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Revista do

Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri

Nº 6 - 2022
Teófilo Otoni - Minas Gerais
ISSN 2448-2102

INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO MUCURI

Fundado em 17 de julho de 2003


Rua Manoel Dantas, 230, sala 5 - Grão Pará
39800-175 Teófilo Otoni - Minas Gerais
www.ihgmucuri.com.br - ihgeografico@gmail.com

Diretoria Executiva
Presidente: Íris Soriano Nunes Miglio
Vice-Presidente: Munira Molaib
Secretário Geral: Wilson Colares da Costa
Secretária Adjunta: Elisa Augusta de Andrade Farina
Tesoureiro Geral: Eduardo Amorim Silva
Tesoureiro Adjunto: Ricardo Peixoto Maia
Diretor de Comunicação: Antonio Jorge de Lima Gomes
Oradora: Dulcina Regina Ribeiro Molina
Presidente de Honra: Gilberto Ottoni Porto
Conselho Deliberativo
Agnes Ruschid Tolentino, Eder Detrez Silva, Elvira Schuffner Cadah,
Leônidas Conceição Barroso e Wallace Gomes Moraes
Comissão de Admissão
Fany Moreira, Jair Duarte Pêgo Junior e Rivani Lopes Negreiros

REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO MUCURI

Revisão: Professoras Iris Soriano Nunes Miglio e Regina Ribeiro Molina

Capa e diagramação: Alline Mendes

Imagem da capa: Gravura da artista plástica Yara Tupynambá, em homenagem ao colono; exposta
em placa de aço escovado no saguão de entrada da Câmara Municipal de Teófilo Otoni; a placa
contempla ainda um poema de Ozorio Couto. A homenagem foi patrocinada pelos irmãos Geraldo
Magela Hermógenes da Silva e Sebastião Hermógenes da Silva.

Os conceitos emitidos nos textos desta edição são de inteira responsabilidade dos autores e não representam,
necessariamente, a opinião do Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri.
Os direitos autorais foram cedidos para esta edição.

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Sumário
Apresentação - Íris Soriano Nunes Miglio...................................................................................05
Independência! Podemos comemorá-la? - Gilberto Ottoni Porto................................................07
Primeiras estradas de penetração entre os vales do Mucuri e baixo Jequitinhonha -
Adevaldo Rodrigues de Souza.....................................................................................................09
Grupo Folclórico Pastorinhas da Paz: histórias de fé e memórias do Vale do Mucuri -
Sandra Helena Barroso................................................................................................................13
Vinte anos da Academia de Letras de Teófilo Otoni - Antônio Jorge de Lima Gomes................22
A última edição do “O Liberal” - Humberto Luiz Salustiano Costa............................................33
Maria José: Companheira e Mestra - Gilberto Ottoni Porto........................................................39
O Colégio Tiradentes de Teófilo Otoni - Petrônio Dantas Vieira.................................................43
O legado de Hilda Ottoni Porto Ramos (Didinha) para a cidade de Teófilo Otoni -
Magali M. A. Barroso..................................................................................................................45
Proveitosas Aulas de Latim... Sobre Dom Waldemar Chaves de Araújo, marcante
Bispo da Diocese de Teófilo Otoni - João Bosco de Castro.........................................................49
Jubileu do Bom Jesus do Matosinho. A grande festividade da Diocese de Guanhães -
Dilton Maria Pinto - Gilson Mateus Soares................................................................................51
Pioneiros pela fé - Edineia Felix..................................................................................................55
História da Diocese de Almenara Igreja discípula e missionária a serviço do Reino de
Deus, celebrando seus 40 anos de caminhada - Pe. Cláudio Eduardo Cordeiro.........................59
Biografia de Padre Giovanni Battista Lisa - Joana Alves Louback.............................................62
Paulistas e criminosos fugidos à justiça”: a história da Revolta do Serro do Frio, 1718 a 1720 -
Danilo Arnaldo Briskievicz..........................................................................................................68
Colégio Normal Santa Clara: Um marco e centro de referencia na educação da região -
Wallace Gomes Moraes...............................................................................................................82
Luiz Leal: probidade e ternura - Regina Ribeiro Molina.............................................................93
Desbravando o Vale do Mucuri: o carro que chegou em Ataléia antes da estrada -
Adão Alves Teixeira.....................................................................................................................97
Composição histórica: o município de Teófilo Otoni e derivados - José Moutinho dos Santos.. 105
O grande desafio dos Maxakali (Tikmũ’ũn) - Adevaldo Rodrigues de Souza.............................109
Estrada de Ferro Bahia e Minas: Verdades Históricas - Oldair Ferreira Motta - Erika Pereira Sulz....118
As materialidades da Estrada de Ferro Bahia-Minas no município de Teófilo Otoni: entre a
degradação e o esquecimento - Sérgio Lana Morais...................................................................124
Análises microbiológicas, físico-químicas e toxicológicas com avaliação de risco à saúde
humana na captação de amostras de água na zona rural de um município do Vale do Mucuri
(Itambacuri-MG) - Mayra Soares Santos e outros.......................................................................132
Preservando um capítulo da história do Vale do Mucuri: O resgate da memória de magistrados
que atuaram em Teófilo Otoni - Isabella Dias Almeida - Lívia Guedes Dias - Renzzo Giaccomo
Ronchi..........................................................................................................................................141
De São Jorge a Nova Módica: história, fé, poesia - Julizar Dantas.............................................148
Jequibay: saberes sobre o uso de plantas para fins medicinais do povo Pankararu Pataxó a
partir de múltiplas linguagens - Nehewane Pankararu Braz e outros..........................................155
A saga de Frei Serafim de Gorizia e Frei Angelo de Sassoferato a caminho de Itambacuri -
Wallace Gomes Moraes...............................................................................................................161
Um escritor que nem precisava de livros - Eugênio Maria Gomes.............................................171
Das Selvas do Mucuri até Filadélfia - Arquétipos Histórico - Antropológicos - Gladiston Vieira dos Santos.. 173
A magnífica comemoração do primeiro centenário de Teófilo Otoni - Íris Soriano Nunes Miglio.177
O centenário de Teófilo Otoni: Comemoração com brilhantismo pela Prefeitura e Câmara Municipal..178
Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri - Histórico, patronos e quadro social......................185

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“Arrisquei um cento de vezes a minha vida, arruinei a minha saúde e sacrifiquei os
meus interesses. Foi mister sujeitar-me ao agro viver nas mais inóspitas brenhas. Era
somente a cada ano, quando volvia ao Rio de Janeiro, que eu avaliava o insano da
luta em que estava empenhado. Então, comparando as doçuras do lar doméstico com
a vida agreste das selvas, confesso que me arrependia do passo temerário que havia
dado. Mas, de volta ao Mucuri, a imaginação predominava, e por entre os espinhos via
somente flores”

Theophilo Benedicto Ottoni:1807-1869


Patriarca do Mucuri

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Apresentação
Sempre procurando levar a você, apreciador da história do vale do Mucuri, in-
formações sobre relevantes acontecimentos que pavimentaram a vida e o seu progresso, o
Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri – IHGMucuri – apresenta, nesta sexta revista,
28 artigos elaborados por seus sócios e devotados amigos.
É sempre enriquecedor ler maravilhosos trabalhos que refletem o espírito de
grandeza de queridos colaboradores ao doar conhecimentos, dedicando parte de suas vi-
das, para que fatos históricos deste belo vale sejam sempre relembrados, e despertem, em
todos nós, um justo sentimento de pertencimento à sua terra, berço acolhedor dos filhos
naturais ou adotivos, como também, de muitos de seus ancestrais, que aqui viveram,
trabalhando, procurando ser felizes e vitoriosos.
Considerada uma jóia de raro valor, reproduzimos um artigo do então jornal Folha
de Minas, de 1953, que descreve com raro brilho, como foram magníficos os eventos aqui
realizados para comemorar o primeiro centenário de fundação de Teófilo Otoni.
Breve estaremos comemorando os 170 anos daquele 7 de setembro de 1853,
quando centenas de brasileiros, vindos do norte de Minas, acorreram ao pequeno povoado,
plantado no seio da Mata Atlântica, para presenciarem seu nascedouro, batizado com a
belíssima palavra de origem grega, Filadélfia, e escolhido por ser a cidade americana, no
ideário republicano, símbolo da liberdade e amor fraterno. Estamos longe daquele tempo!
Importante rememorar e trazer à tona, toda a saga que foi a construção do pro-
gresso da região, dos municípios que emergiram do antigo município de Filadélfia, com
repetidos festejos, incluindo uma edição da Revista nº 7, com artigos alusivos à data.
Outrossim, vale lembrar, que desde a fundação da nossa cidade, esses primei-
ros povoadores, vindos do Jequitinhonha influenciaram a vida e o desenvolvimento da
nossa região. Sua história, as lutas que travaram pela sua sobrevivência em momentos de
crise, trazem explicações para seu deslocamento para o vale do Mucuri.
Estudos que tratam de seus fatos históricos importam, sobretudo para compre-
endermos a repercussão que tiveram em nosso destino.
Assim, nesta revista, o prezado leitor, vai encontrar trabalhos, frutos de sérias
pesquisas, tanto sobre o vale do Mucuri – geografia, estradas, os indígenas, primeiros
povoadores de Filadélfia , informações sobre a flora, recursos naturais: a água, municí-
pios emancipados, poder judiciário, sistema educacional, música, folclore, traços biográ-
ficos de personalidades que deixaram marcas na vida da comunidade - como também,
do vizinho Jequitinhonha, representados pelos artigos: A Revolta do Serro Frio – 1718 a
1720, Primeiras estradas de penetração entre os vales do Mucuri e baixo Jequitinhonha,
considerando que tais estudos constituem valiosos elementos que permitem muitos
esclarecimentos sobre as ocorrências nos primórdios de Filadélfia.
Vale também ressaltar, que as comemorações importantes para nosso Vale, re-
ceberam registros referenciais às datas. Os vinte anos da colenda Academia de Letras
de Teófilo Otoni. Valorosa instituição, com importantes e contínuos trabalhos em prol da
difusão da língua e literatura para nossa gente. O artigo 200 Anos do Sete de Setembro
que marcou a Independência do Brasil, com a opinião de Teófilo Benedito Ottoni sobre

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“quem são os verdadeiros heróis”, da gloriosa data.
Por fim, do fundo do coração, queremos deixar aqui registrada nossa sincera
gratidão a todos que cooperaram para a realização desta revista, nos enviando seus va-
lorosos artigos, contribuindo assim com a missão primordial do IHGMucuri, de levar
para nossos contemporâneos mais conhecimentos sobre a história do vale do Mucuri.

Íris Soriano Nunes Miglio


Presidente
Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri

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Independência! Podemos comemorá-la?
Gilberto Ottoni Porto*

Neste ano de 2022, completamos 200 anos da independência do Brasil; mas,


somos de fato independentes?
Ninguém nasce independente, pelo contrário; todos nascemos dependentes de
nossas mães e do nosso grupo social até completarmos nosso aprendizado libertador.
Assim, também o Brasil, nosso país, não conquistou sua independência apenas cortando
o cordão umbilical que nos unia a Portugal.
Foi um ato memorável, necessário, mas não suficiente. Independência é proces-
so, e, como tudo na vida, exige luta permanente e vigilante. Independência não é isola-
mento, pelo contrário, é relacionamento maduro, sem subserviência que, respeitando o
outro, não abre mão da sua dignidade e autoestima.
O ser humano, imagem e semelhança do Criador, nasce com direitos inaliená-
veis: direito à vida, à liberdade, à segurança e à resistência à opressão. Infelizmente, esses
direitos não se afirmam categoricamente para todos. É necessário ação e assistência do
grupo social envolvido pelo indivíduo, para definição dos alicerces das estruturas sociais
que permitam ao cidadão a construção da sua independência.
Essa independência, na verdade, não se firma no egoísmo, na concorrência, na
disputa e no ódio, mas na solidariedade, na cooperação, na ajuda mútua e no amor.
A melhor forma de se comemorar a Independência do Brasil, é continuar a luta
para incluir os brasileiros que estão na periferia, carentes dos mais elementares direitos;
doentes, famintos, desabrigados, desempregados, analfabetos, viciados, drogados, presos
e desesperançados.
É dever do Estado e da Sociedade, a partir de suas estruturas sociais, públicas e
privadas, garantir o indispensável para socorrer o cidadão carente, dando-lhe condições
humanas para que possa sobreviver e disputar, com dignidade, um lugar decente no mer-
cado de trabalho.
A constituição brasileira garante saúde, desde a fase embrionária até a velhi-
ce, a todos os brasileiros. O sistema público de educação também existe para garantir:
educação de qualidade para todos, desde a creche até os cursos técnicos e universitários,
garantidores de uma qualificação profissional adequada ao mercado de trabalho.
Nada disso cai do céu sem esforço.
A Independência do Brasil foi conquistada com o esforço e o sangue de mui-
tos brasileiros. Teófilo Benedito Ottoni, na sua carta “A Estátua Equestre”, escrita por
ocasião da inauguração da estátua de D. Pedro I, a cavalo, na praça, onde Tiradentes foi
enforcado, no Rio de Janeiro, deixa claro quem são os verdadeiros heróis da nossa inde-
pendência, em particular, a figura de Tiradentes.
Assim descreve Teófilo Otoni o desenrolar dos fatos que precederam o Grito do
Ipiranga: “Em 04 de outubro de 1821 Sua Alteza assim escrevera ao seu augusto pai, o
Sr. D. João VI:”

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“Queriam-me, e dizem que querem, aclamar Imperador. Protesto a Vossa Majes-
tade que nunca serei perjuro, que nunca lhe serei falso; e que eles farão esta loucu-
ra, mas será depois de eu e todos os portugueses estarmos feitos em postas, o que
juro a Vossa Majestade escrevendo nesta com meu próprio sangue estas palavras:
Juro sempre ser fiel a Vossa Majestade, à nação e à constituição portuguesa”.

Continua Teófilo Benedito Ottoni: “Se Sua Alteza guardava o Brasil era unica-
mente a título de depósito, determinado a entrar com ele no inventário da herança paterna.”
Nesse ano de eleições, mais que nunca, precisamos estar alertas para eleger
representantes do povo, realmente comprometidos com a nação, com os mais sofridos e
necessitados. Eleger presidente, governadores, deputados e senadores que tenham voca-
ção para servir e não para se servirem.
O povo precisa ser devidamente orientado, instruído e organizado, para partici-
par de partidos políticos que tenham programas realmente adequados às suas necessida-
des. Esses partidos são os maiores responsáveis pela qualidade e representatividade dos
eleitos, pois são eles que têm as melhores condições para selecionar pessoas realmente
dignas, preparadas e com ficha limpa, para disputar as eleições. Se temos verdadeiros
bandidos no Legislativo e Executivo, a responsabilidade pela má escolha não pode ser
imputada apenas ao povo, que tem pouca condição numa campanha, com tempo reduzido
e cheia de desinformação, para conhecer realmente os candidatos já previamente escolhi-
dos pelos partidos.
Infelizmente, o nosso sistema democrático com a Constituição Cidadã, está se-
riamente ameaçado. Milícias do ódio, espalhando inverdades, valorizando a violência, a
tortura e o desrespeito às instituições, estão cada vez mais ativas. É preciso combatê-las
com as armas da verdade, do diálogo sereno e racional, da união e do entendimento.
Assim fazendo, seremos dignos de comemorar os 200 anos da nossa indepen-
dência, ainda inconclusa, mas fortalecida pela participação do povo, que realmente legi-
tima todo o processo, e não deve permitir que uma elite egoísta, preconceituosa e racista
se fortaleça pela omissão dos comodistas e alienados.

*Engenheiro Civil e Sanitarista, sócio fundador e Presidente de Honra do Instituto Histórico e Geográfico do
Mucuri.

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Primeiras estradas de penetração entre os vales do
Mucuri e baixo Jequitinhonha
Adevaldo Rodrigues de Souza*

PRIMÓRDIOS

A região que compreende os vales do Jequitinhonha e do Mucuri começou a des-


pertar a atenção dos portugueses após o descobrimento do Brasil. Esse interesse estava
relacionado à existência de ouro e diamantes aqui descobertos. Havia também informações
passadas pelos silvícolas sobre certa “Serra das Esmeraldas”, situada no nordeste do estado
de Minas Gerais. Até o século XIX, o vale do Mucuri era habitado pelos índios botocudos,
maxakali e outras tribos, descendentes dos tapuias. Provavelmente, os primeiros portugue-
ses que passaram por essas terras foram os integrantes da expedição de Martim de Carvalho,
em 1550. A expedição saiu de Porto Seguro até a pedra do Tomba Virou, passando pela cor-
dilheira que separa o rio Pampã e rio Alcobaça. Depois alcançou os córregos Pavão e Novo,
que são afluentes do rio Mucuri. Continuou a viagem alcançando os rios Todos os Santos
e São Mateus e regressando para Porto Seguro, sem conseguir seu objetivo: alcançar a tão
sonhada Serra das Esmeraldas.
O rio Jequitinhonha foi explorado pela primeira vez – em 1803 – pelo capitão-mor
João da Silva Santos, que por ordem do governo percorreu de Belmonte-Ba até a conflu-
ência do rio Araçuaí. Posteriormente, foi criada a 7ª Divisão Militar do Jequitinhonha, co-
mandada pelo gaúcho e alferes Julião Fernandes Leão, em 1811. Esse destacamento militar
irradiou a criação de postos militares avançados em Vigia (Almenara), Salto da Divisa e
Barra de Água Branca (Joaíma), permitindo maior segurança aos colonizadores e indígenas
que estavam em guerra com tribos dos botocudos. Em Barra de Água Branca a aglomeração
foi expressiva, principalmente dos índios maxakali, onde nasceu o povoado de Quartéis,
atual cidade de Joaíma. Essa localidade foi o centro recebedor de poaieiros, principalmente,
vindos de Salinas, Araçuaí, Itinga, Rio do Prado e Condeúba-Ba. À época, a poaia era um
produto muito cobiçado para exportação e de sustento para as famílias dos colonizadores.
De Quartéis, os poaieiros se deslocaram para os vales dos rios Pampã, Rio Negro, Norte e
Umburanas, enfrentando todos os tipos de adversidades, pois não existia nenhuma estrada
de penetração para essas regiões.

ESTRADA DE INTEGRAÇÃO ENTRE URUCU E SÃO MIGUEL DO


JEQUITINHONHA

Um dos grandes sonhos de Teófilo Benedito Ottoni era o de criar outro meio de
comunicação entre o vale do Mucuri e o do Jequitinhonha, pois o único existente era atra-
vés de Capelinha até Filadélfia. O engenheiro Miguel de Teive Argolo – responsável pela
construção da Estrada de Ferro Bahia e Minas – também imaginou construir uma estrada de
pedestre que partisse do km 210 – entre as estações de Mayrink e Urucu – até São Miguel,
atual cidade do Jequitinhonha. A ligação entre essas regiões só foi concretizada por inicia-
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tiva dos moradores de São Miguel do Jequitinhonha, que em 1902 abriram um caminho de
pedestres saindo de Quartéis, atual Joaíma, e seguindo a embocadura do rio Pampã com
o rio Mucuri até a altura da cachoeira dos Caboclos a 31 km de Urucu e finalmente o seu
destino final – povoado de Urucu, atual Carlos Chagas. Ela foi empreitada a Ico Fagundes,
que teve como auxiliar Louis-Jean Joseph Blanc – agrimensor francês residente em Teófilo
Otoni que executou a planta da estrada.
Posteriormente, o governo estadual tomou paternidade desse caminho de pedestres
com proposta de melhoramentos. Em 1906 foi liberada a primeira quota de subversão e os
serviços de inspeção foram confiados ao agrimensor João Bley Filho. Os trabalhos de aber-
tura foram iniciados da estação de Urucu e margeando o rio Mucuri por 31 km até alcançar
a embocadura do rio Pampã e, seguindo sua margem direita até quase da nascente desse rio.
Depois desceu a serra do Tomba Virou para penetrar na bacia do Jequitinhonha, com per-
curso total de 180 km. Quando os trabalhos da estrada estavam no km 110 João Brey Filho
foi substituído pelo engenheiro Alfredo de Oliveira Graça, que acompanhou os trabalhos até
sua conclusão. No trajeto da estrada surgiram as pontes sobre os rios: Negro, São Miguel,
Anta Podre e no Córrego Água Quente.
Foram supervisores da estrada Domingos Luiz Machado, que, após sua morte, foi
substituído por Vicente Calmon de Almeida. A estrada chegou ao povoado de Bom Jesus
do Rio Negro em setembro de 1907, sendo, na ocasião, rezada uma missa por Frei Patrício
Mejer da Província de Nossa Senhora de Teófilo Otoni, data considerada como nascimento
da atual cidade de Crisólita. A estrada prosseguiu até chegar ao povoado de Tomba Virou
(Fronteira dos Vales) e, em dezembro de 1909 alcançou o povoado de Quartéis. Daí con-
tinuou até atingir São Miguel do Jequitinhonha, em 1910, totalizando quatro anos para ser
concluída, com um número que variava de 40 a 100 trabalhadores nas diversas modalidades.
Posteriormente, ao longo dessa estrada surgiram os povoados de: Rio Negro (Crisólita) –
1907; Águas Belas (Águas Formosas) – 1914 e São Pedro (distrito de Umburatiba) – 1915.
A estrada entre Urucu e São Miguel foi tão importante para a população dos vales
dos rios Pampã, Negro e Umburanas como a estrada Santa Clara foi para a região de Teófilo
Otoni, pois permitiu a integração do baixo Jequitinhonha com a Estrada de Ferro Bahia e
Minas, tornando as trocas de mercadorias mais favoráveis. Ela foi construída para passagem
de pedestres e tropas, entretanto, em 1938, foi percorrida de Joaíma até Carlos Chagas pelo
coronel Lídio Araújo – pai do cantor Eduardo Araújo – em um carro Ford, despertando a
curiosidade das pessoas por onde passava. A foto a seguir mostra a chegada triunfal em
Carlos Chagas, onde o feitor da aventura é mostrado no detalhe.

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ESTRADA ENTRE RIO NEGRO E TEÓFILO OTONI

Até 1914 o meio de comunicação e negócios entre Rio Negro e Teófilo Otoni era
feito pela estrada de pedestres de Rio Negro até Urucu (Extensão de 102 km e construída
em 1907) e depois pela Estrada de Ferro Bahia e Minas até a estação de trem de Teófilo
Otoni. Os mercadores utilizavam bastante esse trajeto, entretanto necessitavam de uma
estrada mais curta para facilitar e reduzir os custos do transporte de mercadorias.
Chefiados por Aristides Nunes Pereira os moradores do povoado de Rio Negro
e adjacências iniciaram a construção de uma estrada, direto desse povoado até Teófilo
Otoni. Ela começou a uma distância de 6 km da confluência dos rios Negro com Pampã.
Depois em direção ao rio Mucuri transpôs a cachoeira “Alemoas” e alcançou o córrego
“Jacaré” até o povoamento de São Miguel do Pita. Daí ela seguiu até a antiga Colônia São
Jacinto para atingir Teófilo Otoni.
A estrada de Rio Negro até Teófilo foi iniciada em 1913 e concluída em 1914. O
custo de sua construção ficou a cargo do empresário Aristides Nunes Pereira com alguma
colaboração da Câmara Municipal de Teófilo Otoni.

ESTRADA ENTRE RIO NEGRO E PRESIDENTE PENA

A ligação entre a estação Presidente Pena e os municípios do nordeste mineiro


como Jequitinhonha e Fortaleza (Pedra Azul) era feita através da estrada de pedestre de
Urucu até São Miguel do Jequitinhonha. Nesse trajeto o primeiro povoamento existente
era Rio Negro, que prosperou com o comércio da poaia. Em 1919 um desses poaieiros de
nome Eugênio saindo de Rio Negro afastou do trajeto original, pois a mata já começava
a ser devastada, e escutou o som de uma máquina da Estrada de Ferro Bahia e Minas,
deduzindo que existia um trajeto mais curto entre o povoado de Rio Negro e a estação
de ferro Presidente Pena. Imediatamente comunicou a descoberta ao empresário Arsênio
Viana que, vendo vantagens para seus negócios, contratou o sertanejo Henrique Bussu
para inspecionar a construção de uma estrada de pedestres entre essas duas localidades,
investindo 3.500$000 (três contos e quinhentos mil réis). Depois de definir o traçado, a
estrada foi iniciada em agosto de 1919, saindo do povoado de Rio Negro em direção a
Presidente Pena e margeando o rio do Meio até sua barra no rio Mucuri. Depois descen-
do e margeando o rio Mucuri até a embocadura do rio Todos os Santos para finalmente
alcançar Presidente Pena. Em 1920 O engenheiro Leo Gilot foi contratado para construir
uma ponte sobre o rio Todos os Santos, facilitando o acesso à estação de trem Presidente
Pena. Depois de concluída ficou mais vantajosa em relação à estrada oficial, pois ficou
mais curta e foi construída em terreno mais arenoso com menos atoleiros.
Durante a construção da estrada entre Rio Negro e Presidente Pena, Henrique
Bussu em outubro de 1919, solicitou empréstimo do companheiro Arsênio Viana a quan-
tia de 200$000 (duzentos mil réis), para adquirir uma posse de terra na mata, próxima
ao córrego do Meio e do córrego Pavão. Em sua posse de terra ele criou um comércio de
produtos de primeiras necessidades, que depois transformou na cidade de Pavão.

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REFERÊNCIAS

FERREIRA, Godofredo. Bandeirantes Modernos – Desbravamento e a Colonização das Matas do Vale do


Mucuri. 2ed. Belo Horizonte: Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri, 2021.
SANTOS, Péricles Ribeiro. Pioneiros de Águas Formosas. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1970.
SOUZA, Adevaldo Rodrigues de. Do Vale ao Paraíso: A saga dos colonizadores do Mucuri, Pampã, Norte e
Umburanas. Belo Horizonte: Usina do Livro, 2014.
TETTEROO, Frei Samuel. Memória histórica e geográfica do município de Jequitinhonha. Teófilo Otoni: s.n., 1919.
TETTEROO, Frei Samuel. O município de Teófilo Otoni. Belo Horizonte: Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1922.

*Engenheiro eletricista, pós-graduado em gestão ambiental, engenharia econômica, engenharia de segurança


e do trabalho. Escritor e membro correspondente da Academia de Letras de Teófilo Otoni e sócio efetivo do
Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri, titular da cadeira 06.

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Grupo Folclórico Pastorinhas da Paz: histórias de
fé e memórias do Vale do Mucuri/MG
Sandra Helena Barroso*

Resumo
Permitam-me ousar escrever o pouco que sei sobre o Grupo Folclórico Pastorinhas da
Paz, do vale do Mucuri. Grupo esse, composto por mulheres e homens que nos convidam
a engendrar pelos caminhos constitutivos da fé.O objetivo é refletir sobre o Grupo Folcló-
rico Pastorinhas da Paz, numa perspectiva teológica. As Pastorinhas da Paz construíram
histórias de fé que guardam na memória do vale do Mucuri.
Palavras-Chave: Memória. Teologia. Grupos Religiosos. Folclore.

Introdução
“Felizes aqueles que fazem parte dessa jornada”.
(Durvalino dos Santos Costa).

O Grupo Folclórico Pastorinhas da Paz, é formado por mulheres e homens, maiores de


60 anos. Foi idealizado pela senhora Rita de Souza Veiga. Nascida em Malacacheta, aos 05 de
setembro de 1913. Fundado em 1979, a partir do grupo de terceira idade do SESC. “O Bispo Dom
Quirino1, vendo o esforço e a alegria deles, passou a chamá-lo de Grupo das Meninas da Terceira
Idade”. (BARROSO, 2016, p.17). Nas festividades natalinas, as pastorinhas saem pelas ruas da
cidade, visitando casas onde possuem presépios. Cantam e louvam o menino Jesus, como um dia
fizeram os pastores em Belém. Também tem o desígnio de levar mensagens gratificantes de amor,
paz e fraternidade aos lares visitados.
O Grupo das Pastorinhas da Paz, em sua trajetória, nos mostra que é possível vi-
ver a fé na peregrinação do amor, da paz, da justiça e da fraternidade.Fé é algo que não se
transmite, não se ensina, não é uma receita. Fé é algo que brota nos corações das pessoas.
Sendo assim, cada indivíduo, impulsionado pela fé, perpetra sua trajetória, compartilha
de suas experiências em Deus. Esse caminho tem como finalidade contribuir para um
mundo melhor. Por esse viés, pode-se dizer que o Grupo Folclórico das Pastorinhas da
Paz, por meio da fé, constrói histórias que ficam na memória do vale do Mucuri. O grupo
traz em si traços do folclore, mas, nos permite perceber circunscrições fraternais, que nos
remetem a conceder-lhe um teor teológico. Os integrantes do grupo das Pastorinhas da
Paz afirmam que construíram uma família de fé.

Pastorinhas da Paz – família de fé


O Grupo Folclórico Pastorinhas da Paz do Vale do Mucuri, no ciclo natalino
sai às ruas da cidade, para louvar o menino Jesus, nos presépios das casas visitadas.

1
Dom Quirino Adolfo Schmitz nasceu em Gaspar (SC) a 22 de novembro de 1918, filho de João José Schmitz
e Catarina Moser Schmitz. Foi para a Igreja de Teófilo Otoni e região, anunciando o Reino de Deus. (Catedral,
Semanário Litúrgico Catequético. Teófilo Otoni, 22/11/1998).

13
Grupo composto por mulheres e homens com idade superior a 60 anos. Utilizam de ins-
trumentos musicais, como pandeiro, violão e sanfona em suas apresentações. Possuem
vestimentas próprias nas cores branca e vermelha. São pessoas que construíram entre elas
laços de amizade. Sendo assim tornaram-se uma família de fé. “A esperança e a fé em
Deus sempre acompanharam minha caminhada no grupo”. (VERMEULE, 2016, p.27).

Figura 1 – Grupo Folclórico Pastorinhas da Paz

Fonte: Arquivo da Autora

O GRUPO FOLCLÒRICO...

O Grupo Folclórico, criado por Rita de Souza Veiga, carinhosamente chamada


de “Vó Rita”, viveu momentos difíceis. Primeiro foi pelo falecimento da fundadora e
depois por outros problemas. A filha de Rita de Souza Veiga, a senhora Helena Guedes,
esclarece como foi o processo de decisão para que o grupo continuasse em sua trajetória:

Foi então que procurei pela Tida (Erotides Quintal) para conversarmos sobre o destino
do Grupo Pastorinhas da Paz e da vontade já expressada pela minha mãe, para que ela
assumisse a coordenação. Isto feito, ela convocou as outras pessoas já indicadas pela
minha mãe e todos foram unânimes na confirmação: O Grupo de Pastorinhas da Paz
vai continuar. Passei para Tida tudo que minha mãe havia deixado que se relacionas-
se com as Pastorinhas e ofereci meu apoio, que já existia mesmo antes do falecimento
dela. No entanto, agora, teria que ser mais efetivo. Fui acolhida pelo Grupo com mui-
ta alegria e carinho. Fiquei sendo uma espécie de apoiadora faz-tudo: agenda, ofícios,
reuniões, decisões. Foi criada uma Associação, pois precisávamos de nos transfor-
mar em pessoa jurídica para conseguir algum apoio oficial. Fui escolhida para presi-
dir esta Associação e ao longo destes anos, temos tentado melhorar o que já temos e
incentivando, convidando novas pessoas a participarem”.(BARROSO, 2016, p.18).

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Tendo por base o depoimento da senhora Helena Guedes, com relação à conti-
nuidade do grupo, é notável a unanimidade de todos os envolvidos no processo decisório.
A coragem, a determinação, a atitude, o amor e a fé são requisitos básicos para que algo
de bom aconteça. Nesse sentido, o grupo continuou e continua...
A perseverança faz com que grupos folclóricos, vençam as barreiras das novas
e vastas opções culturais, ou não, que a sociedade atualmente oferece. “Os pastoris se
cantam ainda em vários Estados do Norte, mas em plena decadência, e, em pouco tempo,
deles só restarão lembranças”. Almeida (1980 apud CASCUDO,1980). Corroborando
com o autor, o declínio dos pastoris é uma realidade, mas, ainda existem pessoas que
lutam para amenizar esse quadro.
Com relação ao estado das Minas Gerais, alguns pastoris permanecem, com
dificuldades, como o próprio grupo das Pastorinhas da Paz, de Teófilo Otoni. Em alguns
municípios mineiros, mesmo precariamente, grupos de pastorinhas sobrevivem. Outros
renascem e atuam, como é o caso das Pastorinhas da Comunidade Quilombola de Pi-
nhões, Santa Luzia e região.
Pastorinhas, Pastoril, Auto do Presépio, diz respeito aos “cantos, louvações,
loas2, entoadas diante do presépio na noite do Natal, aguardando-se a missa da meia
noite”. “Representavam a visita dos pastores ao estábulo de Belém, ofertas, louvores,
pedidos de benção. ” (CASCUDO, 1980, p. 588).
Almeida (1980 apud CASCUDO, 1980)relata que,

O pastoril nasceu dos dramas litúrgicos da Natividade, representando novas Igre-


jas, nas quais se assistia o nascimento de Jesus, ao aviso dos pastores, à adora-
ção dos magos e à oferenda de incenso, mirra e ouro, e, por fim, à mensagem do
anjo dos reis, para não irem ao palácio de Herodes (CASCUDO, 1980, p.588).

As Pastorinhas da Paz de Teófilo Otoni/MG e as Pastorinhas de Pinhões/MG


nos mostram como a fé, esperança e perseverança são ingredientes indispensáveis para
seguir em frente. Em Pinhões, as Pastorinhas se dividem em cordões, nas cores azuis e
vermelhas. Possuem alguns personagens, como, professora, florista, cigana, borboleta,
lírio roxo, saudade roxa, rei Herodes.
De acordo com Cascudo (1980),

Os personagens são de cada cordão: mestra, contramestra. As “figuras” principais:


Diana, anjo ou belo anjo, cigana, o velho, profissionalmente engraçado, o Zegal, es-
trela do Norte, Cruzeiro do Sul, além de outras que aparecem ocasionalmente pós-
-influência local ou reminiscência avivada. As pastoras cantam com pandeiros, e
a orquestra é de pau de corda, violões, cavaquinhos, com um instrumento de so-
pro solista. Ainda se mantém o processo dos autos, apresentações de figuras, loas
ao público e despedida final, tudo cantado e dançado. (CASCUDO, 1980, p. 588).

Em Teófilo Otoni, as pastorinhas e pastorezinhos se vestem de branco verme-

2
Portugal possui o Auto do Presépio, gênero típico registrado por Rodney Gallop (Portugal, 180, Cambridge,
1936). “Loas das Lapinhas”, cantadas na Ilha da Madeira. (Luis Chaves, Páginas Folclóricas, 144). Citado por
Cascudo, Luis da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. São Paulo: Melhoramentos, 1980, p.588.

15
lho. Como instrumentos musicais, levam a sanfona, o violão, o triângulo e o pandeiro.
As pastoras cantam e fazem leve coreografia com seus pandeiros.As Pastorinhas da Paz
possuemo objetivo de levar a paz e alegria aos lares, por meio de cânticos, nas noites
natalinas. As Pastorinhas da Paz têm em seu repertório musical, melodias que retratam o
nascimento do menino Jesus. Canções de entrada, permanência e saída do local visitado.
A letra da música abaixo, se refere ao canto de saída. Ou seja, quando o grupo se despede
da casa que foi visitada.

Pastoras vão embora, que a madrugada já vem,


A procura de nossas cabanas, que lá não ficou ninguém.
Alegres aqui chegamos, tão tristes vamos voltar.
Só pedimos ao Deus menino, pra no outro ano voltar.

O Grupo Folclórico Pastorinhas da Paz, conta com um ônibus da Viação Vale do


Mucuri, para que conduza os integrantes do mesmo, aos bairros mais distantes de Teófilo
Otoni e região. Veículo esse que fica à disposição do grupo entre os dias 25 de dezembro e
06 de janeiro. Além das participações do grupo no ciclo natalino, também compartilham
de outros eventos culturais. As reuniões para ensaios e as confraternizações são realiza-
das na casa da pastorinha Erotides Quintal. Cada componente do grupo tem histórias para
nos contar, e, muito para contribuir. Que não fique só em lembranças, mas, em memórias
vividas e compartilhadas por nosso povo de fé. Nesse sentido começa a se construir his-
tórias de vida, narrativas de fé...

Pastorinha “Vó Rita” – Construtora de Histórias no Vale do Mucuri


Rita de Souza Veiga fundou o Grupo das Pastorinhas da Paz. Mulher que, con-
victa de seus objetivos, ajudou a construir histórias do Vale do Mucuri.

Figura 2 – Rita de Souza Veiga – Construtora de Histórias

Fonte: Arquivo da autora

16
Vó Rita... Assim era chamada a fundadora do Grupo Folclórico Pastorinhas da
Paz. Venceu muitos obstáculos na sua trajetória de vida, mas, conseguiu realizar um so-
nho, ser pastorinha e convidar novos integrantes para também ingressarem nessa congre-
gação. Grupo formado por pessoas maduras, de ambos os sexos, e a maioria com idade
superior a 60 anos. Construir histórias que ajudam na edificação de uma cidade, indepen-
de da idade, requer atitude e “Vó Rita” teve. O tempo passou, mas o Grupo Folclórico
Pastorinhas da Paz continuou. Sendo assim, a família das pastoras e pastores da paz, se
comprometeram em serem peregrinos da fé, assim como fizeram os personagens bíblicos,
Maria e José.

“Maria (s) e José (s)” do Mucuri: família de peregrinos da fé.

Família é um lugar onde as pessoas convivem, na esperança de construir um


mundo melhor. Onde laços de amor e amizade acontecem. Ambiente, onde cada indiví-
duo compartilha e vive segundo suas experiências em Deus. Existem tantas “Marias” e
“Josés” pelo mundo, dispostos a continuar em suas jornadas, como é o caso das Pastori-
nhas da Paz.

Figura 3: Componentes da Família dos Peregrinos da Fé

Fonte: Arquivo da autora

17
Figura 4 : Vó Belinha, uma das primeiras integrantes do Grupo das Pastorinhas.

Maria Jovelina Pereira (Vó Belinha),


nasceu em Guiricema, em 25 de outu-
bro de 1913. Chegou em Teófilo Oto-
ni em 1953. Foi costureira e parteira.
Como costureira, passava dias na casa
de Vó Rita, que a convidou para par-
ticipar do Grupo de Terceira Idade do
SESC/MG. Assim começou sua história
com as Pastorinhas da Paz. Ficou por
17 anos no grupo, desde sua criação.

Fonte: Arquivo da Autora

Ao pronunciar ‘Maria(s) e José (s) ” ,do Mucuri, nos remete a história bíblica
de uma mulher e de um homem que ajudaram a edificar histórias. Maria e José foram
guiados pela fé que professavam, e assim, contribuíram para que houvesse um ontem,
um hoje e um amanhã. Na educação de seu filho Jesus, mostraram que tudo que é feito
com dedicação fica na memória. Hoje, nas igrejas católicas, nos rituais de comunhão
é repetido o que na época fez Jesus Cristo:“Fazei isso em minha memória”. (BÍBLIA
SAGRADA,1990,p.1472).
Reportando para os dias atuais, os componentes do Grupo Folclórico Pastorinhas
da Paz, são guiados pela fé que professam. Por este viés pode-se dizer que também fizeram
e fazem tudo em memória de Jesus Cristo. Cada participante do grupo também possui suas
histórias:Maria Jovelina Pereira (Vó Belinha), uma das primeiras integrantes do grupo e ami-
ga de Vó Rita, Erotides Quintal, Juverlina Costa Barbosa, Sebastiana Vermeule, Francisca da
Silva Dutra, Geraldo Pereira da Cruz, Maria das Graças Ferreira da Cruz, Dalva Chácara Sa-
les, Neroite Colen Gomes, Terezinha do Rosário Lopes Marques, Elídio Gomes Rocha, Luiz
Antônio Blank de Freitas, João Edez Borges de Souza, Maria Francisca Nunes,Durvalino dos
Santos Costa, Maria Elizabette de Souza, Maria Júlia Brandão Siqueira.
Todos os componentes do grupo, supracitados, não são apenas um nome a mais,
para compor uma listagem.São pessoas dignas que trazem inscritas em seus olhos, (aqui
considerado, reflexo da alma) muitas histórias, que, com certeza ficarão guardados na me-
mória. Afinal, não é apenas um grupo folclórico, pois “acabamos nos transformando em
uma família das Pastorinhas da Paz”. (SIQUEIRA, 2015, p. 53).Família essa que ajudou
a fazer história. Os componentes da família das Pastorinhas da Paz vieram de Guiricema,
Malacacheta, Francisco Sá, Águas Formosas, Itambacuri, Teófilo Otoni, Espírito Santo,
Novo Cruzeiro, Valão (Distrito de Poté), Campanário, Comercinho. E assim construíram
a história do Vale do Mucuri, porque cada integrante dessa família cristã, veio com sua
bagagem histórica, construindo-se no tempo e no espaço. Lembra-nos muito dos vagões

18
de uma locomotiva, cada vagão puxa o outro, formando uma composição harmônica. Nos
“vagões” da vida, pode-se dizer que o Grupo das Pastorinhas da Paz ergueu uma família
de peregrinos da fé. Por falar em fé, como vive-la nos tempos de hoje? É possível?

Fé nos tempos de hoje – Realidade Possível?

Como viver a fé nos tempos de hoje, em um mundo ausente de Deus? Não


menciono sobre um Deus ausente, inatingível. Falo de um Deus visível e presente. Um
Deus que está diante dos nossos olhos, nos mostrando que a vida se constrói por meio da
paz, do amor, da compartilha, do respeito ao próximo e da fraternidade. Somos irmãos
independentemente das nações às quais pertencemos, ou da fé a qual professamos ou não.
Mas o que é a fé? Como a teologia pode ajudar a compreender tantos questio-
namentos? Pois bem, a teologia não vem para ensinar a fé. A teologia auxilia, reflete e
abre novos horizontes, para que o ser humano conheça caminhos que o conduzam a uma
experiência em Deus. ”A teologia inclui um encontro entre Deus que vem a nós e o ser
humano que se abre à sua manifestação. ’’ (MATOS, 2011, p.16). Nesse sentido pode-se
dizer que a teologia nasce onde a fé desabrocha.
De acordo com Matos (2011, p.22),

Antes de falar de Deus, o teólogo fala com Deus: a teologia nasce da pre-
ce! É no falar-se-com-Deus que emerge o falar-se-de-Deus. Á base do ato te-
ológico está o encontro com o Deus vivo e santo em comunhão de amor,
que resulta em escuta e entrega ao Mistério Maior. (MATOS, 2011, p.22).

Corroborando com as ideias do autor, antes de falar de Deus, se faz necessário


falar com Deus. Só se pode falar de algo ou alguém, se já tivermos conhecimento prévio.
Esse conhecimento no campo teológico se dá por meio de orações e dons que elevam o
ser humano ao mistério da fé. “Fé indica, portanto, antes de mais nada, a atitude de ade-
são, compromisso e opção. Significa um declarar-se a favor de alguém, com base numa
opção consciente”.(KONINGS, 2011, p. 95). Por esse viés, considera-se então que “ A
consciência da fé cristã não é voluntarista, ávida de autoafirmação. É agradecida, cheia
de recordação e atenção. Pensa, a partir da fonte da qual brotou: o amor de Deus que se
manifesta em Jesus”. (KONINGS, 2011, p.98).
O dom que Deus concedeu aos humanos é gratuito. A graça nos foi concedida.
Deus, em sua infinita bondade, confere a cada ser humano um dom. Cabe ao indivíduo
saber usufruí-lo com sabedoria e graça. A partir do momento em que cada pessoa cuida
desse dom, acolhendo-o com cautela, logo poderá compartilhá-lo, mostrando-nos traços
de um Deus que se fez presente.
Libanio, 2004, p. 90), esclarece que,

Como ação da graça, a teologia e a espiritualidade procuram discer-


nir nas estruturas psicológicas do ato de fé os traços de Deus. Essa grafolo-
gia teológica deixa-se conduzir pela Revelação, pelos testemunhos das pesso-
as espiritualizadas, especialmente santas e místicas. (LIBANIO, 2004, p.90).

19
Por sua vez, teologia vem para mostrar alamedas para que o homem se oriente
em busca da sua realização espiritual. Por esse viés, ao observar o Grupo Folclórico
Pastorinhas da Paz, nota-se que os integrantes do grupo são pessoas espiritualizadas. São
mulheres e homens de fé. Conhecem Deus por meio das orações e cânticos que louvam
o menino Jesus nos presépios natalinos. Também se comprometem com os integrantes
do grupo e com a Comunidade. Revelam-se a Deus, por meio de suas ações espirituais
e humanas. E Deus a eles também se revela. A revelação de Deus no âmbito teológico e
pela bíblia se dá por meio do acontecimento em Cristo.
Segundo Moing (2008, p. 581),

A verdade de Deus se exprime na revelação que ele dá de si mesmo; essa revelação se


faz numa história, e singularmente no acontecimento de Cristo. O que faz numa histó-
ria só pode ser contado, e contado numa linguagem necessariamente ligada à prática
do tempo e do mundo; é por isso que a verdade do Deus revelado pede para se ex-
primir numa linguagem narrativa, o que significa, simplesmente, numa linguagem que
respeite a historicidade evangélica, única fonte da fé cristã. (MOING, 2008,p.581).

Pois bem, se a revelação se faz numa história e no acontecimento de Cristo,


pode-se dizer que o Grupo das Pastorinhas da Paz louva o menino Jesus Cristo. E
essa história é contada numa linguagem narrativa, que reproduz a visita dos pasto-
res a Belém na época do nascimento de Jesus. Por esse viés, respeita-se a historici-
dade evangélica, pois no evangelho se inscreve a fé cristã. Existem maneiras pelas
quais o Deus se revela. Pela história da Bíblia, Deus se revelou em seu filho Jesus.
Assim, acredita-se que Deus pode se revelar em seus outros filhos.
O Grupo das Pastorinhas da Paz não é somente um grupo folclórico, pois
nele se inscrevem histórias de vidas religiosas, de comprometimento com as pes-
soas, pois possuem em suas ações, traços de Deus que neles se revelam. Um Deus
visível e presente. As pastorinhas da paz receberam um dom e nos mostraram um
dos mistérios da fé: amar uns aos outros. Souberam e sabem deixar transparecer um
Deus que existe em cada um. Deus possível, presente. Deus amor que se propaga,
que perfuma. Um Deus que um dia se revelou por meio de seu filho Jesus. E que
hoje se revela por meio das Pastorinhas da Paz. O Grupo Folclórico Pastorinhas da
Paz, pode ser visto numa perspectiva teológica. Assim, a fé nos dias de hoje pode
ser considerada uma realidade possível.

Considerações Finais

O Grupo Folclórico Pastorinhas da Paz, do vale do Mucuri, nos traz belas recorda-
ções. São tantas histórias que se tornam um convite a engendrar pelos caminhos
que as pessoas constroem em nome da fé. O Grupo Folclórico Pastorinhas da Paz,
pode ser visto sob uma perspectiva teológica, uma vez que nele se encontram de-
talhes de religiosidade, como os pastores muito citados em passagens bíblicas. As
Pastorinhas da Paz durante sua trajetória construíram histórias de fé que guardam
na memória do vale do Mucuri.

20
Referências

BARROSO, Sandra Helena. Vó Rita e algumas histórias: as pastorinhas da paz. Belo Horizonte: Gráfica O
Lutador, 2016.
CATEDRAL. Semanário Litúrgico Catequético. Teófilo Otoni, 22 de novembro de 1998.
CASCUDO, Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. 5. Ed. São Paulo: Melhoramentos, 1980. p. 588-589.
COSTA, Durvalino dos Santos. Entrevista: Durvalino dos Santos, 2015. Entrevista concedida a MARTINS,
Minie; BARROSO, Sandra Helena. Teófilo Otoni, 2015. (Inédito).
KONINGS, Johan. Ser cristão: fé e prática. Petrópolis: Vozes, 2011.
LIBANIO, João. Eu creio, nós cremos: tratado da fé. São Paulo: Edições Loyola, 2004.
MATOS, Henrique Cristiano José. Estudar teologia: iniciação e método. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
MOING, Joseph. O homem que vinha de Deus. São Paulo: Edições Loyola, 2008.
SIQUEIRA, Maria Júlia Brandão. Entrevista: Maria Júlia Brandão Siqueira, 2015. Entrevista concedida a
MARTINS, Minie; BARROSO, Sandra Helena. Teófilo Otoni, 2015. (Inédito).
STORNIOLO, Ivo; BALANCIN, Euclides Martins. Bíblia sagrada. Ed. pastoral. São Paulo: Paulinas, 1990.
p. 1472.

*Mestra em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Sócia Efetiva do
Instituto Histórico e Geográfico do Vale do Mucuri. Membro Titular da Academia de Letras de Teófilo Otoni.

21
Vinte anos da Academia de Letras de Teófilo Otoni
(2002-2022)
Antônio Jorge de Lima Gomes*

1.Introdução
A Academia de Letras de Teófilo Otoni (ALTO) foi fundada oficialmente em 20
de dezembro de 2002 sendo composta por 30 membros titulares e efetivos. No entanto,
os primeiros movimentos para sua criação surgiram em agosto de 2002, numa reunião da
Diretoria do Automóvel Clube de Teófilo Otoni.
Foi justamente a Diretoria do Automóvel Clube que, no decorrer de 2002, reu-
niu um grupo de pessoas para planejar as comemorações do cinquentenário da Sede So-
cial daquela instituição. A intenção era reunir os talentos artísticos da cidade, envolvendo
literatura, música, artes plásticas, teatro e afins, no sentido de dar visibilidade ao prédio
sede e sobretudo ao próprio Automóvel Clube.
Após várias reuniões e com o apoio e persistência de um grande número de
participantes, foi amadurecendo a criação da Academia de Letras de Teófilo Otoni, do
Clube de Veículos Antigos “Perdidos no Tempo” e da empresa particular ZAFT Comuni-
cação que passou a trazer peças teatrais regularmente para a cidade através do programa
“Grandes espetáculos”, que foi implantado pelo próprio Automóvel Clube, utilizando-se
o salão nobre e o salão do restaurante do próprio Clube (CERQUEIRA, 2005).
Foi um trabalho incessante, convidando pessoas envolvidas com literatura, es-
critores, poetas, jornalistas e historiadores, no sentido de se organizar e regulamentar a
criação da ALTO. O grupo inicial contou com a coordenação da professora Amenaide
Bandeira Rodrigues, que criou uma comissão formada pelos principais representantes
das diversas vertentes culturais da cidade.
A primeira sessão oficial ocorreu no dia 29 de novembro de 2002 na sede do Au-
tomóvel Clube, já sob o comando de Amenaide Bandeira Rodrigues, que foi a primeira
presidente da Academia de Letras e já contou com a presença de 18 membros titulares.
Esta seção foi denominada Café-com-Letras.
Com este forte apoio houve acordo para se realizar imediatamente o registro
de criação da ALTO, que aconteceu alguns dias depois, em 20 de dezembro de 2002 no
Cartório Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Teófilo Otoni, e que contou com uma
sessão solene no Salão do Automóvel Clube, com a presença de todos os membros, tra-
jados a rigor, na qual, foi realizada a cerimônia de posse dos acadêmicos.
A partir da criação oficial, as reuniões passaram a ser realizadas no Automóvel
Clube de Teófilo Otoni, recebendo amparo total da Diretoria que apoiava a causa, ceden-
do o espaço daquela entidade para as sessões e deliberações.
No ano seguinte à criação, a ALTO foi reconhecida como instituição de Utilida-
de Pública Municipal por meio da Lei 5.188 de 02 de setembro de 2003. Posteriormente
teve o reconhecimento do Estado, como sendo de Utilidade Pública Estadual pela Lei
16.267 de 18 de julho de 2006.
Com o reconhecimento público da importância da Academia de Letras, ocorreu

22
expressivo apoio do Poder Público Municipal, fazendo com que as sessões literárias fos-
sem realizadas, em sua maioria, nos fins de semana, na Câmara Municipal, localizada na
Praça Tiradentes, no centro da cidade de Teófilo Otoni.

2. Os símbolos
Na figura (1) apresentamos o selo da ALTO, sendo este, a chancela oficial da
Academia de Letras em forma de pirâmide, com uma pena do lado esquerdo do vértice.
Todo o conjunto é circundado por um círculo picotado. Trata-se do carimbo seco destina-
do a dar cunho oficial, como chancela que rubrica os documentos oficiais da ALTO.

Figura 1 – Selo da Academia de Letras de Teófilo Otoni.

Na figura (2) apresenta-se o emblema oficial representativo da Academia de


Letras de Teófilo Otoni, projeto do acadêmico Leuson Francisco da Cruz. O escudo é sus-
tentado por um listel em prata, contendo a divisa: AMOR VINCIT OMNIA que significa
“o amor vence tudo”.O livro aberto simboliza a cultura séria e transparente, acolhedora
das ideias da população e da liberdade de criação, a pena simboliza a mão que escreve
os diversos estilos literários, científicos ou pedagógicos, como também os movimentos
culturais e artísticos através dos tempos. A bordadura verde no emblema evoca uma das
cores da bandeira do Brasil. O chefe de fundo azul representa: nossas águas, córregos,
rios e lagos, como também as pedras preciosas encontradas em nossa região. O mapa
do Estado em vermelho rende homenagens aos Inconfidentes. O mapa em branco com
a pedra representa a cultura das gemas e a arte dos nossos lapidários. Os montes verdes
lembram nossas matas como também um subsolo rico em pedras preciosas. Já a faixa
preta pontilhada de amarelo representa a rodovia BR 116, que atravessa a região, por
onde escoam o progresso e as riquezas de um ponto a outro do nosso país.O contra chefe
amarelo faz alusão a uma das cores da bandeira nacional como também da própria ban-
deira do município de Teófilo Otoni.

23
Figura 2 – Brasão da Academia de Letras de Teófilo Otoni.

3. O Estatuto Democrático
Desde a criação, a ALTO estabeleceu um estatuto próprio e um regulamento
interno, para nortear suas ações e gestão, sempre no sentido de democratizar e congre-
gar pessoas que estejam inseridas em atividades literárias e artísticas, apoiando as mais
diversas formas de expressão da arte, ciências e cultura, subsidiariamente respeitando a
legislação brasileira pertinente.
No artigo quinto do estatuto fica estabelecido que no desenvolvimento de suas
atividades, a entidade não fará qualquer tipo de discriminação com relação a cor, etnia,
sexo, condição social ou financeira, concepção religiosa ou filosófica, orientação política
ou qualquer outra condição.
No regimento interno estão delineados os meios para cumprir com suas finalida-
des, com as seguintes atividades: reuniões ordinárias, extraordinárias, solenes e especiais,
programa editorial de que constará a publicação da revista literária “Café-com-Letras”;
do jornal lítero cultural “Pensando ALTO” e demais publicações oficiais, a manutenção
do sítio eletrônico: www.letrasto.com, a expansão da Biblioteca Dona Didinha e do Nú-
cleo de Documentação de Literatura, bem como a realização de premiações, concursos,
ciclos de estudos, comemorações cívicas, culturais e outras atividades congêneres.

4. Os Objetivos
A entidade já nasceu com os seguintes objetivos: congregar pessoas que se dedi-
quem às atividades literárias e artísticas nas mais diversas formas de expressão; realizar
estudos e pesquisas na área da literatura local e regional; promover e incentivar a cultura
através da realização de conferências, exposições, concursos, cursos e outras atividades
de natureza cultural; propagar o culto, o estudo, a exaltação e a divulgação da vida e obra
de personagens históricas e figuras literárias que ajudaram a construir a grandeza do mu-
nicípio e região; coletar, pesquisar, elaborar e divulgar estudos e informações de cunho
cultural, relacionados aos interesses da entidade, e, por fim, promover o aprimoramento
da língua pátria nos seus aspectos científico, histórico e artístico.

24
5. Os Membros Fundadores
Desde sua fundação foram previstas 30 cadeiras para membros efetivos; cada
uma é designada numericamente e tem um patrono imutável, em homenagem a persona-
lidades que tenham se notabilizado nas letras, nas ciências, nas artes, na política, na edu-
cação e/ou na imprensa. A ALTO conta com um quadro social de membros honorários,
beneméritos, convidados de honra e membros correspondentes.
A seguir apresentamos todos os membros fundadores:
Amenaide Bandeira Rodrigues
Angélica Feitosa dos Santos
Antônio Lopes Chácara
Dulcina Regina Ribeiro Molina
Elane Tomich Buchmann
Elisa Augusta de Andrade Farina
Flávia Luisa Barbosa Pinheiro
Hilda Ottoni Porto Ramos
Isaura Caminhas Fasciani
João Batista Vieira de Souza
José Geraldo Silva
Leuson Francisco da Cruz
Luiz Alberto Bassoli
Maria Laura Pereira da Silva Couy
Neusa Ferreira Sena
Ricardo Lopes Marques Junior
Sônia Maria Vasconcelos da Silva
Tadeu Raimundo Laert

6. Os Patronos da ALTO
A Academia de Letras de Teófilo Otoni possui um total de 30 patronos imutáveis,
cujos nomes são apresentados a seguir, a partir da cadeira número e são os seguintes:
Celso Ferreira da Cunha (1917-1989) - Patrono Oficial
Professor, gramático, filólogo, crítico literário, ensaísta, medievalista e escritor
Pedro de Paula Ottoni (1922- 2002) - Patrono da Cadeira 01
Professor, advogado e desportista
Ruy Homero de Oliveira Campos (1910 – 1993) - Patrono da Cadeira 02
Professor, advogado e orador
Lourenço Ottoni Porto (1892-1956) - Patrono da Cadeira 03
Professor, médico e agente político
Olbiano Gomes de Mello (1882- 1969) - Patrono da Cadeira 04
Professor, economista, jornalista, historiador, escritor e agente político
Paul Max Rothe (1903-1991) - Patrono da Cadeira 05
Escritor e historiador
Pedro Antonio do Nascimento (1903-1973) - Patrono da Cadeira 06
Compositor e violonista.
Régulo da Cunha Peixoto (1920-2003) - Patrono da Cadeira 07
Professor, advogado e magistrado.

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Reynaldo Ottoni Porto (1891-1947) - Patrono da Cadeira 08
Professor, poeta, escritor, orador, historiador, advogado e agente político
Augusto Pereira de Souza (1907-1993) - Patrono da Cadeira 09
Jornalista e agente político
Adail Barbosa de Oliveira (1935-2004) - Patrono da Cadeira 10
Escritor e poeta
Lourival Pechir (1917-2004) - Patrono da Cadeira 11
Radialista, comunicador e empresário
Dom Quirino Adolfo Schmitz (1918 -2007) - Patrono da Cadeira 12
Religioso, teólogo e escritor
Joaquim Nunes (1941 – 1990) - Patrono da Cadeira 13
Professor e advogado
Joaquim Alves Portugal (1906-1962) - Patrono da Cadeira 14
Professor
Tristão Ferreira da Cunha (1890-1974) - Patrono da Cadeira 15
Professor, jornalista, escritor, advogado e agente político
José Alfredo de Oliveira Baracho (1928-2007) - Patrono da Cadeira 16
Professor, jurista e escritor
Nelson de Figueiredo (1917-1996) - Patrono da Cadeira 17
Jornalista e historiador
Rubem Somerlate Tomich (1921 -2002) - Patrono da Cadeira 18
Professor, advogado, jornalista e cronista
Dely Coelho Nogueira (1940-1987) - Patrono da Cadeira 19
Médico, advogado, magistrado e escritor
Darcy de Almeida (1911-1976) - Patrono da Cadeira 20
Professor, médico, jornalista, orador e escritor
Libório Zimmer (1911-1994) - Patrono da Cadeira 21
Professor, pastor luterano e agente político
Johann Leonhard Hollerbach (1835-1899) - Patrono da Cadeira 22
Professor, pastor e missionário luterano
Petrônio Mendes de Souza (1914-1981) - Patrono da Cadeira 23
Médico e agente político
Carlos Fulgêncio da Cunha Peixoto (1911-1989) - Patrono da Cadeira 24
Professor, advogado, magistrado e escritor
Ione Lewicki da Cunha Mello (1918 – 1977) - Patronesse da Cadeira 25
Professora e farmacêutica
Leônidas Alves Lorentz (1914-1993) - Patrono da Cadeira 26
Professor, advogado, escritor, poeta e empresário
Luiz Gonzaga de Carvalho (1926-2006) - Patrono da Cadeira 27
Professor, cronista, escritor, poeta e radialista
Noé Rodrigues dos Santos (1930-2008) - Patrono da Cadeira 28
Professor, advogado, jornalista e radialista.
João Salomé de Queiroga (1810-1878) - Patrono da Cadeira 29
Poeta, jornalista e magistrado
João Gonçalves Sollero (1882-1967) - Patrono da Cadeira 30
Professor, jornalista, músico, maestro compositor e agente político.

26
Patronesse: Biblioteca e da Medalha de Mérito Cultural
Hilda Ottoni Porto Ramos (1917-atual)
Professora, musicista, poetisa, artista plástica e compositora
Patronesse: Prêmio Academia de Letras
Isaura Caminhas Fasciani (1916-2008)
Professora, poetisa e escritora
Patrono do Prêmio Jovem Escritor
Fábio Antonio da Silva Pereira (1917-1997)
Professor, advogado e agente político
Patrono das edições especiais
Friedrich Wilhelm Albert Schirmer (1834-1924)
Professor, poeta, compositor, desenhista, artista plástico e agente político
Patrono: Membros Correspondentes
Luiz de Almeida Cruz (1913-2011)
Médico e produtor rural
Patrono: Membros Beneméritos
Horácio Rodrigues Antunes (1856-1906)
Professor, engenheiro e jornalista
Patrono: Membros Honorários
Serafim Ângelo da Silva Pereira (1919-2010)
Historiador, escritor e jornalista
Patrono: Convidados de Honra
Monsenhor Otaviano José de Magalhães (1907-1989)
Sacerdote católico e Professor

7. Os Membros titulares em 2022


O quadro social da ALTO é composto por 06 (seis) categorias de associados,
sendo estas: Fundadores, Titulares, Correspondentes, Beneméritos, Honorários e também
Convidados de Honra.
Dos trinta membros titulares, cada cadeira é designada com um número, que
inicia com 1 e termina em 30, onde cada uma tem um patrono imutável, em homenagem
a personalidades que se notabilizaram nas letras, nas ciências, nas artes, na política, na
educação e na imprensa.
Atualmente os 30 membros titulares são os seguintes:
Cadeira Nº 1 – Amenaide Bandeira Rodrigues
Cadeira Nº 2 – Llewellyn Davies Antonio Medina
Cadeira Nº 3 – Lízia Maria Porto Ramos
Cadeira Nº 4 – Vaga
Cadeira Nº 5 – Antonio Jorge de Lima Gomes
Cadeira Nº 6 – Elisa Augusta de Andrade Farina
Cadeira Nº 7 - Vaga
Cadeira Nº 8 – Hilda Ottoni Porto Ramos – Dª Didinha (In memoriam)
Cadeira Nº 9 – Sérgio Abrahão Aspahan
Cadeira Nº 10 – João Batista Vieira de Souza

27
Cadeira Nº 11 – José Geraldo Silva
Cadeira Nº 12 – Leuson Francisco da Cruz
Cadeira Nº 14 – Neusa Ferreira Sena
Cadeira Nº 15 – Marcos Miguel da Silva
Cadeira Nº 16 – José Carlos Pimenta
Cadeira Nº 17 – Sandra Helena Barroso
Cadeira Nº 18 – Olegário Alfredo da Silva
Cadeira N° 19 – Jader Moreira Rafael (In memoriam)
Cadeira Nº 20 – Márcio Barbosa dos Reis
Cadeira Nº 21 – Wallace Gomes Moraes
Cadeira Nº 22 – Leônidas Conceição Barroso
Cadeira Nº 23 – Gecernir Colen
Cadeira Nº 24 – Raquel Melo Urbano de Carvalho
Cadeira Nº 25 – Therezinha Melo Urbano De Carvalho
Cadeira Nº 26 – Wilson Colares da Costa
Cadeira Nº 27 – Maria Laura Pereira da Silva Couy
Cadeira Nº 28 – José Salvador Pereira Araújo
Cadeira Nº 29 – Marlene Campos Vieira
Cadeira Nº 30 – Wilson Ribeiro

Na atualidade a ALTO possui centenas de membros correspondentes, distribu-


ídos no Brasil e Exterior. No Brasil existem membros espalhados em 22 estados nacio-
nais, e ainda membros internacionais que vivem na América do Norte, América do Sul,
Europa e África.

