque senão estamos
naturalizando um estado de coisas por meio de uma proposta de ruptura
radical que não oferece pistas para entendermos quais os mecanismos e
lutas que sustentam e apontam o revolucionamento social, ou o processo
permanente de construção da transformação radical da sociedade desde a
raiz. (MÉSZÁROS, 2002).
Seria impossível conceber a eliminação do trabalho, ou até em
certo limite a classe trabalhadora, enquanto vigorarem os elementos
constitutivos da estrutura societária do capital e a vigência do valor
trabalho.
Por via de conseqüência, a forte crise que abate sobre o capital
repercute no trabalho e está, pois, ligada à crise do trabalho abstrato, ou a
forma de ser do trabalho sob o reino das mercadorias no modo capitalista
de produção, e que assume um caráter estranhado sob a vigência do poder
do capital.
Portanto, quando se fala da crise da sociedade do trabalho, é
absolutamente necessário qualificar de que dimensão se está tratando: “se é
uma crise da sociedade do trabalho abstrato (...) ou se se trata da crise do
trabalho também em sua dimensão concreta, enquanto elemento
estruturante do intercâmbio social entre os homens e a natureza”.
(ANTUNES, 1995).
A centralidade ontológica do trabalho, evidentemente, não
significa que sua morfologia não tenha se alterado profundamente na
sociedade contemporânea. Ao contrário, temos sim que apreendermos as
alterações, mas é preciso que não percamos de vista, entre outras coisas,

144
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

que o abandono da centralidade do trabalho para a explicação da sociedade


contemporânea implica também o abandono da teoria do valor-trabalho.
Podemos dizer que apostar na infertilidade da não centralidade do
trabalho, ainda que 2/3 da humanidade viva o flagelo da precarização, da
exclusão, e de todas as formas de
subordinação/dominação/expropriação/sujeição, do desemprego, é o
mesmo que não conseguirmos ir além do visível, ou apostarmos na
incapacidade de apreendermos as contradições objetivas e subjetivas da
estrutura social.
O que estamos colocando em discussão é a íntima relação que
existe entre a fragmentação do trabalho e a fragmentação da práxis teórica
que se propõe formuladora e propositiva para a emancipação deste, do jugo
do capital. Ou seja, nossa linha de enfoque está direcionada para as
limitações e os problemas concernentes às teorias formuladas no âmbito do
marxismo libertário, voltado para a compreensão da classe trabalhadora (ou
ainda restrita às frações de classe); portanto não priorizamos as polêmicas e
as divergências com as demais correntes teóricas.

4- Os Limites da Teoria: Viva a Teoria!

Os desafios estão postos, e para nós o mais importante é assumir


que há limitações teóricas de elevada monta para entendermos o que está se
passando no interior da classe trabalhadora, especialmente no Brasil.
Não seria o caso de recuperarmos aqui todo o percurso da crítica
da economia política empreendida por Marx, fundamentalmente em sua
obra seminal O Capital, tampouco ampliarmos os horizontes para autores
que estão defendendo posicionamentos por fora do empreendimento de
superação das amarras do capital. Todavia, é imprescindível para os nossos
objetivos, enfatizarmos a engenhosa elaboração crítica de Marx sobre o
movimento contraditório da acumulação de capital e as vinculações e
desdobramentos para a organização dos trabalhadores e construção do
socialismo. Esse é o referencial que seguimos e que nos possibilita
reconhecer filosófica e cientificamente que Karl Marx é um autor vivo
ainda no século XXI. Entendê-lo, decifrá-lo e manter o diálogo freqüente
com os demais interlocutores é o caminho que estamos percorrendo para
fundamentarmos a crítica radical ao capital.
Assim, tendo em vista que uma das conseqüências imediatas da
extensão da lei do valor é acelerar a dissolução das comunidades e
sociedades que produzem em conformidade com o valor de uso (concreto)
145
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

ou ao autoconsumo, como é caso do campesinato, entendemos que se faz


necessário ampliar os horizontes dos significados, tanto de trabalho (como
categoria marxiana) quanto da classe trabalhadora. É no interior dessas
contradições que se refaz cotidianamente a plasticidade das diferentes
formas de expressão do trabalho humano.
Esse intento nos põe atentos e perseverantes porque a resistência
a qualquer incremento, ou atualização na formulação original marxiana é
muito marcante para alguns autores.
Lessa (2005) delimita uma blindagem a qualquer elemento novo
nos pressupostos teóricos, quando nega a necessidade da ampliação do
significado de trabalho e de classe trabalhadora, asseverando que o
proletariado não se dissolveu nos trabalhadores, para se contrapor aos
posicionamentos daqueles que protagonizam essa tese, particularmente
quando argumentam, que não há mais o antagonismo da época de Marx
entre proletariado e burguesia, mas sim uma contraposição mais global
entre trabalho e capital14. Ou ainda como aponta Bernardo (1987), quando
diz que o “desaparecimento da classe operária” corresponde a uma
expansão sem precedentes da classe trabalhadora.
Não é mais possível afirmar e sustentar empírica e teoricamente
que o proletariado é a única classe da sociedade burguesa que continua
produzindo o conteúdo material da riqueza através da transformação da
natureza com fins à reprodução social, e portanto, portadora exclusiva do
significado da revolução, sem que isso neutralize nossa posição em relação
à emancipação da classe trabalhadora e que, em decorrência, estaríamos
mais propensos à reforma em detrimento da revolução ou que estaríamos
fundindo as duas vertentes.
Assim, ao se restringirem os problemas que conferem as
diferentes realidades para os trabalhadores, em geral às determinações
econômicas, se estará retirando importância das demais formas de
determinação das formações sociais e que contemplam os aspectos
psicológicos, culturais, simbólicos, étnicos, antropológicos, sociais,
migratórios, religiosos, etc.

14
Em sua crítica, o autor inclui Ricardo Antunes, Demerval Saviani, Antonio Negri,
Maurício Lazzarato, autores com filiações distintas ao marxismo, mas que em algum
momento atentaram para a necessidade de uma revisão crítica em relação ao tratamento da
realidade social contemporânea, diante das limitações analíticas presentes no corpo teórico
original das teses marxistas, particularmente considerando os rearranjos no universo do
trabalho, nos últimos 20 anos.

