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FACULDADE DE COMUNICAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO
Brasília – 02/2003
A relevância da teoria das representações sociais
para as pesquisas em comunicação de massa
2
DEDICATÓRIA
3
AGRADECIMENTOS
À toda minha família − pais e sogros, irmão e cunhados −, pelo apoio, pela torcida, pela
confiança, sempre.
Aos professores do mestrado, pelo incentivo.
Aos colegas do mestrado, em especial, à Rafiza e à Janara, por seus ombros amigos.
À Regina e ao Luciano, pela paciência e disponibilidade.
Ao Marcelo, por seu companheirismo pela ajuda na revisão.
Ao Mário Bispo, pelas conversas inspiradoras.
Ao Wagner Rizzo, por sua amizade.
À Giana, por seu sorriso contagiante, pelo café, pela torcida e pelas conversas
deliciosas.
À Capes, pelo apoio financeiro que possibilitou o andamento desta dissertação.
Agradecimento especial
Ao Martino, pelo privilégio de ser sua orientanda, desfrutando de seus conselhos, de sua
dedicação, de sua segurança e de sua amizade.
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RESUMO
Os meios de comunicação de massa ocupam uma posição privilegiada na
organização social e na construção da realidade social contemporânea. Importância que
propiciou uma grande convergência de interesses de diferentes disciplinas das ciências
sociais, particularmente a Comunicação Social e a Psicologia Social. Esta dissertação
propõe uma investigação entre algumas teorias destas duas disciplinas, tomando como
eixo de análise a Teoria das Representações Sociais de Serge Moscovici e duas teorias
da comunicação de massa − a Agenda-Setting e a Espiral do Silêncio − com o objetivo
de apontar eventuais contribuições teorias e metodológicas.
ABSTRACT
Mass media plays an important part in social organization and in the
construction of contemporary social reality. Its importance has provided a considerable
convergence of interests coming from differents social science subjects, particularly
social communication and social psichology. This dissertation compares a theory of
social psichology - Serge Moscovici´s Theory of Social Representations - and two mass
media theories: agenda-setting and spiral of silent, aiming to point out possible theorical
and methodological contribuition.
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ÍNDICE:
1. Introdução ________________________________________________________ 7
1.1. Algumas observações preliminares _______________________________ 13
1.2. Cultura de massa ______________________________________________ 17
1.3. Meios de comunicação de massa _________________________________ 24
1.4. Representações sociais _________________________________________ 27
2. Psicologia social __________________________________________________ 31
2.1. Apresentação _________________________________________________ 31
2.1.1. Psicologia: contexto de emergência do campo ___________________ 31
2.1.2. A psicologia social ________________________________________ 32
2.2. Teoria das representações sociais _________________________________ 34
2.2.1. A teoria e o conceito _______________________________________ 34
2.2.2. O fenômeno das representações sociais ________________________ 38
2.2.3. Moscovici e Durkheim _____________________________________ 45
2.2.4. Principais conceitos _______________________________________ 49
2.2.4.1. Familiar e não familiar ___________________________________ 49
2.2.4.2. Processos formadores ____________________________________ 50
2.2.4.2.1. Ancoragem ____________________________________________ 51
2.2.4.2.2. Objetivação ____________________________________________ 53
2.2.4.2.3. Atitudes, informações e o campo de representação _____________ 55
3. As teorias sobre a comunicação de massa ______________________________ 56
3.1. Contextualização ______________________________________________ 56
3.2. Panorama: características gerais __________________________________ 58
3.3. As teorias ___________________________________________________ 60
3.4. Os efeitos sociais dos medias ____________________________________ 64
3.4.1. Por Mauro Wolf __________________________________________ 64
3.4.2. A perspectiva de Elihu Katz _________________________________ 68
3.4.3. A perspectiva de Enric Saperas ______________________________ 70
4. Psicologia social e comunicação de massa ______________________________ 73
4.1. Apresentação _________________________________________________ 73
4.1.1. A noção de cognição social _________________________________ 73
4.1.2. Sutilezas ________________________________________________ 76
4.2. Os modelos teóricos ___________________________________________ 80
4.2.1. Espiral do silêncio _________________________________________ 81
4.2.2. Agenda-setting ___________________________________________ 84
4.3. Contribuições ________________________________________________ 90
4.3.1. Abordagem estrutural ______________________________________ 92
4.3.2. Ancoragem e objetivação ___________________________________ 97
4.4. Comparações _________________________________________________ 98
5. Conclusão ______________________________________________________ 104
Referências Bibliográficas _____________________________________________ 106
6
1. INTRODUÇÃO
Analisando os livros sobre teorias da comunicação normalmente utilizados nas
escolas no Brasil verificam-se, no mínimo, duas características:
1
Como o ensaio publicado por Simmel em 1917 em Grundfragen der Soziologie − Individuum und Gesellschaft e o
livro Mind, Self and Society, de 1934, por G.H. Mead (BALLE, 1995: 562-563).
7
É assim que podemos explicar a influência do funcionalismo na fórmula do
cientista político Lasswell (quem diz o quê a quem por que canal e com que efeito?) ou
o interesse do matemático e sociólogo austríaco, Paul Lazarsfeld, na influência da mídia
sobre os eleitores durante uma campanha presidencial. A psicologia, por outro lado, se
interessa particularmente pela influência da propaganda de guerra e dos líderes de
opinião.
O interesse de algumas áreas é tão grande que elas não apenas contribuem com
novas propostas, objetos ou teorias, mas tomam para si o campo de pesquisa com um
todo. Este é, por exemplo, o caso da psicologia social que considera a comunicação de
massa um campo de pesquisa por excelência (ROUQUETTE, 1998: 516), o que pode ser
constatado no terceiro volume da obra The American Soldier − considerada fundamental
para o desenvolvimento desta ciência −, totalmente dedicado à comunicação de massa:
Experiments on Mass Communication.
2
Deve-se deixar aos psicólogos sociais o monopólio dos estudos rigorosos sobre a recepção?
3
Armand Mattelard classifica o artigo “Encoding/Decoding” de Stuart Hall como um marco em direção aos estudos
sobre recepção. (1999: 109). Ao mesmo tempo, Mauro Wilton Sousa (1995: 13-38) explica que as mudanças políticas
que ocorreram nas décadas de 70 e 80 colocaram o indíviduo em uma “zona limite e conflitiva” (sujeito-indivíduo X
sujeito social, onde o receptor se alterna entre o consumidor social e o auto-desbravador ) instigando o
desenvolvimento de pesquisas onde o sujeito não limita ao determinismo emissor/receptor, “mas resgata-se nele
também um espaço de produção cultural”.
8
como os conhecimentos são compartilhados, e ainda, como são transformados em
prática. O que imediatamente nos remete aos meios de comunicação de massa e sua
influência nos comportamentos, individuais e sociais. Uma outra explicação vem de
uma simples observação: em algumas instituições, como na London School of
Economics, a Comunicação Social é uma linha de pesquisa que faz parte da psicologia
social, e não uma cadeira independente.
O importante é constatar no texto de Fourquet e em outros semelhantes que a
psicologia não apenas se manteve ao longo do século interessada na comunicação de
massa como também desenvolveu trabalhos importantes na área. Num breve resumo4, o
autor constata, por exemplo, que na década de 30 houve a predominância dos trabalhos
sobre influência, principalmente da propaganda de guerra; nos anos 40, destacaram-se
as pesquisas realizadas por Lazarsfeld e a Mass Communication Research. Entre elas, a
Two Steps Flow of Communication, que focava a importância dos líderes de opinião.
Com a publicação de The American Soldier, obra fundamental para o estabelecimento
da psicologia social com campo de pesquisa, os trabalhos se direcionaram para o
aspecto cognitivo de comportamento.
A partir da década de 40, quando Horkheimer e Adorno, ambos da Escola de
Frankfurt5, desenvolvem o conceito da Indústria Cultural, é possível perceber um certo
distanciamento entre as teorias elaboradas pela sociologia e pela comunicação da
psicologia social. É nesta época que estas ciências, mesmo abordando assuntos
semelhantes sobre a comunicação de massa, desenvolvem trabalhos paralelos,
desconhecendo as pesquisas entre as áreas.
Na década de 70 o interesse da psicologia social se volta para os estudos de
recepção, partindo ainda da premissa cognitivista, e também persuasão e mediação:
“Tout au long dês années 70, les psychologies sociaux s’attachent à réinterpréter les
4
O assunto voltará a ser tratado nos próximos capítulos.
5
A Escola de Frankfurt (Instituto de Pesquisa Social) foi fundada em 1924 pelos filósofos Max Horkheimer e
Friedrich Pollock. A instituição, patrocinada por comerciantes judeus e com orientação marxista, tinha por objeto de
estudo a economia capitalista. Com a perseguição de Hitler, divide-se em anexos que se espalham por Genebra,
Londres e Paris. Com a oferta. Em 1938, Horkheimer, Löwenthal e Adorno se transferem para a Universidade
Columbia nos EUA. (MATTELART, 1999: 74-75)
9
phénomènes attribués à dês mécanismes motivationnels em termes de traitement de
l’information”6 (FOURQUET, 1999 : 110).
A apresentação cronológica das teorias como faz Fourquet, apesar de ser muito
comum em todas as ciências sociais, apresenta um inconveniente: direciona o raciocínio
para uma compreensão linear, como se desenvolvimento de um novo modelo colocasse
um ponto final nas explicações anteriores. A crítica feita por Mauro Wolf (1994: 49-50)
sobre este tipo de apresentação poderia ser estendida as outras ciências: uma teoria não
deixa de existir quando uma nova é desenvolvida e/ou se torna hegemônica. Elas
coexistem e se influenciam e, às vezes, ocorre a predominância de uma ou de outra.
