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Helbert Michel Pampolha de Oliveira

Graduando em Geografia. Bolsista PIBIC/CNPq


Universidade Federal do Pará
E-mail: helbertmichel@live.com

Saint-Clair Cordeiro da Trindade Júnior


Professor Titular do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos. Bolsista PQ 1-D/CNPq
Universidade Federal do Pará
E-mail: stclair@ufpa.br

A AMAZÔNIA E O MEIO TÉCNICO-CIENTÍFICO INFORMACIONAL:


LEITURAS DA OBRA DE MILTON SANTOS

INTRODUÇÃO

Cidadão do mundo, Milton Santos (1926-2001) foi um geógrafo e intelectual


responsável por dar visibilidade à Geografia brasileira e colocar o pensamento dessa
ciência no centro do pensamento social brasileiro (ELIAS, 2002), tendo em vista o
competente e refinado legado deixado para as ciências humanas e sociais.
Sua obra é composta por 40 livros, 15 trabalhos de editoria, 21 publicações
menores e algo em torno de 380 artigos científicos, além de várias entrevistas,
apresentações, prefácios e matérias de jornal (GRIMM, 2011), sendo que a maioria foi
produzida ao longo da segunda metade do século XX.
Em relação à organização da obra miltoniana, afirma-se que ela pode ser
estruturada em três principais conjuntos de preocupações do autor, a saber: a) estudos
ligados à Bahia1, produzidos no início de sua vida acadêmica ao longo dos anos 1950 e
início dos anos 1960; b) construção de uma “metageografia2”, em que o autor procura

1
De acordo com o Santos (2000), são frutos dos seus estudos sobre a Bahia as seguintes obras: “O
povoamento da Bahia”, de 1948; “Estudos sobre Geografia”, de 1953; “Os estudos regionais e o futuro da
Geografia”, de 1953, “Zona do cacau”, de 1955; “Estudos de Geografia da Bahia”, de 1958; “Localização
industrial”, de 1958; “A cidade como centro de região”, de 1959; “A rede urbana do Recôncavo”, de
1959; e o resultado de sua tese de doutorado, “O centro da cidade do Salvador”, de 1959.
2
Para Contel (2014), quatro grandes obras sintetizam bem a construção da “metageografia” de Milton
Santos ao longo de sua trajetória, a saber: “O trabalho do geógrafo no terceiro mundo”, de 1971, “Por
uma Geografia nova”, de 1978, “Metamorfoses do espaço habitado”, de 1988, e, finalmente, a sua obra
magistral “A natureza do espaço”, de 1996.
aprofundar o debate teórico da disciplina; e c) urbanização e cidadania no território
brasileiro3 (GRIMM, 2011a; CONTEL, 2014).
Tendo em vista essas preocupações, um amplo esforço de sistematização e de
teorização foi realizado pelo geógrafo baiano ao longo de sua trajetória, que aqui se
apresenta resumidamente em quatro grandes contribuições teóricas: a) o espaço como
instância social; b) os circuitos da economia urbana; c) a globalização do espaço e o
meio técnico-científico-informacional; e d) o espaço como condição de cidadania.
Ainda que a Amazônia não seja um dos focos centrais na obra de Milton Santos,
várias de suas contribuições, sobretudo as de ordem teórica, ajudam analisar e
compreender, em grande medida, a dinâmica recente que caracteriza essa região. Isso
porque o geógrafo baiano se colocou à sociedade como um intelectual comprometido e
preocupado com questões relacionadas à urbanização e ao subdesenvolvimento dos
países do terceiro-mundo, em especial do Brasil.
Dessa forma, considera-se haver um lugar para a Amazônia na leitura e na
interpretação das espacialidades por meio das quais esse geógrafo buscou entender o
mundo contemporâneo, e aqui, trabalha-se com a hipótese de que a região amazônica,
como parte dessa realidade dos países subdesenvolvidos estudada pelo referido autor,
não lhe escapou o olhar analítico.
Assim, no intuito de compreender a dinâmica atual das relações que têm
marcado o espaço amazônico, tem-se como objetivo analisar e compreender o papel
reservado à Amazônia e sua problematização enquanto região na discussão empreendida
por Milton Santos acerca da configuração do meio técnico-científico informacional no
mundo globalizado.
Os procedimentos metodológicos utilizados para o empreendimento deste
trabalho, aqui parcialmente sistematizado, foram: a) levantamento e sistematização
biográfica e do memorial acadêmico/intelectual do autor; b) levantamento dos livros em
que Milton Santos se volta à discussão da globalização e do meio técnico-científico
informacional, tais como Santos (2008 [1978], 2014a [1985], 2014b [1988], 2013a