146
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

É nessa urdidura que compreendemos as contradições e a síntese


das múltiplas determinações da totalidade expressa no conceito de classe
trabalhadora que intentamos refletir com base nas múltiplas dimensões do
contexto social do trabalho, com destaque, pois, para o papel da experiência
na compreensão das contradições do processo histórico (THOMPSON,
1997).
Disso depreendemos que a classe trabalhadora se apresenta
multifacética internamente, e diferenciada em frações e segmentos, o que
dificulta ainda mais a constituição de uma consciência de classe para si.
Isso mais ainda quando na teoria (no âmbito da elaboração) não se
fundamentam os posicionamentos com base nos rearranjos em marcha e os
vínculos dialéticos com o processo social mais geral.
Ou ainda, se não considerarmos as diferentes formas de expressão
do trabalho que ultrapassam as demarcações preconcebidas, se nos campos
ou se nas cidades não nos é possível compreender os fenômenos que estão
na base das mudanças da estrutura de classe, tampouco os novos
enfrentamentos e desafios para a construção de referenciais anticapital, ou a
espacialidade dos novos territórios em conflito. Então, se ficarmos presos
às determinações do trabalho estranhado e dos códigos de leis que
espelham a divisão técnica do trabalho no plano organizativo/institucional,
tal como a representação/organização sindical e os desdobramentos para as
demais formas organizativas dos movimentos sociais, não estaremos
acrescentando contribuições ao debate.
Vale notar, então, que há uma pequenês teórica ao se definir que o
movimento operário no Brasil é hoje composto, além dos setores
tradicionais do proletariado urbano e rural, por frações subproletárias
(diaristas, domiciliários, camelôs, autônomos, temporários), valendo
também para os trabalhadores rurais (arrendatários, parceiros, camponeses
pobres).
A questão que apresentamos não é de natureza semântica, mas
sim teórico-conceitual, ideológica, política. Ou seja, o que se denomina
como subproletário no contexto em que se atribui as denominações que
escapam da formulação clássica de proletário, contém quais elementos
explicativos de agora? A realidade atual pode ser entendida a partir desses
referenciais?
É importante notar que o debate em torno da compreensão dos
papéis do campesinato na contemporaneidade, na sociedade brasileira,
tanto em sua defesa quanto em sua negação é polêmico e povoado de
matizes ideológicos.

147
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

A presença do campesinato, notadamente pela sua resistência em


não desaparecer era o sinal de que o período transitório para a definitiva
implantação do capitalismo no campo ainda não se havia implementado,
sendo que assim que se efetivasse os camponeses desapareceriam.
(KAUTSKY, 1986).
Esse posicionamento que atravessa os tempos e que reserva aos
camponeses uma segunda ordem de importância, tendo em vista não lhes
corresponder nenhum papel relevante na luta de classes, está baseado, pois,
no fato de que não ocupam lugar central na produção do valor.
Diferentemente dos operários, os camponeses não estão unidos entre si por
relações múltiplas, e também o fato de serem proprietários da terra não
lhes possibilita consciência crítica em relação à superação da propriedade
privada, e das contingências políticas e históricas do passado, sobretudo os
séculos XVIII e XIX na Europa (Inglaterra, França, Alemanha).
Em síntese, a prática conflitiva dos camponeses, entendidos no
plano da subalternidade em relação à classe operária15, e conservadores por
resistirem ao desaparecimento, teria que ser neutralizada ou aliada aos
pressupostos do protagonismo da classe operária (rural e urbana).
Para completar esse raciocínio acrescentam que nos países
tipicamente capitalistas, a classe operária industrial/urbana revolucionária
engloba sem restrições o operário agrícola das grandes empresas, mas evita
a regressão do operário rural à condição de pequeno camponês. Essa
desconfiguração social do campesinato enquanto classe, também lhe valeu
a qualificação de reacionários, como retratado no Manifesto do Partido
Comunista de Marx e Engels, de 1848, e com a mesma contundência, tendo
por base as contingências históricas e políticas da França em meio à
revolução de fevereiro de 184816.
Em vista disso, defendia-se que não fazia sentido esperar que na
periferia do sistema pudesse ser gestada uma formulação alternativa mais à
frente do que nos países centrais. Até porque os resquícios do atraso eram

15
Para alguns, seria um forte sinal de deformação do marxismo ortodoxo, colocar no mesmo
plano camponeses e operários, em oposição radical à vertente estalinista, que entendia que a
revolução comunista seria a obra de um bloco de classes colocadas no mesmo plano.
16
Haveríamos de lembrar necessariamente de outras obras que ainda ocupam importância no
debate em torno da luta de classes, no âmbito marxista, dentre elas: “O Manifesto do Partido
Comunista”, de Marx e Engels, de 1848; “A luta de classes na França”, de 1850, de Marx;
“A guerra Civil na França”, de 1871, onde Marx apresenta suas reflexões sobre a Comuna
de Paris; “A guerra dos camponeses”, de 1850, de Engels; e do mesmo autor, em 1852,
“Revolução e contra-revolução na Alemanha, etc.

148
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

dimensionados como semifeudalidade, portanto o camponês seguia atado à


terra, por múltiplos procedimentos extra-econômicos, e como fornecedor de
mão-de-obra para os grandes proprietários rurais e para o setor industrial
urbano. (LÊNIN, 1982).
Essa avaliação estava delimitada à estratégia que prescrevia que a
superação do metabolismo do capital ocorreria nas sociedades capitalistas
desenvolvidas e maduras, tendo em conta que nestas a relação de
exploração do trabalho estaria mais generalizada e plenamente
desenvolvida.
O posicionamento fundante de que o modo capitalista de
produção não permite a existência do campesinato, parte do princípio de
que a produção de mercadoria é a força totalizadora do progresso e do
desenvolvimento das forças produtivas. Isso subentende que somente o
desenvolvimento pleno do capitalismo seria capaz de criar as condições
para a construção e passagem para o socialismo. Isto é, depois da revolução
burguesa viria a revolução operária ou do operariado, e o triunfo do
socialismo.
Os fatos da realidade que marcaram as primeiras décadas do
século XX, com a Revolução Russa, em 1917, depois a Chinesa nos anos
1940, subverteram essas previsões, todavia não foram suficientes para
alterar a estrutura conceitual e a ordem de grandeza das categorias
analíticas da sociedade do capital.
Engels (1981), numa crítica contundente endereçada ao Programa
Agrário do Partido Socialista Francês, em 1894, na Europa pré-
revolucionária, sustentava que os camponeses deveriam se constituir em
outro sujeito político ou num operário agrícola, forjado no interior do
processo de coletivização de terras, para assim contribuírem com a
revolução e com a construção do socialismo.
Na mesa direção argumentava Kautsky (1986), quando
asseverava que o parcelamento das terras não possibilita a emancipação dos
camponeses, diante da subordinação que os mantinha no circuito da
miserabilidade, sendo que deveria se adotar o sistema cooperativo como
pressuposto para reunir proprietários dos meios de produção e o trabalho,
sendo, pois, essa condição básica para superar a produção camponesa e
construir o socialismo.
Aqui não nos propomos a valorar as conseqüências dessa
teorização, mas foram muito importantes para o tema que nos ocupa. Basta
recordar apenas que esta teoria do desenvolvimento do capitalismo no agro
foi amplamente seguida no campo marxista, e para todos os efeitos deveria

149
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

valer para explicar a realidade, baseada no funcionamento processual


tipicamente industrial do campo, sendo que desta feita, os camponeses, em
sua maioria, seriam incapazes de competir com a grande exploração,
restando-lhes converterem-se em assalariados desta e da indústria, sendo
que para alguns restaria a oportunidade de aproveitarem de vantagens
comparativas e se incorporariam à burguesia agrária.
No interior dessa diferenciação se propagou, então, a tese de que
o cenário social no campo se reduzia, assim como para a indústria, à
burguesia agrária, como fração da classe burguesa, e o proletariado
agrícola, parte integrante da classe operária.

