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Presidente Prudente
Editorial Centelha - CEGeT
2004
Geografia e Trabalho no Século XXI
ISBN 85 904426-2-4
ISBN 85 904426-2-4
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Geografia e Trabalho no Século XXI
SUMÁRIO
Prefácio
Apresentação ..........................................................................................5
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Geografia e Trabalho no Século XXI
PREFÁCIO
Ruy Moreira
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Geografia e Trabalho no Século XXI
APRESENTAÇÃO
A alegria de apresentar este livro ao público nos faz acreditar que a
dedicação e o envolvimento dos participantes do Grupo de Pesquisa “Centro de Estudos
de Geografia do Trabalho” (CEGeT) alcançou o êxito esperado.
A opção referenciada nos resultados obtidos ao longo dos últimos anos,
particularmente pelos trabalhos de mestrado, não nos estimula a resumir, tampouco
sintetizar o conjunto da obra do CEGeT, mas sim sinalizar as principais marcas dos
primeiros passos da “leitura” geográfica do trabalho.
Tanto é que os dois volumes de Geografia e Trabalho no Século XXI,
deverão enfatizar nossas preocupações com o trabalho, com a classe trabalhadora,
enquanto temática constante da Geografia.
Muito mais do que recorrer à demarcação de uma corrente de pensamento
na Geografia, nosso objetivo é a crítica radical à sociedade do capital e o compromisso
com a emancipação social do trabalho. Portanto, não se trata de constituirmos a
Geografia do trabalho como prática do recorte disciplinar, ou como corrente nova na
Geografia. Devemos apelar sempre para o mundo do trabalho real e não para os limites
da academia ou ao seu horizonte institucional.
Essa marca nos deverá permitir compreender um pouco mais a realização
do trabalho enquanto objeto da Geografia, e definir caminhos e desafios a serem
trilhados pelas pesquisas e refinados por meio do exercício constante da interlocução
junto aos demais pesquisadores, etc.
Portanto apreender as múltiplas determinações do ser social que trabalha,
as contradições que o redefine num constante movimento de territorialização-
desterritorialização-reterritorialização, é o que nos possibilita qualificar a própria
dinâmica geográfica da sociedade, e do trabalho em particular. É o que oferecemos aos
nossos interlocutores.
Perseguindo esses referencias e ao mesmo tempo reconhecendo os limites
para o fortalecimento dessa via, apresentamos para os nossos leitores o Volume I, que
está centrado à questão agrária, e nos sugere reflexões teóricas importantes e oportunas
para o momento.
As reflexões presentes nos dois primeiros textos, demarcam de forma
contundente a luta pela terra e as ações dos movimentos sociais envolvidos diretamente
nesse front da luta, particularmente o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST).
As prerrogativas para a implantação da Cooperativa, enquanto instância
da luta no interior do MST, são os assuntos enfocados pelo Alexandre, que mostra os
limites e os desafios colocados para os trabalhadores (assentados), cooperativados, que
se envolveram na construção da COCAMP, em Teodoro Sampaio, no Pontal do
Paranapanema.
Já o texto que foca as artimanhas do Estado em privilegiar a mudança de
referência da Reforma Agrária, para o desenvolvimento rural, pode dispor nas reflexões
do Jorge Montenegro, indicações importantes e atuais do debate que precisa ser
aprofundado no Brasil em torno da questão agrária. A despolitização do debate, por
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parte dos formadores de opinião vinculados aos setores dominantes, mas sobretudo o
convencimento da sociedade sobre a importância da retirada do Estado dos assuntos de
somenos importância, além de esvaziar a Reforma Agrária, também impõe valores que
defendem a desimportância ou a desnecessidade dos investimentos públicos em algo
superado, em detrimento das experiências do agronegócio. Está em questão, a polêmica
em torno do modelo de desenvolvimento excludente da maioria dos trabalhadores e
privilegiador das empresas rurais, do latifúndio, etc.
Já as atenções sobre as formas de organização do capital em escala
empresarial têm no texto da Ana Maria, o conteúdo do empreendimento produtivo e
organizaional do capital agroindustrial canavieiro em São Paulo, sobretudo os
argumentos que dão sustentação ao discurso modernizante, que não se restringe
exclusivamente à mecanização, mas redefine novos nichos de mercado para os produtos
e subprodutos (interna e externamente), e as conseqüências para os trabalhadores.
Certificação ambiental, seqüestro de carbono, créditos em carbono, biodiesel,
biocombustível (flex fluel), etc., são alguns dos fundamentos que mobilizam o capital a
defender a eficiência da mecanização do corte da cana-de-açúcar em nome do
desenvolvimento ambientalmente sustentado e afinado aos critérios antipoluentes,
vinculados ao Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) do Protocolo de Kyoto,
sem que a sociedade e os trabalhadores, os sindicatos discutam e definam o assunto,
tampouco outros caminhos alternativos.
Na mesma linha, todavia com abordagem mais direcionada à
compreensão dos mecanismos estruturais do funcionamento metabólico do capital,
sobretudo as instâncias de dominação e de subordinação do trabalho, temos no texto do
Júlio Cézar Ribeiro, a oportunidade de retomarmos aspectos importantes do
funcionamento da agroindústria canavieira no Mato Grosso do Sul, particularmente, a
inserção da mão de obra indígena no corte da cana-de-açúcar na empresa Debrasa, de
propriedade do Grupo J. Pessoa, que se destaca no primeiro escalão da produção
nacional.
Por fim, o texto da Marli Schlosser aborda com muita criatividade os
elementos centrais que viabilizaram o processo de “modernização” da agricultura no
oeste do Paraná e que num passe de mágica se espraiaram pelo território com muita
fluidez. Por meio da metáfora “pelas ondas do rádio” – título original do trabalho – a
autora foi buscar as explicações para os aspectos centrais do “desenvolvimento” dos
princípios capitalistas na agricultura, ou seja, a substituição crescente de braços
humanos por máquinas e por novas formas de produção associadas a novos produtos
com inserção mercadológica, como a soja, o trigo e o milho.
Convidamos a todos para saborearem esse ambiente de crítica e de fértil
discussão geográfica.
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∗∗
Alexandre Domingues Ribas
1. APRESENTAÇÃO
∗
Este trabalho é parte da dissertação de mestrado “Gestão político-territorial dos assentamentos,
no Pontal do Paranapanema (SP): uma “leitura” a partir da COCAMP (Cooperativa de
Comercialização e Prestação de Serviços dos Assentados da Reforma Agrária do Pontal)”, que
desenvolvemos junto ao Programa de Pós-graduação em Geografia da FCT/UNESP, sob
orientação do Professor Antonio Thomaz Júnior, sendo que pudemos contar com o financiamento
da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
∗∗
Professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Câmpus de Francisco
Beltrão; membro do Grupo de Pesquisa “Centro Estudos de Geografia do Trabalho” (CEGeT); e
do GETER (Grupo de Estudos Territoriais).
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O MST inicia seu processo de consolidação entre 1985-1990, territorializando-se pelos estados
da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí, Maranhão,
Goiás, Rondônia, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Mato Grosso do Sul,
Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Entre 1990-1999 o MST continua seu processo de
territorialização, desencadeando a conquista de assentamentos nos estados do Pará, Distrito
Federal e Mato Grosso (Fernandes, 2000).
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Mais detalhes sobre a ocupação da região ver: Leite, 1998; Fernandes, 1996.
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Vale ressaltar que a partir de 1996 a COCAMP passou a desenvolver os seguintes projetos
agropecuários: abacaxi (envolvendo diretamente 138 sócios), maracujá (137 sócios), café (127
sócios) e mandioca (918 sócios). No tocante aos projetos agroindustriais, também a partir de 1996
iniciaram-se as obras para a construção de um “parque industrial”, que seria constituído por:
projeto de silos e armazéns (capacidade de 6 mil toneladas para armazenamento e um barracão de
2500 metros quadrados); empacotadeira de grãos (capacidade de 2 mil quilos por hora); o projeto
da farinheira e da fecularia (a farinheira já estava em funcionamento desde 1997); projeto do
laticínio (produção do leite barriga mole, iogurte, bebida láctea, creme e cinco tipos de queijo);
despolpadeira de frutas, com capacidade para processar 3 mil quilos de frutas por hora.
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Foram implantas a partir de 1989 e são consideradas pelo MST como uma forma superior de
organização da produção. O que diferencia uma CPA de um grupo de produção coletivizado ou
de uma associação é a sua personalidade jurídica. Isso porque, ao ser registrada como uma
empresa cooperativa, a CPA passa a ser regida pela legislação cooperativa brasileira.
6
Esse tipo de cooperativa tem por finalidade organizar o processo de compra e venda da
produção e de bens de consumo para os associados, além de possibilitar a implantação de
agroindústrias para beneficiar a produção nos assentamentos. Desenvolve estudos direcionados à
viabilidade econômica dos assentamentos, definindo as linhas de produção a serem
desenvolvidas, além de elaborar um planejamento centralizado da produção vinculada à
cooperativa. As CPS´s ainda organizam a assistência técnica aos assentados. Devido a sua
abrangência, as CPS´s dividem-se em: 1) Cooperativa de Prestação de Serviços (envolvem apenas
um assentamento ou alguns assentamentos de um determinado município); 2) Cooperativas de
Prestação de Serviços Regionais (envolvem vários assentamentos de um conjunto de municípios
de uma região)
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Essa forma de organização do trabalho e da produção revela-se como uma transição entre uma
CPS e uma CPA. Assim, a partir do momento em que uma CPS avança, no sentido de acoplar a
organização da produção às suas atividades, constitui-se a CPPS. A gestão do lote pode ser de
propriedade do coletivo, se constituindo como área de produção coletiva, ou, a cooperativa se
apropria da terra no qual existem investimentos coletivos e o restante permanece como
propriedade familiar. O planejamento da produção é centralizado e a organização das moradias
não está vinculada ao funcionamento da cooperativa. As CPPS´s também são legalizadas e
registradas na Junta Comercial
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Cf. MST, 1993.
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ASSENTADOS INDIVIDUAIS
RS PR SC ES CE BA SP PE MA
CONCRAB
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Essa segunda tese nos motiva a desenvolver uma reflexão que perpassa
por duas questões basilares: a) a questão da luta pela terra e, por conseguinte, da
organização cooperativa no âmbito do MST está diretamente vinculada à questão do
trabalho; b) até que ponto a cooperativa (sistema institucionalizado, burocratizante e
centralizador) pode ser uma ferramenta de luta vinculada á dimensão estratégica de
solapamento das estruturas solidificadas pelo metabolismo societário engendrado e
dominado pelo capital?
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O binômio taylorismo/fordismo diz respeito ao sistema produtivo e de seu respectivo processo
de trabalho que vigorou na grande indústria durante, praticamente, todo o século XX. Sua
principal característica baseava-se na produção em massa de mercadorias, com uma produção
mais homogeneizada e verticalizada. Esse padrão produtivo centrou-se com base no trabalho
parcelar e fragmentado e na decomposição de tarefas. (Antunes, 1999).
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Para mais detalhes ver: Antunes, 1999; Alves, 2000; Bihr, 1998; Carvalhal, 2000.
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Vale ressaltar que apesar do toyotismo ter surgido no Japão, sua essência
constituidora expandiu-se rapidamente pelas empresas de outros países, dada a sua
capacidade de garantir uma reestruturação da relação capital x trabalho, propagando
novas formas de gerenciamento e controle do processo produtivo por parte do capital
(ANTUNES, 1999). Isso, porém, não significa que esse processo de reestruturação
homogeneizou-se pelo mundo, ao contrário, essa mudança é lenta e gradual, seguindo
uma diferencialidade territorial. Dessa forma, o modelo toyotista vem expandindo-se
nas últimas décadas, ora hegemonizando-se em alguns países, ora mesclando-se com o
modelo de acumulação taylorista/fordista.
