Você está na página 1de 110

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA – CURSO DE MESTRADO

GUSTAVO GABRIEL GARCIA

A TERRA PROMETIDA:
GEOGRAFIA E LITERATURA ENQUANTO REPRESENTAÇÃO DO ESPAÇO
VIVIDO

MARINGÁ
2020
GUSTAVO GABRIEL GARCIA

A TERRA PROMETIDA:
GEOGRAFIA E LITERATURA ENQUANTO REPRESENTAÇÃO DO ESPAÇO
VIVIDO

Dissertação submetida ao Curso de


Mestrado em Geografia, área de
concentração: Análise Regional e Ambiental,
do Departamento de Geografia da
Universidade Estadual de Maringá – UEM em
cumprimento aos requisitos necessários à
obtenção do título de Mestre em
Geografia.

Orientador: Prof. Dr. Henrique Manoel da


Silva

MARINGÁ
2020
RESUMO

Nesse trabalho, buscou-se problematizar as relações possíveis entre Geografia e


Literatura, e suas contribuições para a pesquisa geográfica. Autores como Armand
Frèmont (1980), Roberto Lobato Corrêa (2011); Carlos Augusto de Figueiredo
Monteiro (2002); Márc Brousseau (2007), contribuíram no avanço da Literatura como
campo de pesquisa na ciência geográfica, que possibilitou enriquecer a análise
cientifica pela criação artística, assim, a realidade geográfica, juntar-se-á as
categorias subjetivas do imaginário. A Literatura em sua linguagem representa a
condição humana, que faz emergir a espacialidade e a temporalidade, tonando-se
referência, enquanto conteúdo na aprendizagem do espaço da vida, possibilitando
fundar a Geografia que enfatiza as experiências humanas, enquanto ficcional e real.
Dessa forma, se interpela uma Geografia da experimentação através da Literatura, a
qual representa as espacialidades ignoradas pelos meios de comunicações oficiais.
A presente dissertação tratou das narrativas da obra “Os Sertões” de Euclides da
Cunha como “Geração do Deserto” de Guido Wilmar Sassi, possibilitando desvelar
dois movimentos importantes, que ocorreram no interior do Brasil na primeira
República (1889-1930), a guerra de Canudos e a guerra do Contestado, que resultou
na morte de milhares de sertanejos. Assim como, um reordenamento territorial com
avanço das forças republicanas e capitalista para o interior do Brasil. O objetivo geral
foi realizar a leitura dos movimentos messiânicos e a disputa pela terra através das
obras selecionadas, especificamente de caráter modernista, que tem como fonte de
inspiração, o próprio espaço geográfico. Os objetivos específicos foram interpretar a
representação do caboclo e do nordestino presente nas obras, e como a mesma
contribui para desvelar o espaço vivido, consequentemente, os conflitos agrários que
transcorrem nas narrativas. Dessa maneira, é possível constatar que a Literatura é
atemporal e universal, pois é resultado de um trabalho minucioso de observação e
percepção do presente, passado e futuro, que possibilita compreender os processos
espaciais de transformação, como foi o caso de Canudos e do Contestado, que
ressaltou a resistência dos sertanejos frente às políticas de modernização, e
reprodução da elite no poder.

Palavras-chaves: Literatura; Espaço vivido; Terra; Sertanejo.


RESUMEN
Este trabajo, buscó problematizar las posibles relaciones entre Geografía y Literatura,
y sus contribuciones a la investigación geográfica. Autores como Armand Frèmont
(1980), Roberto Lobato Corrêa (2011); Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro (2002);
Márc Brousseau (2007), contribuyó al avance de la literatura como un campo de
investigación en ciencias geográficas, lo que permitió enriquecer el análisis científico
a través de la creación artística, por lo que la realidad geográfica se unirá a las
categorías subjetivas de lo imaginario. La literatura en su lenguaje representa la
condición humana, que da lugar a la espacialidad y la temporalidad, convirtiéndose
en una referencia como contenido en el aprendizaje del espacio de la vida,
permitiendo la fundación de la geografía que enfatiza las experiencias humanas como
ficticias y reales. Por lo tanto, se desafía una Geografía de Experimentación a través
de la Literatura, que representa las espacialidades ignoradas por los medios oficiales.
La presente disertación, trató sobre las narraciones de "Os Sertões" de Euclides da
Cunha como "Generación del desierto" de Guido Wilmar Sassi, lo que permitió revelar
dos movimientos importantes que ocurrieron en el interior de Brasil en la primera
república (1889-1930), la guerra de Canudos y la guerra del Contestado, que resultó
en la muerte de miles de sertanejos, y un reordenamiento territorial con el avance de
las fuerzas republicanas y capitalistas en el interior de Brasil. El objetivo general era
leer los movimientos mesiánicos y la disputa por la tierra a través de las obras
seleccionadas, específicamente de carácter modernista, que tiene como fuente de
inspiración el espacio geográfico mismo. Los objetivos específicos fueron interpretar
la representación del caboclo y del noreste presente en las obras, y cómo contribuye
a desvelar el espacio vívido, en consecuencia los conflictos agrarios que ocurren en
las narraciones. Así, es posible verificar que la literatura es atemporal y universal,
porque es el resultado de un trabajo detallado de observación y percepción del
presente, pasado y futuro, que nos permite comprender los procesos espaciales de
transformación, como fue el caso de Canudos y Contestado, que destacaba la
resistencia de los sertanejos a las políticas de modernización y reproducción de la
élite en el poder.

Palabras clave: literatura; Espacio vivido; Tierra; Sertanejo.


DEDICATÓRIA

A Deus pela benção da vida.

A minha família, inclusive meus


pais que sempre me apoiaram.
AGRADECIMENTOS

A construção desse trabalho é resultado de anos de dedicação, o qual não


seria possível sem a graça de Deus, que nunca me desamparou nos momentos de
dificuldades, incertezas e medos, que me perpassaram ao longo dessa caminhada.
Agradeço a Deus; e sou eternamente grato a sua misericórdia.
Agradeço a minha família, em especial meu pai Egmar, minha mãe Eliana, e
meus irmãos. Eles foram responsáveis pelas minhas primeiras orientações, sempre
me auxiliando através de seus conselhos, e exemplos. Ensinaram-me que desistir
não é uma opção, e que a única guerra que se perde é aquela que desistimos de lutar.
A minha noiva Nayara que sempre apoio meus sonhos e, esteve permanentemente
presente para acolher minhas ideias, de forma carinhosa e compreensiva,
demonstrando todo seu companheirismo e reciprocidade.
Agradeço ao Professor Dr. Henrique Manoel da Silva, que acolheu meu projeto
de pesquisa, sempre receptivo, e que contribuiu para as reflexões presente nesse
trabalho. As suas orientações foram de suma importância, auxiliando minha formação.
As suas observações acuradas foram primordiais, em minha criticidade.
Esse trabalho também é produto de todos os Professores que pela minha vida
ficaram através de seus exemplos. Em especial os Professores(a) Maria das Graças
de Lima; Márcio Ghizzo; Claudivan Sanches Lopes. Além de meus colegas, que
dispuseram a diálogos produtivos e críticos, que permitiram observações pertinentes.
Agradeço aos órgãos e agências de fomento a pesquisa, que contribuem para
o desenvolvimento da ciência, necessário a uma sociedade justa e democrática.
Agradeço particularmente a CNPq e a Capes pelo amparo financeiro, que me
possibilitou a dedicação exclusiva a pesquisa, e a participar de eventos científicos,
resultando em diversos artigos, que contribuem para o avanço da ciência e da
educação no Brasil.
A sabedoria não se transmite, é preciso que nós a descubramos
fazendo uma caminhada que ninguém pode fazer em nosso
lugar e que ninguém nos pode evitar, porque a sabedoria é uma
maneira de ver as coisas.

Marcel Proust ( Livro Em Busca do Tempo Perdido)


LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Características agrárias da obra “0s Sertões”. ........................................ 86


Quadro 2 - Características agrárias da obra “Geração do Deserto” .......................... 86
Quadro 3 – Quadro comparativo entre a organização do território. .......................... 97
LISTA DE FIGURAS

Figura 1- Mapa de localização de Canudos-BA ........................................................ 47


Figura 2 - Xilogravura de Antônio Conselheiro .......................................................... 58
Figura 3 - Mapa dos limites entre o Paraná e Santa Catarina (1865-1916). ............. 68
Figura 4 – Mapa da Ferrovia Itararé (SP) - Santa Maria (RS), com destaque
para região do Contestado e as principais cidades. .................................................. 73
Figura 5 - Trabalhadores da linha férrea (1918). ....................................................... 74
Figura 6 - Extração de pinheiros (1918). ................................................................... 74
Figura 7 - Monge João Maria (data desconhecida). .................................................. 76
Figura 8 - "Monge" José Maria ao lado das virgens (data desconhecida). ............... 76
Figura 9 – Rebeldes após a rendição em Canoinhas, (1915). .................................. 82
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 10
1 A LITERATURA COMO FONTE DE PESQUISA NA CIÊNCIA GEOGRÁFICA .. 16
1.1 Geografia e literatura ....................................................................................... 23
1.2 Espaço vivido como conceito chave na relação geografia e literatura ....... 32
2 A GEOGRAFIA DO SERTÃO: DE CANUDOS AO CONTESTADO .................... 36
2.1 “Os sertões” como representação imagética ................................................ 36
2.1.1 A formação positivista de Euclides da Cunha ................................................. 38
2.1.2 “Os Sertões” como referencial na apreensão da Guerra de Canudos ............ 41
2.1.3 Visão euclidiana do sertanejo, e a luta pela terra, com base na obra
“Os Sertões”............................................................................................................ .46
2.2 “Geração do deserto” e a terra prometida ..................................................... 66
2.2.1 Considerações iniciais sobre o Contestado .................................................... 68
2.2.2 “Geração do Deserto” e a busca pela terra prometida .................................... 71
3 LITERATURA E ESPAÇO VIVIDO ....................................................................... 85
3.1 A terra prometida ............................................................................................. 89
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 99
REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 101
10

INTRODUÇÃO

A relação entre Geografia e Literatura compõe a atual dissertação, por meio das
obras literárias "Os Sertões", de Euclides da Cunha e "Geração do Deserto", de Guido
Wilmar Sassi, os quais representam a espacialidade de milhares de sertanejos em
seus tempos respectivos, permitindo expor as relações de poder que transpassam os
movimentos da luta pela terra e o messianismo. A dissertação está dividida em três
capítulos, além da presente introdução. A mesma está composta pelo tema de estudo,
com as devidas justificativas, objetivo geral e objetivos específicos.
Esse trabalho é resultado de reflexões, que surgiram ao longo da graduação
em Geografia, despertando-me para a relação entre Geografia e Arte, especificamente
da Literatura; de que forma a mesma contribui para desvelar as espacialidades e
tempos, que nortearam os escritores e suas narrativas.
A Geografia possibilita essa aproximação por oferecer meios de compreensão,
interpretação dos aspectos objetivos e subjetivos que envolvem a espacialidade,
sendo a mesma, tangível (espaço concreto) ou imagética, por meio de representações
como no caso de obras literárias. Dessa forma, a literatura colabora para ampliação
do conhecimento referente ao espaço e suas especificidades, enriquecendo os
estudos geográficos.
O entrelaçamento entre Geografia e Literatura não é recente. Segundo Michel
Collot (2012), a ideia de relacionar a literatura com estudos geográficos – ou
naturalistas – tem como marco o ensaio de Madame de Staël (1766-1817), que
opunha as literaturas do Norte às do Sul. Contudo, foi necessário esperar até o início
do século XX, para conceber pela primeira vez, o termo “geografia literária”, que
apareceu inicialmente em um trabalho publicado na França, intitulado de “[...] Esboço
de uma geografia literária, anexada a um estudo sobre [...] As Literaturas das
Províncias”.
As pesquisas de Geografia referente à Literatura, apenas ganharam
visibilidade a partir de 1970, com o avanço da corrente de pensamento humanístico e
crítico, que se tornara predominante nos trabalhos científicos. Autores como Paul
Claval (2008, 2010, 2014), Roberto Lobato Corrêa (2003, 2004, 2007), Armand
Frémont (1980) e Michel Collot (2012), contribuíram diretamente para a
11

fundamentação do estudo da Literatura como fonte de pesquisa objetiva e subjetiva


na ciência Geográfica.
A Literatura como fictícia e imaginária constrói narrativas, que permitem a
relação com a Geografia, pois a mesma é resultado de um trabalho empírico e
imaginário. A Literatura possui em si mesma, a característica de representar o real, e
consequentemente, o espaço, por meio de ampla descrição dos aspectos humanos e
naturais, inclusive, obras de cunho regionalista, como, "Grande Sertão: Veredas" de
Guimarães Rosa; “Vidas Secas” de Graciliano Ramos; “O Cabeleira” de Franklin
Távora, dentre tantos outros.
A Literatura é o entrelaçamento entre os aspectos empíricos e imaginários, pois
se fosse apenas empírico, seriam considerados documentos históricos e informativos;
e se fosse só resultado da imaginação do autor, sem relação com o mundo factual,
não teria nenhum sentido ou validade, pois seria apenas compreendida pelo autor da
obra, como expressa Antônio Candido (1985).
Atualmente, os trabalhos de Geografia que se interessam pela interface
Geografia-arte, têm aumentado quantitativamente, abarcando a Literatura, Cinema,
Teatro, Arte visual, Fotografia e Música. Esses estudos, que são realizados pelos
geógrafos, podem ser classificados em duas vertentes: a primeira, trata-se de focar
os aspectos da materialidade, como questões sociais, ambientais, econômicas,
culturais, políticas e ideológicas referentes ao meio geográfico; a segunda, se
interessa pelos aspectos imateriais, especificamente pela linguística, simbolismo,
afetividade, sentido, imaginação e criação.
Essas vertentes possibilitaram duas compreensões distintas de Geografia e
Literatura: a primeira, entende a Literatura como um documento, produto de uma
determinada sociedade, que guarda traços de suas especificidades econômicas,
culturais, naturais e territoriais; já a segunda, entende a Literatura como potência
criadora de mundos, constituindo a realidade e permeando a mesma, buscando
revelar parte da essência do mundo no ser.
O geógrafo canadense Marc Brosseau (2007), através de seus estudos,
defende a importância da Literatura para a ciência geográfica e propõe um método
dialógico entre ambas, cujo objetivo visa superar o sentido instrumental e dicotômico
– que prevaleceu por muito tempo. Assim, o diálogo entre Geografia e Literatura
possibilita a reflexão, sobre o modo de estudar o espaço geográfico.
12

É possível verificar na obra “Os Sertões” (1902) de Euclides da cunha,


caraterísticas de um trabalho geográfico do século XIX, que evidencia as
características físicas, econômicas e sociais da época. A mesma, também é resultado
de um processo de criação artística, que desvelou o nordestino, suas fantasias,
lendas e folclores, nas quais pertencem ao plano imagético e imaterial, o qual passa
a compor a realidade pela literatura. Desse modo, a obra pode ser abordada nas duas
vertentes citadas anteriormente, ou em sua integralidade como sujeito, assim como
defende Marc Brosseau.
Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha (1866-1909) é considerado um escritor
pré-modernista, citado como um expoente do Modernismo devido a grandeza de sua
obra "Os Sertões" (1902), que marcou gerações e continua fazendo história, pela sua
escrita barroca, profusamente descritiva, que narra em suas páginas, um Brasil até o
século XX, desconhecido do mapa nacional. A Narrativa projeta a aspereza, agudeza,
dureza da guerra de Canudos e de milhares de nordestino, abandonados, mas que
passam a ser protagonistas, de um dos maiores conflitos da história republicana.
Dessa forma, a obra escreve o sertão brasileiro na história como no mapa.
A obra "Os Sertões," configura entre as literaturas mais importantes para pensar
a formação da sociedade brasileira, ao lado de “Casa-grande e senzala”
(1933), de Gilberto Freyre, e “Raízes do Brasil” (1936), de Sérgio Buarque de Holanda.
São obras que retratam o Brasil e suas questões sociais, econômicas, culturas e
políticas, no início do século XX, ganhando um caráter documental.
Guido Wilmar Sassi (1922-2002) escritor regionalista, é autor da obra "Geração
do Deserto", que narra o conflito do Contestado que ocorreu entre os estados de Santa
Catarina e Paraná (1912-1916). Considerado um dos maiores expoentes do
regionalismo moderno, exibiu em seu romance o drama de milhares de caboclos que
sofreram a desocupação de suas terras, e os ataques das forças militares. Assim, o
autor concebe voz aos oprimidos, possibilitando compreender a posição dos mesmos,
em meio ao discurso hegemônico dos poderosos.
As duas obras visam dar enfoque aos fatos históricos, que ocorreram no Brasil,
no início do século XX, marcando o governo republicano. Dessa maneira, essas obras
apresentam características documentais, que possibilitam entender esse momento.
Além disso, o Brasil é apresentado como multifacetado pelo regionalismo, retratando
sua diversidade cultural e social, mas também apresenta problemas comuns em
13

quase todas as regiões, como a luta pela terra, opressão em relação a população
mais pobre e a ignorância.
O movimento modernista na Literatura brasileira, inclusive, o regionalismo,
voltou-se o olhar introspectivo para o Brasil, a fim de apresentar a diversidade, a
riqueza da sociedade brasileira e do ambiente natural, como também, denunciar as
injustiças sociais que oprimiam a sociedade.
O primeiro capítulo desta dissertação fundamenta-se apresentando o
referencial teórico e metodológico. Assim, é elaborado um diálogo entre Geografia,
Literatura e suas múltiplas possiblidades de investigação, dando enfoque ao conceito
“espaço vivido,” elaborado por Armand Frèmont (1980).
No capítulo dois é realizada uma breve análise da obra “Os Sertões”,
objetivando investigar a espacialidade do sertanejo, por meio da narrativa euclidiana.
A princípio, é apresentada uma breve introdução sobre a mesma e sua importância
para os estudos geográficos, além da descrição da vida de Euclides da Cunha e do
livro “Os Sertões”, ressaltando suas especificidades. Por fim, é feito uma análise da
obra, dialogando com as questões que permeiam a luta pela terra e o movimento
messiânico. Ainda no segundo capítulo, realiza-se a leitura da obra “Geração do
Deserto,” e as questões referentes à vida dos sertanejos. Essa abordagem permite
uma aproximação entre Geografia e Literatura, que visa explorar a espacialidade da
mesma , e como essa, pode auxiliar na apreensão dos conflitos que ocorreu no
Contestado. O segundo capítulo é mais extenso que os demais, por tratar de duas
obras literárias, e suas especificidades ligadas à luta pela terra e messianismo.
O terceiro capítulo faz correlação entre as obras “Os Sertões” e “Geração do
Deserto” e como contribuem para análise do espaço vivido dos caboclos. Esse
capítulo enfatiza a importância da Literatura como foco narrativo, daqueles que são
esquecidos dos meios de comunicações oficiais.
O objetivo geral do presente trabalho é estudar os movimentos messiânicos, e
a disputa pela terra, através da Literatura nacional. Assim, foi escolhido duas obras, a
primeira, “Os Sertões” de Euclides da Cunha, que retrata a “Guerra de Canudos”
(1896-1897) no interior da Bahia, e a segunda, “Geração do Deserto” de Guido Wilmar
Sassi, que narra a “Guerra do Contestado” (1912-1916), que aconteceu nas áreas
limítrofes, entre os atuais estados de Santa Catarina e Paraná.
14

Para tanto, será estabelecido a leitura dos espaços vividos, a partir das obras
selecionadas, considerando a percepção do autor e personagens como dimensão
espacial da realidade. Para interpretar a representação do sertanejo, através da
narrativa, será necessário, assim, compreender como a Literatura está relacionada ao
espaço, e qual sua contribuição para os estudos geográficos. E por fim, como a
Literatura contribui para contrapor o discurso oficial.
Como procedimento metodológico, foi realizado a leitura das obras “Os
Sertões”, de Euclides da Cunha e “Geração do Deserto”, de Guido Wilmar Sassi,
estabelecendo relações com os movimentos da luta pela terra e messianismos, como
elementos em comum.
Tais aspectos semelhantes nas respectivas obras, representam as questões
agrárias do Brasil, em duas regiões distintas – a primeira, no nordeste, e a segunda
no sul do país; no entanto, ambas apresentam similaridades, inclusive, na organização
desses movimentos.
Duas regiões distintas em suas características físicas e naturais, foram palcos
de movimentos similares, ressaltando os aspectos sociais, econômicos e políticos do
Brasil como geradores desses conflitos. De acordo com Queiroz (1981, p.17):

Se não estivesse ultrapassado qualquer apelo ao determinismo geográfico,


para entender um drama como o de Canudos, bastaria assinalar que talvez
nenhuma outra região do Brasil, quanto às características físicas, seja tão
diferente da caatinga como aquela em que irá desenrolar-se o movimento
messiânico do Contestado.

A pesquisa permitiu trabalhar as duas obras no seu contexto, através de


inferências de autores como de Maurício Vinhas de Queiroz (1981), Maria Isaura
Pereira de Queiroz (1977), Roberto Levine (1995), os quais contribuíram na
construção narrativa dos capítulos.
Assim, a Literatura é tomada como fonte de análise por manifestar a
representação do espaço vivido, e, consequentemente, da região do conflito, que
envolveram os sertanejos e as questões agrárias, por meio dos autores que
presenciaram esses conflitos direta e indiretamente.
As relações entre Geografia e Literatura, intensificam-se em torno do estudo,
sobre os aspectos que nortearam as lutas pela terra e suas consequências. A
Literatura se constitui em um campo de muito valor, enquanto documento de
15

investigação referente à determinada realidade, constituindo-se em uma área


promissora de estudo.
Isto posto, as espacialidades vividas são significadas e apresentadas através
da escrita, representando modos de vida, e as particularidades locais, materializadas
nas obras literárias.
Portanto, a presente dissertação trata de estabelecer esse diálogo, que
possibilita explorar as questões agrárias de Canudos e do Contestado, por meio das
espacialidades vividas de seus autores.
16

1 A LITERATURA COMO FONTE DE PESQUISA NA CIÊNCIA GEOGRÁFICA

O presente capítulo constitui um traçado, sobre a formação da ciência


geográfica e os caminhos teórico-metodológicos trilhados até o momento; E como a
mesma pode ser enriquecida pela interação com outras áreas do saber.
O conteúdo apresentado, permite delinear as contribuições de diversos autores
para o avanço da ciência geográfica – sobretudo, àquela atinente às abordagens de
cunho cultural. É possível constatar que a Literatura esteve presente nos estudos
geográficos antes mesmo de sua institucionalização.
Ao promover a interdisciplinaridade, a Literatura se torna referência bibliográfica
na construção de um olhar mais nítido e apurado do pesquisador, capaz de
substanciar suas análises geográficas.
O geografo Armand Frémont já estabelecia em seus escritos, a necessidade de
uma nova Geografia – que dialogasse com outras áreas do saber, abrindo-a para
novas perspectivas de análise e pesquisa. De acordo com autor, é necessário romper
com as divisórias, como na seguinte citação:

É uma nova geografia que há que inventar, rompendo ainda divisórias entre
disciplinas, com geógrafos abertos à literatura e à arte, e homens de letras a
par da geografia. As especializações atuais progridem muito pouco nesse
sentido. Em última instância, a pedagogia do espaço deve ser criativa. [...]
Sobretudo, quando se impõe como objetivo a elaboração de documentos de
síntese que fazem apelo a uma certa imaginação, ao mesmo tempo, que ao
espírito de análise. Mas é preciso ir mais longe, incitar à crítica do que existe,
recusar a ordem do “standard”, suscitar a elaboração de projetos que deem
aos lugares habitados, aos espaços de reunião, às regiões a viver, as cores
e as formas, as necessidades e os sonhos de imaginações jovens.
Descobrir o espaço, pensar o espaço, sonhar o espaço, criar o espaço... Uma
pedagogia nova para um espaço vivido [...] (FRÉMONT,1980, p.262).

Dessa maneira, a Literatura pode ser considerada como fonte de pesquisa,


contribuindo na produção da síntese geográfica, tendo em vista os aspectos materiais
e imateriais como memória, imaginação e ficção; característicos de uma determinada
região.
Contudo, a ciência Geográfica foi influenciada, ao longo de sua trajetória, por
algumas correntes de pensamentos, tais como Positivismo, Neopositivismo,
Marxismo, Fenomenologia – refletindo nas pesquisas e em suas referências.
A ciência geográfica foi institucionalizada no final do século XIX, amplamente
influenciada pelo método positivista, desenvolvido por Auguste Comte (1798-1857),
17

que prezava pelo conhecimento científico como meio de constatação de leis, e


modelos adequados para alcançar a verdade. O Positivismo caracterizou-se pelo
pensamento teleológico1, de cunho evolutivo.
O positivismo supervaloriza a observação dos aspectos visíveis, tangíveis aos
cinco sentidos humanos e sua mensuração. Em vista disso, o cientista deveria assumir
a posição de mero observador, e manter a neutralidade ante o fenômeno investigado.
O pensamento positivista fundamenta a sistematização do conhecimento geográfico
moderno.
Um fator condicionante que contribuiu para o avanço da ciência geográfica, em
meados do século XIX foi a publicação da primeira edição do livro “Origem das
Espécies”, de Charles Darwin (1809-1882), que promoveu uma revolução na forma de
conceber os aspectos ambientais. “No final do século XIX, e sob o efeito da revolução
darwiniana [...] afirma-se a ideia de conceber uma atenção particular às relações entre
os grupos humanos e o meio” (CLAVAL. 2007, p.19) na ciência geográfica.
Assim, a corrente positivista foi adotada pelos primeiros geógrafos como
Alexandre Von Humboldt (1769 – 1859), Carl Ritter (1779-1859), Friedrich Ratzel
(1844-1904) e Vidal de La Blache (1845- 1918), os quais contribuíram com a
sistematização da ciência.
A Geografia clássica foi constituída, principalmente, com base nas correntes
filosóficas positivistas e darwinistas, que foram preponderantes para definir os
métodos investigativos dos primeiros geógrafos. De acordo com Santos:

Se queremos encontrar os fundadores filosóficos da ciência geográfica no


momento de sua construção entre o final do século passado e o início deste
século [século XX], temos de buscá-los em Descartes, Kant, Darwin, Comte
e os positivistas, mas também em Hegel e em Marx. Isso para nos limitarmos
a uns poucos nomes (SANTOS, 2004, p.47-8).

A geografia cultural, nesse período, fora desenvolvida junto à geografia


humana, compartilhando da mesma epistemologia, que resultava na minimização da
cultura, relegando-a a um plano secundário. “A cultura estava presente nas obras de
muitos geógrafos, mas ocultas de uma certa maneira” (CORRÊA; ROSENDAHL,
2011, p. 148).

1
Filosofia que relaciona um fato com sua causa final.
18

Isto posto, a Geografia cultural nasceu das análises dos gêneros de vida,
ligados à paisagem que eram elaboradas pelos geógrafos a fim de explicar a
identidade de certa região. O período entre 1890 e 1940 ficou marcado como a
primeira fase da Geografia Cultural, relacionada com o estudo da paisagem, que era
considerado um resultado da relação do homem com o meio ambiente, exprimindo
suas peculiaridades. Segundo Corrêa:

‟[...] primeira fase da geografia cultural. Caracteriza-se na Alemanha, na


França e, após 1925 nos Estados Unidos, por privilegiar a paisagem cultural
e os gêneros de vida, resultantes das relações entre sociedade e natureza.
Esses temas desdobravam-se em ouros, como as regiões culturais, a
ecologia cultural ou o papel do homem destruindo a natureza, a difusão
cultural e outros associados, via de regra, à dimensão material da cultura
(CORRÊA, 2009, s/p).

