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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

FACULDADE DE COMUNICAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO

A relevância da teoria das


representações sociais
para as pesquisas em
comunicação de massa

Dissertação apresentada ao PPG/FAC


para a obtenção do grau de mestre em
Comunicação. Linha de pesquisa: Meios
de Comunicação e Processos de
Significação. Professor Orientador: Luiz
Cláudio Martino

ROSANA NANTES PAVARINO

Brasília – 02/2003
A relevância da teoria das representações sociais
para as pesquisas em comunicação de massa

2
DEDICATÓRIA

Para o Victor e para minha mãe


por nunca duvidarem.

3
AGRADECIMENTOS

À toda minha família − pais e sogros, irmão e cunhados −, pelo apoio, pela torcida, pela
confiança, sempre.
Aos professores do mestrado, pelo incentivo.
Aos colegas do mestrado, em especial, à Rafiza e à Janara, por seus ombros amigos.
À Regina e ao Luciano, pela paciência e disponibilidade.
Ao Marcelo, por seu companheirismo pela ajuda na revisão.
Ao Mário Bispo, pelas conversas inspiradoras.
Ao Wagner Rizzo, por sua amizade.
À Giana, por seu sorriso contagiante, pelo café, pela torcida e pelas conversas
deliciosas.
À Capes, pelo apoio financeiro que possibilitou o andamento desta dissertação.

Agradecimento especial
Ao Martino, pelo privilégio de ser sua orientanda, desfrutando de seus conselhos, de sua
dedicação, de sua segurança e de sua amizade.

4
RESUMO
Os meios de comunicação de massa ocupam uma posição privilegiada na
organização social e na construção da realidade social contemporânea. Importância que
propiciou uma grande convergência de interesses de diferentes disciplinas das ciências
sociais, particularmente a Comunicação Social e a Psicologia Social. Esta dissertação
propõe uma investigação entre algumas teorias destas duas disciplinas, tomando como
eixo de análise a Teoria das Representações Sociais de Serge Moscovici e duas teorias
da comunicação de massa − a Agenda-Setting e a Espiral do Silêncio − com o objetivo
de apontar eventuais contribuições teorias e metodológicas.

ABSTRACT
Mass media plays an important part in social organization and in the
construction of contemporary social reality. Its importance has provided a considerable
convergence of interests coming from differents social science subjects, particularly
social communication and social psichology. This dissertation compares a theory of
social psichology - Serge Moscovici´s Theory of Social Representations - and two mass
media theories: agenda-setting and spiral of silent, aiming to point out possible theorical
and methodological contribuition.

5
ÍNDICE:
1. Introdução ________________________________________________________ 7
1.1. Algumas observações preliminares _______________________________ 13
1.2. Cultura de massa ______________________________________________ 17
1.3. Meios de comunicação de massa _________________________________ 24
1.4. Representações sociais _________________________________________ 27
2. Psicologia social __________________________________________________ 31
2.1. Apresentação _________________________________________________ 31
2.1.1. Psicologia: contexto de emergência do campo ___________________ 31
2.1.2. A psicologia social ________________________________________ 32
2.2. Teoria das representações sociais _________________________________ 34
2.2.1. A teoria e o conceito _______________________________________ 34
2.2.2. O fenômeno das representações sociais ________________________ 38
2.2.3. Moscovici e Durkheim _____________________________________ 45
2.2.4. Principais conceitos _______________________________________ 49
2.2.4.1. Familiar e não familiar ___________________________________ 49
2.2.4.2. Processos formadores ____________________________________ 50
2.2.4.2.1. Ancoragem ____________________________________________ 51
2.2.4.2.2. Objetivação ____________________________________________ 53
2.2.4.2.3. Atitudes, informações e o campo de representação _____________ 55
3. As teorias sobre a comunicação de massa ______________________________ 56
3.1. Contextualização ______________________________________________ 56
3.2. Panorama: características gerais __________________________________ 58
3.3. As teorias ___________________________________________________ 60
3.4. Os efeitos sociais dos medias ____________________________________ 64
3.4.1. Por Mauro Wolf __________________________________________ 64
3.4.2. A perspectiva de Elihu Katz _________________________________ 68
3.4.3. A perspectiva de Enric Saperas ______________________________ 70
4. Psicologia social e comunicação de massa ______________________________ 73
4.1. Apresentação _________________________________________________ 73
4.1.1. A noção de cognição social _________________________________ 73
4.1.2. Sutilezas ________________________________________________ 76
4.2. Os modelos teóricos ___________________________________________ 80
4.2.1. Espiral do silêncio _________________________________________ 81
4.2.2. Agenda-setting ___________________________________________ 84
4.3. Contribuições ________________________________________________ 90
4.3.1. Abordagem estrutural ______________________________________ 92
4.3.2. Ancoragem e objetivação ___________________________________ 97
4.4. Comparações _________________________________________________ 98
5. Conclusão ______________________________________________________ 104
Referências Bibliográficas _____________________________________________ 106

6
1. INTRODUÇÃO
Analisando os livros sobre teorias da comunicação normalmente utilizados nas
escolas no Brasil verificam-se, no mínimo, duas características:

– não há uma única forma de classificar as teorias existentes: há autores que


preferem descrevê-las cronologicamente; há os que preferem por linhas de
pesquisas; há os que propõem outras formas de análises, utilizando
conceitos como “efeitos” ou separando-as por modelos (lingüístico-
funcional, semiótico etc.);
– considerando o forte caráter socializador da comunicação de massa, as
teorias correspondentes não possuem uma origem comum, única. A
influência, os efeitos e as mudanças de comportamento provocadas pela
comunicação de massa estão presentes, desde o início do século, em várias
disciplinas das Ciências Sociais, como a sociologia, psicologia e filosofia.
As origens e preocupações são tão distintas que não chega a haver
concorrência entre as pesquisas, mas simultaneidade nos objetos
investigados.
Exemplificando a segunda característica, o sociólogo G. Tarde foi um dos
primeiros cientistas a se interessar pela comunicação. Sua preocupação principal,
apresentada na obra L’Opinnion et la foule (1901), era com a conversa interpessoal, a
imprensa e a influência destes na opinião pública (BALLE, 1995: 561). Também
incomodava a Tarde o pouco interesse que a sociologia havia dedicado ao assunto até
então. Sua preocupação deu resultados, como o trabalho de Simmel e o de Mead1.
Desde então, a sociologia e outras ciências sociais incluíram em suas pautas a
preocupação com a comunicação, principalmente a de massa.

Entre os campos disciplinares que se interessaram pelos mass media destaca-


se, portanto, o papel da sociologia e da psicologia, especialmente da psicologia social.
Em conjunto com a filosofia, são estas ciências que, enquanto buscavam resolver seus
próprios questionamentos, formaram a base epistemológica das teorias que a Ciência da
Comunicação possui atualmente.

1
Como o ensaio publicado por Simmel em 1917 em Grundfragen der Soziologie − Individuum und Gesellschaft e o
livro Mind, Self and Society, de 1934, por G.H. Mead (BALLE, 1995: 562-563).
7
É assim que podemos explicar a influência do funcionalismo na fórmula do
cientista político Lasswell (quem diz o quê a quem por que canal e com que efeito?) ou
o interesse do matemático e sociólogo austríaco, Paul Lazarsfeld, na influência da mídia
sobre os eleitores durante uma campanha presidencial. A psicologia, por outro lado, se
interessa particularmente pela influência da propaganda de guerra e dos líderes de
opinião.
O interesse de algumas áreas é tão grande que elas não apenas contribuem com
novas propostas, objetos ou teorias, mas tomam para si o campo de pesquisa com um
todo. Este é, por exemplo, o caso da psicologia social que considera a comunicação de
massa um campo de pesquisa por excelência (ROUQUETTE, 1998: 516), o que pode ser
constatado no terceiro volume da obra The American Soldier − considerada fundamental
para o desenvolvimento desta ciência −, totalmente dedicado à comunicação de massa:
Experiments on Mass Communication.

O artigo Un siècle de théories de l’influence: histoire du procès de medias de


Marie-Pierre Fourquet (1999), por sua vez, ao apresentar um resumo das teorias sobre a
influência dos mass media, não apenas coloca a psicologia social como pano de fundo
de sua análise como ainda, ao final, apresenta a seguinte questão: “Doit-on laisser aux
psychologues sociax le monopole des études rigoureuses sur la réception?”2 (p.116).

Em um primeiro momento, esta dúvida de Fourquet pode parecer estranha,


pois, como os psicólogos sociais poderiam deixar de monopolizar os estudos sobre
recepção se eles não monopolizam estes estudos3? É preciso, portanto, fazer algumas
considerações que possam explicar o porquê dessa questão do autor.

Um caminho provável está indicado na própria história da psicologia social,


que surge como um campo de pesquisa cujo diferencial é o interesse no comportamento
do indivíduo sob influência do social, e não do indivíduo isolado, como no caso da
psicologia. Conseqüentemente, há um interesse óbvio em investigar o que pode
influenciar o comportamento das pessoas e dos grupos, numa tentativa em desvendar

2
Deve-se deixar aos psicólogos sociais o monopólio dos estudos rigorosos sobre a recepção?
3
Armand Mattelard classifica o artigo “Encoding/Decoding” de Stuart Hall como um marco em direção aos estudos
sobre recepção. (1999: 109). Ao mesmo tempo, Mauro Wilton Sousa (1995: 13-38) explica que as mudanças políticas
que ocorreram nas décadas de 70 e 80 colocaram o indíviduo em uma “zona limite e conflitiva” (sujeito-indivíduo X
sujeito social, onde o receptor se alterna entre o consumidor social e o auto-desbravador ) instigando o
desenvolvimento de pesquisas onde o sujeito não limita ao determinismo emissor/receptor, “mas resgata-se nele
também um espaço de produção cultural”.
8
como os conhecimentos são compartilhados, e ainda, como são transformados em
prática. O que imediatamente nos remete aos meios de comunicação de massa e sua
influência nos comportamentos, individuais e sociais. Uma outra explicação vem de
uma simples observação: em algumas instituições, como na London School of
Economics, a Comunicação Social é uma linha de pesquisa que faz parte da psicologia
social, e não uma cadeira independente.
O importante é constatar no texto de Fourquet e em outros semelhantes que a
psicologia não apenas se manteve ao longo do século interessada na comunicação de
massa como também desenvolveu trabalhos importantes na área. Num breve resumo4, o
autor constata, por exemplo, que na década de 30 houve a predominância dos trabalhos
sobre influência, principalmente da propaganda de guerra; nos anos 40, destacaram-se
as pesquisas realizadas por Lazarsfeld e a Mass Communication Research. Entre elas, a
Two Steps Flow of Communication, que focava a importância dos líderes de opinião.
Com a publicação de The American Soldier, obra fundamental para o estabelecimento
da psicologia social com campo de pesquisa, os trabalhos se direcionaram para o
aspecto cognitivo de comportamento.
A partir da década de 40, quando Horkheimer e Adorno, ambos da Escola de
Frankfurt5, desenvolvem o conceito da Indústria Cultural, é possível perceber um certo
distanciamento entre as teorias elaboradas pela sociologia e pela comunicação da
psicologia social. É nesta época que estas ciências, mesmo abordando assuntos
semelhantes sobre a comunicação de massa, desenvolvem trabalhos paralelos,
desconhecendo as pesquisas entre as áreas.
Na década de 70 o interesse da psicologia social se volta para os estudos de
recepção, partindo ainda da premissa cognitivista, e também persuasão e mediação:
“Tout au long dês années 70, les psychologies sociaux s’attachent à réinterpréter les

4
O assunto voltará a ser tratado nos próximos capítulos.
5
A Escola de Frankfurt (Instituto de Pesquisa Social) foi fundada em 1924 pelos filósofos Max Horkheimer e
Friedrich Pollock. A instituição, patrocinada por comerciantes judeus e com orientação marxista, tinha por objeto de
estudo a economia capitalista. Com a perseguição de Hitler, divide-se em anexos que se espalham por Genebra,
Londres e Paris. Com a oferta. Em 1938, Horkheimer, Löwenthal e Adorno se transferem para a Universidade
Columbia nos EUA. (MATTELART, 1999: 74-75)
9
phénomènes attribués à dês mécanismes motivationnels em termes de traitement de
l’information”6 (FOURQUET, 1999 : 110).

Os anos 80 são marcados por um certo equilíbrio entre dois aspectos: a


motivação e a cognição. Predomina a “teoria do duplo processo”, onde o receptor pode
ser ativo ou passivo, a depender de suas motivações e de seus processos cognitivos
(FOURQUET, 1999 :112). Nos anos 90, se consolida o aspecto da cognição social e do
receptor complexo.

A apresentação cronológica das teorias como faz Fourquet, apesar de ser muito
comum em todas as ciências sociais, apresenta um inconveniente: direciona o raciocínio
para uma compreensão linear, como se desenvolvimento de um novo modelo colocasse
um ponto final nas explicações anteriores. A crítica feita por Mauro Wolf (1994: 49-50)
sobre este tipo de apresentação poderia ser estendida as outras ciências: uma teoria não
deixa de existir quando uma nova é desenvolvida e/ou se torna hegemônica. Elas
coexistem e se influenciam e, às vezes, ocorre a predominância de uma ou de outra.
A idéia da coexistência faz ainda mais sentido quando se considera que teorias
semelhantes são desenvolvidas em campos de pesquisas diferentes, como o que ocorre
entre a sociologia, psicologia social e comunicação. Por exemplo, enquanto entre os
teóricos da comunicação havia grande interesse pela recepção na década de 80, a
psicologia já pesquisava o assunto nos anos 70. Nos anos 90, é possível verificar uma
aproximação das propostas quando nasce o conceito do receptor complexo.
Observando o andamento das duas ciências, há a impressão que, mesmo
traçando caminhos semelhantes ao iniciarem, houve um momento de bifurcação onde, o
que é produzido de um lado é totalmente ignorado do outro. Enquanto os teóricos da
comunicação de massa caminhavam por caminhos independentes, ou supostamente
independentes, ignorando muitas vezes a origem e as preocupações iniciais de suas
teorias, os psicólogos sociais continuavam buscando e desenvolvendo suas próprias
pesquisas sobre o assunto, mas também ignorando o que era produzido pela
comunicação.

6
Ao longo dos anos 70, os psicólogos sociais se colocam a tarefa de reinterpretar os fenômenos atribuídos aos
mecanimos motivacionais em termos de tratamento da informação.

10
A teoria das representações sociais, desenvolvida em 1961 por Serge
Moscovici, é um exemplo das duas situações: de coexistência de duas propostas teóricas
diferentes e a da importância da comunicação de massa para a psicologia social.
Enquanto a psicologia social vivia o auge das pesquisas cognitivas e da defesa de um
“conhecedor ingênuo”7, Moscovici propõe uma teoria onde

As representações sociais têm propriedades particulares, que não se pode


descobrir a não ser estudando suas relações com os grupos sociais, assim
como deve-se estudar as leis do mundo animal de preferência através de
grupos de animais ao invés de animais isolados. Somente se conhecermos
estas propriedades é que podemos esperar clareza sobre a gênese de
nossas categorias analíticas em função das pessoas ou de situações e de
regras lógicas. Pois, na vida mental, muito além do que simples reações de
nossos sentidos, tudo é necessariamente social por natureza. Através desta
abordagem, obteremos uma visão mais exata das coisas, do que em nos
dividindo em “naturais” e “sábios”. (1985: 28)

A importância da comunicação de massa nessa proposta é verificada pela


utilização de dados pesquisados na imprensa e, mais significativo, por assinalar três
sistemas de comunicação − a difusão, a propagação e a propaganda −, que serviram para
analisar estes dados e verificar a imagem social da psicanálise8 encontrada na imprensa
francesa. Moscovici considera sua teoria uma contribuição ao conceito de Durkheim −
de representações coletivas −, e também uma evolução com relação aos conceitos de
atitude e cognição, utilizados na psicologia social (1985: 4). O objetivo, ao desenvolver
sua hipótese, era elaborar uma teoria que pudesse compreender como ocorre o processo
de construção do senso comum em relação aos conteúdos formais que circulam nas
conversas interpessoais e nos meios de comunicação de massa.
A teoria das representações sociais de Moscovici interessa por várias razões à
área da comunicação. A primeira delas é o fato de incluir em seu desenvolvimento a
comunicação de massa como um dos alicerces na elaboração de um senso comum −
como, aliás, normalmente ocorre nos estudos de psicologia social. A segunda, por
apresentar uma contribuição às pesquisas cognitivistas. É importante ressaltar que

7
“Ele é impermeável à informação, se contenta em confirmar suas teorias em vez de falsificar teorias, e explica tudo
o que ele observa fundamentando-se em causas pessoais” (MOSCOVICI, 1985: 17).
8
A teoria foi desenvolvida para estudar as representações sociais da psicanálise da sociedade francesa como será
apresentado no próximo capítulo.
11
Moscovici constrói sua teoria com o objetivo de apresentar uma alternativa à abordagem
cognitiva ao mesmo tempo em que reconhece que a psicologia social é, essencialmente,
uma ciência cognitivista (MOSCOVICI, 1985). Um terceiro motivo é por ser uma análise
do processo comunicacional em uma área que contribuiu significativamente à origem da
ciência da comunicação.
Esta postura do autor com relação ao cognitivismo torna-se ainda mais
importante para a comunicação quando se verifica a convergência das pesquisas em
comunicação de massa a partir dos anos 70 (WOLF, 1994; SAPERAS, 1993). Saperas
(1993), por exemplo, identifica quatro teorias desenvolvidas neste período que utilizam
a noção de cognição social: a Agenda-setting, a Gap Hypothesis, a tematização (Niklas
Luhmann) e os efeitos cognitivos resultantes da produção de notícias como construção
social da realidade. As considerações apresentadas podem ser assim resumidas:
– a psicologia social é um campo de pesquisa que influenciou fortemente as
primeiras pesquisas sobre comunicação de massa que deram origem à
Ciência da Comunicação;

– é também uma ciência que se preocupa e se ocupa com a comunicação de


massa;

– há uma tendência nas pesquisas em comunicação de massa a partir da


década de 70, em utilizar a premissa da cognição social, essência da
psicologia social, na elaboração de novas teorias;

– por último, a teoria das representações sociais, desenvolvida por um


psicólogo social, apresenta contribuições teóricas e metodológicas para a
comunicação.

Portanto, a proposta deste trabalho é uma análise das teorias cognitivas da


comunicação de massa comparando-as com os novos conceitos apresentados pela teoria
das representações sociais, avaliando uma possível contribuição desta teoria para as
pesquisas de comunicação de massa.

A dissertação traz um total de cinco capítulos. O primeiro faz um breve relato


dos principais tópicos: a cultura de massa (fundamental para a compreensão da questão,
pois é o “pano de fundo” onde a comunicação de massa se desenvolve), os meios de
comunicação (importância na sociedade) e representações sociais (breve apresentação).

12
O segundo capítulo está totalmente dedicado à psicologia social e à teoria das
representações sociais. O terceiro apresenta as teorias sobre comunicação de massa
focando, principalmente, as teorias cognitivas. O quarto capítulo faz uma análise entre
as teorias cognitivas discutidas anteriormente e a teoria de Serge Moscovici. O quinto e
último capítulo é a conclusão do trabalho.

Algumas observações preliminares

 Em maio de 2000 foi possível visualizar uma conjunção entre seis planetas, a
lua e o sol. Pequenos alinhamentos, com 2 ou 3 planetas são comuns, e
acontecem aproximadamente a cada década. Entretanto, uma conjunção como
esta só poderá ser vista novamente em 2438. Há milhares de anos, sem
instrumentos ou satélites, era a visão, a posição e andamento dos planetas, da lua
e do sol que guiavam os navegantes, orientavam os agricultores, marcavam o
tempo e a localização no espaço. Sem a iluminação concorrente que temos hoje,
o céu era mais nítido, o que tornava mais fácil diferenciar planetas das estrelas.
Uma conjunção como a que ocorreu em 2000 poderia ser acompanhada durante
meses pela população, nas mais diferentes localidades do planeta. Com a pouca
informação da época, as constelações eram batizadas com o que havia de mais
comum e óbvio, como nome das espécies animais. Os eventos que hoje são
corriqueiros e de fácil explicação, como os eclipses, causavam medo e criavam
lendas e superstições.

Hoje, a astronomia é uma ciência e tem a sua disposição telescópios, satélites,


observatórios e uma legião de curiosos em busca de explicações para o
nascimento das estrelas, sobre o tamanho do universo, se há vida fora da terra e
com uma capacidade jamais vista para acompanhar alinhamentos planetários,
eclipses, mudanças climáticas, entre outros. E ainda assim, em maio de 2000,
milhares de pessoas ficaram à espera do fim do mundo, acompanhando o
alinhamento e ignorando as explicações dos cientistas que tentavam, sem
sucesso, convencê-las que se tratava apenas de um fenômeno astronômico e não
o fim do mundo. Lendas, mitos e crenças ainda conseguem ser mais fortes que
as explicações científicas.

13
 O rádio já era um meio de comunicação bastante conhecido quando
Orson Welles narrou sua invasão dos marcianos, provocando pânico e
inconvenientes, para a população e para si. A narração perfeitamente aliada à
credibilidade do rádio fez com que, mesmo não vendo nada no céu, as
pessoas acreditassem ser real a história que ouviam. É um caso clássico da
história do rádio e dos meios de comunicação de massa. O importante era o
que se ouvia, o que o rádio “dizia”, ainda que nenhuma invasão fosse vista.

 Em janeiro de 1986, ao iniciar sua 25a. viagem, o ônibus espacial


Challenger explode logo após seu lançamento. A explosão foi transmitida,
ao vivo, para todo os EUA. Quem assistiu à transmissão e/ou viu as imagens
depois da explosão reparou: foi mais fácil e rápido notar o que realmente
havia acontecido pelas imagens transmitidas pela TV do que por quem
estava presente no lançamento. A verdadeira noção do desastre foi percebida
primeiro por quem estava a quilômetros dele.

 Em 12 de junho de 2000, um ônibus da linha 174 foi seqüestrado no Rio


de Janeiro. O fato, que durou 4 horas e meia, também foi acompanhado ao
vivo pelas redes de televisão e provocou grande comoção no país. De acordo
com a Folha OnLine (REUTERS, 27.08.2002)9, o seqüestro foi transmitido,
por alguns canais, com música de fundo dando mais ênfase ao drama.
Alguns dias depois, uma seqüestrada, estudante de comunicação, relatou
durante uma entrevista ao programa “Sem Censura”10 que, durante o
seqüestro, seu pensamento mais recorrente era voltar para casa e ligar a TV
para ver o que se passava. Viver o fato, sentir medo, pavor e insegurança, ver
policiais em volta do ônibus não eram o suficiente para que pudesse
compreender o momento que estava vivenciando.