3
Em relação às preocupações de Milton Santos ligadas à urbanização e à cidadania no Brasil, destacam-
se as seguintes obras: “O espaço do cidadão”, de 1987, “Metrópole corporativa fragmentada”, de 1990,
“A urbanização brasileira”, de 1993, “Por uma economia política da cidade”, de 1994, e “O Brasil:
território e sociedade no início do século XXI”, de 2001 (CONTEL, 2014).
[1993], 2013b [1994], 2012 [1996]) e Santos e Silveira (2011 [2001]); e c) definição do
corpus da pesquisa através do levantamento das produções miltonianas que referenciam
a Amazônia na teoria sobre o meio técnico-científico informacional e a globalização,
tendo sido identificadas as seguintes: Santos (1982, 1995, 2013a [1993], 2013b [1994])
e Santos e Silveira (2011 [2001]).

A AMAZÔNIA NA LEITURA MILTONIANA DO MEIO TÉCNICO-


CIENTÍFICO INFORMACIONAL NO MUNDO GLOBALIZADO

“Esse meio técnico, científico e informacional está presente em todas as partes, mas suas dimensões
variam de acordo com continentes, países, regiões: superfícies contínuas, zonas mais ou menos vastas,
simples pontos”
(SANTOS, 2013b [1994], p. 48).

“Mesmo onde se manifesta pontualmente, ele assegura o funcionamento dos processos encadeados a que
se está chamando de globalização”
(SANTOS, 2012 [1996], p. 240)

Meio técnico-científico informacional e região

Ao refletir sobre a universalidade atual do fenômeno regional, Milton Santos


critica algumas teses pós-modernas que postulam a negação e mesmo a falência da ideia
de região sob a justificativa de que a expansão da fronteira econômica capitalista estaria
eliminando as diferenciações regionais. Contrário a esta posição, o geógrafo baiano
afirma que “nenhum subespaço do planeta pode escapar ao processo conjunto de
globalização e fragmentação, isto é, individualização e regionalização” (SANTOS, 2012
[1996], p. 246).
Se o espaço se torna uno para atender às necessidades de uma produção globalizada, as
regiões aparecem como as diferentes versões da mundialização. Esta não garante a
homogeneidade, mas, ao contrário, instiga diferenças, reforça-as e até mesmo depende
delas. Quanto mais os lugares se mundializam, mais se tornam singulares e específicos, isto
é, únicos (SANTOS, 2014b [1988], p. 53).

Percebe-se, dessa forma, que as transformações mundiais, características desse


tempo acelerado imposto pelo processo de globalização, acentuam a diferenciação dos
eventos, ampliam a divisão do trabalho e reafirmam as diferenciações regionais,
implantando nos lugares novos objetos geográficos que, além de estarem imbuídos de
altas cargas técnicas e científicas, são portadores de informações alienantes que
articulam espaços de ordens diversas (SANTOS, 2012 [1996]).
Nesse contexto, as regiões são consideradas como suporte e condição
necessários à realização de relações econômicas, culturais e políticas em nível global
(SANTOS, 2012 [1996]) e a expansão desse meio técnico-científico informacional,
realizada por intermédio de uma tecnoesfera – esfera técnica responsável por modificar
os conteúdos do lugar – e de uma psicoesfera – esfera dos valores e comportamentos
que embasam a expansão da técnica – (SANTOS, 2013a [1993]), permite o avanço do
capital hegemônico através de objetos geográficos que são implantados nos territórios
de acordo com uma intencionalidade no mais das vezes mercantil (SANTOS, 2013b
[1994]).
É nesse contexto que o estudo regional assume importante papel nos dias atuais, com a
finalidade de compreender as diferentes maneiras de um mesmo modo de produção
reproduzir-se em distintas regiões do globo, dadas as suas especificidades. A região torna-
se uma importante categoria de análise, importante para que se possa captar a maneira
como uma mesma forma de produzir se realiza em partes específicas do planeta ou dentro
de um país, associando a nova dinâmica às condições preexistentes (SANTOS, 2014b
[1988], p. 53).