O outro eixo da resposta do capital à crise estruturada nos anos 70 pautou-
se no neoliberalismo. O receituário neoliberal centraliza-se na intensificação da
privatização de praticamente tudo o que havia sido mantido sob controle estatal no
período pós 30; a redução ou até extinção do capital produtivo estatal; o incentivo e o
regramento estruturado na desregulamentação crescente das condições de trabalho e dos
direitos sociais. (ANTUNES, 1999).
Essa reorganização da base societária do capital produziu intensas
transformações no mundo do trabalho ou na forma de ser e de existir da classe-que-vive-
do-trabalho, tais como:
a) diminuição do operariado manual, fabril, típico do modelo fordista e
da fase de expansão da regulação social-democrática;
b) intensificação das formas de subproletarização e precarização do
trabalho, por meio da expansão do trabalho parcial, temporário,
subcontratado e terceirizado;
c) aumento expressivo do trabalho feminino no interior da classe
trabalhadora, expansão esta que assenta-se no universo do trabalho
precarizado, subcontratado, terceirizado, part-time etc.;
d) expansão dos assalariados médios, fundamentalmente no “setor de
serviços”;
e) intensificação gradual da exclusão de trabalhadores jovens e velhos
(45 anos) do mercado de trabalho;
f) intensificação da superexploração do trabalho, incentivado,
substancialmente, pelas formas de acumulação flexível;
g) aumento significativo do desemprego estrutural. Para se ter uma idéia
dessa magnitude, no ano de 2001 tem-se a maior taxa de desemprego
nos Estados Unidos, principalmente pelo crescimento do desemprego
na área industrial (ANTUNES, 1999).
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Cf. THOMAZ JR., 2001.
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complexidade dos contornos que o conflito fundiário tem assumido no Brasil nas
últimas décadas, principalmente em virtude das transformações recentes da
agropecuária brasileira e das transformações recentes no mundo do trabalho
(precarização, desemprego, etc.). Ou seja, a luta pela terra complexificou-se,
heterogeneizou-se em detrimento da própria processualidade social que expressa a
essência do desenho societal dos sem-terra no Brasil, daí apresentar nuances e contornos
novos em decorrência da complexidade atinente à trama societária assentada a partir
dessas transformações no mundo do trabalho, resultando numa diversidade de sujeitos
sociais que passam a constituir as diversas frentes organizativas de luta, formatando
uma diferencialidade territorial.
Se esta pode evidenciar-se por meio de um processo contraditório e
multifacetado, cuja expressão fenomênica é a própria dimensão territorial que evidencia
a diversidade dos sujeitos sociais envolvidos no conflito, o MST configura-se como
uma das facetas organizativas desse processo. É no tocante a essa complexidade que o
MSt consolidou-se no Brasil, conquistando assentamentos e cristalizando-lhes uma
proposta de gestão.
A organização cooperativa acaba sendo uma proposta de alternativa frente
a situação de miserabilidade dos assentados, situação esta decorrente da precarização do
ser social que trabalha, diretamente vinculada aos contornos da política neoliberal no
país, consolidada a partir da década de 90.
Essa questão que, num primeiro momento, parece estar tão distante do
enfoque da dinâmica territorial da COCAMP, no Pontal do Paranapanema, é
extremamente importante para a compreensão de sua essência. Para se ter uma idéia, um
dos desdobramentos da uniformização da cooperação agrícola a partir da
territorialização das cooperativas foi a cristalização de um distanciamento entre a
direção da COCAMP e os assentados. A pesquisa realizada nos revelou que a
participação dos associados nas assembléias da cooperativa e nas suas decisões é muito
irrisória. Isso se explica porque a uniformização da cooperação agrícola nas
cooperativas, essa dimensão institucionalizada, desconsiderou o contexto histórico-
concreto dos assentados. Mas quem são estes assentados-cooperados?
A pesquisa de campo revelou que cerca de 57% dos cooperados eram,
antes de serem assentados, assalariados (urbanos e rurais). Cerca de 30% eram
arrendatários, significando que existe uma heterogeneidade entre estes sujeitos, sendo
esta produzida pelas próprias metamorfoses da classe trabalhadora, motivadas pela
reestruturação da base societária do capital. Quando se coloca para o assentado a
necessidade de se aliar a uma cooperativa há um rompimento da vinculação ou da
construção de sua inserção coletiva que poderia ser fomentada com outras formas de
cooperação.
Trouxemos essa discussão nesse momento para evidenciar que as
contradições intrínsecas aos desdobramentos da organização cooperativa no Pontal do
Paranapanema estão diretamente relacionadas a uma diretriz político-organizativa do
MST, consolidada na década de 90, que rompe com um contexto histórico-concreto
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Mais detalhes sobre o histórico do cooperativismo e sobre alguns aspectos do pensamento de
seus precursores, ver: Ribas, 2002.
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Mais detalhes, ver: Antunes, 1999; Alves, 2000; Mészáros, 1999.
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[...] por excelente que seja nos seus princípios e por mais útil que
se revele na prática, a cooperação dos trabalhadores, enquanto
permanecer limitada a um círculo reduzido, enquanto apenas
alguns operários se esforçarem suceda o que suceder no que lhes
pertence, então essa cooperação não será nunca capaz de travar
os monopólios que crescem em produção geométrica; ela não
será capaz de libertar as massas, nem mesmo de aliviar de modo
sensível o fardo da sua miséria (MARX, et. al., 1979, p. 15).
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Rosa Luxemburgo endossa essa idéia quando afirma que numa economia
capitalista a troca domina a produção, em virtude da concorrência e que,
conseqüentemente, as cooperativas acabam virando empresas capitalistas devido a seus
associados desempenharem a si próprios o papel de empresários capitalistas.
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Mais uma vez recorremos a Mészáros (1995, p.131) para explicitar que
“O capital é uma força controladora, você não pode controlar o capital, você somente
pode se livrar dele por meio da transformação de todo o complexo de relações
metabólicas da sociedade – é impossível enganá-lo. Ou ele o controla ou você se livra
dele, não há solução intermediária”.
Outro autor que fornece contribuições importantes para a compreensão do
significado político da organização cooperativa é Kautsky (1980). Kautsky entendia que
a cooperação devia ser antes de tudo uma forma de supressão da propriedade privada
individual, daí este chegar a afirmar que a associação cooperativa iria se concretizar a
partir dos trabalhadores que não tinham propriedade, pois entendia que o camponês era
um “fanático” pela propriedade e que:
Não é por intermédio dos que possuem, mas dos que não
possuem, que se fará a passagem à produção cooperativa [...] só o
proletariado vitorioso poderá tomar uma iniciativa de tal
envergadura e estabelecer as condições que permitam a passagem
dos artesãos e camponeses [...] à grande produção cooperativa.
(KAUTSKY, 1980, p. 149).
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Mais detalhes ver: Gohn, 2000; Giddens, 2000.
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Cf. ANTUNES, 1999.
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Sobre esse assunto, a crítica às teses de Anthony Giddens e o aparato em torno do trabalhismo
de Tony Blair, ver: Antunes, 1999; Bihr, 1998.
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
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6. Referências
ALVES, G.A.P. O novo e precário mundo do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2000.
ALMEIDA, R.A. de. Diferentes modos de organização de explorações familiares no
Pontal do Paranapanema: Reassentamento Rosana e assentamento Santa Clara.
Dissertação (Mestrado em Geografia) – Faculdade de Ciências e Tecnologia,
Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, 1996.
ANTONIO, A.P. O movimento social e a organização do espaço rural nos
assentamentos populacionais dirigidos pelo Estado: o exemplo na Alta Sorocabana
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1. INTRODUÇÃO
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Este texto é resulta da dissertação de Mestrado intitulada “Políticas públicas de
desenvolvimento rural e o projeto de reforma agrária do MST no Noroeste do Paraná: uma
contribuição ao entendimento do conflito capital x trabalho, da gestão territorial do Estado e do
controle social do capital”, desenvolvida junto à Universidade Estadual de Maringá (UEM), em
2002, sob a orientação do professor Antonio Thomaz Júnior.
∗∗
Doutorando em Geografia junto a FCT/UNESP de Presidente Prudente, sob a orientação do
professor Antonio Thomaz Júnior; membro do Grupo de Pesquisa “Centro de Estudos de
Geografia do Trabalho” (CEGeT).
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Apesar de ser criado pela Lei Complementar n. 93, de 04 de fevereiro de 1998, o Banco da
Terra só será regulamentado pelo Decreto n. 3.475, de 19 de maio de 2000 (MINISTÉRIO DO
DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO, 2001)
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Renda Monetária Bruta em 1996 e Renda Total em 2000.
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Em alguns casos, como o projeto LUMIAR, dedicado à assistência técnica em assentamentos,
simplesmente foram anulados.
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O PRONAF compreende três linhas de financiamento: Crédito Rural (Custeio e de
Investimento), Infra-estrutura e Serviços Municipais e Capacitação.
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Neste sentido, nos parece exemplar o número 43 da Revista Estudos Avançados, editada pelo
Instituto de Estudos Avançados da USP, que publicou a finais de 2001 um dossiê dedicado ao
desenvolvimento rural. São 22 artigos que apresentam diversos aspectos e enfoques do
desenvolvimento rural. Nada incomum se temos em conta a prolífica produção nesta área. No
entanto, duas questões nos parecem significativas e até sintomáticas neste caso: por um lado, este
dossiê dedicado ao desenvolvimento rural foi precedido de outro, realizado em 1997 — o número
31 da revista —, dedicado à questão agrária, o que nos mostra como os objetos de interesse e de
estudo têm mudado o foco; por outro lado, nesses 22 artigos do número 43, apesar da abrangência
de temas, abordagens e perspectivas ideológicas, que a revista confessa na editorial, boa parte dos
artigos — as exceções são pontuais — se enquadram em uma aceitação de um paradigma que
“suprime” a questão agrária e o conflito a ele associados do cerne de sua proposta.
22
Neste sentido destacamos os trabalhos de Martins (2000) e de Navarro (2001) dos quais
transcrevemos alguns dos seus argumentos para defender o papel do Estado. Este último autor,
aceitando como premissa que “nesta quadra da história, o padrão econômico e o regime político
que sustentam a sociedade brasileira estariam ancorados no capitalismo e a sua superação, sequer
remotamente, encontra-se no horizonte” (p. 94), defende o papel do Estado “por ser a única esfera
da sociedade com legitimidade política assegurada para propor (e impor) mecanismos amplos e
deliberados no sentido de mudança social” (p. 88). Este aspecto da legitimidade dos poderes
públicos é trabalhado também por Martins, associando-o ao conflito travado entre trabalhadores e
capital: “MST e CPT querem uma reforma agrária que atinja as causas, que são causas históricas,
que se tornaram causas institucionais e políticas, sem, entretanto, oferecerem perspectivas de
saída política para elas no marco da lei e da ordem. Pois, para isso é preciso ganhar eleições e
não as ganhando é preciso estar disponível para a negociação política de questões como
essa” (p. 124. Grifos nossos).
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Na crítica que Germer faz do artigo de Martins (2000), citado anteriormente, o autor mostra sua
discordância sobre o papel do Estado. Enquanto na visão de Martins o Estado seria o órgão
adequado para mediar nos conflitos, Germer afirma que na realidade o Estado é representante
“dos interesses coletivos da classe proprietária” (GERMER, 2000, p. 21), e, em geral, alinhado
com as necessidades do capital.