 No dia 11 de Setembro de 2001 ocorreram os ataques terroristas ao


Pentágono e ao World Trade Center. Após o primeiro, ao complexo do
WTC, os ataques foram transmitidos, via satélite, para todo o planeta e
acompanhado pela internet, gerando um grande congestionamento na rede. O

9
ônibus da linha 174, liga a Central do Brasil à favela da Rocinha. Terminou com a morte do assaltante e de uma
refém, a professora Geisa Firmo Gonçalves, 20 anos. A Reuters é uma agência internacional de notícias.
10
Programa de entrevistas da TVE Brasil.
14
impacto do segundo avião às torres e os desabamentos foram vistos ao vivo,
assim como pessoas que se jogavam dos edifícios. Não há imagens do que
aconteceu ao Pentágono, o que tornou possível encontrar na Internet
documentos sugerindo que o desastre fora provocado por um caminhão com
explosivos, duvidando abertamente da versão oficial, de ataque aéreo.

 Após 18 anos de procura, no dia 13 de março de 2002 foi divulgado pela


imprensa em todo mundo que o fotógrafo McCurry, da revista National
Geographic, finalmente encontrara a afegã Sharbat Gula, protagonista da
mais famosa capa da publicação e de uma das fotos mais divulgadas e
conhecidas do século XX. A foto havia sido tirada em 1984 em um campo
de refugiados no Paquistão e o fotógrafo não anotou nenhum dado pessoal.
Desde então a redação da revista recebeu milhares de cartas pedindo
informações sobre Sharbat Gula. Chama a atenção a afirmação: “Sharbat
Gula lembrou-se da ocasião em que McCurry havia tirado a foto mas nunca
havia visto uma cópia da mesma e ficou surpresa e desconcertada com a
repercussão que provocou” (REUTERS, 13/03/2002).

Os fenômenos astronômicos são uns dos poucos eventos naturais que podem
ser acompanhados simultaneamente em regiões distantes e culturalmente distintas.
Utilizando um pouco de ironia, poderíamos dizer que até poucos séculos atrás era a
única transmissão “via satélite” possível, ao contrário de hoje, onde a televisão, rádio ou
internet cumprem o papel de conectar o mundo. A mudança de um mundo conectado
por estrelas para um outro quase totalmente em rede aconteceu num período de tempo
muito curto, se comparado com o restante da história.

O primeiro passo foi com a imprensa de tipos móveis, inventada por Gutenberg
já no século XV. Após passar por várias etapas, incluindo o “jornal de tostão11”, o
formato atual dos jornais, idealizado por Bernnett, Pulitzer e Hearst
(LOHISSE, 1969: 46), possui um pouco mais de 100 anos. Desde então, do final do
século XIX até os dias atuais, os avanços foram cada vez mais velozes e agora, temos à
disposição transmissões via satélite para televisão, rádio e internet, milhares de títulos
de revistas e jornais.

11
De acordo com DeFleur (1993: 39), os primeiros veículos de massa foram os “jornais de tostão”, que apareceram
nos EUA na década de 1830.
15
Essa mudança brusca, em um primeiro momento, demonstra a importância que
os meios de comunicação de massa adquiriram na sociedade e a credibilidade com que
podem ser tratados pela audiência. A transmissão de Orson Welles é um exemplo: como
o rádio era um meio de comunicação relativamente novo e conhecido do público,
utilizado basicamente para transmitir notícias e músicas − o que lhe conferia um caráter
de confiabilidade aliado à inovação −, a narração pôde causar tamanho pânico em um
país acostumando com os avanços tecnológicos, como os EUA.

A abrangência e possibilidade de captação dos meios de comunicação fizeram,


por outro lado, com que os telespectadores e profissionais de televisão percebessem,
segundos antes dos presentes, o desastre com o ônibus espacial Challenger; sua
capacidade em correr o mundo fez com que, durante 20 anos, pessoas se comovessem
com Sharbat Gula, alguns por sua beleza, outros por identificação com sua cultura e 20
anos depois, com sua história; o complexo do World Trade Center, que já fazia parte da
história por sua importância arquitetônica e econômica, agora faz parte também por uma
enorme tragédia que foi a primeira, em tais proporções, a ser transmitida ao vivo para
todo o mundo.

Tecnicamente, o formato jornalístico e publicitário atual pôde concretizar-se


com o impulso dado pela Revolução Industrial, o que não significa, entretanto, que
apenas a técnica consiga comportar todas as explicações sobre a influência e aceitação
que os meios de comunicação de massa adquiriram, desde o seu início, na sociedade
moderna.

16
Cultura de massa

É verdade que alguns fatores que ocorreram no século XIX e no princípio do


século XX, como o aparecimento das primeiras fábricas e o aumento da urbanização,
possibilitaram o aperfeiçoamento de alguns meios de comunicação. Dado o impulso —
com o telégrafo sem fio, com o cinematógrafo e com as rotativas —, os jornais, o rádio,
o cinema e, futuramente, a televisão, se estabeleceram como fonte de notícias e
entretenimento, abrindo espaço para outras invenções e proporcionando o crescimento
do setor de serviços e de lazer. Atualmente, vivemos no que é denominado por
“sociedade de consumo” ou sociedade “tecnológica” (ROCHER, 1971: 95), com forte
predominância dos meios de comunicação de massa como fontes de notícias,
informação, lazer e publicidade.

Numa primeira observação, um fato parece levar ao outro. No entanto, as


condições econômicas que permitiram, tanto o desenvolvimento dos meios tiveram sua
origem no século XV, na passagem da Idade Média para o Renascimento. Esse período
se caracteriza como o início da expansão das navegações e do comércio, do descrédito
na Igreja, da substituição das propriedades fundiárias e dos clãs e, também, da busca por
uma identidade nacional − conseqüência imediata ao surgimento das novas colônias.
Estas mudanças foram lentas como lentas, mas definitivas, foram as conseqüências
econômicas e sociais que culminaram com a Revolução Industrial. A partir do século
XIX, com o aumento da urbanização, com o desenvolvimento dos primeiros meios de
comunicação e o aumento do consumo, iniciou-se os debates, que se prolongam aos dias
de hoje, sobre a cultura de massa e mass media.

Para alguns autores, como Edgar Morin, os meios de comunicação de massa


possibilitaram o que ele denomina de “colonização da alma” (MORIN, 1997: 13), ou
seja, uma “terceira cultura, oriunda da imprensa, do cinema, do rádio, da televisão,
que surge, desenvolve-se, projeta-se, ao lado das culturas clássicas − religiosas ou
humanistas − e nacionais” (1997: 14), defendendo claramente a cultura de massa em
sua singularidade frente à cultura da religião e do Estado, por exemplo, e que tem suas
origens nos meios de comunicação de massa.
Luiz Costa Lima (2000: 23), por outro lado, mesmo admitindo que os mass
media não determinam a existência da cultura de massa, não a desvincula do processo
17
industrial e da cultura de mercado. Nos esquemas hipotéticos que apresenta − numa
tentativa em demonstrar o problema sob o olhar sociológico −, a categoria
“industrialização” é presença obrigatória, seja como causa ou apenas como um de seus
elementos. No esquema mais completo que constrói, além da industrialização, também
são considerados fatores importantes no desenvolvimento de uma cultura de massa a
“quebra do universo das expectativas culturais conhecidas e a reorganização das
oposições culturais inconscientes” (p.20). Seguindo o raciocínio do autor, a importância
da industrialização é fundamental e justificada de forma linear: ela permite que haja
uma cultura de mercado, que por sua vez permite a existência da cultura de massa, que
nada mais é do que um estímulo deliberado ao consumo. Assim como não há uma
cultura de mercado nos séculos XVII e XVIII é impossível a existência de uma cultura
de massa no século XIX (LIMA, 2000: 38). Neste período a presença de um mercado
também não seria o suficiente para caracterizar a cultura de massa porque ainda haveria
grande distância entre a produção cultural urbana e a rural.

Não bastou, portanto, a arrancada do sistema capitalista, o incremento da


velocidade da comunicação, o aparecimento dos primeiros meios de
reprodução técnica e a baixo preço para que já se desse a cultura de
massa. [Se] Já existem sim os seus veículos, os mass media, que aprendem
o jeito de cativar a tudo e a todos.[Entretanto] Inexiste a integração
inconsciente de suas mensagens numa modalidade de cultura.
(LIMA, 2000: 40)

A cultura de massa não pode ser pensada a partir de fatos isolados. Ou seja,
como fruto de uma sociedade capitalista ou totalmente dependente de uma sociedade de
consumo, pois como nos lembra Martino,

Il faut tenir en compte que la culture de masse qui émerge dans le tournant
du siècle n’est pas um produit magique de la technique, mais l’
aboutissement d’un long processus historique d’ universalisation des
valeurs. (MARTINO, 1997: 91)12

Entretanto, a identificação da cultura de massa como uma terceira cultura,


própria do capitalismo, ou com a cultura de mercado, ainda que pouco sustentável, não

12
É preciso ter em conta que a cultura de massa que emerge na virada do século não é um produto mágico da técnica,
mas o resultado de um longo processo histórico de universalização dos valores.

18
é exclusividade de autores como Morin ou Costa Lima, mas um pensamento recorrente
nas Ciências Sociais. O que não se pode negar, certamente, é a importância das
mudanças sociais e econômicas provocadas pelo Renascimento.

Também foi durante o Renascimento que o indivíduo pode libertar-se das


estruturas tradicionais − no grupo, na família ou no clã −, e passou a viver em função de
sua própria existência e opiniões. É a época do Iluminismo, da Reforma, do homem
como centro do universo: “Penso, logo existo”. O indivíduo passa a questionar,
investigar e decidir sobre seu próprio destino, livrando-se das imposições religiosas ou
familiares. O individualismo toma forma e força, novas perspectivas são apresentadas,
assim com um novo ambiente cultural. Nasce, com o ele, uma nova mentalidade e uma
nova maneira de ver o mundo.

Desde la aparición de nuestra especie hasta el Renacimiento, el hombre


tuvo siempre por horizonte el nosotros, su grupo o su familia a los que le
unían fuertes obligaciones. Pero a partir del momento en que los grandes
viajes, el comercio y la ciencia han desprendido este átomo independiente
de humanidad, esta mónada dotada de pensamientos y de sentimientos
proprios, con su derechos y sus libertades, el hombre se ha colocado en la
perspectiva del yo o del a mi. (MOSCOVICI, 1993: 5)

É a concepção do “indivíduo soberano” (HALL, 1999: 25) que rompe com as


estruturas tradicionais encontradas até então − simples em sua estrutura e organização
social, onde a produção era direcionada apenas ao consumo próprio, às cidades,
pequenas e à maioria da população, rural −, e possibilita o nascimento de uma nova
sociedade, onde a soma das necessidades e os interesses individuais procuram conviver
racionalmente. No entanto, esta universalização dos valores, necessária para que os
sujeitos possam se reconhecer e se reproduzir, é normalmente considerada como
peculiar à cultura de mercado/sociedade de consumo e à influência que os meios de
comunicação de massa demonstraram nesse período.

É a partir do século XVI que a instrução passa a ser valorizada: é a escola um


dos precursores da universalização de valores e também uma maneira onde o indivíduo
passa a se diferenciar dos outros sujeitos. A leitura, mais acessível após a invenção de
Gutenberg, deixa de ser uma exclusividade dos religiosos. Um exemplo interessante,
que aborda tanto a questão da universalização dos valores e do papel da literatura e da
instrução nesta questão, refere-se a publicação em 1530 (ELIAS, 1994) do livro De
19
civilitate morum puerilium, de Erasmo de Rotterdam. Escrito para crianças e abordando
o comportamento, a obra dava uma nova abordagem ao conceito civilité13 e teve,
apenas, nos seis primeiros anos de sua publicação, 30 reedições e no século XVIII, 13
de um total de 130 edições. Foi traduzida, após dois anos, para o inglês e,
posteriormente, para o alemão e tcheco:

Examinando-o mais detidamente, percebemos por trás dele um mundo e


um estilo que, em muitos aspectos, para sermos exatos, assemelha-se
muito ao nosso, embora seja ainda bem remoto em outros. O tratado fala
de atitudes que perdemos, que alguns de nós chamaríamos talvez de
"bárbaras” ou "incivilizadas". Fala de muitas coisas que desde então se
tornaram impublicáveis e de muitas outras que hoje são aceitas como
naturais. (ELIAS, 1994: 69)

Elias apresenta exemplos de como a sociedade francesa − a referência da


época, como os EUA são para a sociedade de consumo atualmente −, foi influenciada
por padrões de comportamentos delineados em obras, principalmente como a de
Erasmo, mas também de outros autores, como Mathyrin Cordier. O conceito civilitas, já
conhecido quando utilizado por Erasmo, além de ser relacionado desde então à forma
abordada por Erasmo, passou a ter correspondência em outras línguas: civilité, civility,
civilitá, zivilität. O mesmo aconteceu entre burgueses e aristocratas após a Revolução
Francesa onde praticamente não havia diferenças de comportamento.

Nela [na França], já no século XVIII, não havia mais qualquer grande
diferença em costumes entre os principais grupos burgueses e a
aristocracia de corte. (...). Tanto a burguesia de corte como a aristocracia
de corte falavam a mesma língua, liam os mesmos livros e observavam,
com gradações particulares, as mesmas maneiras. (....) As convenções de
estilo, as formas de intercâmbio social, o controle das emoções, a estima
pela cortesia, a importância da boa fala e da conversa, a eloqüência da
linguagem e muito mais − tudo isto é inicialmente formado na França
dentro da sociedade de corte, e depois, gradualmente, passa de caráter
social para nacional (ELIAS, 1994: 51-52).

A existência de elementos próprios da cultura de massa é também observada


por R. Mandrou14 em textos dos séculos XVII e XVIII. São publicações onde “seus

13
Que substituiu o conceito posterior: courtoise. ELIAS, Norbert (1994)
14
MANDROU, R. De la culture populaire aux 17e et 18e siècles, Paris : Éditions Stock, 1964. Citado por LIMA
(2000: 21).
20
autores não são do povo, mas para ele escrevem”, onde é possível verificar, entre
outros, a impessoalidade da criação e a temática combinada. E mesmo que Costa Lima
ainda negue a existência de uma cultura de massa argumentando sobre a longevidade da
produção da época ou com o seu não rompimento com a cultura folclórica, já é possível
vislumbrar uma mudança de comportamento que possibilitaria as transformações
encontradas nos séculos posteriores. Com essa mesma idéia, Daniel Roche (2000: 20),
acrescenta que o consumo atual também é conseqüência de um longo processo de
urbanização envolvendo movimentos culturais, a Revolução Industrial e de uma
demanda crescente por bens, mesmo os de primeira necessidade.

Por estas pequenas mudanças, algumas características de comportamento


ganham força à medida que as economias se desenvolvem, que as cidades crescem e
que o consumo urbano aumenta. Entre elas estão a “quebra do universo das
expectativas culturais conhecidas e a reorganização das oposições culturais
inconscientes” a que se referia Costa Lima, mas ocorreram num espaço de tempo maior
do que pretendido pelo autor. Se ainda não há cultura de mercado e industrialização
adequadas, a própria sociedade apresenta as primeiras brechas necessárias para o
advento da cultura de massa.

Portanto, é possível considerar que, ao contrário do que afirma Edgar Morin, a


cultura de massa não é uma cultura particular que existe simultaneamente às culturas
clássicas, do Estado, da Escola, da Religião, mas ela própria comporta estas instituições.
Os “pontos de apoio imaginários à vida prática” e “pontos de apoio práticos à vida
imaginária”15 que fornece, como o próprio autor admite, são originários da própria
cultura. Em uma sociedade com características individualistas como a que se
desenvolvia, era fundamental que valores comuns permanecessem enraizados para que a
própria sociedade pudesse se sustentar.

Um outro debate comum a respeito da cultura de massa é a oposição desta em


relação à cultura de elites e à folclórica. Costa Lima defende, por exemplo, que ainda no
século XIX a cultura de massa inexiste porque não há “integração inconsciente de suas
mensagens numa modalidade de cultura” (2000: 40), apenas uma oposição entre a
cultura folclórica e a escolarizada. Para Morin, a cultura de massa é o resultado da união
15
MORIN (1997: 15) : “um corpo complexo de normas, símbolos, mitos e imagens que penetram o indivíduo em sua
intimidade, estruturam os instintos, orientam as emoções. (...) Uma cultura fornece pontos de apoio imaginários à
vida prática, pontos de apoio práticos à vida imaginária”.
21
das técnicas industriais, de sua determinação mercantil e de sua orientação consumidora
(MORIN, 1997: 51) e que utiliza os meios de comunicação de massa para produzir uma
cultura mediana, o resultado dos pontos comuns entre o popular e o aristocrático. Trata-
se, portanto, de uma cultura de baixa qualidade − pois não possui a mesma
espiritualidade, estética, elegância e saber da cultura aristocrática −, e das grandes
quantidades: de público, de produção, de reprodução.

Jean Baudrillard (1995) é ainda mais radical na defesa desse ponto de vista.
Para ele, a cultura de massa não chega a ser uma cultura, mas um aglomerado de
pequenas culturas medíocres a serviço da sociedade capitalista. Seu único interesse é o
lucro, numa mescla de cultura com indústria cultural.

O que é repartido deixa de ser ‘cultura’: o corpo vivo, a presença actual


do grupo (tudo o que fazia a função simbólica e metabólica da cerimônia e
da festa) − já não é um saber no sentido próprio do termo; é o estranho
corpo de signos e referências, de reminiscências escolares e de signos
intelectuais de moda a que se dá o nome de ‘cultura de massa’ e que
poderia igualmente chamar-se a M.C.C. (Menor Cultura Comum), no
sentido do menor denominador comum em aritmética − no sentido também
do ‘standard package’, que define a menor panóplia comum de objectos a
possuir pelo consumidor médio para aceder ao título de cidadão da
sociedade de consumo. (BAUDRILLARD, 1995: 108).

Entretanto, se é admissível, como admitiu Mandrou, encontrar elementos da


cultura de massa na literatura dos séculos XVII e XVIII, se os comportamentos entre a
aristocracia e a burguesia francesas eram semelhantes no século XVIII, não seria a
própria emergência da sociedade (pós-Renascentista) um ponto de visibilidade da
cultura de massa? As características “comerciais” da cultura de massa apresentadas por
E. Morin não estão muito distantes das características de sobrevivência da sociedade
pós-renascimento, principalmente na Europa (França): o que distingue as duas
definições é que, enquanto na cultura de massa mercantil é possível observar a procura
da identidade pelos valores de consumo viabilizada pela indústria cultural
(MORIN, 1997: 42), para Mandrou é o indivíduo quem busca nos valores do grupo a sua
própria identificação e o sentido de pertencimento a este grupo − que paradoxalmente se
abala com o nascimento do sujeito individual. As razões deste sujeito é o que as
distingue.

22
Sob essa ótica, colocar a cultura de massa como algo distinto das culturas
folclóricas ou das elites pode ocorrer um equívoco, pois “la culture de masse n’est pás
définissable par un type de contenu spécique opposé à d’autres genres de contenus”16
(MARTINO, 1997: 90), mas trata-se de uma cultura de indivíduos que procuram se
reconhecer e se localizar no grupo e que, a cada dia, precisam se posicionar frente a uma
quantidade cada vez maior de opções de comportamento e de valores.

Ils représentent pour la culture savante ce que les manifestations


populaires (cirque, théâtre, foires, etc.) sont pour la culture populaire: une
forme de diffusion et d'universalisation de certaines pratiques, principes,
formation... enfin, une forme de diffusion et d'universalisation d’une
certaine culture. Malgré toute la distance qui existe entre la recherche de
la vérité applicable à tous et l’ouverture des manifestations populaires
accessibles à n’importe qui, elles convergent dans l’universalisation des
valeurs, des habitudes, des moeurs, enfin, elles convergent dans la
réalisation d’une culture universelle. (MARTINO, 1997 : 101)17

A busca por uma nova identidade e por reconhecimento, pela adaptação à


quantidade de escolhas, quase que intuitiva, permitiu, por exemplo, um certo uso da
fotografia e posteriormente do cinema: até então, a única forma de retrato possível, era
pela pintura, um processo caro e por isto pouco disponível, utilizada para perpetuar reis,
religiosos e nobres. A fotografia foi a maneira encontrada, rápida e barata, de eternizar
as novas e importantes mudanças históricas, retratando o indivíduo. E embora parte do
sucesso da fotografia tenha origem na mágica do seu processo, este ainda é um exemplo
válido do que aconteceu e acontece com os outros meios de comunicação de massa: não
surgiram para que o indivíduo pudesse encontrar sua identidade nos valores de
consumo, mas para dar a noção de pertencimento ao grupo.

Processo semelhante ocorre quando são criados produtos desenvolvidos para


evangélicos, como xampus, espaços de lazer, músicas, programas de televisão. A
diferença atualmente é o uso da estrutura do que se denomina indústria cultural − meios

16
a cultura de massa não é definida por um tipo de conteúdo específico que se opõe a outro gênero de conteúdo.
17
Eles representam para a cultura erudita o que as manifestações populares (circo, teatro, ferias, etc.) são para a
cultura popular: uma forma de distração e de universalização de certas práticas, princípios, formação... enfim, uma
forma de difusão e de universalização de uma certa cultura. Apesar de toda a distância que existe entre a pesquisa da
verdade aplicada a todos a abertura das manifestações populares acessíveis a qualquer um, elas convergem na
universalização dos valores, dos hábitos, dos costumes, enfim, elas convergem na realização de uma cultura
universal.

23
de comunicação de massa, estratégias de marketing, desenvolvimento de novos
produtos por toda estrutura da sociedade −, da insegurança dos indivíduos em favor do
lucro. Entretanto, se não houvesse a necessidade individual em (re)afirmar seu
posicionamento, sua identidade, seu valores com relação à sociedade, que não está mais
em um único lugar, mas em todos e em lugar algum18, certamente a estrutura industrial
não teria o mesmo sucesso. O consumo se torna uma maneira de se sentir seguro,
participante e participativo.
A industrialização, os meios de comunicação de massa, o consumo e os
mecanismos da indústria cultural são constantemente confundidos com a cultura de
massa. O assunto é complexo e instigante, e nosso objetivo foi apenas apresentar alguns
elementos pertinentes às discussões nos tópicos seguintes.