A idéia da coexistência faz ainda mais sentido quando se considera que teorias
semelhantes são desenvolvidas em campos de pesquisas diferentes, como o que ocorre
entre a sociologia, psicologia social e comunicação. Por exemplo, enquanto entre os
teóricos da comunicação havia grande interesse pela recepção na década de 80, a
psicologia já pesquisava o assunto nos anos 70. Nos anos 90, é possível verificar uma
aproximação das propostas quando nasce o conceito do receptor complexo.
Observando o andamento das duas ciências, há a impressão que, mesmo
traçando caminhos semelhantes ao iniciarem, houve um momento de bifurcação onde, o
que é produzido de um lado é totalmente ignorado do outro. Enquanto os teóricos da
comunicação de massa caminhavam por caminhos independentes, ou supostamente
independentes, ignorando muitas vezes a origem e as preocupações iniciais de suas
teorias, os psicólogos sociais continuavam buscando e desenvolvendo suas próprias
pesquisas sobre o assunto, mas também ignorando o que era produzido pela
comunicação.
6
Ao longo dos anos 70, os psicólogos sociais se colocam a tarefa de reinterpretar os fenômenos atribuídos aos
mecanimos motivacionais em termos de tratamento da informação.
10
A teoria das representações sociais, desenvolvida em 1961 por Serge
Moscovici, é um exemplo das duas situações: de coexistência de duas propostas teóricas
diferentes e a da importância da comunicação de massa para a psicologia social.
Enquanto a psicologia social vivia o auge das pesquisas cognitivas e da defesa de um
“conhecedor ingênuo”7, Moscovici propõe uma teoria onde
7
“Ele é impermeável à informação, se contenta em confirmar suas teorias em vez de falsificar teorias, e explica tudo
o que ele observa fundamentando-se em causas pessoais” (MOSCOVICI, 1985: 17).
8
A teoria foi desenvolvida para estudar as representações sociais da psicanálise da sociedade francesa como será
apresentado no próximo capítulo.
11
Moscovici constrói sua teoria com o objetivo de apresentar uma alternativa à abordagem
cognitiva ao mesmo tempo em que reconhece que a psicologia social é, essencialmente,
uma ciência cognitivista (MOSCOVICI, 1985). Um terceiro motivo é por ser uma análise
do processo comunicacional em uma área que contribuiu significativamente à origem da
ciência da comunicação.
Esta postura do autor com relação ao cognitivismo torna-se ainda mais
importante para a comunicação quando se verifica a convergência das pesquisas em
comunicação de massa a partir dos anos 70 (WOLF, 1994; SAPERAS, 1993). Saperas
(1993), por exemplo, identifica quatro teorias desenvolvidas neste período que utilizam
a noção de cognição social: a Agenda-setting, a Gap Hypothesis, a tematização (Niklas
Luhmann) e os efeitos cognitivos resultantes da produção de notícias como construção
social da realidade. As considerações apresentadas podem ser assim resumidas:
– a psicologia social é um campo de pesquisa que influenciou fortemente as
primeiras pesquisas sobre comunicação de massa que deram origem à
Ciência da Comunicação;
12
O segundo capítulo está totalmente dedicado à psicologia social e à teoria das
representações sociais. O terceiro apresenta as teorias sobre comunicação de massa
focando, principalmente, as teorias cognitivas. O quarto capítulo faz uma análise entre
as teorias cognitivas discutidas anteriormente e a teoria de Serge Moscovici. O quinto e
último capítulo é a conclusão do trabalho.
Em maio de 2000 foi possível visualizar uma conjunção entre seis planetas, a
lua e o sol. Pequenos alinhamentos, com 2 ou 3 planetas são comuns, e
acontecem aproximadamente a cada década. Entretanto, uma conjunção como
esta só poderá ser vista novamente em 2438. Há milhares de anos, sem
instrumentos ou satélites, era a visão, a posição e andamento dos planetas, da lua
e do sol que guiavam os navegantes, orientavam os agricultores, marcavam o
tempo e a localização no espaço. Sem a iluminação concorrente que temos hoje,
o céu era mais nítido, o que tornava mais fácil diferenciar planetas das estrelas.
Uma conjunção como a que ocorreu em 2000 poderia ser acompanhada durante
meses pela população, nas mais diferentes localidades do planeta. Com a pouca
informação da época, as constelações eram batizadas com o que havia de mais
comum e óbvio, como nome das espécies animais. Os eventos que hoje são
corriqueiros e de fácil explicação, como os eclipses, causavam medo e criavam
lendas e superstições.
13
O rádio já era um meio de comunicação bastante conhecido quando
Orson Welles narrou sua invasão dos marcianos, provocando pânico e
inconvenientes, para a população e para si. A narração perfeitamente aliada à
credibilidade do rádio fez com que, mesmo não vendo nada no céu, as
pessoas acreditassem ser real a história que ouviam. É um caso clássico da
história do rádio e dos meios de comunicação de massa. O importante era o
que se ouvia, o que o rádio “dizia”, ainda que nenhuma invasão fosse vista.
9
ônibus da linha 174, liga a Central do Brasil à favela da Rocinha. Terminou com a morte do assaltante e de uma
refém, a professora Geisa Firmo Gonçalves, 20 anos. A Reuters é uma agência internacional de notícias.
10
Programa de entrevistas da TVE Brasil.
14
impacto do segundo avião às torres e os desabamentos foram vistos ao vivo,
assim como pessoas que se jogavam dos edifícios. Não há imagens do que
aconteceu ao Pentágono, o que tornou possível encontrar na Internet
documentos sugerindo que o desastre fora provocado por um caminhão com
explosivos, duvidando abertamente da versão oficial, de ataque aéreo.
Os fenômenos astronômicos são uns dos poucos eventos naturais que podem
ser acompanhados simultaneamente em regiões distantes e culturalmente distintas.
Utilizando um pouco de ironia, poderíamos dizer que até poucos séculos atrás era a
única transmissão “via satélite” possível, ao contrário de hoje, onde a televisão, rádio ou
internet cumprem o papel de conectar o mundo. A mudança de um mundo conectado
por estrelas para um outro quase totalmente em rede aconteceu num período de tempo
muito curto, se comparado com o restante da história.
O primeiro passo foi com a imprensa de tipos móveis, inventada por Gutenberg
já no século XV. Após passar por várias etapas, incluindo o “jornal de tostão11”, o
formato atual dos jornais, idealizado por Bernnett, Pulitzer e Hearst
(LOHISSE, 1969: 46), possui um pouco mais de 100 anos. Desde então, do final do
século XIX até os dias atuais, os avanços foram cada vez mais velozes e agora, temos à
disposição transmissões via satélite para televisão, rádio e internet, milhares de títulos
de revistas e jornais.
11
De acordo com DeFleur (1993: 39), os primeiros veículos de massa foram os “jornais de tostão”, que apareceram
nos EUA na década de 1830.
15
Essa mudança brusca, em um primeiro momento, demonstra a importância que
os meios de comunicação de massa adquiriram na sociedade e a credibilidade com que
podem ser tratados pela audiência. A transmissão de Orson Welles é um exemplo: como
o rádio era um meio de comunicação relativamente novo e conhecido do público,
utilizado basicamente para transmitir notícias e músicas − o que lhe conferia um caráter
de confiabilidade aliado à inovação −, a narração pôde causar tamanho pânico em um
país acostumando com os avanços tecnológicos, como os EUA.
16
Cultura de massa
A cultura de massa não pode ser pensada a partir de fatos isolados. Ou seja,
como fruto de uma sociedade capitalista ou totalmente dependente de uma sociedade de
consumo, pois como nos lembra Martino,
Il faut tenir en compte que la culture de masse qui émerge dans le tournant
du siècle n’est pas um produit magique de la technique, mais l’
aboutissement d’un long processus historique d’ universalisation des
valeurs. (MARTINO, 1997: 91)12
12
É preciso ter em conta que a cultura de massa que emerge na virada do século não é um produto mágico da técnica,
mas o resultado de um longo processo histórico de universalização dos valores.
18
é exclusividade de autores como Morin ou Costa Lima, mas um pensamento recorrente
nas Ciências Sociais. O que não se pode negar, certamente, é a importância das
mudanças sociais e econômicas provocadas pelo Renascimento.
Nela [na França], já no século XVIII, não havia mais qualquer grande
diferença em costumes entre os principais grupos burgueses e a
aristocracia de corte. (...). Tanto a burguesia de corte como a aristocracia
de corte falavam a mesma língua, liam os mesmos livros e observavam,
com gradações particulares, as mesmas maneiras. (....) As convenções de
estilo, as formas de intercâmbio social, o controle das emoções, a estima
pela cortesia, a importância da boa fala e da conversa, a eloqüência da
linguagem e muito mais − tudo isto é inicialmente formado na França
dentro da sociedade de corte, e depois, gradualmente, passa de caráter
social para nacional (ELIAS, 1994: 51-52).
13
Que substituiu o conceito posterior: courtoise. ELIAS, Norbert (1994)
14
MANDROU, R. De la culture populaire aux 17e et 18e siècles, Paris : Éditions Stock, 1964. Citado por LIMA
(2000: 21).
20
autores não são do povo, mas para ele escrevem”, onde é possível verificar, entre
outros, a impessoalidade da criação e a temática combinada. E mesmo que Costa Lima
ainda negue a existência de uma cultura de massa argumentando sobre a longevidade da
produção da época ou com o seu não rompimento com a cultura folclórica, já é possível
vislumbrar uma mudança de comportamento que possibilitaria as transformações
encontradas nos séculos posteriores. Com essa mesma idéia, Daniel Roche (2000: 20),
acrescenta que o consumo atual também é conseqüência de um longo processo de
urbanização envolvendo movimentos culturais, a Revolução Industrial e de uma
demanda crescente por bens, mesmo os de primeira necessidade.
Jean Baudrillard (1995) é ainda mais radical na defesa desse ponto de vista.