Um dos maiores nomes deste período foi o geógrafo Carl Sauer (1889-1975),
influenciado pelas bases teórico-metodológicas dos autores alemães –
principalmente, Otto Schlüter (1872-1959), Siegfried Passarge (1866-1958) e Eduard
Hahn (1856-1928).
Sauer ressaltou a importância dos estudos direcionados à cultura, como agente
modificador da superfície terrestre. Os estudos desenvolvidos por Sauer foram de
suma importância, pois, sem estes, a Geografia cultural teria sido completamente
ignorada pelos teóricos norte-americanos que se dedicavam largamente ao estudo de
caráter quantitativo de mensuração espacial.
As pesquisas de Sauer tomaram a proporção considerável em Berkeley, o qual
atuou em parceria com alguns antropólogos – como A. L. Kroeber, que promoveu uma
pesquisa sobre os indígenas que habitavam a região Sudoeste dos Estados Unidos.
Esses povos despertaram encantamento em Sauer, pois permaneciam à margem do
desenvolvimento moderno, preservando culturalmente traços milenares, cuja
compreensão, segundo o mesmo, era de suma importância para que fosse possível
elucidar o presente.
O ensaio “A morfologia da paisagem” (1925) – considerado o mais célebre da
trajetória acadêmica de Sauer, foi amplamente influenciado pelas abordagens da
geografia germânica, em razão de sua proximidade com as obras de autores alemães
e franceses. Essa relação entre a geomorfologia e a paisagem remete aos estudos de
Otto Schlüter (1872-1959) e Siegfried Passarge (1866-1958).
19

Os estudos de Sauer são pautados por descrições dos traços da superfície


terrestre para se chegar a uma congruência, que possibilite estipular uma identidade
e uma classificação comparada das regiões, além de buscar a gênese dessas
diferenças. “Os principais interesses de Sauer residiam nas maneiras como as
pessoas deixavam sua marca na paisagem, por intermédio de suas atividades
produtivas e os seus assentamentos” (MCDOWELL, L, 1996, p. 162). O processo
antrópico transforma uma paisagem natural em paisagem cultural, sendo essa última,
o objeto de estudo do autor.
Para Sauer, o homem é considerado um agente que modifica a superfície
terrestre, devendo ser considerado um agente geomorfológico, já que, cada vez mais,
com o emprego de instrumentos e técnicas, vem modificando a superfície terrestre.
Dessa forma, “a geografia limita-se, entretanto, para ele, àquilo que é legível na
superfície terrestre, como os geógrafos alemães, ignoram as dimensões sociais e
psicológicas da cultura” (CLAVAL, 2007, p. 30).
O mesmo compreendia que a cultura possuía faculdade ontológica, pois se
comportava independentemente do homem. Modificando a paisagem ao longo do
tempo, o indivíduo era considerado meramente portador da cultura, atuando como
emissário, expressando suas marcas na paisagem geográfica. Alguns geógrafos
criticaram-no em razão de sua visão de cultura supra orgânica2, de cunho historicista,
desvinculada dos fatos ocorridos na época.
Os trabalhos da escola de Berkeley, sob a égide de Carl Sauer, eram orientados
para grupos periféricos, em relação ao processo de modernização. Àqueles povos
viviam em região distante de centros urbanos – e alguns deles não dominavam a
escrita. Entre outros povos, que se localizavam no Extremo Oriente da Europa e no
mundo mediterrâneo, era dedicado enorme esforço no estudo de civilizações
tradicionais, que compunham a América Latina – principalmente, os ameríndios. Essa
geografia cultural não era destinada à sociedade moderna, devido ao modelo de

2
A perspectiva supraorgânica na Geografia cultural retifica a noção de cultura, atribuindo-lhe status
ontológico e poder causativo. Esta teoria da cultura foi esboçada pelos antropólogos Alfred Kroeber e
Robert Lowie durante os primeiros 25 anos do século XX, posteriormente elaborada por Leslie White,
e transmitida para Carl Sauer e alguns de seus alunos em Berkeley. Segundo esta teoria, a cultura é
vista como uma entidade acima do homem, não redutível às ações dos indivíduos, e respondendo
misteriosamente às leis próprias. Argumenta-se que a explicação deve ser descrita em termos de nível
cultural e não em termos de indivíduo (DUNCAN, 2003, p. 7).
20

análise direcionado à heterogeneidade das práticas de cultivo, e habitat das diversas


culturas que integravam as colônias.
Através das abordagens da escola de Berkeley, foi possível ampliar o campo
da geografia cultural, principalmente, em direção à Ecologia. Carl Sauer tornou-se o
mais evidente, nessa primeira fase da Geografia Cultural.
De acordo com Paul Claval (1999), a Geografia cultural entrou em retração no
período entre 1940 e 1970. Na primeira metade do século XX – e principalmente, após
a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), toda a ciência passou por transformações
devido ao avanço das tecnologias e as modificações sociais que levaram numerosos
cientistas a buscarem novos modelos teóricos e metodológicos, que possibilitassem
chegar a resultados eficazes e objetivos, diminuindo as margens de erros.
A ciência geográfica passou por uma renovação, na qual os modelos da ciência
natural, baseados no positivismo clássico, foram enfraquecidos, resultando em uma
crise epistemológica, que levou ao rompimento com o paradigma clássico. De acordo
com Godoy (2010) a corrente geográfica emergente nesse período ficou conhecida
como “Nova Geografia” ou “Geografia Teórico-Quantitativa”. No primeiro caso, por
fazer oposição à geografia clássica; no segundo caso, por formular modelos
matemáticos, que explicassem as dinâmicas espaciais, buscando conceber
cientificismo à ciência geográfica, através de resultados objetivos.
Esse modelo de ciência inspirado no positivismo lógico – no qual a Geografia
foi largamente influenciada, perpassou as questões qualitativas a um segundo plano
por apresentar aspectos subjetivos que não tornavam possíveis a quantificação e a
objetivação, já que, para ter caráter científico, deveria ser mensurável por modelos
matemáticos.
Ao longo desse período, os trabalhos em Geografia Cultural decresceram e,
aqueles que foram publicados, apresentavam a mesma abordagem dos realizados
pelos clássicos, no início do século XX, enquanto “muitos geógrafos hesitavam,
entretanto, em dar continuidade a trabalhos, cuja inspiração lhes pareciam
ultrapassada” (CLAVAL, 2007, p. 38). Consequentemente, os trabalhos de cunho
econômico, territorial e espacial aumentaram exponencialmente – principalmente,
àqueles de técnicas estatísticas.
O desenvolvimento do sistema de produção capitalista, nesse período, foi
marcado pelo aumento progressivo dos centros urbanos, dos setores secundário e
21

terciário, que passaram a empregar um número significativo de pessoas. Também


houve avanço das tecnologias comunicacionais, informacionais e dos transportes.
Esse modelo capitalista resultou na uniformização dos países industrializados.
Com o emprego de novas tecnologias e técnicas no meio rural, houve mudança
acelerada na paisagem rural e na forma de produção, inviabilizando as pesquisas
geográficas de cunho clássico, inclusive, aquelas que utilizavam o conceito de gênero
de vida para a análise cultural, pois havia o interesse pela diversidade de utensílios e
ferramentas desenvolvidas pelos vários grupos humanos para explorar e organizar
seu habitat. No entanto, com a padronização, uniformização das ferramentas e dos
utensílios, o conceito de gênero de vida deixou de ser efetivo na explicação dos grupos
humanos, e de suas distribuições em ambientes diversos. De acordo com Claval:

A mecanização e a modernização introduzem um arsenal de máquinas, e de


tipos de construções tão padronizados que o objeto de estudo é esvaziado
de interesse. A geografia cultural entra em declínio, porque desaparece a
pertinência dos fatos de cultura para explicar a diversidade das distribuições
humanas (CLAVAL, 2007, p. 48).

Esse processo de renovação da ciência geográfica produziu numerosas


reflexões, possibilitando o avanço da linguística e de teorias economicistas como
formas de explicação, além de desvelamento dos fenômenos espaciais e sociais. No
entanto, “estas abordagens esforçavam-se para apagar os aspectos subjetivos da
realidade; supunham que as decisões tomadas pelos homens eram racionais” (Idem,
ibidem, p. 58).
De acordo com Claval (2007), parecia próximo o fim da geografia cultural,
principalmente após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), devido à influência do
modelo neopositivista na ciência social. Entretanto, no início dos anos 1960,
começaram a surgir várias críticas que questionavam o referencial teórico em voga,
em virtude das novas razões sociais e intelectuais, vigentes durante o período pós-
guerra. Dessa forma, a cultura tornou-se fundamental para os novos estudos na área
das ciências sociais.
Com as mudanças econômicas, políticas, sociais e culturais ocorridas naquele
período histórico, as teorias de alcance neopositivistas, já não conseguiam oferecer
base teórica e metodológica satisfatória às pesquisas geográficas, provocando a crise
dessas abordagens. “No final dos anos de 1960, essa crise se traduziu na proliferação
22

de movimentos críticos ou „radicais,‟ que se desenvolveram em todas as ciências


sociais.” (CAPEL, H. 2013, p.111). De acordo com Corrêa:

A partir de 1970 a geografia cultural passa por uma profunda reformulação,


como sempre com base em jovens geógrafos. A década de 1970 foi, em
realidade, uma arena de embates epistemológicos, teóricos e metodológicos,
no âmbito dos quais emergem uma geografia crítica, e diferentes subcampos
que, nos anos 80 iriam confluir, em parte, para gerar a denominada geografia
cultural renovada. (CORRÊA, 2009, s/p).

Dessa forma, a renovação na ciência geográfica, possibilitou novas reflexões


que resultaram na fundamentação de um novo paradigma inspirado no materialismo
histórico dialético e em diversos temas de inspiração marxista, como a luta de classes,
meios de produção, ideologias, entre outros. Essa vertente da geografia foi
denominada geografia crítica. Outra grande corrente que emergiu da geografia radical
foi conhecida como humanista.
A geografia humanista passou a ser utilizada amplamente na dimensão cultural,
destacando os aspectos humanos como, por exemplo: percepção; representação;
significação; concepções de mundo; apreensão. Dessa forma, “[...] a geografia
humanística propôs um enfoque compreensivo, que permite o conhecimento teórico,
por meio da experiência vital concreta”, (CAPEL, H. 2013, p. 111). A geografia cultural
também absorve o materialismo histórico dialético a fim de explicar as relações
humanas com o meio material e o simbólico.
A Geografia cultural, de cunho humanista, representa o descobrimento “da
dimensão subjetiva e da experiência pessoal,” fornecendo amplo material para a
Geografia (CAPEL, H. 2013, p. 151). Segundo Claval (2007), alguns teóricos na
década de 50 já esboçavam reações ao paradigma neopositivista; na Grã Bretanha,
William Kirk, demostrava certo interesse em compreender como o contexto social
influi sobre os comportamentos; na França, Èric Dardel publicava a célebre obra “O
homem e a terra, natureza da realidade geográfica” (1952), com traços da
fenomenologia de Martin Heidegger. Dardel buscou retratar em sua obra as relações
dos homens com a terra, as especificidades de cada lugar e o modo de viver; dedicou-
se também a expressar a singularidade da existência humana na superfície terrestre.
No Oriente, destaca-se o chinês Yi-Fu Tuan, que “se interessou pelo elo que as
pessoas manifestam com sua região de origem, e à experiência dos meios populares”
(CLAVAL, 2007, p. 53).
23

A Geografia cultural se destacou na Inglaterra com os estudos de Stuart Hall e


Raymond Williams. Nos Estados Unidos, emergiu a corrente do paisagismo, enquanto
na França, ocorreu uma renovação da geografia clássica.
Essa abordagem leva em consideração outros campos de saberes, como
Filosofia, Psicologia, Sociologia, Antropologia e História, possibilitando o
aprofundamento nas reflexões a respeito da espacialidade (objetiva e subjetiva). A
Geografia cultural, tem se dedicado a compreender como o espaço real e imaginário
é formado, modificado, e como se relacionam entre si.
Logo, por entender que a Geografia é a ciência que estuda e interpreta relação
da sociedade com meio natural e suas espacialidades, busca realizar essa leitura
através dos métodos científicos, e a partir desta, surgem vários meios de entrada para
estudar essa relação, como, por exemplo, a Arte – mais especificamente, a Literatura.
A origem da relação entre a Geografia e a Literatura, remonta aos primeiros
estudos geográficos. Contudo, esta área do conhecimento era considerada apenas
um apêndice, sem participação efetiva nas pesquisas. O próximo tópico visa
apresentar a relação entre a Geografia e Literatura, a fim, de especificar sua
contribuição com as pesquisas geográficas.

1.1 Geografia e literatura

O interesse pela Literatura remete ao início da ciência Geográfica, em meados


do século XIX, pois representava uma fonte de pesquisa, na qual poderiam ser
identificados aspectos geográficos, como características naturais: clima, flora, fauna e
relevo; além de aspectos humanos, como: costumes, rituais religiosos, alimentação,
relações intersubjetivas e estilo de vida. No entanto, os estudos foram modestos e
restritos a alguns autores, devido à atenção dedicada aos elementos naturais, que
representavam o núcleo da corrente evolucionista adotada pelos pesquisadores da
época.
Segundo Michel Collot, a ideia de relacionar a Literatura com estudos
geográficos – ou naturalistas – não é nova, e tem como marco, o ensaio de Madame
de Staël (1766-1817), “que opunha as literaturas do Norte às do Sul, e depois na teoria
do determinismo (raça, meio e momento histórico), elaborada por Taine” com base na
teoria dos climas de Montesquieu (1689-1755), (COLLOT, 2012, p. 20). A teoria de
24

Taine foi utilizada como referência, na obra “Os Sertões” de Euclides da Cunha, a qual
será analisada no segundo capítulo.

De acordo Fernandes, (2013, p. 170-171):

[...] Paul Vidal de La Blache aponta para uma geografia existente na obra
Odisseia, em um artigo publicado nos Annales de Geografia em 1904.
Também é importante notificar que Humboldt – autor base para o
desenvolvimento do pensamento geográfico moderno – dedicou dois
capítulos do Cosmos à Literatura e Pintura.

Apesar da publicação de trabalhos referentes à Literatura, como fonte de


investigação para a comunidade científica da época, foi necessário esperar até o início
do século XX, para conceber, pela primeira vez, o termo “geografia literária”, que
apareceu inicialmente em um trabalho publicado na França, intitulado de “[...] Esboço
de uma geografia literária, anexada a um estudo sobre [...] As Literaturas das
Províncias” (COLLOT, 2012, p. 21). Os trabalhos de geografia relacionados à
Literatura, nesse período, eram concatenados ao regionalismo francês, que estava no
seu auge.
Com a virada cultural, a partir da década de 1970, a geografia humana foi
amplamente influenciada pela cultura em seus estudos, como mostrado no tópico
anterior, buscando compreender a percepção humana, em sua relação com os lugares
circundantes. Essa abordagem não inferia o lugar apenas como conjunto de formas,
cores, relações funcionais ou econômicas, mas também como espaço de vivência e
experiência humana, carregado de sentidos, e significados geridos pelos que o
habitam ou frequentam.
Dessa maneira, estudos produzidos por outros campos de saberes das
Ciências Humanas, tais como, Antropologia, Filosofia, Psicologia, Letras, tornaramse
relevantes para os estudos geográficos. Nesse campo, a Literatura tornou-se uma
referência fundamental para estudar as geografias dos lugares e sua significação
subjetiva. De acordo com Claval, “o romance tornou-se algumas vezes um documento:
a intuição sutil dos romancistas, nos ajuda a perceber a região pelos olhos de seus
personagens e através de suas emoções” (CLAVAL, 2007, p. 55).
Pode-se destacar como um dos pioneiros no estudo da Literatura como
referência geográfica, o já citado anteriormente Armand Frémont – pertencente à nova
geografia cultural francesa, que tentou dar os primeiros contornos, e métodos ao
25

estudo da Literatura na geografia. Frémont buscou analisar a região da Normandia,


no século XIX, adotando como fonte de estudo a novela “Madame Bovary”, de Gustave
Flaubert (1821-1880) – obra ligada ao Movimento Realista da Literatura francesa
daquele período. Frémont mapeou os movimentos da personagem principal „Emma
Bovary‟, em visitas a “lugares como Youville ou a Rouen, e identificou, dessa maneira,
os lugares centrais desse período; ele analisou as razões, pelas quais as pessoas
frequentavam; a hierarquia das cidades, e as imagens de cada um desses lugares”
(CORRÊA; ROSENDAHL , 2011, p. 159).
Desse modo, Frémont levantou questionamentos sobre como a Literatura pode
servir de referência para os estudos regionais, e de qual maneira autores como
Gustave Flaubert ou Guy de Maupassant, podem instruir nas análises geográficas,
através da sensibilidade artística – que realiza um trabalho de decantação da realidade
humana. Os estudos geográficos, cuja abordagem concentrou-se na
Literatura, não estiveram restritos à França, pois “os trabalhos sobre o sentido dos
lugares, e sobre aquilo que a Literatura ensina a este respeito, são numerosos no
mundo anglo-saxão, desde o início dos anos 1970” (CLAVAL, 2007, p. 55).
Com a Geografia radical, a Literatura tornou-se uma fonte singular de pesquisa
direcionada a estudar as relações, que ocorrem no espaço geográfico, suas diferentes
manifestações e, consequentemente, significações, contribuindo para o
aperfeiçoamento dos trabalhos geográficos, além da sua notória importância para o
desenvolvimento da vertente humanística. Almeida declara que:

[...] a leitura e a interpretação de obras literárias tornam-se, para o geógrafo


humanístico, objetos de investigação, pois revelam e informam sobre a
condição humana: os estilos de vida, as características sócio-culturais,
econômicas e históricas, e os diferentes meios físicos de determinada área
retratada (ALMEIDA; OLANDA, 2008, p.8).

Essa Geografia radical se manifestou como uma reação à geografia teorética,


valorizando os estudos dos lugares e as relações humanas desenvolvidas. A Literatura
tornou-se expressiva nas investigações dos lugares e das ações que os indivíduos
estabelecem com o lugar – inclusive, o autor da obra. Entre os gêneros literários e
suas respectivas obras – principalmente o romance – “daria conta não apenas dos
aspectos objetivos da realidade, mas também de sua subjetividade, sendo assim, o
26

encontro entre o mundo objetivo e o mundo da subjetividade humana” (VILANOVA


NETA, 2005, p. 49).
A geografia crítica de cunho marxista também se interessou pela análise
literária, pois acreditava que “a Literatura „serviria‟ como forma de denúncia da
situação vigente, e também como uma forma de apontar meios de organização
contrários ao monopólio da realidade estabelecida” (VILANOVA NETA, 2005, p. 50).
A vertente crítica não valorizou os romances de caráter regionalista do século XIX,
pois esses buscavam explorar as questões culturais regionais, tais como, os
costumes, a diversidade de práticas e hábitos; aquela corrente considerava como
Literatura apenas obras que apresentassem viés materialista e engajamento social –
inclusive, de romances realistas.
Retomando a exposição feita anteriormente sobre o papel da Literatura na
ciência geográfica, é possível observar três etapas na evolução da abordagem da
Literatura pela Geografia: a primeira está relacionada à utilização da mesma como
fonte de pesquisa e complemento das análises territoriais, regionais ou paisagísticas;
no segundo caso, como forma de colocar a vivência humana no centro do debate, a
partir das suas relações com os lugares e paisagens; e por fim, busca propor uma
análise mais crítica da realidade, para compreender as desigualdades sociais, o status
quo, e todo modelo de dominação pelas práticas do sistema capitalista.
Todas essas concepções citadas acima, tratam a “Literatura de uma maneira
instrumental, através da qual sua importância não estaria em sua estrutura, mas nas
relações que esta, tem com a realidade, tendo, portanto, uma importância alheia a si”
(VILANOVA NETA, 2005, p. 50-51). Essa instrumentalização da Literatura é criticada
por Brosseau, que, por sua vez, vai propor um método dialógico, cujo objetivo é colocar
a Literatura como sujeito, e não como objeto para a ciência geográfica.
Dois autores contribuíram significativamente para o avanço dos estudos
geográficos sobre textos literários: os geógrafos James Duncan e o já citado Marc
Brosseau. Entretanto, ambos trabalharam em vertentes distintas, mas possuíam como
ponto convergente a importância destinada ao espaço na Literatura – ou a Literatura
no espaço, e sua contribuição para o desenvolvimento dos estudos geográficos.
Os estudos de Duncan – referentes à paisagem e suas significações –
estabeleceram uma nova forma de análise, na qual os materiais literários assumem
um papel de compreensão da paisagem, pois a mesma, está em uma relação genética
27

com o contexto social que a constituiu, possibilitando ampliar o conhecimento relativo


às observações. O mesmo autor propôs a investigação de textos sacros, como meio
“para decodificação dos processos de reprodução social, que utilizam a paisagem
como importante meio de comunicação, Duncan apresenta uma importante
contribuição aos estudos da dimensão cultural do espaço urbano” (VILANOVA NETA,
2005, p. 54).
Duncan, em seus estudos, entende a paisagem como um sistema aberto, em
constante transformação, fazendo analogia com um texto, por meio do qual, “um
sistema social é comunicado, reproduzido, experienciado e explorado. Apresenta,
assim, uma qualidade estruturada e estruturante” (DUNCAN, 1990, p. 17 apud
VILANOVA NETA, 2005, p. 54). O autor supracitado realiza o trabalho de relacionar
conceitos do campo da Literatura com estudos de Geografia, principalmente,
relacionados à paisagem; funciona, dessa maneira, como um sistema de significados.
Ele utiliza algumas figuras de linguagem, como sinédoque, metonímia e alegoria.
O geógrafo canadense Marc Brosseau, considera o método dialógico como
forma de compreender obras romanescas, por meio da Geografia, pois ambos são
considerados como campos distintos e autônomos. No entanto, o diálogo permite essa
aproximação. O diálogo entre a Geografia e a Literatura contribui para a compreensão
dos lugares e espaços do texto, além de refinar e depurar as observações in loco.
Segundo Brosseau (2007, p. 66), “o diálogo com a Literatura pode, portanto, inscrever-
se também em um trabalho de reflexão, sobre nosso próprio modo de escrever a
geografia”. Ainda segundo o autor, a Literatura possibilita aproximação com o espaço
vivido:

A literatura está associada desde o início aos trabalhos sobre o espaço vivido,
campo que tem dado lugar a inúmeras investigações. As pesquisas sobre o
espaço vivido encontraram na literatura, um meio de fazer face aos aspectos
monótonos e fastidiosos„da Geografia escolar (BROUSSEAU, 2007, p.21).

As obras literárias possibilitam estudar os espaços reais em que o homem está


inserido, por meio de sua experiência, como também o espaço fictício do imaginário.
O texto literário, de acordo com Brousseau, deve ser considerado como um
sujeito – em sua originalidade e em sua completude, pois o diálogo só é possível entre
dois sujeitos. Cabe ao geógrafo respeitar o texto em sua especificidade e não utilizá-
28

lo como ferramenta em si, pois não possui compromisso com o discurso científico
utilitarista.
Nesse campo entre Geografia e Literatura, merece destaque a obra “Atlas do
Romance Europeu: 1800-1900”, do crítico literário italiano Franco Moretti, publicada
em 1997. Neste livro, o autor busca analisar o espaço na Literatura e a Literatura no
espaço através dos romances publicados na Europa ao longo do século XIX.
Na primeira parte do livro, Moretti aborda a representação dos lugares na
Literatura e a formação do Estado-nação; na segunda parte, apresenta o conto de
duas cidades – sendo a primeira um centro metropolitano, enquanto a segunda uma
cidade do interior, e como esses espaços são representados na Literatura; e discorre,
na terceira e última parte, sobre como o domínio das culturas francófonas e anglófonas
influenciaram as obras literárias, além de como estas estiveram presentes na
formação e conservação dos Estados. Moretti também expõe a diferença que existe
entre uma província e a capital, no quesito de disponibilidade de obras para leitura. Na
capital, prevalecem as obras estrangeiras, em detrimento das obras clássicas;
enquanto que nas pequenas provinciais, permanecem os cânones literários.
Nessa obra, “os lugares da ficção romanesca são analisados, em função de
seus eventuais referenciais geográficos” (COLLOT, 2012, p.23).
De acordo com Michel Collot, os estudos relacionados à “inscrição da Literatura
no espaço e/ou à representação dos lugares nos textos literários,” aumentaram
significantemente ao longo da década de 1980, representando uma aproximação entre
a ciência Geográfica e a Literatura (Idem, ibidem, 2012, p.18). Essa aproximação
possibilitou revisar os paradigmas e os problemas epistemológicos da ciência
Geográfica com o intuito de propor novas veredas no estudo relacional entre homem-
meio, individuo-sociedade, real-ficção, permitindo assim, a superação da ótica
dicotômica e dualista do paradigma positivista – predominante na Geografia até a
década de 1970.
Esse avanço da ciência Geográfica sobre a Literatura também se deve ao
avanço das ciências humanas e sociais que têm se dedicado a compreender a
sociedade, e o espaço como teatro das relações humanas. “Pode-se falar a esse
propósito, de uma “virada espacial” ou “virada geográfica”. Marcel Gauchet, por
exemplo, afirmava em 1996: “Testemunhamos uma virada geográfica” que vem
impregnando as ciências sociais” (COLLOT, M. 2012, p.18). Reflexo do processo de
29

tomada de consciência da dimensão espacial nos fenômenos sociais. Dessa maneira,


a Geografia tem promovido o avanço do campo cultural, como uma leitura possível
dos aspectos sociais e espaciais na Literatura. De acordo com Collot:

‟[...] A geografia vem se tornando frequentemente cultural e se interessa cada


vez mais pela literatura, como comprovam os estudos de Yves Lacoste ede
Jean-Louis Tissier, sobre Julien Gracq, ele mesmo geógrafo e escritor ; a
tese de Marc Brosseau, sobre os “romances geográficos” e a de
François Béguin, sobre “a construção dos horizontes”. Esse interesse se
inscreve na corrente a favor de uma “geografia humanista”, que se
desenvolveu a partir dos anos 70, em reação à evolução de uma disciplina
que, favorecida pelo aperfeiçoamento dos meios técnicos, matemáticos e
informáticos, postos à sua disposição, tendia a privilegiar uma análise objetiva
e abstrata do espaço geográfico, em detrimento de sua dimensão humana e
sensível (COLLOT, M. 2012, p.18).

A relação entre a Ciência Geografias e a Literatura configura-se em um avanço


na significação e representação do espaço geográfico; um refinamento na forma de
compreender os múltiplos significados, que compõem a realidade geográfica.
A Literatura torna-se para o geógrafo, atualmente, fonte de investigação, por
evidenciar a complexidade das relações humanas em seus determinados lugares.
“O “geógrafo” não aflora de uma simples descrição minuciosa, incluindo, o batismo
dos acidentes, porque os fatos geográficos não são “coisas” em si, mas “relações”
(MONTEIRO, 2002, p.87).
De acordo com Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro, a trama em seu
dinamismo, representa a “condição humana”, pois está intrinsecamente relacionada à
vida, em um determinado espaço-tempo, na qual a mesma pode subsidiar a
construção estática do mapa, como resultado do espaço geográfico, real e ficcional,
que está presente na imaginação dos sujeitos que vivem em determinados lugares.

‟A sua comunicação, o seu “tomar vida”, requer, forçosamente, a projeção


dessa trama num dado espaço-tempo, um “palco” – praticável, concreto – em
que qualquer trama “humana” está envolta nas malhas de diferentes espaços
relacionais: social, político, econômico, cultural, enfim. Para melhor
estabelecer os termos da relação Geografia – Literatura, partindo desse
valioso subsídio, acho que toda a urdidura complexa da ação romanesca – a
“trama” – proposta pelo escritor, malgrado, este dinamismo, pode vir a ser
projetada nas malhas de uma estrutura espacial, figurativamente estática – o
“mapa” – percebido pelo geógrafo (MONTEIRO, 2002, p. 25).