Meios de comunicação de massa

As situações narradas no início do capítulo, com exceção da conjunção dos


planetas, estão relacionadas com a presença e influência dos meios de comunicação de
massa no dia-a-dia. Pânico, dúvida, emoção, incredulidade, e outras sensações são
comuns a todos os envolvidos com os mass media, como espectadores, leitores ou
produtores. Muito mais do que apenas divulgar notícias ou produtos, os conteúdos
veiculados dão o caráter de realidade aos fatos. O que não é transmitido ou divulgado
parece não existir.
Influenciando nem sempre de maneira perceptível nossa forma de observar,
compreender e interpretar, são os meios de comunicação que atualmente cumprem o
papel de conectar o mundo, antes relegado aos meios de transportes e as estradas. Nesta
tarefa, adquiriram tal importância que, para evitar uma provável sensação de
alheamento, é habitual encontrar aparelhos de telefone, televisão e computadores em
vários cômodos da casa, em bares, restaurantes e livrarias.

Ao nos depararmos com casos como o de Sharbat Gula, que após 18 anos
desconhecia o impacto que seu rosto havia provocado, verificamos que vivemos em
universos paralelos: um com os meios de comunicação, rodeado pela tecnologia, e um
outro sem eles, onde se vive num aparente isolamento. É possível que Sharbat nem

18
Não mais apenas um grupo de judeus, de católicos, de ateus ou protestantes. O fato de crer em algo não impede de
conviver entre crenças conflitantes, como ser católico e ao mesmo tempo acreditar em horóscopos.
24
mesmo soubesse o que fosse um retrato ao ser fotografada e, mais assombroso, depois
de 30 anos da transmissão ao vivo da chegada do homem a lua, ignorava ser
protagonista de uma das fotos mais conhecidas do século XX.

Talvez, ainda mais surpreendente que Sharbat Gula ficar 18 anos sem saber do
impacto causado por sua foto, é perceber a quantidade de leitores e não leitores da
revista National Geographic que tinham interesse em saber onde ela se encontrava e o
que estaria fazendo, como alguém próxima que de repente se perde o contato. Diminuir
as distâncias entre pessoas e lugares, tem sido uma das mágicas dos meios de
comunicação de massa. É impressionante sua capacidade em conectar ao mesmo tempo
diferentes mundos a um mesmo evento, como aconteceu durante o ataque ao WTC,
numa Copa do Mundo, nas Olimpíadas e durante a transmissão do último capítulo de
uma novela.
Os meios de comunicação foram desenvolvidos com o real objetivo em
alcançar o maior número de pessoas, facilitando o acesso às informações, notícias e
propagandas. Considerando que “alcançar o maior número de pessoas” não significa
atingir todas as pessoas possíveis, mas as que mais provavelmente se interessariam
pelas informações que se deseja divulgar. Também não significa que apenas as pessoas
interessadas terão acesso, voluntário ou não, a estas informações, mas que algumas
podem estar em países, continentes, lugares com línguas, culturas totalmente díspares
do público-alvo imaginado. Chega a ser ingênuo, portanto, pretender que os conteúdos
poderiam ser absorvidos da mesma forma. Conteúdos semelhantes resultam em
compreensões, interpretações e, conseqüentemente, em representações diferentes nos
mostrando que a influência dos meios de comunicação de massa possui graus e formas
bastante variados, a depender das culturas locais.

Além das diferenças culturais, o caráter técnico dos meios também possui
importância na forma como percebemos, compreendemos e interpretamos os conteúdos
apresentados. Como nos lembra Georges Friedmann (1968: 46), os avanços
tecnológicos modificaram os nossos modos de sentir e pensar resultando em “mudanças
na representação, na visão do mundo, nos hábitos lógicos, em toda a mentalidade”.

Acompanhando seu raciocínio, a sociedade atual é formada pelas máquinas de


produção, de transporte e pelas técnicas de comunicação que mecanizaram o trabalho e
o lazer. Este conjunto de técnicas “transformou e transforma, a cada dia, as condições
25
de existência dos homens” (FRIEDMANN, 1968: 13), pois a formação de nossa
sensibilidade também possui causas sociológicas. Desde o nascimento, o homem é
apresentado e forçado a conviver com novas e velhas tecnologias, acostumando-se, aos
poucos, a conviver com automóveis, elevadores, eletrodomésticos e com os meios de
comunicação, passando desapercebidas as mudanças que ocorreram em seus sentidos e
em sua maneira de construir a realidade. Se há alguns séculos, a noção de distância e
ritmo era dada pelos pés, devagar foi modificada pelo trote do cavalo, pela velocidade
da carroça e hoje em dia, pelos milésimos de segundos dos carros de fórmula 1 e jatos
supersônicos. Aliada as transmissões via satélites, que aproximam ainda mais as
distâncias, a velocidade tecnológica passou a ser o parâmetro da velocidade sensorial.
Conseqüentemente, os meios de comunicação também provocaram mudanças
significativas na capacidade perceptiva e sensorial do homem. A fotografia, por
exemplo, permitiu o surgimento de novos estilos de arte plástica, como a cubista,
libertando o artista da necessidade de retratos a óleo. Com a máquina fotográfica
captando a “realidade” de maneira mais rápida e fácil, apontaram a possibilidade de
novos ângulos, cores, formas e movimentos (FRIEDMANN, 1968: 148), alteraram a
maneira de olhar e de registrar os fatos. O cinema influenciou a narrativa: apresentando
novas formas de contar uma história − ficção ou documentário −, em flash backs ou
com alternância entre o P/B e cor, por exemplo. A televisão e o rádio, por sua vez, com
suas transmissões via satélites, deram a sensação de aproximação, mudando a relação
com as distâncias, e também a maneira de receber, absorver e necessitar das
informações.

Os meios de comunicação, portanto, além de informativos são também


socializadores, o que lhes conferem um caráter único e fundamental na sociedade
moderna. Entretanto, por mais acessíveis que sejam atualmente, os conteúdos são
produzidos, transmitidos e absorvidos de maneira bastante distinta a depender das
culturas locais, do meio pelo qual são transmitidas, das estruturas econômicas e sociais.
Além disso, estas informações, pronunciadas pelo rádio, cinema, televisão, anúncios,
jornais e revistas, e-mails e ou internet, são também acrescidas pelas conversas
interpessoais repletas de outros significados e significações, de símbolos, mitos e
ideologias que em conjunto contêm e constroem o pensamento individual e social, como
as representações sociais.

26
Representações sociais

O conceito das representações sociais, apesar de bastante utilizado nas


pesquisas em ciências sociais, é encontrado com definições significativamente
diferentes. O psicólogo Celso Sá, em A construção do objeto de pesquisa em
representações sociais, menciona as mais conhecidas:
– derivação genérica de representação para o campo do pensamento social;
– vinculação teórica com outras perspectivas microssociológicas;
– pela perspectiva de Berger e Luckmann: construção social da realidade.

Há ainda, de acordo com a psicóloga social Denise Jodelet, mais seis diferentes
maneiras de conceber os fenômenos de representação social (SÁ, 1998: 62-64):

– relacioná-lo à atividade cognitiva pela qual o sujeito constrói sua


representação: as dimensões de pertencimento e contexto dão um caráter
de socialização a representação;

– quando os aspectos significantes da atividade representativa são os mais


importantes: o sujeito é produtor de sentido, exprimindo na representação
o significado que dá à sua experiência no mundo social;
– tendo a representação como forma de discurso e faz decorrer suas
características da prática discursiva de sujeitos socialmente situados;
– quando o importante é a prática social do sujeito, pois a representação
produzida por ele reflete as normas institucionais;
– quando a dinâmica das representações é determinada pelo jogo das
relações intergrupais;
– quando o sujeito é visto como o portador das determinações sociais,
(perspectiva sociologizante).
A partir das definições acima é possível perceber a atualidade do conceito de
representações sociais. No entanto, na área da comunicação social, o número de
trabalhos produzidos enfocando o tema é bastante resumido se comparado com a
sociologia e, principalmente, com a psicologia social, campo onde a teoria das
representações sociais foi desenvolvida.

27
Em 1961, Serge Moscovici publicou Psychanalyse: son image et son public
onde, analisando as representações da psicanálise na sociedade francesa, apresentava
sua teoria das representações sociais, uma teoria do senso comum onde sugeria a
existência de um pensamento social resultante das experiências, das crenças e das trocas
de informações presentes na vida cotidiana. Sua análise foi desenvolvida a partir da
confiança que a sociedade atual, mais técnica e complexa, necessitaria de um outro
conceito, menos genérico que o desenvolvido por Durkheim − representações
coletivas −, para acompanhar, explicar e tentar compreender como ocorre a formação do
pensamento e do conhecimento social. Essa não é uma opinião exclusiva do autor, e
converge, por exemplo, com Georges Friedmann quando este afirma que:

Hoje, a visão do mundo que tem o adulto das cidades não é explicável
somente pela ação geral da sociedade, das “representações coletivas”. É
indispensável colocá-las em cada caso em relação com o lugar concreto
que o indivíduo ocupa na sociedade e com os caracteres particulares do
meio técnico (FRIEDMANN, 1968: 47).

Ao propor sua teoria das representações sociais, Moscovici (2001, 124) não
procurava debater sobre a superioridade do indivíduo ou da sociedade, mas
compreender o conhecimento popular, as formas ideológicas e coletivas do pensar e do
agir, a maneira como os contextos culturais influenciam os comportamentos, estados e
processos individuais e a análise destes contextos.
Moscovici pesquisou elementos da sociedade francesa da época e o
desenvolvimento da psicanálise na sociedade científica, pois acreditava que a guerra e
suas conseqüências, como a instabilidade social, a inquietude e a ansiedade, poderiam
modificar o que era cientificamente desenvolvido e divulgado. Para o autor, os
conceitos científicos, quando apresentados por uma imprensa e públicos leigos, tomava
formas e construía representações inesperadas, diferentes do que pretendia a
comunidade científica inicialmente; eram socializados, mas poderiam ser
compreendidos até de maneira indesejada.

Verificar o processo de absorção do conhecimento científico pela população


poderia, portanto, nos orientar na resolução de problemas e conflitos, transformando a
realidade e os comportamentos (como por exemplo, uma nova forma de análise da
própria infância) (MOSCOVICI, 1961: 308). A teoria das representações sociais também

28
poderia encontrar explicações para a permanência, apesar das explicações científicas
que, ao contrário, procuraram demonstrar a crença em horóscopos e curandeiros: os
conhecimentos científicos estariam sendo familiarizados a partir do conhecimento já
existente, de forma a não colidirem ou ameaçarem a realidade pré-existente. E o
resultado desse processo de absorção, as representações, não seriam nada mais do que
uma forma psicológica de organização do conhecimento particular.
Sua metodologia consistiu em entrevistas, em questionários e na análise de
conteúdo dos meios de comunicação de massa com o objetivo de “confrontar a opinião
pública e a opinião dos organismos de imprensa, entre o público e as relações de
interação e de expressão” (MOSCOVICI, 1961: 21). Foram pesquisados 230 jornais e
revistas, 110 de Paris e 120 das províncias, entre janeiro de 1952 e março de 1953, com
o objetivo de quantificar e classificar o número de artigos e o espaço que era destinado à
psicanálise, às relações entre os temas e à evolução do assunto. Moscovici também
analisou casos da propaganda, da difusão dos modelos de utilização da psicanálise
dentro da crítica literária, arte e publicidade. Investigou diferenças, por exemplo, entre a
imprensa católica e a marxista.

L’analyse du contenu, employée de la manière que nous avons brièvement


exposée, nous a permis d’examiner un deuxième aspect de la psychanalyse
en tant qu’object de représentation sociale: celui de modèle de
communication et d’expression dans la presse (MOSCOVICI, 1961: 22)19.

Apesar de ter sido elaborada na década de 60, apenas 30 anos depois a teoria
das representações sociais de Moscovici tornou-se conhecida e passou a ser utilizada,
em particular, na Europa e na América do Sul. No entanto, seu uso se restringe
basicamente a psicólogos sociais e sociólogos, mesmo contanto com um número
considerável de pesquisas que utilizam o material disponibilizado pelos meios de
comunicação de massa.

Nosso objetivo neste trabalho é apresentar a relevância e atualidade da teoria


das representações sociais para os estudos e pesquisas em comunicação social. Dada a
diversidade do conceito das representações sociais, tomaremos como base os estudos de

19
A análise do conteúdo, empregada da maneira que nós brevemente expusemos, nos permitiu examinar um segundo
aspecto da psicanálise enquanto objeto de representação social: aquele do modelo da comunicação e da expressão na
imprensa.

29
Serge Moscovici. Apresentando as principais características da teoria das representações
sociais, observaremos a importância dos meios de comunicação de massa em seus
fundamentos e também as diferenças com relação ao conceito das representações
coletivas de Durkheim.

Procuraremos apresentar os novos conhecimentos que esta perspectiva oferece,


assim como suas contribuições metodológicas para o estudo dos meios.

30
2. PSICOLOGIA SOCIAL
Apresentação

Psicologia: contexto de emergência do campo

Para compreender hoje o desenvolvimento, a importância e o papel da teoria


das representações sociais na psicologia e nas ciências sociais, é fundamental, antes,
conhecer também o desenvolvimento dessa disciplina e suas relações com a psicologia.

As mudanças estruturais − econômicas, sociais e culturais − provocadas com o


Renascimento e que se fortaleceram com a Revolução Francesa e com a Revolução
Industrial, deram início, como vimos, ao processo de universalização de valores e
também ao desenvolvimento de novas ciências. A sociedade se tornou o objeto principal
dos estudos dos pensadores da época, possibilitando o desenvolvimento da sociologia e
também da psicologia, com o caráter positivista próprio da época.

Na verdade, a separação das duas ciências, de forma mais clara, só acontece


entre o fim do século XIX e o início do século XX. Até lá, indivíduo, sociedade e
cultura eram tópicos presentes nas obras da psicologia e da sociologia de autores como
Wundt, Durkheim, Freud e Mead (FARR, 1998: 151). Nesse período, a psicologia
desvincula-se da filosofia e os papéis dessas disciplinas tornam-se mais claros. Entre
1873 e 1874, na Alemanha, Wundt, considerado por muitos o pai da Psicologia, escreve
Fundamentos da psicologia física e cria o Laboratório de psicologia experimental com
o objetivo de tornar a Psicologia uma ciência independente:

Em 1862 Wundt se colocou três tarefas para sua vida: a criação de (a)
uma psicologia experimental; (b) uma metafísica científica; e (c) uma
psicologia social (FARR, 1998: 55).

Neste período, um grande número de estudantes americanos foi para a


Alemanha atraído pelo grau de Doutor em Filosofia e por novos campos de pesquisa,
como a psicologia e a lingüística. Anos mais tarde, durante as guerras, o movimento foi
contrário: estudantes e professores alemães (na maioria gestaltistas) foram para os
Estados Unidos fugindo da guerra. Esta constante migração fez com que a psicologia,
que havia “nascido” na Alemanha, florescesse de forma peculiar nos Estados Unidos.

Entre 1900 e 1920, Wundt dedicou-se aos estudos sobre linguagem e religião, e
escreveu a obra Psicologia do povo ou Psicologia das massas (BERNARDES, 2000: 22),
31
uma das primeiras obras sobre psicologia social. Para Wundt, havia duas psicologias: a
primeira experimental e fisiológica, se ocupava dos processos sensoriais básicos, do
estudo da consciência; e a segunda, comparativa, abordando linguagem, pensamento,
cultura, mitos, religião, costumes. Wundt acreditava que apenas uma ciência
experimental não seria o suficiente para explicar os processos mentais mais profundos,
por isto seu interesse pela psicologia social. Como herança, nos deixou

uma psicologia fisiológica que não era comparativa e uma psicologia


comparativa que não era fisiológica. Isto abriu a possibilidade de que,
num momento futuro, se desenvolvesse uma autêntica psicologia
comparativa e fisiológica. (FARR, 1998: 113).

A psicologia social

Para os positivistas, no entanto, a psicologia social desenvolvida por Wundt é


simplesmente metafísica, e não experimental, ainda que de extrema importância para o
desenvolvimento de uma psicologia social:

No contexto da época (final do século passado), Wundt representava para


os positivistas o desgarramento da Filosofia e o início do projeto da
Psicologia como uma ciência independente. Assim como para os
psicólogos experimentais Wundt é o pai da Psicologia, para os psicólogos
sociais experimentais tal paternidade é dedicada a Augusto Comte.
Gordon Allport (1897-1967) deixa isto muito claro no prefácio do
Handbook of Social Psychology (Lindzey, 1954). E vai mais além: dedica-
se a pensar que é a partir do próprio Handbook que a Psicologia social
científica (leia-se com base experimental) floresce nos Estados Unidos.
(BERNARDES, 2000: 24).

Com a migração dos pesquisadores europeus para os Estados Unidos, a


psicologia que lá se desenvolvia caracterizou-se como uma ciência do comportamento,
com influência principalmente da Gestalt (fenomenologia) e do behaviorismo
(positivismo): duas filosofias conflitantes e que possibilitaram o surgimento de uma
forma específica de psicologia social: cognitiva, positivista e individualista.

Tão importante como a Primeira Guerra para o desenvolvimento dos testes


psicométricos foi a Segunda Guerra para o desenvolvimento da psicologia social. Dois
eventos foram particularmente essenciais. Primeiro, o lançamento da obra The American
soldier: studies in social psychology in World War II − que tratava da adequação dos

32
soldados ao exército, das mudanças de atitude e dos efeitos da comunicação de massa −,
um marco tanto para a psicologia social quanto para a sociologia. Nesta obra,
coordenada por Samuel Stouffer, participaram Carl Hovland, Arthur Lumsdaine, e Fred
Sheffield no volume Experiments on Mass Communication; Paul Lazarsfeld, Louis
Guttman e o próprio Samuel Stouffer, entre outros, no volume Measurement and
Prediction. O segundo evento foi o Tratado resultante do Tribunal de Nuremberg,
particularmente importante para o desenvolvimento de pesquisas em psicologia social.
O que distingue a psicologia social das outras ciências sociais é seu interesse
na influência que pessoas e grupos exercem uns sobre os outros. Como e porque o
conhecimento é compartilhado constituindo uma realidade comum, e como as idéias são
transformadas em práticas por essas pessoas e grupos (MOSCOVICI, 2001: 2).

Mas, além do surgimento da psicologia social, a separação da sociologia e da


psicologia, também possibilitou o surgimento de duas linhas distintas de psicologia
social: a psicológica e a sociológica. A primeira é tipicamente americana e a segunda,
com raízes em Wundt, Yale e na Escola de Chicago, floresceu com mais força na
Europa, particularmente na França.

A psicologia social psicológica reduz as explicações do social e do coletivo às


leis individuais, ou seja, o indivíduo é o centro da análise com a concentração das
pesquisas sobre atitudes e opiniões. Já a forma conhecida como psicologia social
sociológica teve sua origem com os primeiros estudos de Wundt, mas acabaram por se
desenvolverem de forma autônoma:

(...) Há algumas tradições autônomas de psicologia social que podem ser


ligadas à influência de Wundt, mas que, hoje, são independentes da
tradição psicológica dominante de psicologia social (...). Essas tradições
incluem a tradição do interacionismo simbólico dentro da sociologia
americana (...); a pesquisa francesa contemporânea sobre
“representações sociais”, que tem sua inspiração em Durkheim; a agora
extinta tradição da psicologia comparativa mostrada na organização do
primeiro Handbook of Social Psycology de Murchison (1935) (...). O que
todas essas formas de psicologia social têm em comum é que elas são
tradições de psicologia social “sociológicas” e não “psicológicas”; isto é,
provêm da Völkerpsychologie de Wundt e não de sua ciência de
laboratório. Elas são, pois, genuinamente formas sociais de psicologia
social (FARR, 1998: 54-55).

33
Diferente da linha psicológica, a psicologia social sociológica considera com
igual importância comportamentos individuais e os eventos sociais “em sua concretude
e singularidade histórica e não abstraídos como uma genérica presença de outros”
(SÁ, 1995: 20) assim como os comportamentos, estados e processos individuais na
construção de suas realidades sociais.
A teoria das representações sociais, que apresentaremos em seguida é uma
forma sociológica de psicologia social, nascida na França e com raízes bastante fortes
na sociologia. E apesar do reconhecimento pelos psicólogos sociais da estreita relação
entre a comunicação de massa e as representações sociais, a teoria ainda é bastante
desconhecida em nossa área: “(...) é com as práticas sócio-culturais e com a
comunicação de massa que o estudo das representações sociais mantém as relações
mais significativas” (SÁ, 1998: 43).

Teoria das representações sociais

A teoria e o conceito

Ao desenvolver a teoria das representações sociais, Moscovici visava dois


objetivos: em primeiro lugar propor uma teoria que fosse menos individualista do que a
psicologia social norte-americana e em segundo, propor um novo posicionamento para a
psicologia social, que possuísse além da natureza psicológica, a sociológica, uma
proposta mediadora entre o homem e o seu meio (MOSCOVICI, 1961: 10-11). Para que
isto fosse possível, era preciso considerar também as relações cotidianas, onde os fatos
sociais tivessem tanta importância quanto “a presença real, imaginária ou implícita de
outros indivíduos” (ALLPORT, 1968. Citado por SÁ, 1995: 20)20.

A teoria se apresenta, portanto, como um exemplo de teoria


psicossociológica − respondendo à tradição individualista norte-americana − e, também,
mediadora entre os absolutismos do indivíduo, na psicologia, e do social, na sociologia,
especialmente em Durkheim: enquanto para a psicologia o processo de conhecimento
do homem é individual, Durkheim acredita não apenas na supremacia do social como,

20
Allport, G. W. The historical background of modern social psychology. In: G. Lindzey e E. Aronson (eds). The
handbook of social psychology. Readin, Addison-Wesley, 1968 citado por SÁ, Celso P. (1995). “Representações
Sociais: o conceito e o estado atual da teoria”. In: SPINK, Mary Jane (org.). O conhecimento cotidiano: as
representações sociais na perspectiva da psicologia social. São Paulo: Brasiliense. pp. 19-45
34
para ele, é um erro acreditar que o homem possa pensar sobre sua condição, pois o
indivíduo praticamente não existe:

Un homme qui ne penserait pas par concepts ne serait pas un homme; car
ce ne serait pas un être social. Réduit aux seuls percepts individuels, il
serait indistinct de l’animal. Penser conceptuellement, ce n’est pas
simplement isoler et grouper ensemble des caractères communs à certain
nombre d’objets ; c’est subsumer le variable sous le permanent,
l’individuel sous le social. Si, dans ces textes, Durkheim voulait
simplement dire que la vie sociale est condition de toute pensée, son
hypothèse pourrait être admise sans discussion, mais dans la mesure où il
n’aborde pas de front la pluralité des modes de réflexion, même s’ils sont
tous sociaux, la notion de représentation perd de sa clarté
(DURKHEIM citado por MOSCOVICI, 1961: 301) 21

Ao propor sua teoria, Moscovici não estava preocupado com a superioridade


do indivíduo ou da sociedade, mas no conhecimento popular, nas formas ideológicas e
coletivas do pensar e do agir (2001: 124), na maneira como os contextos culturais
influenciam os comportamentos, estados e processos individuais, na análise destes
contextos. Portanto, com o objetivo de desenvolver uma proposta contemporânea em
relação ao conceito de Durkheim, a teoria das representações sociais apresenta as
seguintes características:

– foco na relação entre o individual e o coletivo


– sua base teórica é sociologia;
– contribuição à sociologia do conhecimento.
Em seu primeiro trabalho, Psychanalyse: son image et son public, Moscovici
procurou resolver suas indagações a respeito de “tipos ideais”, desenvolvidos a partir do
senso comum. Seu interesse era desvendar como ocorria a apropriação do conceito
científico da psicanálise pela sociedade. Moscovici acreditava que a guerra e outros
fatores dela decorrentes, como a instabilidade social, a inquietude e ansiedade

21
Um homem que não pensasse através de conceitos não seria um homem; pois não seria um ser social. Reduzido
apenas às percepções individuais, ele seria indistinto do animal. Pensar conceitualmente não é simplesmente isolar e
agrupar o conjunto das características comuns a um certo número de objetos; é subsumir a variável sob o permanente,
o individual sob o social. Se neste textos, Durkheim quisesse simplesmente dizer que a vida social é condição de
todo pensamento, sua hipótese poderia ser admitida sem discussão, mas na medida em que ele não aborda de frente a
pluralidade dos moldes de reflexão, mesmo se eles são todos sociais, a noção de representação perde sua claridade.
DURKHEIM, Emile (1898). “Représentations individuelles et representations collectives”. Rev. de métaphysique,
citado por MOSCOVICI, Serge (1961). La psychanalyse: son image et son public: étude sur la représentation sociale
de la psychanalyse. Paris: Presses Universitaires de France.