24
Cf. MESCHKAT (2000), e OLIVER COSTILLA (2000).
25
Para aprofundar-se sobre seus argumentos, além de Martins (2000) e Navarro (2001), ver:
Abramovay (1999a, 1999b e 2000), Ricci (1999) e Veiga et al. (2001).
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A finais dos anos 1990 começa uma suposta autocrítica dentro do BM que tenta abandonar o
lastre do Consenso de Washington, conjunto de regras para acelerar a reprodução do capital que
tinha perdido sua vigência histórica. Joseph E. Stiglitz, ex-vice-Presidente e Economista Chefe do
BM e Prêmio Nobel de Economia 2001, propõe a construção de um novo modelo de
desenvolvimento nos seguintes termos: “A economia é importante: afinal de contas uma das
características que distingue os países mais desenvolvidos dos menos desenvolvidos é o maior
PIB per capita. Todavia, o foco na economia confundiu não só os fins com os meios, mas também
as causas com os efeitos. Confundiu meios com fins, porque o maior PIB não é um fim em si
mesmo, mas um meio para se atingir melhores padrões de vida e uma sociedade melhor, com
menos pobreza, melhor saúde e educação mais avançada” (STIGLITZ, 1998a, p. 3). A (auto)
crítica de Stiglitz, apesar desta retórica do social acima do econômico, mostra sua verdadeira cara
quando afirma ser “preciso [...] uma força de trabalho educada e saudável”, sendo que se reserva o
novo (e minimizado) papel do setor público precisamente à “criação de um ambiente favorável ao
setor privado [...] assegurando que a saúde e a educação estão amplamente disponíveis”
(STIGLITZ, 1998a).
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municípios27. Por exemplo, os aspectos sociais e políticos vão sendo incorporados nas
propostas de desenvolvimento, diante do fracasso acumulado por uma ênfase excessiva
nos aspectos econômicos, como mostra a pobreza dos países da periferia ou os bolsões
de pobreza que aparecem nos países centrais.
Como afirma Reyes, o desenvolvimento compreenderia hoje uma tripla
condição: social, no sentido de acesso a educação, moradia, serviços de saúde,
alimentação, uso racional e sustentável dos recursos e respeito da cultura e tradições no
seu entorno social; econômico, em relação às oportunidades de emprego, satisfação,
como mínimo, das necessidades básicas e uma boa distribuição da riqueza; e político, a
respeito da legitimidade não só em termos legais, mas também em termos de prover à
maioria da população de benefícios sociais (REYES, 2001).
E é nesta interpretação do desenvolvimento que o desenvolvimento local,
nova panacéia, ganha todo seu sentido. A ênfase na melhora da qualidade de vida, na
diversificação produtiva, nos recursos endógenos e na participação que o
desenvolvimento local exibe como suas principais divisas, se adaptam perfeitamente a
essa tripla condição atual do desenvolvimento. Mas agora com a incorporação da base
territorial. O território na escala local vai servir como aglutinador, como ponto de
convergência, dessa tripla visão do “novo” desenvolvimento, ainda que de forma parcial
e unilateral. De forma parcial, porque, por exemplo, o conflito entre capital e trabalho,
conflito este com múltiplos desdobramentos territoriais, não entra a formar parte do
novo paradigma.
O enfoque do desenvolvimento local promovido pelos poderes públicos se
limita a pensar e trabalhar com um território esterilizado de conflitos, um território irreal
impregnado de participação e consensos entre todas as forças sociais. De forma
unilateral, no sentido de que as possibilidades que o território oferece são peneiradas
pelo estreito crivo do capital. As alternativas aceitáveis no reformulado modelo de
desenvolvimento são aquelas que fortalecem a capacidade de concorrência dos
territórios, aquelas que conseguem uma reprodução mais rápida do capital. As
estratégias de desenvolvimento local promovem o fortalecimento de um certo território
de escala local com o intuito de prepará-lo para competir com outros locais vizinhos ou
com outros territórios locais de inserção mercadológica similar dentro da economia
mundial, dinamizando dessa forma a circulação e acumulação do capital.
27
Apenas nos últimos cinqüenta anos vêm se trabalhando com a idéia de desenvolvimento. Não
se trata, portanto, de uma categoria de profundo conteúdo histórico, tampouco de uma categoria
ontologicamente atrelada ao devir da sociedade, como poderia deduzir-se da forma, quase
reverencial, em que a idéia de desenvolvimento é apresentada e trabalhada hoje. Não será até o
discurso de posse do presidente dos EEUU, Harry Truman, em 1949, que o desenvolvimento se
consolide como um elemento importante da teoria e da prática econômica. Para um estudo
detalhado desse processo ver o exaustivo estudo organizado por Sachs (2000).
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Cf. VÁZQUEZ BARQUERO (1993); ROSALES (1998).
29
Cf. RODRÍGUEZ GUTIÉRREZ (1996), DESER (1997); BROSE (2000) e DENARDI et al.
(2000).
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30
Entrena Durán (1999), expressa com clareza este ponto de vista, por outra parte, muito
difundido entre os que defendem apenas um ajuste na dinâmica socioeconômica, política e
territorial como saída para os desequilíbrios existentes. Este autor afirma que as populações do
meio rural estão sofrendo uma “desterritorialização”, que ele entende como a perca de controle
dos processos socioeconômicos globais que dominam a organização e gestão de um território
local, em função do processo de globalização e dos câmbios sócio-econômicos acontecidos em
função de uma lógica desenvolvimentista que pregava para a sociedade agrária uma modernização
que acabara com sua tradicional economia de subsistência. Estes processos têm produzido “uma
erosão das estruturas sociais e das redes relacionais”, “uma desarticulação social” com “profundas
modificações nas formas de estruturação das solidariedades coletivas e nas tradicionais relações
entre as classes sociais” (ENTRENA DURÁN, 1999). Como resposta a esta situação viriam
surgindo, sempre segundo o mesmo autor, iniciativas em busca do desenvolvimento das
comunidades locais encaminhadas à manutenção dessa comunidade, a garantir sua supervivência
e permanência num território, respeitando, ao mesmo tempo, seu meio ambiente. Estas iniciativas
fariam parte do que ele denomina estratégias de desenvolvimento sustentável local.
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31
A obra é de 1974, tendo sido reeditada a primeira parte em 1998, da qual extraímos a citação.
55
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32
Nesta linha, um interessante trabalho que estuda a questão da participação nas políticas de
desenvolvimento é o de Rahnema (2000), onde o autor aprofunda a idéia de como os interesses
dominantes se apropriam da participação popular, sendo que esta acaba se convertendo em uma
armadilha para envolver as populações em projetos desenvolvimentistas que seguem uma lógica
alheia às suas próprias necessidades.
59
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33
O trabalho de Buainain, Silveira e Teófilo (s. d.) é esclarecedor neste sentido: “O objetivo do
presente trabalho é analisar as opções políticas de redistribuição fundiária no novo contexto de
políticas de distribuição agrária, tomando como referência a superação do círculo vicioso da
pobreza, representado tanto por seus efeitos negativos sobre a eficiência econômica e crescimento
quanto pelo baixo nível de aproveitamento das potencialidades dos agentes econômicos que mais
sofrem restrições do ponto de vista da dotação e acesso a recursos”. A primeira parte da
Conferência sobre a Distribuição e Crescimento Econômico, oferecida em Brasília por Stiglitz
(1998b), desenvolve argumentos similares.
34
O programa de Crédito Fundiário e Combate à Pobreza Rural, aprovado em 7 de março de
2001, se destina à aquisição de imóveis rurais que não poderiam ser contemplados sob outros
programas vigentes (menores de 15 módulos fiscais ou propriedades produtivas). Na página da
internet <http://www.creditofundiario.org.br> estão disponibilizadas mais informações a respeito
deste programa.
60
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35
A este respeito ver o estudo de Bittencourt (1999) sobre o Banco da Terra e a comparação que
estabelece Carvalho Filho (2001) entre os financiamentos via PROCERA e via PRONAF.
36
Das 103 experiências apresentadas por Brose (2000) temos nos aprofundado apenas em
algumas que nos parecem paradigmáticas da visão do autor sobre o desenvolvimento local.
Queremos deixar registrado, contudo, que o trabalho de Brose (2000) apresenta um material
muito rico na perspectiva de mostrar diferentes alternativas no interior do discurso e da praticado
desenvolvimento.
61
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37
Essa eliminação se efetiva via desqualificação através dos meios de comunicação, via
implementação de políticas públicas que anulam a força da organização em movimentos sociais
críticos ou, como podemos ver nos relatórios que a Comissão Pastoral da Terra (CPT) elabora
cada ano sobre a violência no campo, via eliminação física das pessoas “conflituosas”. Na página
da internet da CPT, <http://www.cptnac.com.br>, podem consultar-se esses relatórios.
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5. Referências
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1. APRESENTAÇÃO
∗∗
Este texto resulta do nosso trabalho de mestrado, “A relação capital-trabalho na agroindústria
sucroalcooleira paulista e a intensificação do corte mecanizado: gestão do trabalho e certificação
ambiental”, defendida em junho de 2002, junto ao programa de Pós-Graduação em Geografia da
FCT/UNESP/Presidente Prudente, e sob a orientação do professor Antonio Thomaz Júnior.
∗
Mestre e doutoranda em Geografia pela FCT/UNESP/Presidente Prudente; Professora da Rede
Pública Estadual de Ensino; membro do Grupo de Pesquisa “Centro de Estudos de Geografia do
Trabalho” (CEGeT). E-Mail: anamso@stetnet.com.br
38
Neste particular, as Jornadas sobre o Trabalho realizadas nos últimos quatro anos, constituem
um exemplo de interlocução e de fortalecimento de nossas reflexões.
70
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diferentes escalas de mediações (sociais, políticas, econômicas, etc) que envolvem tanto
o capital como o trabalho, suas processualidades nos lugares, as dinâmicas e
manifestações territoriais, pois ao enfocarmos geograficamente o trabalho, tentamos
compreendê-lo como expressão metabólica entre a sociedade e a natureza, posto que
este exerce papel fundamental na redefinição do processo social e na construção e
reconstrução do espaço geográfico.
2. INTRODUÇÃO
71
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tradicional corporativista e burocrático. Por outro lado, torna mais difícil a organização
sindical de outros segmentos da classe-que-vive-do-trabalho.39
O processo de desestruturação do mundo do trabalho se acentua no
contexto de reestruturação produtiva do capital, expressando-se nas formas precarizadas
de trabalho já apontadas anteriormente e causando insegurança no que concerne aos
salários, níveis de emprego, etc, e também na representação da classe trabalhadora40.
Esse quadro de insegurança que se instalou no mundo do trabalho deixa
os sindicatos em posição defensiva. Mediante a adoção de inovações tecnológicas e
organizacionais no processo produtivo, conseqüentemente, tem havido a intensificação
do trabalho morto, provocando a diminuição ou inibição da oferta de emprego e também
da renda do trabalhador (esta última associada a precarização do trabalho), fazendo com
que os sindicatos recuem, enfraquecendo suas ações reivindicatórias nas negociações e
no embate com o capital.
Alves (2000, p. 85), ao enfocar a crise pela qual o sindicalismo moderno
passa, alega que esta não tem se dado somente no plano socioinstitucional, (aspecto
considerado como dessindicalização ou ainda como redução da sindicalização da
representação de classe, mas também assume grande dimensão no âmbito político-
ideológico, que se carateriza pela integração dos sindicatos à lógica mercantil, limitando
a práxis sindical ao horizonte da mercadoria, que procura garantir na maioria das vezes
“tão-somente melhor preço da força de trabalho”.