Com o avanço da pesquisa de geógrafos no campo da Literatura, o poeta Michel


Collot ( 2012) dividiu em três tipos de abordagens, sendo elas; Geografia da Literatura;
30

geocrítica e geopoética. A “Geografia da Literatura” é associada ao estudo da


influência do meio nas obras literárias; como o autor é influenciado pelo seu contexto
social, cultural e histórico, e de que maneira aquela perspectiva se reflete em seus
escritos. Para desenvolver esse trabalho, alguns geógrafos aderiam à biografia do
autor da obra escolhida e seus escritos paralelos, buscando mapear a vida do escritor
e os lugares, e como estas experiências são representadas na obra. A geografia da
Literatura, assim, concebida bem, mostra como uma obra se prende ao espaço
geográfico. Contudo, negligencia a literatura como agente de modificação do espaço
geográfico representado.
A “geocrítica”, nesse sentido, “estudaria as representações do espaço na
própria constituição do texto e que se prenderia, sobretudo, ao plano do imaginário e
da temática” (COLLOT, 2012, p. 22). A abordagem geocrítica, parte do texto para
representar o espaço e não do contexto, como era o caso da “Geografia da
Literatura”. Esta parte do plano de uma geografia mais ou menos imaginária, cuja
função é significar e ressignificar os lugares de acordo com os textos, ou seja, um
lugar localizado em determinada parte do espaço, que comporta diversos sentidos.
O termo geocrítica foi criado, pelo francês Bertrand Westphal sob influência dos
filósofos Deleuze e Guattari, que o inspiraram a desenvolver a dialética entre o espaço
real e a representação do espaço, que devem ser entendidos dentro de um sistema
complexo de territorialização e desterritorialização dos significados, que compõem os
lugares estudados por intermédio da Literatura. Através dessa abordagem, é possível
conceber uma memória literária para o lugar estudado.
A geocrítica evidencia que a paisagem vai além de um mero recanto do mundo,
com suas especificidades, sendo essa uma imagem produzida por um sujeito, seja
fotógrafo, artista ou observador. Assim sendo, pode-se conceber a reciprocidade entre
a obra literária e o espaço geográfico, pois a paisagem tornaseobjeto de investigação
para o geógrafo como para o literato, que incide sobre a mesma, suas observações.
De acordo com Monteiro:

[...] para o geógrafo interessado em Literatura, a observação é antes de tudo,


percepção. E os escritores, poetas – artistas, enfim , ao fazerem esta
revelação superior, fazem-no em termos de “universalidade”, ou seja,
atingindo aquele ponto de encontro que escritores e geógrafos, compartilham
a propósito dos lugares: “aquele continuum entre a descrição da paisagem e
a condição humana (MONTEIRO, 2002, p.86).
31

A “geopoética” “estudaria as relações entre o espaço, as formas e os gêneros


literários, e que poderia desembocar numa poética, numa teoria da criação literária”
(COLLOT, 2012, p. 24). Essa abordagem busca expor os liames que unem as obras
literárias e o espaço. O termo, criado por dois poetas franceses – Michel Deguy e
Kenneth White, expressa o livre interesse, em apontar uma nova maneira de
compreender a realidade vigente, tratando de enfatizar a relação entre o espaço e a
Literatura. De acordo com Salete Kozel:

Em geopoética, a poesia, o pensamento e a ciência podem convergir em


reciprocidade para romper com as fragilidades inerentes à fragmentação e
dualidade do conhecimento vislumbrando o “todo”; a “inteireza” do ser
humano no mundo, buscando refletir sobre a vida na terra e o papel do ser
humano nesse contexto. Essas dimensões podem se integrar com a
”objetivação do sensível”, proveniente dos significados próprios de cada um,
dos valores éticos que reside no perceber, representar e transformar as
maneiras de ser, pensar e viver no mundo. A poética propõe sintetizar as
forças do corpo e espírito para poder entender o mundo, tendo como aporte
a cultura (KOZEL, 2012, p.66).

Concebeu-se, desse modo, uma nova visão do homem e do mundo, que supera
o conceito do sujeito cartesiano, que seria capaz de aprender apenas pela reflexão e
o coloca no mundo, tornando-se “ser-no-mundo”. 3 Assim, o homem introspectivo,
preso dentro de si, é lançado no espaço, passando a fazer parte do lugar e da
paisagem que o cinge; consequentemente, cria-se a solidariedade entre res cogitans
e a res extensa.4
“A escrita é uma forma de espacialização do sujeito, que tem a necessidade de
se exprimir, de se projetar no espaço: o da página e o da paisagem” (COLLOT, 2012,
p. 27). Portanto, o espaço não é compreendido apenas como um cenário exterior, mas
como expressão de valores e sentidos que comportam diversas significações, nas
quais o escritor irá lançar em seus escritos.

3
A expressão „ser-no-mundo‟ refere-se ao ente que nós mesmos somos e implica que, sendo, estamos
sempre juntos ao mundo e existimos sempre em um mundo. Isto quer dizer que o homem é ser-em e
ser-junto ao mundo. Com o conceito de ser-no-mundo, Heidegger pretendia caracterizar a
simultaneidade de mundo e homem, mostrando que a existência do homem recebe seu sentido da sua
relação com o mundo e que este obtém sua significação através do homem. (FERREIRA, A. 2010, p.
250)
4 Em Descartes, coisa é sinônimo de substância, de algo que existe por si mesmo. Ex: a “coisa pensante"
ou alma (res cogitans), a coisa extensa (res extensa). Cf. JAPIASSÚ, MARCONDES, 2001, p. 38.
32

Pode-se concluir, que a “Geografia da Literatura”, bem como a “geocrítica” e a


“geopoética” – possuindo abordagens e métodos próprios – tornam-se campos
distintos nos estudos referentes à Literatura na ciência geografia. Contudo, mesmo
sendo campos distintos, não deixam de se complementar, pois possuem pontos de
intersecções como espaço, forma e Literatura, que podem ser trabalhados em
conjunto entre os três campos, possibilitando uma análise mais elaborada e completa.
Portanto, a Literatura contribui com a investigação geográfica, fornecendo
material para fundamentar a análise espacial, e explorar suas complexidades,
possibilitando a aproximação com o objeto de estudo. Dessa maneira, as obras “Os
Sertões” e “Geração do Deserto,” possibilitam explorar os movimentos messiânicos, e
a luta pela terra, em regiões diferentes do Brasil.

1.2 Espaço vivido como conceito chave na relação geografia e literatura

Partimos do pressuposto que a criação literária está intimamente relacionada


com o espaço vivido pelo escritor, o qual, a partir dessa relação, trabalha a
complexidade representativa do mesmo, resultando em uma representação da
espacialidade do espaço concreto e real, e também do imagético, que compõe a
realidade.
Logo, a obra literária traz a possibilidade representacional do espaço
geográfico, que pode contribuir para o avanço da ciência geográfica e,
consequentemente, no modo de fazer geografia, pois, a mesma é uma representação
do espaço vivido, podendo ser considerada “a imagem do mundo em que cada
aspecto do „real‟ passa a ser expresso simbolicamente” (BASTOS, 1993, p. 10).
A Literatura representa a espacialidade de um determinado tempo com suas
caraterísticas e singularidades, as quais são registradas em sua originalidade por
intermédio da ficção. Assim, a obra literária expressa o conteúdo social que remete à
própria estrutura.
Em razão disso, a obra não se resume a uma simplificação vulgar da realidade
exterior, “mas se tomarmos o cuidado de considerar os fatores sociais (como foi
exposto) no seu papel de formadores da estrutura, verá que tanto eles quanto os
psíquicos, são decisivos para a análise literária“ (CANDIDO, A 1985, p.
13).
33

O espaço vivido remete à subjetividade, por se tratar do resultado das relações


intersubjetivas, entre o autor e os aspectos sociais, culturais, naturais e políticos.
Essas relações formais e informais constitui a espacialidade do sujeito, que capta
concomitantemente o vivido, espacial/ temporal. De acordo com Gomes:

‟A ciência geográfica, definida pelo viés do espaço vivido, não tenta criar leis,
nem observar regularidades generalizadoras. Seu ponto de partida é, ao
contrário, a singularidade e a individualidade dos espaços estudados. Ela
também não procura avançar resultados prospectivos e normativos, como as
ciências ditas reacionais. Seu objeto principal é fornecer um quadro
interpretativo às realidades vividas espacialmente. A objetividade não provém
de regras estritas de observação do comportamento social dos atores no
espaço (GOMES, 1996, p. 320).

As literaturas, especificamente as regionalistas, se assemelham à citação


anterior, devido à liberdade artística em observar e analisar a espacialidade sem criar
regras ou leis que generalizem, diminuindo sua representação. Em contrapartida, visa
vivenciá-la em sua complexidade e até mesmo em sua caótica manifestação. Diante
disso, a Literatura assume a posição de uma narrativa, que envolve a complexidade
de determinado espaço vivido.
O termo espaço vivido foi criado pelo geógrafo Armand Frémont (1980) que
recorreu à teoria da psicologia genética de Piaget para fundamentar o conceito, de
experiência em experiência, para ressaltar que o homem está em constante formação,
através da sua interação com o meio. O autor enfatiza o sujeito e, a partir desse, a
espacialidade vivida e representada. Segundo Frémont (1980, p. 23), assim acontece
particularmente com a psicologia do espaço.

Não é proibido, graças a algumas outras referências, prosseguir esse


desenvolvimento, da criança ao homem e ao velho, e reter esta constatação,
que pode parecer uma evidência: as relações do homem com o espaço não
constituem um feixe de dados imanentes ou inatos; combinam-se numa
experiência vivida que, de acordo com as idades da vida, se forma, se
estrutura, se desfaz.

Frémont trata da etapa do espaço vivido de forma intimamente relacionada com


as experiências contínuas e integradas à dimensão temporal. De acordo com autor,
ao longo da vida humana, o espaço vai se tornando cada vez mais social e menos
pessoal.
Para Frémont, o espaço vivido se opõe ao “espaço alienado”, partindo-se do
pressuposto de que “a alienação esvazia progressivamente o espaço dos seus valores
34

para reduzi-lo a uma soma de lugares regulados pelos mecanismos da apropriação,


do condicionamento e da reprodução social” (FRÉMONT, 1980, p. 242). Desse modo,
a Literatura possibilita a representação desse espaço vivido por não estar sujeita aos
mecanismos de condicionamento, mas, livre em seu movimento criativo.
Nessa pesquisa, pretende-se compreender a luta pela terra e o movimento
messiânico, através do espaço vivido, por meio das obras literárias “Os Sertões” e
“Geração do Deserto”. Essas obras, representam a espacialidade de milhares de
sertanejos, por intermédio dos autores que viveram esse período. A primeira obra
escrita por Euclides da Cunha foi elaborada ao longo do conflito, como resultado de
sua experiência e observações no espaço. No segundo caso, o autor Guido Wilmar
Sassi, escreveu o romance através de relatos de pessoas que participaram da Guerra
do Contestado. Então, pode-se dizer que ambas as obras são resultantes do espaço
da vida.
Essas representações, através da Literatura são de suma importância para
inferir sobre questões que perpassam a região. As representações, de acordo com a
geógrafa Salete Kozel (2002, p. 217):

Podem ser de significativa importância para as análises regionais, ao mesmo


tempo em que propiciam uma leitura interiorizada sob a ótica do cotidiano
vivido pelos grupos sociais, fazendo-os compreender os sistemas de
valorização, e selecionando elementos importantes para a definição das
regiões.

A Literatura possibilita ir além da descrição dos elementos geográficos,


incorporando questões subjetivas e representações sociais. Segundo a autora,
incorporar componentes mentais abstratos das representações, permite passar da
simples descrição regional à compreensão das relações existentes, entre os atores
sociais e sua organização espacial (KOZEL, 2002, p. 217).
Dessa forma, a Literatura torna-se uma representação do espaço vivido,
possibilitando abordá-la como referência a uma determinada espacialidade, que foi de
certa forma, representada pelo autor através da liberdade criativa, por meio da arte.
Gomes (2007) ressalta que o conceito de região não se limita a saberes científicos,
mas está presente em outros domínios, como pode ser o caso da arte.
35

Evitemos de imediato a sedutora tentação de procurar responder


definitivamente a questão – o que é região – estabelecendo uma validade
restritiva para este conceito, como se a ciência fosse um tribunal, onde se
julgasse o direito de vida e de morte das noções. Parece bem mais salutar,
começar justamente pelo oposto, reconhecendo a existência da noção de
região em outros domínios, que não são os da ciência e, o mais importante,
reconhecendo, ao mesmo tempo, a variedade de seu emprego no âmbito da
própria ciência e particularmente na Geografia. Reconhecer aqui, significa
mais do que simplesmente assinalar a existência, significa aceitar seu uso,
ser inclusivo destes outros meios de operar com esta noção, enfim, significa
conceber nesta multiplicidade a riqueza, e o objeto propriamente de uma
investigação científica (GOMES, 2007, p. 49).

De acordo com Frémont (1980), a região como espaço vivido estaria


relacionada com as experiências, e complexidades da relação do sujeito com o espaço
– que é notório nas obras literárias. Cavalcanti (2002, p.19) diz que o
“espaço geográfico não é apenas uma categoria teórica que serve para pensar, e
analisar cientificamente a realidade; ele é essa categoria justamente, porque é algo
vivido por nós e resultante de nossas ações”.
Essa abordagem centrada na Literatura, especificamente relacionadas a
Canudos e Contestado, é tomada como fonte a fim de compreender esses
movimentos, cujo intuito é problematizar a luta pela terra e o movimento messiânico
vivenciado direta e indiretamente pelos autores que representam essa espacialidade.
O ideal da Literatura, neste raciocínio, é criar um espaço, oferecer um terreno
propício ao novo; não pelo novo em si, mas para o entendimento do homem em seu
lugar, no tempo em que o espaço acontece, pois assim, reapresenta o mundo:
adiciona uma camada de consciência à realidade. Frémont (1980, p. 251), afirma que
é na “duração longa das existências que, em definitivo, se pode construir um espaço
vivido sem alienação”. Dessa maneira, torna-se possível estudar as espacialidades do
conflito pela terra e o movimento messiânico, tendo como base a Literatura
regionalista.
36

2 A GEOGRAFIA DO SERTÃO: DE CANUDOS AO CONTESTADO

2.1 “Os sertões” como representação imagética

O presente capítulo, objetiva apresentar a obra “Os Sertões” de Euclides da


Cunha, como fonte na pesquisa referente à luta pela terra e o movimento messiânico
que ocorreu no interior da Bahia no final do século XIX.
A Literatura possibilita reconstruir a espacialidade da época, com base na
narrativa fornecida pela obra. Assim, torna-se possível concatenar a relação entre os
sujeitos (autor e personagens) e os lugares de sua vivência.
A princípio, é apresentado uma síntese histórica e geográfica de Euclides da
Cunha, e como esses espaços vividos dos sertanejos, o influenciou na sua formação,
e consequentemente, na construção da narrativa a respeito do nordestino.
Essa narrativa reverbera o cotidiano do nordestino e sua cultura, representada
na ótica do romancista. Dessa maneira, a Literatura possibilita apreensão dos
aspectos espaciais e como os mesmos foram representados e caracterizados através
da narrativa Euclidiana, que buscou relatar a espacialidade vivida da guerra de
Canudos, segundo sua experiência no “espaço vivido”.

A literatura está associada desde o início aos trabalhos sobre o espaço vivido,
campo que tem dado lugar a inúmeras investigações. As pesquisas sobre o
espaço vivido, encontraram na literatura um meio de fazer face aos aspectos
monótonos e fastidiosos (BROUSSEAU, 2007, p.21).

O espaço vivido pelo autor resulta na obra “Os Sertões” de caraterística


regional, por explorar aspectos específicos da região nordeste do Brasil, desde sua
formação geológica, até os aspectos social e cultural da população sertaneja, e suas
manifestações religiosas.
Dessa forma, a obra “Os Sertões” caracteriza a região nordestina
geograficamente, referente ao século XIX, de modo que expõe a visão compartilhada
dessa região, disseminada pelos intelectuais e escritores do século XIX, sujeito a
influência do pensamento positivista, e dos ideais republicanos de progresso.
A Literatura surge como fonte preciosa nos estudos geográficos, como forma
de avaliar a originalidade-personalidade dos lugares, e consequentemente sua
memória.
37

Em verdade, toda trama, um enredo que se desenrola sobre uma cena, tudo
é narrado num romance, acontece (tem lugar„) num continuum espacial mais
ou menos definido, e a participação do leitor – que não é totalmente passiva
como na leitura jornalística – tende a identificá-la a uma realidade concreta,
ou seja, geográfica (MONTEIRO, 2006, p. 61).

Assim, a obra “Os Sertões” possibilita revisitar a região de Canudos no final do


século XIX, a qual permite problematizar o movimento messiânico, e a resistência de
milhares de nordestinos, à opressão dos coronéis e das tropas militares e,
consequentemente, a relação com a terra.
De acordo com Albuquerque Júnior (2014, p.41), as obras de arte podem ser
analisadas, enquanto discursos produtores da realidade:

As obras de arte têm ressonância em todo o social. Elas são maquinas de


produção de sentido e de significados. Elas funcionam proliferando o real,
ultrapassando sua naturalização. São produtoras de uma dada sensibilidade
e instauradoras de uma dada forma de ver e dizer a realidade. São máquinas
históricas de saber.

Dessa forma, torna-se possível explorar a espacialidade da obra “Os Sertões”


como realidade vigente do século XIX sobre Canudos. Contudo, essa espacialidade
da obra é constituída, por Euclides da Cunha, de formação militar. Assim, através
dessa obra, torna-se possível problematizar as questões referente à luta pela terra, e
a visão disseminada na época, sobre os sertanejos e suas especificidades.
Na primeira parte, é elaborada a síntese da formação de Euclides da Cunha, a
fim de ressaltar sua formação no Colégio Militar, o que contribuiu para seu cunho
positivista. Na segunda parte, intitulada “Os Sertões como referência na apreensão da
guerra de Canudos”, é apresentado uma característica geral da obra e sua
organização, e como a mesma reflete a relação de Euclides da Cunha com a guerra
de Canudos, resultando em uma narrativa de cunho cientifico e artístico que expõe a
complexidade das contradições entre dois Brasis, ressaltada pelo autor.
A teoria “ Dois Brasis” que Euclides da Cunha apresenta em sua obra é uma
visão dicotômica do Brasil, no qual o primeiro é representado pelo litoral, capital do
governo, centro da urbanização do progresso e da civilização sobre bases europeias.
O segundo é representado pelo interior do País, o qual não possui relações com o
progresso do litoral e com os ideais da civilização europeia, vivendo e desenvolvendo
de acordo com as condições próprias do ambiente.
38

Entretanto, esse pensamento dualista esconde as mazelas e as verdadeiras


causas das diferenças entre ambos, pois o progresso no Brasil, como cita Francisco
de Oliveira, sempre foi baseado na exploração e na espoliação dos mais pobres, como
forma de acumulação de capital que era destinado a investimentos em setores
estratégico da economia, como meio de atender os interesses privados de uma classe
dominante.
Francisco de Oliveira desmistifica esse pensamento dualista de maneira
específica na obra “Crítica à Razão Dualista,” transformado em livro em 1973.
Contudo, vale ressaltar que a obra aborda mais especificamente o período de 1930
em diante, mas sua substância teórica e metódica, possibilita desmitificar os contornos
do pensamento dualista, que por muito tempo, permeio as análises sociais. De acordo
com Francisco de Oliveira (2003, p.32) [...] o processo real mostra uma simbiose e
uma organicidade, uma unidade de contrários, em que o chamado “moderno” cresce
e se alimenta da existência do “atrasado”, se quer manter a terminologia.
Na terceira e última parte denominado “Visão Euclidiana do sertanejo e a luta
pela terra, com base na obra “Os Sertões”, busca-se apresentar a espacialidade
Euclidiana do nordeste brasileiro e da formação do nordestino, o qual a partir da
mesma é elaborado a problematização, sobre o movimento messiânico, a luta pela
terra e a formação de Canudos.
Dessa forma, através da espacialidade da obra “Os Sertões”, busca-se revisitar
o movimento messiânico e a luta pela terra, que foi representada por Euclides da
Cunha, dentro de uma visão positivista e darwinista, que contribui para compreender
o movimento em seu tempo, que ficou registrado na história e na narrativa, em uma
escrita dialética, de confronto entre duas concepções de Brasis.

2.1.1 A formação positivista de Euclides da Cunha

A obra “Os sertões” (1902), de Euclides da Cunha, representa um marco


fundamental na Literatura nacional na mesma magnitude de obras como “Casa-
grande e senzala” (1933), de Gilberto Freyre, e “Raízes do Brasil” (1936), de Sérgio
Buarque de Holanda, que promovem e estimulam a reflexão, sobre a formação da
sociedade brasileira e suas representações, os tornando clássicos da Literatura
nacional.
39

Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha (1866-1909), filho de Manuel Rodrigues


da Cunha Pimenta e Eudósia Alves Moreira da Cunha, nasceu em 20 de janeiro de
1866 na Fazenda Saudade, no município de Cantagalo, localizado no estado do Rio
de Janeiro.

Em 1885, Euclides, então com 19 anos, se matriculou na Escola Politécnica do


Rio de Janeiro. Naquela época, a instituição passava por um período de crise
financeira. Dessa maneira, viu-se obrigado a pedir transferência para a Escola Militar
da Praia Vermelha, “já que esta oferecia soldo, além de alojamento, comida e parte
dos uniformes” (VENTURA, 1966, p. 276).
Na Escola Militar da Praia Vermelha, Euclides da Cunha já demonstrava
interesse pelo Jornalismo, pois já escrevia para a revista da escola – denominada de
“A Família Acadêmica” – e se mostrava um árduo defensor da República. No entanto,
permaneceu pouco tempo nessa Escola, devido ao seu comportamento desrespeitoso
com o Ministro da Guerra – nomeado pelo Império vigente. A notícia do desacato se
espalhou e Euclides ganhou certa notoriedade com o incidente. Foi convidado por
Júlio Mesquita para escrever coluna política nas páginas de “A
Província de S. Paulo”, que deu origem ao atual “O Estado de S. Paulo”, (VENTURA,
1966, p.277), em que pôde expressar livremente seu ideal republicano e suas
inspirações políticas.
A formação de Euclides da Cunha foi predominantemente nos colégios
militares, os quais adotavam o positivismo como teoria e método em seus ensinos.
Assim, o positivismo vai ser ressaltado na Obra “Os Sertões”, através das anotações
realizadas em campo, por meio das observações do autor, método amplamente
utilizado na época por naturalistas. Dessa forma, a formação de Euclides da Cunha
contribuiu diretamente com a elaboração de sua obra.
Em 1889, com a proclamação da República, Euclides deixou São Paulo e voltou
para o Rio de Janeiro, onde retornou ao Exército, com o apoio do major Sólon e de
seus colegas da Escola Militar. Logo em seguida, se matriculou na Escola Superior de
Guerra, em 1890; desse período até 1892, quando conclui o curso de artilharia,
dedicou-se à Engenharia Militar e se tornou Bacharel em Matemática e Ciências
Físicas e Naturais. Nessa mesma época, conheceu sua esposa, Ana Emília Ribeiro,
e casaram-se no mesmo ano em que regressou à vida militar.
40

Insatisfeito com a carreira militar – após inúmeras dificuldades, decidiu pedir


licença do Exército em 1895 e passou a se dedicar ao estudo da História do Brasil,
suas dificuldades e possibilidades. Já em 1896, foi reformado no posto de tenente,
possuindo como direito a terça parte do soldo. No mesmo ano, foi nomeado
Superintendente de Obras Públicas de São Paulo, exercendo suas atribuições no
munícipio de São Carlos do Pinhal.
Em 7 de Novembro 1896, teve início o conflito no interior da Bahia entre as
tropas governamentais, e os moradores do arraial de Canudos – idealizado por
Antônio Conselheiro. A notícia logo se espalhou pela capital. Dessa maneira, Euclides
da Cunha foi convidado pelo jornal “O Estado de São Paulo” a realizar cobertura deste
conflito in loco. Aceitou o convite em 1897, e embarcou rumo a Bahia como enviado
especial.
A comunicação com o jornal paulista era feita por meio do telégrafo. Euclides
da Cunha, além de noticiar os acontecimentos para o jornal, também gostava de
anotar em sua caderneta de campo suas observações sobre o meio natural, como
flora, fauna, solo, relevo, curso hídrico, geologia e os aspectos humanos do sertanejo,
efeito de sua formação acadêmica.
Com o fim da luta, regressou para o estado de São Paulo, onde ficou
responsável pela construção, e execução de uma ponte sobre o rio do Pardo, no
município de São José do Rio Pardo. Nesse período, reuniu as suas cadernetas de
campo e todas as anotações referentes à Guerra de Canudos, e se dedicou à escrita
do livro “Os Sertões”. A narrativa dessa obra fundamental da Literatura brasileira foi
construída com base em suas observações e reflexões, que possuem fundamentação
histórica e certo rigor científico – de acordo com os paradigmas vigentes na época. A
primeira publicação do livro foi em 1902. Em razão do amplo reconhecimento de sua
obra pelos intelectuais da época, foi nomeado, em 1903, como membro do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro – além de membro da Academia Brasileira de Letras.
Após o término da ponte sobre o rio do Pardo, Euclides da Cunha regressou ao
Rio de Janeiro e passou a desempenhar função no Itamaraty, junto ao Barão do Rio
Branco. Em 1909, realizou o concurso com objetivo de assumir a cadeira de
Lógica do Colégio Pedro II; “conseguiu ser nomeado para o Colégio Pedro II, apesar
de classificado em segundo lugar, graças ao seu renome de escritor, membro da
Academia de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico” (VENTURA, 1966, p. 288).
41

Um mês após assumir sua função no clássico liceu carioca, foi assassinado pelo
amante de sua esposa, com três tiros no coração, falecendo no Rio de Janeiro, em 15
de agosto de 1909.

2.1.2 “Os Sertões” como referencial na apreensão da Guerra de Canudos

“Os Sertões” foi publicado pela primeira vez em 2 de dezembro, de 1902, pela
Livraria Lammaert, do Rio de Janeiro. Recebido com êxito pelo público e pelos críticos
literários, ficou marcado como uma obra memorável, que traz em sua narrativa
aspectos literários e científicos, os quais ressaltam a identidade do Brasil e do
brasileiro. É possível identificar em sua obra uma confluência entre a Literatura
artística e cientifica. Esse modelo de escrita torna sua obra ainda mais notória no
cenário nacional e internacional. O livro contém em torno de 600 páginas, todas
escritas com base em suas observações in loco, e experiências vivenciadas durante
o conflito, que o permitiram escrever inúmeros rascunhos, os quais, no final, expõem
cronologicamente a ressignificação da compreensão do narrador, relacionado à
Guerra de Canudos. Atualmente, a obra é de domínio público e pode ser acessada
gratuitamente pela internet.
O livro-reportagem foi organizado em três partes. A primeira, intitulada como “A
Terra”, em que o autor se debruça sobre os aspectos geofísicos do Brasil e da região
Nordestina, ressalta os fenômenos cíclicos das estiagens nessa região. Através de
uma linguagem artística e cientifica, retrata o cenário da narrativa, e do meio ambiente
que compõe a realidade nordestina, a partir de uma descrição apurada da paisagem
semiárida da caatinga.
A segunda parte é intitulada “O Homem” nesse aspecto, o narrador descreve
o perfil do homem sertanejo, seus costumes, práticas, tradições e origem, em que
busca relacionar os aspectos ambientais com a formação do morador da região de
Canudos; descreve a resistência desse povo e suas asperezas, ocasionadas pelo
ambiente árido e hostil em que vivem; dedica-se a estudar minuciosamente o líder
espiritual Antônio Conselheiro, responsável pela formação do arraial de Canudos, no
interior baiano. Assim, o narrador constrói os personagens nordestinos de seu enredo,
ante a influência darwinista, positivista e determinista, construindo a teoria dos “dois
42

Brasis” – “de um lado, o sertão anacrônico e bárbaro; de outro, o litoral, em sua marcha
decisiva, ainda que incipiente, em direção à modernidade” (MURARI, 2007, p.23).
A última parte é intitulada “A Luta”, na qual é relatado o conflito entre as tropas
governamentais e os moradores do arraial de Canudos – um embate entre “dois
Brasis” que compõe a narrativa de um momento histórico. Nesse trecho, é possível
compreender as contradições que originam a sociedade brasileira.
É notória na organização da obra uma estrutura próxima aos trabalhos
desenvolvidos pelos geógrafos clássicos que, em seus estudos, possuíam influências
do pensamento positivista e das ciências naturais, despertando um vivo interesse
pelos aspectos naturais como forma de explicar os aspectos humanos, tornando o
homem, um produto de seu meio ambiente.
Dessa maneira, pode-se compreender o porquê de Euclides da Cunha haver
reservado a primeira parte para escrever sobre “A Terra” e, em seguida, a relação da
mesma, com os aspectos humanos. De acordo com Roberto Ventura, o autor conhecia
os trabalhos de Alexandre Von Humboldt, devido às disciplinas cursadas na Escola
Superior de Guerra (1890-1892) como, por exemplo: climatologia, geomorfologia,
geologia, geografia, entre outras. É possível constatar “apenas como parênteses, três
lugares em “Os Sertões,” em que as ideias de Humboldt, claramente glosadas na
Caderneta, fundiram-se com a escritura euclidiana” (p. 108, 114,128) (BERNUCCI.
2009, p.25).
Em um trabalho de reconhecimento em 1905, do Alto Purus – no Acre, na região
da fronteira do Brasil com o Peru –, Euclides da Cunha recorreu aos relatórios de
expedições anteriores e de naturalistas – entre eles, Alexandre Von Humboldt –, que
visitara o Peru e constatara a comunicação do Rio Orinoco e do rio Amazonas, no ano
de 1800. De acordo com Ventura:

Como o cientista alemão Alexander Von Humboldt (1769- 1859), que estudou
documentos em Paris antes de viajar pela América no início do século
passado, Euclides consultou os relatórios das expedições anteriores,
sobretudo, a do inglês William Chandless em 1861, antes de enfrentar a
floresta tropical. [...] No caminho para Manaus, Euclides se desapontou ao
entrar no rio Amazonas, que não correspondia ao "ideal" concebido a partir
das páginas de Humboldt e de outros exploradores. (VENTURA, R. 1994,
s/p).