5- Os Passos de um Debate Inconcluso

No Brasil, o comparecimento desse assunto, no ambiente


acadêmico, a partir dos 1950 tem como alvo prioritário o projeto de
desenvolvimento e de política industrial, onde o conceito de camponês
aparece marginalmente no cenário intelectual e político por conta das Ligas
Camponesas.
Nos anos 60, a intelectualidade de esquerda estava envolvida com
os rumos da lutas pela transformação social, sendo que as críticas mais
contundentes foram dirigidas à manutenção do latifúndio que significava o
atraso do desenvolvimento econômico e social do país, tendo em vista
representar os resquícios feudais, semifeudais e coloniais, que obstaculizam
o desenvolvimento das forças produtivas capitalistas e do aumento da
produtividade do trabalho (SODRÉ, 1967)17. Conjuntamente, a idéia de
camponês que comparecia nesse cenário era a transposição do camponês
feudal da idade média, distanciado das relações capitalistas, conquanto que,
no Brasil, foi criado no interior da sociedade capitalista, no decorrer da
estagnação da produção escravista.
É por esse viés que se vincula ao debate as idéias de Alberto
Passos Guimarães, sobretudo com os clássicos “Quatro Séculos de
Latifúndio” (1989) e a ”A Crise Agrária” (1979). A compreensão de que a
rigidez do sistema latifundiário brasileiro se opunha obstinadamente às
mudanças capazes de abalar sua continuidade era vinculada ao fato de que

17
Estava presente nas reflexões de Sodré era o fato de que se fazia necessário transpor a
etapa latifundista e anti-imperialista da revolução brasileira, o que o vinculava às
formulações da II Internacional, mais propriamente às teses defendidas por Kautsky (1986)
e Lênin (1985).

150
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

a revolução técnica na agricultura chegou demasiado tarde, e ainda é


incompleta e parcial, firmando-se apenas em alguns setores e produtos
determinados, e se referia à cana-de-açúcar na zona da mata pernambucana
e alagoana e na área canavieira de Campinas e Ribeirão Preto, em São
Paulo.
É com base nessa “leitura” que apresenta a formulação que
marcou identidade para os pesquisadores e estudiosos do temário agrário
das décadas seguintes, o caráter conservador da modernização da
agricultura no Brasil, ou sinteticamente: a “modernização conservadora”18
que se verificava nos anos 1960.
No entanto, no outro pólo do debate, se apresentava Caio Prado
Júnior, que em 1966, com ”A Revolução Brasileira”, defendia ser um
equívoco aceitar a existência de relações feudais na sociedade brasileira. O
direcionamento da crítica de Prado Jr., também expresso em outras obras,
como em ”A Crise Agrária” (1979), e em diversos artigos publicados na
Revista Brasiliense, de forma pertinente confronta com a compreensão de
que a história universal é uma sucessão ordenada dos modos de produção,
ou dos “estágios sucessivos”, endossada, pois, na interpretação da
inexistência de relações feudais no Brasil.
Em termos práticos, Prado Jr. (1979), não negava a existência dos
camponeses na agropecuária brasileira, todavia se tratava de um “setor
residual da nossa economia”.
Os principais desdobramentos dessas formulações e que
marcaram intensamente os debates políticos internamente aos setores da
esquerda no país sobretudo, no âmbito do Partido Comunista, desde a
segunda metade dos anos 1960, e que ainda estão presentes é o fato de que
como no Brasil não se vivenciou o feudalismo ou formas híbridas
semifeudais, o camponês não existe e nunca existiu.
De essência risível e irresponsável, está-se diante de uma clara
simplificação ou mutilação das reflexões de Prado Jr., e de toda a
fundamentação dos próprios clássicos do marxismo, a começar pelo próprio
Marx. Simplificação ainda maior quanto mais essas questões sejam
abordadas e descontextualizadas do movimento contraditório que redefine
os sentidos polissêmicos do trabalho, em cada tempo e lugar, tendo em
18
O contraponto a essa formulação era o desenvolvimento econômico do país que exigia,
para seu pleno florescimento, um projeto que removesse os resquícios semifeudais,
latifundistas e neocoloniais, amparado numa política de Reforma Agrária que viabilizasse o
mercado interno.

151
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

vista as necessárias alianças políticas para a gestão do Estado, radicadas no


reformismo anacrônico do PCB, e de setores do sindicalismo sob sua
influência ideológica.
Essas marcas que expressam, à primeira vista, desconhecimento,
ingenuidade ou miopia intelectual e política, tamanho o desenraizamento
do processo histórico, não nos têm permitido avançar teoricamente, quiçá
no exercício da práxis das pesquisas.
Em outro momento do debate teórico, no Brasil, no final dos anos
1970, e que ainda hoje influencia sensivelmente as reflexões sobre o
campesinato, mas seguindo os referenciais que indicavam seu fim,
refletiam as teses defendidas por Lênin (1982), que sob a “leitura” de José
Graziano da Silva (1982), indicavam que com a industrialização e a
modernização da agricultura o campesinato estava fadado à extinção, e em
seu lugar se teriam trabalhadores assalariados e capitalistas no campo. O
conceito de pequena produção ganha visibilidade e substitui o de
camponês, porque representava no plano teórico, segundo seus seguidores,
a realidade do campo imerso às políticas “modernizantes” fortemente
subvencionadas pelo Estado.
Então, se, para alguns, não há possibilidades de existência do
camponês com a intensificação das relações capitalistas, tampouco é
entendido como ator efetivo da resistência e das transformações sociais. No
entanto, nas próprias formulações no campo marxista encontramos
indicações importantes para entendermos o campesinato como parte do
desenvolvimento desigual e combinado e da luta de classes.
Isso nos reserva as sinalizações para compreendermos a
resistência, a luta e o conflito de classes como razão histórica do
campesinato no capitalismo. Portanto, se os “leitores” de Marx o
entenderem como teórico das uniformidades e não das rupturas, da luta de
classes, nos passará desapercebido o fato de que o campesinato é uma
criação das relações contraditórias do capitalismo. A esse respeito,
podemos destacar os estudos de Martins (1981, 1989), e de Oliveira (1991,
2003) que, apoiados em Rosa Luxemburgo, admitem a permanência do
campesinato no interior do capitalismo. Esses autores entendem que as
relações não capitalistas de produção no campo são criadas e recriadas pelo
próprio processo contraditório de desenvolvimento do modo capitalista de
produção. Isto porque os camponeses conseguem produzir mercadorias
abaixo da taxa média de lucro, e o sistema de subordinação ao circuito
mercantil amparado na sujeição da renda da terra ao capital, faz com que a