35
conceito
formal conceito formal representação
+ social do
influências conceito
(experiências pessoais,
conversas interpessoais,
leituras, meios de comunicação
de massa)
adaptariam o conceito formal divulgado pelos meios de comunicação e pelas pesquisas
em algo mais tangível pelas pessoas comuns. Assim, a definição da psicanálise como
uma ciência que se propõe a “esclarecer a natureza social” − buscando encontrar uma
possibilidade de cura das neuroses, o conhecimento sobre as relações de transferência, a
genética afetiva das relações individuais ou a intervenção dos processos inconscientes −,
é transformado pela sociedade em um conceito muitas vezes diferente do original, ou
seja, em uma representação social, como pode ser observado no esquema:

Moscovici conclui (1961: 308) que esta re-significação de um conceito formal


para a elaboração de um senso comum possui um fim prático ao indivíduo e ao grupo.
No caso específico do conceito da psicanálise, era desenvolver algo que fosse mais
simples de compreender (pela lógica não científica) e que pudesse, ao mesmo tempo,
dar chance as pessoas na resolução de seus próprios problemas e conflitos:

La femme timide quei “se comprend” et change de comportemente, ou lê


père quei “psycanalyse” la jalousie de ses enfants, jouent sur des
mécanismes que la psychanalyse a indiqués d’une manière particulière à
l’attention du public. (MOSCOVICI, 1961: 309)22

No entanto, permitir que problemas pessoais ou do grupo possam ser


resolvidos a partir da elaboração de um senso comum não basta para justificar a
existência de uma representação. Quando uma re-significação torna-se necessária é
porque há conflitos entre o que foi dito e o efetivamente compreendido. As
representações expõem os conflitos, apresentam uma nova compreensão e permitem que
discursos diferentes convivam num mesmo ambiente. As representações sociais dão,
portanto, uma nova forma às relações sociais e fornecem instrumentos de conduta.

22
A mulher tímida que “se compreende” e muda de comportamento, ou o pai que “psicanalisa” o ciúmes de seus
filhos, especulam sobre mecanismos que a psicanálise indicou de maneira particular para a atenção do público.
36
La représentation facilitant l’énoncé de nombreux conflits normatifs,
nationaux, souciaux, permet en même temps une transposition des
langages hétérodoxes, de conceps et de théories réputés como ésotériques
et qui, de ce fait, deviennent des instruments pour la communication et le
comportement collectisf. (1961: 309)23

Conseqüentemente, as representações sociais explicariam o fato de ainda


encontrarmos em nossa sociedade a sobrevivência, apesar das explicações científicas
que procuraram demonstrar o contrário, da crença em horóscopos, curandeiros ou
simplesmente que a AIDS seja um castigo: os conhecimentos científicos são
familiarizados a partir do conhecimento já existente de forma a não colidirem ou não
ameaçarem a realidade pré-existente. Assim como as crenças e o conhecimento surgem
da interação entre os indivíduos e grupos (MOSCOVICI, 2001: 127), as representações
sociais são o resultado da socialização de conceitos científicos, não apenas fazendo o
papel de intermediárias entre o conceito e sua percepção, entre o sistema cognitivo e a
estrutura social, mas os tornando intercambiáveis. Ao elaborar sua teoria, Moscovici
pretendia, portanto, desenvolver uma espécie de filosofia do senso comum que
explicasse este fenômeno.

(...) it is obvious that the study of social representations must go beyond


such a view, and must do so for a specific reason. It considers man in so
far as he tries to solve the commonplace enigmas of his own birth, his
bodily existence, his humiliations, of the sky above him, of the states of
mind of his neighbors and of the powers that dominate him: enigmas that
occupy and preoccupy him from the cradle, and of which he never ceases
to speak. For him, thoughts and words are real – they are not mere
epiphenomena of behavior. (2001: 28)24

As representações sociais constituem assim, um conceito, um conjunto de


fenômenos e uma teoria.

23
A representação facilitando o enunciado de numerosos conflitos normativos, nacionais, sociais, ao mesmo tempo
permite uma transposição das linguagens heterodoxas, de conceitos e de teorias reputados como esotéricos e que, por
conseqüência, se tornam instrumentos para a comunicação e o comportamento coletivos.
24
(...) é óbvio que o estudo das representações sociais deve ir além de tal visão, e deve fazê-lo por uma razão
específica. Ele considera o homem no que ele tenta solucionar os enigmas lugares-comuns, do seu próprio
nascimento, da sua existência corpórea, das suas humilhações, do céu acima de si, dos estados mentais dos seus
vizinhos e dos poderes que o dominam: enigmas que ocupam e preocupam-no, desde o berço, e dos quais ele nunca
deixa de falar. Para ele, pensamentos e palavras são reais – eles não são epifenômenos do comportamento.

37
O fenômeno das representações sociais

O fenômeno das representações sociais constitui uma forma de pensamento


social que não se resume aos acontecimentos culturais ou políticos, mas que inclui as
informações, experiências, conhecimentos e modelos que são assimilados e passam a
circular na sociedade. São recebidos e transmitidos pelas tradições, pela educação e pela
comunicação social. O resultado é um conhecimento espontâneo, uma espécie de senso
comum, socialmente elaborado e compartilhado.

Este conocimiento se constituye a partir de nuestras experiencias, pero


también de las informaciones, conocimientos y modelos de pensamiento
que recibimos y transmitimos a través de la tradición, la educación y la
comunicación social. De este modo, este conocimiento es, en muchos
aspectos, un conocimiento socialmente elaborado y compartido. Bajo sus
múltiples aspectos intenta dominar esencialmente nuestro entorno,
comprender y explicar los hechos e ideas que pueblan nuestro universo de
vida o que surgen en él, actuar sobre y con otras personas, situarnos
respecto a ellas, responder a las preguntas que nos plantea el mundo.
(IBAÑEZ, 1988: 33)

São conceitos, modelos, crenças e comportamentos simbólicos, recorrentes em


nossa sociedade, resultantes do intercâmbio entre o sistema cognitivo individual e a
estrutura social. Se fizermos um paralelo com as sociedades tradicionais, elas se
assemelhariam aos mitos. No entanto, não se solidificam como eles. São como pequenas
teorias do senso comum servindo para orientar, classificar, resolver problemas e
indagações.

(...) representations appear similar to theories which order around a theme


(mental illnesses are contagious, people are what they eat, etc.) a series of
propositions which enable things or persons to be classified, their
characters described, their feelings and actions to be explained, and so on
(MOSCOVICI, 2001: 152) 25.

As representações sociais são o resultado de um processo de conhecimento


social, mas este processo só ocorre porque o indivíduo procura compreender o que está
a sua volta: “When we study social representations, what we are studying are human

25
(...) representações parecem ser similares às teorias que determinam sobre um tema (doenças mentais são
contagiosas, as pessoas são o que comem etc.) uma série de proposições que a permite as pessoas ou coisas serem
classificadas, ter seus caracteres descritos, seus sentimentos e ações explicados e assim por diante.

38
beings asking questions and looking for answers, human beings who think, not just
handle information or act in a certain way” (MOSCOVICI, 1981: 182)26.

Para Moscovici, o fenômeno das representações sociais se caracteriza por ser


fruto das sociedades pensantes − “thinking society” −, ou seja, sociedades onde os
acontecimentos ocorrem em ritmo acelerado, onde não há tempo suficiente para que
estas representações se solidifiquem e se tornem tradição, características próprias das
sociedades contemporâneas. As representações sociais não poderiam existir em
sociedades de pensamento ‘primitivo’. Para se compreender esta sociedade pensante ao
qual se refere, é preciso analisar:
– a forma como a comunicação se desenvolve no interior desta sociedade,
como toma decisões, quando procura revelar ou esconder algo, e
– as realizações e crenças, ideologias, ciências e representação social dessas
sociedades.
Ao considerar abertamente as representações sociais como uma característica
de uma sociedade pensante, Moscovici apresenta uma das diferenças que ele acredita
haver entre o seu conceito e o de Durkheim. Além disto, pretende refutar um dos
principais argumentos das ciências sociais em geral, particularmente do behaviorismo e
da psicologia cognitivista (onde a representação é vista como um elemento estático).
Nos dois casos, a sociedade não pensa. Enquanto para os behavioristas, a mente era
apenas uma lousa branca (SCHULTZ, 1992: 410) onde nossas experiências sensoriais
podem ser escritas. Para os cognitivistas, esta lousa se transforma numa pequena caixa
preta dentro de uma caixa preta gigante, onde as informações, palavras e pensamentos
poderiam ser totalmente manipulados ou previsíveis, a depender do estímulo dado. Para
compreender o indivíduo, bastaria medir estes estímulos. O que importa, portanto, é
como ter acesso ao que se passa dentro desta caixa preta (sensações, percepções,
formação de imagens, recordações), como as informações eram processadas, não
havendo diferença entre as reações dos “indivíduos normais” (MOSCOVICI, 2001: 29) e
dos cientistas.

26
Quando estudamos representações sociais, o que estudamos são seres humanos fazendo perguntas e em busca de
respostas, seres humanos que pensam – e que não estão apenas lidando com informações e agindo de uma
determinada maneira.

39
O outro postulado, contestado por Moscovici, é que indivíduos e grupos são
apenas o reflexo de uma ideologia predominante produzida e imposta por classes sociais
dominantes, pelo Estado, pela Igreja, pelas escolas. Reproduzem e são reproduzidos.

E por que a mente dos indivíduos não pode ser considerada uma caixa preta
processadora de informações, mas no máximo um buraco negro como prefere chamar
Moscovici (2001: 29)? Há três tipos de situações onde podemos encontrar
representações sociais e que contradizem as premissas do sistema cognitivo −
indivíduos normais que reagem aos fenômenos do mesmo modo que os cientistas e que
compreender consiste em processar informações (2001: 19):
– a invisibilidade do óbvio;
– a aparência e a realidade;
– e as reações aos eventos e respostas aos estímulos.

No primeiro caso, é o que acontece quando algo se apresenta de maneira


aparentemente tão óbvia que se torna invisível. Normalmente acontece quando
“classificamos” as pessoas. Vemos apenas aquilo que é mais adequado: o idoso que é
frágil, o negro que é pobre, o adolescente problemático: apenas fragmentos pré-
estabelecidos da realidade definem o que é visível (importante) ou não.
O segundo caso corresponde a aqueles onde, apesar do que vemos ter uma
aparência contrária à realidade, conseguimos distingui-la. Um exemplo simples é
sabermos (cientificamente) que a terra circunda o sol e, apesar de por muito tempo
acreditarmos no contrário (porque assim aparentava ser), dados científicos e imagens
nos provaram o contrário. Nem sempre é a aparência que torna diferente a realidade,
mas o nosso conhecimento sobre esta aparência.
Já as reações aos eventos e respostas aos estímulos, o terceiro caso, estão
relacionadas com alguma definição já estabelecida pela comunidade a qual
pertencemos. Por exemplo, quando ocorre um atropelamento, nossa primeira impressão
é que provavelmente o pedestre estava desatento ou, no máximo, que o automóvel
estava em alta velocidade. É mais difícil relacioná-lo com a falta de lugares apropriados
para a travessia, com a distância das passarelas para o destino almejado, ou ainda, que o
transporte público é demorado e o pedestre estava atrasado.

40
Estes três casos são exemplos de representações presentes em nosso cotidiano,
atuando como uma terceira possibilidade de organização psicológica, além da
organização intelectual (conceito) e da sensorial (percepção). Esta nova possibilidade
apresenta propriedades mistas: “cette division topologique réside dans la séparation ou
l’aopposition qui s’établit entre la sphère sensori-motrice”27 (MOSCOVICI, 1961: 302).
Ao invés de ser mediadora, como as representações costumam ser vistas pela psicologia
social, as representações sociais são intercambiáveis, fazem trocas e sua estrutura se
orienta da seguinte forma (IBID: 304):
– tende a refletir o objeto;

– tende assegurar o real de maneira a formar uma unidade com o conjunto


das experiências anteriores do sujeito.

Em geral, todos os campos da experiência comportam informações, algumas


vezes impostas por pensamentos científicos, ou pelos meios de comunicação de massa,
outras vezes pelas nossas conversas. Estas informações nem sempre são acessíveis a
todos e muitas vezes, estão distorcidas: são o resultado das imagens e hábitos que
apreendemos, das memórias que preservamos e de nossas categorias culturais, que se
combinam e se transformam (MOSCOVICI, 2001: 21) para depois interferirem em nosso
dia a dia direcionando nossas ações e pensamentos. Nos cobram posição e respostas,
formas de agir e reagir em nosso modo de observar a realidade e a aparência desta
realidade, em nossa forma de compreender, interpretar e definir, relacionando esta
aparência com realidade: “where reality is concerned, these representations are all we
have, that to which our perceptual, as well as our cognitive, systems are adjusted”
(IBID: 20)28.

A presença constante de representações em situações distintas, nas informações


e sentidos que vivenciamos é também uma característica do que Moscovici denomina de
Era das representações: produto de nossas ações, do que comunicamos e também das
atividades profissionais existentes em nossa sociedade (representantes da ciência, da
Igreja e da cultura):

27
esta divisão topológica reside na separação ou oposição que é estabelecida entre a esfera cognitiva e a esfera
sensorial
28
no que concerne a realidade, estas representações são tudo o que temos, aquilo ao qual nossos sistema perceptivo,
bem como o cognitivo estão ajustados.

41
In the general evolution of society, these professions are destined to
multiply, and their work will become more systematic and more explicit.
Partly for that reason, and in view of all that this entails, this era will
become known as the era of representation, in every sense of that term
(MOSCOVICI, 2001: 27)29.

Como fruto de um saber compartilhado, influenciadas pelas tradições, por


nossas ações e pelo o que é comunicado, as representações não apenas refletem o
comportamento ou a estrutura social, mas são uma forma de responder a eles.

Este saber compartilhado é ainda ajudado por dois poderes existentes no


ambiente onde este pensamento social é elaborado: o convencional e o prescritivo,
ambos com a capacidade de intervir na atividade cognitiva. O poder convencional dá
forma, estabilidade, define fronteiras, serve como modelo. Acontece, por exemplo,
quando relacionamos a cor vermelha ao Partido dos Trabalhadores. O poder prescritivo
é imposto pela estrutura social e pela tradição, apresentando não o que pensamos, mas
porque nossa maneira de pensar e o que pensamos dependem das representações dadas:
“Por seu poder convencional e prescritivo sobre a realidade, terminam por constituir o
pensamento de um verdadeiro ambiente onde se desenvolve a vida cotidiana”
(SÁ, 1995: 26).

Tendo em vista tais argumentos, Moscovici acredita que os paradigmas do


behaviorismo e do cognitivismo não são suficientes para explicar os comportamentos
individuais e coletivos. Indivíduos ou grupos não seriam receptores passivos mas
participantes importantes de uma sociedade pensante, elaboradores de um pensamento
social onde constantemente (re)avaliam seus problemas e soluções. Para os estudiosos
da teoria das representações sociais, ela surge como uma evolução na história da
psicologia social após um período longo dedicado ao estudo das atitudes e da cognição
social. A teoria das representações sociais, preocupando-se com a elaboração do
pensamento social é na verdade uma

manera particular de enfocar a construcción social da realidad. Pero este


enfoque presenta la gran ventaja de situarse en un punto que conjuga por
igual la toma en consideración de las dimensiones cognitivas y de las

29
Na evolução geral da sociedade, estas profissões estão destinadas a se multiplicarem, e seus trabalhos tornar-se-ão
mais sistemáticos e mais explícitos. Em parte por este motivo, em vista de tudo que isso envolve, essa era se tornará
conhecida como a era da representação em todos o sentidos desse termo.

42
dimensiones sociales de la construcción de la realidad (...).
(IBAÑEZ, 1988: 25)

E quais são os mecanismos e a lógica sociedade pensante? Qual é a sua


estrutura, seu sistema, seu lugar? Para Moscovici, as representações sociais se
estruturam em dois universos de pensamentos: o consensual e o reificado. Estes
universos funcionam como semelhantes aos universos sagrado e profano das ciências.
Os universos consensuais são os lugares onde as representações sociais são
produzidas, onde os indivíduos são observadores. Não obedecem a nenhuma lógica
“científica” em particular e sim a uma espécie de “lógica natural”. O conhecimento
produzido é espontâneo e “each individual is free at behave as an ‘amateur’ and a
‘curious observer’30 (MOSCOVICI, 1981: 186), elaborando suas opiniões e respostas
conforme os problemas a respeito de política, ciências, educação, ecologia, violência,
racismo, economia, saúde, doença, desigualdade social, tecnologia, etc. Desse universo
fazem parte as noções apreendidas e compartilhadas na escola, em casa, na rua ou pela
mídia: “These universes have been institutionalized as clubs, associations, cafes, etc.
where the vanishing art of conversation serves as a paradigm. This is the art that keeps
these institutions alive (…)”31 (MOSCOVICI, 1981: 187).

O universo consensual é o lar do pensamento. É onde os indivíduos sentem-se


em casa e seguros. Podemos dizer que, devido a estas características, o universo
consensual está em contínuo movimento e os indivíduos são transformados em
cúmplices, podendo falar em nome do grupo e protegido por ele. Esta arte da
convivência é que torna possível a vida social.

Ao contrário do universo consensual, onde o homem é “the measure of all


things”32, no universo reificado, “all things, whatever the circumstances, are here the
measure of man”33 (MOSCOVICI, 2001: 33-34). Este é o universo científico, onde há o
certo e o errado, o verdadeiro e o falso, o autorizado e o não autorizado, o qualificado e
o não qualificado. Há papéis e categorias determinadas de acordo com os contextos
apresentados. É um universo imutável:

30
cada indivíduo é livre para se comportar como um “amador” e um “observador curioso”.
31
Esses universos têm se institucionalizado (ou se institucionalizaram) como clubes, associações, cafés etc., onde a
arte da conversa, em vias de extinção, serve como um paradigma. Esta é a arte que mantém estas instituições vivas.
32
a medida de todas as coisas
33
todas as coisas, em qualquer circunstância, são as medidas do homem
43
In as much as the scientific disciplines are linked to these objects, scientific
authority is able to impose this way of thinking and experiencing on each
of us, prescribing in each case what is and what is not true
(MOSCOVICI, 1981: 186)34.

Considerando que as representações sociais são o resultado de uma re-


significação de conceitos científicos/formais, podemos então afirmar que estes
conceitos se encontram no universo reificado enquanto as representações sociais, no
consensual. Enquanto o primeiro abriga e elabora os conceitos científicos, o outro
socializa estes conceitos transformando-os em senso comum. Importante observar que o
resultado desta re-significação deve ser observado de maneira imparcial, sem
julgamento. O que, em um primeiro momento pode parecer inapropriado ou, até mesmo
errado, tem como maior mérito nos mostrar qual foi o raciocínio empregado, qual a sua
lógica. Ao se estudar as representações sociais o que se pretende é compreender:
– Por que as pessoas pensam de maneira não lógica e não racional?

– Por que a sociedade cria este tipo de crenças e idéias, independente ou


não de estarem corretas?
– Por que elas são aceitas e transmitidas de uma geração para outra?

34
Na medida em que as disciplinas científicas estejam ligadas àqueles objetos, a autoridade científica tem condições
de impor essa forma de pensar e fazer experimentos com cada um de nós, prescrevendo, em cada caso, o que é ou não
verdadeiro.

44
Moscovici e Durkheim

A teoria das representações sociais foi desenvolvida tendo como ponto de


partida o conceito de representações coletivas de Emile Durkheim. Esta inspiração na
sociologia do conhecimento nos remete a duas questões. Ao utilizar a sociologia como
base, além de fazer uma ponte entre a psicologia e a sociologia, Moscovici também nos
mostra que para o total entendimento de sua teoria é preciso compreender o conceito
durkheimiano. Em segundo lugar, apesar de ser essencial para a teoria, há um momento
em que o conceito de representações coletivas não é suficiente para explicar os
fenômenos que Moscovici pretende investigar.

Para Durkheim (1989: 42), as duas formas pelas quais o problema do


conhecimento se apresentaria não comportariam toda questão: como categorias naturais,
própria ao espírito humano (apriorista) ou totalmente construída, onde o indivíduo seria
seu obreiro. Para o autor, as categorias seriam “representações essencialmente
coletivas” que traduziriam “estados da coletividade” e seriam dependentes desta
organização coletiva. Nesta organização, o indivíduo só existe porque não se resume às
suas percepções individuais, mas pensa por noções compartilhadas que definem sua
maneira de agir, sendo mais influenciado pelo coletivo do que o contrário. As categorias
possuem, portanto, uma origem social e somente a sociedade em sua totalidade a torna
consciente de sua própria existência (numa espécie de consciência da consciência da
qual é constituída e ao mesmo tempo a constitui). Estas categorias35 agem como
representações da coletividade, sendo diferentes das representações individuais:

As representações coletivas são o produto de uma imensa cooperação que


se estende não apenas no espaço, mas no tempo; para produzi-las, uma
multidão de espíritos diversos associaram, misturaram, combinaram suas
idéias e seus sentimentos; longas séries de gerações acumularam aí a sua
experiência e o seu saber. Uma intelectualidade muito particular,
infinitamente mais rica e mais complexa que a do indivíduo aí está como
que concentrada (DURKHEIM, 1989: 45).