8.As atividades da ALTO


Realiza, anualmente, a tradicional Noite do Café-Com-Letras, com recital, lan-
çamento da Revista Literária Café-com-Letras, com trabalhos dos acadêmicos e convida-
dos especiais e, ocasionalmente, posse de novos membros e lançamentos literários.
Concede a cada ano a Medalha de Mérito Cultural Dona Didinha (Hilda Ottoni Porto
Ramos), apresentada na Figura (3), destinada a homenagear pessoas físicas e jurídicas
que tenham se destacado na criação e promoção líterocultural, através de atividades per-
tinentes às contribuições literárias, culturais, artísticas, religiosas e pesquisas em favor
do desenvolvimento da pessoa humana e da sociedade teófilo-otonense ou pelo estabele-
cimento de políticas e projetos para o desenvolvimento da educação, o ensino e civismo
no município e região do Vale do Mucuri.

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Figura 3 – Medalha anual de Mérito Cultural Dona Didinha (ALTO, 2022).

A Academia mantém a Biblioteca Dona Didinha – espaço para difusão da cul-


tura e incentivo ao hábito da leitura junto à comunidade e o Núcleo de Documentação
e Memória da Literatura Isaura Caminhas Fasciani, destinado ao resgate, guarda e con-
servação de livros, documentos (manuscritos e iconográficos) e demais objetos de valor
histórico e cultural com referência à literatura no município de Teófilo Otoni e região.
A cada dois anos outorga o Prêmio Academia de Letras de Teófilo Otoni: Troféu
Isaura Caminhas Fasciani (Figura 4) por sua trajetória educacional e literária (GOMES,
2020; GOMES, 2021), com o objetivo de reconhecer iniciativas de pessoas físicas ou
jurídicas, na área líterocultural quer como promotores, incentivadores ou de produção do
conhecimento com ações voltadas especificamente para o município de Teófilo Otoni ou
do vale do Mucuri.
O prêmio é distribuído nas seguintes modalidades: conjunto de obra literária;
produção técnico-científica e intelectual: dissertação, ensaio, artigo científico, jornalís-
tico ou monografia; expressiva atividade elevadora da cultura teófilo-otonense: pessoas
físicas, jurídicas ou veículos de comunicação social; livro do ano: por obra poética ou em
prosa lançada no decorrer do ano; pessoas jurídicas incentivadoras ou promotoras da arte
e cultura no município e escritor ou personalidade do ano e homenagens especiais.

29
Figura 4 – Troféu bienal Isaura Caminhas Fasciani (ALTO, 2016).

A Academia de Letras de Teófilo Otoni também realiza anualmente o Prêmio


Literário Gonzaga de Carvalho, o qual é realizado nas categorias poesia e crônica. De
temática livre, a premiação é especificamente destinada aos membros correspondentes.
Realiza o projeto Cestas Literárias, cuja iniciativa consiste na doação de cestas
com livros literários para o enriquecimento de bibliotecas e acervos de entidades sociais
e culturais. Estas cestas são um pequeno acervo bibliográfico, composto de vasta quan-
tidade de diferentes livros, que contribuem para a formação inicial de espaços de leitura
junto a entidades sociais, educacionais e culturais do município e região.
Promove, o projeto Voar com as letras, utilizando-se do Espaço Cultural Anto-
nio Barbosa, na Praça Tiradentes, iniciativa que consiste em música, poesia e arte; oca-
sião em que ocorrem lançamentos de livros, exposições de artes diversas, oficinas e rodas
de conversas sobre arte e cultura.
Realiza, periodicamente, o projeto Sala de Leitura, iniciativa em que um autor
da cidade ou região, é apresentado ao público, com suas obras e seu processo de criação
literária.
Outorga, em parceria com o Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri, a cada
ano, a Medalha Conselheiro João da Matta Machado, que tem como finalidade homena-
gear pessoas naturais com idade igual ou superior a 70 anos que se tenham dedicado ao
desenvolvimento cultural, econômico, social, desportivo, cívico, educacional, científico
e/ou religioso na cidade de Teófilo Otoni e região do vale do Mucuri.
No ano de 2016 estabeleceu-se definitivamente no atual endereço, localizado na
rua Manoel Dantas, 230, Grão Pará, Teófilo Otoni (Figura 5). No mesmo local funciona a
União Estudantil de Teófilo Otoni (UETO) e o Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri
(IHGM).

30
Figura 5 – Fachada da sede definitiva da UETO, ALTO e IHGM.

Desenvolve em parceria com a União Estudantil de Teófilo Otoni, atividades de


estímulo à leitura e escrita por meio da realização do Prêmio Literário Jovem Escritor:
Troféu Cultural Professor Fábio Pereira para os alunos na faixa etária dos 14 aos 29 anos,
matriculados na educação básica e superior.
Tem também como entidades parceiras o Instituto Histórico e Geográfico do
Mucuri (IHGM) e a Câmara Municipal de Teófilo Otoni.

Considerações finais
O apoio recebido inicialmente pelo Automóvel Clube de Teófilo Otoni, em
nome de sua diretoria no ano de 2002, no sentido de comemorar o cinquentenário de sua
sede, contribuiu de forma decisiva para o movimento de criação da Academia de Letras
de Teófilo Otoni (ALTO).
Nestes 20 anos de existência a ALTO tem-se destacado com a realização de
centenas de atividades literárias e culturais, adaptando-se constantemente às mudanças
inerentes dos novos tempos e contribuindo para o desenvolvimento educacional, da cul-
tura, das letras, das artes e da sociedade.
Esta já nasceu direcionada para agregar talentos artísticos, escritores, historia-
dores e poetas, cada um a seu modo. Fez parte do alicerce que permitiu no dia 20 de de-
zembro de 2002 ao registro definitivo no Cartório Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca
de Teófilo Otoni.
Além de congregar pessoas que se dedicam às atividades literárias e artísticas
nas mais diversas formas de expressão, também é inerente à ALTO realizar estudos e
pesquisas na área da literatura local e regional.
A ALTO vem contribuindo incessantemente com os avanços do conhecimento,
pois a educação está presente em todos os momentos da vida do ser humano, sendo mais
absorvida da infância até a idade adulta. Importante o acesso à literatura em suas diferen-
tes vertentes.Trata-se de uma educação cultural.

31
O ensino cultural tem como função o poder de integrar os diferentes saberes e
levá-los a discussão e reflexão. A educação dialógica é pautada no diálogo e na troca de
saberes, proporcionando o desenvolvimento da capacidade crítica e transformadora (GO-
MES; GOMES, 2018).
Assim se explana a importância da Academia de Letras, levando à sociedade
livros, poesias, romances, ficções, contos, crônicas e arte, contribuindo para o gosto da
leitura, aspectos científicos, históricos e artísticos, sobretudo para as crianças e jovens,
fomentando a cultura e motivando a incessante busca do conhecimento.
O lema presente no escudo é sustentado por um listel em prata, contendo a frase
em latim: AMOR VINCIT OMNIA que significa “O AMOR VENCE TUDO”. Assim seja.

Referências:
ACADEMIA DE LETRAS DE TEÓFILO OTONI (ALTO). Patronos da Academia de Letras de Teófilo Otoni.
Disponível em: <https://letrasto.com/patronos-perpetuos/>, acesso em 23 jul 2022.
CERQUEIRA, J. A. D. Como surgiu a ideia. Segunda Revista Literária da Academia de Letras de Teófilo Otoni,
2005.
GOMES, P. S.; GOMES, A. J. L. Educação escolar dialógica: As raízes para o avanço do acesso à saúde no
Brasil e em Portugal. Vozes dos Vales, v. 13, p. 1-23, 2018.
GOMES, A. J. L. Leite, Queijo e Requeijão: Escola Estadual Deputado Geraldo Landi completa 60 anos na
educação (1959-2019). Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri. Teófilo Otoni, v. 4, p. 108-116,
2020.
GOMES, A. J. L. Fazenda Córrego da Inveja: A região da inspiração infanto-juvenil de Isaura Caminhas
Fasciani. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri, v. 5, p. 44-52, 2021.

* Professor Adjunto da UFVJM, Coordenador do Mestrado PPGTAS desde 2020, Coordenador do grupo de
pesquisas GEOVALES desde 2014, Coordenador da Engenharia Civil (2011), Vice-Diretor do ICET de 2011
a 2015. Doutor em Geofísica no Observatório Nacional (2009). Mestre (2003), Engenharia Civil pela Souza
Marques (1981), Especialização em Docência Superior pela Faculdade Simonsen (1996), Licenciatura Plena
em Matemática no Centro Universitário Augusto Motta (2000), Licenciatura Plena em Física pela Fundação
Técnico-Educacional Souza Marques (2001), Especialista em Gestão Ambiental pela UERJ (2001). Membro
da SBGf desde 2001, ALTO desde 2013 e do IHGM do Mucuri desde 2014.

32
A última edição do “O Liberal”
Humberto Luiz Salustiano Costa*

Há 40 anos, no dia 11 de dezembro de 1982, circulou, pela última vez, após 36


anos de atividade na cidade do amor fraterno, Teófilo Otoni, o jornal “O Liberal”, cujo
exemplar tenho comigo muito bem guardado. Foi uma edição de quatro páginas, sendo
que, na primeira delas, o diretor-proprietário, jornalista Augusto Pereira, em editorial dos
mais contundentes, manifestou o seu desencanto pelo momento vivido por nosso país, do
ponto de vista político.
De convicção ideológica muito bem definida, a linha editorial do “O Liberal”
sempre se posicionou à direita do espectro político, de fidelidade irrestrita às Forças Ar-
madas, tendo sido, inclusive, o artigo de fundo da primeira edição daquele semanário, em
forma de mensagem, de autoria do general Canrobert Pereira da Costa, então ministro
da Guerra, isso acontecendo no dia 1º de janeiro de 1947, data oficial do surgimento do
referido jornal na imprensa teófilo-otonense.
Em sua mensagem de saudação ao novo jornal, o general assim se expressou:
“Aproveitando-me do gentil convite que me fez o Sr. Augusto Pereira, diretor do periódi-
co “O Liberal”, de Teófilo Otoni, para que escrevesse algumas palavras no número inau-
gural desse novo jornal, dirijo os meus votos de felicidade em 1947 aos nossos patrícios,
que pelo trabalho diário e anônimo concorrem, naquela próspera cidade mineira, para a
grandeza da pátria estremecida.
O fim a que se propõe o novel órgão da imprensa de Minas Gerais, de intransi-
gente combate aos extremismos e defesa da democracia, merece nossa inteira simpatia e
faz prever inteiro êxito em sua elevada missão.
Se me fosse permitido sugerir uma ideia, rigorosamente enquadrada nos obje-
tivos do “O Liberal”, o faria, no sentido de que, em suas colunas, fossem amplamente
divulgados os textos da Constituição de 18 de setembro.
A nossa Carta Magna é democrática e capaz, por conseguinte, de satisfazer aos
anseios do povo brasileiro e de facilitar o progresso crescente do Brasil, sempre para a
frente e para o alto. É mister torná-la bem conhecida dos nossos patrícios, para que todos
a elejam fanal das nossas maiores aspirações”.
Na histórica edição de despedida, o editor fez também estampar em sua primeira
página, em letras garrafais, a seguinte justificativa para o encerramento das atividades
do jornal do senhor Augusto Pereira, como era também conhecido: “NASCIDO SOB
O SIGNO DE INTRANSIGENTE COMBATE AOS EXTREMISMOS E DEFESA DA
DEMOCRACIA CIRCULA HOJE O ‘O LIBERAL’ PELA ÚLTIMA VEZ, DESEN-
CANTADO COM OS RUMOS DA REVOLUÇÃO DE MARÇO DE 64”.
Também a título de agradecimento, a direção do “O Liberal” fez registrar a se-
guinte mensagem: “Com a mais viva emoção e o mais profundo reconhecimento, consig-
namos nesta edição de despedida a nossa cordial gratidão por tudo aquilo que nos atingiu
desde o primeiro dia de circulação deste jornal, por meios, formas e processos, os mais
diversos.

33
Dirigir o nosso agradecimento a cada um, ‘per si’, seria humana e materialmente
impossível. Por isso nos valemos do estilo clássico, o agradecimento coletivo, destacado
por classes.
Aos amigos de toda parte de modo geral, pelo conforto moral e solidariedade
em momentos adversos. Por ajuda financeira e material. Por conselhos e advertências
prudentes. Por favores e facilidades prestados.
Aos assinantes, base de sustentação do jornal, principalmente aos que vêm
acompanhando este jornal desde sua primeira edição. Um destaque especial não pode-
mos deixar de dedicar aos assinantes do sexo feminino e, curiosamente e principalmente,
viúvas, pela pontualidade com que pagam suas assinaturas.
Aos anunciantes, principalmente aos que ajudaram a editar as tradicionais edi-
ções de Natal, de preço elevado, porém superado, graças à boa vontade e cooperação
dos que amavelmente participavam dessa nossa iniciativa, suprimida com pesar no ano
corrente.
Dos anunciantes um nome queremos destacar – Dr. Luiz Lignani Neto. Desde
sua chegada a nossa cidade, antes mesmo de abrir seu consultório, teve início a publica-
ção ininterrupta de seu anúncio – dia 13 de dezembro de 1960 – mantida durante 22 anos.
Aos prestimosos cartórios do nosso fórum e generosos advogados, desde os mais
antigos da comarca até os recém-formados. A estes, um agradecimento todo especial.
Por que não incluir aqui desafetos e intrigantes? Foram úteis também à nossa
evolução por nos estimularem a reações no campo de trabalho quando agiam para nos
tirar de combate; como aqueles que usaram todos os meios junto ao Ministério do Traba-
lho para fechar o jornal com a alegação de que não éramos diplomados. Também os que
usaram de artifícios desonestos para tirar publicidade nossa, com intrigas e mentiras aos
pés de ouvido. A estes, devotamos nosso sentimento de piedade por terem se revelado de
espíritos tão mesquinhos.
Assinalamos nosso reconhecimento e particular gratidão pelos cuidados dispen-
sados ao ‘O Liberal’ na manipulação de sua distribuição aos funcionários da EBCT.
Finalmente, a todo mundo que aceitou e detestou o ‘O Liberal’, o nosso muito
obrigado”.
Sob o título “PERDEMOS TODA A VONTADE DE VIVER E TODO O DESE-
JO DE LUTAR”, o jornalista Augusto Pereira esclarece sobre os motivos que o levaram
a encerrar as atividades de 36 anos do “O Liberal”, em editorial de primeira página, que
transcrevemos na íntegra.
“Cada qual, livremente, faz o seu próprio preço, alto ou baixo, e ninguém vale
senão o que se faz valer; taxa-te, pois, livre ou escravo; isto depende de ti”. - Epicteto
DESMORONADO enfim o “curto período de 15 anos” da tenebrosa Ditadura
Vargas, em 1945, insólito vendaval de manifestações de contentamento cívico irrompeu
de todos os recantos da Pátria subjugada, até então, à temida Polícia Especial (“boinas
vermelhas”) ou à draconiana mordaça do famigerado DIP.
Como vagalhões se arrebentando em rochedos, atiçava a doutrinação aposto-
lar do “Brigadeiro da Libertação” labaredas de excitação da nossa índole democrática,
incitando manifestações de contentamento cívico, desatinando multidões por toda parte
atraidas pela palavra persistente e persuasiva de oradores calorosos e brilhantes.

34
Nas andanças doutrinárias com o facho do liberalismo político pelo Brasil aden-
tro, qual o Nazareno levando à Galiléia a palavra do Pai, Eduardo Gomes veio a padecer
também, à mesa da imensa Ceia de Democracia que oferecia ao Brasil liberto de longa
ditadura, do mesmo episódio que culminou com o drama do Calvário, perdendo a Presi-
dência da República em virtude da insânia de um político aventureiro.
Participando então, também, da arrancada democrática liderada pela UDN no
cenário mais impetuoso, no campo mais ardente de jornada cívica – Rio de Janeiro – com
a responsabilidade de Secretário Geral da Resistência Democrática do Centro da Cidade
do Rio de Janeiro, empolgados pelo calor cívico da memorável campanha de reconquista
da nossa liberdade de manifestação do pensamento, corremos de pronto para a nossa
Teófilo Otoni afim de aqui fundarmos “O LIBERAL”.
Não deixava de ser, na época, um tanto temerária a ousada iniciativa visada
pelas ameaças e tentativa de retorno dos saudosistas apeados do poder por serem ainda
frágeis, periclitantes, os raios de liberdade despontados.
Um braço hercúleo erguido, todavia, sustinha com mão firme a espada desem-
bainhada, em postura vigilante de combate com a retaguarda protegida pelo entusiasmo
cívico e contagiante da consciência nacional, detentora novamente das prerrogativas ine-
rentes ao cidadão livre numa Pátria soberana. Gen.Canrobert Pereira da Costa, era outra
voz que se impunha pelas suas convicções democráticas e pela sua inconteste liderança
no seio das nossas Forças Armadas, fiadoras do movimento vitorioso de libertação polí-
tica nacional.
Apreciadores das notórias virtudes democráticas do então Ministro da Guerra,
o convidamos para ser o patrono do lançamento do “O LIBERAL”, gesto que o sensi-
bilizou sobremaneira, fato comprovado pela Mensagem que nos entregou pessoalmente
em audiência especial no seu Gabinete de trabalho e que encimou a primeira página da
primeira edição deste jornal, que circulou dia 1º de Janeiro de 1947.
Acreditamos que a Bandeira recebida do Gen.Canrobert não foi desmerecida em
nossas mãos. Soube o “O LIBERAL” honrá-la com destemor e altivez no decurso dos
seus trinta e seis anos de lutas com veemente empenho.
Antecedendo a vitória da Revolução Democrática de 31 de Março de 1964 já
ocupava o “O LIBERAL”, com a mesma determinação de “intransigente combate aos
extremismos e defesa da Democracia”, a trincheira que se harmonizava com a bandeira
recebida do Gen.Canrobert.
Desde então, com a impetuosidade do Guma de Jorge Amado, jamais paramos
de velejar. Ora ao capricho de vagalhões rasgando o negro véu de noites tenebrosas, ora
ao sabor de calmarias doiradas pelo sorriso do astro-rei em dias de mar sereno e cinti-
lante. Em nenhum instante fraquejou o pulso. Em nenhum momento o espírito se viu
nublado.
Yemanjá não desampara a quem lhe é afeiçoado...
A despeito dos escolhos, chegamos ao fim do roteiro da abertura democrática.
Pisamos em terra firme, as eleições tranquilas de 15 de Novembro próximo passado.
Ao fim da travessia, no decurso de quase dois decênios, assombrosa decepção
nos aguarda no cais da Democracia. Presentes, com poderes mais amplos, os mesmos
Brizolas, os mesmos Arraes, os mesmos Darcys e tantos outros que já havíamos “expeli-
35
do” ao mar na noite de 31 de março de 1964.
Tarrafeados pelos “luas pretas” do Planalto retornam ao nosso convívio político
os mesmos homens que iam incendiando o Brasil em 1964. Tragédia que só foi evitada
em virtude da reação da mulher brasileira que veio às ruas de rosário à mão apelar às
Forças Armadas no sentido de salvarem a Pátria à margem do abismo.
Para desencanto nosso, esses mesmos militares, profanando a memória do au-
têntico revolucionário de 1964 – Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco – rea-
bilitam com a influência do próprio sistema os “sapos” expelidos do Governo pátrio em
1964 por força das orações das mulheres brasileiras.
“Le Brésil n’est pas um pays serieux” – Correta a afirmação do Presidente Char-
les De Gaulle.
Porque, então, nos sacrificarmos física, econômica, partidária e socialmente,
simplesmente por devotamento a um idealismo sincero que, em verdade, não encontra
correspondência já na formação militar, onde o padrão de civismo exige invulnerabilida-
de para servir de exemplo à nossa juventude?
O “O Liberal” sobrevive com imensos sacrifícios, convencido de que não é
somente o cidadão com mandato político ou função pública que seja o devidamente cre-
denciado para servir à Pátria. Em qualquer ângulo de atividade humana em que nos colo-
camos somos compelidos a esse dever. Defendemos os direitos humanos e a Democracia.
Batalhamos pela liberdade de manifestação do pensamento. O desfecho das eleições de
15 de Novembro próximo passado nos veio advertir para o sentido realista do problema.
Tudo não passa de pantomima. Idealismo é utopia.
Por reprovarmos um e outro estilo deliberamos arrear a Bandeira recebida do
saudoso Gen.Canrobert, hasteada no topo do “O LIBERAL” dia 1º. de Janeiro de 1947,
fazendo circular a edição de hoje como nossa última edição. Edição da despedida.
Antes dessa decisão nos entregáramos ao exame de consciência debruçados so-
bre Max Nordau, que nos despertou para uma realidade que até então não queríamos
aceitar:
“A contradição constante entre as nossas ideias e todas as manifestações da nos-
sa civilização, a necessidade de viver no meio de instituições que parecem mentirosas, é
o que nos torna pessimistas e céticos; é a chaga sangrenta do mundo civilizado. N’este
conflito intolerável, PERDEMOS TODA A VONTADE DE VIVER E TODO O DESEJO
DE LUTAR”.
Sabe-se que o desencanto do jornalista Augusto Pereira, mostrado em seu edito-
rial de despedida, chegou ao lamentável desfecho de dar fim a todo o acervo do “O Libe-
ral”, perdendo-se desse modo um bom período de registro da história de Teófilo Otoni, o
que nos causa profunda tristeza.
Da nossa infância e juventude, ainda hoje guardamos na lembrança pelo menos
quatro dos grandes jornais que marcaram época na cidade dos meus amores e dos meus
encantos. E ao mencioná-los rendemos nosso tributo póstumo aos diretores do “O Mu-
curi”, Sr. Durval Campos; do “O Norte de Minas”, Sr. Paulo do Rosário; do “O Correio
de Teófilo Otoni”, Dr. Ricardo Alves Pinto, e do “O Liberal”, Sr. Augusto Pereira, cujos
nomes, de inteira justiça, fazem parte da nossa galeria de benfeitores.
Igual menção é oportuno que façamos, também, aos pioneiros do jornalismo na

36
“cidade do amor fraterno”, nominando, dentre outros, os seguintes: Antônio Luiz Pinto
de Noronha, Honório de Araújo Maia, Joaquim Amado Ferreira, Max Phaff, Manoel Pe-
reira, Carlos Prates Sobrinho, Tristão Ferreira da Cunha, Rudolph Nunes, Horácio Ro-
drigues Antunes, Frei Canísio, Nerval de Figueiredo, Lothar Rudolph, Floriano Mendes,
José Vieira de Matos, Chateaubriand d’Angelis e Silva, Fábio Amado Ferreira, Filogônio
de Carvalho, Artur Achtschin, Juscelino Barbosa, Vicente Ferreira Paulino, Lourenço
Otoni Porto, Alfredo Sá, Arsênio Pessoa Lins, Raimundo Campos, José Martins Prates,
Thomaz Gonzaga Campos, Olbiano de Melo, Eloino de Matos, José Jesulino de Matos,
José d’Ascenção Belga, Serafim Ângelo Pereira da Silva, Francisco Matias, Marinho
Viana, Domingos Soares da Cruz, Tito Guimarães, Patrício Ferreira Gomes, Eurico Soa-
res de Sá, Cláudio Soares de Oliveira, Antônio Pereira dos Santos, major João Pungirum
e os estudantes Lauro Meneses e Gladistone da Silva Pereira, segundo registro extraído
do arquivo da colecionadora Fany Moreira.
Vale, finalmente, mencionar o registro do aviso de acerto de contas com os seus
assinantes através do seguinte anúncio de primeira página da histórica última edição do
“O Liberal”.
“AVISO AOS ASSINANTES COM CRÉDITO
Aos assinantes que pagaram adiantadamente assinaturas com vencimentos em
meses do próximo ano, bem como aos que já nos enviaram cheque para assinatura de
1983 comunicamos que não só as diferenças a vencer como as do ano próximo serão
devolvidas até dia 31 próximo. ”

37
Legenda da foto: Sr. Augusto Pereira, diretor-proprietário do “O Liberal”, na entrega da flâmula de seu hebdo-
madário ao Sr. Juscelino Kubitscheck de Oliveira.

*Jornalista, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri, ocupante da cadeira 45, tendo como
patrono Francisco de Paula e Silva. Membro honorário da Academia de Letras de Teófilo Otoni e membro
efetivo e um dos fundadores da Academia Caratinguense de Letras, ocupante da cadeira 7, tendo como patrono
Teófilo Benedito Otoni. Faleceu em 26 de setembro de 2022, aos 85 anos de idade.

38
Maria José:
Companheira e Mestra
Gilberto Ottoni Porto*

Em 2010, no primeiro número da revista do Instituto Histórico e Geográfico do


Mucuri – IHGMucuri, Maria José, prefeita de Teófilo Otoni, termina seu artigo, de aber-
tura da revista, com uma afirmação de Karl Marx: “Não se faz História sem o povo, nem
para o povo. A História é feita pelo próprio povo, que fazendo-a nela se transforma.”
É uma grande verdade, mas o povo, alienado da política, muitas vezes, por uma
visão deturpada da religião, transfere para Deus a ação concreta, transformadora e revo-
lucionária que faria a justiça aos excluídos da história. Maria José, cristã fervorosa, não
acreditava na política como força revolucionária, suspeitava da política em geral e da
partidária em particular.
Foi a partir do Concílio Vaticano II que começou a questionar suas posições
conservadoras. A implantação da diocese em Teófilo Otoni, com o bispo Dom Quirino
Adolfo Schmitz comprometido com a nova visão de igreja pós-concílio, revolucionou a
pastoral e facilitou a sua conversão.
Novos padres, portugueses e italianos, agentes de uma nova pastoral, adubaram
o terreno onde floresceu a nova Maria José. A nova igreja, pós conciliar, fortalecia o tra-
balho dos leigos e valorizava a sabedoria do povo humilde e sofredor. Padres e freiras,
saiam do comodismo de seus conventos para viver com o povo nas favelas e periferias
das cidades.
Foi um novo Pentecostes
A nova leitura do evangelho enfatizava a ação libertadora de Jesus de Nazaré,
que anunciava a implantação do Reino de Deus, aqui e agora. Um Reino onde não ha-
veria fome, os doentes seriam curados, e uma nova sociedade fraterna surgiria, a partir
da partilha dos dons e haveres de todos. Os leigos agora são as ferramentas de Deus, os
agentes conscientes na construção de um novo mundo, onde a fraternidade e o amor são
os alicerces básicos da nova ordem.
Maria José se empolgou com a nova pastoral e foi uma liderança inconteste dos
Cursilhos de Cristandade que revigoraram a classe média nesse novo Pentecostes. Com a
chegada do Padre Giovani Lisa e das irmãs: Arcângela, Zoé e Graciela, que atuavam nas
camadas mais miseráveis e carentes da sociedade, sua vocação de servir atingiu o cerne da
exclusão social. Maria José era uma pessoa admirável sob todos os aspectos: elegante, inte-
ligente, espirituosa, extremamente educada e animada, era dotada de um humor invejável.
Egresso da Ação Católica, onde fiz parte da JUC – Juventude Universitária Ca-
tólica, no período áureo do Vaticano II; convivi com pessoas fantásticas e carismáticas,
como Herbert José de Souza, o Betinho, irmão do cartunista Henfil, que uniu o Brasil na
Campanha Contra a Fome e Frei Betto, entre outras figuras maravilhosas. Participei com
esses militantes da fundação da Ação Popular, braço político na luta para implantar as
reformas de base do governo João Goulart e posteriormente, força de resistência à ditadu-
ra. Odiada pela repressão militar a AP, teve vários de seus militantes presos e torturados,
como a estudante de arquitetura Maria Stela (Telinha) Scofield, teófilo-otonense, muito
39
minha amiga, filha da professora Mary Scofield e sobrinha de Archibald Scofield, e José
Carlos da Matta Machado, estudante barbaramente torturado e morto, filho do meu pri-
mo, o professor Edgar de Godoy da Matta Machado. O testemunho desses companheiros,
que sonhavam com uma sociedade mais justa e fraterna, dando a vida, como Jesus Cristo,
pela libertação do povo, me marcou profundamente por toda a vida.
A parceria de Maria José com o Padre Giovani na luta pela conscientização e
organização do povo, visando sua promoção social e política levou-os a São Paulo na
fundação do PT – Partido dos trabalhadores. Tão logo soube desse feito, procurei-a em
sua casa e fui um dos primeiros a filiar-me ao PT na cidade.
Sofri perseguição dos políticos de plantão à minha empresa de engenharia, Cons-
trutora Póllux, formada por mim e mais dois colegas. Éramos,então,os detentores do maior
número de obras públicas no nordeste de Minas; na área de construção de escolas, sane-
amento básico e habitação popular. Não faltou também incompreensão entre familiares,
amainada pela amizade com Maria José que sempre gozou de respeito na classe média.
Desde a juventude fiz minha opção por ajudar os mais carentes. O meu pai era
um médico caridosíssimo e a minha opção pela Engenharia Sanitária foi pelo desejo de
salvar mais vidas na prevenção do que ele na medicina curativa.
Passei a participar ativamente do PT, em reuniões e campanhas, frequentando
muito a casa de Maria José onde privava de boas conversas com suas irmãs: Júlia e prin-
cipalmente Hilda, professora admirável e que partilhava comigo o gosto pela História.A
minha família e a de Maria José sempre mantiveram ótimas relações de amizade. O meu
pai era o médico da sua mãe e nossas irmãs eram muito amigas.
Nas campanhas ficava mais tempo à disposição de Maria José, almoçando e às
vezes jantando em sua casa e servindo de motorista também. Era uma casa abençoada,
uma Betânia, como diria a minha mãe, tal o acolhimento oferecido. Tinha uma emprega-
da, Arminda, filiada e militante do PT, gente da família, sempre alegre e prestativa.
Em Belo Horizonte, quando deputada, encontrávamos constantemente. Assim
surgiu a AFATO – Associação dos Filhos e Amigos de Teófilo Otoni. Nascida do encon-
tro dos teófilo-otonenses em eventos e restaurantes. Maria José, juntamente com Izidro
Caldeira Brant, convidaram-me para participar da redação do estatuto e eu acabei en-
volvido por uma plêiade de amigos admiráveis tendo sido presidente da AFATO por
dois períodos com Maria José na vice-presidência. Na AFATO realizamos vários eventos
culturais, levando o Coral Paulo VI a Belo Horizonte e para abrilhantar o Bicentenário de
Nascimento de Teófilo Benedito Ottoni lançamos o livro do historiador Valdei Araújo “A
Filadélfia de Theófilo Ottoni – Uma Aventura Cidadã “. Fundada em 27 de novembro de
1992 a AFATO cumpriu seu papel até junho de 2017.
A minha experiência na AFATO incentivou-me a criar o IHGM - Instituto His-
tórico e Geográfico do Mucuri em Teófilo Otoni.
No início da década de 80, o PT em Teófilo Otoni, investiu pesado na organiza-
ção e conscientização dos marginalizados: analfabetos, desempregados e favelados. Fo-
ram criadas inúmeras associações de bairro e comunidades eclesiais de base, onde a lei-
tura do Evangelho com ênfase na libertação das mazelas sociais levou o povo a uma nova
visão de Reino de Deus, participativa e engajada. Participei de várias dessas reuniões de
formação e me emocionava ao ouvir pessoas analfabetas falarem com desenvoltura sobre

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seus problemas, demonstrando uma maturidade e sabedoria fantásticas.
Teófilo Otoni, sob a liderança do Padre Giovani, acolitado por uma equipe mo-
tivada e competente, mostrou a capacidade revolucionária da força da união. Três bairros
foram construídos em mutirão por um povo aguerrido, dotado de alegria contagiante. Na
área rural a pastoral da igreja, com as pequenas comunidades e propriedades familiares,
dinamizava a agricultura hortifrutigranjeira na produção de alimentos sem agrotóxicos,
fugindo da monocultura e do exclusivismo da pecuária.
Foram anos inesquecíveis que, no final da década fortaleceram tanto o PT ga-
rantindo Lula chegar ao 2º turno na disputa com Collor à Presidência da República. Atrás
de tudo isso estava a liderança inconteste de Maria José, sua crença na força do povo
galvanizava todos nós. Sua dedicação prazerosa, seu testemunho de trabalho foram um
catalizador magnífico.
Quando deputada em Belo Horizonte, participei com ela em várias reuniões de
Fé e Política que agregavam companheiros consagrados como o Secretário Aloísio Pi-
menta e outros luminares. No meu 2º mandato na AFATO, pedi licença por dois meses
para poder, em Teófilo Otoni, dedicar-me exclusivamente à campanha de Maria José à
Prefeitura.
Maria José empolgava as pessoas nos comícios. Lembro demais da música da
campanha:

“Uma cidade parece pequena, se comparada com um país


Mas é na minha, na sua cidade, que se começa a ser feliz.
Olho no olho, que fala a verdade,
Presto atenção, e o coração me diz,
Se a vida ensina, eu sou aprendiz.”

A letra, valorizando o aprendizado da vida, do qual Lula dá o melhor testemu-


nho, e a música continuavam emocionando a todos. A música com a letra é tão bonita que
vale a pena ouvi-la no site: https://youtu.be/J9jWHV,ifSFs
Em 1963, fui Secretário de Obras da Prefeitura de Teófilo Otoni, no mandato de
Luiz Porto Salman, quando fizemos a abertura da Avenida João XXIII, salvando centenas
de vidas. Esta avenida sanitária foi construída sobre um aterro que eliminou 2 grandes
charcos que empestavam a vida, principalmente das crianças das favelas circunvizinhas.
A gastroenterite não perdoava as crianças carentes. Fizemos muitas outras obras de ur-
banização e iniciamos um projeto de plano diretor de desenvolvimento da cidade que
foi abortado por falta de recursos. Mas deixamos uma legislação sobre o uso e ocupação
do solo urbano, que orientava os loteamentos, e garantia condições sanitárias ao uso do
solo que, infelizmente, não foi cumprida com consequências dramáticas para as pessoas
carentes habitantes das áreas de risco.
Minha experiência na Construtora Póllux me deu condições impares para voltar
à Prefeitura, dando continuidade ao trabalho iniciado em 1963, mas as injunções políticas
impediram-me de ocupar a secretaria de obras no 1º mandato de Maria José.
No início do 2º mandato, cheguei a trabalhar por 4 meses como secretário de
obras, mas problemas administrativos não me permitiram continuar.
Nos dois mandatos Maria José brilhou; com Maria Helena Costa Salim na Se-
41
cretaria de Educação, Janice Tameirão Baur na Secretaria de Assistência Social e Habi-
tação, Ildete José da Silva, Pio de Castro, Sebastião Pereira Coimbra (Tião Motorista),
Daniel Sucupira, Maria dos Anjos Ramos (Liota) e uma plêiade de figuras notáveis pela
competência e dedicação que garantiram o merecido reconhecimento da população.
Maria José lutou bravamente pela estadualização da FENORD – Fundação Edu-
cacional do Nordeste Mineiro. Foram anos e anos, em todos seus mandatos de deputada,
mas, infelizmente, as forças da oposição, favoráveis ao ensino privado, prevaleceram.
Voltou-se então para a área federal, e, quando Lula foi eleito, concentrou seus esforços
nesse projeto de educação. Viajou inúmeras vezes a Brasília, não medindo esforços, para
conseguir ensino superior público, gratuito e de qualidade para Teófilo Otoni e todo o
nordeste mineiro. A última etapa, com a Escola de Medicina, foi outro trabalho de Hér-
cules, desgastante e cansativo, mas finalmente vitorioso.
O Campus da UFVJM – Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e
Mucuri, em Teófilo Otoni, estava finalmente bem alicerçado, e, para coroar esse esforço
gigantesco, conseguiu trazer também para Teófilo Otoni o Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Norte de Minas – IFNMG.
O trabalho intelectual é necessário e importante, mas o braçal, o técnico, não
é de menor importância, pois é ele que nos garante: alimentação, moradia, vestimenta,
transporte e todos os artefatos fabricados na indústria e fora dela. Uma indústria pujante
e competitiva precisa de técnicos bem qualificados e bem remunerados que só uma for-
mação de qualidade consegue propiciar.
O presidente Lula, torneiro mecânico, orgulhosamente diplomado pelo SE-
BRAE, sempre valorizou o trabalho braçal que infelizmente a nossa cultura colonial e
escravocrata sempre desvalorizou.
Agora, com as bases bem plantadas do ensino acadêmico e técnico no Mucuri,
é seguir em frente, buscando qualidade, com muita pesquisa e extensão, para superarmos
logo o nosso atraso social, cultural e econômico.
Apesar das restrições de Maria José aos heróis alienantes, para mim ela será
sempre a heroína que, longe de ser vanguardista, fazia questão de caminhar junto com o
povo, preferencialmente os mais carentes, animando-os e orientando-os na construção da
sua libertação, das mazelas físicas e morais, aqui e agora, na certeza de estar construindo
o Reino de Deus.
Certamente ela está na Sua Intimidade.

*Engenheiro Civil com pós graduação em Engenharia Sanitária. Sócio fundador do Instituto Histórico e Geo-
gráfico do Mucuri do qual é Presidente de Honra.

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O Colégio Tiradentes de Teófilo Otoni
Petrônio Dantas Vieira*

“A diferença existente entre os homens cultos e incultos é a mesma diferença


que existe entre os vivos e os mortos”. Aristóteles

Cheguei para Teófilo Otoni, a fm de assumir o comando do 19º Batalhão, com


alguns propósitos. Eram as minhas “causas pétreas”.
Com o quadro contendo meu retrato, nos padrões da galeria dos ex-comandantes
do Batalhão, chamei o capitão Marcos Barbosa da Fonseca, nas funções de chefe da Se-
ção de Comunicações Sociais. Entreguei-lhe o quadro com meu retrato e disse-lhe:
– Marquim! Estou retornando a Teófilo Otoni. Tenho alguns propósitos a reali-
zar aqui. Tem alguns que sei que terei barreiras terríveis e muitas pressões. Se eu tiver que
passar o comando do Batalhão antes da época, favor colocar o meu retrato lá na galeria,
enquanto eu me bato em retirada.
Ele sorriu e assim... Tudo começou.
Na época, o Estado havia suspendido a criação de todas as unidades do Colégio
Tiradentes em Minas Gerais.
Mas o meu primeiro desafio, seria o de trazer o Colégio para Teófilo Otoni.
Todos os oficiais com quem eu falava a respeito, me tiravam de cabeça:
– Não é só você quem está pedindo isso não... tem unidades instaladas bem antes
do 19º Batalhão que não conseguiram o colégio.
O governador do Estado era o Dr. Eduardo Azeredo.
Comecei a articular com quem eu via ter influência no governo.
Desde o Comandante da Região, até o Comandante Geral da Corporação, viam
isso como uma “missão impossível”.
Logo de início, encontrei dentro do Batalhão, um oficial que comungava com
minhas ideias. Era o capitão Gilson Alves de Morais, reforçado pela sua esposa a peda-
goga Sueli de Morais.
A primeira luz surgiu no fundo do túnel. O capitão Gilson, durante alguns me-
ses, fez da poltrona do ônibus da Viação Gontijo, a sua cama. Era a linha Teófilo Otoni-
Belo Horizonte e vice-versa.
Já com o apoio do Alto Comando da Policia Militar, em finais de 1998, o gover-
nador Eduardo Azevedo deixava o governo do Estado de Minas Gerais.
Em 1999, assumiu o governador Itamar Franco.
O Conselho Estadual de Educação em seus pareceres números 137 e 142 de 10
e 11 de fevereiro de 1999, publicadas do Diário Oficial (Minas Gerais) de 19 de fevereiro
de 1999, posicionava-se favorável à instalação do Colégio Tiradentes em Teófilo Otoni.
A 37ª Superintendência Regional de Educação em Teófilo Otoni-SRE-, pela por-
taria 440/99, autorizou o Colégio a funcionar a partir de 10 de fevereiro de 1999.
Interessante é que, somente em 13 de abril de 1999, o decreto estadual número
40.346, criava o Colégio, quando fora assinado pelo governador Itamar Franco e pu-

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blicado no Diário Oficial em 14 de Abril desse mesmo ano. Todavia, a Escola já estava
autorizada a funcionar desde 10 de fevereiro desse mesmo ano, pelo Conselho Estadual
de Educação e pela 37ª SRE.
O próximo desafio seria o local onde funcionaria a escola.
Era prefeito de Teófilo Otoni, o Dr. Edson Gonçalves Soares. Ele cedeu o prédio
do antigo Centro de Atenção Integrada à Criança (CAIC) para ser instalado, provisoria-
mente o Colégio, com prazo estipulado de desocupação até o ano de 2002.
Outro desafio, foi conseguir mobiliário para o colégio. Parte dos materiais, con-
seguimos os usados do próprio CAIC, outra parte veio de doações das empresas, da
maçonaria e até dos usados de outros Colégios Tiradentes da Polícia Militar.
Fizemos a composição do corpo docente. Com base nos pareceres do Conselho
Estadual de Educação, no dia 08 de Março de 1999 ficou marcada a data da instalação
solene do Colégio Tiradentes em Teófilo Otoni.
Era um sonho em que poucos acreditavam, mas que se tornava realidade.
Por ironia do destino, no dia 03 de Fevereiro de 1999, o Diário Oficial de Minas
Gerais, publicava a passagem para a reserva remunerada do coronel Petrônio Dantas
Vieira. Eu tinha 30 dias para entregar o comando.
Só me faltavam, teoricamente, 05 dias para presidir oficialmente a instalação do
Colégio Tiradentes, considerando que eu só poderia ficar até o dia 03 de março. O colégio
foi inaugurado no dia 08 de março de 1999.
Porém, como não havia tempo suficiente para eu inaugurar o colégio, no dia 22
de fevereiro de 1999, passei o comando do 19º Batalhão, deixando tudo pronto para a
inauguração. Dependeria somente, do desfecho do ato materializado e da luta concluída.
Orgulho-me de tudo isso. Fiz valer o sangue nas veias, herdado da minha mãe, Ma-
ria Aureolina Soares Vieira, que teve a vida pautada na educação, como professora e diretora
de escolas estaduais e municipais em Teófilo Otoni: A missão estava cumprida! Ainda hoje,
o Colégio aí permanece como motivo de orgulho para todos os teófilo-otonenses.

*Coronel Veterano da PMMG, Especialista em Segurança Pública pela Fundação João Pinheiro, Especialista
em Gestão em Segurança Pública pela Fundação João Pinheiro, Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito
de Teófilo Otoni (FADITO), Advogado (OAB-MG), Especialista em Direito Civil (FADIVALE), Graduado
em Segurança Privada, Diretor Geral da PHILADELPHIA Escola de Segurança Privada. Autor dos livros Os
Sobreviventes, Os Filhos da Viúva, A Beira do Fogão e O Cabo e o Comandante.

44
O legado de Hilda Ottoni Porto Ramos (Didinha)
para a cidade de Teófilo Otoni
Magali M. A. Barroso*

Para que Didinha nascesse foram necessários muitos acontecimentos. Do lado


paterno, teve que existir três Reynaldos. Reynaldo Lourenço da Silva Porto — bisavô —,
Reynaldo da Silva Porto Primo — avô paterno — e Reynaldo Ottoni Porto — pai —; os
dois primeiros de Aracati no Ceará e o terceiro de Teófilo Otoni. Caetana da Costa Lima
casou-se com o primeiro Reynaldo, Theodózia Esteves Ottoni com o segundo e Anathilde
Rausch Ribeiro com o terceiro, portanto, sua mãe. Além disso, o nascimento de Theo-
dózia só foi possível com o matrimônio de Leonardo Esteves Ottoni e Maria Leopoldina
de Araújo Maia. A família Ottoni veio do Serro, e o primo de Leonardo, Teófilo Bene-
dito Ottoni, foi quem fundou a cidade. Anathilde nasceu do casamento de Emma Maria
(Kunert) Rausch Ribeiro e do maranhense Lucrécio Augusto Marques Ribeiro. Emma
era filha dos alemães Carl Friedrich Rausch e Bertha Luísa Kunert, que atravessaram o
oceano em meados do século XIX. Enfatizando apenas essas três gerações anteriores,
quantos nascimentos, encontros e viagens tiveram que ocorrer para que, em 24 de abril
de 1917, em Teófilo Otoni, Didinha chegasse. Na família numerosa de quatorze filhos, ela
foi a primogênita.
Interessante pensar que a árvore genealógica de alguém é imaginada como ten-
do uma raiz e muitos ramos, mas, na verdade, existem duas árvores, uma de ascendentes
e outra de descendentes, e a pessoa fica ali,presente no meio do emaranhado de duas ra-
mificações extensas, divisando o passado do futuro. Por essa razão, a existência de cada
pessoa é um milagre. Como o fato é inteiramente dependente dos encontros do passado,
é, no mínimo, um mistério. Por essa razão, quis apresentar as três gerações anteriores
à de Didinha, para mostrar que o caminho percorrido até ela chegar passou por Aracati
(Ceará), Maranhão, Alemanha, Portugal, Itália, Serro (MG) e Teófilo Otoni (MG), e seu
nascimento se deu por um mistério milagroso.
Didinha passou parte de sua infância na Rua Direita, atual Av. Getúlio Vargas,
ali no centro da cidade, cenário de muitas lembranças descritas em seus livros. Poste-
riormente, seu pai, junto com o irmão Lourenço Ottoni Porto, comprou a Fazenda Bom
Retiro, local onde passaram a residir. Essa fazenda foi palco das peripécias da menina
esperta e de seus irmãos até ficarem adultos e se casarem. Chegando a época da escola,
Didinha foi para Itambacuri, estudar como interna no Colégio das Irmãs Clarissas. Em
1927, o Colégio São Francisco foi inaugurado em Teófilo Otoni e ela para lá foi transfe-
rida, onde, em 1933, se formou normalista. Sendo aluna exemplar, foi a oradora da turma
e logo começou a lecionar.
A família de Didinha tinha em casa um piano Pleyel, uma herança da avó Theo-
dózia. A música era uma tradição familiar. Reynaldo, seu pai, era músico desde a infância
e sua avó também se dava à arte de tocar piano, o que motivou toda a família a se dedicar
ao instrumento. Tendo o pai como o primeiro professor, Didinha manteve o sonho de
prosseguir seus estudos. Reynaldo decidiu enviá-la para o Rio de Janeiro a fim de se inte-
45
grar ao Conservatório Brasileiro de Música como prêmio pela dedicação que teve como
aluna e também como professora.
Lá no Rio, hospedou-se na Pensão de Tia Arminda, que acolhia os filhos de
Teófilo Otoni quando estes se transferiam para estudar na Cidade Maravilhosa. Mas a
proprietária também acolhia outro sobrinho, Lauro Joaquim Ramos, estudante de Odon-
tologia, filho de Sebastião Ramos e Luísa Ottoni Porto Ramos. Luísa, Arminda e Ana-
thilde eram irmãs. Na nova morada teve que se acostumar a outros hábitos, ao novo sítio
geográfico, bem diferente daquele que ela conhecia bem. Dedicou-se, então, a estudar os
compositores: Beethoven, Chopin, Mozart, Barroso Neto, mas não se privou das trocas
de olhares com o primo Lauro, conhecendo, assim, o amor e um príncipe. Assim que Lau-
ro se formou, eles voltaram para a terra natal para se casar. O término do curso de piano
foi adiado. No entanto, conseguiu diplomar-se como pianista em 1956, quando todos os
seus filhos já haviam nascido. Muitos deles a deixaram bem cedo, restando-lhe “a espe-
rança do reencontro”. Mais tarde, um golpe profundo atinge a família: o príncipe também
se vai. Ela, então, teve que se adaptar à nova ordem das coisas e ganhou uma tarefa: se
reinventar para “viver o presente” à espera de “melhores dias”. Conviveu de forma cari-
nhosa com os filhos Raimundo, Armando, Lizia e Tereza, que herdaram o talento para a
música e também são pianistas.
Didinha e Maria da Glória, filha do tio Lourenço, irmão de Reynaldo, funda-
ram o Conservatório de Música de Teófilo Otoni, como departamento do Conservatório
Brasileiro de Música do Rio de Janeiro ― um empreendimento de sucesso. As alunas
orientadas por elas eram avaliadas por uma banca examinadora do Rio, sendo diplo-
madas. Teófilo Otoni é uma cidade muito musical, com um número grande de pianistas
respeitados e muitos virtuosos em outros instrumentos. Didinha também se ocupou em
agregar pessoas, organizando vários corais. Ela considerava essa iniciativa muito gratifi-
cante, pois, além de proporcionar o encantamento dos participantes e ouvintes, promovia
a alegria e o desenvolvimento humano daqueles que estiveram sob sua regência. Foi
professora de Educação Artística e Musical de colégios da cidade e compôs um vasto
repertório, inclusive hinos de Instituições, como o do município de Teófilo Otoni, além
de um inédito para Minas Gerais.
Como aluna do Colégio São Francisco, teve oportunidade de trabalhar com pin-
tura, orientada por Irmã Lambertina. Com muita dedicação, usou aqueles conhecimen-
tos e se especializou em pintura, tendo inúmeras telas e aquarelas, tornando-se artista
plástica. Durante um tempo, construiu formas e contra formas, utilizando mosaicos com
retalhos desfiados de revistas. Escrever também era uma de suas manifestações artísticas.
Publicou o primeiro livro De lavrado em lavrado, em 1990. Em 1997, quando completa-
va oitenta anos, fez um recital de piano na Sala Juvenal Dias, do Palácio das Artes, numa
homenagem da AFATO – Associação dos Filhos e Amigos de Teófilo Otoni. A plateia se
encantou com o repertório: músicas de Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga e de sua
própria autoria. Numa viagem a Buenos Aires, também se tornou convidada de honra ao
tocar numa casa de tango.
Em 2002, juntamente com outros escritores da cidade, fundou a Academia de
Letras de Teófilo Otoni – ALTO, onde ocupou a cadeira de n.º 8, cujo patrono é seu pai.
Em 2006 recebeu a Medalha de Honra ao Mérito Madre Teresa de Calcutá, concedida

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pela Prefeitura Municipal. Aos noventa anos, em 2007, recebeu como homenagem da
ALTO ter seu nome dado à Biblioteca da Instituição. Os dois outros livros — Memórias
Vivas... Vivas Memórias e Aquarelas da vida— foram publicados, respectivamente, em
2009 e 2010. A Academia de Letras instituiu, em 2011, a Medalha de Mérito Cultural
Dona Didinha e, em 2012, lançou o livro Dona Didinha: a pescadora de sonhos com
depoimentos de intelectuais teófilo-otonenses sobre a vida e obra dessa mulher multifa-
cetada. Em 2017, a mesma instituição a homenageou com a Medalha Centenário Dona
Didinha, com a qual tenho a honra de ter sido agraciada. Também figurava nos quadros
do Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri, como Sócia Honorária.
Quando o livro sobre sua obra foi lançado, intitulado A liberdade de tecer pala-
vras e criar poemas: vida e obra literária de Hilda Ottoni Porto Ramos – Dona Didinha,
à época de seu aniversário de 104 anos, houve uma live, promovida pela Academia de
Letras de Teófilo Otoni, da qual ela participou, estando muito lúcida e agradecida pela
homenagem. Brindou a todos nós com seus versos e com os de seu pai, do qual era pro-
funda admiradora, com tanta fluência e sentimento, mostrando ser portadora de memória
prodigiosa e muito amor pelo que sempre fez.
Hilda Ottoni Porto Ramos residia ora em sua casa em Teófilo Otoni, que dividiu
com Iraci, sua dama de companhia por mais de sete décadas, ora em Lagoa Santa com
sua filha Lizia. Viajar para ela sempre foi motivo de alegria. Outra paixão é a casa de
Alcobaça, onde nas férias recebia a família com os onze netos e onze bisnetos. Estando
lá, andava pela praia, festejava o encontro do rio com o mar e se perdia observando a
vastidão de água, que se colore de forma diferente, dependendo da época do ano ou da
hora do dia. Aquela paisagem foi retratada em vários de seus textos. Recentemente, Lizia
encontrou em seus guardados e me enviou o seguinte texto: “Se minha vida, que se torna
bem longa, se resumir nas palavras dos poemas que o viver me inspiraram, aos que os
lerem faço um pedido: não os considerem apenas formas literárias, mas se aprofundem
nos sentimentos que os geraram”.
Didinha, em entrevista à TV Imigrantes, na ocasião de seus 93 anos, se mostra-
va alegre com sua jornada existencial e disse que, enquanto tivesse lucidez, gostaria de
obter de Deus a graça da vida. Ficava feliz ao tocar seu piano, escrever versos e prosas,
e vencer o desafio da tela em branco, deixando em forma de flores seus sentimentos e
vivências.
Em seus últimos anos, esteve com sua filha Lizia, morando em Lagoa Santa, na
região metropolitana de Belo Horizonte. E, na manhã da véspera do Dia das Crianças,
Didinha nos deixou. Como era de se esperar, voltou para Teófilo Otoni, sua cidade natal
querida, na qual viveu, criou família e cuja face mudou com sua habilidade para deixar
herdeiros de seu talento, onde conseguiu o afeto das pessoas e o respeito das Instituições
Culturais e Públicas. A cidade a recebeu no dia de Nossa Senhora Aparecida de 2022,
para guardá-la eternamente em seu coração e território.
Em seu livro Memórias Vivas ... Vivas Memórias, ela deixa seu testamento, em
forma de versos no poema Quando.

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“Quando...
No anoitecer da vida
Meus olhos não mais reabrirem
Quando...
Velho coração, cansado
Não mais pulsar ... parando
Naquele momento
Quero sim partir
Como herança deixar ficar
meu Testamento:
Dividam em partes iguais
Sem rancor
Sobras de um grande Amor
Que consegui guardar
Por ter sido, vivido:
É ... a maior,
a melhor
Parte de mim!”

Hilda Ottoni Porto Ramos (Teófilo Otoni, 24/04/1917; Lagoa Santa, 11/10/2022).
Foram 105 anos espargindo a luz da sabedoria, do amor, da sensibilidade e agora pode ser
vista brilhando como uma estrela no universo de cada um que com ela conviveu.

*Sócia efetiva do Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri e do Instituto Histórico e Geográfico de Minas
Gerais. Membro Correspondente da Academia de Letras de Teófilo Otoni. Autora do livro A liberdade de tecer
palavras e criar poemas: vida e obra literária de Hilda Ottoni Porto Ramos – Dona Didinha, de 2021.

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Proveitosas Aulas de Latim...
Sobre Dom Waldemar Chaves de Araújo,
marcante Bispo da Diocese de Teófilo Otoni.
João Bosco de Castro.*

De 1955 a 1958, fui coroinha do Capitão-Capelão Padre César Alves de Carvalho,


na Capelania de Santa Efigênia, Santuário da Vila Militar do Sétimo Batalhão de Infantaria
da Polícia Militar de Minas Gerais, em Bom Despacho, miolo do Centro-Oeste Mineiro.
Quando lá cheguei, o sacristão da dita Freguesia Castrense era o Primeiro-Cabo
Sô-Borges da Cavalariça, monossilábico e bigodudo, celibatário e esquisitão, logo, logo
substituído pelo respeitável e discreto Cabo Valdevino Leite da Cunha ─ católico fervoroso,
pai de família exemplar, cidadão bem-alinhado e dististo, militar impecável.
Àquela época, a Liturgia Católica, principalmente a Santa Missa ─ rezada
por Celebrante e respectivos Auxiliares de costas voltadas para os Fiéis ─ oficiava-se
e transmitia-se em Latim ─ ainda hoje, Língua Oficial da Cúria de São Pedro e Estado
do Vaticano. Eu, em minha meninice crua de aluno do Grupo Escolar Coronel Praxedes,
achava cerimoniosamente esplêndido e sofisticado aquele piedoso Ritual tagalerado no
Idioma do Império Romano por alguém ainda carente das básicas lições de Português,
como ararinha-azul em território de papagaio.
A Didática do Padre César, trançada na mais pedregosa paudagogia, não me resol-
via as urgências daquele soleníssimo Latim, a partir da sacrossanta abertura da suntuosa e
abençoadora Celebração: Introῑbo ad altāre Dēi// Ad Dēo qui laetifĭcat juventūtem mēam,
encerrada pelo austero Īte! Mῑssa ēst!
O Cabo Valdevino e alguns Coroinhas mais escolados conseguiam algum resulta-
do, mesmo nanico, da paudagógica articulação latinória do conspícuo e engalanado Capi-
tão-Capelão. Eu, não!...
Mais tapadinho, precisei de Professor melhor. E ele apareceu por lá, durante suas
férias escolares de Seminarista do Clero Secular, na mais caprichada e imponente bati-
na preta. Dava gosto ouvi-lo e apreciá-lo: elegantíssimo, atencioso, bem-falante, alegre,
zeloso, prestativo, educadíssimo, boa-praça, bom-despachense da gema (integrante da co-
nhecida Prole do Sô-Sudário Araújo, sempre agarrado este a seu cachimbo de coquinho).
Tratava-se do Seminarista Waldemar Chaves de Araújo, bem-adiantado em seus estudos,
provavelmente às vésperas do Diaconato.
Ele ministrou-me a primeira aula de Latim, marcante e proveitosa, complementada
por muitas outras, no mencionado Santuário de Santa Efigênia dos Militares do Machado
de Prata, em julho de 1956, para cinzelar meus modos e meios de Coroinha do Padre César,
prioritariamente para dar-me situação melhor de cuidar, com zelo e amor, daquela saudosa
ajudação da Santa Missa em Latim, e de costas voltadas para a piedosa Assembleia Cristã,
cheia de fé e vazia de entendimento da Língua de Cícero, Catão e muitos Césares.
Gostei bastante daquelas aulas maravilhosas, ainda muito mais do habilitado e
eficiente Professor, embora aqueles ensinamentos cuidassem apenas da Linguagem Latina:

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conversação, fonêmica, prosódia, ortoepia, noções lexicais, suficientes ao desenvolvimento
da capacidade da leitura do Missal Romano, para não fazermos feio nas oficiações mais roti-
neiras e sacramentações mais simples. O estudo sistêmico e metodológico da Língua Latina,
com declinações, morfossintaxe, estilística, análise de forma e conteúdo, para compreensão
e tradução de texto, veio-me, curricularmente, no Ginásio Estadual de Bom Despacho, mer-
cê dos Professores Elvino Paiva de Oliveira e Geraldo Majela de Melo Santos, e, mais tarde,
com o acréscimo de Literatura Latina, de 1970 a 1973, no Curso de Licenciatura em Letras,
pelos Professores Padre Vicente Pinto dos Santos e Frei Romão. Todavia, a excelência das
primeiras aulas do então Seminarista Waldemar Chaves de Araújo, no singelo espaço daque-
la Capelinha Militar, em julho de 1956, ainda é ponto alto de meu interesse em estudos do
Latim, Português e Línguas e Literaturas Românicas.
Naqueles saudosos tempos de menino da Vila Militar do Machado de Prata, em
Bom Despacho, em casa, eu falava sobre as aulas de Latim e a didática amistosa e eficaz do
jovem Professor, o Seminarista Waldemar Chaves de Araújo. Ao ouvir-me, Papai ─ Major
João Rodrigues de Castro, àquela época Sargento, da Polícia Militar Mineira ─ não deixava
para menos:
─ Waldemar será piedoso e excelente sacerdote. É muito estudioso, inteligente,
dedicado à Fé e de família modelar. Ele é filho do Sô-Sudário Araújo e cunhado do Zico da
Casa Assumpção. Dona Elza do Nico Marques sempre faz elogios a ele, como rapaz muito
cuidadoso com as pessoas e dedicado aos estudos. Ela até o ajuda a manter-se no Seminário.
Quando contei sobre minhas primeiras aulas de Latim, ensinadas pelo Seminarista
Waldemar Chaves de Araújo, à Doma Maria de Lourdes d’Avó Gontijo, minha Professora
de Tudo no Curso Primário do Coronel Praxedes, ela enfatizou-me:
─ O estudo de Latim é muito importante. Conheço a família do Seminarista Wal-
demar, principalmente o Pai dele, o Sô-Sudário Araújo, homem simples, mas trabalhador e
honrado. Dona Elza do Sô-Nico Marques, minha vizinha, sempre elogia a inteligência dele,
inclusive dá-lhe ajuda material e financeira para ele manter-se no Seminário.
Poucos anos após aquelas memoráveis aulas de Latim, ordenou-se presbítero o
Diácono Waldemar Chaves de Araújo, e passei tempos sem vê-lo. Depois, soube dele como
Pároco do Santuário de Nossa Senhora de Lourdes, em Belo Horizonte, ao fim da década de
1980, quando foi sagrado Bispo e nomeado Titular da Diocese de Teófilo Otoni, da qual se
transferira, bons anos transcorridos, para a Diocese de São João d’el Rei, em cuja Cátedra
se honorificou na Dignidade de Bispo Emérito.
Quanto bem me fizeram e fazem aquelas proveitosas Aulas de Latim ministradas
a mim e a outros Coroinhas pelo inesquecível Seminarista Waldemar Chaves de Araújo, há
sessenta e quatro anos, em Bom Despacho-MG, no histórico Santuário de Santa Efigênia, hoje
Paróquia Militar dirigida pelo Tenente-Coronel-Capelão Padre Sebastião Gonçalves Fernan-
des, em local nobre da Vila Militar do Sétimo Batalhão da Força Pública de Minas Gerais!

*Oficial Superior Veterano da PMMG e Professor de Línguas e Literaturas Românicas, Ciências Militares da
Polícia Ostensiva, Ciências Policiais, Ética e Deontologia, Crítica Textual, Políticas Públicas e Preservação
da Ordem Pública. Livre-docente, por Notório Saber, de Historiografia de Polícia Militar (História da Polícia
Militar de Minas Gerais). Pertence à Academia de Letras de Teófilo Otoni e ao Instituto Histórico e Geográfico
do Mucuri (membro correspondente). Ensaísta, Prosador e Poeta.