Dessa forma, pode-se constatar que Euclides da Cunha foi inspirado em seus
estudos pelo determinismo, assim como Friedrich Ratzel, que buscou formular uma
43

teoria que explicasse a diversidade cultural como produto do meio ambiente,


supervalorizando o condicionamento climático sobre o homem.
A obra “Os Sertões” foi publicada em um período de intensa mudança política,
devido à República recém-formada, como também as inúmeras revoltas, tais como:
Revolta da Chibata, Revolta da Vacina, Revolta da Armada, Revolta de Canudos,
Revolta Acreana e Guerra do Contestado. Foi também um período de ruptura na
Literatura brasileira, com o declínio do Simbolismo e início do Prémodernismo, que
visava empregar um olhar crítico sobre os aspectos sociais, buscando expor a
realidade brasileira e sua diversidade, dando visibilidade à população desassistida
pelo poder público, e abordando temas de cunho social, econômico, político e cultural.
Este cenário pôde conceber “Os sertões” ao lado de “Canaã (1902)”, de Graça
Aranha, como obras que inauguraram essa nova fase da Literatura brasileira, além de
outras como “Triste Fim de Policarpo Quaresma (1915)”, de Lima Barreto, e “Urupês
(1918)”, de Monteiro Lobato. Entretanto, não existe consenso entre os críticos literários
sobre qual escola literária pertence à obra “Os Sertões”. De acordo com Antônio
Candido e Alfredo Bosi, é uma obra difícil de classificar pela sua notoriedade literária
e cientifica. Contudo, sua escrita rebuscada com traços refinados – à mercê de sua
verborragia em alguns momentos, o situa como “barroco científico”, desvelando as
complexas estruturas da Guerra de Canudos e da cultura nordestina, tornando-se um
cânone da Literatura Brasileira.
Fazendo alusão a Antônio Candido, que foi um notório sociólogo e crítico
literário – com vastos trabalhos na aérea da Literatura, e um expoente conhecedor de
“Os Sertões”, pode-se conceber que àquela obra não se deixa definir por fatores
externos (sociais), e nem se caracteriza como estrutura independente (estética), mas
em um movimento que o social desempenha “certo papel na constituição da estrutura,
tornando-se, portanto, interno” (CANDIDO, 1985, p. 4).
É possível compreender a relação social que se encontra intrínseca na obra
literária, no entanto, de forma mais expressiva, devido à liberdade do autor em utilizar-
se da criatividade, a fim de torná-la mais significante para o público. Em razão disso,
a obra não se resume a uma simplificação vulgar da realidade exterior, “mas se
tomarmos o cuidado de considerar os fatores sociais (como foi exposto) no seu papel
de formadores da estrutura, verá que tanto eles quanto os psíquicos são decisivos
para á analise literária“ (CANDIDO, 1985, p. 13).
44

Como já citado anteriormente, o romance “daria conta não apenas dos aspectos
objetivos da realidade, mas também de sua subjetividade, sendo assim, o encontro
entre o mundo objetivo, e o mundo da subjetividade humana” que é, nesse caso,
resultado da relação entre a estrutura independente e os fatores sociais (VILANOVA
NETA, p. 49); dessa forma, a Literatura apresenta a realidade e a realidade possível.
Assim “Os Sertões” representa a espacialidade vivida por Euclides da Cunha,
o qual expõe a formação do arraial de Canudos e a geografia da região, até o momento
desconhecida pelos meios de comunicação oficial.
De acordo com Candido, “Os sertões” inaugura “[...] o começo da análise
científica aplicada aos aspectos mais importantes da sociedade brasileira (no caso, as
contradições contidas na diferença de cultura entre regiões litorâneas e o interior)”
(CANDIDO, 1985, p.133). Sendo assim, contribuiu para a formação de uma
consciência nacional – além de possibilitar a investigação das contradições e dos
problemas endêmicos ao Brasil e sua população.
Publicado pela primeira vez em 1902, “Os Sertões”, se apresenta como uma
obra que traz contrastes do seu autor, Euclides da Cunha, e de sua qualificação no
Colégio Superior de Guerra (1890-1892), refletindo sua capacitação em Engenharia
Militar e seu apreço pelo cientificismo da época, além de sua paixão pela escrita e
literatura, que o levaram a desempenhar a função de enviado especial à Guerra de
Canudos pelo jornal “O Estado de S. Paulo”.
A sua trajetória acadêmica e pessoal marca a “estrutura” da obra e, através
dessa estrutura – como bem destaca Candido – a um processo de internalização dos
aspectos sociais observados, conferindo à obra sua identidade própria, que reflete
traços do autor e da sociedade. Por isso, é necessário conhecer a formação do autor,
como feito brevemente.
Ainda em 1902, logo após a publicação de “Os Sertões”, o escritor José
Veríssimo publicou uma resenha sobre o livro, e verificou ser essa a obra prima de
Euclides da Cunha, pois era ao mesmo tempo livro de um homem de ciência, reflexão
e pensamento, afeição e paixão pela vida, como pode ser observado no trecho abaixo:
45

O livro, por tantos títulos notáveis, do Sr. Euclides da Cunha, é ao mesmo


tempo o livro de um homem de ciência, um geógrafo, um geólogo, um
etnógrafo; de um homem de pensamento, um filósofo, sociólogo, historiador;
e um homem de sentimento, um poeta, um romancista, um artista, que sabe
ver e descrever, que vibra e sente tanto aos aspectos da natureza, como ao
contato do homem, e estremece todo, tocado até ao fundo d‟alma, comovido
até às lágrimas, em face da dor humana, venha ela das condições fatais do
mundo físico, as “secas” que assolam os sertões do norte brasileiro, venha
da estupidez ou maldade dos homens, como a campanha de Canudos
(VERÍSSIMO, 2003, p. 46).

Já Luís Costa Lima (1997), crítico literário e autor do livro “Terra Ignota”,
contesta a ideia de que “Os Sertões”, seja um livro ficcional ou romanesco,
defendendo a ideia que a Literatura para Euclides da Cunha estava sempre
subordinada à ciência, possibilitando a livre expressão; dessa maneira, a Literatura
seria exclusivamente um elemento embelezador ressaltante das observações e
teorias cientificas dispostas na obra.
Assim, em “Os sertões” só “é permissível à entrada da Literatura sob a condição
de constituir uma cena de ornato” (LIMA, 1997, p. 138). Leopoldo M. Bernucci, que
atualmente dirige o Departamento de Literatura Brasileira na Universidade de Austin,
afirma que Euclides da Cunha defendia a relação da arte com as ciências, e mais
especificamente entre a ciência e a Literatura. De acordo com Bernucci:

As ciências o interessavam dessa maneira, porquanto, possibilitavam ao


poeta ou autor de ficção um certo método, um sistema que se aproximava
ainda muito daquele da virada do século, no qual se enquadravam os
escritores naturalistas. Quer dizer, liberdade de expressão e de imaginação,
mas dentro dos parâmetros impostos pelas regras narrativas da
verossimilhança e pelos pressupostos deterministas. O problema da
ambiguidade nele é mais complexo na minha maneira de ver. Ela estaria
presente em Os Sertões, não no nível da ontologia textual, ou seja, de decidir
se o texto é de ficção ou não, mas no nível narrativo ou da fábula (Estadão,
São Paulo, 3 março de 2002).

Por isso, pode-se conceber “Os Sertões” como uma obra híbrida, que possui
traços artísticos e científicos, literários e históricos, refletindo a formação e aspiração
do autor.
Conforme ressalta Antônio Candido, uma obra não se deixa definir apenas por
fatores externos e tampouco por uma estrutura independente (estética), mas sendo a
relação entre ambas, de liberdade artística e de método científico. É possível
constatar que “Os Sertões” é a obra síntese de um tempo (social) e de um autor
(sujeito), apreendidos de forma inseparável em seu valor científico e estético. Essa
46

mesma obra retrata a maturidade da Literatura e da ciência brasileiras, dando voz ao


brasileiro até o momento desassistido pelo governo e pela metrópole. No caso de “Os
Sertões”, dando voz ao sertanejo. Esse que, para
Euclides da Cunha, é, antes de tudo, “um forte”.
Nessa perspectiva, com base na obra, mais especificamente na segunda parte
do livro denominada “O Homem”, tratar-se-á da representação do sertanejo, e de sua
luta pela terra, que caracterizou o conflito de Canudos, que é lembrado até os dias
atuais como o maior conflito pela terra no Brasil.

2.1.3 Visão euclidiana do sertanejo, e a luta pela terra, com base na obra “Os
Sertões”

O livro “Os Sertões” possibilita adentrar na atmosfera da época. É uma obra


magistral narrada com veemência por Euclides da Cunha, o qual teve a oportunidade
de conhecer e vivenciar Canudos, eternizando a mesma em sua obra. É notório em
seus escritos, a “ambivalência com que retrata os sertanejos, cuja perseverança
admira, sem lhes aplaudir, contudo, o denodo selvagem, com que se batem por uma
causa, por eles julgada sagrada (LEVINE,1995, p.15).
Canudos ficava localizado no sertão baiano, às margens do rio Vaza-Barris,
próximo a Monte Santo. Era uma fazenda abandonada que se encontrava a 400 km
de Salvador, onde passou a se concentrar os seguidores de Antônio Conselheiro,
batizando aquele lugar de Belo Monte.
47

Figura 1- Mapa de localização de Canudos-BA

Elaboração: Gustavo Gabriel Garcia, 2019.

Canudos era formado por expressivo contingente de deserdados da terra que


eram desprezados e relegados ao esquecimento pela recente república formada no
litoral brasileiro. Aqueles milhares de homens encontravam na fé o motivo de sua
existência, e nos acampamentos de inspirações sebastianistas e milenarista a
resistência, contra os poderes dos coronéis e das injustiças sociais.
Dentro dessa atmosfera messiânica, surgiu Canudos, conhecido pelos
conselheiristas como Belo Monte – uma oposição ao poder vigente. Assim é possível
conceber a formação do arraial de Canudos e de seu povo na Segunda parte do livro
“Os Sertões”.
Na segunda parte do livro, Euclides da Cunha, vai tratar especificamente da
formação do homem nordestino, incluindo, aspectos culturais, sociais, econômicos e
políticos. Assim, pode-se tomar a mesma como fonte, a fim de compreender os
movimentos messiânicos e a disputa pela terra. Essa segunda parte é intitulada “O
Homem”, e subdivide-se em cinco capítulos.
De acordo com o autor, o brasileiro é formado por três raças distintas: indígena,
português e o negro banto – ou cafre, sendo esses considerados elementos
essenciais. Contudo, devido ao “meio físico diferenciador – e ainda, sob todas as suas
formas, as condições históricas adversas ou favoráveis, que sobre eles reagiram”,
48

causou um entrelaçamento diferente ao longo do tempo e do espaço (CUNHA, 2018,


p. 153).
Dessa forma, não é possível distinguir uma raça brasileira, pois a mesma é
resultado de entrelaçamentos distintos. A diversidade racial é um elemento que
aparece no segundo capítulo, por caracterizar o nordestino e sua cultura. No período
que o autor escreveu suas observações, as teorias darwinistas eram dogmatizadas,
tornando a figura do homem branco europeizado dominante, enquanto que a
miscigenação era vista como prejudicial. Assim, o autor buscou na ciência explicações
para entender a formação do nordestino, pois esse era estranho ao mesmo.
Euclides da Cunha sintetiza a convicção do médico Raimundo Nina Rodrigues
(1862-1906). De acordo com o mesmo, "só podemos falar de um povo brasileiro do
ponto de vista político. Do ponto de vista sociológico e antropológico, muito tempo se
passará, antes de podermos considerar unificada a população do Brasil"
(RODRIGUES, 1939, p. 153).
Assim, em seus escritos sobre a formação racial brasileira, Euclides da Cunha
enfatiza três categorias – raça, história e variabilidade do meio físico, inclusive do clima
– para explicar a formação racial brasileira. Esse destaque aos elementos climáticos
está intrinsecamente relacionado à corrente evolucionista e positivista do período, de
leituras de cunho naturalista e historicista – como de Hippolyte Adolphe Taine (1828 –
1893). Dessa maneira, Euclides da Cunha, utiliza a tríade proposta por Taine “raça”,
“meio” e “momento”, empregada com objetivo de compreender as múltiplas formações
raciais e as numerosas identidades regionais presentes no Brasil. Segundo Souza:

Empregando os pressupostos de Taine como uma referência central em sua


literatura naturalista, importava ao autor de Os Sertões, identificar as
características biológicas, a compleição física, os caracteres morais e
intelectuais e os atavismos dos sertanejos, assim como, a formação de uma
raça singular que erigia à margem da nação e da República. Além disso, o
historiador francês forneceu a Euclides, conforme acredita Roberto Ventura,
uma concepção naturalista de base científica para buscar a correspondência
poética entre os fatos narrados e a paisagem à sua volta (SOUZA, V.S.de.
2010, p.6).

O clima é considerando pelo autor a tradução fisiológica de uma condição


geográfica. E definindo-o deste modo, conclui que o Brasil, pela sua própria estrutura,
se impropria a um regime uniforme, assim sendo, possui uma diversidade natural, que
possibilita a criação de várias identidades.
49

A História, segundo o mesmo, desempenha um papel fundamental na formação


do brasileiro, pois está profundamente relacionada ao povoamento do Brasil – que
passou por várias fases. Euclides da Cunha rememora a diferença de povoamento do
norte e do sul, em que se averbaram movimentos e tendências opostas. “Duas
sociedades em formação, alheadas por destinos rivais – uma de todo indiferente ao
modo de ser da outra” (CUNHA, 2018, p. 168), no entanto, sob a mesma
administração.
O povo do sul, segundo autor, se caracteriza pela diversidade de culturas, por
uma subdivisão maior na atividade e pela sua heterogeneidade e vigor. Associa a
diferença de povoamento aos aspectos climáticos, que pode ser observada na
seguinte passagem: “Aqui (sul) a aclimatização mais pronta em meio menos adverso,
emprestou, cedo, mais vigor aos forasteiros” (CUNHA, 2018, p.169). Além do Sul,
considerava também o litoral, como área propicia ao desenvolvimento, que
concentrava o maior contingente populacional, desde o início da colonização.
Acentua-se a importância do meio físico no desenvolvimento humano,
comparando o interior do norte do país a outras regiões com aspectos físicos
diferentes, a fim de revelar a diferença do nordestino e sua formação singular.
Segundo Euclides da Cunha, “o filho do norte não tinha um meio físico que o
blindasse de igual soma de energia”, como era o caso de outras regiões (CUNHA,
2018, p. 173). Assim, fundamentado na tríade proposta por Taine, afirma que a história
do Brasil foi influenciada por aspectos mesológicos, que, por sua vez, atuaram
diretamente na formação étnica. De acordo com Souza:

Euclides compreendia que o meio físico era o elemento decisivo na formação


do sertanejo. Sua gênese remetia ao final do século XVI e início do XVII,
quando a expansão dos bandeirantes paulistas e dos jesuítas, rumo ao norte
do Brasil, originou a miscigenação do elemento indígena com o português
aventureiro (SOUZA, V.S.de. 2010. p.8).

O nordestino manifestava características muito próprias, através de sua relação


com meio árido, por meio de suas ferramentas e práticas, intermediadas pelo forte
vínculo com sagrado, herança cultural. E o trabalho coletivo, base da organização
tribal.
50

O trabalho coletivista, herdado das três principais matrizes étnicas da


formação do povo brasileiro, isto é, dos adjuntos minhotos, das vezeiras, das
lamas de boi, dos moinhos do povo, do forno comum, do rogar, das vessadas,
das segadas, e tantas outras formas de trabalho solidário e de ajuda mútua
[...] (MARTINS; LAGE, 2004, p.07).

Assim, o nordestino concebia a terra como elemento fundamental a vida, que


deveria alimentar e servir a todos, sendo um direito coletivo a comunidade. Canudos
foi um exemplo dessa prática por possibilitar o agrupamento de milhares de caboclos
que desenvolviam suas atividades em prol de um ideal comum, que era o bem-estar
da comunidade.

[...] Quase todo mundo admite hoje que a organização econômica do arraial
inspirava-se na tradição sertaneja. Em particular, o mutirão deve ter sido uma
prática corriqueira, especialmente para o trabalho da roça e a construção das
casas. Essa organização econômica, porém, foi provavelmente além da
simples ajuda mútua no dia-a-dia, se admitirmos que o fundo comum
institucionalizava a solidariedade, ao permitir a redistribuição da parte dos
excedentes (BLOCH, 1997, 87-88).

Com o avanço do sistema capitalista e ascensão da burguesia ao poder no


Brasil, a terra adquiriu um valor predominantemente monetário. Inclusive, após a Lei
de Terras de 1850. A terra como propriedade privada caracterizava a nova ordem
social, que emanava dos centros urbanos, era o poder civilizatório. Assim, a lógica do
capital e da competição que se contrapõem a lógica da cooperação (produção
mutualista), e a lógica do mandonismo opõe-se ao participacionismo. Dessa forma, a
organização de Canudos tornou-se um absurdo por sua característica cultural e
econômica, incomodando os coronéis e a república recém-formada. Segundo
Domingos:
[...] base fundiária foi incorporada ao capital, tomando-se propriedade privada,
um imenso exército de despossuídos foi liberado, processo decisivo para a
acumulação primitiva e a emergência do mundo das mercadorias. A
propriedade da terra, objeto de lutas sangrentas e árduas disputas políticas,
configurou-se plenamente com o desenvolvimento capitalista, e a construção
do Estado burguês‟‟ (DOMINGOS, 1999, p.62).

A organização da terra elaborada por Canudos era concebida como primitiva


pelos ruralistas, que defendiam o modelo de produção monocultor desenvolvidos em
latifúndios, de base escravista – herança do período colonial das sesmarias, que
exercia seu poder sobre os sertanejos.
51

No caso de Canudos, uma predisposição da elite em depreciar o


comportamento rural foi levada a extremos, devido à utilidade política de
interpretar os eventos de maneira exacerbada. Para os observadores “do
litoral”, o Conselheiro representava fanatismo, dissidência e manipulação da
população rural, pela qual eles sentiam um misto de pena e aversão
(LEVINE, 1995, p.31).

Predominava certo estigma a respeito do nordestino nas populações urbanas


do litoral, promovidos, principalmente, pelos grandes proprietários de terras, e pela
burguesia em ascensão, em prol de seus próprios interesses. O primeiro reagindo
“àquele golpe repentino, à perda de uma mão-de-obra normalmente dócil” (LEVINE,
1995, 23), e o segundo possuía intenções de estimular a imigração de europeus para
o Brasil, com objetivo de branquear a população brasileira.
De acordo com Martins, (1994, p.13) o Estado republicano que surgia com
discurso modernizador e visando o progresso “era baseado em relações políticas
extremamente atrasadas, como as do clientelismo, e da dominação tradicional de base
patrimonialista, do oligarquismo. No Brasil, o atraso é um instrumento de poder”.
Assim, o autor conclui que a modernização reforçou o atraso.
“Belo Monte” para Antônio Conselheiro era a resistência ao poder vigente. Esse
poder era retratado por ele como a besta, que objetivava persuadir e destruir a
humanidade. Suas explicações eram fundadas em textos sagrados. Desse modo, a
organização social de Canudos derivava de sua ideologia religiosa, tornando todos
que ali viviam, em irmãos. De acordo com Martins:

[...] que essa religiosidade, com seu apelo cristão de construção de uma
fraternidade universal, estabeleceria os traços identificadores no processo
semiótico de leitura/captura do referente modo de produção sertanejo e que,
desse desenvolvimento, só poderia resultar uma concepção de trabalho
mutualista, cooperativo, solidário ou, numa única palavra, fraterno. O adjunto
sertanejo, prática intensamente utilizada pelas comunidades rurais do sertão
brasileiro até os nossos dias, é o produto cultural mais genuíno dessa práxis
laborativa (MARTINS, 2007, p.4-5).

O modelo cooperativista adotado no arraial de Canudos, de ajuda mútua


originário do meio rural, a qual se “desenvolveria com a prática disseminada do modelo
mutualista de produção, o que equivale dizer: Canudos foi um grande mutirão, e
Antônio Conselheiro seu organizador e gestor” (MARTINS, 2007, p.5).
52

A organização econômica da comunidade seguia a tradição sertaneja. Os


conselheiristas, desde os anos de peregrinação, adquiriam o gado, por meio
de esmolas, caçavam e auxiliavam os pequenos agricultores no plantio e
colheita através de mutirões (VILLA, 1995, p.64).

Destarte, Canudos foi um grande mutirão, “cuja liderança assumiu uma forma
de autoridade singular, a qual identificamos como a de um “coronel com o sinal
contrário” ou de um “coronel pelo avesso”, parodiando a ideia euclidiana sobre Antônio
Conselheiro (MARTINS, 2007, p.15).
Euclides da Cunha buscou no primeiro capítulo da segunda parte do livro
ressaltar a formação racial nordestina através da miscigenação, como responsável
pela sua organização social, de cunho comunitário e religioso, resultado de sua
formação positivista e das teorias naturalistas da época, corrente entre os intelectuais
da época. Dessa maneira, fica evidente que o autor partiu de sua espacialidade
litorânea, de sua vida na capital, a fim de explicar o Nordeste e sua espacialidade
física e mental.
Dessa forma, negligencia as questões sociais, econômicas e políticas,
evidentes nos trechos citados anteriormente, se apegando a teoria do historiador
Taine “raça”, “meio” e “momento”, como modelo explicativo.
No capítulo dois da segunda parte do livro, Euclides da Cunha ressalta a
diferença entre o povoamento do nordeste e do litoral, dando ênfase a essa diferença.
Assim, considera as desigualdades raciais e, consequentemente, a
inferioridade das raças não-brancas. Pondera a mestiçagem um processo negativo, e
prejudicial a formação de uma futura população brasileira. Contudo, esse
determinismo é modificado e ajustado, devido à necessidade explicativa de diferenciar
a mestiçagem do litoral e do interior do nordeste.
As teorias raciais, oriundas da Europa, encontraram no Brasil ao longo do
século XIX, um solo fértil, marcado por um "cientificismo difuso", adotado por muitos
intelectuais, que visava examinar e interpretar a sociedade brasileira.
O sertão nordestino até aquele momento negligenciado pela ciência brasileira,
tornou-se objeto de investigação dos antropólogos, historiadores e naturalistas,
assumindo para esses a posição de um espaço, que abriga uma população mestiça
em um "estagio inferior da evolução social", sem capacidade intelectual de
compreender as transformações políticas, econômicas e sociais, o qual é evidente na
obra do médico Raimundo Nina Rodrigues, intitulada de "A loucura epidêmica de
53

Canudos" (1897), o qual observa-se a seguinte citação: "serão monarquistas como


são fetichistas, menos por ignorância, do que por um desenvolvimento intelectual,
étnico,religioso, insuficiente ou incompleto" (RODRIGUES, 1897, p.140).
Os autores que influenciaram as teorias da época foram (Le-Bom, Taine,
Buckle, Gumplowicz, etc), os mesmos adotados por Euclides da Cunha em suas
observações.
De acordo com Euclides da Cunha, a população nordestina permaneceu muito
tempo, sem influências externas, reproduzindo-se livremente entre si, de “maneira
uniforme, capaz de justificar o aparecimento de um tipo mestiço bem definido,
completo” (CUNHA, 2018, p. 195). Esse mestiço diferenciava-se por suas
características bem definidas e uniformes, enquanto no litoral, mil causas
perturbadoras complicavam a mestiçagem.
É possível constatar, ao longo desse segundo capítulo, que Euclides da Cunha
não via a mestiçagem brasileira – mais especificamente do nordestino – com bons
olhos, pois acreditava ser esse processo prejudicial à formação de uma raça
hegemônica e forte, como pode ser observado na seguinte passagem: “A mistura de
raças muito diversas é, na maioria dos casos, prejudicial. Ante as conclusões do
evolucionismo, ainda quando reaja sobre o produto o influxo de uma raça superior,
despontam vivíssimos estigmas da inferior” (CUNHA, 2018, p. 199). Sob influência do
darwinismo social, acreditava que a mestiçagem transmitiria apenas aspectos
negativos da relação entre as diferentes raças, gerando o que ele chamaria de
subraça, que seria o sertanejo.
Essa construção da gens do sertanejo, inicia no primeiro capítulo, com a tríade
de Taine – conforme citado anteriormente – e vai se desenvolvendo até o capítulo
dois, através de exposições que relacionam essa mestiçagem com base em três
fatores: raças, aspectos físicos e História.
Assim, a compreensão de Euclides da Cunha, parte das diversas influências
cientificas, buscando justificar a formação dessa sub-raça com base nos elementos
naturais da região e sua formação histórica através da colonização.
A construção teórica realizada pelo autor através de suas observações in loco
assemelha-se ao estudo do antropólogo e geógrafo alemão Friedrich Ratzel, que
buscou identificar nos elementos físicos, um papel preponderante na formação
cultural. De acordo com Ramos, “[...] Ratzel foi um dos precursores do conceito
54

antropológico da área cultural, e em seu sistema, atribuía ao meio um papel de


condicionador das manifestações culturais” (RAMOS, 1995, p. 179). Essa teoria de
Ratzel se relaciona na obra “Os Sertões” e pode ser representada na seguinte
passagem: “[...] destaca fundamentalmente a mestiçagem dos sertões do litoral. São
formações distintas, senão pelos elementos, pelas condições do meio” (CUNHA, 2018,
p. 203).
Para o historiador Levine, a obra “Os Sertões” tem valor singular, pois segundo
o mesmo, Euclides da Cunha foi um dos primeiros membros da elite intelectual
“litorânea” a ter contato, “em primeira mão, com aquelas pessoas do sertão, ao mesmo
tempo que filtrava suas informações, através de uma perceptiva europeia das ciências
sociais, incluindo [...] a antropo-geografia de Friedrich Ratzel”.
(LEVINE, 1995, p.22).
Desse modo, o autor pretendia apresentar as leis gerais que determinaram a
formação da população brasileira e as consequências de acordo com ambiente.
Empregando os pressupostos de Taine como conjectura para o prognóstico da
população brasileira.

