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VASSOURAS/RJ
JUNHO/2012
ANDRÉ LUIZ REIS MATTOS
VASSOURAS/RJ
JUNHO/2012
UNIVERSIDADE SEVERINO SOMBRA
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE MESTRADO EM HISTÓRIA
Banca examinadora:
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neto e companheira...
para sempre...
AGRADECIMENTOS
A minha orientadora Prof.ª Dr.ª Ana Maria Dietrich, pela dedicação e paciência sem
igual.
Ao coordenador do Mestrado Prof.º Eduardo Scheidt, pela excelente condução do
curso, bem como, aos demais professores.
A secretária do mestrado Sandra Feijó, pela sua generosidade e competência.
Aos grandes amigos da turma do mestrado, que contribuíram com suas experiências
durante o curso.
Aos amigos e companheiros da 2ª Vara da Comarca de Três Rios, pelos incentivos e
compreensão em minhas ausências.
A minha filha Natália, ao meu filho João Vitor e ao meu neto Guilherme, pela
concessão das horas de pesquisa e trabalho.
Ao meu pai Mauro da Silva Mattos (in memorian) e a minha mãe Marlene Reis
Mattos, por tudo que recebi deles nesta existência.
A todos que, com boa intenção, colaboraram para a realização e finalização deste
trabalho.
“Ein Bild sagt mehr als 1000 Worte.”
Kurt Tucholsky
1
RESUMO
2
RESUMEM
Palabras clave: fotografía, historia, la memoria, los espacios urbanos, Tres Ríos.
3
SUMÁRIO
Introdução ............................................................................................................................... 12
4
3.2 – Igrejas do distrito de Entre Rios.....................................................................................199
3.3 – A nascente sociedade urbana da Vila de Entre-Rios e o lugar dos escravos libertos e seus
descendentes............................................................................................................................215
Conclusão...............................................................................................................................244
Fontes.....................................................................................................................................271
Bibliografia............................................................................................................................272
5
RELAÇÃO DAS IMAGENS
6
Fotografia 32: Vista panorâmica noturna da Praça São Sebastião.......................................... 77
Fotografia 33: Tomada externa de um parquinho na Praça São Sebastião ............................. 79
Fotografia 34: Registro do concurso garota simpatia de 1968 ............................................... 79
Fotografia 35: Tomada externa do desfile cívico de Sete de Setembro .................................. 79
Fotografia 36: Tomada externa do desfile cívico de Sete de Setembro .................................. 79
Fotografia 37: Locomotiva da E. F. C. do Brasil na Estação Ferroviária de Entre-Rios ........ 80
Fotografia 38: Estação Ferroviária da E. F. C. do Brasil em Entre-Rios no final de 1935 ..... 82
Fotografia 39: Vista externa da Ponte de Entre-Rios .............................................................. 95
Fotografia 40: Recorte da fotografia 39 .................................................................................. 96
Fotografia 41: Pilar original da Ponte das Garças.................................................................97
Fotografia 42: Imagem aérea gerada pelo Google Pro ........................................................... 99
Fotografia 43: Visão lateral da Ponte do Paraíba .................................................................. 101
Fotografia 44: Vila da Paraíba do Sul/RJ em 1861 ............................................................... 102
Fotografia 45: Recorte do Mapa da Estrada Real ................................................................. 107
Fotografia 46: Planta da Estrada União e Indústria .............................................................. 108
Fotografia 47: Desenho realizado da fotografia 39 .............................................................. 110
Fotografia 48: Registro externo da Ponte das Garças .......................................................... 111
Fotografia 49: Imagem externa da Casa do Pedágio ............................................................ 113
Fotografia 50: Registro externo da Casa do Pedágio e da Ponte das Garças ....................... 114
Fotografia 51: Recorte da fotografia 50 ................................................................................ 115
Fotografia 52: Sr. Antonio Villela Junior ............................................................................. 115
Fotografia 53: Ponte das Garças ........................................................................................... 116
Fotografia 54: Ponte das Garças em seu interior .................................................................. 117
Fotografia 55: Ponte das Garças em um registro de posição similar à da fotografia 39 ....... 117
Fotografia 56: Vista externa da Fazenda Boa União ............................................................ 120
Fotografia 57: Vista externa da Estação de Entre-Rios ........................................................ 121
Fotografia 58: Recorte da fotografia 57 ................................................................................ 124
Fotografia 59: Recorte da fotografia 57 ................................................................................ 125
Fotografia 60: Recorte da fotografia 57 ................................................................................ 126
Fotografia 61: Recorte da fotografia 57 ................................................................................ 126
Fotografia 62: Recorte da fotografia 57 ................................................................................ 127
Fotografia 63: Recorte da fotografia 57 ................................................................................ 128
Fotografia 64: Recorte da fotografia 57 ................................................................................ 128
Fotografia 65: Recorte da fotografia 57 ................................................................................ 129
7
Fotografia 66: Recorte da fotografia 57. ............................................................................... 129
Fotografia 67: Imagem aérea gerada pelo Google Pro em 2010........................................... 130
Fotografia 68: Primeira maquete da sede da Fazenda de Cantagalo..................................... 131
Fotografia 69: Segunda maquete da sede da Fazenda de Cantagalo..................................... 132
Fotografia 70: Terceira maquete da sede da Fazenda de Cantagalo ..................................... 132
Fotografia 71: Quarta e última maquete da sede da Fazenda de Cantagalo ......................... 133
Fotografia 72: Desenho representando a Fazenda de Cantagalo .................................. 133
Fotografia 73: Pedras pertencentes à Fazenda de Cantagalo ................................................ 134
Fotografia 74: Possíveis casas construídas pela Condessa do Rio Novo ............................. 138
Fotografia 75: Vista externa da Estação Ferroviária de Entre-Rios...................................... 140
Fotografia 76: Recorte da fotografia 75 ................................................................................ 140
Fotografia 77: Desenho realizado da fotografia 75 ............................................................... 141
Fotografia 78: Recorte da fotografia 75 ................................................................................ 141
Fotografia 79: Neste mapa em vermelho tem-se o trecho inicial da E. F. Dom Pedro II ..... 142
Fotografia 80: Vista externa da Estação de Pedras da Estrada de Ferro Leopoldina............ 143
Fotografia 81: Panorâmica onde se observa a Estação de Três Rios da Leopoldina ............ 144
Fotografia 82: Cabine construída pela E.F.D. Pedro II......................................................... 145
Fotografia 83: Cabine pela E.F.D. Pedro II .......................................................................... 145
Fotografia 84: Estado atual da cabine ................................................................................... 146
Fotografia 85: Estado atual da cabine ................................................................................... 146
Fotografia 86: Estado atual da cabine ................................................................................... 146
Fotografia 87: Estado atual da cabine ................................................................................... 146
Fotografia 88: Panorâmica do ainda distrito de Paraíba do Sul/RJ, Entre Rios.................... 149
Fotografia 89: Planta topográfica da Fazenda de Cantagalo................................................. 151
Fotografia 90: Planta topográfica da Fazenda de Cantagalo, ampliada ................................ 152
Fotografia 91: Panorâmica do distrito de Entre-Rios na década de 10 ................................. 154
Fotografia 92: Vista externa da Rua Visconde de Entre-Rios .............................................. 156
Fotografia 93: Fotografia do centro do distrito de Entre-Rios .............................................. 156
Fotografia 94: Vista externa da Estação Ferroviária de Entre-Rios...................................... 157
Fotografia 95: Fotografia do centro do distrito de Entre-Rios .............................................. 158
Fotografia 96: Fotografia externa da Rua Campos Elíseos................................................... 159
Fotografia 97: Fotografia do distrito de Entre-Rios .............................................................. 160
Fotografia 98: Vista externa do Parque Oscar Weinchenk ................................................... 161
Fotografia 99: Segundo registro externo do Parque Oscar Weinchenk ................................ 161
8
Fotografia 100: Fotografia externa da Rua Maria Pereira .................................................... 164
Fotografia 101 e verso: Fotografia panorâmica do distrito de Entre-Rios ........................... 166
Fotografia 102: Destruição causada pela explosão de vagão de carga com munição........... 167
Fotografia 103: Enchentes do Rio Paraíba do Sul ................................................................ 168
Fotografia 104: Panorâmica do distrito de Entre-Rios..........................................................169
Fotografia 105: Panorâmica do distrito de Entre-Rios.......................................................... 171
Fotografia 106: Senhor que vendia latões de água pelas ruas do distrito de Entre-Rios ...... 173
Fotografia 107: Fotografia externa da Fábrica de Balas Ezilma ........................................... 175
Fotografia 108: Imagem externa da Fábrica de Fósforo “Pharol” ........................................ 176
Fotografia 109: Panorâmica de Entre Rios............................................................................177
Fotografia 110: Fotografia externa do Armazém dos Irmãos Ferreira Álvares .................... 178
Fotografia 111: Panorâmica da Rua da Maçonaria ............................................................... 179
Fotografia 112: Viaduto sobre a linha férrea ........................................................................179
Fotografia 113: Viaduto sobre a linha férrea ........................................................................179
Fotografia 114: Viaduto sobre a linha férrea ........................................................................179
Fotografia 115: Viaduto sobre a linha férrea ........................................................................179
Fotografia 116: Fotografia externa da Rua da Condessa ...................................................... 180
Fotografia 117: Panorâmica da Rua da Condessa ................................................................. 181
Fotografia 118: Panorâmica da Rua da Condessa ................................................................. 181
Fotografia 119: Panorâmica da Rua da Condessa ................................................................. 182
Fotografia 120: Fotografia externa do Banco de Entre-Rios ................................................ 183
Fotografia 121: Drº Walter Gomes Francklin ....................................................................... 184
Fotografia 122: Grupo Escolar Condessa do Rio Novo........................................................ 185
Fotografia 123: Igreja Matriz de São Sebastião .................................................................... 186
Fotografia 124: Vista externa do Grupo Espírita Fé e Esperança ......................................... 187
Fotografia 125: Possível representação do auto Vitória ....................................................... 188
Fotografia 126: Representação do ônibus da empresa Autobus Ltda ................................... 189
Fotografia 127: Panorâmica do distrito de Entre-Rios.......................................................... 190
Fotografia 128: Fotografia do time de futebol do Entrerriense Futebol Clube ..................... 191
Fotografia 129: Inauguração do Estádio do Entrerriense F. C .............................................. 192
Fotografia 130: Registro do aniversário da Banda 1º de Maio ............................................. 193
Fotografia 131: Panorâmica do distrito de Entre-Rios.......................................................... 194
Fotografia 132: Chegada dos emancipacionistas em Três Rios ............................................ 196
Fotografia 133: Vista externa da Capela Nossa Senhora da Piedade ................................... 199
9
Fotografia 134: Capela Nossa Senhora da Piedade, ao lado do trevo do Cantagalo ............ 201
Fotografia 135: Vista externa da Capela Nossa Senhora da Piedade no Bairro Cantagalo .. 202
Fotografia 136: Vista do cemitério nos fundos da Capela Nossa Senhora da Piedade.......202
Fotografia 137: Monumento à Condessa do Rio Novo e ao Barão Ribeiro de Sá, ............... 203
Fotografia 138: Bustos da Condessa do Rio Novo e do Barão Ribeiro de Sá ...................... 204
Fotografia 139: Vista externa da Capela de São Sebastião ................................................... 205
Fotografia 140: Vista externa da Capela de São Sebastião ................................................... 206
Fotografia 141: Imagem externa do Largo da Capelinha ..................................................... 207
Fotografia 142: Vista externa da Praça Visconde do Rio Novo ........................................... 207
Fotografia 143: Vista externa da Igreja de Nossa Senhora da Conceição ............................ 208
Fotografia 144: Vista externa da Igreja de Nossa Senhora da Conceição ............................ 209
Fotografia 145: Vista externa da Igreja de São Sebastião, no início de sua construção ....... 210
Fotografia 146: Vista externa da Igreja Matriz de São Sebastião.........................................210
Fotografia 147: Vista externa da Igreja de São Sebastião .................................................... 211
Fotografia 148: Vista externa da Igreja de São Sebastião .................................................... 212
Fotografia 149: Vista externa da Igreja de São Sebastião .................................................... 212
Fotografia 150: Vista externa da Igreja de São Sebastião .................................................... 213
Fotografia 151: Vista externa da Igreja de São Sebastião .................................................... 214
Fotografia 152: Imagem da parte superior da capa do periódico “Correio Trirriense” ........ 222
Fotografia 153: Grupo Dramático Beneficente Dias Braga .................................................. 224
Fotografia 154: Diretoria do Grupo Dramático Beneficente Dias Braga ............................. 225
Fotografia 155: Registro do corpo cênico do G.D.B. Dias Braga ........................................ 225
Fotografia 156: Grupo de Amadores Teatrais Viriato Correia ............................................. 226
Fotografia 157: Músicos e membros da diretoria da Banda 1º de Maio .......................... 227
Fotografia 158: Registro dos músicos da Banda “Jazz União” ............................................ 228
Fotografia 159: Músicos da primeira Jazz Band da cidade a “Jazz Band Columbia” .......... 228
Fotografia 160: Imagem externa dos músicos da Banda de Música Henrique Mesquita ..... 229
Fotografia 161: Registro externo dos jogadores do América Futebol Clube ........................ 230
Fotografia 162: Equipe de futebol do Entrerriense Futebol Clube da década de 1930 ........ 231
Fotografia 163: Inauguração do campo de futebol do Entrerriense Futebol Clube .............. 232
Fotografia 164: Estádio de futebol do Entrerriense F. C. ....................................................233
Fotografia 165: Comemoração pela instalação do novo município de Entre-Rios .............. 234
Fotografia 166: Comemoração pela instalação do novo município de Entre-Rios .............. 235
Fotografia 167: Inauguração do prédio da Prefeitura Municipal de Três Rios em 1943 ...... 236
10
Fotografia 168: Homenagem ao dia da árvore, realizada na Praça da Autonomia ............... 236
Fotografia 169: Vista externa do local em frente a Matriz de São Sebastião ....................... 237
Fotografia 170: Vista externa do Gynásio Pinto Ferreira ..................................................... 238
Fotografia 171: Vista externa do Grupo Escolar Condessa do Rio Novo ............................ 239
Fotografia 172: Vista interna da Oficina da Escola Profissional de Entre-Rios ................... 239
Fotografia 173: Vista externa do Armazém de Café ............................................................ 240
Fotografia 174: Vista externa onde se observa os trabalhadores do Armazém de Café ....... 241
Fotografia 175: Trabalhadores negros junto aos tratores ...................................................... 241
Fotografia 176: Panorâmica do Viaduto Antônio Teixeira Pinto..........................................246
11
INTRODUÇÃO
12
experimentei e que não me será possível vivenciar, mas que a imagem consegue imputar uma
“sensação de realidade”.
As pessoas, os objetos, as paisagens e os espaços de relação não se encontram no
tempo presente, mas que de alguma forma, vencendo a distância que separa o ato fotográfico,
a “imagem-ato” se presentifica ao observador, com toda a sua possibilidade de narrar uma
parcela da história e das lembranças dos que permanecem representados no seu referente.
A Fazenda Capoeirinha ainda permanece na atualidade com sua sede bem conservada,
mas as pessoas que foram “preservadas” em imagem nesta fotografia, sem o registro da data
de sua reprodução, não existem mais. Observa-se interessante distribuição dos indivíduos,
deixando claro uma divisão social, com os trabalhadores, suas crianças e mulheres postadas
num segundo plano, e os possíveis proprietários e seus familiares (também homens, mulheres
e crianças) no primeiro plano bem à frente à esquerda, e dois homens a cavalo logo atrás
destes.
Esta imagem possibilita interessantes análises sobre as questões das hierarquias sociais
naquele tempo, não só porque a arrumação espacial concebida para o registro fotográfico
permite a identificação de grupos sociais distintos, por meio de limites “territoriais” evidentes,
mas também e ainda, pelas roupas (chapéus, ternos, gravatas, vestidos de melhor qualidade no
13
acabamento percebidos entre as pessoas que se destacam) e pela formação étnica, com negros
apenas entre os trabalhadores.
Roland Barthes (2008, p. 68) define punctum como “o “detalhe” que me atrai. Sinto
que basta sua presença para mudar minha leitura, que se trata de uma nova foto que eu olho,
marcada a meus olhos por um valor superior. Esse “detalhe” é o punctum (o que me punge)”,
elemento cultural e social, flecha que fere alguns, mas com certeza, nem todos.
14
históricos, podendo ajustar e rearmar a nossa própria lembrança e ao mesmo tempo se
incorporarem à memória; é a imagem testemunho ou documentos testemunho, transformando-
se em lembranças, compartilhando memórias.
O presente trabalho apresenta a proposta de fomentar uma discussão que considere a
fotografia em sua dupla dimensão de fonte historiográfica e testemunho de memória,
privilegiando-a como um lugar de lembrança relacionada a todas as representações a ela
associadas, sejam história de vidas, sejam monumentos arquitetônicos, entendendo memória
como o conjunto de lembranças preservadas e esquecidas de um indivíduo ou de uma
coletividade, estando em processo contínuo de construção e reconstrução.
Fatos e paisagens, espaços urbanos de relação, desaparecem no esquecimento quando
não existe interesse em rememorá-los, porque houve perda de valor para determinado grupo
ou coletividade, ou porque não existe meio algum de restituir sua imagem.
A escolha do tema está fundamentada na relevância contemporânea dos estudos da
História Cultural. Roger Chartier (1990, p. 16 e 17) explica que a “história cultural, tal como a
entendemos, tem por principal objeto identificar o modo como em diferentes lugares e
momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler”. A História
Cultural, no trato com a diversidade das fontes historiográficas, é a que mais avança em
direção ao campo da memória (principalmente com relação ao que Ecléa Bosi (2004, p. 16)
define como “substância social da memória”), por entender que não se pode mais identificar a
memória como um método parcial e limitado de recordar fatos passados, servindo como
simples auxiliar para as ciências humanas.
O aporte da História Cultural é fundamental nos estudos e interpretações da memória
construída nas representações e nas relações de poder, alistadas às batalhas de memória
realizadas nos espaços de afinidade e que se sedimentam nas práticas sociais.
É possível apropriar-me da fotografia como lugar de lembranças e ponto de referência
à memória substanciada nas relações sociais que ocorrem nos espaços urbanos, porque
vivemos um momento onde as teorias e ideologias diversas da historiografia, e das demais
ciências humanas, convivem e dialogam apesar dos reconhecidos e naturais conflitos. Assim
promovendo nesta pesquisa interfaces com a Psicologia Social e a Sociologia, através de
autores como: Dubois, Joly, Barthes, Burke, Kossoy (estudos conceituais e metodológicos da
fotografia) e Bosi, Benjamin, Bérgson (pela leitura de Bosi), e Halbwachs e Ricceur (na lida
com a Memória e sua relação com a História). 1
1 BARTHES, Roland. A Câmara Clara. Rio de Janeiro. Nova Fronteira, 2008; BENJAMIN, Walter. Walter
Benjamin – Obras Escolhidas Vol. I – Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo. Brasiliense. 11ª
15
O caminho teórico escolhido é aplicado na análise das fotografias da Vila de Entre-
Rios, hoje município de Três Rios, no Vale do Paraíba do Sul/RJ. Fotografias dos espaços
urbanos construídos e transformados, que se interrelacionam com memórias individuais e
coletivas, memórias silenciadas, memórias impostas pelos detentores de poder, memórias de
grupos e de trabalhadores; permitindo que a construção historiográfica se desenrole através de
uma narrativa imagética.
Cidade-polo da região centro-sul do Estado do Rio de Janeiro, Três Rios possuiu uma
população urbana em torno de 78.000 habitantes, e um número considerável de visitantes e
moradores de outras cidades vizinhas, atraídos pelas oportunidades de emprego, educação e
saúde. Desde o início do século XX vem experimentando um crescimento econômico,
político, educacional e cultural, refletido na existência de Universidades com diversos cursos
de graduação e pós-graduação; Centros Tecnológicos e de Qualificação Profissional,
indústrias e comércio com empresas e lojas reconhecidas no âmbito nacional; diversos
festivais e atividades ligados às artes cênicas, gastronomia, música e dança. Este processo
teve início no governo municipal do Prefeito Celso Jacob, sofrendo continuidade e impulso
durante a administração do Prefeito Vinicius Farah.
O primeiro capítulo propõe-se a uma reflexão sobre a presença da fotografia nas
pesquisas interdisciplinares, tendo em vista sua gradual aceitação na atualidade, em
consonância com outras diversas fontes historiográficas, analisando os conceitos teóricos que
identificam a fotografia como fonte para a construção da narrativa histórica e testemunho de
memória.
Por meio das reflexões de Walter Benjamin, relaciono qual História é capaz e de que
maneira de se alistar com a memória e com a fotografia. História que vislumbra um tempo
apto a interrupções, a particularização: o tempo da memória; assim, não formulada por uma
narrativa tradicional, mas em migalhas, privilegiando os sujeitos esquecidos e silenciados pela
história oficial, os vencidos em todos os confrontos de memórias.
Nos itens seguintes, aspectos importantes para entender o entrecruzamento entre
fotografia, história e memória são analisados: o tempo, os esquecidos nos embates de
memória, a fotografia como lugar de lembrança, o conceito de memórias compartilhadas e
Reimpressão, 2008; BOSI, Ecléa. O Tempo Vivo da Memória. Ensaios de Psicologia Social. Ateliê Editorial.
São Paulo/SP, 2ª Edição, 2004; BURKE, Peter. Testemunha Ocular: História e Imagem. 2ª ed. SP: EDUSC.
2004; DUBOIS, Philippe. O Ato Fotográfico. Papirus. Campinas/SP. 12ª Edição, 2009; HALBWACHS,
Maurice. A Memória Coletiva. Nova tradução de Beatriz Sidou. Centauro, São Paulo/SP. 2009; JOLY, Martine.
Introdução à análise da Imagem. SP, ed. Papirus. 13ª Edição, 2009; KOSSOY, Borys. Fotografia e História.
São Paulo/SP: Ateliê Editorial. 2ª ed. 2003. RICCER, Paul. A memória, a história e o esquecimento. Editora
Unicamp. 2ª reimpressão, 2010. Campinas/SP.
16
nostalgia, o princípio da distância de Benjamin que “nasceu” com a sua definição de aura. De
Barthes e Dubois, retira-se a apreciação de separação e corte temporal e espacial, que ocorre
no momento de elaboração da imagem-ato, qualidade que permite por meio da presença da
fotografia na atualidade, a interpretação de um instante interrompido no tempo passado, –
apreciação que também confere a cada registro a condição de objeto único -, fragmento e
testemunho de lembranças.
No segundo capítulo, relaciono a proposta temática e metodológica, e os critérios de
seleção das imagens escolhidas, apresentando após uma narrativa construída na análise
imagética das fotografias da Vila de Entre Rios, iniciada com a formação do primeiro núcleo
urbano, a partir do que defino como marco inicial, a Ponte das Garças (1961) e a construção
da Estação Rodoviária da Estrada União e Indústria e das Estações Ferroviárias da Estrada de
Ferro D. Pedro II, depois Central do Brasil e da Leopoldina Railway Company Limited.
No capítulo terceiro, alisto a formação do espaço urbano do então segundo distrito de
Paraíba do Sul/RJ, Entre Rios, percorrendo por todo o período de tempo que perpassa pelos
primeiros movimentos visando à emancipação política e administrativa, até a sua constituição
como município do Estado do Rio de Janeiro, entre o final de 1938 e início de 1939,
privilegiando os principais espaços que foram afetados, transformados ou totalmente
eliminados pelos movimentos que atravessam a sociedade.
Os indivíduos que interagiam através de atividades relacionadas às artes, ao civismo,
as manifestações políticas, ao lazer, aos esportes, ao trabalho e à cultura, são retratados
durante todo o trabalho, mas principalmente neste capítulo, quando procuro entender o lugar
não só dos escravos libertos pela vontade manifestada em testamento da Condessa do Rio
Novo, mas também de seus descendentes, na nascente sociedade urbana da Vila de Entre-
Rios; sujeitos históricos que vivenciaram como grupo (ou grupos) as transformações
ocorridas não apenas nos seus espaços de relação, mas também nas expressões da vida em
sociedade.
Encerro demonstrando o quanto é fundamental desenvolver estudos e reflexões sobre
o material imagético relacionado ao patrimônio material e imaterial urbano e à memória do
tempo inicial dos espaços urbanos de Três Rios, em vias de quase total desaparecimento.
Ressalta-se que as imagens digitalizadas e utilizadas nos capítulos sofreram análises
em inferências que remetem ao assunto tratado no texto em que foram assinaladas –
exemplificando as propostas teóricas apresentadas -, e que abarcam imagens vinculadas ao
objeto Vila de Entre Rios e cidade de Três Rios, fugindo da condição de meras ilustrações,
como infelizmente ainda é comum a muitos na lida com as fotografias.
17
CAPITULO I
2 BARTHES, Roland. A Câmara Clara. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008, p. 175.
18
minha mãe, fugidiamente, é pena, e sem jamais poder manter por muito tempo essa
ressurreição, é preciso que, bem mais tarde, eu reencontre em algumas fotos os
objetos que ela tinha sobre sua cômoda, uma caixa de pó-de-arroz de marfim (eu
gostava do ruído da tampa), um frasco de cristal bisotado, ou ainda uma cadeira
baixa que hoje tenho perto de minha cama, ou ainda os tecidos de ráfia que ela
dispunha sobre o sofá, as grandes sacolas de que ela gostava (cujas formas
confortáveis desmentiam a idéia burguesa da “bolsa”).
Assim, a vida de alguém cuja existência precedeu um pouco a nossa
mantém encerrada em sua particularidade a própria tensão da História, seu
quinhão. A História é histérica: ela só se constitui se a olharmos – e para olhá-la
é preciso estar excluído dela... [grifo do autor] Para mim, a História é isso, o tempo
em que minha mãe viveu antes de mim [grifo do autor] (aliás, é essa época que
mais me interessa, historicamente).” 3
Neste trecho da sua última obra, Barthes resume, envolvido nas lembranças despertadas
pelas fotografias de sua mãe falecida, a relação do historiador com a sua ciência, com
possíveis fontes e também a condição basilar do nosso ofício.
Diante dos registros imagéticos, ele experimenta a realidade, para a historiografia, da
aplicação na atualidade, das análises e interpretações dos referentes presentes nas imagens
fotográficas. Observa a figura materna apanhada em uma História, por estar vestida com
roupas de outro tempo, um tempo anterior ao da sua relação com a mãe, período que mais o
interessa historicamente, e que também se define na data do registro fotográfico.
Mas para reencontrá-la, a lembrança foi intensificada quando induzido a desviar sua
atenção para os acessórios que a acompanharam na fotografia, ainda vivos e presentes em sua
memória, objetos que definem as particularidades da história de vida de sua mãe. Os objetos
biográficos, entre estes a fotografia, possuem a condição de potencializar memórias,
permitindo o recordar das experiências de vidas.
Os objetos biográficos são construções do mundo material que incorporam
experiências de vida do seu possuidor. Como fonte de descobertas, o objeto
biográfico ancora memórias que estimulam performances narrativas do
colaborador. O significado biográfico dado ao objeto é efetivado na presença
constante deste elemento material na vida de seus proprietários. 4
3 Ibidem, p. 96 a 98.
4 ALMEIDA, Juniele Rabelo. Objeto Biográfico e Performance Narrativa: Questões para História Oral de
Vida. Disponível no site: http://neho.vitis.uspnet.usp.br/images/stories/PDFs/juniele.pdf. Acesso em: 09 de jan.
2012.
19
As imagens no referente fotográfico conduzem Roland Barthes a percebe-se nítida e
conscientemente distante no tempo e no espaço, era a História que o apartava no minuto
recente e real, do momento efetivado em cada fotografia.
O tempo funciona como um dos elementos que definem a condição de pertencimento de
um fato ou objeto à história, é o que se apresentou para este autor no axioma “antes de mim”
[grifo nosso], sendo necessário que o olhar do historiador esteja excluído do tempo histórico
estudado, anterior à sua existência. Na atualidade, mesmo a História do tempo presente
percorre um campo de pesquisa onde o evento ou objeto pesquisado encontra-se pelo menos a
alguns passos no passado.
“Somente a História e a consciência histórica podem introduzir a necessária
descontinuidade entre passado e presente: História, com efeito, é a ciência da diferença.”
(MENEZES, 1992, p. 4)
Os estudos com relação ao passado são determinados pelas marcas da temporalidade, o
historiador encontra um tempo diverso em vários aspectos daquele em que está inserido,
podendo ocorrer inversões às representações originais de objetos históricos analisados, o que
também remete aos limites da abordagem historiográfica que relaciona apenas fatos e eventos
no decorrer de um tempo homogêneo, definidor de uma improvável e fechada verdade
histórica.
A impressão que permanece é a de que o historiador estará sempre a percorrer caminhos
anteriores a sua própria experiência, porque como “as flores [que] dirigem sua corola para o
sol, o passado, graças a um misterioso heliotropismo, tenta dirigir-se para o sol que se levanta
no céu da história.” (BENJAMIN, 2008, p. 224)
Nos registros que se seguem, o exemplo das fotografias como representação das
particularidades da história de uma vida, transpassa para a inserção de individualidades em
manifestações sociais representativas de uma determinada comunidade.
De meados dos anos quarenta até o final dos anos cinqüenta, o rádio no Brasil
alcançaria seu auge com os programas de auditório, sendo a Rádio Nacional a principal
empresa radiofônica desse período. A “Hora do Pato” foi um dos seus programas mais
populares, ocorrendo apresentação nos municípios do interior do Estado do Rio, como
naquele ano 1956 em Três Rios. Além do programa de calouros com os cantores da cidade,
havia a apresentação de artistas famosos contratados da Rádio Nacional.
Na edição nº 32 do Jornal “A Tribuna de Três Rios”, do acervo da Casa de Cultura da
cidade, encontra-se escrito:
20
Fotografia 3: Tomada interna, registrando o publico presente no Clube Atlético Entre-Rios - CAER
durante a apresentação do programa “A Hora do Pato”, realizado em 14 de dezembro de 1956, em
comemoração ao aniversário de emancipação do Município de Três Rios. Fotografia do acervo Rádio Três Rios
5, com fotógrafo desconhecido.
5 RÁDIO TRÊS RIOS, empresa de radiocomunicação fundada em 27.11.1947, pelo Sr. Elias Jorge, precursor da
radiofonia em Três Rios. Atualmente, ainda sob a administração da família Jorge, a Rádio Três Rios,
transmitindo na sintonia AM 1150 KHZ, ampliou o ramo de comunicação do grupo com as emissoras FM 89,7 -
Antena 1 e Canal 5 de TV por cabo. Empresa sempre presente nas manifestações políticas, culturais e sociais do
município, tem grande importância na história da radiofonia da região.
21
municipais periodicamente publicados, impede-nos de levar avante o seu intento”.
6
Fotografia 4: Segundo registro do espaço interno do principal salão do Clube Atlético Entre-Rios –
CAER, permitindo observar o grande público presente. Fotografia do acervo Rádio Três Rios, de 14 de
dezembro de 1956, sem autor conhecido.
6 19 ANOS de vida autônoma. Tribuna de Três Rios, Três Rios/RJ, Ano I, nº 22, de 13 de dezembro de 1957,
capa.
22
em sua memória, informações quanto à data e o que estava fazendo no Clube Atlético Entre-
Rios, reconhecido pelo seu salão principal. Lembrava-se apenas que era comum a
apresentação de cantores e artistas contratados pela rádio para eventos, como se observa,
sempre bastante populares. Segundo os arquivos da empresa, as fotografias foram realizadas
em 14 de dezembro de 1956, durante a apresentação do Programa “A Hora do Pato” da Rádio
Nacional; minha mãe estaria então com 16 anos.
Fotografia 5: Terceira e última imagem do espaço interno, registro realizado de um outro ângulo,
permitindo perceber parte das dimensões do salão do CAER e a presença de um público composto de homens,
mulheres, jovens e crianças. Nesta fotografia, a jovem Marlene Reis parece voltar sua atenção para o seu pai,
ao olhar para trás. Do acervo Rádio Três Rios, sem fotógrafo conhecido, registro de 14 de dezembro de 1956.
23
signos e índices relativos à juventude e especificadamente, a maternidade e a relação de amor
e admiração, ser incorporada a todas as memórias que possuo sobre minha mãe.
As memórias e as lembranças são constituídas nas experiências de relações sociais e
por diversas formas de percepção destas experiências, bem como de fatos e situações do
cotidiano, podendo ocorrer entre sujeitos no mesmo tempo ou em tempos e espaços distintos.
As fotografias também são lugares de lembrança das experiências de outros, que
permanecem “vivas” no referente fotográfico, possibilitando não só uma leitura rememorativa
de fatos e ações dos sujeitos históricos em seu tempo, mas também, através do olhar
investigativo e interpretativo no presente, delinear as lembranças que se fazem comuns.
Enquanto lugar de lembranças, a fotografia permite percorrer não só os espaços da
memória das pessoas que se relacionam diretamente com indivíduos, objetos e paisagens
referenciadas na imagem, pelas semelhanças com as “imagens mentais arquivadas” na
memória (Barthes reencontra a mãe ao reconhecer nas fotografias objetos de seu uso diário);
mas também observar e descobrir muito além do que o fotógrafo no ato fotográfico, em seu
instante de elaboração, captou em seu olhar, consentindo o encontrar e o compartilhar de
memórias, lembranças e mesmo do que permanecia esquecido, oculto, dependendo da
particularidade em que se forjou o olhar do Spectator 7; proporcionando “à mente condições
de formar uma idéia relativa a algo já vivenciado ou, caso se trate de uma informação nova,
fazer com que o interlocutor consiga imaginar, ou seja, formar imagem mental”.
(HAGEMEYER, 2011, p. 43)
“O objetivo último do historiador será sempre o de produzir com maior
êxito essas imagens mentais, em fazer imaginar experiências históricas não
vivenciadas, ou vivenciadas no nível micro de nossa vida individual: como foi,
como é, o que mudou; qual foi a dimensão dessa mudança; por que somos assim
ou temos essas atitudes, valores, crenças; e em que momento elas se tornaram
relevantes em comparação com as daqueles que viveram no passado. Imaginamos
estar inseridos em relações sociais que são representadas por meio de imagens e
difundidas no imaginário. (BACZO,1985). O historiador intervém na imaginação
histórica quando vasculha momentos de ruptura e constata recorrências e
continuidades. Ao fazê-lo, entra em um mundo perdido e o imagina: como terá
7 “Observei que uma foto pode ser objeto de três práticas (ou de três emoções, ou de três intenções): fazer,
suportar, olhar. O Operador é o Fotógrafo. O Spectator somos todos nós, que compulsamos, nos jornais, nos
livros, nos álbuns, nos arquivos, coleções de fotos. E aquele ou aquela, que é fotografado, é o alvo, o referente,
emitido pelo objeto, que de bom grado eu chamaria de Spectrun da Fotografia, porque essa palavra mantém,
através da sua raiz, uma relação com o “espetáculo” e a ele acrescenta essa coisa um pouco terrível que há em
toda fotografia: o retorno do morto.” BARTHES, Roland, op. cit. p. 20.
24
acontecido? Como aqueles homens viviam, trabalhavam, sentiam, estavam
informados do que ocorria em outros lugares? 8
Fotografia 6: Vista externa do Café Rio Branco na Av. Condessa do Rio Novo, centro de Três Rios/RJ.
Fotografia da década de 20 do acervo Sr. Altair 9, sem autor conhecido.
O olhar que o historiador institui movido pelo objeto e tema a ser estudado, pelo evento
a ser pesquisado, com a finalidade de elaborar a escrita da História, inicia-se em sua própria
imaginação, formulando questões e hipóteses, situações e histórias, ampliando o campo de
suas indagações. Desta forma, motivado, sentindo mesmo uma paixão pelo trabalho a ser
desenvolvido, gera conflitos que o movimentam e estimulam a superar os obstáculos
encontrados no processo de despertar os mortos e os esquecidos da história, juntando e
analisando os seus fragmentos. Nesta tarefa, o pesquisador deve se posicionar sempre
excluído da História, pois é o agente do presente; o tempo do historiador é “saturado de
“agoras””. (BENJAMIN, 2008, p. 229)
8 HAGEMEYER, Rafael Rosa. Representar a história através de imagens: entre a reconstituição e a analogia.
In Imagem em Debate, GAWRYSZEWSKI, Alberto, organizador. Londrina/PR: Eduel – Editora da
Universidade Estadual de Londrina; Londrina, 2011, p. 43 - 44.
9 Ver: anexo “biografia”, p 219.
25
“Nos últimos tempos, os historiadores têm ampliado consideravelmente
seus interesses para incluir não apenas eventos políticos, tendências econômicas e
estruturas sociais, mas também a história das mentalidades, a história da vida
cotidiana, a história da cultura material, a história do corpo, etc. Não teria sido
possível desenvolver pesquisa nesses campos relativamente novos se eles tivessem
se limitado a fontes tradicionais, tais como documentos oficiais produzidos pelas
administrações e preservados em seus arquivos.” 10
10 BURKE, Peter. Testemunha Ocular: História e Imagem. 2. ed. São Paulo/SP: EDUSC. 2004, p. 16.
26
história que relata este passado serão sempre o que foi escolhido, não omitido, o interpretado
de acordo com o pensamento e os critérios metodológicos desta ou daquela ciência, a leitura
imposta ao evento ou fato histórico, podendo haver sempre testemunhos transversais ao
observado e aceito anteriormente.
As fontes encontradas por si mesmas não são a história ou o fazer e conhecer a
história, mas os elementos que permitem a construção do conhecimento. Estes fragmentos
permanecem como pontes de referência às memórias principalmente dos vencedores, estando
mais próxima ao olhar do investigador do que os lugares de lembrança dos vencidos, que são
submetidos à sombra, aos lugares de esquecimento.
O historiador – no campo da História Cultural – que se propõe a uma construção
histórica por meio da análise dos significados e representações contidas nas diversas fontes,
deve cuidar para identificar as articulações entre o que sobrevive como memória voluntária e
consciente, como ação dos homens, e os fatores inconscientes desta, quase sempre incógnitos,
que a circunscrevem e a restringem; a memória involuntária.
Fotografias 7 e 8: Vista externa da passagem da imagem de Nosso Senhora Aparecida pela cidade de
Três Rios/RJ, em fevereiro de 1959, do acervo Rádio Três Rios, com fotógrafo desconhecido.
Proust, segundo Odete Dourado, tenta na sua obra “Em busca do tempo perdido”,
salvar a vida e as sensações do transcurso do tempo, apoiando-se na memória, dividindo esta
em voluntária e involuntária: a primeira oferece aspectos falsos do passado, fragmentados e
27
esparsos, por pertencer à inteligência, à consciência; a segunda, por se fazer no inconsciente,
pela atração que um momento exerce sobre o outro, permanece submersa no esquecimento até
que um pequeno elo de similaridade entre o passado e o presente desencadeie movimentos na
memória, que trazem para o presente todo um segmento de eventos contíguos. A memória
involuntária “não nos faz reviver o passado enquanto tal, mas oferece-nos a realidade em toda
a sua inteireza: o passado em toda a sua forma e solidez restaurado no presente.”
