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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA – TRATAMENTO


DA INFORMAÇÃO ESPACIAL
Geografia: Cultura e Espaço Vivido

Docente: Rodrigo Corrêa Teixeira


Discentes: Erick Vinicius Pereira Lopes e Sérgio Lana Morais

GEOGRAFIA – ENTRE CULTURA E HISTÓRIA:


contribuições de Roberto Lobato Corrêa e de Paul Claval

HISTÓRICO

O geógrafo brasileiro Roberto Lobato Corrêa e o geógrafo francês Paul Claval são
expoentes da Geografia Cultural. Não queremos apenas rotulá-los aqui como autores centrais
desta subárea da Geografia, mas trazer para a discussão a ideia que ambos são verdadeiros
epistemólogos da Geografia. São autores que instrumentalizaram teorias, bem como expõem e
discutem a Geografia, tornando-se, a este modo, leituras e autores inevitáveis. Desse modo,
seus trabalhos, além da Geografia Cultural, ramificam-se em Geografia Econômica, Histórica,
Política, Urbana e Epistemologia da Geografia.
Roberto Lobato Corrêa é uma das referências em se tratando da Geografia Urbana e da
Geografia Cultural no Brasil. Possui graduação em Geografia pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro (1961), mestrado em Geografia Urbana pela Universidade de Chicago (1974) e
doutorado em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1999). A sua atuação
profissional foi pautada em uma dupla experiência em instituições brasileiras que congrega
vultosas contribuições à ciência geográfica, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). No IBGE atuou como geógrafo
entre os anos de 1959 a 1993. Em 1994 fez concurso para professor assistente e permaneceu
na UFRJ até o final de 20091.
Ao longo da sua vasta trajetória profissional, Corrêa transitou por distintas perspectivas
de análise da Geografia, tendo uma carreira um tanto diacrônica. A sua primeira vivência foi

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O professor Roberto Lobato Corrêa mantém ativo um website com informações sobre sua trajetória acadêmica
e profissional. Acesso pelo link: https://sites.google.com/site/robertolobatocorrea/home.
com a geografia francesa vidaliana (CORRÊA; ZÍLIO, 2011). Em seguida, Corrêa juntamente
com outros eminentes geógrafos ao seu tempo2, foi um dos responsáveis pelo desenvolvimento
da Geografia Quantitativa ibgeana. No final dos anos 70 e início de 80, a pesquisa de Corrêa é
marcada por mais uma transição nos métodos de abordagens, agora pelo viés de uma Geografia
Marxista, ampliando o seu interesse acerca do espaço urbano. Por fim, Corrêa assume um
direcionamento que remete à Geografia Cultural.
É mister destacar que o próprio autor considera que existe uma complementaridade
entre os métodos de abordagem e não uma ruptura, dado que “a priori não há um melhor
caminho, pois isto depende dos objetivos do condutor, de sua problemática, mas, sobretudo, de
sua habilidade em conduzir a pesquisa” (CORRÊA, 2008, p. 3). Diante do exposto, é razoável
considerar que as principais mudanças vivenciadas pela episteme geográfica ao longo século
XX são nitidamente identificáveis na produção intelectual de Corrêa.
No viés da Geografia Cultural assumido por Corrêa especialmente nas últimas duas
décadas é necessário evidenciar a profícua e duradoura parceria com a professora Zeny
Rosendahl (do Departamento de Geografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro). A
cooperação que se iniciou no final dos anos 1990, pois havia convergência dos autores acerca
da Geografia das Religiões e do Simbólico, materializou-se em 29 trabalhos publicados3 com
inúmeras obras de destaque. Uma delas é a publicação do livro “Introdução à Geografia
Cultural", que é considerado uma referência. Na obra, além de capítulos assinados por Corrêa
e Rosendahl, há uma coletânea de textos de outros renomados autores estrangeiros como Carl
Sauer, James Duncan, Denis Cosgrove, Peter Jackson e do próprio Paul Claval. Destaca-se
ainda a ampliação das ações do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Espaço e Cultura
(NEPEC) e a indexação do Periódico Espaço e Cultura, enquanto resultados da colaboração
entre Corrêa e Rosendahl.
Já o francês Paul Claval é uma referência mundial em Geografia Cultural e
Epistemologia da Geografia. Possui graduação em Geografia pela Lycée Gambetta de Cahors
(1949), mestrado em Geografia pela Universidade de Toulouse (1955) e doutorado em Estado
pela Universidade de Besançon (1970). Sua atuação profissional foi pautada em aulas para o
ensino secundário (1955-1960), conferencista (1960-1970) e professor (1970-1972) na
Universidade de Besançon, professor na Universidade de Paris-XIII (Paris-Nord) (1972-1973),