Reconhecendo a importância do estudo da região e apoiados na leitura da


expansão do meio técnico-científico informacional no território brasileiro na aurora do
século XXI, Santos e Silveira (2011 [2001]) empreendem uma contribuição muito
importante à interpretação geográfica do Brasil, propondo uma regionalização que
revela a existência de “quatro Brasis”: “uma Região Concentrada, formada pelo Sudeste
e pelo Sul, um Brasil do Nordeste, do Centro-Oeste e da Amazônia” (SANTOS,
SILVEIRA, 2011 [2001], p. 268).
O reconhecimento desses “quatro Brasis”, por sua vez, perpassa pela difusão dos
sistemas técnicos no território nacional, fato que demarca a diferenciação regional e a
dinâmica que tem definido as regiões brasileiras e seus papeis na Divisão Territorial do
Trabalho, sendo possível reconhecer uma verdadeira “geografia das desigualdades
técnicas”, traduzidas em zonas de densidade e rarefação técnica, espaços “opacos” e
espaços “luminosos”, “regiões do mandar” e do “fazer” (SANTOS; SILVEIRA, 2011
[2001]).
Tal contribuição miltoniana, entre outras, sugerem importantes elementos para
situar a Amazônia no contexto territorial brasileiro, sobretudo no que diz respeito à sua
dinâmica interna, que tem sido, mesmo que timidamente, incorporada aos processos
globais.
Por essa razão, cumpre aqui identificar e analisar a leitura de Milton Santos
acerca do papel que a região amazônica desempenha na configuração do meio técnico-
científico informacional, entendendo-a como uma formação socioespacial (SANTOS,
2005) que, mesmo se caracterizando enquanto expressão pontual desse meio geográfico
da atualidade (SANTOS; SILVEIRA, 2011 [2001]), ainda assegura o funcionamento de
processos encadeados no mundo globalizado.

Amazônia e meio técnico-científico informacional

No contexto das obras de Milton Santos que foram revisadas para o


empreendimento deste trabalho, percebem-se referências à Amazônia que em muito
contribuem para o entendimento da sua atual dinâmica e do seu papel em face do
mundo globalizado.
Dessa forma, têm-se referências à Amazônia como zona aberta à colonização
(SANTOS, 1982), com baixa densidade demográfica e econômica e como um espaço
em que a modernização do território se deu de forma não homogênea (SANTOS, [1993]
2013a). Amazônia também é vista pelo autor em referência enquanto uma região de
baixas densidades técnicas, propícia à implantação de sistemas técnicos que atendam a
economia moderna (SANTOS, [1994] 2013b, 1995); reforçando a ideia das rarefações
demográficas e onde a presença do meio técnico-científico informacional se dá de
maneira pontual (SANTOS; SILVEIRA, [2001] 2011)...
As transformações espaciais relacionadas à modernização do território brasileiro
não só acarretaram uma acentuação da diferenciação regional, como também uma
diferenciação intrarregional, dada a forma não homogênea pela qual o referido processo
de modernização se deu sobre os diversos espaços do conjunto regional amazônico,
conforme aponta Trindade Jr. (2010), que em muito se inspirou nas contribuições de
Milton Santos em suas análises.
Tal diferenciação intrarregional do espaço amazônico reflete a forma desigual e
combinada que a difusão da modernidade do presente, isto é, o meio técnico-científico
informacional e seus elementos, expandiram-se ao longo do território brasileiro
(SANTOS e SILVEIRA, 2011 [2001]) e Milton Santos, mesmo não tendo a Amazônia
como um dos focos centrais de suas pesquisas, mostrava-se preocupado com a realidade
desta região, seja por meio de contribuições indiretas e de ordem mais teórica, seja por
meio de textos voltados diretamente para as questões geográficas amazônicas.
Em um dos dois trabalhos publicados especificamente sobre a realidade
amazônica, Santos (1982) procurou compreender a organização socioespacial do, à
época, recém-criado Estado de Rondônia. Nesse sentido, concebeu a Amazônia como
uma região aberta à colonização, um espaço em que o “novo” tende a sobrepor-se ao
“velho”, dada a incipiência demográfica e técnica do seu território. Mas o que seria, à
realidade amazônica, esse “novo” e esse “velho” para o autor?
Aponta Milton Santos (1982, p. 74, grifo nosso) que:
Nesse contexto, o velho, na região, são também os grupos índios e as suas formas
particulares de organização social, econômica e do espaço. Eles constituem, desse modo,
um obstáculo “natural” à expansão do capitalismo (...) o velho é, sobretudo, o domínio das
relações sociais (...) as velhas formas de povoamento.
O novo é essencialmente representado pelas comunicações, pelos mecanismos de captura
da acumulação, primitiva ou não (...), pelo transporte aéreo. Novo também permeia, a
níveis diversos, a produção para exportação.