(DOURADO, 2005)
Entendo assim que no fazer historiográfico é possível recorrer-se à memória, sendo
esta descortinada para o futuro com o conhecimento histórico. A fotografia de qualquer tempo
funciona como um dos elementos que retoma no presente, as relações vividas pelos seres que
participaram de uma mesma época, experiências-depoimentos às vezes conflitantes entre
indivíduos, mas possíveis de serem compartilhadas em qualquer tempo, apresentando, no
instante do presente vivido, o que está sedimentado na memória inconsciente, que, para
Marcel Proust, apresenta-se com a marca da autenticidade. É possível colher uma quantidade
de informações sobre fatos e experiências passadas dos depoimentos de indivíduos,
importando ao historiador fazer emergir destes testemunhos uma visão de mundo.
Fotografia 9: Vista externa da Igreja Matriz de São Sebastião na saída da procissão em homenagem a
Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil para os católicos. Fotografia do acervo Rádio Três Rios, de
fevereiro de 1959, sem autor conhecido.
28
Nas imagens sequenciadas a partir das fotografias da página 27 até a 32, tem-se uma
narrativa que demonstra as complexidades de um acontecimento popular religioso, na
sociedade trirriense, realizado em fevereiro de 1959: a procissão organizada pelo Srº José
Pinto teve seu início na Igreja Matriz de São Sebastião, percorrendo as ruas da cidade,
chegando ao 3º Depósito da Estrada de Ferro Central do Brasil, onde foi sagrada a capela em
homenagem a Nossa Senhora Aparecida.
A capela fica a alguns metros da entrada do 3º Depósito, local onde atualmente
funciona a empresa T´Trans, possuindo uma espécie de concha, pintada internamente de azul
e um altar. Fiéis, representantes de todas as camadas da população, crianças, homens de terno
e gravata, jovens e mulheres vestidas adequadamente para esta importante celebração, espaços
de relação social e as manifestações e símbolos de fé: eis o que se vislumbra nas imagens.
Fotografia 10: Vista externa da concentração popular quando da sagração da capela em homenagem
a Nossa Senhora Aparecida, no antigo 3º Depósito da E. de F. Central do Brasil, em Três Rios/RJ. Fotografia
do acervo Rádio Três Rios, de fevereiro de 1959, sem autor conhecido.
29
privilegiando a articulação da História como conhecimento da vida social, cotidiana, dos
sujeitos e da sociedade em que estão inseridos.
É muito provável, na profusão de imagens que se encontram na atualidade, terem-se
dois ou mais olhares criadores do ato fotográfico, sobre um mesmo evento, pessoas,
paisagens, objetos, espaços, que, como ação dos sujeitos históricos, demonstrem interesses e
ângulos diferenciados, revelando parcelas diversas da realidade, colhendo-se pontos de
percepção múltiplos, às vezes contrapostos, uma recomposição constante de dados e imagens.
O campo teórico e metodológico da História Cultural e seu trato com a diversidade das
fontes historiográficas se alistam ao campo (ainda em construção) da Memória,
principalmente com relação ao que Ecléa Bosi define como “substância social da memória”
(BOSI, 2004, p. 16), por entender que não se pode mais identificar a memória como um
método parcial e limitado de recordar fatos passados, servindo como simples auxiliar para as
ciências humanas. A memória se baseia na construção de referenciais de distintos grupos
sociais, sobre as experiências vividas anteriormente e no presente, respaldados nas tradições e
atrelado a mudanças culturais. (CHIOZZINI, 2000)
Fotografia 11: Vista externa da chegada da procissão em homenagem a Nossa Senhora Aparecida, no
antigo 3º Depósito da E. de F. Central do Brasil, em Três Rios/RJ. Fotografia do acervo Rádio Três Rios, de
fevereiro de 1959, sem autor conhecido.
30
“... a memória enquanto processo subordinado à dinâmica social
desautoriza, seja a idéia de construção no passado, seja a de uma função de
almoxarifado desse passado. A elaboração da memória se dá no presente e para
responder a solicitações do presente. É do presente, sim, que a rememoração
recebe incentivo, tanto quanto as condições para se efetivar [...]” 11
Fotografia 12: Vista externa da missa de inauguração da capela em homenagem a Nossa Senhora
Aparecida, realizada no antigo 3º Depósito da E. de F. Central do Brasil, em Três Rios/RJ. Fotografia do
acervo Rádio Três Rios, fevereiro de 1959, sem autor conhecido.
11 MENEZES, Ulpiano T. Bezerra de. A História, cativa da memória? Para um mapeamento da memória no
campo das Ciências Sociais. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), São Paulo, 1992, n. 34, p. 4.
31
Inegavelmente, apresenta-se como uma mudança pertinaz à ciência histórica o
abandonar definitivo do tempo teórico onde o documento oficial detinha o valor de verdade,
cabendo ao historiador extrair deste “corpo” todo conhecimento possível, não acrescentando
informação alguma que neste não se encontre. Com base neste pensamento, o historiador
positivista era ou é aquele que se posicionava ou posiciona o mais chegado possível aos textos
oficiais, construindo uma história metódica e factual, que se concentra no estudo de "grandes
eventos históricos" e "grandes personalidades". Por este motivo, que “a comunidade de
praticantes da historiografia metódica entendia que a imagem fotográfica não preenchia os
requisitos necessários para ser considerada fonte de pesquisa histórica. Percebida como uma
anomalia, foi deixada de lado.” (BORGES, 2008, p. 17)
Fotografia 13: Vista externa da capela em homenagem a Nossa Senhora Aparecida, atualmente no
pátio da empresa T´Trans, em Três Rios/RJ. Fotografia do acervo André Mattos, de 13 de janeiro de 2012.
32
fontes, não deixando totalmente de lado os documentos escritos, mas ampliando os seus
domínios. Os Annales, no entanto, privilegiaram uma história serial, enquanto os estudos de
memória valorizam a narrativa e o testemunho dos indivíduos, sendo este o ponto de
divergência entre esta e a corrente da História Cultural.
A análise teórica neste trabalho privilegia a concepção da fotografia como lugar de
lembranças, testemunho e ponto de referência à memória individual ou coletiva, possível de
realizar-se, porque vivemos um momento onde as teorias e ideologias diversas da
historiografia, em especial a Nova História Cultural, e das demais ciências sociais, convivem
e dialogam, apesar dos reconhecidos e naturais conflitos.
A fotografia projeta-se como instrumento de pesquisa multidisciplinar, contribuindo
para elaboração de conhecimentos diversos em todas as áreas do pensamento humano. Sua
capacidade de, por meio de seus referentes, assemelhar-se ao real, de vencer o tempo
preservando o instante do ato fotográfico e de proporcionar um redimensionamento de
memórias, referendado no presente quanto à sua consolidação, apresenta-se como indicador
empírico para a constituição do conhecimento de fenômenos relevantes e credores de análise.
Fotografia 14: Vista externa do grupo de políticos, na sua maioria, representantes das cidades de Bom
Jesus de Itabapuana e Entre-Rios, após reunião na Assembléia do Rio de Janeiro, em Niterói, que concedeu a
33
emancipação a estes dois municípios. Não encontrada a fotografia original, de 14 de dezembro de 1938,
reproduzo a imagem impressa no jornal O Cartaz, de 11 a 17 de dezembro de 1971, Ano I nº 15, p. 2, sem autor
conhecido, acervo André Mattos.
34
No posfácio “História Cultural no século XXI” do livro “O que é História Cultural?”
Burke afirma:
“Hoje, parece que quase tudo tem sua história cultural escrita. Para citar apenas
os títulos ou subtítulos de alguns livros publicados desde 2000, há histórias culturais de:
calendários, causalidade, clima, cafés, espartilhos, exames, pelos faciais, medo, impotência,
insônia, cogumelo mágico, masturbação, nacionalismo, gravidez, objetos e tabaco. O
conceito de “revolução cultural” foi estendido, da China dos anos 1960 para outros lugares
e tempos, inclusive Rússia e México nos anos 1920 e até Roma e Atenas na Antiguidade.” 12
Que se critiquem alguns temas e objetos pesquisados em sua relevância, mas esta
amplitude temática somente se configurou na atualidade pela aceitação e utilização de
diversas e novas fontes historiográficas, e entre estas, a fotografia, permitindo aos
historiadores percorrerem por novos caminhos.
“Já foi dito que as imagens são históricas, que dependem das variáveis técnicas e
estéticas do contexto histórico que as produziram e das diferentes visões de mundo que
concorrem no jogo das relações sociais. Nesse sentido, guardam as fotografias, na sua
superfície sensível, a marca indefectível do passado que as produziu e consumiu. Um dia já
foram memória presente, próxima àqueles que as possuíam, as guardavam e colecionavam
como relíquias, lembranças ou testemunhos. No processo de constante vir a ser recuperam o
seu caráter de presença, em um novo lugar, em um outro contexto e com uma função
diferente. Da mesma forma que seus antigos donos, o historiador entra em contato com este
presente/passado e o investe de sentido, um sentido diverso daquele dado pelos
contemporâneos da imagem, mas próprio à problemática ser estudada. Aí reside a
competência daquele que analisa imagens do passado: no problema proposto e na
construção do objeto de estudo. A imagem não fala por si só é necessário que as perguntas
sejam feitas.” 13
É por este caminho teórico da relação da fotografia com a história, em que o registro
fotográfico supera a condição de fonte historiográfica, adentrando, pela análise interpretativa
de seus referentes, à qualidade de testemunho de memória, que construo este trabalho. De
memória concernente a um momento no passado, interpretada no hoje pelas diferentes visões
de mundo que concorrem no jogo das relações sociais, ao lugar de lembranças, e ainda mais
atual, na organização de um “lugar de lembrança virtual” de uma memória individual e
12 BURKE, Peter. O que é História Cultural? Rio de Janeiro/RJ: Jorge Zahar Editor Ltda, 2. ed. (revista e
ampliada), 2008, p. 165.
13 MAUAD, Ana Maria. Através da Imagem: Fotografia e História Interfaces. Disponível no site:
http://www.historia.uff.br/tempo/artigos_dossie/artg2-4.pdf. Acesso em: 21 de abr. 2010.
35
coletiva, as aplicações teóricas dos estudos da fotografia nos conduzem a aceitação e
utilização da mesma como fonte historiográfica.
A imagem fotográfica de qualquer Spectrun não se distingue do seu referente, pois
ambos são estáticos, concedendo à fotografia, por suas próprias características enquanto
objeto ou fonte historiográfica, a condição de um testemunho/documento; tornando-a assim
capaz de sofrer análise e interpretação não só das identidades, ações e representações sociais e
culturais de distintos grupos em diferentes períodos históricos, mas, também, do patrimônio
cultural material dos espaços urbanos e de suas transformações, aproximando-nos mais do
real que foi um dia.
Fotografias apresentarão sempre seu referente em sua imagem. As motivações e
condições sociais, culturais e econômicas que conduziram o Operator à produção do registro
fotográfico se perdem em algumas, como ocorre com inúmeros objetos fotográficos em poder
de particulares, em sebos, em arquivos públicos ou digitalizados e expostos em diversos sites
na Internet.
As pessoas, objetos, paisagens e espaços físicos retratados, em sua maioria não mais
existem em nosso mundo real, mas os referentes em suas imagens permanecem apenas
esquecidos, aguardando que o olhar do historiador no presente lhes conceda a condição de
renascidos, enquanto memórias retornando à “vida”, graças a essa “teimosia do referente em
estar sempre presente... em suma, o referente adere.” (BARTHES, 2008, p. 15-16)
Qualquer contextualização aplicada por um historiador ou pesquisador das outras
ciências humanas, estará íntima e irreversivelmente correlacionada a uma opinião
manipuladora com a temática pesquisada, será sempre um olhar do homem da ciência na
atualidade, sob os fatos do passado em busca de uma interpretação e da construção do
conhecimento.
Barthes (2008, p. 19) escreveu: “Aceitei então tomar-me por mediador de toda a
Fotografia: eu tentaria formular, a partir de alguns movimentos pessoais, o traço fundamental,
o universo sem o qual não haveria Fotografia.” É possível considerar que este autor não
conseguiu seu intento, mas é intensamente discutível não avaliar, na atualidade, a importância
de suas observações e análises que, somadas a outros estudos, permitem descortinar novos
caminhos para a construção historiográfica e sua relação com a memória, utilizando-se das
fontes visuais.
36
1.2 - O “Angelus Novus”
O passado é estudado com atenção pelos historiadores, temos nossos olhos, quando em
investigação, voltados para ele, mas a História não é apenas uma ciência que indaga o
FotografiaGiovanni
passado. 1: Levi afirma que: “Ela é uma contínua reconstituição da realidade, mas nós
Fazenda
Capoeirinha em Chiador/MG,
pertencia aos
sabemos quebisavós do meu sempre nos escapará, sempre será mais rica do que podemos
a realidade
pai, Marcelino José da Costa e
Maria Cherobina
imaginar... de Castro
a História é uma ciência da busca infinita. Este é o grande fascínio da profissão de
Mattos, não tendo hoje o
historiador.”
registro da data(LEVI,
em que ela foi p. 35) E, se me é permitido acrescentar, a beleza e a arte da nossa
2009,
reproduzida. Observa-se
interessante distribuição das
ciência.
pessoas deixando claro uma
divisão Existem
hierárquicaincontáveis
social, com “ruína sobre ruína” que clamam serem reviradas e reerguidas, ou
os trabalhadores postados
atrás, emosparte, possíveis
revistas para que o historiador atente apropriar no presente às reminiscências das
proprietários e seus familiares
(com crianças
ações e mulheres)
dos sujeitos à
históricos de outros tempos. Estas desaparecem ou são esquecidas por
frente e dois homens a cavalo
logo atrás destes. Destaque
14para a mulher aoGerhard.
SCHOLEM, centro daSaudação
foto do Anjo, apud BENJAMIN, Walter. Sobre o Conceito da História, in Walter
e em posição intermediária
Benjamin – Obras Escolhidas Vol. I – Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo/SP: Brasiliense. 11.
entre os dois grupos, vestida de
Reimpressão, 2008, p. 226.
forma a demonstrar uma
15posição
Ibidem.de serviçal, estando ao
lado de um possível carrinho
de bebe. Esta imagem 37
possibilita interessante análise
sobre as questões das divisões
sociais a época.
perda de valor, são vestígios daquilo ou daqueles que não mais existem, do que não está
presente; deseja-se como o Anjo de Benjamin, “acordar” os mortos e conhecer suas vidas.
Mas o que o Anjo encara fixamente, parecendo querer se apartar (por ser talvez
impossível um encontro?) com seus “olhos escancarados, sua boca dilatada e suas asas
abertas”? (BENJAMIN, 2008, p. 226) O que estaria relacionado com o passado, com as
ruínas, os fragmentos, o tempo e com os mortos, mas que permanece sempre presente?
Ele afronta a Memória. Seja individual ou coletiva, preservada no esquecimento (par
dialético da lembrança) e na lembrança, “momento objetal da memória” (RICCEUR, 2010, p.
23), e de alguma maneira sempre presente em espaços e ações do homem, enquanto ser social
e histórico. Citado por Ecléa Bosi, P. Nora afirma: “A memória se enraíza no concreto, no
espaço, gesto, imagem e objeto”. (BOSI, 2004, p. 16)
Michael Löwy 16 escreve que esta é a tese mais conhecida de Benjamin, que se oferece
como comentário de um quadro de Paul Klee 17; o que foi escrito tem pouca afinidade com o
quadro, “trata-se fundamentalmente da projeção de seus próprios sentimentos e ideias sobre a
imagem sutil e despojada do artista alemão.” (LÖWY, 2007, p. 88) Aplicada após a sua
publicação em variados contextos e estudos, esta tese é uma alegoria, considerando que seus
elementos não possuem além do texto, o sentido que de propósito lhes é atribuído pelo autor.
“Walter Benjamin não é um escritor como outros: sua obra fragmentada, inacabada, às
vezes hermética, freqüentemente anacrônica e, no entanto, sempre atual, ocupa um lugar
singular, realmente único, no panorama intelectual e político do século XX”. (LÖWY, 2007,
p. 13) Ao utilizar este autor nas minhas reflexões, desejo apropriar-me de alguns dos seus
pensamentos, considerando-os fundamentais na análise da temática objeto deste trabalho, a
saber: o conceito de tempo como o “tempo-de-agora” [Jetztzeit], esse real instante que
interrompe o contínuo linear da história, a própria concepção da descontinuidade da história e
o “princípio da distância”, apreciação que surge na definição de aura, construído numa trama
entre o espaço e o tempo.
“A recepção de Benjamin, principalmente na França, estava voltada
prioritariamente para a vertente estética de sua obra, com certa tendência a
considerá-lo sobretudo um historiador da cultura. Ora, sem negligenciar esse
aspecto de sua obra, é preciso reconhecer o alcance muito mais amplo de seu
pensamento, que visa nada menos do que uma nova compreensão da história
38
humana... Sua reflexão constitui um todo no qual arte, história, cultura, política,
literatura e teologia são inseparáveis.” 18
Mas qual é a História capaz de dialogar com a Memória e que entendo se apresenta na
conceituação de Benjamin quando afirma que esta transforma a imagem do passado em coisa
sua? Deste...
“... passado que traz consigo um índice misterioso, que o impele à
redenção. Pois não somos tocados por um sopro do ar que foi respirado antes? Não
existem, nas vozes que escutamos, ecos de vozes que emudeceram? Não têm as
mulheres que cortejamos irmãs que elas não chegaram a conhecer? Se assim é,
existe um encontro secreto, marcado entre as gerações precedentes e a nossa.
Alguém na terra está à nossa espera. Nesse caso, como a cada geração, foi-nos
concedida uma frágil força messiânica para a qual o passado dirige um apelo. Esse
apelo não pode ser rejeitado impunemente.” 19
18 LÖWY, Michel. Walter Benjamin: aviso de incêndio. Uma leitura das teses “Sobre o conceito de história”.
São Paulo/SP: BOITEMPO. 1ª reimpressão, 2007, p. 14.
19 BENJAMIN, Walter, op. cit. p. 223.
20 SEIXAS, Jacy Alves de. Percursos de Memórias em terras de História: problemáticas atuais. In Memória e
(Res)sentimento. Indagações sobre uma questão sensível. Organização de Bresciani e Naxara, Stella e Marcia.
Campinas/SP: Unicamp, 2004, p. 52.
39
libertação) conforme afirma Löwy, (2007, p. 13) sem estabelecer distinção entre as ações dos
sujeitos históricos “grandes” e “pequenos”, considerando-se assim os diversos personagens
que precisam ser analisados na construção historiográfica, agindo em similaridade com os
conceitos da Nova História Cultural, caracterizada entre outros pensamentos teóricos, por não
recusar as expressões culturais de nenhuma classe social, mas considerando com apreço as
manifestações populares. “O cronista que narra os acontecimentos, sem distinguir entre os
grandes e os pequenos, leva em conta a verdade de que nada do que um dia aconteceu pode
ser considerado perdido para a história.” (BENJAMIN, 2008, p. 233)
História que também não se constrói através da narração tradicional, mas de uma
narrativa que compartilha a permanência das histórias e memórias da vida e a possibilidade de
rememoração. Desta forma, o substrato comum à fotografia, à memória e à narrativa histórica
encontra-se nas experiências que permanecem apesar do transpor do tempo e do espaço.
História que não tem preocupação somente com os grandes feitos e fatos, mas que é
capaz de não permitir que a parcela do passado, silenciada nos embates de memória, encontre
pousada nos lugares de esquecimento, apropriando-se do que foi relegado, do que não se
permitiu significar na história, transparecendo o sujeito histórico, sua memória, suas
subjetividades e seus espaços de relação social, que estavam na sombra.
Organizo o entrecruzamento teórico entre a fotografia, a história e a memória por meio
dos elementos comuns aos seus estudos, construindo uma narrativa imagética da formação do
espaço urbano da Vila de Entre-Rios, atual cidade de Três Rios/RJ, no período temporal
demarcado entre 1861 e os anos finais da década de 1930, quando se encerra o movimento de
emancipação política e econômica. Nasci neste município, percorro estes espaços, e ainda
testemunho as transformações ocorridas nos lugares de relação social com perdas para a sua
memória e história.
Assim, indaga-se o que revelam os indivíduos formadores de um grupo de famílias
assistidas pelo Grupo Espírita Fé e Esperança em Entre Rios, anteriormente, Vila de Entre-
Rios, perpetuados na fotografia que segue.
Três Rios tem sua formação urbana vinculada aos espaços físicos relacionados às
fazendas de café pertencentes a Mariana Claudina Pereira de Carvalho, a Condessa do Rio
Novo 21 e seus pais, os Barões de Entre Rios, Antônio Barroso Pereira e Claudina Venância
de Jesus. Escravos, personagens com pouca acuidade para a história vista de cima, mas
importantes no contexto historiográfico da Nova História Cultural, foram libertos por desejo
40
expresso no testamento da Condessa, que deliberou a utilização das terras da Fazenda de
Cantagalo para seu assentamento.
Fotografia 16: Descendentes dos escravos libertos pela Condessa do Rio Novo, poucos anos após o
finalizar das atividades da Colônia Agrícola de Nossa Senhora da Piedade, assistidos pelo Grupo Espírita Fé e
Esperança, na cidade Três Rios/RJ, nesta tomada externa da sede da instituição, realizada na segunda metade
da década de 30 do século XX. Fotografia do acervo Sr. Altair, sem autor conhecido.
O que está apontado nesta fotografia, capturado no ato fotográfico, não se repetirá
jamais em todo o seu contexto social, econômico e cultural, permanecendo o testemunho da
memória fragmentada destes indivíduos e desta comunidade, neste registro imagético que
22 INNOCÊNCIO, Isabela Torres de Castro. Liberdade e Acesso a terra. Fazenda de Cantagalo, Paraíba do Sul
(1882-1932). Disponível no site: http://www.uss.br/hotsites/revistaeletronica/arquivos/liberdade.swf. Acesso em:
5 de set. 2011.
41
venceu o tempo e a distância espacial, apresentando-se como objeto capaz de responder
algumas indagações das pesquisas históricas. (BARTHES, 2008, p. 13)
Em quantos estudos essa fotografia poderia ser utilizada como fonte historiográfica?
Interessante observar as vestimentas (roupas brancas, lenços na cabeça das mulheres e das
meninas), as sacolas e cestas com os mantimentos doados, os brinquedos de algumas crianças,
a falta de calçados, que demonstram a condição social e econômica deste grupo de pessoas.
Não existe um rosto sorrindo, por quê?
O que essas pessoas poderiam reafirmar quanto aos saberes históricos do presente? O
que seria repensado na escrita da História, considerando as memórias que a fotografia
“carrega”, em consonância ou não com outras imagens e outras fontes históricas? O que essa
fotografia “fala”, “grita” no presente, para o futuro, com relação ao passado, por meio de
todos os referentes que permaneceram, apesar da distância temporal e espacial existente entre
o instante congelado na imagem e o olhar do pesquisador na atualidade?
Entre os negros existe apenas uma face que parece diferir, ao fundo, perto do muro,
logo ao lado e embaixo da sombrinha carregada por uma mulher. Em sua maioria são
mulheres e crianças. Possíveis de serem percebidos têm-se apenas sete homens. Esse registro
apresenta para análise informações históricas referentes a questões de etnia, econômicas,
culturais e sociais.
Com tantas questões “impregnadas” nessa imagem, ela não deveria continuar relegada
à sombra do esquecimento sem nenhuma importância para a historiografia, como também, os
personagens nela registrados. São estes os vencidos que se distinguem dos usuais vencedores
nos embates de memórias: é sobre tais grupos, suas paisagens, seu cotidiano que pretendo me
aprofundar na continuidade deste trabalho.
Compreende-se da leitura da tese “Sobre o conceito de história” de Benjamin, que as
reminiscências do passado, daquilo que não está mais presente entre nós, apresentam-se na
atualidade por meio de discursos narrativos que se manifestam fragmentados nas fontes
históricas – entre estas a fotografia -, colocando-se o historiador como aquele que atribui
sentidos com o olhar do presente no desejo de reconstituir a realidade.
Ciência Humana, a História não se apresenta na sua escrita apenas através do tempo
unidimensional de uma narrativa sucessiva, onde os fatos se configuram como “uma
catástrofe única”, [até porque] “a verdadeira imagem do passado perpassa, veloz. O passado
só se deixa fixar como imagem que relampeja irreversivelmente no momento em que é
reconhecido”. (BENJAMIN, 2008, p. 224) A atenção não é dirigida ao olhar universalizante
42
de um tempo entendido como homogêneo e vazio, mas estabilizando-se na conceituação do
passado como tempo em descontinuidade.
O historiador que escolhe caminhar por este campo historiográfico, entende a pouca
probabilidade do passado apresentar-se no presente como ele realmente objetivou-se,
compreendendo que a pertinência de sentidos que esta ciência imputa ao passado realiza-se à
luz do presente. “Articular historicamente o passado não significa conhecê-lo “como ele de
fato foi. Significa apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela relampeja no momento de
um perigo” (BENJAMIN, 2008, p. 224). Em seu ofício...
“(...) aproveita essa oportunidade para extrair uma época determinada do
curso homogêneo da história; do mesmo modo, ele extrai da época uma vida
determinada e, da obra composta durante essa vida, uma obra determinada. Seu
método resulta em que na obra o conjunto da obra, no conjunto da obra a época e
na época a totalidade do processo histórico são preservados e transcendidos. O
fruto nutritivo do que é compreendido historicamente contém em seu interior o
tempo, como sementes preciosas, mas insípidas.” 23
Desta forma, o processo histórico revela-se nos indivíduos e suas obras – ações sociais e
culturais em suas relações nos grupos e espaços sociais no seu tempo histórico -, pertencentes
a uma determinada época e espaço de convivência, e suas memórias possíveis de
compreensão histórica. Concebe-se desta forma uma análise primária dos referentes impressos
na fotografia da página 41.
Este registro é um “fruto nutritivo do que é compreendido historicamente, [contendo]
em seu interior o tempo...” não mais a imagem móvel da eternidade, cronológico e linear, em
que se desenrolam todos os grandes fatos históricos como fenômenos continuados, mas o
tempo possível de interrupções, de particularização, o tempo da memória e da fotografia.
Benjamin constituiu então “um outro conceito de tempo, ‘tempo de agora’ (Jetztzeit),
caracterizado por sua intensidade e sua brevidade, cujo modelo foi explicitamente calcado na
tradição messiânica e mística judaica.” (GAGNEBIN, 2008, p. 8) Preceito teórico que permite
então à História perceber que a memória também “é filha do presente. Mas, como seu objeto é
a mudança, se lhe falta o referencial do passado, o presente permanece incompreensível e o
futuro escapa a qualquer projeto.” (MENEZES, 1992, p. 4) Desta maneira, história e memória
encontram-se no mesmo caminho que procura...
43
“(...) salvar o passado no presente graças à percepção de uma semelhança
que os transforma os dois: transforma o passado porque este assume uma forma
nova, que poderia ter desaparecido no esquecimento; transforma o presente
porque este se revela como sendo a realização possível dessa promessa anterior,
que poderia ter-se perdido para sempre, que ainda pode se perder se não a
descobrirmos, inscrita nas linhas do atual.” 24
Percorrendo por este campo teórico, o historiador entende que é preciso sempre
objetivar acordar os mortos, retirar os indivíduos e sujeitos dos lugares de esquecimento e
juntar os fragmentos de suas vidas. Fragmentos que são os rastros deixados ou apagados, em
alguns momentos também por eles próprios, ocorrendo este ato quando “o esquecimento
publico era [é] constitutivo de um discurso de memória politicamente desejável” (HUYSSEN)
ou, quando a sociedade experimenta um “estado de exceção”, que para Benjamin, a tradição
dos oprimidos ensina ser esta conjuntura na verdade a regra geral. 25
Benjamin defende que o historiador abandone a “identificação afetiva” que se realiza
pela “submissão total à ordem das coisas existentes.” (LÖWY, 2007, p. 71) Cabe a este
“escovar a história a contrapelo” (BENJAMIN, 2008, p. 225), apresentando novos
questionamentos, olhares, e indagações a fontes diversas, construindo novas leituras sobre
objetos e ações passadas, estudadas [ou não] e revisadas.
Existem diversas e divergentes maneiras de se relacionar com o passado, mas todas
envolvem interesses, poder e exclusão. Proponho-me analisar também as “batalhas de
memórias” pelas quais as ações de indivíduos e grupos estabelecem o que deve permanecer
esquecido (vencidos) ou cultuado nas práticas de lembrança (vencedores). A memória opera a
partir de um processo seletivo em que o esquecimento determina a hegemonia do que deve ser
lembrado. No caso de Entre-Rios, tal análise se faz essencial. O grupo dos “negros”, por
exemplo, sempre foi deixado de lado nas narrativas hegemônicas da cidade, conforme abordo
no próximo sub-capítulo (e, principalmente, no final do capítulo III), quando irei aprofundar-
me em tais embates de memória.
44
1.3 - A fotografia, o tempo e os esquecidos nos embates de memória.
1.3.1 – Os esquecidos.
“Quem construiu a Tebas de sete portas?
Nos livros estão nome de reis.
Arrastaram eles os blocos de pedra?
E a Babilônia várias vezes destruída –
Quem a reconstruiu tantas vezes? (...)
A grande Roma está cheia de arcos do triunfo.
Quem os ergueu? Sobre quem
Triunfaram os césares? (...)
Cada página uma vitória.
Quem cozinhava o banquete?
A cada dez anos um grande homem.
Quem pagava a conta?
Tantas histórias.
Tantas questões.”
– “Perguntas de um operário que lê” – Bertold Brecth 26
Fotografia 17 – Tomada externa registrando a presença do ex-presidente Nilo Peçanha (marcado com
uma seta) na Estação Ferroviária da Estrada de Ferro Central do Brasil em Entre-Rios, quando da campanha
para a eleição do presidente do Estado do Rio de Janeiro, de 1914. Os apoios da cobertura da plataforma em
frente à estação ficavam fora de sua área, fixadas na calçada. Esta fotografia do primeiro quarto da década de
10 do século XX, pertence ao acervo Srº Altair, sem fotógrafo conhecido.
26 Perguntas de um operário que lê. BRECHT, Bertold. apud por LÖWY, Michel. op. cit. p. 77.
45
Fotografia 18: Ex-presidente Nilo Peçanha (marcado com uma seta) junto às autoridades quando da
sua passagem pela Estação Ferroviária da Estrada de Ferro Central do Brasil no distrito de Entre-Rios,
registro externo do primeiro quarto da década de 10 do século XX. Sem autor conhecido, do acervo Sr. Altair.
Nos dois registros fotográficos que apresento sobre a passagem do então ex-presidente
da república Nilo Procópio Peçanha, 27 pelo distrito de Entre-Rios (hoje Três Rios),
exemplifica-se o reconhecer, na fotografia, a sua capacidade de ativar e compartilhar
memórias enquanto fragmento do passado, que permite revivê-lo redimensionado no presente,
mesmo que o instante, os objetos, espaços sociais e as sensações experimentadas não
pertençam ao indivíduo que a observa e estuda.
Uma diferença marcante entre as duas está que na primeira, além dos políticos,
comerciantes e outros representantes das elites do município de Paraíba do Sul e do distrito de
Entre-Rios, reconhecidos principalmente pelas suas vestimentas e por se encontrarem em
arredor do presidente, e membros de sua comitiva, temos a presença de populares e de
crianças em número significativo, agrupadas e principalmente localizadas abaixo da posição
46
do ex-presidente, mas em condições de serem “captadas” com destaque pela objetiva. A
imagem valoriza a presença dessas pessoas junto a Nilo Peçanha.
Em confronto com o vetor escravidão, um dos constituintes sociais da base de
formação da sociedade trirriense, tem-se à vista nesta imagem um bom número de adultos e
crianças negras, bem como, percebe-se a ausência, nas duas imagens, da representação
feminina, tendo em vista que a mulher brasileira adquiriu o direito de votar nas eleições
nacionais somente no Código Eleitoral Provisório, de 24 de fevereiro de 1932, mas, à época,
apenas as mulheres casadas devidamente autorizadas pelos seus maridos, às viúvas e solteiras
com renda própria, costumavam aparecer em público.
Na segunda imagem, observa-se claramente o desejo de registrar a presença de Nilo
Peçanha, junto a ele apenas as autoridades e os indivíduos expoentes das classes econômicas
e políticas de Paraíba do Sul e do distrito de Entre-Rios. Os dois registros atendem a vontade
de se comprovar a receptividade positiva e o apoio a sua campanha para presidente do Estado
do Rio de Janeiro junto aos diferentes grupos sociais. Percebe-se também, à direita, presença
de uma criança segurando o seu chapéu numa posição de reverência, trajando camisa e calça
compridas e calçado com botas, demonstrando uma condição social superior às destacadas na
fotografia anterior, enquanto os adultos portam chapéus.
Outro aspecto observado é o espaço físico onde as imagens foram construídas: ambas
na Estação Ferroviária da Rede Central do Brasil, mas a primeira em local mais amplo, junto
aos trilhos, propício a maior aglomeração popular, tendo no segundo plano os prédios do
trecho urbano da Estrada União e Indústria (atual Avenida Condessa do Rio Novo); e a
segunda, ao lado da sede da estação, onde o espaço reduzido serviu para limitar a presença
apenas para representações políticas e econômicas da região.
O que nos informam esses personagens, suas roupas e adereços [também a falta destes
como os sapatos nos pés de algumas crianças do primeiro registro], seus olhares, posição
corporal e distribuição espacial na fotografia, seus espaços de relação, entre outros aspectos
do registro imagético? Corroboram principalmente na identificação das divisões econômicas
existentes nesta sociedade, na percepção da presença do poder político e econômico ainda nas
mãos da etnia branca quase 30 anos após a libertação dos escravos, e na utilização do povo
apenas para “confirmar” o apoio político à candidatura de Nilo Peçanha, entre outros fatores.
Para a formulação das respostas é imprescindível que o historiador supere a condição
de “pretenso historiador neutro, que acede diretamente aos fatos ‘reais’, na verdade apenas
[confirmando] a visão dos vencedores, dos reis, dos papas, dos imperadores... de todas as
47
épocas”, (LÖWY, 2007, p. 65) dando visibilidade a aqueles com os quais se solidariza
Benjamin, ao defini-los como os oprimidos pela história.
A fotografia na sua relação com a memória e a história, quando não consideradas na
construção historiográfica, é rastro esquecido pelo tempo em silêncio, pela necessidade de
sobrevivência de alguns indivíduos em suas “lutas” com o que precisa ser esquecido, pelos
sentimentos de culpa, pelo não desejo de rememoração, pelo desvalor imputado por alguns
pesquisadores das ciências sociais.
São também fragmentos de disputas de memória, por permitirem o configurar das
ações dos indivíduos e dos grupos sociais quando estes estabelecem o que deve constar como
lugares de lembranças ou esquecimentos, o que interfere diretamente nos processos de
rememoração das transformações dos espaços urbanos de relação social, ambiente manifesto
das memórias individuais e coletivas, e consequentemente na formação da identidade dos
sujeitos históricos e na construção historiográfica.
Pollak, citando Halbwachs, afirma que este autor...
“(...) longe de ver nessa memória coletiva uma imposição, uma forma
específica de dominação ou violência simbólica, acentua as funções positivas
desempenhadas pela memória comum, a saber, de reforçar a coesão social, não
pela coerção, mas pela adesão afetiva ao grupo, donde o termo que utiliza, de
“comunidade afetiva.” 28
48
elementos que ampliam a existência de múltiplos grupos em disputa de memórias, com muitas
forças interferindo no processo de adesão a um ou outro desenho de “negociação”.
Assim, nem sempre ocorre a formação de uma memória coletiva pelo processo de
“comunidade afetiva” que se expressa pela semelhança das memórias individuais. É preciso
considerar também as oriundas dos embates que acontecem nas altercações de poder, nestes
momentos de “estado de exceção” ou da utilização do esquecimento “para afirmar
reivindicações culturais, legais e simbólicas em prol de uma memória política nacional”
(HUYSSEN), quando ideologias políticas, econômicas e mesmo sociais, buscam sobressair
umas sobre outras. Mas todas estas “constroem” (...)
“(...) pontos de referência como indicadores empíricos da memória coletiva
de um determinado grupo, uma memória estruturada com suas hierarquias e
classificações, uma memória também que, ao definir o que é comum a um grupo e o
que diferencia dos outros, fundamenta e reforça os sentimentos de pertencimento e
as fronteiras sócio-culturais...” 29
29 Ibidem.
30 Ver: anexo “biografias”, p. 266.
31 DEZ ANOS depois, traumas do 11 de setembro ainda atormentam os norte-americanos. Reportagem de
Anemona Hartocollis com contribuição do jornalista Alain Delaqueriere. Disponível no site:
http://m.noticias.uol.com.br/midiaglobal/nytimes/2011/08/28/dez-anos-depois-traumas-do-11-de-setembro-
ainda-atormentam-os-norte-americanos.htm. Acesso em 28 de agos. 2011.
49
Prefiro utilizar nesta pesquisa os termos “lugar de lembrança e de esquecimento” por
entender que a memória tem seu lugar nos registros mentais do sujeito histórico, registros que
elaboram ações, testemunhos e fatos que podem ser parcialmente recuperados, rememorados e
reinterpretados por meio da análise de determinados objetos, lugares e monumentos; em vez
de “lugar de memória”, conceito desenvolvido por Pierre Nora.
“A expressão lugares de memória foi criada pelo historiador francês Pierre Nora.
Convencido de que no tempo em que vivemos os países e os grupos sociais sofreram uma
profunda mudança na relação que mantinham tradicionalmente com o passado, Pierre
Nora acredita que uma das questões significativas da cultura contemporânea situa-se no
entrecruzamento entre o respeito ao passado – seja ele real ou imaginário – e o
sentimento de pertencimento a um dado grupo; entre a consciência coletiva e a
preocupação com a individualidade; entre a memória e a identidade (...) Para Pierre
Nora, os lugares de memória são em primeiro lugar lugares em uma tríplice acepção:
são lugares materiais onde a memória social se ancora e pode ser apreendida pelos
sentidos; são lugares funcionais porque tem ou adquiriram a função de alicerçar
memórias coletivas e são lugares simbólicos onde essa memória coletiva (...) se expressa
e se revela. São, portanto, lugares carregados de uma vontade de memória. Longe de ser
um produto espontâneo e natural, os lugares de memória são uma construção histórica e
o interesse em seu estudo vem, exatamente, de seu valor como documentos e monumentos
reveladores dos processos sociais, dos conflitos, das paixões e dos interesses que,
conscientemente ou não, os revestem de uma função icônica.” 32
50
Obras da cidade, Robson Garcia. Segundo informações do Governo Municipal, a
obra constará de anfiteatro, playground, centro de internet comunitária, nova
arborização, novo piso e uma homenagem à cidade, com uma fonte representando
os três rios. A reforma da praça está sendo realizada com a parceria entre
Governo Municipal e Banco Itaú e foi iniciada em junho deste ano. Desde então, o
trânsito no local ficou interrompido”. 33
Fotografia 19: Vista frontal dos ladrinhos que foram inseridos no piso da Praça São Sebastião, após
processo de revitalização promovido pelo então Prefeito João Pedro da Silveira, extraídos quando da
remodelação deste espaço urbano em 2008. Acervo Rádio Três Rios, sem fotógrafo conhecido.