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Jubileu do Bom Jesus do Matosinho. A grande
festividade da Diocese de Guanhães
Dilton Maria Pinto*
Gilson Mateus Soares**

A devoção ao Bom Jesus do Matosinho é bem antiga, nascida em terras portugue-


sas. No século X, na cidade de Espinheiros, próximo a cidade de Matosinhos, pescadores
encontram uma imagem de madeira do Cristo crucificado, sem um pedaço dos braços e
posteriormente a outra parte fora encontrada.
A imagem achada fora conduzida devotamente para o convento de Bouças, na
freguesia de Matozinhos. Ficou um longo período conhecido como Senhor de Bouças, de-
pois para Bom Jesus de Bouças de Matosinhos e por último por Bom Jesus de Matosinhos.
No século seguinte, esse convento entrou em decadência e a imagem foi reconduzida para
a matriz da freguesia de Matosinhos. É considerada a mais antiga representação do Cristo
crucificado em território luso.
Em Conceição do Mato Dentro, no século XVIII havia a presença de muitos por-
tugueses vindos da região do Porto, Braga, Guimarães e Miranda, localidades que estão
no norte do país, próximos a Matosinhos. Em 1734, um escravo de nome Antônio Angola,
sobrenome dado por ser o país de onde fora trazido, ao procurar lenha no alto do morro,
encontrou a imagem de Jesus crucificado. Antônio Angola pertencia ao capitão Manuel de
São Tiago a quem entregou a imagem de Jesus crucificado. Manuel de São Tiago construiu
no alto do morro um orago simples. Depois de pronto fez-se uma procissão, conduzindo a
referida imagem para lá ser depositada. A Imagem foi abençoada pelo pároco Pe. Manoel
de Amorim Coelho que solicitou doações para a construção de uma ermida.
Antônio Angola, na época do importante achado, era adolescente, tinha entre 14
e 15 anos. Capitão Manuel de São Tiago, próspero minerador tinha mais de 28 escravos
registrados no Livro de Matrículas de Escravos e Ofícios de 1749. Antônio Angola nessa
data estava com 31 anos. Os adolescentes ainda escravos eram designados a serviços con-
siderados leves: a recolhimento de lenha e afazeres domésticos. Coube a ele, residindo na
opressão receber em suas mãos um alento que ergueria a muitos corações.
Os efeitos do encontro da imagem do Bom Jesus rapidamente foram sendo ma-
nifestados localmente e registros não faltam para atestar as dádivas recebidas. Dois deles
comprovam esses eventos que até então foram considerados miraculosos. O primeiro deles
se deu com o português José Corrêa Porto, que esteve acometido com Zamparina, um surto
gripal do século XVIII que atacava o sistema nervoso e as articulações. Durante esses mo-
mentos difíceis fez uma promessa que, caso se restabelecesse, construiria no alto do morro
uma capela para abrigar a imagem encontrada. Fora restabelecido posteriormente e promo-
veu a construção da primeira igreja do santuário.
A segunda intervenção foi relativa ao tempo, em um período de seca prolongada
em Conceição do Mato Dentro e em toda a região. A escassez de água motivou os devotos
a fazerem uma procissão com a imagem do Bom Jesus. Durante o retorno, subindo a rua
Direita, em direção a Igreja foram agraciados com uma forte chuva que durou vários dias.
51
Em visita pastoral, o então bispo do Rio de Janeiro, Dom Frei João da Cruz, no ano
de 1743 recomendou ao vigário a construção de uma nova capela para a imagem tão espe-
cial. Visando prover fundos para edificação à altura do Bom Jesus, é criada a Irmandade do
Bom Jesus de Matosinhos em 1750 e, nesse mesmo ano, D. Frei Manoel da Cruz autorizou
a bênção dessa nova ermida. Em 1787 o reconhecimento veio do Papa Pio VI que concedeu
indulgência plenária aos participantes do jubileu. A indulgência plenária é a remissão par-
cial ou total dos efeitos que o pecado causou; o devoto já teve sua confissão e já fora perdo-
ado anteriormente, contudo os efeitos que ele tinha causado permaneciam. O termo jubileu
é uma tradição bíblica, que era celebrado a cada 50 anos (Lv 25,11), considerado um ano
de graças, com distribuição do perdão. O Jubileu do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, em
Conceição do Mato Dentro, é celebrado anualmente, desde então, entre os dias 13 a 24 de
junho. Em 2022, no entanto, celebraremos 235 de manifestação de fé de inúmeros romeiros
de longe e de perto, que ali vão para agradecer as graças recebidas e pedir bênçãos para suas
diversas necessidades.
A Irmandade teve uma importante atuação na preservação da estrutura devocional
que permanece até hoje. O pároco José Pacheco Ferreira de Vasconcelos, em 1759 organiza
melhor a Irmandade, embora o livro de registros aponte que só em 1773 ela foi mais efeti-
va nas atividades. No ano de 1803 já contava com 4000 membros e nesse mesmo ano são
aprovados os estatutos; destaque-se entre eles a data de início do jubileu que seria no dia13
de junho e o encerramento no dia 24 do mesmo mês, que não poderiam faltar os sermões,
procissão e contratação de músicos. Fazia parte também a adoração ao Santíssimo nos três
dias de carnaval, que ficou em desuso em tempo posterior.
A antiga ermida, fixada num sacro monte, tornou-se pequena para tantos devotos e
é orientada a construção de novo templo, na década de 1770. Esse templo era de estilo bar-
roco e em 1773 estava bem adiantado, com duas torres e três altares. Com uma nova igreja
para abrigar a preciosa imagem do Bom Jesus, agora com uma estrutura mais resistente e
ampla, decidiu-se por adquirir uma nova imagem maior, de um metro e oitenta, de madeira.
Ela chegou em 1773, vindo de Porto, Portugal. Em 1805 ela recebeu uma nova pintura e no
século XX mais uma camada foi sobreposta. A imagem primitiva, de 80 centímetros aproxi-
madamente fora conduzida para uma capela interna do convento, anexa, ao santuário.

Figura 1: Santuário Antigo do Bom Jesus do Matosinhos

52
Figura 2: Primitiva imagem do Bom Jesus do Matosinhos

No século XX, na década de 30, a antiga estrutura física estava ruindo. Frei
Vicente de Licodia, frade capuchinho, de origem italiana idealizou o atual Santuário. A
pedra fundamental foi lançada no dia 8 de dezembro de 1931 e as obras foram incorpo-
rando o antigo templo, à frente do novo, com os fundos do antigo.
No ano de 1932, durante o Jubileu, os devotos puderam ver o encontro de dois
santuários integrados. O antigo já decadente e já ia se despedindo, enquanto que o novo
manifestava todo vigor com grandes blocos de alvenaria. Durante os tempos de obra não
houve interrupção do Jubileu.
A 19 de março de 1934 a imagem do Bom Jesus foi retirada de seu trono por
causa das obras e foi transladado em procissão para a Igreja Matriz. As visitas se torna-
ram diárias na Matriz para ver a imagem. Em 12 de maio retornou, imponente para o
novo Santuário, com conclusão das obras. Os três altares da antiga igreja foram mantidos
na nova estrutura.
A partir de 1911, D. Joaquim Silvério de Souza, então Bispo de Diamantina, já
pensava deixar a administração do Santuário aos cuidados dos padres Capuchinhos. Frei
Vicente chegou em 1916. Poucos anos, após a construção do novo Santuário, faleceu.
Seus restos mortais encontram-se no interior do templo. A permanência dos Capuchinhos
foi até o ano de 1995, quando retornou aos padres diocesanos.
A presença dos devotos, durante o jubileu, sempre foi bastante numerosa tornan-
do-se crescente com o passar dos anos. Em 1978 registrado no jornal “Voz da Conceição”
relata o quantitativo de pessoas para o jubileu e 2002 em diante, com os relatos da Folha

53
Diocesana, importante jornal regional:
Em 1978 temos a presença de 5.528 devotos, 959 barracas, com visitantes da
Bahia, Goiás, São Paulo. De Minas eram 952 barracas.
Em 2002 presença de 40.000 devotos e mais de 500 barracas.
Em 2008 são 50.000 devotos e mais de 600 barracas.
Em 2012 consta a presença de 80.000 fiéis, lembrando que a cidade de Concei-
ção em 2010, conta com pouco mais de 17.000 habitantes.
O jubileu é a maior festividade da diocese de Guanhães e da região. Há pessoas
que contam 30, 40, 50 e até 60 anos de participação ininterruptas do jubileu. Nos dois anos
da Pandemia, o Santo Jubileu fora realizado sem público, mas usando as redes sociais.
O Bom Jesus de Portugal saiu, algumas vezes em procissão, por alguns mo-
mentos como esse, ocorridos em Conceição. Ele saiu em 1596, 1644 por cheias extremas
nas cidades, em 1696 por peste mortífera, 1944 durante a Segunda Guerra Mundial, para
pedir paz ao mundo e o último registro foi em 1967 na comemoração com cinquentenário
das aparições de Nossa Senhora de Fátima.
Em Conceição do Mato Dentro, os momentos de saída da imagem do Bom Jesus
foram poucos, o primeiro foi para pedir chuva, com data não registrada, ocorrendo no sé-
culo XVII ou XIX. O segundo registro é de setembro de 1919, quando a gripe espanhola
fizera inúmeras vítimas na região. A imagem saiu para pedir a cura e que cessasse todo
malefício causado na região e no mundo. No encerramento do Jubileu de 2020, ocorrido
exclusivamente com transmissão via internet, sem presença de público, por causa da pan-
demia do coronavírus que acomete o Brasil e o mundo, a imagem do Bom Jesus saiu em
carreata pedindo cura para o mundo, agora não o povo que vai na procissão, Ele que vai
passando em frente às casas dos devotos. A imagem foi retirada do altar 101 anos depois
da última grande necessidade. Foi um momento de muita fé.

* Sacerdote da Diocese de Guanhães, Historiador, Pós Graduado em História do Brasil, Pós Graduado em Pa-
trimônio Histórico pelo ISEED- FAVED – Instituto Superior de Educação Elvira Dayrell – Faculdade do Vale
Elvira Dayrell, Curso de Missiologia e Pastoral com extensão universitária pelo CCM – Brasília em parceria
com o Instituto Berthier – RS.
** Licenciado e Bacharel em Filosofia pela UFJF, Bacharel em Teologia pelo CES/ITASA. Especialista em Fi-
losofia Moderna e Contemporânea pela UFJF. Autor dos livros: Dores de Guanhães. Manual Histórico (2008),
O Catolicismo em Dores de Guanhães. Um retrospecto Histórico (2010), Inferências Históricas sobre Dores de
Guanhães (2015) e Fazenda Cavaco. Patrimônio Dorense (2020).

54
Pioneiros pela fé
Edineia Felix*

Resumo: O objetivo deste trabalho é não deixar cair no esquecimento à memória de pes-
soas que pela fé enfrentaram muitas dificuldades para contribuir com a formação sócio
cultural da região. Com o lema de levar o evangelho a todo o mundo chegaram ao vale do
Mucuri deixando para trás a própria pátria e um estilo de vida confortável.

Palavras-chave: Recolonização do vale do Mucuri; Protestantismo; Igreja Adventista do


Sétimo dia; Imigração alemã.

A recolonização no vale do Mucuri é caracterizada não somente pela chegada


dos imigrantes nacionais e estrangeiros, mas de uma profunda e progressiva transforma-
ção sócio cultural. Mesmo sendo numericamente pouco representativos os imigrantes de
língua germânica deixaram suas marcas no processo de transformação regional.
A religião foi um instrumento fundamental não somente como fator de coesão
social e propagação da fé, mas também fator “civilizatório” dos nativos. Exemplo disso è
a fundação da cidade de Itambacuri com a clara função de atenuar os constantes ataques
indígenas às terras reocupadas.
Pouco se sabe sobre a espiritualidade das diversas tribos presentes no vale do
Mucuri antes do desbravamento da região intensificada na metade do século XIX.
Com a fundação de Philadelphia se difunde a fé do seu patronomo, o catolicis-
mo, ainda hoje, a religião com mais seguidores na cidade.
O protestantismo chega ao vale do Mucuri com os imigrantes europeus em 1856
mas a primeira igreja luterana é criada oficialmente somente alguns anos depois, sendo J.
L. Hollerbach o primeiro pastor e professor a dirigir a comunidade local.
Outras crenças numericamente menos representadas foram trazidas pelos imi-
grantes chineses, sírios, libaneses, de origem africana entre outras.
As dificuldades em levar palavras de conforto e realizar as cerimônias religiosas
como batismos, confirmações, casamentos e sepultamentos a lugares tão inóspitos fez
com que os relatos de viagens deixados pelos missionários se tornassem verdadeiras
fontes para a historiografia local.
A presença de imigrantes de língua germânica foi, sem dúvida, um fator impor-
tante para a chegada de missionários adventistas do sétimo dia, na década de 90 do século
XIX ao Mucuri.
Nascida da grande decepção dos seguidores do batista William Miller em 1844
nos Estados Unidos o movimento Adventista se expande para a Alemanha o que justifica
a presença de literatura adventista em língua inglesa e alemã, nos primórdios, o que faci-
litou a sua difusão nas colônias germânicas formadas no continente Sul Americano seja
pela língua que pela tradição protestante dos mesmos, fator facilitador da propagação da
nova fé.
O primeiro missionário adventista em território brasileiro foi Albert Stauffer que
inicia, no sul do país, as visitas missionárias aos colonos, mas o território é amplo e logo

55
se faz necessária a presença de um pastor e mais colportores, vendedores de literatura ad-
ventista, chegando sucessivamente os irmãos Berger, colportores, e os pastores Westphal,
Graf, Ehlers, Hoelze e Spies, que dividem o território. A Spies vem entregue as regiões
do Espírito Santo e Minas Gerais uma das maiores e mais difíceis a ser desbravada.
Os irmãos colportores Friedrich e Albert Berger chegam ao Brasil em 06 de
agosto 1895 vindos dos Estados Unidos. No mesmo ano se instalam no vale do Mucuri e
começam seus trabalhos em São Jacinto com a família de Eduard Thomas e vizinhos. Os
irmãos se casam com as irmãs Klauss e nos anos seguintes deixam o Mucuri e se instalam
na região sul do país.
No dia 08 de outubro de 1896 Spies parte do Rio de Janeiro em uma embarcação
rumo a Vitória no Espírito Santo onde Albert Berger o esperava. Dali prosseguiram com
um vapor até Caravelas mas o trem de passageiros que partia nas proximidades já havia
seguido viagem o que os fez esperar por 5 dias a partida do novo comboio. A viagem de
trem era precária com constantes atrasos e descarrilhamentos principalmente nas subidas,
sendo muitas vezes necessário viajar no vagão de mercadorias. As últimas 50 milhas
foram feitas a pé e a cavalo até chegarem a São Jacinto onde os recém convertidos os
esperavam ansiosos. Nessa viagem Spies faz o primeiro batismo adventista nas águas do
São Jacinto e 19 pessoas passam a compor a quinta igreja adventista da país e a primeira
no estado de Minas Gerais. Os primeiros membros eram das famílias Thomas, Klauss,
Schultz, Braun, Döehler, Hirle e Knüpfer.
Spies não poupa críticas ao descrever a região e vê com surpresa o estado de
desgraça no qual vivem os imigrantes numa terra fértil, mas, mal utilizada. Segundo ele,
os colonos dedicam pouco tempo ao cultivo de frutas, visto a crença que o consumo das
mesmas causava febre amarela, tendo como dieta básica arroz, feijão e carne das quais
grande quantidade de derivado de suínos e carne seca. Inaceitável aos olhos de Spies era
a utilização de farinha de mandioca no lugar de pães e o uso do café em detrimento aos
sucos naturais.
Os índios não passaram inobservados aos adventistas mas, visto a barreira lin-
guística, os trabalhos, missionários se concentraram com os descendentes de língua ale-
mã, para prosseguir com os brasileiros, alguns anos mais tarde, quando teve início a
publicação de literatura na língua local.
Spies não deixou desapercebido o grau de instrução dos colonos que carecia de
conhecimentos básicos o que dificultava a propagação do evangelho. Muitas vezes era
necessário retroceder no estudo da língua e da interpretação de textos para seguir com
o objetivo inicial. Era iminente a necessidade de escolas e assistência sanitária básica
aos irmäos de fé, mas não era fácil obter obreiros qualificados que pudessem se fixar em
locais tão isolados. A obra adventista estava ainda nos primórdios e a primeira escola
paroquial só foi concretizada oficialmente com a chegada de Henry Haefft em 1917.
Foram várias as viagens de Spies e a esposa Isadora à região. Em 1899 Isadora
escreve um artigo para a revista adventista norte americana descrevendo as suas perple-
xidades. A posição geográfica que propiciava o isolamento dos moradores era a base do
retrocesso dos mesmos na opinião de Isadora. A anemia era uma condição comum entre
os moradores do Mucuri que não se dedicavam ao cultivo de frutas e verduras, mas arroz
e milho. As nozes e frutas eram deixadas para os pássaros e macacos da selva e como

56
brinquedos para as crianças. Os animais eram criados soltos o que limitava o plantio de
hortas de forma sistematizada. Ou seja, faltava a infra estrutura de base para os colonos,
acesso à educação e saúde.
Friedrich Weber Spies nasceu em Filadélfia no estado da Pensilvânia no dia
29/06/1866 e faleceu em Santo André em 31/07/1935. Torna-se adventista aos 22 anos.
Casa-se com Isadora Read também norte americana, com quem tem uma única filha
Mabel Spies. Depois da sua conversão é transferido como missionário na Alemanha e
somente em 1895 chega ao Brasil, já ordenado como pastor.
Henry Haefft nascido do estado do Oregon, fluente em inglês e alemão, parte
de Nova York em companhia da mulher Rosa também do Oregon no dia 06/09/1913 e
chegam ao porto de Santos no dia 25/09 do mesmo ano. Em maio de 1917 recebe o cha-
mado para dirigir a escola paroquial já existente em São Jacinto. A primeira turma era
constituída de 29 alunos no período diurno dos quais 4 desistiram visto que a fé professa-
da pelos pais os impedia de prosseguir com os adventistas. No período noturno o número
era menor, 19 alunos que pelas dificuldades da dupla jornada, trabalho/estudos, foram
desistindo dos estudos.
Haefft foi muito além da sua missão no Mucuri, ou seja, educar e evangelizar, se
dedicou também ao ensino da agricultura, técnicas de conservação dos alimentos, educa-
ção alimentar e estabeleceu um pequeno ambulatório para o tratamento dos doentes e um
curso de técnicas básicas de saúde para 16 pessoas.
Mesmo com a saúde debilitada pela gripe espanhola não desistiu da sua missão
vindo a falecer no dia 09/07/1921, em Teófilo Otoni.
Posteriormente, outros estrangeiros percorreram as estradas do Mucuri em prol da
fé adventista. A falta de um pastor adventista residente na região até o inicio do século XX
fez com que pastores de outras áreas chegassem a Teófilo Otoni para celebrar casamentos
e batismos, eventos importantes para a vida social da comunidade. São alguns deles:
Huldreich F. Graf: nasce em 08/07/1855 na Prússia emigrou nos Estados Uni-
dos em 1869. Chega ao Brasil em outubro de 1895 com a família. Falece em Taquari – RS
no dia 04/12/1946.
Waldemar Ehlers: nasce em 17/02/1879 na Alemanha e falece em Jaraguá do
Sul em fevereiro 1929.
Herman Paul Streithorst (nome modificado no Brasil para Germano Paulo):
nasce na Prússia no dia 06/06/1889 e falece em Sumaré no dia 26/01/1979. Trabalhou
também na Bélgica e nos Estados Unidos.
K. Kaltenhauser: Nasceu em 04/03/1878 em Duderstadt, Alemanha. Foi trans-
ferido ainda jovem na África onde se casa, mas se torna viúvo depois de 4 meses e meio,
vindo a contrair as segundas núpcias em 1914 com a missionária/enfermeira Lina Barho.
Chega em 1940 em Teófilo Otoni, onde residiu por alguns anos e falece em Petrópolis,
em 05/07/1948.
Chester Clarence Schneider: nascido em 16/04/1892 nos Estados Unidos.
Chega ao Rio de Janeiro em 1922. Falece no 13/02/1956, na sua casa no Rio de Janeiro.

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Referencias Bibliograficas:
ACHTSCHIN DOS SANTOS, Marcio et al. As Gerais distantes das Minas fragmentos da História do Vale do
Mucuri. ISBN: 978-85-62925-00-9. Teófilo Otoni: Frota, 2009.
ACHTSCHIN DOS SANTOS, Marcio. A formação econômica, política, social e cultural do Vale do Mucuri.
ISBN: 978-85-908323-4-8. Teófilo Otoni: UFVJM, 2018.
BORGES, Michelson. A chegada do adventismo ao Brasil, 3° edição. ISBN: 978-85-345-2840-5. Tatuí: Casa
Publicadora Brasileira, 2020.
CULTRERA, Samuele. Una Missione fra i selvaggi del Brasile. Parma: Istituto Missioni Estere, 1923
Haefft, H. “Theophilo Ottoni (Minas)”, Revista mensal, Vol. 13 N° 4, Abril 1918, p. 7
Haefft H. “Missionaries on Their Way to Brazil”, Advent Review and Sabbath Herald, January 26; 1914 p. 11
MOLAIB, Munira. “Libaneses em Teófilo Otoni”, Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri, N°
2 Agosto 2017 p. 23 – 25.
SPIES, Isadore. “Menas Geraes, Brazil”, The Missionary Magazine, June1899 p 252 e 253.
SPIES, F. W. “A Visit to Minas Geraes, Brazil”, The Advent Review and Sabbath Herald, January, 19; 1897
p. 43
SPIES, F.W. “Learning Patience in Brazil”, The Missionary Magazine, July 1899 p. 314 a 316
SPIES, F. W. “Progress in Brazil”, The Missionary Magazine, August 1899 p. 348 e 349
Copia dos primeiros registros de membros da Igreja Adventista de alto São Jacinto, 1899.
https://encyclopedia.adventist.org página visitada no dia 31 Julho 2022.

*Médica e sócia correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Vale do Mucuri e da Academia de Letras
de Teófilo Otoni. Reside em Gênova/Itália.

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História da Diocese de Almenara
Igreja discípula e missionária a serviço do Reino de Deus,
celebrando seus 40 anos de caminhada
Pe. Cláudio Eduardo Cordeiro*
Com a colaboração de Rita Botelho e Tânia Botelho

Neste ano de 2022 a diocese de Almenara comemora seus quarenta anos. É,


portanto, para todos nós, membros desta Igreja viva, um ano de muitas comemorações.
Comemoramos a vida e a missão neste chão do Baixo Jequitinhonha. São quarenta anos
de caminhada com muita fé, esperança e lutas, sempre animados pela alegria do Evan-
gelho do qual somos anunciadores. O presente artigo se propõe resgatar elementos dessa
história, trazendo ao conhecimento do leito, fatores que foram marcantes nesse processo
de evangelização.
A diocese de Almenara está situada na região do Baixo Jequitinhonha e, na sua
criação, foi desmembrada das dioceses de Araçuaí e Teófilo Otoni. Esta região era conhe-
cida no período como “Setor do Boi”, devido à forte presença da pecuária como principal
atividade econômica.
O território da diocese compreende 18 municípios, sendo eles: Almenara, Jequi-
tinhonha, Joaíma, Monte Formoso, Fronteira dos Vales, Felizburgo, Rio do Prado, Pal-
mópolis, Rubim, Jordânia, Bandeira, Mata Verde, Divisópolis, Bandeira, Jacinto, Santo
Antônio do Jacinto, Salto da Divisa e Santa Maria do Salto.
A iniciativa da criação da diocese foi de Dom Silvestre Luís Scandian, então bis-
po da diocese de Araçuaí. A principal motivação foi a vasta extensão do território daquela
diocese, que, por causa das estradas ruins, a assistência às diversas comunidades ficava
praticamente impossibilitada.
A proposta da criação da nova diocese foi apresentada por Dom Silvestre à Nun-
ciatura Apostólica em 1978 sendo então criada oficialmente no dia 10 de maio de 1982
através da Bula Papal Quoniam omnis, do Papa João Paulo II.
O primeiro bispo nomeado para a diocese de Almenara foi Dom José Geral-
do Oliveira do Valle, permanecendo em sua condução pastoral entre os anos de 1982 a
1988. Durante o seu governo houve forte dedicação na formação de lideranças leigas que
pudessem assumir os trabalhos pastorais nas comunidades. Outra grande marca deixada
nesse período foi a criação da Cáritas Diocesana, organismo destinado à ação social.
A dimensão social ganhava destaque nesse período com a criação também da
Pastoral da Criança, a Comissão Pastoral da Terra e a articulação da CEBs (Comunidades
Eclesiais de Base). Ainda no ano de 1982 foi criada a Paróquia São Pedro Apóstolo, em
Almenara.
Uma característica desta diocese é a escassez de padres. Quando houve a divisão
da diocese de Araçuaí os únicos padres daquela diocese que ficaram em Almenara foram
Pe. Lydio Murta e Monsenhor Antônio Soares. Além desses, colaboraram no atendimento
às paróquias algumas congregações religiosas como a Congregação do Verbo Divino, em

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Jacinto, Santo Antônio do Jacinto, Rubim e Rio do Prado e a Ordem dos Frades Menores
em Jequitinhonha. Também contávamos com a presença do missionário italiano Pe. Luiz
Sandrini nas paróquias de Jordânia, Salto da Divisa e Santa Maria do Salto.
Durante a visita do Papa São João Paulo II ao Brasil, foi ordenado pelo próprio
Papa o padre Valdir Brito, que também fez parte do clero diocesano, falecendo, porém,
ainda muito jovem.
O segundo bispo da diocese de Almenara foi Dom Diogo Reesink. Ele governou
a diocese de 1889 a 1998. Ele foi nomeado para esta diocese em 02 de agosto de 1989 e
ordenado bispo em 21 de outubro do mesmo ano.
Dom Diogo nasceu na Holanda em 1934 e pela Ordem dos Frades Menores
(Franciscanos) veio como missionário para o Brasil, permanecendo até o seu falecimento
em 2019. Em 1998 foi nomeado bispo de Teófilo Otoni, onde ficou até se tornar emérito
em 2009.
As marcas principais de seu governo na diocese de Almenara foram a implan-
tação do projeto Bíblia em Comunidade (SAB – Serviço de Animação Bíblica), trazendo
diversos cursos de Bíblia em parceria com a Paulinas Editora e com o CEBI. Também
neste período foram elaboradas cartilhas de formação em fé e política e foi criado o
movimento de casais, precursor da Pastoral Familiar. A Renovação Carismática Católica
também foi trazida nesa época para a diocese.
Como vimos anteriormente, um dos desafios da diocese de Almenara foi a ca-
rência de vocações sacerdotais. Tínhamos poucos padres para muitas paróquias. O único
padre diocesano ordenado por Dom Diogo foi o padre João Amaral Rocha.
O terceiro bispo da diocese de Almenara foi Dom Hugo Maria van Steeekelem-
burg. Assim como Dom Diogo, ele também é de origem holandesa, tendo nascido em
1937. Também como Dom Diogo, ele pertencia à Ordem dos Frades Menores, vindo para
o Brasil como missionário.
Foi nomeado bispo da diocese de Almenara em 23 de julho de 1999 sendo sa-
grado bispo em 24 de setembro do mesmo ano. Permaneceu nesta diocese até se tornar
emérito no ano de 2013.
Uma das maiores realizações de Dom Hugo na diocese, foi a implantação do
projeto das Santas Missões Populares. Este projeto tinha como objetivo animar as pe-
quenas comunidades com a formação de equipes missionárias desenvolvendo diversos
trabalhos evangelizadores. Todas as comunidades da diocese foram contempladas com
esse projeto.
Dom Hugo também construiu o Centro Pastoral Irmão Amado, para abrigar as
pastorais nos encontros com menor número de pessoas e ainda finalizou a estruturação do
prédio da Cúria Diocesana.
Outra grande realização de Dom Hugo foi a instalação do Seminário Maior São
João Batista em Belo Horizonte no ano de 2006, para a preparação dos vocacionados ao sa-
cerdócio.Também instalou o propedêutico na paróquia São Pedro Apóstolo em Almenara.
Foi durante seu governo que a diocese viu florescer um grande número de vo-
cações, tanto locais como vindas de outras dioceses. Foi Dom Hugo quem ordenou os
padres Nery (2004), Newton (2004), David (2006), Aleandro (2007), Anderson (2009),
Claudio (2011) e Rafael (2013).

60
Foi também neste período que a Ordem dos Frades Menores Capuchinhos se
instalou em nossa diocese nas paróquias do Salto da Divisa e Santa Maria do Salto.
Também acolhemos a Congregação da Companhia de Maria que assumiu os cuidados do
Centro Diocesano de Pastoral.
Foi Dom Hugo quem criou em 2005 às paróquias Nossa Senhora de Fátima em
Mata Verde e Nossa Senhora da Consolação em Divisópolis, desmembrando-as das paró-
quias São João Batista e São Pedro de Almenara e no dia 08 de dezembro de 2011 criou
a paróquia Nossa Senhora D’Ajuda em Monte Formoso.
Dom Hugo iniciou a Pastoral Familiar, Vocacional e do Dízimo e realizou várias
Assembleias Diocesanas, mas a marca maior do seu episcopado na diocese de Almenara foi
a consciência missionária, de todo o povo de Deus, através das Santas Missões Populares.
Depois de 14 anos servindo a diocese de Almenara, Dom Hugo pediu sua renún-
cia ao Papa Francisco, e este acolheu o seu pedido e no dia 19 de junho de 2013 nomeou
Monsenhor José Carlos Brandão Cabral, da diocese de Limeira-SP, para a nossa Diocese.
O quarto bispo de nossa diocese é, portanto, Dom José Carlos Brandão Cabral.
Ele nasceu em 1963 e recebeu a sagração episcopal no dia 15 de setembro de 2013 assu-
mindo a diocese no dia 20 de outubro do mesmo ano.
Dom Cabral logo organizou a Gestão Econômica e Canônica na Cúria Dio-
cesana e em todas as paróquias da diocese de Almenara. Implantou um sistema digital
interligado para facilitar a administração financeira, canônica e pastoral.
Outra marca de seu governo foi a divisão da diocese em cinco regiões pastorais
chamadas de foranias para facilitar os trabalhos e ter uma melhor participação dos leigos
nos Conselhos e nas formações.
Ele também trouxe para a diocese de Almenara as Irmãs Canossianas e as en-
viou para trabalhar na Comunidade Santo Antônio da Paróquia São João Batista, em Al-
menara. E também acolheu os Pequenos Irmãos do Santíssimo Sacramento mandando-os
para ajudarem nas paróquias São Sebastião de Salto da Divisa e Nossa Senhora da Con-
ceição em Santa Maria do Salto. Enviou os Frades Menores Capuchinhos para servirem
na catedral diocesana de São João Batista na cidade de Almenara.
Durante seu governo foram ordenados os padres Gabriel e Leandro (2017) e
Regis, Sebastião e Alexandre (2020).
Em 2019, Dom Cabral criou e instalou a Paróquia Imaculada Conceição e Santo
Antônio na cidade de Palmópolis, desmembrando-a de Rio do Prado.
Em 2021, Dom Cabral acolheu as Irmãs da Congregação das Irmãs Batistinas e
as enviou para ajudar na Paróquia Nossa Senhora a do Desterro, em Jordânia.
São estas e outras tantas realizações que celebramos nestes 40 anos de existên-
cia. Somos um povo alegre, festivo, acolhedor e dinâmico. Graças a essas características
que, apesar de nossas limitações socioeconômicas que conseguimos caminhar como o
“Povo de Deus que no deserto andava”.

*Bacharel em Filosofia pelo Seminário Sagrado Coração de Jesus em Diamantina e licenciatura em Teologia
Instituto Santo Tomás de Aquino em Belo Horizonte. Pós-Graduado em Psicologia e Filosofia. Atualmente é
Coordenador Geral de Pastoral da Diocese de Almenara. É pároco na Paróquia São Pedro Apóstolo e formador
do Seminário Propedêutico em Almenara.

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Biografia de Padre Giovanni Battista Lisa
Joana Alves Louback*

RESUMO

O presente trabalho visa apresentar para a sociedade um pouco da vida e legado deixado
por um dos mais importantes missionários que já existiu em nossa região, o Padre Gio-
vanni Battista Lisa, oriundo do norte da Itália, região de Piemonte, que deixou tudo para
viver com os pobres e para os pobres, sobretudo da Zona Sul da cidade de Teófilo Otoni,
Minas Gerais. Seu legado é imensurável, pois traduz-se essencialmente na promoção do
ser humano, no combate às desigualdades socioeconômicas e no resgate da cidadania,
como mecanismo de transformação das realidades excludentes.

Palavras-chave: Sociedade, Vida, Legado, Missão, Pobres, Desigualdades, Cidadania.

1- INTRODUÇÃO
A vida do Padre Giovanni Battista Lisa, foi um exemplo de doação total no servir
aos mais pobres e excluídos da sociedade. Sua obra não se resumiu à construção de bairros
inteiros em mutirão, garantindo moradia digna para os mais necessitados ou à criação de
instituições que promoveram a organização do povo para conquista de seus direitos fun-
damentais, como formação profissional, trabalho e renda. O seu maior feito se refere à for-
mação humana das pessoas que tiveram a grata oportunidade de conviver com o mesmo e,
sobretudo, o seu testemunho vivido, com profunda coerência evangélica, unindo fé e vida,
Bíblia e realidade cotidiana. Viveu, portanto, profundamente a Teologia da Libertação e
a opção preferencial pelos pobres. Foi responsável pela formação de diversas lideranças
comunitárias e sociais em Teófilo Otoni e região, no campo e na cidade, militantes de uma
sociedade mais justa e fraterna para todos, tendo um olhar especial e de profundo amor
para com as crianças, adolescentes e jovens. Sua fé o levou a semear a semente de uma
nova sociedade, impelindo muitos, pelo seu testemunho de vida, a continuar a luta por
uma sociedade mais justa e igualitária, construída por todo cidadão e cidadã, onde, cada
um, por mais simples que seja, tem sua importância fundamental nesta construção.

2 - SEU PAÍS

A Itália, berço do catolicismo e sede do sucessor de Pedro, é um dos 50 países


do continente europeu. Pertence ao G-7 e é um dos países mais visitados do mundo, tanto
por sediar o Estado do Vaticano, como pelas suas belezas naturais e pela sua gastronomia.
Tem uma população de aproximadamente 58 milhões de habitantes.

3 - SUA ORIGEM, SUA CIDADE E REGIÃO

Padre Giovanni Battista Lisa nasceu em 17de junho de 1931, na cidade de Cerezolle

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D’Alba, Itália e faleceu em 15 de abril de 2022,com 90 anos de idade, na cidade de
Teófilo Otoni, Estado de Minas Gerais, Brasil.Teve uma origem pobre, sendo filho de
marceneiro.Foi um dos oito filhos de Thomaz Lisa e Lúcia Valle, que possuíam quatro
filhos homens e quatro mulheres. Seu pai foi prefeito da pequena cidade de Cerezolle
D’Alba por três mandatos, todos voluntários como era naquela época. Apenas um de seus
irmãos, o Carlo, ascendeu economicamente no ramo de marcenaria com a loja de móveis
chamada Mobilli Lisa. Os outros irmãos levaram uma vida de trabalhador operário. Seu
irmão mais velho, Francesco, foi levado ao campo de concentração de Auschwitz, na
segunda guerra mundial, de onde conseguiu fugir. Ele fazia parte dos partizziano, gru-
po de guerrilheiros que resistiram contra os alemães durante a segunda guerra. Seu pai
também ia ser levado juntamente com o filho mas foi tirado da fila por um amigo que o
reconheceu e o retirou do grupo.
Cerezolle D’Alba é uma pequena cidade do norte da Itália, com uma população
de cerca de mil famílias, próximo da cidade de Alba, como o distrito de Mucuri é para
Teófilo Otoni. Alba é a cidade polo da região e sede da diocese, onde Padre Giovanni fez
seus estudos como seminarista e, posteriormente, atuou como reitor do mesmo seminário.
Alba e Cerezolle D´Alba estão localizadas na região de Piemonte, norte da Itá-
lia, a qual tem Torino como a capital regional. Em Torino foi fundada a fábrica da Fiat e
em Alba foi crida a fábrica de Chocolate Ferrero, onde é produzida a saborosa Nutella e
o delicioso bombom Ferrero Roché, entre outros.

4 - SUA VOCAÇÃO

Segundo seu próprio relato, padre Giovanni dizia que sua mãe foi determinante
na sua decisão de se tornar padre porque um dia ela lhe disse, com todo carinho, que ele
tinha vocação. Em outro momento disse para que procurasse o padre na sua cidade, Cere-
zolle D’Alba. Sua mãe preparou tudo com o padre e, quando o religioso fez o importante
convite a Giovanni, não teve como não lembrar daquela afirmação da sua mãe que dizia:
sabe, meu filho, você tem vocação. E ali mesmo ele deu seu sim, definitivamente para a
entrada promissora na revolucionária missão de profeta da libertação, como todos enten-
dem ter sido tão querido Padre Giovanni.

5 - CONCÍLIO VATICANO SEGUNDO

Em Teófilo Otoni, o trabalho de Padre Giovanni, impulsionado por este fervor


de organização de base e conscientização popular, teve como inspiração o Concílio Va-
ticano II, a Teologia da Libertação, as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e o movi-
mento de educação popular de Paulo Freire.
Do Concílio Vaticano II nasce na Igreja latina americana uma nova exegese
bíblica, através da Teologia da Libertação que ilumina o fazer das igrejas locais e das
comunidades que, com uma nova chave de leitura, e formas de ler a Bíblia, vai tomando
consciência da situação de exclusão e miséria a que foi e está submetida a população,
buscando nas Comunidades Eclesiais de Base um espaço de reflexão para iluminar a vida
como um todo e assim empreender as várias formas de lutas e de combate à exclusão.
63
O povo que ia à Igreja para pedir a Deus soluções para os seus problemas, ago-
ra passa a entender que Deus o fortalece e o impulsiona para se tornar um protagonista
do seu processo de libertação, se organizando em sindicatos, nas associações de bairro,
cooperativas, mutirões para construção de moradias, promoção de direitos humanos, no
combate ao analfabetismo, na luta pela terra, no movimento justiça e paz, na Pastoral da
Juventude, na Pastoral Carcerária, Pastoral do Menor, Pastoral Operária, etc. As comu-
nidades, conscientes do seu lugar e do seu fazer, buscam continuamente compreender o
funcionamento da sociedade através de formações sistemáticas, nas mais diversas áre-
as, criando na época o Treinamento de Animadores Populares (TAP), que funcionava
mensalmente com vários temas, bem como trazendo para palestrar, assessores nacionais,
como Frei Beto, Leonardo Boff, Dom Pedro Casaldáliga, Dom Elder Câmara, Luiz Iná-
cio Lula da Silva, entre outros. Como um árduo estudo dos problemas sociais e políticos
do Brasil e fazendo-se presente junto ao povo, o ia animando a buscar saídas para os seus
problemas de forma coletiva e organizada nas várias formas de lutas já citadas.
Segundo Lenz (2012), com o Concílio Vaticano II, a Igreja sentiu a necessidade de
aproximar-se do mundo numa postura de diálogo, especialmente, dos mais pobres impulsio-
nando o povo a refletir, à luz da fé, a realidade e assim buscar formas de transformá-la.
A Teologia da Libertação propõe uma valorização da história, da cultura e da
diversidade como formas de manifestação do encontro do homem oprimido com Deus.
As raízes desta teologia encontram-se tanto num passado distante quanto num mais pró-
ximo. Muitos de seus defensores fazem referência a Bartolomé de Las Casas, um padre
espanhol que, no século XVI, defendeu os povos nativos dos conquistadores, que, muitas
vezes, nem os consideravam seres humanos. Las Casas arguiu com os reis espanhóis que
os habitantes ameríndios da América do Sul eram humanos, e principalmente, criados à
imagem de Deus, merecedores, portanto, de respeito, justiça e salvação. Bartolomé nunca
dissociou a salvação da justiça social [...]. (SILVA, 2017, p. 735).

6 - DIOCESE SEM FRONTEIRAS E OS PADRES ITALIANOS

Dentro do espírito da Igreja em Saída, provocado pelo Concilio Vaticano Se-


gundo, como propõe o Papa Francisco, o Centro Missionário da Diocese de Alba, cria o
Projeto Diocese sem Fronteiras, liderado pelo Padre Giovanni, o qual tinha entre um dos
seus objetivos enviar padres missionários para a África e América Latina. O Padre Fran-
co Monchiero foi o primeiro padre vindo da diocese de Alba para a nossa recém criada
diocese de Teófilo Otoni, em 1962. O Padre Giovanni foi o último dos padres, desta fase,
a vir para o Brasil, chegando numa sexta-feira santa de 1977. E, por razões insondáveis,
porém compreensíveis do ponto de vista da fé, ele partiu para o descanso eterno exata-
mente numa sexta-feira santa do presente ano de 2022.

7- A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO

A fundação do Partido dos Trabalhadores, de vários sindicatos, movimentos po-


pulares e comunidades eclesiais de base, a qualquer momento em que for feita a memória
histórica, o Padre Giovanni entrará como o principal protagonista.Foi um verdadeiro

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pescador de homens (e mulheres), no mais profundo sentido evangélico.
Através da sua vocação missionária demonstrou total compreensão de seu lugar
no discipulado de Jesus Cristo ao aceitar plenamente Seu chamado e envio, contido nas se-
guintes palavras: “Ide ao mundo inteiro e anunciai a Boa Nova do Reino a toda criatura”.
O Padre Giovanni foi referência para a fundação de diversas instituições em Teófilo
Otoni, como Casa Nazaré, criada pela amiga italiana Ana Maria Poggio, importante insti-
tuição de assistência social e educacional a crianças e adolescentes, na Zona Sul de Teófilo
Otoni; entidade O Ninho, conhecida como Creche Ninho ou Casa das Meninas, fundada pela
saudosa freira Irmã Zoé da Cunha Menezes, no mesmo período da APJ; AMCA - Apoio à
Mulher, à Criança e ao Adolescente, entidade muito bem cuidada pelos queridos amigos, o
casal Janice de Franz.
A partir do Concílio Vaticano II, as Conferências de Puebla e Medelin, a Teolo-
gia da Libertação marcou definitivamente o ser e o fazer do Padre Giovanni que, a partir
de seu corpo, mente e alma, fez de Teófilo Otoni uma referência de uma igreja onde a fé e
a vida caminhavam de mãos dadas, na certeza de que a Justiça e a Paz se abraçarão, como
rezam os Salmos 85 e 106.

8 - TEÓFILO OTONI E A IGREJA LIBERTADORA

A diocese de Teófilo Otoni foi apelidada pelos agentes da ditadura militar de


melancia, por ser verde por fora e vermelha por dentro, informação revelada pelo líder
comunitário popularmente conhecido por Seu Joaquin de Poté, que chegou a ser levado
por policiais, do regime militar, para ser preso em Governador Valadares, mas resgatado
juntamente com outros presos políticos pelo então bispo diocesano Dom Quirino, o pri-
meiro da diocese. Dom Quirino era considerado um Bispo avançado, do ponto de vista
das causas populares e de profundo amor a Igreja. Corajosamente resgatou das mãos dos
militares, os líderes que constantemente eram torturados ou mortos, como aconteceu com
o Sr.Tim Garrocho, um dos membros do grupo dos 11, torturado pelos militares.
As Comunidades Eclesiais de Base espalharam-se por toda a diocese, fruto des-
ta proposta de igreja libertadora, onde os olhos do povo iam se abrindo, nascendo daí o
primeiro Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Minas Gerais e os vários sindicatos das
mais variadas categorias.No vizinho município de Poté nasceram as Ligas Camponesas.
Em Teófilo Otoni surgiu a Casa dos Movimentos Populares, onde logo funcionou o Co-
mitê Popular das Associações dos Bairros. A primeira ocupação do Movimento dos Tra-
balhadores Rurais Sem Terra, MST, em Minas Gerais que, movidos pelo espírito profé-
tico do Livro do Êxodo, que diz: “Eu vi a miséria do meu povo, escutei os seus clamores
e desci para libertá-los e levá-los para uma terra onde jorra leite e mel. Através da leitura
orante da Bíblia, o povo ia se organizando, se tornando povo coletivo, rezando e lutando
para transformar a realidade. Uma igreja povo que se organiza, gente oprimida, buscando
a libertação, como diz a canção de Zé Vicente. Todo esse movimento tinha como princi-
pal liderança o Padre Giovanni.
Conforme o Livro do Êxodo, Cap. 3, 7-10 (Bíblia Sagrada):
7 Disse o Senhor: “De fato tenho visto a opressão sobre o meu povo no Egi-
to, tenho escutado o seu clamor, por causa dos seus feitores, e sei quan-

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to eles estão sofrendo. 8 Por isso desci para livrá-los das mãos dos egípícios
e tirá-los daqui para uma terra boa e vasta, onde há leite e mel com fartura: a
terra dos cananeus, dos hititas, dos amorreus, dos ferezeus, dos heveus e dos jebuseus.
9 Pois agora o clamor dos israelitas chegou a mim, e tenho visto como os egípcios os opri-
mem.10 Vá, pois, agora; eu o envio ao faraó para tirar do Egito o meu povo, os israelitas”.

9 - SEU LEGADO

Sua coerência e seu profetismo foram testemunhados até no seu testamento e no


dia da sua passagem, acontecida em 15/04/2022, Sexta-feira da Paixão, e seu sepultamen-
to no Cemitério Pindorama, símbolo da divisão de classes e exclusão social, motivo pelo
qual escolheu selar para sempre seu amor filial ao Pai e seu compromisso e comprometi-
mento comum, a vida pobre com os pobres e para os pobres.

TESTAMENTO

“Declaro que, a partir de um fato acontecido na minha vida, quando era um dia de chu-
va e eu participava do enterro de uma pobre mulher no primeiro Cemitério Pindorama,
determinei que o lugar da minha sepultura deverá ser aquele cemitério, popularmente
chamado de Pindorama. Assim declarei também ao nosso Bispo de então. Peço por favor
que o túmulo seja somente de terra sem outra ornamentação a não ser uma simples cruz
de madeira. Obrigado!
Em comunhão fraterna de oração e de coração.”
Teófilo Otoni, 11-03-2003, tempo de Quaresma, preparando a Páscoa.”
Giovanni Batista Lisa.

10- CONCLUSÃO

Em Teófilo Otoni, o Padre Giovanni deixou algumas marcas, das quais ninguém
poderá apropriar-se, esconder, silenciar ou negar:
1- A Associação Aprender Produzir Juntos - APJ, entidade, de fomento ao asso-
ciativismo, cooperativismo, economia popular solidária, educação profissional e para a
cidadania, criada por ele em 08 de julho de 1984, hoje a principal referência nas citadas
áreas, em nossa cidade e região, bem como no Estado de Minas Gerais.
2- Os bairros Vila Esperança, Taquara, São Benedito, e Paulo Freire, construídos
em mutirão, através da campanha dos 50 alqueires, na década de 80, sendo este último, fei-
to a aquisição do terreno na época e construído por meio de políticas públicas,de moradias
populares no Governo do Presidente Lula em parceria com o Governo Municipal da sau-
dosa prefeita, Maria José Haueisen Freire, que preparou o terreno já adquirido,pelo,Padre
Giovanni em nome do Comitê Popular das Associações dos Bairros.
3- A fundação do Partido dos Trabalhadores, de vários sindicatos, movimentos
populares e comunidades eclesiais de base.
4- Era um período em que a Igreja italiana começava a enfraquecer-se e, segun-
do seu relato,quando decidiu vir para o Brasil, ao comunicar ao bispo da diocese de Alba,

66
este levantou-se da sua cadeira e deu-lhe um forte abraço dizendo: te agradeço, te agrade-
ço! Então ele sai da Itália e vem fazer uma revolução que marcou profundamente nossa
cidade, nossa igreja e o nosso povo. Dá para imaginar qual seria o destino de Teófilo Otoni
sem este conjunto de entidades, sindicatos e organizações sociais que o Padre Giovanni
criou ou inspirou? Fruto desse conjunto de lutas e organizações este Município elegeu a
primeira mulher prefeita e o prefeito mais jovem de Minas Gerais. Os padres italianos
marcaram e determinaram definitivamente a vida e a história da nossa cidade e região.

Padre Giovanni vive nas lutas do seu povo!

11- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


Caderno Encantar a Política, Brasil, 2022. Conselho Nacional do Laicato do Brasil www.cnlb.org.br
Comunidades Eclesiais de Base. https://cebsdobrasil.org.br
Movimento Nacional Fé e Política. www.fepolitica.org.br
Bíblia Sagrada, Edição Pastoral, Êxodo 3, 7-10.
Bíblia Sagrada, Edição Pastoral, O Livro dos Salmos, Cap. 85 e 106.
Documentos da Igreja Católica sobre o Concílio Vaticano II, Conferências de Puebla e Medelin.

*Pós-graduada em elaboração e gestão de projetos sociais de captação de recursos, graduada em Ciências


Sociais e Psicologia.

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“Paulistas e criminosos fugidos à justiça”: a
história da Revolta do Serro do Frio, 1718 a 1720
Danilo Arnaldo Briskievicz*

No dia 14 de março de 1702 o bandeirante paulista Antônio Soares Ferreira


(c.1670-1720) descobriu as minas do Serro do Frio, elevadas à Vila do Príncipe em 1714
e capital da Comarca do Serro do Frio em 1720. O objetivo deste artigo é explicar como
este processo ocorreu, visto que parece muitas vezes como caminho natural da evolução
política da atual cidade do Serro/MG. De natural, nada houve. O que aconteceu é que
para cada passo na organização política da antiga mina de ouro serrana e seu termo ou
distrito – o que hoje chamamos do Norte de Minas – foi necessário o doloroso processo
do motim, da guerra ou da revolta. Para se tornar Vila do Príncipe em 1714 houve a
Revolta do Rio do Peixe (1711-1715). Para se tornar Comarca do Serro do Frio desmem-
brada da Comarca de Sabará outra revolta houve, envolvendo os bandeirantes paulistas
e o governo da capitania mineira, em especial, o seu governador, o conde de Assumar. A
Revolta do Serro do Frio culminou com o assassinato do descobridor das minas serranas,
o paulista Antônio Sores Ferreira e a expulsão daqueles que lutaram ao seu lado, abrindo
espaço para a ampliação do poder do governo da capitania no distrito serrano, a partir da
atuação político-administrativa dos ouvidores-gerais. Trata-se, por isso, de compreender
que a guerra aos paulistas gerou uma nova ordem no Serro do Frio centrada na autoridade
dos ouvidores, diretamente comandados pelos governadores da capitania mineira. Em
suma, da guerra se fez a comarca, da revolta se fez uma nova ordem no Brasil colonial.
No Regimento dos Superintendentes, Guarda-mores e Oficiais Deputados de
1702 está o ordenamento da Coroa portuguesa para os descobrimentos das lavras de
ouro das minas brasileiras e por isso mesmo, serranas. A Coroa portuguesa ordenava os
descobrimentos pelo regimento, mas os bandeirantes, de fato, cumpriam tudo que estava
escrito nos seus artigos? Qual a margem de negociação era dada pelos atos oficiais e a
vida desses primeiros moradores das minas serranas? O guarda-mor era o todo-poderoso
dos descobrimentos e nas minas do Serro do Frio o primado estava nas mãos de Antônio
Soares Ferreira. Nos primeiros anos, de 1702 até 1714, a função do guarda-mor era alter-
nada entre os bandeirantes descobridores. Até a criação da Vila do Príncipe quem manda-
va no Serro eram ainda os bandeirantes paulistas. Assim, o cargo de superintendente do
distrito serrano deveria ter sido dado ao descobridor das minas do Serro do Frio, o capitão
Antônio Soares Ferreira, logo após a publicação do Regimento de 1702. Não funcionou
dessa maneira.
O descobridor apenas recebeu o cargo de guarda-mor. É o que aparece nos do-
cumentos oficiais: em 14 de março de 1702 ele foi reconhecido como guarda-mor des-
cobridor das minas (Pinto, 1902, p. 939; Apm-Cc 1002.), para quem os mineradores
entregavam o quinto do ouro, recebendo sua carta de quintação, podendo circular com
ouro em pó, normalmente voltando em direção aos currais da Bahia. Em 20 de fevereiro
de 1704, ele se autointitulava guarda-mor das minas do Serro do Frio, tendo enviado
uma carta ao governador-geral do Brasil, d. Rodrigo da Costa, respondida com o mesmo

68
reconhecimento de sua função em 17 de março de 1705 (BIBLIOTECA NACIONAL,
1938, p. 352-360).No dia 19 de março de 1705 foi enviada a sua patente de capitão-mor
dos distritos do Serro do Frio e Itacambira(BIBLIOTECA NACIONAL, 1938, p. 11-12).
Interessante correspondência levada até d. Rodrigo da Costa pelo guarda-mor
Antônio Soares Ferreira dá conta das relações iniciais de poder, autoridade e privilégios
nas minas do Serro do Frio. Carta datada de 28 de janeiro de 1704 foi remetida ao go-
vernador-geral do Brasil pelo frei padre Pedro da Cruz – a quem é usado o pronome de
tratamento vossa paternidade – e que obteve a seguinte resposta, em 17 de março de 1705:

O dito capitão sendo filho de um pai, que também serviu a sua majestade, que Deus guar-
de, neste estado não pode deixar de ter todas as prendas que vossa paternidade me segura,
e assim o tem mostrado, no desinteresse, e ativos brios com que se emprega no serviço do
dito Senhor, e arrecadação de sua Real Fazenda, e bem temporal e espiritual desse povo,
com o que, da eleição que nele fiz, não só aceito agradecimento que vossa paternidade
me dá, mas também espero se me deem os parabéns dela, como se me devem, pelo sin-
gular gosto que tenho de tão grande acerto(BIBLIOTECA NACIONAL, 1938, p. 9-10).

Destacamos um trecho da carta de Soares Ferreira ao governador-geral d. Ro-


drigo da Costa, escrita no dia 20 de fevereiro de 1705, respondida oficialmente em 17
de março de 1705. Nela aparece que a provisão de guarda-mor foi dada pelo governa-
dor na Bahia, com autorização da Coroa portuguesa. Além disso, revela-se o privilégio
familiar dos bandeirantes: o pai do descobridor das minas do Serro do Frio de mesmo
nome, já tinha feito sua fama na extinção dos gentios, ou seja, no aprisionamento, es-
cravização e dizimação das aldeias indígenas nos sertões brasileiros, ao norte de São
Paulo. A carta possui aspecto comemorativo pelos descobrimentos do ouro, deixando
o bandeirante todos os seus outros interesses, ou seja, a sua propriedade rural no Vale
do Paraíba:

Estimo muito estar vossa mercê entregue da provisão, que lhe remeti, de guarda-mor desses
seus descobrimentos, e de posse do dito cargo, sem contradição de pessoa alguma, antes me
consta, ser com grande gosto, e satisfação desse povo, o que não posso duvidar, assim pelo
grande zelo que vossa mercê mostra no serviço de sua majestade, que Deus guarde, como
por filho de um pai tão digno de sua real grandeza, o que bem testemunha este estado, e ca-
pitania respeito da grande parte que teve na extinção do gentio, que a inficionava, e assim
espero, ver em vossa mercê logradas aquelas mercês, que o dito senhor lhe deve fazer, pois
com tanto trabalho e despesa de sua fazenda se expôs a lhe fazer este tão grande serviço,
só por aumentar a do mesmo Senhor, de que lhe hão de resultar tão lucrosos aumentos; e
pelo que me toca a mim nesta parte, dou a vossa mercê, quanto me é possível, e posso, os
agradecimentos, e parabéns, do bem que tem obrado, deixando todos os mais interesses, só
afim de conseguir estes descobrimentos (BIBLIOTECA NACIONAL, 1938,p. 352-353).

O último lançamento que se tem notícia em livros oficiais da Fazenda Real


relativo ao descobridor das minas serranas se deu no 27 de setembro de 1712. Na opor-
tunidade, foi lavrado um termo de entrega em receita viva, ou seja, em ouro em pó, ao
provedor dos quintos reais, o capitão Manuel Rodrigues da Fontoura, por conta da au-
sência do tesoureiro Manuel Gonçalves de Souza, a quantia de 403 oitavas “que devia
de quintos a sua majestade que Deus guarde pelas haver recebido de várias pessoas, que
tinham quintado no tempo, que ele guarda digo que ele era guarda-mor nestas Minas do
69
Serro do Frio, como consta dos termos do livro que com ele servia, e por estar entregue
da dita quantia fiz este termo em que assinou o dito provedor” (ARQUIVO PÚBLICO
MINEIRO, CC-1005).

***

A Revolta do Serro do Frio aconteceu no período de 1718 a 1720 e colocou em


combate e disputa de interesses, o descobridor das minas do Serro do Frio Antônio Soares
Ferreira e seus camaradas paulistas dos achados das minas do Serro do Frio, especial-
mente Manuel Rodrigues Arzão e João Soares Ferreira.
Se por um lado, para que houvesse a criação da Vila do Príncipe em 1714 hou-
ve a Revolta do Rio do Peixe (1711-1715) colocando em disputa armada o grupo do
superintendente do distrito das minas serranas Manuel Rodrigues Arzão e outro grupo
do paulista Geraldo Domingues, ambos “homens bons” e opulentados mineradores, por
conta da primazia e distribuição das lavras para a Coroa portuguesa, por outro lado foi
necessário a Revolta do Serro do Frio para que se oficializasse a criação da Comarca do
Serro do Frio.
A Revolta do Rio do Peixe promoveu nas minas do Serro do Frio a passagem da
ordem política do Regimento dos Superintendentes e Guarda-mores de 1702, para a lógi-
ca das Ordenações. Das minas serranas surgiu o concelho administrativo formando uma
nova organização política no distrito e seu termo. Da mesma forma, para que se efetivas-
se a lógica de criação da Comarca do Serro do Frio para administração da justiça ao norte
da Capitania de São Paulo e Minas do Ouro (1709-1720) – o que de certa forma acelerou
o processo de separação da capitania paulista da mineira, com a criação das Minas Ge-
rais – houve necessidade de uma guerra no território serrano para que fosse declarada a
criação da nova Comarca do Serro do Frio, derivada da divisão territorial da Comarca
de Sabará. Uma vila nova para criar um concelho e dar poder aos “homens bons” extin-
guindo a autoridade dos descobridores. Da mesma forma, criou-se uma comarca nova
para ampliar o poder dos ouvidores ou corregedores-gerais no antigo território dominado
pelos descobridores paulistas. Os ouvidores serranos obedeciam diretamente ao governo
da nova capitania e às ordens da Coroa portuguesa, tornando-se os olhos e a voz dos go-
vernadores da capitania mineira o distrito serrano.
Dessa maneira, Antônio Soares Ferreira, ao descobrir as minas do Serro do Frio
fez o serviço sujo da colonização, que incluía a tensa repartição inicial das lavras com
pintas de ouro, alvo de disputas entre os próprios bandeirantes e os arrematadores que
chegavam posteriormente com seus direitos garantidos por número de escravos em seu
plantel. Ele impôs uma certa ordem e organização nas minas serranas e seu distrito. Ele
distribuiu as lavras para si mesmo por conta do primado garantido pelo Regimento de
1702 e repartiu outras tantas lavras para a Coroa portuguesa, garantindo sua rentabilidade
(pelo menos até a Revolta do Rio do Peixe e a criação da Vila do Príncipe em 1714). Ele
ordenou a cobrança dos quintos do ouro dando autoridade ao procurador da Fazenda Real
desde 1702 e comandou a exploração inicial das minas serranas da forma conhecida pelos
bandeirantes, ou seja, com ampliação de sua própria autoridade e de seus camaradas com
cartas de provisão e novas patentes, expedidas pelo governo-geral do Brasil com sede em

70
Salvador, na Bahia.
Depois da organização das minas do Serro do Frio, como era de costume, o
descobridor Antônio Soares Ferreira, ou para ser exato, o colonizador do Serro do Frio
onde surgiu o concelho da Vila do Príncipe, passou para outro lugar, à procura de novas
primazias. Após as tensões e motins que originaram a criação da Vila do Príncipe, foi o
ano de 1720 o auge das tensões locais que deram origem – ou justificaram para a Coroa
portuguesa – como era intenção do governo do conde de Assumar, a criação de uma co-
marca nova, com seu novo ouvidor, submisso ao governo da capitania. Assim, “tornara-se
imprescindível a criação de novas comarcas amputadas a Sabará”. Para Morais (1942, p.
32), “os ouvidores, autoridades máximas nas Comarcas, representantes direitos da Coroa
Portuguesa, absorviam, a um só tempo, várias incumbências: Ouvidor Geral, Provedor de
Defuntos, Ausentes e Resíduos, Capelas e da Fazenda Real, Corregedor supremo em toda
a Comarca e Intendente da Real Fundição. O Ouvidor do Serro Frio exercia jurisdição
ordinária, civil e criminal em seu distrito, por bem do regimento dos ouvidores do Rio
de Janeiro”. Além disso, o ouvidor podia constituir o corpo administrativo com seus fun-
cionários nomeados por provisões e patentes, garantindo novos cargos para os “homens
bons” do distrito serrano. Essa era a troca mais importante: com a chegada de uma nova
ordem em 1714 com a Vila do Príncipe e com a criação da Comarca do Serro do Frio
em 1720 o conde de Assumar angariou o respeito dos “homens bons” interessados na
distribuição das novas mercês. Os bandeirantes perderam sua notoriedade para os oficiais
do Senado da Câmara, os ouvidores e seus funcionários. A antiga ordem bandeirante do
Regimento de 1702 deu lugar ao novo corpo político das Ordenações.
A cronologia dos fatos da Revolta do Serro do Frio parece, por vezes, estar caó-
tica. Isso se deve ao fato da demora de chegada das notícias, através das cartas oficiais e
suas repercussões. É preciso atentar-se ao fundo da questão: o conde Assumar queria im-
plantar uma nova comarca com capital na Vila do Príncipe par reordenar definitivamente
o distrito de cabo a rabo, ou seja, em sua totalidade. Para fazer esta mudança radical era
necessário tirar os bandeirantes de cena com ardilosos processos de culpabilização de
usurpação. É preciso lembrar que no ano de 1720, em Vila Rica, os questionamentos da
autoridade do conde de Assumar levaram à Revolta de Filipe dos Santos. No distrito ser-
rano o opositor do conde de Assumar foi o descobridor serrano Antônio Soares Ferreira e
o grupo que fizera a colonização do distrito serrano. Tirar os antigos mandatários, colocar
novos chefes locais, esta era a intenção de Assumar neste contexto.
Em resumo, a Revolta do Serro do Frio pode ser contada assim: o descobri-
dor das minas do Serro do Frio, Antônio Soares Ferreira, mudou-se, em busca de novos
descobrimentos para as proximidades do arraial de Conceição do Mato Dentro, para ser
exato, no morro que levava seu nome. Neste lugar, depois de uma disputa com o conde
de Assumar por poder e autoridade locais e troca de acusações, acabou assassinado em
1720, com uma guerra entre os seus defensores e a comitiva do coronel José Borges Pin-
to, destacado para levar vivo ou morto o bandeirante paulista. Tudo foi orquestrado pelo
governador da Capitania de São Paulo e Minas do Ouro, d. Pedro Miguel de Almeida
Portugal, o conde de Assumar que viu seu opositor assassinado ao tentar fugir da ordem
de prisão por desobediência às ordens de abandonar aquelas minas. “Rei morto, rei pos-
to”. Bandeirante morto, comarca nova criada.
71
O conde de Assumar foi governador da Capitania de São Paulo e Minas do Ouro
entre 14 de setembro de 1717 a 4 de setembro de 1721. Seu governo teve como funda-
mento o gesto pedagógico da violência, especialmente reconhecido pelos historiadores
no desfecho da Revolta de Vila Rica, em 1720, quando usou da dissimulação e da mentira
para negociar o conflito em torno da arrecadação dos impostos pela construção das casas
de fundição em território mineiro. Ele mandou enforcar e esquartejar o corpo de Filipe
dos Santos, homem pobre (que, segundo possuía o dom da oratória, ou seja, era capaz de
usar o discurso para mobilizar seus pares, sendo muito querido pelo povo. O assassinato
do guarda-mor descobridor das minas do Serro do Frio Antônio Soares Ferreira antecede
à morte de Filipe dos Santos, demonstrando como o governo do conde de Assumar não
estava para brincadeira: seu fundamento era a violência, gesto pedagógico que demonstra
a fraca relação de poder e de autoridade metropolitana em território mineiro e a sua inca-
pacidade – ou desprezo absoluto – em criar mecanismos de diálogo com o corpo político
colonial. Talvez por isso, os Senados da Câmara tenham se tornado uma instituição ambí-
gua em alguns casos: se por um lado negociavam com o governo da Capitania, do Brasil
ou de Portugal, ajustando medidas, em função da república, por outro, acabavam por
denunciar os desvios de conduta – a desobediência civil – e tomavam as providências, no
sentido de manter o ordenamento, em benefício do governo metropolitano. Um jogo de
poder complexo, com relações micromoleculares de poder, baseadas em acordos, interes-
ses difusos, narrativas múltiplas e por vezes desencontradas. Isso fica claro na narrativa
da revolta de Vila Rica – ou a justificativa do assassinato de Filipe dos Santos – escrita
por jesuítas com auxílio do conde de Assumar, em 1720:

Explicarei brevemente o modo com que neste país se formam os motins, e o com que o
povo neles entra. Estes jamais se fazem, senão pela meia-noite, no maior silêncio dela;
e esta é bastante prova de que o povo, nem agora, nem nas sublevações passadas cui-
dou nunca em levantar-se, ainda que, depois de excitados à força pelos cabeças, parece
que por seu gosto sustenta o tumulto, tal é a natureza do vulgo, que para se alegrar
e folgar com seu próprio mal, basta ser novidade e sem razão, porque tem por hom-
bridade e capricho, seguir tudo o que vem contra a razão, contra a piedade e contra o
agradecimento [...] Começa-se ordinariamente a formar o motim por seis ou sete mas-
carados, a que acompanham trinta ou quarenta negros armados, dos quais a uns fazem
ocupar as bocas das ruas, a outros mandam ir batendo, e onde logo não se abre, arrom-
bam as portas dos moradores, que, como pela maior parte sejam térreas, limitadas e
de pouca resistência, qualquer empuxão as tira de seus eixos. Correndo assim as ruas,
e gritando – Viva o povo, senão morra! – os moradores, por não experimentarem na-
quele repente alguma violência na fazenda ou na vida, vão dando passos em seu dano,
como rebanhos de ovelhas, após os mesmos lobos que as devoram. Depois de terem
alarmado o povo, que ainda ignora o para que é semelhante ajuntamento, levanta-se
um mascarado, e começa a dizer em voz alta: Meu povo, quereis que façamos isto ou
aquilo? E se todos não dizem que sim, os negros armados ou ferem, ou matam alguns
dos que lhes ficam mais à mão; até que os outros, por não caírem em igual desgraça,
convêm no que dizem os máscaras (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 1994, p. 84-85).