Importava ao autor de Os Sertões, identificar as características biológicas, a


compleição física, os caracteres morais e intelectuais e os atavismos dos
sertanejos, assim como, a formação de uma raça singular que erigia à
margem da nação e da República (SOUZA, 2010, p.6).

O terceiro capítulo inicia-se com a seguinte passagem, “O sertanejo é antes de


tudo, um forte” (CUNHA, 2018, p. 207), fazendo referência ao local onde viviam
aqueles afligidos pelos fatores naturais, como a seca, objetivando apresentar o
sertanejo como fruto desse meio hostil.
Uma parte da obra é direcionada para relatar a bravura do nordestino, sua força
e agilidade no meio em que vive. Segundo Souza:

A longa narrativa sobre a luta do sertanejo e sua brava resistência contra as


investidas do exército brasileiro, muito melhor municiado que aquele, é a
melhor prova disso. Além do mais, a própria narrativa descrevendo a relação
do homem com a natureza deve também ser ressaltada. A crença de Euclides
no naturalismo e, ao mesmo tempo, no darwinismo social, para quem a boa
adaptação ao meio seria decisivo na formação de uma raça histórica
saudável, o sertanejo emergia como o melhor representante do homem
brasileiro. De norte a sul do Brasil, tanto por meio da figura heroica do
sertanejo quanto do estancieiro gaúcho do Sul, o homem do interior é descrito
por Euclides, como os melhores exemplos de “sub-raças” em formação
(SOUZA, 2010, p.13).
55

O autor retrata inicialmente o sertanejo como “desgracioso, desengonçado,


torto. Hércules-Quasímodo, reflete no aspecto a fealdade típica dos fracos” (CUNHA,
2018, p. 207-208). Entretanto, é apenas uma imagem ilusória, pois esse mesmo
sertanejo se transforma quando surge “o incidente exigindo-lhe o desencadear das
energias adormecidas”. Euclides da Cunha relata a transmutação do sertanejo em um
guerreiro ágil e forte como pode ser verificado no seguinte trecho: “[...] da figura vulgar
do tabaréu canhestro reponta, inesperadamente, o aspecto dominador de um titã
acobreado e potente, num deslocamento surpreendente de força e agilidade
extraordinária” (CUNHA, 2018, p. 207).
O autor observa de perto o nordestino, em sua espacialidade, em sua vivencia
cotidiana. O nordestino, antes um degradado, agora passa ser um forte, por suportar
a aspereza do ambiente. Desse modo, emerge na obra do autor o conflito entre duas
espacialidades, uma distinta da outra.
Além desses aspectos mais humanos, Euclides da Cunha também observa a
diferença na organização das propriedades entre o Sul e o Nordeste, enquanto na
primeira região são desenvolvidas as estâncias, que são administradas pelo próprio
proprietário que ali reside, já na segunda o proprietário das terras “vive no litoral, longe
dos dilatados domínios que nunca viu, às vezes. Herdaram velho vício histórico, como
os opulentos sesmeiros da colônia [...] Os vaqueiros são-lhes servos submissos”
(CUNHA, 2018, p. 217-218).
Dessa forma, Euclides da Cunha se atentou a distribuição desigual de terra no
Nordeste, e o poder que era exercido pela oligarquia agrária, herança da colonização
do Brasil, com adoção de terra pela coroa portuguesa. Segundo Levine (1995, p.80)
em meados do século XIX, menos de 5%, e provavelmente menos de 1% da
população rural, possuíam terras.
O uso da terra era fator básico de estratificação social, muitas famílias
mantinham uma pequena roça, para consumo próprio, enquanto exercia funções em
fazendas, sobre o poder do fazendeiro.
O coronelismo fortaleceu na primeira república, o qual eram financiados por
políticos em troca de votos, a fim de garantir a reprodução da estrutura agraria e seus
interesses.
56

O poder coronelista alcançou o auge durante a Primeira República, quando


funcionários do governo estadual franqueavam liberdades ilimitadas para sua
clientela de coronéis em troca de votos, fraudulentamente conseguidos nas
urnas eleitorais. Normalmente, os coronéis controlavam a eleição dos juízes
locais. Essa influência, juntamente com o poder de nomear o chefe de polícia
local, significava que os crimes cometidos pela facção no poder, não iriam ser
punidos, enquanto os membros da oposição sofreriam as extravagâncias, e
os caprichos dos funcionários responsáveis pela administração da justiça
(LEVINE, 1995, p.146).

Assim, a figura dominante no Nordeste era o coronel que normalmente possuía


grandes propriedades e muitos agregados responsáveis pelo trabalho árduo. Era
comum a disputa pelo poder entre esses coronéis, o qual, o prêmio era aliança com
as autoridades do governo providencial ou estadual. Enquanto isso milhares de
trabalhadores eram relegados à miséria e ao esquecimento.
A maior parte da população nordestina era, majoritariamente, analfabeta e
incapaz de adquirir um pedaço de terra. Além da falta de educação, saúde e moradia,
participavam desse sistema seguindo regras não-escritas, ditadas pela oligarquia, por
intermédio dos policiais, padres, inspetores e capatazes, responsáveis por manter a
ordem vigente.
Desse modo, a população era considerada “submissa (porque pobre) e
ignorante (porque iletrada). Como estes, de algum modo, manifestaram suas
insatisfações, foram tidos como fora-da-lei e desprovidos de racionalidade”
(DOMINGOS, 1999, p.60).
Segundo Guimarâes (1997, p.35) a terra na condição pré-capitalista de nossa
agricultura, “assegura à classe dos latifundiários uma força maior que o poderio
econômico, uma espécie de poder que frequentemente supera e sobrevive àquele –
o poder extra econômico”. Assim, esse poder era direcionado para unificação da
classe dominante, em detrimento dos trabalhadores, que eram submetido à
desorganização.
Nesse sentido, a religião para Euclides da Cunha é como o nordestino –
mestiça. Em suas breves descrições a respeito da religião nordestina, deixa
transparecer seu traço paradoxal. Em alguns momentos, é apresentada como
encantadora em seus rituais; já em outros momentos, como aberrações brutais, que
derrancam ou maculam.
O quarto capítulo é dedicado à história de Vicente Mendes Maciel, conhecido
como Antônio Conselheiro, e aos anacoretas que habitavam o Nordeste – além de
57

suas psicologias e feitos. No início do capítulo, o autor faz analogia entre as camadas
profundas da estratificação geológica, com o aparecimento de Conselheiro, como se
esse fosse o afloramento de um estrato profusamente arcaico de costumes e vícios
superados há muito tempo pela civilização. Conselheiro surge defronte com a
civilização, buscando propagar suas crenças e ritos.
Sendo assim, Conselheiro surge como um messias para milhares de
nordestinos, que sofriam constantemente a opressão do clima e da desigualdade
social, não tinham nada para se apegar, a não ser na fé, como um ato de esperança
e resistência.
Antônio Conselheiro foi a materialização de um processo coletivo formado,
através de milhares de consciências guiadas pela esperança de viver uma vida digna,
distante da opressão dos coronéis. Conselheiro de fato representava um afloramento
geológico profundo, pois simbolizava a consciência histórica da opressão que milhares
de nordestinos sentiam a séculos, tornando-se a resistência viva contra os desmandos
dos coronéis e do Estado.
Contudo, o mesmo era considerado pelo poder político, religioso e econômico
da época um louco, o qual deveria ser levado para o sanatório. De acordo com
Euclides da Cunha, esse movimento seria a consagração final da vitória da insânia
sobre o bom senso, e do misticismo comprimido sobre a razão da civilização moderna.
Portanto, é notório que autor não compreendia de fato as causas que levara o início
do movimento messiânico. A xilogravura do pernambucano José Francisco Borges,
representa a imagem de Antônio
Conselheiro, como é possível observar na figura a seguir:
58

Figura 2 - Xilogravura de Antônio Conselheiro

Fonte - José Francisco Borges.

A xilogravura típica dos cordéis representa a cultura nordestina, suas lendas,


contos, e folclore. A imagem da xilogravura traduz em traços a cotidianidade dos
sertanejos e os temas mais comuns: o cangaço, o amor, os castigos, a religiosidade,
os mistérios e os milagres. A xilogravura de Antônio Conselheiro representa a
religiosidade de milhares de nordestinos, o qual pode ser observado pela posição das
pessoas que se encontram de joelho perante Antônio Conselheiro, o qual segura uma
cruz, símbolo da salvação eterna.
Na xilogravura é possível observar também a figura da igreja, que sobressai as
demais construções, revelando a importância da instituição na organização do arraial.
O movimento messiânico encontrou no interior da Bahia um lugar propício a sua
materialização, devido a situação de miséria e opressão que viviam milhares de
nordestinos. Muitos desses homens, já não acreditavam em uma situação melhor de
vida. Isso pode ser observado no trecho do artigo “Só Deus é grande”:

Para uma grande parte da população sertaneja, a crise trouxe a perda da


religião, mas perda, não apenas de costumes religiosos tradicionais, e sim,
da própria fé. A miséria fazia com que o povo andasse desiludido e
desenganado de Deus, foram lhe roubados, de uma vez, a vida na terra como
no céu (OTTEN, 1989, p. 26).

Nesse contexto social, sedento por esperança, surgiu Antônio Conselheiro.


Assim a condição era favorável à crença no sobrenatural, como meio de salvação.
59

Desse modo, Conselheiro tornou-se um guia espiritual que levaria aqueles milhares
de sertanejos à terra prometida. Segundo Otten (1989, p.40) “eram pequenos e
miseráveis, marginalizados e ociosos, um perigo e ameaça para sociedade,” e
independentemente de serem pecadores, marginalizados, Conselheiro aceitava todos
os sertanejos que queriam abdicar de seus laços, para integrar-se na
“Companhia de Jesus”.
A oligarquia baiana descrevia esse movimento como de facínoras, guiado por
um esquizofrênico, que visava desafiar as leis e as instituições. Entretanto, para a
socióloga Maria Isaura Pereira de Queiroz (1918-2018), que estudou vários
movimentos messiânicos no Brasil e no mundo, esses movimentos de fundo religioso
expressam um posicionamento político por mudanças sociais, uma ruptura com
sistema vigente, como pode ser observado no seguinte trecho:

Tais movimentos não são aberrantes, nem integram um capítulo da patologia


social, como até então se supunha. Ao contrário, seriam reações normais de
sociedades tradicionais em momentos de crise, de anomia (o mais comum no
caso brasileiro) ou de mudança de sua estrutura interna. O apelo a valores
religiosos não seria uma atitude alienada, mas a expressão da revolta, por
meio do único canal possível no contexto cultural tradicional (NEGRÃO, 2001,
p.122).

Assim, o movimento messiânico foi duramente reprimido pelas autoridades, por


desafiar a ordem vigente. Os líderes messiânicos não seriam esquizofrênicos ou
psicopatas, mas “místicos ou ascetas frequentes na tradição judaico-cristã, dotados
de qualificações intelectuais acima da média de seus liderados; no mínimo, homens
informados, com vivência em ambientes sociais diversificados, e profundos
conhecedores da cultura religiosa tradicional (NEGRÃO, 2001, p.122)
Antônio Conselheiro foi responsável pela formação do arraial de Canudos, e o
mesmo ajudou a construir as igrejas e casas, pregando o desapego das coisas
terrenas. Considerava o arraial como a última passagem antes da terra santa. A vida,
segundo ele, seria um purgatório. Assim, para entrar em Canudos, as pessoas
deveriam deixar tudo para trás, a fim de viver um novo tempo. Desse modo, como bem
disse Otten (1989, p. 44) “Em função da religião se organiza a vida em
Canudos. A entrada no arraial era ligada à conversão”. No trecho a seguir nota que
quem quisesse permanecer no arraial deveria se dedicar a ele.
60

Para ir a Canudos e integrar-se na “Companhia de Jesus”, muitos cortam


todos os laços com o mundo, deixam, em certos casos, mulher e filho para
trás, ou vendem tudo e chegando com toda a família, fazem questão de
colocar todo o dinheiro aos pés do Conselheiro, imitando a prática dos
primeiros cristãos (OTTEN, 1989, p. 44).

Assim, o conflito deflagrado contra Canudos “não se deveu à ignorância ou ao


caráter retrógrado das massas ou de seus líderes, mas a interesses políticos,
econômicos locais e regionais, e à intolerância das autoridades civis e religiosas
(NEGRÃO, 2001, p.122), pois esse tipo de agrupamento desafiava a sociedade de
base patrimonialista, propondo uma nova organização social.

Muitos movimentos, quando não hostilizados e tolerados em suas


especificidades, consistiram em interessantes experiências de
desenvolvimento regional, como alternativas aos impactos desestruturantes
da modernidade política, e econômica sobre populações rústicas. Tais seriam
os casos de Santa Brígida e de Juazeiro (NEGRÃO, 2001, p.122).

Euclides da Cunha cita as profecias que eram disseminadas por Conselheiro.


Uma entre estas pode ser observada no trecho a seguir: “... em 1894 há de vir
rebanhos mil correndo do centro da Praia para o sertão; então o sertão virará Praia e
a Praia virará sertão. Em 1897, muito pasto e pouco rasto, e um só
Pastor e um só rebanho” (CUNHA, 2018, p. 277).
Além dessas profecias, havia muitas outras – inclusive contra a República
recém-formada à época, pois a mesma era vista como governo anticristo, que
espalhava a desgraça e doutrinas satânicas, não obedecendo aos mandamentos de
Deus, como pode ser observado do trecho abaixo:

Em verdade vos digo, quando as Nações brigarem com as Nações, o Brasil


com o Brasil, a Inglaterra com a Inglaterra, a Prússia com a Prússia, das
ondas do mar D. Sebastião sahirá com todo o seu exército.
Desde o princípio do mundo, que encantou com todo seu exército e o restitui
em guerra.
E quando encantou-se afincou a espada na pedra, ela foi até os copos e ele
disse: adeus Mundo!
Até mil e tantos a dois mil não chegarás!
Nesse dia quando sair com seu exército, tira a todos no fio da espada deste
papel da república. O fim desta guerra se acabará na casa Santa de Roma, e
o sangue há de ir até à junta Grossa...” (p. 278).

As profecias de Antônio Conselheiro corriam pelas veredas do sertão, alertando


a todos sobre um novo tempo em que não haveria mais fome, e nem sede – e todas
as necessidades seriam supridas. Canudos seria o desígnio da terra santa, aonde
61

todos que tivessem ali, seriam salvos. Essa era a terra da promissão, onde corre um
rio de leite e são de cuscuz de milho as barrancas.
Com o avanço dessas profecias, muitas pessoas abandonaram suas casas e
seguiram em direção a Canudos. A Igreja Católica buscou de início intervir, pedindo
ajuda ao presidente daquela República, que “dirigiu-se ao ministro do Império, pedindo
um lugar para o tresloucado no hospício de alienados do Rio” (CUNHA, 2018, p. 308).
Esse pedido, no entanto, foi negado sob a justificativa de que não havia mais vagas.
A igreja Católica buscou intervir várias vezes no movimento, devido sua relação com
os grandes proprietários de terra na região. Contudo, Conselheiro continuou
espalhando suas profecias e buscando construir, em Canudos, refúgios para todos
aqueles que acreditavam em suas palavras.
No quinto e último capítulo da segunda parte do livro, é apresentado à formação
do arraial de Canudos. De acordo com autor, Canudos, antes de tornar-se um arraial
populoso, era uma fazenda de gado abandonada à margem do rio VazaBarris,
ocupada por poucas pessoas que, em sua maioria desocupados, passavam o dia
bebendo aguardente, pitando cachimbos de barro em canudos de metro, e de tubo
que eram extraídos das solanáceas –planta encontrada à beira do rio que deu origem
ao nome do município e da região.
Após a chegada de Antônio Conselheiro, esse antigo assentamento passou a
crescer vertiginosamente, em um curto espaço de tempo. Muitas pessoas deixavam
as suas casas e se dirigiam para o arraial, vendendo os poucos bens que possuíam
para entregá-los a Conselheiro. O autor descreve o aumento acelerado desse arraial
e como eram construídas as casas, como pode ser observado no trecho abaixo:

A edificação rudimentar permitia à multidão, sem lares fazer doze casas por
dia; - e a medida que se formava, a tapera colossal parecia estereografar a
feição moral da sociedade ali acoitada. Era a objetivação daquela insânia
imensa. Documentos iniludíveis, permitindo o corpo de delito direito, sobre
os desmandos de um povo. Aquilo se fazia a esmo, adoidadamente (CUNHA,
2018. p. 291).

Assim, em pouco tempo, o pequeno arraial se tornou um dos lugares mais


populosos da Bahia. A construção deu-se de forma livre, sem planejamento,
resultando em uma rua denominada de Campo Alegre, que dividia a cidade em duas
partes e terminava na praça da igreja velha, aonde o Conselheiro iniciou a construção
62

de uma nova igreja. O resto da cidade era como um labirinto, formado por estreitos
pátios internos irregulares, e as casas construídas sem padrões.
De acordo com Euclides da Cunha, a organização e a construção do arraial
refletiam a desorganização mental daqueles que ali se ajuntavam; era a prova material
de um povoamento retrógrado e bárbaro. Em alguns trechos, o autor relata que o
arraial se assemelhava a uma cidade sacudida por um terremoto, tamanha a
desordem. Em outro momento relacionando às casas construídas em Canudos, como
a transição da caverna primitiva para a casa, que acabou sendo malsucedida.
“Era a Troia de taipa”.
O geógrafo Armand Frémont (1980) defendeu a tese que o homem vive em
simbiose com seu espaço, concebendo identidade ao mesmo. Assim, é possível
constatar o espaço vivido, que tem suas marcas próprias, materializadas, exprimindo
suas características próprias. Frémont estuda os espaços da Revolução da Argélia
(1954-1962), e compara o espaço dos combatentes argelinos e do colonizador. De
acordo com o geógrafo francês:

O refúgio, os lugares da clandestinidade encontram-se na velha cidade árabe,


a “Kasbah”, anterior à colonização, fechada sobre si própria, numa rede de
casas de pátios fechados e de ruelas ou escadarias obscuras, facilmente
conhecidas pelos que as vivem de dentro, mas que surgem como um perigoso
labirinto para o estranho abordar . [...] O combatente argelino depressa
aprende a conhecer o espaço da clandestinidade, e do combate na sua mais
fina intimidade (FRÉMONT, 1980, p. 247, 248.).

É possível relacionar a análise de Frémont a Canudos, pois o espaço da


revolução proposta pelo autor é intimamente parecido com a organização espacial do
arraial de Canudos. A forma que o Arraial é construído remete a um espaço de
resistência – que não atende às características de um espaço organizado pelas forças
colonizadoras, e sim, pela experiência de vida e seus moradores que ali se
estabeleciam. Assim como Kasbah, Canudos tornou-se refúgio de milhares de
desalentados que, lutando pela sua sobrevivência, buscavam fugir das mazelas que
os assolavam.
Em Canudos reinava a ordem e a tranquilidade. Todos trabalhavam em prol da
comunidade. Era proibido consumo de bebida alcoólica, além de tabernas e prostibulo.
Não havia policias ou coletores de impostos.
63

Assim, Canudos tonava-se um lugar de esperança para milhares de homens e


mulheres, que buscavam um local para viver sua vida longe da opressão dos coronéis.
De acordo com Edmund Moniz (1982, p.46), a educação era considerada de suma
importância para Antônio conselheiro que fundou duas escolas no arraial e
acompanhava de perto o ensino, “que se estendia aos adultos que quisessem
aprender a ler a escrever. A gente rude e primitiva, que seguia Antônio Conselheiro,
sentia a necessidade de civilizar-se, e dar seus filhos a instrução que não tivera”.
O arraial era governado por um regime religioso, comandado por Conselheiro,
que buscava unir todos em prol de um mesmo ideal de salvação e de abdicação dos
prazeres terrestres. De acordo com Euclides da Cunha (2018, p. 298), “na falta da
irmandade do sangue, a consanguinidade moral dera-lhe a forma exata de um clã, em
que as leis eram o arbítrio do chefe, e a justiça as suas decisões irrevogáveis”. Assim,
sedimentava uma população multiforme, composta por todo tipo de pessoas com
intenções distintas. Era ali a junção das três raças, manifestando suas crenças
mestiças e suas aspirações. Canudos se converteu no cosmos dessa união.
Dessa maneira, é possível constatar, ao longo das descrições elaboradas por
Euclides da Cunha sobre Canudos, sua visão que representava aquela do litoral, o
discurso dominante e legitimado pelo Estado.
De acordo com Moniz (1982) a versão do uso da violência como punição no
arraial, é falsa, pois não existe nenhum fato ou documento que a prove, com exceção
de alguns insertos elaborados de forma duvidosa pelos militares, que objetivavam
criminalizar Canudos, justificando sua violência contra o mesmo.
Martins (2007), em sua tese, defende que Canudos foi um modelo de
governança comunitária expressivo no Brasil, que alcançou o crescimento
populacional de 10 834%, em apenas quatro anos.
Além disso, Moniz (1982) como Martins (2007), apontam que em Canudos
havia a distribuição dos bens, prevalecia a propriedade coletiva da terra. O trabalho
era realizado por todos, o qual as funções exercidas eram essenciais para o
desenvolvimento de Canudos. Quando a produção era maior que o consumo, a
mesma, era armazenada ou vendida no comércio local.
Devido a estes códigos sociais, Canudos desafiava os conceitos e preceitos da
civilização – desde sua construção material, até seu sistema religioso e moral.
64

Euclides da Cunha acreditava serem esses os inimigos da República, por ainda


estarem em uma fase de transição, entre o selvagem e o civilizado, e não
compreenderem ao sistema republicano, devido a sua complexidade, como ele relata
no seguinte trecho:

[...] o jagunço tão inapto para apreender a forma republicana como a


monárquico-constitucional.
Ambas lhe são abstrações inacessíveis. É espontaneamente adversário de
ambos. Está na fase evolutiva em que só é conceptível, o império de um chefe
sacerdotal ou guerreiro (CUNHA, 2018, p.316).

Autor relaciona o surgimento de Canudos – e suas crenças – à invisibilidade da


região diante dos poderes públicos como reflexos de 300 anos no esquecimento,
carente de políticas inclusivas, ausente de qualquer plano de desenvolvimento
socioeconômico, alheia aos interesses políticos.
O interior do Brasil se viu isolado do litoral por muitos séculos, especificamente
o sertão nordestino. Assim, escreve que a população nordestina foi largada “na
penumbra secular em que jazem, no âmago do país, um terço da nossa gente”
(CUNHA, 2018, p. 317). E conclui utilizando analogia entre a escala geográfica e
histórica, na seguinte passagem: “Porque não no-los separa um mar separam-no-los
três séculos...”
É possível constatar a negligência do governo e suas respectivas políticas
públicas com relação ao interior do país. Fez-se necessário uma intervenção das
forças políticas, e meios de inclusão para estabelecer a unidade nacional, mas o
governo optou pela força, com a justificativa de levar, a civilização, escrita com pólvora
e chumbo.
O autor relata um reduto formado por muitas pessoas ingênuas, que não tinham
acesso à educação formal e eram submetidas a um meio hostil e duro à vida; não
conheciam outra coisa que não fosse o sertão; eram guiados por uma fé inabalável
em detrimento da razão da civilização moderna; seguiam costumes e rituais, que eram
transmitidos ao longo das gerações – esse era o cosmos da vida.
Entretanto, o governo se viu ameaçado com o aumento do arraial, e fez a
intervenção – a mais civilizada possível –, enviando aos sertanejos a violência da
guerra e a destruição. Assim, o autor finaliza a segunda parte de “Os Sertões,” em um
encontro de dois brasis: um, do litoral, movido por um projeto de civilização europeia,
65

de todo dissociada da realidade brasileira e de sua história; e outro, do sertão, que


expressava a miscigenação de povos diferentes, de hábitos e costumes mestiços, que
possuem na fé a esperança, e no meio ambiente sua instrução.
Os dois brasis que representam a teoria Euclidiana, foram tomadas em “Os
Sertões” como ponto de inflexão em suas analises, a fim, de expor a teoria dominante
da época, a qual viria a ser superada em meados do século XX, pela teoria da
dependência.

A terceira e última parte do livro intitulada “A Luta,” representa a síntese da


relação conflituosa entre as forças da República e os sertanejos. Essa parte é
subdividida em quatro, sendo estas: Primeira Expedição; Segunda Expedição;
Terceira Expedição; e Quarta Expedição. Contudo, as mesmas, estão divididas em 34
capítulos que descrevem minunciosamente o avançar e recuar das tropas, além de
suas dificuldades ante o meio natural.
Contudo, em 1897 durante o mês de setembro, organizou-se o ataque final
sobre Canudos com 5.871 homens, realizado no início de outubro. Assim, em 05 de
outubro de 1897, Canudos foi completamente devastada pelas tropas.
Euclides da Cunha relata esse momento derradeiro nas seguintes palavras:

Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até ao


esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do
termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos
defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois
homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiram raivosamente cinco
mil soldados (CUNHA, 2018, p. 778).

Ao longo do dia 6 de outubro foram destruídas as 5.200 casas que havia ali.
Canudos “era um parêntese; era um hiato. Era um vácuo. Não existia”. Fora
completamente destruída pela força civilizadora da pólvora (CUNHA, 2018, p. 677).
“Os Sertões” denuncia a irresponsabilidade do Estado, ante os milhares de
brasileiros(as), que viviam a margem da sociedade, oprimidos pela oligarquia rural
nordestina, por um sistema latifundiário concentrador de terras, e pela ganancia de
coronéis. Contudo, a obra “Os Sertões” contada na ótica de um engenheiro militar, de
inspiração positivista, que presenciou de perto a hecatombe da opressão, da miséria,
e a resistência de milhares de sertanejos que lutaram bravamente até o fim, conclui-
se que “[...] foi um recuo prodigioso no tempo; um resvalar estonteador por alguns
séculos abaixo” (CUNHA, 2018, p. 735.)
66

Além disso, ocorreu o extermínio de milhares de sertanejos, homens que


buscavam na terra seu alimento e na fé sua esperança. O movimento messiânico e a
organização de Canudos representaram, e representam um hiato na história do Brasil;
especificamente enquanto movimento pela terra e por direitos básicos, que foi
negligenciado e negado a milhares de camponeses, que viviam a margem, na
fronteira, entre que se denominava de civilidade e barbárie, um dualismo retrógrado e
tacanho, que cultivou a mentalidade brasileira. A obra “Os Sertões” apresentada ao
longo desse capítulo, possibilitou uma aproximação, um enriquecimento na apreensão
da luta dos sertanejos e de sua memória, cooperando com aprofundamento das
questões teóricas a respeito da mesma, expondo o abandono de milhares de
brasileiros, por parte do Estado, que possui uma dívida histórica com esses, que
sofreram, e sofrem o peso da opressão.
Assim, a obra “Os Sertões” tornou-se referência para entender o conflito, entre
uma nacionalidade artificial, formada no litoral, e uma de fato, forjada no interior do
Brasil, por milhares de sertanejos que lutavam pela sua liberdade ante a opressão
imposta pelas forças colonizadoras.

2.2 “Geração do deserto” e a terra prometida

Guido Wilmar Sassi nasceu em 1922, no município de Lages, Santa Catarina.