Para ele, a cultura de massa não chega a ser uma cultura, mas um aglomerado de
pequenas culturas medíocres a serviço da sociedade capitalista. Seu único interesse é o
lucro, numa mescla de cultura com indústria cultural.
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Sob essa ótica, colocar a cultura de massa como algo distinto das culturas
folclóricas ou das elites pode ocorrer um equívoco, pois “la culture de masse n’est pás
définissable par un type de contenu spécique opposé à d’autres genres de contenus”16
(MARTINO, 1997: 90), mas trata-se de uma cultura de indivíduos que procuram se
reconhecer e se localizar no grupo e que, a cada dia, precisam se posicionar frente a uma
quantidade cada vez maior de opções de comportamento e de valores.
16
a cultura de massa não é definida por um tipo de conteúdo específico que se opõe a outro gênero de conteúdo.
17
Eles representam para a cultura erudita o que as manifestações populares (circo, teatro, ferias, etc.) são para a
cultura popular: uma forma de distração e de universalização de certas práticas, princípios, formação... enfim, uma
forma de difusão e de universalização de uma certa cultura. Apesar de toda a distância que existe entre a pesquisa da
verdade aplicada a todos a abertura das manifestações populares acessíveis a qualquer um, elas convergem na
universalização dos valores, dos hábitos, dos costumes, enfim, elas convergem na realização de uma cultura
universal.
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de comunicação de massa, estratégias de marketing, desenvolvimento de novos
produtos por toda estrutura da sociedade −, da insegurança dos indivíduos em favor do
lucro. Entretanto, se não houvesse a necessidade individual em (re)afirmar seu
posicionamento, sua identidade, seu valores com relação à sociedade, que não está mais
em um único lugar, mas em todos e em lugar algum18, certamente a estrutura industrial
não teria o mesmo sucesso. O consumo se torna uma maneira de se sentir seguro,
participante e participativo.
A industrialização, os meios de comunicação de massa, o consumo e os
mecanismos da indústria cultural são constantemente confundidos com a cultura de
massa. O assunto é complexo e instigante, e nosso objetivo foi apenas apresentar alguns
elementos pertinentes às discussões nos tópicos seguintes.
Ao nos depararmos com casos como o de Sharbat Gula, que após 18 anos
desconhecia o impacto que seu rosto havia provocado, verificamos que vivemos em
universos paralelos: um com os meios de comunicação, rodeado pela tecnologia, e um
outro sem eles, onde se vive num aparente isolamento. É possível que Sharbat nem
18
Não mais apenas um grupo de judeus, de católicos, de ateus ou protestantes. O fato de crer em algo não impede de
conviver entre crenças conflitantes, como ser católico e ao mesmo tempo acreditar em horóscopos.
24
mesmo soubesse o que fosse um retrato ao ser fotografada e, mais assombroso, depois
de 30 anos da transmissão ao vivo da chegada do homem a lua, ignorava ser
protagonista de uma das fotos mais conhecidas do século XX.
Talvez, ainda mais surpreendente que Sharbat Gula ficar 18 anos sem saber do
impacto causado por sua foto, é perceber a quantidade de leitores e não leitores da
revista National Geographic que tinham interesse em saber onde ela se encontrava e o
que estaria fazendo, como alguém próxima que de repente se perde o contato. Diminuir
as distâncias entre pessoas e lugares, tem sido uma das mágicas dos meios de
comunicação de massa. É impressionante sua capacidade em conectar ao mesmo tempo
diferentes mundos a um mesmo evento, como aconteceu durante o ataque ao WTC,
numa Copa do Mundo, nas Olimpíadas e durante a transmissão do último capítulo de
uma novela.
Os meios de comunicação foram desenvolvidos com o real objetivo em
alcançar o maior número de pessoas, facilitando o acesso às informações, notícias e
propagandas. Considerando que “alcançar o maior número de pessoas” não significa
atingir todas as pessoas possíveis, mas as que mais provavelmente se interessariam
pelas informações que se deseja divulgar. Também não significa que apenas as pessoas
interessadas terão acesso, voluntário ou não, a estas informações, mas que algumas
podem estar em países, continentes, lugares com línguas, culturas totalmente díspares
do público-alvo imaginado. Chega a ser ingênuo, portanto, pretender que os conteúdos
poderiam ser absorvidos da mesma forma. Conteúdos semelhantes resultam em
compreensões, interpretações e, conseqüentemente, em representações diferentes nos
mostrando que a influência dos meios de comunicação de massa possui graus e formas
bastante variados, a depender das culturas locais.
Além das diferenças culturais, o caráter técnico dos meios também possui
importância na forma como percebemos, compreendemos e interpretamos os conteúdos
apresentados. Como nos lembra Georges Friedmann (1968: 46), os avanços
tecnológicos modificaram os nossos modos de sentir e pensar resultando em “mudanças
na representação, na visão do mundo, nos hábitos lógicos, em toda a mentalidade”.
26
Representações sociais
Há ainda, de acordo com a psicóloga social Denise Jodelet, mais seis diferentes
maneiras de conceber os fenômenos de representação social (SÁ, 1998: 62-64):
27
Em 1961, Serge Moscovici publicou Psychanalyse: son image et son public
onde, analisando as representações da psicanálise na sociedade francesa, apresentava
sua teoria das representações sociais, uma teoria do senso comum onde sugeria a
existência de um pensamento social resultante das experiências, das crenças e das trocas
de informações presentes na vida cotidiana. Sua análise foi desenvolvida a partir da
confiança que a sociedade atual, mais técnica e complexa, necessitaria de um outro
conceito, menos genérico que o desenvolvido por Durkheim − representações
coletivas −, para acompanhar, explicar e tentar compreender como ocorre a formação do
pensamento e do conhecimento social. Essa não é uma opinião exclusiva do autor, e
converge, por exemplo, com Georges Friedmann quando este afirma que:
Hoje, a visão do mundo que tem o adulto das cidades não é explicável
somente pela ação geral da sociedade, das “representações coletivas”. É
indispensável colocá-las em cada caso em relação com o lugar concreto
que o indivíduo ocupa na sociedade e com os caracteres particulares do
meio técnico (FRIEDMANN, 1968: 47).
Ao propor sua teoria das representações sociais, Moscovici (2001, 124) não
procurava debater sobre a superioridade do indivíduo ou da sociedade, mas
compreender o conhecimento popular, as formas ideológicas e coletivas do pensar e do
agir, a maneira como os contextos culturais influenciam os comportamentos, estados e
processos individuais e a análise destes contextos.
Moscovici pesquisou elementos da sociedade francesa da época e o
desenvolvimento da psicanálise na sociedade científica, pois acreditava que a guerra e
suas conseqüências, como a instabilidade social, a inquietude e a ansiedade, poderiam
modificar o que era cientificamente desenvolvido e divulgado. Para o autor, os
conceitos científicos, quando apresentados por uma imprensa e públicos leigos, tomava
formas e construía representações inesperadas, diferentes do que pretendia a
comunidade científica inicialmente; eram socializados, mas poderiam ser
compreendidos até de maneira indesejada.
28
poderia encontrar explicações para a permanência, apesar das explicações científicas
que, ao contrário, procuraram demonstrar a crença em horóscopos e curandeiros: os
conhecimentos científicos estariam sendo familiarizados a partir do conhecimento já
existente, de forma a não colidirem ou ameaçarem a realidade pré-existente. E o
resultado desse processo de absorção, as representações, não seriam nada mais do que
uma forma psicológica de organização do conhecimento particular.
Sua metodologia consistiu em entrevistas, em questionários e na análise de
conteúdo dos meios de comunicação de massa com o objetivo de “confrontar a opinião
pública e a opinião dos organismos de imprensa, entre o público e as relações de
interação e de expressão” (MOSCOVICI, 1961: 21). Foram pesquisados 230 jornais e
revistas, 110 de Paris e 120 das províncias, entre janeiro de 1952 e março de 1953, com
o objetivo de quantificar e classificar o número de artigos e o espaço que era destinado à
psicanálise, às relações entre os temas e à evolução do assunto. Moscovici também
analisou casos da propaganda, da difusão dos modelos de utilização da psicanálise
dentro da crítica literária, arte e publicidade. Investigou diferenças, por exemplo, entre a
imprensa católica e a marxista.
Apesar de ter sido elaborada na década de 60, apenas 30 anos depois a teoria
das representações sociais de Moscovici tornou-se conhecida e passou a ser utilizada,
em particular, na Europa e na América do Sul. No entanto, seu uso se restringe
basicamente a psicólogos sociais e sociólogos, mesmo contanto com um número
considerável de pesquisas que utilizam o material disponibilizado pelos meios de
comunicação de massa.
19
A análise do conteúdo, empregada da maneira que nós brevemente expusemos, nos permitiu examinar um segundo
aspecto da psicanálise enquanto objeto de representação social: aquele do modelo da comunicação e da expressão na
imprensa.
29
Serge Moscovici. Apresentando as principais características da teoria das representações
sociais, observaremos a importância dos meios de comunicação de massa em seus
fundamentos e também as diferenças com relação ao conceito das representações
coletivas de Durkheim.
30
2. PSICOLOGIA SOCIAL
Apresentação
Em 1862 Wundt se colocou três tarefas para sua vida: a criação de (a)
uma psicologia experimental; (b) uma metafísica científica; e (c) uma
psicologia social (FARR, 1998: 55).