Nesse contexto, a dimensão classista é abandonada em prol de práticas
sindicais, que se voltam para a mera preservação de interesses de segmentos que já se
encontram organizados. Seria o mesmo dizer que, “em vez de as entidades sindicais
articularem interesses gerais da classe, agregando a classe como um todo, elas tendem a
promover apenas articulações verticais de categorias assalariadas” (ALVES, 2000, p.
89) .
Enfim, o estranhamento a que estão submetidos os trabalhadores e suas
instâncias de representação, fragiliza os mesmos de modo crescente, “tendo em vista a
fragmentação corporativa que segue os parâmetros da intensificação da especialização e
da divisão técnica e territorial do trabalho”, que impede que a subjetividade do trabalho
se capilarize e se fortaleça a ponto de extrapolar os limites que o corporativismo impõe
e, finalmente se compreender enquanto classe (THOMAZ JÚNIOR, 2003, p. 04).
É preciso atentar para as especificidades intrínsecas à organização
técnico-produtiva e organizacional do capital e às tendências que sinalizam para
redefinições tecnológicas e mercadológicas. Mas, considerando o cenário em questão, é
necessário atentar também para os desafios que se apresentam para os trabalhadores e
entidades sindicais, especialmente quando nos deparamos com um quadro de
39
Mais detalhe, ver: Antunes, 1997.
40
Esta questão também é abordada por Mattoso, 1995.
73
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41
FERAESP (Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São Paulo);
FERCANA (Federação dos Empregados Rurais Assalariados no Corte de Cana); FETAESP
(Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de São Paulo).
74
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75
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42
Cf. ALVES, (2000).
43
Cf. THOMAZ JÚNIOR, 1996.
44
Cf. EID; NEVES, 1998.
76
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45
Declaração da coordenadora do Sistema de Qualidade.
46
Com a nova versão ISO9001/2000, as áreas de saúde, segurança e comunicação estão sendo
incorporadas ao Sistema de Qualidade.
77
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47
Ressalva feita pela coordenadora do Sistema de Qualidade.
78
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48
Grifo do autor.
49
No sistema toyotista japonês, por exemplo, adota-se também o estímulo individual na forma de
empregos vitalícios.
79
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São vários os fatores que contribuem para que a empresa atinja e supere
sua meta de safra. Depende das condições do mercado, da produtividade da cana e até
das condições edafo-climáticas, mas o fator eficiência do processo e o desempenho dos
trabalhadores é colocado em evidência quando o assunto é repasse dos lucros da
empresa. A fala do Gerente de Qualidade, mais uma vez reforça nossa afirmativa ao
dizer que:
50
Algumas empresas sucroalcooleiras usam esse termo para se referir aos seus trabalhadores.
80
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é condição sine qua non para a sobrevivência da empresa no mercado. Sendo assim, a
esfera de subjetividade do trabalho é incitada visando ao envolvimento com o projeto da
empresa e seu conseqüente processo de criação de valores.
Na atual fase do capital, o savoir-faire é retransferido para o trabalho,
com o objetivo crescente de envolver a subjetividade operária, através da apropriação da
sua “dimensão intelectual e cognitiva”, como destaca Antunes:
81
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4. AS REDEFINIÇÕES TÉCNICO-PRODUTIVAS E
ORGANIZACIONAIS NA AGROINDÚSTRIA SUCROALCOOLEIRA
PAULISTA
51
Cf. THOMAZ JÚNIOR, 2002c.
52
Segundo Silva (1999, p. 69), a redução gradativa do crédito subsidiado, tanto para os
investimentos industriais quanto para o custeio da produção agrícola, bem como o reajuste dos
preços do açúcar e do álcool, que não ocorreu de acordo com as expectativas dos produtores,
contribuiu para o desencadeamento do processo de competição no setor, tendo como principais
instrumentos a diversificação produtiva e a modernização tecnológica.
53
Para mais detalhes, ver: Nascimento, 2001.
82
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54
Os avanços tecnológicos têm sido expressivos e envolvem pesquisas tanto na área genética
como na mecânica, a exemplo dos projetos voltados para a biotecnologia (plásticos
biodegradáveis) e melhoramento genético, da automação da planta fabril e da sofisticação dos
sistemas de transporte e carregamento, que dão suporte à mecanização do corte na lavoura
canavieira.
55
Hoje, o índice de mecanização é diferenciado de uma região para outra do Estado de São Paulo,
sendo mais expressiva na região de Ribeirão Preto, onde o índice varia entre 40% e 50% de uma
empresa para outra. Nas regiões mais mecanizadas o desemprego de trabalhadores rurais
(cortadores de cana) já beira os 50%.
83
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56
Cf. THOMAZ JÚNIOR, 2002a.
84
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57
São estes o imposto sindical e o imposto assistencial: o imposto sindical constitui-se num
desconto compulsório que é fixado com base num dia de trabalho, conforme o disposto nos
artigos 580 e 582 da CLT e no artigo 8o da Constituição Federal. O imposto assistencial é fixado
em assembléia no mês da data-base, ou através de convenção ou acordo coletivo. Ambos são
recolhidos pelos próprios sindicatos, mas não são repassados às suas instâncias superiores
(federações e confederações). Além destes, a Constituição Federal instituiu (art. 8o-, inciso IV)
outro mecanismo contributivo, qual seja, a contribuição confederativa, a qual é descontada na
folha de pagamento e repassada percentualmente às federações e confederações. Para mais
detalhes, ver: Thomaz Júnior, 2002c.
58
Cf. THOMAZ JÚNIOR, 1996, 2002c.
85
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fragmentação entre as diversas categorias e bases territoriais 59. Isso ocorre porque para
o trabalho a sua identidade corporativo-sindical se assenta na ruptura conduzida pela
divisão técnica do trabalho, que ao se territorializar aliena-se no plano aparente da
relação capital-trabalho.
Por um lado, a alienação do trabalhador ocorre através do produto de seu
trabalho e da relação com seu semelhante, da sua não-consciência quanto ao
pertencimento de classe, quando este não se reconhece enquanto proletário, mas sim
como categoria, ou seja, cortador de cana, motorista, etc. Por outro lado, a alienação do
sindicato revela-se quando este se expressa territorialmente, através do fracionamento
em categorias, do limite de sua base territorial e de sua conformidade com a localização
da empresa.
Uma mesma empresa pode concentrar metade ou mais da área plantada
com cana, na delimitação de vários municípios, ligando-se direta ou indiretamente a
diversos sindicatos rurais, o que não significa que pelo fato do capital estar enquadrado
nas mesmas normas legais que os trabalhadores, quanto às entidades de representação,
ele se enfraqueça ou se fracione. Pelo contrário, as diretrizes das empresas centralizam
ações que ao se materializarem expressam a força hegemônica do capital, capaz de auto-
gerir sua própria territorialidade.
O sindicato faz a leitura de sua territorialidade de modo superficial, ou
seja, ele só consegue se enxergar no plano da distribuição territorial que, por sua vez é
alienada. A expressão fenomênica da atividade sucroalcooleira é identificada através da
área plantada e das unidades processadoras, mas somente na seara territorial que lhe é
permitida, isto é, na abrangência territorial estabelecida do ponto de vista produtivo e
corporativo. Já o capital se vê enquanto fenômeno na sua totalidade, exercendo assim a
gestão sobre o território60.
O trabalho se fragmenta no processo de gestão política, expressando
unidade, somente enquanto força de trabalho. Ao passo que o capital se unifica na
gestão do processo produtivo, uma vez que não há rupturas estruturais em suas
estratégias, fragmentando-se apenas do ponto de vista da disputa por mercado, força de
trabalho, terras, etc.
Ao fracionar-se corporativamente enquanto entidade de representação e
enraizar-se na seara da atividade produtiva, a base territorial do sindicato lhe pertence
somente do ponto de vista aparente, haja vista seu movimento se dar no território do
capital, legitimado pelo Estado. Desse modo, se efetua o controle e a subordinação do
trabalho pelo capital. O controle social é exercido e colocado em prática pelo capital sob
o aval do Estado, revelando assim as fragilidades do movimento sindical. Este, por sua
vez, não esboça reação frente as investidas do capital e o imobilismo impede a busca de
alternativas que possam se fortalecer por fora do comando financeiro, que cada vez mais
59
Ibid, 1996, 2002c.
60
Cf. THOMAZ JÚNIOR (2002c, p. 234
86
Geografia e Trabalho no Século XXI
61 A Câmara Paulista do Setor Sucroalacooleiro, foi criada em dezembro de 1995, pelo Governo
do Estado de São Paulo, com o intuito de abranger amplos debates, reivindicações e tomadas de
decisões concernentes ao setor sucroalcooleiro, sob a coordenação da Secretaria do Emprego e
Relações do Trabalho.
O Pacto pelo Emprego, foi instituído em agosto de 1999 e assinado pelo Governo do estado, pela
União, pela Associação dos Municípios Canavieiros Paulistas e pelas entidades de representação
dos empresários e dos trabalhadores. Este Pacto foi criado sob a alegação de se buscar uma
alternativa frente ao processo de desregulamentação e de desemprego no setor.
87
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Geografia e Trabalho no Século XXI
econômico que ele pode obter com um produto que possui certificação orgânica ou
ambiental, bem como a possibilidade de ampliação da taxa de lucro, tem muito mais
importância do que qualquer problema relacionado ao meio ambiente.
O avanço da conscientização ambiental, a pressão das legislações
ambientais e as exigências de mercado, especialmente do mercado internacional, tem
conduzido várias empresas no mundo a reverem suas posições frente a questão
ambiental, tendo em vista que os movimentos que defendem a produção e a certificação
de alimentos saudáveis, produzidos em ambientes que não oferecem riscos ambientais e
sociais, são originários de países ricos (principalmente da Europa), os quais se
constituem importantes mercados consumidores. Desse modo, as empresas que
pretendem melhorar sua performance ambiental frente à sociedade e, sobretudo,
diferenciar-se no mercado, estão revendo suas posturas frente à questão ambiental .
Nesse contexto, aumentar a produtividade e a competitividade no
mercado, têm sido condição primordial para as empresas que, para alcançarem suas
metas têm adotado novas formas de gestão e de controle do processo produtivo e de
trabalho, bem como “novos” referenciais tecnológicos e ambientais como a certificação,
e investido em produtos diferenciados. No caso das empresas sucroalcooleiras a
preocupação se volta para a diferenciação de produtos como a cana e o açúcar orgânico,
por exemplo, bem como para os projetos de certificação ambiental e/ou orgânica, de
melhoramento genético (Genoma-Cana), de co-geração de energia e de seqüestro de
carbono.
As mudanças no comportamento do mercado consumidor tem gerado
movimentos63, os quais têm contribuído para o surgimento de padrões ambientais, bem
como de normas de certificação ambiental. Desse modo, os “novos” referenciais
ambientais e tecnológicos são incorporados ao processo produtivo sucroalcooleiro,
gerando diferenciais entre as empresas do setor.
Os padrões aos quais nos referimos acima, atuam como normas de
comércio internacional e são atribuídos a produtos e processos produtivos sob a
alegação de que visam a equalização da concorrência e dispõem de instrumentos que
funcionam como barreiras comerciais. Este é o caso dos selos, que são obtidos através
da certificação e mesmo da própria certificação, seja ela orgânica ou ambiental, a
exemplo da certificação baseada na série ISO 14000, a qual é fundamentada no
estabelecimento de normas e procedimentos de produção e gerência64. Enquanto a ISO
63
Tais movimentos são originários de países europeus, principalmente, onde as principais
iniciativas de certificação surgiram e se desenvolveram, tendo em vista a existência de um setor
agrícola forte e de grupos sociais organizados.