152
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

produção camponesa transfira renda ao capital mercantil, financeiro,


agroalimentário e ao Estado19.
Isso pode ser entendido como uma traição20 às previsões de
extinção do campesinato no interior do metabolismo do capital e de sua
contingente presença residual. Em outro nível, essa traição não se restringe
ao capital, por meio da criação e recriação de relações não-capitalistas, mas
são os camponeses que traem a lógica do capitalismo por meio de sua luta.
Fabrini (2002, p. 8) é categórico a esse respeito e nos diz que: “o
capitalismo que insiste na expropriação e desaparecimento dos camponeses
é traído em suas leis pela luta dos trabalhadores do campo. Este é o caso da
luta nos assentamentos, ou seja, camponeses que têm a sua existência
garantida pela luta de resistência”, por meio das ocupações de terra.
Poderíamos acrescentar a esse respeito que a existência do
camponês assentado não nega a lógica do capital, todavia ao mesmo tempo
em que está vinculado à lógica deste, também descobre caminhos para o
rompimento dessa submissão, por exemplo, participando de novas
ocupações e engrossando as fileiras das manifestações anticapital e, no
limite, fazendo opções para estender e manter seus princípios de
sociabilidade.
Isso retrata na contemporaneidade, tanto o revés da expropriação
(contradição vinculada à reprodução e existência do campesinato), quanto
da raiz camponesa dos sem-terra que sustenta vivo o movimento social que
tem na luta pela terra e nas ocupações, a perspectiva de fortalecimento da
luta de classes no Brasil21, e espraiando referências para outros movimentos
sociais (rurais e urbanos) de todo o planeta22.
Entendemos, pois, que essa capacidade de resistência e de
manutenção da família camponesa, dos valores culturais, antropológicos,
etc., deve ser entendida não como agravante para o reconhecimento do
significado de classe do campesinato.

19
Amin e Vergopoulos (1986) argumentam que o que mais pesa ao camponês não é o
latifundiário, mas o capital bancário, o capital mercantil.
20
Cf. OLIVEIRA, 1981.
21
Carvalho (2005, p.5 e 7), nos indica que essas experiências de resistência fazem emergir
elementos renovados das comunidades camponesas, ou reavivados de outros tempos, em
contraposição às imposições da racionalidade capitalista.
22
É o que observamos através das pesquisas que realizamos na Espanha, nas entrevistas,
visitações, participações em eventos camponeses e operários, e o contato com a literatura
específica, bem como a participação em eventos em outros países, e de âmbito internacional.

153
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

Como assinala Carvalho (2005, p.5 e 7), essas experiências de


resistência fazem emergir elementos renovados das comunidades
camponesas, ou reavivados de outros tempos, em contraposição às
imposições da racionalidade capitalista. E ainda põem em evidência marcas
lamentáveis de um passado colonial e de um presente neocolonial, que
revelam os aspectos que os segmentos minoritários da sociedade, todavia
hegemônicos, sempre utilizaram para efetivar seu poder de classe, tais
como: acesso à renda, terra, crédito, educação, e jogo de favores e benesses,
é o que sempre faltou ou esteve ausente para o conjunto dos trabalhadores.
Mais recentemente, o exercício de outras atividades fora dos
limites da terra de trabalho, vem sendo intensificado também pela prática
de outras realizações dentro da própria unidade produtiva, que se
circunscrevem como rurais e não propriamente agrárias, tais como o
turismo, os pesque-pague, etc. Essa multifuncionalidade ou a pluriatividade
da agricultura, como vem sendo abordada23, na verdade, complexifica ainda
mais o quadro societal do trabalho envolvido no campo e na cidade, apesar
de não ser um fenômeno recente. Isto é, ultrapassa os limites espaciais de
realização territorial da atividade laborativa rural, e os significados e papéis
sociais do camponês, ou de forma mais ampla, a composição da classe
trabalhadora.
Sem contar o apego à especificidade da atividade laborativa
principal, como lavrar a terra, cuidar das plantações, tratar dos animais,
tanto por parte de pesquisadores, quanto de sindicalistas, para expressar o
entendimento de que o referencial do processo mais geral de divisão técnica
do trabalho é o que delimita o campesinato como parte ou não na classe
trabalhadora.
Assim, não se estaria diante da classificação direta ou
subentendida de subproletários ou de classe subordinada à classe operária,
mas sim de uma classe ou segmento (a depender da situação), dissociado da
complexa trama social que caracteriza a comunidade camponesa, que de
forma mais intensa em países como o Brasil, vive a duplicidade de ser
camponês e de exercer outras atividades laborativas, bem como em alguns
momentos utilizar trabalhadores assalariados, sendo, pois, essa a condição
para manter sua realidade/identidade camponesa24. Por outro lado, a
metamorfose25, que transforma camponês em agricultor familiar, ou seja, o

23
Cf. ALENTEJANO, 1999; SCHNEIDER, 2003; GRAZIANO DA SILVA, 1999.
24
A esse respeito ver: OLIVEIRA, 2003; MARTINS, 1981; FERNANDES, 2004.
25
Cf. ABRAMOVAY, 1992.

154
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

que era um modo de vida converte-se em profissão, numa forma de


trabalho, exclui o campesinato da denominação profissional, e como tal
para fugir dessa injuriosa classificação lhe resta a integração ao mercado,
completo de preferência, integrados plenamente à subordinação do capital,
e à impessoalização do mundo moderno deste.26.
De todo modo, seja em qual campo esteja, se entendido como
camponês ou como agricultor familiar, a ideologização do enquadramento
do profissional agricultor familiar amplifica a fetichização do conteúdo da
lavra desse ator social com a terra, retirando-lhe os qualificativos sociais
diferenciadores, tais como a luta da resistência, o componente da estrutura
familiar/camponesa e, especialmente, a luta anticapital27.
Desse ambiente de (re)definições e tensionamentos teórico-
políticos nos propomos identificar o rompimento e as
fronteiras/ideologizações que se erguem/defendem/constroem para
desconsiderar os camponeses como trabalhadores, ou como ator social que
compõe o universo do trabalho, em detrimento de ser profissional28, sem
desconsiderarmos as controvérsias e disputas que apontamos acima e que
convergem para a definição dos marcos da agricultura familiar, que
portanto não seria mais camponesa.
Essa compreensão é defendida no Brasil por Abramovay (1992),
e ecoa nas atribuições sobre a diferenciação entre agricultura camponesa e
agricultura familiar, como elemento catalisador de importância artificial
diante da luta política, ou mais propriamente da luta de classes. Segundo as

26
Esse assunto está apresentado por Fernandes (2004), oportunidade em que aborda as
polêmicas entre os paradigmas da Questão Agrária, e do Capitalismo Agrário. Nesse texto,
encontra-se os apontamentos que defendem a extinção do campesinato, por meios
diferentes: da diferenciação interna, como proposta por Lênin e Kautsky; e por meio de sua
integração ao mercado, mas já na condição de agricultor familiar, como proposto por
Abramovay (1992), numa clara alusão à metamorfose para outro ator social, agora
incorporado ao desenvolvimento do capitalismo.
27
É por esse referencial que pretendemos guiar nossas pesquisas e reflexões, ou seja,
considerando a complexidade das relações sociais que expressam nada mais do que o
conteúdo plural das formas de externalização do trabalho, suas territorialidades e dinâmicas
espaciais, e significados específicos nos lugares.
28
No Brasil esse posicionamento é mais dissimulado e comparece de forma sutil nas
avaliações dos camponeses, fato que não ocorre com tanta freqüência no âmbito dos
assentamentos oriundos da luta pela terra, o que de certa forma pode indicar uma certa
sintonia com o que estamos encontrando também junto aos dirigentes sindicais e os próprios
camponeses na Espanha, Portugal, e para a França com base nos depoimentos e entrevistas
junto a dirigentes sindicais, e Inglaterra e Alemanha em informações secundárias e
documentais.