Entre 1900 e 1920, Wundt dedicou-se aos estudos sobre linguagem e religião, e
escreveu a obra Psicologia do povo ou Psicologia das massas (BERNARDES, 2000: 22),
31
uma das primeiras obras sobre psicologia social. Para Wundt, havia duas psicologias: a
primeira experimental e fisiológica, se ocupava dos processos sensoriais básicos, do
estudo da consciência; e a segunda, comparativa, abordando linguagem, pensamento,
cultura, mitos, religião, costumes. Wundt acreditava que apenas uma ciência
experimental não seria o suficiente para explicar os processos mentais mais profundos,
por isto seu interesse pela psicologia social. Como herança, nos deixou
A psicologia social
32
soldados ao exército, das mudanças de atitude e dos efeitos da comunicação de massa −,
um marco tanto para a psicologia social quanto para a sociologia. Nesta obra,
coordenada por Samuel Stouffer, participaram Carl Hovland, Arthur Lumsdaine, e Fred
Sheffield no volume Experiments on Mass Communication; Paul Lazarsfeld, Louis
Guttman e o próprio Samuel Stouffer, entre outros, no volume Measurement and
Prediction. O segundo evento foi o Tratado resultante do Tribunal de Nuremberg,
particularmente importante para o desenvolvimento de pesquisas em psicologia social.
O que distingue a psicologia social das outras ciências sociais é seu interesse
na influência que pessoas e grupos exercem uns sobre os outros. Como e porque o
conhecimento é compartilhado constituindo uma realidade comum, e como as idéias são
transformadas em práticas por essas pessoas e grupos (MOSCOVICI, 2001: 2).
33
Diferente da linha psicológica, a psicologia social sociológica considera com
igual importância comportamentos individuais e os eventos sociais “em sua concretude
e singularidade histórica e não abstraídos como uma genérica presença de outros”
(SÁ, 1995: 20) assim como os comportamentos, estados e processos individuais na
construção de suas realidades sociais.
A teoria das representações sociais, que apresentaremos em seguida é uma
forma sociológica de psicologia social, nascida na França e com raízes bastante fortes
na sociologia. E apesar do reconhecimento pelos psicólogos sociais da estreita relação
entre a comunicação de massa e as representações sociais, a teoria ainda é bastante
desconhecida em nossa área: “(...) é com as práticas sócio-culturais e com a
comunicação de massa que o estudo das representações sociais mantém as relações
mais significativas” (SÁ, 1998: 43).
A teoria e o conceito
20
Allport, G. W. The historical background of modern social psychology. In: G. Lindzey e E. Aronson (eds). The
handbook of social psychology. Readin, Addison-Wesley, 1968 citado por SÁ, Celso P. (1995). “Representações
Sociais: o conceito e o estado atual da teoria”. In: SPINK, Mary Jane (org.). O conhecimento cotidiano: as
representações sociais na perspectiva da psicologia social. São Paulo: Brasiliense. pp. 19-45
34
para ele, é um erro acreditar que o homem possa pensar sobre sua condição, pois o
indivíduo praticamente não existe:
Un homme qui ne penserait pas par concepts ne serait pas un homme; car
ce ne serait pas un être social. Réduit aux seuls percepts individuels, il
serait indistinct de l’animal. Penser conceptuellement, ce n’est pas
simplement isoler et grouper ensemble des caractères communs à certain
nombre d’objets ; c’est subsumer le variable sous le permanent,
l’individuel sous le social. Si, dans ces textes, Durkheim voulait
simplement dire que la vie sociale est condition de toute pensée, son
hypothèse pourrait être admise sans discussion, mais dans la mesure où il
n’aborde pas de front la pluralité des modes de réflexion, même s’ils sont
tous sociaux, la notion de représentation perd de sa clarté
(DURKHEIM citado por MOSCOVICI, 1961: 301) 21
21
Um homem que não pensasse através de conceitos não seria um homem; pois não seria um ser social. Reduzido
apenas às percepções individuais, ele seria indistinto do animal. Pensar conceitualmente não é simplesmente isolar e
agrupar o conjunto das características comuns a um certo número de objetos; é subsumir a variável sob o permanente,
o individual sob o social. Se neste textos, Durkheim quisesse simplesmente dizer que a vida social é condição de
todo pensamento, sua hipótese poderia ser admitida sem discussão, mas na medida em que ele não aborda de frente a
pluralidade dos moldes de reflexão, mesmo se eles são todos sociais, a noção de representação perde sua claridade.
DURKHEIM, Emile (1898). “Représentations individuelles et representations collectives”. Rev. de métaphysique,
citado por MOSCOVICI, Serge (1961). La psychanalyse: son image et son public: étude sur la représentation sociale
de la psychanalyse. Paris: Presses Universitaires de France.
35
conceito
formal conceito formal representação
+ social do
influências conceito
(experiências pessoais,
conversas interpessoais,
leituras, meios de comunicação
de massa)
adaptariam o conceito formal divulgado pelos meios de comunicação e pelas pesquisas
em algo mais tangível pelas pessoas comuns. Assim, a definição da psicanálise como
uma ciência que se propõe a “esclarecer a natureza social” − buscando encontrar uma
possibilidade de cura das neuroses, o conhecimento sobre as relações de transferência, a
genética afetiva das relações individuais ou a intervenção dos processos inconscientes −,
é transformado pela sociedade em um conceito muitas vezes diferente do original, ou
seja, em uma representação social, como pode ser observado no esquema:
22
A mulher tímida que “se compreende” e muda de comportamento, ou o pai que “psicanalisa” o ciúmes de seus
filhos, especulam sobre mecanismos que a psicanálise indicou de maneira particular para a atenção do público.
36
La représentation facilitant l’énoncé de nombreux conflits normatifs,
nationaux, souciaux, permet en même temps une transposition des
langages hétérodoxes, de conceps et de théories réputés como ésotériques
et qui, de ce fait, deviennent des instruments pour la communication et le
comportement collectisf. (1961: 309)23
23
A representação facilitando o enunciado de numerosos conflitos normativos, nacionais, sociais, ao mesmo tempo
permite uma transposição das linguagens heterodoxas, de conceitos e de teorias reputados como esotéricos e que, por
conseqüência, se tornam instrumentos para a comunicação e o comportamento coletivos.
24
(...) é óbvio que o estudo das representações sociais deve ir além de tal visão, e deve fazê-lo por uma razão
específica. Ele considera o homem no que ele tenta solucionar os enigmas lugares-comuns, do seu próprio
nascimento, da sua existência corpórea, das suas humilhações, do céu acima de si, dos estados mentais dos seus
vizinhos e dos poderes que o dominam: enigmas que ocupam e preocupam-no, desde o berço, e dos quais ele nunca
deixa de falar. Para ele, pensamentos e palavras são reais – eles não são epifenômenos do comportamento.
37
O fenômeno das representações sociais
25
(...) representações parecem ser similares às teorias que determinam sobre um tema (doenças mentais são
contagiosas, as pessoas são o que comem etc.) uma série de proposições que a permite as pessoas ou coisas serem
classificadas, ter seus caracteres descritos, seus sentimentos e ações explicados e assim por diante.
38
beings asking questions and looking for answers, human beings who think, not just
handle information or act in a certain way” (MOSCOVICI, 1981: 182)26.
26
Quando estudamos representações sociais, o que estudamos são seres humanos fazendo perguntas e em busca de
respostas, seres humanos que pensam – e que não estão apenas lidando com informações e agindo de uma
determinada maneira.
39
O outro postulado, contestado por Moscovici, é que indivíduos e grupos são
apenas o reflexo de uma ideologia predominante produzida e imposta por classes sociais
dominantes, pelo Estado, pela Igreja, pelas escolas. Reproduzem e são reproduzidos.
E por que a mente dos indivíduos não pode ser considerada uma caixa preta
processadora de informações, mas no máximo um buraco negro como prefere chamar
Moscovici (2001: 29)? Há três tipos de situações onde podemos encontrar
representações sociais e que contradizem as premissas do sistema cognitivo −
indivíduos normais que reagem aos fenômenos do mesmo modo que os cientistas e que
compreender consiste em processar informações (2001: 19):
– a invisibilidade do óbvio;
– a aparência e a realidade;
– e as reações aos eventos e respostas aos estímulos.
40
Estes três casos são exemplos de representações presentes em nosso cotidiano,
atuando como uma terceira possibilidade de organização psicológica, além da
organização intelectual (conceito) e da sensorial (percepção). Esta nova possibilidade
apresenta propriedades mistas: “cette division topologique réside dans la séparation ou
l’aopposition qui s’établit entre la sphère sensori-motrice”27 (MOSCOVICI, 1961: 302).
Ao invés de ser mediadora, como as representações costumam ser vistas pela psicologia
social, as representações sociais são intercambiáveis, fazem trocas e sua estrutura se
orienta da seguinte forma (IBID: 304):
– tende a refletir o objeto;
27
esta divisão topológica reside na separação ou oposição que é estabelecida entre a esfera cognitiva e a esfera
sensorial
28
no que concerne a realidade, estas representações são tudo o que temos, aquilo ao qual nossos sistema perceptivo,
bem como o cognitivo estão ajustados.
41
In the general evolution of society, these professions are destined to
multiply, and their work will become more systematic and more explicit.
Partly for that reason, and in view of all that this entails, this era will
become known as the era of representation, in every sense of that term
(MOSCOVICI, 2001: 27)29.
29
Na evolução geral da sociedade, estas profissões estão destinadas a se multiplicarem, e seus trabalhos tornar-se-ão
mais sistemáticos e mais explícitos. Em parte por este motivo, em vista de tudo que isso envolve, essa era se tornará
conhecida como a era da representação em todos o sentidos desse termo.
42
dimensiones sociales de la construcción de la realidad (...).
(IBAÑEZ, 1988: 25)
30
cada indivíduo é livre para se comportar como um “amador” e um “observador curioso”.
31
Esses universos têm se institucionalizado (ou se institucionalizaram) como clubes, associações, cafés etc., onde a
arte da conversa, em vias de extinção, serve como um paradigma. Esta é a arte que mantém estas instituições vivas.
32
a medida de todas as coisas
33
todas as coisas, em qualquer circunstância, são as medidas do homem
43
In as much as the scientific disciplines are linked to these objects, scientific
authority is able to impose this way of thinking and experiencing on each
of us, prescribing in each case what is and what is not true
(MOSCOVICI, 1981: 186)34.