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Orlando Valverde, Speridião Faissol, Fany Davidovich e Pedro Pinchas Geiger.
3
Informação obtida no website mantido por Corrêa na aba “Trabalhos Publicados”.
professor na Universidade de Paris-IV (Paris-Sorbonne) (1973-1998) e professor emérito nesta
desde então.
Teve participação como editor e diretor de várias publicações: Revue géographique de
l'Est (1964-1972), Litec (1968-1981), Charge of Geographical Series for Presses Universitaires
de France (1976-1986), Progress in Human Geography (1977-1986), Journal of Historical
Geography (1980-1986), Political Geography Quaterly (1981-1986), Mémoires et documents
de géographie (1987-1994), Geoforum (1989-2000), Tijdschrift voor economische en sociale
geografie (1990-2002), Annals, Association of the American Geographers (1992-1998),
Géographie et cultures (1992-1998) e L'Harmattan (1992-1998). Tem participação como editor
e diretor de diversas publicações: L'Espace Géographique (desde 1972), Urban Geography
(desde 1989), The Geojournal Library (desde 1990) e Erdkunde (desde 1992).
Em 1996 foi vencedor do prêmio Vautrin Lud Prize, considerado o prêmio Nobel da
Geografia. Foi nomeado Doutor Honoris Causa pelas Universidades de Genebra (1980), Trieste
(1997), Trento (1998), Buenos Aires (1999), Tsukuba (1999), Roma (2001) e Montréal (2008).
Também foi Laureado Honorário pela International Geographical Union em 2004. Diante desse
cenário, o autor visitou, deu aulas e palestras em 71 universidades estrangeiras4.
Sobre seus temas mais pertinentes, inicia seus escritos aos temas trabalhados à
epistemologia da Geografia Humana (1964), escritos voltados à dinâmica e escalas territorial
e regional (inspirado na corrente vidaliana) (1968), questões sociais relacionadas a Geografia
Humana (1973), passa por questões econômicas (1976), tem-se sua maior obra em relação a
cultura com Geografia Cultural (com o livro homônimo) (1995) e por fim, a Epistemologia da
Geografia como um todo (2001) (CASTRO, 2013).
Sua trajetória é tida como a própria história da Geografia, pois participou de diversos
processos pelos quais passou também a Geografia, tendo transitado por vários âmbitos, mas
focando sempre em Geografia Cultural e Epistemologia da Geografia (CASTRO, 2013).
Considerando a ampla capilaridade das atuações de Corrêa e de Claval na Geografia,
destacamos aqui a grande contribuição que os autores tiveram para a Epistemologia da
Geografia e para a concepção de tempo aplicado à Geografia Histórica e à Geografia Cultural.

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Informações obtidas no website: https://www.ae-info.org/ae/Member/Claval_Paul/CV.
A HISTÓRIA COMO A BASE CULTURAL PARA A GEOGRAFIA

A discussão acerca do tempo não era uma condição recorrente nas pesquisas
geográficas, assim os geógrafos tomavam empréstimo de reflexões advindas de outras áreas,
como da História, da Filosofia ou da Antropologia. No entanto, a partir das contribuições de
geógrafos como Corrêa e Claval, o tempo enquanto instância de análise para a Geografia5
ganha notoriedade a ser pesquisado e que reverbera diretamente na cultura.
Corrêa (2016) nos alerta que quando o geógrafo se interessa pelo ‘presente de então’,
maiores são as possibilidades de análise sobre a organização do espaço. O autor considera que
existem dois tipos de tempo, a saber: “O tempo chronos é o tempo objetivo, formal,
mensurável. Por meio dele a vida humana é organizada, tanto no cotidiano como ao longo da
semana, meses e anos.” Já o “kairos, por outro lado, é intersubjetivo, não quantificável, não
tendo o mesmo significado e importância em cada país ou lugar. É de natureza simbólica,
superpondo-se sobre o tempo cronológico.” (CORRÊA, 2020, p. 2, grifos do autor).
Segundo Corrêa (2016) quando o geógrafo se propõe a fazer uma retrospectiva da
organização do espaço em um determinado período do tempo pretérito, faz-se necessário
considerar cinco categorias de investigação, sendo: herança, memória, projeto, inscrição e
trajetória. Para o autor, o modo como o espaço é organizado atualmente apresenta processos
cumulativos de formas herdadas de algum momento do passado (recente ou remoto) que podem
levar à composição de uma “paisagem poligenética, isto é, com formas produzidas em
diferentes momentos pela ação de diferentes agentes sociais que efetivaram diferentes funções”
(CORRÊA, 2016, p. 3). A esse respeito, o geógrafo pontua ainda que as materialidades
permanecem na paisagem devido à atuação de três processos: a inércia, a ressignificação e a
refuncionalização.
Corrêa não se apega apenas às funções morfológicas. O teórico reforça também a
importância que os significados apresentam para a compreensão das espacialidades culturais,
que, além de produto social, constituem como uma condição para a reprodução social. Ao
referir-se à espacialidade da cultura ele avalia que é pertinente criar mapas que representem
aspectos abstratos, para além dos fenômenos tradicionalmente cartografáveis (concretos). O
autor apresenta como possibilidades os itinerários simbólicos, os deslocamentos regulares ou
irregulares (CORRÊA, 2009).