155
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

formulações desse autor, o camponês é considerado um profissional quando


inserido em relações de produção modernizadas e na adoção e manuseio de
técnicas de produção que o vincula ao mercado, e que portanto, o identifica
com o desenho predefinido da agricultura familiar, já numa clara
metamorfose desse ator social. Já os camponeses propriamente ditos, não
fazem parte desse cenário e estão, quando muito, integrados parcialmente
aos mercados incompletos porque estão mais arraigados à subsistência, e
portanto dispõem apenas a identidade de um modo de vida, e não um
modelo de organização produtiva para a agricultura moderna.
Estamos diante de uma falsa polarização, de um fetiche, pois
esvaziado de conteúdo e sentido de classe, confunde os próprios
trabalhadores e subverte as contradições do processo social. Isto é, não
estaríamos, de fato, marcando uma diferença teórico-política, e sugerindo
elucidações e aclaramentos, se a priori utilizarmos essa ou aquela
denominação, sem que estejam acompanhadas do conteúdo do processo
social da hegemonia burguesa e do capital (em todas as suas extensões), e
portanto, os verdadeiros objetivos de classe, até porque “a exploração
camponesa é familiar, mas nem todas as explorações familiares são
camponesas”29.
Seja qual for a formulação que se assuma, é necessário ampará-la
teórico-conceitualmente, para não ficarmos apostando num mero jogo de
palavras, e nos escapando a compreensão que tais terminologias carregam
em termos de ações oriundas do Estado, dos setores hegemônicos do
agronegócio e formadores de opinião, espraiando-se e revigorando-se no
âmbito dos trabalhadores, dos sindicatos, das centrais sindicais, dos
movimentos sociais.
Assim, os fundamentos da Política Agrária do governo brasileiro
ao longo dos últimos 10 anos, estão diretamente vinculados aos
pressupostos do mercado externo ou das exportações, em detrimento de
alternativas factíveis para fortalecerem o mercado interno, a fixação dos
trabalhadores e suas famílias na terra, e a priorização da produção
camponesa e familiar. Dessa forma, estaríamos assumindo uma falsa
questão como elemento central para ser discutido no âmbito da classe
trabalhadora, pois quem controla a situação e defende as prerrogativas e
pressupostos das classes dominantes, exerce a hegemonia sobre ambas as
situações. Ou seja, diante de um aparente quadro dual (camponês -
agricultor familiar), o controle seria exercido sobre a situação e a oposição,

29
Cf. LAMARCHE, 1993, p.16.

156
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

a depender da conjuntura e do conteúdo das alianças políticas30, o que em


termos práticos não nos possibilita entender a extensão e o conteúdo das
contradições no âmbito da classe trabalhadora, mas apenas adotarmos as
fragmentações forjadas e alimentadas com interesses que se contraditam
com os interesses dos trabalhadores.
Entendemos então, que nenhum modelo pode substituir o que
deveria ser a verdadeira formação de classe em determinado momento
histórico; o movimento das contradições, os projetos políticos em questão,
etc. Da mesma forma, esses questionamentos nos põem a pensar nas
possíveis insuficiências do conceito de classe operária, especialmente se
deixarmos de considerar o que está ocorrendo com o trabalho de maneira
geral, mediante as ações simultâneas e conjugadas da precarização,
desrealização, heterogeneização e fragmentação.
As pesquisas é que nos vão permitir amplificar, aprofundar,
aclarar e qualificar a crítica aos pressupostos já consolidados nessas
alternativas explicativas que não têm oferecido eficiência e potência para
nos ajudar entender o mundo real dos nossos tempos. A fragilidade dessa
atribuição/definição não resistiria às primeiras instabilizações provocadas
por qualquer tropeço da política econômica do governo, ou vendaval
externo, e que repercutisse diretamente na inflação, na saúde da economia,
e na taxa de juros selic.
A esperada despolitização da questão agrária com a substituição
do enunciado conceitual de camponês para pequeno produtor, tendo em
vista que a centralidade da dimensão do trabalho se resolveria via mercado
(capacidade de adotar o pacote tecnológico e de absorver dos subsídios
públicos e políticas creditícias), a utilização combinada, e por certo,
desenraizada das motivações originais, produziu muita confusão no debate
teórico. Isto porque, se na origem, a substituição do conceito-ator social de
camponês para pequeno produtor não significava somente uma mera
substituição, mas um conjunto de entendimentos que propugnavam outros
referenciais de compreensão do processo social, visão de futuro e do
conflito de classes, na prática e no exercício dos estudos essas diferenças se
plasmaram.

30
Para ilustrar esse cenário, poderíamos nos remeter à fala polarização entre PSDB e PT no
Brasil, nesse início do século XXI, pois sob nenhuma suspeita, sob a batuta de qualquer uma
dessas legendas o capital e a burguesia continuariam expressando sua hegemonia sobre todo
o tecido social, o mesmo se passando, num paralelismo histórico, com a coexistência no
poder, nos EUA, dos partidos Democrata e Republicano.

157
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

O alcance desse vínculo se enraíza no agronegócio, para captar


uma expressão do momento, numa clara alusão à “necessária” inserção no
sistema produtor de mercadorias em bases tecnológicas (mecânicas,
químico-farmacêutico-biológicas, gerenciais), voltado para o mercado
externo e de gestão empresarial. A agricultura familiar estaria se efetivando
como alternativa para fortalecer as fileiras do desenvolvimento das práticas
capitalistas, ou seja, uma aposta no fim do campesinato.
Está-se diante de uma orquestração ideológica por parte dos
segmentos hegemônicos e do Estado, para despolitizar o debate em torno
da questão agrária, da luta pela terra e da Reforma Agrária, que atingiu no
início dos anos 1990, lugar de destaque, e logo abafado pelas ações
repressivas do governo Collor para, na seqüência, assumir novamente a
dianteira nas lutas sociais, já na segunda metade desta década.
Mais do que pretender apresentar-se como alternativa à
agricultura camponesa ou ao modo camponês de vida e de trabalho,
fundado na família e na terra individual, há outros interesses que se somam
a estes e dão sustentação às estratégias da Política Agrária do governo
brasileiro, que por sua vez estão padronizadas às formulações originárias do
BM, particulamente na Reforma Agrária de mercado, no desenvolvimento
territorial rural, e apregoadas pela Política Agrícola Comum (PAC), da
União Européia, e pela Farm Bill, dos Estados Unidos da América.
(THOMAZ JR., 2005b).
Tamanha rede de articulações, mediações e contradições para
plantar uma formulação ideológica, com vistas a colher os frutos muito
rapidamente, dado a eficiência dos fundamentos que vinculam a agricultura
familiar às relações tecnológicas modernas do modelo agroexportador do
agronegócio, e que está associado ao desmantelamento da estrutura
camponesa.
Como que num passe de mágica, a negação da agricultura
camponesa se dá ao mesmo tempo em que se afirma e se propugna sua
manutenção, mas com outro nome, sob outros enunciados e fundamentos
políticos, ideológicos, econômicos, sociais. Então, se não valessem os maus
tratos, alijamento e descaso das formulações das políticas públicas para
com a agricultura camponesa, com esses novos referenciais, toda a
produção e os sucessos da vocação exportadora do Brasil, seriam
atribuídos à agricultura familiar, conforme os programas oficiais e o
marketing midiático.
Então, mais do que recriar de forma restrita aos seus pressupostos
e requisitos tático-estratégicos, o capital e o Estado propõem destruir um