Sassi não chegou a completar os estudos formais, mas, como gostava muito de ler,
tornou-se um autodidata. Tal inclinação pela escrita, possibilitou-lhe colaborar com a
imprensa de sua cidade natal. Através de relatos que escutava durante a infância e a
juventude, manteve contato com a história do Contestado. O autor ainda chegou a
morar nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, onde exerceu a função de
jornalista. Teve vários contos publicados ao longo de sua vida – inclusive em revistas,
além de duas obras como “Geração do Deserto”, em 1964, e “Os Sete Mistérios da
Casa Queimada”, em 1989. Faleceu em 2002, no Rio de Janeiro.
“Geração do Deserto” é um romance regionalista, publicado pela primeira vez
em 1964 pela editora Civilização Brasileira, no Rio de Janeiro. A obra retrata
ficcionalmente a Guerra do Contestado, na região limítrofe dos atuais estados do
Paraná e Santa Catarina, além da cultura da população do planalto lageano. Um saber
geográfico é facultado, através de sua narrativa, mediado pela visão do caboclo e sua
67

relação com o meio. Por conseguinte, a obra apresenta os conflitos provocados pelas
relações díspares entre uma República recém-formada, e milhares de homens que
lutavam por suas terras, sujeitos à pobreza no interior do país. Esse romance – escrito
em terceira pessoa – possibilita uma aproximação dos fatores que levaram ao conflito,
permitindo a problematização do tema. A obra está diretamente vinculada ao
regionalismo, que se caracteriza pela busca da identidade brasileira e sua afirmação.
Essa obra foi baseada em um amplo levantamento bibliográfico, realizado pelo
autor que, diferente de Euclides, não presenciou o conflito in loco. O levantamento
realizado por Guido Wilmar Sassi envolveu pesquisas etnográficas e etnológicas,
desde levantamentos documentais, até relatos de pessoas que presenciaram o
conflito.
O autor buscou, por meio de seu romance, dar voz aos sertanejos que viviam
nas paragens do interior dos estados catarinenses e paranaenses, que acabaram
duramente reprimidos pelas forças militares e por mercenários.
Desse modo, ele conta o fenômeno do Contestado pela ótica dos sertanejos,
situando-lhes como personagens históricos. A obra “Geração do Deserto” tornou-se
reconhecida nacionalmente por sua riqueza de detalhes, sendo um marco para a
compreensão da Guerra do Contestado. Este romance também foi responsável por
inspirar o filme “A Guerra dos Pelados”, lançado em 1970.
A obra “Geração do Deserto” assemelha-se em parte a narrativa do livro “Os
Sertões” por apresentar uma narrativa de cunho rural, que trata dos conflitos que
ocorreram no interior do Brasil ao longo da Primeira República (1889-1930), liderados
por monges que pregavam um novo tempo. De acordo com Sassi (2012, p.8), essas
obras manifestam “os problemas do nosso interior, quando sabemos que o Brasil tem
um processo de urbanização montado num sistema agrário retrógrado e iníquo,
repleto de vícios, contradições e conflitos”.
68

2.2.1 Considerações iniciais sobre o Contestado

O romance “Geração do Deserto,” narra ficcionalmente a Guerra do


Contestado, que ocorreu entre os anos de 1912 – 1916, em uma área de fronteira
disputada pelos estados de Santa Catarina e Paraná, conforme pode ser observado
na Figura 3:

Figura 3 - Mapa dos limites entre o Paraná e Santa Catarina (1865-1916).

Fonte: BRANDT, 2007, p.137

O Contestado foi um movimento social de cunho messiânico, caracterizado por


uma crença no divino – e nas escatologias – que pregava o fim do mundo. As vilas
santas, fundadas por esses movimentos, aglomeravam muitas pessoas de origens
variadas: pequenos produtores rurais, posseiros expulsos de suas terras, ervateiros
privados de continuar suas atividades, trabalhadores desempregados pela estrada de
ferro São Paulo–Rio Grande do Sul, e por pequenos comerciantes, que eram
opositores políticos aos coronéis da região, especificamente de Curitibanos e
Canoinhas.
O antagonismo jurídico entre as áreas fronteiriças que permaneciam em disputa
entre os dois estados, tornou-se um elemento indutor do conflito, juntamente com as
questões sociais, econômicas e políticas da região.
69

A organização social do território do Contestado é semelhante à estrutura


agrária do interior do Brasil. Composta por grande concentração de terras nas mãos
de poucos proprietários e coronéis que exerciam poder político sobre milhares de
trabalhadores rurais em benefício próprio. O modelo fundiário não possibilitava
aquisição de terra por parte do pequeno produtor, dificultando sua participação no
sistema produtivo. A solução adotada era submeter a condição de agregado ou
apadrinhado do coronel. De acordo com Queiroz:

Grosso modo as relações que se estabeleciam por toda parte no processo da


produção rotineira dos bens, podiam ser caracterizadas pela preponderância
dos laços de dependência pessoal que prendiam a grande massa dos
sertanejos a um limitado número de grandes proprietários rurais (QUEIROZ,
1981, p.43).

A região do Contestado ficava distante dos grandes centros urbanos que se


concentravam no litoral brasileiro. Dessa forma, aquela população não tinha
assistência que suprisse suas necessidades.
Devido a esse isolamento social do resto do país, como meio de compensar a
condição social em que viviam, surgiram crenças, superstições e ritos ligados ao
misticismo. Nesse contexto, surgiu o monge João Maria, personagem que levou
milhares de sertanejos a depositarem sua fé, vendo a esperança de um futuro melhor
na personificação de sua figura. João Maria era conhecido pelos seus milagres de
cura, por sua justiça e santidade. Como afirma Queiroz:

João Maria não era apenas grande mago ou curador. Preenchia


perfeitamente funções de sacerdote: dirigia rezas coletivas e cânticos
religiosos. Muitos sertanejos deixavam os filhos anos a fio sem batismo, à
espera que um dia aparecesse o monge. Ele não só batizava; também casava
e dava bons conselhos. Benzia a roça e o gado (QUEIROZ, 1981, p.50).

Em 1912, apareceu um curandeiro de erva, denominado de José Maria, que


pregava sobre justiça divina e social, como fizera João Maria anteriormente. Nesse
período, além da ferrovia São Paulo–Rio Grande do Sul, construída entre 1906 e 1910,
ocorria a penetração do capital estrangeiro na região do contestado, aumentando
ainda mais a opressão sobre os milhares de sertanejos.
No primeiro momento, o governo federal cedeu 15 quilômetros de terra em cada
margem da estrada de ferro, além do monopólio da exploração de madeira para a
empresa Brazil Railway Company, agravando a condição fundiária. No segundo
70

momento, com a construção da ferrovia, houve aumento considerável da população,


que, após a conclusão da obra, tornou-se uma massa de trabalhadores desalentados
e sem-terra, intensificando a situação de pobreza. Vinha de Queiroz (1981, p. 70-71),
escreveu sobre a concessão feita pelo governo brasileiro à empresa:

A estrada obtivera do governo federal, uma concessão de terras equivalente


a uma superfície de nove quilômetros para cada lado do eixo, ou igual ao
produto da extensão quilométrica da estrada multiplicado por 18. A área total,
assim, obtida deveria ser escolhida e demarcada, sem levar em conta
sesmarias nem posses, dentro de uma zona de trinta quilômetros, ou seja,
quinze para cada lado.

Em agosto de 1912, diante da conjuntura estabelecida pelas questões políticas,


sociais e econômicas, milhares de sertanejos mobilizaram-se em torno do monge José
Maria com o objetivo de lutar por melhores condições de vida. De acordo com Ivone
Gallo (1999), a penetração da força capitalista na região do Contestado, representou
mudança substancial na organização do território, retirando do sertanejo a pouca terra
que lhe havia restado, mas também sua forma de se organizar e viver no espaço
geográfico. De acordo com a mesma:

Pois é preciso que se diga, sempre houve violência entre classes, no


Contestado, e não mais branda do que aquela introduzida, posteriormente,
quando as empresas ferroviárias, e de serraria introduziram armamento
sofisticado na região com vistas a deter a rebeldia de seus empregados e
proteger o seu patrimônio. O tratamento cruel dispensado pelo fazendeiro ao
seu “Compadre” rebelde, como chibatadas corretivas e sal grosso nos
ferimentos, é um dado relevante na composição da imagem do ódio entre as
classes no Contestado (GALLO, 1999, p.101).

A violência e a opressão se intensificaram contra o sertanejo que buscou na fé


a última esperança. Enfrentaram-se com as forças militares nacionais e policiais. A
primeira batalha se deu em Irati, em 1912, resultando na morte de muitas pessoas,
inclusive, do monge José Maria e do coronel João Gualberto. Contudo, o movimento
continuou sob orientação messiânica. Os confrontos principais ocorreram nos redutos
de Taquaruçu, Caraguatá e, por último, em Santa Maria, a derradeira concentração
dos revoltosos, que terminou com a prisão de Adeodato, líder do movimento, em julho
de 1916. Calcula-se que o número de mortes no conflito, de ambos os lados, pode ter
chegado a três mil pessoas.
A Guerra do Contestado é retratada pela Literatura cientifica por meio artísticos
– como é o caso do romance que apresentaremos a seguir, a fim de investigar a visão
71

artística a respeito do conflito –, em diálogos com autores que estudaram esse período
histórico acirrado pela desigualdade, e por movimentos messiânicos da luta pela terra
no interior do Brasil.
O romance “Geração do Deserto”, escrito por Guido Wilmar Sassi, através de
relatos de sertanejos que vivenciaram esse conflito, possibilitou a construção da
narrativa com fundo histórico que permeia o espaço vivido pelo autor. Assim, Sassi
visa dar voz à memória dos sertanejos, através de seu romance, expondo suas
experiências e a sua própria, construindo paisagens, que dialogam com esse
momento.

A paisagem geográfica captada pelo escritor não emerge, simplesmente,


como matéria inanimada de um cenário estático, pois, ao mesmo tempo em
que vivifica, e vivificada, mediante a memória e visibilidade de suas
experiências, percepções e imagens (LIMA, 2000, p.9).

A Literatura possibilita essa aproximação com o espaço vivido, que marca a


estrutura social e estética de determinado período histórico, que permite adentrar as
questões, que permeiam a sociedade até os dias atuais, como é o caso agrário
brasileiro e suas características.

2.2.2 “Geração do Deserto” e a busca pela terra prometida

Este romance é resultado de anos de pesquisa realizada pelo autor – vinculado


à região do Contestado, mais precisamente ao município catarinense de Lages –,
onde ouviu muitos relatos durante a infância.
O título “Geração do Deserto” remete a uma expressão bíblica do velho
testamento, sobre a história do povo hebreu que, após ser liberto do Egito, caminhou
quarenta anos no deserto em busca da terra prometida, onde emanava leite e mel. A
narrativa do livro traz uma analogia entre a história dos sertanejos, que lutavam e
sonhavam com sua terra prometida e a do povo hebreu, em sua jornada em busca da
glória. Essa relação aparece na epígrafe do texto, que vem acompanhado de uma
citação do livro de Números, escrito por Moisés.

Porém, quanto a vós, os vossos cadáveres cairão neste deserto. E vossos


filhos pastorearão nesse deserto quarenta anos, e levarão sobre si as suas
infidelidades, até que os vossos cadáveres, se consumam neste deserto
(SASSI, 2012, p.13).
72

Essa analogia entre a saga dos sertanejos no interior de Santa Catarina e


Paraná, e a história bíblica do povo hebreu pela terra prometida, emerge diversas
vezes ao longo da narrativa, como pode ser observado na fala do personagem Elias,
líder do movimento após a morte do monge José Maria, que encoraja o povo a lutar
por sua terra:

Nós somos a geração do deserto! Como a nação dos judeus, nós estamos
neste deserto, em busca da terra Prometida. Faz quase quatro anos que nós
declaramos a Guerra Santa, e estamos lutando para conquistar nossa terra.
(...) Mas a Guerra Santa tem que continuar, porque, porque nós somos a
geração do deserto, os que devem ser sacrificados. (...) No tempo de Moises
ele também guiou o povo pelo deserto, e toda a geração velha morreu. Mas
os que nasceram no deserto chegaram à terra de Canaã, prometida por Deus
(SASSI, 2012, p.116,117).

Essa analogia elaborada por Guido Wilmar Sassi visa ressaltar a importância
da terra para o caboclo, comparando-a com a jornada do povo hebreu. Enquanto o
périplo rumo à Terra Prometida durou 40 anos, a do Contestado levou quatro anos. E
como os israelitas tinham Moisés como líder, os caboclos encontraram o seu em José
Maria.
A terra é figura central na narrativa, como também foi ao longo da Guerra do
Contestado. Com o avanço do capital sobre a região do Contestado, com destaque
para a Companhia Brazil Railway, que desapropriou de forma violenta milhares de
posseiros que viviam nas terras devolutas às margens da linha férrea, onde muitos
ficaram sem suas propriedades. Essas expulsões motivaram os sertanejos, a se
levantar contra o poder vigente.
Além dessa companhia, havia outra conhecida como Southern Brazil Lumber
e Colonization Company, criada pela Brazil Railway para explorar as terras adjacentes
à estrada de ferro e outras que viessem a adquirir. A mesma passou a deter o
monopólio da exploração da madeira na região, atingindo diretamente a economia das
famílias que dependiam da madeira e da erva mate, aprofundando ainda mais as
questões sociais e a luta pela terra. De acordo com Queiroz:

Não eram apenas as firmas estrangeiras que se aproveitavam desses


negócios. Deles se beneficiavam também, em larga medida, os coronéis do
interior e seus apaniguados, em suma, todos os que dispunham de influência
política, sobre os governos estaduais (QUEIROZ, 1981, p. 75).
73

A linha férrea foi projetada em 1887, pelo engenheiro João Teixeira Soares,
objetivando ligar os municípios de Itararé (SP) e Santa Maria (RS), a distância
percorrida entre os dois pontos, pelo traçado da estrada de ferro chegava a 1.403 km
de extensão. A linha férrea era um empreendimento que visava interiorizar o poder
político em áreas fronteiriças com Argentina e Uruguai, passando pelas províncias de
São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A figura (4) apresenta o
traçado da ferrovia sobre o território contestado entre Paraná e Santa Catarina:

Figura 4 – Mapa da Ferrovia Itararé (SP) - Santa Maria (RS), com destaque para
região do Contestado e as principais cidades.

Fonte - DIACON. Todd A. 2002, p.47.

O fotografo Claro Gustavo Jansson, de origem sueca, exerceu papel


fundamental na construção da história do contestado, através de suas fotografias, que
marcaram de luz aquele momento. É possível observar na figura 5, a linha férrea que
percorria verticalmente a região do Contestado na ótica do fotografo4.

4
A digitalização destas fotografias foi feita por Rubens Habitzreuter e Paulo Moretti a partir de cópias.
De acordo com os limites de recursos disponíveis para a elaboração deste trabalho, um total de 100
fotografias foi digitalizado por Jandira Jansson a partir dos negativos contidos no acervo familiar
conservado em Itararé, São Paulo (BEZERRA, 2009, p.25).
74

Figura 5 - Trabalhadores da linha férrea Ferrovia


Itararé (SP) - Santa Maria (RS) (1918).

Fonte – Museu Paranaense.

A implantação da linha férrea na região do contestado acelerou o processo de


desmatamento, além da desapropriação de milhares de posseiros que viviam na
margem de 15 quilômetros da linha férrea, além de adquirir 180 mil hectares de terra
para cortar madeira. Na imagem, é possível observar os vagões carregados de
madeira. Na figura 6 é possível observar os trabalhadores da Lumber, cerrando os
pinheiros.

Figura 6 - Extração de pinheiros na região do Contestado (1918).

Fonte - Museu Paranaense.


75

Os pinheiros eram utilizados pelos sertanejos para construir suas casas, cercas,
paiol e também para alimentação por meio do pinhão. Entre os pinheiros nasciam a
erva-mate que era extraída e consumida pelos mesmos. Contudo, com a chegada da
Lumber as atividades se tornaram inviáveis, devido o monopólio da exploração da
madeira e da erva-mate.
A fim de explorar esse contexto em sua obra, Guido Wilmar Sassi a organizou
em quatro capítulos - Irani, Taquaruçu, Caraguatá e Santa Maria - locais fictícias
relacionados às localidades, onde formaram-se de fato os principais redutos dos
caboclos, e em que ocorreram os conflitos armados.
Os nomes dos redutos, exceto Santa Maria, é de origem Tupi-Guarani. Irani
significa “Mel Envelhecido” relacionado a beleza da flora e da fauna local. Taquaruçu
significa “Bambus ou Taquaras”, nome comumente atribuído a locais que se encontra
considerável quantidade dessas plantas. O nome de Caraguatá se refere a planta da
família das bromeliáceas que produz fruto. O nome do reduto de Santa Maria, está
relacionado com a crença na salvação, fazendo alusão a fé cristã.
Na primeira parte, denominada de Irani, o autor destaca o messianismo,
narrando o surgimento de monges como João Maria e José Maria, que levavam
esperança ao povo, perdida já havia muito tempo, como é possível identificar no trecho
a seguir: “Esperança ele trouxera para todos, quando pelo mundo peregrinara,
auxiliando os oprimidos e consolando os aflitos. Ele se fora, mas os pobres,
relembrando seus conselhos e palavras, neles encontravam lenitivo.”

(SASSI, 2012, p. 15)


O autor ressalta o papel do messianismo no Contestado, retratando a imagem
de um povo que acreditava com veemência nas profecias e ladainhas disseminadas
pelos monges. Eles tinham no sagrado a sua única esperança, enquanto o governo,
empresas e coronéis lhes oprimiam. Na figura 7 é apresentada a imagem do monge
João Maria, o primeiro a aparecer na região disseminando as profecias, que o fim do
mundo se aproximava, contudo, esse, logo desapareceu, mais o povo ainda guardava
suas previsões. Na figura 8 é possível identificar o monge José Maria, ao lado das
virgens, que passou a organizar os movimentos de defesa dos redutos a partir de
1912.
76

Figura 7 - Monge João Maria (data desconhecida).

Fonte: Acervo da família de Claro Jansson – Itararé, imagem digitalizada por Rubens Habitzreuter e
procedente de Bezerra (2009, p. 108)

Figura 8 - "Monge" José Maria ao lado das virgens (data desconhecida).

Fonte: Acervo da família de Claro Jansson – Itararé, imagem digitalizada por Jandira Jansson e
procedente de Bezerra (2009, p. 118).
77

Com isso, é possível associar o surgimento dos movimentos messiânicos com


a privação, combinados com pobreza, opressão e falta de alternativas frente ao poder.
A população oprimida passou a sonhar e idealizar um lugar em que não houvesse
aquilo que lhes fosse desagradável. Esses pensamentos trouxeram alívio, uma
solução que aos poucos foi se tonando prática na experiência cotidiana. O imaginário
é o elemento mais importante para entender os movimentos históricos – inclusive, o
messianismo.
O messianismo permeou os movimentos dos grupos oprimidos, sujeitados
pelos poderes políticos, econômicos e sociais, como em Canudos e no Contestado,
cujas populações, viviam de maneira precária. A partir dessa precariedade, que é real
e factual, projeta-se o perfeito, com base no sagrado, contrapondo o precário, em um
movimento dialético que muda a realidade. Segundo Maria Izaura Queiroz
(1977, p. 186): “os movimentos messiânicos se caracterizam pela transformação que
trazem ao mundo terreno...” Ainda de acordo com a autora:

A crença na vinda de um enviado divino, que trará aos homens justiça, paz e
condições felizes de existência; 2) a ação de um grupo obedecendo às ordens
do líder sagrado, que vem instalar na terra o reino da sonhada felicidade. A
crença nasce do descontentamento, cada vez mais profundo, de certas
coletividades, diante de desgraças ou de injustiças sociais que as
acabrunham; afirma formalmente a esperança numa transformação positiva
das condições penosas de existência a se produzir... (QUEIROZ, 1977, p.
383).

Diante de tal panorama, os sertanejos, que foram duramente massacrados,


criaram figuras messiânicas que lhes possibilitaram lutar contra essas forças, e
visualizar um futuro mais justo e digno, encontrando a satisfação de suas
necessidades.
Esse messianismo narrado pelo autor possibilita compreendê-lo pela ótica do
sertanejo, que vivenciava as profecias de João Maria e José Maria, como esperança
de novos tempos. “O povo, há um tempo sofredor e esperançoso, aguardava a volta
do santo monge do sertão” (SASSI, 2012, p. 19).
Além do messianismo, a disputa da divisa entre Paraná e Santa Catarina é
evidenciada na narrativa, e como essa disputa acabava prejudicando os habitantes
daquela região, como pode ser observado na seguinte citação:
78

Ninguém mais se entende. Um dia, um catarinense apanha, pelo crime de ser


catarinense, e logo no dia seguinte apanha de novo, pelo crime de não ser
mais. Isso porque as fronteiras não são fixas. Um dia muda mudam para cá,
e no outro mudam para lá. Esta zona do Contestado está virando numa terra
sem lei e sem dono (SASSI, 2012, p. 20).

Essa trama juntou-se a outra como a estrada de ferro São Paulo-Rio Grande
do Sul, e os capitais estrangeiros que exploravam os recursos naturais da região.
Esses episódios são marcantes na primeira parte do livro, a fim de construir o contexto
vivenciado pelos sertanejos à época. Assim, a primeira parte termina no confronto
entre as tropas do governo e os caboclos em Irani-SC, que resultou na morte do
coronel João Gualberto e do monge José Maria.
Guido wilmar Sassi assumiu o discurso da memória coletiva, visando dar voz
àqueles que sofreram diretamente a violência do Estado e das forças colonizadoras.
Na segunda parte, intitulada “Taquaruçu”, o autor narra a reorganização dos
revoltosos na região homônima – atual município de Curitibanos (SC) –, em 1914.
Nessa parte do livro, o autor busca retratar a organização dos arraiais formados pelos
rebeldes, além de suas relações com as forças governistas.
A República é representada como adversário do povo, sendo o reflexo de um
governo opressor que instaurava a guerra, contra o direito à terra de milhares de
moradores do Contestado, além da esmagadora pressão do capital estrangeiro e dos
coronéis. O trecho a seguir retrata o antagonismo entre esses e a República:

“Morra a República! Morra a fraqueza do Governo!” (SASSI, 2012, p. 74)


O governo republicano recém-formado, em 1889, não havia resolvido os
problemas da desigualdade de terra no Brasil, enquanto a Lei de Terras de 1850
limitava o acesso. Sobre isso, nada foi feito. Dessa forma, a única maneira de
conseguir terra era comprar por preços exorbitantes. Martins (1997), exemplifica esse
processo do seguinte modo:

Era preciso, pois, criar mecanismos que gerassem artificialmente, ao mesmo


tempo, excedentes populacionais de trabalhadores à procura de trabalho, e
falta de terras para trabalhar num dos países com maior disponibilidade de
terras livres em todo o mundo, até hoje (MARTINS, 1997, p. 17).

A Lei de Terras de 1850 foi um mecanismo encontrado pela retrógrada elite


brasileira para manter inalterada a estrutura agrária, a fim de não possibilitar à
população pobre a posse de terra, além de garantir, por preços irrisórios, excedente
79

de mão de obra de imigrantes que vinham para o Brasil, acreditando que conseguiriam
comprar um lote em curto período de tempo.
De acordo com Martins, o Estado instaurou a rigidez na posse da terra, com
objetivo de ampliar o exército de mão de obra miserável para a lavoura, excluindo-os
do aceso a terra:
[...] surge a questão agrária quando a propriedade da terra, ao invés de ser
atenuada para viabilizar o livre fluxo e reprodução do capital, é enrijecida para
viabilizar a sujeição do trabalhador livre ao capital proprietário de terra. Ela se
torna instrumento da criação artificial de um exército de reserva, necessário
para assegurar a exploração da força de trabalho e a acumulação. A questão
agrária foi surgindo, foi ganhando visibilidade, à medida que escasseavam as
alternativas de reinclusão dos expulsos da terra (MARTINS, 1997, p. 12).

Ainda no segundo capítulo da obra, Sassi narra a estória do menino Nenê e sua
mãe Zeferina. Nenê havia se apaixonado pela filha do fazendeiro D. Rocha Alves.
Mas, para casar-se com a moça, deveria provar sua valentia e, assim, lutar contra o
dragão de ferro – uma metáfora relacionada ao trem. Acabou sendo atropelado pelo
mesmo.
O autor buscou por meio dessa metáfora, apresentar a valentia e a inocência
dos sertanejos frente ao progresso que avançava destruindo os redutos e tomando a
terra de várias famílias.
O autor finalizou a segunda parte narrando o ataque das tropas ao reduto de
Taquaruçu e sua violência exacerbada. De acordo com Queiroz (1981, p. 128), em
“Taquaruçu contam-se 200 casas toscas e 30 barracas; o número de mulheres e
crianças excede de longe o dos homens”. O ataque sobre o reduto caracterizou-se
pela violência, tanto na narrativa expressa no seguinte trecho: “O dia inteiro o canhão
Krupp despejou destruição e morte em cima do reduto. E a metralhadora, pipocando
de contínuo, não ficou nunca sem resposta (...)” (SASSI, 2012, p. 75) como na
realidade através do relato de um médico:

O estrago da artilharia sobre o povoado de Taquaruçu era pavoroso. Grande


número de cadáveres, calculado por uns em 40 e tantos, e por outros em 90
e tantos; pernas, braços, cabeças, animais mortos: bois, cavalos, etc. casas
queimadas etc. Fazia pavor e pena o espetáculo que, então, se desenhava
aos olhos do espectador (QUEIROZ, 1981, p.131).

Na terceira parte do livro, intitulada de Caraguatá, Guido Wilmar Sassi, buscou


retratar ficcionalmente a reorganização dos caboclos e a força de sua crença na
ressureição do monge José Maria, que havia sido morto no confronto do
80

Irani.
Os soldados do governo eram chamados de “peludos”, enquanto os caboclos
de “pelados”, por rasparem a cabeça. Esses termos se tornaram recorrentes na obra.
A organização dos redutos era baseada no cooperativismo, o qual todos
deveriam ajudar-se uns aos outros, para que ninguém tivesse mais do que o
necessário, a fim, de atender a necessidade do povoado – lógica semelhante ao arraial
de Canudos.
A liderança espiritual passou a ser exercida por Maria Rosa após a morte do
monge José Maria. A mesma era responsável de transmitir as profecias que recebiam
do monge. Dessa forma, o reduto foi crescendo aos poucos e aumentando sua
influência na região.
As tropas buscaram realizar um ataque massivo, sobre o reduto de uma vez por
todas, pois estavam perdendo vários soldados na luta devido à guerrilha montada
pelos caboclos. No entanto, os sertanejos ficaram sabendo antecipadamente, e
conseguiram abandonar o reduto a tempo, refugiando-se em outros arraiais pela
vizinhança. Então, o terceiro capítulo termina com a ida de milhares de sertanejos para
o acampamento derradeiro, a última resistência, denominada de Santa Maria.
A última parte do livro foi intitulada como Santa Maria, que leva o nome do
derradeiro reduto a resistir aos ataques das tropas do governo. Esse foi o maior reduto
até então, e com maior número de caboclos, como pode ser observado no seguinte
trecho:

Para Santa Maria afluíram todos os fugitivos dos redutos abandonados das
redondezas. Homens feridos, mulheres feridas, crianças feridas. E doentes e
mais doentes. Em Santa Maria está a segurança. Ali São Sebastião estava
com eles, São José Maria protegia-os. As mudanças não lhes abatiam a fé,
nem lhes destruíam a confiança (SASSI, 2012, p.101).

De acordo com os caboclos, o reduto de Santa Maria seria o último, pois


alcançariam a terra prometida, tão almejada, desde o início da batalha. Era necessário
resistir mais um tempo porque, de acordo com eles, o fim estava próximo.
O mito que o reduto seria um acampamento sagrado, e que todos ali seriam
salvos, como também teriam suas recompensas em tempos vindouros, espalhou-se
pela região, e logo o arraial passou a crescer diariamente em número de pessoas.
81

Esse fato é relatado também pelo historiador Maurício Vinhas de Queiroz, como se
pode observar na seguinte passagem:

Dias mais tarde, muitos caboclos, vindos de longe, aderiram ao fanatismo.


Por uma vasta área espalhara-se o mito de que ali em Santa Maria, em “chão
sagrado”, todos seriam imortais. Longe circulou a voz de que em Santa Maria,
existiam montanhas de beiju e no riacho, ao invés de água, corria leite
(QUEIROZ, 1981, p.211).