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Claval e Corrêa usam o tempo enquanto instrumentos importantes da Geografia Histórica e Cultural (e para
qualquer Geografia), pois falar sobre o tempo nem sempre é Geografia Histórica (BAKER, 2003).
Assim, é frequente nas obras de Corrêa a utilização da história e do tempo (ou de temas
da Geografia Histórica) para a explicação da cultura e do espaço vivido, como também faz o
Claval. Desse modo, as teorizações de Corrêa permitem ponderar sobre a importância do
emprego da intersubjetividade para a compreensão das sociedades.
Já em relação ao Paul Claval, os âmbitos são semelhantes. Sua vasta produção científica
insere na Geografia, agregando a historicidade que lhe é tão cara, numa perspectiva integradora,
envolvendo assim, sociedade, natureza, tempo e espaço (CASTRO, 2013). Utiliza-se a história
como método, ou seja, destaca-se então uma Geografia profundamente ancorada à História.
A Geografia não pode negar as formas de saberes as quais ela sucedeu, pois, depende
delas, em grande medida, para a compreensão das sociedades do passado, do presente e do
futuro (CLAVAL, 2010). Assim, a história não é tida como sequência de encadeamento linear,
e sim são consideradas as variações e a hierarquia presentes nela, com diferenciação (e/ou
semelhança) entre variáveis, como uma gama imensa de opções para processos que indicam
caminhos. Deste modo, o momento presente se constitui como a combinação de fatores que
percorrem as formas complexas de reprodução social, abarcando o cultural e o vivido. Diante
disso, a história combina adaptações e rupturas não absolutas (CLAVAL, 2007).
Esse âmbito histórico, fio condutor de uma Geografia Histórica, também conduz os
caminhos da Geografia Cultural. Esta última utiliza-se, de acordo com Claval (1981),
procedimentos herdados (mas atualizados), buscando sempre novas possibilidades de
transformação e de pensar a vida. Busca-se, nesse processo, colocar o ser humano e sua cultura
em primeiro plano. Nesse processo, o geógrafo aproxima-se do poeta, escrevendo com
ilustração, transferindo para o discurso a vivacidade dos processos que também participa
(CASTRO, 2013).
O foco é a história dos seres humanos, suas culturas e seus espaços. Consiste em
valorizar a história menor, os atos de todos, os traços culturais como perspectiva de construção
de espaços de interação que convivam com a diversidade social (CLAVAL, 1981). Tendo-se,
então, novas vitalidades em cada processo.
Deste modo, pode-se fazer aqui uma correlação entre os autores, aos quais, em suma,
buscam uma utilização da história para a compreensão da cultura, a fim de enriquecer as
análises geográficas. Corrêa (2009, p. 3) afirma que “os significados constituem o foco da
atenção do geógrafo cultural”. Para Claval (2001, p. 40) a indagação condizente e pertinente é:
“Por que os indivíduos e os grupos não vivem os lugares do mesmo modo, não os percebem da
mesma maneira [...]”? Há, portanto, uma iconografia cultural ao qual cabe o geógrafo descrever
e interpretar o sentido (LEIB, 2002).
“Na medida em que a lembrança das ações coletivas funde-se aos caprichos da
topografia, às arquiteturas admiráveis ou aos monumentos criados para sustentar a memória de
todos, o espaço torna-se território” (CLAVAL, 2007, p. 14). Na medida que se torna território,
torna-se passível de vivências, experiências e culturas. Os edificados construídos estão
impregnados de sentimentos e relações de cultura, com a dimensão subjetiva e experiencial,
com intuição, simbolismos, signos, contingência, sendo singular (CORRÊA, 2014).
Embora a obra do Corrêa não alcance a mesma notoriedade e nível de
internacionalização que a de Claval, ambos são destaques nessas correntes supracitadas e
contribuem para o avanço em conjunto desta ciência, em realidades e contextos próximos.
Diante do exposto, parece razoável considerar que Corrêa é o “mais Claval” dos geógrafos
epistemológicos brasileiros. Claval e Corrêa usam o tempo enquanto instrumento importante
da Geografia Histórica e da Geografia Cultural (ou para qualquer Geografia), pois o que eles
fizeram (e continuam fazendo) é epistemologia, é Geografia e é sua essência.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAKER, Alan. Geography and History: Bridging the Divide. Cambridge: Cambridge
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Maria Geralda de; Arrais Tadeu Alencar (Orgs.). É geografia, é Paul Claval. Goiânia:
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