158
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

modelo e recriar outro, com a mesma gente, na mesma terra, ou em terras


distantes, com a mesma história de vida, todavia sob outros pressupostos e
paradigmas.
Eis o pulo do gato dessa construção ideológica que,
diferentemente do que ocorrera com o conceito de pequeno produtor, dos
anos 1980, agora como assinala Marques (2002, p.3): “a defesa do conceito
de agricultura familiar passa pela afirmação de sua diferença em relação ao
camponês, que não mais se aplicaria às novas realidades criadas”. Ou seja,
todos os pressupostos dos planos e projetos de ação pública têm como
referência a questão das diferentes formas de subordinação do trabalho
(agricultor) ao capital e, conseqüentemente, os desdobramentos do processo
de diferenciação social interna à produção familiar.
Dessa forma, retira da compreensão dos agricultores a sujeição da
renda da terra ao capital e, portanto, os aspectos econômicos da dominação
de classe, esvaziando politicamente a necessidade da Reforma Agrária,
alijando qualquer vínculo dos trabalhadores Sem Terra à essa lógica. Mais
ainda, retira os conflitos de classe de cena, e transfere todos os problemas
para o mercado e para as políticas de incentivo à produção, já que os
mesmos estariam sendo resolvidos à medida que se apresentem soluções e
medidas concretas para o aumento da produtividade, preços remuneradores,
apoio para o escoamento da produção, etc.
No entanto, não se está diante de uma realidade estática, mas
dinâmica e que revela os conteúdos contraditórios dos conflitos subjacentes
por meio da não aceitação mecânica dessa condição. É por isso que não
considerá-la natural pode expressar a luta contra as práticas de
subordinação, exploração do camponês, bem como a sujeição da renda da
terra pelo capital (empresas agroindustriais, agroalimentárias, Bancos). Já a
expropriação do camponês da terra, se traduziria na sua destruição, e por
meio da luta pela terra, das ocupações, recriar-se-ia novamente no território
camponês, o que lhe reservaria uma trajetória marcada por conflitos,
contradições, ambigüidades e disputas. Mas seguramente, optar pela
compreensão da questão agrária através do pressuposto da
superação/negação da sociedade do capital, do seu metabolismo destrutivo,
é o que pode garantir experiências de transformação radical da sociedade.
Assim, entendemos que a recriação do campesinato por meio do
arrendamento, da compra de terra, e da sua ocupação, , que seguem rotinas
específicas no tocante à dinâmica da sujeição da renda da terra ao capital,
também reflete os pressupostos da expropriação dos camponeses que se
desterritorializam e vão vivenciar as experiências da proletarização. Mas

159
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

em momento posterior se recriam revitalizando os esquemas de sujeição e


de subordinação, todavia também negando sua submissão à transferência de
renda, e ainda à proletarização em outro momento.
Como vimos, esse assunto ganha amplas dimensões, mas dado os
limites assumidos para esse texto, nos reservaremos apenas a demarcar que
há posições distintas em respeito à existência, aos papéis e às perspectivas
históricas para o campesinato.
No entanto, gostaríamos de retomar as reflexões que nos filiam ao
debate interno ao marxismo, porque entendemos que em grande medida
estão vinculadas às elaborações/teorizações protagonizadas pelos clássicos,
quando nos reservamos ao marxismo, e cerram fileiras não somente nos
círculos acadêmicos/universitários, mas também internamente ao próprio
movimento camponês.

6-Considerações Finais

Então, o apregoado fim do campesinato, em suas múltiplas


compreensões, desde aquelas amparadas nas formulações mais
conservadoras até aquelas em que sua extinção pode significar o início de
relações modernas e amparadas no desenvolvimento das forças produtivas,
não foi comprovado empiricamente.
Tanto a diferenciação gerada pela sujeição da renda da terra e
pela materialização da renda capitalizada da terra que o destrói,
transformando-o em uma parcela pequena em capitalista e a grande maioria
em assalariados, quanto a crença da inviabilidade da agricultura camponesa
diante da hegemonia da agricultura capitalista, ofuscam sua existência.
A rigidez dos modelos e esquemas interpretativos está
prevalecendo sobre o fenômeno histórico que se propõe teorizar. As
formulações predefinidas refutam o processo histórico empírico real de
formação das classes.
As classes sociais não existem como entidades separadas que
olham ao redor, localizam um inimigo de classe e travam a batalha. Não
devemos falar de classe sem que essas pessoas em meio a outros grupos,
diante da luta, inclusive em seu aspecto cultural, entrem em relação e em
oposição do ponto de vista classista, ou ainda que modifiquem as relações
de classe já existentes. Resulta então que, uma classe não pode existir sem
consciência de si mesma, ou então não é ainda uma classe social.
(THOMPSON, 1997). Compartilhamos com o autor, quando exprime a

160
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

idéia de que a consciência é simplesmente o que é, nem verdadeira, nem


falsa.
Assim, atribuir o termo classe a um grupo privado de consciência
de classe, ou de cultura de classe, e que não atue nessa direção é um
posicionamento vazio de sentido e de significado. Até porque a classe se
delineia de acordo como os homens e as mulheres experimentam relações
de produção e segundo as situações determinadas no interior das relações
sociais e como se apropriaram dessas experiências em nível cultural.
Então, ao enquadrar os milhões de trabalhadores e trabalhadoras
camponeses e camponesas na categoria subproletários, tanto não
reconhecem os camponeses, como classe específica (para si), tampouco
como classe trabalhadora, secundarizando-os ao se desprezar sua
capacidade de combate anticapital. Em que medida essa formulação
arraigada aos fundamentos do capitalismo do século XIX e início do século
XX, base da fundamentação teórica dos clássicos e portanto, desfocada do
atual embate da luta de classes nos permite entender a espacialização dos
movimentos sociais, e o embate entre as classes sociais, no Brasil, nesse
início de século XXI?
E aqueles que estão diretamente envolvidos na temática da luta
pela terra e pela Reforma Agrária, com vínculos e origens diferenciadas do
ponto de vista histórico e geográfico, ou as especificidades dos territórios
em conflito?
O que ponderamos é que as lutas em torno da posse da terra, ou
mais ainda, da Reforma Agrária – mesmo com todas as limitações que essa
estratégia de luta contém – têm sido capazes de mobilizar inúmeros setores
do universo do trabalho.
Poderíamos apontar alguns exemplos: no Brasil, as Marchas
nacionais do MST, como a última, de 2005 que catalisou forças e apoios de
amplos setores do sindicalismo e dos movimentos sociais em geral; na
Bolívia, com a erupção camponesa e do operariado mineiro/industrial, em
resistência à política econômica, e a ascensão à presidência da República,
de Evo Morales; no México, as mobilizações de Chiapas, que protagonizam
novos referenciais de vida e organização autônoma para o conjunto dos
trabalhadores mexicanos, fundada, pois, nos princípios da liberdade para
além das amarras do capital; na Venezuela, o processo nascente de
Reforma Agrária e de expropriação dos latifúndios. Sem contar as demais
mobilizações de massa na América latina, com amplo ascenso camponês e
indígena, que do México à Guatemala, ao Equador, à Colômbia, ao
Paraguai,, se destaca em nível internacional.