64
Esta série foi criada com a finalidade de padronizar a implementação do Sistema de
Gerenciamento Ambiental, o qual é coordenado juntamente com outros sistemas gerenciais.
89
Geografia e Trabalho no Século XXI
9000 está mais associada ao controle de qualidade dos produtos e serviços que as
empresas oferecem.
Acreditamos que no âmbito da agroindústria canavieira, a busca desses
“novos” referenciais, especialmente os ambientais, possui imbricamento direto com as
restrições impostas por mercados e consumidores mais exigentes, bem como às
mudanças desencadeadas a partir da regulamentação das queimadas da cana-de-açúcar.
Mas, sobretudo, constitui-se numa estratégia do próprio capital sucroalcooleiro, que ao
buscar melhoras em sua performance ambiental, consegue diferenciar os produtos e
conquistar novos mercados.
65
Depoimento da Coordenadora do Programa de Certificação Socioambiental do IMAFLORA
(Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola).
90
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66
O Sistema de Gestão Ambiental já foi adotado no Brasil por cerca de 150 empresas66 de
diversos setores da economia, como florestal e de papel e celulose, por exemplo. No setor
sucroalcooleiro a Usina Santa Cruz (Américo Brasiliense (SP) é o exemplo concreto de que temos
conhecimento até o momento.
67
A ISO 14000 dispõe sobre o sistema de gestão ambiental e, foi desenvolvida pela ISO –
International Standardization Organization (Organização Internacional de Padronização), entidade
não-governamental, sediada em Genebra, na Suíça. A ISO congrega órgãos de normalização de
mais de 120 países, entre eles o Brasil e tem como objetivo a padronização de normas em nível
internacional. A ISO criou na década de 1990 o CT-207 – Gestão Ambiental, Comitê Técnico67,
responsável pelo desenvolvimento das normas da ISO 14000.
68
A empresa é uma das associadas da Coopersucar, por isso a referência.
91
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69
Artigo divulgado no site: www.iea.sp.gov.br/agro.
92
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Europa
24%
Oceania América
49% Latina
20%
América do
Africa Norte Europa
0,14% Asia 7% América Latina
0,33% América do Norte
Asia
Africa
Oceania
Fonte: SÖL-Survey/IBD, 2001
93
Geografia e Trabalho no Século XXI
70
Essa informação foi concedida pelo Gerente Agrícola de uma das empresas visitadas, em
agosto de 2001.
71
Associação de Certificação Instituto Biodinâmico.
72
Todos os representantes das empresas visitadas, que produzem cana orgânica, manifestaram
essa preocupação, a qual é reforçada na fala do Diretor de Produção de uma delas.
94
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95
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73
Para mais detalhes, ver: Antunes, 1997, e Alves, 2000.
96
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Por isso, eles devem estar inteirados do processo como um todo. Como eles atuam nas
duas frentes, orgânica e convencional, a empresa incentiva o intercâmbio entre todos os
setores, através da integração promovida pelas várias gerências. Todos precisam saber
como funciona a certificação orgânica, quais os procedimentos, as exigências.”
Neste particular retornamos à discussão efetuada anteriormente, na qual
enfocávamos a maneira como o capital se apropria da subjetividade do trabalhador para
que esta se reverta em benefício próprio. Os benefícios que aparentemente os
trabalhadores obtêm no processo de trabalho são compensados pelo capital, uma vez
que este se apropria dos pensamentos, ações e proposições dos trabalhadores para
atingir os objetivos propostos74.
A produção orgânica se constitui um diferencial econômico para a
empresa, mas não se constitui um diferencial em termos salariais e sociais, para o
trabalhador. Numa das empresas visitadas, a justificativa para o fato de não haver
distinção entre os salários de quem trabalha na produção orgânica e na convencional
parte do princípio de que se a empresa certificada tem como uma das metas promover a
integração entre os vários departamentos que possui, bem como um maior entrosamento
entre os trabalhadores, ela não deve remunerá-los de modo diferente.
Não havendo diferenças salariais também não haverá divergências entre
os trabalhadores e a empresa75. Essas empresas implantam pequenos programas na área
de alimentação, saúde e lazer, alegando que com isso estão promovendo melhorias nas
condições de trabalho e contribuindo para que os trabalhadores tenham uma qualidade
de vida melhor.
Em tese, a remuneração por tonelada no corte manual de cana crua é
maior, devido aos riscos que esta oferece para o trabalhador. Porém, em função dessa
dificuldade o trabalhador acaba tendo uma produção menor (cortando menos cana) e,
conseqüentemente, sua remuneração acaba se equiparando a do corte da cana queimada.
Portanto, do ponto de vista especificamente salarial a produção orgânica não representa
um diferencial para os trabalhadores.
A empresa que possui certificação orgânica elimina a queima da cana-de-
açúcar (pelo menos na área que é própria e que, geralmente é a certificada). Com o fim
da queima, a conseqüência é a adoção do corte mecanizado da cana crua, tendo em vista
a alegação de que o corte manual desta, além de muito penoso e perigoso para o
trabalhador, aumenta os custos da empresa que terá de pagar mais pela tonelada76.
74
Para mais detalhes, ver: Antunes, 2001, p.130.
75
Alega o Gerente Agrícola de uma das empresas visitadas, durante pesquisa de campo realizada
em 2001.
76
Pelo menos é esse o discurso que ouvimos com freqüência.
97
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77
A certificação socioambiental, por exemplo coloca como critério para minimizar os impactos
da mecanização a criação de contrapartidas sociais, como o treinamento dos trabalhadores e o
remanejamento destes para outras funções/atividades dentro da empresa, ou a qualificação (em
parceria entre o poder público, empresas e entidades sindicais) da mão-de-obra excedente para
que seja reinserida no mercado de trabalho.
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8. Referências
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MARX, K. O Capital: Livro I. São Paulo: Ed. Ciências Humanas Ltda, 1978.
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102
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RELATÓRIO do Brasil para a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento. O desafio do desenvolvimento sustentável. Brasília: Presidência da
República/Secretaria de Imprensa, dez. 1991.
103
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________. Por uma Geografia do Trabalho. Revista Pegada, Presidente Prudente, v.3,
número especial, ago., 2002a.
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∗
Este texto é a versão resumida e modificada da dissertação de Mestrado desenvolvida junto ao
Programa de Pós-graduação em Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da
UNESP/Presidente Prudente, sob a orientação do Professor Antonio Thomaz Júnior, e financiada
pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
E-mail: jcezarr@hotmail.com
∗∗
Mestre em Geografia pela FCT/UNESP/Presidente Prudente; professor da Universidade
Federal de Tocantins (UFT).
78
A empresa que leva a sigla DEBRASA, desde Assembléia Geral Extraordinária de 29/9/1993,
refere-se à antiga Destilaria Brasilândia S/A.
106
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real concreto, para que juízos de valor e juízos de fato, na medida da máxima
consciência possível, não se apresentem como dimensões distanciadas e desconexas,
com negação estrutural entre si, como crêem os weberianos a respeito da “ciência como
vocação”, separando academia de movimentos sociais, postura acadêmica de militância
política.
Primeiramente, elencamos pelo menos em um número de três as
substâncias basilares merecedoras de trato na sociedade contemporânea, a permitirem o
poder de controle e reprodução da sociabilidade capitalista: ideologia, técnica (ou objeto
técnico) e informação. Relação de fatores com dimensões infra e superestrutural de
penoso discernimento, porquanto um estar e se refazer noutro, intrínseca e
dialeticamente, como ação imaterial subordinante e ou produto empírico re-direcionado.
E sempre tendo como guia primeiro o complexo movente do capital79, que se firma
como motor/freio histórico ao espaço social.
Propriamente dito, a rampa (empírica) de lançamento (teórico) é a
escravidão não-salariada endereçada pelo capital aos povos índios que habitam território
sulmatogrossense, na unidade federativa que teve os contornos definidos no Brasil
republicano e ditatorial de 1977. Sendo esse território invenção política-administrativa
dos dirigentes de um país ao qual seus chãos, transcorridos quinhentos anos de história,
contêm ainda traços de inadmissíveis atrocidades, como as práticas de trabalho escravo,
por muitos creditadas enterradas quando da sua abolição oficial em 1888, e que havia
sido empreendida pouco tempo depois que os “estranhos” (a si e ao Outro) singraram os
mares, descobriram essas terras e se embrenharam na mata em busca de braços índios e
de recursos naturais, e que portanto, assim muitos ponderaram, não mais estariam a
serem reproduzidas recentemente.
Ilusões somente.
79
Deve o capital ser entendido bem mais do que simples produto (objetos técnicos, fatores de
produção empíricos, humanos ou não-humanos) e sim como relação social e, o capitalismo, como
evento hegemônico de concreção histórico-espacial, em nível infra e superestrutural, dos
determinantes do capital dimanados. O capitalismo sendo entendido pois, como modo de vida e
suas manifestações paradigmáticas, como o fordismo, como modo de vida total (HARVEY, 1993,
p. 131), por ser mais que produção em massa, pondo-se como consumo de massa, a gerar uma
nova estética social pela mercadificação da cultura. O que ajuda a evitar generalizações aquelas
clássicas, proferidas por pensadores como Weber, no que alude ao capitalismo e ao capital, posto
que em descrevendo tais fenômenos, toma o referido autor o capitalismo por capital, relatando
ter-se dado o primeiro em períodos remotos à civilização humana, conquanto portador daquela
menor racionalidade ascendente religiosa (calvinista) em que esteve a coincidir quando da
Reforma cristã e do advento do capitalismo industrial; declarando ele que “O capitalismo existiu
na China, na Índia, na Babilônia no mundo clássico e na Idade Média” (WEBER, 2002, p. 46);
fazendo-se presente na Terra há mais de 3 mil anos (idem, p. 146).
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Não contasse o fato do valor não poder ser considerado a partir de perspectivas teóricas
dualísticas, por serem os circuitos formal e informal interdependentes, revelações recentes
comprovam que são os grandes empresários do setor formal de São Paulo os responsáveis pela
distribuição de produtos “piratas” no mercado nacional. Economia oficial-clandestina gerida pelos
mesmos atores econômicos, e não por pequenos vendedores de bugigangas contrabandeadas,
como comumente se pensou.
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Vários autores revelam como a crise por que passa o capital aponta à minoração dos direitos tão
presentes na política do Welfare-State nos países centrais, como algumas poucas conquistas da
classe trabalhadora nos países periféricos. Desencadeada entre o fim dos anos 1960 e início da
década de 70, a crise tem sua raiz entre outras razões derivada: a) na queda da produtividade; b)
relativa homogeneização e esgotamento dos processos produtivos inerentes ao modelo taylorista-
fordista; c) altos níveis atingidos pela composição orgânica espacial do capital; d) superprodução,
que leva à saturação do consumo de certos bens duráveis; d) aumento do trabalho improdutivo em
prejuízo do produtivo, com a geração respectiva de ônus que descamba à queda da taxa média de
lucro, que, por conseguinte; d) conduz à maior exploração da força de trabalho (quando não sofre
essa rotatividade maior por turnos, como forma de desmobilização do movimento operário). Essas
as características mais comuns nos países centrais; abatendo-se mais ferozmente no conjunto dos
países economicamente mais fragilizados, com formas de trabalho mais desumanas e
“descapitalizadas”.