Nessa quarta parte do livro o autor enfatiza à questão econômica em que se


encontravam os milhares de sertanejos, mais especificamente, através da estória do
Tavinho e Tibúrcio, personagens fictícios que viviam de esmolas.
Autor também narra o impacto que a empresa Lumber teve na economia de
centenas de caboclos, que viviam da exploração da madeira e de sua confecção. É
possível identificar no seguinte trecho:

Não podia Gasparino esconder o despeito. Fora proprietário de um pequeno


engenho de serra. [...] Mas a engenhoca dele era pequena. Ele derrubava
uma árvore, enquanto a Lumber, no mesmo espaço de tempo, derrubava
cem; o engenho dele, movido à água, desdobrava uma dúzia de tábuas por
dia; quantas desdobrava a Lumbe? Quantas e quantas? Nem tinha conta.
Quantas as toras que se transformavam em serragem, nas máquinas
possantes que a companhia estrangeira possuía? Um número incalculável
(SASSI, 2012, p.119).

A obra problematiza as questões que transpassam o Contestado, desde os


capitais estrangeiros e seus reflexos, até questões políticas e sociais que melindram
a vida de sertanejos, que viviam na região.
O movimento messiânico construído ao longo da narrativa, consegue transmitir
sua legitimidade como reflexo da resistência ao poder que visava dominar e submeter
os caboclos.
O messianismo tornou-se um elemento primordial na resistência, pois através
desse que milhares de sertanejos se reuniram, a fim, de lutar pelos seus direitos que
foram negados e reprimidos pelos poderes políticos e econômicos. Encontraram no
sagrado o fio condutor na construção de uma nova ordem social, que comtemplava
suas necessidades.
Em alguns momentos o autor referência à Guerra de Canudos, por intermédio
do diálogo da tropa de veteranos que haviam lutado no interior da Bahia contra os
82

nordestinos, e agora, atacava os caboclos do sul do Brasil, o qual pode ser observado
na seguinte passagem:
Os veteranos comentavam:

- Bem como em Canudos. Na Campanha de Canudos a gente passou mal


assim também. Esses jagunços daqui são iguais aos de lá: umas feras, uns
diabos. Mas lá a gente acabou vencendo.
Zangados, os oficiais de quando em quando ordenavam alto, e varriam a mata
com rajadas de metralhadora, procurando atingir o inimigo (SASSI, 2012, p.
125).

Guido Wilmar Sassi finaliza seu romance com desfecho trágico no reduto de
Santa Maria, no qual centenas de caboclos foram mortos, e o líder Adeodato foi preso
pelas tropas. A figura 9 representa a rendição de alguns caboclos um ano antes do
fim do conflito.

Figura 9 – Rebeldes após a rendição em Canoinhas, (1915).

Fonte - Acervo da família de Claro Jansson – Itararé, imagem digitalizadapor Jandira Jansson
e procedente de Bezerra (2009, p. 156).

Na imagem, é possível identificar a família do coronel, representado pelas filhas


de branco; do outro lado às forças militares, representando o governo e, em primeiro
plano, sentados ao chão os caboclos revoltosos. Essa imagem retrata os grupos que
participaram ativamente dos conflitos.
Guido Wilmar Sassi consegue, magistralmente, narrar a guerra do Contestado,
desde a perspectiva do caboclo, daqueles que sofreram a violência do capital
83

estrangeiro, das políticas nacionais e estaduais, além dos coronéis que os oprimiam
há tempos. O romance propicia essa aproximação dos fatos por intermédio da ficção,
ressaltando aspectos, e informações sonegados pela história oficial, possibilitando a
conservação da memória de um povo. De acordo com Monteiro (2002, p.15): “Não se
trataria, de nenhum modo, de substituir a análise cientifica pela criação artística, mas
apenas retirar desta (Literatura), novos aspectos de
“interpretação”; reconhecê-la como um meio de enriquecimento”.
O romance “Geração do Deserto” se aproxima da obra “Os Sertões”, pela
narrativa rural, por dar visibilidade a milhares de homens e mulheres que viviam no
interior do Brasil, de forma degradante, sob regime coronelista. Contudo, a primeira
está ligada à espacialidade dos caboclos, de suas crenças e modo de vida, que foram
representados pelo autor, que também se considera um protagonista, por ter vivido na
região e pelos relatos que escutava, enquanto Euclides da Cunha parte do
cientificismo para escrever sua narrativa. Por não conhecer o nordeste brasileiro,
Euclides trata o nordestino como antagonista à população da capital. Porém, após
alguns meses vivendo o conflito na região, conclui que a guerra era injusta, pois aquela
população havia sido abandonada. Logo, “Os Sertões” se remete ao espaço
antagônico vivido, entre o litoral e interior, enquanto que “Geração do Deserto,”
representa o espaço vivido do caboclo, pela narrativa romântica.
Os dois autores em suas narrativas levaram em consideração o espaço
geográfico, em alguns momentos ressaltando o mesmo, tornando-o também,
protagonista do conflito. É notória a proeminência da espacialidade como sujeito, que
em ambos os conflitos, resistiu juntamente com os sertanejos aos ataques do exército.
É possível verificar no delinear do capítulo a contribuição das narrativas para
formulação, e apreensão dos conflitos territoriais, que avança sobre as complexidades
que abrange determinadas espacialidades, não se limitando a um determinado
aspecto ou detalhe. Assim, as obras literárias conduzem à apreensão e percepção
dos fenômenos que ocorrem no espaço, no caso aqui a guerra de Canudos e do
Contestado. De acordo com Monteiro:
84

Nessa procura do “geográfico” nos espaços romanescos não há “cobrança,”,


mas uma simples sondagem, elucubração de um geógrafo que, ao valorizar
a descrição geográfica, na sua pretensão científica, recorre aos mestres de
nossa Literatura para constatar, no âmbito de suas criações “artística”, como
pode-se extrair valioso acervo geográfico que, se não substitui o trabalho
profissional do geógrafo, enriquece-o sobremaneira, e pode auxiliá-lo muito
(MONTEIRO, 2002, p.128).

Sobre maneira, a narrativa possibilita aproximação com o espaço vivido, não


alienado, que abrange a complexidade dos fenômenos humanos e sociais, permitindo
visualizar e localizar o mesmo, no tempo-espaço.
85

3 LITERATURA E ESPAÇO VIVIDO

As duas obras literárias apresentadas nos capítulos anteriores, “Os Sertões”,


de Euclides da Cunha e “Geração do Deserto”, de Guido Wilmar Sassi, representam
o desvelar de um Brasil profundo e autêntico.
As questões agrárias, como a luta pela terra, os movimentos messiânicos, o
abandono dos sertanejos pelo Estado e a guerra, são temas centrais em ambas
narrativas. A Literatura trouxe a lume a realidade profunda do Brasil agrário, até o
início do século XX, pouco explorado pela ciência. É possível observar no quadro (1)
e (2) os pontos que transpassam as duas obras selecionadas, como messianismo,
estrutura fundiária, e os redutos de concentração da população cabocla.
86

Quadro 1 - Características agrárias da obra “0s Sertões”.


Messianismo É natural que estas camadas profundas da nossa
estratificação étnica se sublevassem numa
anticlinal extraordinário – Antônio Conselheiro. [...]
representação psicológica da sociedade que o criou
(CUNHA, 2018, p.251).

Estrutura Fundiária
Ao contrário do estancieiro, o fazendeiro dos
sertões vive no litoral, longe dos dilatados domínios
que nunca viu, ás vezes. Herdaram velho vício
histórico. Como os opulentos sesmeiros da colônia,
usufruem, parasitariamente, as rendas das suas
terras, sem divisa fixas. Os vaqueiros são-lhe
servos submissos. (CUNHA, 2018, p.218).

Arraial de Canudos
A sua topografia interessante, modelava-o ante a
imaginação daquelas gentes simples como o
primeiro degrau, amplíssimo e alto, para os céus...
(CUNHA, 2018, p.290).

Fonte: Os Sertões, 2018.


Elaboração: Gustavo Gabriel Garcia, 2019.

Quadro 2 - Características agrárias da obra “Geração do Deserto”


Messianismo Nós somos a geração do deserto! Como a nação
dos judeus nós estamos neste deserto, em busca
da terra Prometida. Faz quase quatro anos que
nós declaramos a Guerra Santa, e estamos
lutando para conquistar nossa terra (...)
(SASSI, 2012, p.116,117).

Estrutura Fundiária A República não valia mesmo nada. Fora ela,


quem trouxera os males maiores, tais como a
Estrada de Ferro e as companhias estrangeiras
que lhes roubavam as terras (SASSI, 2012, p.31,
32).

Redutos Para Santa Maria afluíram todos os fugitivos dos


redutos abandonados das redondezas. Homens
feridos, mulheres feridas, crianças feridas. E
doentes e mais doentes. Em Santa Maria está a
segurança. Ali São Sebastião estava com eles,
São José Maria protegia-os. As mudanças não
lhes abatiam a fé, nem lhes destruíam a confiança
(SASSI, 2012, p.101).

Fonte: Geração do Deserto, 2012.


Elaboração: Gustavo Gabriel Garcia 2019.
87

Desse modo, a Literatura, inclusive no início do modernismo, passa a dar


visibilidade à população abandonada que vivia no interior do Brasil e nas periferias
das grandes cidades. Essa população, que não dispunha de meio e ferramentas
oficiais para manifestar sua indignação, era massacrada diariamente pelas instituições
políticas e econômicas. A Literatura emprestou a esses homens e mulheres o verbo.
O Brasil, antes em silêncio, passou a reverberar suas mazelas e injustiças defronte à
elite colonizadora.
O engajamento dos escritores tornou-se vigente, como é o caso de Euclides da
Cunha e Guido Wilmar Sassi, os quais em seus escritos voltaram-se para uma
população de tradição oral, que não era representada pelos manuais científicos ou
pelos meios comunicacionais e informacionais da época. Viviam à margem da
sociedade. Eram estigmatizados.
Com o engajamento, valendo-se da liberdade criadora, os autores contribuíram
para a formação de uma Literatura que expõe as questões sociais, históricas e
políticas que permeiam o sistema agrário brasileiro, possibilitando a leitura desses
movimentos, chamando atenção para essa população.
Esse olhar mais incisivo sobre a realidade nacional, tornou o espaço geográfico
e as relações sociais fontes de inspiração para os escritores, que buscavam no drama
concreto vivido da população a fonte de seus escritos e reflexões.

Os anos 30 foram de engajamento político, religioso e social no campo da


cultura. Mesmo os que não se definiam explicitamente, e até os que não
tinham consciência clara do fato, manifestaram na sua obra, esse tipo de
inserção ideológica, que dá contorno especial à fisionomia do período
(CANDIDO, 2000, p. 182).

Dessa forma, a Literatura modernista ressaltou a importância do espaço vivido,


esse espaço concreto do cotidiano que representa a realidade de milhares de
brasileiros até o momento, esquecidos e sem voz. Desse modo, enfatiza o poeta
Michel Collot (2012, p.27) “O espaço parece, portanto, aproveitar a crise da narrativa,
e da psicologia tradicional, para ocupar um lugar crescente na ficção contemporânea”.
O espaço vivido ocupa lugar central na narrativa ficcional, especificamente no
Modernismo, que trata das relações dos homens com seu entorno social, político,
88

cultural e econômico; ressaltando as tramas vividas diariamente pela população


marginalizada.
O livro de Roberto Schwarz, “Os pobres na literatura brasileira”, tem como tema
central a produção literária brasileira, enfatizando o retrato de um Brasil para além do
erudito. Um Brasil construído através da narrativa dos deserdados, e abandonados
pela pátria, que são exemplos, Os sertanejos de Euclides da Cunha.
A representação da espacialidade por intermédio de obras literárias possibilita
inferir questões a respeito da mesma, viabilizando a problematização da realidade e
de suas especificidades, por oferecer uma forma de inserção no mundo.
Através da escrita, o autor busca representar suas experiências, as quais são
compostas pelos símbolos, signos e significados. Os mesmos são decodificados pelos
leitores, resultando em uma imagem mental espacial, de acordo com sua vivência e
informações.
Assim, a representação literária seria uma apropriação do espaço vivido por um
observador privilegiado, que experimenta e vive as forças atuantes, que permeiam o
real. Através desse processo, o escritor visa representar o real simbolicamente, em
sua complexidade, por intermédio da liberdade criadora. Contudo, vale ressaltar que
o real está em constante movimento transformante, criando novas realidades.

Toda representação é uma imagem, um simulacro do mundo a partir de um


sistema de signos, ou seja, em última ou em primeira instância, toda
representação é gesto que codifica o universo, do que se infere que o objeto
mais presente e, ao mesmo tempo, mais exigente de todo processo de
comunicação é o próprio universo, o próprio real. Dessa presença, decorre
sua exigência, porque este objeto não pode ser exaurido, visto que todo
processo de comunicação é, se não imperfeito, certamente parcial
(FERRARA, 1986, p.7).

Desse modo, a Literatura representa a apreensão da espacialidade em sua


complexidade, por intermédio da linguagem, que visa comunicar e expressar o
mesmo. Assim, as obras literárias possuem como fonte a própria realidade, material e
imaterial, que permeia as experiências humanas, salientando a região dos homens.
Segundo Frèmont (1980, p.261), “o despertar para uma arte do espaço só é
concebível na familiaridade dos poetas, romancistas, pintores ou cineastas, que têm
evocado, melhor do que as nossas descrições, a região dos homens. É através dos
fenômenos da arte que decifra o mundo”.
89

A obra “Os Sertões” e “Geração do Deserto“ representam a região dos homens,


enfatiza o drama desses milhares de caboclos, e sertanejos que viviam no interior do
Brasil alijados da terra, e sobre condições servis, submissos aos coronéis, que
detinham o poder econômico e político. Assim, as obras literárias colocam o sertanejo
no imaginário da nação brasileira, caracterizando um movimento de resistência contra
as injustiças de um Estado opressor. De acordo com Lanni:

Acontece que a nação é real e imaginária. Localiza-se na história do


pensamento. Está no imaginário de uns e outros: políticos, escritores,
trabalhadores do campo e da cidade, brancos, negros, índios e imigrantes,
cientistas sociais, filósofos e artistas. E seria muito outra, se não se criasse
de vez em quando, na interpretação, fantasia, imaginação (Lanni,1992, p.8).

O movimento Modernista tratou de construir a nacionalidade brasileira,


enquanto representação imaginária e real, tratando da diversidade espacial, étnica e
cultural. Nesse período, a população que vivia de modo degradante foi situada,
lembrada e retratada, enquanto brasileiros. Segundo Bastos:

O romance nordestino dos anos 30 não padece submetido ao rigor da


observação exata. Ainda que livre das amarras da exatidão, ele antecipa e
representa com lúcida criatividade a realidade brasileira. Pelo caminho da
apreensão do espaço geográfico no discurso de obras literárias como estas,
tem-se a possibilidade de penetrar na observação das relações
sócioespaciais, que aproximam imaginário e real, ficção e ciência (BASTOS,
1998, p.s/p).

Essa apreensão do espaço geógrafo só é possível, porque a Literatura tem


como fonte a realidade, suas manifestações, que é ressaltada pela ficção. Assim, a
Literatura apresenta as diversas representações da realidade e suas múltiplas
possibilidades. Segundo Candido (1985, p.70), a produção da arte e da Literatura se
processa, por meio de representações estilizadas, de certa visão das coisas, coletiva
na origem, que traz em si um elemento de gratuidade como parte essencial da sua
natureza.

3.1 A terra prometida

As duas obras apresentadas anteriormente assemelham-se por suas narrativas


direcionadas à questão agrária durante a República Velha (1889-1930). Esse período
foi marcado por muitas revoltas como, por exemplo, Revolução
90

Federalista (1893-1895), Revolta da Armada (1893), Guerra de Canudos (18961897),


Revolta de Juazeiro (1913), Guerra do Contestado (1912-1916), entre outras.
A obra “Os Sertões” traz a espacialidade dos sertanejos, a qual resultou no
arraial de Belo Monte, no interior do estado da Bahia, um cenário marcado pela tensão
social, concentração de terras, e descaso do Estado com a população.
Essa narrativa, elaborada por Euclides da Cunha, foi realizada mediante suas
anotações feitas em campo, enquanto presenciava o conflito. Os moradores do Arraial
de Belo Monte objetivavam constituir um lugar próspero, por meio da divisão dos bens
e do mutirão, a fim, de resistir à opressão do meio físico e político.
Canudos era um hiato na história do Brasil, representava a resistência contra
os poderes, que o autor denominava de civilizador, que buscavam destruir o Arraial.

Esta condição de destruição iminente, permite aproximar o sertão singular em


torno de Canudos aos sertões plurais que, ao fim e ao cabo, são a melhor
tradução do problema nacional brasileiro, que pode ser definido a partir da
ausência de um princípio unificador capaz de permitir a totalização da
realidade do país (MURARI, 2014, p.40).

Dessa forma, “Os Sertões” representa muito outros sertões no Brasil. Ele
ressalta a desigualdade social, a opressão sobre a população pobre que vive no
interior do Brasil ou nas periferias das grandes cidades, abandonada pelo poder
público, sem acesso a serviços essenciais à vida. Canudos é uma metáfora maior que
possibilita entender os brasis, que expõe a divisão de classe, e os preconceitos
reproduzidos, por uma minoria que detém o poder econômico e político.
Dessa maneira, a espacialidade presente na obra dialoga com o presente, pois
as estruturas da sociedade brasileira, se mantiveram sem mudanças substanciais.
Após 118 anos de sua primeira publicação, “Os Sertões”, continua sendo um
livro imprescindível para entender a sociedade brasileira.
A guerra contra Canudos representou o ataque massivo aos próprios
brasileiros, que almejavam ter um pedaço de terra, tornando esse ataque “um exemplo
extremo da condição de alienação do país em relação a si próprio, mantendo-se
insulado em relação à nação “oficial”, ou ainda incipiente (MURARI, 2014, p.40). Essa
condição de alienação é notória, pois representa um país que não conhece seu próprio
território e seus habitantes. De acordo com Euclides da Cunha: ” Ademais, entalhava-
91

se o cerne de uma nacionalidade. Atacava–se a fundo a rocha viva da nossa raça.


Vinha de molde à dinamite... Era uma consagração” (CUNHA, 2018, p.766).
Dessa maneira, a Literatura mantém a memória do arraial de Belo Monte vivo
no imaginário brasileiro, possibilitando o enriquecimento das categorias analíticas
sobre a sociedade atual, e as desigualdades na distribuição de renda e no acesso à
terra. De acordo com Sevcenko (2003, p.30), “A literatura, portanto, fala ao historiador
sobre a história que não ocorreu, sobre as possibilidades que não vingaram, sobre os
planos que não se concretizaram. Ela é o testemunho triste, porém sublime, dos
homens que foram vencidos pelos fatos”. A literatura fala também ao geógrafo sobre
os espaços que não ocorreram, aqueles suprimidos, destruídos, e reorganizados,
extirpado dos interesses comum, a fim de atender a força do capital, desconsiderando
os aspectos sociais, culturais e naturais.
Para Sevcenko, a Literatura traz a possibilidade de estudar o passado, por meio
das representações realizadas por aqueles que buscam na realidade a inspiração de
seus escritos, sem compromisso com o discurso dominante. Assim, a Literatura traz a
possibilidade de estudar o espaço vivido, dos vencidos.
Canudos tornou-se um marco na luta pela terra, por ter resistido bravamente
aos ataques do exército, à opressão dos coronéis e a pressão da igreja católica.
Segundo Euclides da Cunha:

Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até ao


esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do
termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos
defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois
homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiram raivosamente cinco
mil soldados (CUNHA, 2018, p.778).

Assim, a obra lembra constantemente a aridez do ambiente, a luta constante de


milhares de homens, em busca da terra santa “Belo Monte”, que evoca a imagem do
deserto bíblico. O guia espiritual é retratado na figura de Antônio Conselheiro, o profeta
que orientava o povo à terra prometida.
Essa metáfora enfatizava a construção de uma sociedade justa e igualitária, na
qual todos possuiriam direito à terra e seus produtos.
Desse modo, Canudos “viveu e (re)vive‟‟ no seio das lutas e movimentos
sociais do campo que perseguem a ideia de uma nova sociedade e lutam para
92

transformá-la. A epopeia de Canudos continua sendo a referência de luta e de


resistência (MARTINS; LAGE, 2004, p.02).
A Guerra do Contestado (1912-1916), semelhante a Canudos, ocorreu no sul
do Brasil, entre os estados de Santa Catarina e Paraná. A mesma é figura central no
romance “Geração do Deserto”, escrito por Guido Wilmar Sassi, através de relatos
que ouviu durante sua infância, daqueles que vivenciaram de perto o conflito.
O romance dá voz ao caboclo, torna-o protagonista, visando apresentar a
espacialidade do mesmo.
O Contestado representou um movimento pela terra, pois esse era o sentido da
vida para milhares de pessoas que viviam nessa região. Com o avanço das
companhias como Brazil Railway Company, a terra tornou-se mercadoria; assim, a
posse da terra passou a ser regulamentada, pela propriedade privada ,como também,
pelo direito jurídico.
As terras cedidas à Companhia agravaram a concentração fundiária, além da
desapropriação de muitas famílias que viviam na mesma. A concentração de terra
gerou o agravamento da desigualdade e, consequentemente, a violência contra a vida.
“As pessoas que viviam e conviviam com as florestas foram totalmente
desconsideradas e, no século XX, pode-se dizer que houve, além da guerra contra a
natureza, a guerra contra os seres humanos que conviviam com a natureza” (MARÉS,
2015, p. 62). No Contestado, como em Canudos, a força colonizadora do capital
avançou, gerando destruição e sofrimento, relegando milhares de homens e mulheres
à miséria.
O autor, através de seu romance, ressalta a importância da terra para os
caboclos, pois essa era o elemento essencial de suas atividades e espaço/território da
vida. “Essa clareza não provinha apenas do fato de estarem juntos, lutando contra um
inimigo poderoso, mas, ao contrário, era a prática anterior à chegada do inimigo, era
a maneira como a população entendia a posse e o trabalho da terra” (MARÉS, 2003,
p. 104).
Para o caboclo todos tinham direito à terra, podendo desfrutar da mesma e de
suas bênçãos. O mutirão era comum; muitos se reuniam para o exercício de um
trabalho em conjunto. Contudo, com o avanço do capital sobre o território, as terras
tornaram-se mercadoria e, consequentemente, o trabalho.
93

Um dos motivos que determinou o levante dos caboclos foi a questão dos limites
entre Santa Catarina e Paraná; o mesmo não foi a causa principal, e sim, um motivo
a mais. Essa narrativa aparece no romance através do discurso do personagem Juca
Tavares, que defendia os interesses dos Catarinenses:

- Então ser catarinense é crime? Desde quando? Essa desordem não pode
continuar, meus amigos. Ninguém mais se entende. Um dia um catarinense
apanha, pelo crime de ser catarinense, e logo no dia seguinte, apanha de
novo, pelo crime de não ser mais. Isso porque as fronteiras não são fixas. Um
dia mudam para cá, e no outro mudam para lá. Esta zona do Contestado está
virando numa terra sem lei, sem dono. Mas os donos verdadeiros somos nós,
os catarinenses. E não é só o povo que está do nosso lado, meus amigos.
Gente de influência também (SASSI, 2012, p.20).

Essa questão da fronteira aparece em alguns momentos no romance,


ressaltando a posição do caboclo, nessa disputa entre Santa Catarina e Paraná. O
autor visa ressaltar, que os mais prejudicados por essa disputa era a população pobre
que vivia naquela região.
A fronteira era um conceito que não fazia parte do vocábulo dos caboclos, pois,
para esses, a terra era sua casa, não havia ambição de concentração de terra ou
cercas dividindo propriedades.
Assim como foi em Canudos, os coronéis oprimiam os sertanejos, os quais
eram submetidos ao poder desses. Os coronéis exerciam influência na política, a fim
de garantir os seus privilégios em detrimento da sociedade. Dessa maneira, o
coronelismo é explorado no romance de acordo com a visão dos caboclos, como no
diálogo entre os personagens José de Souza e Vitorino:

- Me cansei de ser agregado do coronel Tidico. Não digo que passasse mal,
e também nunca senti fome, mas me aborreci de trabalhar que nem cativo
para engordar ricaço. Mais dia, menos dia, o coronel me tocava mesmo das
terras dele. Resolvi sair antes, por minha conta. Agora vou indo para o
Espinilho, lá onde mora o monge São José Maria (SASSI, 2012, p.24).

O sistema coronelista exerceu o poder no interior do Brasil ao longo dos séculos


XIX e XX, o qual desempenhava sua autoridade em prol dos próprios interesses e
visando aumentar a propriedade e submeter milhares de sertanejos ao trabalho
forçado. Esse sistema intensificou a desigualdade social no Brasil e a concentração
de terra. A República Velha (1889-1930) foi conivente com esse sistema, reforçando
o mesmo em troca de votos e apoio político. Com o início da república não houve
94

mudanças substanciais na organização social do país, mas a continuação de velhas


práticas.
No romance encontramos outra referência ao coronelismo, dessa vez, na
história da viúva D. Delminda, relatada pelo narrador:

Nada a prendia ao ranchinho onde morava, a não ser a sepultura da filha.


Natalina se matara, anos antes, mas a velha jamais contara a causa do
suicídio. Depois de haver sido desonrada pelos filhos do coronel Ananias, a
moça dera para definhar e entristecer, até que um dia amanheceu enforcada
numa trave do rancho. Delminda sabia ser inútil pedir reparação pelo mal que
lhe causaram à filha. Coronel viera ao mundo para aquilo mesmo: desonrar
as mulheres e mandar surrar, castrar ou matar os homens (SASSI, 2012,
p.25).

A estrada de ferro Itararé (SP) à Santa Maria da Boca do Monte (RS), que cortou
a região do Contestado, causou agravo das questões sociais, pois o governo cedeu
15 km de cada margem da linha férrea às empresas responsáveis pela colonização.
Muitos posseiros perderam sua propriedade, enquanto que os limites das grandes
fazendas, pertencentes aos coronéis, foram respeitadas. É notório o descaso do
Estado com a população cabocla, a qual sofre constantemente com descaso e
abandono. Esse fato é relatado ficcionalmente no seguinte trecho:

Também necessitavam dele, os que haviam sido expulsos da terra, quando


foi iniciada a construção da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande. Causava
espanto, principalmente, a enorme concessão de terras que o Governo fizera
à companhia:
- Mas isso não pode ser! É um mundão de terra que não acaba mais! Vejamos
só: quinze quilômetros de um lado dos trilhos, quinze quilômetros de outro...
O que é que vão fazer com tanta terra, meu Deus de céu? E terra da gente,
ainda por cima! Será que eu vou ter que sair daqui? - Vai sim. Eu saí das
minhas terras, não vê? (SASSI, 2012, p.20-21).

Dessa maneira, os caboclos acreditavam que as profecias de João Maria


estavam se realizando, pois o dragão de ferro que come terra havia chegado, da forma
que o monge tinha falado. Muitas profecias corriam naquelas paragens, prevendo o
fim do mundo, além da chegada de um reino de justiça e bonanças.
Com a intensificação da opressão sobre os caboclos, os mesmos passaram a
seguir José Maria, que se denominava um transmissor das palavras sagradas e
profeta de tempos vindouros, assim como ocorreu no arraial de Canudos.
O movimento que se iniciou ao redor da figura do monge José Maria e de suas
profecias deu início à Guerra do Contestado, pois o Estado não reconheceu no mesmo
95

a legitimidade de suas aspirações, e considerou esses homens perigosos para ordem


democrática.
Os caboclos eram (são) homens e mulheres, que viviam da terra no interior do
Brasil. Essa população não tinha acesso à educação, saúde e segurança. A atuação
do Estado é pífia, viviam abandonados.
Essa população foi tradada como fanáticos, facínoras e deturpadores da ordem,
como se os movimentos de Canudos e do Contestado fossem estritamente de cunho
religioso-messiânico, liderado por homens violentos ou fanáticos. Contudo, esses
argumentos visam justificar o massacre realizado contra uma população, abandonada
pelo Estado, camuflando os verdadeiros motivos do conflito, que era o avanço do
sistema capitalista, mercantilizando a terra e a vida dos homens.

Ao qualificar a Guerra, enquanto um ato de fanáticos(as), camufla-se o


massacre e o genocídio que existiu em nome da implantação do
desenvolvimento econômico capitalista. Justifica-se a ação assassina do
Exército brasileiro, e da República dos coronéis, ou como diziam os caboclos
e as caboclas, da República do Diabo (GEMELLI, 2018, 267).