161
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

Essas sinalizações são importantes, apesar de insuficientes, para


o fortalecimento e ampliação das ações anticapital, mas que se somam aos
protestos que continuam se multiplicando nos países centrais, a exemplo
das manifestações nas cidades que sediam os encontros das cúpulas da
Organização Mundial do Comércio (OMC), G-8 (Seatle, Melbourne, Praga,
Nice, Hong Kong, Gênova).
Poderíamos lembrar também das seis edições dos Fóruns Sociais
Mundiais, e uma série de Fóruns Regionais. Inclusive, têm influenciado
positiva e amplamente, a dirigentes, militantes e as próprias entidades e os
trabalhadores de diversos continentes31.
Poderíamos destacar: as experiências registradas pela Via
Campesina; pelo Fórum Mundial dos Pescadores, explicitadas
publicamente durante o Fórum Mundial de Reforma Agrária (FMRA),
realizado em Valência, em dezembro de 2004.
No entanto, diante dos imperativos da desinformação, e dos
demais instrumentos de controle ideológico sob comando dos setores
hegemônicos da burguesia, do Estado, do grande capital, tem-se a
prevalência da anti-solidariedade reinante no interior do universo do
trabalho, dos movimentos sociais em geral. Mesmo diante do cenário de
imobilismo mais acentuado, verificado para o operariado, a bandeira da
Reforma Agrária e todo o contexto social e político que mobiliza, ainda
será relegada por expressivo contingente de militantes, políticos,
pesquisadores e cientistas.
Será que isso se deve ao fato da Reforma Agrária não prescrever
os caminhos previamente traçados de como deve ou deveriam ser/conter as
lutas emancipatórias, ou mesmo a revolução socialista? Se com esses ou
aqueles elementos, determinados por tais ou quais arranjos da conjuntura e
das alianças políticas não tem credibilidade revolucionária porque não foi
capaz de destruir a propriedade privada da terra? Por aglutinar, por certo,
maior contingente de camponeses e não de operários puros/clássicos (aliás,
continuamente massacrados pela fúria destrutiva do capital), menos atenção
ou importância se reservaria ao tema já que não conteria os aspectos

31
É o caso da erupção camponesa e do operariado mineiro/industrial na Bolívia, em
resistência à política econômica do governo e às reivindicações do Movimento Ao
Socialismo (MAS), que põem em relevo a estrutura de dominação de classe nesse país do
altiplano andino, e mais recentemente a eleição de Evo Morales para presidente da
República; as mobilizações em Chiapas, no Equador, na Colômbia, na Venezuela, e outros
casos.

162
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

elementares e predefinidores do momento revolucionário? Em síntese, por


não conter no seu núcleo central os atores-sujeitos revolucionários, a luta
pela Reforma Agrária e o conjunto das lutas que daí podem
derivar/influenciar, estariam fadadas ao insucesso, e nem sequer
tangenciariam os pressupostos das lutas emancipatórias.
E o que dizer, então, dos pressupostos do marxismo ortodoxo que
assevera ser somente a classe operária a encarregada de libertar os
trabalhadores do jugo do capital, tendo em vista viver a radicalidade de
somente possuir a força de trabalho e, portanto, de manifestar oposição
radical ao capital? Insistimos, mais uma vez, que diante do quadro social do
universo do trabalho, da dinâmica do conflito e da própria práxis da luta de
classes, que poderemos compreender as contradições do tecido social. Do
contrário, ficaremos de costas para o processo social, para as exigências e
desafios do contexto histórico, e eternizaremos as referências teóricas,
políticas e ideológicas que não nos permitem entender/intervir na raiz do
conflito de classe.
Com isso, estamos colocando em questão a asfixia em se encontra
a ortodoxia marxiana, que blinda a oxigenação da teoria para preservar a
formulação original, negando a própria dialética, e as limitações
ideológicas e políticas que devem e podem ser repensadas e reformuladas.
Ou seja, na prática as expressões vivas da luta de classes que apresentamos,
vêm mostrando que as fronteiras e as fragmentações da teoria e das
ideologias engessadas nas formulações
decimônicas(desarmônicas?)precisam ser revistas, ou ainda que o
intemperismo do processo social está freando os avanços requeridos pelos
trabalhadores, portanto, é necessário que sejam “checadas” no ninho.
Tudo isso está nos cobrando novas compreensões, especialmente
diante do intenso refluxo, desde meados da década de 1990, nos setores
mais próximos do núcleo central produtivo/industrial e de serviços. E
também, o fortalecimento dos movimentos sociais diretamente envolvidos
nas ocupações de terra, que recobrem parcelas expressivas de camponeses e
produtores familiares com pouca terra, desterreados, e elevados
contingentes de desempregados oriundos dos centros urbanos e dos
campos.
Esse quadro se complexifica ainda mais quando se define a priori
os elementos avaliativos gerais e específicos para classificar/enquadrar
determinadas especificidades vividas pelas diferentes condições de trabalho
e de vida dos trabalhadores nessa viragem do século XXI. Os nexos de
convivência no âmbito do trabalho estranhado perdem-se, e com ele a

163
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

necessária compreensão interativa entre os reais significados desse


processo para a classe trabalhadora, quando não se considera o fluxo
constante e contraditório das formas geográficas de externalização do
trabalho. Na verdade, esse processo não tem sido entendido porque os
instrumentos teórico-conceituais estão distantes da práxis histórica, social e
concreta do trabalho.
Entendemos ser de suma importância apresentarmos essas idéias
para o debate público, para qualificarmos nossa compreensão sobre o
conflito irreconciliável entre capital e trabalho. É imprescindível apostar na
resistência e na busca de alternativas direcionadas para a construção da
autonomia dos trabalhadores, para além do capital.
Daí que a construção teórica do conceito de classe trabalhadora
comparece como um dos nossos objetivos, e produto das contribuições que
estamos colhendo das pesquisas, e dos aprendizados coletivos em curso,
encimados na dinâmica geográfica da totalidade viva do trabalho. Todavia,
estamos seguros de que a classe trabalhadora nesse início do século XXI, só
poderá ser entendida se formos capazes de enxergar o movimento de
(des)realização do trabalho que (re)qualifica a plasticidade constantemente
refeitada, e toda a ordem de fetiches que lhe é intrínseca, por exemplo, ser
operário e ser camponês, nessa ou naquela condição, tempo e lugar.
A polêmica que esse assunto recobre tensiona um debate que não
se circunscreve tão-somente à instância acadêmica, pois se enraíza
essencialmente ao movimento social como um todo, e despovoado dos
Partidos Políticos.

7-Bibliografia

ABRAMOVAY, R. Paradigmas do Capitalismo Agrário em Questão.