A primeira diferença entre os conceitos de Durkheim e Moscovici está


relacionada com estas categorias essenciais que formam as representações coletivas:
ciência, religião, mitos, espaço e tempo. São tradicionais e estão estabilizadas na

35
Que Durkheim, assim como os filósofos gregos, definiu como categorias “essenciais”: tempo, espaço, números...
45
sociedade; abrangem uma grande extensão de conhecimento, crença e grande carga
histórica − têm sua origem, muitas vezes, nas sociedades primitivas − estando de tal
forma enraizadas, que se impõem como se fossem naturais (IBAÑEZ, 1988: 30). No
entanto, exatamente por serem tão abrangentes, Moscovici (2001: 31) não crê que as
representações coletivas consigam envolver de maneira satisfatória a construção da
realidade em nossa sociedade tampouco são passíveis de serem traduzidas em poucas
palavras.

Indeed, any kind of Idea, emotion or belief which occurred within a


community was included. This presents a serious problem for, by
attempting to include too much, one grasps little: grasp all, lose all.
Intuition, as well as experience, suggests that it is impossible to cover such
a wide range of knowledge and beliefs. They are too heterogeneous in the
first place and, moreover, they cannot be defined by a few general
characteristics (MOSCOVICI, 2001:30-31)36.

A partir disto, Moscovici defende que a sociedade atual não comporta


explicações a partir apenas das representações coletivas. A sociedade contemporânea,
com toda a sua diversidade e coexistência de ambientes distintos, e um grande número
de informação, faz com que, muitas vezes, não haja tempo para sedimentação de
determinadas idéias e tradições. É neste novo ambiente que as representações sociais se
desenvolvem e exercem um papel distinto e importante, ampliando a heterogeneidade
dos sistemas unificados — ciências, das religiões, das ideologias.

A segunda diferença entre as representações coletivas e as representações


sociais é com relação à supremacia do social. Durkheim afirma que no homem
coexistem dois seres (DURKHEIM, 1989: 46), o individual e o social. O ser individual é
limitado e o social “representa na ordem intelectual e moral, a mais elevada realidade
que a observação nos permite conhecer, isto é a sociedade”. Jack Goody (1988) nos
lembra que esta dicotomia indivíduo/sociedade não apenas “impediu virtualmente a
consideração do contribuidor individual”, como desvalorizou o pensamento individual
(1988: 33-34).

36
De fato, qualquer tipo de idéia, emoção ou crença que ocorreu em uma comunidade foi incluído. Isto traz um
problema sério, pois por tentar expressar muita coisa, se exprime pouco: quer falar tudo, acaba não dizendo nada. A
intuição, assim como a experiência, sugere que é impossível cobrir tamanha extensão de conhecimentos e crenças.
Eles são, em primeiro lugar, muito heterogêneos e, além do mais, não podem ser definidos a partir de algumas poucas
características.

46
Moscovici não crê na supremacia da sociedade ou do indivíduo, mas na
existência de uma consciência psíquica. Durkheim também admite que a sociedade
possui uma consciência coletiva, organizada, dando oportunidade para Moscovici
encontrar o elemento que servirá de base para a sua própria teoria: a intersecção da
psicologia social e da sociologia do conhecimento:

Em resumo, a sociedade absolutamente não é o ser ilógico ou alógico,


incoerente ou extravagante que muitas vezes nos comprazemos em ver
nela. Ao contrário, a consciência coletiva é a forma mais elevada da vida
psíquica, já que é uma consciência de consciências. Situada fora e acima
das contingências individuais e locais, vê as coisas apenas pelo seu
aspecto permanente e essencial que fixa em noções comunicáveis. Vendo
do alto, ela vê longe; a cada momento do tempo, ela engloba toda a
realidade conhecida; por isso somente ela pode fornecer ao espírito
parâmetros que se apliquem à totalidade dos seres e que permitam pensá-
los. (DURKHEIM, 1989: 523)

É para a atividade intelectual do cidadão comum, que vive numa sociedade


dinâmica e complexa, que se volta o interesse de Moscovici. Pois é onde ele encontra
duas qualificações que diferenciam as representações sociais das representações
coletivas (MOSCOVICI, 2001: 31):

– elas são um modo específico de compreender e comunicar o que nós já


conhecemos e que tem como objetivo, distinguir os sentidos do mundo e
ordená-los e percebê-los de maneira compreensível e significativa;

– ao contrário das representações coletivas, que são estáticas e possuem a


função de concentrar e estabilizar idéias e palavras, o interesse nas
representações sociais é o seu caráter de mobilidade e circulação, sua
plasticidade, como estruturas dinâmicas que agregam relações e
comportamentos, e que podem aparecer ou desaparecer com as
representações.

Ou seja, enquanto as representações coletivas referem-se a conceitos genéricos


de idéias e crenças, as sociais estão ligadas a fenômenos específicos relacionados com
uma maneira própria de adquirir e comunicar conhecimentos, na construção das
realidades sociais e ao senso comum. (2001: 33). Elas existem para explicar o porquê de
determinados conceitos que circulam em nosso cotidiano nas conversas na rua, em casa

47
ou difundidas pela mídia. Funcionam como organizadoras e são dinâmicas como as
sociedades contemporâneas. Conseguem unir conceito e percepção e sua estrutura
interna que pode ser modificada.

É importante lembrar, que ao acrescentar o conceito “social”, Moscovici impõe


um caráter simbólico às representações e, principalmente, participativo do indivíduo e
dos grupos sociais aos quais pertence. Como nos lembra Stuart Hall, assumimos
diferentes identidades de acordo com o momento (1999:12), e muitas vezes elas são
contraditórias. Há grupo para o ambiente de trabalho, da população de bairro, da escola,
dos clubes freqüentados, da classe social. Soma-se ainda, as informações que chegam
como bombardeios e de forma diferenciadas pelas conversas na rua, em casa, na escola,
nos bares e as informações dos meios de comunicação de massa. Como resultado, é
possível verificar que nem sempre um mesmo objeto possui a mesma representação
para grupos distintos, mas é na relação entre os indivíduos de cada grupo, entre os
grupos e informações disponíveis que as representações são elaboradas.

Sociedades com grandes desigualdades sociais, como a nossa, tendem a


apresentar um maior número de representações como resultado das posições sociais,
níveis de escolaridade, do ambiente social, acesso aos bens materiais e informação,
entre outros fatores, o que torna ainda mais importante o estudo do fenômeno e da teoria
das representações sociais.

48
Principais conceitos

Familiar e não familiar

Resumindo a estrutura dos universos de pensamento, podemos dizer que o que


os distingue é a formalidade de cada um. Enquanto o reificado mostra-se bastante
delimitado, no universo consensual o que se espera é um espaço para deixar nossos
pensamentos fluírem como se estivessem num lar seguro e conhecido, sem desconforto.
É assim que se apresenta o ambiente das representações sociais no pensamento social:
um lugar familiar, onde elas surgem, se formam e se modificam.

Explicar como as representações sociais ocupam o seu lugar no pensamento


social, como são formadas e como se explica suas propriedades cognitivas utilizando
hipóteses que são aparentemente mais óbvias, tais como interesse, desequilíbrio e
controle, não são suficiente para Moscovici:
– interesse: as imagens, que podem ser “distorções subjetivas de uma
realidade objetiva”, são criadas pelos indivíduos ou grupos para expressar
ou esconder seus objetivos.

– desequilíbrio: as representações surgem para compensar, para restaurar


algum desequilíbrio interno, tensões psicológicas ou afetivas, causados por
falha ou necessidade de integração social.

– controle: as representações agem como filtros das informações e podem


controlar o comportamento individual e manipular o “processo pensamento
e da estrutura da realidade”.

Para ele, todas as hipóteses são verdadeiras, mas também incompletas. As


representações podem refletir interesses individuais, compensar desequilíbrios e servir
como controle de uma parte da sociedade sobre a outra (MOSCOVICI, 2001), mas só isto
é muito genérico e não explicaria como elas podem compreender, comunicar e,
conseqüentemente, integrar de forma mais eficiente que a ciência ou a religião poderiam
fazer. Conclui: “the purpose of all representation is to make something unfamiliar, or
unfamiliarity itself, familiar” (MOSCOVICI, 2001: 37)37.

37
o propósito de toda representação é fazer algo não-familiar, ou tornar a própria não-familiaridade, em algo familiar.

49
Este princípio foi elaborado anos após o desenvolvimento da teoria
(FARR, 2002: 35) mas tornou-se essencial para sua compreensão. Sua dinâmica consiste
na reapropriação do novo, na familiarização, onde a memória prevalece sobre a
tradição, sobre a lógica. O que pode se tornar um distúrbio ou problema é avaliado,
classificado com relação aos registros anteriores e adaptado ao ambiente já
convencionado. O estranho torna-se, então, familiar.
A todo instante, os novos conceitos e situações surgem cobrando uma posição,
uma opinião, uma atitude com relação a eles e os conceitos e situações já estabelecidos.
As representações sociais possibilitam que haja reapropriação desse novo, integrado-o
ao ambiente familiar ao mesmo tempo em que se elabora uma nova compreensão e uma
nova maneira de agir que estejam de acordo com os padrões já estabelecidos e que, por
sua vez, serão compartilhados.
Essa dinâmica faz com que a realidade seja constantemente reelaborada,
legitimando o poder das representações sociais em alimentar as práticas culturais em
vigor na sociedade, podendo perpetuá-las ou transformá-las (SÁ, 1998: 50), exercendo,
portanto, o papel de integração, de estruturação das identidades individuais e grupais
(pertencimento) e de comunicação social.

Processos formadores

Os processos que transformam o não familiar em familiar possibilitam o


desenvolvimento de representações distintas, tanto com relação à importância, como em
consistência e atitudes, dependendo do papel dos grupos sociais, de suas afinidades e da
maneira como um mesmo conhecimento seja compartilhado por todos esses grupos.

Essa transformação ocorre por meio de dois processos, ancoragem e


objetivação, relacionados, respectivamente com a formação das faces simbólica e
figurativa das representações. Servem como suporte na transformação do não-familiar
para familiar: os fatos, dados, ocorrências não familiares são transferidos, comparados e
interpretados aos elementos individuais, sendo então, digeridos, transformados e
reproduzidos a partir dos elementos já conhecidos, tangíveis, ou seja, são ancorados e
objetivados nestes elementos.

50
Ancoragem

O processo de ancoragem refere-se à primeira parte desta transformação: que


interpreta e assimila os elementos familiares, ocorrendo em duas fases: classificação e
nomeação.

O ato de classificar ocorre a partir da hierarquização do desconhecido. Este


processo tem início com a comparação dos elementos familiares, dos paradigmas e
valores conhecidos (crenças, afetividade, valores, posição ideológica). Para hierarquizar
é preciso julgar e avaliar, o que só ocorre utilizando parâmetros já conhecidos e nunca
de forma neutra (a avaliação tende a ser positiva ou negativa). O desconhecido é
comparado com a “matriz de identidade de nossa cultura” (SÁ, 1998: 39) e sobre ele é
imposto comportamentos e regras prevalecendo o “veredicto sobre julgamento, o
predicado sobre o sujeito” (MOSCOVICI, 1981: 195).

By and large, however, it can be said that classifications are made by


comparing individuals to a prototype generally considered to represent a
class, and that former is defined by his approximation to, or coincidence,
with, the latter (MOSCOVICI, 2001: 44)38.

Esse julgamento e avaliação ocorrem por generalização ou particularização. No


primeiro caso, estamos reduzindo as distâncias entre o conhecido e o desconhecido; no
segundo, mantendo-a. No entanto, em uma ou outra situação, as atitudes daí decorrentes
não são apenas conseqüências de escolhas intelectuais, mas refletem as atitudes em
relação ao objeto: nossas decisões estão relacionadas com a necessidade em definir o
ignorado em convergência ou não com o que acreditamos ser o normal, o aceito. É a
partir deste raciocínio que podemos supor que para acabar com um determinado
preconceito é preciso modificar as representações sociais que existem sobre ele.

A segunda forma de ancoragem é a nomeação: também quando damos nomes


aos objetos e/ou fatos, estamos localizando-os em nossa matriz de identidade cultural:

To name, to say that something is this or that — if need be, to invent words
for the purpose — enables us to fabricate a mesh that will be fine enough

38
No cômputo geral, todavia, pode se dizer que essas classificações são feitas comparando-se indivíduos a protótipos,
os quais são considerados, de uma maneira geral, representativos de uma classe, e que estes são definido por
aproximação ou coincidências, com aqueles.

51
to keep the fish from escaping, an thus enable us to represent this thing.
(MOSCOVICI, 2001: 46)39.

Ao nomear algo estamos também determinando certas características, dando


distinção e convencionando este objeto em relação ao grupo. Tal qual acontece com o
ato de classificar, a nomeação também não ocorre apenas como conseqüência de
operações intelectuais, mas como reflexo de nossas atitudes.
Exemplificando as duas fases do processo de ancoragem, podemos dizer que
quando pensamos em adolescência/adolescentes, é fácil citar alguns conceitos pré-
existentes como: eles são barulhentos, andam em grupos, são confusos e agressivos,
gostam do que está na moda e daquilo que possa distingui-los dos adultos. Na década de
50, com o “surgimento” (pelo menos de um conceito de adolescência) dos adolescentes,
eles eram diretamente relacionados com rock, rebeldia, motocicletas. Com o passar dos
anos novas imagens foram acrescentadas e atualmente os adolescentes são chamados de
“aborrecentes” não por acaso. Para muitos adultos, a insegurança e a agressividade dos
jovens está diretamente relacionada com aborrecimento. Na primeira fase, houve a
classificação (no caso, pejorativa), e na segunda, a nomeação.
Até aqui pode-se constatar que a teoria das representações sociais apresenta
duas direções (MOSCOVICI, 2001: 48):
– ela exclui a idéia de pensamento ou percepção sem que haja ancoragem;

– e nos mostra que os sistemas de classificação e nomeação não são apenas


uma forma de qualificar e rotular pessoas e objetos.

Ibañez entende que os processos da ancoragem servem como mecanismos de


integração e enraizamento social. A integração consiste basicamente em classificação,
em “ver o novo através de lentes antigas”, adaptando-o, deformando-o quando para que
possa integrar os esquemas já familiares. A noção de enraizamento, por outro lado,
reforçaria o papel da posição social dos indivíduos e dos grupos (dependência das
inserções sociais) no processo de ancoragem.

39
Nomear, dizer que algo é isto ou aquilo – se necessário, inventar palavras para tal propósito – nos permite fabricar
uma rede que será boa o bastante para evitar que o peixe escape, e assim, permite-nos representar algo.
52
Objetivação

Já o processo de objetivação consiste em “traduzir”, em interpretar o não


familiar elaborando um novo conceito a partir dos registros individuais existentes.
Durante a classificação e a nomeação, estamos lidando diretamente com a fase
simbólica das representações. Com a objetivação, é a fase figurativa que está em
questão. É este processo — mais ativo porque satura a não familiaridade com a
realidade —, que torna concreta, tangível, a transformação do não familiar em familiar
(podemos dizer, que domestica).

A objetivação é, portanto, o resultado da capacidade que o pensamento e a


linguagem possuem de materializar o abstrato e, tal qual o processo de ancoragem,
também ocorre em duas fases.

A primeira é descobrir o aspecto icônico da idéia ou ser, unindo um conceito


com uma imagem. Conceitos e idéias são normalmente traduzidos por palavras e nem
todas podem ser traduzidas por imagens, até mesmo porque, como o próprio Moscovici
reconhece, não há imagens suficientes para todas as palavras. Desta dificuldade surgem
a definição dos núcleos figurativos40, espécies de modelos, de bancos de imagens que
reproduzem os conceitos de maneira visível. São formados por fragmentos de imagens e
palavras que são buscadas e transformadas em cópias da realidade, em simulacros.
Ibañez considera os núcleos figurativos como a parte sólida e organizadora de uma
representação. Perde sua abstração e adquire uma existência independente, quase física.
É o que ocorre quando ao pensarmos em Deus somos diretamente levados a pensar em
pai, o negativo com a cor preta, o pecado com a maçã.

Once the group has acquired such a model or figurative nucleus, it is able
to speak more easily about what this model represents. Formulas and
clichés evolve, simplifying and unifying the images which were
disconnected at first (MOSCOVICI, 1981: 200)41.

40
“an a image structrure that reproduces a conceptual structure in a visible manner” (p. 199).
41
Uma vez que o grupo adquiriu tal modelo ou núcleo figurativo, ele é capaz de falar mais facilmente sobre o que
esse modelo representa. Formulas desenvolvem-se, simplificando e unificando imagens que estavam antes
desconectadas.

53
Na segunda fase, o conceito é “verdadeiramente naturalizado”
(MOSCOVICI, 2001). As imagens transformam-se em realidade, são totalmente
assimiladas: o percebido substitui o concebido.

Tomás Ibañez e Denise Jodelet, entretanto, dividem o processo de objetivação


em três fases: construção seletiva, esquematização estruturante e naturalização. Na
primeira, construção seletiva, ocorre a apropriação das informações e conhecimento
pela seleção e descontextualização; na esquematização ocorre a organização das
informações e formação do núcleo figurativo; na fase da naturalização ocorre a
transformação do esquema em realidade objetiva. Há apenas o acréscimo da fase
seletiva, sendo que o processo descrito é semelhante ao apresentado por Moscovici.

A objetivação, como um processo que relaciona imagem e palavra, está


diretamente influenciando e sendo influenciada pela linguagem (gramática) e na
memória da sociedade.

A influência na linguagem acontece, pois, ao mesmo tempo em que novas


imagens são necessárias. A gramática sofre transformações: verbos, adjetivos e
advérbios transformam-se em substantivos. Personificam-se nações, raças, classes.

Words do more than represent things; they create things and pass on their
properties to them. In this instance, language has a power comparable to
that of the mirror, which has the extraordinary advantage of detaching
appearance from reality. In this way, the names that we conceive and
create to serve as abstract forms of matter, of complex phenomena,
themselves become this matter, these phenomena, an operation we perform
continuously (MOSCOVICI, 1981: 202)42.

A outra influência importante da objetivação é na memória: se as


representações familiarizam o desconhecido utilizando registros anteriores e comuns,
esboçando novas imagens e uma nova linguagem, isto só é possível porque estes
elementos estão sob o controle da memória. É nela que ocorrem mudanças bruscas e

42
Palavras fazem mais do que representar as coisas; elas criam estas coisas e passam a transmitir suas propriedades.
Nesse caso a linguagem tem um poder comparável ao do espelho, que tem a extraordinária vantagem de separar a
imagem da realidade. Dessa forma, os nomes que concebemos e criamos para servir como formas abstratas da
matéria, ou de fenômenos complexos, tornam-se elas mesmas, a matéria própria matéria e fenômenos - uma operação
que realizamos continuamente.

54
inesperadas que dão autonomia ao que estiver relacionado com o presente
(MOSCOVICI, 1981: 203).

Na verdade, não apenas o processo de objetivação influencia a construção da


memória: a ancoragem lhe dá dinamismo, a mantém ativa, estocando e descobrindo seus
próprios limites.

Atitudes, informações e o campo de representação

Por fim, um dos aspectos mais importantes das representações sociais refere-se
a sua dimensão. As representações constituem um universo de pensamento e de
opiniões estruturado por três eixos: as atitudes, as informações e o campo de
representação.
O eixo das atitudes está relacionado com a disposição (favorável) da pessoa
com o objeto representado, expressando uma orientação de valor. Possui forte
orientação afetiva, com graus distintos de comprometimento, dependendo da força da
representação em questão e das informações disponíveis sobre ela. São estas
características que tornam as representações dinâmicas.

A importância da informação para a dimensão das representações sociais deve-


se à capacidade de variação e organização do conhecimento que elas possuem, tanto
quantitativa quanto qualitativamente. Esta capacidade de mudança é fruto da influência
de meios de acesso e pessoas diferentes, e também, pelas práticas diferentes que
formam e se desenvolvem a partir destas mesmas informações.

É no campo de representação, parte mais sólida de uma representação social,


onde ocorre o processo de objetivação. Organizado em torno do núcleo figurativo, é
nele que os elementos que formam as representações se organizam. Para Ibañez (1988:
47), o campo de representação “constituye la dimensión más interesante y más original”
das representações.

É com o conhecimento das dimensões das representações sociais que podem


distinguir a linha que as separa, os graus de coerência, o estabelecimento de papéis para
cada grupo e, principalmente, um estudo comparativo entre elas. Conhecer a dimensão
do universo das representações permite também fazer a devida distinção entre o que é
apenas opinião, uma atitude ou estereótipos, e quais são os modos de formação de
conteúdo das representações (MOSCOVICI, 1961: 292).

55
3. AS TEORIAS SOBRE A COMUNICAÇÃO DE MASSA
Contextualização

Processo de evolução na terra: quase uma centena de milhões de anos (sic);


registros dos primeiros ancestrais (Homo habilis): dois milhões de anos; domínio do
fogo: um milhão de anos depois (DEFLEUR, 1993: 19); escrita: apenas 5000 anos;
primeira impressão feita por Gutemberg utilizando sua técnica dos tipos móveis em
metal: aproximadamente em 1455, há pouco mais de 500 anos (DEFLEUR, 1993: 24). A
técnica desenvolvida por Gutemberg foi o início do progresso tecnológico que
possibilitou o desenvolvimento da comunicação de massa. Ainda assim, somente no
início do século XIX os meios de comunicação se desenvolveram em ritmo acelerado,
principalmente após às mudanças provocadas pelas revoluções Francesa e Industrial,
quando surgem os primeiros jornais, a fotografia, o cinema e o rádio.

Em maior ou menor ritmo, as mudanças que os mass media provocaram na


sociedade foram tão intensas que compensaram a espera em milhões de anos:
universalização dos valores, as descobertas de novas terras, o desenvolvimento de novas
nações, o aumento de consumo, da população urbana e o desenvolvimento tecnológico
demandavam outras maneiras de o homem se comunicar e se relacionar com o mundo,
possibilitando a expansão dos meios de comunicação de massa:

“(...) o jornal de massa, como os outros veículos que se seguiram, foi uma
invenção que somente ocorreu após um conjunto complexo de elementos
culturais haverem aparecido e se acumulado no âmbito da sociedade. (...)
ele representou uma combinação desses elementos num ambiente social
que permitiu a aceitação e ampla adoção do jornal como um complexo
cultural” (DEFLEUR, 1993: 39).