Percebe-se que, ao classificar o “velho” na Amazônia, Santos (1982) assinala


que ele se constitui como um obstáculo “natural” à expansão das relações capitalistas,
uma vez que estas estariam materializadas no território amazônico através de formas e
relações típicas da modernidade do momento, representadas pelos avanços da
comunicação, pelo desenvolvimento do transporte aéreo, bem como a produção para
exportação (SANTOS, 1982).
Todavia, há que ressaltar que essa modernização do território, fortemente
influenciada pela ação do Estado, sobretudo a partir da década de 1960, não se deu de
maneira homogênea na Amazônia (SANTOS, 2013a [1993]), criando um novo perfil de
rede urbana regional que colocou em questão a estrutura rígida da rede urbana pré-
existente (TRINDADE JR., 2010), tendo em vista a relativização do papel dos rios em
virtude da abertura das rodovias, que rasgaram o território amazônico, reorganizando
profundamente os padrões de ordenamento de parcela considerável dessa região.
A alteração do perfil das cidades amazônicas refletiu no surgimento de núcleos
urbanos voltados mais ao atendimento de demandas externas do que propriamente da
região, como é o caso das “cidades na floresta”, concebidas para servir de base logística
para grandes projetos econômicos instalados ao longo da segunda metade do século XX
e que, segundo Trindade Jr. (2010, p. 120), “expressam por excelência elementos do
meio técnico-científico informacional e da modernização do território” na Amazônia
(TRINDADE JR., 2010).
Nessas cidades, e acompanhando o raciocínio de Santos (1982), o “novo” tende
a se sobrepor ao “velho” e quando este não coopera ao estabelecimento do primeiro, a
lógica capitalista, responsável pela difusão do meio geográfico da atualidade, sugere sua
eliminação. Porém, quando são mantidos, o que se têm são verdadeiras situações de
tensão e/ou conflito, representando as “diferentes geografizações das variáveis inerentes
à nova maneira de produzir” (SANTOS, 2014b [1988], p. 53).
Exemplo característico dessas geografizações diversas provocadas pelo período
atual pode ser observado em relação aos tradicionais trapiches que compõem a
paisagem ribeirinha das cidades amazônicas e os modernos sistemas portuários
instalados para atender aos ditames de uma economia globalizada. Enquanto os
primeiros são frutos de uma solidariedade orgânica, fundadas na copresença e na
produção de relações horizontais4, os grandes portos modernizados caracterizam-se por
relações organizacionais e verticais5, frequentemente estranhas ao espaço local e
voltadas à produção da mais-valia mundial.
As mudanças provocadas pela dialética existente entre o “novo” e o “velho”,
bem como entre o “interno” e o “externo” – quase sempre reguladas pelo Estado em
favor do mercado –, variam de lugar para lugar (SANTOS, 1982). Na Amazônia, tendo
em vista sua condição de região de “baixas densidades” e as suas potencialidades
naturais, todo objeto geográfico, segundo Santos (1995), já surge como um “grande