Vejamos, então, a dinâmica da Revolta do Serro do Frio, seus motivos, o de-


senvolvimento da disputa e seu fim, com as consequências práticas do motim. O conde
de Assumar considerou que o bandeirante paulista, Antônio Soares Ferreira usurpara as
datas de ouro pertencentes à Coroa portuguesa no Mato Dentro. Isso, de fato, era um

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crime grave, pois a providência estava prevista no Regimento de 1702. Contudo, ao que
parece, não era bem esse o motivo. A dissimulação do conde de Assumar era bastante
conhecida e ele era hábil em criar situações para defender seus interesses e não permitir
questionamentos de sua autoridade. Segundo Franco (1989, p. 162), um hipócrita: “o
conde de Assumar, em carta de Vila Rica de 6 de agosto de 1720, dirigida ao coronel
Borges, lamentava hipocritamente o fato”.
Analisando os documentos, fica claro que a queixa do governador em relação às
lavras de ouro do bandeirante paulista, baseava-se na necessária lucratividade para a Co-
roa portuguesa, da qual fazia-se defensor dos interesses. Assim, essas datas dariam me-
nor rendimento do que o necessário ou se equiparariam com as datas de cobre, de valor
bastante reduzido naquele contexto. Esse é o motivo que aparece na primeira ordem de
proibição das lavras, expedida em 10 de dezembro de 1718 (REVISTA DO ARQUIVO
PÚBLICO MINEIRO, 1933, p. 512), completada com outra ordem ao mestre-de-campo
Jerônimo Pereira da Afonseca para que não mais permitisse qualquer pessoa de minerar
nas terras, por ser o rendimento inferior às minas de cobre. Isso incluía os escravos de
Manuel Corrêa Arzão. Três dias depois, em 13 de dezembro, a situação já havia mudado
completamente, pois o mesmo governador conde de Assumar mandou uma carta a An-
tônio Soares Ferreira declarando que após segunda pesquisa sobre o ouro de sua lavra
autorizava a exploração, confirmando que o mesmo não teria usurpado as terras da Coroa
portuguesa.
A questão girava até então em torno do rendimento das lavras de ouro, não de
sua divisão correta, com a previsão das terras da Coroa portuguesa aparentemente tendo
sido realizadas e arrematadas como de costume, em conformidade com o Regimento de
1702. No mesmo dia 13 de dezembro, o conde de Assumar mandou o mestre-de-campo
autorizar a exploração das lavras do paulista descobridor das minas do Serro do Frio, por
terem o mesmo rendimento que as de Pitangui.
Parece que o conde de Assumar, disposto a comprovar sua autoridade nas
minas gerais, questionada na Vila Rica com sedição liderada por Filipe dos Santos
(28/06/1720) aproveitou-se do clima de revanchismo e desautorizações de seu governo
nas minas gerais, provindos de vários lugares e por diversas lideranças locais, e aca-
bou por decretar a prisão de Antônio Soares Ferreira. Não havia motivo para mandar
prendê-lo, exceto aquele de mostrar-se mais poderoso que o governador no distrito
serrano das minas.
Mandou prender o bandeirante paulista por capricho ou proteção de seu cargo?
Tratou-se de uma ação impensada ou o uso clássico da razão instrumental na governa-
mentalidade? Fato é que no mesmo ano da morte de Filipe dos Santos na Vila Rica foi
também assassinado o descobridor das minas serranas, praticamente ao mesmo tempo,
em lugares diferentes. A aversão do Conde de Assumar pelos sertanistas paulistas ou
súditos desobedientes que por algum motivo questionavam sua autoridade fica evidente
na sua carta escrita no dia 10 de dezembro de 1717 ao rei de Portugal, em que solicitava
a criação das justiças na Vila do Príncipe, ou seja, a criação do cargo de ouvidor-geral
com uma nova comarca nas Minas Gerais. A resposta de D. João V foi a seguinte, no dia
10 de setembro de 1718:

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Dom João por graça de Deus rei de Portugal e dos Algarves [...] faço saber a vós dom
Pedro de Almeida, Conde de Assumar, governador da Capitania General da Capitania de
São Paulo e terras das Minas que se viu a vossa carta de dez de dezembro do ano passado
em que dais conta de que nos sertões desse governo há uma vila de que chamam do Prín-
cipe na Serra do Frio distante oito ou dez dias da Vila do Sabará a qual se há povoando
de paulistas e criminosos fugidos à justiça e como no tal sítio se hão descobrindo novas
minas mui abundantes, seria conveniente nomear-se para ele um ouvidor por que ainda
que no princípio lhe não fosse fácil o administrar justiça livremente pouco a pouco se
costumariam os moradores a recorrerem à justiça como tinha sucedido nas mais ouvido-
rias, e que além destas razões convinha haver o tal ministro na dita vila, assim por terem
os habitadores dela mais perto ministro a quem recorressem, como para ter cuidado nos
quintos em que a experiência mostrava tanta dificuldade na cobrança pela distância em
que se achava e que dando-se-lhe boa ordem no princípio poderiam ter grande acréscimo
os quintos por serem as tais minas muito abundantes de ouro, e sem este remédio muita
dificuldade depois a tirá-las do mau costume em que se achavam na posse de os não
pagar faltando os meios de os obrigar a força e assim vos parecia que criando-se o dito
ouvidor fosse tal ministro em que concorresse além das mais partes a do bom modo para
suavemente estabelecer e conservar com os moradores por ser a experiência certa que
melhor aceitos são os ministros que com a docilidade administram justiça que os que
com o rigor das leis a querem executar. E pareceu [...] que visto vos ter concedido doze
mil cruzados pela ocasião das jornadas e visitar que haveis de fazer nas terras do vosso
governo vades no tempo que for mais oportuno ao dito distrito com o ouvidor-geral mais
vizinho que se entende deve ser o da sua comarca, instituais juiz ordinário e vereadores
das pessoas de mais confiança e prudência úteis para este ministro, e o tal ouvidor com
toda a suavidade procurar unir aos demais moradores a boa forma da república e obe-
diência às leis, regimentos e ordens minhas, e no caso que se aumente esta povoação
e poderia então criar o lugar de ouvidor como apontais. El rei nosso senhor mandou
por João Telles da Silva [...] (ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO, SC-04, fl. 184-187).

A ligação estreita entre os adjetivos “paulistas” e “criminosos” parece explicitar


os motivos pelos quais havia uma oposição do Conde de Assumar aos primeiros serta-
nistas das minas do Serro do Frio. A aversão dos governadores de capitanias a terem que
tratar diretamente com os bandeirantes contrasta com a chamada “tradição paulista” evo-
cada por Paiva (2016b, p. 111-170) para explicar como o pertencimento hereditário ou
político/civil (vínculos sociais e identitários) à herança ou legado desses “homens bons”
– muitos integrados à nobreza da terra – auxiliava na conquista de privilégios reais no
sistema das mercês, como foi o caso de sertanistas na segunda metade do século XVIII.
O autor defende que “a conexão com a geração heroica dos primeiros descobridores”
(p. 111) auxiliava os novos sertanistas a se apresentarem aptos para privilégios reais em
documentos oficiais. É a continuidade do gesto pedagógico colonial dos descobrimentos
pela via da filiação política ou hereditária, que gerou muitas uniões matrimoniais para
que os filhos e parentes continuassem a desfrutar dessas benesses da pretensa boa quali-
dade das famílias e de seus antepassados.
Depois da Revolta do Rio do Peixe e a criação da Vila do Príncipe como remédio
político imediato (em que o sertanista Geraldo Domingues fora também pacificado), a mo-
vimentação de Antônio Soares Ferreira livremente pelas minas serranas não se sujeitando
à administração do Concelho da vila, estava com os dias contados. O Conde de Assumar
praticava uma razão de estado diversa daquela que guiou os bandeirantes para as minas do
Serro do Frio. Agora, com o crescimento urbano esperava-se o sossego republicano pelas

74
vias da aplicação da justiça imediatamente, sob o olhar atento do ouvidor-geral.
Importante é o papel do chamado regalismo como razão de estado e doutrina
para a administração ou governamentalidade de d. João V de 1706 a 1750. O Conde de
Assumar era um dos defensores dessa postura de sossegamento da república ou da pre-
sença massiva dos mecanismos de ordenamento social diante dos olhos dos súditos. Os
procedimentos disciplinares da governamentalidade portuguesa da última etapa do An-
tigo Regime português reverberou no gesto pedagógico colonial da organização política
brasileira, mineira e serrana.
De simples arraial de lavras de ouro, as minas do Serro do Frio rapidamente
se transformaram em território fundamental para a colonização do vale do Jequitinho-
nha, dos caminhos gerais da Serra do Espinhaço e dos caminhos da Bahia na Serra de
Itacambira, e já no século XVIII previa-se expansão para o vale do rio Doce. Paróquia
com vigário encomendado em 1713, a Vila do Príncipe instalou seu Senado da Câmara
em 1714, abrigando a capital da Comarca do Serro do Frio em 1720, recebendo o título
de paróquia colada em 1724 com a nomeação do vigário Simão Pacheco (o mais bem
remunerado da capitania mineira do século XVIII) e recebeu a destinação da Real casa
de Fundição em 1750. A história da vila serrana com tantos “homens bons” em sua sede,
espalhando-se pelos diversos povoados e arraias, com constante trânsito interprovincial
e intercontinental não poderia passar despercebida no cenário político do século XVIII
quando o tema é o regalismo.
Ao mesmo tempo em que o regalismo se capilarizava nas minas do Serro do
Frio – títulos da organização do povoado em expansão, arraial, vila e a pleiteada capital
da comarca pelo Conde de Assumar desde 1717 – criava-se a modernidade política em
que se deve dizer de tudo, de tudo falar publicamente (para vários historiadores a época
moderna inicia-se em 1789 apenas, mas consideramos que seus fundamentos são arti-
culados em transição anterior, no Antigo Regime). A insistência do Conde de Assumar
em colocar um ouvidor-geral na Vila do Príncipe pode ser justificada pelo próprio nome
do magistrado: um ouvidor é quem escuta as queixas dos habitadores para promover a
justiça a quem tira o sossego da república; um ouvidor é também um corregedor, um
magistrado especializado em disciplinar os habitadores ou súditos pelo cumprimento dos
regimentos e ordens da Coroa portuguesa. Por trás do regalismo há duas virtudes pró-
prias do Antigo Regime, a honra e a cumplicidade que de certa forma sedimentavam as
alianças entre a Coroa portuguesa e seus magistrados e os “homens bons” (RAMINELLI,
2016, p. 2).
A resposta de d. João V foi para não criar a comarca serrana no ano de 1718.
Em dois anos, ou seja, em 1720, sua mentalidade mudou e ele resolveu dividir o territó-
rio brasileiro criando a capitania de Minas Gerais separada da de São Paulo e criando a
Comarca do Serro do Frio, desmembrando a justiça das Minas Gerais, aproximando os
“homens bons” serranos do regalismo português.
O conde de Assumar não desistiu de criar a comarca serrana. O que nos interessa
agora é mostrar outra carta do governador, estabelecido em Minas Gerais, em que ele trata
do problema dos desobedientes, especialmente os “paulistas” e “criminosos”. Ele descre-
ve sua visão política do descobridor das minas do Serro do Frio, Antônio Soares Ferreira.
O governador temia como ninguém a desagregação da obediência popular pela presença e
75
conluios entre os “homens bons” do descobrimento. A carta é longa, por isso vamos des-
tacar alguns trechos que nos mostram diretamente o ponto que nos interessa analisar nesse
momento: as motivações para o assassinato do bandeirante paulista Soares Ferreira.
Em primeiro lugar, a data da carta, 30 de maio de 1720 (em resposta a outra
carta do dia 10 de setembro de 1718), posterior à expedição oficial que culminou com
o assassinato de Soares Ferreira, carta esta contemporânea da tomada dos terrenos do
bandeirante paulista em Conceição do Mato Dentro, em que o governador já havia auto-
rizado a expedição do sertanista José Borges Pinto para prendê-lo. O processo de criação
da comarca do Serro do Frio coincidiu inteiramente com as providências para acabar com
a autoridade de Soares Ferreira nas minas serranas.
Vejamos: no dia 17 de fevereiro de 1720 foi expedida a ordem régia, comuni-
cando ao Conde de Assumar, “que se mandou criar ouvidor para a Vila do Príncipe do
Serro do Frio, com o mesmo ordenado que têm os mais ouvidores gerais das comarcas de
Minas Gerais, o qual lhe será pago em moeda, e não em oitavas, como está disposto” (BI-
BLIOTECA NACIONAL DE PORTUGAL, Doc. 76, 17/02/1720); no dia 21 de fevereiro
de 1720 foi enviada uma carta, “na qual se declara que se tem resoluto criar-se um novo
governo em São Paulo, separado do de Minas, e que para se evitar a disputa entre os con-
fins das Minas Gerais com o governo do Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco, tomasse
ele, governador conde de Assumar, as informações necessárias sobre este particular, dan-
do conta do que se assentar com o seu parecer, e se puder, tomar a resolução que for mais
conveniente” (BIBLIOTECA NACIONAL DE PORTUGAL, Doc. 76, 21/02/1720); no
dia 16 de março de 1720, foi enviada uma ordem “na qual se declara ao governador de
Minas Gerais que se mandou criar o lugar de ouvidor-geral da Vila do Príncipe e prover
nele ao bacharel Antônio Rodrigues Banha, e que vença o ordenado de quinhentos mil
réis como os mais ouvidores de Minas Gerais, e que estes lhe sejam pagos em moeda
e não em oitavas”(BIBLIOTECA NACIONAL DE PORTUGAL, Doc. 77, Cód. 1612,
16/03/1720).
Em segundo lugar, a carta é tardia em relação às ordens régias de criação da
comarca, por causa do tempo necessário de envio de Lisboa para a Vila Rica. D. João V
já havia decidido pela criação da comarca serrana. Por isso, a carta relata o contexto do
Conde de Assumar: expedição nas minas serranas e os problemas da sedição da Vila Rica,
liderada por Filipe dos Santos; esse anacronismo permite entender o que se passava no
governo do Conde de Assumar, ou seja, focos de desobediência civil na capital mineira e
na Vila do Príncipe; o governador afirmou que o impedimento de uma ouvidoria serrana
daria o benefícios aos criminosos, “fiados em que a distância que os constitui senhores
de suas ações os isente dos castigos justamente devido aos seus procedimentos vindo por
este respeito a ser aquele distrito um como asilo de inumeráveis malfeitores por que o
Cerro onde mais se avizinha a Vila Real do Sabará e Rio das Velhas, cabeça da comarca,
são cento e dez dias de violentas marchas e sempre por passos trabalhosos” (ARQUIVO
PÚBLICO MINEIRO, SC-04, fl. 807). O Conde de Assumar gostaria de magistrados
para coibir a ação dos criminosos pela presença física de um ouvidor-geral.
Em terceiro lugar, a visão do Conde de Assumar das minas do Serro do Frio era
semelhante a um território sem lei, destituído de qualquer controle dos magistrados da
Coroa portuguesa. Ele afirmou que “é Cerro cemitério de tanta fazenda alheia e centro de

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tanto assassino quantos são os seus habitadores, por que toda aquele aquém ou o delito ou
a dívida sustar e põe em cuidado por não andar com mais receios” (Apm-Sc 04, fl. 808) os
cobradores do governo. Um lugar de excessos e desmandos. Veja bem que o governador
está se dirigindo ao rei português, tentando persuadi-lo de que ele, o governador, está em
campanha de moralização do gesto pedagógico colonial, ou seja, está tentando implantar
o império da lei segundo os regimentos da Coroa portuguesa. Sem saber da aprovação da
criação da comarca, o governador continua seus apontamentos contra os habitadores cri-
minosos, aqueles que descaminham os rendimentos dos quintos através do contrabando e
não pagam suas obrigações para com a Coroa portuguesa.
Em quarto lugar, agora, sim, o governador parece justificar sua ação que cul-
minou com a morte do paulista Antônio Soares Ferreira. Seu objetivo é informar ao rei
dos desmandos do antigo descobridor, considerado o líder dos revoltosos, por quem se
deixava proteger a fim de não cumprir com suas obrigações com a Coroa portuguesa. A
acusação era de que o bandeirante paulista usurpava as minas, ou seja, não pagava as
obrigações do quinto do ouro e desviava os rendimentos. Assim, o Conde de Assumar
afirmou que:

Ainda não param aqui os danos que experimenta a Fazenda Real também o tem não
pequeno em que os mais poderosos se apressam e apropriam de muitas terras minerais
onde a pinta é maior e só elas lavram tirando a vossa majestade a conveniência que
há em lavrassem muitos naquelas partes em que ouro mais cinge e se extrai com mais
abundância e facilidade e baste por todos Antônio Soares Ferreira o qual ordenando-lhe
eu o ano passado que em permitação de outras me mandasse duas libras de ouro do seu
morro para remeter a vossa majestade segundo a sua ordem que por queixas da Bahia
e Rio de Jaeiro a pedia para dele se fazer exame e advertido segunda vez não só não
remeteu o ouro, mas nem resposta me tornou, porque está certo que ao longe encontram
mandá-lo como ele merecia atacar, e tão despótico se conserva que nas Mato Dentro
da que ele território se tem levantado com o tal morro que notoriamente é grandioso
e dilatado com pinta visto e descoberto por todo ele não consentindo que outra pessoa
alguma lavre e cate no dito morro assim como os anos passados o havia feito Domingos
da Silva Monteiro no morro chamado de Antonio Dias sobranceiro ao Ouro Preto, o qual
livre e franqueado depois com o levante contra os paulistas ele só tem largamente dado a
quinta parte do ouro que há saido de todas estas minas e ainda hoje trabalham e mineram
nele o melhor de quatro mil negros podendo outros tantos lavrar no morro que ocupa e
defende o dito Antonio Soares (ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO, SC-01, fl. 810-811).

Pronto, a acusação de usurpação das minas de ouro pertencentes à Coroa portu-


guesa estava formalizada de maneira discreta, incluída numa petição tardia para criação
da comarca serrana a fim de tirar o poder dos desobedientes.
Outros documentos relatam a dinâmica da vingança do Conde de Assumar
por seu desafeto serrano: no dia 04 de maio de 1720, expediu ordem ao coronel José
Borges Pinto “para ir ao Mato Dentro e prender o capitão-mor Antônio Soares Ferreira
e trazê-lo à sua presença para ser castigado” (REVISTA DO ARQUIVO PÚBLICO
MINEIRO, 1933, p. 668), conforme se lê a seguir:

Para o coronel José Borges Pinto - Vossa mercê é única pessoa a quem neste gover-
no tenho encomendado as diligências mais dificultosas que tem havido por enten-
der que ninguém daria delas melhor satisfação, e porque o conhecido valor de vos-

77
sa mercê e o zelo do serviço de sua majestade fazem que eu tenha sempre os olhos
nele para as ocasiões de empenho, por isso agora fiz só da pessoa de vossa mercê e
de ninguém mais a prisão do capitão-mor Antonio Soares Ferreira morador em Mato
Dentro por ser assim conveniente ao real serviço, e veja vossa mercê o como dispõe
esta prisão para que eu não suceda, como a de Manuel Rodrigues Soares, mas espe-
ro que use vossa mercê da mesma astúcia que usou na prisão do falcão dispondo-se
dela com sorte e com tanto segredo que senão suponha que por hora eu tal lhe mandei,
e possa colher os negros de Manuel Correa Arzão na lavra desarmados para que lhe
não façam a vossa mercê alguma oposição, e dando vossa mercê disto boa satisfação
lhe empenho a minha palavra de fazer com sua majestade todos os esforços possíveis
para que lhe dê o prêmio correspondente a este serviço e aos demais, e além disto ex-
perimentará vossa mercê em mim um agradecimento mui sincero naquilo que vossa
mercê mais deseja [...] (ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO, SC-09, Rolo 02, fl. 227).

No mesmo dia da ordem anterior, outro mandato “a todos os oficiais de milícia


de qualquer distrito para prestarem todo o auxílio que lhes solicitar o coronel José Borges
Pinto, na diligência de que está encarregado”; ainda no mesmo dia, outra carta expedida:

Ao juiz ordinário da Vila do Príncipe [Domingos do Vale Padilha]: depois de deliberar os mo-
tivos determinantes da prisão que mandou efetuar do capitão-mor Antônio Soares Ferreira,
residente em Mato Dentro – um rebelde contra as ordens e bandos e determinações régias –
recomenda-lhe tomar conhecimento judicial das suas culpas em cartório, remetendo o resultado
dessa diligência para o final julgamento em junta de justiça; determina entregar a ordem inclusa
a quem servir de guarda-mor para repartir o morro que o dito Antônio Soares usurpara, depois de
tirar a data de sua majestade (REVISTA DO ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO, 1933, p. 669).

Nas citações acima percebem-se, mais uma vez, a forma dissimulada de agir do
conde de Assumar. Há dois anos legalizara a exploração das minas, afirmando que estava
tudo correto. O que mudou nesse período? Qual a nova acusação? A de usurpação das
terras reais, ou seja, acusou Antônio Soares Ferreira de não distribuir e fazer arrematar as
braças, terras da Coroa portuguesa.
Para justificar sua ação, o conde de Assumar ordenou ao “guarda-mor do dis-
trito, para ir ao Mato Dentro do Serro do Frio e repartir pelos mineiros o morro que se
chama Antônio Soares Ferreira e que foi por este usurpado, tirando previamente a data de
sua majestade” (REVISTA DO ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO, 1933, p. 669). O re-
sultado foi um motim do bandeirante paulista Antônio Soares Ferreira que contou com a
participação de todos os seus camaradas e escravos. No conflito, acabou assassinado. Isso
foi confirmado por carta do conde de Assumar ao coronel José Borges Pinto, datada de 06
de agosto de 1720. Nela, o governador afirmou – não sabemos se de maneira debochada
ou não – que o coronel preferia não tivesse Antônio Soares Ferreira morrido.
As providências seguintes são bem interessantes do ponto de vista do modus
operandi do conde de Assumar: segundo o relato do coronel, os participantes do motim
juraram vingança, especialmente Manuel Corrêa Arzão, um de seus parentes. Ele man-
dou, então, o coronel, prender Manuel Corrêa Arzão e mandá-lo para Vila Rica; resolver
a situação dos escravos, possivelmente arrematando-os e recolhendo os rendimentos para
a coroa; regularizar as lavras, conferindo seu funcionamento; além disso, em pagamento
simbólico pela ação resoluta, autorizou o coronel José Borges Pinto a assumir a “regên-

78
cia provisória do distrito do Serro do Frio ficando a outra parte a cargo de Pedro Pereira
[de Miranda], divisão essa que deliberou fazer agora por ser aquele distrito muito ex-
tenso” (REVISTA DO ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO, 1933, p. 669). A divisão ficou
confirmada – o Mato Dentro para o coronel José Borges Pinto e a Vila do Príncipe para
Pedro Pereira de Miranda – por carta datada de 08 de dezembro de 1720.

***

As ações políticas do conde de Assumar merecem uma análise mais detida


para traçar o seu perfil de vingativo e dissimulado. De fato, a violência política na
região das minas de ouro foi um fenômeno comum, relatado exaustivamente por estu-
dos históricos coloniais: a formação de quilombos e as medidas para sua extinção, as
guerras indígenas pela defesa de seus territórios, a Guerra dos Emboabas, a Revolta de
Vila Rica são alguns exemplos. Estabelecer uma hierarquia de cargos, uma burocracia
de processos para consulta a partir das letras sagradas dos magistrados era fundamental
para haver um mínimo de ordenamento jurídico e garantias de soberania do estado por-
tuguês nos territórios de sua colônia. Assim, de cordo com o entendimento de Hannah
Arendt, o poder das leis e, por consequência, a autoridade das instituições que a fazem
cumprir, é um jogo social de consentimentos: “é o apoio do povo que confere poder às
instituições de um país, e esse apoio não é mais do que a continuação do consentimento
que trouxe as leis à existência” (ARENDT, 1994, p. 35).
O Regimento de 1702 estabeleceu parâmetros de governança dos territórios
minerais baseados no reconhecimento da autoridade dos descobridores das minas, bem
como no detalhamento de suas funções pari passu com a legislação portuguesa das
Ordenações Filipinas. O impacto do assassinato do descobridor das minas do Serro do
Frio foi a redução de poder do governo da capitania – o conde de Assumar já era bas-
tante reconhecido pelo uso extensivo de dispositivos violentos de punição – em terras
minerais, em incipiente processo de espelhamento da legislação metropolitana. É que
para Arendt, a opinião popular é o que sustenta ou declina o poder do governo, uma vez
que este poder depende de números.
Nesse sentido, o poder de um governo e a tomada de suas medidas legisladoras
se assenta no “vigor da opinião” enquanto que a violência, “até certo ponto, pode operar
sem eles, por que se assenta em implementos” (ARENDT, 1994, p. 35). Por consequ-
ência, se levado ao extremo, o poder pode se definir na fórmula do todos contra um
e, por outro lado, a violência é o um contra todos, que não consegue se efetivar a não
ser através de instrumentos. O uso da violência é apenas um instrumento que pretende
multiplicar a energia de quem comanda, não sem minar a sua autoridade. O conde de
Assumar passou por cima de uma das regras básicas da política, em que “jamais existiu
um governo exclusivamente baseado nos meios de violência” porque mesmo o mais
violento governo precisa de uma certa base de apoio – seja sua polícia, seja a rede de
informantes. Por isso, “homens sozinhos, sem outros para apoiá-los, nunca tiveram
poder suficiente para usar da violência, com sucesso” (ARENDT, 1994, p. 41).
A autoridade do descobridor das minas do Serro do Frio foi posta à prova pelo
conde de Assumar. Não por acaso, a ordem de prisão mobilizou todos os camaradas do
79
guarda-mor em sua defesa – eles lutaram ao seu lado contra o grupo do conde de Assu-
mar –, o que gerou perseguição posterior a vários deles, em especial a Manuel Corrêa
Arzão, perseguição esta documentada oficialmente. Por isso, em última análise, a vitória
do conde de Assumar foi simbólica – se considerada pelo ponto de vista de fazer cumprir
o seu mandado de prisão – mas nisso houve perda de poder, pois seu gesto pedagógico
minou a sua autoridade para negociar com as populações dos descobertos. Nos casos
em que a política é dominada pelo uso da violência acontece que “do cano de uma arma
emerge o comando mais efetivo, resultando na mais perfeita e instantânea obediência”,
mas “o que nunca emergirá daí é o poder”. Diferentemente da tradição que equaciona
poder e violência, para Arendt, quando a violência é total o poder está se deteriorando ou
já chegou ao seu fim. Na política, “substituir o poder pela violência pode trazer a vitória,
mas o preço é muito alto; pois ele é, não apenas pago pelo vencido, como também pelo
vencedor, em termos de seu próprio poder” (ARENDT, 1994, p. 42).
A violência política – cuja ameaça maior é a morte – destrói a política. Para
fazermos um comparativo dos erros portugueses na colonização do território das minas,
basta lembrar que num governo moderno – esse foi um longo aprendizado dos povos
colonizados em sua relação com a Coroa portuguesa – o poder não se enquadra, segun-
do Arendt, no binômio mando-obediência. Pelo contrário: o poder é essencialmente
cooperativo: permite a pluralidade de opiniões, uma vez que “corresponde à habilidade
humana não apenas para agir, mas para agir em concerto”, agir em conjunto, “em simul-
taneidade com os outros” (ARENDT, 1994, p. 36). Ademais, continuando o raciocínio
de Arendt, “o poder emerge onde quer que as pessoas se unam e ajam em concerto, mas
sua legitimidade deriva mais do estar junto inicial do que de qualquer ação que então
possa seguir-se” (ARENDT, 1994, p. 41). O retorno da violência não é o poder, é a
impotência. A impotência retorna ao espaço público na mesma proporção da violência
utilizada contra os cidadãos. Arendt desqualifica a violência como ferramenta política
de geração de poder.
Arendt é enfática ao afirmar que a violência “não promove causas, nem a histó-
ria, nem a revolução, nem o progresso, nem o retrocesso”; se há uma concessão política
à violência, é enquanto ação de curto prazo que possa colaborar para chamar a atenção
sobre a decadência do poder e da autoridade de algum sistema político. A violência só
tem sentido se desmascara a impotência do poder e comunica ao mundo a sua decadên-
cia. Nesse sentido, “ao contrário do que seus profetas tentam nos dizer, a violência é a
arma mais da reforma do que da revolução”. A rapidez na ação instrumental violenta só
se justifica diante de um resultado rápido, porque senão, “o resultado será não apenas a
derrota, mas a introdução da prática da violência na totalidade do corpo político. A ação
é irreversível, e um retorno ao status quo em caso de derrota é sempre improvável”.
Dessa forma, a “prática da violência, como toda ação, muda o mundo, mas a mudança
mais provável é para um mundo mais violento” (ARENDT, 1994, p. 58). Parece que
para os antigos governantes o gesto pedagógico colonial da desobediência civil dos
bandeirantes se somava ao medo que tinham dos caminhos, dos gentios e das monta-
nhas, como expressava d. Rodrigo da Costa, governador-geral do Brasil, em 1704.

80
Referências
ARENDT, Hannah. Sobre a violência. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.

ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO. Seção colonial. SC-01 Rolo 01 1605-1799 Registro de alvarás, regimentos,
cartas e ordens régias, cartas patentes, provisões, confirmações de cartas patentes, sesmarias e doações; SC-04
Rolo 01 1709-1722 Registro de alvarás, ordens, cartas régias e ofícios dos Governadores ao Rei; SC-09 Rolo
02 1713-1717 Registro de cartas, ordens, despachos, instruções, bandos, cartas patentes, provisões e sesmarias.

ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO. Seção colonial. Coleção Casa dos Contos. CC-1002 1702-1709 Livro
primeiro de receita e despesa da Fazenda Real referentes às minas do Serro Frio e de Itacambira; CC-1003
1710 Livro dos rendimentos do gado para corte. Arrematação do contrato dos dízimos pelo Capitão Geraldo
Domingues; CC-1005 1711-1714 Livro que há de servir da receita da Fazenda Real nesta Superintendência das
minas do Serro do Frio.

BIBLIOTECA NACIONAL. Documentos Históricos. Correspondência dos Governadores Gerais 1704-1714.


V. XL. Rio de Janeiro: Typ. Baptista de Souza, 1938, p. 352-360.

BIBLIOTECA NACIONAL. Documentos Históricos. Correspondência dos Governadores Gerais 1705-1711.


V. XLI. Rio de Janeiro: Typ. Baptista de Souza, 1938, p. 9-12.

BIBLIOTECA NACIONAL. Documentos Históricos. Correspondência dos Governadores Gerais 1704-1714.


V. XL. Rio de Janeiro: Typ. Baptista de Souza, 1938, p. 352-360.

BIBLIOTECA NACIONAL DE PORTUGAL. Divisão de Reservados da Biblioteca Nacional de Portugal.


Doc. n. 76, Cód. 1612, fl. 231, de 17/02/1720.

BIBLIOTECA NACIONAL DE PORTUGAL. Divisão de Reservados da Biblioteca Nacional de Portugal.


Doc. n. 77, Cód. 1612, Maço 1, de 16/03/1720.

FRANCO, Francisco de Assis Carvalho. Dicionário de bandeirantes e sertanistas do Brasil: século XVI-XVII-
-XVIII. São Paulo: Comissão do IV Centenário da Cidade de São Paulo,1954.

FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Discurso histórico e político sobre a sublevação que nas Minas houve no ano
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MORAIS, Geraldo Dutra de. História de Conceição do Mato Dentro. Belo Horizonte: Biblioteca Mineira de
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PROVISÕES, PATENTES E SESMARIAS 1717-1721. Revista do Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte/
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PAIVA, Adriano Toledo. Uma tradição paulista nas Minas: descobridores e conquistadores nos sertões doura-
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RAMINELLI, Ronald. Justificando nobrezas: velhas e novas elites coloniais 1750-1807. História, São Paulo,
v.35, 2016, p. 1-26.

*Doutor em Educação. Professor do Instituto Federal de Minas Gerais – IFMG, campus Santa Luzia. Membro
correspondente da Academia de Letras de Teófilo Otoni e do Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri. Este
estudo é parte da pesquisa do estágio pós-doutoral no Departamento de Pós-Graduação em História da UFMG,
sob a supervisão da Dra. Adriana Romeiro, realizado entre 2022 e 2023.

81
Colégio Normal Santa Clara:
Um marco e centro de referência na educação da região
Wallace Gomes Moraes*

Desde a fundação do aldeamento de Itambacuri, pelos Frades Franciscanos, ha-


via uma preocupação quanto à catequização e alfabetização dos indígenas. Dentro do ide-
al missionário a escola para as crianças indígenas teria um papel fundamental. Tão logo
foi implantado o aldeamento, preocupou-se em preparar um local para que as primeiras
lições fossem dadas às crianças indígenas.
Ciente da importância da escola no aldeamento, Frei Serafim mobilizou-se no
sentido de criar ambientes separados para meninos e meninas, como era praxe com todas
as escolas do país. Logo, foi construído o prédio escolar e as aulas passaram então a ser
dadas. Assim foi criada a escola indígena para meninas, que esteve a cargo da indígena D.
Romualda Órfão de Meira, que, ao ser contratada pelo Governo da província de Minas,
trabalhou no aldeamento durante 18 anos, até 1899, quando veio a falecer em função de
uma tuberculose, sendo substituída por outra indígena Delfina Bacán de Aranã, que per-
maneceu na escola até 1907.
Já a escola para meninos teve como professor das primeiras letras, o militar
sargento Torquato Bicalho, que contava na sala com 60 alunos indígenas e 2 nacionais.
O segundo foi Ernesto Gonçalves Pereira, que contava com o mesmo número de alunos
indígenas e 5 nacionais. E o terceiro foi o primeiro professor índio, Domingos Ramos
Pacó, índio Pojichá, filho de um língua com a filha de um chefe Pojichá, que assumiu
a cadeira de professor na escola que havia sido discípulo desses primeiros professores,
recebendo do Governo provincial a cadeira do ensino das primeiras letras do aldeamento
indígena de Itambacuri. Ao deixar a escola do aldeamento, após 19 anos, foi substituído
por um outro professor também indígena, Manoel Pereira Tangrins,
Ambas as escolas, desde sua criação, conseguiram manter um grande número de
alunos, ao contrário das escolas de outros aldeamentos, que mantinham sempre um baixo
número de matrículas, algumas chegando mesmo a fechar. Embora tivessem sido criadas
prioritariamente para a instrução da infância indígena absorvia também crianças filhas de
não índios.
Segundo relatório apresentado em 1º janeiro 1907, pelo Sr. Camilo Felinto Pra-
tes, Inspetor de Ensino de Teófilo Otoni, ao Sr. Secretário do Interior:

”a escola de sexo masculino acha-se a cargo do Professor Manoel Pereira Tangrins,


não normalista com 59 alunos matriculados ,dos quais, 10 são filhos de indígenas. O
professor é auxiliado na escola pelos alunos João Jerônimo Joaquim, Edmundo Pau-
lo Índio e Francisco Sedjo Noret, filhos de indígenas e os mais adiantados da esco-
la. A mobília da escola consiste em bancos e mesas pertencendo aos religiosos que
dirigem a colônia. Também os livros didáticos são fornecidos por esses mesmos
religiosos. Já a escola para o sexo feminino, se acha dirigida pela professora Del-
fina Bacán de Aranã, filha de indígenas da tribo dos Aranãs, que vive no vale do rio
Urupuca, auxiliada pelas meninas Luiza Macutty e Maria Catulé, filhas de indígenas.
Tem a Professora alguma instrução e pode ensinar somente lêr, escrever, um pou-

82
co de aritmética e noções de Geografia e História. Foram matriculadas 47 alunas das
quais 12 são filhas de indígenas. No dia da visita achavam-se presentes 36 meninas”

Através deste documento, é fácil avaliar os esforços dos Padres Diretores em prol
do ensino, que durante mais de 6 lustros tinham conseguido alfabetizar centenas e cente-
nas de indígenas e civilizados, preparando o terreno para magníficas realizações presentes.
Desde o ano de 1905, no qual D. Joaquim Silvério de Souza, como bispo co-
adjutor com direito à sucessão, tomou em suas mãos o governo da Diocese, concentrou
esforços de seu episcopado com iniciativas, visando a fundação de obras uteis e vitais em
prol das cidades e vilas de sua vasta diocese, como Conceição do Mato Dentro, que viu
surgir, por sua iniciativa o colégio para meninas, dirigido por religiosas.
O bispo Dom Joaquim Silveiro de Souza, interessado pelo assunto, em visita ao
aldeamento de Itambacuri, sugeriu a frei Serafim que criasse um colégio para meninas,
a ser administrado por freiras. Com a aquiescência de Frei Serafim,dirigiu pedido ao
então Núncio Apostólico, Exmo.e Revmo. D. Júlio Tonti, que também aceitou a ideia da
construção do colégio em Itambacuri. Prontificou-se o bispo a oferecer ajuda financeira
e logística para o empreendimento. O zeloso prelado não se limitou apenas a sugerir a
ideia, mas quis ajudar com a quantia de Cr$ 1.500,00 propondo a Frei Serafim acrescentar
quantia igual para o impulso inicial das obras.
O diretor da colônia, Frei Serafim, respondeu imediatamente, aceitando a pro-
posta. As ordens vieram e foram cumpridas. Foi suspensa e adiada a construção do Colé-
gio para meninos, esperando em breve, retomar os trabalhos, mais folgadamente, com o
auxílio dos dois sacerdotes capuchinhos prometidos, que não deviam tardar a chegar.
Frei Serafim:

“Depois de algum tempo, escreveu ao prelado dizendo que os dois sacerdotes que hão de vir
serão empregados na pregação das missões tão almejadas, por V. Exa. uma vez que nós dois,
já idosos, temos a nosso cargo a responsabilidade da catequese e civilização dos índios. Em
todo caso, carece estudar os meios e modos de estabelecer nesta diocese de Diamantina,
nossa Ordem com noviciado e estudos, saindo, deste modo, do estado incerto e inseguro”

Iniciada a construção, foi levada a termo de forma célere, a fim de evitar todo e
qualquer estorvo, oriundo de outras imprevistas iniciativas. Neste aspecto, Frei Serafim
recomenda ao deputado Epaminondas Esteves Otoni que não tenha pressa em pleitear a
emancipação de Itambacuri, mas trate do caso com prudência, pois:

“a emancipação nesta quadra daria a morte à catequese, por que é sustentada e man-
tida pelas sobras de nossos ordenados e mais proventos como espórtulas de missas e
donativos espontâneos dos fiéis, com que são vestidos e alimentados os numerosos
menores indígenas de ambos os sexos, aqui recolhidos, fornecendo-se-lhes também li-
vros, papel e objetos escolares. Socorremos também os índios velhos e desvalidos e,
aos que vão chegando, damos roupa, ferramentas, alimento e remédios, como ultima-
mente aconteceu com os trinta e tantos selvícolas que vieram de Figueira quase nus.”

Frei Serafim, que viveu sempre na mais austera pobreza franciscana, despre-
zando todas as comodidades da vida, teve necessidade, nessa altura, de pensar em ga-

83
rantir juridicamente o solo sobre o qual tinha, em troca de imensos e heroicos sacrifícios
erguidos, os edifícios sagrados: igreja, cemitério, residência dos padres missionários e
colégio, requerendo ao Secretário do Interior do Estado de Minas, nos termos da lei n.
27, artigo 22, § 4, a concessão gratuita dos lotes urbanos 39 e 40 e dos lotes rurais 100,
101 e 114, para neles construir o edifício do colégio e respectivas dependências. Nessa
mesma ocasião requereu, com os mesmos fundamentos, os lotes urbanos 49, 37 e 38 para
a construção do Campo Prático Agrícola, totalizando uma área aproximada de 760 mil
metros quadrados.
Paralelamente à construção do colégio, foram sendo realizados melhoramentos
necessários ao saneamento do arraial, consistindo na drenagem e retificação de alguns tre-
chos do rio Itambacuri, do Fortuna e dos regatos, abrindo canais para o dessecamento de
pântanos e pequenas lagoas, a fim de impedir o desenvolvimento de febres de máu caráter.
O “Estrelo Polar” órgão oficial da diocese de Diamantina, publicou nessa época,
um longo artigo informativo:

“Duas palavras sobre o Itambacuri”, tecendo elogios aos Padres Diretores, lou-
vando o seu progresso e as iniciativas em curso, isto é, a construção do co-
légio para o sexo feminino, ‘cujo edifício de grandes proporções está sen-
do quasi ultimado’ e noticiava estar projetada “a ampliação da Casa dos Padres
Capuchinhos, afim de poderem dar aos moços mais adequada instrução com maior
soma de conhecimentos, e receber na Ordem Seráfica os que revelarem vocação”.

No relatório de 31 de dezembro de 1906, Frei Serafim se ocupa mais uma vez


do colégio construído a expensas populares e com esmolas angariadas, quer dentro, quer
fora da Colônia e comunica que a construção do sólido e vasto colégio destinado à edu-
cação da infância do sexo feminino, dirigido por religiosas, que deverão chegar, será
inaugurado dentro em breve.
Em 1906 estava, pois, terminada a construção do prédio onde devia funcionar o
colégio. Um edifício de vastas proporções que se tornaria a base de uma instituição, que,
como preconizou Frei Serafim, haveria de trazer grandes benefícios morais e materiais ao
progresso de Itambacuri.
Na véspera da inauguração do colégio, Itambacuri recebeu a visita de dois ilus-
tres personagens: o engenheiro Dr. Emílio Schnor e o inspetor do ensino, Camilo Filinto
Prates. O primeiro, em companhia de dois filhos, fora enviado pelo governo para estudar
o traçado da estrada de ferro, que devia ligar Teófilo Otoni ao Rio Doce. A tarefa não era
fácil, mas os padres diretores da Colônia tudo facilitaram aos ilustres engenheiros, que
cheios de gratidão, sentiram a necessidade de agradecer com a seguinte carta: “Teófilo
Otoni, 11 março 1907:

Estimados amigos Frei Serafim de Gorízia e Frei Ângelo de Sassoferrato.


Havendo regressado a esta cidade com toda a felicidade meus filhos Luiz e Henrique,
que foram por mim encarregados de fazer a ligação até o Rio Doce, a partir do Itamba-
curi, do reconhecimento para a Estrada de ferro que deve ligar aqueles pontos a Teófilo
Otoni, venho cumprir um dever sagrado e para mim agradabilíssimo de agradecer aos
Revmos. amigos as atenções e favores recebidos, dos quais, foi sem dúvida o mais im-
portante, o de mandarem concertar a estrada de tropa de Itambacuri ao Suaçuí. É mais

84
um serviço relevante prestado à causa da civilização pelos Revmos. amigos a juntar aos
muitos dos que lhes é devedor o progresso e adiantamento dessas regiões, tão sábiamen-
te entregues à vossa prudente administração pelo Governo do Estado de Minas.Ofere-
ço aos Revmos. Amigos meu limitado préstimo no Rio de Janeiro, e terei muito prazer
em poder ser-vos util em alguma cousa, se para isso me poderem utilizar. Confessando
eternamente grato e penhorado, fico dos Revmos. Padres, Admirador e amigo obrigado
(Ass.) Emílio Schnor (Engenheiro Civil)!

O segundo era o inspetor técnico do ensino da 36ª Circunscrição Literária do


Estado de Minas, e visitou as duas escolas, deixando lisonjeiros, termos de visita que
muito honraram aos: professores e diretores da Colônia.
Em seu relatório, apresentado ao Secretário do Interior , Dr. Manoel Tomas de
Carvalho Brito, foi elaborado justamente na véspera da instalação do colégio, dizendo
esperar com o ensino, uma completa transformação na região.
Contudo, Dom Joaquim sabia o quanto era difícil obter no estrangeiro, reli-
giosas e sacerdotes missionários, para a fundação de noviciados. Porém, como desde o
início do seu episcopado, estudava sobre este entrave, já tinha obtido êxito, conseguindo
que religiosas, vindas da Itália, se instalassem na cidade episcopal de Diamantina e ali
abrissem o noviciado. Já com os religiosos Capuchinhos, apesar dos seus esforços e con-
selhos, não conseguiu vencer as dificuldades que obstavam tão grandioso projeto.
A construção do colégio estava terminada. A indagação que se fazia era de qual
Congregação seriam as religiosas que iriam dirigi-lo. Este questionamento já tinha sido
feito, havia algum tempo, pelo Revmo. Frei Ângelo em carta ao Padre Comissário no
Rio, que não lhe deu resposta. Porém, disse Frei Serafim, com a confiança e a eloquência
peculiar, respondeu: Deus Providebit! Deus pensará!
Desde a idéia da criação do colégio, Dom Joaquim se articulava para conseguir
uma comunidade religiosa que se interessasse pelo projeto. Foi aí que sabedor da obra de
Madre Serafina, entendeu como solução prática e cabível para a questão.
No ano de 1898, em Bertinaro, Itália, Madre Maria Clara Serafina de Jesus,
fundara o novo Instituto das Clarissas Franciscanas Missionárias do Santíssimo Sacra-
mento, que em pouco tempo deu provas de sua utilíssima e benéfica existência em muitas
dioceses da Itália.
A história do Colégio Santa Clara, em Itambacuri - MG, começa assim na cidade
de Forli, Itália, com a criação do Instituto das Clarissas Franciscanas Missionárias do
Santíssimo Sacramento – ICFMSS, no dia 1º de maio de 1898.
A fundadora, Madre Serafina de Jesus, (nascida Francesca Farolfi), tinha sido,
por mais de 20 anos, freira na Congregação das Irmãs de Santa Elisabeth, convento que
mantinha um pequeno colégio para moças em Forli. Havia uma tendência na Itália do
século XIX de abrir escolas ligadas a ordens religiosas.

85
Assim que entrou para o convento das franciscanas, Madre Serafina assumiu a
direção da escola, tornando-se conhecida por sua personalidade forte e trato competente
na criação e administração de instituições de ensino, sendo muitas vezes chamada para
abrir escolas, consolidando-as e passando depois sua administração a outrem.
A freira era habilidosa não apenas na criação das escolas, mas também na for-
mação de professores. Além disso, tinha a manifesta vontade de expandir sua obra para
missões em regiões carentes, como a esta altura já havia feito com a Índia. Como seu ob-
jetivo era, sobretudo, a renovação dos métodos de ensino; nem sempre eram pacíficas as
relações entre Madre Serafina e seus superiores, mais ligados aos processos tradicionais.
Assim, anos mais tarde a irmã fundou o Instituto das Clarissas Franciscanas
Missionárias do Santíssimo Sacramento, com o firme propósito de continuar a promover
mudanças nos modos de ensinar. No dia 14 de maio de 1898, 14 freiras professaram seus
votos no novo Instituto, que daí por diante iniciou seu processo de expansão.
Madre Serafina preferia abrir escolas em regiões pobres, onde houvesse maior
necessidade de assistência, mas seu grande sonho era estabelecer comunidades de missão
em terras estrangeiras.
Dom Joaquim Silvério de Souza, bispo de Diamantina, certo de que encontrara
a solução ideal para a situação resolveu convidar as freiras do Santíssimo Sacramento a
criar o colégio em Itambacuri. O convite foi feito por meio do Núncio Apostólico Dom
Júlio Tonti, que escreveu diretamente para a fundadora do Instituto, Madre Serafina, e
conseguiu convencê-la da importância do projeto.
Madre Serafina encarou o convite como uma mensagem divina e o pedido foi
prontamente aceito. Restava agora conseguir voluntárias entre as irmãs que pudessem se
interessar pelos trabalhos no Brasil.
Tão grande era o seu zelo pelas Missões que ela mesma quis chefiar este projeto.
Ela teve papel importante também nessa fase, conversando com as irmãs de forma discreta
para não influenciar diretamente em uma decisão tão importante quanto a de se deslocar
para as missões em terras distantes e desconhecidas. Em pouco tempo, apresentaram-se 4
voluntárias, que receberam instruções e começaram os preparativos para a vinda ao Brasil.

86
Em maio de 1907, estava tudo pronto para a partida.
No dia 30 de maio de 1907, festa do Corpo de Deus, a fundadora Madre Serafina
e Irmã Verônica acompanharam as 4 missionárias até o porto de Génova, despedindo-se
de cada uma delas, de forma efusiva e maternal. As despesas da viagem da Itália ao Itam-
bacuri foram pagas pelo bispo D. Joaquim, que, na sua pobreza sabia encontrar recursos
para beneficiar as almas e engrandecer a Pátria, (anotações do Tombo).
As freiras que se sentiram vocacionadas e aceitaram o desafio da missão foram:
Benedita do Redentor (Onesta Braga), Ana dos Inocentes (Malvina Leoni), Francisca
dos Santos Estigmas (Santina Gardigli) e Bernardina do Santo Nome de Jesus (Emma
Baldassari) que saíram da Abadia de Bertinoro, na Itália, viajando pelo Mediterrâneo e
Atlântico, até o Brasil.
Ao cair da tarde o vapor “Úmbria” da Companhia Floria e Rubattino, deixou o
porto, iniciando sua longa viagem, levando as quatro Clarissas que, com o coração despe-
daçado pela separação de tão boa mãe e da pátria querida, sentiam-se, entretanto felizes por
servirem assim a Deus e ao próprio Instituto. A viagem do porto de Gênova até o Rio de
Janeiro durou 15 dias. Assim, a 15 de junho de 1907 as freiras estavam em solo brasileiro.
No Rio de Janeiro as Irmãs Clarissas foram recebidas por Frei José de Castro-
giovanni, superior do Convento dos Capuchinhos do Morro do Castelo.

As irmãs permaneceram na cidade por 6 dias, ficando hospedadas com as Filhas


de São Vicente, na Baía do Botafogo. Elas aproveitaram este tempo para conhecer o Rio
de Janeiro e se informar sobre a realidade que encontrariam na missão.
Durante a permanência no Rio de Janeiro, apresentadas pelo Revmo. Frei José de
Castrogiovanni, foram recebidas pelo cardeal Dom Joaquim Arcoverde Cavalcanti, primei-
ro cardeal da América do Sul, que as recebeu com muita cordialidade e, sentiram-se felizes
e consoladas, ouvindo dos seus lábios, na língua materna, palavras paternais. Dessa visita,
as franciscanas guardaram a mais agradável recordação.
Dentre as autoridades religiosas com quem estiveram no Rio estava o cardeal
Dom Joaquim Arcoverde Cavalcante (primeiro cardeal da América do Sul), que conver-
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sou com as irmãs, orientando-as sobre a índole e os costumes do povo brasileiro. Além
disso, o Cardeal deu a elas duas sugestões: a primeira, que redigissem um diário para as
recordações da missão, e a segunda, que dessem ao colégio a ser fundado, o nome de
Santa Clara.
No dia seguinte as irmãs participaram da primeira missa realizada na capela do
pequeno convento, celebrada por frei José de Castrogiovanni, ocasião que ficou definida
que a incumbência de organizar os primeiros trabalhos e dirigir o colégio ficaria a cargo
da superiora irmã Bernardina.
Irmã Bernardina anotou as suas impressões no “Diário’’ de onde colhemos estas
notícias cheias de simplicidade.

“O eminentíssimo Cardial mostrou-se satisfeito em vez que mais uma. Congregação


se estabelecia no interior do país. Falou-lhes da índole e das boas qualidades do povo
brasileiro e das suas necessidades espirituais e fez-lhes notar como o povo brasileiro,
profundamente católico, está consagrado a N . S. da Conceição Aparecida. Irmã Ber-
nardina mui prontamente manifestou então a intenção de consagrar a Missão que ia
fundar à Nossa Senhora. ‘’Memórias” - Manuscrito - Arquivo do Colégio Santa Clara -

O Cardeal, embora apreciando o gesto delicado e devoto da religiosa,


ponderou-lhe que, sendo elas Clarissas, deviam dedicar a Missão à Santa Clara,
tanto mais que a igreja dos Padres Missionários Capuchinhos em Itambacuri,
estava consagrada a N. S. dos Anjos.
Foi assim que o colégio, construído em Itambacuri pelos Padres Diretores da
Colônia indígena, Frei Serafim de Gorízia e Frei Ângelo de Sassoferrato, recebeu no
palácio cardinalício do Morro da Conceição, o nome: “SANTA CLARA” que teve plena
aprovação dos fundadores.
No dia 22 de junho retomaram a viagem para Itambacuri, que seria uma epopeia.
Como não havia estrada de terra e nem ferrovia entre o Rio de Janeiro e o vale do Mucuri,
boa parte do trajeto foi feito pelo mar.
A primeira etapa da viagem foi feita em um navio da companhia Lloyd Brasileiro
Mayrink, que seguiu pela costa brasileira até a Bahia, onde seria possível partir de trem
para Minas Gerais. Depois de 4 dias no mar (no dia 26), fizeram a primeira parada em
São Mateus, no Espírito Santo. As irmãs aproveitaram para participar da missa na igreja
paroquial e no dia seguinte retomaram a viagem. Dessa vez, rumo a Caravelas – Bahia.
Em Caravelas estava sendo comemorada a festa de Nossa Senhora dos Nave-
gantes. O barco então ficou parado por 2 dias em virtude dos festejos. As irmãs não
desembarcaram, acompanhando apenas ao que foi possível ver do barco. A parte final da
viagem deu-se no dia 1º de julho, já em Ponta de Areia, Bahia, onde as irmãs pegaram um
trem para Filadélfia (hoje Teófilo Otoni).
No dia 2 de julho, às 4 da tarde, as irmãs chegaram a Filadélfia, onde algumas
pessoas as aguardavam. Ficaram hospedadas na casa do coronel Senna, para, no dia se-
guinte cumprirem a última parte da viagem-percorrer a cavalo os 38 quilômetros que
separavam Itambacuri de Filadélfia.
As irmãs foram acompanhadas por dois frades e uma comitiva de 30 pessoas.
Durante o trajeto muita gente se juntou ao grupo, que chegando a Itambacuri contava

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quase cem cavaleiros.
O cortejo chegou à cidade no dia 3 de julho de 1907. Os fundadores, Frei Sera-
fim e Frei Ângelo, aguardavam as missionárias. As freiras foram recebidas com festa, fo-
guetes, repicar de sinos e banda de música. Conta-se que esta foi a primeira apresentação
de banda de música de que se tem registro em Itambacuri.
Além disso, o percurso até a casa que abrigaria as irmãs e o colégio estava enfei-
tado com flores, bananeiras e bandeirinhas. As saudações de boas-vindas se estenderiam
por vários dias, pois a comunidade cheia de dificuldades, via nas irmãs uma possibilidade
de melhoria nas condições de vida. Os outros padres, (Frei Vicente de Licodía, Frei Gas-
par, Frei Manoel e o Irmão Frei Felix de Vizzini) não escondiam sua alegria pela chegada
das irmãs.
No dia seguinte pelas 7 horas, Frei José, companheiro de viagem, celebrou, priva-
damente a primeira santa missa na capela das Religiosas, em cujo sacrário deixou, entregue
ao seu amor e adoração, a sagrada Eucaristia, fonte inexaurível de todos os heroísmos.
As manifestações populares não cessavam. Às 10 horas, no Santuário de N. S.
dos Anjos, onde as Irmãs foram conduzidas em procissão, Frei Gonzaga Gouverneur, O.
F. M., vigário de Teófilo Otoni, cantou missa, pronunciando eloquente discurso. À noite
a população reunida na frente do convento das Religiosas, fez-lhes calorosas manifesta-
ções, falando o Revmo. Frei Gaspar de Módica.
O regozijo popular durou ainda alguns dias, expandindo-se em diversas manei-
ras: soltando balões, queimando foguetes e dando “vivas”. As irmãs, cansadas da longa
viagem, saudosas da pátria distante e emocionadas pelo que viam e ouviam em redor de
si, cercadas pelo respeito e veneração do povo, davam graças a Deus. O Colégio “Santa
Clara” estava fundado. Frei Serafim não cabia em si de alegria ao ver finalmente na mis-
são por ele fundada.
Irmã Bernardina, fixou nas suas “Memórias” as impressões da chegada:

“Na entrada do povoado apeiamos das nossas cavalgaduras.” Frei Serafim, que é o Superior,
juntamente com Frei Ângelo e o •povo vieram ao nosso encontro, en-quanto os sinos repi-
cavam festivamente e espocavam foguetes no espaço. Organizou-se uma espécie de procis-
são: na frente iam os frades, atrás, nós, as quatro religiosas, uma pequena banda de música
tocava alguns dobrados, e atrás a população. Conduziram-nos ao nosso futuro convento
(que é o primeiro edifício da Colonia). A rua que leva ao convento estava toda enfeitada
com plantas, bandeirinhas e lanterninhas. No limiar do convento, Frei Ângelo pronunciou
poucas palavras, em língua italiana, convidando-nos a tomar posse e entrar na Casa que
nos tinha sido destinada. Frei Serafim acolheu-nos com paternal expansão, e ia repetindo:
“Nunc Dimittis Servum Tuum”. “Agora, Senhor, despedes o teu servo . . . • S. Lucas, 2, 22.

Irmã Bernardina, religiosa de grande piedade e sólido preparo, como superiora,


organizou em breve a pequena Comunidade Franciscana e o colégio, iniciando imedia-
tamente seu profícuo trabalho. Não ficou muito tempo na direção, Deus a chamou bem
cedo para junto de si. Dirigiu o colégio durante 29 meses, o suficiente para consolidar
com o sacrifício da própria vida os alicerces da nova fundação.
Frei Serafim, no Relatório anual apresentado ao Diretor Geral da Agricultura,
em data de 31 de dezembro de 1910, ocupando-se do colégio, assim informa:

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“O Colégio Santa Clara é dirigido por cinco religiosas Franciscanas. Por três vezes e por
três Inspetores técnicos, foi visitado, e, ultimamente em novembro pp. pelo Exmo Diretor
Geral Dr. Carlos Prates e sua comitiva. Todos ficaram admiradíssimos emreparar a esmera-
da educação na parte escolar, finos trabalhos manuais executados pelas meninas indígenas
e filhas de nacionais civilizados. O ensino escolar éministrado pelo Asilo gratuitamente e
pela manutenção de meninas indígenas. O magnânimo Governo de Minas dá um auxílio de
quatro contos de reis anuais. Para os habitantes desta Colônia, nada há melhor que o Colé-
gio e a infância feminina se mostra extraordinariamente constante na frequência às aulas.

O Colégio Santa Clara progrediu dia a dia sob a direção e administração das
Irmãs Franciscanas, auxiliadas no início, por distintas professoras, sendo a primeira, na
ordem cronológica: D. Maria Jacinta da Silva, irmã do mestre de cultura, Sr. José Jacinto
Junior, professora bem preparada.
A Irmã Bernardina do SS. Nome de Jesus, sucedeu na direção do colégio a Irmã
Francisca das Chagas, que se manteve no cargo brilhantemente, até o ano de 1921. Outras
vieram na sequência: Relação das primeiras madres superioras do Colégio Santa Clara:
Irmã Bernardina do SS. (1907- 1909), Irmã Francisca das Chagas (1909 1921), Irmã Ana
dos Inocentes (1921 – 1931), Irmã Noemi do Getsemani (1931).

Desde o início de sua exuberante vida, o Colégio “Santa Clara’’ prestou enor-
mes benefícios, não só aos filhos de indígenas, que em 1911 ali se achavam abrigados
em número de trinta e cinco, como também às filhas de nacionais civilizados, atingindo
estas o número de cem. Realizavam-se assim plenamente as previsões do Exmo. Bispo
diocesano, D. Joaquim, ao lançar a ideia da fundação do colégio.
A influência do Colégio Santa Clara não se limitava à educação, dos indígenas
catequizados, mas, se estendia a toda a população de uma zona vasta, muito rica e cheia
de futuro. A educação consistia em trabalhos manuais, fiação e tecelagem, bordado, cos-
tura, trabalhos de Bristol e artesanato, além da instrução na catequese e educação escolar
sistemática.

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Em 1912 o colégio é autorizado a montar o curso secundário e cinco anos depois
é criada a Escola Normal Santa Clara. O colégio não só se firmou como passou a ser um
centro de referência de estudo e cultura em nossa região, formando centenas de jovens
para exercício do magistério. Em 1912 foi introduzido em seu programa o curso secun-
dário, que em 1914 tomou grande impulso
Em 1923 começou-se a pleitear a equiparação do colégio, sendo feita a aquisi-
ção de um gabinete de física e química no valor de sete contos de reis. Nessa ocasião era
vigário o Revmo. Frei Gaspar de Módica, continuador incansável da obra imensa que
herdara dos santos fundadores, o qual valendo-se da boa vontade, prestigio e patriotismo
do Dr. Alfredo Sá e do apoio de alguns amigos, conseguiu, em virtude do decreto nº 7.534
publicado no “Minas Gerais” de 26 de fevereiro de 1926, para o Colégio “Santa Clara” as
regalias de escola normal equiparada, vindo o mesmo assinado pelo preclaro presidente
Antônio Carlos Ribeiro de Andrade e pelo ilustre secretário do interior Dr. Francisco Luiz
da Silva Campos. Grande foi a satisfação do povo de Itambacuri e dos padres capuchi-
nhos pela magnífica conquista.
A bênção de Deus acompanhava visivelmente os passos, no Brasil, do Instituto
das Irmãs Clarissas Franciscanas Missionárias do SS. Sacramento, que, valendo-se da
boa índole do povo brasileiro, encontrou no seio de tradicionais famílias mineiras, ótimas
vocações. As vocações foram aumentando todos os anos e, a quantidade não prejudicou
a qualidade, isto é, a fisionomia verdadeira do Instituto, cujo traço principal é o espírito
franciscano missionário.
Muitas moças normalistas, cultas e piedosas, de Conceição de Mato Dentro, Cara-
velas, Teófilo Otoni, Curvelo, Diamantina, Minas Novas, Araçuaí e de outras cidades minei-
ras, e do próprio Itambacuri, infundiram nova vitalidade à Congregação, pois, assimilando
elas o espírito austero e missionário das religiosas vindas da Itália, em tempos diversos,
harmonizando-o com o saber e com as exigências do ensino moderno, criaram uma auréola
de prestígio que a faz estimada em todas as cidades de Minas onde mantém casas.

Itambacuri se transformava dia a dia, naturalmente, sem choque nem atritos com
o passado. No ano de 1927, mais precisamente em 08 de dezembro receberam o diploma
de normalistas as alunas: Nair Esteves Guedes, Adilla Pirajá Cecílio da Silva (Araçuai);
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Aurora Esteves Otoni (Teófilo Otoni), Catarina Magalhães, Joana Lago Pinheiro, Yolan-
da Lago Pinheiro, Maria de Lourdes Lago Pinheiro e Faride Rafael Zandim (Itambacuri).
A solenidade da primeira colação de grau foi brilhantíssima. O paraninfo, Dr.
Alfredo Sá, fez-se representado pelo Professor José Vicente de Mendonça que, sendo dos
mais ilustres professores do colégio e um dos cidadãos que, juntamente com Frei Gaspar,
por ele mais trabalhou, pronunciou importante e vibrante discurso, no qual historiou a
fundação, toda a existência do colégio e os trabalhos para, sua equiparação, pondo em
relevo as figuras dos que mais auxiliaram a Escola Normal: o Dr. Alfredo Sá, Vice -Pre-
sidente do Estado e o infatigável vigário, Frei Gaspar de Módica.
O Colégio Santa Clara tinha o internato para as moças oriundas de outras loca-
lidades e o externato para as moças residentes em Itambacuri. Por longos anos a Escola
Normal do Colégio Santa Clara formou professoras normalistas além de muitas moças
terem seguido a vocação religiosa e tornaram-se freiras da Congregação, sendo conside-
rado na época, um centro de referência de ensino na região.

Referências:
Apontamentos biográficos” do Prof. Padre José Gennaioli sobre ‘’A Serva de Deus” - Madre M. Clara Se-
rafina de Jesus • -Traduzido por uma religiosa da Congregação” - Livraria Católica do Ginásio Arnaldo -L.
Belo-Horizonte,- 1942.
Jornal O Itambacury, década de 1930.
MORAES, Wallace Gomes, Itambacuri: O Vale das Águas, Ed. Ixtlan, SP, 2014
PALAZZOLO, Frei Jacinto de. Nas Selvas dos Vales do Mucuri e do Rio Doce. 3ª Edição. Companhia Editora
Nacional. São Paulo - 1973.
Revista da Escola Normal Colégio “Santa Clara” - Numero Comemorativo, Lembrança da Primeira For-
matura de Normalistas, 1927
RODRIGUES, Carmem. Missão no Brasil das Clarissas Franciscanas Missionárias do Santíssimo Sacramento.
Telecart. Belo Horizonte - 2003.