Matematicamente, os meios de comunicação de massa fazem parte de apenas


0,00028% da história da evolução e 0,01% da história humana. No entanto, sua
presença provocou mudanças na capacidade sensorial, perceptiva e compreensiva do
homem e, conseqüentemente, na organização social e cultural das sociedades.
Atualmente, é quase impossível o não-acesso a qualquer um dos meios. Compreender,
analisar e avaliar a influência dos meios de comunicação de massa tornou-se necessário
e natural.

56
Uma razão evidente para a existência dos meios de comunicação de massa é a
própria necessidade de o homem de comunicar. O homem, os meios, e a comunicação
passaram a ser objetos de pesquisa já no início do século XX, por áreas consagradas e
distintas como a filosofia e a sociologia, e por aquelas que davam seus primeiros passos,
como a psicologia social. Essa pluralidade teórica permitiu a abordagem de vários
enfoques, ao mesmo tempo em que, ainda hoje, falta coesão no direcionamento das
pesquisas e na definição de qual seria, enfim, o objeto de uma ciência da comunicação.
O Dicionário de Ciências Sociais (SILVA, 1986: 226-228), entretanto, apresenta três
aspectos pertinentes:

a) (...) análise comparativa do comportamento de diferentes espécies de animais,


inclusive o homem. Esses estudos, (...), têm-se ocupado menos com o conteúdo
da comunicação do que com os níveis de complexidade do comportamento
envolvido na comunicação e com a continuidade possível entre esses níveis no
decorrer da abordagem da comunicação humana. São as teorias que seguem
uma linha “ecológica” para a organização da sociedade.

b) Alguns sociólogos e psicólogos sociais limitaram-se, no seu interesse pela


comunicação, sobretudo ao estudo da linguagem e à análise de veículos e
mensagens (signos, símbolos e seus significados), embora se tenham também
interessado pelos efeitos funcionais da comunicação.

c) Enfoque no processo. Esta estrutura de estudo da comunicação foi rotulada de


teoria de informação, e seus proponentes salientam que serve para analisar não
só os sistemas humanos e animal, mas também os físicos.
A comunicação de massa, assunto desse trabalho, possui duas vertentes:

A primeira se ocupa da sua instrumentalização técnica, da sua


organização e do conteúdo do material transmitido. (...). A segunda
vertente trata das conseqüências sociais da comunicação de massa, seu
impacto na estrutura e processo sociais, seus efeitos psicológicos coletivos
e individuais (SILVA, 1986: 227).

A segunda, com a qual as ciências sociais mais têm se dedicado, possui ainda,
três aspectos: a comunicação de massa como instituição social; as condições de eficácia;
a natureza e evidência dos efeitos, sendo este último o enfoque deste trabalho.

57
Panorama: características gerais

Responder a pergunta quais são as teorias da comunicação? é uma tarefa que


apresenta algumas dificuldades − entre elas, a impossibilidade de uma resposta objetiva
ou sistemática − e também um risco: chegar à conclusão que não há teorias da
comunicação, mas sobre comunicação. Os problemas são conseqüências do caráter ao
mesmo tempo diversificado e confuso da área da comunicação, que permeia, entre
outras, a lingüística, as ciências sociais, a filosofia e a psicologia. Mauro Wolf
(1999: 13), por exemplo, relaciona alguns dos aspectos que constituem os meios de
comunicação de massa e que os tornam tão instigantes: eles podem ser considerados
como setores industriais, como meios de informação, mediadores e agregadores
culturais, como parte de uma experiência individual ou um grande evento social.
DeFleur também segue a mesma linha de raciocínio:

Embora as explicações da influência da comunicação de massa estejam


alicerçadas nos paradigmas gerais das ciências sociais, as linhas de
influência entre as duas não foram de forma alguma perfeitamente
esclarecidas. Freqüentemente, estudiosos da mídia reinventam a roda
quando não se dão conta de que determinada forma de comportamento
tem sido estudada há décadas pelas ciências sociais. Por outro lado,
amiúde os cientistas sociais têm ignorado jovialmente o papel da
comunicação de massa ao adotarem paradigmas que relacionam símbolos,
comunicação, a ordem social e o comportamento individual. Não obstante,
as linhas de influência estão ali, embora às vezes seja difícil delineá-las
(1993: 165).

Esta diversidade teve origem principalmente no século XIX, marcado pelas


conseqüências que as mudanças estruturais, sociais e econômicas que provocaram uma
nova maneira de se pensar a sociedade e o indivíduo, assinalando de maneira definitiva
o nascimento da sociologia e da psicologia. Junto a elas, os primeiros questionamentos
sobre a comunicação na sociedade: a importância da linguagem, da comunicação
interpessoal e as primeiras investigações sobre cultura de massa e a influência dos
meios de comunicação. Ou seja, a variedade de aspectos refletiu diretamente no
interesse das pesquisas que, por sua vez, abordavam desde as conversas interpessoais,
influências sociais, ideológicas, psicológicas e psicossociais, análise do discurso,
análises semiológicas e semióticas.

58
Essas circunstâncias provocaram uma espécie de “não-nascimento” de uma
teoria da comunicação, o início de uma situação que se prolonga aos dias de hoje onde
outros campos de pesquisa que ao abordarem os processos comunicativos elaboram
noções próprias sobre o tema como chama a atenção Marques de Melo: “ao analisar o
fenômeno comunicativo, cada ciência filosófica utiliza a sua própria perspectiva, a sua
própria terminologia, os seus conhecimentos específicos” (apud MARTINO, 2001a: 378).
A conseqüência é que muitas das teorias que serão apresentadas a seguir e que
são utilizadas nas escolas de Comunicação foram elaboradas a partir do que Martino
denomina como a exterioridade das teorias:

[São] Teorias que originalmente nasceram de outros campos, que aí se


reconhecem e são reconhecidas, que não reivindicam nem os objetivos,
nem um objeto propriamente comunicacional, são tomadas do exterior,
reinterpretadas e identificadas a um campo que se não lhe é de todo
estrangeiro, pelo menos não consta na inspiração e de seus propósitos
manifestos. (MARTINO, 2001a: 382).

Esta exterioridade confere um caráter multi/interdisciplinar à comunicação,


tornando praticamente impossível neste trabalho um levantamento abrangente e
profundo das teorias da comunicação existentes. A opção foi, pela proposta aqui
apresentada, restringir a abordagem às teorias mais importantes e às que apresentassem
afinidades com a psicologia social e com a teoria das representações sociais. As teorias
aqui presentes, portanto, foram desenvolvidas a partir dos paradigmas da sociologia
(funcionalismo, sobretudo o de influência norte-americana —, weberianismo e o
marxismo), da psicologia (behaviorismo e o cognitivismo) e da psicologia social.

59
As teorias

Observando as obras de dois autores bastante conhecidos e utilizados no Brasil,


Mauro Wolf e Melvin DeFleur, é possível verificar que, mesmo descrevendo a história
das teorias da comunicação cronologicamente, estes autores apresentam algumas
diferenças significativas. De Fleur, pesquisador americano, praticamente ignora as
pesquisas da Escola de Frankfurt. Wolf, por outro lado, cita o controvertido McLuhan
apenas em nota de rodapé. Diferenças como estas acontecem com certa freqüência entre
os autores. Tentaremos aqui, apenas apontar o essencial.
As primeiras pesquisas desenvolvidas sobre a influência da comunicação de
massa datam do início do século XX e foram desenvolvidas nos Estados Unidos. H.
Lasswell, em 1927, publica o primeiro texto que estruturou a Mass Communication
Research. O interesse principal recaía sobre os efeitos das propagandas de guerra pois
havia grande necessidade de recrutamento, de manutenção da moral elevada, dos
soldados e da sociedade e também, por recursos financeiros (DEFLEUR, 1993: 179). Tais
demandas produziram as primeiras campanhas institucionais utilizando os meios de
comunicação de massa e, também, as primeiras agências de publicidade.

A predominância norte-americana nos estudos sobre a influência da


propaganda no início do século se deve, em parte, ao fato que vários pesquisadores
europeus, fugindo da perseguição nazista, foram para os Estados Unidos a fim de
continuarem suas pesquisas. Uniram-se a Lasswell e Robert Merton, nesta época, Kurt
Lewin, Carl Hovland e Paul Lazarsfeld. A Mass Communication Research, cuja
preocupação principal era a influência dos meios de comunicação de massa, se
caracterizava por ser uma linha de pesquisa funcionalista, com caráter administrativo
cujo interesse era avaliar a influência para melhor utilizá-la.
Influenciado pela psicologia das massas43 de Gustave Le Bon e pelo
behaviorismo de J.B. Watson, Lasswell criou o termo Agulha Hipodérmica para
explicar a relação entre a propaganda de guerra e os seus efeitos, acreditando que a
propaganda constituía o “único meio de suscitar a adesão das massas”
(MATTERLART, 1999: 37). Sua teoria foi construída baseada em dois princípios:
audiência amorfa/mídia onipotente e na relação estímulo/resposta. Ou seja, “as

43
para o psicólogo Stoetzel, esta linha de raciocínio prejudicou toda a produção futura da psicologia social
60
mensagens da mídia são recebidas de maneira uniforme pelos membros da audiência e
que respostas imediatas e diretas são desencadeadas por tais estímulos”
(DEFLEUR, 1993: 182). É também Lasswell, em 1948, quem desenvolve a fórmula
funcionalista: quem diz o quê, a quem, por qual canal e com que efeito?, considerada
uma evolução da teoria hipodérmica e que influenciará toda a produção americana
posterior (WOLF, 1999: 28).
Merton dedicou-se aos estudos sobre métodos sociológicos; Lewin, aos estudos
sobre as decisões de grupo, as reações individuais frente às mensagens e o papel dos
formadores de opinião; e Hovland, ao estudo experimental sobre persuasão com o
objetivo de medir a eficácia das propagandas políticas durante a Segunda Guerra.
Também na mesma época, foram elaboradas por Paul Lazarsfeld pesquisas quantitativas
sobre audiências com o objetivo de tornar os programas e a propaganda o mais eficiente
possível. Todas estas pesquisas foram desenvolvidas entre as décadas de 30 e 50.

Nos anos posteriores, os estudos de Hovland e Lazarsfeld consideraram que o


poder da mídia dependeria de vários fatores como a capacidade do público em
selecionar mensagens e conteúdos. Conseqüentemente, passa a ser negada a crença na
onipotência dos efeitos dos meios de comunicação de massa. Estas teorias ficaram
conhecidas como teorias de influência seletiva ou teorias dos efeitos limitados, pois
permitiam esclarecer as diferenças individuais, psicológicas ou cognitivas que
influenciavam o comportamento das audiências (DEFLEUR, 1993: 197). Estas novas
propostas possibilitaram o desenvolvimento de conceitos com segmentação e pesquisa
de mercado.
A hipótese Users and Gratifications, surge na década de 40 e propõe uma
mudança de perspectiva (WOLF, 1999: 71), onde o que interessa não é o que os mass
media fazem às pessoas, mas o que as pessoas fazem com os mass media. Seu objeto
eram os efeitos dos conteúdos divulgados e relacionados com os fatores de escolha pela
audiência, também partindo da premissa de que a audiência não era passiva:

Enraizados numa perspectiva funcional, eles insistem – ao longo de


períodos sucessivos de intensa atividade – sobre o fato de que a
implicação, ou o “papel”, ou a natureza da “dependência” dos
utilizadores definem os usos que serão feitos dos meios de comunicação,
as gratificações que daí advém, e, finalmente, seus efeitos.
(KATZ, 1990: 275-28)
61
Em 1944, Lazarsfeld, Berelson e Gaudet (MATTELART, 1999: 47) investigam a
influência da mídia nos eleitores e publicam o livro The people’s choice. Nesta obra,
defende a capacidade seletiva individual onde, conseqüentemente, os efeitos dos meios
de comunicação seriam limitados. Em 1955, surge a hipótese Two Steps Flow of
Communication. Elaborada por Elihu Katz e Paul Lazarsfeld, ela procura descrever a
importância dos líderes de opinião dentro de seus grupos sociais. Estes dois trabalhos
questionam em definitivo a eficácia da Teoria Hipodérmica.

As teorias apresentadas até o momento pertencem à escola Mass


Communication Research, predominante nos Estados Unidos até a década de 50. No
mesmo período, na Europa, era a Escola de Frankfurt que dominava as discussões.
Fundamentada na tradição marxista, seus principais representantes são Max Horkheimer
e Theodor Adorno, filósofos alemães que, enquanto exilados nos Estados Unidos,
desenvolveram o conceito de indústria cultural influenciando grande parte das pesquisas
posteriores sobre comunicação. Segundo eles, a comunicação de massa não exerceria
poder de mudança social. Ao contrário, seria um dos fundamentos da estabilidade da
organização social (status quo), transformando, ao mesmo tempo, os produtos culturais
em mercadorias: à Indústria Cultural caberia atuar na naturalização das relações sociais
de forma tão sutil que não poderia ser definida como uma simples manipulação.

Os estudos conhecidos como Knowledge Gap da década de 70 e de origem


escandinava preocuparam-se em denunciar o papel dos meios de comunicação de massa
como acentuadores e perpetuadores das desigualdades sociais. Os estudos sobre
socialização, das décadas de 70 e 80, surgiram para preencher uma lacuna nas teorias
seletivas que pouco tinham a dizer acerca dos efeitos a longo prazo nos indivíduos, da
exposição continuada e acumulada ao conteúdo da mídia, ou a respeito das influências
indiretas na cultura e na sociedade (DEFLEUR, 1993: 224). Procuravam, portanto
compreender a interação entre os meios e os outros agentes de socialização, como
parentes, família etc.

Também são da década de 70 a proposta de Elizabeth Noelle-Neumann,


conhecida como Espiral do silêncio, e a hipótese da Agenda-setting. Elizabeth Neumann
questiona capacidade seletiva do público, defendida anteriormente por Lazarsfeld em
The People’s choice, argumentando que a televisão, ainda uma novidade, teria um
enorme poder de influência em seu público. Na hipótese da agenda-setting o foco de
62
interesse são os processos de significação e a análise destes processos, ou seja, é pela
comunicação que os indivíduos modificam as suas representações da realidade social.
Nela,

os mass media, descrevendo e precisando a realidade exterior, apresentam


ao público uma lista daquilo sobre que é necessário ter uma opinião e
discutir. O pressuposto fundamental é que a compreensão que as pessoas
têm de grande parte da realidade social lhes é fornecida, por empréstimo,
pelos mass media. (E. SHAW in WOLF, 1999: 145)

Harold Innis e Marshall McLuhan foram os precursores daquilo que mais tarde
seria denominado Teoria dos Meios, fortemente impregnada pelo determinismo
tecnológico dos meios sobre a forma de organização social. Para Innis, os sistemas de
comunicação moldam a organização social porque estruturam relações temporais e
espaciais (MATTELART, 1999: 177). Já McLuhan defendia que os meios determinariam
os processos cognitivos em função de sua tecnologia, como por exemplo, nosso
pensamento seria linear e estruturado por conta da prática de leitura impressa
(KATZ, 1990). As críticas a essa teoria referem-se a falta de pesquisas empíricas, difíceis
de serem executadas, e a falta de importância que dão aos conteúdos.
Recentemente, têm-se incluído nos estudos de comunicação as produções
denominadas Cultural Studies, que focam a cultura como processo onde as
significações são construídas, criticando abertamente o determinismo tecnológico.
Autores como, Raymond Willians e Stuart Hall, fazem parte dessa corrente. Este último
também defende o papel importante do receptor na produção de sentidos abrindo
caminhos para os diversos estudos sobre a recepção da década de 80.
Certamente não foram listadas aqui todas as pesquisas e hipóteses conhecidas
e/ou utilizadas como teorias da comunicação de massa. Apenas listamos as correntes
mais conhecidas e algumas hipóteses que serão importantes no desenvolver da
dissertação.

63
Os efeitos sociais dos medias

Por Mauro Wolf

Mauro Wolf, em um de seus últimos livros, Los efectos sociales de los media,
faz uma avaliação a respeito das teorias dos efeitos dos meios de comunicação de
massa. Em seu trabalho, o autor apresenta três momentos significativos na história
destas teorias: no primeiro, os meios são apresentados como onipotentes com poder
incontestável sobre os indivíduos (efeitos ilimitados); no segundo, este poder é colocado
em dúvida (efeitos limitados); no terceiro momento, mais atual, estas teorias passam por
uma renovação. Há novas maneiras de abordar o assunto, há muito mais pesquisas
também e, pelo menos, duas tendências (WOLF, 1994: 17): as análises agora relacionam
a evolução das técnicas com a percepção do espaço e do tempo e também consideram o
aumento de consumo da comunicação, particularmente, da TV.
O tema dos efeitos dos mass media com todas as diferenças sociais e técnicas
que encontramos hoje, não poderia e não se encontra no mesmo estado em que iniciou.
Entre as mudanças, segundo Wolf, há pelo menos três aspectos que devem ser
considerados para se compreender os direcionamentos atuais das pesquisas. O primeiro
é o caráter funcionalista das primeiras pesquisas que vinculavam seus temas com igual
força aos procedimentos e aos contextos político, econômico e cultural onde eram
desenvolvidas (WOLF, 1994:18). Muito das pesquisas produzidas, patrocinadas por
institutos do governo ou particulares, buscava explicar ou resolver problemas sociais
causados pela comunicação de massa. Eles apresentavam dados quantitativos sobre a
audiência e, principalmente, justificavam o papel dos meios de comunicação junto à
opinião pública. Estas pesquisas, ao mesmo tempo em que procuravam conhecer melhor
a indústria, visavam resolver as demandas político-institucionais.

A segunda questão importante é a influência e a autonomia da Communication


Research nos anos 40 e 50. Esta tendência surgiu com uma postura oposta a anterior,
onde mesmo quando patrocinada por órgãos governamentais ou privados procurava se
impor como independente e acadêmica.

La comunidad de investigadores que se ocupaba de los mass media


encontró el medio necesario para empezar a construir su propia identidad

64
y, en definitiva, para adquirir cierta legitimidad en el mundo académico.
(WOLF, 1994: 24)

A escola Communication Research, mesmo apresentando alguns problemas,


como a falta de estrutura conceitual e teórica, deixou espaço para que o campo dos
efeitos pudesse se desenvolver.

O terceiro aspecto se refere à “relación entre técnicas de investigación y


teorías, entre métodos de análisis de los datos y esquemas conceptuales” (WOLF, 1994:
27). Esta relação, segundo Wolf, fez com que o enfoque das pesquisas fosse mais
acentuado nas técnicas dos meios do que em seu desenvolvimento dos temas mais
relevantes, o que obviamente dificultou o surgimento de novos temas ou “pontos de
partida”.

Um outro ponto importante a ser considerado a respeito da história dos efeitos


da comunicação de massa é o modo como esta história é construída. A apresentação
mais freqüente se dá por ciclos. Esta forma de abordagem relata a história de maneira
quase lógica: são três ciclos evolutivos onde o novo supera e praticamente nega o que
foi desenvolvido anteriormente (WOLF, 1994: 29-30). Neste tipo de construção
histórica, as teorias, próprias de um determinado período, são totalmente superadas no
seguinte: o primeiro ciclo vai até aos anos 30, onde os meios são considerados como
muito influentes; o segundo ciclo, que corresponde aos anos 40, relativiza este poder; o
terceiro, por sua vez, trata do momento atual, onde ocorre uma renovação dos
paradigmas anteriores.

De modo alternativo à interpretação histórica, Wolf propõe uma reconstrução


não linear, na qual os modelos não se sucedem uns aos outros, mas onde há coexistência
de modelos explicativos e múltiplas tendências. Esta alternativa, que nos parece mais
atual e adequada, considera a complexidade do campo e sua interdependência com
outras disciplinas. Assim, há a possibilidade da convivência entre vários modelos
teóricos como ocorreu, por exemplo, entre a Communication Research e Teoria Crítica.

Uma outra razão que o autor relaciona refere-se à indefinição de como e onde
surgiu a Teoria Hipodérmica, o que acaba por ilustrar a própria origem indefinida do
campo disciplinar da comunicação. Esta indefinição e o interesse de grupos distintos −
políticos, econômicos, educacionais −, e com objetivos diferentes (“múltiplos sujeitos

65
sociais”) faz com que, ao invés de uma teoria academicamente construída e com
conhecimentos verificados, encontremos um tema corrente na literatura da época
(WOLF, 1994: 34) e, também, uma espécie de “esquecimento” em relação às pesquisas
investigativas, cujos resultados eram ignorados por autores importantes como
Lazarsfeld.

Entre los “conocimientos” construidos y difundidos por estos colectivos se


instauran relaciones complejas, conflictos, dominios, retrasos y
esclavitudes, por lo que el prenominio de algunas temáticas, el arraigo de
algunas aptitudes, el éxito y la “fortuna” de algunas teorías y modelos,
son elementos a interpretar, valorando estas interacciones. Es
indispensable tener en cuenta esta característica, tanto para entender
mejor el desarrollo de los primeros modelos sobre los efectos, como para
situar en el contexto adecuado las teorías actualmente en boga
(WOLF, 1994: 35).

Durante os primeiros anos do século XX havia, portanto, a coexistência de duas


linhas de reflexão sobre a influência da comunicação de massa. A primeira, decorrente
de uma postura social mais crítica e voltada para respostas aos questionamentos da
opinião pública. A segunda, com os trabalhos realizados pelo Payne Fund Studies e por
Cantrill, entre outros, era mais investigativa e menos linear, mas que passa
desapercebida graças à “atitude mental difundida” no próprio meio acadêmico em
relação à teoria hipodérmica, mais apropriada e coerente com a idéia de opinião pública.
Este mesmo problema, diferentes abordagens sobre os meios, também é possível
encontrar em relação à teoria dos efeitos limitados, já na década de 60. O pensamento
que predominava era de poucas trocas de informações, opiniões e atitudes em
detrimento do reforço de idéias pré-existentes: este seria o único efeito dos media. No
entanto, é possível encontrar trabalhos que reforçam o efeito conformista dos meios em
relação à estrutura sócio-econômica. A Escola de Chicago constitui um exemplo dessa
“multiplicidade de perspectivas e tendências de investigação” (WOLF, 1994: 47), onde é
possível encontrar trabalhos sobre “o papel dos meios na configuração de modelos de
vida cotidiana e a difusão de uma cultura nacional”.