Em 1954, o então Prefeito de Três Rios, João Pedro da Silveira 34, deixou
“perpetuado” no piso da Praça São Sebastião uma possível “homenagem” do povo da cidade,
em agradecimento às obras de revitalização realizadas nesse importante espaço de relação
social do município; ladrinhos foram colocados no calçamento próximo ao chafariz, conforme
se pode observar na fotografia acima.
51
No periódico “Entre-Rios
Jornal” de 25 de setembro de 1954, 35 é
noticiada a inauguração de vários
melhoramentos na cidade, entre estes o
ladrilhamento da Praça São Sebastião,
obra que eliminou a poeira do seu
traçado urbanístico.
Em uma nota embaixo e no
centro da primeira página, encontra-se
Fotografia 20: Tomada externa da Praça São informação de que mais de 30
Sebastião durante as obras de sua remodelação em 2008,
habitantes da cidade organizaram uma
realizada Condomínio Edifício José Vaz.
lista de adesão, oferecendo os ladrilhos
com a inscrição em homenagem ao prefeito pela obra do calçamento e piso. Relata ainda que
os mesmos seriam colocados na parte central da praça, conforme desejo dos seus doadores,
que assim, demonstravam “seu apoio àquela esplêndida realização pública de incontestável
utilidade para o aspecto urbano da cidade e conforto dos habitantes de Três Rios.” 36
Interessante observar que consta como diretor presidente do jornal o Sr.º João Pedro da
Silveira, prefeito do município de Três Rios à época dessa edição.
Quando da reforma realizada pelo Prefeito Celso Jacob 37 em 2008, esse marco foi
retirado, apesar da manifestação de algumas pessoas, desaparecendo assim um lugar de
lembrança das memórias atreladas ao espaço urbano, conservado agora apenas nas notícias
vinculadas nos jornais da época.
Nesse caso, a fotografia do acervo da Rádio Três Rios, onde nitidamente vemos os
ladrilhos, assume a sua condição de testemunho de memória, “testemunho [que] constitui a
estrutura fundamental de transição entre a memória e a história”; (RICCEUR, 2010, p. 41)
lugar de lembrança que permite à memória assumir a sua “função específica de acesso [no
presente] ao passado.” (RICCEUR, 2010, p. 25) Histórias e memórias também são atreladas
aos monumentos que comumente são colocados e recolocados em espaços públicos como as
praças.
35 INAUGURADO vários melhoramentos com a presença do Exmo. Governador Alte. Ernani do Amaral
Peixoto e do candidato Dr. Miguel Couto Filho. Entre-Rios Jornal, Três Rios/RJ, ano XX, edição nº 1025, de
25 de setembro de 1954, capa.
36 HOMENAGEM ao Prefeito. Entre-Rios Jornal, Três Rios/RJ, ano XX, edição nº 1025, de 25 de setembro
de 1954, capa.
37. Ver: anexo “biografias”, p. 265.
52
No exemplo da homenagem prestada ao ex-presidente Tancredo Neves 38 com uma
estátua inserida na Praça São Sebastião, em 14 de dezembro de 1985, no segundo governo do
Prefeito Samir Nasser, movimenta-se a memória de uma forma inusitada. Um detalhe na sua
concepção logo mobilizou a imaginação popular: na sua posição inicial, tal estátua tinha em
uma das suas mãos o dedo indicador apontando para a sede da Prefeitura Municipal de Três
Rios, o que levou rapidamente ao pensamento popular irônico de que o presidente indicava
onde ficavam os “ladrões” da cidade.
Fotografia 21: Piso atual da Praça São Sebastião após as obras realizadas no governo do Prefeito
Celso Jacob. Atualmente a praça vem sendo muito utilizada pelo atual executivo municipal – Prefeito Vinicius
Farah -, para atividades culturais, de lazer, religiosas e de cidadania. Ao centro, a estátua em homenagem ao
ex-presidente Tancredo Neves, registro de 2009, acervo André Mattos.
53
posicionou na praça, nem quem é o homenageado, o que causa dúvidas, principalmente aos
mais jovens, dificultando qualquer vinculo com a memória da cidade.
Escreveu-me por e-mail a historiadora Ezilma Teixeira 39, informando sobre alguns
outros fatos relacionados a este monumento, que apresento a seguir na forma de uma “crônica
urbana” sobre a estátua do Tancredo Neves.
Fotografia 22: Praça São Sebastião, tendo no centro da imagem a estátua em homenagem ao ex-
presidente Tancredo Neves, observando-se o dedo indicador ainda danificado e a ausência de qualquer placa
informativa. Registro de 2012, acervo André Mattos.
54
Sendo este um recorrente costume dos nossos políticos, afirma-se “que a estátua só foi
erguida para agradar ao "eterno" senador Francisco Dornelles”, sobrinho de Tancredo e
político com imensa influência no interior do Estado do Rio de Janeiro. O ex-presidente
nunca esteve na cidade de Três Rios, “não tem nenhuma ligação com a nossa história. Foi
adulação política mesmo...”, possível de se realizar por sua importância para a recente história
política do Brasil.
“O maior interessado e defensor foi o falecido ‘Zé Moacyr’, Secretário de
Administração do segundo governo do Prefeito Samir Nasser. Algumas manifestações
contrárias ocorreram, mas a obra acabou sendo encomendada ao artista trirriense Osorinho.
Mas a história não termina ainda, afirma a professora que “na época a prefeitura não tinha
caixa para fazer uma estátua de bronze,” a solução “foi fazê-la de fibra de vidro, material
altamente inflamável.” Não poderia acontecer outra coisa... “numa madrugada colocaram
fogo na estátua, que teve parte de uma perna queimada.” Outro fato insólito foi quando um
dia ela amanheceu de baby-doll e touquinha. “As más línguas disseram que a irreverência
havia sido obra do recém-falecido Drº Warderley Garcez Rodrigues”.
Em jornais da época, tem-se na notícia da inauguração, revelado o atraso e as
mudanças no cerimonial motivadas pelas fortes chuvas que caíram no horário marcado, e a
presença, entre outros, do prefeito de Niterói, Moreira Franco, que se retirou antes do
encerramento do evento, e da sobrinha de Tancredo Neves, Lucilia Neves Salgado, que
descerrou a fita inaugural, num gesto simples e rápido.
“Entre as críticas dirigidas à iniciativa de se homenagear o presidente
eleito..., estão as dúvidas quanto à importância da personalidade para a cidade; o
que Tancredo fez além de se deixar fotografar a lado do prefeito Samir Nasser
[existem duas fotos em edições anteriores deste jornal em que os dois estão juntos];
porque não um busto ao invés de uma estátua que não corresponde ao tamanho
normal de uma pessoa e ainda a qualidade da obra – estátua de massa (poderia
pelo menos ser de bronze ou de pedra), e o esquecimento dos autonomistas da
cidade que mal recebem homenagens verbais e são as personalidades merecedoras
de homenagens desse porte.” 40
40 INAUGURAÇÃO da estátua atrasa em 2 horas e meia. O Diário. Três Rios/RJ, de 17 de dezembro de 1985,
ed. nº 253, capa.
55
receptividade/ressonância na comunidade onde está inserido. O valor outorgado a qualquer
monumento não está apenas na obra em si, mas na sua capacidade de preservar, na
consciência das gerações futuras, a lembrança de ações e movimentos empreendidos por
aqueles representativos de um grupo ou comunidade social.
Nesse sentido, o monumento relaciona-se com a manutenção da memória coletiva de
um povo, sociedade ou grupo. No próprio artigo do jornal, seu autor lembra a figura dos
emancipacionistas esquecidos ou pouco lembrados nas iniciativas de valorização da memória
histórica da cidade. Ezilma Teixeira registra ainda que foi com surpresa que ela observou,
após as obras de remodelação empreendidas em 2008, que a estátua retornou à praça,
cometendo-se “uma grande gafe histórica: colocou-a [o prefeito Celso Jacob] ao lado do busto
de Walter Francklin, [emancipacionista e primeiro prefeito de Três Rios] dando aos dois a
mesma importância para Três Rios.”
A especificidade do monumento deve-se precisamente ao seu modo de atuação sobre a
memória. A estátua de Tancredo Neves não trabalha e movimenta a memória da sociedade
trirriense pela mediação da afetividade, contribuindo para manter e preservar a identidade
histórica da cidade, mas apenas e infelizmente presentifica-se e permance no anedotário
popular.
Vale lembrar que o referido dedo indicador encontra-se atualmente quebrado.
1.3.2 – O tempo.
56
depoimento da condição cultural e social do fotógrafo em seu tempo histórico, tornando-se a
imagem revelada o testemunho de lembranças que admitem a rememoração.
Fotografia 23: Fotografia aérea do centro da cidade de Três Rios, denominada na sua formação
inicial de Vila de Entre-Rios, tomada no início de 1970. Em primeiro plano, a Praça São Sebastião e no centro,
o antigo coreto. Registro realizado pelo fotógrafo Abdisio 41, que afirmou ter feito a imagem nos últimos dias
do primeiro governo do prefeito Alberto Lavinas; pertencente ao acervo Rádio Três Rios.
57
Açúcar e Café Pérola com sua chaminé, onde atualmente temos as “Torres Gêmeas” da
cidade, o Edifício e Shopping Olga Sola.
Uma das características da Praça São Sebastião é o de representar o principal espaço
de relação social e cultural do município. A praça é, até o presente momento, o centro do que
defino como um Circuito de Memórias, por existir no seu redor, construído no decorrer de sua
história, espaços físicos de representação político-administrativa (a sede da Prefeitura
Municipal de Três Rios), religiosa (a Igreja de São Sebastião, santo padroeiro do município),
da justiça (o chamado Fórum velho, onde funciona atualmente apenas o Juizado Especial
Cível e que foi sede primeira do Colégio Estadual Condessa do Rio Novo), cultural o Teatro
Celso Peçanha que abriga o Grupo de Amadores Teatrais Viriato Correa, e a Casa da Cultura
de Três Rios, no mesmo prédio do fórum antigo, no seu segundo andar), comercial (com
restaurantes, padaria e o Shopping Olga Sola), além de edifícios, casas residenciais e a sede
do SEBRAE.
É possível perceber que após a realização deste registro fotográfico, até o presente,
mais de sete prédios substituíram construções mais antigas, além de várias transformações
que modificaram a organização espacial da praça, o que explica, em parte, o descaso com o
patrimônio cultural da cidade.
Anoto anteriormente que para Ricceur, a fenomenologia da lembrança é o objeto da
memória. Entendo que a fotografia, enquanto testemunho e lugar de lembrança, possibilita a
análise de memórias de indivíduos e espaços em que estão inseridos, lembranças possíveis de
serem estudadas pelo historiador ou representantes de outras ciências sociais, em pesquisas
nesta e em outras fontes diversas – “lembrar é ter uma lembrança ou ir em busca de uma
lembrança”. (RICCEUR, 2010, p. 24) A construção historiográfica oriunda das análises e
interpretações dos lugares de lembrança é o finalizar do processo de confrontação entre o
tempo, a memória e a história.
Desta tomada aérea pode-se perceber ainda, no centro da praça, o antigo coreto – local
de manifestações cívicas e espaço de confraternização da juventude, durante a década de 50 e
60, que foi substituído por uma fonte luminosa no penúltimo dia do governo Michelli Feliz
(janeiro de 1971), vice-prefeito no primeiro mandato do prefeito Alberto da Silva Lavinas. 42
Na edição nº 373 do Correio Trirriense, que circulou no dia 29 de maio de 1969, temos
na capa, em destaque, o seguinte título: “Praça São Sebastião terá fonte luminosa”, e no corpo
da matéria sem autor definido a informação que “o aprazível logradouro situado no coração
58
da cidade de Três Rios ficará mais bela (sic), isto porque o governo do município vem de
adquirir moderna fonte luminosa para ornamentá-la (sic).” O objetivo desta e de outras obras
era, naquele tempo, construir uma “nova concepção urbanística nos moldes das modernas
cidades”, transformando a praça num local mais adequado a recreação, “com reais vantagens
para a população infantil”. 43
Passível de interpretação e análise dos referentes presentes nas imagens repletas de
representações culturais e sociais, a fotografia consente entrecruzamentos com a história e a
memória. Sendo historiador, propus-me à análise deste entrecruzamento, por entender que é
preciso percorrer também novos caminhos na pesquisa historiográfica, aceitando o desafio de
abandonar conceitos mais usuais e seguros. É a “pretensão do exercício interdisciplinar que
indaga, duvida e se aventura em tarefas de desconstrução de moradas do saber, nem sempre
recompensado por uma nova edificação.” (BRESCIANI e NAXARA, 2004, p. 9-10)
O processo de formação dos espaços urbanos de relação deste município tem seu
início na organização da Vila de Entre-Rios, distrito de Paraíba do Sul/RJ. Na década de 20
surge um movimento de emancipação política, impulsionado pelo desenvolvimento
econômico, decorrência do privilegiado espaço geográfico e da presença, inicialmente da
Estrada União Indústria e logo após, das Estradas de Ferro D. Pedro II e Leopoldina Railway
Company Limited. Em dezembro de 1938, finalmente é decretada a emancipação, nascendo o
município de Entre-Rios. Em razão de haver outros dois municípios brasileiros com o mesmo
nome, em 1943 o município toma o nome de Três Rios.
Durante seu tempo de existência, passa o município por alguns períodos de estagnação
e de maior impulso econômico e cultural, responsáveis pelas alterações nos espaços urbanos,
verdadeiros movimentos que atravessam a sociedade, “tempestades que sopram do paraíso”,
afetando o que se encontra sedimentado, desfazendo, reinventando, aparentemente
modificando, criando novos corpos exteriores nos antigos hábitos e ações do homem no seu
grupo social, provocando a remodelação dos ambientes sociais, espaços de lutas de poder,
onde na maioria das vezes a memória de grupos minoritários perde a batalha para os poderes
econômicos e políticos.
O tempo e o espaço são efetivos à demarcação da especificidade do “olhar” da
História sobre as realizações humanas, encontrando na fotografia e na memória os elementos
que permitem conceber significados a estas ações.
Escreve Barthes sobre a próxima fotografia:
43 PRAÇA São Sebastião terá fonte luminosa. Correio Trirriense. Três Rios/RJ. Ano IX, quinta-feira, 29 de
maio de 1969, nº 373, capa.
59
“Em 1865, o jovem Lewis Payne tentou assassinar o secretário de Estado
americano, W. H. Seward. Alexander Gardner fotografou-o em sua cela; ele espera
seu enforcamento. A foto é bela, o jovem também: trata-se do studium. Mas o
punctum é: ele vai morrer. Leio ao mesmo tempo: isso será e isso foi; observo com
horror um futuro anterior cuja aposta é a morte. Ao me dar o passado absoluto da
pose (aoristo), a fotografia me diz a morte no futuro. O que me punge é a
descoberta dessa equivalência. Diante da foto de minha mãe criança, eu me digo:
ela vai morrer: estremeço, tal como o psicótico de Winnicott, por uma catástrofe
que já ocorreu. Que o sujeito já esteja
morto ou não, qualquer fotografia é essa
catástrofe.
Esse punctum, mais ou menos
apagado sob a abundância e a disparidade
das fotos de atualidade, pode ser lido
abertamente na fotografia histórica: nela
há sempre um esmagamento do Tempo:
isso está morto e isso vai morrer... Em
1850, August Salzmann fotografou, perto
de Jerusalém, o caminho de Beith-Lehem
(ortografia da época): nada além de um
solo pedregoso, de oliveiras; mas três
tempos conturbam minha consciência: meu
presente, o tempo de Jesus e o do fotógrafo,
tudo isso sob a instância da “realidade” –
e não mais através das elaborações do
texto, ficcional ou poético, que jamais é
Fotografia 24: “Ele está morto e vai morrer” – crível até a raiz.” 44
Alexander Gardner: Retrato de Lewis Payne, 1865.
Disponível no site: http://www.old-picture.com/civil-
A fotografia lida então com o
war/pictures/manacled-sweater-001.jpg. Acesso em mar.
de 2011. tempo possível de interrupções, de
particularização, o “tempo-de-agora” de
Benjamin, o tempo da memória. Esta análise desenvolvida por Barthes está amparada na
relação da fotografia com o tempo e a realidade.
Este tempo não é linear, mas interrompido por um momento, “tempo esmagado” (a
fotografia é o instante congelado tecnicamente), permitindo perceber no mesmo exercício de
60
olhar, a “vida” (antes e no minuto do ato fotográfico – entendida como existência, presença) e
a morte (realidade presente em todas as imagens fotográficas relacionadas a indivíduos que
viveram suas existências em tempos passados). “Vida”, “morte” e as representações de uma
série de valores negativos agregados à idéia de dor, isolamento, destruição, separação de entes
queridos, solidão, exclusão e angústia perante um futuro incerto. E não só isso, também os
espaços físicos de relação social “morrem” ao serem eliminados ou transformados.
A fotografia de pessoas não mais presentes provoca sentimentos que preferíamos
fossem esquecidos, mas que na imagem fotográfica retomam; parte de nossa memória é
preservada em imagens. Este registro ocorre por meio de uma “técnica muito mais bem
adaptada do que a pintura [por exemplo] para a reprodução mimética do mundo, a fotografia
vê-se rapidamente designada como aquilo que deverá (...) se encarregar de todas as funções
sociais e utilitárias (...) exercidas [antes] pela arte pictural.” (DUBOIS, 2009, p. 30)
O conceito de tempo que abraço nesta pesquisa não se ancora na linearidade,
encontrando no registro fotográfico sua aplicação, pois tanto um quanto o outro e também a
memória, permitem serem interrompidos, fragmentados (a fotografia é um fragmento do
tempo e do espaço), vencendo a distância do espaço e das próprias demarcações temporais
humanas, possibilitando o redimensionar do passado no presente.
Esta questão remonta ainda ao ato fotográfico e à própria criação e existência da
fotografia (imagem-ato) e a sua essência temporal e espacial. Dubois encara este ponto da
separação, do corte, do “cut”, considerando que “qualquer fotografia é um golpe [uma
jogada], qualquer ato [de tomada ou de olhar para a imagem] é uma tentativa de “fazer uma
jogada” [dar um golpe]” (DUBOIS, 2009, p. 162) e que o impulso de sucessividade do ato
fotográfico – primeiro repetir o ato com várias tomadas de um mesmo assunto, para depois
selecionar -, está correlacionado à compulsão da repetição corriqueira em jogos como o
xadrez, exemplo utilizado por desse autor.
A realidade tão comum na contemporaneidade - onde é possível obterem-se com
câmeras fotográficas digitais um número quase infinito (e não se afirma que seja infinito em
sua totalidade porque conscientemente nem no mundo virtual é possível vislumbrar a
condição de um espaço infinito a ser preenchido) de imagens que podem ser construídas e
“descarregadas” virtualmente - não elimina a qualidade de objeto único admitido para toda e
qualquer imagem fotográfica.
Mesmo numa série - “metralhemos em primeiro lugar”, (DUBOIS, 2009, p. 82) - uma
imagem terá como diferencial da outra, pelo menos, o instante – o corte temporal, que por
mais breve que seja, mesmo não perceptível ao olhar, o é para a consciência. Por isso, aceita-
61
se que a análise da fotografia pela questão do corte temporal e espacial pode também
permanecer atrelada a uma única imagem referenciada no registro fotográfico.
“Como tal [a noção de corte], indissociável do ato que a faz ser, a imagem
fotográfica não é apenas uma impressão luminosa, é igualmente uma impressão
trabalhada por um gesto radical que a faz por inteiro de uma só vez, o gesto do
corte, do cut, que faz seus golpes recaírem ao mesmo tempo sobre o fio da duração
e sobre o contínuo da extensão. Temporalmente de fato – repetiram-nos o
suficiente – a imagem-ato fotográfica interrompe, detém, fixa, imobiliza, destaca,
separa a duração, captando dela um único instante. Espacialmente, da mesma
maneira, fraciona, levanta, isola, capta, recorta uma porção de extensão. A foto
aparece dessa maneira, no sentido forte, como uma fatia única e singular, de
espaço-tempo, literalmente cortada ao vivo. [grifo do autor] Marca tomada de
empréstimo, subtraída de uma continuidade dupla. Pequeno bloco de estando-lá,
[grifo do autor] pequena comoção de aqui-agora, furtada de um duplo infinito.
Pode-se dizer que o fotógrafo, no extremo oposto o pintor, trabalha sempre com o
cinzel, [grifos o autor] passando, em cada enfocamento, em cada tomada, em cada
disparo, passando o mundo que o cerca pelo fio de sua navalha. 45
Cada fotografia deve ser analisada como objeto único, mesmo pertencendo a um
conjunto de um fotógrafo ou abordando um mesmo tema. Todas as questões ligadas a este
objeto (o índice, o corte, a relação com o real, a sensação de verdade, o espaço, o tempo, a
distância, o ato, a autoria, a técnica, a linguagem), no exercício de suas interpretações, devem
ser embasadas por uma determinada metodologia, consideradas em suas manifestações de
presença no registro “impresso” sobre a superfície plana ou no mundo virtual.
Dubois afirma que o “tempo não tem validade aos olhos da fotografia” (DUBOIS,
2009, p. 163), sendo ele, o tempo, que marca cronologicamente a existência humana, pois
após o corte do ato fotográfico, o tempo continua sua trajetória, mas o registro interrompe
(conforme Benjamin), provoca o esmagamento (conceito de Barthes), instalando um fora-do-
tempo (considerado por Dubois), um instante vazio, separado, um extra-instante que
permanece como pequenos quadros, baldes separados das águas deste rio que incessantemente
corre para o futuro.
O tempo fragmenta-se na fotografia e na memória, retomando seu ritmo, quando a
percepção repousa sobre a imagem e esta desperta lembranças – saudades pousadas em
retratos -, movimenta a memória num instante que vence a distância temporal entre o corte
45 DUBOIS, Philippe. O Ato Fotográfico. Campinas/SP: Papirus, 12. ed. 2009, p. 161.
62
fotográfico e a observação, analise e interpretação do referente imagético. A imagem
fotográfica e a imagem da memória são capazes de lidar com tempo, interrompendo e
retomando o seu fluxo por meio da lembrança.
“Se o ato fotográfico reduz o fio do tempo a um ponto, se faz da duração
que escoa infinitamente um simples instante detido, não é menos claro que esse
simples ponto, esse lapso curto, esse momento único, levantado do contínuo do
tempo referencial, torna-se, uma vez pego, um instante perpétuo: uma fração de
segundo, decerto, mas “eternizada”, captada de uma vez por todas, destinada
(também) a durar, mas no próprio estado em que ela foi captada e cortada.” 46
O que confere essa característica relacionada por Phillippe Dubois, de estar perto e ao
mesmo tempo distante do seu objeto, é a condição imputada culturalmente à fotografia de ser
uma representação da realidade, capturada pela imagem e bidimensionalmente preservada, e a
de sujeitar-se ao olhar interpretativo do receptor em qualquer momento presente.
A fotografia é definida, então, na relação com a História e a Memória pela sua
condição de lugar de lembrança, e testemunho de memórias, e por seu status enquanto objeto
46 Ibidem, p. 168.
47 Ibidem, p. 311 - 312.
63
que dialoga com o tempo possível de interrupção e fragmentação, e pelo “princípio de
distância”, que Benjamin apresenta na sua significação de aura.
No seu escrito “Pequena História da Fotografia”, de 1931, Walter Benjamin antecipa o
que Dubois nomeia como “princípio da distância”, conceito que surge na definição de aura
construído numa trama entre o espaço e o tempo; “a aura seria assim o próprio efeito dialético
saído dessa tensão entre o longínquo e o próximo, ou melhor, do longínquo mais essencial
agarrado, mantido, no próximo mais conjuntural.” (DUBOIS, 2009, p. 311) Nesse estudo,
Benjamin, entre outros tópicos, escreve sobre a aura que envolvia as pessoas retratadas nos
primeiros registros fotográficos: “O rosto humano era rodeado por um silêncio em que o olhar
repousava”, (BENJAMIN, 2008, p. 95) afirmando que...
“Havia uma aura em torno deles [das pessoas fotografadas], um meio que
atravessado por seu olhar lhes dava uma sensação de plenitude e segurança. Em
particular, em muitas imagens de grupo os personagens conservam ainda uma
forma alada de “estarem juntos”, tal como ela aparece transitoriamente na chapa,
antes de desaparecer no “clichê original”. É esse círculo de vapor que às vezes
circunscreve, de modo belo e significativo, o oval hoje antiquado da foto... Pois
aquela aura não é o simples produto de uma câmara primitiva.” 48 [grifo nosso]
O que poderia ser apenas uma característica das possibilidades técnicas, no fazer e
revelar da fotografia, para este autor representava muito mais do que um elemento que o
avanço nesta “arte” de obtenção da fotografia “expulsou” da imagem, e que se tentou retomar
através de um tom crepuscular (em moda à época), uma penumbra.
Mas “apesar desta penumbra, distinguia-se com clareza uma pose cuja rigidez traía a
impotência daquela geração [de fotógrafos] em face do progresso técnico.” (BENJAMIN,
2008, p. 99) A aura de Benjamin retorna à fotografia com o trabalho de Atget, “um ator que
retirou a máscara, descontente com sua profissão, e tentou, igualmente, desmascarar a
realidade.” (BENJAMIN, 2008, p. 100) Ao analisar as fotos parisienses de Atget, Benjamin
apresenta pela primeira vez a sua definição de aura, antes, porém, afirmando que as imagens
daquele fotógrafo “sugam a aura da realidade como uma bomba suga a água de um navio que
afunda” (BENJAMIN, 2008, p. 92); aura que se transfere então para a imagem indiciária que
permanece, vencendo o tempo e distância. O tema receberá a devida complementação no seu
artigo “A obra de arte na era de sua reprodutividade técnica” de 1935/1936, quando afirma:
48 BENJAMIN, Walter. Pequena história da fotografia, in Walter Benjamin – Obras Escolhidas Vol. I – Magia
e Técnica, Arte e Política. São Paulo/SP. Editora Brasiliense. 11. reimpressão, 2008, p. 98 e 99.
64
“Em suma, o que é a aura? É uma figura singular, composta de elementos
espaciais e temporais: a aparição única de uma coisa distante, por mais perto que
ela esteja. Observar, em repouso, numa tarde de verão, uma cadeia de montanhas
no horizonte, ou um galho, que projeta sua sombra sobre nós, significa respirar a
aura dessas montanhas, desse galho. Graças a essa definição, é fácil identificar os
fatores sociais específicos que condicionam o declínio atual da aura. Ele deriva de
duas circunstâncias, estreitamente ligadas à crescente difusão e intensidade dos
movimentos de massas. Fazer as coisas “ficarem mais próximas” é uma
preocupação tão apaixonada das massas modernas como sua tendência a superar
o caráter único de todos os fatos através da sua reprodutibilidade. Cada dia fica
mais irresistível a necessidade de possuir o objeto, de tão perto quanto possível, na
imagem, ou antes, na sua cópia, na sua reprodução. Cada dia fica mais nítido a
diferença entre a reprodução, como ela nos é oferecida pelas revistas ilustradas e
pelas atualidades cinematográficas, e a imagem. Nesta, a unidade e a durabilidade
se associam tão intimamente como, na reprodução, a transitoriedade e a
repetibilidade. Retirar o objeto do seu invólucro, destruir sua aura, é a
característica de uma forma de percepção cuja capacidade de captar “o
semelhante no mundo” é tão aguda, que graças a reprodução ela consegue capta-
la até no fenômeno único.” 49
49 BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutividade técnica, in Walter Benjamin – Obras
Escolhidas Vol. I – Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo/SP. Brasiliense. 11 reimpressão. 2008, p. 170.
50 Ver: anexo “biografia” p. 266.
65
Fotografia 25: Imagem interna da antiga loja Casa Lopes de propriedade de Rufino Lopes e que foi em
sua época a maior loja de Três Rios/RJ. Fotografia do acervo da família de Leonor Bastos Jorge. Registro do
final da década de 40, sem fotógrafo conhecido.
66
Paul Ricceur escreve, em sua obra, que a frase-chave que acompanha sua pesquisa é a
afirmativa de Aristóteles: “A memória é do passado”, (RICCEUR, 2010, p. 35) mas esta se
faz no presente. A fotografia também é do passado, e um dos pontos de convergência com a
memória, é que ambas vencem a distância espaço-temporal permitindo a rememoração, a
ressignificação e o compartilhamento de lembranças.
Toda lembrança é acompanhada da noção de tempo. Ricceur (2010, p. 37) afirma que
o “papel desempenhado pela distância temporal: o ato de se lembrar (mnêmoneuein) produz-
se quando transcorreu um tempo (pri khronisthênai). E é esse intervalo de tempo, entre a
impressão original e seu retorno, que a recordação percorre.” Tempo, memória, história,
recordação e esquecimento, entrecruzando-se teoricamente com a fotografia, visando à
construção de uma narrativa imagética.
67
1.4 - A fotografia, as memórias compartilhadas e a nostalgia.
68
compreensão e perpetuação do patrimônio cultural material arquitetônico da Vila de Entre-
Rios, servindo como uma aproximação entre passado e presente, superando o distanciamento
vivido na atualidade quanto às tradições e memórias.
Como realizar tal empreendimento se o processo de urbanização, essencialmente
definido pelas muitas transformações e poucas permanências na organização dos espaços
sociais, privilegia a substituição do antigo pelo moderno, fazendo desaparecer o primeiro
literalmente transformado em pó? Como não permitir que “o esquecimento, que atravessou o
rio Letes...” seja funesto, acarretando “... também à letargia da cognição do presente?” (BOSI,
2004, p. 44) A fonte historiográfica que melhor atende a essas indagações é a fotografia,
capaz de registrar e perpetuar pessoas, suas atividades, seus trajes, suas relações e os
ambientes urbanos transformados.
As imagens a seguir permitem vislumbrar a relação dos indivíduos com um dos
espaços urbanos da cidade de Três Rios, que vem servindo às análises deste capítulo, e as
mudanças provocadas no processo de urbanização, quando das transformações ou eliminação
de determinadas parcelas do lugar. A Praça São Sebastião e nela o seu antigo coreto, enquanto
ambiente de manifestações sociais, sejam elas cívicas, culturais, políticas ou
comportamentais, apresenta-se com suas memórias atreladas aos testemunhos das imagens
fotográficas.
No lugar do coreto, inicialmente foi construído, no início da década de 70, um
chafariz, eliminando de imediato todos os referenciais e lembranças das manifestações cívicas
e políticas que ocorriam em seu espaço e no entorno, desde a sua construção, permanecendo,
nos bancos a sua volta, a propriedade de permitir as relações sociais como namoros, encontros
com amigos e etc.
Em 2008, com as reformas empreendidas no governo Celso Jacob, o antigo chafariz,
que já não funcionava mais, foi substituído por um monumento em homenagem ao encontro
dos três rios – Paraíba do Sul, Piabanha e Paraibuna – que ocorre nas terras do município e
que responde pelo nome da cidade. Atualmente, na gestão do Prefeito Vinicius Farah, retorna-
se, com outros contornos, o chafariz.
Não somente este local específico, mas todo o espaço da praça foi remodelado,
criando novos significados ao ambiente público, e retomando outros perdidos anteriormente
(foi construído novamente um parquinho para as crianças), reafirmando e valorizando sua
condição de espaço de manifestações e representações artísticas, culturais, religiosas e sociais.
Todos os processos de revitalização que ocorreram na história deste lugar de relação
social do Município de Três Rios foram precedidos por uma divulgação midiática de
69
valorização de um conceito que definia as ações como uma necessidade de modernização,
atrelado à imagem administrativa de um poder executivo progressista, atuante e inovador.
Fotografia 26: Tomada externa noturna do coreto da Praça São Sebastião enfeitado para as
festividades natalinas, existindo clara representação de uma árvore de natal, com uma “Estrela de Belém” no
seu topo. Em seu interior várias crianças. Fotografia provavelmente da década de 60 do acervo Rádio Três
Rios, com autor desconhecido.
70
quartel desse período] quanto algumas das mais modernas de nossas cidades
atuais. Certamente, poderíamos mencionar suas dezenas de características mais
gerais tais como o coreto, os brinquedos infantis, o cenário dos encontros de
namorados, entre outros... Mas, sem dúvida, nada é tão marcante em seu espaço
quanto o binômio, caro ao campo da História [e da Memória],
mudança/permanência.” 52
52 ARAUJO, Marcelo da Silva. Na imagem do passado a nostalgia do presente; memória, lazer e sociabilidade
na Praça da Lira. Disponível no site:
http://www.ffp.uerj.br/tamoios/2008.1/praca%20da%20lira%20Marcelo%20da%20Silva%20Ara%FAjo.pdf.
Acesso em: 31 de mar. 2011.
71
Na fotografia acima destaca-se a presença do prefeito César Pereira Louro lendo um
discurso, ato comum dos políticos em datas representativas da história do país, quando
ocorrem aglomerações populares, e do Professor Aquilas Rodrigues Coutinho, 53 ao seu lado,
um pouco atrás, de terno branco. A fotografia apresenta também, num segundo plano, jovens
estudantes uniformizadas, segurando bandeiras do Brasil.
Manifestação de momento cívico importante, repleto de símbolos construídos no
decorrer do tempo, nos “7 de setembro” todos cumprem determinados papeis representativos
dos poderes instituídos, exaltando e exteriorizando valores, tais como o amor a pátria e o
respeito a seus símbolos, disciplina militar, reconhecimento dos heróis da nação e etc. Com o
passar dos anos, ocorreram mudanças que refletiram a transformação política no país:
passamos pelo tempo do fervor cívico e exaltação ao Estado e seus representantes e heróis, às
manifestações populares por liberdades políticas e melhores condições sociais.
Na edição de 11 de setembro de 1954 do periódico “Entre-Rios Jornal” lê-se:
“A data de 7 de setembro, a exemplo do que ocorreu nos anos anteriores,
mereceu do povo de nossa terra o carinho devido a maior data da nacionalidade.
(...) As escolas locais, as entidades desportivas e o Grêmio Musical 1º de Maio,
com organização exemplar, deslumbraram a cidade, com o desfile magnífico e o
garbo das desfilantes. As 8 horas da manhã já a Praça São Sebastião, local do
desfile, apresentava o aspecto festivo que só a mocidade pode dar a um ambiente.
(...) De regresso [o desfile] a Praça São Sebastião, foram as bandeiras conduzidas
ao coreto, formando ai um conjunto deslumbrante. Com todos formados ao redor
do coreto, usou da palavra o Prefeito João Pedro da Silveira (...)”54
72
Nesta linha de avaliação, observam-se na próxima fotografia a presença, em primeiro
plano, de jovens alunas uniformizadas; e em segundo plano, adultos e crianças no interior do
coreto e ao alto, faixa onde se encontram escritas as seguintes palavras: “Salve os heróis da
Grande Guerra”.
Fotografia 28: Tomada externa do coreto da Praça São Sebastião em mais uma manifestação cívica,
nesta fotografia da década de 50 do acervo Rádio Três Rios, sem autor conhecido.
73
gravatas para as meninas, e o uso de luvas em eventos cívicos. Um detalhe interessante é
constatar que, no coreto, os indivíduos que podem ser visualizados, tanto adultos quanto
crianças e jovens – alguns segurando bandeiras -, são todos do sexo masculino. O evento é
uma manifestação em homenagem a membros de exército nacional e à época não era
permitida a presença feminina entre seus contingentes. Sendo um reduto masculino, as
mulheres eram aceitas apenas em atividades de apoio humanístico, como a da enfermagem.
Fotografia 29: Jovens confraternizando no interior do coreto da Praça São Sebastião nesta tomada
externa realizada entre o final dos 50 e o início dos 60. Fotografia do acervo Rádio Três Rios, sem autor
conhecido.
A praça pode ser entendida como um espaço urbano de encontros entre variados
atores sociais, em constantes fruições cotidianas, arquitetando seus sentidos e hábitos a partir
das práticas do lugar, em suas atitudes e posturas coletivas. O antigo coreto era espaço para
diversas manifestações sociais, e as mudanças ocorridas nos últimos tempos serviram para a
74
eliminação de alguns símbolos que se formaram no decorrer de sua história, e para a
reafirmação de outras tantas representações que permanecem.
Fotografia 30: Vista panorâmica da Praça São Sebastião, tirada do Condomínio Edifício José Vaz, na
década de 80. Em destaque, abaixo, à direita, em primeiro plano, o chafariz que substituiu o coreto, e em
segundo plano, ao fundo à esquerda, a Igreja Matriz de São Sebastião, padroeiro da cidade. Disponível no site:
http://tresrioscriativa.com.br/pracasjardins/136. Acesso em 25 de agos. de 2010.
75
1
3 4 5
2
6 7
Fotografia 31: Vista panorâmica da Praça São Sebastião, tirada do Condomínio Edifício José Vaz em
2010, mesma tomada da fotografia anterior observando-se ao centro a obra em homenagem ao encontro dos
Três Rios, e no primeiro plano, (8) o Centro de Inclusão Digital. A praça recebeu ainda, na sua remodelação
em 2008, (6) um anfiteatro, (7) e um pequeno parque de diversão. Na imagem pode-se ver ainda: (2) a sede da
Prefeitura Municipal de Três Rios, (1) a Igreja Matriz de São Sebastião, (3) o Teatro Celso Peçanha, (4) a Casa
de Cultura e (5) a sede dos Correios. Disponível no site: http://drpedropaulo.com.br/contatos.html. Acesso em
11 de set. de 2011.
76
fotografia [destaque do autor], eu não podia negar que eu tinha estado lá (mesmo
que eu não soubesse onde). Essa distorção entre a certeza e o esquecimento me
deu uma espécie de vertigem, e como que uma angústia policial ( o tema de Blow-
up não estava distante); fui ao vernissage como a um inquérito, para enfim tomar
conhecimento daquilo que eu não sabia mais a meu respeito.
Nenhum escrito pode me dar essa certeza.” [nosso destaque] 55
Fotografia 32: Vista panorâmica noturna da Praça São Sebastião de 6 de dezembro de 2011, também
tirada do Condomínio Edifício José Vaz, mesma tomada das anteriores, com a decoração de Natal organizada
pela Prefeitura Municipal de Três Rios. Fotógrafo Yassuo Imai, disponível na sua página social do Facebook.
Acesso em 01 de janeiro de 2012.
77
instante então supera a condição de algo esquecido e adentra ao campo da irrealidade, do não
ocorrido, confrontando diretamente a qualidade primeira da fotografia de se apresentar como
semelhante à realidade).
Nenhum registro por mais descritivo que se apresente “pode... dar essa certeza”, sejam
estes testemunhos de memórias individuais, ou das memórias dos tempos de relação de outras
pessoas ou grupos sociais. Porém, a fotografia em sua construção histórica como registro,
adquiriu “socialmente” tal status (representação do real) e esta condição permite que, sobre
certos aspectos, seja possível a uma imagem fotográfica remeter-nos quase automaticamente à
dimensão nostálgica por meio do seu referente, mesmo que este represente um tempo
individual diferente do sujeito que interpreta, analisa ou apenas observa a fotografia. “Para
confirmar ou recordar uma lembrança, não são necessários testemunhos no sentido literal da
palavra, ou seja, indivíduos presentes sob uma forma material e sensível.” (HALBWACHS,
2009, p. 31)
Na edição de domingo, 3 de abril de 2011 do jornal “O Globo”, em um trecho da
reportagem “Exposição de fotos revela o passado do Rio - Memórias da Cidade reúne
imagens das décadas de 50 e 60, que fazem parte do acervo da Agência O Globo”, vemos
algumas imagens deste acervo, em exposição que reuniu 65 fotografias separadas por temas
como mobiliário urbano, transporte e arquitetura.