*Sócio Efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri - Cadeira 04, Sócio Correspondente do Instituto
Histórico e Geográfico de Minas Gerais, Membro Efetivo da Academia de Letras de Teófilo Otoni - Cadeira
21, Administrador, Professor da ALFA/UNIPAC, Assessor Técnico da Cooperativa dos Produtores Rurais de
Itambacuri Ltda.

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Luiz Leal: probidade e ternura
Regina Ribeiro Molina*

Luiz nasceu mineiro, teófilo-otonense. Na verdade, imagino-o espartano, aus-


tero consigo mesmo, sem deixar transparecer. Apesar disso, um homem tocado pelas
alegrias do mundo. Bem-falante, bom ouvinte. Conheceu as asperezas e as fragilidades
humanas. Um amigo. Aconselhador. Viveu situações insólitas da parte de aliados, com
ternura ou horror.
Nascido em 17 de agosto de 1936, filho de João Soares leal, de Grão Mogol e de
Laura Elisa Sedlmaier Vespermann, nascida na Alemanha, na cidade de Wellstar, perto de
Berlim. A vida de Luiz começa numa fazenda chamada São Pedro. Aos cinco anos, pas-
sou a morar com a avó, Dª Mocinha e com as tias Palmira e Mariinha, na cidade. Começa
o Jardim da Infância no Colégio São Francisco. Ao completar o terceiro ano primário,
transferiram-no para o Grupo Teófilo Otoni. Após essa etapa, realizou todo o ginasial no
Colégio São José, dos padres franciscanos, sob a direção do holandês Frei Eugeniano.
Terminada essa fase, transferiu-se para o Colégio Estadual, iniciando o curso científico.
Em 1953, muda-se para Belo Horizonte e matricula-se no colégio Anchieta, onde con-
cluiria o Ensino Médio.
Prestou o Serviço Militar na modalidade CPOR, concomitante com seus estu-
dos, em 1955, alcançando a patente de Segundo Tenente da cavalaria. Sagra-se campeão
brasileiro de equitação, com o nome de Aspirante Gonzaga.
Sr. João Soares Leal idealizou um filho médico. O rapaz, não só aquiesceu a sua
ideia, como se comprometeu. Partiu para BH com o intuito formulado. Ali conheceu um
senhor, bem articulado, que o levou ao Conservatório Mineiro de Música para fazer um
discurso, saudando a diretora, Dª Lia Salgado, esposa do governador Clóvis Salgado. Re-
sultado perfeito, o governador quis saber quem ele era e que curso pretendia. “Medicina,
doutor.” “Não, você vai fazer Direito.”
Informações sobre o sucesso que fazia na faculdade chegavam aos ouvidos do
pai, que recebia com certa reserva. Luiz cursou Filosofia, para manter-se com o magisté-
rio. Eram parcos os recursos paternos daquele tempo.
De 1958 a 1962, graduou-se em Direito, tendo Afonso Teixeira Lages, Pimenta da
Veiga, Pedro Aleixo, Washington Albino como competentes professores. Os alunos apren-
diam a Ciência do Direito e a honestidade no exercício da profissão. Luiz encantou-se com
Direito Penal. A fluência oratória deu-lhe suporte.
Retornando a Teófilo Otoni, para assuntos particulares, sentiu-se empolgado
com a confiança que advogados militantes nele depositaram.
Professor no Colégio Estadual Alfredo Sá e na Faculdade de Filosofia, que aju-
dou Fábio Pereira a criar. Lecionou Direito Econômico na Faculdade de Direito, fundada
mais tarde. Luiz projetou-se na área jurídica.
Em 1965, intercorrências inesperadas: candidato a vereador, sem sua presença;
discursos laudatórios em favor de amigos, candidatos à prefeitura local ou Assembleia
Legislativa. Resultou vereador, com a surpresa de ter sido o mais votado da cidade. Luiz

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entusiasmou-se.
Defendeu a permanência da estrada de ferro Bahia e Minas, chamando-a de
“artéria da região”, para integração, transporte de suas riquezas e comunicação de seus
habitantes.
Presença sedimentada no Estado, ao tempo em que políticos criam o MDB, Luiz
é um dos fundadores do partido na região. Ao ser candidato a prefeito de Teófilo Otoni,
cresceu sua popularidade entre a juventude. Fez uma administração sem mácula.
Por volta de 1975, a TV Itacolomi era a maior transmissora mineira. Num pro-
grama chamado “Mineiros frente a frente”, Luiz representou a cidade de Teófilo Otoni.
Beneficiou-se com o sucesso sobre as cidades Sete Lagoas, Uberaba, Uberlândia e La-
vras. Essa vitória tornou-o mais popular. Ganhou um grupo escolar, cinquenta televisores
e muitos outros prêmios. Estabeleceu-se a marca: um prefeito jovem, apresentando um
programa de TV e batendo algumas das cidades mais tradicionais.
Os amigos orgulharam-se desse prefeito, alicerçado na ética e no engajamento
popular.
Assim, Luiz começa uma longa caminhada, que o tornaria conhecido como con-
ceituado político e uma referência de sensatez em Minas Gerais. Daí, tiraria, para ofere-
cer aos que o conheceram, e tanto o amaram, o legado de admirável exemplo de quem
sempre buscou dar grandeza ao gênero humano e dignidade ao ato de viver.
Exemplar na dedicação, como filho, neto, pai, avô, sobrinho, cidadão e, sobretudo,
como amigo. Sempre de bem com a vida. O mundo poderia desabar, Luiz não queria guerra.
Luiz foi eleito prefeito de Teófilo Otoni e exerceu o mandato de 1973 a 1977.
Canalizou o rio Todos os Santos, fez com que os funcionários se casassem para se ins-
creverem no INAMPS, calçou e asfaltou ruas, melhorou o processo de educação e de
saúde (através de Postos). Não se classificou só por obras, mas modificou o pensamento
e engajou uma nova população. Luiz inicia um novo tempo para o Nordeste Mineiro, ao
abraçar a vida pública. Adquiriu um costume de reuniões, para encontrar alternativas de
fraternidade. Com a generosidade da juventude (Luiz nunca foi um idoso), apascentar as
legiões famintas, curar as feridas sociais com palavras de estímulo, sedar a dor dos que
chegam trôpegos e desalentados, em busca de um motivo para viver.
1979-1987 - Deputado Federal. Diretor Administrativo da Companhia Urbani-
zadora de Contagem (CUCO). Criou a Avenida João César de Oliveira, asfaltou o Eldo-
rado, Várzea das Flores, toda aquela região.
Bem conhecido, resolveu candidatar-se a deputado federal. Com minguados
recursos, porém convincente em suas palavras; ganhou apoio de cidadãos de sua terra.
Destacou-se, na eleição, contra políticos conhecidos da ARENA. Um grupo novo queria
renovação. Esse grupo acompanhou Luiz Leal, elegendo-o coordenador da bancada do
MDB de Minas Gerais. Época de ditadura, um período completamente atípico.
Eleito, mais tarde, presidente da Comissão de Finanças da Câmara, conseguiu
colocar o ordenado do Presidente da República, pela primeira vez no Brasil. Depois, pas-
sou para a Comissão de Transporte. Culminou com a Constituinte. Nessa época, aprovou
uma Zona de Processamento de Exportação (ZPE) para sua terra, Teófilo Otoni, que traz a
alcunha de Capital Mundial das Pedras Preciosas. A ZPE produz e exporta, através dessa
zona, livre de tributação, na exportação, como na importação.

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Entre 1987 a 1991, Luiz foi Deputado Constituinte. Reeleito para compor a
Assembleia Constituinte: órgão responsável pela elaboração da Constituição de um país.
Época de movimentação na vida política. Convidado para ser Secretário da Educação,
vem a Minas e retorna à Câmara Federal, pois seu suplente iria votar com a ARENA, na
Constituinte. Convidado novamente, agora Secretário de Justiça, volta a Minas, constrói
a penitenciária de Contagem, a de Teófilo Otoni e a de Caratinga. Após esse entrevero,
regressa à Câmara para encerrar, como Constituinte.
Quando, em 1987, foi Secretário da Educação, Luiz não conseguiu equacionar o
item principal: o vencimento dos professores. Naquela época quase todos os professores
queriam ter adjunção para melhorar o salário. Luiz não conseguiu chegar ao patamar
ideal, mas atingiu o razoável, no tempo.
Teófilo Otoni tem uma evolução setorial. Passa a ser mais pecuária que agro,
continua exportadora de pedras, porém adquire status no ensino. Hoje temos trinta e
oito mil alunos, na região, fazendo faculdades: Medicina, Engenharia, Arquitetura, Psi-
cologia, Direito. Fato que não existia tempos atrás. Esses estudantes não são só pessoas
novas. São também pessoas de meia idade, dando um colorido novo a Teófilo Otoni, de
20, 30 anos atrás. Nessa grande mudança, inseriram-se em seu habitat, um pouco con-
servador, jovens de outras regiões, com um poder aquisitivo menor, porém, gerando um
colorido à cidade, no sentido econômico, ponto fundamental.
Arquitetando-se um cidadão.
A longínqua Teófilo Otoni não dispunha de estabelecimento de ensino superior,
razão da inevitável mudança de Luiz. “Eu olho para a mala aberta sobre a minha cama
e penso que não gostaria de partir. Queria ficar um pouco mais, aproveitar a nova casa,
sentar na varanda, em silêncio; olhar os passantes, embaixo, e tentar entender o caminho
das nuvens, em cima.” Não lhe agrada a ideia de ficar longe do ninho. “De repente, me
dou conta de que já parti. Aquele que era eu, já está longe, colhendo risos pela estrada,
mas o coração apertado, sonhando com o regresso.”
Nas conversas, suas histórias, seus personagens, as canções que encheram de
romantismo as madrugadas seresteiras, neste pedaço de terra. Esses encontros come-
çavam no Restaurante Amigo do Rei prosseguiam em lugares previamente marcados e
tinham fim no lugar de origem, onde se faziam elaborados comentários, sem desdenhar
de alguém.
Luiz, cidadão do mundo, desejava nada mais que a paz. Viveu do jeito que
queria: com dignidade, coragem, bom humor e compostura. Falava como se fosse eterno.
Nunca percebeu o limite de sua influência. Uma vida com sentido, plena de realização;
sem fórmulas para relacionamentos.
O espaço de convívio poderia ainda estar deserto. Com sua presença já se sentia
o incrível da situação. Quase um ritual: aproxima-se. O lugar é cativo, o whisky prepara-
do. Abriga-se aos presentes. Ambiente minúsculo, aconchegante. Pode haver participa-
ção simultânea de todas as mesas. Cansado de audiências, de aulas ministradas no dia,
faz-nos interrogações para as quais não existem respostas, enquanto se acalma. Lembran-
do Mia Couto, escritor Moçambicano: “Chaminé que construísse em minha casa, não
seria para sair o fumo, mas para entrar o céu.”

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Na presença de Luiz, saía-se da solidão e ele se fazia amável companhia. Mes-
mo calado, mesmo distante, Luiz é aquele que não precisa perguntar por nós e que, sem-
pre que o vemos, mesmo que tenham passado anos, é como se estivéssemos estado com
ele ontem.
Um deus sem mistério, muito claro e visível; a poesia era o êxtase, o estar em
Deus (en-thousiasmos, entheos). Esse era Luiz Leal. Meu colega no magistério. Amigo
querido do Gildo. Deixou-nos em 26 de outubro de 2017.
Com certeza, ao destacar sua caminhada de oitenta e um anos, ele gostaria
de louvar o amor que os familiares lhe proporcionaram: sua esposa Helaine, amor de
sua vida, que tolerou seus cansaços; os filhos queridos: Valeska Patrícia, Luís Geraldo,
Yaskara, Veruska Agnesse, Leonardo e Gabriela. Os netos, queridos de sua vida: Caroli-
na, Gabriel, Isabela, Luísa, Ana Amantea, Laura Amantea e Gregório. Os pais: João Soa-
res Leal Sobrinho e Laura Elisa Sedlmaier Leal; os irmãos, por quem teve muito apreço:
Altino, João Carlos, Ruy, Domingos Ernesto, Sebastião Soares, Regina Maria, Antônio
Francisco e Cleyton Marcelus.
Relatar acontecimentos da vida ou vivências de um amigo/irmão é tarefa peno-
sa. Perdão, se não atingi o propósito. Bateu-me uma saudade insuportável. Ao respirar
novos ares, deparei-me com o poema de Edmond D’Haraucourt:

“Partir, c’est mourir um peu,


C’est mourir à ce qu’on aime:
On laisse um peu de soi-même
En toute heure et dans tout lieu
C’est toujours le devil d’um voeu...”

Partir c’est mourir un peu...

Mais mourir, c’est partir beaucoup!

*Graduada em Letras Clássicas pela Universidade Federal de Minas Gerais, com Pós-graduação em Língua
Portuguesa e Redação pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, é sócia fundada e efetiva do
Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri, ocupante da cadeira 37.

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Desbravando o Vale do Mucuri: o carro que chegou
em Ataléia antes da estrada
Adão Alves Teixeira*

No ano de 1836 o engenheiro francês Pierre Victor Renault foi contratado pelo
governador da província de Minas Gerais, desembargador Antônio da Costa Pinto, para
explorar as matas do vale do Mucuri e escolher um local ideal para a implantação de um
degredo na floresta, destinada a condenados e vagabundos. Antes mesmo dele concluir
essa missão, o governador da província mineira determinou que o francês explorasse tam-
bém o rio Todos os Santos, afluente do Mucuri, e este, até a sua barra no oceano Atlântico.
Impunha-se, na época, a necessidade de conhecer o solo brasileiro mediante o desbra-
vamento das matas, até então habitadas por gentios, e nesse propósito, a expedição de
Renault percorreu o rio Todos os Santos da sua nascente até desembocar no rio Mucuri.
Para isso enfrentou o engenheiro e sua equipe, com coragem e abnegação, toda
a rusticidade da natureza: a selva impenetrável - que para avançar tinha de abrir picadas
a golpes de foice e facão, as subidas íngremes, as depressões abruptas dentro da mata, as
chuvas torrenciais, as brenhas ásperas infestadas de insetos que infernizavam a vida dos
expedicionários - muitos deles transmissores de febres tropicais e outras doenças, o perigo
dos animais de grande porte e dos peçonhentos, ervas venenosas, o emaranhado de cipós,
os espinhos, travessias de rios, córregos, brejos, atoleiros, o cansaço, enfim muita penúria.
Era imensa a dificuldade de locomoção encontrada pelos desbravadores na terra inóspita.
Outro fator que apavorava a expedição, era a presença de selvagens canibais
da tribo dos ferozes aimorés ou botocudos, que habitavam a região e se movimentavam
silenciosamente, ocultados pela densa vegetação, observando os passos da expedição, às
vezes desferindo ataques traiçoeiros que forçavam os expedicionários a repelir a agressão
com armas de fogo e outros meios, até os índios desaparecerem novamente na mata, sem
cumprirem o propósito de expulsar os invasores de suas terras.
Depois de alcançar a barra do rio Todos os Santos, a expedição desceu o Mucuri
em canoas por eles feitas no local, até o oceano Atlântico, onde existia um pequeno po-
voado denominado São José do Porto Alegre, atual cidade de Mucuri, na Bahia. Em seu
relatório Renault contou as peripécias da longa exploração em terras do Brasil através da
Mata Atlântica e dos rios do vale do Mucuri e descreveu o lugar como uma selva bucó-
lica, servida por quedas d´água, com fauna e flora abundantes, madeiras de lei, muitas
especiarias (poaia, quina, noz moscada, canela-da-índia, sassafrás), dizendo que a mata
era saudável, que o rio Todos os Santos era riquíssimo em pedras preciosas em todo o seu
percurso, e que o Mucuri era majestoso e todo navegável (Eduardo Magalhães Ribeiro,
pag. 34). O relatório de Renault causou grande sucesso na Europa.
Naquela época a política do império era voltada para a ocupação dos vazios
populacionais do imenso território brasileiro. Teófilo Benedito Otoni, residente na ci-
dade do Rio de Janeiro, que além político era empresário, influenciado pelo relatório de
Renault e acreditando nas vantagens econômicas que o novo lugar tinha a oferecer, idea-
lizou a criação de um núcleo de colonização nas matas do Mucuri, a ser gerido de forma
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empresarial, para o que instituiu a Companhia de Comércio e Navegação do Mucuri, que
iniciou as suas atividades no ano de 1847, com o sonho grandioso de explorar e colonizar
todo o vale do Mucuri e ali implantar uma cidade, que se constituiria no núcleo central da
região nordeste de Minas Gerais.
O pioneiro Teófilo Otoni tinha também em mente implantar um serviço de nave-
gação fluvial nos rios Todos os Santos e Mucuri, para ligar o sertão ao mar, e possibilitar
o transporte de passageiros e da futura produção da companhia. Haveria a necessidade de
atrair moradores para a região, pois o crescimento populacional resultaria em maior busca
por terras e viabilizaria a exploração das matas cheias de índios do vale do Mucuri, com
possibilidade de explorar lavras para a extração de pedras preciosas e de utilizar o terreno
fértil do lugar para o plantio de roças, produção de mantimentos e criação de animais.
Após a realização de duas expedições pelos rios Mucuri e Todos os Santos, com
a finalidade de explorá-los, Teófilo Otoni tomou conhecimento que na época da seca as
águas do rio Mucuri baixavam a um nível impraticável à navegação, restando a possi-
bilidade de navegabilidade permanente até o litoral somente depois de uma cachoeira
existente nas proximidades de Santa Clara (Nanuque), mas apenas para pequenos navios
a vapor e assim mesmo de forma precária, por se tratar de rio raso.
Mas, em vez de desistir, o pioneiro fortaleceu a sua convicção da necessidade de
ligar o nordeste mineiro ao litoral e concebeu um projeto audacioso, de abrir uma estrada
de rodagem através da floresta para estabelecer uma comunicação terrestre entre o futuro
povoado de Filadélfia e o de Santa Clara, e implantar o seu sonhado serviço fluvial a par-
tir da cachoeira de Santa Clara, para ser operado através de pequenos navios a vapor até
São José de Porto Alegre, para, a partir daí, o transporte ser feito pelo litoral até a cidade
do Rio de Janeiro em navios de maior capacidade. Isso exigiu severas mudanças do seu
plano original.
Teófilo Otoni fundou, então, o povoado de Filadélfia às margens do rio Todos os
Santos. Esse nome foi escolhido para homenagear a próspera cidade norte-americana do
mesmo nome, que representava o progresso e era considerada o berço da liberdade, e a
data inaugural, 07 de setembro de 1853, foi uma homenagem à Independência do Brasil
de Portugal.
Iniciada a construção da estrada, que recebeu a denominação de Santa Clara, o
percurso foi dividido em 5 trechos:
“Na sua construção, foi dividida em cinco seções. A primeira Filadélfia/Saudade, ti-
nha 4 léguas e 3 quartos, dezessete pontes sobre córregos e rios com madeira de lei,
e exigiu aterro de 8 mil braças cúbicas. A segunda seção Saudade/Morro do Cupan,
de 3,5 léguas, exigiu a construção de quinze pontes. A terceira, Cupan/Urucu, 5 lé-
guas e um quarto. O trecho Ribeirão das Pedras era de 7 léguas e a última seção,
de 6 léguas, até Santa Clara, exigiu a abertura de trechos na rocha viva e uma mu-
ralha de 26 palmos de altura, à beira do rio Mucuri.” (Nilmário Miranda, p.104).
A região viu-se tomada de grande euforia e, em 1854, sentia-se o progresso de
Filadélfia e de Santa Clara, com o andamento dos trabalhos de abertura da estrada de
rodagem dentro da mata. Para acelerar o serviço da estrada e incrementar a colonização
da região, Teófilo Otoni começou a pensar na possibilidade de contar também com mão
de obra estrangeira.
Para conter os ataques dos índios ao pessoal da Companhia e garantir a seguran-

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ça do transporte de cargas, considerou a necessidade da criação de instalações militares,
para proteção também dos viajantes e das famílias dos colonos, obtendo do governo im-
perial a instalação do quartel de Urucu (Carlos Chagas), por Decreto de 14 de fevereiro
de 1855, às margens da estrada em construção.
Trechos da estrada margeavam a Serra Map Map Crac, então habitada pelos te-
míveis botocudos, o que levou Teófilo Benedito Otoni a exigir da sua equipe de trabalho
um tratamento de respeito e amizade com os gentios, dando-lhes presentes, principal-
mente ferramentas, visando estabelecer um bom relacionamento. Também, foi necessário
alterar o curso original da estrada para desviar de aldeias indígenas, com o que Teófilo
Otoni angariou a confiança dos selvagens e garantiu o prosseguimento das obras dentro
de suas terras, pois ao verem respeitadas as aldeias, perceberam que os construtores da
estrada não estavam ali para tomar as suas terras ou dizimar o seu povo.
Conseguiu, com o apoio do governo imperial, trazer a sonhada mão de obra es-
trangeira para trabalhar na Companhia do Mucuri, tanto na estrada como na colonização
do vale do Mucuri, mediante o recebimento de um quinhão de terras cultiváveis para cada
família de imigrante europeu, e em 1856 chegaram os primeiros colonos alemães, suíços
e portugueses da Ilha da Madeira, que foram logo empregados na construção da estrada.
O pioneiro Teófilo Otoni contou ainda com a mão de obra prestada por 100 traba-
lhadores chineses que chegaram juntamente com a primeira leva de colonos provenientes
da Europa. Ao contrário desses, os chineses não recebiam terras para cultivar, mas apenas
salários e ficavam alojados em ranchos ao longo da estrada (Nilmário Miranda, p. 104).
Antes disso, a Companhia Vale do Mucuri se valia dos serviços prestados por
grupos de brasileiros, escravos nacionais e africanos, e de lavradores trazidos do Vale do
Jequitinhonha, que teve uma ocupação mais antiga, iniciada no período da mineração de
Diamantina (Márcio Achtschin Santos e Leônidas Conceição Barroso, p. 19 e 71).
O projeto de Teófilo Otoni lançava bases econômicas e sociais ao possibilitar
a milhares de pessoas o acesso à propriedade, e também, por estar a província de Minas
Gerais isolada, longe do mar, os meios de comunicações terrestre e fluvial, implantados
pelo pioneiro, satisfaziam os anseios dos moradores e viajantes.
O vale do Mucuri, como um todo, foi palco de uma saga em plena selva bruta e
teve a sua colonização feita por brasileiros e imigrantes, que se deslocaram para a mata
desconhecida do nordeste de Minas Gerais, expondo-se como alvos de feras, febres, fle-
chas, desconforto, insegurança e dificuldade de adaptação à floresta tropical, resultando
num futuro cheio de dificuldades e de bravura, com o amansamento de selvagens e a
conquista da terra sob o comando de Teófilo Benedito Otoni.
A estrada pioneira, aberta no sertão, foi inaugurada em 23 de agosto de 1857 e é
considerada a primeira estrada de rodagem do Brasil, com 180 quilômetros de extensão,
largura mínima de três metros e com pontes de madeira em todos os córregos e rios,
registrando-se que no ano de 1859 ali trafegaram cerca de 40 carros particulares puxados
por burros e mulas, 200 carros de boi e 400 tropas de burros (Paulo Chagas Pinheiro,
apud Márcio Achtschin Santos e Leônidas Conceição Barroso, p. 51).
O trecho navegável do rio Mucuri, entre São José de Porto Alegre e a cachoeira
de Santa Clara, numa extensão de 25 léguas, cerca de 150 quilômetros (Wallace Gomes
Moraes, p. 48), permitia embarcar cargas e pessoas no pequeno vapor da companhia, o
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“Peruípe”, numa viagem que, quando o tempo estava bom e não havia interrupções por
encalhamento em bancos de areias, durava sete horas e meia. A partir dali a viagem pros-
seguia pela costa marítima em outro vapor da companhia, o “Mucuri”, até a cidade do
Rio de Janeiro.
Filadélfia foi elevada a distrito em 1857 e emancipada como cidade em 1878,
com a denominação de Teófilo Otoni, quando o seu fundador já era morto.
A estrada de rodagem Santa Clara, com o tempo reduziu-se a mera estrada de
tropas de burros de carga, mas teve relevante influência, pois por um período permitiu a
sobrevivência da região.
A Estrada de Ferro Bahia e Minas, tão sonhada por Teófilo Benedito Otoni, foi
criada em 1879, seguia o rumo oeste/leste e ligava o vale do Mucuri ao oceano Atlân-
tico. Ela iniciava-se no município de Araçuaí-MG, no vale do Jequitinhonha, passava
por Teófilo Otoni e terminava em Caravelas e Ponta de Areia, na Bahia, e teve enorme
importância social e econômica no transporte diário de pessoas e riquezas da região.
Após a invenção do automóvel e a introdução de carros movidos a motor a ga-
solina no interior brasileiro, com o advento de tratores a óleo diesel munidos de pneus ou
esteiras, e de lâminas para cortar o solo e remover a terra, alguns trechos da extinta estra-
da Santa Clara foram adaptados para trafegar veículos automotores, o que possibilitou a
viagem de carro de Teófilo Otoni a Carlos Chagas e Nanuque.
O município de Ataléia, integrante do vale do Mucuri, surgiu com a fundação
do povoado de Santa Cruz do Norte em 29.10.1930, que se emancipou posteriormente
como município, pelo Decreto-lei nº 1.058, de 31.12.1943, editado pelo governador do
Estado de Minas Gerais, em um cenário social e econômico de um Brasil agrícola, numa
época em que o deslocamento de pessoas na região era feito exclusivamente por montaria
a cavalo e o transporte de mercadorias no lombo de tropas de burros e mulas.
Foi nessa ocasião que os intrépidos Tenente Pedro, da ativa da Polícia Militar de
Minas Gerais e os cidadãos João Lopes e Homero Barbosa dos Santos, este último fazen-
deiro do distrito de Pedro Versiani, em façanha memorável, desafiando a total ausência de
estradas de rodagem no recém criado município de Ataléia, conseguiram chegar de carro
na nova cidade, para levar ao conhecimento de todos os seus moradores o progresso da
tecnologia do transporte rodoviário, que estava mudando os costumes do mundo e cau-
sando a substituição dos cavalos e charretes pelos automóveis, que superavam, sob todos
os aspectos, o transporte animal.
Esse feito extraordinário dos três destemidos viajantes ocorreu em agosto do ano
de 1944, apenas oito meses após a emancipação do município de Ataléia, quando saíram
de carro da cidade de Teófilo Otoni, distante 70 quilômetros, num automóvel Ford, mo-
delo 1929, ainda não tão eficiente e seguro como os carros modernos, passando por Pedro
Versiani, Saudade e Cupan (atual Entroncamento de Ataléia), onde deixaram a estrada
principal e seguiram à direita, em direção à nova cidade, passando a trafegar a partir dali
por trilhas cavaleiras que ligavam Bias Fortes, Cupan, Ataléia e São Fidelis (Fidelândia),
que eram completamente inadequadas para o tráfego de veículos de quatro rodas.
Enfrentando adversidades em terreno não preparado para o uso rodoviário, os
viajantes chegaram ao destino com o carro já sem operacionalidade, tanto que entrou na
cidade de Ataléia arrastado por bois de carro emprestados por fazendeiros por onde pas-

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saram. Os três aventureiros, eufóricos e triunfantes, foram recebidos como verdadeiros
heróis pela população, que se viu seduzida pela grandeza dos viajantes e do veículo moto-
rizado. O carro permaneceu na praça da igreja por muitos dias, simbolizando o progresso.
Era um tempo em que a abertura de estradas para carros naquela região era vista
com ceticismo, cuja possibilidade não era sequer cogitada pelas autoridades locais, até
surgirem aqueles destemidos motoristas conduzindo a máquina do progresso e mostrado
a nova realidade do mundo dos transportes, o que motivou o prefeito nomeado de Ata-
léia, Sr. João Ribeiro da Silva Neves Júnior, a criar uma comissão constituída pela classe
produtora da região, visando a construção de uma estrada de rodagem de Ataléia até o
entroncamento de Teófilo Otoni, com o auxílio comunitário e com as ferramentas dispo-
níveis no cotidiano de cada um, inspirados em Teófilo Benedito Otoni, que no passado
construiu uma estrada de rodagem de 180 quilômetros dentro da mata virgem.
Na ocasião a Prefeitura Municipal realizou uma sessão solene destinada a ho-
menagear os viajantes, e também para marcar o início da construção da estrada por eles
imaginada, quando o prefeito determinou a lavratura de uma ata, para registrar para a
posteridade tão importantes fatos, que tem o seguinte teor:

“Ata da Assembléia organizada pelo Sr. Prefeito de Ataléia, afim de ser re-
solvida com a cooperação dos habitantes do município de Ataléia, a constru-
ção da Estrada de rodagem que ligará o dito Município ao de Teófilo Otoni.

Depois de reunidos na sala de sessões da Prefeitura, da Cidade, teve início a As-


sembléia presidenciada pelo Ilmo. Sr. Prefeito, João R. da Silva Neves Júnior, que
convidou os Srs.: Ten. Pedro Ferreira dos Santos, João Lopes e Caio da Rocha para
fazerem parte da mesa. Tomou a palavra o Sr. João Lopes, que falou sobre o ato in-
trépido de homens de fibra, realizando o desejo de introduzir próxima às margens do
rio São Mateus, no município de Ataléia, dentro de zona ainda não desbravada por
máquinas movidas a combustível derivado de petróleo que marca uma era na ci-
vilização da humanidade. Viagem feita a custa de sacrifício e de boa vontade do Sr.
Prefeito e elementos representantes das classes trabalhadoras: lavoura e garimpo.

Com a contribuição destes, os intrépidos e destemidos Ten. Pedro, João Lo-


pes e Homero Barboza, provaram com atos e não com palavras, a possibili-
dade de tráfego, dentro em pouco tempo com a grande Cidade de Teófilo Oto-
ni. Falou o Sr. João Lopes, pela futura e eminente realização da construção da
estrada pelo Sr. Prefeito João Neves por onde se escoará toda a produção do Muni-
cípio, de fumo, milho, arroz e feijão, não se descurando a exploração do subsolo
brasileiro, subentendido pelo garimpo organizado pelas Leis do Código de Minas.
Pediu o Sr. João Lopes a cooperação de todos os presentes, representantes da la-
voura, do comércio e do garimpo, a fim de contribuírem para a construção da es-
trada que será, depois da vinda dos bandeirantes do progresso, o caminho para
a entrada da civilização e desenvolvimento do Município de Ataléia sob a dire-
ção do Sr. Prefeito João Neves. Falou em seguida o Sr. Clemente Ferraz que ofe-
receu ao Ten. Pedro um presente em reconhecimento ao seu ato de bravura.
O Sr. Prefeito usou em seguida da palavra oferecendo em nome das clas-
ses trabalhadoras uma oferenda ao Sr. Ten. Pedro. Este usou da palavra,
agradecendo a oferta e falando sobre a utilidade de transporte em auto-
móvel comparando o ganho de tempo em relação ao transporte em animal.
O Sr. Prefeito usou da palavra, aparteando, para que o Sr. Ten. Pe-
dro Ferreira aceitasse a oferenda como motorista intrépido que pela pri-

101
meira vez introduziu um automóvel nas terras do Município de Ataléia.
Tomou a palavra o Sr. Prefeito, falando sobre a construção da estrada, obedecendo a
pareceres ligados aos poderes administrativos do Estado, organização de uma comis-
são liderada pelo Sr. João Lopes, para tomar conta da realização da construção da
estrada. Foi eleito para presidente da mesma, por unanimidade, o Sr. Ten. Pedro que
em seguida usou da palavra, expondo suas condições de servidor da Pátria e do Es-
tado, excusando-se e pedindo que fosse indicado outro candidato para a presidência
da comissão, afim de não serem prejudicados os serviços de construção da estrada.
O Sr. Antonio Barboza aparteou pedindo ao Sr. Tne. Pedro a aceitação do cargo. Fa-
lou mais uma vez o Sr. Prefeito de Ataléia, sobre a destemerosa façanha, de não mais
o Ten. Pedro e sim Pedro Ferreira, João Lopes e Homero Barboza. Propôs em segui-
da o Sr. Prefeito, os nomes para a comissão, sendo aceito: Clemente Ferraz, Salim
Gazel, Miguel Halchaar, Pacífico Costa, Antero Celestino, Antonio Lemos, Home-
ro Barboza, Joel de Souza, Péricles Guedes, Vicente Pedroso, Clarismundo Pereira,
Antonio Benigno, Augusto Ferreira, Jovino Miranda, Manoel Maurício, Olímpio dos
Santos, José de Souza Paula, Wilfredo Míglio, Geraldo Lopes, Olímpio Silva, Mano-
el Alves Teixeira, Joaquim Vieira, Francisco Vieira, Cezário Lemos, Amadeu Raidan,
Melrin Schalub, Salles Gazel, Charif Gazel, João Teixeira e filhos, José de Araújo,
José de Aguilar, Cândido Penedo, Antonio Duarte de Oliveira, Ermelindo Magalhães,
Gustavo Laender e Elias Santana, sendo a dita comissão presidida elo Sr. João Lopes.
O fim dessa comissão é organizar e angariar auxílio para a construção da estrada.
Os Srs. Homero Barboza e Clemente Ferraz, em seguida fizeram donativos para a
construção da estrada, abrindo assim a lista de contribuições na Assembléia. Usou da
palavra o Sr. Prefeito propondo ainda ao Sr. Ermelindo Magalhães, que se dispôs a
contribuir com o que lhe for possível. Foi proposta e aceita a comissão. Presidente de
Honra Ten. Pedro Ferreira. Assinatura dos presentes à sessão histórica, realizada na
Prefeitura Municipal, no dia 20 de agosto de 1944. (a) João Ribeiro da Silva Neves
Júnior, Pedro Ferreira dos Santos, João Feliciano Lopes da Silva, Caio da Rocha, Sal-
les Gazel, Antonio Barbosa, Charif Bezerra Gazel, Clemente Esteves Ferraz, Herme-
lindo Magalhães Lopes, Salim Hassem Gazel, Homero Barbosa dos Santos, Cândido
Rodrigues Penedo, Péricles Ottoni Guedes, Martiniano Laender Guedes, Brício José
Severo, José Petrovick, Leonídio Machado Netto, Anuar Gazel, Elias Ignácio de San-
tanna, Nassar Miguel Alchaar, Pacífico José da Costa. Ataléia, 20 de agosto de 1944.”

Esse documento encontra-se transcrito às fls. 07 do Livro de Atas Históricas da


Prefeitura Municipal de Ataléia.
Todavia, a estrada idealizada pelos entusiasmados ataleenses mostrou-se inviá-
vel, pois a frente de trabalhadores braçais, composta de voluntários e alguns contratados,
com as suas ferramentas inadequadas, mal conseguiu cortar os barrancos e remover a
terra do primeiro pequeno morro que deparou, a poucos metros da ponte do córrego Cari,
e abatidos que foram pelo desânimo, os trabalhadores se viram obrigados a desistir da
empreitada, mesmo porque naquele tempo já havia tratores apropriados para esse tipo de
obra, deixando a construção da estrada para ato futuro do poder público.
Com o fim da ditadura de Getúlio Vargas houve eleições para presidente da
República, depois para governadores dos Estados e por último para prefeitos e vereado-
res de todos os municípios brasileiros, sendo eleito o primeiro prefeito de Ataléia, o Sr.
Álvaro de Castro Pires, que tomou posse no cargo no dia 28 de janeiro de 1948, em cuja
gestão iniciou-se a construção da primeira estrada de rodagem local, com uma extensão
de aproximadamente 20 quilômetros, da sede do município até o entroncamento Ataléia/
Teófilo Otoni, utilizando-se dos possantes tratores da época.

102
Essa estrada de terra foi inaugurada no ano de 1952, já na administração do
prefeito seguinte, Sr. Carlos Martins de Freitas, e permitiu o tráfego de jipes, automóveis,
camionetas, caminhões e jardineiras (ônibus) na região, formando verdadeira força reno-
vadora do desenvolvimento, com os veículos automotores vencendo caminhos e distân-
cias, abrindo-se com isso novas portas para o progresso através do transporte de gente e
de produtos, o que incrementou, inclusive, o surgimento de escolas rurais e a mobilidade
de professores e livros para difundir a cultura na região.
No ano de 1966 registra-se a extinção da Estrada de Ferro Bahia e Minas, que
tanta importância teve para a região, e o início da abertura de uma rodovia federal, que os
antigos de Ataléia insistiam em chamar de Estrada Santa Clara, porque seguia, em alguns
trechos, o mesmo trajeto da antiga estrada Filadélfia-Santa Clara, de sentido transver-
sal, de Teófilo Otoni para o litoral. Essa via, que foi entregue à população devidamente
pavimentada por asfalto, no início da década de 1980, passou a ser o meio principal de
escoamento de toda a região, tendo recebido a denominação oficial de BR-418 (Estrada
do Boi) e interligou as cidades de Teófilo Otoni, Carlos Chagas, Nanuque e outras, para
se encontrar, mais adiante, com a BR-101, de onde se ramifica para a orla marítima.
É importante citar o seguinte trecho, alusivo às estradas da região:

“O fim da Estrada de Ferro Bahia e Minas veio com a promessa da abertura de uma
estrada de rodagem asfaltada seguindo, na medida do possível, o mesmo percurso do
leito da ferrovia, o que só veio acontecer na década de 1980, deixando a região por
mais de 15 anos desprovida de estradas apropriadas para o seu deslocamento e esco-
amento da produção. Durante este período a população fez-se valer de grandes tre-
chos da velha estrada de rodagem Santa Clara, e o que ninguém poderia imaginar é
que, mais de 100 anos depois da sua construção, por falta de outra alternativa, a Santa
Clara voltaria a desempenhar seu papel de integrar o sertão de Minas Gerais ao lito-
ral sul da Bahia.” (Wikipédia – Plano IPAC Resumido – Prefeitura de Teófilo Otoni).

De um certo modo, pode-se dizer que a Estrada do Boi (BR-418) substituiu a


Estrada de Ferro Bahia e Minas, e esta, por longo período, substituiu a antiga Santa Clara,
e que essas três estradas interligaram o vale Mucuri às águas do Oceano Atlântico.
Das inúmeras famílias de estrangeiros, provenientes da Europa, que migraram
para o vale do Mucuri, e que começaram chegar ao Brasil no ano de 1857, para trabalhar
na Companhia Colonizadora do Mucuri (Lais Ottoni Barbosa Ferreira – p. 61), algumas
delas estabeleceram ligações com Ataléia, dentre as quais as famílias Laender, Saus-
mikat, Cantão, Kretli, Schuffner e a de Joaquim Ferreira Lemos - originária da Ilha da
Madeira, Portugal.
Em 1987, cerca de 45 anos depois da abertura da primeira estrada que se es-
tendia da sede do município de Ataléia até o Entroncamento/Teófilo Otoni, a mesma
foi pavimentada com asfalto, na gestão do prefeito João Batista da Silva (João Buteco),
e inaugurada pelo governador do estado, Sr. Hélio Garcia, ocasião em que foi prestada
uma justa homenagem ao falecido pai do prefeito, que fora integrante da Comissão de
1944, que executou serviços braçais na frustrada tentativa de construção de uma estrada
de rodagem para Teófilo Otoni, recebendo a via inaugurada o nome de Rodovia Olímpio
José da Silva - MG-412 - Trecho Ataléia/Entroncamento da BR 418 (Estrada do Boi).

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Referências:

Nilmário Miranda - TEÓFILO OTTONI A REPÚBLICA E A UTOPIA DO MUCURI. São Paulo, 2007. Caros
Amigos Editora.

Márcio Achtschin Santos e Leônidas Conceição Barroso - A ESTRADA SANTA CLARA NO SÉCULO XIX:
Caminho de “Gentes” e Vivências no Mucuri. Belo Horizonte, 2017. Gráfica O Lutador.

Eduardo Magalhaes Ribeiro - ESTRADAS DA VIDA. Belo Horizonte, 2013. UFMG.

Lais Ottoni Barbosa Ferreira - POVOADORES DO VALE DO MUCURI. Rio de Janeiro, 2004. Fábrica de
Livros Senai-RJ/Funguten.

Paulo Chagas Pinheiro - TEÓFILO OTONI: MINISTRO DO POVO. B. Horizonte, 1982. Itatiaia - e INL,
Fundação Nacional Pró-Memória.

Wallace Gomes Moraes – SOBRE AS ÁGUAS DO MUCURI. São Paulo, 2012. Ixtlan.

*Natural de Ataléia, Juiz de Direito aposentado pelo Estado de Mato Grosso do Sul e membro correspondente
da Academia de Letras de Teófilo Otoni e do Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri.

104
Composição histórica:
o município de Teófilo Otoni e derivados
José Moutinho dos Santos*

O dia da fundação do povoado foi marcado pelo alinhamento da primeira rua;


uma rua plana e reta, no rumo norte-sul, batizada a primeira rua de Filadelfia. Hoje Teófi-
lo Otoni é um município brasileiro no interior do estado de Minas Gerais, região sudeste
do país. Localiza-se no vale do Mucuri, a nordeste da capital do estado. A região começou
a ser desbravada no decorrer do século XVI, em expedições que visavam a encontrar
ouro e diamante na região, porém, somente em 1853 é que chega ao lugar a chamada
“Companhia de Comércio e Navegação do Mucuri,” que tinha objetivo de povoar o Vale
do Mucuri e era comandada por Teófilo Benedito Ottoni. Este fundou o núcleo pioneiro
à margem do rio Todos os Santos, no dia 7 de setembro daquele ano, e sua emancipação
política ocorreu em 09/11/1878, com a criação do município pela Lei Provincial número
2.486, e com o desmembramento de Minas Novas. A instalação de sua comarca ocorreu
em 04/11/1880, e o município possui uma área geográfica de 3.242.27 km². Tendo recebi-
do uma considerável quantidade de imigrantes, principalmente alemães, e, com o passar
do tempo, o município descobriu sua vocação econômica para a exploração de pedras
preciosas, sendo considerada hoje a “Capital Mundial das Pedras Preciosas.” Além de
se destacar no setor exploração mineral, Teófilo Otoni também possui alguns atrativos
turísticos, de valor cultural ou histórico, como o prédio da Cemig, que se revela pela sua
arquitetura e história, tendo sido fundado em 29/02/1928; e a Igreja Matriz. Também há
eventos de relevância regional ou mesmo nacional e internacional, como a Feira Interna-
cional de Pedras Preciosas (FIPP), a festa da descendência alemã e o Festival de Teatro
de Teófilo Otoni (FESTO).

História – origem e pioneirismo:

As terras do atual município de Teófilo Otoni começaram a ser desbravadas


ainda no século XVI, em expedições que visavam encontrar ouro e diamante na região.
Nas décadas seguintes, destacaram-se as de Sebastião Fernandes Tourinho (1573) e An-
tônio Dias Adorno (1580), sendo que ambas contribuíram para que fosse feito um “ma-
peamento” da região. O lugar continuou desabitado até o começo da década de 1750,
quando afixa-se o mestre de campo João da Silva Guimarães. Na mesma época também
é constituída, a mando de Antônio José Coelho, a Fazenda Mestre de Campo; hoje sede
da Colônia Francisco Sá, que reúne colonos nacionais, alemães austríacos e outros. Com
as terras originalmente ligadas à antiga Comarca do Serro Frio e depois ao município de
Minas Novas a história do município liga-se à história de seu fundador, Teófilo Benedito
Ottoni que, após renunciar ao seu mandato de deputado, iniciou a colonização do vale do
Mucuri com a fundação da chamada “Companhia de Comércio e Navegação do Mucuri”.
Foi fundado em 7 de setembro de 1853, o núcleo primeiro, à margem do rio Todos os
Santos, denominado “Filadelfia”, em homenagem à cidade homônima, (dado o rápido
105
desenvolvimento alcançado por esta).
Também conhecida como rua Direita e atualmente como av. Getúlio Vargas,
anos a seguir se destacaram as melhorias na infraestrutura nos armazéns e, em 1858 fo-
ram abertas estradas ligando povoados.
Em 1856, chegam os primeiros descendentes de alemães e suíços; vindos atra-
vés de anúncio publicado na Alemanha convocando colonizadores que teriam amparo por
parte da “Companhia Mucuri”, que muito colaboraram na construção das estradas ligan-
do Filadelfia ao povoado de Santa Clara, a primeira rodovia do interior do Brasil, tendo
sido inaugurada em agosto de 1857, com cerca de 170 km de extensão e nela trafegavam
uma média anual de 40 carros particulares puxados por bestas, 200 carros de boi e 400
lotes de burros.

Evolução Administrativa e História Recente.

Àquela época estima-se uma população de cerca de 600 habitantes e 13 - domi-


cílios; sendo que muitos saíram da cidade em decorrência dos constantes problemas com
epidemias de doenças tropicais e ataques dos índios botocudos, do povoado de Filadelfia,
fundado oficialmente em 7 de setembro de 1853. Foi criada a freguesia com a denomina-
ção de Nossa Senhora da Conceição da Filadelfia, pela Lei provincial nª 808 de 3 de julho
de 1857. Pela Lei provincial n‘ 2486, de 9 de novembro de 1878, é criado o município de
Filadelfia e o antigo povoado recebeu nome de Teófilo Otoni, em homenagem Theófilo
Benedicto Ottoni, tendo se desmembrado de Minas Novas. Nos anos seguintes ocorreram
a criação e a emancipação de vários distritos de Teófilo Otoni. Atualmente existem seis,
sendo eles: Crispim Jaques, Mucuri, Rio Pretinho, Pedro Versiani e Topázio. A última
alteração territorial ocorreu pela Lei estadual nª 10.703, de 27 de abril de 1992, quando se
emancipou o distrito de Frei Gonzaga, atual cidade de” Novo Oriente de Minas”. A área
do município, segundo o Instituto de Geografia (IBGE), é de: 3 242,27 km², sendo que
27,68 km² constituem à zona urbana, e está a uma distância de 450 quilômetros a nordeste
da Capital mineira. Seus municípios são: Novo Oriente de Minas, ao norte; Pavão, a nor-
deste; Carlos Chagas a leste; Ataléia, a sudeste; Frei Gaspar, a sul; Itambacuri, a sudoeste;
Poté e Ladainha, a oeste; e Itaipé e Catuji, a noroeste. De acordo com a divisão regional
vigente desde 2017, instituída pelo IBGE, o município pertence às regiões geográficas
intermediária e imediata de Teófilo Otoni. Até então, com a vigência das divisões em
microrregiões e mesorregiões, fazia parte da microrregião de Teófilo Otoni, que por sua
vez estava incluída na mesorregião do vale do Mucuri.
O relevo do município de Teófilo Otoni é predominantemente montanhoso.
Aproximadamente 60 por cento do território teófilo-otonense é coberto por mares de
morros e montanhas, enquanto em cerca de 30 por cento há o predomínio de terrenos
ondulados, e os l0 por cento restantes são lugares planos. A altitude máxima encontra-se
na divisa com o município de Novo oriente de Minas que chega a 1.138 metros, enquanto
que a altitude mínima está na foz São Julião, com 366 metros. O solo é rico em gemas,
sendo possível encontrar diversas variedades como: águas marinhas, topázio, ametistas,
crisoberilos e turmalinas. O território é banhado por vários pequenos rios e córregos, sen-
do os principais: o rio Todos os Santos, o rio Marambaia, o ribeirão Poton e o córrego São

106
Julião. A cidade faz parte da bacia do rio Mucuri, que se estende por outros 16 municipios
e está incluída na bacia agrupada do Atlântico Leste.
No decorrer do século XX a cidade continuou a se destacar no ramo da extração
de pedras preciosas, sendo reconhecida como a “Capital Mundial das Pedras Preciosas”. O
uso de recursos tecnológicos tem sido cada vez mais aplicados na extração dos minerais.

O Vale do Mucuri.

Trata-se de uma das regiões do estado brasileiro, Minas Gerais, cujo nome se
deve ao fato de o vale ser percorrido pelo rio Mucuri. E entre as suas principais cidades,
a mais populosa é Teófilo Otoni. O território do vale do Mucuri, está localizado no nor-
deste de Minas Gerais, divide-se em duas áreas distintas: médio e baixo Mucuri. Solo de
média e alta composição, exigindo pouca correção para o cultivo, Alto Mucuri: solo árido
de baixa fertilidade, necessitando de correção para o cultivo, exigindo assim tecnologia
e conta com 27 (vinte e sete) municípios e uma área de 24.882 km²: Águas Formosas,
Ataléia, Bertópolis, Campanário, Carlos Chagas, Catuji, Crisólita, Frei Gaspar, Fronteira
dos Vales, Itaipé, Itambacuri, Jampruca, Ladainha, Malacacheta, Machacalis, Nanuque,
Ouro Verde de Minas, Pavão, Pescador, Poté, Serra dos Aimorés, Teófilo Otoni, Umbu-
ratiba e mais 03 municípios criados em l995: Franciscópolis, Novo Oriente de Minas e
Setubinha.
Com limites geográficos:
A LESTE com o sul da Bahia e o norte do Espírito Santo
Ao NORTE, região do médio Jequitinhonha de Minas Gerais.
Ao SUL, estado do Espirito Santo e região do Vale do rio Doce de Minas Gerais
A OESTE, região do Alto Jequitinhonha de Minas Gerais.

DADOS DEMOGRÁFICOS:

A população dos municípios territoriais do vale do Mucuri, perfaz aproximada-


mente 464.844 habitantes com uma densidade demográfica de 18,68 habitantes por qui-
lômetro quadrado. O município de maior população é Teófilo Otoni, 134.733 habitantes.
O de menor é Umburatiba, com 2.700 habitantes. A população média por município é de
17.216 habitantes excluída a cidade de Teófilo Otoni, temos a média de 12.626 habitantes
por município.
Entre suas principais cidades, se encontram Teófilo Otoni, conhecida por sua
economia voltada as pedras preciosas, e Nanuque com a pecuária, como pontos fortes.
A Capitania de Minas Gerais do século XVIII e início do século XIX, era divi-
dida em quatro Comarcas que definiam o atual território do Estado. Eram: Comarca do
Rio das Mortes com sede em São João Del-Rei; Comarca do rio das Velhas, com sede
em Sabará. Comarca de Vila Rica, com sede em Ouro Preto. Comarca de Paracatu, com
sede em a Vila do Príncipe e finalmente, Comarca do Serro Frio, com sede no Serro.O
Vale de Jequitinhonha e o vale do Mucuri constituíam o nordeste dessa Comarca no terri-
tório do município de Minas Novas. Os habitantes da região do Serro foram os primeiros
colonizadores do Jequitinhonha, Mucuri, Doce e São Mateus, dedicando-se à lavoura e
107
à pecuária. Porém, o maior ato de empreendedor do Mucuri deve-se ao empresário polí-
tico Teófilo Otoni que fundou a Companhia do Mucuri, de capital aberto, com incentivo
do governo da província de Minas Gerais. Visava à navegação do rio Mucuri desde sua
barra na província da Bahia até o último ponto navegável em Minas. Ottoni sabia que era
necessário povoar a região com lavradores; daí o assentamento de portugueses, germanos,
franceses, italianos, suíços, belgas, holandeses, chineses, espanhóis, sírios e libaneses,
resolvendo em parte o problema da mão-de-obra. Entre os mesmos encontravam-se: sa-
pateiros, carpinteiros, ferreiros, oleiros, tecelões, seleiros, boticários, curtidores, padeiros,
alfaiates, calceteiros, agrimensores, engenheiros, professores e pintores. A tentativa de Te-
ófilo Otoni no desenvolvimento do Mucuri,foi importante, mas não teve continuidade. A
região permaneceu isolada, comunicando-se internamente através de um primitivo trans-
porte fluvial, alternado pelo cavalo de sela, pela tropa de burros e carros de bois. Apenas
no início do século XX foi possível promover a ligação do território com um porto de mar.
Isto se deu com o advento da estrada de ferro Bahia-Minas que ligava a cidade ao porto de
Caravelas, na Bahia, atendendo à produção e comércio de café. Foi, entretanto, curto este
período de interação, pois com a crise do café em 1930 a estrada caiu paulatinamente em
desuso por falta de cargas, até ser fechada ao tráfego. Adaptando-se aos novos tempos, a
base produtiva regional voltou-se para pecuária e mineração, beneficiamento e comercia-
lização de pedras preciosas.

*Advogado, escritor e poeta, sócio correspondente do Instituto Histórico do Mucuri e membro correspondente
da Academia de Letras de Teófilo Otoni – Minas Gerais.

108
O grande desafio dos Maxakali (Tikmũ’ũn)
Adevaldo Rodrigues de Souza*

BOTOCUDOS

Os botocudos também chamados de tapuias, aimorés ou buruns ocupavam


grande território nos estados da Bahia, Espírito Santo e Minas Gerais. Eles são consi-
derados um dos primeiros habitantes das bacias do Mucuri, Rio Doce e Jequitinhonha.
Andavam nus e sem destino pela selva, sobrevivendo da caça e da pesca. Suas moradias
eram rudimentares. Adornavam os corpos com argolas de madeira, nos lábios e nas ore-
lhas. Os botoques, adornos faciais em forma de disco, foram responsáveis pelo apelido
de botocudos que receberam, pois lhes davam uma aparência horrenda, motivada pela
deformação labial.
Os botocudos, índios ferozes, sob o olhar dos colonizadores, eram vistos como
inimigos, motivando D. João VI declarar seu extermínio na ofensiva chamada “Guerra
Justa”, que destribalizava e marginalizava os silvícolas. Em represália a esses horrores,
os índios começaram a praticar antropofagia, devorando as vítimas que lhes caíssem nas
mãos. Ao final, a guerra desigual foi vencida pelos brancos que usavam armas de fogo
e, antes mesmo do fim do século XIX, os botocudos encontravam-se quase extintos. O
príncipe alemão Maximiliano Wied esteve em 1815 nos vales do Jequitinhonha e do
Mucuri e escreveu: “A memória dos rudes tapuias desaparecerá da terra com o seu corpo
desnudo, que seus irmãos confiam à cova, pois é indiferente para as futuras gerações que
um botocudo ou uma fera tenha vivido outrora nesse ou naquele lugar”.
No século XVII o litoral brasileiro dos estados da Bahia e Espírito Santo era
disputado pelos índios tupis e tapuias, que travavam lutas sangrentas entre si. Em uma
delas os tupis – que vieram mais do Sul – agrediram os tapuias, fazendo com que eles
migrassem para o interior dos estados da Bahia, Minas Gerais e Espírito Santo. Tempo
depois eles voltaram ao litoral trazendo outros nomes como: aimorés, abatiras e pataxós,
entre outros. Novas lutas foram travadas e os tupis finalmente foram repelidos para o
Sul. Alguns escritores consideram que os maxakali, maconi e borun são descendentes
dos tapuias, talvez da vertente dos aimorés. Os botocudos se distinguiam dos maxakali e
maconis pela índole perversa. Eram mais fortes e tinham uma inteligência inferior.

109
Figura 1: Botocudos, Buris, Pataxós e Mucharís (1834)
Fonte: Jean-Baptiste Debret

ORIGEM DOS MAXAKALI

Segundo o engenheiro alemão e escritor Henrique Geber no seu livro “Noções


Geográficas e Administrativas de Minas Gerais”, editado em 1863, a população indígena
entre o rio Doce e Jequitinhonha é descendente dos tapuias e tupis.
Segundo o etnólogo alemão Curt Nimuendajú – que visitou os maxakali em
1939 –, as primeiras informações sobre os maxakali são do século XVIII, através de uma
carta do Mestre Campo João da Silva Guimarães, datada em 26 de maio de 1734. Os
maxakali habitavam as áreas que englobavam os vales dos rios Jequitinhonha, Mucuri e
São Mateus e foi na região do Mucuri que aconteceu o primeiro contato entre os colonos
e esses indígenas. O mestre de Campo à frente de uma grande bandeira procurou conquis-
tar a confiança dos maxakali, para depois fazê-los prisioneiros e os levar para o comércio
de escravos.
A partir do século XVIII começou a colonização na região do Jequitinhonha e
Mucuri pelo homem branco e interações com os povos indígenas, principalmente os ma-
xakali, malali e maconi. Com a consolidação da colonização foram estabelecendo alian-
ças entre povos e os colonos de se protegerem e combater os bravios Borun, chamados de
Botocudos.
Dois grupos destacaram-se entre as nações descendentes dos tapuias: borun
e maxakali que habitavam os vales dos rios Mucuri, Jequitinhonha e São Mateus. Os
índios borun possuíam moradias rudimentares, andavam nus e sem destino pela selva,
sobrevivendo da caça, da pesca, de raízes e frutos silvestres. Usavam argolas de madeira
nos lábios e nas orelhas. Os botoques ‒ adornos faciais em forma de disco chamados
de “imatós” – foram também responsáveis pelo apelido ofensivo de “botocudos” que
receberam, pois lhes davam uma aparência bizarra, motivada pela deformação labial. Os
índios maxakali e os botocudos continuaram no interior de Minas Gerais e Bahia, onde
viviam em inimizade, por tradição. No início do século XVIII era possível encontrar os

110
maxakali às margens dos rios Prado, Alcobaça e Itanhém. Embora mantivessem relações
de comércio com os brancos, viviam em lutas encarniçadas com os botocudos. Eram
errantes, e, a partir das margens dos rios citados, seguiram o percurso em direção à Serra
dos Aimorés, alcançando as bacias dos rios Jequitinhonha, Itanhém e seus afluentes.

Figura 2: Maxakali (1939)


Fonte: Curt Nimuendajú

SEDIMENTAÇÃO

Segundo algumas versões, após ataques ferozes dos botocudos sobre os ma-
xakali, os últimos asilaram-se no Quartel do Alto dos Bois (Angelândia), junto com os
Maconi, que também eram perseguidos pelos botocudos. Como não se adaptaram a esse
quartel, os maxakali voltaram para o vale do Jequitinhonha e, perseguidos pelos Botocu-
dos, foram alojados no Quartel de Água Branca, onde surgiu o povoado de Quartéis, hoje
cidade de Joaíma. Em 1811 o alferes Julião Fernandes Leão, cumprindo determinação do
governo da Província de Minas Gerais, chegou para fundar e dirigir esse quartel. A evan-
gelização ficou por conta do padre José Pereira Lidoro e depois pelo padre Domingos
de Casali, sendo que o assentamento já chegou a abrigar dois mil índios entre maxakali,
nacknuke e malali. Nem todos os maxakali fixaram em Quartéis, pois o grupo do cacique
Ariary, não aceitando as humilhações do alferes Julião e a catequese imposta pelo padre
Domingos, fugiram para a cabeceira dos rios Rubim do Sul e Prates. Mais tarde esse gru-
po tentou fixar-se em Salto da Divisa, entretanto foram expulsos por posseiros brancos
ávidos para conseguir aumentar seus latifúndios. Depois de percorrerem por Palmópolis
e Medeiros Neto os índios maxakali voltaram e finalmente fixaram-se nas cabeceiras
dos córregos Umburaninha, Pradinho e Água Boa, nos atuais municípios de Bertópolis e
Santa Helena de Minas.
Devido aos constantes conflitos entre índios maxakali e os posseiros, em 1920 o
governo de Minas Gerais cedeu à União 2.000 hectares de terras sob seu domínio, para a

111
instalação de postos indígenas na cabeceira do rio Umburanas, visando resolver a questão
dos chamados índios errantes. Só vinte anos depois, em 1940, foi demarcada a área cha-
mada de Terras Indígenas Água Boa e deixando sem solução a área hoje conhecida por
Terras Indígenas Pradinho. A insatisfação dos índios e os conflitos com os fazendeiros
motivaram a reabertura das negociações entre o Serviço de Proteção ao Índio e o governo
mineiro para demarcação das Terras Indígenas, Pradinho, que começaram em 1951 e
concluíram em 1956. Porém, a demarcação criou um fato inusitado: as duas áreas ficaram
isoladas por um corredor de fazendas, inviabilizando o contacto e os deslocamentos dos
índios entre as duas áreas e agravando os conflitos com os fazendeiros. Os direitos territo-
riais das terras indígenas do Pradinho e Água Boa só foram homologados em 04/10/1996
pelo governo federal.

ÚLTIMA LUTA CONTRA OS BOTOCUDOS

Conforme narrativa do escritor Péricles Ribeiro (1970) no final do século passa-


do, um grupo indígena maxakali descendente da tribo do Capitão Ariary andava inquieto
pelas matas do córrego Jitirana até a cabeceira do rio Umburanas, procurando um lugar
seguro e de boa provisão de caça e pesca para construir uma aldeia. Na mesma ocasião
um grupo dos botocudos já estava instalado às margens do córrego Norte e o encontro
entre esses dois grupos, era inevitável. Os botocudos, ao descobrir a aproximação de seus
rivais, viram como oportunidade de praticar uma emboscada. Eles esperaram os maxakali
instalarem suas moradias no mato e silenciosamente fizeram um cerco em torno das ca-
banas recém-construídas atacando-os com flechas, facões e tochas de fogo. Na investida
traiçoeira três guerreiros conseguiram fugir do cerco e através da retaguarda dos botocu-
dos fizeram uma ação defensiva. A luta foi sangrenta, entretanto os maxakali conseguiram
afastar seus inimigos. O resultado da emboscada foi catastrófico para os maxakali, com
morte de homens, mulheres e crianças, sobrevivendo apenas dois homens e sete mulheres,
que juraram vingança pelo ataque traiçoeiro.
Alguns anos se passaram e os botocudos regressaram para a mesma região, isto é,
para as margens do Córrego Norte, no atual município de Santa Helena de Minas. Quando
um grupo desses botocudos estava caçando encontraram com um grupo dos maxakali
que estavam retornando para suas aldeias. Depois de alguns entendimentos os botocudos
convidaram os rivais para visitar a aldeia deles para caçar, pescar e festejar o encontro. Os
maxakali deliberaram que era o momento de vingança pelo ocorrido no último encontro
dos dois grupos e escondendo as armas no mato chegaram à aldeia dos inimigos desarma-
dos para os festejos. Depois de dez dias de comemorações os maxakali decidiram agir e
durante a noite pegaram as armas escondidas e atacaram os inimigos que estavam dormin-
do. Foi um massacre, sobrevivendo apenas cinco mulheres. Dessas mulheres, quatro não
aceitaram a união com homens da tribo maxakali, sendo sumariamente eliminadas e a que
sobreviveu casou-se com um jovem maxakali, produzindo filhos mestiços. Os anos pas-
saram, sendo que os descendentes desse casal ficaram morando em Água Boa e segundo
Péricles Ribeiro essa aldeia não gozava de boa reputação junto à aldeia do Pradinho, pela
existência de um índio chamado Adolfo, que era descendente dos botocudos. Atualmente
eles conservam uma boa convivência, pois aqueles acontecimentos foram esquecidos.

112
NOME E LÍNGUA

Segundo a pesquisadora Frances Blok Popovich (1980) – que fez pesquisa jun-
to aos índios Maxakali, em 1959 –, o linguista theco Loukota classificou a língua Ma-
xakali como “Paleo-american”. Já o escritor Aryon Rodrigues a classificou como tronco
“Macro-Jê”, sendo a classificação aceita até os dias de hoje. Quanto ao termo “maxaka-
li”, Popovich considera desconhecido, isto é, não surgiu do próprio povo, pois eles nem
conseguem pronunciá-lo com facilidade. Ela afirma que o etnólogo Curt Nimuendajú
(1958) considera que o termo usado para designar a si próprios era Monacó bm”. Depois
completa: é bem possível que Nimuendajú estivesse se referindo ao termo mõnãyxop
(antepassado). Depois ela conclui que o termo adequado para designação desses povos é
tikmũ’ũn, também é um coletivo de nós.
Atualmente o português é falado com relativa fluidez entre os povos tikmũ’ũn,
entretanto, entre si, eles se comunicam na língua tribal, o que, para muito, deixa o grupo
um pouco isolado.