4
Relações espaciais que se dão através da interação entre pontos contíguos no território (SANTOS, 2012
[1996]).
5
Relações entre pontos distantes do território que asseguram o funcionamento global da sociedade e da
economia (SANTOS, 2012 [1996]).
objeto”, dotado de intencionalidades estranhas ao local e que, por sua vez, são
responsáveis por redefinir relações e mudar o conteúdo do território, articulando-o a
espaços diferenciados e distantes.
É o que Santos (1995, 2013b [1994]) discute quando reflete a lógica trazida
pelos “grandes objetos” a uma região como a amazônica:
quando nos dizem que as hidrelétricas vêm trazer para o país e para uma região, a esperança
de salvação da economia, da integração do mundo, a segurança do progresso, tudo isso são
símbolos que nos permitem aceitar a racionalidade do objeto que, na realidade, vem
exatamente destroçar a nossa relação com a natureza e impor relações desiguais (SANTOS,
1995, p. 15-16).

De acordo com o geógrafo baiano, tais objetos são portadores de um discurso


alienante que justifica sua localização pela intencionalidade que trazem consigo, tanto
mercantil quanto simbólica, sugerindo aos habitantes autóctones da região uma
mudança ilusoriamente positiva, repassada por meio da ideia de modernidade, de
progresso e crescimento econômico (SANTOS, 1995, 2013b [1994]).
Ademais, a necessidade de “traduzir” esses grandes objetos técnicos faz com que
as cidades acolham um grande número de profissionais qualificados para lidar com a
funcionalidade técnica desses elementos, tendo em vista que, conforme aponta Santos
(1995, p. 16) “os objetos técnicos funcionam apenas à base das informações que
recebem dos centros de comando, sejam onde estiverem esses comandos e esses
objetos”.
A nova composição orgânica do território amazônico, por sua vez, serve como
suporte, meio e condição à realização da globalização dos processos econômicos que
são responsáveis por interligar os diversos pontos do espaço unificados pela técnica.
Técnica esta que está inserida nos objetos geográficos sob a forma de intencionalidades.
Dessa maneira, as fortes densidades técnicas que são atribuídas às regiões da atualidade
são concebidas e materializadas de modo a atender aos interesses dos grandes agentes
hegemônicos (SANTOS, 1995, 2013b [1994]; SANTOS e SILVEIRA, 2011 [2001]).
Destaque merece ser dado às novas estruturas que são montadas no território
amazônico para atender a empresas ligadas a atividades globalizadas, tais como os
agronegócios, responsáveis por reafirmar o papel da Amazônia na Divisão Territorial do
Trabalho enquanto “região do fazer”, conforme indica Santos (1995, p. 17, grifo nosso):
Naquelas regiões onde o sistema de objetos e o sistema de ações é menos denso, aí está o
centro do poder. Naquelas outras onde o sistema de objetos e o sistema de ações é menos
complexo e menos inteligente, aí está a sede da dependência, da incapacidade de dirigir a
si mesmo. Região significa reger, mas, hoje, há cada vez mais regiões que são apenas
regiões do fazer, e cada vez menos, regiões do mandar, regiões do reger. Aquelas que são
regiões do fazer são cada vez mais regiões do fazer para os outros.

Observa-se, portanto, o papel atribuído à Amazônia na leitura miltoniana sobre a


configuração do meio técnico-científico informacional, revelando o seu papel na
Divisão territorial do Trabalho assumido pela mesma região no contexto das relações
globais de produção (SANTOS e SILVEIRA, 2011 [2001]).
A dinâmica globalizada imposta à região amazônica provocou, sem dúvida, um
movimento em que as solidariedades organizacionais (o novo, o externo) tendem a
substituir as solidariedades orgânicas (o velho, o interno), ou mesmo incorporá-las a
essa nova racionalidade que se mostra hegemônica (SANTOS, 1982; TRINDADE JR.,
2010).
Antes, os diversos elementos de uma área se relacionavam onde estavam e sua unidade se
dava por meio de trocas de energia. Hoje, eles entram em relação de uma organização e esta
lhes é cada vez mais estranha. Antes, a organização da vida era local, próxima ao homem;
hoje essa organização é, cada vez, mais longínqua e estranha. Antes, a sua razão era a
própria vida, hoje é uma racionalidade sem razão, sem objetivo, sem teleologia, que
comanda a existência dos homens e a evolução dos espaços (SANTOS, 1995, p. 18).