No final do artigo encontra-se destacada a opinião do designer visual da exposição Jair
de Souza que, analisando as fotografias, afirma que estas “mostram a atmosfera diferente, que
existia no Rio: __ Tem a foto do Parque Shanghai, que hoje voltou a ser visitado, de um
homem ouvindo jogo do Brasil num rádio de pilha enquanto fazia a barba. É uma época que
você não conheceu, mas [da qual] sente saudade”.
O sentimento nostálgico se define numa leitura positiva que floresceu nos últimos
tempos, contrária às interpretações da atitude nostálgica que a relaciona às expressões de
melancolia, sofrimento, depressão e tristeza. A fotografia então conduz a uma lembrança não
representativa de uma realidade vivida, experimentada, não apenas por sua construção
ocorrida num tempo distante, histórico, mas por uma aspiração da natureza do sentimento de
atração pelo passado, por um período ou um lugar que estabelece associações agradáveis,
surgindo “voluntária ou involuntariamente, como instrumento gerador da utopia, ancorado
(...) nos sonhos de um outro lugar e de um outro tempo”. (BEBIANO, 2000)
As memórias e as lembranças podem ser constituídas nas experiências de relação, como
também nas diversas formas de percepção do nosso mundo de existência e do mundo do
outro.
78
Fotografias 33, 34, 35 e 36: Da esquerda para direita, de cima para baixo: (1) tomada de um parquinho
na Praça São Sebastião em frente à antiga sede da Escola Estadual Condessa do Rio Novo (atualmente Fórum e
Casa de Cultura); (2) registro do concurso Garota Simpatia de 1968, promovido pela Rádio Três Rios em
comemoração pelos seus 21 anos, nas dependências do Clube Atlético Entre-Rios – CAER; (3) e (4) tomadas do
desfile cívico de sete de setembro com apresentação da bateria do Colégio Cenecista Walter Franklin e de uma
das quermesses realizada na Igreja São Sebastião. Fotos da década de 1960, sem fotógrafo conhecido, do
acervo Rádio Três Rios.
79
com procissão, barraquinhas de salgados e doces, fogos de artifício, ruas enfeitadas, pessoas
com “roupa de ir à missa”, nostalgicamente removem do esquecimento as lembranças de
tempos experimentados ou apenas percebidos nos discursos de outros, referendados na
imagem fotográfica. Desfiles cívicos, bailes populares, programas de rádio, concursos de
beleza, passeios na praia, jogo de futebol nos estádios ou nos pequenos campinhos de terra
batida... ao observar tais eventos, tem-se a memória no comparecimento vivo de uma imagem
das coisas passadas, que retornam ao presente pela lembrança reencontrada, movimentada e
compartilhada pelos referentes presentes nas fotografias.
Fotografia 37: Registro externo de uma Locomotiva da Estrada de Ferro Central do Brasil na Estação
Ferroviária de Entre-Rios, na década de 1930. Fotografia do acervo Sr. Altair, sem fotógrafo conhecido.
Assim ocorre, por exemplo, com as representações atreladas às estradas de ferro que
permeiam a memória dos espaços urbanos de muitas cidades no Brasil, que têm suas
formações vinculadas à presença das estações, dos trilhos, dos trens e dos funcionários das
companhias ferroviárias. No caso de Três Rios, das Estradas de Ferro D. Pedro II – depois
Central do Brasil e Leopoldina Railway Company Limited.
80
“As Estações Ferroviárias fundaram cidades, centralizaram a vida das
povoações, serviram como agência de correios, trouxeram o progresso e foram em
geral construídas com arquiteturas diferentes, desde as mais suntuosas até as mais
simples. Porém, até os anos 50 eram em geral construções bonitas. Hoje em sua
grande maioria abandonadas, somente permanecem ativas aquelas que se
transformaram em estações de trens metropolitanos, as que se estão no caminho
dos poucos trens turísticos e as poucas que são utilizadas como central de
recebimento de cargas pelas atuais concessionárias das ferrovias.” 56
81
sanitário e “toilette” equivalentes aos de 1ª, do ponto de vista higiênico. O tempo
de construção foi de 8 meses e o custo aproximado de cada carro é de 40:000$000.
ENTRE-RIOS JORNAL sente-se jubiloso em poder oferecer ao público uma
demonstração dos esforços e competência dos laboriosos operários da I.L. 7, aos
quais apresenta felicitações, que são extensivas ao Ilustre engenheiro Dr.º
Maurício Mont´Mor, Sr. Hoddo Dottori, respectivamente chefe e mestre daquele
importante departamento federal.”Na verdade a locomotiva conduzia os vagões
que foram confeccionados em Três Rios.” 57
Fotografia 38: Tomada da Estação Ferroviária da Estrada de Ferro Central do Brasil em Entre-Rios, no
final de 1935. Fotografia do acervo André Mattos, sem autor conhecido.
Neste texto vê-se que, nas oficinas da 7ª Inspetoria da Locomoção, foi construída uma
composição de sete carros de passageiros e não uma locomotiva. Desta forma, numa
confrontação entre o testemunho oral e o artigo publicado no jornal, o primeiro não se
confirma. Chama à atenção a similaridade entre a locomotiva captada pela fotografia da
página 80 e a que aparece acima, com grande possibilidade de que os dois registros
fotográficos tenham sido realizados no mesmo dia, pela presença de duas crianças, de suas
57. OS PRIMEIROS carros de passageiros confeccionados nas oficinas da Estrada de Ferro Central do Brasil.
Entre-Rios Jornal. Três Rios/RJ, ano I, nº 43 de 14 de dezembro de 1954, p. 2.
82
roupas (são parecidas), e em ambas as imagens, elas estão com a atenção direcionada ao
fotógrafo.
Desta forma, a análise das fotografias e a notícia do jornal da época começariam a
corrigir a informação prestada pelos ferroviários, e obviamente, uma pesquisa em arquivos da
empresa – se existirem – ou a entrevista com algum dos trabalhadores remanescentes das
oficinas, reafirmariam ou não o vinculado.
A fotografia é uma fonte histórica que, como outros documentos que receberam
importância na atualidade, imputa ao historiador a necessidade de uma abordagem
diferenciada das fontes escritas, utilizadas mais comumente, o que não invalida a sua
condição de documento testemunho de memórias.
As fotografias então se qualificam como lugares de lembrança dos testemunhos de
outros, que permanecem “vivos” no referente fotográfico, incitando não só uma leitura
rememorativa de fatos e ações dos sujeitos históricos em seu tempo, mas também, através do
olhar no presente, delinear as lembranças em comum; sem perder a condição de fonte e objeto
de estudos e pesquisas multidisciplinares, permitindo abarcar temáticas diversas, passando do
campo nostálgico para o das ciências humanas e destes para o campo dos estudos de
memórias.
“Todavia, quando dizemos que o depoimento de alguém que esteve presente
ou participou de certo evento não nos fará recordar nada se não restou em nosso
espírito nenhum vestígio do evento passado que tentamos evocar, não pretendemos
dizer que a lembrança ou parte dela devesse subsistir em nós da mesma forma,
mas somente que, como nós e as testemunhas fazíamos parte de um mesmo grupo e
pensávamos em comum com relação a certos aspectos, permanecemos em contato
com esse grupo e ainda somos capazes de nos identificar com ele e de confundir o
nosso passado com o dele.” 58
Fazemos parte de uma coletividade social e o nosso testemunho reflete muito do que
absorvemos das relações nesta sociedade. Os referenciais de memória que formamos também
espelham esta realidade, independente do tempo e dos espaços de relação de existência do ser.
Incluo-me no grupo de pessoas onde os referenciais, e não apenas estes, ligados à presença
das estradas de ferro, estão presentes na memória; assim ocorre com outras pessoas e outras
realidades.
58 HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. Nova tradução de Beatriz Sidou. São Paulo/SP: Centauro,
2009, p. 33.
83
“Nesse sentido, a busca ávida por traços distintivos de uma época, idílica, sempre se
nos apresenta pulsante ao encararmos uma imagem já recuada no tempo.” (ARAUJO)
Ademais, num outro “canto” deste conceito, é possível que o olhar de um fotógrafo do tempo
presente observe no mundo ao seu redor, lugares, pessoas, hábitos, que encontrem
similaridades ao experimentado e percebido por outras pessoas no passado, como também o
será no tempo futuro; serão sempre como memórias compartilhadas.
A confrontação de uma série de fotografias, mesmo que de autores diferentes, de um
mesmo tempo histórico ou não, mas referindo-se a um mesmo grupo e espaço social, permite,
além do reencontro nostálgico de lembranças, uma leitura/conhecimento das transformações e
permanências dos lugares sociais e das memórias dos indivíduos e da coletividade inserida
nestes espaços. Ao mesmo tempo, concede também uma construção historiográfica através de
uma narrativa imagética dos aspectos sociais, econômicos, políticos e culturais, encontrando-
se ou não paralelo com outras fontes históricas. Nos registros fotográficos...
“(...) podemos acompanhar as transformações do espaço urbano: a relva
que cresce livre, a ponte lançada sobre o córrego, a divisão dos terrenos, a
primeira venda, o primeiro bazar. As casas crescem do chão e vão mudando:
canteiros, cercas, muros, escadas, cores novas, a terra vermelha e depois o verde
umbroso. Arbustos e depois árvores, calçadas, esquinas... uma casa pintada de
azul que irradia a luz da manhã, os terrenos baldios, as ruas sem saída que
terminaram em praças ermas inacabadas por dezenas de anos.” 59
Cada espaço vivido surge com funções originalmente particulares e distintas, e no seu
processo de formação as suas respectivas histórias e memórias se entrelaçam. Os registros
fotográficos revelam-se de suma importância por permitirem a observação cuidadosa dos
processos de rupturas, continuidades e sobreposições arrastados no âmbito das alterações
urbanas. A compreensão faz-se possível pelo papel de registro dos fatos em tempos históricos
que, principalmente o material fotográfico disponível de diversos acervos concede. “Esquecer
um período da vida é perder o contato com os que então nos rodeavam.” (HALBWACHS,
2009, p. 37)
Jean Duvignaud afirma que Maurice Halbwachs demonstra ser impossível “conceber o
problema da recordação e da localização das lembranças quando não se toma como ponto de
referência os contextos sociais reais que servem de baliza a essa reconstrução que chamamos
de memória”, (DUVIGNAUD, 2009, prefácio p. 7-8) estabelecendo que a pesquisa
84
historiográfica não deva se desvincular de uma apreciação das memórias coletivas. A
experiência compartilhada da memória através das interações sociais é fator formador da
identidade dos sujeitos, e suas lembranças são resultados deste processo, preservando uma
experiência histórica repleta de valores e tradições culturais.
Mais do que a expressão do olhar do fotógrafo, para a construção de uma narrativa
imagética do processo de urbanização da Vila de Entre-Rios, os registros analisados nesta
pesquisa são testemunhos de memórias coletivas de grupos diversos que se relacionam neste
especifico espaço social.
“Não esqueçamos que a memória parte do presente, de um presente ávido pelo
passado, cuja percepção “é a apropriação veemente do que nós sabemos que não nos pertence
mais,”” e a imagem fotográfica é “uma coisa viva... que sobe do passado com todo o seu
frescor. Chamada de novo, trabalhada pela percepção do agora, arrisca-se a fugir da captura
de um presente que não se reconhece nela.” (BOSI, 2004, p. 20)
85
CAPITULO I I
“Diante de uma imagem – por mais antiga que seja -, o presente jamais
cessa de se reconfigurar (...). Diante de uma imagem – por mais recente, por mais
contemporânea que seja -, o passado, ao mesmo tempo, jamais cessa de se
reconfigurar, porque essa imagem só se torna pensável em uma construção da
memória.” 60
60 DIDI-HUBERMAN, Georges apud NASCIMENTO, Roberta Andrade do. Charles Baudelaire e a arte da
memória. Disponível no site: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-
106X2005000100004. Acesso em: 01 de dez. 2011.
86
constituidor(es) das imagens fotográficas -, mas sim, as memórias de uma coletividade,
resultado das diversas interações sociais ocorridas durante o recorte temporal escolhido, sem
desconsiderar que as narrativas históricas refletem sempre um procedimento contínuo de
escolha e reconstrução dos vestígios do passado, realizado no presente pelo historiador.
O ato de narrar, de contar experiências, para Walter Benjamin “está em vias de
extinção. São cada vez mais raras as pessoas que sabem narrar devidamente” (BENJAMIN,
2008, p. 197), ocorrendo com dificuldade no mundo atual. No pensamento do autor,
assinalado em sua tese O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov, de 1936, a
narrativa faz referência à memória tornando-se fonte de histórias. São discursos carregados de
ensinamentos, experiências, que se perdem na contemporaneidade, porque o homem está cada
vez mais privado da faculdade da comunicação interpessoal. Pouco do que possuímos está a
serviço da narrativa histórica.
A imagem fotográfica e a memória encontram uma interlocução com a narrativa, arte
em desaparecimento, ou, para algumas leituras modernas, em transformação ou adaptação aos
novos canais de comunicação, espelho da aceleração do tempo e das vivências próprias da
contemporaneidade.
A compreensão da verdadeira extensão da narrativa em seu abarcamento histórico
encontra-se, segundo aquele autor, no entrecruzamento de dois tipos arcaicos: o marinheiro
(aquele que viaja e tem inúmeras experiências a serem compartilhadas), sendo analisado como
o que vem de longe; e o camponês (aquele que conhece as histórias e tradições do lugar de
relação de suas vivências), que traduzia em relatos a sabedoria prática – definida como a
sugestão organizada na substância viva da existência -, que havia acumulado. Dois modos de
vida que produziram seus respectivos grupos de narradores.
Estes dois personagens representam o tempo (camponês) e o espaço (marinheiro),
elementos de intersecção que permitem diálogos entre fotografia e narrativa, e destas com a
memória e a história.
A narrativa procede da tradição oral compartilhando memórias. É a expressão de um
trabalho artesanal que se realiza sobre a matéria-prima da experiência, tendo como modelos
originais o conto de fadas, as lendas. “O narrador retira da experiência o que ele conta: sua
própria experiência ou a relatada pelos outros. E incorpora as coisas narradas à experiência
dos seus ouvintes.” (BENJAMIN, 2008, p. 201) Por isso é aquele que sabe dar conselhos, e
aconselhar é conceder uma sugestão sobre a extensão de uma história que está sendo narrada.
Depois vieram os artesãos, que aperfeiçoaram esta arte. Com eles, o poder de narrar
movimentava o contador de histórias por inteiro. "Na verdadeira narração, a mão intervém
87
decisivamente, com seus gestos, aprendidos na experiência do trabalho, que sustentam de cem
maneiras o fluxo do que é dito." (BENJAMIN, 2008, p. 220-221) E os gestos colaboram para
a formação mental das imagens extraídas e compartilhadas do que está sendo narrado.
Assim como a análise de imagens fotográficas e a memória, diferentemente do
romance a narrativa não tende para o finalizar, justificando sempre novas histórias,
imaginadas, reconstruídas e rememoradas em alguns momentos, daquilo que foi narrado no
passado, no seu início, do que se tornou tradição. “Ela não se entrega. Ela conserva suas
forças e depois de muito tempo ainda é capaz de desenvolver.” (BENJAMIN, 2008, p. 204) E
também como a fotografia e a memória, a narrativa vence o tempo preservando-se, como
escreveu Benjamin, à maneira das sementes de trigo que por milhares de anos, inseridas nas
câmaras das pirâmides no Egito, conservaram suas condições germinativas. (BENJAMIN,
2008, p. 204)
A imagem, enquanto componente inerente à natureza humana (a memória é
constituída de imagens, rememorar é formar imagens mentais), é um dos mecanismos
desencadeadores da memória, apresentando-se a fotografia como o equivalente visual da
lembrança, permitindo recordar o tempo passado, criando sentidos que ensejam narrativas
históricas. Como uma narrativa, o registro fotográfico prossegue “contando” e retendo as
lembranças, as experiências, conservando-se na memória do novo “ouvinte visual”, (como
lembranças compartilhadas) quando da retransmissão da história no presente, sendo esta
condição primordial para a sobrevivência da memória.
O que podemos apreender de Benjamin é a exemplaridade da narrativa, ou seja, ela se
faz a partir de uma determinada perspectiva e um determinado olhar.
“A narrativa ganha faces, plasticidades, feições e cenários capturados pela
câmara fotográfica. Registrar imagens, guardá-las e contar o que foi fotografado é
um processo dinâmico em que os significados contidos nas fotografias, capturados
por quem apertou o botão, são recriados por quem as guarda e recontados por
quem as mostra.” 61
61 JUSTO, Joana Sanches. Narrar histórias, fotografar momentos: tecendo intersecções entre narrativa oral e
álbuns de fotografias. Disponível no site:
http://www.unioeste.br/prppg/mestrados/letras/revistas/travessias/ed_005/artecomunicacao.htm. Acesso em: 01
de dez. 2011.
88
1º Momento: Da formação urbana da Vila de Entre-Rios até a formalização da
condição de 2º Distrito de Paraíba do Sul (1861 a 1890) e;
2º Momento: Entre-Rios, de 2º Distrito de Paraíba do Sul até o termino do movimento
de emancipação política e econômica (1890 a 1939).
A partir de tais recortes, observei as seguintes categorias imagéticas: as paisagens
urbanas pré-definidas – ponte, estações, ruas, praças, igrejas, prédios e as relações sociais
experimentadas nestes espaços: manifestações populares, grupos organizados em torno de
propostas culturais, religiosas, esportivas e políticas, permitindo perceber as condições de
formação de uma sociedade que, ao mesmo tempo em que constrói este espaço urbano,
estabelece fronteiras sócio-culturais. Mas por recorrer a uma concepção de tempo não linear,
as narrativas ensejadas pelas imagens fotográficas, em algumas oportunidades, conduzem a
momentos que transpassam o recorte temporal estabelecido.
As fotografias mostram os lugares que, mesmo transformados ou inexistentes na
atualidade, ainda são “pisados” como outros o fizeram no passado, permitindo o recontar,
reavivar, rememorar, compartilhar e preservar as memórias do tempo de formação sócio-
espacial da cidade de Três Rios, por meio de uma narrativa imagética.
Os campos de estudos teóricos se definiram então na relação entre a fotografia, a
história e a memória. Mas qual(is) a(s) dimensão(ões) e pensamento(s) poderia(am) servir
para “unir” os ângulos do triângulo? Que discurso(s) serviria(am) para uma descontinuidade
ou discordância entre as partes? E a fotografia, enquanto testemunho de memórias, lugar de
lembranças, também fonte de estudos e análises pela História, de que maneira interfere nesta
relação, contribuindo para a construção historiográfica?
FOTOGRAFIA
HISTÓRIA MEMÓRIA
Na sua relação com a história, a fotografia se apresenta como fonte capaz de conceber
o encontro entre passado e presente, aproximando os tempos históricos ao responder as
indagações formuladas nas pesquisas historiográficas. Reminiscências individuais e coletivas
89
fragmentadas do passado, os registros imagéticos permitem a formulação de discursos
narrativos pelo historiador, reconhecendo o fato histórico e atribuindo-lhe sentido no presente,
propiciando, assim, novas leituras no campo contínuo das construções e reconstruções
históricas.
Fonte que conserva na imagem bidimensional os referentes culturais e sociais da época
do ato-fotográfico, a fotografia relaciona-se com um elemento primordial à história: o tempo.
Cria, então, um diálogo entre este instante inicial (pela perpetuação das presenças e ausências)
e a lembrança e o esquecimento, expondo a inseparável trama existente entre a memória, a
narrativa imagética e a história.
Pelo lado deste triângulo que converge até a memória, a fotografia assume sua
condição de testemunho capaz de ativar e compartilhar lembranças, fundamental para a
transição entre a memória e a história. Lugar de lembrança ou esquecimento, apresenta-se
também, como testemunho das batalhas de memória, permitindo perceber as manipulações
políticas, culturais, sociais ou religiosas que definiram ao longo da história, o que pode ser
lembrado e o que deve ser esquecido nos processos de rememoração, interferindo diretamente
na formação da identidade de indivíduos e grupos e, consequentemente, na constituição
historiográfica. Inegável a capacidade da fotografia de provocar recordações, apresentando-se
como um dos principais mecanismos da linguagem desencadeadora da memória.
É também ponto de referência como indicadores empíricos da memória coletiva,
constituindo coleções e acervos que, arquivados, organizados e divulgados, são patrimônios
culturais que celebram as atividades da memória, cumprindo papel social fundamental numa
sociedade que prima pela idéia de que o progresso e a modernidade podem abrir mão do
passado.
Na relação da história com a memória observa-se, como aponta Jacy Alves de Seixas
(2004, p. 38), um momento crescente de revalorização da memória (falas, direito e dever de
memória), convivendo com um movimento inverso que indica descaso ou fragilidade teórica
por parte dos historiadores. A memória torna-se com isso uma prisioneira da história, uma
verdadeira memória historicizada, restando a esta (a memória) os lugares de memória,
vivendo apenas sob o olhar de uma história reconstituída. Entendo que, na atualidade, a
aceitação e análise, pela historiografia, da subjetividade das experiências humanas no
processo de relação social e formação das identidades, aproximam esses campos do
conhecimento humano.
A história, tal qual a memória, relaciona-se com a descontinuidade do tempo,
apresentando-se ambas, neste estudo teórico, como a base do triângulo, a sustentação da
90
pesquisa. Benjamin apontou, em suas teses sobre a história, os limites para a enumeração de
fatos e eventos ao longo de um tempo homogêneo e linear, homogeneidade que afasta a
historiografia da memória.
Na atualidade, os historiadores ligados aos campos da História Cultural, Social, da
História do tempo presente e da História Oral, distanciam-se tanto do conceito de uma história
como apontamento fidedigno do passado, como do abatimento da memória a apenas um
elemento de reconstrução seletiva do passado. Ao valorizar a subjetividade dos sentimentos e
vivências dos indivíduos nos seus processos de interação social, constroi-se um espaço no
interior da narrativa histórica, que dá visibilidade àqueles que não aparecem no registro
documental, elaborando as narrativas dos grupos esquecidos por outros campos da
historiografia.
Trazer para a história uma dimensão da existência humana fundada na subjetividade
estabelece uma conexão possível da história com a memória, porque esta não obedece apenas
à razão, mas a tudo o que participa do conjunto constituído das identidades. Encontrar e
entender valores, culturas, modos de vida, representações das diversas sociedades e de seus
indivíduos formadores, em seu tempo e espaços históricos, aproxima a memória com a
história pesquisada, a estudada e a narrada. Assim, entendo que fotografia, memória, narrativa
e história podem dialogar, apesar de suas diferenças e especificidades.
Tempo, espaços urbanos e a representação das relações e identidades sociais: são estas
as três linhas principais que unem os pontos do triângulo teórico formado, que se distribuem e
se inter-relacionam, permitindo a construção de uma narrativa histórica. Dessas, acredito que
o tempo é o objeto presente com a capacidade ímpar de unir os elementos da pesquisa, tempo
fragmentado, descontínuo, instituído de substrato móvel, fluído e sensível, o tempo
qualificado da lembrança. Em consonância com os estudos teóricos de Paul Ricceur, entendo
que memória, lembranças e esquecimentos são níveis intermediários entre o tempo e a
narrativa histórica.
A Memória e a História são “um trabalho sobre o tempo, mas sobre o tempo vivido,
conotado pela cultura e pelo indivíduo.” (BOSI, 2004, p. 53) A problemática comum a ambas
é a representação/reconstrução do passado e a relação com o tempo e as fontes para a prática
historiográfica. A fotografia insere-se no contexto por perpetuar o momento de um tempo
existido, experimentado com objetivos, propostas, desejos, ideologias; testemunho das
memórias das ações e dos empreendimentos dos homens no seu momento histórico.
91
A fotografia é antes de tudo imagem-presença de uma coisa ausente, referenciada na
memória preservada, que vence o tempo e o espaço da sua formação no ato fotográfico, até a
análise dos pesquisadores das ciências humanas. Considero, para as reflexões deste trabalho,
o entendimento de que imaginar é evocar ou rememorar lembranças através de imagens –
porque toda memória reivindica imagens -, distanciando-me da relação comum da imaginação
com o fantástico, com a ficção.
Mesmo uma lembrança evocada por um odor familiar, um sabor, uma sensação ou por
uma melodia, surge na memória através das imagens de objetos, momentos e pessoas que
afetaram a alma em algum momento de sua experiência histórica. “Parece, mesmo, que a
volta da lembrança pode fazer-se somente no modo de tornar-se-imagem [imagem-
lembrança].” (RICCEUR, 2010, p. 26) Imagens-representação, que permitem a apreensão e o
conhecer das ações e práticas do sujeito histórico em seu espaço de relação social, “sensíveis
ao mesmo tempo à pluralidade das clivagens que atravessam uma sociedade e à diversidade
dos empregos materiais ou de códigos compartilhados”. (CHARTIER, 1991, p. 177)
A percepção, por meio de uma experiência viva e direta com a imagem fotográfica,
permite que aqueles que não conviveram com o espaço de relação registrada na fotografia
construam em sua memória uma imagem-lembrança, compartilhada e ressignificada pelas
informações históricas que análise e estudos possibilitam. E as lembranças descortinadas,
rememoradas podem e devem acompanhar os registros fotográficos em qualquer meio de
preservação e divulgação (museus áudios-visuais, livros, sites na internet, circuitos culturais,
entre outros).
92
2.3 - Vila de Entre-Rios, uma narrativa imagética.
Fotografia 39: Vista externa da Ponte de Entre-Rios atualmente Ponte das Garças. Observam-se ao
fundo no segundo plano os morros na maior parte ainda com sua floresta original – Mata Atlântica, e a
esquerda no primeiro plano, dois indivíduos nas cabeceiras da ponte. Fotografia de Revert Henry Klumb de
1861/1866. 62 As fotografias de Klumb fazem parte de diversos acervos.
93
Considero a Ponte das Garças como o marco determinante do processo de urbanização
da cidade de Três Rios, pois a sua construção originou, a alguns poucos quilômetros adiante,
o local da Estação Rodoviária de Entre-Rios, núcleo inicial da Vila de Entre-Rios; ambas são
obras da Companhia União Indústria. A ponte por sua importância e sendo também a primeira
fotografia a ser analisada, apresento a sua história, compreendendo os motivos da edificação
sobre o rio Paraíba do Sul, próxima à região denominada a época de Três Barras. 63
Fotografia 40: Recorte da fotografia 39 destacando dois homens nas laterais da cabeceira da Ponte
das Garças, na margem esquerda do rio Paraíba do Sul, próximos aos imponentes pilares originais. A presença
destes indivíduos permite perceber o tamanho dos pilares, servindo de escala. Acredito que Klumb posicionou
esta pessoas com o objetivo de demonstrar a “grandiosidade” da obra.
63 “A designação Três Barras é devido ao encontro em um mesmo ponto dos rios Paraibuna (água escura), que
vem de Minas Gerais e Piabanha (água manchada), que vem de Petrópolis, com o rio Paraíba do Sul (rio ruim
para navegação), que vem de São Paulo. Os rios Paraibuna e Piabanha são, portanto, importantes afluentes do rio
Paraíba do Sul e o raro acidente geográfico das barras dos dois rios em um mesmo ponto, um encontro de três
rios...” DAVID, Eduardo Gonçalves. Projeto Cultural Comemorativo do 150º aniversário da Rodovia União e
Indústria – 1861 – 2011. Enviado a mim por correio eletrônico, pelo próprio autor, que atualmente reside na
Espanha.
94
No início de 1848, o Imperador D. Pedro II, percorre as fazendas de café do interior da
província do Rio de Janeiro, em um roteiro com saída de Petrópolis, passando por Sumidouro,
pela Vila da Paraíba do Sul e por Vassouras. Nesta viagem recebe uma reivindicação dos
fazendeiros, “sustentáculo político e financeiro da monarquia” (DAVID, 2009, p. 107), para a
realização de melhorias nas estradas, sobretudo no Caminho Novo. A economia brasileira no
século XVIII era essencialmente agrícola, voltada para a exportação, tendo como principal
produto, o café, exigindo estradas em condições de servir como vias de escoamento da
produção.
Fotografia 41: Pilar original da Ponte das Garças aproveitado pela ponte ferroviária da Estrada de
Ferro Leopoldina. Imagem presente no Projeto Cultural Comemorativo dos 150º Aniversário da Rodovia União
e Indústria – 1861 – 2011 de Eduardo Gonçalves David, sem informação da data e autor do registro.
Pelo Decreto Imperial nº. 1.301 de 7 de agosto de 1852, aprovado pela Assembléia
Geral Legislativa em 11 de setembro daquele ano, o Imperador D. Pedro II, autorizou a
construção e exploração, por 50 anos, pela Companhia União e Indústria, de duas linhas de
estrada (...)
“(...) começando nos pontos mais apropriados à margem do Rio Paraíba,
desde a Vila deste nome até o Porto Novo do Cunha, se dirijam uma até a barra do
Rio das Velhas, passando por Barbacena, e com ramal desta cidade para a de São
95
João Del Rei e outra pelo município de Mar de Espanha, com direção à cidade de
Ouro Preto; e desejando promover, quanto possível o benefício da agricultura e do
comércio das indicadas localidades, facilitando as comunicações entre aqueles
pontos e as relações entre as duas Províncias do Rio de Janeiro e de Minas
Gerais...” 64
64 DAVID, Eduardo Gonçalves. A mula do ouro: paixões e dramas por trás da construção de rodovias e
ferrovias na única monarquia das Américas. Niterói/RJ: Editora Portifolium, 2009, p. 113.
65 Relatório da Província do Rio de Janeiro de 1856 – Decretos – digitalizado na página da Center for Research
Libraries – Global Resources Network: Provincial Presidential Reports (1830:1930) Rio de Janeiro/RJ.
Disponível nos sites: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u833/000081.html e
http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u833/000082.html. Acesso em: 9 de set. de 2011.
96
rio Paraíba do Sul
• Fazenda Três Barras
1
Três Rios
Região conhecida no final do séc. XIX
2 3 como Três Barras, atualmente,
Moura Brasil, distrito de Três Rios.
Ponte das Garças
Fotografia 42: Imagem aérea gerada pelo Google Pro em 2009, extraída do “Inventário das Fazendas
do Vale do Paraíba Fluminense.” 66 Toda a região próxima à Fazenda Três Barras e ao (1) encontro dos três
rios (Paraíba do Sul, Paraibuna e Piabanha), era conhecida à época como Três Barras. À esquerda observa-se
(2) a Ponte das Garças; cortando o mapa de baixo para cima, a (3) atual estrada BR 040, que liga a cidade do
Rio de Janeiro/RJ com Juiz de Fora/MG; e da esquerda para a direita, com maior volume de água, o rio
Paraíba do Sul.
66 Inventário das Fazendas do Vale do Paraíba Fluminense. - Fazenda Três Barras/RJ – Disponível no site:
http://www.institutocidadeviva.org.br/inventarios/sistema/wp-content/uploads/2009/11/21_faz_tres_barras.pdf.
Acesso em: 24 de set. 2011.
97
A obra demandava diligências notáveis para os engenheiros e operários, pois o
percurso era entrecortado por cursos d’água e pelas escarpas graníticas da serra do Taquaril. O
Comendador Lage contratou para a empreitada os engenheiros: Antônio Maria de Oliveira
Bulhões, brasileiro, que foi o responsável pelo trecho entre Petrópolis e Três Barras (Aquém
Paraíba), nos territórios da atual cidade de Três Rios/RJ, e o alemão José Keller, que assumiu
a responsabilidade do trecho Três Barras a Santo Antônio do Paraibuna (Além Paraíba), atual
Juiz de Fora/MG.
A definição do percurso da 2ª seção da estrada foi fundamental para a escolha do local
da construção da Ponte das Garças e da edificação, adiante, da Estação Rodoviária de Entre-
Rios. No relatório apresentado por Mariano Procópio a Assembléia Geral dos Acionistas da
Companhia União e Indústria, em 7 de maio de 1863, a ponte aparece com a denominação de
Ponte de Entre-Rios, limite entre as duas seções da estrada.
Atendendo a uma determinação do acordo, a empresa apresentou, à presidência da
Província do Rio de Janeiro, plantas organizadas pelo engenheiro Antonio Bulhões, no dia 20
de junho de 1857, indicando que pretendia seguir o seguinte trajeto para a 2ª seção da estrada:
“(...) descer o rio Piabanha, desde o Pedro do Rio, pela Barra-Mansa,
Posse, confluência do Rio-Preto e fazenda de Francisco Gomes, até o lugar
chamado João Gomes, na margem direita do rio da Paraíba; lançar um ramal por
este rio abaixo até as Três-Barras, e com outro subir até a ponte de pedra em
construção defronte da vila da Paraíba do Sul.” 67
A Companhia União e Indústria sinaliza, então, que a estrada, na sua 2ª seção, teria um
trecho de Petrópolis até Três Barras, com outro ramal indo até a ponte na Vila da Paraíba do
Sul, não garantindo que desta seguiria pelo Caminho Novo até a ponte de Paraibuna, na divisa
entre as províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Tal iniciativa ensejou a indicação do engenheiro Cristóvão Bagott Lane, pelo vice-
presidente João Manuel Pereira da Silva, conforme consta do seu relatório, apresentado a
Assembléia Legislativa da Província do Rio de Janeiro, na 2ª Seção da 12ª legislatura, no ano
de 1857, para proceder aos exames necessários sobre a linha que deveria seguir a estrada, na
sua 2ª seção, segundo o determinado no contrato.
67 Relatório da Província do Rio de Janeiro de 1857, digitalizado na página da Center for Research Libraries –
Global Resources Network: Provincial Presidential Reports (1830:1930) Rio de Janeiro/RJ. Disponível nos sites:
http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/787/000119.html e http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/787/000120.html. Acesso em: 10 de
set. 2011.
98
Antes de assinalar as instruções ao engenheiro, João M. P. da Silva relaciona o que
definiu como “histórico da questão”, descrevendo o trajeto do antigo Caminho Novo:
“A antiga estrada de Minas Gerais à cidade do Rio de Janeiro chegava ao
Porto da Estrela, situado à margem direita do rio Inhomerim; dai por mar era a
comunicação com a capital do império. Essa estrada foi construída às expensas dos
cofres gerais e provinciais de Minas e Rio de Janeiro.
Entrava na província deste último nome pela ponte coberta sobre o rio
Paraibuna, que separa os limites de ambas as províncias. Do Paraibuna seguia
para a vila da Paraíba do Sul, assentada sobre a margem esquerda do rio do
mesmo nome; e dai, atravessando-o até agora em barcas, mas logo que findar a
ponte de pedra, que se está a muitos anos construindo, e que brevemente ficará
concluída, vinha pelos lugares denominados Governo, Lage, Cebolas, Patupulba,
Secretario, Pegado, Pedro do Rio, Sumidouro, Manga Larga, Olaria, Córrego Seco
hoje Petrópolis e fabrica da pólvora. Havendo a presidência da província do Rio de
Janeiro conseguido realizar uma navegação regular por vapor ao porto de Mauá,
construir uma via férrea dai à fabrica da pólvora, e subir a serra até Petrópolis por
uma estrada normal de rodagem; pensou desde logo em fazer seguir pelo mesmo
sistema e com o mesmo desenvolvimento a mencionada estrada, continuando-a de
Petrópolis para diante.” [grifo nosso] 68
Fotografia 43: Visão lateral da Ponte do Paraíba, construída na Vila da Paraíba do Sul. Sem
informação do fotógrafo e da data do registro, acervo de André Mattos.
99
João Manoel P. da Silva deixa claro que o pensamento do governo da Província do
Rio de Janeiro, era o de se utilizar de parte do Caminho Novo, que ligava a ponte de
Paraibuna a Petrópolis, passando pela Vila da Paraíba do Sul. A ponte, indicada neste trecho,
sobre o rio Paraíba do Sul, foi...
“Idealizada por Júlio Frederico Koeler, e demorou muitos anos para ficar
pronta devido a diversos problemas. Quem conseguiu terminá-la foi Irineu
Evangelista de Souza – o Barão de Mauá, que trouxe da fundição da Ponta da
Areia, que hoje leva o seu nome, as peças de metal que não podiam ultrapassar 3
metros, porque vinham em lombo de burro subindo a serra da Estrela.” 69
Fotografia 44: Vila da Paraíba do Sul/RJ em 1861, ano de inauguração da estrada União e Indústria,
observando-se na foto a Ponte do Paraíba inaugurada em 1857, e uma vista da cidade com construções em
ambas as margens do rio Paraíba do Sul. Estampa litográfica em cartão (a partir de original fotográfico) do
álbum Brazil Pitoresco. Fotografia de Victor Frond, do acervo da Biblioteca Nacional. 70
100
Iniciada em 1836, em atenção ao pedido encaminhado pelo Barão do Piabanha,
Hilário Joaquim de Andrade, para substituição da passagem pelo rio por barcas, a ponte do
Paraíba, por onde deveria passar a 2ª seção da estrada, foi entregue ao trânsito somente em 13
de dezembro de 1857, antes de terminada a União e Indústria. Esta ponte foi pavimentada de
cimento, em substituição aos antigos pranchões de madeira em 1921, pelo governo do Estado
do Rio de Janeiro, sendo engenheiro o Drº Margarino Torres, com reinauguração em 22 de
janeiro de 1922.
Ao evitar este percurso por questões econômicas e políticas, Mariano Procópio
favorece a formação urbana daquela que seria no futuro, a cidade de Três Rios.
Ainda quanto ao escrito do vice-presidente da província do Rio de Janeiro, antes de
encerrar retoma os dois artigos iniciais do contrato, para informar que a 1ª seção encontrava-
se praticamente finalizada - o que ocorreu em 18 de março de 1958, com marco do alto da
Vila Thereza, em Petrópolis, indo até Pedro do Rio (em 01 de abril deste mesmo ano,
começou o serviço de transporte em duas diligências) e depois, para afirmar, mais uma vez,
que a 2ª seção deveria findar na ponte defronte a Vila da Paraíba do Sul, compreendendo o
ramal para Três Barras, “se houver de ser construído por não convir que toque nesse
ponto a linha principal”. [grifo nosso] 71
A missão do engenheiro Lane era definir, então, o melhor percurso que corresponderia
às condições contratuais, em relação à 2ª seção da estrada, sendo-lhe lembrado que os pontos
obrigados pelo convênio são apenas dois: Paraíba do Sul e Três Barras, “o primeiro sempre
como fim; o segundo como ramal ou intermediário.” [grifo nosso] 72
A solicitação de José Manuel ao engenheiro afirmava-se na pretensão da direção da
companhia (contrária à vontade do governo fluminense), aventado em ofícios dirigidos a ele,
de levar a estrada, que construía na província de Minas, pelo registro do Paraibuna até Três
Barras, e não à Vila de Paraíba do Sul. Segundo esta, seria mais dispendiosa e inconveniente a
linha direta a aquela vila, sendo impossível atender as normas de construção determinadas no
contrato, pois era necessário desviar-se do segmento acidentado da estrada de Paraibuna até
Paraíba do Sul e do caminho de Cebolas, embora tendo que vencer a serra do Caniço em
Correias, próximo de Petrópolis.