COSTUMES, MORADIAS E CULTURA

Graças às florestas do vale do Jequitinhonha e depois do vale do Rio Doce, os


maxakali não tiveram a mesma sorte das tribos que habitavam o litoral, as quais foram
dizimadas pela ganância dos invasores. De acordo com o antropólogo e escritor Darcy
Ribeiro, os maxakali mostram dois tipos de valores em relação ao mundo fora da reser-
va. Enquanto uns tentam desesperadamente manter as tradições da tribo, outros estão
conscientemente reorganizando a cultura para conciliar o novo com o tradicional, a fim
de conservar o velho patrimônio cultural dentro de um novo estilo de vida. Ele afirma:
“A tribo indígena maxakali de Minas Gerais é o único grupo do Leste do Brasil que con-
servou o suficiente da sua tradição cultural, a ponto de permitir um estudo do tipo que
estamos abordando...” (Ribeiro, 1967).
Os tikmũ’ũn sobreviveram a vários massacres, expulsões, desafios e seguem re-
sistindo às dificuldades de se concentrarem em territórios reduzidos e degradados. Após
sua sedimentação nas cabeceiras dos córregos Pradinho e Água Boa, no século XX. Suas
moradias eram bastante rudimentares. Segundo Neli Ferreira Nascimento em sua disser-
tação de mestrado, o pesquisador austríaco Johann Emanuel Pohl em 1820 descreve a
aldeia maxakali com as seguintes características:

A aldeia consta apenas de cinco choças, cujas paredes e teto são feitos de palhas de palmei-
ra frouxamente entretecidas e alguns abrigos baixos, do habitual formato esférico. Essas
choças limitam uma praça irregularmente quadrilátera, em cujo centro se acha um poste
branco de braça e meia altura, em torno do qual estes índios costumam executar as suas
danças... Dentro das choças, encontramos o mobiliário de sempre -: cabaças usadas como
recipientes para água, redes de cipó, arcos e flechas. (NASCIMENTO, N.F.p.43,1984).

Passados cento e trinta e oito anos, Numuendajú, apresentou um relatório sobre


os maxakalí no qual descreve os aspectos da organização social, características da mora-
dia e alguns de seus hábitos:

113
As choças dos machacalí são pequenas e mal feitas, de planta retangular, de cumeeira ou
meia-água, cobertas de casca de pau ou capim. Algumas têm paredes de barro. Em Água Boa
as choças formam quase uma rua (...) Dormem em giraus sobre trapos de roupa, pois rara-
mente possuem uma esteira. Outros dormem no chão, à beira do fogo. As suas redes de imbi-
ra de ambaúva só servem para descansar durante o dia”. (NIMUENDAJÚ, pag. 90, 1958).

Como o passar dos anos os maxakali foram modificando esses costumes, prin-
cipalmente após o meado do século XX, devido à influência do homem branco e da
assistência social recebida do governo. Os tikmũ’ũn gostam de festas e danças, apesar de
seus semblantes retratarem tristeza. Eles comemoram a colheita do milho, da mandioca,
melancia e apreciam as festividades do dia 28 de junho com fogueiras, danças e canto.
Entre os povos maxakali é normal a união de casais da mesma tribo, quando os
casamentos acontecem com idade aproximada de 13 anos para a índia e 17 anos para o
índio. Após o nascimento de um filho há separação conjugal até que a criança comece
andar; que acontece em torno de um ano. Nesse período pode haver conluio do marido
com outras índias, pois na tribo há mulheres que aceitam esse tipo de realacionamento.
Entre os casais podem acontecer separações, período em que a mulher permanece com
os pais, podendo posteriormente decidir pela reaproximação ou afastamento definitivo
dos cônjuges. Atualmente eles possuem registro civil, mas cada índio goza do direito de
ter dois nomes, sendo um indígena e outro brasileiro, não havendo sobrenome. O faleci-
mento de um índio comove toda a tribo, havendo jejuns, choros e lamentações. Havendo
necessidade especial ou perigo para a aldeia reúnem-se os líderes com os pajés em seu
templo religioso – normalmente no centro da aldeia –, sendo depois comunicado à tribo
o resultado das resoluções. Popovich faz uma descrição desses povos.

“Os maxakali são um povo extraordinário. Durante os oitenta anos de contato per-
manente com a cultura dominante, mantiveram sua \língua, suas tradições orais,
sua religião e seu sistema de parentesco. O sistema de parentesco é o sustentácu-
lo da organização política. Os chefes de família, através de suas opiniões, exer-
cem forte liderança, e sua sociedade igualitária é governada à base de consenso.
Tudo isso traz propósito e continuidade em suas vidas” (POPOVICH, 1994, p.47).

Figura 3: Povos indígenas maxakali: Aldeia Verde (município de Ladainha)


– Água Boa (município de Bertópolis) – Pradinho (município de Sta. Helena de Minas).
Fonte: Revista “Ladainha em Foco”, maio/2015 – Facebook “Os Mió dos Bertos”, agosto 2108

114
COMO VIVEM ATUALMENTE

Os índios maxakali e os botocudos continuaram no interior de Minas Gerais e


Bahia, onde viviam em inimizade por tradição. A partir de 1815 era possível encontrar os
maxakali às margens dos rios Prado, Alcobaça e Itanhém. Embora mantivessem relações
de comércio com os brancos, viviam em lutas encarniçadas com os botocudos. Eram
errantes e a partir das margens dos rios citados, seguiram o percurso em direção à Serra
dos Aimorés, alcançando as bacias dos rios Jequitinhonha, Itanhém e seus afluentes.
Formam atualmente uma das maiores populações indígenas do estado de Minas Gerais,
apesar da influência do homem branco. Suas terras têm sido invadidas por fazendeiros
ao longo dos tempos. Vivem atualmente em quatro municípios: Bertópolis (terras indí-
genas do Pradinho); Santa Helena de Minas (terras indígenas de Água Boa); Ladainha
(terra indígenas de Aldeia Verde e Aldeia Nova) e Teófilo Otoni (terras indígenas de
Cachoeirinha).
Embora não se disponha de dados demográficos precisos, informações indicam
que desde a ocupação da região do rio Umburanas pelos pecuaristas, houve decréscimo
populacional dos maxakalí. Como fatores citam-se: redução de sua qualidade de vida;
conflitos com os fazendeiros da região que resultou em assassinatos; alta taxa de morta-
lidade infantil em decorrência da desidratação, disenteria, infecções e anemia. Em 1997
a população maxakali somava 802 índios, sendo 415 em Água Boa e 387 em Pradinho.
Nesse século houve um incremento significativo na população desses povos, motivado
pela implantação de políticas públicas com assistência social, médicos, enfermeiros e
dentistas lotados em suas aldeias, além de receber bolsa família. Provavelmente a popu-
lação tenha triplicado nos últimos anos.
Atualmente o maxakali está bastante inserido na cultura do homem branco.
Cobre todo o corpo, com exceção de crianças até certa idade. A caça e a pesca estão
escassas, portanto cultiva em suas roças mandioca, banana, batata, mamã, milho e abó-
bora, entre outros produtos, para sua sobrevivência. Verifica-se uma representatividade
política significativa desses povos: No município de Bertópolis dos nove vereadores
eleitos em 2020 dois pertencem aos povos indígenas da aldeia Pradinho e no município
de Santa Helena de Minas a vice-prefeita eleita pertence aos povos indígenas de Água
Boa. No município de Ladainha não é diferente: Isael Maxakali já foi eleito vereador
daquele município em 2016.

Figura 3: Evolução das moradias dos maxakali do século passado e nos dias de hoje.
Fonte: Foto: Geralda Soares, 1985 – https://www.ufmg.br/espacodoconhecimento.

115
EM BUSCA DE NOVOS ESPAÇOS

No dia 28 de setembro de 2021 um grupo da comunidade tikmũ’ũn (maxakali)


das terras indígenas de Aldeia Verde de quase 400 pessoas – sob a liderança de Isael e
Sueli Maxakali –, chegou numa região conhecida como Itamunheque, no município de
Teófilo Otoni, uma retomada de terra onde projeta construir a sonhada Aldeia Escola
Floresta. Trata-se de um projeto de reflorestamento, agro ecologia, paz e prosperidade,
onde, com os ensinamentos e a força de sua espiritualidade – os Yãmĩyxop – querem
reencontrar o equilíbrio de suas vidas com as águas, os animais e a floresta. Essa terra,
do poder público, pertence ao estado de Minas Gerais e estava cedida para construção
de um campus do Instituto Federal do Norte de Minas, entretanto continuava em estado
de abandono.
Isael Maxakali, nascido nas terras de Água Boa, é um dos líderes dos povos ma-
xakali. Além de professor, é também vereador, cineasta e artista plástico. Foi ganhador
dos prêmios Carlos Reichenbach de Melhor Longa da Mostra Olhos Livres, pelo Júri
Jovem da 23ª Mostra de Cinema de Tiradentes e do Pipa Online. Foi também diretor,
junto com Sueli Maxakali, do filme Ñuhũ Yãg Mũ’ Yõg Hãm (Esta Terra é Nossa). Esse
filme foi apresentado no 24º Festival do Filme Documentário e Etnográfico de Belo
Horizonte. Hoje, a cultura Maxakali vem recebendo reconhecimento em todo o mundo,
através do cinema, das fotografias e das artes plásticas, sendo exibidos em festivais e
galerias internacionais.
A língua maxakali vem mostrando sua importância no contexto social. Em uma
ação pioneira no Brasil, o município de Bertópolis incluiu a língua indígena maxakali
no currículo de suas escolas. Esse método de aprendizagem tem como objetivo criar
uma plataforma de estreitamento entre as duas culturas – índios e não índios –, que ao
longo da história pode construir uma relação de convivência, pautada em divergências
culturais, conflitos sociais e desigualdades humanas, mas que, com o passar dos tempos o
relacionamento entre os povos pode transformar numa convivência harmônica e pacífica.

Figura 4: Povos indígenas maxakali em Itamunheque – Isael Maxakali e sua esposa Sueli Maxakali.
Fonte: https://apiboficial.org – https://www.premiopipa.com

116
REFERÊNCIAS
GEBER, Henrique (1863) - Noções Geográficas e Administrativas de Minas Gerais. Minas Gerais.
NASCIMENTO, N. F. (1984) - A luta pela sobrevivência de uma sociedade tribal do nordeste mineiro. São
Paulo/USP (Dissertação de Mestrado).
NIMUENDAJÚ, C.(1958) - “Indios Maxacaris” In Revista de Antropologia. São Paulo, EDUSP.
POPOVICH, F.B.(1980) - A Organização Social dos Maxakali. Brasília, SIL.( Dissertação de Mestrado Apre-
sentada ao Departamento de Sociologia da Universidade do Texas em Arlington).
SANTOS, Péricles Ribeiro. Pioneiros de Águas Formosas. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1970.
SOUZA, Adevaldo Rodrigues de. Do Vale ao Paraíso: A saga dos colonizadores do Mucuri, Pampã, Norte e
Umburanas. Belo Horizonte: Usina do Livro, 2014.
CEDEFES. A luta dos índios pela terra: contribuição à história indígena de Minas Gerais. Contagem: Cedefes,
1987. 120 p.
https://www.ufmg.br/espacodoconhecimento/pelos-mundos-indigenasmaxak.
https://apiboficial.org/2021/09/30/retomada-maxakali-ocupa-terra-para-construir-a-aldeia-escola-floresta.

*Engenheiro eletricista, pós-graduado em gestão ambiental, engenharia econômica, engenharia de segurança


e do trabalho. Escritor e membro correspondente da Academia de Letras de Teófilo Otoni e sócio efetivo do
Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri, titular da cadeira 06.

117
Estrada de Ferro Bahia e Minas:
Verdades Históricas
Oldair Ferreira Motta*
Erika Pereira Sulz**

INTRODUÇÃO
O prolongamento da Estrada de Ferro Bahia e Minas quando alcançou o muni-
cípio de Teófilo Otoni, construiu monumentos inapagáveis do extraordinário progresso
ferroviário no Estado de Minas Gerais. Projetados por um singular estudo dos métodos
construtivos utilizados na sua construção, que evidenciam uma sucessão de sábias deci-
sões adotadas pela conceituada equipe técnica da ferrovia.
Os seus idealizadores projetaram pontilhões, túneis, estações, armazéns, almo-
xarifados, depósitos de combustível, oficinas, serrarias, ferrarias, galpões, farmácias,
hospitais, vilas de operários e todas as demais edificações provisórias necessárias para
o fluxo dos trabalhos. E ergueram, na via permanente que atravessou o vasto território
do vale do Mucuri, um autêntico repositório artístico do período suntuoso da Estrada de
Ferro Bahia e Minas.
A leitura deste singelo artigo, embora sucinto, está pautado exclusivamente no
acervo do Arquivo Público Mineiro e assegura a confiabilidade, perante estas informa-
ções ocorridas no período que antecede a inauguração da estação ferroviária na nossa
cidade do amor fraterno, dentre as quais, estão transcritas aqui com a sua grafia original:
- A decisão para iniciar o prolongamento até o ponto terminal da ferrovia, na
cidade de Teófilo Otoni;
- O empréstimo do Estado de Minas Gerais para a sua execução;
- As aquisições das locomotivas;
- Os responsáveis pelo projeto da estação ferroviária de Teófilo Otoni;
- A citação de outras estações ferroviárias projetadas em locais diferentes do
que conhecemos.
ATA DA 48º SESSÃO
A ata da 48º sessão, realizada no dia 17 de setembro de 1894, contém a reco-
mendação do secretário de Agricultura do Estado de Minas Gerais que foi encaminhada
para os diretores, Bueno Brandão, Manoel Guilherme da Silveira e Gustavo Adolpho
Schmidt, iniciarem a construção do prolongamento da ferrovia até a cidade de Teófilo
Otoni. E conforme consta na ata, a diretoria acatou a recomendação e tomou a seguinte
decisão:
[...] A Diretoria mandou publicar os anúncios para a concorrência de propostas até
o dia 20 de outubro próximo, para construção por 3 empreitadas distinctas dos tre-
chos desde o kilometro 149, até a cidade, de Theophilo Ottoni (Philadelphia) ponto
terminal da estrada; sendo os referidos annuncios publicados no Diario Official, e
em mais tres folhas diarias de maior circulação desta capital [...]. (APM / SA-651)
Os primeiros trabalhadores contratados para iniciar o prolongamento da ferro-
via, chegaram na estação de Urucu no dia 02 de outubro de 1894, conforme consta na
nota de despesa do mesmo dia:

118
02/10/94 - Construcção da estrada - pago a José Mogado por conta de 1:000#000,
preço para adquirir 100 trabalhadores e leval-os até Urucú - 350.000. (APM / SA-657

EMPRÉSTIMO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

O governo do estado de Minas Gerais considerou o prolongamento da Estrada


de Ferro Bahia e Minas uma obra de interesse público, tanto que, no dia 09 de julho de
1894, fez um acordo com a diretoria da ferrovia e concedeu um subsídio para a conclusão
do assentamento da via permanente até a cidade de Teófilo Otoni, cujo valor, ficou dispo-
nível no dia 01 de janeiro de 1895:
Janeiro 1 de 1895
Thezouro do Estado de Minas Gerais
a emprestimo do Estdo de Minas Gas
R 3.200.000.000
Impa do emprestimo que o governo do Estado de Minas Gerais, pelo accordo de 9 de
julho, se comprometteu a fazer a esta Companhia com exclusiva applicação à conclu-
são das obras da Via-ferrea até Theophilo Ottoni (Philadelphia) a qual será realisado
em prestações e á medida que se forem executando as obras a vista de documentos vi-
sados por engenheiros ou agentes de confiança do governo. O emprestimo poderá ser
feito em dinheiro ou em apolices de juro de 5% ao anno clasula 1ª e seu paragrapho
3.200.000.000. (APM / SA-655)

LOCOMOTIVAS

A primeira locomotiva adquirida durante o prolongamento da ferrovia entre o trecho de


Urucu e a cidade de Teófilo Otoni, foi a BALDWIN - Classe 6-20D:
Rio de Janeiro - 30 de novembro 1894
Construção do Trecho Urucú a Philadelphia
a Compa Indl do Brasil
fornecimto de material
a Roberto J. H.
Impe do seguinte material que lhe compramos
1 locomotiva BALDWIN - CL6-20D - 246.000.000
2 carros pa passageiros 1 de 1ª e 1 de 2ª cl - 190.000.000
1 dito correio e bagagem - 4.000.000
1 vaggon pa lenha - 1.800.000 (APM / SA-655)
Esta locomotiva chegou ao Brasil pelo o porto da Piedade e foi enviada para Cara-
velas, no dia 24 de novembro de 1894, conforme consta na nota de despesa do mesmo dia:
24/11/94 - Construcção da estrada - pago a Salvador Costa pelo serviço de des-
montar e encaixotar uma locomotiva, no porto da Piedade - 470.600. (APM / SA-657)
No mês de junho do ano de 1895, a ferrovia adquiriu outras seis locomotivas BALDWIN:
Rio de Janeiro - 18 de junho de 1895
Constrção do Trecho Urucú a Philadelphia
O tezouro do Estdo de Minas Gerais
119
Pagamento que pela ordem nº 477 da Secretaria das finanças de 11 de maio pp. contra o
banco da republica do Brasil, este thezouro fes, directamente ao Hausph Biedrn Cia por
6 locomotivas contratadas em 18 de marco pp. e entregues no porto de Caravelas sendo:
2 locomotivas BALDWIN tipo Consolidations Classe 10-24E
Bitola 1 metro - 3.510,0,0
2 ditas dito typo Mogul, Classe 8-20D - 3.140,0,0
2 ditas dito typo Americano, Classe 8-18/2C - 2.870,0,0 (APM / SA-655)
Estas locomotivas chegaram ao porto de Caravelas, no dia 02 de julho de 1895, conforme
consta na nota de despesa, do mesmo dia:
02/07/95 - Construcção da estrada - pago a Juvencio de Siqueira Montes como gratificação pelo
serviço de conferencia e descarga de 6 locomotivas em Caravellas - 600.000. (APM / SA-657)

LISTA DOS VAGÕES

A lista dos vagões para serem utilizados nas locomotivas BALDWIN do tipo
Consolidations Classe 10-24E, do tipo Mogul e do tipo Americano, adquiridos pela fer-
rovia da Hausph Biedrn Companhia, foi a seguinte:
- 10 carros plataforma;
- 22 volumes de peças pertencentes ao freio Westinghouse;
- 15 carros fechados para mercadorias;
- 2 para inflamaveis;
- 4 vaggons abertos para mercadorias;
- 3 carros para correios e bagagens;
- 2 para animais;
- 1 carro de 40 passageiros 1ª Classe;
- 1 pa 60 passageiros 2ª Classe;
- 2 mistos para 20 p. de 1ª e 40 de 2ª Classe. (APM / SA-662)

ESTAÇÃO FERROVIÁRIA DE TEÓFILO OTONI

A primeira referência da estação ferroviária de Teófilo Otoni é encontrada em


um ofício que foi encaminhado pelo Engenheiro Fiscal, Pedro José Versiani para o Chefe
da Seção do prolongamento da Estrada de Ferro Bahia e Minas, o Senhor João Eduardo
Jansson, no dia 11 de dezembro de 1896:
Caravellas 11-12-96
Dr Jansson
É portador desta o Sr Ayello, que já conheceis. Posto que elle tinha sido con-
tractado para a commissão do Arassuahy, todavia não convem já a sua via-
gem para Theophilo Ottoni, por causa das difficuldades do transporte com
a familia. Deverá pois esperar me em São Paulo até a minha volta de Ouro
- Preto, podendo occupar a casa do Sancão, o qual deverá vir no 1º Trem.

Deveis mandar fazer por elle e pelo Sr Siegher os projectos das estações de Th:
Ottoni, Saudade, Tanque, dos armazens e officinas das caixas dágua e gyrado-
res, não esquecendo os depositos de carros, machinas, inflammaveis etc [...].

120
(APM / SA-672)

Estação Ferroviária de Teófilo Otoni - Data provável (1898-1900)


(APM / NCS-173(02))
Coleção: Nelson Coelho de Senna - Autor: Raimundo Alves Pinto

121
CURIOSIDADE

No acervo encontramos também as citações de outras estações ferroviárias, cuja


construção foi abandonada, ou os seus projetos ficaram somente em estudos preliminares,
entre elas estão a estação de São Paulo no (km 149) e a estação de Todos os Santos (entre
o km 112 e o km 113). Conforme consta no relatório do Engenheiro Fiscal, Pedro José
Versiani. Intitulado: Estradas Ordinárias do Norte de Minas.

[...] Picada para a Estação de Todos os Santos. Estando assenta-


dos os trilhos até junto da estação que fica situada perto da con-
fluencia do rio Todos os Santos, entre Kilometros 112 a 113, é pro-
vavel que lastrada a linha, a Directoria peça para ser inaugurada a
estação. Pelos caminhos e veredas existentes a distancia de Theophilo Ottoni
á estação a inaugurar é superior á da mesma cidade á estação de Urucú [...].

(APM / SA-5 Cx 01 Pc 27 S/D)


[...] Estrada de Theophilo Ottoni a Estação de S. Paulo Estando bem
adiantados os trabalhos do leito da E. de F. Bahia e Minas até o Kilo-
metro 149, onde está projectada a estação de S. Paulo, é urgente tra-
tar já da construcção de uma estrada que, partindo do marco de 7.½ lego-
as da estrada de rodagem e descendo pelo corrego d’Ouro e rio Todos
os Santos, vá ter áquella estação [...]. (APM / SA- 5 Cx 01 Pc 27 S/D)

REFERÊNCIAS:
FONTES PRIMÁRIAS
SA-651 - Atas das sessões da Diretoria da Companhia da E. F. Bahia e Minas - 1893-1895;

122
SA-655 - Livro diário da Companhia E. F. Bahia e Minas - 1894-1895;
SA-657 - Livro-caixa da Companhia Bahia e Minas - 1894-1896;
SA-662 - Ordens de serviços, correspondências e relatórios - E. F. Bahia e Minas. - 1895-1897;
SA-672 - Correspondência expedida - prolongamento da E. F. Bahia e Minas. - 1896-1897;
SA-5 Cx 01 Pc 27 S/D - Caixa de documentos avulsos.
ABREVIAÇÕES
APM = Arquivo Público Mineiro, SA = Secretaria de Agricultura, S/D = Sem Data

*Engenheiro Eletricista, bibliógrafo, colaborador da Revista LUMIÉRE ELETRIC, coparticipante de livros


históricos e de religiosidade mineira, restaurador, paleógrafo, arquivista, bibliotecário e membro da venerável
Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo, de Sabará, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do
Mucuri e membro correspondente da Academia de Letras de Teófilo Otoni.
**Acadêmica do curso de Direito na Faculdade Presidente Antonio Carlos – Campus Teófilo Otoni, membro do
conselho deliberativo da União Estudantil de Teófilo Otoni.

123
As materialidades da Estrada de Ferro Bahia-Minas
no município de Teófilo Otoni:
entre a degradação e o esquecimento
Sérgio Lana Morais*

INTRODUÇÃO

A Estrada de Ferro Bahia-Minas (EFBM) materializou-se na paisagem regional


dos vales do Mucuri e Jequitinhonha, no extremo Nordeste de Minas Gerais, por 85 anos.
Do início da sua construção, no final do século XIX, até sua condenada extinção em 1966,
durante a Ditadura Civil-Militar, a EFBM abarcou um período imperial e republicano da
nossa história, marcou gerações, influenciou socioeconomicamente os municípios por
onde passou e contribuiu para a existência de uma série de marcos patrimoniais que ainda
insistem em revelar-se na paisagem, mesmo mais de meio século após seu encerramento
compulsório.
Há uma identidade reconhecida, embora ainda não devidamente organizada,
sobre a importância da Bahia-Minas e dos seus trabalhadores, na composição do atual
município de Teófilo Otoni-MG. Tal fato se justifica também na constatação de que mais
de meio século após a sua intricada erradicação. Praticamente não há um registro orga-
nizado e público do material cartográfico e dos registros oficiais e/ou acadêmicos sobre
a presença do trem no município e nas outras regiões por onde originalmente os trilhos
estiveram assentados, ou seja, não se sabe ao certo onde estão, quantos são e a condição
de conservação do espólio da antiga “Bahiminas”.
Desse modo, há uma premente necessidade de organização sistemática e cata-
logação das fontes existentes em Teófilo Otoni, sobre o patrimônio cultural material e
imaterial da ferrovia Bahia-Minas. A partir deste cenário, pesquisadores, bolsistas, co-
laboradores diversos (incluindo ex-ferroviários) desenvolveram no Instituto Federal do
Norte de Minas Gerais (IFNMG Teófilo Otoni) entre os anos de 2020 e 2021 um projeto
de pesquisa intitulado “Da Bahia-Minas ao Bahiminas: inventário do patrimônio cul-
tural da Estrada de Ferro Bahia-Minas no município de Teófilo Otoni-MG” que teve
o fito de promover um mapeamento abrangente sobre as reminiscências arquitetônicas
e a condição de conservação das estruturas outrora pertencentes à EFBM (Almeida et
al, 2021). Intenta-se neste ensaio, discutir os principais os resultados desta empreitada,
especialmente no que concerne à espacialização e a caracterização das materialidades no
município de Teófilo Otoni em um ambiente de geovisualização.

METODOLOGIA

Para o desenvolvimento da pesquisa estabelecemos as seguintes etapas: 1) le-


vantamento bibliográfico sobre a temática ferroviária, busca por fontes históricas docu-
mentais em acervos públicos e elaboração da base cartográfica do traçado original da

124
EFBM no município de Teófilo Otoni; 2) realização dos trabalhos de campo e o geor-
referenciamento das reminiscências, caracterização fotográfica e a aplicação da ficha de
cadastro básico para inventário dos bens imóveis do patrimônio ferroviário adaptado do
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN, 2010).3) Ao final, as in-
formações técnicas foram armazenadas em um banco de dados geográficos na plataforma
de geovisualização do Story Maps (ArcGIS Online) para fins de divulgação científica.

O TRAÇADO DA EFBM: DO MAR AO SERTÃO

O traçado original da EFBM se estendia por 582 quilômetros, sendo 577,8 km


entre o distrito de Ponta de Areia/BA até Araçuaí/MG e o pequeno ramal construído em
1926 entre a área urbana de Caravelas até a Estação Central de Ponta de Areia com ape-
nas 4,2 km (figura 01). A via férrea permanente foi construída em bitola métrica como a
grande maioria das estradas de ferro do Brasil àquela época e utilizava o lastro de terra
para dar sustentação aos dormentes de madeira que, foram extraídas na própria região
(IBGE, 1954). Entre Ponta de Areia e Araçuaí existiam 38 estações e pontos de embarque
(CGT, 1961) e outros inúmeros atributos materiais constituídos por trilhos, locomotivas,
pontilhões, túneis, caixas d’água e outras edificações que tiveram a função de servir como
elemento logístico estruturante para a região.
A EFBM inaugurou sua última estação somente em 1942 no município mineiro
de Araçuaí, ou seja, mais de 60 anos depois da implantação do primeiro dormente na
ferrovia. Entre avanços e retrocessos na construção do seu traçado, diversas foram as
corporações públicas e privadas que se ocuparam com a administração da EFBM em
sua grande maioria entidades “alheias à realidade dos Vales do Mucuri e Jequitinhonha”
(MARTINS, 2018, p. 209). Talvez por isso, restou um sentimento de abandono que é
frequentemente mencionado por aqueles que experienciaram a ferrovia e que acaba por
se materializar nas condições de conservação das múltiplas reminiscências arquitetônicas
ao longo do antigo traçado.
A letargia na construção da EFBM em direção à antiga cidade de Philadelphia
pode ser identificada no editorial do jornal de circulação local “Nova Philadelphia” na
edição do dia 31/01/1987 que noticia a retomada das obras que estavam paralisadas com
previsão de término em oito meses e com possibilidade segura de contratação de força
de trabalho. Na sequência, pelo que se é possível inferir, as dificuldades se ampliaram de
modo que o prazo estipulado, mais uma vez, não foi cumprido por parte dos empreitei-
ros. Ante a morosidade e as incertezas de conclusão do trecho, a influência política dos
fazendeiros locais parece ter surtido efeito conforme assevera Achtschin:

Os interesses dos cafeicultores da região personificaram politicamente na figura de


Francisco Sá, que ocupava à época o cargo de ministro da agricultura de Minas Ge-
rais. Os Sá, atraídos pela qualidade das terras do Mucuri, adquiriram propriedade na
região. Francisco Sá fez uma visita em março de 1896 percorrendo todo o trajeto da
EFBM, sendo sua chegada muito festejada pelos políticos locais. Como ações para ace-
lerar a construção da ferrovia, uma nova empreiteira foi contratada, aumentando em
mais de duzentos trabalhadores para conclusão da obra. (ACHTSCHIN, 2018, p. 117).

125
Após 17 anos do início das obras, finalmente, a estação da área central de Phila-
delphia foi inaugurada em 03 de maio de 1898 com forte repercussão popular (LEMOS,
2016). Coincidentemente, exatos 68 anos depois, seria editado o decreto nº 58.341 que
disciplinaria a erradicação de ferrovias e ramais antieconômicos no país, dentre as quais
estaria a EFBM. Embora o destino preferencial da EFBM fosse a cidade do Serro que
àquela época ocupava uma centralidade importante na rede urbana mineira que se interio-
rizava, os seus trilhos nunca chegariam a alcançá-la. Após a passagem por Philadelphia,
os trilhos rumaram a noroeste para acessar o Vale do Jequitinhonha e somente quatro
décadas mais tarde ocorreria a inauguração da Estação de Araçuaí que permaneceu como
“ponta da linha” até a sumária extinção da ferrovia em 1966.

Figura 01:Traçado original e estações da Estrada de Ferro Bahia-Minas entre 1881 a 1966.

Fonte: dados da pesquisa.

REMINISCÊNCIAS ARQUITETÔNICAS NO MUNICÍPIO DE


TEÓFILO OTONI

O traçado original da Bahia-Minas no município de Teófilo Otoni se estendia


por 93,2 km no sentido longitudinal e singrava em boa parte do percurso a margem

126
direita do rio Todos os Santos, principal afluente da porção mineira do rio Mucuri. Dos
municípios por onde os trilhos da EFBM passavam, Teófilo Otoni é o que reunia a maior
quantidade de estações e pontos de embarque (PE) sendo oito no total, a saber: Estação
de Bias Fortes; Estação de São João; Estação de Pedro Versiani; PE Planície; PE Itamu-
nheque, PE Cantinho; Estação de Teófilo Otoni e Estação Aliança.
Mesmo com um espectro de elementos naturais e antrópicos que conduzem à
degradação, ainda permanecem representados nas paisagens de Teófilo Otoni os diver-
sos “tempos” da EFBM, mas infelizmente, boa parte da população local não consegue
identificá-los ou remetê-los aos tempos áureos das ferrovias na região. A partir de levan-
tamentos cartográficos e realizações de trabalhos de campo, foram georreferenciadas e
mapeadas 21 reminiscências arquitetônicas, constituídas por estações ferroviárias, ca-
sas de turmas, pontilhão, locomotiva, túneis e outras edificações que fazem referência
à temática. Tais elementos, sob a perspectiva material, apresentam diversos fatores de
degradação de suas estruturas e/ou foram substancialmente descaracterizados ao longo
do tempo que ficaram inertes (quadro1).

127
Quadro1.Reminiscências arquitetônicas da EFBM no município de Teófilo Otoni e o
estado de conservação.

Fonte: Adaptado de CGT (1960) e dados da pesquisa. PE: Ponto de Embarque.

128
Após a descontinuidade da ferrovia, os bens imóveis passaram a integrar o pa-
trimônio da Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA), nos termos da Lei n° 3.155, de
13/03/1957 e posteriormente foram erradicados via decreto n° 58.341, de 03/05/1966. De
acordo com o Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes (DNIT), todas as
estações e bens do trecho foram vendidos ou doados para as prefeituras dos municípios
aos quais os referidos bens pertencem. Mesmo considerando a importância da EFBM
para o desenvolvimento econômico e processo de ocupação da região do Vale do Jequi-
tinhonha, as estações da linha, neste momento não somam atributos que justifiquem a
formalização de sua proteção em nível nacional. Assim sendo, é recomendado que a
análise de atribuição de valor cultural dos bens seja atribuída as instâncias munici-
pais e estadual” (Silva, 2018, p. 91, grifo nosso).
Conforme demonstrado poucos elementos materiais da EFBM passaram por
processo de patrimonialização até o momento. Por sua vez, com a finalidade de divulga-
ção das materialidades e amparados no uso de geotecnologias,organizamos uma platafor-
ma de geovisualização que permite a leitura visual e interativa dos elementos ferroviários
identificados.No ambiente de geovisualização desenvolvido por meio da plataforma do
ArcGIS Online, o usuário encontrará a espacialização das reminiscências arquitetônicas
oriundas da EFBM, a caracterização fotográfica e a condição de preservação, obtida a
partir da realização de trabalhos de campo e da aplicação do protocolo de inventário do
patrimônio ferroviário (Figuras 02, 03 e 04). O acesso ao ambiente virtual se dá mediante
link: https://arcg.is/0LGW1H.

Figura 02: Página inicial desenvolvida pela pesquisa com a espacialização das materia-
lidades da EFBM existentes no município de Teófilo Otoni.

Fonte: Dados da pesquisa.

129
Figura 03: Identificação das edificações da Turma 34 localizadas na zona rural do muni-
cípio de Teófilo Otoni.

Fonte: Dados da pesquisa.

Figura 03: A localização do Complexo de Túneis da Gangorrinha e outras informações


acerca da sua condição de uso e conservação, estão disponíveis na plataforma interativa.

Fonte: Dados da pesquisa.

130
REFERÊNCIAS

Almeida, L.M.C.; Lopes, M.E.A.; Souza Jr, T.O.; Morais, S.L.; Costa, A. Da Bahia-Minas ao Bahiminas: inven-
tário do patrimônio cultural da Estrada de Ferro Bahia-Minas no município de Teófilo Otoni-MG. In: Seminário
de Iniciação Científica do IFNMG, 9., 2021, Teófilo Otoni. Anais [...]. Teófilo Otoni: Instituto Federal do Norte
de Minas Gerais, 2021. p. 84-86. Disponível em: <https://drive.google.com/file/d/1phCVJw-vbcZ58uX8x-
521bUutDtbA4M0l/view>. Acesso em: 19 jun. 2021.
Achtschin, Márcio. A formação econômica, política, social e cultural do Vale do Mucuri. Teófilo Otoni:
publicação do autor, 2018, 176 p.
CGT. Guia Geral das Estradas de Ferro e Empresas de Transporte com elas articuladas. G-1. Estações,
Portos e Agências. Controladoria Geral de Transportes, 1960.
Eleutério, Arysbure Batista. Estrada de Ferro Bahia e Minas: a ferrovia do adeus. 2ª ed. Teófilo Otoni: pu-
blicação do autor, 2016.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). I centenário das ferrovias brasileiras. Rio de Janeiro:
IBGE, 1954.
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Manual Técnico do Patrimônio Ferroviário.
IPHAN, Programa Monumenta, 2010. 88p.
Lemos, Felipe Ribeiro. O decreto do fim: Estrada de ferro Bahia e Minas. Teófilo Otoni: Frota, 2016. 120 p.
Martins, Marcos Lobato. A formação regional do Mucuri: O homem, o rio e a mata no nordeste de Minas
Gerais. São Paulo: Annablume, 2018, 436p.
Silva, F. S. Patrimônio Ferroviário em Minas Gerais: bens imóveis. Brasília: Iphan, Ministério da Cultura,
2018.

*Licenciado em Geografia pelo Centro Universitário do Leste de Minas Gerais (UNILESTE/MG). Mestre em
Sustentabilidade Socioeconômica e Ambiental pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).Doutorando
em Geografia – Tratamento da Informação Espacial pela PUC-MG. Atualmente é professor de Geografia do
IFNMG Campus Teófilo Otoni.

131
Análises microbiológicas, físico-químicas e toxi-
cológicas com avaliação de risco à saúde humana
na captação de amostras de água na zona rural de
um município do vale do Mucuri (Itambacuri-MG)
Mayra Soares Santos1,3
Maria Cecília Ribeiro Miranda Metzker1,3
Guilherme Lages Rodrigues1
Luiz Ricardo Sousa Corrêa1,2,3
Mayne Luisa Veronesi Silva1,3
Jairo Lisboa Rodrigues¹,3

Resumo
A água é um recurso natural essencial para o planeta, sendo indispensável no desenvol-
vimento de diversas atividades, e principalmente para o consumo humano. Apesar de sua
importância vital, esse recurso vem sendo cada vez mais contaminado por metais tóxicos
provenientes de processos industriais, agrícolas, de mineração ou mesmo por processos
litogênicos. Alguns metais são essenciais para o bom funcionamento do corpo huma-
no, porém, em altas concentrações podem ser prejudiciais à saúde. Além disso, exis-
tem metais, que mesmo em baixas concentrações, são considerados nocivos. As doen-
ças transmitidas pela água geralmente estão relacionadas à presença de microrganismos
patogênicos na água potável. Para que a água seja considerada potável, ou seja, própria
para consumo, ela deve estar livre de contaminantes químicos e biológicos e atender a
determinados requisitos visuais. Há um grande número de domicílios rurais no município
de Itambacuri, sem água encanada, sendo mal abastecidos, sem o devido monitoramento.
Este trabalho teve como objetivo realizar uma avaliação da qualidade da água com base
na contaminação físico-química, microbiológica e por metais, nas águas utilizadas para
consumo humano nesta região, bem como para calcular o risco total à saúde, causado por
alguns dos metais analisados. O risco de câncer também foi calculado, a partir de uma
possível contaminação por arsênico. Verificou-se que em 15 pontos, dos 36 analisados, há
risco potencial à saúde humana não cancerígeno e em nenhum ponto analisado há risco
de câncer, devido à concentração de arsênio.
Palavras-chave: Comunidades rurais, água potável, microbiologia da água, análise físi-
co-química, análise de risco.

Introdução
A água é um recurso natural essencial para a manutenção da vida. Devido à pos-
sibilidade de ocorrência de patógenos e contaminantes químicos na água para consumo
humano, isso pode ser um risco potencial para a saúde da população.
Nos últimos anos, tem crescido a preocupação com a contaminação ambiental

132
por metais tóxicos. Cada vez mais a exposição humana a esses metais vem aumentando,
pois seu uso se diversificou, incluindo aplicações industriais, agrícolas (fertilizantes),
domésticas e tecnológicas (TCHOUNWOU, 2014). Mesmo sem ação antrópica, o au-
mento das concentrações de metais também pode ocorrer por processos naturais, como
intemperismo e lixiviação.
Alguns metais como cobalto (Co), cobre (Cu), cromo (Cr), ferro (Fe), magnésio
(Mg), manganês (Mn), molibdênio (Mo), níquel (Ni), selênio (Se) e zinco ( Zi) são consi-
derados essenciais para as funções bioquímicas e fisiológicas. Além disso, alguns metais
mesmo em baixas concentrações podem ser perigosos para a saúde humana (TCHOU-
NWOU, 2014).
Um elemento importante a ser considerado é o alumínio (Al), composto neuro-
tóxico que, quando absorvido em grande quantidade, pode causar, em longo prazo, ence-
falopatia grave em pacientes que realizam diálise renal, podendo levar a distúrbios neuro-
lógicos (FREITAS et al., 2005). A água também pode conter um excesso de íons de ferro
e manganês dissolvidos, pois não há oxigênio suficiente para oxidá-los e precipitá-los. A
alta exposição ao manganês afeta o sistema nervoso, causando uma doença degenerativa,
denominada doença de Parkinson, cuja característica é a perda de coordenação. Além
disso, o excesso de manganês no organismo reduz a absorção de ferro causando anemia,
além de afetar o sistema nervoso central, reprodutivo e respiratório (TSALEV, 1984).
Enquanto a absorção excessiva de ferro leva ao acúmulo desses íons nos tecidos, podendo
causar hemocromatose, que provoca pigmentação bronzeada na pele, além de distúrbios
hepáticos (CONAMA, 1986).
O arsênio é conhecido como carcinogênico humano pela Agência Internacional
para Pesquisa sobre o Câncer (IARC) e Conferência Americana de Higienistas Industriais
(ACGIH) (IARC, 2010; ACGIH, 2003). Os sintomas da exposição aguda ao arsênio são
os mesmos para os derivados orgânicos e inorgânicos: gastroenterite grave com início
após 30 minutos de exposição (ATSDR, 2010), dentre outros.
Tendo em vista o grande número de domicílios rurais no município de Itamba-
curi que são abastecidos precariamente, por cisternas, nascentes, poços e águas fluviais
sem o devido monitoramento, este trabalho visa avaliar o nível de contaminação por meio
de análises microbiológicas, de metais e físico-químicas nas águas utilizadas para consu-
mo humano, bem como a análise de risco à saúde humana para alguns metais e risco de
câncer utilizando arsênio como parâmetro.

Materiais e Métodos
Área de estudo: A área de estudo compreende a área rural do município de Itam-
bacuri com população de 7.690 habitantes. O município de Itambacuri está localizado no
estado de Minas Gerais, na mesorregião do vale do Rio Doce (IBGE, 2010). Foram co-
letadas amostras de água para consumo humano (poços artesianos, cisternas, nascentes,
córregos, lagoas artificiais, poços), em quinze comunidades rurais.
Coleta de amostras: A coleta das amostras foi realizada de acordo com o proce-
dimento adotado pela CETESB (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental,
2010). Para isso, foram utilizados frascos de polipropileno, com tampa, metal free de 15 e

133
50 ml. Amostras de água foram coletadas em 15 comunidades rurais, três pontos de coleta
em sete comunidades, dois pontos em sete comunidades e um ponto em uma comunida-
de, totalizando 36 pontos de coleta. Os parâmetros físico-químicos, microbiológicos e de
metais foram avaliados no Laboratório de Poluentes e Análise Multiusuário do Instituto
de Ciência, Engenharia e Tecnologia da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha
e Mucuri (ICET-UFVJM). Todas as amostras também foram armazenadas em frascos,
tampados, em geladeira a 4°C.
Parâmetros físico-químicos: Os parâmetros físico-químicos analisados foram:
potencial de hidrogênio (pH), turbidez e temperatura.

Parâmetros microbiológicos: A análise microbiológica foi realizada pela deter-


minação da presença de Coliformes Totais e Termotolerantes, através do Método dos
Tubos Múltiplos e Número Mais Provável.
Avaliação de risco na saúde humana: A exposição humana a metais tóxicos pode
ocorrer por meio de três vias principais: ingestão direta (oral), inalação pela boca e nariz e
absorção dérmica por exposição à pele; no entanto, para a água potável, a via de ingestão
é a mais significativa. A taxa de ingestão diária foi determinada usando a Eq. (1), modi-
ficado da Agência de Proteção Ambiental dos EUA por Giri & Singh (2015) (USEPA,
2004; GIRI & SINGH, 2015).

(1)

Onde ADD é a dose média diária, medida em microgramas por quilogramas por
dia (µg/kg/dia), Cw é a concentração média de metais na água, medida em microgramas
por litro (µg/L), IR é a taxa de ingestão, medida em litros por dia (L/dia), EF é a frequ-
ência de exposição, medida em dias por ano (dias/ano), ED é a duração da exposição,
medida em anos, BW é o peso corporal, medido em quilogramas (kg) e AT é o tempo
médio (dias). Foram utilizados EF de 350 dias e ED de 30 anos para adultos. O AT foi
calculado a partir da multiplicação de ED por 365 dias para risco não carcinogênico e ris-
co carcinogênico 70 x 365 dias (GIRI & SINGH, 2015). O valor médio de Bw utilizado
foi de 70 kg e o consumo médio de água de 2 l/dia para um homem adulto brasileiro para
os cálculos.
A caracterização do risco foi quantificada por potenciais riscos à saúde humana,
os riscos não carcinogênicos foram determinados por meio do quociente de perigo (HQ),
que foi estimado comparando a exposição aos contaminantes ou sua ingestão média com
a dose de referência correspondente (RfD) da Eq. (2). Se o valor de HQ exceder 1, pode
haver preocupação com possíveis dados de saúde, mas não especificamente com efeitos
cancerígenos.

(2)

O valor de RfD se origina da tabela de concentração baseada em risco (USEPA


1993). Para a avaliação do risco de vários metais contidos nas amostras de água potável,
foi utilizado um índice de perigo total (HI) somando todos os valores calculados de HQ

134
dos metais detectados, conforme descrito na Eq. (3). Se o valor de HI exceder 1 indica
que existe um risco potencial de um efeito adverso na saúde humana, estudos adicionais
são necessários para especificar os efeitos. Quanto maior o HI, quanto maior o valor do
HI superior a 1, maior o risco à saúde humana (USEPA, 2004; GIRI & SINGH, 2015).

(3)

Onde HQ é o quociente de risco de cada metal, HI é o índice de risco para todos


os metais detectados na amostra, então se 5 metais foram detectados em uma amostra
neste cálculo é 5.
Os riscos carcinogênicos foram avaliados pela Eq. (4), onde o valor estimado
foi a probabilidade incremental de um indivíduo desenvolver qualquer tipo de câncer ao
longo da vida devido à exposição ao metal arsênico. A faixa aceitável ou tolerável de
riscos carcinogênicos pela USEPA é da ordem de 10-6 a 10-4 (USEPA, 1991, 2000; GIRI
& SINGH, 2015; YANG et al., 2015).

(4)

Onde ADD é a dose média diária de mais de 70 anos em mg/kg/dia e SF é o fator


de inclinação, expresso em (mg/kg/dia)-1 (USEPA, 1993).

Resultados e Discussão

Tabela 1: Resultados da avaliação de Risco à Saúde de amostras de água do interior de


Itambacuri - MG.

135
A Tabela 1 apresenta os resultados das avaliações de risco à saúde, onde o HQ
(quocientes de risco) é o risco calculado de ingestão de determinados metais pela popula-
ção enquanto HI (índice de risco) é a soma dos quocientes de risco. Vários metais foram
analisados, mas apenas quatro apresentaram alteração quando comparados aos limites
exigidos pela legislação. São eles mercúrio, alumínio, manganês e ferro. O arsênio, ape-
sar de possuir valores dentro dos parâmetros, possui alta toxicidade e por este motivo
também foi analisado seu valor do quociente de perigo.
E se HQ <1 ou HI <1, é improvável que o indivíduo exposto sofra um efeito
adverso à saúde perceptível. Em contraste, se HQ > 1 ou HI > 1, existe a possibilidade de

136
que um efeito não canceroso possa ocorrer com uma probabilidade que tende a aumentar
à medida que o HI aumenta (MAN et al., 2010). Visto este ponto, dezesseis pontos exce-
dem a unidade para valores de HI, como distribuídos na Figura 2.

Figura 2 – Mapa dos resultados da avaliação de risco total não cancerígeno da zona rural
de Itambacuri-MG.
O gráfico abaixo (Figura 3) mostra os valores de HI referentes aos pontos co-
letados, comparando com o limite recomendado pela USEPA, 2004. Os pontos 26 e 33
apresentam altos valores de HI devido à grande quantidade de alumínio metálico nas
amostras. Acredita-se que a presença de Al no solo da região seja um fator natural de
contaminação, pois segundo a Empresa de Pesquisa e Recursos Minerais (CPRM, 1997)
a região apresenta solo podzólico vermelho amarelo, rico em óxidos de ferro e alumínio.

Figura 3: Gráfico com valores do índice de risco em relação ao limite recomendado.


137
O metal arsênico (As) é o elemento mais tóxico e carcinogênico dos analisados,
e seu risco associado ao câncer também é calculado. Geralmente, o risco carcinogênico é
considerado como a probabilidade de um indivíduo desenvolver qualquer tipo de câncer
ao longo da vida devido à exposição a riscos carcinogênicos (LI et al., 2014).
De acordo com a USEPA (2000) para riscos carcinogênicos aceitáveis ou tole-
ráveis, a faixa de valores de CR é de 10-6 a 10-4. Em geral, se CR < 10-6, os riscos de
câncer são considerados insignificantes. Enquanto CR > 10-4, os riscos de câncer são
considerados altos e inaceitáveis pela maioria das agências reguladoras internacionais.
No presente estudo, nenhum ponto apresentou valores de CR acima de 10-7, resultando
em riscos considerados inexistentes.
A Tabela 2 apresenta os resultados obtidos das análises físico-químicas e micro-
biológicas, bem como os valores de referência derivados da Portaria nº. 2.914, de 12 de
dezembro de 2011, Ministério da Saúde. É possível notar que alguns dados apresentaram
alteração quando comparados aos valores máximos permitidos pela legislação vigente.

Tabela 2: Resultados das análises físico-químicas e microbiológicas de amostras de água


da zona rural de Itambacuri-MG.

Nos pontos 1, 4, 5, 6, 17, 18, 21, 22, 23, 24 e 36, o valor do pH mostrou-se
abaixo do limite aceitável, acredita-se que a presença de matéria orgânica na água pode
causar redução potencial de hidrogenação.
Segundo a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB, 2009) a
turbidez da água é o grau de atenuação da intensidade que um feixe de luz sofre ao atra-
vessá-la, devido à presença de sólidos em suspensão, como partículas inorgânicas (areia,
lodo, argila) e detritos orgânicos, como algas, bactérias e plâncton. Exposta, a alteração
em vinte e uma amostras pode ser justificada pela má conservação e falta de limpeza da
fonte de água utilizada, gerando a presença de materiais orgânicos e inorgânicos.
A temperatura da água é um parâmetro importante para a manutenção e quali-
dade da vida aquática. Alguns estudos, como o da Qualidade das Águas Superficiais do
Brasil (ANA, 2012), afirmam que a faixa ideal para este parâmetro é de 22 a 26ºC. A ex-
trapolação do limite de algumas amostras é explicada pela exposição direta do manancial
à incidência solar e ausência de proteção vegetal, podendo gerar redução da concentração
de oxigênio dissolvido na água.
De acordo com a American Public Health Association (2012), as bactérias que
produzem uma colônia vermelha com brilho metálico (dourado) dentro de 24 h de incu-
bação a 35°C em meio tipo Endo são consideradas membros do grupo dos coliformes. O
grupo coliforme é baseado na produção de aldeídos a partir da fermentação da lactose.

138
Embora essa característica bioquímica faça parte da via metabólica de produção de gás
no teste de múltiplos tubos, algumas variações no grau de desenvolvimento do brilho
metálico podem ser observadas entre os coliformes. A presença de coliformes totais foi
detectada em muitos pontos, exceto em seis amostras.
A característica distintiva dos coliformes termotolerantes é que eles são resisten-
tes a altas temperaturas e, portanto, são capazes de crescer e fermentar a lactose a 44° C. Os
termotolerantes são frequentemente conhecidos como coliformes fecais porque os regimes
de alta temperatura devem suprimir as bactérias de origem não fecal. No entanto, bactérias
não fecais (vivas, ambientais) ainda podem estar presentes mesmo nessas condições (VON
SPERLING, 2007).
Termotolerantes são bactérias que têm a Escherichia coli como seu principal
constituinte. A E. coli é geralmente considerada um indicador de contaminação fecal e da
presença de patógenos potencialmente nocivos, e não como um patógeno bacteriano em
si (ALVES, 2002). Entre os pontos analisados, dezesseis apresentaram valores positivos,
indicando uma possível contaminação fecal, animal ou humana.

Referências
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de 1986.
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março de 2005.
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139
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assessment in the Wei River in China. Environmental monitoring and assessment, v. 187, n. 3, p. 111.

¹
Instituto de Ciência, Engenharia e Tecnologia. Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. Rua
do Cruzeiro, 01, Jardim São Paulo, Teófilo Otoni-MG, 39803371.
2
Grupo de Extensão e Pesquisa em Agricultura Familiar- GEPAF-UFVJM
3
Movimento Pró rio Todos os Santos e Mucuri- Teófilo Otoni-MG.

140
Preservando um capítulo da história do Vale do Mucuri:
O resgate da memória de magistrados
que atuaram em Teófilo Otoni
Isabella Dias Almeida*
Lívia Guedes Dias**
Renzzo Giaccomo Ronchi***

Resumo: Os bens de natureza imaterial também integram o patrimônio cultural, razão


por que pode a sociedade, em cooperação com o poder público, adotar iniciativas que
visem preservar a memória institucional de órgãos e instituições públicas, sobretudo por-
que edificadas por pessoas. Nesse sentido, constitui direito da sociedade local conhecer
e ter acesso à memória institucional do poder judiciário, especialmente da centenária
comarca de Teófilo Otoni, pelo que a elaboração de uma galeria fotográfica com todos os
magistrados que atuaram na cidade desde o início da década de 1990, materializando um
importante capítulo da história do vale do Mucuri, contribui para a formação educacional
de toda a comunidade jurídica e representa um gesto de reconhecimento àqueles que, no
exercício de uma digna e honrada função pública, dedicaram-se para exercer a jurisdição
com o propósito de manter a paz social e a guarda dos direitos.
Palavras-chave: Memória. Poder judiciário. Patrimônio cultural.

Abstract: Assets of an intangible nature are also part of the cultural heritage, which is
why society, in cooperation with the government, can adopt initiatives aimed at preser-
ving the institutional memory of public bodies and institutions, especially because they
are built by people. In this sense, it is the right of local society to know and have access
to the institutional memory of the judiciary, especially in the centenary district of Teófilo
Otoni, for which reason the creation of a photographic gallery with all the magistrates
who have worked in the city since the beginning of the 1990s , materializing an important
chapter in the history of the mucuri valley, contributes to the educational formation of
the entire legal community and represents a gesture of recognition to those who, in the
exercise of a dignified and honorable public function, dedicated themselves to exercising
jurisdiction with the purpose of maintaining social peace and safeguarding rights.

Keywords: Memory. Judicial power. Cultural heritage.

INTRODUÇÃO
O presente texto foi escrito em coautoria para publicizar uma importante inicia-
tiva adotada pela direção do foro da comarca de Teófilo Otoni (segundo biênio de gestão
2022/2023) consistente na elaboração de uma galeria fotográfica com todos os magistra-
dos que já atuaram na cidade. Para além de um ato que traduz o reconhecimento em favor
de todos os magistrados que já trabalharam na comarca, a iniciativa vai ao encontro da
política adotada pelo conselho nacional de justiça, que compreende a memória do poder

141
judiciário como parte integrante do patrimônio cultural brasileiro.
O texto está estruturado em dois capítulos. No primeiro, cuidou-se de compre-
ender a importância do resgate da memória institucional do poder judiciário. No segundo,
foi demonstrada a iniciativa adotada pela direção do foro da comarca de Teófilo Otoni
para preservar a lembrança dos juízes que já atuaram na cidade.
Nas considerações finais, sugere-se que essa iniciativa seja levada ao conheci-
mento da presidência do tribunal de justiça de Minas Gerais servindo como paradigma
para que todas as outras comarcas também façam esse trabalho com a finalidade de res-
gatar, de forma integral, a memória do poder judiciário de Minas Gerais.
Metodologicamente, o texto valeu-se de uma revisão bibliográfica contextuali-
zando a importância e a necessidade de preservação de registros históricos. Além disso,
também foi utilizada a análise documental considerando a iniciativa adotada pela direção
do foro e a pesquisa feita pela comissão responsável pela busca dos nomes dos juízes que
já atuaram na comarca de Teófilo Otoni.

1. A MEMÓRIA DO PODER JUDICIÁRIO COMO PATRIMÔNIO CULTURAL

A Constituição da República de 1988, em seu art. 216 (BRASIL, 1988), dispôs


que os bens de natureza material e imaterial integram o patrimônio cultural brasileiro.
Com isso, o poder judiciário, por meio de seus tribunais, magistrados e servidores, vem
adotando boas iniciativas visando contribuir para a preservação da memória e da cultura
nacional.
Em âmbito nacional, objetivando promover a conservação do acervo memorial
dos tribunais, o conselho nacional de justiça aprovou a Resolução 316/2020, a qual insti-
tuiu o dia 10 de maio como o dia da memória do poder judiciário. (BRASIL, 2020).
O relator do ato normativo, ministro Dias Toffoli (BRASIL, 2020), ressaltou a
memória como parte do patrimônio cultural brasileiro e componente indispensável ao aper-
feiçoamento das instituições, destacando ainda a importância da preservação da memória
institucional do judiciário para conhecimento da história da justiça no país e sua evolução.
Nesse sentido, a preservação da história e cultura encontra respaldo na consti-
tuição da república de 1988 (BRASIL, 1988), sendo dever de todos, inclusive do poder
judiciário, promover e proteger o patrimônio cultural brasileiro.
A preservação histórica do poder judiciário, enquanto instituição, é fundamental
para a pacificação social e garantia da cidadania, já que, como um dos poderes da repú-
blica federativa, está entre os principais pilares do estado democrático de direito, atuando
na guarda dos direitos.
Em obra que destaca a importância da magistratura, Dallari (2008, p. 10) faz um
recorte histórico sobre o papel do judiciário e menciona que na Grécia o título de “Ma-
gistrado” era dado a um cidadão que exercesse algum tipo de comando, civil ou militar,
visando à preservação do interesse público.
Além disso, a palavra magistratus derivou de magister, que significa “chefe” e
foi utilizada inicialmente na antiguidade para designar uma pessoa com posição de relevo
na organização política. (DALLARI, 2008, p. 11).
Portanto, as autoridades que fazem o trabalho de resgatar todo esse universo de

142
informações contribuem para além da esfera burocrático-formal, preservando a história,
a cultura e a memória das pessoas que exerceram essa importante função para manter a
paz social.
Não fossem essas pessoas que exerceram a magistratura em grande parte de
suas vidas, a sociedade jamais teria a oportunidade de resgatar historicamente, de for-
ma documental, quem foram os juízes responsáveis por importantes decisões que foram
proferidas em processos judiciais, ora preservando o meio ambiente, ora preservando o
patrimônio público, ora, também, visando o aperfeiçoamento das instituições, ora, ainda,
condenando ou absolvendo réus em processos criminais de grande repercussão, além de
que, por primazia, são os maiores responsáveis pela proteção dos direitos humanos, no
caso de grave ameaça.
São mulheres e homens que no exercício independente de suas prerrogativas fa-
zem valer a autoridade do Direito e, como disse Dallari (2008, p. 47) em sua obra O poder
dos juízes, “longe de ser um privilégio para os juízes, a independência da magistratura
é necessária para o povo, que precisa de juízes imparciais para harmonização pacífica e
justa dos conflitos de direitos”.
Em texto publicado no Fundacentro (BRASL, 2020) foi ressaltado que

A memória é um dos alicerces que dá sentido à vida. Com uma instituição não é di-
ferente. Preservar a memória institucional é manter a instituição viva e uma for-
ma de fortalecer suas bases. Para que essa memória seja preservada, é preciso
conservar fotos, documentos, objetos e organizar os registros dos fatos. Os erros
e acertos do passado ajudam a entender o presente e a planejar ações futuras.

A história é viva porque é composta de pessoas e valores, não se tratando de um


retrato estático do passado.

2.A CONTRIBUIÇÃO DA DIREÇÃO DO FORO DA COMARCA DE TEÓFILO


OTONI PARA A PRESERVAÇÃO DE UM CAPÍTULO DA HISTÓRIA DO VALE
DO MUCURI

Segundo o desembargador Marcos Henrique Caldeira Brant do Tribunal de Jus-


tiça de Minas Gerais (BRASIL, 2022), “o poder judiciário, como detentor de uma parcela
de soberania do Estado, tem o dever de cuidar e difundir a sua história, construída há
séculos através de fatos e personalidades”.
É sabido que grande parte da população desconhece seus direitos, as atribuições
e, sobretudo, a história do poder judiciário local. Com o intuito de preservar a memória
do poder judiciário local, foi elaborada pela direção do foro local a portaria nº 136/2021
(MINAS GERAIS, 2021), a qual designou servidores para compor equipe de pesquisa e
elaboração de galeria fotográfica dos juízes e ex-diretores de foro que atuaram na comar-
ca de Teófilo Otoni.
A portaria ficou redigida da seguinte forma:

PORTARIA DA DIREÇÃO DO FORO Nº 136/2021 - TJMG 1ª/TOT - COMARCA/


TOT - ADM.FÓRUM

143
Designa servidores para compor equipe para pesquisa e elaboração de galeria fotográfica
dos juízes e ex-diretores de foro que atuaram nesta Comarca.

O JUIZ DE DIREITO DIRETOR DO FORO DA COMARCA DE TEÓFILO OTO-


NI, no uso de suas atribuições legais.

CONSIDERANDO a necessidade de preservação da memória histórica da centenária


Comarca de Teófilo Otoni;

CONSIDERANDO a previsão de ampliação do prédio do fórum com espaço para inser-


ção do acervo histórico da comarca;

CONSIDERANDO o aprimoramento em atendimento às solicitações de visitas guiadas


nas dependências fórum pelos estudantes de faculdades de direito e de escolas desta
comarca;

CONSIDERANDO o reconhecimento e respeito pelos juízes que atuaram nesta comarca


onde serviram com dedicação e contribuíram de maneira exemplar para o aprimoramento
da prestação jurisdicional;

RESOLVE:

Art. 1º. Designar os servidores efetivos Diane Lima de Castro, Jerônimo Marcelo Borges,
Milene Ferreira Silva, Spártacus Miranda Matos, Wolney Vieira da Costa e a assistente
da direção do foro Isabella Dias Almeida, para, sob a presidência da primeira servido-
ra, compor a equipe para pesquisa e levantamento de dados dos juízes que atuaram na
comarca de Teófilo Otoni, bem assim os ex-diretores de foro, a fim de elaborar galeria
fotográfica a ser implantada junto ao novo prédio do fórum, cuja construção está prevista
para ser executada no início do próximo ano.

Art. 2º. Os trabalhos de coleta de dados, fotografias e breve biografia dos(as)


magistrados(as) deverão ser concluídos no prazo de 6 (seis) meses.

Art. 3º. Esta portaria entra em vigor na data de sua publicação.

Comunique-se à Corregedoria-Geral de Justiça.

Teófilo Otoni, 19 de outubro de 2021.

A galeria fotográfica será implantada junto à nova edificação do fórum, cuja


obra está em curso, sendo que os servidores Diane Lima de Castro, Jerônimo Marcelo
Borges, Milene Ferreira Silva, Spártacus Miranda Matos, Wolney Vieira da Costa e a
assistente da direção do foro, Isabella Dias Almeida, para, sob a presidência da primeira
servidora, foram designados para compor a equipe de pesquisa e levantamento dos juízes
e ex-diretores do foro que atuaram na comarca de Teófilo Otoni.
A iniciativa foi apoiada pela corregedoria geral de justiça do TJMG, tendo o juiz
auxiliar da corregedoria, dr. Leopoldo Mameluque, por delegação do corregedor-geral de
justiça, proferido o seguinte despacho:

DESPACHO CORREGEDORIA/JUIZ AUXILIAR-ASFIJ


Nº 6985703 / 2021

144
Vistos,

Ciente da Portaria nº 136/2021, pela qual o Juiz Diretor do Foro da Comarca de Te-
ófilo Otoni designa “os servidores efetivos Diane Lima de Castro, Jerônimo Marcelo
Borges, Milene Ferreira Silva, Spártacus Miranda Matos, Wolney Vieira da Cos-
ta e a assistente da direção do foro Isabella Dias Almeida, para, sob a presidência da
primeira servidora, comporem a equipe para pesquisa e levantamento de dados dos
juízes que atuaram na comarca de Teófilo Otoni, bem assim os ex-diretores de foro,
a fim de elaborarem galeria fotográfica a ser implantada junto ao novo prédio do fó-
rum, cuja construção está prevista para ser executada no início do próximo ano”.

Inexistindo providências a serem adotadas no âmbito desta Casa, arquive-se.

Dê-se ciência o Magistrado subscritor do normativo em referência, servindo cópia deste


como ofício.