34
Na medida em que as disciplinas científicas estejam ligadas àqueles objetos, a autoridade científica tem condições
de impor essa forma de pensar e fazer experimentos com cada um de nós, prescrevendo, em cada caso, o que é ou não
verdadeiro.
44
Moscovici e Durkheim
35
Que Durkheim, assim como os filósofos gregos, definiu como categorias “essenciais”: tempo, espaço, números...
45
sociedade; abrangem uma grande extensão de conhecimento, crença e grande carga
histórica − têm sua origem, muitas vezes, nas sociedades primitivas − estando de tal
forma enraizadas, que se impõem como se fossem naturais (IBAÑEZ, 1988: 30). No
entanto, exatamente por serem tão abrangentes, Moscovici (2001: 31) não crê que as
representações coletivas consigam envolver de maneira satisfatória a construção da
realidade em nossa sociedade tampouco são passíveis de serem traduzidas em poucas
palavras.
36
De fato, qualquer tipo de idéia, emoção ou crença que ocorreu em uma comunidade foi incluído. Isto traz um
problema sério, pois por tentar expressar muita coisa, se exprime pouco: quer falar tudo, acaba não dizendo nada. A
intuição, assim como a experiência, sugere que é impossível cobrir tamanha extensão de conhecimentos e crenças.
Eles são, em primeiro lugar, muito heterogêneos e, além do mais, não podem ser definidos a partir de algumas poucas
características.
46
Moscovici não crê na supremacia da sociedade ou do indivíduo, mas na
existência de uma consciência psíquica. Durkheim também admite que a sociedade
possui uma consciência coletiva, organizada, dando oportunidade para Moscovici
encontrar o elemento que servirá de base para a sua própria teoria: a intersecção da
psicologia social e da sociologia do conhecimento:
47
ou difundidas pela mídia. Funcionam como organizadoras e são dinâmicas como as
sociedades contemporâneas. Conseguem unir conceito e percepção e sua estrutura
interna que pode ser modificada.
48
Principais conceitos
37
o propósito de toda representação é fazer algo não-familiar, ou tornar a própria não-familiaridade, em algo familiar.
49
Este princípio foi elaborado anos após o desenvolvimento da teoria
(FARR, 2002: 35) mas tornou-se essencial para sua compreensão. Sua dinâmica consiste
na reapropriação do novo, na familiarização, onde a memória prevalece sobre a
tradição, sobre a lógica. O que pode se tornar um distúrbio ou problema é avaliado,
classificado com relação aos registros anteriores e adaptado ao ambiente já
convencionado. O estranho torna-se, então, familiar.
A todo instante, os novos conceitos e situações surgem cobrando uma posição,
uma opinião, uma atitude com relação a eles e os conceitos e situações já estabelecidos.
As representações sociais possibilitam que haja reapropriação desse novo, integrado-o
ao ambiente familiar ao mesmo tempo em que se elabora uma nova compreensão e uma
nova maneira de agir que estejam de acordo com os padrões já estabelecidos e que, por
sua vez, serão compartilhados.
Essa dinâmica faz com que a realidade seja constantemente reelaborada,
legitimando o poder das representações sociais em alimentar as práticas culturais em
vigor na sociedade, podendo perpetuá-las ou transformá-las (SÁ, 1998: 50), exercendo,
portanto, o papel de integração, de estruturação das identidades individuais e grupais
(pertencimento) e de comunicação social.
Processos formadores
50
Ancoragem
To name, to say that something is this or that — if need be, to invent words
for the purpose — enables us to fabricate a mesh that will be fine enough
38
No cômputo geral, todavia, pode se dizer que essas classificações são feitas comparando-se indivíduos a protótipos,
os quais são considerados, de uma maneira geral, representativos de uma classe, e que estes são definido por
aproximação ou coincidências, com aqueles.
51
to keep the fish from escaping, an thus enable us to represent this thing.
(MOSCOVICI, 2001: 46)39.
39
Nomear, dizer que algo é isto ou aquilo – se necessário, inventar palavras para tal propósito – nos permite fabricar
uma rede que será boa o bastante para evitar que o peixe escape, e assim, permite-nos representar algo.
52
Objetivação
Once the group has acquired such a model or figurative nucleus, it is able
to speak more easily about what this model represents. Formulas and
clichés evolve, simplifying and unifying the images which were
disconnected at first (MOSCOVICI, 1981: 200)41.
40
“an a image structrure that reproduces a conceptual structure in a visible manner” (p. 199).
41
Uma vez que o grupo adquiriu tal modelo ou núcleo figurativo, ele é capaz de falar mais facilmente sobre o que
esse modelo representa. Formulas desenvolvem-se, simplificando e unificando imagens que estavam antes
desconectadas.
53
Na segunda fase, o conceito é “verdadeiramente naturalizado”
(MOSCOVICI, 2001). As imagens transformam-se em realidade, são totalmente
assimiladas: o percebido substitui o concebido.
Words do more than represent things; they create things and pass on their
properties to them. In this instance, language has a power comparable to
that of the mirror, which has the extraordinary advantage of detaching
appearance from reality. In this way, the names that we conceive and
create to serve as abstract forms of matter, of complex phenomena,
themselves become this matter, these phenomena, an operation we perform
continuously (MOSCOVICI, 1981: 202)42.
42
Palavras fazem mais do que representar as coisas; elas criam estas coisas e passam a transmitir suas propriedades.
Nesse caso a linguagem tem um poder comparável ao do espelho, que tem a extraordinária vantagem de separar a
imagem da realidade. Dessa forma, os nomes que concebemos e criamos para servir como formas abstratas da
matéria, ou de fenômenos complexos, tornam-se elas mesmas, a matéria própria matéria e fenômenos - uma operação
que realizamos continuamente.
54
inesperadas que dão autonomia ao que estiver relacionado com o presente
(MOSCOVICI, 1981: 203).
Por fim, um dos aspectos mais importantes das representações sociais refere-se
a sua dimensão. As representações constituem um universo de pensamento e de
opiniões estruturado por três eixos: as atitudes, as informações e o campo de
representação.
O eixo das atitudes está relacionado com a disposição (favorável) da pessoa
com o objeto representado, expressando uma orientação de valor. Possui forte
orientação afetiva, com graus distintos de comprometimento, dependendo da força da
representação em questão e das informações disponíveis sobre ela. São estas
características que tornam as representações dinâmicas.
55
3. AS TEORIAS SOBRE A COMUNICAÇÃO DE MASSA
Contextualização
“(...) o jornal de massa, como os outros veículos que se seguiram, foi uma
invenção que somente ocorreu após um conjunto complexo de elementos
culturais haverem aparecido e se acumulado no âmbito da sociedade. (...)
ele representou uma combinação desses elementos num ambiente social
que permitiu a aceitação e ampla adoção do jornal como um complexo
cultural” (DEFLEUR, 1993: 39).
56
Uma razão evidente para a existência dos meios de comunicação de massa é a
própria necessidade de o homem de comunicar. O homem, os meios, e a comunicação
passaram a ser objetos de pesquisa já no início do século XX, por áreas consagradas e
distintas como a filosofia e a sociologia, e por aquelas que davam seus primeiros passos,
como a psicologia social. Essa pluralidade teórica permitiu a abordagem de vários
enfoques, ao mesmo tempo em que, ainda hoje, falta coesão no direcionamento das
pesquisas e na definição de qual seria, enfim, o objeto de uma ciência da comunicação.
O Dicionário de Ciências Sociais (SILVA, 1986: 226-228), entretanto, apresenta três
aspectos pertinentes:
A segunda, com a qual as ciências sociais mais têm se dedicado, possui ainda,
três aspectos: a comunicação de massa como instituição social; as condições de eficácia;
a natureza e evidência dos efeitos, sendo este último o enfoque deste trabalho.
57
Panorama: características gerais
58
Essas circunstâncias provocaram uma espécie de “não-nascimento” de uma
teoria da comunicação, o início de uma situação que se prolonga aos dias de hoje onde
outros campos de pesquisa que ao abordarem os processos comunicativos elaboram
noções próprias sobre o tema como chama a atenção Marques de Melo: “ao analisar o
fenômeno comunicativo, cada ciência filosófica utiliza a sua própria perspectiva, a sua
própria terminologia, os seus conhecimentos específicos” (apud MARTINO, 2001a: 378).
A conseqüência é que muitas das teorias que serão apresentadas a seguir e que
são utilizadas nas escolas de Comunicação foram elaboradas a partir do que Martino
denomina como a exterioridade das teorias:
59
As teorias
43
para o psicólogo Stoetzel, esta linha de raciocínio prejudicou toda a produção futura da psicologia social
60
mensagens da mídia são recebidas de maneira uniforme pelos membros da audiência e
que respostas imediatas e diretas são desencadeadas por tais estímulos”
(DEFLEUR, 1993: 182). É também Lasswell, em 1948, quem desenvolve a fórmula
funcionalista: quem diz o quê, a quem, por qual canal e com que efeito?, considerada
uma evolução da teoria hipodérmica e que influenciará toda a produção americana
posterior (WOLF, 1999: 28).
Merton dedicou-se aos estudos sobre métodos sociológicos; Lewin, aos estudos
sobre as decisões de grupo, as reações individuais frente às mensagens e o papel dos
formadores de opinião; e Hovland, ao estudo experimental sobre persuasão com o
objetivo de medir a eficácia das propagandas políticas durante a Segunda Guerra.
Também na mesma época, foram elaboradas por Paul Lazarsfeld pesquisas quantitativas
sobre audiências com o objetivo de tornar os programas e a propaganda o mais eficiente
possível. Todas estas pesquisas foram desenvolvidas entre as décadas de 30 e 50.