Assim, para a companhia de Mariano Procópio, os dois trechos da 2ª seção se
“encontrariam” na Ponte de Entre-Rios, a ser construída na região de Três Barras.
71 Relatório da Província do Rio de Janeiro de 1857, digitalizado na página da Center for Research Libraries –
Global Resources Network: Provincial Presidential Reports (1830:1930) Rio de Janeiro/RJ. Disponível no site:
http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/787/000118.html. Acesso em: 10 de set 2011.
72 Ibidem, disponível no site: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/787/000119.html. Acesso em: 10 de set. 2011.
101
Outro motivo para a mudança do itinerário, segundo Eduardo David (2009, p. 110-
111), foi porque Mariano Procópio não conseguiu apoio de Hilário Joaquim de Andrade, o
Barão do Piabanha - presidente da Câmara de Vereadores da Vila de Paraíba do Sul -, e de
João Gomes Ribeiro de Avelar, o Barão de Paraíba, que exigiram a divisão dos pedágios
cobrados para a utilização da Ponte do Paraíba.
A opção era a utilização do ramal por Três Barras, possível de ser concretizado porque
o Major Antonio Barroso Pereira 73 concedeu a extensão de terras necessária para a estrada,
cortando as Fazendas de Cantagalo e Boa União, de sua propriedade, sem cobrança de valor
algum.
Esta alternativa também atendia aos interesses econômicos dos fazendeiros de café da
Zona da Mata mineira, pois a mudança no percurso economizaria 21 km de extensão da
estrada, mesmo que para tanto fosse preciso gastar 400 contos de réis somente na construção
da Ponte de Entre-Rios. O pedágio cobrado seria revertido integralmente aos cofres da
Companhia União e Indústria.
É preciso assinalar que houve manifestação contrária da Câmara Municipal da Vila da
Paraíba do Sul, apresentada por ofício ao governo da Província do Rio de Janeiro, quanto a
esse interesse da empresa, conforme consta do relatório de 1857 74, sustentada nas seguintes
considerações:
1º - que a direção da estrada do Paraibuna até a Vila da Paraíba do Sul, e desta para
Petrópolis, seria mais regular e direta mesmo para a província de Minas-Gerais;
2º - que a finalidade e a intenção do contrato seriam de levar a estrada de Petrópolis á
Vila da Paraíba do Sul, tirando-se o ramal no lugar mais conveniente para a comunicação com
Três Barras, considerando-se a hipótese de seguir a estrada em direção a Três Barras, e deste
ponto à Vila da Paraíba do Sul, apenas no caso da primeira via não atender as condições do
contrato;
73 “O território trirriense nada mais era do que uma grande fazenda chamada Cantagalo. Esta fazenda pertencia
ao Barão de Entre Rios – Antônio Barroso Pereira (Júnior como se vê em alguns documentos). O Barão teve
apenas um casal de filhos, o 2º Barão e Visconde de Entre Rios - Antônio Barroso Pereira (este foi o 3º com o
mesmo nome na família), e a Viscondessa, mais tarde Condessa do Rio Novo - Mariana Claudina Barroso
Pereira.” NASCIMENTO, Cínara Maria Basto Jorge Andrade do. Paraíba do Sul e região. Disponível no site:
http://www.cbg.org.br/cartamensal/CM93.pdf. Acesso em 05 de jan. 2012.
74 Relatório da Província do Rio de Janeiro de 1857, digitalizado na página da Center for Research Libraries –
Global Resources Network: Provincial Presidential Reports (1830:1930) Rio de Janeiro/RJ. Disponível nos sites:
http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/787/000117.html e http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/787/000118.html. Acesso em: 11 de
set. 2011.
102
3º - que a província do Rio de Janeiro preparava-se para construir esta estrada à sua
custa, e a teria executado se a Companhia União e Indústria não se apresentasse para a
realização do projeto;
4º - que sendo a estrada feita com auxílio da presidência do Rio de Janeiro, mediante a
garantia de juros por esta efetuada, e em seu território, a obra deveria ser antes um beneficio
para os habitantes da província, e não para os de Minas Gerais;
5º - que o beneficio da província do Rio de Janeiro somente se conseguiria pela linha
direta de Pedro do Rio à Vila da Paraíba do Sul, porque era grande, à época, a produção das
fazendas de café no entorno do rio Paraíba. Além de sustentar aquela localidade, lugar de
comércio e trânsito de tropas, também não se perderia a grande ponte de pedra defronte a vila,
cujo investimento da província do Rio do Janeiro foi de cerca de 600:000 (seiscentos contos
de réis), ficando abandonada do trânsito;
6º - que os fazendeiros mais importantes da região, incluídos nas terras que se
estendem do rio Paraíba ao rio Paraibuna, e os da margem direita do Paraíba, além de parte
dos fazendeiros de Paty do Alferes e Valença, ficariam privados da estrada, porque a viagem
para eles seria mais longa e mais dispendiosa, com os seus produtos mais sobrecarregados no
preço pelas despesas de transporte;
7º - que a Companhia União e Indústria nunca explorou e nem fez explorar a linha
direta do Pedro do Rio à Vila da Paraíba do Sul o que possibilitaria comprovar ou não, se a
mesma serviria a uma estrada de rodagem.
Encerra o vice-presidente as suas orientações ao engenheiro Cristóvão Bagott Lane,
afirmando que:
“Todas estas considerações de uma parte e de outra, devem ser apreciadas
por Vm para orientá-lo na sua comissão, e fazê-lo compreender melhor a
necessidade que sente a presidência do Rio de Janeiro, de ficar bem esclarecida
para se poder resolver a direção da estrada” 75.
103
Apesar deste resultado e por entender ser mais prudente, em vistas das manifestações
da Vila de Paraíba do Sul, Tomaz G. dos Santos resolveu (...)
“(...) nomear em 23 do dito setembro uma comissão composta do
mencionado coronel Galdino Justiniano da Silva Pimentel, do tenente-coronel
Jacintho Vieira do Couto Soares e do major Sergio Marcondes de Andrade, para,
em vista das referidas plantas, parecer do engenheiro Lane, e demais papéis
relativos a este assunto, estudar de novo o terreno, examinar o antigo traço, e os
trabalhos sobre eles feitos, verificando se seria possível melhorá-lo, e comparar o
resultado de tais investigações com a linha proposta pela companhia; devendo
ainda ter em consideração, indagar, e ponderar o provável volume dos produtos
da província que teria de ser transportado por uma ou por outra das duas
projetadas direções da estrada, averiguando para isso qual delas atravessaria
terrenos mais habitados e produtivos presentemente, qual a que comunicaria tais
outros de maior uberdade, posto que menos cultivados ou produtivos na
atualidade, qual de semelhantes direções a que proporcionaria comunicações a
esta parte da província que mais delas estivesse carecendo; tendo para tal fim em
vista as irradiações das estradas ora existentes nessas localidades; levantando as
necessárias plantas, e fazendo os devidos orçamentos, etc., (...) resolução esta que
comuniquei ao diretor dos trabalhos da estrada o dr. Manoel de Mello Franco
(...)”. 76
76 Exposição realizada pelo Sr. Thomaz Gomes dos Santos, vice-presidente da Província do Rio de Janeiro em
29 de julho de 1858 ao entregar a administração ao presidente conselheiro Antonio N. Tolentino, digitalizado na
pagina da Center for Research Libraries – Global Resources Network: Provincial Presidential Reports
(1830:1930) Rio de Janeiro/RJ. Disponível no site: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/789/000084.html. Acesso em: 12
de set. 2011.
104
“... que começa na margem esquerda do Piabanha e do córrego do Rosário,
segue ao açude da Cachoeira no vale de Jó Grande, subindo pelo morro deste
nome à chácara do doutor Cunha, na estrada velha, de onde continua até o alto do
mesmo morro, e dai segue ao vale do córrego das Marrecas, indo deste ponto á
ponte terminal do Paraíba; (...) é mais vantajosa do que a apresentada pela
companhia União e Indústria, tanto para os fazendeiros do lado ocidental do
município de Paraíba, e parte dos de Valença e Vassouras, (...) como para própria
companhia”. 77
Fotografia 45: Recorte do Mapa da Estrada Real, destacando o trecho em laranja do Caminho Novo,
percurso que, segundo o governo da Província do Rio de Janeiro, deveria seguir a Estrada União e Indústria.
Em cinza claro o percurso da atual BR 040, que liga o Rio de Janeiro/RJ a Juiz de Fora/MG, e que utiliza em
seu itinerário alguns trechos da antiga União e Indústria. 78
105
1
2
Fotografia 46: Planta da Estrada União e Indústria, destacando-se (1) a Estação de Entre-Rios, (3) a
Vila da Paraíba do Sul e (2) a Ponte de Entre-Rios, atual, Ponte das Garças. “Planta e Perfil Longitudinal da
Estrada da Companhia União e Indústria.” (KLUMB, 1995, p. 189)
106
Encerra Thomaz a sua exposição, afirmando que apresentou à Companhia União e
Indústria a conclusão da comissão, não tendo recebido, até a data da apresentação do relatório
junto a Assembléia Legislativa da Província do Rio de Janeiro, resposta alguma. Entendeu
ser...
“Incontestável é que a companhia (...) não convém um traço que a desvie da
sua grande linha de Minas, de que a estrada que atravessa a província do Rio de
Janeiro não é mais do que a continuação e o necessário prolongamento para
chegar ao litoral, em que se acha o grande mercado, que aquela primeira
província demanda”. 79
Estas últimas palavras definem bem o que desejava a companhia naquele momento,
quanto ao traçado da 2ª seção da Estrada União Indústria. Na seqüência dos relatórios, o
embate político/econômico perde sua força.
Mariano Procópio Ferreira Lage conseguiu finalizar seu empreendimento graças às
suas boas relações com o Imperador, e à percepção do Major Antonio Barroso Pereira,
diplomado por D. Pedro II, em 1852, com o título de Barão de Entre-Rios, que vislumbrou
possibilidades de negócios e comercialização da produção de suas fazendas, com a passagem
da estrada em suas terras.
79 Exposição realizada pelo Sr. Thomaz Gomes dos Santos, vice-presidente da Província do Rio de Janeiro em
29 de julho de 1858 ao entregar a administração ao presidente conselheiro Antonio N. Tolentino, digitalizado na
pagina da Center for Research Libraries – Global Resources Network: Provincial Presidential Reports
(1830:1930) Rio de Janeiro/RJ. Disponível no site: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/788/000097.html. Acesso em: 11
de set. de 2011.
80 KLUMB, Revert Henry. Doze horas em diligência – Guia do Viajante de Petrópolis a Juiz de Fora. In:
Anuário do Museu Imperial – Edição Comemorativa. Petrópolis/RJ: Editora Gráfica Serrana, 1995 p. 123.
107
Considerada a maior obra de engenharia da estrada União e Indústria, foi edificada
sobre o rio Paraíba do Sul, com 153 metros de extensão, três vãos de 51 metros e pilares de
1,80 metros de espessura. As vigas da cabeceira mediam 5,30 metros de altura e largura de
5,50 metros, “formando uma caixa em treliça metálica montada no local. O engenheiro José
Keller, responsável pelas obras Aquém Paraíba, acompanhou de perto o serviço de montagem
das peças importadas da Inglaterra.” (DAVID, 2009, p. 107) Foram utilizadas 300 toneladas
de ferro, 12.000 tijolos e 78 metros cúbicos de madeira empregada no soalho.
Fotografia 47: Desenho realizado da fotografia 39, presente no livro de Klumber, que na introdução
afirmou: “Esta obra não tem o merecimento se não o de ser: o primeiro guia ilustrado de desenhos copiados da
fotografia.” (KLUMB, 1995, p. 123, desenho na p. 154) Vê-se à direita a Fazenda das Garças, ausente no
citado registro.
No decorrer dos anos, a Ponte das Garças sofre modificações, tanto para receber os
trilhos da Estrada de Ferro Leopoldina Railway, quanto pela construção, ao seu lado, de uma
108
ponte para a estrada rodoviária, tendo em vista o crescimento urbano de Três Rios para além
da margem direita do rio Paraíba do Sul, em uma das “saídas” para a BR 040, que atualmente
tem seu trajeto passando por fora do centro da cidade, ligando o Rio de Janeiro/RJ a Juiz de
Fora/MG.
A construção da ponte de concreto não tem sua data conhecida pelos pesquisadores da
cidade. No jornal “Arealense”, de sábado, 09 de janeiro de 1926, 81 um acanhado texto, sem
autor, ajuda a esclarecer esta dúvida: “O pontilhão sobre o macadam, próximo à Ponte das
Garças, foi substituído por uma boa e bonita ponte de cimento armado”; sendo possível que a
fotografia 50 seja o registro desta obra.
Fotografia 48: Neste registro realizado entre a década de 1930 e início de 1940, observa-se um ônibus
da Viação Rio-Minas da linha Rio/Juiz de Fora e o seu motorista, que posa ao lado do veículo, na ponte
rodoviária construída ao lado da Ponte das Garças. Ao fundo, destaca-se à direita, a Fazenda das Garças. Sem
informação do fotógrafo, pertence ao acervo Sr. Altair.
Pode-se considerar que a nota seja pequena para uma notícia importante, mas este
informativo apresentava-se com artigos maiores na capa e parte da página 2, e pequenas notas
nas 2 e 3, e a publicidade tomando o espaço total da página 4. Não existe, também, próximo
ao local nenhuma outra ponte, mesmo menor, que pudesse ter noticiada sua construção.
81 PONTE de cimento armado. Arealense. Três Rios/RJ. Ano XXV, sábado, 9 de janeiro de 1926, nº 1.254, p. 3.
109
Na fotografia 48, visualizam-se as alterações realizadas na ponte, no seu lado
esquerdo, para que pudesse receber os trilhos da Estrada de Ferro Leopoldina, permanecendo
ainda os seus pilares originais. O morro à esquerda e ao fundo difere da fotografia 39 por não
possuir mais a sua mata original, consumida a sua madeira com a derrubada das árvores no
decorrer dos anos.
Ao fundo, à direita, aparece a Fazenda das Garças, casarão de estilo neoclássico
construído em 1860, pertencendo, juntamente com os 80 hectares do seu entorno, a três
gerações da família Werneck Santos – na época desta fotografia eram proprietários o Sr.º
Álvaro Werneck e sua esposa Eliza Werneck. Foi vendida em 1997, pela viúva de Antonio
Luiz Werneck Santos, ao empresário Isaias da Silva, que no mesmo ano iniciou a demolição
do prédio com intenção de construir uma moradia moderna. Abandonado o projeto, o casarão
e demais construções foram “esquecidos”, sem preocupação com sua integridade, o que
determinou a ação de vândalos e a sua destruição no início deste século.
Analisando a fotografia, o engenheiro e historiador Eduardo G. David afirmou que
“pelos meus cálculos [esta ponte] deve ter uns 6,20 metros de largura, inferior à atual 82, que
tem uma passagem de pedestre na lateral.” Comparando com a imagem no recorte da
fotografia 50, tem-se que a estrutura metálica não foi modificada desde a realização deste
registro.
Em destaque, também, o ônibus da linha Rio/Juiz de Fora e ao lado, seu motorista.
Este modelo tinha carroceria nacional e mecânica americana. Da marca “International”,
provavelmente foi fabricado no ano de 1934, sendo do tipo C-1, construído pela Empresa
Grassi, fundada em 1904 por iniciativa dos irmãos Luiz e Fortunato Grassi, que possuía
oficinas no nº. 37 da Rua Barão de Itapetininga, em São Paulo/SP. Modelo semelhante
realizava o percurso entre Juiz de Fora/MG e Entre-Rios/RJ, no ano de 1935.
Logo no início do trecho da estrada União e Indústria, na direção que levaria à Estação
Rodoviária, havia a Casa do Pedágio, chalé de madeira no estilo de todas as construções da
empresa, que era utilizada também, como residência do guarda cobrador e sua família.
Nas fotografias 49 e 50, a construção destaca-se bem próxima a Ponte das Garças e a
linha da estrada de ferro. Alguns memorialistas afirmam que, nos dois registros, temos a
figura do importante cronista do jornal “Arealense”, o Antonio Villela de Carvalho Junior -
“Totonho Villela”, que assinava seus artigos com o pseudônimo de “Vê Jota”, na figura do
110
sujeito mais velho. Na primeira imagem, este indivíduo encontra-se no segundo degrau da
escada.
Fotografia 49: Nesta imagem vê-se a Casa do Pedágio, parecendo não estar mais em condições para
servir de moradia, nada indicando que estaria sendo utilizada à época. Na borda inferior à direita, os trilhos da
Estrada de Ferro Leopoldina, que passavam bem à frente. Registro com aproximação temporal entre a década
de 1900 e o final da década de 1930, com fotógrafo desconhecido, acervo Sr.º Altair.
111
“Reconhecida a Leopoldina Railway Company Limited como continuadora
da Companhia Leopoldina (...) foi-lhe concedido (...) privilegio para a construção
[grifo nosso], uso e gozo das estradas de ferro do Areal a Entre-Rios (...)” 83
Desta forma, podem-se estabelecer dois marcos temporais limites para as fotografias
49 e 50: 1900, ano de chegada dos trilhos da Leopoldina em Entre-Rios, e o final da década
de 30, corroborado, também, pela informação do jornal Arealense, analisado anteriormente.
Fotografia 50: Neste registro tem-se evidenciado ao fundo, a Ponte das Garças, alterada na sua
configuração inicial, para receber os trilhos da Estrada de Ferro Leopoldina Railway, e o que parece um trecho
em obras da atual ponte rodoviária, sem as proteções nas suas laterais. Fotografia tomada entre a década de
1900 e o final da década de 1930. Sem informação do fotógrafo, acervo do Srº. Altair.
83 Relatório da Província do Rio de Janeiro de 1899, digitalizado na pagina da Center for Research Libraries –
Global Resources Network: Provincial Presidential Reports (1830:1930) Rio de Janeiro/RJ. Disponível:
http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u869/000033.html. Acesso em: 14 de set. 2011.
112
Fotografia 51: Recorte da fotografia 50, onde se observa, com mais clareza, a Ponte das Garças,
“dividida” numa ponte metálica, que recebeu os trilhos da Estrada Leopoldina Railway, com uma estrutura
diferente da atual, e que pouco lembra a original; e à sua direita, a ponte rodoviária em construção ou
manutenção, tendo no centro o que parece uma pequena cabine.
113
Esta análise confirma a opinião do Sr. Altair Tavares, de que seria o nosso cronista o
indivíduo de terno cinza à esquerda do homem mais velho. Como Villela Junior possuía um
irmão mais novo, é provável que tenhamos o seu pai, Antonio Villela de Carvalho, à direita, e
seu irmão à esquerda de terno branco. Não foi possível identificar o senhor a direita, um
pouco afastado do grupo.
Antonio Villela de Carvalho veio a falecer nesta cidade no dia 8 de julho de 1940,
conforme noticiado no periódico Entre-Rios Jornal 84, que informa, ainda, que nasceu na
localidade Ponte das Garças, em Entre-Rios, no ano de 1864, sendo seus filhos, Antonio
Villela Junior, Julia Villela Pereira, Alice Villela de Freitas, Adalgiza Villela Medeiros, Inaya
Villela de Medeiros e José Villela de Carvalho. A data de sua morte delimita o recorte
temporal da realização das fotografias 49 e 50.
Fotografia 53: Ponte das Garças, imagem da sua parte utilizada como passagem para a estrada de
ferro e que atualmente é apenas uma passarela de pedestres. Tendo em vista a sua importância para a definição
do local onde seria construída a Estação de Entre-Rios, núcleo urbano inicial da Vila de Entre-Rios, este
monumento arquitetônico merecia maiores esforços para a sua preservação. Registro fotográfico de outubro de
2011, acervo André Mattos.
84 ANTONIO Villela de Carvalho. Entre-Rios Jornal. Três Rios/RJ. Ano VI, de 11 de julho de 1940, nº. 287,
capa.
114
Fotografia 54: Ponte das Garças e sua passarela de pedestres. Com mais detalhe, a presença de
ferrugens nas partes de metal. Fotografia de outubro de 2011, acervo André Mattos.
Fotografia 55: Ponte das Garças em um registro de posição similar à da fotografia 39, permitindo
perceber as mudanças ocorridas em 140 anos, desde a sua inauguração, com evidentes sinais de falta de
manutenção nas estruturas de metal; e o grande desmatamento ocorrido nos morros. A ponte tem atualmente de
pista 7,50 metros de largura, e um metro de cada lado de passarela, totalizando cerca de 9,50 metros. Acervo
André Mattos, outubro de 2011.
115
Uma das principais perdas na Ponte das Garças no decorrer dos anos está na
eliminação de seus pilares, como se pode constatar na confrontação das fotografias.
O que fica evidenciado, então, é que Três Rios deve, definitivamente, a sua
localização ao mineiro Comendador Procópio Ferreira Lage, a Antonio Barroso Pereira, o
Barão de Entre-Rios e à Ponte das Garças.
Alguns personagens históricos são celebrados como potenciais fundadores da cidade,
entre eles, a Condessa do Rio Novo e o Barão Ribeiro de Sá, que como veremos na sequência
deste trabalho, realizaram ações que contribuíram para a organização e crescimento dos
espaços de relação social da antiga vila.
Mas apresenta-se de real importância, como marco histórico e elemento definidor do
local onde surgiu o primeiro núcleo urbano da Vila de Entre-Rios, a Ponte das Garças, sem a
qual, muito provavelmente, a história e as memórias deste município, do interior do Estado do
Rio de Janeiro, seriam bem diferentes.
116
2.3.1.2 - Estação Rodoviária de Entre-Rios (Estação das Mudas) e as estações
ferroviárias.
117
terras do Cantagalo, a Companhia fez erguer uma grande estação rodoviária, onde
seus carros de transporte, depois da inauguração, passaram a apanhar e a deixar
cargas, o mesmo fazendo as Diligências em relação aos passageiros.” 85
Fotografia 56: Vista aérea da Fazenda Boa União, inicialmente propriedade do Barão de Entre-Rios,
mas transferida a seu sobrinho José Antonio Barroso de Carvalho - Visconde do Rio Novo, conhecido como
Major Carvalhinho, quando do casamento com sua filha Mariana. Pelas terras desta fazenda passaram as
estradas rodoviária e ferroviária. Fotografia do Arquivo Central do IPHAN.
Sexta e maior das doze estações das mudas da estrada União e Indústria, esta
edificação estabeleceu-se historicamente, como o núcleo inicial na formação da Vila de Entre-
Rios.
O espaço urbano surge como um ativo arraial ao redor da movimentada estação
rodoviária, onde eram embarcadas dezenas de arrobas de café e outras mercadorias, oriundas
das fazendas da Zona da Mata mineira e do Vale do Paraíba (mais próximas), e passageiros,
(existia uma estrada interligando a estação à Vila da Paraíba do Sul) com destino a Petrópolis,
118
e principalmente para a capital do Império, o Rio de Janeiro; transformando-se depois, numa
Vila com um comércio atraente, e possibilidades de conquistas econômicas, para aqueles que
chegavam às suas terras.
Fotografia 57: Vista externa da Estação de Entre-Rios, núcleo inicial da Vila de Entre-Rios – chamada
Estação Barão de Entre-Rios, em homenagem ao fazendeiro Antonio Barroso Pereira, falecido em 8 de maio de
1862, que colaborou com a Companhia União e Indústria, permitindo a passagem da estrada pelas terras da
Fazenda de Cantagalo e da Fazenda Boa União. Fotografia de Revert Henry Klumb, de 1861/1866. As
fotografias de Klumb fazem parte de diversos acervos.
119
interessados em explorar as possibilidades da movimentação resultante do arraial
que a União e Indústria ensejou.” 86
Revert Henry Klumb (1995, p. 150) escreveu que, na Estação de Entre-Rios, durante a
viagem de inauguração da Estrada União e Indústria, realizada em diligências, no dia 23 de
julho de 1861, a comitiva imperial fez parada para descanso e almoço, servido na casa
principal, sendo recebida em festa por políticos, fazendeiros e comerciantes, representantes
militares e eclesiásticos da região.
A obra literária de Klumb foi elaborada, não apenas por meio de suas impressões
realizadas durante aquele dia, mas entre os anos de 1861 e 1872. Por isso, ao relatar este
momento de repouso, descreve também a estação da Estrada de Ferro D. Pedro II – erguida
seis anos após a inauguração da rodovia, tecendo comentários sobre a realização das duas
obras (as estradas rodoviária e de ferro), considerando-as importantes para o progresso do
país, mas asseverando que uma estaria fadada a inutilizar a outra, o que realmente ocorreu.
Antonio Ribeiro de Sá, neto do Barão Ribeiro de Sá, anota em seu livro, baseado na
notícia da viagem de D. Pedro II de Petrópolis/RJ a Juiz de Fora/MG, pela União e Indústria,
publicada no Jornal do Comércio daquele ano, que:
“Um quarto de hora depois de atravessar a ponte [Ponte das Garças],
chegaram à Estação de Entre-Rios. O edifício principal dessa bela estação é de
madeira, com almofadas de reboco de barro rústico, conservando a cor natural,
produzindo lindo efeito.” 87
120
No livro “Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho”, Richard Burton, explorador e
orientalista britânico, narra uma excursão realizada pelos campos e montanhas do Brasil em
1867, da capital Rio de Janeiro às minas de ouro do centro de Minas Gerais, via Petrópolis e
Barbacena, utilizando-se, em grande parte, da Estrada União e Indústria.
Sobre a Estação de Entre-Rios e seu entorno escreveu:
“Às 11h30min da manhã, depois de quatro horas de viagem efetiva,
chegamos a Entre Rios, o meio do caminho. Ali, um almoço – e um mau almoço,
por sinal – esperava os viajantes (...) Em Entre Rios, descêramos para uns 200
metros acima do nível do mar; a atmosfera é desagradável, quente e úmida,
alimentando febres; a água ainda pior. No hotel, portanto, só tratamos de matar o
tempo. Nas imediações, o vale, coberto, outrora, de luxuriantes florestas, foi
limpado para a plantação de café e deverá ser lavrado para o plantio de algodão.
As chuvas torrenciais, seguindo-se às queimadas de todos os anos, arrastaram o
humo carbonífero dos morros para as depressões estreitas, e pantanosas, que são
frias demais para o cultivo; cada córrego é um escoadouro de adubo líquido que
se dirige para o Atlântico, e o solo superficial é de pura argila. Também aqui as
terras sofrem dois flagelos especiais: os grandes proprietários e o sistema de
agricultura herdado dos aborígines, ou vindo da África Central e perpetuado pelos
desleixados métodos de cultura, necessários em toda a parte onde é empregada a
mão-de-obra servil. No Brasil, como na Rússia e no Sul dos Estados Unidos, onde
vastas plantações têm de ser meramente roçadas, o solo virgem constitui um
importante fator, no que diz respeito ao valor real da propriedade territorial; a
falta de adubo e a necessidade de pousios só permitem que seja aproveitada
metade do total das terras – às vezes, mesmo, uma décima parte – para o cultivo
anual. Esse mal deve ser mitigado, antes que o país possa ser colonizado ou
grandemente melhorado, mas não é fácil sugerir uma adequada medida, sem os
males da “desapropriação””. 89
89 BURTON, Richard. Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho – Coleção “O Brasil visto por estrangeiros”,
tradução de David Jardim Júnior. Senado Federal, Brasília, 2001. Disponível no site:
http://www.senado.gov.br/publicacoes/conselho/asp/pdfS.asp?COD_PUBLICACAO=78. Acesso em: 10 de out.
2011.
121
Entendo ser importante para a narrativa a análise de recortes empreendidos na
fotografia da página 123, que apresento a seguir, por esta ser a única conhecida imagem a
perpetuar as memórias relacionadas à estação rodoviária.
Fotografia 58: Recorte da fotografia 57, onde se vê a parte central – com hotel e restaurante – da
Estação Rodoviária de Entre-Rios.
122
sapatos, botas e botinas, símbolos da condição livre ou senhorial no Brasil
escravista, eram consumidos com avidez.” 90
Fotografia 59: Recorte da fotografia 57, onde se tem a extremidade direita da sede principal da
estação.
90 MARINS, Paulo César Garcez. Resumo do texto: A vida cotidiana dos paulistas: moradias, alimentação,
indumentária. Disponível no site: http://www.terrapaulista.org.br/costumes/vestuario/saibamais.asp. Acesso em:
25 de out. 2011.
123
Fotografia 60: Recorte da fotografia 57, onde se observa a extremidade esquerda da sede principal da
estação.
Nestes dois recortes, das extremidades da Estação, vê-se melhor acabamento nas
portas e janelas, e na cerca: entendo ser possível localizar-se os alojamentos dos empregados e
funcionários solteiros, e escritórios da administração. Na fotografia acima, parece haver, no
segundo plano à esquerda, atrás do edifício principal, outra construção semelhante a um
alojamento ou refeitório, pois mais ao centro tem-se uma pequena chaminé, e ao fundo
destaca-se um dos galpões.
Fotografia 61: Recorte da fotografia 57, ainda do prédio principal no seu lado mais a esquerda, vê-se
uma carroça ao centro.
124
Neste, nitidamente vê-se uma carroça estacionada no lado esquerdo da casa central, no
espaço destinado aos armazéns de carga, parecendo conter três sacos em seu interior. A
estação recebia e guardava para futuro transporte a produção de café e outros produtos das
fazendas da região. Percebe-se que a construção tem suas paredes em madeira, e a base com
pedras cortadas.
Fotografia 62: Recorte da fotografia 57, onde se observa a extremidade direita, da sede principal da
estação.
125
Fotografia 63: Recorte da fotografia 57, onde se observa o pátio ao fundo e, no segundo plano, um dos
galpões.
126
Fotografia 65: Recorte da fotografia 57, com a imagem do rio Paraíba do Sul na sua margem
esquerda.
Observa-se pela margem esquerda, vista do rio Paraíba do Sul que corta a cidade de
Três Rios, e que por muito tempo, inundava nos períodos de chuvas intensas. Também
próximo ao local, tem-se região descrita por Richard Burton como “pantanosas, que são frias
demais para o cultivo”, terras com poucas árvores. Ao fundo, os morros com sua vegetação
primitiva, característica da Mata Atlântica, possuindo a região madeiras nobres.
Fotografia 66: Recorte da fotografia 57, com a imagem da sede da Fazenda de Cantagalo, no segundo
plano, ao alto à direita.
127
Neste recorte, observa-se no segundo plano ao fundo, mais à direita e ao alto, a sede
da Fazenda de Cantagalo, de propriedade do Barão de Entre-Rios. Compreendo que a escolha
do ângulo por parte de Klumb deva ao seu desejo de colocar, no mesmo registro fotográfico, a
estação rodoviária e a sede da fazenda que pertencia ao homem que contribuiu para a
realização da obra da estrada União e Indústria, por permitir a passagem da mesma, por suas
terras: “(...) as casas brancas que a um km perdemos de vista, são da Fazenda de Cantagalo,
propriedade da Baronesa de Entre-Rios, mais longe se acha à cidade de Paraíba do Sul,
inteiramente decaída de sua antiga importância (...)” (KLUMB, 1995, p. 150)
Ao fazer esta descrição Klumb, não relaciona como proprietário da Fazenda de
Cantagalo o Barão de Entre-Rios, e sim sua esposa, a Baronesa, provavelmente porque a
fotografia 57 tenha sido realizada após sua morte em maio de 1862.
Fotografia 67: Imagem aérea gerada pelo Google Pro em 2010, presente no Projeto Cultural
Comemorativo dos 150º Aniversário da Rodovia União e Indústria – 1861 – 2011 de Eduardo Gonçalves David.
128
O historiador Hugo Kling (1971, p. 83) escreveu que a parte aos fundos da casa
destinada à recepção dos passageiros, onde existiam dois grandes galpões, localizava-se no
espaço que atualmente abriga a Praça da Autonomia.
Fotografia 68: Primeira maquete da sede da Fazenda de Cantagalo, uma vista de um ângulo acima,
destacando a frente da sede e sua construção em forma de “U”, por Eduardo David de 24/11/2010.
“As obras da casa do major Antonio Barroso estavam seguindo num bom
ritmo. Depois que os quatro lados da casa foram demarcados, formando um
quadrado com 30 metros de lado, com faces orientadas para os pontos cardeais,
foi só subir paredes grossas, de um metro de largura. A base de pedra, (...) tinha a
forma de U, com a parte aberta para o lado do rio, que passava nos fundos. Na
frente seria construída uma grande escada, que se elevaria mais de 3 metros, para
abrigar em baixo, como um porão, cômodos para as atividades de apoio:
armazenagem de alimentos, guarda de arreios, de ferramentas e um pequeno
129
escritório onde pessoas que não gozavam da intimidade necessária para serem
convidadas a subir até a varanda, ali em baixo seriam atendidas.” 91
Fotografia 69: Segunda maquete da sede da Fazenda de Cantagalo, vista lateral da entrada, que tinha
janelas voltadas para a margem esquerda do rio Paraíba do Sul, sendo possível ainda, perceber a sua
construção em forma de “U”, por Eduardo David de 24/11/2010.
Fotografia 70: Terceira maquete da sede da Fazenda de Cantagalo, em uma das vista laterais, por
Eduardo David de 24/11/2010.
130
Fotografia 71: Quarta e última maquete da sede da Fazenda de Cantagalo, por Eduardo David de
24/11/2010, por Eduardo David de 24/11/2010.
Fotografia 72: Desenho publicado no jornal O Cartaz, representando a Fazenda de Cantagalo, sem
autor conhecido.
Este mesmo periódico noticiou, na sua edição de nº. 19, de 08 a 14 de janeiro desse
mesmo ano, que havia sido encontrado por Jobal Soares de Azevedo e Pedro Paulo de
Oliveira França, dois pilares de pedras da sede da Fazenda de Cantagalo (circulado de
amarelo no desenho).
Relíquias históricas, únicas conhecidas da sede da fazenda, pertenciam, conforme
testamento da Condessa do Rio Novo, à Casa de Caridade de Paraíba do Sul. As pedras, com
131
mais de um século, estavam num terreno no bairro de Vila Izabel, de propriedade da
Prefeitura Municipal de Três Rios. Noticiado em edições posteriores, os pilares seriam
confiados pela Mesa Administrativa da Casa de Caridade de Paraíba do Sul ao Museu
Rodoviário do distrito de Paraibuna, em Comendador Levy Gasparian.
Fotografia 73: Jobal Soares de Azevedo e Pedro Paulo de Oliveira França, ao lado das pedras
pertencentes à Fazenda de Cantagalo. Tomada externa do terreno em que foram encontradas. Imagem
fotográfica reproduzida de registro publicado no periódico O Cartaz, de Três Rios/RJ, sem autor definido,
acervo André Mattos.
132
Estrada de Ferro D. Pedro II e da Leopoldina Railway Company Limited, como veremos a
seguir.
133
2.3.1.2.2 – Estações Ferroviárias da Estrada de Ferro D. Pedro II e da Estrada de
Ferro Leopoldina Railway Company Limited.
134
importante é para a viação do Estado e principalmente para esta capital, foi
autorizado o trafego provisório em 18 de Maio de 1900.
Acha-se em estudos definitivos o trecho entre Entre-Rios e Serraria, tendo
16 km, 950 ms em território fluminense e 2 kms, 747 ms em território mineiro. Esse
prolongamento da Leopoldina parte do km 91 + 27 ms da linha Grão Pará,
ficando o ponto de partida distante 2.177 ms da nova estação de Entre-Rios.” 94
As duas ferrovias, em conjunto com a União e Indústria, foram vetores para a gênese
de representações socio-economico-geográficas, que acompanham a cidade por toda a sua
história, elementos responsáveis diretamente pelo seu crescimento urbano e populacional. O
município é considerado o maior entroncamento rodoferroviário do país, realidade que
margeia as palavras atribuídas ao presidente Juscelino Kubitschek, de que “Três Rios é a
esquina do Brasil”.
A chegada da Estrada de Ferro D. Pedro II determinou uma drástica diminuição na
utilização comercial da estrada União e Indústria, e também do caminho que interligava a Vila
de Entre-Rios ao município sede de Paraíba do Sul, conforme escreveu Esperidião Eloy de
Barros Pimentel, então Presidente da Província do Estado do Rio de Janeiro, no relatório de
21 de maio de 1867:
“Atendendo as informações que prestou-me a diretoria de obras acerca da
estrada de Entre—Rios, ordenei—lhe que se despendesse administrativamente a
quantia de 980$1OO com os concertos de que mais ela carecia, constando-me que
tais obras vão em andamento. Devo observar a V. Ex. que não convêm empregar-
se maiores capitais nessa estrada, porque logo que a via férrea de D. Pedro II
chegue á estação da Paraíba do Sul será inevitável o seu abandono. [grifo nosso]
Percorre ela o espaço que separa aquela vila da estação de Entre-Rios na
estrada companhia União & Indústria, margeando continuamente o Paraíba.
Conduz para aquele ponto parte dos produtos da lavoura do município da Paraíba
do Sul e os do lado oriental da freguesia de Santa Thereza de Valença.” 95
94 Relatório da Província do Rio de Janeiro de 1900, digitalizado na pagina da Center for Research Libraries –
Global Resources Network: Provincial Presidential Reports (1830:1930) Rio de Janeiro/RJ. Disponível no site:
http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u870/000010.html. Acesso em: 14 de set. 2011.
95 Relatório da Província do Rio de Janeiro de 1867, digitalizado na pagina da Center for Research Libraries –
Global Resources Network: Provincial Presidential Reports (1830:1930) Rio de Janeiro/RJ. Disponível no site:
http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u846/000001.html. Acesso em: 14 de set. de 2011.
135
à Companhia da Estrada de Ferro D. Pedro II, por meio do Decreto Imperial 3.503 de 1º de
julho de 1865.
Assim, durante anos, as estradas de ferro sobrepujaram as rodovias em importância,
tanto para o transporte de passageiros, quanto, e principalmente, para o transporte de cargas.
Os elementos urbanos sociais que surgiram com as estradas e estações ferroviárias, e
com os trabalhadores envolvidos em sua construção, são marcos de identidade que se
tornaram fundamentais na formação da memória dos espaços de relação de diversos
municípios, ao longo de um período demarcado pelos dois últimos quartos finais do século
XIX, até pelo menos, a década de 50 do século XX.
A Companhia Estrada de Ferro D. Pedro II, além da Estação
Ferroviária, construiu em sua proximidade, “um depósito de máquinas e
uma oficina mecânica para reparo do material rodante e, como é lógico,
empregando-se aí mais de cinqüenta operários que precisavam ter onde
morar”.
Fotografia 74: Vista externa de algumas das possíveis casas construídas pela Condessa do Rio Novo.
Acervo André Mattos, 11 de janeiro de 2012.
136
Esta movimentação de pessoal demandou a construção, pela Condessa do Rio Novo
(seu marido, o Visconde do Rio Novo, faleceu em 1869), de mais residências na Vila de
Entre-Rios, casas geminadas, que conforme informação do historiador Hugo Kling, “ficaram
conhecidas como as casinhas da Vila” (KLING, 1971, p. 84) localizadas, segundo este autor,
no quadrilátero formado hoje pela Rua Antônio Carlos, Rua 15 de Novembro, Martins Paixão
e a via férrea.