110
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Eis o porquê de o Goldmann ter considerado o maior problema do capitalismo de princípios da
segunda metade do século XX restringir-se à gestação de uma sociedade desalienada e
enriquecida culturalmente, entendendo que o capitalismo haveria de equacionar as carências
materiais dos sujeitos, pelo erro de ter-se entregue à aparência do processo de desenvolvimento,
ainda ascendente, nos países centrais. Creu que a miséria não mais seria a problemática central da
sociedade, como pensara Marx, e sim o desenvolvimento de sujeitos alienados, numa sociedade
irrefletida gerida por preceitos de um racionalismo moderno ahumanista e ultraformalista, que
estaria a gerar uma miséria de teor mais intelectual e cultural, do que material (GOLDMANN,
1968, p. 68 e 72; FURTADO, 1977). A história prova que Marx é quem continua certo e os “anos
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dourados” do capitalismo, a belle èpoque dos países centrais, desce a ribanceira, despedaçando-se
com o retrocesso engendrado pela crise global; dissolvendo, tudo junto: garantias materiais,
intelectuais e culturais.
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Frisamos o processo de incorporar como o de trazer para o corpo, tornando o que eram partes
passadas membros orgânicos efetivos do metabolismo do corpo social. Que não se entenda
todavia, termos como: metabolismo, corpo social e organismo, como expressões teóricas de um
método funcionalista pois, além de repudiarmos opções metódicas que buscam harmonia ou
equilíbrio em uma sociedade que é justamente regida por forças destrutivas, não concordamos
com o ideal de partes orgânicas não-dialéticas e únicas, eternas e exclusivamente adaptativas. O
metabolismo social capitalista é não só funcional como disfuncional, contraditório e conflituoso,
como o uno tenso dos múltiplos complexos do ser social.
115
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84
Os sonhos, fantasias e mitos, fazem parte das experiências dos indivíduos e essas, inconscientes
ou não, estão a afetar o comportamento. Decorre disso o porquê de muito do imaginário edificado
apresentar-se como “irracionalidade” àquele que o experimenta, como experienciando; tornando-
se difícil seu destrinchar. O eixo da questão está em se desconhecer as Razões outras que
contribuem à criação do imaginário (imagens, representações e projeções), devido à lógica da
racionalidade (eminentemente) técnico-instrumental de que se serve o observador na sociedade do
capital (RIBEIRO, 2001b).
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O nome que leva a Área Indígena de Dourados (AID) provém de “Luiz Bueno Horta Barbosa
(1871-1933) foi ardoroso defensor do movimento de defesa dos grupos indígenas. Ocupou o
cargo de inspetor no SPI de São Paulo, e foi responsável pela pacificação dos Kaingang”, que
acreditava que a única saída racional para o conflito entre as sociedades indígenas e não-indígena
perpassava a integração das primeiras à sociedade hegemônica; demonstrando-se bastante
influenciado pelo positivismo da época. Criada em 1915, a pedido do Marechal Cândido Rondon,
em 3/9/1925, pelo decreto n. 401, a área ganha legitimidade oficial por parte do presidente do
Mato Grosso, Coronel Pedro Celestino Correia da Costa, como forma de agrupar os índios
guaranis dispersos na região por efeito da atuação da empresa ervateira Matte-Laranjeira,
vendendo já sua força de trabalho por míseros “salários”. O Título Definitivo de Propriedade,
expedido somente em 28/10/1985, teve o registro legalizado em 14/12/1985; com 61 ha a menos
que o idealizado e conclusão legal obtida corridos 60 anos, a área dispunha definitivamente seus
3.539 ha aos índios da região, como também de outras etnias (eis os terenas) que o Governo
Federal fez questão de deslocar no pós-1930, como ardil para abrandar o espírito guerreiro dos
guaranis e kaiowás, na estratégia de aculturação multiétnica ao se agrupar índios com troncos
lingüísticos e culturas dessemelhantes em um mesmo espaço social.
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feito município aos 20 de Dezembro de 1925 e que nos dias de hoje conta com algo
próximo a 154 mil pessoas.
Esgoto correndo a céu aberto e ausência de infra-estrutura básica se
somam a um quadro epidemiológico e de profunda miserabilidade, expresso em casos
de diarréia, infecções generalizadas, gastrenterite, problemas de pele, pulmonares,
escabiose, gripe, subnutrição, bócio, sarampo, catapora e, ainda mais graves,
ocorrências de tuberculose e AID’s na reserva.
Nada obstante, trata-se a Reserva Horta Barbosa da mais populosa reserva
indígena do país, abrigando algo próximo a sete mil corpos índios ou 4,5% da
população do município; sem mencionar os “brancos” que contraíram conúbio com
índios ou que na reserva fincaram residência. Prática estatal ou fechar de olhos dos
omissos burocratas, que insurge como tática de reunir os grupos dispersos para, livrando
partes dos territórios de sua presença, se criar viveiros de mão-de-obra com mais fácil
monitoração por parte dos instituidores da marcha capitalista.
Pelas diferencialidades das etnias existentes e por força da ação estatal
que as fez agrupar na mesma reserva, couberam aos índios subdividi-la em duas aldeias
para tentar frear ou retardar o processo de transculturação: a Jaguapirú em que ficam
basicamente terenas, e a Bororo, na qual se alocam os cerca de 3.570 guaranis-kaiowás.
Mediação-chave no processo de açodamento da desculturação é a migração constante
dos povos indígenas das aldeias para as destilarias (desterritorialização motivando a
desidentidade sócio-territorial) e marcadamente, como sucessão de causas-efeitos, o
nível de penúria desses povos, o desprestígio sócio-cultural da sociedade hegemônica e
a ideologia da preguiça86, entre outros determinantes, que abraçam o ser social
sulmatogrossense como respaldo imagético de arregimentação de índios em região de
vasto desemprego de mão-de-obra “não-índia”, ao se pôr como estratégia empresarial
pseudo-explicativa do real, recondicionando-o aos seus objetivos, rotulando
pejorativamente como de preguiça qualquer atividade de trabalho que esteja abaixo da
média (máxima) possível de superexploração da capacidade de trabalho alheia. Por fim,
86
A tese da preguiça inata do ser sulmatogrossense foi defendida por um líder sindical de
Brasilândia, no final do século XX. No livro de Lafargue, na Introdução de Marilena Chauí, há
uma interessante discussão sobre a metamorfose que o capitalismo impôs à concepção de trabalho
como atributo de honradez, dignidade, civilidade e religiosidade, enquanto em sociedades antigas
não passara de malefício e punição aos inferiores, escravos e sem fé. Weber crê a “ética” da
positividade do trabalho (concepção de ética refutada pelo Antunes, 2000, p. 199) desdobrar-se da
racionalidade cristã inaugurada pela Reforma, que se entrecruzou casualmente com o capitalismo
emergente; conquanto muitos marxistas advogarem ser esse fenômeno a armação superestrutural
do padrão societário em solidificação. Em Trotsky mesmo presencia-se uma inclinação à
concepção negativista do trabalho, alegando que “O homem deve trabalhar para não morrer. O
homem não quer trabalhar [...] pois o homem é preguiçoso e tem direito a sê-lo” (DIAS, 1999, p.
93).
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vem o relevo à questão dos suicídios indígenas em meio à tétrica situação social em que
encontram, como silêncio da palavra em um mundo no qual não se fazem ouvidos. Ou
então a reconquista pela luta de seus territórios tradicionais e sagrados, os tekoha87,
quando melhor emparelhada a estrutura psíquica; tornando menor o desequilíbrio intra-
subjetivo (ego x superego), entrechocado pelo universo social dominante que bate às
suas portas, arranha a sua pele e atormenta o seu cérebro.
A experiência é tanto fenômeno “subjetivo” como “objetivo”, “interior”
(imaginação, fantasia, sonho) e “exterior”, processo e praxe, input e output, psíquico e
somático, introspecção e extropecção, apesar de relações entre “invisíveis” que se
intercumprimentam.
O interexperienciar, isso concluindo, não passa de fenômeno social, posto
que coisas-ocorrências nada experienciam, e os aconteceres pessoais é que são
experimentais. É típico apenas ao cientificismo natural tornar as pessoas coisas, pelo
processo de coisificação. Olhar esse, aliás, que condiz exatamente com os propósitos
das alas dominantes, que nada mais primam que a personificação das coisas e a
coisificação das pessoas; fazendo das últimas, mais adiante, coisas subsidiárias ao
sujeito capital.
As relações, múltiplas e complexas, não podem ser divididas de fato,
realmente. Tão-só o podem abstratamente, mentalmente, analiticamente. E desde que
não se queira excluir as demais, quem sabe se possa supor qual dimensão tenha mais
peso em uma dada situação.
O movimento é um dado real, dialético e intrínseco à natureza, seja ela
inorgânica e não-humana ou orgânica, biológico-individual e social.
Toda e qualquer cultura é mutante. A problemática situa-se nos
condicionantes que dinamizam o seu movimentar: se endógenas, coletivas e
conscientes, ou exógenas, hegemônicas e coercitivas as alterações impressas às
tradições seculares dos povos em questão. Por isso de considerarmos que, em que pese
ser a tese da invisibilidade bastante coerente, deve ela ser geografizada, contextualizada
têmporo-espacialmente. As chances de formações sociais preexistentes, com outras
preocupações sociais entre seus membros, apresentarem maior coesão e
interdependência funcional, sugerem maior facilidade para um interexperienciar mais
frutuoso e um olhar mais retido e menos deturpante: caso dos índios, que vivenciavam,
em seus espaços fechados de tempo lento, relações mais intensas e autodeterminadas,
com melhor interexperienciar e intercomunicar que o verificado na sociedade
contemporânea. Haja vista os indivíduos na sociedade do capital, ludibriados por falsas
imagens e metas circulares a conduzir a lugar nenhum, entorpecendo-se, lançarem-se
87
É no tekoha (teko = modo de ser e ha = lugar onde) que se concretiza o modo de ser dos
Guarani/Kaiowá; mais que locus existencial, é morada dos deuses e condição à reafirmação
material e imaterial (espiritual, político, econômico, social) dos seus; onde e quando o caos far-se-
ia cosmos.
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88
O confinamento dos indígenas remonta às obras dos jesuítas da fase colonial, que em grandes
porções suas de terras os punham a trabalhar para alimentar a obra cristã de expansão da fé
católica, o que assemelhava tais empreendimentos a uma “empresa multinacional” (MAXWELL,
8/6/2003, p. 15). Com a desculpa de universalização da fé e salvação de almas, prestava-se ao
processo de açodamento do aculturar e amansar dos arredios aborígines. Como projetos
universalistas, fora amplamente empregado o encurralamento territorial como prática de domínio,
não permitindo o estranhar de etnias indígenas tradicionalmente rivais passarem a dividir as
mesmas reversas, como artimanha hegemônica à descaracterização cultural.
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rearrumamento tanto do mundo interior do sujeito como do espaço social em que passa
a pertencer e agir.
Que se diga não se dever considerar a geografia do espaço externo apenas
como palco construído, rugosidades da instância e substrato, pois a dimensão espacial
faz-se composta grandemente por relações imateriais e superestruturais, inseparáveis de
sua fisicidade estrutural.
Como totalidade em processo, “unidade do diverso”, “síntese das
múltiplas determinações” do concreto real (Marx), em meio ao “complexo dos
complexos”89 que perfaz a substância mimetizada da relação capital, é que lançamos o
olhar para o Ser Índio e o Ser Branco. Quase sempre, o primeiro visto como sinônimo
de preguiça, promiscuidade e debilidade mental aos olhos do segundo, em que pese o
Ser Branco comparecer como nada mais que ambicioso, ladrão e assassino aos que
mais agonizam com as seqüelas do (Des)Encontro, além dos comuns insultos nas
línguas maternas índias, que os erigem como uma das possíveis formas de autodefesa e
compensação psicológica (SILVA, 1982).