Harold Innis e Marshall McLuhan foram os precursores daquilo que mais tarde
seria denominado Teoria dos Meios, fortemente impregnada pelo determinismo
tecnológico dos meios sobre a forma de organização social. Para Innis, os sistemas de
comunicação moldam a organização social porque estruturam relações temporais e
espaciais (MATTELART, 1999: 177). Já McLuhan defendia que os meios determinariam
os processos cognitivos em função de sua tecnologia, como por exemplo, nosso
pensamento seria linear e estruturado por conta da prática de leitura impressa
(KATZ, 1990). As críticas a essa teoria referem-se a falta de pesquisas empíricas, difíceis
de serem executadas, e a falta de importância que dão aos conteúdos.
Recentemente, têm-se incluído nos estudos de comunicação as produções
denominadas Cultural Studies, que focam a cultura como processo onde as
significações são construídas, criticando abertamente o determinismo tecnológico.
Autores como, Raymond Willians e Stuart Hall, fazem parte dessa corrente. Este último
também defende o papel importante do receptor na produção de sentidos abrindo
caminhos para os diversos estudos sobre a recepção da década de 80.
Certamente não foram listadas aqui todas as pesquisas e hipóteses conhecidas
e/ou utilizadas como teorias da comunicação de massa. Apenas listamos as correntes
mais conhecidas e algumas hipóteses que serão importantes no desenvolver da
dissertação.
63
Os efeitos sociais dos medias
Mauro Wolf, em um de seus últimos livros, Los efectos sociales de los media,
faz uma avaliação a respeito das teorias dos efeitos dos meios de comunicação de
massa. Em seu trabalho, o autor apresenta três momentos significativos na história
destas teorias: no primeiro, os meios são apresentados como onipotentes com poder
incontestável sobre os indivíduos (efeitos ilimitados); no segundo, este poder é colocado
em dúvida (efeitos limitados); no terceiro momento, mais atual, estas teorias passam por
uma renovação. Há novas maneiras de abordar o assunto, há muito mais pesquisas
também e, pelo menos, duas tendências (WOLF, 1994: 17): as análises agora relacionam
a evolução das técnicas com a percepção do espaço e do tempo e também consideram o
aumento de consumo da comunicação, particularmente, da TV.
O tema dos efeitos dos mass media com todas as diferenças sociais e técnicas
que encontramos hoje, não poderia e não se encontra no mesmo estado em que iniciou.
Entre as mudanças, segundo Wolf, há pelo menos três aspectos que devem ser
considerados para se compreender os direcionamentos atuais das pesquisas. O primeiro
é o caráter funcionalista das primeiras pesquisas que vinculavam seus temas com igual
força aos procedimentos e aos contextos político, econômico e cultural onde eram
desenvolvidas (WOLF, 1994:18). Muito das pesquisas produzidas, patrocinadas por
institutos do governo ou particulares, buscava explicar ou resolver problemas sociais
causados pela comunicação de massa. Eles apresentavam dados quantitativos sobre a
audiência e, principalmente, justificavam o papel dos meios de comunicação junto à
opinião pública. Estas pesquisas, ao mesmo tempo em que procuravam conhecer melhor
a indústria, visavam resolver as demandas político-institucionais.
64
y, en definitiva, para adquirir cierta legitimidad en el mundo académico.
(WOLF, 1994: 24)
Uma outra razão que o autor relaciona refere-se à indefinição de como e onde
surgiu a Teoria Hipodérmica, o que acaba por ilustrar a própria origem indefinida do
campo disciplinar da comunicação. Esta indefinição e o interesse de grupos distintos −
políticos, econômicos, educacionais −, e com objetivos diferentes (“múltiplos sujeitos
65
sociais”) faz com que, ao invés de uma teoria academicamente construída e com
conhecimentos verificados, encontremos um tema corrente na literatura da época
(WOLF, 1994: 34) e, também, uma espécie de “esquecimento” em relação às pesquisas
investigativas, cujos resultados eram ignorados por autores importantes como
Lazarsfeld.
66
El resurgir del interés hacia el problema de los efectos (...) no se puede
explicar con nuevos descubrimientos sobre el poder de los media, ni
tampoco con nuevos planteamientos metodológicos en el estudio sobre las
influencias de los media que hayan podido modificar la perspectiva de los
investigadores. Se trata más bien de una reavivación de interés hacia
preguntas que alguien había dejado de hacerse. (WOLF, 1994: 49)
Temos, portanto, nessa parte inicial do livro de Wolf, pelo menos duas propostas
interessantes: a idéia de uma história das teorias por coexistência e o retorno da idéia
que os meios de comunicação de massa exercem forte poder de influência junto à
audiência. As duas propostas nos parecem pertinentes. A primeira, pela constatação, ao
longo deste trabalho, das linhas de pesquisas, quase paralelas, que exerciam os
comunicólogos e os psicólogos sociais. A segunda, pela importância que possui a
cognição social tanto para a retomada do poder dos meios como para a psicologia
social.
67
A perspectiva de Elihu Katz
Elihu Katz (1990), por exemplo, apresenta três domínios de pesquisas − estudo
de públicos, de conteúdo e de efeitos −, freqüentes e que podem servir como orientação
para o recorte do campo. O último domínio, bastante abrangente, é também o que mais
está de acordo com a proposta dessa dissertação. Os efeitos aos quais se referem as
pesquisas são aqueles que ocorrem apesar de certas condições e apesar das diferenças
que encontramos entre os públicos para as quais as mensagens e seus conteúdos estão
direcionados: “De fato as pesquisas empíricas provam somente isto: os meios de
comunicação podem ser poderosos, mas sob certas condições (efeitos “indiretos”),
sobre certos segmentos do público (efeitos “limitados”)” (KATZ, 1990: 1).
O domínio dos efeitos é ainda divisível: encontramos dois tipos, os limitados e
indiretos e os diretos. Esta divisão surgiu com o desenvolvimento de pesquisas sobre os
efeitos das propagandas, onde é necessário selecionar o público específico que se deseja
atingir.
A teoria dos efeitos limitados corresponde aos trabalhos da escola
Communication Research, onde a influência exercida pelo mass media “não podia ser
total (seletiva), ela não podia ser direta (era preciso levar em conta as intermediações),
ela não podia ser imediata (o processo de influência demanda tempo)” (KATZ, 1990: 2).
A Communication Research, desde o seu início, sofreu influência da psicologia
social já que alguns de seus participantes eram psicólogos. Esta influência fica clara
quando se refere à teoria dos efeitos limitados, pois, ao visar a seletividade, trata do
indivíduo; ao visar às intermediações, trata das relações entre grupos; e ao visar os
efeitos, está,necessariamente, tratando da cognição. A limitação desta teoria estaria no
conceito ultrapassado de “efeito”, cujo foco eram as mensagens (e não os meios), o
desejo de influenciar (e não a circulação da informação ou o papel da ideologia), os
68
indivíduos mais que os grupos ou instituições sociais, e os efeitos imediatos mais que a
longo prazo.
69
A perspectiva de Enric Saperas
Apesar de não ser uma obra muito recente44, ainda é possível verificar que as
três diretrizes propostas por Wolf (1999: 15) nos estudos sobre comunicação de massa
continuam atuais e pertinentes, sem entrar em conflito com o que ele mesmo propõe em
outra obra mais recente (1994) e nem em choque com o que foi discutido por Saperas e
Katz:
– União das visões americana e européia, ou seja, a união da sociologia do
conhecimento, da influência dos meios de comunicação de massa sobre o
público e os determinantes culturais do pensamento;
44
a primeira edição de Teorias da comunicação é de 1987.
71
– Mudança na perspectiva temporal, das conseqüências diretas e imediatas
para os efeitos em longo prazo.
72
4. PSICOLOGIA SOCIAL E COMUNICAÇÃO DE MASSA
Apresentação
45
Serge Moscovici afirma: “O próprio termo ‘psicologia social cognitiva’ é um pleonasmo” (1985: 5).
46
considera com igual importância os comportamentos individuais e os eventos sociais, assim como os estados e
processos individuais na construção de suas realidades sociais
73
sociométricas, técnica da análise da comunicação social e da informação,
particularmente da análise de conteúdo.
47
Este é o período da retomada das pesquisas cognitivas já que a as primeiras pesquisas cognitivas tiveram origem na
década de 50.
48
Obviamente, o cognitivismo não é a única área de interesse da época: os trabalhos de McLunhan, Jacques Ellul e as
críticas de Baudrillard à cultura de massa são ocorreram paralelamente, confirmando a hipótese de Wolf (1994) de
coexistência das linhas de pesquisas.
49
Para Francis Balle (1991), o período 1940-1960 pode ser considerado a época de ouro da psicologia social nas
pesquisas sobre comunicação de massa.
50
Saperas (1993: 36-37) coloca a processo de persuasão, tal qual foi observado pela Mass Communication Research,
como oposta a cognição social, por ser a única ótica observada na época
74
perspectiva sobre os efeitos dos meios de comunicação de massa. Em ambos os casos,
entretanto, o caráter modulador e organizador da cognição social é fundamental.
Enric Saperas (1993: 49) propõe uma tipologia dos efeitos cognitivos da
comunicação de massa utilizando como parâmetro o direcionamento das linhas de
pesquisas:
75
Sutilezas
51
Definição de Georges Gurvitch citada por Braudel (1977: 141)
76
compreensão e a interpretação que este mesmo indivíduo tem si e da realidade onde se
encontra. Para a comunicação, entretanto, os mass media são o terceiro e importante
elemento entre o indivíduo e a sociedade.
Nenhuma disciplina das ciências sociais surgiu sem alguma influência de outra.
Como disse Braudel, “todas as ciências sociais se contaminam uma às outras”
(1977: 125). Assim aconteceu com a Sociologia, Psicologia, História e com a
Antropologia. Todas receberam influência e, conseqüentemente, também influenciaram
outras disciplinas. Isto também ocorreu com a Comunicação e não foi diferente com a
Psicologia Social: autores como Wundt, Durkheim, Mead, Blummer, Hovland e
Lazarsfeld são encontrados com freqüência e igual importância em mais de um dos
campos disciplinares citados, e “escreveram tanto sobre o indivíduo como sobre a
sociedade e a cultura” (FARR, 1998: 151).