137
também à Linha Auxiliar, e do ponto de junção com a Estrada de Ferro Leopoldina, irradiava
para toda a rede mineira
Fotografia 75: Vista da Estação Ferroviária de Entre-Rios, fotografia de autoria de Revert Henry
Klumb, de 1867/1972. Foi realizado no mesmo local do registro nº 56, o Morro Áureo.
Fotografia 76: Recorte da fotografia 75, onde se vem algumas (1) casas e a (2) estrada para a Fazenda
de Cantagalo.
138
fotografia nº 57 representativa da Estação de Entre-Rios, bem como, constata-se a eliminação
de algumas árvores no local.
Fotografia 77: Desenho realizado da fotografia 75, presente no livro de Klumb. (KLUMB, 1971, p.
150)
Fotografia 78: Recorte da fotografia 75, destacando-se o estado de abandono da Estação Rodoviária,
e um prédio com construção mais moderna, à esquerda no primeiro plano, que também aparece na imagem 77.
139
O primeiro segmento foi concluído em 1858, da estação Dom Pedro II até Belém
(Japeri), depois subindo a serra das Araras, chegando a Barra do Piraí em 1864. Seguindo
adiante em direção a Paraíba do Sul e depois Entre-Rios, e desta localidade, utilizando-se de
trechos da União e Indústria por Paraibuna, chega a Juiz de Fora em 1875; trajeto que atendia
as necessidades dos Fazendeiros do Vale do Paraíba e da Zona da Mata Mineira, facilitando e
diminuindo os custos no transporte de seus produtos.
Fotografia 79: Neste mapa em vermelho tem-se o trecho inicial da E. F. Dom Pedro II e circulado em
amarelo temos o ramal da Estrada de Ferro Leopoldina na linha-tronco de Saracuruna até Entre-Rios, que
seguiu depois para Caratinga/MG. 98
140
Ltda”, que assumiu a direção do empreendimento, sendo reconhecida como continuadora,
pelo Decreto nº 496 de 12 de novembro de 1898.
Fotografia 80: Vista externa da Estação de Pedras da Estrada de Ferro Leopoldina, entendida como
um posto auxiliar da estação maior da Linha do Centro da Central do Brasil, localizada a dois quarteirões da
estação da Central do Brasil, na área urbana central da cidade de Três Rios. Fotografia da década de 70,
acervo André Mattos.
Esta malha ferroviária permitiu um maior fluxo de pessoas entre a capital, Rio de
Janeiro, o interior do estado e Minas Gerais. Assim, o trânsito de passageiros cresceu, e entre
141
estes, estrangeiros que migraram para o Brasil, em busca de oportunidades de trabalho e
renda, levando muitos a se fixarem nos novos centros urbanos, que se formaram no entorno
das estações ferroviárias.
Fotografia 81: Vista panorâmica, onde se observa a Estação de Três Rios da Leopoldina (no centro é o
quarto telhado) ainda em atividade nesta fotografia de 1968 de autor desconhecido, 100 com o pátio, à direita
repleto de composições. Vê-se também a Rua Barão do Rio Branco – no momento do ato-fotográfico sem a
presença de pessoas e automóveis -, e, à sua esquerda ao centro, a sede do antigo Colégio Entre-Rios. A fundo,
num segundo plano à direita, ainda em construção o edifício Saint Etienne, localizado no entorno da Praça da
Autonomia.
142
construção de estradas de ferro ou rodovias sempre foi utilizada pelos poderes federal,
estadual e municipal como demonstração inequívoca de progresso.
A existência do município está, então, intimamente unida a estes dois fatores: a
denominação do arraial de Entre-Rios é uma conseqüência da Estação Rodoviária (que
recebeu este nome em homenagem ao Barão de Entre-Rios) e ao fluxo de pessoas e de valores
econômicos, que esteve por muito tempo atrelado aos três principais empreendimentos: a
estação rodoviária e as estações ferroviárias.
A importância geográfica da antiga vila por oferecer “caminhos” para a continuidade
do projeto ferroviário do II Império brasileiro proporcionou a construção, em 1871, de uma
cabine em comemoração à investida da ferrovia ao rio São Francisco que, infelizmente,
desvalorizada enquanto marco da história da cidade, encontra-se completamente abandonada.
Fotografias 82 e 83: Cabine construída durante a presidência de Mariano Procópio junto a E.F.D.
Pedro II em frente a chave que mudava a linha em direção à Serra da Mantiqueira no Estado de Minas Gerais.
Observa-se nas duas fotografias a presença de placas comemorativas fundidas nas oficinas que a ferrovia
possuía na Vila de Entre-Rios. Fotografias com marco temporal e autores desconhecidos, do acervo digitalizado
de André Mattos.
Nesta obra foram anexadas, nas laterais sem portas, três placas de bronze, com os
seguintes textos: 1ª placa: “Pelo Ministério de 16 de julho de 1968 sendo Ministro da
Agricultura Comercio e Obras Públicas o Exmo. Sr. Cons. Diogo D`Albuquerque foi
143
apresentada a proposta para o prolongamento até o Rio das Velhas”; 2ª placa: “Por ordem do
Exmo. Sr. Cons. Theodoro Prado, Ministro da Agricultura Comercio e Obras Públicas exara
em ofício de 17 de julho de 1871 foram começados os trabalhos da Linha Central ao Rio das
Velhas” e 3ª e última placa: “Sob o reinado do S. M. O. Imperador senhor D. Pedro Segundo
foram inaugurados os trabalhos da Linha do Centro em seis de agosto de 1871”.
Fotografias 84, 85, 86, 87: Estado atual deste importante marco da memória do processo inicial de
formação da cidade de Três Rios, completamente abandonado, sem as placas comemorativas há muito
roubadas. Fotografia de dezembro de 2011 da coleção digitalizada de André Mattos.
144
Neste primeiro momento do recorte temporal da pesquisa, definido entre os anos de
1861 e 1890, as terras das Fazendas de Cantagalo e Boa União recebem a edificação da Ponte
de Entre-Rios – obra que possibilita a passagem da estrada União e Indústria -, e das Estações
Rodoviária e Ferroviária de Entre-Rios, configurando-se no núcleo populacional que, no
decorrer dos anos, se transformaria na cidade de Três Rios.
A partir da chegada das ferrovias, começam a ser redesenhados novos campos de
trabalho e circulação de capital, não só nas estações e oficinas, mas no comércio, na indústria,
e nas profissões liberais; ensejando a construção dos espaços de relação: edifícios para lojas
comerciais, bancos e indústrias, casas residenciais, ruas, igrejas e praças; reafirmando assim, a
condição das Companhias Ferroviárias de servirem como agentes de desenvolvimento
regionais. São estas novas edificações, construídas no processo de crescimento do espaço
urbano, que aparecem retratadas nas fotografias inseridas no próximo capitulo.
145
CAPITULO I I I
Mauro Kleiman afirma que o “transporte por modal ferroviário foi aquele que primeiro
propiciou a tentativa de integração no território brasileiro na escala regional e urbana” (2006).
Segundo esse autor, as ferrovias foram substituídas como principal meio de transporte
regional e urbano de passageiros e de mercadorias, a partir de 1930 e, de maneira mais
101 INDÚSTRIA, Padilha, Miguel. O Jornal de Três Rios. Três Rios/RJ, nº. 2, 28 de abril de 1960, capa.
146
intensa, durante a segunda metade da década de 1950, ocorrendo deslocamento desta função
para “o modal alternativo automotivo, como elemento articulador do território” (KLEIMAN,
2006), em função da instalação da indústria automobilística no Brasil.
O núcleo urbano da Vila de Entre-Rios tem o seu termo inicial, como visto no capítulo
II, na construção da Ponte de Entre-Rios e da Estação Rodoviária, desenvolvendo-se
geograficamente, com o passar dos anos, em direção à margem do rio Paraíba do Sul, no
entorno da estrada União e Indústria, e nos trechos das estradas de ferro, conforme demonstra
a imagem abaixo.
1 2 3 4 5 6
9
7 8
Fotografia 88: Fotografia que permite uma visão panorâmica do ainda distrito de Paraíba do Sul/RJ,
Entre Rios. Registro realizado entre 1937 e 1938, com autor desconhecido, acervo André Mattos.
147
Neste registro fotográfico, sinalizo pontos de referência ao crescimento espacial da
cidade, no que atualmente, é definido como o centro de Três Rios. É possível considera-lo
entre os anos de 1937 e 1938, tendo em vista observar-se na imagem (7) o Hospital Nossa
Senhora da Conceição, que teve a cerimônia do lançamento e benção da pedra fundamental
realizada em 14 de março de 1937, sendo inaugurado em 24 de abril de 1938, ao lado da
igreja do mesmo nome, e não constar o Cinema Glória 102, construído no final de 1938.
No segundo plano (3) o antigo trecho da União e Indústria, vindo da Ponte das Garças,
passando pela Estação Ferroviária da Central do Brasil, atravessando a linha férrea no Largo
do Barulho (seta amarela), passando pela (9) Praça Salim Chimelli (destruída no final de 2012
para a construção de um viaduto), seguindo em direção às terras da antiga Fazenda Boa União
(seta branca).
No lado direito da imagem (6) a Igreja Matriz de São Sebastião, (5) o espaço onde foi
construída a Praça Vicente Dias, atual São Sebastião, ao centro no segundo plano (4) o rio
Paraíba do Sul, que tem seu percurso ocorrendo da direita para esquerda neste registro, e (8) o
trecho da Estrada de Ferro Central do Brasil. À esquerda, vê-se (1) o Cemitério São José, e (2)
um campo de futebol no Morro Áureo, utilizado pelo Central S. C. e depois pelo Entrerriense
F. Clube – estes morros separam o centro da cidade do bairro Vila Izabel.
Essas terras hoje formam o núcleo principal da cidade e alguns dos seus bairros. A
renda gerada foi revertida para a Casa de Caridade de Paraíba do Sul/RJ, fundada em 11 de
agosto de 1881. A Condessa veio a falecer em Londres, onde se encontrava em tratamento de
saúde, no dia 5 de junho de 1883.
148
Fotografia 89: Planta topográfica da Fazenda de Cantagalo, primeira carta cadastral da Vila de
Entre-Rios. Fonte: DE SÁ, Antonio Ribeiro.
149
Fotografia 90: Detalhe ampliado da planta topográfica da Fazenda de Cantagalo. Fonte: DE SÁ,
Antonio Ribeiro.
150
A construção das estações, o loteamento das terras próximas a elas e a presença de
funcionários das companhias e suas famílias, possibilitaram o surgimento de pequeno centro
urbano, que cresceu consideravelmente, num período relativamente curto de 80 anos (1861 a
1940).
A população da Vila de Entre-Rios foi se formando, também, com a vinda de
portugueses, sírios, espanhóis, alemães e ingleses (estes para a construção das estradas
rodoviária e ferroviária, respectivamente), e brasileiros natos, contando ainda, com a presença
dos negros escravos libertos das fazendas de café e seus descendentes.
“Nos primórdios de cidade em formação, os emigrantes estrangeiros são os
pioneiros no comércio local. Esta cidade não fez exceção, à regra. Para cá, então
afluíram os Srs José Nasser, Alexandre Kalil, os irmãos Salim e Pedro Chimelli,
Simão Kalife e Rezhala Kalife, Jorge Moor, Abrahão José Mansur e Michel José
Farah, estes no ramo de fazenda e armarinho. Os primeiros lojistas de Três Rios.
No ramo de cereais tivemos os Srs Benardino Osório, Alberto Domingos Ferreira,
João Nery Gama, Miguel Hagge, os irmãos Antonio, Joaquim, Acácio, Manoel
Ferreira Álvares, os quais foram precedidos pelo tio, Quintino Pinto Álvares.
Foram sírios libanezes e portugueses, que iniciaram o comércio trirriense (...)” 105
105 BRAVO, Aparecida. Gente que aqui viveu, gente que aqui vive. Revista do 4º Seminário dos Clubes de
Diretores Lojistas do Estado do Rio de Janeiro. Três Rios/RJ, 21, 22 e 23 de abril de 1967. Composta e Impressa
na Gráfica Três Rios, p. 32.
106 SUB-PREFEITURA. Arealense. Entre-Rios, atualmente, Três Rios/RJ. Ano XXVI, de 20 de março de 1937,
ed. nº. 1.632, p. 4.
151
mas Entre-Rios carecia de intervenções político-administrativas da prefeitura de Paraíba do
Sul.
Não havia ruas calçadas (inicialmente eram de terra batida) e com iluminação pública,
a água era obtida em poços ou entregues pelas carroças d´água, e a energia produzida pela
Companhia de Eletricidade em Paraibuna era insuficiente para atender a crescente demanda.
No jornal Arealense de sábado, 13 de março de 1926, 107 tem-se a informação que o
distrito de Entre-Rios foi responsável, no ano anterior, por uma arrecadação (renda de
impostos) de 91:985$527, possibilitando a criação na localidade de uma Agência da
Prefeitura, em conformidade com a Lei Estadual nº. 1986, de 10 de novembro de 1925. Após
a implantação da sub-prefeitura, quase sistematicamente o jornal Arealense passou a publicar
em suas edições, relações divulgando o número de novas residências, lojas, veículos,
impostos arrecadados, procurando evidenciar o crescimento do distrito.
2
1 3
8 6
4 5
7
Fotografia 91: Panorâmica do distrito de Entre-Rios na década de 10, sem fotógrafo conhecido,
acervo André Mattos.
107 SESSÃO da Câmara: Entre-Rios será grandemente beneficiado pela deliberação nº. 322 da câmara.
Arealense. Entre-Rios, atualmente, Três Rios/RJ. Ano XXV, de sábado, 13 de março de 1926, ed. nº. 1263, p. 2.
152
trecho (3) da Estrada União e Indústria – Rua da Condessa, (atualmente Avenida Condessa do
Rio Novo), e da (5) linha férrea da Estrada de Ferro Central do Brasil, na direção oposta à sua
estação e pátio de manobra. Esta fotografia foi publicada na edição nº. 54 do O Jornal de Três
Rios, que circulou em 3 de maio de 1961, com informação que o registro seria de julho de
1914, e pertencia ao Srº Guilherme Bravo, editor proprietário do jornal Arealense.
153
Fotografia 92: Vista da Rua Visconde de Entre-Rios, atualmente Rua da Maçonaria, onde se percebe o
calçamento feito com moinha de carvão por cima da terra batida. No primeiro plano, à esquerda a sede da Loja
Maçônica 25 de março, inaugurada em 1899. Ao centro, dois indivíduos adultos e uma criança, com outras
pessoas no segundo plano. Os postes não possuíam lâmpadas. Fotografia da década de 20, sem autor
conhecido, acervo Profª. Ezilma Teixeira.
Fotografia 93: Fotografia do centro do distrito de Entre-Rios, entre a primeira metade da década de
1910 e o inicio da década de 1920. Sem informação do seu autor, acervo André Mattos.
154
A fotografia nº 93 também permite observar aspectos da formação urbana do distrito
de Entre-Rios. Do mesmo período temporal da anterior, destaca-se à direita a estação
ferroviária da Estrada de Ferro Central do Brasil (em detalhe na fotografia 94), com seu
depósito e pátio de manobra repleto de vagões. Ao centro à esquerda, a Estação de Pedra da
Estrada de Ferro Leopoldina com seu pátio, onde é possível ver uma locomotiva em partida
(expelindo fumaça). Os trens entravam no pátio de ré, após manobra no atual bairro do
Triângulo, depois de atravessar a Ponte das Garças.
Fotografia 94: Vista externa da Estação Ferroviária de Entre-Rios, do mesmo período das anteriores,
possibilitando perceber a movimentação de passageiros e trabalhadores da ferrovia, com destaque para o
homem realizando manutenção no telhado da estação. À direita, a plataforma onde está escrito Entre-Rios.
Fotografia sem autor conhecido, acervo Sr.º Altair.
É possível apreender que não havia postes de luz. No segundo plano, à direita no alto,
a Igreja Nossa Senhora da Conceição. Em primeiro plano, destacando-se, isolado em um
amplo terreno, o prédio do Clube Recreativo e Musical Henrique Mesquita, fundado por volta
de 1890, tendo sua sede construída no ano de 1904, local de saraus e apresentações teatrais,
conforme informa Hugo Kling:
155
“(...) e não tardou muito a ser, no mesmo salão, improvisado um palco no qual os
irmãos Cornélio e Felinto Guerra, coadjuvados por familiares e pelo jovem João
Amâncio, como eles ferroviário, passaram a levar à cena peças muito boas como
“A Escrava Isaura” e “A Cabana do Pai Tomás.” 111
1 2
4
5 6
Fotografia 95: Fotografia do centro do distrito de Entre-Rios, como as anteriores, realizada entre
década de 1910 e 1920, sem informação do seu autor, acervo André Mattos.
156
Fotografia 96: Fotografia da Rua Campos Elíseos, atualmente, Rua XV de Novembro, com destaque
para o prédio da Subestação Elétrica da CIE – Companhia Internacional de Eletricidade, e para o calçamento,
também realizado com moinha de carvão, sobre chão de terra batida. Observa-se ao centro um homem e uma
carroça puxada por cavalo, uma criança atravessando a ponte e dois homens na entrada da subestação, à
direita. Registro da década de 1920, sem autor conhecido, acervo Sr. Altair.
157
1
Fotografia 97: Fotografia do distrito de Entre-Rios, também tomada entre década de 1910 e 1920, sem
informação do seu autor, acervo André Mattos.
Nas duas próximas imagens, tem-se a primeira praça arquitetada no distrito de Entre-
Rios, um espaço arborizado próximo ao Largo da Capelinha e a Estação Ferroviária da
Central do Brasil, onde durante as décadas primeiras do século XX, ocorriam as
manifestações políticas, culturais e cívicas, como as apresentações da Banda 1º de Maio e as
manifestações em favor da emancipação.
Um dos espaços urbanos mais arborizados do município, sua denominação atual é uma
homenagem aos autonomistas que se reuniam sob as sombras de suas árvores e junto ao
coreto – destacado na fotografia 99. Com o tempo, foi perdendo em importância e valor para a
Praça São Sebastião, apesar de existirem ao seu redor diversas lojas e prédios comerciais, o
maior supermercado da cidade e a rodoviária municipal, conhecida popularmente como
“rodoviária velha”, recebendo um grande fluxo de pessoas diariamente.
158
Fotografia 98: Vista do Parque Oscar Weinchenk, onde, no primeiro plano, aparecem três crianças e
ao fundo o Coreto, com mais três crianças à sua frente. Registro sem autor conhecido da década de 1920,
acervo André Mattos.
Fotografia 99: Segundo registro do Parque Oscar Weinchenk, destacando ao fundo o Coreto que existe
no local até os dias de hoje, com um grupo de crianças à frente, e ao centro, no primeiro plano, à esquerda, um
possível guarda. A imagem permite perceber também as plantas e árvores dos jardins. Fotografia sem autor
conhecido, realizada na década de 1920, acervo André Mattos.
159
Seu tempo de “glória” está intimamente ligado ao movimento de pessoas junto à
Capela de São Sebastião, no Largo da Capelinha e a Estação Ferroviária da Central do Brasil.
“Há muito que carecia de uma limpeza a Rua Nelson Vianna, nas valas que
a margeiam, por se acharem imensamente sujas, em completo lodaçal que exalava
constantemente um fétido insuportável, que vinha por certo em prejuízo da higiene.
Não se via uma providência siquer, dada por quem de direito, e assim o tempo
passava sem uma medida preventiva. Nas ocasiões de chuvas, não dando
escoamento, as águas alagavam as ruas, tornando-as intransitáveis. Agora,
porém, por um espírito de verdadeiro altruísmo o Sr. Major João da Costa Ribas,
não fazendo como todo fazendeiro ou capitalista que necessita de trânsito, mas que
se não move em uma iniciativa porque o seu rico dinheirinho não se gasta para o
bem público, prontificou-se a fazer, com uma grande turma de trabalhadores,
concerto na estrada União e Indústria, e então vendo que estas valas
prejudicavam, assim na imundice a que se viam, a saúde pública, estabeleceu-lhes
a respectiva limpeza. Fica devendo o povo de Entre-Rios uma gratidão ao Major
Ribas. E a oportunidade aproveitamos para chamar a atenção dos poderes
competentes para outras valas em outras ruas que requisitam limpezas” 112
112 Coluna de notícias do jornal Arealense. Entre-Rios, atual Três Rios/RJ. Ano X, quinta-feira, 15 de setembro
de 1910, p. 2.
160
Arealense dos anos das décadas de 1910 e 1920, quase sempre relacionadas à capacidade de
arrecadação de rendas pelo distrito.
Percebe-se, nas fotografias anotadas neste capítulo, que a partir das primeiras décadas
do século XX, seguindo não só a organização “imposta” pelo desejo da Condessa do Rio
Novo em seu testamento, mas também as deliberações quanto à formação da primeira planta
cadastral do município, pelo Barão Ribeiro de Sá, Entre-Rios teve seu centro urbano
formatado, principalmente, no entorno das estações e estradas rodoviárias e ferroviárias, bem
como, num momento seguinte, em direção às margem esquerda do rio Paraíba do Sul.
161
3.1.2 – O movimento de emancipação político-administrativa e a continuidade do
crescimento urbano de Entre-Rios, na década de 1930.
Fotografia 100: Fotografia externa da Rua Maria Pereira, atualmente Rua Drº Walmir Peçanha.
Fotografia sem autor definido, da década de 1920, acervo Profª Ezilma Teixeira.
162
“Data de longos anos o justo desejo dos entrerrienses de conquistarem sua
independência. Para comprová-lo, vamos recordar que, em 1921, por ocasião do
abastecimento d’água local, e do lançamento da pedra fundamental do grupo
escolar, uma comissão dirigiu-se ao exmo. Sr. Dr. Raul Veiga [presidente do
Estado do Rio de Janeiro entre 1918 e 1922], para pedir a sua ex. que assentisse na
elevação de Entre-Rios a vila.” 114
Neste mesmo dia, uma comissão foi eleita para representar a LPER na posse do
presidente do Estado do Rio de Janeiro, Deputado Manuel de Mattos Duarte Silva, em
dezembro de 1927.
O distrito continuava em processo crescente de urbanização, conforme se constata no
registro 101, do início da década de 1930. Na imagem é possível visualizar o prédio (1) do
Grupo Escolar Condessa do Rio Novo, inaugurado em 3 de maio de 1928, e que serviu
durante alguns anos como sede da Comarca de Três Rios, e que atualmente, abriga no seu
andar térreo, o Juizado Especial Civil, e no andar superior, a Casa de Cultura e Secretaria de
Cultura do Município de Três Rios.
114 TUDO por Entre-Rios. Arealense. Entre-Rios, atual Três Rios/RJ. Ano XXVII, sábado, 26 de novembro de
1927, nº. 1351, capa.
115 NOBILÍSSIMAS aspirações III. Arealense. Entre-Rios, atual Três Rios/RJ. Ano XXVII, sábado, 15 de
outubro de 1927, nº. 1345, p. 2.
116 OS FINS da Liga Progresso de Entre-Rios – seu programa. Arealense. Entre-Rios, atual Três Rios/RJ. Ano
XXVII, sábado, 24 de dezembro de 1927, nº. 1355, capa.
163
1 2
164
No segundo plano à direita, temos (2) o Armazém Regulador de Café do Estado de
Minas Gerais, construído no governo do presidente, Drº Antonio Carlos Ribeiro de Andrada,
inaugurado em 24 de novembro de 1928.
No primeiro plano à esquerda, (3) vê-se o Posto dos Consertadores, observado também
no registro abaixo, destruído após a explosão de um vagão carregado com munição,
conduzido pelo trem do 12º Regimento de Infantaria de Belo Horizonte/MG, que se dirigia à
cidade de São João Del Rey/MG, procedente de São Paulo, após o término da Revolução
Constitucionalista de 1932. A imagem possui em seu verso a informação da data, da cidade e
do evento principal, além de um carimbo da Óptica R. Haack, com endereço na Av. 15 de
novembro, em Petrópolis/RJ. Em 29 de novembro de 1973, Frederico Haack, escreveu no site
da Fotolog:
Fotografia 102: Registro da destruição causada pela explosão de vagão de carga com munição, vindo de
São Paulo. Sem informação do seu autor, acervo André Mattos.
165
As imagens panorâmicas demonstram que os espaços entre a Estação Ferroviária e as
margens do rio Paraíba do Sul foram sendo preenchidos no transcorrer dos anos. Para realizar
as obras de construção de residências e organização de ruas, foi necessário proceder a
aterramentos, pois os mesmos recebiam as águas deste rio durante os períodos de cheias.
Fotografia 103: Fotografia publicada no periódico Entre-Rios Jornal, edição de nº. 63, que circulou
em 2 de abril de 1936, ilustrando matéria sobre as enchentes do Rio Paraíba do Sul. Nesta imagem, apesar da
pouca qualidade, é possível perceber no primeiro plano, abaixo, as águas transbordadas e os indivíduos –
adultos, jovens e crianças do sexo masculino, um deles a esquerda sentado em uma bicicleta -, na Rua Barão do
Rio Branco, que fica no centro da cidade. Registro do acervo André Mattos.
166
A fotografia 104 confirma o crescimento urbano ocorrido no distrito de Entre-Rios, no
período entre 1910 e os anos iniciais da década de 40, em comparação com os registros
panorâmicos anteriores.
Bem ao centro, tem-se na imagem o (1) prédio do Cinema Glória, que foi inaugurado
em novembro de 1938, além de um número maior de residências, edificações e ruas. No
segundo plano à esquerda, o (4) campo de futebol do Entrerriense F. C., onde hoje existe o
prédio da FAETC (no antigo CIEP do Morro Áureo), e no centro, (2) a Rua Walmir Peçanha;
mais embaixo (7) a Rua Barão do Rio Branco e a direita no centro, (3) a Rua Barão Ribeiro de
Sá, atual Rua Presidente Vargas.
4 5 6
1 2 3
Fotografia 104: Panorâmica do distrito de Entre-Rios, entre o final do ano de 1938 e início de 1940,
sem informação do seu autor, do acervo Srº Altair.
167
As fotografias testemunham o revelado no artigo sem autor definido, publicado no
jornal Arealense, de 7 de agosto de 1926:
Bem que não seja de direito uma cidade, Entre-Rios o é de facto pela
densidade de sua população, pelo crescente movimento de seu comércio, pelo
desenvolvimento grandioso de suas indústrias (...)
168
banhado pelo majestoso e poético Paraíba. E verá como o nosso solo está
pontilhado de habitações e como as nossas ruas se movimentam num frenesi que
encanta e que entusiasma aos que desejam e vão conseguindo o desenvolvimento
de Entre-Rios.” 118
3 5 6
2 4
1
7 8
Fotografia 105: Panorâmica do distrito de Entre-Rios, realizada no final dos anos de 1930, sem
informação de autor, acervo Srº Altair.
118 ENTRE-RIOS e seu progresso. “Arealense”. Três Rios/RJ. Ano XXVI, sábado, 7 de agosto de 1926, edição
nº 1283, capa, (transcrito conforme publicado a época).
169
No primeiro plano (7), o Hospital e a Igreja Nossa Senhora da Conceição; no segundo
plano ao centro, (2) a Praça São Sebastião, revitalizada, mas não com a sua configuração
atual, e próximo a este logradouro a (3) Igreja de São Sebastião (4) e o prédio do Grupo
Escolar Condessa do Rio Novo. A rua que aparece em destaque ao centro do registro é a (8)
atual Gomes Porto, e à direita vê-se (6) a Ilha da Floresta, na atualidade, conhecida como a
Ilha do Independência Clube.
Entre-Rios chegara, assim, a uma situação econômica, social e cultural, que motivava
cada vez mais os seus moradores, a buscarem a autonomia. A permanência da condição de
distrito era entendida como um entrave ao crescimento e debatia-se, segundo assinalado, a
necessidade de aplicação das rendas auferidas na conservação e melhoria da infra-estrutura
urbana.
119 “ENTRE-RIOS jornal”, comemorando seu primeiro aniversário, presta justa homenagem a futurosa cidade
de Entre-Rios, e seus dignos leitores do rincão fluminense. Entre-Rios Jornal. Entre-Rios, atual Três Rios/RJ.
Ano II, sexta-feira, 17 de janeiro de 1936, ed. 52, capa e p. 16.
170
Fotografia 106: Registro da década de 1920, sem informação do fotógrafo, acervo Srº Altair.
120 O MAIOR entrave ao progresso de Entre-Rios é o problema da água. Entre-Rios Jornal. Entre-Rios, atual
Três Rios/RJ. Ano I, 31 de outubro de 1935, ed. 42, capa.
171
O atual suprimento é feito por meio de seis poços artesianos, de um poço de
1 metro de diâmetro e 13 metros de profundidade e de uma fonte auxiliar.
A sua remodelação segundo parecer da Diretoria de Obras deverá ser feito
com a captação de um novo manancial, que embora distante, possa vir ao
reservatório superior, abandonando-se os mananciais do subsolo e a sua onerosa
elevação mecânica, aproveitando-se para o novo serviço a rede de distribuição e o
mesmo reservatório e tornando-se apenas necessário o assentamento da linha
adutora e a construção da tomada d’agua. Esse assunto a ser cuidado dependerá
de um entendimento com os Poderes Municipais, de forma a ser devidamente
regulado, sem excessivos ônus para o Estado. Além dos serviços de sua
manutenção, que constavam do funcionamento normal da estação elevatória,
conserva da rede de captação, terrenos marginais, reservatórios e jardim, foi feita
a ligação de 35 penas d’agua (...)”.121
Nas fotografias tem-se alguns exemplos dessas empresas, como a Fábrica de Balas Ezilma,
perpetuada na imagem do registro 107. Informou-me por e-mail a Profª Ezilma Teixeira, que
o registro é do dia da inauguração da indústria do seu pai João Batista Teixeira, que
estabeleceu este nome em homenagem às suas três filhas mais velhas – Erlia, Zélia e Ilma.
A fabrica foi uma das primeiras construções da Rua Marechal Deodoro, espaço não
bem visto a época, por sua proximidade com os bordeis existentes as margens do Rio Paraíba
do Sul. É possível observar em pé, ao centro, as operárias da fabrica, e no segundo plano, nas
121 Relatório da Província do Rio de Janeiro de 1928, digitalizado na pagina da Center for Research Libraries –
Global Resources Network: Provincial Presidential Reports (1830:1930) Rio de Janeiro/RJ. Disponível:
http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u896/000203.html. Acesso em: 14 de fev. 2012.
122 “ENTRE-RIOS jornal”, comemorando seu primeiro aniversário, presta justa homenagem a futurosa cidade
de Entre-Rios, e seus dignos leitores do rincão fluminense. Entre-Rios Jornal. Entre-Rios, atual Três Rios/RJ.
Ano II, sexta-feira, 17 de janeiro de 1936, ed. 52, capa.
172
laterais, os “viajantes” – representantes da empresa, tendo ao centro de terno branco o Srº
João Teixeira, além de crianças e outros indivíduos.
Esta empresa encerrou suas atividades nos anos de 1960, e no local atualmente
encontra-se o Edifício Zanata. Afirmou ainda a historiadora trirriense:
Fotografia 107: Fotografia externa da Fábrica de Balas Ezilma. Registro do ano de 1935 do acervo
pessoal da Profª Ezilma Teixeira, sem identificação do fotógrafo.
173
capacidade máxima de fabricação de até 60 mil caixas por dia, empregando 100 funcionários,
80 homens e 20 mulheres, em 8 horas de trabalho. Era sócio no empreendimento o Sr. Djalma
Matheus Ferreira.
Fotografia 108: Imagem externa da Fábrica de Fósforo “Pharol”. Observa-se a rua ainda não
calçada, com dois adultos em movimento e duas crianças, sem iluminação pública, e ao fundo, à esquerda, a
torre do sino da Igreja de São Sebastião. Registro da década de 1930, sem fotógrafo definido, acervo André
Mattos.
124 “ENTRE-RIOS jornal”, comemorando seu primeiro aniversário, presta justa homenagem a futurosa cidade
de Entre-Rios, e seus dignos leitores do rincão fluminense. Entre-Rios Jornal. Entre-Rios, atual Três Rios/RJ.
Ano II, sexta-feira, 17 de janeiro de 1936, ed. 52, capa.
174
do crescimento urbano e econômico do distrito, mas também, e principalmente, pela presença
política, cultural e social de seus funcionários na sociedade trirriense.
125 Ibidem.
175
Algumas das fotografias das paisagens urbanas de Entre-Rios permitem observar as
representações do comércio, como a do Armazém dos Irmãos Ferreira Álvares, registro 110,
localizado na esquina da Praça Salin Chimelli com a Travessa Bezerra de Menezes, no trecho
da estrada União e Indústria denominado durante alguns anos de Rua Nelson Viana. No
primeiro plano, e mais ao centro, adultos e crianças, e à esquerda, três homens abrindo ou
fechando o estabelecimento. Atualmente funciona neste local um supermercado.
Fotografia 110: Registro da década de 1920, sem informação de autor, acervo Srº Altair.
O registro 111 é uma panorâmica (5) da Rua da Maçonaria, (6) esquina com a Praça
Salin Chimelli. Observa-se, no plano central, (1) a Loja Auto Entrerriense, a seu lado, (2) o
prédio construído em 1936 pelos irmãos Chimelli, bem como o (3) trecho da estrada de ferro
Central do Brasil e a (4) rua que levava ao cemitério da cidade.
176
4
3
1 2
Fotografia 111: Panorâmica da Rua da Maçonaria na sua esquina com a Praça Salim Chimelli. Registro
do final da década de 1930, sem informação de autor, acervo Srº Altair.
Fotografias 112 113, 114 e 115: Registro da obra do viaduto sobre a linha férrea que eliminou a Praça
Salin Chimelli, de maio de 2012, acervo de André Mattos.
177
A Rua da Condessa, trecho urbano da estrada União e Indústria, por muitos anos
concentrou o maior número de estabelecimentos comerciais, por sua localização junto à
Estação Ferroviária e proximidade com o Largo da Capelinha e o Parque Oscar Weinchenk.
Fotografia 116: Fotografia da Rua da Condessa. Registro realizado entre a década de 1920 e 1930,
sem informação de autor, acervo Sr. Altair.
178
Fotografia 117: Fotografia da Rua da Condessa, neste registro da década de 1920, sem informação de
autor, acervo Profª Ezilma Teixeira.
Fotografia 118: Registro da década de 1930, da Rua da Condessa. Sem informação de autor, acervo
Profª Ezilma Teixeira.
179
As duas imagens, fotografias 118 e 119, reafirmam a condição da Rua da Condessa de
ser, em seu tempo, um dos principais espaços urbanos de relação social do distrito, pela
presença de indivíduos em movimentação.
Fotografia 119: Rua da Condessa, próximo ao Largo da Capelinha, neste registro da década de 1930,
sem informação de autor, acervo Profª Ezilma Teixeira.
180
Interessante observar um grupo de pessoas no primeiro plano ao centro e à direita, na
entrada da plataforma, com o que parece ser uma mesa e objetos no chão da via pública. Um
homem “espera” recostado na entrada de uma loja, à esquerda no primeiro plano; não é
possível identificar nenhuma mulher. Um aspecto que se apresenta nas imagens da Rua da
Condessa, é que a iluminação não existe em todos os postes.
“Em número de dois, são os bancos que existem, além de duas agências de
conceituadas casas de créditos” (1936). Na fotografia 120, o Banco de Entre-Rios, que
conforme informação da historiadora Ezilma Teixeira (2005, p. 71) foi fundado por Ângelo
da Silva Mattos, em 17 de setembro de 1928, autorizado pela Carta Patente nº 24.709. Na
década de 1940, foi vendido ao Banco Fluminense da Produção.
“No momento atual temos nove representantes da classe médica, três gabinetes de
Odontologia e seis farmácias.” (1936) Entre estes profissionais destacou-se na vida pública da
cidade o Drº Walter Gomes Francklin, médico-parteiro, que atendia num consultório montado
nas dependências da Farmácia Central, situada na Rua da Condessa. Walter Francklin é
considerado a principal figura do movimento emancipacionista, tendo sido conduzido pelo
interventor do Estado do Rio de Janeiro, Ernani do Amaral Peixoto, à condição de primeiro
prefeito de Entre-Rios.
181
Fotografia 121: Drº Walter Gomes Francklin, médico, primeiro prefeito do município de Entre Rios.
Retrato publicado no Entre-Rios Jornal de 17 de janeiro de 1939. Fotógrafo Gray Silveira, do acervo André
Mattos.
182
ensino primário e secundário, dirigido pela prof. D. Hilda Caldas de Souza. Além
dessas escolas existem três mantidas pela Prefeitura Municipal, sendo uma sita a
Ponte das Garças; outra a Rua Nelson Vianna, em prédio próprio e outra em
Cantagalo. O Sindicato Unitivo Ferroviário da Central do Brasil mantêm em sua
sede uma escola primária para o ensino aos filhos de seus associados. Existem
outras aulas particulares para a difusão do ensino primário na localidade.” 126
A próxima imagem é uma vista externa da sede primeira do Grupo Escolar Condessa
do Rio Novo. Ezilma Teixeira (2005, p. 63) escreve que este edifício “foi construído em
terreno doado ao Estado do Rio de Janeiro por José da Silva Vaz, na então nada urbanizada
Praça Vicente Dias, atualmente a Praça São Sebastião.”.
Fotografia 122: Grupo Escolar Condessa do Rio Novo, registro provável da década de 1930, sem
autor definido, acervo André Mattos.
183
“A religião que predomina na sociedade entrerriense, é a católica, que
possui dois antigos templos: de S. Sebastião e de N. S. da Conceição. Logo após a
chegada do estimado pároco Rev. Vigário Padre José Custódio Pereira Barroso, o
sacerdote talhado para dirigir os fiéis de Entre-Rios, tivemos a satisfação de
presenciar a rapidez vertiginosa da construção da Nova Matriz, onde já assistimos
os santos ofícios da missa do galo no ano próximo findo. A construção desse
templo é bem uma demonstração de dinamismo construtor dos entrerrienses.
Fotografia 123: Igreja Matriz de São Sebastião, neste registro do final da década de 1930, sem autor
definido, acervo Rádio Três Rios.
Dedico um item neste capítulo às igrejas católicas, presentes desde a segunda metade
do século XIX nas terras de Entre-Rios. Na imagem tem-se uma vista externa da Igreja Matriz
de São Sebastião, próxima à Praça Vicente Dias, atualmente Praça São Sebastião, quando do
período em que se suspendeu a sua obra, para a construção do Hospital N. S. da Conceição.
127 Ibidem.
184
É interessante observar que, na narrativa do jornal, a Doutrina Espírita é relacionada
em um item após as considerações sobre as doutrinas religiosas, afirmando “que esta doutrina
mantém um amplo número de adeptos, e aqui existe o Grupo Espírita Fé e Esperança, cuja
instituição tem prestado relevantes serviços a Entre-Rios.” (1936) O texto enfoca
principalmente as suas atividades assistenciais e caritativas. “Uma das suas grandes obras é a
maternidade, sob a direção clínica do humanitário Dr. Walter Gomes Francklin” (1936) Na
fotografia 124, vêem-se as crianças atendidas pelo Asilo Manoel Pessoa de Campos e os
alunos da Escola Francisco Cerqueira, na frente da antiga sede da instituição.