A implementação do projeto surgiu com a previsão de ampliação do prédio do


fórum, o qual contará com espaço satisfatório para inserção do acervo histórico da co-
marca e, diante da necessidade de preservação da memória da centenária comarca de
Teófilo Otoni, objetivou-se, com este pequeno gesto, reconhecer a importância de todos
os magistrados e magistradas que contribuíram para a comarca através do seu trabalho.
O projeto também teve o propósito de aprimorar as visitas guiadas nas depen-
dências do fórum pelos acadêmicos dos cursos de direito das faculdades sediadas na
cidade, além de alunos de escolas públicas e privadas.
Os trabalhos já foram iniciados pela comissão, a qual, em consulta ao setor de
recursos humanos da magistratura, obteve a informação de que aproximadamente 75
(setenta e cinco) magistrados4 trabalharam na comarca de Teófilo Otoni, a partir de 1º ja-

5
Affonso Teixeira Lages; Alair Soares Mendonça; Aluizio Valle de Mattos; Amaury Silva; André Leite Praça;
Andreya Alcântara Ferreira Chaves; Antônio Carlos Ribeiro; Antônio Tenório; Argemiro Otaviano Andrade;
Aristides Alves Pereira; Bárbara Lívio; Bruno Sena Carmona; Caetano Levi Lopes; Cantídio Pereira Alvim;
Christyano Lucas Generoso; Dely Coelho Nogueira; Edivaldo Amorim Farias; Emerson Chaves Motta; Eustá-
quio da Cunha Peixoto; Fabrício Simão da Cunha Araújo; Francisco da Silva Goulart; Francisco José de Almeida
Brant; Francisco Lins Ayque de Meira; Geraldo França Correia; Geraldo José Duarte de Paula; Geraldo Rodri-
gues de Oliveira; Gustavo Henrique Moreira do Valle; Helvécio Rosenburg; Hermelindo Introcaso Pascoal;
Jefferson Keiji Saruhashi; João Bosco Kumaira; José Amado Henriques; José Arnóbio Amariz de Sousa; José
Duarte Lana Sobrinho; José Francisco Chein; José Maria Moraes Pataro; José Osorito Colares; José Paulino
de Freitas Neto; Juliana Alcova Nogueira; Juliana Mendes Pedrosa; Juliano Abrantes Rodrigues; Júlio Luiz de
Lucena Pereira; Kênea Márcia Damato Mendonça; Lélio Erlon Alves Tolentino; Leonardo Cohen Prado; Lou-
renço Migliorini Fonseca Ribeiro; Lucas Sávio de Vasconcellos Gomes; Luiz Gonzaga Silveira Soares; Lupércio
Paulo Fernandes de Oliveira; Manoel Faustino Corrêa Brandão Júnior; Maria Lúcia Caporali de Freitas; Marino
Ferreira Porto; Maurício Simões Coelho Júnior; Mauro Sérgio de Souza Schettino; Melissa Pinheiro Costa Lage;
Myriam da Conceição Saboya Coelho; Natal Dias Campos; Neuza Maria Guido; Nuno da Cunha Melo; Oswaldo
Prate; Otávio Augusto de Melo Acioli; Ovidio César Nascentes Coelho; Pedro Anísio Maia; Rafael Andrade;
Rêidric Victor da Silveira Condé Neiva e Silva; Reneuda de Alencar Bezerra Moreira; Renzzo Giaccomo Ron-
chi; Ricardo Vianna da Costa e Silva; Robson Luiz Rosa Lima; Rodrigo Mendes Pinto Ribeiro; Rodrigo Moraes
Lamounier Parreiras; Rosimere das Graças do Couto; Rubens Celso de Abreu; Rubens Gabriel Soares; Salatiel
de Resende Fernandes Neto; Teresinha Dupin Lustosa; Thomas Ferreira Espeschit Arantes; Velmem Daibert
Feo; Vicente Ferreira Paulino; Vinicius da Silva Pereira; Vital Soriano de Souza; Wagner Alcântara Pereira.

145
neiro de 19905. Posteriormente, foram solicitados ao mesmo setor os contatos dos juízes
ou dos pensionistas dos juízes que trabalharam na comarca, além de também ter sido feito
contato com desembargadores e juízes que ainda se encontram em atividade.
O contato foi feito para informar sobre a construção da galeria fotográfica e,
também, para solicitar a colaboração dos magistrados (desembargadores e juízes de pri-
meira instância) com a disponibilização de material para implementação do projeto con-
sistente numa breve biografia e fotografia impressa ou em mídia enviada para o endereço
do fórum ou email da administração do foro.
Dando seguimento ao projeto, também foi demandado o órgão do tribunal de
justiça de Minas Gerais, responsável pela Gerência de Suprimento - GESUP, solicitando
verba para aquisição de molduras e impressões das fotos.
Em resposta, o setor acolheu o pedido, deixando o numerário à disposição para
viabilizar a inauguração da galeria.
Assim sendo, vê-se que a galeria fotográfica visa restaurar a memória e a his-
tória de autoridades do poder judiciário local que contribuíram para a cidade de Teófilo
Otoni e região.
A construção de uma galeria destinada à memória dos juízes que atuaram na co-
marca de Teófilo Otoni contribui para minimizar o distanciamento ainda existente entre
o poder judiciário e a população, colaborando, também, para a formação educacional de
toda a comunidade jurídica.
O projeto se encontra em fase de execução e será concluído a tempo de a galeria
fotográfica ser inaugurada junto com a conclusão e inauguração da obra de ampliação e
reforma do fórum de Teófilo Otoni.
A galeria fotográfica possuirá um local apropriado para destacar, cronologica-
mente na linha do tempo, todos os magistrados e ex-diretores do foro que atuaram na
comarca de Teófilo Otoni, resgatando, assim, um importante capítulo da história do vale
do mucuri.

CONCLUSÃO

Como bem disse o historiador Timothy Snider (2017), as instituições não se


protegem sozinhas e dependem de nossa ajuda para não serem desmoronadas.
Essa proteção vai muito além de uma mera manutenção de bens materiais. Ao
resgatar a sua história por intermédio de autoridades que atuaram nas comarcas, o poder
judiciário contribui para o seu fortalecimento institucional e democrático.
Espera-se que a iniciativa adotada pela direção do foro de Teófilo Otoni seja
levada ao conhecimento da presidência do tribunal de justiça de Minas Gerais, servindo
de exemplo para que todas as outras comarcas do Estado de Minas Gerais resgatem a
lembrança de seus juízes e juízas que exerceram essa nobre e distinta função em benefí-
cio do povo mineiro.

5
Embora outros juízes tenham atuado na comarca de Teófilo Otoni antes de 1990, optou-se temporalmente
por este marco dada a grande dificuldade de obtenção de informações a respeito desses magistrados e seus
familiares.

146
REFERÊNCIAS

BRANT, Marcos Henrique Caldeira. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais comemora o dia da memória
do poder judiciário. Disponível em: <https://www.tjmg.jus.br/portal-tjmg/noticias/tjmg-comemora-o-dia-da-
-memoria-do-poder-judiciario-8A80BCE680AA8E720180ADA1593316C4.htm#>, acesso em: 23 jun. 2022.
BRASIL. Conselho Nacional de Saúde. Ato normativo nº 0002008-76.2020.2.00.0000 que ense-
jou a edição da Resolução nº 316/2020, que institui o Dia da Memória do Poder Judiciário e dá ou-
tras providências. Disponível em: < file:///C:/Users/Renzzo/Dropbox/PC%20(2)/Downloads/documen-
to_0002008-76.2020.2.00.0000_.PDF>, acesso em: 23 jun. 2022.
BRASIL. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 316/2020, que institui o Dia da Memória do Poder
Judiciário e dá outras providências. Disponível em: <chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefind-
mkaj/https://atos.cnj.jus.br/files/original205237202004295ea9e91534551.pdf>, acesso em: 23 jun. 2022.
BRASIL. Presidência da República. Constituição da República de 1988. Disponível em: <http://www.pla-
nalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>, acesso em: 23 jun. 2022.
BRASIL. Presidência da República. Fundacentro. A importância da memória institucional. Disponível em:
<https://www.gov.br/fundacentro/pt-br/acesso-a-informacao/institucional/resgate-historico/a-importancia-da-
-memoria-institucional-1>, acesso em: 23 jun. 2022.
DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. 3ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2008.
SNYDER, Timothy. Sobre a tirania. Vinte lições do século XX para o presente. São Paulo: Companhia das
Letras, 2017.

*Graduanda em Direito e Assistente de Apoio à Direção do Foro.


**Pós-graduada em Direito do Trabalho e Previdenciário pela PUC-Minas e Assessora de Juiz de Direito do
TJMG
***Doutorando em Direito pelo IDP/Brasília, Mestre em Direito Constitucional pelo IDP/Brasília, Membro da
Associação Brasileira de Direito Processual Constitucional, Professor universitário, Juiz de Direito do TJMG e
Juiz Diretor do foro da Comarca de Teófilo Otoni (gestão 2002/2023: 2º biênio)

147
De São Jorge a Nova Módica: história, fé, poesia
Julizar Dantas*

Essa jornada nos remete à analogia com os percursos de dois rios. Nascem sepa-
rados. Após o encontro das águas, seguem unidos rumo ao mar. Do lado de cá, uma aldeia
indígena localiza-se às margens do Itambucuri6 – rio das conchas –, leste de Minas. Do
outro lado do Oceano Atlântico, encontra-se a cidade de Módica, Itália. Distante 8.500
quilômetros entre si,o destino as conecta.
Nas selvas do Mucuri, comandada pelo chefe “capitão” Pohóc, habita numero-
sa tribo de origem Crakacatãm, Mocurim e Nhãnhãn, falantes da língua dos Borum. São
nativos de Poté, Pontarút, Noret, Ampâ e Trindade. Migraram para aquela região com o
avanço da colonização do Mucuri. A aldeia conta oitocentos “homens em arcos”, uma rede
sentinela de pequenos grupos aliados, atentos na defesa da acirrada disputa contra colonos
e grupos indígenas rivais (MISSAGIA DE MATTOS, 2018).
A convivência com os colonizadores pioneiros ocorre pela participação de intér-
pretes, conhecidos como “línguas”.Um deles, Félix Ramos da Cruz,casa-se com a índia
Umbelina, filha do chefe Pohóc. Dessa união, nasce Domingos Ramos Pacó, primeiro pro-
fessor indígena de Itambacuri, autor do manuscrito Uma Pequena Narração ou Origem; de
Como foi Descoberto o Itambacuri =1873=. Essa narrativa de Pacó nos revela o contraste
na descrição da selva: a visão lúdica dos aborígenes e o ambiente hostil aos olhos dos
missionários. Pacó também critica o modelo de catequese: incentivo à miscigenação para
negar a identidade indígena. (PACÓ, 1918, apud RIBEIRO, 1996, p. 201-11; MISSAGIA
DE MATTOS, 2018)).
Antes da chegada dos capuchinhos à região, já se conhecia a existência da tribo de
Pohóc e seus aliados. Empresário e político, exímio estudioso da distribuição geográfica dos abo-
rígenes, Teófilo Benedito Ottoni mantivera contatos com os índios sem virtude das atividades
logísticas da Companhia de Comércio e Navegação do Mucuri (MISSAGIA DE MATTOS, 2018).
Serafim de Gorízia e Ângelo de Sassoferrato, da Ordem dos Frades Menores Ca-
puchinhos, recebem as “letras obedienciais”, nomeando-os missionários apostólicos, Roma,
6/2/1872. No Brasil, incumbiram-se da catequese indígena nas colônias do Mucuri, Provín-
cia de Minas Gerais. Frei Ângelo relata: “As instruções consistiam em nos estabelecermos
nas matas do Mucuri, no lugar mais apropriado para reunião de múltiplas tribos selvagens.”
Chegam a Filadélfia, hoje Teófilo Otoni. Ali permanecem durante seis meses. Nesse tempo,
dedicam-se às pesquisas, observações, excursões, explorações e projetos, à procura do lugar
ideal para a fundação do aldeamento central imperial (PALAZZOLO, 1954).
Frei Serafim e comitiva chegam ao alto da serra divisora das águas do Itamba-
curi e córrego d’Areia, na tarde de 19 de fevereiro de 1873. Frei Ângelo assim descreve o
descobrimento de Itambacuri: “Por meio de um intérprete manifestamos aos índios o que
pretendíamos fazer, salientando que o Governo nos enviara para que os tornássemos felizes
e lhes pedíamos informações sobre o sítio, em que vagavam”. Frei Serafim, ante a beleza

Itambacuri (tambaquir-ri) – o rio dos montes de cascas, de mexilhões ou de conchas. Form. De TAMBÁ, ostra,
6

mexilhões, marisco, concha; QUI, QUIBA, depósito, jazida; RI, corrente d´água, rio (PONTES, 1970, p.200).

148
do lugar, compreende a graçadivina talhada aos propósitos dos trabalhos apostólicos. Ex-
clama: - “Daqui não sairei mais!” Consolida-se a fundação do Aldeamento Central Nossa
Senhora dos Anjos do Itambacuri.7 Na oportunidade, ocorre o encontro inicial, mediado
pelo “língua” Félix Ramos, entre os frades capuchinhos,o cacique Pohóc e o povo da tribo
(PACÓ, 1918, apud RIBEIRO, 1996, p. 201-11; PALAZZOLO, 1954).
Além-mar, em Módica, província de Ragusa, ilha de Sicília, nasce Giorgio Za-
ppulla, 20/11/1897. Aos 16 anos de idade, veste o hábito da ordem fundada por São Fran-
cisco de Assis. Segundo regra franciscana, troca o nome de batismo por Frei Gaspar de Mó-
dica. Conclui filosofia e teologia aos 22 anos, 1902. Cumpre o serviço militar obrigatório.
Torna-seum dos pioneiros entre os capuchinhos enviados pelo padre provincial de Siracusa
a Itambacuri. Parte do porto de Gênovacom destino ao Brasil, 14/7/1904. Aporta no Rio de
Janeiro aos 7 de agosto do mesmo ano. Já em Itambacuri, profere o primeiro sermão em
português, 22/01/1905 (PALAZZOLO, 1954; RODRIGUES, 2015).
Missionário, espírito bandeirante, embrenha-se pela Mata Atlântica. Constrói es-
tradas, capelas e povoados. Numa ocasião, Frei Gaspar abre uma picada no meio da mata.
Depara-se com um povoado, 29/06/1925. O povo teria exclamado: - “São Pedro vos trouxe
aqui.” Frase origináriado nome do arraial São Pedro, atual município de Pescador.
Frei Gaspar de Módica celebra bodas de prata sacerdotais, 1927. Revigorado,
estimula-se à instalação da colônia italiana – Nova Siracusa – na gleba de terra de 4.000
alqueires, cedida pelo governo estadual, destinada ao cultivo do café. A partir de Itambacu-
ri, via São Pedro, abre outra picada direção leste. Quarenta trabalhadores o acompanham.
Uma semana após, encontra um ribeirão. Denomina-o São Jorge, homenagem ao padroeiro
da cidade natal. Ali acredita ter encontrado o local predestinado ao empreendimento (PA-
LAZZOLO, 1954; PEREIRA, 1994).
Mês de julho, inicia-se a construção de Nova Siracusa às margens do Córrego de
São Jorge. Frei Gaspar ordena a derrubada da mata e abertura de clareira. Organiza ranchos
fechados com madeira roliça e cobertura de folhas. Ergue um cruzeirode madeira de lei.
Constrói capela dedicada ao santo de devoção. Nesse local, celebra missa, hasteia as ban-
deiras do Brasil e da Itália, 17/7/1927. À noite, lampiões a carbureto iluminam os ranchos.
Acendem-se fogueiras com lenha seca para afugentar as onças (PEREIRA, 1994).
Um fato novo interrompe o projeto de Nova Siracusa. O governo italiano encerra
os subsídios de emigração, inviabilizando a vinda dos colonos. Frei Gaspar reformula o
projeto. Decide doar 70 hectares de terra para cidadãos corretos e honrados, predispostos a
viver no povoado de São Jorge (PEREIRA, 1994; GONÇALVES, no prelo).
Sobre a origem do Santo, conforme a tradição, trata-se de soldado dos tempos do
imperador Diocleciano venerado como mártir cristão. Jorge nasceu na Capadócia, entre 275
e 280, Era Cristã. Após a morte do pai, emigra para a Palestina acompanhado pela mãe. No
exército romano obtém a patente de capitão e o cargo imperial de tribuno militar. Muda-se
para Roma. Nomeado conde, exerce altas funções na corte (TEMPESTA, 2019; VATICAN NEWS, 2022).

7
Aldeamento Central Nossa Senhora dos Anjos do Itambacuri, criado pela Portaria do governo Provin-
cial, 25/1/1872; consolidado em 19/2/1873. Distrito de Itambacuri, subordinado ao município de Teófilo
Otoni,mediante a Lei estadual n° 556, de 30/8/1911. Município de Itambacuri e seus 4 distritos (Itambacuri,
Aranã, Frei Serafim e Igreja Nova) criado pela Lei estadual n° 843, de 7/9/1923 (COSTA, 1997).

149
O imperador Diocleciano emana um decreto para a perseguição aos cristãos, 303
d.C.Jorge distribui os bens para os pobres. Na data deaprovação do decreto imperial pelo
senado, protesta contra o falso culto aos deuses pagãos. Reafirma a fé em Cristo. Questio-
nado sobre o significado da Verdade, responde: – “A Verdade é meu Senhor Jesus Cristo,
a quem vós perseguis, e eu sou servo de meu redentor e, n’Ele confiado, me pus no meio
de vós para dar o testemunho sobre Ele.” Diante de Diocleciano, Jorge rasga o decreto
imperial. A manutenção da fidelidade a Cristo, apesar das tentativas em dissuadi-lo, resulta
em decapitação 23/4/303 d.C. Está sepultado em Lida, na Palestina (TEMPESTA, 2019;
VATICAN NEWS, 2022).
Elegeram o Santo Mártir Jorge padroeiro da Inglaterra, da Geórgia, da Lituânia
e de Portugal, além das cidades de Módica e Nova Módica. A celebração da festa litúrgica
ocorre no dia 23 de abril. Na simbologia da imagem, a espada e a lança representam a
palavra de Deus. O cavalo branco simboliza a pureza e a santidade, armas indispensáveis
na luta contra o mal, o dragão. (TEMPESTA, 2019; VATICAN NEWS, 2022).
O começo de 1932 foi exaustivo. A última viagem de Frei Gaspar sucede aos 8 de
março. Peregrina nas regiõesde Capela da Baixinha de Todos os Santos, Poté e São Miguel.
Em São José do Fortuna, celebra missa, 19 de março. Retorna a Itambacuri, diabético e
vítima deum tumor na cabeça. Apesar disso, trabalha durante a Semana Santa. Celebra pela
última vez a missa conventual do domingo da Ressurreição. Abril, primórdios de maio,
padece dores atrozes. Despede-se do corpo físico, inicia a jornada espiritual em 16/05/1932
às 8h30 (PALAZZOLO, 1954, p. 463).
“Aquele que em vida jamais descansou, repousa agora, como sempre desejara, na
sepultura, que, para ele se abriu, ao lado dos túmulos dos fundadores, à sombra do santu-
ário de Nossa Senhora dos Anjos” (PALAZZOLO, 1954, p. 463). Frei Gaspar de Módica
(Figura 1) morre aos 53 anos, no fervor das atividades, em Itambacuri, sendo homenageado
pelo poeta do “rio das Conchas” com um soneto de despedida (Figura 2).

Figura 1- Frei Gaspar de Módica. Figura 2- Soneto em homenagem ao Frei Gaspar de Módica
Arquivo pessoal José Edler Gonçalves. (PALAZZOLO,1954, p. 464).

150
O arraial de São Jorge evolui. Emergem construções históricas. O barracão dos
padres, 1929, serve de local das celebrações religiosas, escola de alfabetização e pousada.
Ergue-se a igreja na subida de um morro, 1934 (Figura 3).

Figura 3- Igreja de São Jorge (1934), Fotografia:


arquivo pessoal de Maria Gilda Pereira Alves.

Fertilidade do solo, facilidade na obtenção da posse da terra atraem colonos in-


teressados na formação das fazendas criadoras de gado e cultivo de cereais. Constituem
os habitantes pioneiros de São Jorge: famílias de Filomeno Cardoso de Araújo e Domin-
gos Antônio Gonçalves, membros da família Leal (PEREIRA, 1994; IBGE, 2021).
O crescimento populacional, especialmente na área rural (Figura 4), ocorre con-
soante a vinda das famílias de Damião Martins, os Borboremas, Mirandas, Esteves...
Nova estrada, a partir de São Pedro,permite a passagem dos veículos transportadores de
cargas e passageiros: 1949 dá boas-vindas ao progresso!

Figura 4- ALVES, José, 1998. Pintura: Fazenda Estrela, Córrego de São Jorge. Propriedade de Napoleão Barbosa
Dantas e Lica, adquirida do desbravador Gregório dos Reis Silva, 1951.

151
Um prédio erguido em 1956 facilita o agrupamento das escolas isoladas exis-
tentes na comunidade. Surgem as Escolas Reunidas Dr. Alair Alves Costa, Decreto no.
6.445 do Governo do Estado de Minas Gerais, 23/12/1961. Amplia-se o ensino até a
quarta série do primeiro grau. A reestruturação de 1987 cria a Escola Estadual Dr. Alair
Alves Costa e estende o ensino até a oitava série. Atualmente, ela atende aos anos finais
dos Ensinos Fundamental, Médio e Profissionalizante.
A elevação a distrito com o nome de Nova Módica, homenagem ao fundador, de-
corre da Lei n° 1.039 de 12/12/1953. A emancipação política, Lei n° 2.764 de 30/12/1962
(COSTA, 1997), cria o do município de Nova Módica sob a gestão interina de Antônio
Barbosa de Assis. Anael Inácio Ramos foi o primeiro prefeito eleito pelo povo, gestão
1963-1966. Privilegia abertura de estradas, iluminação pública e educação. Cria-se uma
creche para o acolhimento de crianças carentes. Relata Iná Farias Ramos: “As merendas
vinham de Teófilo Otoni, muita fartura! Os sacos dos mantimentos eram de um pano
muito bom. Nós os desmanchávamos para fazer as roupas das crianças.” Entre as futuras
administrações municipais, destaca-se, pela longevidade, Sinval Neves Miranda, eleito
por três mandatos.
1964, missionário capuchinho, Padre João (Giovanni) Sacco assume as igrejas
de Pescador, Nova Módica e São José do Divino. “Estradas poeirentas ou lamacentas
ligam as localidades da paróquia que visito, uma vez por mês, na tentativa de garantir
um mínimo de assistência religiosa.” (SACCO, 1992). Padre João lega inúmeras obras
sociais. Em destaque, estão o Centro Infantil Padre João Sacco em Nova Módica e o
hospital da cidade de Pescador. Faleceu aos 75 anos, 7/9/2008.
Nova Módica pertence ao bioma da Mata Atlântica, Bacia Hidrográfica do Rio
São Mateus (SM1), mesorregião do Vale do Rio Doce (IGAM. 2009). Abrange uma área
territorial de 375,9 km2. Estima-se a população/2021 em 3.548 pessoas. A rodovia estadual
MG-311 conecta Nova Módica à BR-116,principal via de transporte do Brasil com 4.486
km de extensão. A economia local gera emprego aos, neomodicanos. Concentra-se em três
atividades principais: administração pública, pecuária e comércio. Principal atração turís-
tica: festa do padroeiro São Jorge, 23 de abril (IBGE, 2021). Reflexo do atual estágio de
desenvolvimento, inaugura-se moderna sede da Prefeitura Municipal, 7/12/2019 (Figura 5).

Figura 5- Sede da Prefeitura Municipal de Nova Módica. Administração 2017-2020 - Prefeito Walter Junior
Ladeia Borborema. Fotografia: Gustavo Plínio Moreira de Jesus

152
NOVA MÓDICA

Frei Gaspar de Módica


[aroeira entorta, mas não debruça]
semeou anos e suor.
Plantou a semente.
Ela brotou, cresceu em ti, humilde, fértil.
Religiosamente te educou em tua infância árida.
Hoje, tombado pelo machado da velhice,
descansa em paz, onde o arco-íris também descansa.
Compartilha os mistérios da eternidade quando o sol se vai.
Só tu, Nova Módica, peregrinas ao relento
e afogas teus filhos nas águas oceânicas do Córrego de São Jorge.

Julizar Dantas – Nova Módica - MG

BIBLIOGRAFIA

GONÇALVES, José Edler. Furado Sujo, Um Outro Sertão. No prelo.


KALIL, Fátima. Verdes anos. Juiz de Fora: Editora Garcia, 2017.
SANTOS, Sirlei Henrique de Sousa Firme. Nova Módica nossa terra: projeto memória.Governador Valada-
res: Gráfica Valadares, 2005.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Belo Horizonte: BDMG Cultural, 1997.

IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Nova Módica. Rio de Janeiro, 2021.
2021. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/nova-modica/historico. Acesso em: 1 ago. 2022.

IGAM – INSTITUTO MINEIRO DE GESTÃO DAS ÁGUAS. Bacia Hidrográfica do Rio São Mateus. Belo
Horizonte, 2009. Disponível em: https://www.comites.igam.mg.gov.br. Acesso em: 2 ago. 2022.

MISSAGIA DE MATTOS, Izabel. Os dilemas da ‘civilização’ sob o olhar do professor indígena Domingos Ra-
mos Pacó, na transição para a República. Em: PACHECO DE OLIVEIRA, coord. Os Brasis e suas memórias:
os indígenas na formação nacional, 2018. Disponível em: https://osbrasisesuasmemorias.com.br/biografia-do-
mingos-paco/. Acesso em: 22 jul. 2022.

PALAZZOLO, Jacinto de. Nas Selvas dos Vales do Mucuri e do Rio Doce. Como surgiu a cidade de Itamba-
curi, fundada por Frei Serafim de Gorizia, Missionário Capuchinho (1873-1952). São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1954.

PEREIRA, Serafim Ângelo da Silva. Resumo Histórico da Cidade de Nova Módica. Câmara Municipal
de Nova Módica, 09 de mar. 1994. Disponível em: https://novamodica.cam.mg.gov.br/historia-do-municipio/.
Acesso em: 24 jul. 2022.

PESCADOR (MG). Conheça a história do nosso município. Pescador, 2022. Disponível em:https://pescador.
mg.gov.br/cidade. Acesso em: 25 jul. 2022.

153
PONTES, Salvador Pires. Nomes indígenas na geografia de Minas Gerais. 1970, p.200. Biblioteca Digital
Curt Nimuendajú–Coleção Nicolai. Disponível em: https://www.etnolinguistica.org. Acesso em: 11 ago. 2022.

RIBEIRO, Eduardo Magahães(Org.). Lembranças da terra: histórias do Mucuri e Jequitinhonha. Conta-


gem: Cedefes, 1996. p. 201-11.

RODRIGUES, Márcia. Frei Gaspar (Capuchinho italiano). Câmara Municipal de Frei Gaspar. 04 mar. 2015.
Disponível em: https://www.freigaspar.mg.leg.br/institucional/A-Cidade/Historia. Acesso em: 24 jul. 2022.

TEMPESTA, Orani João.São Jorge. CNBB Igreja Católica Apostólica Romana. 24 abr. 2019. Disponível
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SACCO, Gianni. Notas de uma “viagem”. Pescador, 1992. Disponível em: https://dongianni.org/documen-
ti/lettere-di-don-gianni-sacco/159-la-missione.html. Acesso em: 05 ago. 2022.

S. JORGE MÁRTIR. Vatican News, Estado da Cidade do Vaticano, 23 abr. Disponível em: https://www.vati-
cannews.va/pt/santo-do-dia/04/23/s--jorge-martir.html. Acesso em: 24 jul. 2022.

*Mestre em Saúde Pública (FMUFMG). Médico cardiologista. Médico do trabalho. Sócio correspondente
do Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri. Membro correspondente da Academia de Letras de Teófilo
Otoni – Nova Módica – MG.

154
Jequibay: saberes sobre o uso de plantas para fins
medicinais do povo Pankararu Pataxó a partir de
múltiplas linguagens
Nehewane Pankararu Braz ¹
Raiana Silva Soares 2
Witaty Braz da Silva ²
Gabriel Ferreira Vieira ³
Samara Arcanjo e Silva 4
Larissa Duarte Araújo Pereira 5
Lillian Gonçalves de Melo 6
Ernani Calazans de Oliveira 7

Introdução
Nesta proposta de pesquisa, o foco foi investigar - a partir de múltiplas linguagens - sa-
beres do povo indígena Pankararu Pataxó - dos vales do Jequitinhonha e Mucuri - com o intuito de
preservar formular e conhecer conhecimentos, voltados para a cultura, com ênfase para o contato
com a mãe terra por meio de plantas, principalmente, as medicinais.
Para isso, realizou-se um estudo sob o viés da Linguística Aplicada que, segun-
do Moita Lopes (2014), concebe a linguagem como constitutiva da vida social e enfatiza
que as práticas discursivas mostram identidades sociais inseridas em um contexto de
multiplicidade, do dinamismo em que esses saberes são revestidos de importância e sig-
nificações diversas, incitadas pela memória e identidade de um povo. Pode-se enfatizar
que, nesta proposta de pesquisa, a linguagem, como prática exerceu uma função fun-
damental de preservação da memória coletiva dos saberes do povo indígena Pankararu
Pataxó sob o viés de diálogos nas diversas áreas, entre elas: Linguagem, Antropologia,
Cultura, História, Arte, Botânica, Meio Ambiente e Agrícola, dentre outras.
A problemática norteadora da presente pesquisa deu-se em questionar: Quais
saberes originários - Povo Pankararu Pataxó do território da aldeia Cinta Vermelha
Jundiba no vale do Jequitinhonha - são preservados no uso e cultivo de plantas me-
dicinais e contato com a mãe terra? Quais elementos - pertencentes a essas práticas
de linguagem - incitam a memória coletiva dos Povos Indígenas e a deturpação dos
estereótipos românticos de projeção dos povos indígenas?
Registros da utilização de plantas como remédio pelos indígenas brasileiros fo-
ram realizados desde a época do Brasil colonial por padres e missionários. Gaudêncio et
al. (2020) relatam que se utilizava caju para cura de febres e dores no estômago, enquanto
o abacaxi verde poderia curar feridas. O tabaco (Nicotiana tabacum), também chamado
de petum, amplamente utilizado em cerimônias religiosas, inclusive por jesuítas como o
Padre Manuel da Nóbrega, e rituais indígenas, era utilizado para diversas condições, tais
como paralisia, asma e sarna.
Estudos etnobotânicos vêm sendo realizados no Brasil e no mundo para que se
conheça a medicina popular de povos tradicionais, seja para sistematizar o conhecimento,

155
seja para descobrir novos fármacos. No entanto, Albuquerque (2000) destaca que ainda
existem poucos estudos etnobotânicos voltados para a população indígena. Um estudo
realizado por Coutinho et al. (2002), em comunidades indígenas no Maranhão, concluiu
que projetos, nesse viés, são importantes para o resgate do conhecimento medicinal das
plantas, garantindo que seja repassado às gerações próximas, bem como destaca a impor-
tância da preservação da flora.

Material e métodos /Metodologia

Para a realização desta investigação desenvolveu-se um estudo exploratório a


fim de que os saberes dos povos originários sobre a mãe terra com foco para as plantas
medicinais - sejam compartilhados no decorrer desta pesquisa. O método desenvolvido
foi um estudo de caso desenvolvido in loco na aldeia Cinta Vermelha Jundiba. Os dados
foram analisados sob o viés quantitativo e qualitativo. Houve também uma pesquisa bi-
bliográfica realizada no acervo pessoal da pesquisadora Geralda Soares.
Realizaram-se entrevistas semiestruturadas com duas indígenas do povo Panka-
raru Pataxó para conhecer as plantas e o uso, para fins medicinais que são realizados.
Esta pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética a fim de atender aos preceitos éticos da
pesquisa aplicada. Durante visitas ao território indígena realizou-se catalogação, coleta
de amostras e registro fotográfico das plantas.
No que diz respeito ao material botânico coletado, dentre as finalidades, esti-
veram a confecção de exsicatas e de laminários no laboratório de Biologia do Instituto
Federal do Norte de Minas Gerais, Campus Araçuaí (IFNMG, Araçuaí), visando produzir
material paradidático para uso nas práticas de ensino, pesquisa e extensão.
Para a elaboração de exsicatas, foram coletadas amostras vegetativas das plantas
catalogadas, os quais foram submetidos ao protocolo tradicional para herborização e con-
fecção de exsicatas: prensagem entre grades de madeira, secagem em estufa de ventilação
forçada e montagem em cartolina utilizando-se cola quente. Ao final, foram produzidas
fichas de identificação taxonômica com dados dos espécimes e anexadas à exsicata.
No que diz respeito aos laminários, realizou-se coleta de amostras foliares dos
vegetais acessíveis no período, fixaram-nas em solução de FAA70% (formaldeído 37%,
ácido acético PA e álcool etílico 70% v/v) por 72 horas (JOHANSEN, 1940) e preser-
vadas em etanol 70% até o momento das análises (JENSEN, 1962). Posteriormente, as
amostras foram cortadas à mão livre de modo a obter secções transversais e paradérmicas
das superfícies abaxial e adaxial; clarificadas em hipoclorito de sódio 10% v/v, coradas
com azul de toluidina 0,05% (JOHANSEN, 1940). As lâminas histológicas foram prepa-
radas utilizando-se como meio de montagem gelatina glicerinada (KRAUS; ARDUIN,
1997), preparada em água com cravos-da-índia. Ao final, as mesmas foram devidamente
etiquetadas e armazenadas em caixas para laminário.
Por tratar-se de uma pesquisa que transitou por campos de estudos diversos, o
principal pilar é a área da Linguística Aplicada que investiga os fenômenos da linguagem
como condições de uso, baseando nos estudos de Bakhtin (2016) e Moita Lopes (2014) ;
atrelados aos estudos culturais, identitários e indígenas de Cezar Moreno (2001), Pollak
(1992), Souza e Henrique (2011), Borges (2017), Liberato (2018), Silva (2018), e os

156
estudos botânicos de Johansen (1940), Jensen (1962) dentre outros estudiosos dessas
áreas. Cabe ressaltar que esta pesquisa contou com uma equipe multidisciplinar, há par-
ticipantes das diversas áreas de conhecimentos atendendo aos procedimentos analíticos e
objetivos propostos.

Resultados e discussão

Durante os estudos bibliográficos e entrevistas semiestruturadas, percebeu-se


que, no território aldeia Cinta Vermelha Jundiba, desde a ancestralidade, sempre se culti-
vou um relacionamento estreito com os saberes e práticas envolvendo os vegetais. Mas,
em determinado momento, percebeu-se que essa relação estava sendo distanciada. As
pessoas da aldeia recorriam “aos remédios de farmácia”, para a cura de doenças simples,
como verminoses, resfriados e mal-estar, e os jovens não conheciam as plantas medi-
cinais. Essa preocupação motivou a criação do projeto Okhá-Kahab, e a comunidade
passou a cultivar plantas medicinais para “o tratamento externo, mas também para o
benzimento e equilíbrio emocional, incentivando os indivíduos a não buscarem cura so-
mente nos produtos industrializados, mas nas plantas, na medicina natural e alternativa”
(LIBERATO, 2018, p.122).
Em parceria com outras comunidades, a Aldeia Cinta Vermelha-Jundiba, através
da AIPPA – Associação Indígena Pankararu-Pataxó, com a participação de diversos par-
ceiros, sediou, em 2015, o Seminário sobre Plantas Sagradas, Mulheres e Direitos, com
debates, reflexões e abordagem dos temas políticas públicas e plantas medicinais, com
atenção para as plantas medicinais do Cerrado e da Caatinga.
Durante a investigação no acervo de Geralda Soares foram identificados no terri-
tório 53 plantas que são utilizadas para fins medicinais. Dentre essas plantas identificamos
espécies usadas no tratamento de problemas físicos, por exemplo a Pimenta-malagueta
(Capsicum frutescens) usada no tratamento de labirintite, a Romã (Punica granatum L.),
usada no tratamento de inflamações na garganta, o Mastruz (Chenopodium ambrosioides)
é usado para melhorar o sistema imunológico e para tratar de verminose, e as folhas do
abacate (Persea americana), que são bastantes usadas por parteiras para auxiliar a mulher
a dar a luz Além disso foram catalogadas espécies usadas no tratamento espiritual como a
Imburana-de-cheiro (Amburana cearensis) onde suas sementes são queimadas e a fumaça
serve para purificação espiritual.
Essas são as principais plantas usadas, nas áreas da medicina tradicional abran-
gendo o meio espiritual, a imunidade, a maternidade e outros sistemas importantes como
o respiratório, nervoso e digestivo.
A partir das práticas no laboratório de Biologia do IFNMG/Araçuaí, foi possível
confeccionar exsicatas de 15 espécies utilizadas para fins medicinais, a saber: Acmella
ciliata (figatil), Aristolochia triangularis (cipó milão), Arrabidaea chica (pariri), Carica
papaya (mamão), Psidium guajava (goiaba), Cinnamomum zeylanicum (canela), Eugenia
uniflora (pitanga), Annona squamosa L. (pinha), Punica granatum (romã), Anacardium
occidentale (caju), Cajanus cajan L. (andu), Mangifera indica (manga), Morinda citri-
folia (noni), Jatropha multifida L. (mertiolate) e Citrus sinensis (laranja). Como os espé-
cimes amostrados não estavam em fase fértil no período de coletas, tornando necessárias
157
novas amostragens para complementação do material. Do ponto de vista da utilidade do
material produzido, as exsicatas confeccionadas já poderão ser empregadas, por exemplo,
em estudos comparativos sobre a morfologia foliar das espécies, tornando-se aliado em
aulas teórico-práticas e permitindo aos discentes a visualização do que se encontra em
teorias tanto em disciplinas propedêuticas como técnicas. Além disso, considera-se que
todo o processo de elaboração/ construção do material é, por si só, experiência científica
agregadora aos discentes e docentes participantes, além de denotar o reconhecimento da
importância da cultura dos espécimes vegetais catalogados para aqueles que forem alcan-
çados pelo desenvolvimento do projeto Jequibay.
No que tange a produção dos laminários, foi possível confeccionar lâminas com
secções transversais e paradérmicas das seguintes espécies vegetais: hortelã pimenta
(Mentha × Piperita L.), goiaba (Psidium guajava), jatobá (Hymenaea courbaril), cane-
la (Cinnamomum verum), água de colônia (Alpinia zerumbet), gervão (Stachytarpheta
cayennensis), guaco (Mikania glomerata), mamona (Ricinus communis), manga (Man-
gifera Indica L), melissa do campo (Lippia alba), mertiolate (Jatropha multifida L) e
pitanga (Eugenia uniflora). O processo de confecção das lâminas se mostrou, por si só,
fonte de grande aprendizado para as discentes e docentes envolvidas. Foram necessários
diversos testes e ajustes de protocolo a fim de se obter o melhor resultado possível na ob-
servação dos materiais botânicos ao microscópio. Inicialmente, a proposta era o preparo
de lâminas permanentes utilizando-se resina sintética como meio de montagem, contudo,
ao se desidratar o material em série etílica após a coloração, a fim de torná-lo compatível
ao uso de resina sintética, o corante rapidamente se perdia após a montagem da lâmina.
Outras vezes, mesmo após a desidratação das secções, formavam-se muitas bolhas na
lâmina, dificultando a observação do material ao microscópio. Ao final, a montagem das
secções em gelatina glicerinada, se mostrou a melhor alternativa para a confecção das
lâminas, as quais tornaram-se semipermanentes. O uso de cravo-da-índia no preparo da
gelatina glicerinada tem, a finalidade de prolongar a vida útil das lâminas, visto que o
cravo-da–índia possui propriedades antifúngicas.
Assim como os laminários, as exsicatas também não são consideradas como
materiais permanentes. Desta forma, a recomendação é de que todo material receba do-
cumentação fotográfica para fins de registro. O que pode ser previsto para as próximas
etapas do projeto.
Em conclusão, a vivência laboratorial, as demandas de revisões bibliográficas
e práticas realizadas são passíveis de ofertar informações importantes para comunida-
de. Tanto no que diz respeito às informações científicas/botânicas dos espécimes, como
quanto à sua relação com a cultura local.

Conclusão (ões)/Considerações finais

Considera-se que esta pesquisa, de suma importância na valorização e no co-


nhecimento da cultura, identidade e memória do Povo Pankararu Pataxó, houve também
inserção de material no acervo e portal indígena existente no IFNMG/ Campus Araçuaí
por meio dos resultados científicos e tecnológicos identificados ao final da pesquisa sobre
os saberes dos povos originários a partir da sua relação com a mãe terra, com foco para

158
as plantas medicinais.
Dentre os materiais a serem produzidos - nesta pesquisa- cabe ressaltar: pre-
servação de narrativas dos povos originários, registro das plantas medicinais através da
fotografia e produção de um catálogo virtual, promoção de rodas de discussão e exposições
dos resultado com o intuito de promover futuros investimentos na área de pesquisa, tecno-
logia, economia, e desenvolvimento - social, cultural, artístico e ambiental - relacionados
à identidade indígena e os benefícios de uso e preservação das plantas medicinais e suas
diversas funcionalidades.
Na prática do laboratório foram produzidos três laminários contendo lâminas
com secções transversais e paradérmicas de 12 espécies e 15 exsicatas de material vege-
tativo de espécies com uso medicinal catalogadas na Aldeia Cinta Vermelha Jundiba.

Agradecimentos

Agradecemos: ao povo Pankararu Pataxó do território da Aldeia Cinta Vermelha


Jundiba pela parceria no projeto e compartilhar os saberes indígenas; Geralda Soares,
pela disponibilização do acervo e parceria com o projeto; ao IFNMG/Campus Araçuaí
pelo espaço cedido para o desenvolvimento do projeto e pelas bolsas de iniciação cien-
tífica aos estudantes do Ensino Superior e fomento no material de consumo pelo edital
da PROPPI, ao CNPQ pelas bolsas de iniciação científica do Ensino Médio para os es-
tudantes; e aos colegas colaboradores do projeto, representados aqui pela servidora do
IFNMG, Elisabeth Gomes Uchoas, que auxiliou no processo de secagem dos vegetais
para montagem das exsicatas, Edmara Cerqueira, Aneuzimira Caldeira, Grácia Lorena,
Elaine Ferrari, Ana Carolina Shiguemoto e a estudante Maria Clara Motoso.

Referências

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GAUDÊNCIO, J.S.; RODRIGUES, S.P.J.; MARTINS, D.R. Indígenas brasileiros e o
uso das plantas: saber tradicional, cultura e etnociência. Khronos, Revista de História
da Ciência, n.9, 2020.
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(Doutorado em Educação) - Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE, 2018
MATIAS, L. Q. Coleta, Herborização e o Registro de Material Botânico. Universidade
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MORENO, Cézar. A colonização e o povoamento do Baixo Jequitinhonha no século XIX.
159
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SILVA, Cleonice Maria.O desaparecimento das plantas medicinais do Cerrado: as impli-
cações nas práticas de cura dos(as) raizeiros(as), benzedores(as), curandeiros(as) e pajés
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Sociobiodiversidade e Sustentabilidade no Cerrado. Centro UnB Cerrado, Universidade
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SOUZA, João Valdir Alves de; HENRIQUES, Márcio Simeone ( org.). Vale do Jequiti-
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Propaga%c3%a7%c3%a3o-Vegetativa-e-Sexuada-de-Plantas.pdf, acesso em 20/08/2020.

1
Discente do curso técnico integrado em Agroecologia do IFNMG – campus Araçuaí.
2
Discente do curso superior em Engenharia Agrícola e Ambiental do IFNMG – campus Araçuaí.
3
Discente do curso técnico integrado em Meio Ambiente do IFNMG – campus Araçuaí.
4
Doutora em Botânica (UFV). Docente do Instituto Federal do Norte de Minas Gerais, Campus Araçuaí.
5
Doutora em Geografia, Tratamento da Informação Espacial (PUC Minas). Docente do Instituto Federal do
Norte de Minas Gerais, Campus Araçuaí.
6
Doutora em Linguística e Língua Portuguesa (PUC Minas). Docente do Instituto Federal do Norte de Minas
Gerais, Campus Araçuaí.
7
Mestre em Artes (UFMG). Docente do Instituto Federal do Norte de Minas Gerais, Campus Araçuaí

160
A saga de Frei Serafim de Gorizia e Frei Angelo de
Sassoferato a caminho de Itambacuri
Wallace Gomes Moraes*

Ao aproximarmos dos 150 anos da fundação de Itambacuri nada mais significa-


tivo que traçar toda a trajetória empreendida por Frei Serafim de Gorizia e Frei Ângelo
de Sassoferato, que, saindo da Itália, vieram fundar o aldeamento de Itambacuri.
Frei Serafim: Nasceu na cidade de Gorizia, então território
austríaco, que passou posteriormente a integrar a Itália. Foi ba-
tizado como João Batista Madon. Seus pais eram Antônio Ma-
don e Anna Maria Gomesck. Sua família pertencia ao alto esca-
lão do governo austríaco. Formou-se Engenheiro aos 20 anos de
idade destacando-se, principalmente, em áreas como Ciências
Sociais, Letras Filosóficas e Matemáticas. Com essas habili-
dades, venceu concurso para chefe de uma seção no Império
Austro-Húngaro. Em um lugar de destaque e com sua compe-
tência, acabou despertando o respeito do imperador Francisco
José, que geralmente para tomar decisões importantes, costu-
mava consulta-lo. Em janeiro de 1858 foi enviado à Lombardia como chefe de uma
comissão do império. Lá, João Batista conheceu Giuseppe Garibaldi sendo por ele,
convidado a integrar a Carbonária, uma sociedade secreta e revolucionária fundada na
Itália por volta de 1810 que atuou na Itália, França, Portugal, Espanha, nos séculos XIX
e XX, cuja ideologia assentava-se em valores patrióticos e liberais, além de se distinguir
por um marcado anticlericalismo, mas recusou. Ainda na Lombardia ele pôde conhecer
de perto alguns membros da ordem criada por São Francisco e também refletir sobre a
vocação religiosa, já manifestada. Ainda em 1858, no dia 4 de maio, ingressou na Ordem
dos Frades Menores Capuchinhos, na província de São Carlos, recebendo assim o nome
de Frei Serafim de Gorizia.
Diante desta decisão por parte de Frei Serafim, o imperador ordenou o envio de
um médico ao convento do noviciado para que avaliasse se estava sofrendo das faculdades
mentais, e, caso isso fosse constatado, por ordem expressa do imperador, ele devia ser ti-
rado de lá e submetido ao devido tratamento. Entretanto, após a realização dos exames, foi
considerado que Frei Serafim estava em perfeitas condições. O frei disse ao médico: “agra-
deço penhorado os cuidados do soberano, a quem dirá que estou gozando perfeita saúde e
a paz, que só Deus sabe dar. Lamento, apenas, não ter conhecido antes este tesouro”.
No dia 30 de maio de 1859 fez a profissão simples e, decorridos os três anos
prescritos, em 31 de maio de 1862, fez a profissão de votos solenes – por meio da
qual o religioso consagra seu compromisso com a Ordem. Por ser poliglota, Frei
Serafim foi enviado a Trieste e incumbido da pregação para as minorias que ali exis-
tiam. O frei falava alemão, italiano, francês, esloveno, espanhol e, mais tarde, apren-
deu também o português.
Assim, teve início assim o seu ministério. Com o sucesso alcançado, Frei Sera-
161
fim foi enviado como pregador e confessor à província dos Capuchinhos da Estíria-Ilíria,
no Vale do Danúbio, na Áustria, com a carta obediencial de 1868. Ficou neste posto por
alguns anos. Suas atividades o tornaram apóstolo de todas as classes, bastante admirado,
mas o sonho do Frei não era este. Ele queria ir além das fronteiras da Europa e levar seu
apostolado onde fosse mais necessário. Assim, em 18 de janeiro de 1871, chega a Roma
com o objetivo de fazer parte das missões, que a princípio seria no Chile.
Frei Ângelo: Nasceu em Colle della Noce, um povoado que
pertencia à cidade de Sassoferrato, na Província de Ancona, Itá-
lia. Foi batizado como Afonso Censi. Seus pais eram Lourenço
Censi e Balduína Garofali. Afonso era de família pobre. Rece-
beu desde cedo educação cristã e frequentava a igreja diaria-
mente. Gostava do ar místico dos conventos, onde ia constante-
mente em visita a dois tios: um Franciscano Observante e outro
Capuchinho.
Aos 16 anos ingressou na ordem dos Menores Capuchinhos,
vestindo o burel de São Francisco no dia 21 de novembro de
1863 e iniciando o noviciado no convento de Camerino com o
nome de Frei Ângelo de Sasso.
Nessa época, a Itália aspirava à sua independência e unificação. Aproveitando-se
desse contexto, seitas secretas desencadearam perseguição às ordens religiosas. Frei Ânge-
lo então fez os votos perpétuos no dia 21 de novembro de 1864 e, no ano seguinte, devido
às convulsões revolucionárias e à supressão das ordens religiosas, foi obrigado a deixar
sua pátria, indo para a França e, mais tarde, para a Suíça. Durante seis anos continuou seus
estudos aprofundando-se nas ciências filosóficas e teológicas, sob a direção do capuchinho
italiano Frei José Fidélis, ex-definidor da ordem.
No dia 2 de abril de 1870 recebeu a unção sacerdotal. Mudou-se, então, para
Grenoble, na França, e depois para Lucerna, na Suíça. No pouco tempo em que ficou em
Lucerna, Frei Ângelo aprendeu elementos da língua alemã. Nesse período, a Itália ainda
enfrentava séria crise. Os religiosos se defrontavam com litígios que envolviam política
e organizações como a maçonaria. Foi nesse ambiente que nasceu em Frei Ângelo a von-
tade de servir em missões. O próprio diretor, Frei Fidélis, reconhecendo suas qualidades,
incentivou-o neste propósito.
Antes de seguir viagem para Roma, para tentar se inserir em alguma missão,
Frei Ângelo passou por Sassoferrato e Colle della Noce, onde pôde rever sua mãe, que
não via há oito anos, desde que se tornou sacerdote. A visita foi também uma despedida
já que sabia que, indo para alguma missão, de lá não retornaria. Sendo assim, no ano de
1871 estava em Roma, no Colégio São Fidélis, onde os futuros missionários se prepara-
vam para partir. Frei Ângelo se apresentou com apenas uma carta de seu mestre.
O encontro dos Missionários Frei Serafim e Frei Ângelo se deu no Colégio São
Fidélis enquanto se preparavam para as missões. Frei Serafim pediu aos superiores para
ser incorporado aos missionários que partiriam para o Chile, mas foi determinado seu
embarque para o Brasil. Frei Ângelo não tinha preferências com relação ao destino. Frei
Serafim tinha então 43 anos e era um sacerdote experiente. Frei Ângelo tinha 27 e não
conhecia muito além dos conventos.

162
Em janeiro de 1872, Frei Serafim passeava pelo claustro do Colégio São Fidé-
lis quando Frei Ângelo veio a seu encontro. Os dois não se conheciam e Frei Serafim
perguntou-lhe o nome. Frei Ângelo respondeu e foi questionado se tinha algum país de
preferência para o trabalho nas missões.
Ao responder que não, Frei Serafim o convidou a seguir com ele para o Brasil,
pois procurava um companheiro que lhe ajudasse nas atividades missionárias. Frei Ân-
gelo, que aguardava uma indicação do destino, respondeu que sim. Em 6 de fevereiro de
1872 eles receberam do superior-geral as “letras obedienciais”, estando assim nomeados
como missionários apostólicos para o Brasil.
Antes de sair de Roma, os futuros missionários, cientes da responsabilidade que
acabavam de assumir, prostraram-se em oração diante do túmulo de São Pedro e São
Paulo, pedindo a Deus as graças necessárias ao êxito da missão.
Em seguida, o Papa Pio IX os recebeu para dar a bênção apostólica. Os três con-
versaram por alguns minutos e o Papa se despediu com as palavras que Frei Ângelo re-
gistrou em seu caderno de anotações: “Ide, filhos caríssimos, evangelizai os indígenas
e trazei-os ao aprisco do Senhor. A bênção de Deus e a Nossa Apostólica vos anime,
vos fortaleça e vos ampare”.
No dia 19 de fevereiro de 1872, os dois missionários partiram para Civitavec-
chia, uma comunidade italiana da região do Lácio, província de Roma, onde embarcaram
num pequeno navio costeiro que os levaria a Gênova. No porto da cidade embarcaram no
vapor Poitou, da companhia francesa sediada em Marselha, Société Générale des Trans-
ports Maritimes à Vapeur, que, aproveitando a oportunidade da não existência de uma
linha marítima regular entre os portos do Mediterrâneo e a costa Leste da América do Sul,
criaram a rota Marselha-Rio de Janeiro-Buenos Aires.
A bordo deste navio então, os dois missionários seguiram para o Brasil, em 10 de
março de 1872. O navio chegou ao Brasil, em 03 de abril de 1872, após 25 dias de viagem.
Os missionários seguiram para o convento do Morro do Castelo, no Rio de Janeiro, onde
chegaram de surpresa. Eles foram recebidos com alegria pelo então comissário-geral Rev-
mo. Frei Caetano de Messina e pelos demais religiosos da comunidade.
Como o governo tinha pressa em enviar missionários para ajudar a resolver a
situação que envolvia os indígenas da região do Mucuri, em Minas Gerais, Frei Serafim
e Frei Ângelo ficaram no Rio de Janeiro apenas pelo tempo necessário para se orientarem
acerca da missão e aprenderem os primeiros elementos da língua do país. Eles seriam
responsáveis por trazer os indígenas da mata ao convívio da civilização e acabar com os
repetidos massacres e incursões feitas por eles nas frentes de colonização.
Através da portaria baixada em 7 de junho de 1872, o Ministro dos Negócios da
Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Cândido Borges Monteiro, Visconde de Itaúna,
comunicou ao Revmo. Comissário-geral dos missionários capuchinhos, Frei Caetano de
Messina, a nomeação e requisição dos dois novos missionários, com a incumbência da
catequese dos indígenas nas colônias do Mucuri. Frei Caetano então, diante desta deter-
minação, entregou-lhes as cartas obedienciais, discriminando as respectivas atribuições e
confortando-os com sua bênção.
Alguns dias depois, os missionários seguiram viagem para Juiz de Fora por
estrada de ferro. Esta estrada de ferro, denominada Companhia da Estrada de Ferro de
163
D. Pedro II, foi aprovada em 9 de maio de 1855, através do decreto n. 1.599 sendo uma
sociedade composta por acionistas, sob a direção de Christiano Benedicto Ottoni.
O projeto mestre tinha como objetivo a construção de uma espécie de “espinha
dorsal” entre o Rio de Janeiro e a estação de Belém em Japeri, na Província do Rio de
Janeiro, que teria conexões com todas as regiões do Brasil, através de ramais a serem
construídos pela própria companhia, ou, por meio de outras ferrovias, visando promover
a completa integração do território brasileiro sobre trilhos, a partir do Município da Corte
(a então cidade do Rio de Janeiro).
As obras começaram em 11 de junho de 1855 e, em 29 de março de 1858, foi
inaugurada a seção que ligava a estação Aclamação (na cidade do Rio de Janeiro) à Fre-
guesia de Nossa Senhora da Conceição de Marapicu (atual Queimados), num total de
48,21 km. Nessa época havia cinco estações: Campo (atual Central do Brasil), Engenho
Novo, Cascadura (todas no Município da Corte), Maxambomba (atual Nova Iguaçu) e
Queimados, na Província do Rio de Janeiro. Em 8 de novembro do mesmo ano, a estrada
de ferro se estendeu até Belém (atual Japeri), no sopé da Serra do Mar.
Dando sequência na expansão dos trilhos, em 1860, foi concluído o ramal de
Macacos (atual ramal de Paracambi), a partir de Japeri, que era o ponto de partida para
que a Estrada de Ferro D. Pedro II atravessasse a Serra do Mar. Em 12 de julho de 1863,
os trilhos chegaram a Rodeio (atual Engenheiro Paulo de Frontin) e no ano seguinte, à
região fluminense do Vale do Paraíba. O primeiro trem de passageiros alcançou Barra do
Piraí em 9 de agosto de 1864.
Após a conclusão da transposição da Serra do Mar, a linha se bifurcou em Barra
do Piraí, com a linha tronco, chamada Linha do Centro, seguindo na direção de Entre
Rios (atual Três Rios) e tendo como destino a Província de Minas Gerais; e o Ramal de
São Paulo, que seguiu à margem direita do Rio Paraíba do Sul com destino a Província
de São Paulo. Em Entre Rios (atual Três Rios, onde chegou em 13 de outubro de 1867, a
Estrada de Ferro D. Pedro II encontrou-se com a Estrada de Rodagem União e Indústria,
inaugurada em 1861.
Com a construção desse trecho, o governo transferiu para a Estrada de Ferro D.
Pedro II o tráfego de gêneros e produtos feito pela estrada União e Indústria. Segundo os
contratos aprovados pelo decreto n. 4.320, de 13 de janeiro de 1869, o motivo seria evitar
“os efeitos de uma concorrência forçosamente nociva a ambas” (BRASIL, 1869, p. 12).
O trajeto da ferrovia também continuou crescendo, alcançando o Porto Novo do
Cunha em 1871. Nesse mesmo ano foi inaugurado o trecho da ferrovia até Juiz de Fora,
do ramal denominado Linha do Centro. Esse ramal deveria partir de Entre Rios, seguir
pelo Vale do Paraibuna e atravessar a Serra da Mantiqueira em direção ao Planalto de
Barbacena, ponto de convergência dos Vales do São Francisco, do Rio Doce e do Rio
Grande, que englobavam quatro quintos do território mineiro. (MATOS, 1995, p. 53-54).
Chegando em Juiz de Fora, os freis foram recebidos pelo sargento Torquato Do-
nato de Sousa Bicalho que, por ordem do diretor-geral, os levaria a Ouro Preto, então
capital de Minas Gerais. Para chegar até Ouro Preto o restante da viagem foi feita a cavalo.
Providos de boa tropa e de víveres necessários para a viagem, acompanhados
pelo Sargento Torquato e por mais dois mestres, seguiram no sentido de Outro Preto,
onde receberiam instruções do diretor-geral de proteção aos índios, Sr. Brigadeiro Antô-

164
nio Luís de Magalhães Mosqueira.
Seguiram pelo trajeto da Estrada Real cumprindo o itinerário: Juiz de Fora, Ta-
buões (Ewbank da Câmara), Palmyra (Santos Dumont), Borda do Campo (Antônio Car-
los), Barbacena, Santana da Ressaca (Ressaquinha),Santana de Carandaí (Carandaí), Que-
luzito (Santo Amaro), Queluz (Conselheiro Lafaiete), Ouro Branco, Itatiaia, Ouro Preto.
A região de Ewbank da Câmara era batizada de ‘Tabuões’, devido à forma pela
qual as pessoas do lugar superavam as condições geológicas que se apresentavam naque-
le solo. A fim de possibilitar o tráfego eram colocadas enormes tábuas sobre o terreno
úmido, lamacento e frio, característico daquela localidade de brejo, e inúmeras taboas.
Em Ouro Preto, onde chegaram em 20 de junho de 1872, mereceu um ofício do
Diretor Geral dos Índios, Antônio Luiz de Magalhães Mosqueira, ao Comissário Geral da
Ordem no Rio de Janeiro, Frei Caetano de Messina, notificando-o da chegada dos freis
Serafim e Ângelo à capital mineira.

“Ontem às duas horas da tarde aqui chegaram e se acham hospedados em nos-


sa casa os dois religiosos capuchinhos frei Serafim de Gorizia e Ângelo de Sasso-
ferrato, cuja vinda me foi anunciada por vossa reverendíssima em telegrama,
ao qual respondi e querendo dar a vossa reverendíssima um pequeno testemu-
nho de quanto estimava e me eram agradáveis esses dois queridos hóspedes, dei
logo um telegrama para V. Revmo, anunciando a chegada deles nesta capital.
Hoje, se Deus quiser, pretendo apresentá-los ao senhor vice-presidente da pro-
víncia Dr. Belém e a Comissão da Assembleia Provincial, esperando pelo senhor
presidente Senador Godoy, para dele exigir tudo quanto eu julgar necessário
para comando, segurança e direção e meios para que eles cheguem ao seu desti-
no e possam desempenhar o importante serviço de que se acham encarregados,
a bem do interesse religioso, humanitário, político e econômico desta Província.”

Frei Serafim e Frei Ângelo permaneceram por dois meses, tomando conheci-
mento da situação envolvendo índios e governo, bem como para obter maiores conheci-
mentos relacionados à região, indispensáveis ao bom desempenho da missão.
Após esse período, seguiram rumo a Filadélfia, hoje Teófilo Otoni. O itinerário
a ser seguido era: Mariana que ficava a 2 léguas rumo ao leste, passando pelo vilarejo
de Taquaral e o arraial de Passagem. Depois de uma cavalgada de aproximadamente 2
horas chega-se a Mariana. Daí seguiram para o vilarejo de Camargos, o arraial de Bento
Rodrigues e o arraial de Inficionado (atual Santa Rita Durão) que recebeu esse nome em
homenagem ao ilustre filho da terra, Frei José Santa Rita Durão.
Seguindo no sentido de Catas Altas alcançaram a vila de Santa Barbara passan-
do pelo vilarejo de Cocais, para, logo em seguida, chegar à vila de São Gonçalo do Rio
Abaixo até à cidade de Itabira do Mato Dentro (Itabira) distrito de Bom Jesus do Amparo
e Itambé do Mato Dentro.
Nesta parte da viagem conforme ofício do Diretor Geral dos Índios, Antônio
Luiz de Magalhães Mosqueira, ao Deputado Provincial, Capitão José Bento Nogueira
Junior,em 3 de agosto de 1872, eles deveriam se dirigir primeiramente a Peçanha para se
encontrar com outros religiosos da sua ordem que já se achavam no novo aldeamento da
Imaculada Conceição do Rio Doce, e logo depois se dirigir ao Serro em busca da con-
signação e da gratificação. Tais valores seriam tirados da quota de 30 contos votada pela

165
Assembleia Legislativa Provincial pela Lei 1:921.
Ainda ciente das dificuldades que os frades iriam enfrentar na região, Mosquei-
ra, como diretor geral, buscava construir uma rede de solidariedade para ajudar aos novos
missionários capuchinhos e assim, enviaria outro ofício para o deputado de Minas Novas,
José Bento Nogueira Junior.
No oficio, o Diretor pedia ajuda ao deputado para que os missionários pudessem
ser auxiliados quando da sua chegada, e que a estes fossem pagos a quota destinada para
a fundação do aldeamento no vale do Mucuri, não só das consignações concedidas pelo
governo, como do recebimento das gratificações, que lhes foram concedidas bem como
o engajamento de oficiais operários para as obras indispensáveis do novo aldeamento,
quando não seja possível obtê-los no Mucuri.
As gratificações para frei Serafim e Ângelo deveriam ser pagas por algum cole-
tor de Minas Novas, para o qual Mosqueira enviou uma ordem emitida pela tesouraria,
que estabelecia o valor de 100 contos para serem pagos mensalmente a cada um dos
missionários, mais a consignação de 800 contos pela coletoria do serro, a saber: 400 para
serem pagos no mês de maio e 400 no de junho. Como isto não se concretizou, deram
sequência à viagem.
Em seguida chegou-se ao arraial de Morro do Pilar e de lá pousaram em Itapoa-
canga. Posteriormente, seguiram até Conceição do Serro (atual Conceição do Mato Den-
tro). Depois de 1 légua chega-se ao arraial de Santo Antônio do Rio do Peixe (Alvorada
de Minas) até a cidade do Serro Frio (Serro), com distância de 3 léguas.
Do Serro a Diamantina, com distância de aproximadamente 9 léguas passando
pelo arraial de Capivari, Milho Verde, São Gonçalo do Serro (atual São Gonçalo do Rio
das Pedras), Vau. Em Diamantina após descanso tomaram a estrada que alcançava Minas
Novas e Araçuaí, cruzando o rio Jequitinhonha na localidade de Mendanha e o rio Araçu-
aí, na localidade de Mercês de Araçuaí.
O trajeto seguiu para o arraial de Mendanha, o arraial de Rio Manso (atual Cou-
to de Magalhães), vilarejo de Rio Preto (São Gonçalo do Rio Preto), arraial de Araçuaí
(atual Senador Modestino Gonçalves), arraial de São João Batista de Minas Novas (atual
Itamarandiba), Alto da Piedade (atual cidade de Turmalina,)
Daí seguiram até o Arraial de Nossa Senhora da Graça (atual Capelinha), Alto
dos Bois, passando pelas Comunidades de Sapé, Timirim, Córrego do Engenho, arraial
de Setubinha, passando por lugarejos como Alaú, Quartel, Santa Cruz, Trindade, Santa
Maria de São Félix (Santa Maria do Suaçuí), Urupuca, e sítios onde estão situados atu-
almente os municípios de Agua Boa, Malacacheta, Poté, Filadélfia (Teófilo Otoni).
Essas rotas de tropeiros existiam em toda região. Mesmo a chamada Estrada
Real, que se estendia para o norte até a vila de Minas Novas, como rota de escoamento
do ouro e dos diamantes lavrados na região de Diamantina, não passava de uma rústica
trilha de animais.
Nessas viagens, feitas por tropa de burros comandadas por tropeiros, carrega-
vam poucos tipos de apetrechos, a maioria feita em couro. A cozinha da caravana era
composta de trempe (tripé desmontável com ganchos nas hastes) e panelas de ferro. As
cangalhas dos cargueiros eram de madeira, recebendo bruacas de couro ou os balaios de
custa, fabricados com taquara trançada.