A obra The American Soldier é um exemplo dessa troca de influências. Ao
mesmo tempo em que é considerada um marco inicial para a psicologia social, alguns
de seus volumes foram editados apenas por sociólogos. Tendo como pano de fundo a
Segunda Guerra Mundial, o interesse dessa coleção variava bastante, entre estudos
sobre as atitudes, comportamentos, persuasão, até as conseqüências da participação em
combates (FARR, 1998: 19). O terceiro volume, dirigido por Carl Hovland, tem como
assunto principal a influência massiva sendo tão importante para a psicologia social
como para a comunicação de massa, deixando a trilha aberta para que novas pesquisas
fossem desenvolvidas:
77
partir das condições culturais, interpessoais e de grupo e, também leva em conta as
condições pessoais. Por sua vez, para os pesquisadores da Comunicação, o importante é
a influência dos meios em todas as condições citadas, tanto no sentido de trocas entre
pessoas ou grupos e, o interesse deste trabalho, as mudanças que podem provocar
envolvendo a difusão de informações, propagandas e conhecimentos, o que reflete o
caráter socializador dos meios de comunicação de massa. Esta socialização, ou
aculturação, como prefere Stoetzel, ocorre de maneira silenciosa:
52
Para Wright (1973: 90), a “socialização é o processo pelo qual o indivíduo adquire a cultura do seu grupo e
interioriza suas normas sociais, fazendo com que seu comportamento leve em conta as expectativas dos outros. É
importante enfatizar que a socialização é um processo contínuo — estendendo-se da infância à velhice. Algumas
regras básicas sobre comida e alimentação são transmitidas ao indivíduo enquanto criança; outras, como namoro,
são adiadas para mais tarde. Alguns assuntos envolvem um aprendizado contínuo através da vida. A
responsabilidade da socialização cabe às pessoas ou instituições específicas, dependendo das áreas normativas
envolvidas. Os primeiros treinamentos de higiene são geralmente dirigidos pela mãe, enquanto o treinamento
vocacional posterior é supervisionado por especialistas de uma escola profissional ou no próprio emprego. A
socialização é geralmente deliberada, podendo ocorrer inadvertidamente quando o indivíduo descobre as normas
sociais sem nenhuma instrução especial sobre elas”.
78
comunicação de massa ao colocarem em dúvida o pensamento, corrente na época, que
considerava a audiência passiva53. Embora com limitações, o conceito de exposição
seletiva foi um passo importante para o andamento das pesquisas. Por outro lado,
Wright (1973: 94), já em um outro momento, também questiona: “as nossas opiniões,
atitudes, conhecimentos e comportamentos serão tão vulneráveis, a ponto de serem
mudados pelo que vemos na televisão, lemos nos jornais, ouvimos no rádio, e assim por
diante?”.
53
a noção de caixa preta como definiu Moscovici.
79
Wright e Stoetzel, portanto, põem em dúvida a capacidade de influência dos
mass media em função das condições presentes − que podem modificar seus efeitos e
eficácia −, sejam elas sociais, culturais, psicologias e até mesmo, tecnológicas.
Os modelos teóricos
Throughout The Spiral of Silence and other more recent works, Noelle-
Neumann concludes that most people are ignorant, passive, incapable of
genuine self-rule, and, therefore, unable to be held responsible for seriouss
decision-making beyond that which is required to observe simple social
rituals (SIMPSON, 1996: 166)54.
54
Ao longo de toda a Espiral do Silêncio e mais outros trabalhos recentes, Noelle-Neumann conclui que a maioria
das pessoas são ignorantes, passivas, incapazes de auto-controle, e, conseqüentemente, incapazes de sustentarem
responsabilidades pelas decisões sérias além das quais é requerido para observar simples rituais sociais.
80
A Espiral do silêncio e a Agenda-setting também apresentam diferenças
sensíveis apesar de inspirações semelhantes: ambas foram desenvolvidas a partir de
análises de campanhas eleitorais. Elizabeth Neumann elaborou a hipótese da Espiral no
início da década de 70 após os resultados as eleições alemãs de 1965 e 1972, que foram
bastante diferentes das intenções antes divulgadas. A hipótese da Agenda-setting, de M.
McCombs e D. Shaw, foi inspirada na campanha presidencial norte-americana de 1968.
O próprio McCombs explica que, ao mesmo tempo em que ambas utilizam
conceitos psicossociais em suas análises, estas hipóteses observam perspectivas
diferentes dos efeitos provocados pelos “mass media: the two theories’ seemingly
disparate views of the world are akin to two travelers riding the same train but looking
out the windows on opposite sides” (MCCOMBS, 1993: 61)55. Em resumo, duas teorias
cognitivas, com enfoque psicossociais, mas que tratam da influência dos meios de
comunicação partindo de pressupostos diferentes e, conseqüentemente, com objetivos
distintos.
Espiral do silêncio
55
As duas teorias aparentemente disparam visões do mundo similares a dois viajantes no mesmo trem mas
observando as janelas pelos lados opostos.
81
mensagens que tendem a reforçar as atitudes prévias e que dificilmente
podem mudar a opinião dos indivíduos considerados (SAPERAS, 1993: 43).
Agenda-setting
A idéia básica é existir relação estreita entre a maneira pela qual a mídia
noticiosa (a imprensa em sentindo amplo) apresenta problemas em foco
durante uma campanha política e a ordem de importância atribuída a
esses problemas pelos que são expostos ao noticiário
(DEFLEUR, 1993: 384).
56
O papel dos meios nesta dinâmica diz respeito a um efeito de amplificação vinculado a visibilidade (...) das
diferentes tendências de opinião confrontadas na esfera social. A espiral do silêncio indica um deslocamento de
opinião nascido do feito de que um grupo “aparece mais forte do que é na realidade, ainda os que tenham uma
opinião distinta parecem mais fracos do que efetivamente são. O resultado é uma ilusão ótica e acústica respeito a
situação efetiva da maioria, a balança do poder.
84
o que os meios querem que a opinião pública pense, saiba, discuta, se importe e se
preocupe, é saber o que o público realmente pensa, se discute e se se preocupa com o
que os meios mantêm em suas pautas. É a primeira diferença conceitual entre estas
hipótese e, também, a primeira proximidade da agenda-setting com a teoria das
representações sociais. Enquanto Noelle-Neumann acredita na ignorância, na
passividade e na incapacidade de escolhas próprias do público, a hipótese de McCombs
deixa aberta pelo menos duas possibilidades de investigação, ambas coerentes com o
pensamento de Moscovici: sobre como os agentes produtores organizam as informações
que serão divulgadas e como estas informações são absorvidas pela opinião pública.
57
Implica que os destinatários teriam na mensagem todos os elementos de compreensão do texto, o que
sabemos ser impossível.
87
tema ou um assunto aparece, é uma indicação importante utilizada pelos destinatários
para avaliarem a sua importância” (1999: 165). E ainda, ressalta que pesquisas sob o
domínio da psicologia cognitiva e da semiótica textual consideram igualmente os
elementos nem sempre mencionados (mas que combinam novas informações com as
antigas).
89
Contribuições
90
As informações investigadas normalmente têm sua origem em conversas
espontâneas, entrevistas, produções discursivas (livros, periódicos, jornais etc), ou seja,
são o resultado da comunicação oral ou escrita. A análise de conteúdo, técnica mais
comum para verificar estes dados, nem sempre é a mais a adequada devido ao seu
caráter subjetivo. Na análise de correspondência − outro método comum − são feitas
(pelos entrevistados) associações com palavras estímulos relativas ao objeto proposto:
Así, las palabras que se han asociado con muchos de los estímulos
presentados quedan agrupados en el centro de la representación gráfica
mientras que aparecen, agrupadas en outras zonas, aquellas palabras que
han sido asociadas de forma particular. En defintiva, la forma en que las
personas estrutucturan el campo semantico de un determinado objeto
permite acceder a su representación social de dicho objeto
(IBAÑEZ, 1988: 68).
O grande interesse pela proposta teórica fez com que a proposta original − a
“grande teoria” −, se desmembrasse em outras “correntes teóricas complementares”
(SÁ, 1998: 80). Três destas correntes se destacaram: a de Denise Jodelet, mais próxima
a teoria original; a de Willem Doise, que possui uma perspectiva sociológica; e a de
Jean-Claude Abric, “que enfatiza a dimensão cognitivo-estrutural das representações”
(SÁ, 1998: 67). A escolha de uma corrente teórica como parâmetro de análise significa
também a escolha de métodos que se adeqüam melhor à perspectiva utilizada. O que
costuma ocorrer pode ser simplificado da seguinte forma:
91
Abordagem estrutural
Tomamos a abordagem estrutural de Abric como metodologia para analisar
possíveis afinidades entre a teoria de Moscovici e a Agenda-Setting. A escolha baseou-
se não apenas porque esta proposta foi elaborada em torno da teoria das representações
sociais, mas também, porque articula a análise de conteúdo e o interesse pelos processos
de avaliação e de transformação (ABRIC, 1998: 13) que a aproxima das estratégias
metodológicas da Agenda-Setting.
Além das influências de Fritz Heider e Solomon Asch (SÁ, 1996: 64-65) que já
haviam desenvolvido a idéia de centralidade, Abric buscou na própria teoria das
representações sociais, na noção do núcleo figurativo, a inspiração para desenvolver sua
metodologia. Parte integrante do campo de representação (uma das estruturas de uma
representação social, ao lado da atitude e da informação), o núcleo figurativo é o
resultado do processo de objetivação58. Para Ibañez, esta característica o transforma na
“parte más sólida y más estable de la representación, sino que ejerce una función
organizadora para el conjunto de la representación” (1988: 47). Este noção do núcleo
figurativo possibilitou que Abric desenvolvesse seu conceito de representações sociais,
onde cada representação possui também a função organizadora e estruturadora das
informações, crenças, opiniões e atitudes, mas é formada também por um sistema
periférico além do sistema central (ABRIC, 1998: 1).