A diferença de “eus” serviu ao projeto de construção de identidades
fictícias, destruidoras e autodestrutivas por parte da “civilização” ocidental de raiz
hebréia-cristã, ou de seus agentes dominantes, que não soube entender e acolher o
Outro, aquele que tanto espanto trazia ao seu secular mirar interpretativo90, de um ser:
europeu, branco, machista, elitista, burguês e, agora, “marombado”, com o auge da
estética corpórea (pós ou ultra?) moderna. A partir disso não fica difícil compreender as
reverberações sociais hegemônicas advindas: a política do sangue e do fogo erguendo-
se para fincar bandeira e marcar (geo-grafar) terreno entre os selvagens aborígines,
impondo-lhes uma lógica societária re(de)formadora de seus universos subjetivos e
objetivos. Difícil seria à civilização dotada de pensar europocêntrico e cristocêntrico e
que recentemente empreendera tal Antropocentrismo no lugar do anterior Teocentrismo,
igualar-se ou rebaixar-se perante seres selváticos, sem fé, rei, Estado, lei... e senhores de
técnicas primitivas (sic!) (DESCOLA, 1999).
89
Cf. LUKÁCAS, 1978.
90
Mesmo um considerado humanista como o florentino Américo Vespúcio, que cria os gentios
portadores de humanidade, duvidava de tal condição pela incapacidade demonstrada de
entendimento dos eventos entre os índios existentes (canibalismo, constante guerrear e
escravidão), naturalizando e convertendo-os em bestialidade associal, como fenômenos
espontâneos a eles inatos. Ignorando o guerrear como elemento original e formador de identidade,
os índios representavam-lhes a humanidade no estágio de história natural. Com a mesma ótica,
cronistas e viajantes naturalistas dos séculos XVI e XVIII contribuíram para difundir a imagem
dos índios como uma espécie natural, solidificando a antropologia naturalista, de que foi
partidário o Adolf Buffon, dentre outros (DESCOLA, 1999).
124
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91
Cf. LUKÁCS, 1978.
92
Cf. TERLULIAN, s/d.
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Com os índios, esse é o grande embate ao qual pressentem já não mais poder adiar. Descoberta
a necessidade de posse sobre os territórios tradicionais (tekoha), para que seu ser tradicional se
faça objetivamente mais possível de perpetuação, lançam-se à luta, ocupando as terras que
historicamente lhes são de direito.
129
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É sabido que o conhecimento desse quinhão do globo encontra-se em recuo em relação à
datação oficial atribuída às Descobertas do Brasil e da América.
130
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95
A CAND, instituída em 1943 pelo Decreto-lei estadual n. 616, e que seguia o plano nacional de
colonização expresso na lei nº 3059, estabeleceu legalidade à exploração das terras na região,
quebrando o monopólio pertencente a Matte Laranjeira, de fins do século XIX, fazendo surgir
loteamentos que, mormente nos anos 40 do século XX, com o serpentino estender das rodovias e
paralelo expandir de culturas agrícolas, faria adensar a população regional não-índia (somente nos
anos 50 a população sulmatogrossense crescera em 611%) e, por conseqüência dos fatos,
aumentar os confrontos com os que estavam a povoá-la antes do “progresso”, com os invasores
que não pouparam violência em tomá-las. Enfraquecido o monopólio da Matte-Laranjeira, ganha
relevo uma especulação de terras sem precedentes, além da atividade pecuária extensiva. A
integralização do mercado interno e distender do desenvolvimento industrializante ganham
respaldo material e ideológico no interior “arcaizado” do país. Martins é quem lembra que a Cia.
Matte Laranjeira fora já denunciada por um jornal operário como praticante de trabalho escravo
na alvorada do século XX (A VOZ DO TRABALHADOR - Órgão da Confederação Operária
Brasileira, ano 4, n. 32, Rio de Janeiro, 1/6/1913, p. 1; citado por Martins, 1997, p. 83).
132
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Eis por que, para T. Lidz, a esquizofrenia – termo criado pelo psiquiatra
suíço Bleuler – seria o fracasso da adaptação humana. Disso depreende-se que a
educação “não-índia” não se propõe a libertar a mente e o corpo, tão-só a prendê-los aos
desígnios do capital; nem a torná-las criativas (ainda que com Q.I. elevado), se se
questiona o tipo de criatividade que se quer cultivar. Por poderem se internar em
espaços materiais e incorpóreos sem sofrer maiores recalques por isso, eram mais livres
as mentes e os corpos índios;
96
Basta lembrarmos que sabor remete a saber, experienciar e manejar o meio.
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Exemplo de que o mundo ou espaço do trabalho não pode ser entendido como totalmente
divorciado do espaço vivido, o espaço do além-trabalho ou o mundo do não-trabalho (RIBEIRO,
2001a; RIBEIRO; THOMAZ JR., 2002).
136
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Embora tenha presenciado uma cena em que um índio guarani fazia um preparado de ervas na
DEBRASA por encontrar-se adoentado, há que se ressaltar o fenômeno predominante na reserva
de Dourados de descrença para com os curandeiros e seus rituais (MEIHY, 1991); sendo, mesmo
na reserva, bastante comum a busca por medicamentos da sociedade dos “brancos”. Na
DEBRASA, índios adoentados por lidarem com veneno na lavoura ou com ferimentos
provocados por profundos cortes no manejo dos facões, comumente recorrem à farmácia na Vila
Industrial que mantém convênio com a empresa. Sendo os medicamentos descontados em 50% de
seu preço real nos ganhos dos índios; mas é quase certo que a miséria salarial que (se) chega
incorporaria e extrapolaria esse e outros “gastos” orçamentários.
99
A forma de estupro, comum na Reserva, é a feira, em que um grupo de cerca de 20 rapazes
perseguem e cercam a índia pelas plantações da reserva, sendo violentado o seu corpo pela ordem
da chegada na disputa.
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dólares, e internas), no final das contas, como efeito mais cruel em país de economia
periférica, com políticas clientelista e coronelista amparadas em tradições culturais e de
trabalho socialmente coisificado (escravidão direta), emerge o fenômeno de “semi-
escravidão”, escravidão por dívida, peonagem, ou escravidão não-salarial entre
“brancos” e “índios” no interior do país.
De tão complexo e multiforme, por motivo essencial da crise, o
capitalismo não deixa de praticar antropofagia a si mesmo, tendo menos do trabalho
formal para devorar. Nega-se, primeiramente, na especulação que segue à frente sem
importar-se com lastro produtivo a respaldá-la. Segundo, nas formas que assumem o
novo proletariado, trajado pelo dessalariamento, subproletarização, meta-salariamento e
desregulação trabalhista, que atrofia e especializa a clientela consumidora. Em terceiro
plano, operam processos de maquinação, informatização e robotização, despreocupados
com o relativo repasse médio dos ganhos, distributivos, que realimente o ciclo
reprodutivo, de forma espaçosa e cumulativa, como vaticinara o Lord Keynes, que
compreendia que o exagero na submissão engendraria o risco de subversão. E a não-
remuneração como espectro mais bárbaro, no quarto lugar, como escravidão capitalista
parcamente (ou não) assalariada100.
Hoje, não é assalariado todo trabalhador produtivo. O espaço monopolista
da atual fase imperialista refundou e refundiu os espaços numa feroz matriz de
desenvolvimento desigual e combinado, sobretudo no Brasil, mas também no restante
da América, como no continente africano e asiático; e mesmo nos países centrais há
casos de superexploração da força de trabalho sob forma não-salarial. Ainda que o
fenômeno possa não ser a regra, deve ser visto como substantivo à revisão de conceitos
e teorias. Apresentam-se mais multifacetadas as nuances do trabalho combinado, do
trabalho social total: produtivo e improdutivo, salariado, não-salariado e meta-salarial,
normatizado, informal ou desregulamentado.
O trabalho produtivo pode expressar-se como não-remunerado ou não-
assalariado, sem que deixe de estar fundeado ao processo de produção do valor, pela
esfera da produção/reprodução capitalista, permitindo asseverar que tanto o trabalho
produtivo como o improdutivo podem ser entronizados no complexo metabólico-
mimetizado de realização ampliada do capital-camaleão, produzindo valor por
mecanismos não convencionais. Não se tornam por isso, trabalho ou conteúdos de
modos de produção pré ou não-capitalistas ressuscitados contraditoriamente pelo
capital; são exclusivamente momentos estruturalmente absorvidos de modos de
produção passados, para movimentar a engrenagem do capital como estratagemas
ajustados ao rearranjo e à situação técnico-econômica de determinados setores e regiões
100
Ficou registrado que a maioria dos índios contatados recebiam, em média, de R$ 20 a 30/mês
no final do século passado. Além de comuns abusos, com “pagamentos” de R$ 1,50/mês a índios
da Reserva Horta Barbosa pela DEBRASA, sobretudo a guaranis que desconhecem o valor do
dinheiro e a cultura com a qual se relacionam.
140
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mais fragilizadas, menos controladas pelo Estado ou em que esse faz vistas grossas por
sustentar-se a partir desses parâmetros, em âmbito municipal ou regional. Ou seja, o
conflito capital-capital e capital-trabalho gera conflito intra-estatal, de
governabilidade101.
Um mais polimórfico trabalho abstrato encimado em valor rentista da
economia financeirizada, vimos que ocupando o posto central do valor-trabalho da
economia política clássica, rege e direciona os rumos do complexo metabólico-
mimetizado do capital na recém-traçada Terceira Revolução Industrial, projetando-se
superestruturalmente no terceiro pilar fundamental da sociedade: a relação entre os
diversos Estados nacionais.
Um capitalismo escorado em valor abstrato e rentista, mais voraz e de
curto prazo portanto, combina-se a processos de trabalho precarizados e mecanizados,
com emergência de maior concorrência e, por conseguinte, promoção de fusões
(oligopolização) que alteram a geopolítica internacional, não somente entre as empresas
como entre os Estados nacionais. O porquê de o Estado brasileiro pôr-se como
“território nacional da economia internacional”, de empresas transnacionais que
estampam sua governabilidade no lugar de muitos Estados que indispõem de tal
competência, com o conseqüente, mas não exclusivo, aumento da “pobreza nacional da
ordem internacional” (SANTOS, 2000, p. 74 e 76).
E embora venham se formando blocos regionais, como o europeu, o fato é
que as grandes diretrizes econômicas continuam a ser proferidas pela superpotência
solitária.
O fosso entre países ricos e pobres se alarga, as contra-tendências
opositoras ao modo de vida global do capital insurgem nas muitas facetas críveis, como
movimentos sociais organizados, de direitos sociais e ambientais, oficiais ou não e
agremiações clandestinas e terroristas de contraposição ao poder que se rearruma
unilateralmente no mundo.
A lógica e a racionalidade do capital, que desprezam os nexos territoriais,
as identidades e as determinações locais, não conseguem por outro lado, esquivar-se a
esses conflitos.
Altamente degradante e insaciável que é, quer ambiental ou socialmente,
o capitalismo rompeu os portais do novo milênio com veemência por maior carestia de
insumos e matérias-primas.
Qual nuvem de gafanhotos, projeta-se por sobre territórios para deles
extrair o que puder de recursos naturais e econômicos, matérias-primas e valor abstrato
101
Questão que pode também ser notada no conflito entre setores econômicos formal e informal,
como o verificado recentemente com os produtos “piratas”, a questão da legalização ou proibição
dos bingos ou, de maneira mais marcante, no cultivo de plantas transgênicas, em que alguns
governos estaduais (caso do paranaense) resolveram afrontar as pressões empresariais por conta
de uma visão de mercado mais ampla, resguardando-se à fatia do mercado já pronunciada adepta
de produtos agrícolas livres de modificações genéticas (Europa e China).