Por último, o terceiro aspecto a ser considerado sobre a reconstrução “por


coexistência” é o momento atual das pesquisas sobre os efeitos. O tema do poder dos
meios volta à pauta, agora reavaliado,

66
El resurgir del interés hacia el problema de los efectos (...) no se puede
explicar con nuevos descubrimientos sobre el poder de los media, ni
tampoco con nuevos planteamientos metodológicos en el estudio sobre las
influencias de los media que hayan podido modificar la perspectiva de los
investigadores. Se trata más bien de una reavivación de interés hacia
preguntas que alguien había dejado de hacerse. (WOLF, 1994: 49)

A retomada da defesa do poder dos meios de comunicação de massa possui,


segundo Wolf, três motivos. O primeiro é a planetarização, ou seja, a globalização,
integração das regiões, intercâmbio das comunicações, o desenvolvimento tecnológico-
industrial, a integração dos mercados; o segundo motivo é o uso político dos meios de
comunicação, sobretudo durante as eleições, uma espécie de dependência política, que
pode ser exemplificada de forma mais clara pelos modelos teóricos, como a agenda-
setting e a espiral do silêncio; por fim, surgem pesquisas interessadas na influência
cognitiva dos meios de comunicação.

Temos, portanto, nessa parte inicial do livro de Wolf, pelo menos duas propostas
interessantes: a idéia de uma história das teorias por coexistência e o retorno da idéia
que os meios de comunicação de massa exercem forte poder de influência junto à
audiência. As duas propostas nos parecem pertinentes. A primeira, pela constatação, ao
longo deste trabalho, das linhas de pesquisas, quase paralelas, que exerciam os
comunicólogos e os psicólogos sociais. A segunda, pela importância que possui a
cognição social tanto para a retomada do poder dos meios como para a psicologia
social.

67
A perspectiva de Elihu Katz

Aparentemente apresentar as teorias da comunicação cronologicamente é a


forma mais fácil. No entanto, a quantidade de paradigmas envolvidos, ou seja, a
interdisciplinaridade que os envolve, possibilita outras formas de descrever e construir
historicamente o campo da comunicação: seja por correntes de pesquisas, por regiões,
instituições ou pelos campos disciplinares, entre outros.

Elihu Katz (1990), por exemplo, apresenta três domínios de pesquisas − estudo
de públicos, de conteúdo e de efeitos −, freqüentes e que podem servir como orientação
para o recorte do campo. O último domínio, bastante abrangente, é também o que mais
está de acordo com a proposta dessa dissertação. Os efeitos aos quais se referem as
pesquisas são aqueles que ocorrem apesar de certas condições e apesar das diferenças
que encontramos entre os públicos para as quais as mensagens e seus conteúdos estão
direcionados: “De fato as pesquisas empíricas provam somente isto: os meios de
comunicação podem ser poderosos, mas sob certas condições (efeitos “indiretos”),
sobre certos segmentos do público (efeitos “limitados”)” (KATZ, 1990: 1).
O domínio dos efeitos é ainda divisível: encontramos dois tipos, os limitados e
indiretos e os diretos. Esta divisão surgiu com o desenvolvimento de pesquisas sobre os
efeitos das propagandas, onde é necessário selecionar o público específico que se deseja
atingir.
A teoria dos efeitos limitados corresponde aos trabalhos da escola
Communication Research, onde a influência exercida pelo mass media “não podia ser
total (seletiva), ela não podia ser direta (era preciso levar em conta as intermediações),
ela não podia ser imediata (o processo de influência demanda tempo)” (KATZ, 1990: 2).
A Communication Research, desde o seu início, sofreu influência da psicologia
social já que alguns de seus participantes eram psicólogos. Esta influência fica clara
quando se refere à teoria dos efeitos limitados, pois, ao visar a seletividade, trata do
indivíduo; ao visar às intermediações, trata das relações entre grupos; e ao visar os
efeitos, está,necessariamente, tratando da cognição. A limitação desta teoria estaria no
conceito ultrapassado de “efeito”, cujo foco eram as mensagens (e não os meios), o
desejo de influenciar (e não a circulação da informação ou o papel da ideologia), os

68
indivíduos mais que os grupos ou instituições sociais, e os efeitos imediatos mais que a
longo prazo.

Reconceitualizando a noção dos efeitos, surgem os estudos sobre difusão e a


escola Usos e Gratificações − também classificados no grupo da teoria dos efeitos
limitados e diretos −, os estudos sobre socialização e o Knowledge Gap (onde os efeitos
acentuam e perpetuam as diferenças).
Contrapondo as teorias dos efeitos limitados e indiretos, estão as dos efeitos
diretos. São classificadas, assim, a teoria dos efeitos ideológicos − de Noelle-Neumann
e Gerbner & Gross −, as teorias tecnológicas − McLuhan, Innis, Carey e Meyrowitz são
alguns dos autores desta linha de pesquisa −, e a hipótese da Agenda-setting.

É interessante observar que, tanto Wolf, Katz e Saperas, apresentam o


Knowledge Gap, a Espiral do Silêncio (Neumann) e a Agenda-Setting como propostas
de um segundo momento das pesquisas, uma evolução do conceito “efeito” ainda que,
como acontece com a proposta de Elizabeth Neumann, reavaliando propostas anteriores.

69
A perspectiva de Enric Saperas

Este tópico tratará especificamente de uma tendência destacada por Enric


Saperas, que dá destaque à evolução das teorias cognitivas entre as teorias da
comunicação. Das teorias relatadas, foi na escola funcionalista do Mass Communication
Research que o enfoque psicossociológico teve maior importância, principalmente a
vertente cognitivista interessada nos efeitos dos meios de comunicação de massa, que
relaciona o papel da imprensa, das relações sociais e dos indivíduos na construção de
sentido no espaço cotidiano.

Esta abordagem cognitivista pelos comunicólogos, característica da psicologia


social, não é incomum e nem chega a surpreender. Como explica DeFleur, ela é
necessária:

A abordagem cognitiva tem emprego amplo no estudo dos efeitos da


comunicação sobre os indivíduos, particularmente ao tentar entender
como as mensagens são percebidas; como padrões de ação são aprendidos
das descrições pela mídia; e como atitudes, conhecimento, valores e
probabilidades de comportamento podem ser alterados por persuasão
(1993: 157).

Além de necessária, esta abordagem é também, como já foi observado, uma


conseqüência da participação dos psicólogos sociais na Communication Research e das
limitações que o conceito de efeito apresenta, como foi observado por Katz
(mensagens/meios; influência/informação; indivíduos/grupos; imediato/longo prazo).
Limitações e mudanças de perspectivas que surgiram e renovaram o conceito de efeitos,
modificando o interesse das novas pesquisas, que a partir da década de 70, foram
redirecionadas do estudo da persuasão para o da cognição social, função cognitiva e
para o retorno do poder dos mass media. Estas mudanças foram provocadas:
– pelo sucesso da televisão;

– pelo interesse nas relações entre os meios de comunicação de massa e o


sistema político (e não apenas nos processos de persuasão e nas instâncias
mediadoras);

– pela superação da proposta da hipótese dos efeitos limitados e indiretos


(focada da capacidade seletiva individual), e também da opinião pública
(próprias da Communication Research);
70
– pelo desenvolvimento de estudos sobre os aspectos jornalísticos dos efeitos
(sociologia das profissões).

Os motivos sugeridos por Saperas se não são coincidentes com os propostos


por Wolf também não chegaram a discordar (planetarização, intercâmbio tecnológico e
uso político dos meios). Na verdade, são complementares, pois consideram as mudanças
provocadas pela televisão e pelos novos meios de comunicação, mudanças no aspecto
econômico, social e político (que por sua vez estimulam novas preocupações) e as
limitações da Communication Research.
Saperas propõe uma tipologia dos efeitos cognitivos da comunicação de massa
composta por três aspectos (1993: 49):
– dos efeitos resultantes da capacidade simbólica para estruturar a opinião
pública (onde estão classificadas a hipótese da agenda-setting e a
tematização)

– dos efeitos resultantes da distribuição social dos conhecimentos coletivos


(Gap Hypothesis e Knowledge Gap)

– dos efeitos relativos às notícias como formas de construção da realidade


social

Apesar de não ser uma obra muito recente44, ainda é possível verificar que as
três diretrizes propostas por Wolf (1999: 15) nos estudos sobre comunicação de massa
continuam atuais e pertinentes, sem entrar em conflito com o que ele mesmo propõe em
outra obra mais recente (1994) e nem em choque com o que foi discutido por Saperas e
Katz:
– União das visões americana e européia, ou seja, a união da sociologia do
conhecimento, da influência dos meios de comunicação de massa sobre o
público e os determinantes culturais do pensamento;

– Convergência de interesses em torno da “informação” (do conteúdo,


modalidade de transmissão e da eficácia), ao contrário da tendência
anterior que era a publicidade e a propaganda, levando a necessidade de
estudos multidisciplinares;

44
a primeira edição de Teorias da comunicação é de 1987.
71
– Mudança na perspectiva temporal, das conseqüências diretas e imediatas
para os efeitos em longo prazo.

Estas diretrizes permitem uma renovação do interesse na área da comunicação


pelos efeitos cognitivos dos meios de comunicação de massa. Esta é uma tendência
apresentada pelo próprio Wolf (1994), por Katz e, ainda, por Enric Saperas, o mais
enfático desses autores. Seguindo a tendência e verificando a importância e a influência
da psicologia social na construção de novas hipóteses sobre a comunicação de massa, é
legítimo investigar a pertinência e as afinidades entre os estudos desenvolvidos na
psicologia social sobre comunicação de massa e aqueles da comunicação de massa que
são construídos a partir da cognição social. Exatamente o que constituirá o assunto de
nossos próximos capítulos.

72
4. PSICOLOGIA SOCIAL E COMUNICAÇÃO DE MASSA
Apresentação

A noção de cognição social

As pesquisas sobre comunicação de massa sempre receberam influência da


psicologia social, inclusive em seu estabelecimento como disciplina acadêmica. Nos
últimos 30 anos, entretanto, estes dois campos de pesquisas − Comunicação e Psicologia
Social −, continuaram suas investigações paralelamente. Esta aparente independência,
entretanto, não impediu que, neste período, a cognição, o paradigma que estrutura a
Psicologia Social, estivesse presente em uma série de pesquisas desenvolvidas pela
comunicação. Da mesma forma, a comunicação de massa, considerada pelos psicólogos
um campo fenomenal de aplicação da teoria das representações sociais
(ROUQUETTE, 1998: 16), também estivesse presente em muitos de seus estudos.

A psicologia social é, por princípio, uma ciência cognitiva45: suas observações


voltam-se para o estudo do conjunto dos processos destinados à extração, estocagem,
processamento e utilização de informações ocupando-se, para tanto, da percepção, do
pensamento, da linguagem, da memória etc (SILVA, 1986). Desta maneira, propor uma
aproximação entre esta ciência e as teorias comunicacionais com interesse cognitivo,
longe de ser uma incoerência, trata-se de uma proposta de verificação das possíveis
contribuições epistemológicas e/ou metodológicas da Psicologia Social para a
Comunicação Social. A teoria das representações sociais, que tomamos como apoio e
linha mestra deste trabalho, foi escolhida por pelo menos dois motivos: é uma proposta
da psicologia social com forte enfoque sociológico46 e foi buscar, na análise de
conteúdo mediático, sua sustentação.

Aliás, esta não é a única contribuição metodológica da psicologia social para as


ciências sociais. De acordo com J. Stoetzel, psicólogo francês, várias técnicas de
pesquisas usadas pela sociologia e outras ciências foram instituídas pela psicologia
social, tais como (1967: 24): escalas de atitudes, análise hierárquica, investigações
representativas, teoria e técnica da amostragem, regras de entrevistas, análises

45
Serge Moscovici afirma: “O próprio termo ‘psicologia social cognitiva’ é um pleonasmo” (1985: 5).
46
considera com igual importância os comportamentos individuais e os eventos sociais, assim como os estados e
processos individuais na construção de suas realidades sociais
73
sociométricas, técnica da análise da comunicação social e da informação,
particularmente da análise de conteúdo.

Durante a década de 70, a psicologia social ficou caracterizada pelo grande


número de pesquisas que focavam a motivação, as mudanças de atitudes e por teorias
com orientação cognitivista. Segundo FOURQUET (1999: 109-110)47, esse foi um
período onde a noção de inteligência artificial provocou uma espécie de “revolução
cognitiva” na psicologia científica. O interesse voltou-se para o tratamento da
informação e dos processos cognitivos − codificação, interpretação, recuperação − no
lugar do pensamento individual, dos fenômenos emocionais e da motivação. Este
movimento influenciou os interesses da psicologia social que voltou seu foco para os
fenômenos cognitivos.

Processo semelhante aconteceu com as pesquisas sobre comunicação de massa


onde, também na década de 70, é possível verificar um reaquecimento no interesse pelas
pesquisas com foco cognitivista48. O interesse por este tema é uma resposta às pesquisas
que defendiam a hipótese dos efeitos limitados. Como foi visto anteriormente, o
lançamento, em 1944, do livro The people’s choice, deu incentivo para que fossem
desenvolvidas pesquisas com enfoque psicossociológico49. Esses trabalhos, que
indicavam a hipótese dos efeitos limitados, possuíam forte interesse na persuasão,
diferentemente daqueles desenvolvidos após os anos 70 que incluíram outros aspectos
da cognição social50 e a defendiam que os mass media possuíam grande poder de
influência (WOLF, 1994).

A diferença entre os estudos realizados, no mesmo período, por ambas


disciplinas é que enquanto a psicologia social foca seus trabalhos na maneira como a
percepção, o pensamento, a memória e a linguagem são utilizados para processar as
informações, os comunicólogos buscavam compreender e apresentar uma nova

47
Este é o período da retomada das pesquisas cognitivas já que a as primeiras pesquisas cognitivas tiveram origem na
década de 50.
48
Obviamente, o cognitivismo não é a única área de interesse da época: os trabalhos de McLunhan, Jacques Ellul e as
críticas de Baudrillard à cultura de massa são ocorreram paralelamente, confirmando a hipótese de Wolf (1994) de
coexistência das linhas de pesquisas.
49
Para Francis Balle (1991), o período 1940-1960 pode ser considerado a época de ouro da psicologia social nas
pesquisas sobre comunicação de massa.
50
Saperas (1993: 36-37) coloca a processo de persuasão, tal qual foi observado pela Mass Communication Research,
como oposta a cognição social, por ser a única ótica observada na época
74
perspectiva sobre os efeitos dos meios de comunicação de massa. Em ambos os casos,
entretanto, o caráter modulador e organizador da cognição social é fundamental.

Enric Saperas (1993: 49) propõe uma tipologia dos efeitos cognitivos da
comunicação de massa utilizando como parâmetro o direcionamento das linhas de
pesquisas:

– efeitos que são conseqüência da formação e funcionamento da opinião


pública;
– efeitos resultantes da distribuição social dos conhecimentos coletivos e;
– efeitos relativos às notícias como formadoras da construção social da
realidade.
Há, naturalmente, um interesse maior por determinado efeito dependendo da
teoria utilizada como linha de pesquisa. Desta maneira, encontram-se mais pesquisas
sobre agenda-setting com foco na formação e no funcionamento da opinião pública. Ao
mesmo tempo, as pesquisas sobre Hypothesis Gap e o Knowledge Gap dão maior
importância à distribuição social dos conhecimentos coletivos. Este direcionamento não
impede, entretanto, que os interesses se alternem e se misturem.
Contudo, independente do tipo efeito que se procura desvendar, todos estes
efeitos estão, de uma maneira ou de outra, interferindo e contribuindo para formação,
manutenção e mudanças que podem ocorrer com as representações sociais. Tanto
opinião pública como as representações sociais são ao mesmo tempo uma parte, um
corte no universo do pensamento social. São simultaneamente processos e produtos e
assim devem ser pesquisados.

75
Sutilezas

O que torna diferente a abordagem da Psicologia Social pelos efeitos da


comunicação de massa da abordagem da própria Comunicação Social? Ou seriam tão
semelhantes que tornaria impossível diferenciá-las? A História e a Sociologia passaram
por problemas semelhantes e discussões acaloradas tanta na defesa de uma disciplina
como da outra. Fernand Braudel (1977), historiador francês, sugere ser o tempo a
categoria que aproxima e separa estas duas ciências, categoria tão importante quanto
sutil:

Para o historiador, tudo começa, tudo acaba com o tempo, um tempo


matemático e demiúrgico, de que seria fácil sorrir, que aparece exterior
aos homens, os impele, os constrange, arrasta os seus tempos particulares
de cores diversas: o tempo imperioso do mundo.

Os sociólogos, bem entendido, não aceitam esta noção demasiado


simplista. (...) O tempo social é simplesmente uma dimensão particular da
realidade social que eu contemplo. (...) O sociólogo não é perturbado por
esse tempo benévolo que ele, à sua vontade, pode cortar, reter ou pôr em
movimento. O tempo da história presta-se menos ao duplo e ágil jogo da
sincronia e da diacronia: não permite imaginar a vida como mecanismo
em que se pode fazer parar o movimento para o apresentar,
pausadamente, como imagem imóvel. (1977:140)

Assim, enquanto os historiadores observam os acontecimentos a partir de um


tempo linear, recortado, onde os fatos podem ser ordenados, verificando sua duração,
seus ciclos, a convergências dos acontecimentos; para o sociólogo o tempo dos
acontecimentos pode ser longo ou vagaroso, surpreendente ou irregular. O importante é
que ele se acomode à dimensão, às exigências (1977: 142) e aos outros elementos que
compõem o “edifício social”51: sociabilidades, grupos sociais, sociedades globais,
tempos, camadas em profundidades.

De forma análoga, entre a Psicologia Social e a Comunicação Social muitas


vezes é difícil delimitar exatamente onde uma e outra começa, ao menos, no que se
refere ao papel dos efeitos dos mass media. Para a psicologia social, por exemplo, há o
indivíduo e a sociedade onde ele se insere, onde troca e reelabora informações. O papel
esperado para os mass media é o de um elemento que influenciará a percepção, a

51
Definição de Georges Gurvitch citada por Braudel (1977: 141)
76
compreensão e a interpretação que este mesmo indivíduo tem si e da realidade onde se
encontra. Para a comunicação, entretanto, os mass media são o terceiro e importante
elemento entre o indivíduo e a sociedade.

Nenhuma disciplina das ciências sociais surgiu sem alguma influência de outra.
Como disse Braudel, “todas as ciências sociais se contaminam uma às outras”
(1977: 125). Assim aconteceu com a Sociologia, Psicologia, História e com a
Antropologia. Todas receberam influência e, conseqüentemente, também influenciaram
outras disciplinas. Isto também ocorreu com a Comunicação e não foi diferente com a
Psicologia Social: autores como Wundt, Durkheim, Mead, Blummer, Hovland e
Lazarsfeld são encontrados com freqüência e igual importância em mais de um dos
campos disciplinares citados, e “escreveram tanto sobre o indivíduo como sobre a
sociedade e a cultura” (FARR, 1998: 151).
A obra The American Soldier é um exemplo dessa troca de influências. Ao
mesmo tempo em que é considerada um marco inicial para a psicologia social, alguns
de seus volumes foram editados apenas por sociólogos. Tendo como pano de fundo a
Segunda Guerra Mundial, o interesse dessa coleção variava bastante, entre estudos
sobre as atitudes, comportamentos, persuasão, até as conseqüências da participação em
combates (FARR, 1998: 19). O terceiro volume, dirigido por Carl Hovland, tem como
assunto principal a influência massiva sendo tão importante para a psicologia social
como para a comunicação de massa, deixando a trilha aberta para que novas pesquisas
fossem desenvolvidas:

A outra razão da importância da série de volumes do The American


Soldier é que alguns grupos de pesquisadores do tempo da guerra
continuaram colaborando muito além do fim da guerra [...] A
continuidade entre esse programa de pesquisa e o após a guerra em Yale
consistiu num modelo comum de meios massivos de comunicação e dos
efeitos desses meios (...) (FARR, 1998: 20).

O interesse da Psicologia Social pela comunicação de massa não terminou,


portanto, com as pesquisas realizadas pelos autores de American Soldier e nem
diminuiu com o passar dos anos. O que não pode ser considerado uma surpresa, pois as
preocupações das duas áreas possuem pontos em comum. Para J. Stoetzel (1967: 26),
por exemplo, a psicologia social estuda e interpreta os comportamentos individuais a

77
partir das condições culturais, interpessoais e de grupo e, também leva em conta as
condições pessoais. Por sua vez, para os pesquisadores da Comunicação, o importante é
a influência dos meios em todas as condições citadas, tanto no sentido de trocas entre
pessoas ou grupos e, o interesse deste trabalho, as mudanças que podem provocar
envolvendo a difusão de informações, propagandas e conhecimentos, o que reflete o
caráter socializador dos meios de comunicação de massa. Esta socialização, ou
aculturação, como prefere Stoetzel, ocorre de maneira silenciosa:

Mas existe também o que se poderia denominar uma adaptação social


silenciosa. O sujeito não se limita a pedir expressamente aos que o
rodeiam que o façam conhecer as normas. Num sentido, cabe dizer que ele
imita: mas isto significa que ele observa, interpreta, para assimilar e
reproduzir, mediante instrumentos culturais já possuídos: a linguagem, os
conceitos para pensar as percepções, as normas a que convém reportar-se
e que são pontos de referência. E aí temos uma das funções dos adjetivos,
a de exprimir qualidades e valores: o que é grande para objeto de certa
natureza, o que dura muito (aculturação às condutas de paciência), o que
é razoavelmente quente, o que é bom, o que é desprezível (1967: 71).

Para Charles Wright (1973: 93), compreender como ocorre a socialização52 é


um passo importante para diferenciar as normas sociais adquiridas pelos mass media
das impessoalmente distribuídas, e também aquelas transmitidas pela família, amigos,
grupos de trabalho, ou ainda, explorar a extensão da padronização da cultura pela
comunicação de massa. O autor também faz dois questionamentos pertinentes:
– em que condições ocorre a influência social?
– que fatores sociológicos ou psicológicos ajudam a determinar o fracasso ou
o sucesso da influência social?
Os trabalhos sobre exposição seletiva e opinião pública da Communication
Research tiveram um papel fundamental no desenvolvimento das teorias da

52
Para Wright (1973: 90), a “socialização é o processo pelo qual o indivíduo adquire a cultura do seu grupo e
interioriza suas normas sociais, fazendo com que seu comportamento leve em conta as expectativas dos outros. É
importante enfatizar que a socialização é um processo contínuo — estendendo-se da infância à velhice. Algumas
regras básicas sobre comida e alimentação são transmitidas ao indivíduo enquanto criança; outras, como namoro,
são adiadas para mais tarde. Alguns assuntos envolvem um aprendizado contínuo através da vida. A
responsabilidade da socialização cabe às pessoas ou instituições específicas, dependendo das áreas normativas
envolvidas. Os primeiros treinamentos de higiene são geralmente dirigidos pela mãe, enquanto o treinamento
vocacional posterior é supervisionado por especialistas de uma escola profissional ou no próprio emprego. A
socialização é geralmente deliberada, podendo ocorrer inadvertidamente quando o indivíduo descobre as normas
sociais sem nenhuma instrução especial sobre elas”.
78
comunicação de massa ao colocarem em dúvida o pensamento, corrente na época, que
considerava a audiência passiva53. Embora com limitações, o conceito de exposição
seletiva foi um passo importante para o andamento das pesquisas. Por outro lado,
Wright (1973: 94), já em um outro momento, também questiona: “as nossas opiniões,
atitudes, conhecimentos e comportamentos serão tão vulneráveis, a ponto de serem
mudados pelo que vemos na televisão, lemos nos jornais, ouvimos no rádio, e assim por
diante?”.