Os meios de comunicação oficial sempre trataram os movimentos de Canudos


e do Contestado como um levante de fanáticos, deturpando os fatos e as causas do
conflito. O discurso era produzido pelos vencedores, a história foi contada pelos
mesmos. O sertanejo que sofreu a violência do Exército, não teve a oportunidade de
relatar os fatos. Segundo Auras:

A leitura oficial – “levante de bandidos, “bando de fanáticos”, “bandoleiros”,


“criminosos”, etc. – veiculada pela imprensa e pelos vários expedientes
governamentais, justificava o massacre dos sertanejos, pelo braço armado do
Estado, praticamente sem encontrar oposição organizada, a não ser a dos
próprios caboclos (AURAS, 1991, p. 229).

Desse modo, a Literatura possibilita a desconstrução do discurso hegemônico,


concedendo voz aos vencidos. O espaço geográfico, tanto o rural quanto o urbano, é
lugar de contradição; fonte de construção e destruição, lugar da sociedade de classe,
que produz discursos antagônicos, que não devem ser entendidos enquanto unidade.
Assim, a Literatura, inclusive a modernista, possibilita a aproximação com o
espaço vivido da população que, por muito tempo, foi ignorada e abandonada. A
Literatura apresenta um Brasil diversificado, povoado por homens, e mulheres que a
96

história oficial não relatou, como é o caso dos nordestinos em “Os Sertões”, e os
caboclos do romance “Geração do Deserto”.
Os livros “Os Sertões” e “Geração do Deserto”, continuam sendo leituras
obrigatórias e necessárias, pois representam a voz de milhares de pessoas que hoje
sofrem a hostilidade do sistema capitalista e o abandono do Estado.

A grandeza de uma literatura ou de uma obra depende da sua relativa


atemporalidade e universalidade, e estas, dependem, por sua vez, da função
total que são capazes de exercer, desligando-se dos fatores que a prendem
a um momento determinado, e a um determinado lugar (CANDIDO, 1985,
p.45).

Assim, a leitura e interpretação de obras literárias tornam-se, para o geógrafo,


um objeto de investigação, capaz de dialogar com as múltiplas espacialidades,
revelando e informando sobre a condição humana: “os estilos de vida, as
características socioculturais, econômicas e históricas, e os diferentes meios físicos
de determinada área retratada” (ALMEIDA; OLANDA, 2008, p.8). Como afirma
Antônio Candido (1985), a literatura possui relativa atemporalidade e universalidade,
dialogando com passado, presente e futuro, permitindo aproximação com os
processos de mudanças, que ocorrem no espaço geográfico, em um continuum, como
defende Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro (2006).
Pela observação dos aspectos mencionados, é possível evidenciar, que a
Literatura pode ser entendida como discurso que contrapõe o monopólio do discurso
oficial, por destacar as múltiplas espacialidades vividas pela população desassistida.
Considera-se que uma obra literária pode não só representar determinada
forma de vida, mas também atua nela em suas invenções que ultrapassam a
representação, fazendo com que a vida ali apresentada, sofra alterações na medida
mesma que a obra. Ao tornar sensíveis certos aspectos da vida, aponta outras
possibilidades de se viver. Em outras palavras, toda obra de arte (Literatura) faz com
que um lugar deixe de ser ele mesmo, ao inserir outras potências e modos de vida.
Portanto, a didatização extrema de uma obra literária, tomando-a como apenas
representação de algo que já estava ali, faz dela algo próximo de um texto científico
(que pretende dizer o que existe), e retira dela justamente a potência de arte, que ela
enseja: exigir do leitor pensar/sentir para além da realidade, estranhar-se no mundo.
97

As obras abordadas nesse trabalho, expõe o processo de reordenamento


territorial que aconteceram na República velha (1889-1930), coincidindo com o avanço
das forças capitalista para o interior do Brasil, com fim do sistema escravagista, a
mercantilização da terra, e a regeneração do Rio de Janeiro, que no período era a
capital do Brasil. No quadro (3) verifica-se a organização do espaço geográfico, a
primeira de acordo com as comunidades do interior do Brasil, que estava baseado no
sistema de cooperação, como era o caso do arraial de Belo Monte no interior da Bahia,
e os redutos no interior de Santa Catarina. A segunda organização, remete as forças
capitalistas, representando o reordenamento do território, objetivando atender os
interesses privados do mercado.

Quadro 3 – Quadro comparativo entre a organização do território.


Organização do território de acordo com Organização do território segundo as
os sertanejos forças capitalistas
Propriedade coletiva da terra Propriedade privada. Lei de terras de
1850.

Solidariedade Impassibilidade

Divisão de bens Concentração de bens

Princípios escatológicos Princípios mercadológicos

Mutirão Força de trabalho como mercadoria

Fonte: Gustavo Gabriel Garcia, 2020.

Desse modo, as literaturas analisadas na presente dissertação remetem a


esses conflitos, que ocorreram no interior do Brasil, que significou um reordenamento
do território brasileiro. Esse processo foi marcado pela violência, como foi possível
verificar nas duas obras literárias. De acordo com Carvalho:

Nossa República, passado o momento inicial de esperança de expansão


democrática, consolidou-se sobre um mínimo de participação eleitoral, sobre
a exclusão do envolvimento popular no governo. Consolidou-se sobre a vitória
da ideologia liberal pré-democrática, darwinista, reforçadora do poder
oligárquico (CARVALHO, 1986, p. 161).
98

Esse poder reforçado pela oligarquia permitiu, que a mesma permanecesse em


posição de privilegio, mesmo após a transição do Império para Republica, enquanto a
população foi excluída.
Dessa maneira, “Os Sertões” e “Geração do Deserto” trabalham esse período
de intensa mudança no ordenamento territorial e a reprodução da oligarquia no poder
político, e as consequências devastadoras para as populações sertaneja, alijada do
processo de modernização.
Assim, foi possível verificar esse processo na ótica do sertanejo e como o
mesmo buscou meios de resistir. A Literatura traz em sua narrativa toda a
complexidade desse momento, abrindo caminhos para diversas análises, pois a
mesma não se limita a um determinado aspecto. A Literatura como acredita Ântonio
Candido, é universal e atemporal, oferecendo através de sua narrativa modelos
explicativos que ajudam a entender o Brasil de hoje.
A realidade de milhões de brasileiros continua sendo o sonho da “terra
prometida”, sem violência, acesso à educação e saúde de qualidade, moradia própria
e lazer. Contudo, as forças colonizadoras do capital e o abandono do Estado,
promovem o desenvolvimento do subdesenvolvimento, propiciando a reprodução da
desigualdade. Ademais, milhões de pessoas buscam abrigo na religiosidade,
esperando o paraíso após tanto sofrimento. Dessa forma, “Os Sertões” e “Geração do
Deserto”, tornam-se narrativas atuais, expondo as contradições presente na
sociedade brasileira como foi possível evidenciar ao longo da dissertação.
99

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Reiterando o objetivo básico dessa dissertação, toda a narrativa ao ser pensada


e produzida pelo autor, exige desse, uma síntese geográfica, que leve em
consideração as espacialidades, e as múltiplas relações presente na mesma, como
por exemplo: economia, política, cultura, sociedade, aspectos naturais e mentais.
Desse modo, a Literatura permite ao geógrafo estudar as transformações sociais, as
quais são evidenciadas em textos literários, através de uma relação profícua entre
ficção e realidade.
De acordo com Antônio Candido, a ficção intensifica e aprofunda a realidade,
permitindo visualizar fenômenos que antes eram negligenciados. Essa revelação
superior da expressão artística amplia a percepção, e transcende a estreiteza da
própria realidade. O geógrafo Carlos Augusto Figueiredo Monteiro defende essa ideia
em seu livro “O mapa e a trama” (2002), o qual acredita que a Literatura pode auxiliar
e complementar os trabalhos geográficos, enriquecendo-os.
Literatura é também considerada um meio de resistência que pretende ser a
voz do oprimido, sobretudo a Realista. O movimento Realista (XIX), posterior ao
Romantismo desmistifica os ideais românticos, e passa a descrever as desigualdades
sociais e as lutas de classe, que permeia o início da sociedade moderna.
O movimento Modernista o qual pertencem as duas obras literárias adotadas
nessa dissertação, permitiu trabalhar as espacialidades dos sertanejos, inclusive, a
luta pela terra e o messianismo, além do fenômeno da guerra de Canudos e
Contestado.
A obra “Os Sertões” de Euclides da Cunha em sua narrativa expõe o fenômeno
da Guerra de Canudos (1896-1897), no interior do Estado da Bahia, essa narrativa
evidencia as paisagens naturais, como a flora, fauna, e os aspectos físicos como a
geologia, geomorfologia e mineralogia. Contrastando com os fatores sociais, culturais
e econômicos, em um entrelaçamento complexo.
É possível constatar nessa narrativa a construção do sertanejo, sua cosmovisão
e sua relação com a terra. O conflito entre os sertanejos e as tropas do governo,
representa as contradições incutidas na sociedade brasileira.
A segunda obra adotada foi o romance “Geração do Deserto” de Guido Wilmar
Sassi, que expõe a Guerra do Contestado (1912-1916), na ótica dos sertanejos que
100

habitavam a região limítrofe entre os estados de Santa Catarina e Paraná. O romance


trata os aspectos sociais, culturais, políticos e econômicos da região.
Nesse sentido, trabalhando as obras juntamente com embasamentos teóricos,
foi possível notar similaridades entre a Guerra de Canudos e do Contestado, mesmo
ocorrendo em regiões diferentes no território Brasileiro.
É possível verificar em ambas narrativas as contradições entre um Estado
moderno, com políticas progressistas que visavam interiorizar a exploração dos
recursos naturais até o início do século XX, limitada ao litoral, mercantilizar a terra, e
produzir uma massa de trabalhadores precária para atender aos interesses do
mercado. No outro lado, os sertanejos que vivem da terra, que tinham na comunidade
local o éthos da vida, e a cooperação como meio de produção.
Assim, a Guerra de Canudos e do Contestado, foram atos de resistência contra
as forças capitalistas que avançavam para o interior do Brasil, produzindo o
reordenamento do território, para atender ao mercado interno e externo, que emergia
com velocidade no século XX.
O messianismo tornou-se um elemento primordial na resistência dos
sertanejos, pois através desse que milhares de sertanejos se reuniram, a fim, de lutar
pelos seus direitos que foram negados, reprimidos pelos poderes políticos e
econômicos. Encontraram no sagrado o fio condutor na construção de uma nova
ordem social, que comtemplava suas necessidades.
É possível verificar através das narrativas, o processo de reordenamento do
território brasileiro, e suas consequências na vida de milhares de pessoas que viviam
no interior do Brasil. As duas obras literárias evidenciam esse momento da história
brasileira, contado através de personagens que representam a voz dos vencidos.
Dado o exposto, conclui-se que a Literatura permite abrir novas entradas para
pesquisa em Geografia, como no caso do fenômeno de Canudos e do Contestado,
evidenciando a espacialidade do sertanejo; e o conflito, desencadeado por forças
capitalistas, estranha aos mesmos, que não foram incluídos no projeto de
modernização do Brasil, pela república recém-formada, ou seja, a literatura evidência
por meio da ficção a realidade profunda e complexa de um outro Brasil, invisível,
oculto ao discurso oficial.
101

REFERÊNCIAS

ABREU, Regina. O livro que abalou o Brasil: a consagração de Os Sertões na


virada do século. Rio de Janeiro. Revista Manguinhos – História, Ciências, Saúde,
vol. 5, suplemento, p. 80, jul./ago. 1998.

ALMEIDA, Maria Geralda de; OLANDA, Diva Aparecida Machado. A geografia e a


literatura: uma reflexão. Geosul, Florianopólis, v. 23, n. 46, p. 7-32, jul./dez. 2008.

AZEVEDO, Aroldo de. “Os Sertões” e a Geografia”. In: boletim Paulista de


Geografia, São Paulo: n.05, jul. 1950.

AURAS, Marli. Poder oligárquico catarinense: da Guerra dos “Fanáticos” do


Contestado à “opção pelos pequenos”. Programa de Pós-Graduação em
Educação, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1991. 415p. (Tese,
Doutorado em Educação). São Paulo, 1991.

BASTOS, Ana Regina V. R. Geografia e romances nordestinos das décadas de


1930 e 1940: uma contribuição ao ensino. São Paulo, Dissertação de Mestrado em
Geografia, USP/Deptº de Geografia, 1993

BASTOS, A.R. Espaço e Literatura: Algumas Reflexões Teóricas. Espaço e


Cultura, 5, pp, 1998.

BERNUCCI, L.M (2009): “Prefácio”, in: CUNHA, E. “Os Sertões”. Cotia, Atelier
Editorial, 2009, 900p.

BRANDT, Marlon. Uso comum e apropriação da terra no município de Fraiburgo-


SC: do Contestado à colonização. Dissertação (mestrado) Universidade Federal de
Santa Catarina, Desenvolvimento regional e urbano, Florianópolis, 2007.

BROSSEAU, Marc. Geografia e Literatura. In: CORRÊA, Roberto Lobato &


ROSENDHAL, Zeny (Orgs.). Literatura, música e espaço. Rio de Janeiro: EdUERJ,
2007, pp. 17-77.

BEZERRA. R.G. Guardados de um Artesão de Imagens: Estudo da Trajetória de


Claro Jansson e de suas Crônicas Visuais durante as Primeiras Décadas do
Século xx. Tese apresentando ao curso de pós-graduação em Sociologia. UFPR.
Curitiba-PR. p.25, 2009. Disponível em:
<https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/26017/TESE%20RAFAEL%20GI
NANE%20BEZERRA.pdf?sequence=1&isAllowed=y> . Acesso em 8 de jan de 2020.
102

CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que


não foi. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1986.

CAVALCANTI, Lana de Souza. Geografia e práticas de ensino. Goiânia:


Alternativa, 2002

CANDIDO, Antonio. A Literatura e a Formação do Homem. In Ciência E Cultura,


1972. Disponível em:
<http://repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/118273/1/ppec_8635992-5655-
1PB.pdf,> Acesso em: 12 de março de 2019.

CANDIDO, Antonio. Direito à Literatura. In: Vários escritos. 3ª ed. revista e


ampliada. São Paulo: Duas Cidades, 1988.

CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária.


7. ed. São Paulo: Nacional, 1985.

CANDIDO, Antonio. “A revolução de 30 e a cultura”. In: A educação pela noite e


outros ensaios. São Paulo: Ática, 2000. p. 181-198.

CHAVES, T. A relação homem e natureza: o contexto ambiental na literatura.


Revista Crioula, (1). Disponível em:
<https://doi.org/10.11606/issn.19817169.crioula.2007.52747>

CLAVAL, Paul. A geografia cultural. Tradução de Luíz Fugazzola Pimenta e


Margareth de Castro Afeche Pimenta. 3.ed. - Florianópolis: Ed. da UFSC, 2007.

CLAVAL, Paul Charles Christophe. Geografia Cultural: um balanço. GEOGRAFIA


(Londrina), v. 20, n. 3, p. 005-024, 2013.

COLLOT, M. Rumo a uma geografia literária. Revista Gragoatá, Niterói, n. 33, p. 17-
31, 2012.

CORRÊA, Roberto Lobato, ROSENDAHL, Zeny (orgs.): Introdução à Geografia


Cultural. 5.ed. -Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.

CUNHA, Euclides da. Os Sertões. Edição, prefácio, cronologia, notas e índices


Leopoldo M. Bernucci. – 5. Ed. – Cotia, SP: Ateliê Editorial; São Paulo: SESI-SP
editora, 2018. – (Coleção Clássicos Comentados)

DANTAS, Aldo; MEDEIROS, Tásia Hortêncio de Lima. Introdução à ciência


geográfica: Geografia ratzeliana e seu contexto. Natal: EDUFRN, 2008, p. 2.
Disponível em: Acesso em: 06 Dezembro de 2018.
103

DARDEL, Eric. O homem e a Terra: Natureza da realidade geográfica. São Paulo:


Perspectiva, 2011.
DIACON. Todd A. Millenarian Vision, Capitalista Reality- Brazil´s Contestado
Rebellion, 1912-1916. 4. Ed., Durtham and London: Duke University Press, p.47.
2002.

DOMINGOS, Manuel. “Os poderosos do sertão”. V. 30, n. ½, p. 58-71, 1999.

DUNCAN, J. – O Supra-orgânico na Geografia Cultural Americana. In Introdução


à Geografia Cultural, org. R.L. Corrêa e Z. Rosendahl. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil,
2003.

FERRARA, L. D. Leituras sem Palavras. série Princípios, Ed. Ática, São Paulo, 1986.

FERNANDES, Felipe Moura. Geografia e literatura (ciência e arte): proposições


para um diálogo. Espaço e Cultura, UERJ, RJ, n. 33, jan./jun. de 2013, p. 167-175.

FERREIRA, A. M. C. 2010. O Destino como Serenidade. Síntese: Revista de


Filosofia, v. 30, n. 97, p. 249-262.

FRÉMONT, A. A Região Espaço Vivido. Coimbra, Almedina. 1980.

FREYRE, Gilberto. Perfil de Euclides e outros perfis. 2ª ed. aumentada. Rio de


Janeiro, Record, 1987. p. 17-69.

GALLO, Ivone, Cecília D´ Ávila. O Contestado: o sonho do milênio igualitário.


Campinas/SP: Editora da Unicamp, 1999.

GAMA-KHALIL, M. O lugar teórico do espaço ficcional nos estudos literários.


Revista Anpoll. Florianópolis, v. 1, nº 28, p. 213-236, 2010. Disponível em:
<http://www.anpoll.org.br/revista/index.php/revista/article/view/166>. Acesso em: 12
abr. 2019.

GEMELLI, D.D. Por uma leitura geográfica do Contestado: Território, terra e o


povo cabloco. Editora Terra Livre São Paulo. Ano 33, Vol.2, n 51. p.255-291. 2018.

Godoy PR. História do Pensamento Geográfico e Epistemologia em Geografia.


São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010.

GOMES, P.C.da.C. Geografia e modernidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996.

GOMES, Paulo Cesar da Costa. O conceito de região e sua discussão. In.


CASTRO, Iná Elias de; CORREA, Roberto Lobato; GOMES, Paulo Cesar da Costa
(Orgs.). Geografia Conceitos e Temas. Rio de Janeiro, Bertrand, Brasil, 2007. p.4976.

GUIMARÃES, Alberto Passos. Quatro séculos de latifúndio. Paz e Terra. Rio de


Janeiro, 1997.
104

IANNI, Octávio. A Idéia de Brasil Moderno. Ed. Brasiliense. São Paulo, 1992.

JAPIASSÚ, H. e MARCONDES, D. Dicionário básico de filosofia. Rio de Janeiro:


Zahar, 2001. 212 p.

KOZEL, Salete. As representações no geográfico. In: KOZEL, Salete; MENDONÇA,


Francisco. (Orgs.). Elementos de epistemologia da Geografia contemporânea.
Curitiba: UFPR, 2002.

KOZEL, Salete. Geopoética das paisagens: olhar, sentir e ouvir a „natureza‟.


Caderno de Geografia. PUC/MG, v. 22, n. 37, 2012, p. 65-78. Disponível em:
<https://sites.uepg.br/ecopoesia/site/textos/Geopo_tica%20das%20paisagens%20ol
har,%20sentir%20e%20ouvir%20a%20natureza.pdf> Acesso em 12 de janeiro. 2020.

LACOSTE, YVES. A Geografia – Isso Serve em Primeiro Lugar, Para Fazer a


Guerra. São Paulo, Papirus, 14° edição.

LEVINE, R. O sertão prometido: o massacre de Canudos. São Paulo: Edusp, 1995.

LIMA, Luís Costa. Terra ignota: a construção de Os sertões. Rio: Civilização


Brasileira, 1997.

LIMA, Solange T. Geografia e Literatura: alguns pontos sobre a percepção da


paisagem. Geosul, Florianópolis, v. 15, n. 30, p. 7-33, 2000.

LINS, O. (1976) “Espaço romanesco”, “Espaço romanesco e ambientação” e


“Espaço romanesco e suas funções”. In: _______. Lima Barreto e o espaço
romanesco. São Paulo: Ática, p.62-110.

LOPES, R.C. O gaúcho como Ilustração retórica da teoria da força sertaneja em


Euclides da Cunha. XI Salão de Iniciação Científica – PUCRS, 09 a 12 de agosto de
2010. Disponível em:
<http://www.pucrs.br/edipucrs/XISalaoIC/Ciencias_Humanas/Historia/83931RICARD
OCORTEZLOPES.pdf>. Acesso em : 16 setembro. 2019.

MARCUSE, Herbert, A dimensão estética. Tradução: Maria Elisabete Costa. São


Paulo: Livraria Martins Fontes Editora, 1977, pág. 22.

MURARI, Luciana. Uma geografia literária do Brasil: A escrita do espaço nacional


na Primeira República. Ipótesi, Juiz de Fora, v. 18, n. 1, p. 35-50, jan.-jun. 2014.

MARÉS, Carlos Frederico. A função social da terra. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris, 2003.
MARÉS, Carlos Frederico. Terra mercadoria, terra vazia: povos, natureza e
patrimônio cultural. Insurgência: Revista de Direitos e Movimentos Sociais, v. 1, p.
57-71, 2015. MOURA, Margari
105

MARTINS, José de Souza. O poder do atraso - ensaios de sociologia da história


lenta. 1994. São Paulo: Hucitec

MARTINS, P. E. Canudos: Organização, poder e o processo de


institucionalização de um modelo de governança comunitária. Cad. EBAPE .BR,
v. 5, n. 4, p. 1-16, 2007.

MARTINS, Paulo Emílio Matos; LAGE, Allene Carvalho. Canudos e o Movimento


dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST): Singularidades e nexos de dois
movimentos sociais brasileiros. In: VII Congresso Luso-brasileiro de Ciências
Sociais. Coimbra, 16-18 de set. 2004.

MARTINS, José de Souza. A Questão Agrária Brasileira e o Papel do MST. In:


STÉDILE, João Pedro (org.). A reforma agrária e a luta do MST. Petrópolis: Vozes,
1997.

MCDOWELL, L. A Transformação da Geografia Cultural. In: GREGORY, D.;


MARTIN, R.; SMITH, G. (Orgs.). Geografia Humana: Sociedade, Espaço e Ciência
Social. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996.

MELO NETO, João Cabral. A educação pela pedra: Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1996.

MONIZ, E. Canudos: A Guerra Social. 2. ED. Elo. Rio de Janeiro, RJ: ELO, 1987.

MONTEIRO, C.A.F. O Mapa e a Trama: ensaios sobre o conteúdo geográfico em


criações romanescas. Florianópolis: Ed. UFSC, 2002.

MONTEIRO, C. A. de F. O espaço iluminado no tempo volteador (Grande Sertão:


Veredas). Estudos Avançados. São Paulo, v.20, n.58, p.47-58, 2006.

MORAES, Antonio Carlos Robert. Geografia: pequena história crítica. São Paulo:
HUCITEC, 1983.

MURARI, Luciana. Brasil, ficção geográfica: ciência e nacionalidade no país D‟


Os Sertões. São Paulo: Annablume; Belo Horizonte: Fepemig, 2007.

MUSEU PARANAENSE. Página Institucional do Museu Paranaense. Disponível


em:
<http://www.museuparanaense.pr.gov.br/modules/galeria/fotos.php?evento=19>.
Acesso em: 14 de Janeiro de 2020.

NEGRÃO, Lísias Nogueira. Revisitando o messianismo no Brasil e profetizando seu


futuro. Revista brasileira de ciências sociais, v. 16, n. 46, p. 119-129, 2001.
106

NÓBREGA, T. P. Corpo e natureza em Merleau-Ponty. Revista Movimento, Porto


Alegre, v. 20, n. 3, p. 1175-1196, 2014.

OLIVEIRA, Francisco de. Crítica à razão dualista, o ornitorrinco. São Paulo:


Boitempo, 2003.

OTTEN, Alexandre H. Só Deus é grande: Interpretação histórico-teológica da


figura e do movimento de Antônio Conselheiro. Persp. Teol. v.21, p.9-50, 1989.
Disponível em:
<http://faje.edu.br/periodicos/index.php/perspectiva/article/viewFile/1783/2102>.
Acessado em 12 Agosto. 2019.

QUEIROZ, M.I.P. O Messianismo no Brasil e no Mundo. 1977. São Paulo, Alfa e


Omega.

QUEIROS, M, V de. Messianismo e Conflito Social: A Guerra Sertaneja do


Contestado, 1912-1916. 3. Ed. São Paulo: Ática, 1981.

RAMOS, Guerreiro. Introdução critica a sociologia brasileira. Rio de Janeiro: Ed.


UFRJ, 1995. 290p.

RODRIGUES, N., “A loucura epidêmica de Canudos”. Revista Brasileira, 1897,


p.140.

RODRIGUES, Raymundo Nina. As coletividades Anormais. Rio de Janeiro:


Civilização Brasileira 1939 p.153.

SANTANA, J.C.B. de. Geologia e metáforas geológicas em “Os Sertões”. vol. V


(suplemento), 117-132 julho 1998.

SANTANA, J. C. B. de. Mestiço no país dos espelhos e o que ele viram lá. Feira
de Santana, m.13, p.57-68, jul./dez.1995.

SANTOS, Milton. (Organização RIBEIRO, Wagner Costa). O país distorcido: o


Brasil, a globalização e a cidadania. São Paulo : Publifolha, 2002.

SANTOS, Milton. Por uma geografia nova: da crítica da geografia a uma geografia
crítica. 6ª ed. São Paulo: EDUSP, 2004.

SASSI, G.W. Geração do Deserto. 5. Ed. Porto Alegre: Movimento, 2012.

SEEMANN, Jörn. A morfologia da paisagem cultural de Otto Schlüter: Marcas


visíveis na Geografia Cultural?. Mesa-Redonda: Matrizes da Geografia Cultural. 3º
Simpósio Nacional sobre Espaço e Cultura (Rio de Janeiro), 23 a 25 de outubro de
2002, 2002d.
107

SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural


na Primeira República. 2ª. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

SOUZA, Vanderlei Sebastião de. O Naturalismo de Euclides da Cunha: ciência,


evolucionismo e raça em Os Sertões. Fênix, [s.i], v. 2, n. 7, p.1-22, 2010.
Disponível em:
<http://www.revistafenix.pro.br/vol23vanderlei.php>. Acesso em: 16 setembro. 2019.

Stampar SN, Maronna MM, Vermeij MJA, Silveira FL, Morandini. Diversificação
evolucionária de anêmonas de anilhas tubulares (Cnidaria; Ceriantharia;
Isarachnanthus ) no Oceano Atlântico. PLoS ONE 7 (7): e41091. Disponível em:
<https://doi.org/10.1371/journal.pone.0041091> . Acesso em 15 de junho de 2019.

STÉDILE, João Pedro (org.). A reforma agrária e a luta do MST. Petrópolis: Vozes,
1997.

VENTURA, R. Euclides e a Amazônia Infinita. Folha de S. Paulo. São Paulo, 19 de


junho de 1994.

VENTURA, R. Euclides da Cunha e a República. Estudos avançados. São Paulo,


Jan./Abr. 1996; v(10) n(26): 275-291.

VERÍSSIMO, José. Uma história dos sertões e da Campanha de Canudos (Os


sertões, campanha de Canudos por Euclides da Cunha, Laemmert & C.,
editores). In: FACIOLI, Valentim, NASCIMENTO, José Leonardo do. (Org.). Juízos
críticos: Os sertões e os olhares de sua época. São Paulo: Nankin Editorial, Unesp,
2003, p. 46-54.

VILLA, Marco Antonio. Canudos: O povo da terra. São Paulo: Ática, 1995.

VILANOVA NETA. Geografia e Literatura: Decifrando a Paisagem dos Mocambos


do Recife. Orientador: Roberto Lobato Corrêa. Rio de Janeiro: UFRJ/ IGEO/ PPGG,
2005. Dissertação (Mestrado em Geografia).

Você também pode gostar