Fotografia 124: Vista externa do Grupo Espírita Fé e Esperança, neste registro do final da década de
1930, sem autor definido, acervo André Mattos.
185
serviço a “Viação Sul Paraibana”, correndo cinco autos para aquela cidade e vice
e versa. Esta empresa também faz correr três autos para a localidade de Werneck.
” 128
Fotografia 125: Representação do auto Vitória. Sem informação da data e o autor do registro. 129
128 Ibidem.
129 Fotografia do Museu Virtual do Transporte da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos,
na Sala dos Estados. Disponível no site: http://www.museudantu.org.br/EMinasGerais3.htm. Acesso em: 13 de
out. de 2011.
186
Fotografia 126: Representação do ônibus da empresa Autobus Ltda, publicada no Entre-Rios Jornal
de 21 de dezembro de 1939. Sem informação do autor, acervo André Mattos.
187
Os dois armazéns existentes em Entre-Rios pertenciam ao Estado de Minas Gerais e
ao governo federal, construídos para atender a necessidade de armazenamento e distribuição
da produção mineira e dos fazendeiros da região, principalmente pelo transporte ferroviário
até o porto na cidade do Rio de Janeiro. O Armazém Regulador do Estado de Minas Gerais
foi construído ao lado das linhas férreas da Central do Brasil, o que facilitava a carga e
descarga das sacas de café.
Fotografia 127: Panorâmica do distrito de Entre-Rios, do final da década de 30, sem autor conhecido,
do acervo André Mattos.
188
Áureo. De Voleibol, o Violeta A. C., que tem sua aprazível praça de esportes, no
populoso e progressista bairro do Portão Vermelho.” 132
Fotografia 128: Fotografia do time de futebol do Entrerriense Futebol Clube. Sem informação do
autor da fotografia, acervo André Mattos.
Na fotografia 128 que consta do livro sobre os 25 anos deste clube, tem-se o elenco
considerado como o “esquadrão de ouro” do carijó. Tomada em 5 de setembro de 1933,
quando realizou-se no distrito, a segunda partida da “melhor de três”, entre o Entrerriense F.
C e o Riachuelo F. Clube, de Paraíba do Sul, pela “Taça Concórdia”, vencida pelo time de
Entre-Rios pelo placar de 3x1. Da esquerda para a direita, sentados: Zico, Alceu e Jaú.
Ajoelhados: Zé Coruja, Mane Cezário e Bira, Em pé: Tamanduá, Bajara, Gradim, Landico e
Bertolino, ladeados por João B. Manhães e Virgílio Torno, diretores da agremiação.
132 Ibidem.
189
Fotografia 129: Registro da inauguração do estádio de futebol do Entrerriense Futebol Clube. Sem
informação do autor da fotografia, acervo André Mattos.
As “Jazz Band” eram conjuntos dançantes que durante as décadas de 1920 e 1930,
animavam as festas e bailes na cidade, oferecendo-se também para apresentações, aniversários
e casamentos. A narrativa omite as manifestações de artes cênicas, presentes principalmente
com o Grupo Dramático Dias Braga, e a existência de cinemas em Entre-Rios, que recebia
também, conforme informado pelos jornais da época, circos e artistas de outras localidades.
133 Ibidem.
190
Fotografia 130: Registro do 30º aniversário da Banda 1º de Maio. Fotografia de 1940, sem
informação do autor. Acervo André Mattos.
134 Ibidem.
191
No primeiro ano de sua existência, o Entre-Rios Jornal une-se ao Arealense na
divulgação do movimento de emancipação de Entre-Rios, assim a narrativa termina
“prevendo” para o futuro, não só a configuração como município independente, mas, também,
a condição de uma das cidades mais importantes do Estado do Rio de Janeiro.
Fotografia 131: Panorâmica da cidade de Três Rios. Esta fotografia foi feita após a emancipação do
município de Paraíba do Sul/RJ. Registro do início da década de 1940, sem autor definido. Acervo André
Mattos.
192
Na Assembléia, o Drº Bernado Bello consegue a aprovação do projeto de
emancipação, mas o governador interino Heitor Collet, cedendo a pressões políticas, vetou-o
parcialmente.
Somente em 1937, quando sobreveio o Estado Novo, com a permanência do prefeito
Drº. Walter Francklin à frente da administração de Paraíba do Sul, este consegue a aprovação
do projeto ao interventor estadual, o Cte. Ernani do Amaral Peixoto. Pelo Decreto Estadual nº.
634 de 14 de dezembro de 1938 é criado o Município de Entre Rios, e com o Decreto
Estadual nº. 641 de 15 de dezembro de 1938 ficou estabelecido, para o quinquênio 1939-
1943, o quadro territorial, configurando-se o Município de Entre-Rios, formado por quatro
distritos: Entre-Rios, Bemposta, Areal e Monte Serrat.
Para alguns, a emancipação foi creditada também à instalação do Estado Novo no
Brasil, conforme consta do edital publicado no jornal Arealense de 17 de dezembro de 1938:
“(...) E que o Estado Novo concedesse a Entre-Rios, por intermédio do
distinto prefeito de Paraíba do Sul [Drº. Walter Gomes Francklin,] a autonomia que
os entrerrienses não obtiveram em longos anos de esforços quase sobre-humano
junto aos governos. Sentíamo-nos confiantes nos homens que dirigem a Nação e o
Estado e estávamos absolutamente certos que a politicalha não poderia opor
embargos agora à realização de tão altruístico ideal. Sabíamos que entre as
inumeráveis vantagens usufruídas pelo povo através do Estatuto de 10 de novembro,
estava esta que mais avoluma o valor do regime a que estamos submetidos. O
Estado Novo não permite intermediários entre o povo e o governo. Esse por seus
delegados ausculta o sentir das massas e procura realizar-lhes os anseios dentro
mesmo dos moldes traçados para a estrutura de um Brasil Novo. Foi um dos
delegados desse governo, o Prefeito de Paraíba, quem promoveu todos os meios
para alcançarmos a liberdade de nos governarmos livremente conforme nosso
desejo (...)” 135
135 ENTRE-RIOS conseguiu sua autonomia. Arealense. Entre-Rios, atual Três Rios/RJ. Ano 38, 17 de
dezembro de 1938, ed. nº. 1.742, capa.
193
recebidos em festa pelo povo, próximo à redação do Entre-Rios Jornal, na Rua da Condessa;
entre estes, somente homens adultos, jovens e crianças.
1 2 3
Fotografia 132: Chegada dos emancipacionistas à recém criada cidade de Entre-Rios. Registro
fotográfico de dezembro de 1938, sem fotógrafo reconhecido, do acervo André Mattos.
Pelo decreto-lei estadual nº. 1.056, de 31 de dezembro de 1943, Entre-Rios tem sua
denominação alterada para Três Rios, e ainda no mesmo decreto, o distrito de Monte Serrat
foi extinto, com seu território constituindo o novo distrito de Afonso Arinos.
Pela lei nº. 2.382, de 18 de janeiro de 1.955, é criado o distrito de Serraria, anexado ao
município de Três Rios, passando a compor-se seu território de 5 distritos: Três Rios, Afonso
Arinos, Areal, Bemposta e Serraria. Pelo decreto estadual nº. 99, de 30 de janeiro de 1963, o
distrito de Serraria passou a denominar-se Comendador Levy Gasparian. Em divisão
territorial, datada de 31 de dezembro de 1968, o município é constituído de 5 distritos: Três
Rios, Afonso Arinos, Areal, Bemposta e Comendador Levy Gasparian.
Pela lei estadual nº. 1.923, de 23 de dezembro de 1991, desmembraram-se do
município de Três Rios os distritos de Comendador Levy Gasparian e Afonso Arinos, para
formar o novo município de Comendador Levy Gasparian. E pela lei estadual nº. 1986, de 10
de abril de 1992, separa de Três Rios o distrito de Areal, elevado à categoria de município.
194
Três Rios permanece até os dias atuais constituído apenas por 2 distritos: Três Rios e
Bemposta.
No trabalho de pesquisa, deparei-me com este artigo, de Wanderlei Rodrigues,
publicado no jornal Tribuna de Três Rios, reproduzindo-o em sua totalidade, por entender
que, resume bem o que é abordado neste capítulo.
195
Isto é hoje.
Não é profecia.
Cassandra a muito cedeu seu lugar para a ciência pura que analisa,
compara e estabelece os ciclos.
Como será Três Rios de amanhã?
Obedecendo ao mesmo ritmo de crescimento, não há porque negar, será a
maior cidade do Estado.
Porque é irradiante por suas vias rodo-ferroviárias. Porque é eqüidistante
dos extremos, na configuração geográfica da Carta Estadual.
Porque é terra palmilhada obrigatoriamente, por todos quantos queiram
visitar os centros populosos mais desenvolvidos, e, sobretudo, porque abriga vinte
mil filhos [atualmente a cidade possui mais de 70 mil habitantes], que são outras
tantas vozes tonitruantes na intransigente defesa de sua trajetória gloriosa.” 136
136 TRÊS RIOS: Ontem, hoje e amanhã. RODRIGUES, Wanderlei. Tribuna de Três Rios. Três Rios/RJ. Ano I,
17 de janeiro de 1958, ed. 27, capa e p. 4.
196
3.1.3 – Igrejas Católicas do distrito de Entre Rios.
Fotografia 133: Vista externa da Capela Nossa Senhora da Piedade, fotografia publicada no jornal O
Cartaz, na sua edição de nº. 52, do Ano II, que circulou em Três Rios nos dias 21 a 27 de outubro de 1972. Sem
autor conhecido e período temporal determinado com exatidão, do acervo André Mattos.
197
relíquia que restou da opulência da Fazenda de Cantagalo, onde na casa-grande residiram
importantes membros da nossa aristocracia rural (...)”. (TEIXEIRA. 1997, p. 15)
Edificar capelas católicas nas suas propriedades era uma garantia, para a aristocracia
rural brasileira, de que seriam velada e enterrada em solo sagrado, na “Casa de Deus”,
próximos aos seus santos de devoção, criando, também, um espaço de “perpetuação” de suas
memórias, existindo, habitualmente, cemitérios junto a essas edificações.
A Condessa do Rio Novo em seu testamento determinou:
“O meu funeral deixo a vontade de meus testamenteiros e parentes,
desejando que, se for possível, os meus restos mortais descansem juntos aos dos
meus pais e de meu marido, no jazigo da capela de Nossa Senhora da Piedade, sita
na Fazenda de Cantagalo (...) A Casa de Caridade terá a seu cargo a conservação
da Capela de Nossa Senhora, fundada por minha finada mãe nas terras da mesma
fazenda, e manterá um capelão para celebrar missa ao menos duas vezes por mês,
e nos aniversários do falecimento dos meus pais, de meu marido, e do meu; zelará
o jazigo das pessoas de minha família e fará mais celebrar todos os anos, uma
missa pelo eterno descanso de meus parentes, e outra pela de meus escravos
falecidos (...) 137
137 Testamento da Condessa do Rio Novo de 18 de novembro de 1882, transladado do original em 1993, pela
historiadora trirriense Irene Lopes Guimarães.
198
Em 1886, foi nomeado pelo Barão Ribeiro de Sá, o primeiro Capelão desta igreja, o
Padre José Nunes Cardoso de Rezende. Na capela encontram-se os restos mortais do primeiro
Barão de Entre-Rios, de sua esposa, de Mariana Claudina, a Condessa do Rio Novo, e do seu
primo-esposo, José Antonio B. de Carvalho – Visconde do Rio Novo, e do Barão Ribeiro de
Sá, além de outros familiares e parentes.
Fotografia 134: Vista externa da Capela Nossa Senhora da Piedade, nesta fotografia sem autor
conhecido, do final da década de 1950, acervo Rádio Três Rios.
Fotografia 136: Vista do cemitério que existe nos fundos da Capela Nossa Senhora da Piedade, onde
estão enterrados parentes e descendentes, da Condessa do Rio Novo. Fotografia de 23 de fevereiro de 2012,
acervo André Mattos.
200
Fotografia 137: Registro da construção do monumento em homenagem a Condessa do Rio Novo e ao
Barão Ribeiro de Sá, no Largo do Barulho. Fotografia do início da década de 1970, sem fotógrafo conhecido,
acervo André Mattos.
138 A CIDADE ganha um monumento duplo. O Cartaz. Três Rios/RJ. Ano I, de 4 a 11 de setembro de 1971,
ed. nº 1.
201
O monumento foi inaugurado em 14 de dezembro de 1971, na gestão do prefeito José
Araujo Damasceno. Em 1980, manifestações contrárias à manutenção dos bustos naquele
local tiveram começo, tendo em vista estarem atrapalhando a visibilidade dos motoristas que
trafegavam da Av. Condessa do Rio Novo em direção à Rua 15 de Novembro.
Os bustos foram transferidos, então, para um pequeno logradouro próximo à Capela
Nossa Senhora da Piedade, como se observa na fotografia 139, não havendo nenhuma placa
indicativa com o nome dos homenageados, o autor da obra e etc. Assim, como o monumento
em homenagem a Tancredo Neves, analisado no capítulo I, esta obra também não recebe
valor social e cultural por parte dos entrerrienses. A Praça Barão Ribeiro de Sá não mais
existe no local, sendo substituída pelo viaduto que está sendo construído sobre a linha férrea.
Fotografia 138: Registro dos bustos em homenagem à Condessa do Rio Novo e ao Barão Ribeiro de
Sá, próximos à Capela Nossa Senhora da Piedade, no Bairro Cantagalo (sem placas indicativas). Fotografia de
23 de fevereiro de 2012, acervo André Mattos.
202
atendia os interesses dos católicos, pois a capela tornara-se pequena para a população do
distrito de Entre-Rios. Sobre a Capela de São Sebastião escreve Hugo Kling:
“Como a antiga Vila era uma constante vítima dos surtos epidêmicos e o
Drº Carvalho Lima, [primeiro médico residente em Entre-Rios] um fervoroso
devoto de São Sebastião, dizia sempre que se o povo quisesse se livrar de tanta
doença, que construísse uma igreja que tivesse por padroeiro este Santo. A sua
idéia foi criando corpo e o seu conselho afinal aceito. Acabou à frente da comissão
que ergueu a citada capela e foi assim que São Sebastião se tornou o padroeiro da
Vila, hoje cidade de Três Rios” 139
Fotografia 139: Vista externa da Capela de São Sebastião, nesta fotografia da década de 1920, sem
autor definido, acervo do Srº Altair.
203
Fotografia 140: Vista externa da Capela de São Sebastião, nos primeiros anos da década de 1910. Sem
fotografo definido, acervo André Mattos.
204
fundo à esquerda, uma carroça que lembra as de pipoca ou frutas existentes ainda nos dias
atuais.
Fotografia 141: Imagem do Largo da Capelinha, Fotografia entre a década de 1920 e 1930, sem autor
conhecido, acervo André Mattos.
Fotografia 142: Vista da Praça Visconde do Rio Novo, fotografia do início da década de 1940, sem
fotógrafo conhecido. Acervo André Mattos.
205
No registro 142, tem-se a Praça Visconde do Rio Novo, construída no local da Capela
de São Sebastião, depois que esta foi demolida em 1936, bem ao lado a atual Praça da
Autonomia. Observam-se pessoas e um cavalo atravessando as ruas, no segundo plano à
esquerda, indivíduos junto às árvores, com uma criança correndo.
A praça desaparece no final da década de 1950, para a construção da Rodoviária
Roberto Silveira, conhecida atualmente como a “rodoviária velha”. As lojas existentes no
local ainda possuem seus endereços atrelados ao nome da Praça Visconde do Rio Novo,
logradouro que não mais existe.
No mesmo período de edificação da Capela de São Sebastião, surge no local onde
hoje existe o Morro do CTB, a Igreja de Nossa Senhora da Conceição. Segundo o jornalista
Guilherme Pereira Bravo – relatado em publicações de jornais da cidade na década de 1930, e
também, relacionado pela historiadora e professora Ezilma Teixeira, em sua obra “Era uma
vez...” -, a origem dessa igreja estaria no desacordo político entre imperialistas (Capela de São
Sebastião), e republicanos (Igreja N.S. da Conceição), criando-se o rótulo para esta última, de
“Igreja dos Republicanos”.
Fotografia 143: Vista externa da Igreja de Nossa Senhora da Conceição – também denominada Igreja
dos Republicanos. Fotografia do período entre a década de 1910 e a de 1930, pois ainda não fora levantado, ao
lado, o hospital. Sem autor definido, do acervo Profª Ezilma Teixeira.
206
Fotografia 144: Vista externa da Igreja de Nossa Senhora da Conceição, ao lado do hospital que
recebe o mesmo nome. Fotografia de 23 de fevereiro de 2012, acervo André Mattos.
207
Fotografia 145: Vista externa da Igreja de São Sebastião, no início de sua construção, fotografia dos
anos primeiros de 1930. Registro publicado no jornal Arealense, na sua edição nº. 1399, que circulou em 13 de
abril de 1932. Fotografia sem autor conhecido, acervo André Mattos.
Fotografia 146: Vista externa da Igreja Matriz de São Sebastião, durante o período de sua construção,
com o registro de populares presentes em uma das procissões das telhas. Destacando-se o homem ao centro, no
primeiro plano, vestido de terno branco, mas com um pequeno rasgo em sua calça. Fotografia do último quarto
da década de 1930, sem fotógrafo definido, do acervo Sr. Altair.
208
No registro 145, existem dois pilares indicados pela seta preta, que parecem
recomendar a edificação da torre sineira, na frente, claramente tem-se a abertura da entrada
principal, que traz ao fundo os morros da margem direita do Rio Paraíba do Sul.
Na fotografia 146, percebe-se a entrada construída primeiramente, estando
praticamente pronta, sendo possível observar, pelo vão ainda sem o portal, que a parte central
e os fundos da obra não haviam sido iniciados, assim tem-se que a torre foi erguida ao final.
209
Fotografia 148: Vista externa da
Igreja de São Sebastião, também de quando
a obra ficou aguardando a construção do
Hospital de Clínicas Nossa Senhora da
Conceição. É possível perceber, à
esquerda, o salão paroquial e o trecho da
Praça São Sebastião, em obra, recebendo
calçamento com paralepípedos. Fotografia
realizada entre 1934 e 1941, sem fotografo
definido, acervo André Mattos.
Fotografia 149: Vista externa da Igreja de São Sebastião do mesmo período da anterior - 1934 e 1941.
Observa-se no primeiro plano a Praça São Sebastião, com seu antigo coreto à direita, e os bancos, que por seu
formato peculiar, levaram a população a chamá-la durante um tempo de “praça da bigorna”. Ao fundo em
segundo plano, encoberto pelas árvores, o Grupo Escolar Condessa do Rio Novo. A igreja mesmo inacabada e
ainda sem sua sagração oficial realizava missas, por isso é possível perceber algumas pessoas dirigindo-se e
entrando na paróquia. Sem fotógrafo definido, acervo André Mattos.
210
Fotografia 150: Vista externa da Igreja de São Sebastião, quando da solenidade de sua sagração, em
29 de maio de 1942. Imagem sem identificação de autor, do acervo Profª Ezilma Teixeira.
Pode-se inferir que o início da construção da Matriz de São Sebastião, num terreno
onde próximo havia o prédio do Grupo Escolar Condessa do Rio Novo, data do início da
década de 1930. Em 7 de março de 1934, assume o Padre José Custódio Pereira Barroso, que
no contínuo da obra, em 1936, com as paredes em parte levantadas e a nova igreja coberta, em
condições de realizar as missas, sugere uma parada para providenciar a edificação do Hospital
Nossa Senhora da Conceição, ao lado da igreja do mesmo nome.
Em 1941, encerrada a construção do hospital, as obras da matriz foram reiniciadas,
ocorrendo a sua sagração, pelo S. Revma. D. Rodolfo das Mercês de Oliveira Pena, Bispo
Diocesano de Valença, no domingo, 29 de maio de 1942.
A Igreja foi tombada como Patrimônio Histórico Cultural da cidade pelo CMCTR –
Conselho Municipal de Cultura de Três Rios, por meio da Lei nº 1919 de 23/02/1994 DC n.
2.113 de 26/06/1997.
211
Fotografia 151: Vista externa da Igreja de São Sebastião, observando-se no primeiro plano, o obelisco
feito em memória da Condessa do Rio Novo, pela Casa de Caridade de Paraíba do Sul/RJ, e transferido da
Capela N. S. da Piedade, para este local, por proposta do vereador Drº Milton Coelho de Vasconcellos, em
1948, durante o governo do prefeito Guilherme Pereira Bravo. Fotografia de 23 de fevereiro de 2012, acervo
André Mattos.
212
3.2 – A nascente sociedade urbana da Vila de Entre-Rios e o lugar dos escravos libertos
e seus descendentes.
Os registros imagéticos são indícios que o período entre o final do século XIX e o início
do século XX constituiu-se de significativas transformações na Vila de Entre-Rios,
perpetuadas pelo trabalho e empenho de fotógrafos profissionais ou amadores, na sua maioria
desconhecidos, em documentar, conscientemente ou não, as múltiplas e sucessivas alterações
nas configurações da arquitetura das cidades.
“Nesses espaços os homens modernos ergueram seus novos templos,
redefiniram suas relações sociais, formularam as suas utopias, apostaram no
futuro e se deixaram seduzir pelas invenções modernas. Os cenários urbanos onde
foram encenadas as práticas modernas e suas variantes tornaram-se também um
capítulo vastamente desenvolvido pelos pesquisadores da temática modernidade,
buscando compreender a atuação dos seus atores sociais diante da inserção dos
hábitos modernos em seu cotidiano e como as contradições da modernidade
proporcionaram a conflagração das posturas tradicionais.” 140
140 PIRES, Maria da Conceição Francisca. Vitória no começo do século XX: Modernidade e modernização na
construção da capital capixaba. Disponível no site:
http://www.cchla.ufpb.br/saeculum/saeculum14_dos06_pires.pdf. Acesso em: 12 de jan. 2012.
213
Pereira Gomes, Alfredo e Pedro Torno e outros; quem ainda – e isso a poucos
anos – assistiu o surto de progressos que deram a esta terra as iniciativas de
Antonio Pereira Lopes e Vicente Dias, e hoje assiste ao esforço hercúleo para
elevar sempre e cada vez mais Entre-Rios a culminância que o destino lhe reserva,
certamente há de sentir prazer por morar em terra tão promissora.
Entre-Rios hoje difere muito daquele que conhecemos a 40 anos passados:
difere nos hábitos e nos aspectos.
Antigamente vivia-se como se fosse uma só família, tão reduzido era o
número de habitantes e tinha-se apenas a estrada “União e Indústria”, a estrada
de Cantagalo e o largo de S. Sebastião, para se transitar. Tudo o mais eram
apertados trilhos, por entre lagoas, pastos e moitas de marica.
O tempo foi correndo, a população aumentando e com ela os fogões; novas
ruas foram abertas, começam a surgir as sociedades de toda a ordem, o estado
sanitário foi melhorando e hoje, embora lhe falte água boa e um sistema perfeito
de esgoto pode-se dizer que – moramos em uma verdadeira cidade onde há de
tudo.
Quiséramos que o leitor que paciente nos lê, pudesse retroceder conosco
aquela época distante, quando nos acercávamos do guarda da travessia da estrada
dos Campos Elysios, hoje Rua 15 de novembro – o velho Dario – a ouvir-lhe as
histórias, admirar-lhe os pássaros engaiolados que cantavam alegremente e gosar
a sombra amiga do caramanchão existente ao lado, cuja folhagem exuberante,
merecia todo o carinho do vigia atento, para então poder compreender o motivo
da nossa obstinação em relembrar “coisas que passaram”, destruindo ilusões e
derramando saudades, que ainda vivem n´alguns corações amadurecidos pelos
anos (...)
Entre-Rios foi nada, passou a ser muito, e no futuro será tão grande, que,
prever se torna impossível.” 141
José D`Assunção Barros (2007, p. 9) escreve que pensar e sentir a cidade, antes do
século XIX, muitas vezes fora função dos poetas, dos cronistas e romancistas, bem como dos
arquitetos e dos filósofos. Antonio Villela de Carvalho Junior – Vê Jota - apresenta-se entre
os cronistas da imprensa trirriense, como aquele que mais escreveu sobre a sociedade
nascente da vila e depois distrito de Entre-Rios. Nesta narrativa, pessoas e espaços, se
141 “ENTRE-RIOS, o que foi e o que será”. Vê Jota, pseudônimo de Antonio Villela Junior. “Entre-Rios
Jornal.” Entre-Rios, atual Três Rios. Ano II, sexta-feira, 17 de janeiro de 1936, ed. 52, p. 2.
214
interpenetram demarcando ações, tempo, criando e revelando imagens e significados na vida
de relação social.
Seus trabalhos atravessaram todo o período da formação urbana, indo além do
movimento de emancipação. Publicados nos anos iniciais da década de 1910 no jornal
“Arealense”, também são encontrados no informativo “Entre-Rios Jornal” (onde escreveu a
coluna “Coisas que passaram”) entre outros, sendo de importância considerável para o estudo
e a escrita da história de Três Rios.
Esteve presente na formação dos principais grupos de artes cênicas, musicais,
esportivos, culturais, políticos e sociais da cidade, foi vice-prefeito do Município de Paraíba
do Sul, ocupou a cadeira nº 6 da Academia Trirriense de Letras e Artes. Sua crônica,
publicada três anos antes da emancipação, é um registro do quanto Entre-Rios no final dos
anos de 1930, difere em muito do último quarto do século XIX: em hábitos e em diversos
outros aspectos.
Dentre as diversas maneiras de se pensar a cidade como espaço de relação social, José
D`Assunção Barros, relaciona os estudos que consideram a “cidade como texto”, perspectiva
apoiada sobre a contribuição da semiótica para o entendimento do acontecimento urbano, “a
cidade pode também ser encarada como um “texto”, e o seu leitor privilegiado, seria o
habitante (ou o visitante) que se desloca através da cidade,” (2007, p. 40) sendo possível fazer
uma leitura deste ambiente, através das diferentes escritas e linguagens, que surgem nos
processos de relação entre os grupos sociais, e destes, com os ambientes urbanos,
compreendendo seus critérios de aceitação e segregação, sua tecnologia, sua produção
material e cultural, a distribuição de riquezas e etc.
Esta “escrita” da cidade é dinâmica, esta sempre sendo revisada e alterada pelos
próprios habitantes: “a cidade é um discurso”, (BARTHES. 2001, p. 224) que pode ser lido e
compreendido, mesmo com a diversidade de sentidos existentes, através dos próprios espaços
de relação (ruas, praças, monumentos, edificações) e das manifestações sociais e culturais
(festas, expressões artísticas, manifestações cívicas e esportivas, etc.).
A fotografia apresenta-se como a fonte imagética capaz de registrar tanto os lugares,
quanto as manifestações nestes. “De múltiplas maneiras o próprio espaço e a materialidade de
uma cidade se convertem em narradores da sua história (...). É extremamente difícil e
desafiador para o historiador que estuda as realidades urbanas do passado, recuperar o registro
(...) destes atos de fala.” (BARROS. 2007, p. 42-44) As narrativas imagéticas “contam” as
memórias da cidade.
215
Na Vila de Entre-Rios do último quarto do século XIX, o pequeno contingente
populacional permitia uma relação descrita pelo cronista como familiar, próxima ao que ainda
ocorre nas pequenas cidades do interior, ou em alguns bairros dos médios municípios
brasileiros. Através das imagens fotográficas apresentadas nesta pesquisa, percebe-se o
quanto o distrito expandiu seus limites urbanos durante o recorte temporal estudado, com
novas edificações para o comércio, a indústria e residências, ruas, praças, escolas e igrejas, o
hospital, e cinemas.
O número de habitantes amplia-se (e com estes “os fogões”), recebendo também
estrangeiros que se juntaram aos que aqui já residiam, entre estes, os funcionários das estradas
rodoviária e de ferro, os descendentes dos proprietários rurais e os negros libertos das
fazendas da região. Vê Jota apreende que este crescimento populacional determina a formação
de “sociedades de toda a ordem,” grupos sociais constituídos, e são estes que de distintos
modos, escreveram o “discurso urbano” do período de formação da cidade de Três Rios.
É possível admitir que a coletividade entrerriense nos anos finais da década de 1930,
mesmo sendo de uma cidade em formação no interior do Estado do Rio de Janeiro, refletia a
configuração da sociedade brasileira a época: nova organização social burguesa republicana
(comercial, industrial e financeira), capitalista e urbana; e são os representantes desta elite,
que produziram as imagens analisadas: o olhar fotográfico reflete em sua maior parte “as
cenas” do cotidiano deste grupo, devendo ser analisado criticamente.
Considerando a compleição primeira das fazendas de café nesta terra, e da aristocracia
rural que se formaram, também graças à relação com o negro através do trabalho escravo, por
meio das fotografias, registram-se “presenças e ausências” destes indivíduos na sociedade de
Entre-Rios, em determinados espaços e grupos de relação; um (...)
“Decifrar de outro modo as sociedades, penetrando na meadas das relações
e das tensões que as constituem a partir de um ponto de entrada (um
acontecimento, importante ou obscuro, um relato de vida, uma rede de práticas
específicas) e considerando não haver prática ou estrutura que não seja produzida
pelas representações, contraditórias e em confronto, pelas quais os indivíduos e os
grupos dão sentido ao mundo que é o deles.” 142
Procuro desta forma, perceber de que maneira, e em que espaços sociais, os negros
libertos e seus descendentes estiveram presentes na formação da sociedade nascente da Vila
216
de Entre-Rios, no pós-abolição até o final dos 40. Herdeira das propriedades de seus pais a
Condessa do Rio Novo, sem descendentes diretos do seu casamento com seu primo José
Antônio Barroso de Carvalho (Major Carvalhinho – o Visconde do Rio Novo), concedeu por
desejo expresso no seu testamento, liberdade aos seus escravos, deliberando também, a
utilização das terras da Fazenda de Cantagalo para o assentamento destes.
“Deixo livres todos os escravos que eu possuir ao tempo da minha morte, e
desobrigados da prestação de serviços até aos vinte e um anos, os ingênuos filhos
de minhas escravas nascidas depois da Lei de vinte e oito de dezembro de mil
oitocentos e setenta e um. Esses libertos e ingênuos, e seus descendentes formarão
em minha fazenda denominada de Cantagalo – uma colônia agrícola – com a
denominação de “Nossa Senhora da Piedade”, que será a protetora do
estabelecimento. Na mesma fazenda e a expensas do rendimento dela serão
estabelecidas duas escolas para educação dos menores da colônia, de ambos os
sexos, que serão franqueadas também aos menores da circunvizinhança, se não
houver inconveniente. Aos adultos serão distribuídos lotes de terras afim de
cultivarem cereais para a sua subsistência e lotes de cafezais para beneficia-los e
colher os frutos: destes, depois de convenientemente preparados e vendidos, lhes
pertencerá a metade do produto liquido, e a outra metade à casa de caridade, que
se fundar na cidade da Paraíba do Sul...” 143
143 Testamento da Condessa do Rio Novo de 18 de novembro de 1882, transladado do original em 1993, pela
historiadora trirriense Irene Lopes Guimarães.
217
A principal expectativa por parte dos emancipados tornados libertos, estava na
possibilidade de possuir terras em lotes delimitados, plantar e viver das rendas de seu
trabalho. O término da escravidão apresentou-se como uma das etapas de um processo que
visava obter o tratamento e direitos igualitários de cidadão. Segundo Isabela Innocêncio
(2005, p. 55) um total de 244 escravos conquistaram a liberdade, sendo 86 mulheres, 116
homens e 42 ingênuos.
Deste tempo até meados de 1935, quando do encerramento das atividades da Colônia
Nossa Senhora da Piedade, Entre-Rios experimentavou um crescente movimento político
visando à emancipação da cidade de Paraíba do Sul, principalmente por superá-la
economicamente.
Nesta região do Vale do Paraíba, a minoria de negros (é possível considerar a chegada
neste percurso de tempo de negros oriundos de outras fazendas e regiões) se confronta então,
com os interesses daqueles que aportaram nestas terras e seus descendentes, atraídos pelas
possibilidades de trabalho e renda junto às estações, ao comércio e a indústria, oriundos do
interior de Minas Gerais, bem como, imigrantes portugueses, espanhóis, italianos, sírios e
libaneses, e uma pequena parcela de alemães que vieram para a construção da cidade de
Petrópolis e Juiz de Fora, e ingleses, que nesta terra chegaram junto com os trilhos, os vagões
e as locomotivas.
Através das crônicas de Vê Jota, se conhecem alguns dos personagens que transitavam
por caminhos marginais nesta nova sociedade, “tipos populares” ou popularescos, presentes
nas antigas ruas de terra batida.
“Tia Senhorinha”, velha crioula ex-escrava, curvada pela ação dos anos
vividos e tida como dada a bruxarias, o que lhe valeu ser surrada algumas vezes
pelos supersticiosos. “Panqueca”, português que trocara o hábito de trabalhar
pelo de beber e tinha uma boca depravada. “Zé Periquito”, preto, moço, com os
pés inchados pela quantidade de bichos que lhe atacavam os dedos; tinha a mania
de se supor namorado das moças e vivia dizendo: “Zé Periquito qué casá, sim
sinhô!” “Maria Jagunça”, uma preta descuidada dos requisitos de higiene e que
por 40 réis de aguardente, portava bilhete de namorados: uma alcoviteira barata!
“Cegonha”, outra preta, esta assediada e cozinheira que nas horas de folga,
postava-se nos logradouros públicos e quando as crianças e mesmo marmanjos a
espicaçavam, dizia: “Paga imposto!” e mudava de lugar. “Luiz”, mulato velhote
trabalhador e fiel, que se esborrachava as vezes e passava a elogiar as pessoas de
destaque na localidade, terminando os elogios com frases como estas: “canalha”!,
cachorro”! Antonio Simão, mulato que falava macio e vivia da caridade pública:
218
foi o maior filante de cachaça de que viveu em Entre-Rios. Morreu abraçado a um
garrafão vazio. Muitos outros tipos, alguns até perigosos, animaram as ruas de
Entre Rios.” 144
144 EM COMEMORAÇÃO ao nosso aniversário – prêmio Melnhaque: A melhor “História de Três Rios”.
JUNIOR, Antonio Villela. O Jornal de Três Rios. Três Rios/RJ. Ano II, 26 de abril de 1961, nº. 53, p. 2.
219
construiu como conseqüência dos embates de memória, entre os grupos detentores dos
poderes políticos e econômicos, e as minorias sociais étnicas, presente ainda nos dias atuais –
que perdura desde o século XIX, e que entendo define muito bem os papéis imputados aos
negros, que abandonados à própria sorte nos espaços urbanos pós-abolição, desconheceram
“políticas públicas (...) para incorporar milhares de pessoas a uma sociedade até então de
cidadania restrita por meio de acesso à terra, ao trabalho à educação.” (GOMES E ARAUJO,
2001)
Fotografia 152: Imagem da parte superior da capa do periódico “Correio Trirriense” na sua edição
de nº 413 de 30 de abril de 1970. Do acervo André Mattos.
220
homenageia de maneira simbólica, aquele que constrói a grandeza nacional: o
Trabalhador Brasileiro.” 145
145 PREFEITO homenageia data do trabalhador inaugurando melhoramentos. Correio Trirriense. Três Rios/RJ.
Ano IX, quinta-feira, 30 de abril de 1970, nº. 413, capa.
146 O HOMEM do povo simboliza abraço popular no governo do município. “Correio Trirriense. Três Rios/RJ.
Ano IX, quinta-feira, 22 de janeiro de 1970, nº. 401, capa.
147 TEATRO amador vem dos primórdios da cidade: 85 anos de cena. Vê Jota.O Cartaz. Três Rios/RJ. Ano III,
24 de julho de 1974, nº. 149 (A).
221
Fotografia 153: Fotografia externa dos membros do corpo cênico do Grupo Dramático Beneficente
Dias Braga, realizada em 21 de agosto de 1914, Vicente Dias é o primeiro à direita, sentado. Sem autor
conhecido, acervo Sr. Altair.
222
Fotografia 154: Registro dos membros da diretoria do Grupo Dramático Beneficente Dias Braga em
clichê publicado originalmente no jornal “O Theatro”, comemorativo da passagem do 1º aniversário do grupo,
ocorrido em 21 de agosto de 1914: no primeiro plano sentado a direita o Srº Antonio Pereira Lopes, ao centro o
Srº Francisco Regis de Oliveira, e a esquerda o Srº Quintino Pinto Álvares, no fundo de pé, da esquerda para
direita: Srº Juvenal de Moraes, Srº Joaquim Gomes da Silva (o Quincão), e o Srº José Nasser. Todos
comerciantes na cidade. Sem autor conhecido, acervo André Mattos.
Fotografia 155: Registro do corpo cênico do G.D.B. Dias Braga, quando da realização da peça
“Silvio, o Cigano”. Registro publicado no jornal “O Cartaz” de Três Rios/RJ, ano III, 24 de julho de 1974, nº
149 (A). Original de 1915, acervo André Mattos, sem autor conhecido.
223
As imagens que apresentam o corpo de diretores e os artistas, mesmo quando da
comemoração do primeiro aniversário de apresentações em agosto de 1915, revelam que os
negros não participavam destas atividades, muito provavelmente, por não se representarem
entre os comerciantes, em sua grande maioria imigrante estrangeiros. Na fotografia acima em
primeiro plano da esquerda para a direita: Araci Vidal e Adalgisa Vilela. Em segundo: Vilela
Junior, José Vaz, Alberto Silva, Estefânia Carlinda Álvares, Iracema Almeida, e Vicente Dias.
Ao fundo em pé na mesma ordem: Virgilio Bilheri, Edgar Vidal, Francisco Neves de
Carvalho, Trupim P. da Silva, João Amâncio, Fernando Castilho e Pedro Fernandes.
Fotografia 156: Tomada externa dos componentes do Grupo de Amadores Teatrais Viriato Correia
que em 1937 apresentaram a primeira peça “Zuzu”. Fotografia deste ano sem autor definido, do acervo André
Mattos.
Esta realidade parece não ter se alterado com o passar do tempo, pois 23 anos após o
Grupo Dias Braga, organiza-se nas dependências do informativo “Entre-Rios Jornal” o Grupo
de Amadores Teatrais Viriato Correia que entre os seus componentes quando da apresentação
da primeira peça, não possuía nenhum artista cênico negro.
Reportando aos aspectos das artes – música -, no inicio da formação social na Vila de
Entre Rios, Vê Jota escreve:
“A música começou a ser cultuada em Três Rios, não só pelas damas que se
dedicavam ao estudo da música em piano, como também pelas bandas formadas
224
pelos escravos [presentes nas cerimônias de inauguração das Estações de Entre-Rios
tocando em homenagem ao imperador D. Pedro II], como a que ainda chegamos a
conhecer na Fazenda de São Lourenço de propriedade do venerado Visconde de
Entre-Rios, já nos primeiros anos da República e em franca decadência. O seu
mestre chamava-se João Prata e desfrutava da confiança e da amizade do
Visconde.” 148
Relaciona este cronista ainda: a Banda Henrique Mesquita que possuía como mestre o
musicista Francisco Duarte descrito como uma criatura de longos cabelos alourados, olhar
doce e atitudes paternais; a charanga do Pedro Belmonte, o Grupo Musical Carlos Gomes,
regido pelo professor Guerra da Costa, o Grupo da Lira fundado por volta de 1900 pelos
irmãos Agnelo, Galvino e Marcolino e o Grupo Musical 1º de Maio do qual foram fundadores
os ferroviários Carlos Vidal, Severino José Ferreira e Ernesto Mattos entre outros. – esta
agremiação musical centenária ainda permanece em plena atividade.