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102
O próprio Marx (1999, p. 29) não nos deixa esquecer “que o direito da força é também um
direito, e que o direito do mais forte sobrevive ainda sob outra forma em seu ‘Estado de Direito’”.
103
Não causa espanto a informação noticiada na imprensa escrita de a Agência Central de
Inteligência norte-americana (CIA) prestar serviços de informação e logística às multinacionais
desse país, redimensionando sua geoestratégia na guerra econômica global. Nos últimos tempos, a
mídia nacional tem demonstrado receio com a presença de americanos em propriedades de agro-
negócio no país, porque, com a possibilidade de ultrapassagem dos níveis das colheitas pela
concorrência, não seria de se estranhar a introdução de agentes biológicos e pragas nas lavouras.
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O próprio Henry Kissinger, ex-chanceler de Nixon e Ford, criticava o ato de investir-se em
sistemas de armamentos, “guerra nas estrelas” ou garantias sociais às custas das dívidas externas
de países pobres, especialmente os latino-americanos, dizendo ser necessário um “Plano
Marshall” para a região, para que o capitalismo desses países não se enfraquecesse, criando
perigos reais às economias centrais. Ainda que, como creu Kissinger, a figura de Fidel não tenha
saído fortalecida e nem a revolução exportada, os perigos de crise global acentuaram-se.
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Na legislação que vigora, a desapropriação consta como medida punitiva a agricultores que
flagrados plantando maconha em suas propriedades, ficando de fora os casos que envolvem
trabalho escravo. Tramita no governo a inserção na Carta Magna da escravidão como fenômeno
punível de desapropriação.
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“A concepção de omnilateralidade do homem centra-se na apreensão do homem enquanto
totalidade histórica que é, ao mesmo tempo, ‘natureza’, individualidade e, sobretudo, relação
social. Uma unidade na diversidade física, psíquica e social; um ser de necessidades imperativas
(mundo da necessidade material) em cuja satisfação se funda suas possibilidades de crescimento
em outras esferas (mundo da liberdade)”. (FRIGOTO, 1999, p. 148).
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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
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6. Referências
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Capital e trabalho. Rio de Janeiro: Rio Fundo, 1991, p. 31-35.
EMPRESAS mantêm trabalho escravo no MS. Adultos e crianças devem aos patrões
mais do que recebem; destilaria cobra até por banho de rio. Folha de São Paulo, São
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FERNANDES, F. A revolução burguesa no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.
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GOLDMANN, L. Estruturalismo, marxismo, existencialismo. In: Debate sobre o
estruturalismo. São Paulo: Documentos, p. 54-77, 1968.
GORENDER, J. O escravismo colonial. São Paulo: Ática, 1978.
. A escravidão reabilitada. São Paulo: Ática, 1990.
HARVEY, D. Los límites del capitalismo y la teoría marxista. México: Fondo de
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. Condição pós-moderna. Ipiranga: Loyola, 1993.
. La geografía del poder de clase. México: Viento del Sur, n. 14, p. 49-72,
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KOSIK, K. A dialética do concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.
LA BOÉTIE, E. Discurso da servidão voluntária. São Paulo: Brasiliense, 1982.
LAFARGUE, P. O direito à preguiça. Introdução de Marilena Chauí, São Paulo:
Hucitec/UNESP, 1999.
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. Para compreender o pensamento de Karl Marx. Lisboa: Edições 70, 1981.
. Lógica formal, lógica dialética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995.
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1. INTRODUÇÃO
*
Este texto, é uma versão do segundo capítulo da dissertação de mestrado “Nas Ondas do Rádio:
a viabilização da Modernização Agrícola no Oeste do Paraná (1960-1980)”, desenvolvida junto
ao Programa de Mestrado em Geografia da Universidade Estadual de Maringá (UEM), sob
orientação do Professor Antonio Thomaz Júnior.
**
Professora do Curso de Geografia da UNIOESTE – Câmpus de Marechal Cândido Rondon;
mestre em Geografia; doutoranda em Geografia, junto ao Programa de Pós-Graduação em
geografia da FCT/UNESP/SP, sob orientação do professor Antonio Thomaz Júnior; membro do
Grupo de Pesquisa “Centro de Estudos de Geografia do Trabalho” (CEGeT). E-mail:
marlisch20@hotmail.com
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Sobre exportação de gêneros alimentícios e escassez de produtos básicos como feijão, arroz,
entre outros, consultar: SANTOS, Carlos Roberto Antunes dos. História da alimentação no
Paraná. Curitiba: Fundação Cultural, 1995.
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caráter destrutivo do capital, pelo quais relações metabólicas sob controle do capital não
só degradam a natureza, levando o mundo à beira da catástrofe ambiental” (ANTUNES,
2002, p. 205).
Através de programas governamentais, foram realizadas ações
direcionadas, principalmente, ao desenvolvimento agrícola e industrial. De acordo com
a fala dos migrantes, estes foram atraídos para a região, a partir de promessas como a de
se tornarem proprietários de áreas maiores108.
Para esclarecer algumas questões relacionadas a este processo, é
importante apresentar resumidamente o contexto histórico da colonização de Marechal
Cândido Rondon. Com isto, identificam-se os discursos que atuaram no início da
ocupação da região. Entre eles, destaca-se a necessidade de “fabricar” uma ação coletiva
para nacionalizar áreas de fronteiras, povoando os “vazios demográficos”, incentivando
a migração para o Oeste e fomentando, desse modo, a ocupação através de empresas
privadas de colonização, tais como a MARIPÁ. Com tal estratégia, buscava-se
desenvolver a produção de bens a serem destinados ao comércio, tendo como foco
principal a produção com base na pequena propriedade e na policultura.
Contudo, é também discursivamente que se introduz paulatinamente o
abandono da policultura em benefício da especialização, ou seja, um discurso
direcionado a atender os anseios do mercado internacional, incutindo, estrategicamente,
a necessidade de tornar o Oeste um celeiro do Brasil. “A chegada na região em grande
quantidade de migrantes gaúchos e catarinenses, já prevista pelo Estado Novo, haveria
de se concretizar nas décadas de 50 e 60. A década de 50 foi à época do grande ‘boom’
migratório sulista para a região Sudoeste e Oeste do Paraná” (WACHOWICZ, 1985, p.
155).
Quanto às inovações técnicas, as mesmas foram implantadas na
agricultura do Extremo Oeste do Paraná de forma mais intensa na década de 1970.
Como será identificado nos discursos jornalísticos, estes foram aperfeiçoamentos
técnicos induzidos, isto é, planejados e implantados com apoio externo. Com isso
detectou-se que, foi subtraída “[...] Uma sociabilidade tecida por indivíduos [...] sociais
e livremente associados, na qual ética, arte, filosofia, tempo verdadeiramente livre e
ócio, em conformidade com as aspirações mais autênticas, suscitadas no interior da vida
cotidiana, possibilitem as condições para a efetivação da identidade entre indivíduo e
gênero humano, na multilateralidade de suas dimensões” (ANTUNES, 2002, p. 177)
Na manchete intitulada “Atividades Administrativas”, observa-se a
mescla inicial entre técnicas vinculadas à policultura, tais como carroças e bois,
dividindo espaço com caminhões e “patrolas”. O destaque cristaliza-se na relação
108
Sobre este tema, consultar o trabalho com fontes orais de MACCARI, Neiva Salete Kern.
Migração e memórias : a colonização do Oeste Paranaense. Curitiba, 1999. Dissertação
(Mestrado em História) – UFPR.
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Para obter mais informações sobre as técnicas desenvolvidas pelos migrantes sulistas no Oeste
do Paraná, consultar: MÜLLER, Keith Donald. Colonização pioneira no sul do Brasil : o caso de
Toledo, Paraná. Boletim Brasileiro de Geografia, Rio de Janeiro, v.48, n. 1, p. 83-139, jan./mar.
1986.
110
Sobre as atividades desenvolvidas em cultivos tradicionais, consultar: OBERG, Kalervo.
Toledo : um município da fronteira Oeste do Paraná. Rio de Janeiro: s.e., 1960.
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no campo. Esta foi a fórmula adotada para justificar a necessidade de ampliação da rede
elétrica na região. A adoção dessas medidas recebeu os reforços discursivos dos
“homens públicos”, sendo que um número expressivo de pedidos receberia maior
atenção e rapidez e tornaria o município, o primeiro a ser beneficiado com o programa.
Com a concretização do empreendimento, abrir-se-iam inevitavelmente as portas do
“progresso”. Neste contexto nasceram
Nos primeiros anos quando nós viemos prá cá, nem rádio não
tinha [...]. Depois a gente conseguiu o rádio [...]. Isso muda, hoje
em dia tem muita gente que fala, porque não tem dinheiro é ruim;
só que hoje nós temos carro, temos televisão, temos geladeira,
congelador, tem banheiro em casa, tem luz, tudo isso [...]. Aqui
custa, aí que vai o nosso dinheiro, mas nós tamos cômodos,
tamos vivendo bem [...]. (D, 05 mar. 1996, grifos nossos)
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A definição tratando as propriedades enquanto pequena, média e grande é baseada em critérios
regionais.
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Ao conceder o crédito rural, o Banco do Brasil define uma espécie de tipologia de produtores,
de acordo com a Resolução nº 2.164, de 19.06.95: “O beneficiário classifica-se como: a)
miniprodutor – quando não contar com renda agropecuária bruta anual superior a R$ 7.500,00
(sete mil e quinhentos reais); b) pequeno produtor – quando, superado o parâmetro indicado na
alínea anterior, não contar com renda agropecuária bruta anual superior a R$ 22.000,00 (vinte e
dois mil reais); c) demais produtores – quando contar com renda agropecuária bruta anual
superior a R$ 22.000,00 (vinte e dois mil reais)”.
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Entende-se por agricultura moderna a fase agrícola que se caracteriza pelo uso
intensivo, em nível das unidades produtoras, de insumos industriais – máquinas, equipamentos e
produtos químicos – bem como a utilização de métodos e técnicas de preparo e cultivo do solo, de
tratos culturais mais sofisticados [...]. Modernização da agricultura é o processo de mecanização e
tecnificação da lavoura (BRUM, 1983, p. 89).
O processo de tecnificação agrícola veio acompanhado pela instalação de
indústrias. No município de Marechal Cândido Rondon, uma delas é a CIROSA que
adquiria a produção de soja da região. A referida indústria mantinha um canal aberto
junto à emissora para divulgar suas estratégias de compra e venda de produtos agrícolas.
Com o avanço das técnicas de criação de suínos, ocorreu a instalação do Frigorífico
Rondon.
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Com tais medidas o agricultor não poderia, por exemplo, arar a terra na
qual se encontrava a plantação comprometida sem a visita e posterior liberação dos
técnicos. Com o passar do tempo, a situação foi se agravando: o agricultor pagava as
parcelas e, durante cinco anos, poderia ser cobrado novamente, caso tivesse extraviado
os comprovantes de pagamento.
De uma forma incisiva, o discurso reafirmava o valor do trabalho,
atribuindo à crise gerada pelas geadas uma dimensão divina (“dádiva de Deus”?).
Contudo ressaltava a necessidade de continuar as atividades, pois bate-papo nos bares
não seria a solução. Com tal abordagem sobre a questão, o noticiário reafirmava sua
influência e apresentava o comportamento considerado ideal: trabalhar mais para
compensar as perdas ocorridas na lavoura.
4. DESMATAMENTO E PROGRESSO
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5. Referências
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Editorial Centelha
(CEGeT)
Outras Publicações
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Próximos Lançamentos
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