166
Nas bruacas e nos balaios eram acondicionadas as cargas, cobertas com couro
de boi. Cada burro da tropa recebia uma cangalha, o “dobro” (pano colocado como forro
entre o costado do animal e a cangalha ou arreio), o peitoral (colar de couro que prendia
a cangalha), a “retranca” (rabicho colocado atrás do animal, para impedir a cangalha de
escorregar) e a “sopradeira” (uma espécie de bocal que impedia o animal de comer na
estrada), as duas últimas peças também feitas com couro de sola.
A comida era simples e prática: feijão, farinha de mandioca ou biju, toucinho,
carne seca, pó de café, açúcar mascavo ou rapadura. Nos pousos, comiam feijão quase
sem molho com pedaços de carne de sol e toucinho (feijão tropeiro), que era servido com
farofa e couve picada. Já as bebidas alcoólicas, só eram permitidas em ocasiões especiais:
nos dias muitos frios tomavam um pouco de cachaça para evitar constipação e como re-
médio, para picada de insetos.
A vestimenta nestas ocasiões era basicamente chapéu, capa e/ou manta com uma
abertura no centro, jogada sobre o ombro, botas de couro flexível que chegavam até o
meio da coxa para proteção nos terrenos alagados, nas matas em dias de chuva além de
picadas de animais peçonhentos.
A viagem a cavalo, de Ouro Preto a Filadélfia durou 20 dias. A época do ano não
era a melhor para uma incursão como aquela e as chuvas tornaram o caminho ainda mais
penoso. Chegando a Filadélfia, os freis tinham a missão de procurar o lugar ideal para
instalar o aldeamento, desbravando as matas do Mucuri.
A chegada dos franciscanos, em Filadélfia, foi saudada com entusiasmo pela po-
pulação, na esperança de que ali ficassem. Mas não foi assim. Os missionários cumpriram
as ordens recebidas ao saírem da capital do Império e deixaram o povoado de Filadélfia,
retirando-se para a fazenda do Capitão Leonardo Esteves Otoni, distante de lá cerca de
25 quilômetros.
Os Frades ficaram na fazenda por seis meses aprendendo, colhendo informa-
ções, fazendo observações, elaborando projetos e explorando a floresta à procura do
melhor lugar para estabelecerem o aldeamento, aproveitando que Capitão Leonardo se
relacionava com algumas tribos de índios. Este lugar serviu como ponto estratégico para
reunir diversas tribos de índios que vagavam nas imensas matas.
A floresta na região era densa, de mata fechada. Percorriam-na somente índios
como: Crakeatan, Mucurim, Nhanhã, Catolés, Potão, Nacrechés, Aranãs e as feras bravias.
Para se achar um local conveniente e de acordo com as instruções recebidas dos
órgãos governamentais, era preciso estudar a região e percorrer a floresta bruta, tarefa
difícil principalmente para dois freis – ainda mal aclimatados e não familiarizados com
semelhante empreitada. E ainda se deve levar em conta os grandes perigos que a selva
oferecia.
Aos freis foram sugeridos alguns sítios como Potão, cujos terrenos ótimos esta-
vam ocupados pelo Capitão Leonardo Esteves Otoni, a quem seria preciso indenizar. Os
sítios Saudade, Planície e Cana Brava também apareceram como opção, mas não possuí-
am os requisitos exigidos e recomendados pelo governo Imperial. Tais sugestões partiam
de interessados que, mais tarde, se revelariam inimigos da catequese.
O tempo passava e Frei Serafim se preocupava em encontrar logo o tal lugar. Na
margem do rio São Mateus, o Frei mandou fazer uma derrubada, ajudado nesta tarefa pe-
167
los índios Potões, com os quais tinha estabelecido certa relação. Esses índios informaram
a Frei Serafim da existência de um lugar muito melhor, não muito distante, rico em águas
e com abundante caça e pesca.
O local ficava a 25 quilômetros de onde eles estavam. Frei Serafim abandonou
então o rio São Mateus e seguiu com os índios tomando o caminho indicado por eles. O
que os índios disseram seria exatamente o tipo de lugar procurado por Frei Serafim e seu
grande auxiliar Frei Ângelo.
Na tarde do dia 19 de fevereiro de 1873, Frei Serafim, Frei Ângelo e o grupo
que os acompanhavam chegaram ao alto da serra que divide as águas dos rios Itamba-
curi e Córrego d’Areia. Do alto dava para ver o soberbo vale que lhes extasiava a vista.
Era um panorama imponente de beleza selvagem. As águas do córrego (Pitak ou Taruk)
corriam pela encosta do Morro Grande. O Frei compreendeu ser aquele o lugar indicado
pela vontade de Deus para plantar o marco da fundação do aldeamento e a tenda do seu
apostolado, chegando a profetizar: “Daqui não sairei jamais! ”
Frei Ângelo (1915), autor da memória sobre a fundação de Itambacuri, relata
que uma vez tendo chegado às matas do Mucuri, deparou-se com uma medonha e inós-
pita mata. Ao europeu causava espanto as árvores seculares do Brasil de 30, 40 e mais
metros de altura e de grossura extraordinária.

“Estávamos rodeados dessas extensíssimas florestas virgens, abrigo de on-


ças e tigres ferozes, de serpentes enormes e venenosas e de selvagens ain-
da mais temerosos. Para se achar um sitio conveniente, de accordo com
as instruções do Governo, devíamos percorrer muitos logares dessa roça”.

Diante desse universo até então desconhecido, Frei Serafim, entusiasmado, pro-
feriu a seguinte previsão como fim da nobre missão:

“Rogou encarecidamente aos civilizados que se congraçassem com os sel-


vagens; os protegessem e agradassemos; travassem com elles sincera amiza-
de e até se lhes prendessem pelos laços do matrimonio, porque os índios eram
também gente como nós, tendo a mesmissima origem, e criados também por
Deus para conhecê-lo, amá-lo, serví-lo, e assim alcançarem a vida eterna. (...)

O fato é que Itambacuri, circundada por esta cadeia de montanha, possuía em


cada vertente e encosta, inúmeras nascentes que disponibilizam suas águas na formação
de córregos que compõem duas grandes bacias hidrográficas. Todos esses córregos, rios
e serras existentes em Itambacuri e região, já possuíam um nome em língua indígena an-
tes mesmo da chegada dos colonizadores. Rios como: Jamineque, Pitak, Tarum, Pokim,
Taruk, Tacruk-Ambruk.
Nesses tempos já corria o mês de março. Com a aproximação da Páscoa, que
nesse ano cairia no dia 13 de abril, os freis resolveram então celebrar uma Missa em co-
memoração. O lugar escolhido para a celebração foi a encosta do morro próximo ao Cór-
rego do Engenho (Tacruk-Ambruk), onde foi feita a primeira derrubada e foram erguidos
os primeiros ranchos. A missa foi celebrada em companhia de civilizados e selvagens,
numa casa tosca de madeira, coberta com cascas de ipê e peroba.

168
Assim, o dia 13 de abril de 1873 estava fundado o Aldeamento de Itambacuri. A
partir daí seguiu-se uma série de trabalhos orientados sempre pela vocação e perseveran-
ça dos frades para a instalação da catequese. Foram muitas as dificuldades enfrentadas
desde o início, mas os freis sabiam que o projeto de catequização e aldeamento, suplan-
tava em muito os problemas encontrados e levaram a efeito sua obra.

REFERENCIAS

ABREU, Capistrano de. Os caminhos antigos e o povoamento do Brasil. 5.ed. Brasília:


Ed. UnB, 1963.
BRASILEIRO, Danielle Moreira. O Aldeamento Indígena Nossa Senhora dos Anjos
_____Decreto n. 641, de 26 de junho de 1852. Autoriza o governo para conceder a uma
ou mais companhias a construção total ou parcial de um caminho de ferro que, partindo
do Município da Corte, vá terminar nos pontos das Províncias de Minas Gerais e S. Pau-
lo, que mais convenientes forem. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro,
tomo 13, parte 1, p. 5-7, 1853.
____. Decreto n. 1.599, de 9 de maio de 1855. Aprova os estatutos da companhia da Es-
trada de ferro de D. Pedro II. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, tomo
13, parte 1, p. 5-7, 1853.
____Frei Ângelo de Sassoferrato e Serafim de Gorizia. Livro IV, Gaveta 21. ACRJ, No-
tícias Históricas de Missões apostólicas dos capuchinhos na catequese e civilização dos
índios da Província de Minas Gerais no Brasil até o fim do ano de 1887”
MARTINS, Marcos Lobato, História e Meio ambiente, São Paulo, Annablume/Faculda-
des Pedro Leopoldo, 2007.
MATOS, Odilon Nogueira de. Vias de comunicação. In HOLANDA, Sérgio Buarque de.
O Brasil Monárquico: declínio e queda do império. História geral da civilização brasilei-
ra. t. 2, v. 4. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,1995.
MISSAGIA DE MATTOS, Izabel. Civilização e Revolta: os Botocudos e a catequese na
Província de Minas. Bauru: Ed. ANPOCS/EDUSC, 2004. - PALAZZOLO, Frei Jacinto
de. Nas Selvas dos Vales do Mucuri e do Rio Doce. 3ª Edição. Companhia Editora Na-
cional. São Paulo – 1973
MORAES, Wallace Gomes, Itambacuri: O Vale das Águas– São Paulo – Ed. Ixtlan, 2014
MORAES, Wallace Gomes, Kischem Katak: nossa Aldeia - São Paulo/SP, Ed. Ixtlan.
São Paulo/2018
____ Ofício do Diretor Geral dos Índios, Antônio Luiz de Magalhães Mosqueira, ao
Comissário Geral Pe. Frei Caetano de Messina. Ouro Preto, 20 de junho de 1872. ACRJ.
PACÓ: Memória e indigenismo no Vale do Mucuri – MG. Associação Nacional de His-
tória – ANPUH XXIV Simpósio Nacional de História. São Leopoldo - 2007.
PEREIRA, Teodolindo A. Silva. Entre os Selvagens. Traduzido de Fra i Selvaggi – Sa-
muele Cultrera. BDMG Cultural. Belo Horizonte – 2001.
SANTIAGO, Thiago Fr. Os capuchinhos em Minas Gerais: subsídios para a História.
Belo Horizonte: Santa Edwiges, 1997.
TSCHUDI, Johann Jacob von, Viagens Através da Amarica do Sul, Fundação João Pi-
nheiro, Belo Horizonte.
169
______Vigário Benedito Esteves Lima. “Filadélfia do Mucuri”: In: Jornal Actualidade.
Órgão do Partido Liberal/ Propriedade de José Egydio de S. Campos. Ouro Preto, 12 de
agosto de 1879. Disponível em: http://memoria.bn.br/hdb/periodico.aspx.

*Sócio Efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri- Cadeira 04, Sócio Correspondente do Instituto
Histórico e Geográfico de Minas Gerais, Membro Efetivo da Academia de Letras de Teófilo Otoni- Cadeira
21, Administrador, Professor da ALFA/UNIPAC, Assessor Técnico da Cooperativa dos Produtores Rurais de
Itambacuri Ltda.

170
Um escritor que nem precisava de livros
Eugênio Maria Gomes*

Em uma manhã do final do ano de 2021, a guarda-mirim que cobria o horário de


café da minha secretária, veio me dizer: “um homem com uma penca de chaves na mão,
quer falar com o senhor”. Nem precisei perguntar quem era, apenas pedi que convidasse
o Sr. Humberto Luiz para entrar. Aquela penca de dezenas de chaves era sua marca pes-
soal e, por mais que não acreditássemos, ele sempre insistia que sabia, exatamente, para
que servia cada uma delas.
Depois de prosearmos sobre muitas coisas, ele me perguntou se eu achava re-
almente importante que ele publicasse um livro. Na verdade, nunca achei que isso fosse
fundamental para o Humberto. Ele era um dos poucos escritores que não precisavam da
publicação de livros para serem reconhecidos como escritores, haja vista a quantidade
de escritos publicados em outras mídias e meios. Publicar um livro, para o Humberto,
seria na verdade uma oportunidade para festejar o livro, a leitura e de dividir com outros
públicos, a beleza de seus escritos, até então de conhecimento de um público específico.
E eu tive a oportunidade de dizer isso a ele, mas reafirmando o que sempre lhe
disse, sobre a alegria que é ver nascer um livro e poder autografá-lo. Então ele aceitou o
desafio e pediu a minha ajuda, que teve início com a indicação do coordenador do Núcleo
de Documentação e Estudos Históricos do Unec, professor José Aylton de Mattos, com
o intuito de que um de seus funcionários pudesse digitar seus textos, guardados de forma
impressa, em páginas e mais páginas de jornais. Paralelamente acionei a coordenação da
Editora Funec, Dra. Marina de Moura Faíco, para que todo o apoio lhe fosse dado, inclu-
sive para a criação da capa de seu livro.
Quem acompanhou o lançamento de “A Verdade dos fatos”, presencialmente ou
através dos veículos de comunicação, percebeu a alegria estampada nos olhos do escritor,
feliz por entregar uma obra tão rica à comunidade, compartilhando seus escritos, a sua
elegância no trato das mais diversas questões, a sua intimidade com as letras e o seu per-
feccionismo na utilização da Língua Portuguesa, compilados em uma bela obra, de fino
acabamento.
Sim, o filho de “Seu Nô” esbanjou alegria, simpatia e cordialidade, no lança-
mento de sua obra. É como se estivesse, inconscientemente, se despedindo de seus ami-
gos e admiradores, que lotaram o auditório “Prof. Celso Simões Caldeira”, no Unec. Teve
até banda de música e um dos mais eloquentes discursos do anfitrião, tudo registrado
pelas câmeras, microfones e gravadores de todos os veículos de comunicação da cidade.
Uma festa para ficar na memória e ajudar a eternizar a figura singular de Humberto Luiz
Salustiano Costa.
Logo na segunda-feira seguinte, eu tive o prazer de recebê-lo, mais uma vez, em
meu local de trabalho, desta vez para me agradecer e dizer que tinha deixado registrado,
nas entrevistas, que a culpa daquele lançamento era minha. Agradecer... Este, também,
era um gesto marcante no dia a dia de Humberto Luiz. Por menor que fosse o gesto de
alguém, às vezes uma palavra apenas, e ele fazia questão de procurar a pessoa, de agra-

171
decê-la e, rotineiramente, costumava enviar um cartão ou um ofício, com belas palavras
de agradecimento.
Naquele nosso último encontro, depois de muita prosa e muito riso, lhe sugeri
que, o próximo livro, fosse um compilado de seus discursos e ele respondeu sorrindo:
“Nem pensar!”. Achei que fosse, apenas, mais uma daquelas respostas evasivas e que,
com o tempo, assim como aconteceu com “A verdade dos fatos”, o convenceria quanto à
publicação de alguns de seus discursos. Desta vez, não deu...
O bom esposo, pai, avô e amigo de todos, resolveu partir. O excepcional jorna-
lista, presidente do grupo Sistec, fundados e presidente emérito do MAC – Movimento
Amigos de Caratinga -, membro do Conselho Diretor da Funec, foi procurar outras pa-
ragens. O grande escritor, o homem que mais publicou em jornal impresso; que proferiu
os discursos mais belos, nas mais diversas oportunidades; que nos emocionava com a
oração das 18 horas, na Rádio Caratinga; que ajudou a fundar a Academia Caratinguense
de Letras e que era confrade atuante na Academia de Letras de Teófilo Otoni e membro
efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri, já não está mais entre nós. Fica o
seu legado, resta a saudade e permanecem seus escritos, seus ensinamentos, o valor de
sua amizade e a sua história.
Descanse em paz, amigo Humberto Luiz Salustiano Costa.

*Professor, escritor, é membro efetivo da Academia Caratingunese de Letras, sócio correspondente do Instituto
Histórico e Geográfico do Mucuri e membro correspondente da Academia de Letras de Teófilo Otoni.

172
Das Selvas do Mucuri até Filadélfia - Arquétipos
Histórico - Antropológicos
Gladiston Vieira dos Santos

“Quanto mais nos avizinhamos do perigo, com maior clareza começarão


a brilhar os caminhos para o que salva, tantas mais questões haveremos de
questionar. Pois questionar é a piedade do pensamento!” (Martin Heidegger)

É da natureza do homem a incessante busca da verdade e também da liberdade.


Em tempos imemoriais nossos ancestrais hominídeos saiam da proteção e da obscuridade
da caverna para encontrar-se com a luz do amanhecer. E na paisagem dos vales e monta-
nhas iam ao mundo, com seu estilo de vida nômade, a perambular pelos arredores, pelo
menos enquanto houvesse ali abundância de víveres que lhes garantissem a vida.
Marcados pelos elementos da natureza, tinham na luz e no calor do sol a segu-
rança para a caça de animais, a pesca e a coleta de frutos. Mas, aterrorizados com o frio
e a escuridão da noite que os ameaçavam, se recolhiam, ao entardecer. Essa rotina não
era nada fácil. Calcula-se que a média de vida desses nossos avós ancestrais não passa-
va muito além dos vinte e cinco ou trinta anos. E passaram-se muitos séculos até que
alcançassem a técnica de produzir a fogueira. Esse passo enorme, a técnica antiga, foi a
segurança e o artifício para escapar da extinção.
Certamente, acossados pelas necessidades, aquelas mentes arcaicas foram sen-
do configuradas, nas suas camadas mais profundas, em busca do conhecimento. Per-
ceberam a radical diferença entre luz e sombra, calor e frio, medo e coragem, fuga
e ataque, ilusão e realidade, improvisação e planejamento, risco e segurança, saber e
ignorância, vida e morte.
Tanto no Oriente como no Ocidente, é possível entrever um caminho que, ao
longo dos séculos, levou a humanidade a encontrar-se progressivamente com
a verdade e a confrontar-se com ela. É um caminho que se realizou – nem po-
dia ser de outro modo – no âmbito da autoconsciência pessoal: quanto mais o ho-
mem conhece a realidade e o mundo, tanto mais se conhece a si mesmo na uni-
cidade, ao mesmo tempo que nele se torna cada vez mais premente a questão do
sentido das coisas e da sua própria existência. “João Paulo II – In Fides e Ratio).

A chegada dos colonizadores nas selvas do Mucuri foi marcada por elementos
semelhantes aos dos tempos antigos. Havia a mesma presença, tanto da realidade objetiva
da natureza exuberante e perigosa da floresta, quanto da constituição subjetiva dos seus
pensamentos e sua imaginação, compondo em seu psiquismo a percepção de sua relação
com o outro, em sua unicidade e perspectivas de transcendência.
O que motivou Ottoni a adentrar um mundo selvagem, terra inóspita de mil ame-
aças? E seus seguidores, arregimentados das aldeias nativas ou de terras de além-mar? O
que buscavam os germânicos, franceses, italianos, espanhóis, frades capuchinhos e pasto-
res doutras nacionalidades, chineses, africanos dentre outros, quando saíram do seu terri-
tório de origem, para reiniciar a vida em tão audaciosa aventura?

173
Foram tantos, de várias origens, que ora mais de perto, dos confins da terra,
somaram-se à causa da construção de estradas, roças, pastagens, edificações, trazendo
técnicas inovadores, e ergueram uma Filadélfia, a “cidade do amor fraterno.”
Há que se refletir. É na esteira dessa condução histórica, no ensejo desse legado
tão antigo, mas também tão próximo, que tudo se interliga.
É a vocação originária, um legado remoto fincado na alma, na natureza do caça-
dor da pré-história. Um movimento abissal que veio ecoando até chegar ao desbravador
liberal que aqui aportou, há quase dois séculos. Seu movimento ainda ressoa e também
nos convoca, num apelo, às vezes quase apagado pela turbulência nadificante da era da
técnica moderna.
Não é essa coragem, esse discernimento, essa ousadia, tão vinculadas às pro-
fundezas do psiquismo do homo sapiens, que são, entretanto, o motor mais potente e
mais marcante que impera a todo o momento, nas expressões mais originárias da nossa
espécie?
Porém, se estamos todos, mesmo que adormecidos, no arco amplo da ousadia
e audácia, nem sempre em todos e em todo o tempo, desponta essa virtude maior que é
dar prosseguimento ao chamado da liberdade, tão oportunamente cunhado na bandeira
de Minas – Libertas quae sera tamen – liberdade ainda que tardia! Não faz parte dos
fracos e tíbios sair da acomodação e ir à planície caçar uma fera ou libertar-se dos limi-
tes territoriais que os oprimem e os condicionam. Não é nessa linhagem de passividade
que se ousa lutar e se reconhecer titular de direitos. Mas há, e sempre deve ser desperta
a curiosidade, a abertura das asas do espírito, nesse desejo de conhecimento da verdade,
desejo natural implícito nos nossos elementos constitucionais, para dominar a terra e dela
tirar proveito. Citando novamente João Paulo II:

“A fé e a razão (Fides et Ratio) constituem como que as duas asas pelas quais o espírito
humano se eleva para a contemplação da verdade. Foi Deus quem colocou no coração do
homem o desejo de conhecer a verdade e, em última análise, de O conhecer a Ele, para que
conhecendo-O e amando-O, possa chegar também à verdade sobre si próprio.” (Idem).

A demanda ancestral da nossa natureza nos move a alma. As tantas necessidades


básicas, não só materiais, mas também espirituais, vez ou outra revolucionam nossos
passos em direção do desconhecido para a realização da nossa utopia. Existe no coração
de cada homem um pouco de Abraão que quer sempre ir em busca da “Terra Prometida”.
Mas também se posta em cada um o Ulisses, cujo desejo constante é o de retornar para
o acolhimento de sua casa. Se o primeiro representa o ato masculino, por via da pulsão
ejaculatória que espalha sua descendência no mundo, o segundo, por força da dimensão
arquetípica feminina, insurge, se fazendo presente na tendência para o recolhimento ao
lar, e com força nos impele no desejo de estar em casa novamente.
Da mesma forma que a errância de andarilhos retirantes constituem a inquietação
dos nossos sonhos, nosso coração nunca perde o endereço das nossas origens. Pode-se
viajar rumo às estrelas, mas sempre estaremos muito felizes no porto seguro do retorno.
No aconchego, no ninho originário, há inquietação por aprimorá-lo e dar sentido ao nosso
viver. É como voltar ao útero materno, aconchegante, terra natal, lugar especial, onde

174
nossa unidade foi concebida e delineada em seus decisivos traços. Ali nossa formação se
aprimorou e cresceu até o parto, momento pleno de heranças remotas, projeto de centenas
de milhares de ancestrais, pulsando nos genes de nossa carne e advindos do mistério da
vida. Como nos retrata poeticamente essa instância e essa estância do conforto da casa,
os versos bem cantados pelo conjunto de rock Pink Floyd, na música Bresthe Reprise do
álbum Time:
“...Home, home again,
I like to be when I can!” (1)
“Lar, lar de novo. Eu gosto de estar aqui quando posso!”
Na atualidade, incontáveis conterrâneos já saíram e ainda saem do vale do Mu-
curi e do Jequitinhonha. Certamente movidos pelos mesmos impulsos do passado, pois
Ulisses e Abraão ainda vigem na alma de cada homem e de cada mulher, de cada jovem,
seja qual for sua origem ou condição. E curiosidade, liberdade, busca incessante da felici-
dade, no encontro logístico da holística existencial, tudo conflui a um paradigma da nossa
realização como pessoa humana. Infelizmente, na contramão desse entendimento vale o
exemplo do preconceito racial que levou alguns historiadores incautos, legitimadores do
sistema escravocrata, a afirmar que o indígena teria mais vocação para a liberdade que o
negro africano. Essa justificativa insensata e desumana, não reconhece a liberdade como
valor ontológico da nossa natureza íntima.
Retomemos como referência a questão nietzscheana, que com grande sabedoria
o filosofo alemão Martin Heidegger (1889-1976) nos faz lembrar, num dos seus textos
cujo título é – Quem é Zaratustra de Nietzsche? – personagem de nome Zaratustra (que
em linguagem persa significa A Estrela de Ouro) figurando o anunciador de um homem
mais humano (Übermensch – Além-do-Homem), que aquele que Friedrich Wilhelm Niet-
zsche (1844-1900) conheceu em seu século. Se a esse momento se constata tempo fe-
cundo de um superlativo humanismo na Alemanha, contemporaneamente também o era,
tempo fértil no arrojo e na espiritualidade dos pioneiros do Mucuri.
A obra mais conhecida e mais popular de Nietzsche; Assim Falou Zarathustra:
um livro para todos e para ninguém (em alemão: Also Sprach Zarathustra: Ein Buch für
alle und Keinen) foi escrito em 1883 e 1885. Uma obra magnífica, marcada pelas mes-
mas inquietações e também no mesmo século que Teófilo Benedito Ottoni e seguidores
viviam aqui, nestas plagas selvagens. Vigorava o período do Segundo Reinado, quando
ainda éramos a última monarquia escravista das Américas. A atitude desse nosso altivo e
audaz fundador está fortemente presente aí, como legado que devemos reverenciar. Ele
lutou com ardor juntamente com alguns corifeus da liberdade que cunhavam para os li-
vros de história o sonho republicano e a utopia liberal. É na escuta sincera desse chamado
milenar para a liberdade, às vezes dormitando em nosso espírito, que ousamos continuar
na caminhada que visa a pela realização dos nossos ideais. O habitante do vale do Mu-
curi de hoje não pode deixar perecer e enterrar o legado do Liberal do Serro, cujo sonho
republicano ainda atravessa nossa existência como um facho de luz frente às ameaças de
um retrocesso político. Dizia Nietzsche, “o homem é um ente que tem que ser superado.”
Temos que incessantemente ultrapassar o que somos.
Mas a tarefa é, e sempre foi desafiadora. Exige ciência e sapiência, memória
histórica e decisão consciente.
175
Encerro, num momento em que acontece o horrendo espetáculo de destruição
da Ucrânia. Fosse aquele povo carente de sua identidade e da sua memória histórica não
estaria resistindo, bravamente, a toda forma de infortúnio e ameaças. Também o hoje
cobra o mesmo de nós. Nossa essência clama por altivez, postura ativa e firme, com luta
renhida, frente à crescente onda extremista que ameaça toda a construção do Estado De-
mocrático de Direito do Brasil. A região, com grandeza e brio, apesar da carência social,
irmanou-se com todo o Nordeste, sempre respondendo e fazendo-se presente na vida
republicana. Desde os Luzias, a antessala do projeto republicano nacional, somos um
referencial indispensável nas lutas políticas e sociais da nossa pátria, pela conquista da
liberdade. É honroso ter no passado e certamente no futuro, irmãos conterrâneos, homens
e mulheres, cujas faces estampadas nas galerias do tempo, mostram agora e depois, abne-
gadas figuras, nos marcos da nossa história.
Aqui, citando mais uma vez o povo germânico, que com grande sabedoria nos
leva muito a pensar, recolhamos os desafios de agora para um enfrentamento que ultra-
passa todas as nossas fronteiras. Estamos frente às questões da paz social, da prosperi-
dade econômica, no cuidar do clima e dos biomas, convencidos da concepção atual de
família humana universal. Colocamos nossa vocação arquetípica na direção urgente de
questões de nossa sobrevivência e das gerações vindouras, e com grande perplexidade.
Esse profundo pensamento é um caminho aberto por dois dos maiores filósofos da Mo-
dernidade: Nietzsche e Heidegger. Eles, com a pertinência semelhante ao movimento de
construção da Estrada da Companhia do Mucuri, nos devolvem a questão fundamental
do sentido e direção da caminhada da nossa existência. Na nossa pretensa governança
do vale do Mucuri das Minas Gerais, e mais, das tantas maravilhas do nosso país e do
mundo, devemos estar às voltas pensando, a perguntar pelo nosso destino: “ – O Homem
dá conta de ser senhor dessa Terra?”

Bibliografia

HEIDEGGER, Martin. Quem é Zaratustra de Nietzsche? In: Ensaios e Conferências. Trad. Emmanuel Carneiro
Leão, Gilvan Fogel e Márcia Sá Cavalcanti Schuback. Petrópolis, RJ: Vozes, 5ª Ed.2008. P. 87-110 (Pensamen-
to Humano).
HEIDEGGER, Martin. “...Poeticamente o Homem habita ...” In : Ensaios e Conferências. Traad. Emmanuel
Carneiro Leão, Gilvan Fogel e Márcia Sá Cavalcanti Schuback . Petrópolis, RJ: VOZES, 5ª ed. 2008. P. 165-
183 (Pensamento Humano).
NIETZSCHE, F. W. Assim falou Zarathustra. São Paulo: Martin Claret, 2002ª. (A Obra Prima da Cada Autor)
JOÃO PAULO II. Encíclica Fides e Ratio – sobre as relações entre fé e razão ( 13-09-1998) 2ª edição. Paulus,
1998.
PALAZZOLO , Fr. Jacinto de. Nas Selvas do Vale do Mucuri e do Rio Doce. Cia. Editora Nacional. São Paulo,
2ª Ed. 1952.
COL. Os Pensadores . Vol. NIETZSCHE. Obras Incompletas. Trad. Gérard Lebrun. Abril Cultural. 1983.
JUNG, Carl Gustav. Os Arquétipos e o Inconsciente coletivo. Trad. Maria Luiza Appy, Dora Mariana R. Fer-
reira da Silva . Petr

176
A magnífica comemoração do primeiro
centenário de Teófilo Otoni
Iris Soriano Nunes Miglio
Presidente do IHGMucuri

Em 1953, a nossa Filadélfia, já rebatizada com o nome de seu fundador, come-


morava seu primeiro centenário de existência. Para relembrar o extraordinário esforço
de Teófilo Benedito Ottoni, ao plantar no seio da Mata Atlântica uma cidade-polo, para
dali irradiar o progresso a todo o vale do Mucuri, a prefeitura e demais poderes, juntos
com outros setores da sociedade, fizeram chover alegria por toda a cidade, com festejos,
com inauguração de obras, anúncios de importantes benefícios para o povo, culminan-
do com a detonação duradoura de fogos de artifício, por aqui nunca vistos.
Para cobrir aquele marcante evento, para a cidade acorreram jornalistas de vá-
rios veículos da mídia nacional, principalmente de Belo Horizonte, a Folha de Minas,
que produziu um completo suplemento, inteiramente dedicado à programação organi-
zada pela prefeitura municipal para abrilhantar as comemorações do Primeiro Centená-
rio de Teófilo Otoni.
De posse de um exemplar desse jornal, datado de 20 de setembro de 1953,
escolhemos o artigo que aborda as principais atividades realizadas naquela semana es-
pecial, em que a cidade se orgulhou de receber a presença do governador Juscelino
Kubitschek, acompanhado do vice-governador Clóvis Salgado, bem como, inúmeros
homens públicos de grande evidência no cenário social e político do Estado. Incontá-
veis filhos da terra, moradores em outras regiões do país, também, para aqui acorreram,
a fim de estarem em comunhão de alegria, com seus parentes e amigos estabelecidos na
cidade.
Neste ano, serão 170 anos que nossa amada cidade vai completar. Embora es-
tejamos distantes do tempo e das pessoas que comemoraram seus primeiros cem anos,
o mesmo sentimento de expectativa que eles vivenciaram nos acorrem. Muitas águas já
passaram em baixo das pontes do rio Todos os Santos! A cidade cresceu muito, o pro-
gresso trouxe melhor qualidade de vida para todos nós. Hoje contamos com os serviços
de fornecimento de água e energia por órgãos públicos, como a Copasa e a Cemig, uma
universidade federal, a UFVJM, rede de estradas asfaltadas comunicando o município
com todo o país e muitos outros benefícios conquistados no correr de todos esses anos!
Então, é importante que haja comemoração!
Formulamos votos para que a atual geração, como aquela de 1953, imbuída do
mesmo entusiasmo, promova os merecidos festejos em setembro do corrente ano.
O Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri dará sua contribuição, brindando
os amantes de nossa História, com publicações sobre o vale do Mucuri, pelo que solici-
tamos aos nossos amigos, matérias e sugestões atinentes ao evento.

177
O CENTENÁRIO DE TEÓFILO OTONI:
COMEMORAÇÃO COM BRILHANTISMO PELA
PREFEITURA E CÂMARA MUNICIPAL
Suplemento Comemorativo do Centenário de Teófilo Otoni
FOLHA DE MINAS
Belo Horizonte, domingo, 20 de setembro de 1953.

Uma administração operosa a serviço do povo – Diversos melhoramentos


públicos inaugurados – Abertura oficial das solenidades – Homenagem a ilustres
teófilo-otonenses – Poços artesianos – Praça de Esportes – Busto do Dr. Epaminon-
das Esteves Ottoni – Exposição dos produtos do Vale do Mucuri – Os festejos de 7 de
Setembro – Sessão solene no legislativo – Inauguração da estátua de Teófilo Ottoni –
O discurso do deputado Paulo Pinheiro Chagas – A presença do governador Juscelino
Kubitschek nos imponentes festejos.
A Prefeitura e a Câmara Municipal de Teófilo Otoni quiseram comemorar o cen-
tenário de fundação da cidade, entregando ao povo os grandes melhoramentos realizados
pela administração Germano Augusto de Souza e Petrônio Mendes de Souza.
Seria esta a melhor homenagem que se poderia prestar à memória do grande
desbravador que foi Teófilo Benedito Ottoni, espírito empreendedor e que deixou nas
terras férteis do vale do Mucuri o marco do trabalho e do progresso.
E foram muito felizes os administradores da Princesa do Nordeste Mineiro. De-
ram à população e aos visitantes uma demonstração cabal dos esforços que vêm fazendo
para o desenvolvimento cada vez maior do município. Mostraram que, apesar da crise
financeira que assola todo o país, é possível trabalhar e aplicar com critério e eficiência
os minguados recursos da receita municipal.
Todos os que estiveram em Teófilo Otoni voltaram deslumbrados com o que
lhes foi dado observar. Por todos os recantos do município percebe-se a ação dinâmica da
administração Germano Augusto de Souza.
São estradas que se abrem, redes de esgotos e de água, poços artesianos, escolas
primárias, calçamento de ruas, jardins, assistência às instituições de caridade, tudo en-
fim, que o município necessitava ardentemente.
O trabalho dos administradores de Teófilo Otoni, não passou despercebido ao
governador Kubitschek que emprestou-lhes seu apoio valioso, contribuindo, inicialmen-
te, para que fosse solucionado o grave problema de força e luz, autorizando a construção
de uma majestosa praça de esportes, velho sonho da mocidade teófilo-otonense e, final-
mente, fazendo erigir a estátua de Teófilo Ottoni, na praça principal da cidade, numa
homenagem das mais justas ao desbravador da região.

ABERTURA OFICIAL DAS SOLENIDADES

A abertura oficial das comemorações do Centenário realizada no dia 1º, foi uma

178
festa das mais significativas. O povo se reuniu na praça Tiradentes, onde se realizou a
solenidade, aplaudindo vibrantemente os oradores que se fizeram ouvir. Coube ao Dr.
Aristides Alves Pereira, juiz de direito da comarca, proferir o discurso com que as autori-
dades saudavam o primeiro século de criação do município. Falou, em seguida, o prefeito
Germano Augusto de Souza, que cortou a fita simbólica que circundava o arco do triunfo
armado naquela praça e encimado por imenso retrato de Teófilo Benedito Ottoni, cercado
de lâmpadas coloridas. Falaram ainda o deputado Tristão da Cunha, o vice-prefeito Pe-
trônio Mendes de Souza e o Dr. Sidônio Ottoni, vice-presidente da Câmara Municipal.

JARDIM DA PRAÇA TIRADENTES

À noite, teve lugar a inauguração do belo jardim da praça Tiradentes, construído


pela atual administração. O logradouro estava lindamente ornamentado e iluminado pro-
fusamente e era enorme a massa popular que ali se comprimia.
Quando chegaram ao local o prefeito Germano Augusto de Souza, o deputado
Tristão da Cunha, o vice-prefeito Petrônio Mendes de Souza e outras autoridades, foram
recebidas por vibrantes aplausos. O vice-prefeito Petrônio Mendes de Souza pronunciou
eloquente discurso, entregando ao povo o lindo jardim.

HOMENAGEM AOS QUE CONTRIBUIRAM PARA O


PROGRESSO DO MUNICÍPIO

No mesmo local foi prestada, logo após, uma homenagem do povo de Teófilo
Otoni às colônias alemã, baiana e libanesa que tanto contribuíram para a prosperidade e
desenvolvimento do município.
A homenagem consistiu na inauguração de três belos painéis alusivos às ativi-
dades daquelas colônias. O ato contou com a presença de representantes das colônias
homenageadas, entre esses o Dr. Darci de Almeida, o Sr. Alexandre Mattar, o pastor
Schulup, pastor Librório Zimer, pastor Américo Gomes Coelho, pastor Vindilino Raister
e pastor Elquias.
O primeiro orador foi o Dr. Petrônio Mendes de Souza. Seguiram-se com a pala-
vra o Sr. Fabio Antonio da Silva Pereira, Dr. Ricardo Alves Pinto. Em nome das colônias
homenageadas discursaram o Dr. Darci de Almeida, pela colônia baiana, o Sr. Nagib
Ganem, pela colônia libanesa e o pastor Schulup, pela colônia alemã.

RETRATO DO PROFESSOR BENJAMN DA CUNHA

O velho mestre, prof. Benjamim da Cunha, fundador do primeiro curso secun-


dário que existiu em Teófilo Otoni, não foi esquecido pelos administradores da cidade.
Como gratidão e reconhecimento pelo seu trabalho em prol do desenvolvimento do ensi-
no, a Prefeitura e a Câmara Municipal fizeram inaugurar seu retrato no salão principal da
Biblioteca Municipal.
Foi uma homenagem comovente em que discursaram o farmacêutico Luiz Men-
des de Souza, ex- discípulo do mestre Benjamim da Cunha, o deputado Tristão da Cunha,
179
filho do ilustre educador, o prof. Celso Cunha, catedrático do Colégio Pedro II, do Rio e
neto do homenageado e uma aluna do Colégio São Francisco.
No mesmo dia, a Prefeitura entregou à população um outro melhoramento. Foi
a inauguração da ponte da rua Padre Virgulino sobre o rio Todos os Santos.
Esta ponte construída recentemente, veio resolver o sério problema que era a
falta de ligação de populosos subúrbios com o centro da cidade.

FESTIVIDADES DO DIA 3 DE SETEMBRO

O dia 3 de setembro foi assinalado por brilhantes festividades. No Círculo Ope-


rário realizou-se uma sessão magna, quando diversos oradores falaram sobre a vida e
obra do fundador da cidade.
Nesse mesmo dia, sob o patrocínio da Prefeitura Municipal deu-se a instalação
do Congresso Médico que contou com cientistas de diversos pontos do país.
À noite, realizou-se a solenidade de abertura da Exposição de Produtos do Vale do Mu-
curi, a primeira no gênero que se realiza em Teófilo Otoni.
Todos os industriais e lavradores do município concorreram ao certame, pres-
tigiando assim a iniciativa da Prefeitura e dando aos visitantes a impressão do poderio
econômico da região. O certame que foi organizado pela municipalidade, impressionou
vivamente, todos aqueles que o visitaram. Deve-se a sua organização ao trabalho dedi-
cado e sem esmorecimento do prefeito Germano Augusto de Souza, do vereador Sidônio
Ottoni, do engenheiro Horácio Esteves Ottoni, do Dr. Olinto Esteves Ottoni, do Sr. Fábio
Antonio da Silva Pereira e do Sr. Felipe Silva. O Dr. José Maria Barbosa, chefe do Fo-
mento do Ministério da Agricultura, concorreu, também, para o brilhantismo da exposi-
ção, fazendo inaugurar um ambiente de café no recinto e prestando outros auxílios.
O ato da abertura foi solene, tendo, na ocasião, sido inaugurados os retratos do
governador Juscelino Kubitschek, do deputado Tristão da Cunha e do Dr. José Maria
Barbosa.
Discursaram o Dr. Geraldo Landi, o deputado Tristão da Cunha e o vereador
Sidônio Ottoni.
A exposição durou vários dias e no seu encerramento foram distribuídos prê-
mios aos expositores que mais se distinguiram.

INAUGURAÇÃO DO HOSPITAL SÃO VICENTE

No dia 4, deu-se a inauguração do moderno prédio do Hospital São Vicente, cons-


truído com o auxílio da municipalidade e destinado a abrigar os tuberculosos pobres. Ao ato
compareceram o Sr. Germano Augusto de Souza, o deputado Tristão da Cunha, o vice-prefeito
Petrônio Mendes de Souza, médicos que tomaram parte no Congresso Médico e numerosa
assistência. O Dr. Frank Abubakir , diretor do hospital discursou agradecendo a contribuição
da Prefeitura Municipal para a concretização daquela grandiosa obra.
Em nome do prefeito agradeceu as palavras do orador, o Dr. Petrônio Mendes
de Souza, vice-prefeito.
Na União Operária Beneficente, realizou-se na noite do mesmo dia, uma sessão

180
cívica, na qual foram homenageados o deputado Tristão da Cunha, o Dr. Alfredo Sá e o
Dr. José Martins Prates.

POÇOS ARTESIANOS E INAUGURAÇÃO DO BUSTO DO


DR. MANUEL ESTEVES OTTONI

Na tarde do dia 5 teve lugar a inauguração dos poços artesianos no bairro Grão Pará.
A solenidade foi das mais concorridas e entusiásticas.
Mais tarde, na ampla praça Duque de Caxias, a Prefeitura homenageou a memó-
ria do Dr. Manuel Esteves Ottoni, o primeiro médico da cidade e o fundador da primeira
escola primária.
Todos os estabelecimentos de ensino da cidade estavam representados e uma
multidão assistia à homenagem que consistia na inauguração do busto do Dr. Manuel
Esteves Ottoni defronte ao edifício do Ginásio Estadual.
Os oradores da solenidade foram os Srs. Petrônio Mendes de Souza, vice-pre-
feito, prof. Celso Cunha, Dr. Newton Antônio da Silva Pereira e as professoras Francisca
Salvino Ottoni e Ieda Abrantes Couy.
Em sessão solene a Câmara Municipal reuniu-se para homenagear o ilustre filho
daquela cidade o deputado Tristão da Cunha.
O seu retrato foi inaugurado na sede da edilidade, onde ele iniciou a sua vida
pública como vereador pelo distrito de Pedro Versiani.
O homenageado foi saudado pelo Dr. Geraldo Landi, Dr. Rui Campos e verea-
dor Isaias Bonfim, tendo o deputado Tristão da Cunha proferido comovido discurso de
agradecimento.

PRAÇA DE ESPORTES

O lançamento da pedra fundamental da Praça de Esportes mandada construir


pelo governador Juscelino Kubitschek foi uma solenidade das mais concorridas que se
realizaram em Teófilo Otoni por ocasião das comemorações do Centenário.
Toda a mocidade teófilo-otonense esteve presente à cerimônia que foi presidida
pelo vice-governador Clovis Salgado, representando o chefe do governo mineiro.
Os clubes esportivos, os estabelecimentos de ensino e o Tiro de Guerra, desfila-
ram no local onde, brevemente, se erguerá uma majestosa Praça de Esportes.
O primeiro orador foi o vice-prefeito Petrônio Mendes de Souza que agradeceu
ao governador Juscelino Kubitschek o grande melhoramento que acabava de autorizar
para a cidade.
Falaram ainda o Dr. Pedro de Paula Otoni, em nome da Liga Amadorista de
Esportes, o Dr. Darci de Almeida, a senhorinha Marilene Pinto, representante da moci-
dade estudantil, o engenheiro Rubens Vieira Rezende , o encarregado de obras e o vice
governador Clovis Salgado.
No bairro da Baixinha realizou-se, na manhã do dia 6, interessante concurso de
tiro ao vôo e aos pombos, em homenagem ao prefeito Germano augusto de Souza.
Foram vencedores da prova os senhores: Fausto Miglio, 1º lugar; Acir Gomes
181
Leal, 2º lugar e Alberto Martim, 3º lugar. Da prova tiro saíram vencedores Franz Schaper,
1º lugar; Tatuí Sardinha, 2º lugar e Arnô Schaper, 3º lugar.

BUSTO DO DR. EPAMINONDAS ESTEVES OTTONI

O Dr. Epaminondas Esteves Ottoni foi um dos grandes benfeitores da Princesa


do Nordeste. Chefe político de real prestígio no município, dedicou toda sua existência
ao engrandecimento de sua terra natal. A ele deve Teófilo Otoni vários melhoramentos e
realizações. Como seu representante na Câmara Federal, lutou sempre para que os poderes
públicos não esquecessem o município e lhe proporcionassem meios de se desenvolver.
Foi essa figura ilustre que a Colônia Libanesa de Teófilo Otoni escolheu para
homenagear fazendo erguer um busto de bronze no jardim fronteiriço ao edifício da Pre-
feitura Municipal.
Essa homenagem se realizou na manha do dia 6, com a presença das altas autori-
dades e de numerosas pessoas. Exaltando a personalidade marcante do Dr. Epaminondas
Esteves Ottoni discursaram vários oradores. Em nome dos descendentes do homenageado,
agradeceu, em comovidas palavras, o seu filho Dr. Manuel Esteves Ottoni.
Na Câmara Municipal o Sr. Milton Campos pronunciou uma conferência sobre
Teófilo Benedito Ottoni. A sessão foi presidida pelo vereador Domingos Soares de Sá que
depois de pronunciar algumas palavras alusivas á solenidade deu a palavra ao vereador
Bráulio Xavier para saudar o conferencista.
Falaram ainda o Dr. Ricardo Alves Pinto, o vereador Antônio Barbosa, líder do
PTB e o deputado Fidelcino Viana.
No salão da Câmara Municipal o prefeito Germano Augusto de Souza, reuniu,
na noite do dia 6, os expositores premiados na Exposição de produtos do vale do rio Mu-
curi, para fazer entrega dos prêmios a que fizeram jus.
Foram distribuídas medalhas de ouro aos concorrentes que obtiveram os primei-
ros lugares e diplomas aos demais classificados.

OS FESTEJOS DO DIA 7 DE SETEMBRO

As festividades programadas pela Prefeitura tiveram o seu maior esplendor no


dia 7 de setembro. Às 8 horas foi hasteada a Bandeira Nacional no edifício da munici-
palidade ao som do Hino Nacional executado pela banda do 6º Batalhão.
Seguiu-se a imponente demonstração de fé religiosa que foi a missa celebrada
na praça Tiradentes à qual assistiram mais de 10 mil pessoas.
Precisamente às 10 horas teve início grande parada de 7 de Setembro em que
tomaram parte todos os estabelecimentos de ensino da cidade, o Tiro de Guerra local,
o Tiro de Guerra de Governador Valadares e associações esportivas.
O desfile foi iniciado pelos alunos da Escola Técnica de Comércio Teófilo
Otoni, em seus vistosos uniformes, durou várias horas, fazendo o povo vibrar de entu-
siasmo cívico. Num palanque armado no centro da praça, o prefeito Germano Augusto
de Souza, o vereador Domingos Soares de Sá, presidente da Câmara, o vice governa-
dor Clovis Salgado, o Dr. Aristides Alves Pereira, juiz de direito da Comarca, o Dr.

182
José Amado Henriques, juiz municipal, o Dr. Orlando Fadini, promotor de justiça, o
Dr. Petrônio Mendes de Souza, vice-prefeito, o Dr. Luiz Duarte, promotor de justiça
de Araçuaí, prefeitos dos municípios vizinhos e outras autoridades.
Na festa daquele dia chegava a Teófilo Otoni o governador Juscelino Kubits-
chek que foi recebido no aeroporto pelas autoridades municipais, deputados, prefeitos
dos municípios do vale do Mucuri e numerosas outras pessoas.
O chefe do executivo estadual recebeu carinhosa manifestação popular na sua
passagem pelas ruas da cidade, dirigindo-se para a Câmara Municipal onde foi acolhi-
do com vibrantes aplausos.
Na Câmara Municipal o governador do Estado foi saudado pelo Sr. Domingos
Soares de Sá que lhe transmitiu a presidência.
Exaltando a data e a figura de Teófilo Otoni discursaram os vereadores Antô-
nio Barbosa e Bráulio Xavier. O vereador Rui Campos agradeceu, em nome do legis-
lativo municipal, a presença do governador do Estado, fazendo o elogio de sua obra
administrativa.
O governador Juscelino Kubitschek proferiu, então, notável oração, expri-
mindo a satisfação com que o povo mineiro, por seu intermédio, participava daquelas
comemorações, fazendo o elogio do progresso daquela cidade e da região e traçando
incisivo perfil da figura de Teófilo Ottoni.

INAUGURAÇÃO DA ESTÁTUA

Às vinte horas teve lugar a inauguração da estátua do fundador da cidade, na


praça Tiradentes, que se achava tomada por uma multidão de mais de 30 mil pessoas
e feericamente iluminada.
Àquela hora chegou ao palanque oficial o governador Juscelino Kubitschek,
acompanhado do prefeito Germano Augusto de Souza, do deputado Tristão da Cunha
e outras autoridades, sendo ovacionado pela multidão.
Abrindo a solenidade, discursou o presidente da Câmara o Dr. Domingos So-
ares de Sá que agradeceu ao chefe do executivo estadual a estátua que doou à cidade
e que naquele momento seria inaugurada.
O vereador Aderbal de Oliveira Baracho pronunciou magnífico discurso de
saudação ao orador oficial da solenidade, o deputado e escritor Paulo Pinheiro Chagas.
O discurso do ilustre parlamentar foi uma peça que empolgou a imensa mul-
tidão e ao terminar, o biografo de Teófilo Ottoni foi saudado por demorados aplausos
partidos de todos os cantos da imensa praça.
Serenados os clamores desse momento inaugural, falou o governador Jusce-
lino Kubitschek que levou à grande massa popular as expressões da solidariedade do
povo mineiro àquelas comemorações e formulou os votos de toda Minas pelo maior
progresso da cidade no século de existência novo que agora se iniciava.
Após a palavra do Governador, falaram ainda o menino Rosemiro Santana ,
em nome dos colegiais da cidade, e o Sr. Sidônio Ottoni, que agradeceu em nome da
família e dos descendentes de Teófilo Ottoni as homenagens daquelas festividades.
A grande noite foi encerrada com a queima feérica de fogos de artifício, com
183
alegorias sobre a epopéia da colonização do vale do Mucuri.

UMA FONTE LUMINOSA PARA TEÓFILO OTONI


HOMENAGEM DOS COMPRADORES DE
PEDRAS SEMI-PRECIOSAS À CIDADE

Lançada a pedra fundamental da fonte luminosa oferecida à “Princesa do Ser-


tão” – A brilhante solenidade durante as festas do Centenário – Como falou na ocasião o
Sr. Armando Horta.
O gesto dos compradores de pedras semi-preciosas de Teófilo Otoni que em
comemoração ao centenário da cidade resolveram oferecer à municipalidade uma fonte
luminosa, teve a mais grata repercussão entre a população local. A iniciativa partiu do
jornalista José Felni Burges, diretor da revista técnica “O Diamantário”, que se edita no
Rio e, em Teófilo Otoni, teve a apoiá-lo os Srs. Armando Vasconcelos Horta e Tertulino
Ferreira da Silva, dois dos mais destacados elementos do comércio de pedras, que convo-
caram todos os seus colegas para apoiar o movimento.

PEDRA FUNDAMENTAL

A fonte luminosa doada pelos pedristas já foi encomendada à uma fábrica alemã
e ainda este ano deverá ser inaugurada.
Por ocasião das festas do Centenário, foi realizada a cerimônia do lançamento da
pedra fundamental da fonte luminosa, na praça Tiradentes, onde a mesma será localizada.
A solenidade contou com a presença do governador Juscelino Kubitschek, do
deputado Tristão da Cunha, do prefeito Germano Augusto de Souza, do Dr. Aristides
Alves Pereira, juiz de direito da Comarca, Dr. Petrônio Mendes de Souza, vice-prefeito e
outras altas autoridades, além de grande massa popular.
O Sr. Armando Vasconcelos Horta, um dos líderes do comércio de pedras, falou
no ato, em nome dos seus companheiros, dizendo do carinho e da amizade com que os
pedristas eram acolhidos em Teófilo Otoni e que a homenagem que prestava à cidade era
prova de gratidão de todos os seus colegas.
Em agradecimento falou o Dr. Petrônio Mendes de Souza, vice-prefeito do
município.

184
Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri
Histórico, patronos e quadro social

185
Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri
Resgatando valores históricos e geográficos de um povo
O Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri, abreviativamente, IHGMucuri, fun-
dado em 17 de julho de 2003 e instalado oficialmente em 14 de agosto de 2003, em sessão
solene realizada no Cine Palácio, como parte das atividades do Simpósio “Teófilo Bene-
dito Ottoni e Teófilo Otoni: Sesquicentenário”. É uma sociedade civil de direito privado,
sem fins econômicos, de caráter científico e cultural, com sede em Teófilo Otoni, Minas
Gerais, compõe-se de 50 associados efetivos com suas respectivas cadeiras e patronos.
Conta ainda com um quadro social de sócios honorários, beneméritos e correspondentes.
Tem por objetivos: congregar pessoas que se dediquem a atividades e estudos na área da
história, geografia e demais ciências afins; reverenciar, exaltar e cultuar a memória dos
vultos beneméritos, cuja atuação nas diferentes áreas da atividade humana contribuiu
para a evolução e progresso do município de Teófilo Otoni e região; colaborar com as
autoridades públicas em trabalhos de preservação e divulgação do patrimônio histórico
e cultural da região de Teófilo Otoni; comemorar as principais datas do calendário cívi-
co, nomeadamente aquelas representativas do município de Teófilo Otoni; promover ou
patrocinar pesquisas, cursos, concursos, premiações, excursões culturais, comemorações
cívicas, exposições, palestras, seminários, ciclos de estudos, e outras atividades corre-
latas; promover outros eventos que, por sua natureza e definição, venham a contribuir
para o desenvolvimento técnico-científico e cultural dos seus associados; exercer toda e
qualquer outra atividade que possa contribuir para o desenvolvimento cultural do muni-
cípio de Teófilo Otoni e, se possível, de toda a região do Mucuri; promover ou estimular
a publicação de livros, revistas e outras obras sobre a região.
Ainda é facultado ao IHGMucuri: elaborar projetos e firmar convênios ou contratos
com entidades públicas e privadas da área da educação e cultura, brasileiras e internacio-
nais, que visem ao interesse da coletividade;interligar, coligar ou filiar-se a outras orga-
nizações; apoiar iniciativas de entidades afins, bem como receber doações, contribuições,
serviços e legados.
Edita regularmente a Revista do IHGMucuri, destinada à publicação de artigos
originais e inéditos, resenhas e edição crítica de documentos na área de história e afins. O
periódico, é aberto à participação dos sócios e convidados especiais.
Realiza, periodicamente, sessões solenes e especiais para recepção e posse de só-
cios para o quadro social, lançamentos de obras, entrega de premiações e condecorações.
Outrossim, anualmente, em agosto, celebra-se a inauguração da Estrada Santa Clara-
Philadelphia: a primeira estrada de rodagem do Brasil e o Dia Nacional do Historiador,
ocasião em que ocorre a outorga da Medalha de Honra Reynaldo Ottoni Porto, destinada
a homenagear, anualmente, professores de história e geografia que atuaram no ensino
das disciplinas, na rede pública ou privada, no município de Teófilo Otoni ou região e,
se encontram aposentados, ou afastados preliminarmente para aposentadoria, e, em anos
alternados, o Prêmio Frei Samuel Tetteroo, em que são agraciadas pessoas naturais ou
jurídicas que se hajam destacado na promoção de estudos e, na difusão de conhecimentos
de história, geografia e ciências afins, assim como no fomento a cultura; defesa e preser-

186
vação do patrimônio histórico, artístico e cultural dos vales do Mucuri e Jequitinhonha.
Mantém o Centro de Documentação Maria José Haueisen Freire, com o objetivo
de receber, organizar, conservar, descrever e divulgar informações constantes do acervo
histórico e bibliográfico, proporcionando um espaço de memória e pesquisa. O Centro de
Documentação é constituído de biblioteca com riquíssimo acervo bibliográfico sobre a
região do vale do Mucuri e do arquivo, em que são guardados e conservados documentos
(jornais, manuscritos, iconográficos) e demais objetos de valor histórico-cultural para a
cidade de Teófilo Otoni.
Em parceria com a Academia de Letras de Teófilo Otoni, outorga, a cada ano, a
Medalha Conselheiro João da Matta Machado, que tem como finalidade homenagear
pessoas naturais com idade igual ou superior a 70 anos que se tenham dedicado ao desen-
volvimento cultural, econômico, social, desportivo, cívico, educacional, científico e/ou
religioso na cidade de Teófilo Otoni e região do vale do Mucuri e, o Diploma e Medalha
de Honra ao Mérito Albert Schirmer, para homenagear profissionais das artes plásticas,
cerâmica, escultura, xilogravura, desenho, artesanato e demais áreas afins.
Declarado de utilidade pública municipal por meio da Lei 5.294, de 21 de maio de
2004, e, de utilidade pública estadual, por meio da Lei 17.595, de 27 de junho de 2008.
Em 2015, foi distinguido pelo governo do Estado de Minas Gerais, com a Comenda
Theophilo Ottoni, em reconhecimento ao trabalho desenvolvido na área da preservação
da memória do vale do Mucuri.

187
Patronos perpétuos:
Cadeira: Patrono:
01 ..................................................... Teófilo Benedito Ottoni
02 ..................................................... Ignácio Antonio Fernandes
03 ..................................................... Joaquim José da Costa Ramos
04 ..................................................... Christiano Benedicto Ottoni
05 ..................................................... Olbiano Gomes de Mello
06 ..................................................... Godofredo Ferreira
07 ..................................................... João da Matta Machado
08 ..................................................... Padre Virgolino
09 ..................................................... Pastor Hollerbach
10 ..................................................... Vital Soriano de Souza
11 ..................................................... Manoel Esteves Ottoni
12 ..................................................... Antonio Soares da Costa
13 ..................................................... Pedro José Versiani
14 ..................................................... Elisa Laval
15 ..................................................... Frei Dimas de Kock
16 ..................................................... Marcelo Pereira Guedes
17 ..................................................... João de Carvalho Borges
18 ..................................................... Horácio Rodrigues Antunes
19 ..................................................... Frei Ângelo de Sassoferrato
20 ..................................................... Albert Schirmer
21 ..................................................... Artur Achtschin
22 ..................................................... Benjamim Ferreira da Cunha
23 ..................................................... Leonardo Esteves Ottoni
24..................................................... Jose Carlos Gomes da Silva
25 ..................................................... Alberto Laender
26 ..................................................... Giovani Batista Miglio
27 ..................................................... Antonio Jacinto Pimenta
28 ..................................................... Antonina Chaves de Sá
29 ..................................................... Cacique Poton
30 ..................................................... Abel Jacinto Ganem
31 ..................................................... Feliciano Lopes Bamberg
32 ..................................................... Bruno Rudolph
33 ..................................................... Júlio Haueisen.
34 ..................................................... Reynaldo Ottoni Porto
35 ..................................................... Paulo Vasconcelos do Rosário
36 ..................................................... Paulo Pinheiro Chagas
37 ..................................................... Augusto Pereira de Souza
38 ..................................................... Nerval de Figueiredo
39 ..................................................... Arno Schaper
40 ..................................................... Roberto Sander

188
41 ..................................................... Domingos de Castro
42 ..................................................... Epaminondas Esteves Ottoni
43 ..................................................... Isaias da Silva Bonfim
44 ..................................................... Franz Roedel
45 ..................................................... Francisco de Paula e Silva
46 ..................................................... Francisco Soares de Sá
47 ..................................................... Teodolino da Silva Pereira.
48 ..................................................... Carlos Langkamer
49 ..................................................... Nelson de Figueiredo
50 ..................................................... Letícia Esteves Ottoni

Patronos especiais:

Patrono: Sócios Beneméritos


Manoel Pimenta de Figueiredo Júnior

Patronesse: Sócios Honorários


Lais Ottoni Barbosa Ferreira

Patronesse: Sócios Correspondentes


Alzira Reis Vieira Ferreira

Patronesse: Centro de Documentação


Maria José Haueisen Freire

Patrono: Prêmio
Frei Samuel Tettero

Patrono: Medalha
Conselheiro João da Matta Machado

Patrono: Diploma e Medalha de Honra ao Mérito


Albert Schirmer

Patrono: Medalha de Honra


Reynaldo Ottoni Porto

189
Quadro social

Sócios efetivos:
Adevaldo Rodrigues de Souza
Agnes Ruschid Tolentino
Altamiro Fernandes da Cruz
Antonio Jorge de Lima Gomes
Baltazar José Filho
Dulcina Regina Ribeiro Molina
Eder Detrez Silva
Ediel Vieira Rangel
Eduardo Amorim Silva
Elisa Augusta de Andrade Farina
Elvira Schuffner Cadah
Fany Moreira
Felipe Ribeiro Lemos
Gecernir Colen
Gilberto Ottoni Porto
Igor Alves Noberto Soares
Íris Soriano Nunes Miglio
Jair Duarte Pêgo Junior
Jairo Lisboa Rodrigues
Jorge Luiz dos Santos Gomes
José Carlos Pimenta
Leônidas Conceição Barroso
Magali Maria de Araújo Barroso
Mariana da Silva Ferreira
Munira Molaib
Oldair Ferreira Motta
Rafael Geraldo Ramos dos Santos
Ricardo Peixoto Maia
Rivani Lopes Negreiros
Roberdan Silva Barroso
Sandra Helena Barroso
Wallace Gomes Moraes
Wilson Colares da Costa

Sócios Honorários:
Dom Aloisio Jorge Pena Vitral
Newton de Figueiredo
Nilmário Miranda
Antonio Fonseca da Silva
Aureo Eduardo Magalhães Ribeiro
Frei Júlio César Borges do Amaral, OFMCap.

190
Sócio Benemérito:
Theomar Sampaio Paraguassu

Sócios Correspondentes:
Adão Alves Teixeira – Goiânia/GO
Alan Nunes Araújo – Belém/PA
Antônio Gilberto Costa – Belo Horizonte/MG
Arolda Maria da Silva Figuerêdo – Teixeira de Freitas/BA
Bergston Luan Santos – Salinas/MG
Camila Amaral Pereira – Governador Valadares/MG
Carlos Alberto Mensitieri Almeida – Teixeira de Freitas/BA
Daniela Martins Cunha – Governador Valadares/MG
Diego Filipe Cordeiro Alves - Belo Horizonte/MG
Dilton Amadeu Onofri - Itapema/SC
Douglas Sather dos Reis – Diamantina/MG
Edileila Maria Leite Portes – Governador Valadares/MG
Edineia Felix Gênova /Itália
Eugênio Maria Gomes - Caratinga/MG
Eunice Maria Lima Soriano de Alencar – Brasília/DF
Fábio Guilherme Vogel - Brasília/DF
Fernando da Matta Machado - Rio de Janeiro/RJ
Flaviana Tavares Vieira Teixeira – Diamantina/MG
Francieli Aparecida Marinato – Cuiabá/MT
Francisco Soriano de Souza Nunes - Rio de Janeiro/RJ
Gilmar Ferraz da Silva – Teixeira de Freitas/BA
Gladston Passos Salles – Rio de Janeiro/RJ
João Bosco de Castro - Bom Despacho/MG
Jorge Fregadolli – Maringá/PR
José Amalri do Nascimento – Rio de Janeiro/RJ
José Anchieta Antunes de Souza – Recife/PE
José Antonio de Ávila Sacramento - São João del Rey/MG
José Aylton de Mattos – Caratinga/MG
José Campos de Souza – Macaé/RJ
José Celso da Cunha - Belo Horizonte/MG
José Geraldo Batista - Caratinga/MG
José Moutinho dos Santos – Belo Horizonte/MG
Larissa Duarte Araújo Pereira - Santana/PA
Lina de Lima – Itanhaém/SP
Monir Aly Saygli- Caratinga/MG
Odair Leitão Alonso – Campinas/SP
Ozório José Araújo do Couto – Belo Horizonte/MG
Paccelli Jose Maracci Zahler- Brasília/DF
Paulo Henrique Jurza Abranches - Belo Horizonte/MG
Paulo Orlando Rodrigues de Mattos - Governador Valadares /MG
191
Priscilla dos Santos Gomes - Massy/França
Rosália Caldas Sanábio de Oliveira - Belo Horizonte/MG
Terezinha Teixeira Santos – Guanambi/BA
Weder Ferreira da Silva – Muriaé/MG
Wenderson Cardoso – Contagem/MG

Memória e Saudade:
Sócios Efetivos:
Dalva Guedes Marx
Humberto Luiz Salustiano Costa
Jader Moreira Rafael
Leandro Jacomo Scopel Marx
Sócias Honorárias:
Hilda Ottoni Porto Ramos
Maria José Haueisen Freire

Última atualização do Quadro Social: 30 de dezembro de 2022.

192

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