58
Moscovici (2000: 50) define o núcleo figurativo como um “complex of images that visibly reproduces a complex of
ideas”.
92
Nós pensamos da nossa parte que o núcleo central é o elemento essencial
de toda representação constituída e que ele pode, de uma certa maneira,
superar o simples quadro do objeto da representação para encontrar sua
origem diretamente nos valores que o transcendem e que não exigem nem
aspectos figurativos, nem esquematização, nem mesmo concretização.
(ABRIC in SÁ, 1996: 66).
93
É importante ressaltar que a identificação dos elementos centrais e periféricos é
fundamental para se reconhecer uma representação e garantir o sucesso da abordagem
estrutural como metodologia de pesquisa. Utilizando algumas técnicas conhecidas na
psicologia social é possível identificar as relações entre os elementos da representação
(conjunto de pares de palavras, comparações ou conjunto de palavras que estejam
relacionadas com a representação em estudo) ou a hierarquia destes elementos. É
possível ainda a utilização de técnicas como a indução por cenário ambíguo e os
esquemas cognitivos de base para testar a centralidade de uma representação.
94
Segundo McCombs (in WOLF, 1999: 165), “a hipótese do agenda-setting
desenvolve-se a partir de um interesse geral pelo modo como as pessoas organizam e
estruturam a realidade circundante. A metáfora do agenda-setting é uma
macrodescrição deste processo”. Organização e estruturação que ocorre a partir dos
conteúdos expostos nos meios de comunicação de massa e que resultam em duas
agendas: a dos mass media e a do público. A hipótese do agenda-setting possui, assim
como a teoria das representações sociais, o interesse voltado para o processo de
construção da agenda temática e para o produto desta agenda junto ao público. Por fim,
três objetos de estudo direcionam o desenvolvimento destas pesquisas
(SAPERAS, 1993: 61-72):
– temas e tópicos, ou a composição e formação da agenda dos mass media:
relacionado com o processo de seleção e exposição dos meios
(salience/itens de atualidade) e com o conhecimento público a respeito
dos itens de atualidade;
59
Como foi observado na página 88.
95
o desconhecimento dos atributos da audiência, a indefinição das agendas e a
indeterminação do quadro temporal.
96
Ancoragem e objetivação
A ancoragem e a objetivação, os dois processos formadores das representações,
são campos pouco estudados e pesquisados entre os psicólogos sociais. Segundo Celso
Sá (1998: 69-70) a dificuldade em identificar estes processos e a falta de interesse de
pesquisadores como Abric e Doise pode explicar este aparente descaso.
O mais importante nesta afirmação é que, além de confirmar o papel dos mass
media como um terceiro elemento intermediário entre os indivíduos e a sociedade, ela
está, ao mesmo tempo, de acordo com a afirmação de Jovchelovitch que considera esses
dois processos como mediações, “trazendo para um nível quase material a produção
simbólica de uma comunidade e dando conta da concreticidade das representações
sociais na vida social” (1994: 81).
97
É possível que a contribuição mais significativa dos mass media na construção
de um núcleo figurativo seja na segunda fase. Ao menos, no que se refere à televisão,
onde os discursos aparecem, inevitavelmente, acompanhados de imagens “explicativas”.
Desta maneira, mesmo quando novos elementos ou conceitos são expostos, ocorre a
seleção figurativa que possa ilustrá-los.
Comparações
98
eles são a terceira fonte de determinação das representações sociais, ao lado do fundo
cultural acumulado na sociedade e dos mecanismos de ancoragem e objetivação:
- e, ainda, do papel que cada meio possui na sociedade em que atua: jornais,
por exemplo, são mais relevantes para a opinião pública em alguns países
da Europa do que no Brasil (onde na maioria das vezes parecem exercer
um papel complementar, quase coadjuvante)60.
60
Os jornais, mais elaborados, precisam de substituição diária, tornando-os menos acessíveis. Numa espécie de
tentativa para compensar o prejuízo, os jornais no Brasil passaram por algumas modificações que os tornaram
semelhantes às revistas.
99
Por outro lado, observando as definições dos processos de ancoragem e
objetivação e dos sistemas de comunicação − propaganda, propagação e difusão −,
percebe-se que as variáveis acima não possuem para a teoria das representações sociais
o mesmo peso que nas teorias da comunicação de massa (agenda-setting e espiral do
silêncio). Independentemente da importância atribuídas aos mass media, eles dividem
com o convívio social, com as experiências comuns do dia-a-dia e com as conversas
interpessoais a responsabilidade da produção e manutenção das representações sociais:
Uma característica comum a todas estas pesquisas é que não consideram que os
meios são tanto produto quanto processo e que eles concretizam as representações ao
contrário de inventá-las. Nos resumos, apenas quatro trabalhos63 apresentam os meios
como colaboradores no desenvolvimento das representações. Na maioria, o sujeito
61
Nas ruas, nos cafés, escritórios, hospitais, laboratórios, etc, as pessoas analisam, comentam, forjam espontaneidade
“filosofias” não oficiais que têm um impacto decisivo em suas relações sociais, em suas escolhas, na maneira que
educam seus filhos, planejam antecipadamente e assim por diante. Eventos, ciências e ideologias que simplesmente
produzem “alimento para o pensamento”.
A expressão “alimento para o pensamento” é bastante apropriada com o que ocorre nos agendamentos mediáticos: os
temas agendados se tornam alimentos para as conversações cotidianas.
62
Tornando as variáveis − público-alvo, diferenças sociais, econômicas, tecnológicas etc −, coadjuvantes.
63
GT D1.08, GT D1.12 e D2.07
100
− representação de quem? −, não fica claro, o que não deve ser visto como surpresa,
pois, na verdade, para estes pesquisadores, não há um sujeito específico e sim, um
grupo social. Desta forma, justamente ao contrário das pesquisas em comunicação de
massa, se considera a imprensa como um todo, ignorando as regiões em que os jornais
são produzidos, a linha editorial, o público que se espera atingir, quem realmente tem
acesso às informações e se, os conteúdos propostos são compreendidos. Os meios são
considerados em bloco, como uma dimensão social em si mesma, sem que sejam
levados em conta suas particularidades (por ex., Estado de São Paulo x Folha de São
Paulo, que possuem propostas editoriais distintas), suas contradições e as condições de
possibilidades que os tornam eficazes. Sem conseguir identificar ou sem dar muita
importância ao papel e ao valor de cada variável isoladamente ou no seu conjunto.
Confirmando esta tendência encontramos a posição de Michel-Louis
Rouquette, um dos principais pesquisadores sobre representações sociais e comunicação
de massa. Este psicólogo social observou que normalmente os dois temas envolvem a
seguintes questões (1996: 223):
Para ele, além de serem questões ingênuas, elas também são armadilhas
metodológicas que apenas nos levam de uma resposta à outra, de um conteúdo ao outro,
ou seja, das representações sociais para a comunicação de massa e da comunicação de
massa para as representações sociais, num constaste círculo vicioso.
Essa postura difere, portanto, da encontrada na comunicação social. Para os
comunicólogos, uma única variável já é o suficiente para que os efeitos sejam distintos.
Dessa maneira, um mesmo conteúdo, se difundido pela TV, pelo telefone, por uma
conversa informal ou por um outdoor, pode provocar interpretações e reações diferentes
em seus públicos-alvo. No caso da teoria das representações sociais, o interesse não é
avaliar estes efeitos separadamente. Apenas busca-se uma compreensão compartilhada
do discurso que é (re) produzido pelos mass media reforçando o senso comum. Todo o
101
interesse dos teóricos das representações sociais se volta, assim, para o processo de
transformação do não-familiar em familiar64.
Em nossa opinião, o modo peculiar que cada ciência observa a ocorrência dos
efeitos dos meios de comunicação de massa na sociedade sugere uma interpretação
semelhante à de McCombs. A psicologia social e a comunicação social
(respectivamente apresentadas pela teoria das representações sociais e pelas teorias
cognitivas da comunicação de massa, agenda-setting e espiral do silêncio) são ciências
64
Vide capítulo 2. Tópico 2.2.4.1, p. 49 (Familiar e não familiar).
65
Comparada ao jornalismo, o que talvez não seja exatamente nossa ambição (ROUQUETTE, 1996: 223).
102
com propósitos diferentes e que, conseqüentemente, utilizam ferramentas de análise
distintas. Isto não impede, entretanto, que possa haver contribuições entre uma e outra.
Conceitos desenvolvidos por Moscovici, como ancoragem e objetivação, por exemplo,
podem se tornar instrumentos significativos para os trabalhos de análise da audiência,
típicos da Comunicação Social, que por sua vez pode fornecer um aparato conceitual
que permita uma maior precisão da análise da atividade mediática, extremamente
simplificada pelos psicólogos sociais. Trata-se, portanto, de uma verdadeira relação de
complementaridade, a qual não descarta, ao contrário, ressalta, a necessidade de se
reconhecer os limites e competências dessas disciplinas.
103
5. CONCLUSÃO
Os meios de comunicação de massa, enquanto difusores dos valores,
conhecimentos e das representações sociais, transformam, adaptam, processam novas
informações, valores, conhecimentos, exercendo grande influência na organização
social e na construção da realidade. Conseqüentemente, a história das teorias da
comunicação de massa é marcada por uma intensa interdisciplinaridade. A troca de
informações entre as diferentes ciências sociais enriqueceu a Comunicação Social
permitindo, simultaneamente, o desenvolvimento do campo com outras disciplinas,
como a psicologia social.
106
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