Fotografia 157: Registro externo dos músicos e membros da diretoria da Banda 1º de Maio,
destacados estes últimos em posição ao fundo e no alto, que foi fundada em 1910 em sua maioria pelos
funcionários da EFC do Brasil, entre os seus componentes percebe-se alguns negros, mas nenhum entre os
diretores. Fotografia da década de 1920, sem autor conhecido, do acervo Sr. Altair.
148 EM COMEMORAÇÃO ao nosso aniversário – prêmio Melnhaque: A melhor “História de Três Rios”.
JUNIOR, Antonio Villela. “O Jornal de Três Rios”. Três Rios/RJ. Ano II, 26 de abril de 1961, nº 53, p. 2.
225
Fotografia 158: Registro dos músicos da Banda “Jazz União”, da esquerda para a direita: Aquilas
Coutinho (tornou-se professor e historiador), Sebastião de Castro (Tunga, pistonista chamado de “Louis
Armstrong” trirriense, destacado pela seta), João Pedro da Silveira (foi prefeito da cidade), Israel Fonseca,
Manoel José Rodrigues, Geraldo Barbosa (“Macumba”, ferroviário e desportista) e Manoel Lima. Registro
publicado no jornal “O Cartaz” de Três Rios/RJ, ano I, 18 a 25 de setembro de 1971, nº 3. Original da década
de 1930. Do acervo André Mattos, sem autor conhecido.
Fotografia 159: Registro dos músicos do primeiro Jazz Band da cidade a “Jazz Band Columbia” nesta
fotografia publicada no jornal “O Cartaz” de 16 a 29 de fevereiro de 1980, original provavelmente da década
de 1930. De terno branco tem-se o músico conhecido como “Periquito” natural da cidade de Porto Novo/BA, os
demais que aparecem na imagem da esquerda para a direita: Manoel Rodrigues, Iracy Pena, Israel da Silva
Fonseca, Waldemar Pinhel, João Silveira e Ramiro Lopes. A fundo residência na Rua Oswaldo Cruz, nº 297, no
centro da cidade de Três Rios. Sem autor conhecido, do acervo André Mattos.
226
A Banda Musical 1º de Maio teve participação importante na aglutinação da
população para os comícios do movimento emancipacionista. Ao domingo percorria as ruas
da cidade realizando apresentações musicais e convidando o povo para esta atividade. Jornais
da época informam a participação de seus músicos em bailes, quermesses da igreja, carnavais
e também, acompanhando o féretro de pessoas mais afortunadas da cidade.
A população negra, liberta da condição de propriedade, utilizou-se de variadas
estratégias de mobilidade social na pós-abolição para a inserção nas sociedades urbanas. O
ambiente da arte musical recebeu intensa participação e influência dos negros na formação, no
caso de Entre-Rios, mas também de outros centros urbanos brasileiros, de diversos grupos
instrumentais, bem mais do que nos das artes cênicas. Destacando-se no distrito também a
Banda “Jazz União” e a “Jazz Band Columbia”.
Regina Xavier (2008, p 25) afirma que, “se a cidade era um lugar de conflitos e de
resistência para os escravos era, ao mesmo tempo, um lugar que propiciava espaços de
convivência para a comunidade negra, importante na construção de estratégias variadas na
busca de melhores condições de vida”.
Fotografia 160: Imagem externa dos músicos da Banda de Música Henrique Mesquita, onde se
observa a presença de negros entre os seus componentes. No primeiro plano, terceiro da esquerda para a
direita, o mestre o musicista Francisco Duarte. Fotografia da década de 1920, sem autor definido, do acervo
Srº Altair.
227
Se os atributos morais da etnia negra apresentados por Vê Jota em seu artigo indicam
uma visão negativa da sociedade republicana brasileira eminentemente branca – representada
na sua “porção” regionalizada pela sociedade entrerriense, alguns estereótipos “positivos”
valorizavam os talentos destes para “a música, para a dança ou qualquer outra atividade que a
emoção sobrepujasse a razão. Observa-se que as “características da raça”, dependendo do
espaço social, podem ser qualificadas negativa ou positivamente.” (ABRAHÃO E SOARES,
2003)
Outro espaço de participação social dos negros na coletividade entrerriense ocorreu
pelas atividades esportivas, especificamente, o futebol, que possuía a época representantes
deste grupo em todas as equipes da cidade, o que possibilitou certa ascensão social e
financeira.
O futebol se fez presente no Brasil pelas mãos dos ingleses que vieram para a
implantação da malha ferroviária como alternativa de lazer para a elite branca brasileira e não
para os negros recém libertos, mas quando foi acomodado pelas classes populares este esporte
passou a ser mestiço, negro e “brasileiro”. Existem trabalhos que estabelecem a presença dos
negros em equipes de futebol amador já no início do século XX.
Fotografia 161: Registro externo dos jogadores do América Futebol Clube nesta fotografia publicada
no jornal O Cartaz no seu ano II, de 28 de abril a 4 de maio de 1973, nº 86. Original de 1929, sem autor
conhecido, do acervo André Mattos.
228
América Futebol Clube e o Riachuelo Esporte Clube, tradicional equipe auriverde da cidade
de Paraíba do Sul/RJ, que terminou com o placar de 2 x 1 para os rubros de Entre-Rios.
Relacionam-se na fotografia anterior os jogadores em primeiro plano sentados:
Santinho, Hélio – goleiro -, e Pinhal com o mascote da equipe Sebastião Guilherme Dias, o
“Cici” à frente. Ajoelhados: Nico Couto, Teófilo e Silvio “Malandragem”. Em pé ao fundo da
esquerda para a direita: o Srºs Aparício de Freitas, Darci César Guimarães (de terno branco) e
Antonio Martins, os jogadores Manoel Duarte e Coutinho Junior, a madrinha Maria Cantuária
de Araújo, o presidente do clube, Mariano Aguiar, os atletas Batoque, Chaves e José Manoel
e por último, segurando uma bandeira, o Srº Josino de Carvalho.
Fotografia 162: Registro externo da equipe de futebol do Entrerriense Futebol Clube da década de
1930, onde se percebe a presença de alguns jogadores negros; da esquerda para a direita tem-se: Bertolino,
Tamanduá, Fortunato, Licirio, Zé Coruja, Sapo, Gradim, Ayres, Bira, Jobal e Manoel. Em primeiro plano
Habib Obeica e a madrinha do clube a Srta. Balbina Santos Gomes. Fotografia publicada no jornal “O Cartaz”
no seu ano I, de 8 a 14 de janeiro de 1971, nº 19. Sem autor conhecido, do acervo André Mattos.
229
segregação que ocorrem nos espaços urbanos. E esta condição aparece em diversas formas de
diálogo, como por exemplo, nos escritos dos jornais e nos livros dos historiadores mais
antigos da cidade de Três Rios, utilizados nesta pesquisa. Pouco da participação dos negros é
referendado.
Fotografia 163: Registro realizado em 2 de junho de 1930, durante a inauguração do atual campo de
futebol do Entrerriense Futebol Clube, com a solenidade de benção e o corte da fita inaugural. Na imagem da
esquerda para direita: Quintino Pinto Álvares, Jacinto Sobrinho (atrás deste), Pedro Chimelli (ao fundo),
Manoel Ferreira de Souza Neto (Manoelito, de terno branco), Vitorino Martins (ao fundo), o Padre Antonio
Rossi, Horácio da Silva Braga (segurando o que parece ser uma vela), José da Silva Leal (também ao fundo),
Balbina Santos Gomes (madrinha), Guilherme Bravo, Clodoaldo de Carvalho, Salim Chimelli (ao fundo), Ciro
Marini, Mariano de Aguiar e Pedro Caldas. Destaca-se em primeiro plano o pequeno coroinha ao lado do
padre. Sem autor conhecido, esta fotografia foi publicada, na revista do Jubileu de Ouro do Entrerriense
Futebol Clube, de 1975, do acervo André Mattos.
Hugo José Kling é um dos historiadores da cidade, suas obras publicadas em 1969 e
1971, além de aspectos relacionados à formação de Três Rios e seus monumentos, apresentam
biografias dos seus “principais” moradores, um apanhado de artigos publicados nos jornais da
cidade com características da historiografia positivista: são nomes e sobrenomes que
representam uma elite branca de comerciantes, industriais, profissionais liberais, religiosos e
professores.
230
Fotografia 164: Registro da diretoria, realizado diante da primeira arquibancada do estádio de futebol
do Clube Entrerriense na Rua Marechal Deodoro no centro de Entre-Rios, com os degraus de madeira, em 18
de dezembro de 1933. Presentes nesta fotografia publicada no jornal “O Cartaz” de 5 de abril de 1974, na sua
edição de nº 133, em pé ao fundo da esquerda para a direita: Julio Assumpção, Virgílio Torno, Pedro Caldas,
Manoel da Rocha Pinto, Custódio José Martins, Namitala Hagge, Henrique José Marinho; e no primeiro plano
sentados, também neste mesmo sentido: Theobaldo Rocha, Jacinto Sobrinho, Balbina dos Santos Gomes
(madrinha do clube), Pedro Paulo Rodrigues Caldas e Mariano Aguiar. Sem fotografo determinado, do acervo
André Mattos.
Uma única figura fugiu a esta condição: Camila, escrava de Mariana Claudina, que
recebeu por desejo testamentário da Condessa do Rio Novo, uma casa em Entre-Rios em
usufruto e em dinheiro a quantia de um conto de réis. “Camila foi uma escrava, mas foi
também um ser humano e cristão.” (KLING. 1973, p. 46) Filha de um português – Augusto, e
de uma escrava – Tônia, “a criança era clarinha e crescia robusta e linda”. (KLING. 1973, p.
57)
“Afinal, em agosto de 1835 é que Tônia e Camila entraram para o serviço
do novo Sinhô na Fazenda da Boa União, onde à época se movimentavam mais de
oitenta escravos de ambos os sexos, sem contar as crianças.
Tônia foi para a senzala e dali por diante, com outras escravas, participaria
de todos os trabalhos, quer na capina da lavoura, que na apanha do café.
A futura Condessa do Rio Novo, de pronto simpatizou com a mulata Camila,
que regulava a sua idade e mais encantada ficou quando soube que sua nova
231
escrava sabia ler e escrever, pois ela destinava-a a ser sua companheira na
Fazenda, já que, havia decorrido mais de três anos, depois do seu casamento, sem
que tivesse filhos.” 149
A figura de Camila permanece até nossos dias apenas pela presença de seu nome no
testamento da Condessa e, conforme afirma Hugo Kling (1971, p. 77) na tradição oral das
histórias do “preto Bentão” falecido em idade avançada, mas que não recebeu também,
maiores identificações, apesar deste autor afirmar que recolheu deste informações preciosas
para os seus escritos.
“Refletir o trauma social (...) significa pensar tal memória dentro das redes
de poder que as definem, recortam, delimitam elegendo critérios do que lembrar e
por sua vez narrar e do que esquecer e silenciar, definindo assim linhas de
interpretações da História que se deseja elaborar.” 150
Fotografia 165: Registro externo relacionado às comemorações pela instalação do novo município de
Entre-Rios. Artigos em jornais da época informam sobre uma festa popular – um grande churrasco -, realizado
no campo do Entrerriense F. C.. Observa-se na fotografia a presença de homens e mulheres, adultos, jovens e
crianças, brancos, negros e mulatos. Sem autor determinado, do acervo do Srº Altair.
232
Esta afirmativa pode ser aplicada também aos aspectos sociais da história dos negros
na pós-escravidão, pois o esquecimento e as escolhas quanto ao que deve ser lembrado
demarcam a memória coletiva e a construção da identidade deste grupo, que mesmo assim,
tem a sua “escrita” na formação cidade de Três Rios.
Rompendo o silêncio imposto ou os impedimentos a leitura deste discurso, as
fotografias narram experiências sensíveis, aspectos das relações sociais, colaborando para a
compreensão da vida desta comunidade étnica, sugerindo espaços de rupturas e
continuidades, mesmo representando o olhar de outro grupo social.
Quando os referentes fotográficos abarcam as atividades sociais nos espaços públicos
da cidade, os indivíduos negros e mulatos aparecem em manifestações diversas, conforme os
registros 165 e 166.
Fotografia 166: Registro externo também referente à festividade descrita na fotografia anterior. Sem
fotógrafo definido, do acervo do Srº Altair.
233
Fotografia 167: Registro externo realizado na Praça São Sebastião, possivelmente quando da
inauguração do prédio da Prefeitura Municipal de Três Rios em 1943, identificando-se entre o grupo que se
destaca no primeiro plano ao centro: João Pedro da Silveira (primeiro a esquerda) e ao seu lado o Prefeito
Walter Gomes Francklin, e entre as mulheres, encontra-se ao centro destas, e a professora Alva Coutinho
Carvalhido, única mulher até o presente momento eleita vereadora em Três Rios. Sem fotógrafo conhecido, do
acervo Srº Altair.
Fotografia 168: Registro externo de uma atividade cívica em homenagem ao dia da árvore, realizada
na Praça da Autonomia, onde se tem a presença de alunas de escolas do município (no primeiro plano a
esquerdas jovens terminando o plantio de uma muda, acompanhada possivelmente por uma professora).
234
Identifica-se na fotografia: terceiro da esquerda para direita o Prefeito Walter Gomes Francklin, adiante a
segunda mulher com vestido branco, Alva Coutinho Carvalhido e os dois últimos, João Pedro da Silveira e
Aquilas Coutinho. Fotografia do início da década de 1940, sem autor definido, do acervo André Mattos.
Quando das obras para a construção da Igreja Matriz de São Sebastião, o Padre José
Custódio Pereira Barroso, vigário que assumiu a Freguesia de São Sebastião de Entre-Rios em
7 de março de 1934, organizou a Liga Católica Jesus, Maria, José com a participação
principalmente de operários da Central do Brasil, conseguiu através de doações e das
procissões das telhas, onde ocorria intensa participação de populares, findar a cobertura da
igreja.
Fotografia 169: Vista externa do local enfrente a Matriz de São Sebastião, à esquerda ao fundo, onde
as pessoas depositavam em pilhas (no centro da fotografia) a sua doação de telhas. Registro do último quarto
da década de 1930, sem fotografo definido, do acervo Srº Altair.
“Era uma curiosa inovação para conseguir recursos. Um cidadão de confiança ficava
junto de uma ruma de telhas e os fiéis passavam por ali em fila e compravam uma telha, duas
ou três ou quantas quisessem e ia colocá-las em outra pilha adiante [vista na fotografia 125].
(KLING. 1971, p. 17) Imagens como esta, quando da presença de diversos indivíduos em
atividades e manifestações populares, sem a preocupação de se destacar este ou aquele grupo
social, incluem em seus referentes à presença de adultos, jovens e crianças negras. Nas
235
manifestações de cunho religioso é possível perceber que as roupas apresentavam-se de
melhor qualidade, mesmo que simples.
No campo da educação, fundamental para inserção do individuo na sociedade e para a
conquista de melhores condições de trabalho e renda, as fotografias que seguem indicam as
oportunidades experimentadas pelos descendentes dos negros libertos. Em uma escola
particular não estão presentes, em um colégio do estado são percebidos em número menor e
em uma escola técnica profissional, meninos negros aparecem sendo preparados para funções
no mercado de trabalho, onde se exigia capacitação técnica e não o ensino superior.
Fotografia 170: Vista externa do Gynásio Pinto Ferreira, instituição educacional tradicional com
matriz na cidade de Petrópolis/RJ. Nesta imagem alunos e professores estão perfilados; os meninos na frente e
as meninas na sacada do edifício, não sendo possível identificar a representação negra entre estes. Fotografia
do ano de 1935, sem fotógrafo conhecido, do acervo André Mattos.
236
Fotografia 171: Vista externa do Grupo Escolar Condessa do Rio Novo, na Praça São Sebastião, com
seus alunos perfilados em frente à escola, observando-se no primeiro plano à direita, crianças plantando uma
muda de árvore, e junto a elas, a professora Alva Coutinho Carvalhido. Nesta fotografia do início da década de
1940, é possível observar à presença em número maior de crianças brancas e em maioria meninas, mesmo
sendo este um colégio mantido pelo Estado. Do acervo André Mattos sem autor conhecido.
Fotografia 172: Vista interna da Oficina da Escola Profissional de Entre-Rios, onde a presença de
jovens meninos negros aparece com maior destaque. No segundo plano ao fundo a direita, membros da
diretoria desta instituição de ensino e atrás dois possíveis instrutores, que em sendo seriam os únicos
professores negros observados nas fotografias. Registro da década de 1940, do acervo André Mattos.
237
“Dentre os libertos retiraram-se logo após a recepção de sua liberdade 8
indivíduos, todos do sexo masculino, e estes foram somente dos que tinham ofícios
e que preferiram exerce-los fora da colônia, como mais rendosos. Foi interesse e
não outro motivo que os fez emigrar.
Eles eram carapinas, ferreiros, pedreiros e cozinheiros. Estes retirantes
deixaram de obter lotes na colônia (...).” 151
Fotografia 173: Vista externa do Armazém de Café construído em Entre-Rios pelo presidente de Minas
Gerais, observando-se os trilhos da E. F. Central do Brasil, bem em frente de um dos galpões. Nota-se que os
que estão descarregando as sacas de café do vagão são todos negros, “assistidos” em sua maioria, por
senhores brancos bem trajados. Fotografia do início da década de 1930, sem fotógrafo conhecido, do acervo Srº
Altair.
151 Boletim nº 3 da Sociedade Central de Imigração do Rio de Janeiro, de 1884. Relatório do Srº Drº Ennes de
Souza, apud, INNOCENCIO, Isabela Torres de Castro. op. cit. p. 89.
238
atividades outras nas cidades, mas sempre em posições onde havia o imperativo de uma mão-
de-obra menos qualificada, nos setores residuais, limitados às práticas ou ocupações
inadequadamente retribuídas e degradadas, posições onde havia o imperativo de uma mão-de-
obra menos qualificada.
Fotografia 174: Vista externa onde se observa os trabalhadores do Armazém de Café que estão
amontoando o café para a queima durante o governo do presidente Getúlio Vargas, todos os indivíduos, mesmo
os que orientam a tarefa, são negros. Fotografias do início da década de 30 do acervo André Mattos, sem
definição do seu autor.
Fotografia 175: Vista externa onde se observa os trabalhadores negros junto aos tratores na
reconstrução do Cemitério São José, em Entre-Rios, após um desabamento. Equipe dirigida por Domício
239
Ribeiro que aparece no primeiro plano à esquerda. Fotografia da década de 1940, sem fotógrafo conhecido, do
acervo Profª Ezilma Teixeira.
152 PERROT, Michelle. As mulheres ou os silêncios da história. Bauru/SP. Editora Edusc, 2005, p. 9.
240
sua grande maioria estão vivendo nos bairros em casas mais simples e trabalhando em
atividades profissionais que exigem mais esforço físico e um nível escolar menor.
Os discursos da cidade são construídos e reconstruídos nas ações dos diversos grupos
sociais que a compõem. Mas todos de uma forma ou de outra, lembrados ou deixados no
esquecimento, “escrevem” seus traços identificadores culturais; assim também os negros
libertos e seus descendentes construíram sua fala, sua narrativa; memória visitada pelas fontes
e testemunhos fotográficos.
241
CONCLUSÃO
Sempre admirei as fotografias antigas. Julgo, hoje, que há algo de “mágico”, em cada
uma daquelas que me levaram a um ambiente diferente, há uma realidade que eu não
experimentei. Com este pensamento, iniciei a justificativa do projeto apresentado em 2010 no
programa de mestrado da Universidade Severino Sombra em Vassouras/RJ. Lembro-me que
numa oportunidade exteriorizei aos amigos mestrando a paixão que sinto no encontro com as
imagens de outros tempos, houve opiniões divergentes quanto a esta condição: pode o
historiador movimentar-se em suas pesquisas pela paixão? Não chegamos a um consenso,
apenas percebo que após o término deste trabalho, a paixão permanece em um crescendo;
talvez por isso minha afinidade com os escritos de Roland Barthes em sua obra A Câmara
Clara.
A trajetória desta pesquisa possibilitou-me caminhar bem mais adiante do que
imaginava. Inicialmente preocupava-me com o patrimônio material e cultural dos espaços
urbanos da antiga Vila de Entre-Rios, que pouco preservado, começara a desaparecer, já em
meados da década de 60, principalmente durante o governo do então prefeito Alberto da Silva
Lavinas, desejoso de construir outra paisagem urbana em substituição àquela – formatada nas
décadas iniciais do século XX - que representava à imagem do atraso e de uma sociedade
então considerada inadequada para os padrões modernos.
Entendia que o conjunto documental fotográfico relativo à Vila de Entre-Rios, e após,
distrito de Entre-Rios, através do seu potencial comunicacional e informativo, e a sua
condição de testemunho de memória, permitia não apenas uma análise da história
socioeconômico desta localidade, mas também, a construção de uma narrativa imagética que
reavivasse, pelo menos, uma parcela das identidades e das memórias dos indivíduos e dos
ambientes urbanos de relação, em seu tempo histórico.
De todos os trabalhos escritos sobre a história da Vila de Entre-Rios, nenhum o fora
considerando a fotografia enquanto fonte e testemunho de memória. Alguns dos registros
fotográficos utilizados na pesquisa encontram-se publicados em outras obras, mas sem a
preocupação com uma análise mais específica quanto às representações das histórias e
memórias atreladas aos seus referentes fotográficos.
Um dos desafios desta pesquisa foi alinhavar os estudos teóricos, definido na relação
entre a fotografia, à história e a memória, estabelecendo os conceitos que poderiam servir para
242
“unir” os ângulos do triângulo constituído por estes elementos, bem como, identificando e
analisando que discursos representam uma descontinuidade ou discordância entre as partes.
Assim, o diálogo com os autores permitiu-me percorrer por um caminho teórico que,
entendo, abaliza a narrativa imagética, através de um elemento principal, capaz de alistar a
história com a memória e com a fotografia: o tempo, mas um tempo apto a interrupções, a
particularização, a fragmentação, o tempo da memória. Ao tempo estão “conectadas” as
discussões quanto à lembrança, o esquecimento, a memória compartilhada e a nostalgia, a
distância temporal e espacial, a aura, a separação e o corte, a imagem-ato, o congelamento e a
permanência, a ausência e a presença. Conceitualmente é um caminho com muito a ser
percorrido.
Tinha como objetivo então, traçado nas linhas do projeto, aplicar os conceitos teóricos
na identificação dos patrimônios materiais não preservados no processo de urbanização de
Três Rios, desde o primeiro marco da formação do núcleo populacional até o final do
movimento de emancipação, apenas com vistas à divulgação e perpetuação da memória
urbana da cidade.
Às vezes enxergamos tão pouco dos horizontes que os caminhos podem nos conduzir e
descortinar, esquecemos que é possível caminhar para bem mais além, e principalmente, não
apreendemos que cada passo apresenta nuanças que nossos olhos teimam em não enxergar;
mesmo sabendo que pelos caminhos da história o olhar do presente sempre interpreta a sua
maneira as ações do passado.
Acredito realmente que a pesquisa levou-me a bem mais adiante. Não só reconhecendo
uma parcela dos espaços urbanos, ou a maneira como se desenvolveu fisicamente o processo
de urbanização da Vila de Entre-Rios, mas percebendo alguns dos motivos possíveis para a
sua formação. Não somente identificando o patrimônio material não mais existente, mas
alcançando algumas das motivações, dos interesses, e das relações de poder que interferiram
tanto na sua edificação, quanto na sua transformação ou substituição por outros elementos.
Neste processo os personagens históricos se apresentaram, alguns com seus nomes e
memórias bastante conhecidos, outros nem tanto, e a outros ainda foi concedido alguma
visualidade, não mais estão totalmente esquecidos, mas todos, sujeitos históricos presentes na
sociedade trirriense do início do século XX, reconhecidos ou não nas imagens.
Outras fontes, analisadas após o início da pesquisa, serviram de contraponto aos
testemunhos imagéticos, referendando os testemunhos dos referentes presentes nos registros
fotográficos. Entre estas entendo que as narrativas literárias foram as mais ricas, trazendo-nos
243
através das palavras de um Vê Jota, por exemplo, o olhar de outros indivíduos, próximos ao
período temporal estudado, sobre as manifestações e ações daquela sociedade.
Fotografia 176: Panorâmica do Viaduto Antônio Teixeira Pinto – “Antônio da Farmácia”, inaugurado
em 05/07/2012 sobre a linha férrea, ligando a Av. Condessa do Rio Novo a Rua Nelson Viana, que suprimiu a
Praça Salim Chimelli. Esta é a maior obra de intervenção no espaço urbano da cidade de Três Rios, nos últimos
anos. Fotografia sem autor definido, publicada no site: http://www.entreriosjornal.com.br/noticia/26160-obra-
mais-importante-da-historia-de-tres-rios-e-inaugurada-nessa-quinta-feira.
244
Anexo 1: Narrativas imagéticas: panorâmicas e paisagens.
1861/1866
1867/1872
Vista externa da Estação Ferroviária de Entre-Rios, nesta fotografia, de autoria de Revert Henry
Klumb, 1867/1972, foi realizado no mesmo local do registro anterior, o Morro Áureo.
245
Década de 10
Panorâmica do distrito de Entre-Rios na década de 10, sem fotografo conhecido, acervo André Mattos.
Vista externa da Capela de São Sebastião, nos primeiros anos da década de 1910. Sem fotografo
definido, acervo André Mattos.
246
Década de 20
Vista externa da Rua Visconde de Entre-Rios, atualmente Rua da Maçonaria. Fotografia da década de
20, sem autor conhecido, acervo Profª. Ezilma Teixeira.
Fotografia do centro do distrito de Entre-Rios, num período entre a primeira metade da década de
1910 e o inicio da década de 1920. Sem informação do seu autor, acervo André Mattos.
247
Vista externa da Estação Ferroviária de Entre-Rios. Fotografia sem autor conhecido, acervo Sr.º
Altair.
Fotografia do centro do distrito de Entre-Rios, como as anteriores, realizada entre década de 1910 e
1920, sem informação do seu autor, acervo André Mattos.
248
Fotografia externa da Rua da Condessa. Registro realizado entre a década de 1920 e 1930, sem
informação do seu autor, acervo Srº Altair.
Fotografia externa da Rua Campos Elíseos. Registro da década de 1920, sem autor conhecido, acervo
Sr. Altair.
249
Fotografia do distrito de Entre-Rios, também realizada entre década de 1910 e 1920, sem informação
do seu autor, acervo André Mattos.
Vista externa do Parque Oscar Weinchenk. Registro sem autor conhecido, realizado na década de
1920, acervo André Mattos.
250
Segundo registro externo do Parque Oscar Weinchenk. Fotografia sem autor conhecido, realizado na
década de 1920, acervo André Mattos.
Fotografia externa da Rua Maria Pereira, atualmente Rua Drº Walmir Peçanha. Fotografia sem autor
definido, da década de 1920, acervo Profª Ezilma Teixeira.
251
Fotografia externa da Rua da Condessa, neste registro da década de 1920, sem informação do seu
autor, acervo Profª Ezilma Teixeira.
Vista externa da Capela de São Sebastião, nesta fotografia da década de 1920, sem autor definido,
acervo do Srº Altair.
252
Registro da década de 1920, sem informação do seu autor, acervo Srº Altair.
Década de 30
Registro da década de 1930, da Rua da Condessa. Sem informação do seu autor, acervo Profª Ezilma
Teixeira.
253
Rua da Condessa, próximo ao Largo da Capelinha, neste registro da década de 1930, sem informação
do seu autor, acervo Profª Ezilma Teixeira.
254
Fotografia que permite uma visão panorâmica do ainda distrito de Paraíba do Sul/RJ, Entre Rios. Autor
desconhecido, do final da década de 30, acervo André Mattos.
Panorâmica do distrito de Entre-Rios, entre o final do ano de 1938 e início de 1940, sem informação do
seu autor, do acervo Srº Altair.
Panorâmica do distrito de Entre-Rios, do final da década de 30, sem autor conhecido, do acervo André
Mattos.
255
Panorâmica do distrito de Entre-Rios, realizada no final dos anos de 1930, sem informação do seu autor,
acervo Srº Altair.
Imagem externa da Fábrica de Fósforo “Pharol”. Registro da década de 1930, sem fotografo definido,
acervo André Mattos.
256
Panorâmica da Rua da Maçonaria na sua esquina com a Praça Salim Chimelli. Registro do final da
década de 1930, sem informação do seu autor, acervo Srº Altair.
Década de 40
Panorâmica da cidade de Três Rios, esta fotografia foi realizada após a emancipação do município de
Paraíba do Sul/RJ. Registro do início da década de 1940, sem autor definido. Acervo André Mattos.
257
Imagem externa das oficinas 7ª Inspetoria de Locomoção da E. de F. Central do Brasil, e dos Armazéns
de Café do Estado de Minas Gerais. Fotografia publicada Entre-Rios Jornal de 17 de janeiro de 1936, sem
fotógrafo conhecido.
Vista externa da Praça Visconde do Rio Novo, nesta fotografia do início da década de 1940, sem
fotógrafo conhecido, acervo André Mattos.
258
Década de 50
Vista externa da Capela Nossa Senhora da Piedade, nesta fotografia sem autor conhecido, do final da
década de 1950, acervo Rádio Três Rios.
Década de 60
Vista panorâmica onde se observa a Estação de Três Rios da Leopoldina, ainda em atividade nesta
fotografia de 1968 de autor desconhecido.
259
Década de 70
Vista externa da Estação de Pedras da Estrada de Ferro Leopoldina. Fotografia da década de 70,
acervo André Mattos.
260
2012
Registros da obra do viaduto sobre a linha férrea que eliminou a Praça Salin Chimelli, de maio de
2012, acervo de André Mattos.
261
Biografias:
Altair Tavares da Silva, nascido na cidade de Três Rios em 1927, filho de Augusto
Tavares da Silva e Alvina N. Tavares, o pai era proprietário de uma fábrica de colchão de
capim e a mãe costureira na colchoaria trabalhando na confecção das capas. Trabalhou no
Banco Fluminense da Produção, no INPS, nas Casas Pernambucanas, no Banco Predial, no
Banco da Lavoura de Minas Gerais, vindo a administrar a fábrica do pai por volta de
1957/1958. Casado com a Srª Leniset Peyroton Tavares da Silva, funcionária do antigo
153 ABDÍSIO: “Três Rios é o amor da minha vida.” Texto de José Barros de 27/06/2011. Disponível no site:
http://folhapopular.net.br/noticias/860. Acesso em 23 de mar. de 2012.
262
Banerj, primeira mulher filiada no Sindicato dos Bancários de Três Rios, tem 3 filhos e 4
netas. Atualmente aposentado, sua paixão pela fotografia surge com a primeira que recebeu
dos ferroviários (fotografia 22). Indagado afirmou: “__ Essas fotografias são a história de
Três Rios, meu filho, a memória da nossa cidade.” Srº Altair é também um registro vivo das
memórias do município, sempre pronto a dividir suas informações. Devo a ele muito do que
escrevo nas análises fotográficas.
Celso Alencar Ramos Jacob, nasceu em Três Rios no dia 19 de janeiro de 1957.
Filho de Alencar Jacob e Carmem Ramos Jacob. Estudou o antigo curso primário no Grupo
Escolar Condessa do Rio Novo, e completou o segundo grau no Colégio Ruy Barbosa.
Formou-se em economia na Faculdade André Arcoverde em Valença/RJ e fez mestrado em
Educação. Foi prefeito de Três Rios com dois mandatos de 2001/2004 e 2005/2008 e
Deputado Federal.
263
Charles Figley, professor de saúde mental de vítimas de desastres na Escola de
Serviço Social da Universidade Tulane e ex-fuzileiro naval, apresentou o conceito de
transtorno do estresse pós-traumático em um livro de 1978 sobre ex-combatentes da Guerra
do Vietnã. Ele disse que um dos motivos pelos quais é tão difícil se livrar do trauma é o fato
de o problema danificar os aspectos mais triviais da vida cotidiana. Reportagem de Anemona
Hartocollis com contribuição do jornalista Alain Delaqueriere. 154
Ezilma Teixeira, é filha de João Batista Teixeira e de Cecília Garcia Teixeira, nasceu
em Três Rios (RJ), onde ainda reside. Graduada em História pela Universidade Severino
Sombra, apresenta em sua formação acadêmica alguns cursos de pós-graduação, como
Docência do Ensino Superior, Psicopedagogia, e outros de extensão universitária voltados ao
aperfeiçoamento da sua graduação de origem. Professora de História faz parte do Conselho
Municipal de Educação de Três Rios.
É membro efetivo do Instituto de Estudos Valeparaibanos, de São Paulo e da
Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG), Delegacia de Minas
Gerais. É sócia representativa do Rotary Clube Três Rios Beira Rio, onde atualmente chefia a
Comissão de Relações Públicas, cumulativamente com a Comissão de Meio Ambiente.
Envolvida com a política cultural da região, fez parte do grupo que em 1997 fundou a
Casa de Cultura de Três Rios. Escritora, jornalista – colunista do periódico “Entre-Rios
Jornal”, pesquisadora e historiadora, têm diversos trabalhos publicados e editados sobre a
história da região, sendo os mais recentes: Aprendendo nossa Terra - livro didático editado
em 2004 e adotado pelas escolas municipais e particulares de Três Rios.Editora Editar – Juiz
de Fora (MG); e Era uma vez... – História – editado em 2005 – Editora Editar – Juiz de Fora
(MG).
264
João Pedro da Silveira, Interventor do município de Três Rios no período de
13/02/1946 até 05/08/1946 e 05/02/1947 até 10/08/1947. Foi prefeito eleito da cidade no
período de 03/02/1951 até 31/01/1955.
265
disputada campanha eleitoral entre Hermes da Fonseca e Rui Barbosa, pela sua sucessão.
Filho de camponeses humildes formou-se pela Faculdade de Direito de Recife, PE (1887),
onde depois criou um escritório de advocacia. Atraído pela política, fundou, com Francisco
Portela, o Clube Republicano de Campos e foi membro do Congresso Constituinte (1890-
1891) e da primeira legislatura do Congresso Nacional. Reeleito sucessivamente, foi eleito
presidente do estado do Rio de Janeiro (1903), onde se mostrou um administrador dinâmico e
eficiente.
Compondo como vice a chapa vitoriosa de Afonso Pena, assumiu a presidência com a
morte do titular. Após passar o governo para o eleito Hermes Rodrigues da Fonseca, foi para
Europa (1910-1912), só voltando para assumir a cadeira de senador pelo Rio de Janeiro.
Eleito presidente do estado do Rio de Janeiro (1914), antes do término do mandato foi
nomeado para o Ministério das Relações Exteriores (1917). Formou uma chapa oposicionista
com José Joaquim Seabra, presidente da Bahia, com o apoio dos maçônicos da Grande
Oriente do Brasil, na chamada Reação Republicana (1921), contra o candidato das correntes
oficiais, Artur Bernardes, presidente de Minas Gerais, apoiado pela Igreja Católica, e foi
derrotado (1922). Publicou os livros Impressões da Europa (1913), com suas observações
sobre a primeira viagem ao exterior, e Política, economia e finanças (1922), com os discursos
de campanha da Reação Republicana, e morreu no Rio de Janeiro, RJ, em 31 de março.” 155
266
alguns de seus trabalhos foram expostos em uma "exibição de arte degenerada", e mais
adiante 102 deles seriam confiscados de coleções públicas (...)
Em 10 de maio de 1940, Klee foi acolhido por um sanatório perto de Locarno e,
menos de um mês depois, transferido para a clínica Sant'Agnese. Morreu em 28 de junho do
mesmo ano. Klee experimentou a mistura de meios artísticos, usando aquarela e pintura a óleo
ou tinta, cola e verniz, por exemplo. No entanto, nem sempre é possível especificar o meio
utilizado em alguns trabalhos.” 156
Revert Henry Klumb foi natural de Berlin na Alemanha, teria aportado no Brasil em
1852, que além de utilizar o sistema daguerreotypo, também tirava retratos sobre papel, vidro
e marfim, executando vistas de chácaras, monumentos, reproduções de pinturas e plantas
arquitetônicas. Agraciado em 24 de agosto de 1861 com o título de “Photographo da Caza
Imperial”, foi professor de fotografia da princesa Izabel. Documentando aspectos da Estrada
União e Indústria publica em 1872 o livro “Doze Horas em Diligências, um guia do viajante
de Petrópolis a Juiz de Fora”, obra que dedica à imperatriz, sua protetora. Neste livro, um guia
ilustrado de desenhos copiados da fotografia, conforme escreveu no prefácio, constata-se a
sua preocupação em demonstrar a grandiosidade deste empreendimento realizado pela
vontade do Imperador D. Pedro II. 157
267
acabou por acontecer e depor Jango. Em 1985 concorreu à presidência da república recebendo
480 votos contra 180 de seu adversário Paulo Maluf.
Neves representava a esperança do cidadão brasileiro após o fracasso da campanha
pelas diretas. No entanto, não chegou a tomar posse. Um processo inflamatório no aparelho
intestinal fez com que se submetesse a sete cirurgias e José Sarney, seu vice, teve que assumir
o governo em seu lugar. Tancredo Neves faleceu no dia 21 de abril de 1985 depois de trinta e
oito dias de internamento.” 158
268
Fontes:
a) Documentos oficiais:
* Relatório da Província do Rio de Janeiro de diversos anos, digitalizado na pagina da
Center for Research Libraries – Global Resources Network: Provincial Presidential Reports
(1830:1930).
b) Publicações Oficiais:
* Jornais: “Arealense”, “Entre-Rios Jornal”, “O Cartaz”, “O Jornal de Três Rios”, “A
Tribuna” e o “Correio Trirriense” – acervos Casa de Cultura de Três Rios e Entre-Rios Jornal.
269
Bibliografia:
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notícia. “Correio Trirriense”. Três Rios/RJ. Ano IX, quinta-feira, 11 de junho de 1970,
edição nº 419, capa.
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http://www.ufjf.br/revistalibertas/files/2011/02/artigo10_13.pdf. Acesso em: 25 de jan. 2012.
270
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derrubada do palacete da família Nasser”. Disponível no site:
http://www.agenciaserra.com.br/ler_noticia.php?acao=noticia&id=7382. Acesso em: 23 de
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BURKE, Peter. O que é História Cultural? Rio de Janeiro/RJ: Jorge Zahar Editor
Ltda, 2. ed. (revista e ampliada), 2008.
CHARTIER, Roger. Por uma sociologia histórica das práticas culturais. In: A
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EM COMEMORAÇÃO ao nosso aniversário – prêmio Melnhaque: A melhor
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RELATÓRIO da Província do Rio de Janeiro de 1900, digitalizado na pagina da
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280