São Paulo, Hucitec. 1992.
ALENTEJANO, P. R. R. Pluriatividade, uma noção válida para a análise da
realidade agrária brasileira? IN: TEDESCO (Org.). Agricultura Familiar:
Realidades e Perspectivas. Passo Fundo: Ediupf, 1999. p. 147-173.
ALVES, G. A. P. O Novo e Precário Mundo do Trabalho. São Paulo:
Boitempo, 2000.
AMIN, S.; VERGOPOULOS, K. A Questão Agrária e o Capitalismo.
Trad. Beatriz Resende. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1986.
ANTUNES, R. Os Sentidos do Trabalho. São Paulo: Boitempo, 1999.
ANTUNES, R. Adeus ao Trabalho? São Paulo: Cortez, 1995.

164
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

BERNARDO, J. Capital, Sindicatos, Gestores. São Paulo: Edições


Vértice, 1987.
CARVALHO, H. M. Campesinato e a Democratização da Renda e da
Riqueza no Campo. Curitiba, 2005. (Mimeografado).
ENGELS, F. O Problema Camponês na França e na Alemanha. In: Silva,
J.G. e Stolcke, V. (Orgs.). A Questão Agrária. São Paulo: Brasiliense.
1981. 59-80.
FABRINI, João E. Globalização e a Luta pela Terra. Ciência Geográfica,
Bauru-SP, v. III, n. 23, p. 31-38, 2002.
FERNANDES, B. M. A Formação do MST no Brasil. Rio de Janeiro:
Vozes, 2000.
FERNANDES, Bernardo Mançano. Questões da Via Campesina. Anais
do 6º Congresso Brasileiro de Geógrafos. Goiânia, 2004. Acesso:
http://www.lead.uerj.br/VICBG-2004/Eixo1/e1_contsn4.htm.
GUIMARÃES, Alberto P. A Crise Agrária. Paz e terra, Rio de
Janeiro, 1979.
GUIMARÃES, Alberto P. Quatro Séculos de Latifúndio. 6ª. ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1989.
KAUTSKI, Karl. A Questão Agrária. São Paulo: Nova Cultural. 1986.
KURZ, R. Manifesto Contra o Trabalho. São Paulo, 1998.
(Mimeografado).
KURZ, R. O Colapso da Modernização. São Paulo: Paz e Terra, 1993.
LAMARCHE, Hugues (coord.). A Agricultura Familiar: uma realidade
multiforme. Campinas, Editora da Unicamp, 1993.
LÊNIN, V. I. O Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo. Lisboa:
Edições Avante, 1975.
LÊNIN. V. I. O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia. Obras
Escolhisas. São Paulo: Alfa-Ômega, 1982.
LÊNIN, Vladimir. Ilitch. O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia.
São Paulo: Nova Cultural, 1985.
LESSA, S. Centralidade Ontológica do Trabalho e Centralidade Política
Proletária. Lutas Sociais, São Paulo, n/ 13 e 14, pp.106-121, 2005.
MARQUES, M. I. M. A Atualidade do Uso do Conceito de Camponês. In:
XIII Encontro Nacional de Geógrafos, 2002, João Pessoa. Anais do XIII
Encontro Nacional de Geógrafos (CDROM), 2002.
MARTINS, J. S. Os Camponeses e a Política no Brasil. 4 ed., Petrópolis:
Vozes. 1981.
MARTINS, J. S. O Poder do Atraso: ensaios de sociologia da história
lenta. São Paulo: Cortez, 1989.

165
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

MARX, Karl. Capítulo VI Inédito de O Capital. São Paulo: Ciências


Humanas, 1978.
MARX, Karl. O Capital. São Paulo: Civilização Brasileira, 1982.
MARX, Karl. O 18 de Brumário de Luis Bonaparte. São Paulo: Moraes,
1987.
MÉSZÁROS, I. Para Além do Capital. São Paulo: Boitempo, 2002.
MAZOYER, M. Defendendo al Campesinado en un Contexto de
Globalización. Crise agrícola, crise alimentar e crise geral contemporánea.
Disponível: www. Acesso em: 10 de outubro de 2004.
NASCIMENTO, C. A. Pluriatividade, Pobreza Rural e Políticas
Públicas. Tese de Doutorado. Instituto de Economia/UNICAMP.
Campinas, 2005. (Edição do Autor). 227 p.
OLIVEIRA, A. U. Agricultura Camponesa no Brasil. São Paulo:
Contexto. 1991.
OLIVEIRA, A. U. Barbárie e modernidade: o agronegócio e as
transformações no campo. Cadernos do XII Encontro Nacional do MST.
São Paulo: MST, 2003.
ONU. Informações Estatísticas. (Vários anos). Disponível em:
http://www.onu-brasil.org.br/
PRADO JR., C. A Revolução Brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1966.
PRADO JR., C. A Questão Agrária. São Paulo: Brasiliense, 1979.
SANTOS. Douglas. A Reinvenção do Espaço. São Paulo: Editora
UNESP, 2002, 217p.
SCHNEIDER, S., Pluriatividade na Agricultura Familiar. Porto Alegre:
Editora da UFRGS, 2003.
SEVILLA GUZMÁN, E., Agroecología y Desarrollo Rural Sustentable:
Una propuesta desde Latinoamérica. En Agroecología. El camino hacia
una agricultura sustentable. Buenos Aires: Ediciones Científicas
Americanas, 2002.
SEVILLA GUZMÁN, E.; WOODGATE, G. Desarrollo Rural Sostenible:
de la Agricultura Industrial a la Agroecología. En Sociología del Medio
Ambiente. Una perspectiva Internacional. Madrid: Mc Graw Hill, 2002.
SILVA, José Graziano da. A Modernização Dolorosa. Rio de Janeiro,
Zahar Ed., 1982.
SILVA, José Graziano da. Tecnologia e Agricultura Familiar. Porto
Alegre, Ed Univ.UFRGS, 1999.
THOMAZ JR., A. A (Des)ordem Societal e Territorial do Ttrabalho. A
(Des)Ordem Societal e Territorial do Trabalho. (Os limites para a

166
Geografia e Trabalho no Século XXI - Vol.2

unificação orgânica). In: MARQUES, M. I. (Org.). São Paulo: Laboratório


de Geografia Rural, 2004a.
THOMAZ JR., A. “Reestruturação Produtiva do Capital no Campo, no
Século XXI, e os Desafios para o Trabalho”. Fórum Mundial sobre
Reforma Agraria – Fondo Documental, 2004b. Disponível em:
www.cerai.es/fmra/archivo/thomaz_junior.pdf Acesso em: 03/01/2005.
THOMAZ JR., A. “Leitura” Geográfica da Práxis Social do Trabalho.In:
Abalar, Santiago de Compostela, n.5, 2005a.
THOMAZ JR., A. Reestruturação Produtiva do Capital no Campo e os
Desafios para o Trabalho. Relatório de Pesquisa/CNPq. Estágio de Pós-
Doutorado. Santiago de Compostela, 2005b. (Mimeogr.) 238 p.
THOMPSON, E. P. A Formação da Classe Operária. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1997. (v. 1, 2 e 3).

167

Você também pode gostar