Muito embora, na Amazônia, a inteligência se realize sobre a natureza e as


possibilidades de comando desta e do destino dos homens que sobre ela vivem sejam
menores, cabe estabelecer um enfrentamento que recupere o comando da vida local e
sua evolução. Nesse sentido, Santos (1995, p. 19) sugere a concepção de uma nova
planificação do espaço regional, ressaltando ele que “tudo começa pelo comando do
mundo e se amplia pelo conhecimento do lugar”, resultando daí a possibilidade de ação;
uma ação subversiva, produtora de contrarracionalidades, de novas horizontalidades.

PARA NÃO CONCLUIR: EM BUSCA DE NOVAS HORIZONTALIDADES...

Conhecendo os mecanismos do mundo, percebemos


porque as intencionalidades estranhas vêm se instalar em um dado lugar,
e nos armamos para sugerir o que fazer no interesse social (SANTOS, 1995, p. 19).

Embora a Amazônia seja considerada como a “região das baixas densidades”


(demográfica, econômica e técnica), observou-se que ela desempenha um papel de
suporte para o desenvolvimento das relações ligadas à economia moderna; estas que
frequentemente se apropriam das potencialidades que o espaço possui para viabilizar
seus interesses (mercantis). A implantação de infraestruturas destoantes em relação à
realidade amazônica, os “grandes objetos” (SANTOS, 1995), é um exemplo claro desse
processo.
Desta forma, novos objetos, portadores de informações e discursos
hegemônicos, são inseridos na dinâmica espacial da Amazônia e são responsáveis por
“lançar” uma malha técnica que acaba reforçando a seletividade dos lugares para
atender aos ditames da ordem hegemônica, tornando a região amazônica cada vez mais
em “região do fazer” (SANTOS, 1995; RODRIGUES, 2010).
Ademais, aponta-se que, ao se realizar em um espaço como o amazônico, o
processo de globalização (frequentemente portador do “novo”) desconsidera as
particularidades e singularidades previamente existentes no território, fato que nos leva
a pensar que qualquer forma de enfrentamento contra hegemônico deva,
primordialmente, partir desses agentes, afrontados por aquele processo homogeneizante.
Com base nesta leitura, defende-se que a informação que aliena e subordina as
regiões deva ser utilizada para “descobrir os caminhos possíveis para harmonizar os
interesses locais com os vetores da modernidade” (SANTOS, 1995), de modo a sugerir
novas possibilidades na busca de novas horizontalidades, contrarracionalidades... de
ações que se realizem em prol dos interesses locais e elaborem uma outra planificação
(contra hegemônica) do espaço regional.
Assim como as contribuições miltonianas acerca do papel da Amazônia
enquanto região na configuração do meio técnico-científico informacional no mundo
globalizado são importantes por revelarem processos hegemônicos que se instalam e
(des)estruturam os lugares, ao mesmo tempo ela é capaz de fornecer subsídios para que
sejam pensadas novas formas de horizontalidades enquanto alternativa contra a
hegemonia imposta à região.

REFERÊNCIAS
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do Brasil: clássicos, rebeldes e renegados. São Paulo: Boitempo Editorial, 2014. p. 393-
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ELIAS, Denise. Milton Santos: a construção da Geografia cidadã, Scripta Nova,
Barcelona, vol. VI, num. 124, 2002, não paginado. Disponível em:
<http://www.ub.es/geocrit/sn-124/.htm>. Acesso em 17 Jun. 2016.
GRIMM, Flávia. Aspectos da produção teórica e da organização do arquivo de
documentos do geógrafo Milton Santos. Revista do Instituo de Estudos Brasileiros, São
Paulo, n. 52, 2011, p. 165-182.
RODRIGUES, E. B. Território e soberania na globalização: Amazônia, jardim de
águas sedento. 2010. 402 f. Tese (Doutorado em Geografia Humana), Programa de Pós-
Graduação em Geografia Humana, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.
SANTOS, M. Organização do espaço e organização social: o caso de Rondônia. Boletim
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______. Técnica, espaço, tempo: globalização e meio técnico-científico informacional.
5. ed. São Paulo: EDUSP, 2013b [1994]. 176 p. (Coleção Milton Santos, 11).
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