Ele sugere que, mais importante que as opiniões, atitudes, conhecimentos e


comportamentos serem vulneráveis, é compreender os questionamentos já colocados:
por que o são. Quais seriam as condições em que isto ocorre? Quais os fatores sociais,
psicológicos, históricos que determinam o sucesso deste efeito? Neste ponto há uma
total concordância entre estas questões colocadas por Wright e Stoetzel. Este último
também afirma, que

Quanto à eficácia dos diversos instrumentos de difusão coletiva (imprensa,


cinema, rádio, televisão), as comparações não são muito eficientes, por
vezes até desprovidas de sentido. Porque os públicos são diferentes, não
estão nas mesmas condições; e é impossível comparar simultaneamente
todos os aspectos da influência (atrair a atenção, retê-la, fornecer a
informação, modificar as opiniões, determinar as condutas), ou as
influências exercidas sobre os vários tipos de sujeitos. Ainda mais que, na
realidade social, esses vários órgãos quase sempre combinam sua ação.

Em compensação, o estudo das pessoas submetidas à difusão das


informações e idéias, parece trazer à luz algumas generalizações.
Incontestavelmente, no que concerne à inteligência e ao nível de instrução,
elementos que a prática revela comumente associados, a questão não é
simples: quem é mais inteligente percebe melhor a mensagem, mas
também resiste melhor à sugestão. Alguns fatores de personalidade
produzem, porém, efeitos determinados: assim, uma escassa auto-estima
torna o indivíduo mais influenciável. O “pertencimento” a um grupo faz
resistir às mudanças de atitudes que os outros grupos procuram provocar;
e a tal resistência é tanto mais acentuada quanto maior o relevo dado pela
situação a esse sentido de “pertencimento”. (1967: 305)

53
a noção de caixa preta como definiu Moscovici.
79
Wright e Stoetzel, portanto, põem em dúvida a capacidade de influência dos
mass media em função das condições presentes − que podem modificar seus efeitos e
eficácia −, sejam elas sociais, culturais, psicologias e até mesmo, tecnológicas.

É preciso lembrar que, se as condições de produção fazem diferença quanto à


eficácia dos mass media, também os mass media modificam a organização social na
relação do indivíduo com a sociedade, com seu grupo e com sua identidade, exercendo
cada dia mais o papel de ligação entre um e outro e, por isto, interessam a psicólogos
sociais e comunicólogos. Este papel de organizadores sociais que os mass media
exercem será o foco da análise entre as hipóteses da Agenda-Setting, da Espiral do
Silêncio e da Teoria das Representações Sociais.

Os modelos teóricos

O modelo Espiral do silêncio, a hipótese da Agenda Setting e a Teoria das


Representações sociais têm como principal semelhança o fato de serem propostas
cognitivistas com interesse na construção social da realidade. Apresentam, no entanto,
inúmeras diferenças. A primeira delas é o fato das duas primeiras terem como objeto
principal os meios de comunicação de massa e, por isto, estão interessadas na opinião
pública. De outra parte, para a teoria das representações sociais os meios de
comunicação são mais um elemento influenciador e não o objeto principal. Seu
interesse se volta, então, para o senso comum.
As intenções dos autores também é um importante elemento diferencial.
Moscovici defende que o indivíduo é um ser pensante, que troca informações, que
analisa e que chega a um consenso. Conseqüentemente, a sociedade também é pensante.
Noelle-Neumann, entretanto, acredita exatamente no oposto:

Throughout The Spiral of Silence and other more recent works, Noelle-
Neumann concludes that most people are ignorant, passive, incapable of
genuine self-rule, and, therefore, unable to be held responsible for seriouss
decision-making beyond that which is required to observe simple social
rituals (SIMPSON, 1996: 166)54.

54
Ao longo de toda a Espiral do Silêncio e mais outros trabalhos recentes, Noelle-Neumann conclui que a maioria
das pessoas são ignorantes, passivas, incapazes de auto-controle, e, conseqüentemente, incapazes de sustentarem
responsabilidades pelas decisões sérias além das quais é requerido para observar simples rituais sociais.
80
A Espiral do silêncio e a Agenda-setting também apresentam diferenças
sensíveis apesar de inspirações semelhantes: ambas foram desenvolvidas a partir de
análises de campanhas eleitorais. Elizabeth Neumann elaborou a hipótese da Espiral no
início da década de 70 após os resultados as eleições alemãs de 1965 e 1972, que foram
bastante diferentes das intenções antes divulgadas. A hipótese da Agenda-setting, de M.
McCombs e D. Shaw, foi inspirada na campanha presidencial norte-americana de 1968.
O próprio McCombs explica que, ao mesmo tempo em que ambas utilizam
conceitos psicossociais em suas análises, estas hipóteses observam perspectivas
diferentes dos efeitos provocados pelos “mass media: the two theories’ seemingly
disparate views of the world are akin to two travelers riding the same train but looking
out the windows on opposite sides” (MCCOMBS, 1993: 61)55. Em resumo, duas teorias
cognitivas, com enfoque psicossociais, mas que tratam da influência dos meios de
comunicação partindo de pressupostos diferentes e, conseqüentemente, com objetivos
distintos.

Espiral do silêncio

A Espiral do silêncio é o modelo desenvolvido na década de 70 por Noelle-


Neumann para tratar dos efeitos dos mass media. Este modelo ficou conhecido por ser o
primeiro grande questionamento ao paradigma dos efeitos limitados. Ou seja, foi
construído como resposta crítica ao conceito de “exposição seletiva”, ou Minimal
Effects, criado por Lazarsfeld e sua equipe. O ponto de partida da autora foi a distância
existente entre o que a audiência indicava e o resultado final das eleições alemãs.
Diferença provocada, na opinião da autora, pela pressão dos meios de comunicação, em
particular, pela televisão. A repetição constante das mensagens, a convergência de
conteúdos entre os meios e a falta de capacidade real da audiência para exercer de
exposição seletiva são os motivos que provocam esta pressão.
De acordo com o conceito de exposição seletiva,

o indivíduo manifesta uma predisposição psicológica para com aquelas


mensagens que não impliquem uma situação conflitual, quer dizer,

55
As duas teorias aparentemente disparam visões do mundo similares a dois viajantes no mesmo trem mas
observando as janelas pelos lados opostos.
81
mensagens que tendem a reforçar as atitudes prévias e que dificilmente
podem mudar a opinião dos indivíduos considerados (SAPERAS, 1993: 43).

Um dos principais argumentos da autora contra este conceito está relacionado


às mudanças que a televisão impôs à sociedade que modificaram a ação dos outros
meios ao acrescentar mais um elemento ao cotidiano do público e alterando,
conseqüentemente, as influências dos meios como um todo. Um outro argumento
importante da autora é a inexistência das condições adequadas ao público: ela defende
que somente se os meios disponibilizassem “uma variedade de informações e
argumentos” a toda audiência seria possível que houvesse seletividade justa. Além
disso, este mesmo público deveria ter também uma pré-opinião sobre o assunto
abordado (WOLF, 1994: 64). O excesso de informações insignificantes, a incapacidade
de distinção entre as informações em momentos incertos, a hierarquia de valores, as
diferenças políticas e religiosas são alguns dos elementos que tornariam o conceito de
percepção seletiva inadequado e incompleto, ao contrário do imaginado pelos
pesquisadores da Mass Communication Research.

Entretanto, condições físicas desfavoráveis e exposição seletiva não são as


únicas barreiras da comunicação. Dois especialistas em opinião pública,
Herbert Hyman e Paul Sheatsley, enumeram algumas das principais
razões do fracasso das campanhas de informação. Segundo eles, há cinco
características psicológicas dos seres humanos que afetam sua exposição
a campanhas e a sua absorção da mensagem: 1)levantamentos sociais
repetidos revelaram a existência de um núcleo de desinformados
“crônicos”, que nada sabem sobre a maioria dos assuntos que podem
constituir uma campanha e cuja caracterização social e psicológica os
torna dificilmente atingíveis, não importando o nível ou a natureza da
informação contida na campanha. 2) Há grandes grupos que admitem ter
pouco ou nenhum interesse pelos assuntos públicos em torno dos quais as
campanhas são geralmente organizadas, o que é uma barreira afetiva,
pois o interesse é uma forte determinante, tanto para a exposição quanto
para absorção da mensagem. 3) As pessoas tendem a se expor àquilo que é
adequado às suas atitudes anteriores e a evitar o contrário. 4) Há uma
percepção seletiva e uma interpretação do conteúdo logo depois da
exposição. As pessoas percebem, absorvem e lembram o conteúdo de
maneira diferente, de acordo com certos fatores mediadores, como seus
desejos, motivações e atitudes anteriores. 5) As predisposições e atitudes
iniciais do indivíduo podem mudar seu comportamento, em seguida à
exposição. (WRIGHT, 1973: 97).
82
Sem condições justas, tampouco seria justa a capacidade seletiva do público.
Este aspecto nos retorna ao tema importante das condições de influência dos meios,
sendo que aqui, estamos nos referindo àquelas que os próprios meios de comunicação
disponibilizam ao seu público e não apenas às condições ambientais.

Outro aspecto importante na formulação do modelo da Espiral é a pressão que


a opinião pública exerce sobre o indivíduo − pressão invisível, porém intensa, pois o
indivíduo corre o risco de se ver isolado:

Todos estão envolvidos, queiram ou não, no processo de formação da


opinião pública, porque cada um está ameaçado pelo isolamento social se
vai contra as regras e aos processos de integração (WOLF, 1994: 65).

Aparentemente, há duas formas de analisar esta afirmação: ou esta opinião


pública é uma espécie de senso comum, resultado de uma filtragem sobre várias
opiniões que podem se transformar numa representação social, ou é o reflexo de uma
ideologia dominante: os indivíduos tomam nota de quais são as opiniões que ganham
terreno convertendo-se em dominantes (WOLF, 1994: 65). O primeiro caso parece
improvável considerando que a autora acredita na passividade dos indivíduos. O
segundo caso, mais coerente com o raciocínio de Noelle-Neumann é, no entanto,
exatamente oposto ao de Serge Moscovici que desenvolveu sua teoria em oposição
tanto à noção da “caixa preta” − onde as informações, palavras e pensamentos podem
ser totalmente manipulados ou previsíveis −, quanto em oposição à crença que as
reações dos indivíduos e grupos são apenas o reflexo de uma ideologia dominante.

Outra diferença, também pertinente, entre as propostas de Moscovici e Noelle-


Neumann, é maneira ilustrativa encontrada por esta última. Imaginar o funcionamento
de uma espiral é fundamental para compreender a hipótese: a perspectiva espiralada
deixa mais claro o que poderia acontecer com a existência de pressão entre os grupos e
os indivíduos, sempre de fora para dentro e cada vez com maior intensidade. Neste
modelo, a opinião pública é o fruto de uma pressão disfarçada − quase invisível −, do
grupo sobre o indivíduo e do confronto da opinião individual com as “lealdades sociais”
(WOLF, 1994: 66). Por outro lado, para a teoria das representações sociais, não há
pressão de um grupo sobre o outro, mas o compartilhamento de impressões sem a
negação dos espaços individuais. O resultado é uma versão contemporânea do senso
comum (MOSCOVICI, 1981: 181), produto das trocas de informações, do convívio, do
83
ambiente social, e não apenas das pressões sociais. Para a Espiral, quanto maior o
número de pessoas com a mesma opinião, maior será o número de seguidores que esta
opinião terá ou que, ao menos, não a contestarão:

El papel de los media en esta dinámica concierne a um efecto de


amplificación vinculado a la visibilidad (...) de las diferentes tendencias de
opinión cnfrontadas en la esfera social. La espiral del silencio indica um
desplazamiento de opinión nacido del hecho de que un grupo “aparece
más fuerte de lo que es en realidad, mientras los que tienen una opinión
distinta parecen más débiles de lo que efectivamente son. El resultado es
una ilusión óptica o acústica respecto a la situación efectiva de la
mayoría, la balanza del poder” (WOLF, 1994: 67-68)56.

Agenda-setting

A hipótese da Agenda-Setting propõe que aquilo que é comentado, discutido,


pensado na esfera social deve-se, em grande parte, aos mass media. São eles o principal
elo entre os fatos e a opinião pública, entre o real, o compreendido e imaginado; são
aqueles que diriam ao público, portanto, “what to think about” e “how to think about it”
(KOSLICKI, 1993: 104). São os meios de comunicação de massa, principalmente o rádio,
jornais e televisão, que direcionariam a opinião pública, dando um certo sentido à
realidade social. Este direcionamento teria, a princípio, muito mais o caráter informativo
do que persuasivo.

A idéia básica é existir relação estreita entre a maneira pela qual a mídia
noticiosa (a imprensa em sentindo amplo) apresenta problemas em foco
durante uma campanha política e a ordem de importância atribuída a
esses problemas pelos que são expostos ao noticiário
(DEFLEUR, 1993: 384).

Aparentemente há aqui uma certa semelhança entre a Agenda e a Espiral do


Silêncio quando ambas argumentam que os mass media direcionam a opinião pública
sobre o que ela irá pensar e como irá fazê-lo. A diferença fica clara quando se percebe
que a agenda não se restringe ao conteúdo dos mass media: tão importante quanto saber

56
O papel dos meios nesta dinâmica diz respeito a um efeito de amplificação vinculado a visibilidade (...) das
diferentes tendências de opinião confrontadas na esfera social. A espiral do silêncio indica um deslocamento de
opinião nascido do feito de que um grupo “aparece mais forte do que é na realidade, ainda os que tenham uma
opinião distinta parecem mais fracos do que efetivamente são. O resultado é uma ilusão ótica e acústica respeito a
situação efetiva da maioria, a balança do poder.
84
o que os meios querem que a opinião pública pense, saiba, discuta, se importe e se
preocupe, é saber o que o público realmente pensa, se discute e se se preocupa com o
que os meios mantêm em suas pautas. É a primeira diferença conceitual entre estas
hipótese e, também, a primeira proximidade da agenda-setting com a teoria das
representações sociais. Enquanto Noelle-Neumann acredita na ignorância, na
passividade e na incapacidade de escolhas próprias do público, a hipótese de McCombs
deixa aberta pelo menos duas possibilidades de investigação, ambas coerentes com o
pensamento de Moscovici: sobre como os agentes produtores organizam as informações
que serão divulgadas e como estas informações são absorvidas pela opinião pública.

Elaborada ao fim da década de 60 por Maxwell McCombs e Donald Shaw, a


hipótese da agenda-setting nasce a partir da constatação pelos autores de um “alto grau
de correspondência entre a dose de atenção dada à determinada questão pela imprensa
e o nível de importância a ela atribuído por pessoas da comunidade que estiveram
expostas à mídia” (DEFLEUR, 1993: 284). Correspondência esta que ocorre em dois
níveis de impacto (WOLF, 1999: 147):

– de acordo com a ‘ordem do dia’ dos temas, assuntos e problemas


presentes na agenda dos mass media;

– de acordo com a hierarquia de importância e de prioridade que o público


dá aos temas da ordem do dia.

O reconhecimento pela Agenda-setting dos diferentes níveis de impacto que os


temas possuem é um diferencial importante entre ela e o modelo da espiral,
principalmente quando se sabe que a influência de cada meio em particular também é
diferente. Quando Noelle-Neumann percebe que a televisão poderia exercer na opinião
pública uma influência maior − ou no mínimo diferente − da imprensa, também estava
questionando, ainda que indiretamente, sobre o modo como esta influência era exercida
no público, sobre como os conteúdos eram absorvidos e como o público interagia com
os conteúdos difundidos. Ao mesmo tempo, admitindo que para Noelle-Neumann, o
público era incapaz de elaborar suas próprias opiniões, questões desse tipo não faziam
sentido. É esta interação entre o público e mass media que difere a agenda-setting do
modelo proposto por Noelle-Neumann e que a aproxima da teoria das representações
sociais. Aliás, não há apenas diferenças entre as abordagens, há também a diferença
entre as experiências e pesquisas com relação aos meios. Enquanto para esta autora a
85
televisão apresentava um diferencial de pressão junto ao público, pesquisas realizadas
em 1972 sobre a campanha presidencial americana (WOLF, 1999: 148), concluíram que
o conteúdo da televisão, muito fragmentado, não seria significativo porque a influência
foi menor do que na imprensa. Esta característica da televisão a tornaria inapta para
constituir “um quadro cognitivo adequado às opções que o eleitorado é chamado a
fazer” − mesmo admitindo que os meios possuam capacidades diferentes para
estabelecerem a ordem do dia − (WOLF, 1999: 149-150). McCombs, por sua vez,
acredita que haja uma eficácia “temporalmente graduada e diferenciada entre os mass
media” (Apud WOLF, 1999: 161), pois dependendo da fase em que o processo de
agendamento se encontra, um ou outro meio exercerá maior influência. Assim, por
exemplo, pode ocorrer que a televisão seja mais influente ao final de um período
eleitoral do que no início.

Não é difícil observar que, provavelmente, McCombs é quem mais se


aproxima da realidade. Não só os mass media possuem capacidade diferente para
estabelecer a ordem do dia como esta capacidade diferenciada deve-se também à
hierarquia e à prioridade que o público dá aos conteúdos divulgados, tal como o próprio
Wolf já havia esclarecido. As crenças, valores, culturas, diferenças sociais e
educacionais também contam na hora de priorizar os conteúdos e na escolha dos mass
media: há os que preferem a leitura diária dos jornais, outros acompanham a atualidade
pelo rádio ou pela televisão e, ainda, os que mesclam vários meios. A importância que o
público europeu dá aos jornais e à televisão é diferente do público do Brasil ou dos
Estados Unidos. O conteúdo fragmentado da televisão pode não ter provocado efeitos
significativos na eleição presidencial americana de 1962, mas possui efeito bastante
diferente nas eleições e em outros momentos políticos brasileiros. Talvez seja
precipitado afirmar, portanto, que a TV possui um poder de influência menor, como
questiona Wolf. O poder que cada meio irá exercer dependerá também do público, das
características sociais e dos temas tratados tanto quanto do meio utilizado.
Na teoria da agenda-setting, a escolha dos temas que estão em sintonia
(centralidade) com experiências pessoais do público revelou-se essencial em várias
pesquisas relatadas por Wolf. Quanto maior for a relevância dos temas para a sociedade,
maior será a influência da agenda proposta pelos meios. Há aqui, uma certa relação
coincidente entre as teorias da agenda-setting e as representações sociais quando ambas
86
se ocupam “pelo modo como as pessoas organizam e estruturam a realidade
circundante”, frase de McCombs (WOLF, 1999: 165), mas que não causaria surpresa se
fosse de Moscovici. Para a teoria das representações sociais, as experiências pessoais
são seu alicerce: surgem como uma forma de resolver os problemas do dia-a-dia,
“commonplace puzzles” (MOSCOVICI, 1981: 182). Esta característica explica porque
tanto os fatos analisados pela agenda-setting quanto os fenômenos das representações
sociais precisam ter relevância social, pois só uma informação que é realmente
importante necessita ser organizada e estruturada socialmente.

A diversidade de áreas temáticas e a correlação destas áreas com as


experiências pessoais, sua relevância para o público (centralidade) e as diferentes
qualitativas e institucionais dos públicos são características da agenda-setting que, para
Mauro Wolf, tornam as pesquisas na área mais complexas do que aparentam.
Analisando a pesquisa de Benton−Frazier − que articulava níveis de conhecimento
sobre os quais a mídia pode exercer alguma influência −, Wolf percebe a importância da
psicologia cognitiva e a análise de discurso, chegando à conclusão da necessidade de
“uma estratégia teórica de pesquisa que substitua o empirismo táctico até agora
seguido” (WOLF, 1999: 160).

Escolher o tema relevante, analisar como este tema é compreendido e as


diferenças dos efeitos que cada meio exerce sobre ele e verificar o período da influência
dos meios são dificuldades pertinentes numa pesquisa sobre agenda. As críticas que a
agenda-setting recebeu são semelhantes às recebidas pela teoria das representações
sociais: a ausência de uma proposta metodológica mais estruturada que permite um
grande número de pesquisas com metodologias e, algumas vezes, resultados diferentes.

Mauro Wolf, por exemplo, acredita que as pesquisas sobre a agenda-setting


ainda não apresentaram soluções metodológicas próprias à complexidade que a hipótese
necessita, ou seja, que sejam capazes “de explicitar como é que a nova informação,
absorvida através dos mass media, se transforma em elementos da enciclopédia dos
destinatários, ou seja, do conjunto dos seus conhecimentos acerca do mundo”
(1999: 167). Wolf também critica McCombs por acreditar que este último simplifica o
problema57 ao sugerir que a articulação dos “temas segundo a freqüência com que um

57
Implica que os destinatários teriam na mensagem todos os elementos de compreensão do texto, o que
sabemos ser impossível.
87
tema ou um assunto aparece, é uma indicação importante utilizada pelos destinatários
para avaliarem a sua importância” (1999: 165). E ainda, ressalta que pesquisas sob o
domínio da psicologia cognitiva e da semiótica textual consideram igualmente os
elementos nem sempre mencionados (mas que combinam novas informações com as
antigas).

a hipótese do agenda setting não se confunde, indubitavelmente, com esse


modelo, mas deve possuí-lo; não pode limitar-se, como princípio de
explicação, ao pressuposto da freqüência, que não é capaz de explicar e de
justificar a obtenção de um efeito tão complexo e importante
(WOLF, 1999: 167).

As dificuldades metodológicas que a agenda-setting apresenta não diminui o


valor de suas contribuições no que se refere à necessidade de uma análise aprofundada
dos efeitos em longo prazo e sobre o impacto social que estes efeitos provocam
(ROGERS, 1993: 73). Na verdade, estas dificuldades estão associadas às contribuições a
que a agenda-setting se propõe estudar não se reduzindo às pesquisas sobre o como e
por quanto tempo os meios reproduzem suas notícias, investigando também:
– as diferenças entre os efeitos durante e após os agendamentos;
– a duração dos efeitos após o agendamento;
– a relação entre o agendamento e os efeitos sobre o público.
A influência pode ocorrer com diferentes intensidades, alcance, duração
dependendo do meio utilizado, da identidade, prioridade e hierarquia com as quais o
público se posiciona em relação ao tema tratado ou da época em que for realizada a
pesquisa. Assim, para que se possa obter resultados eficazes, é preciso verificar alguns
parâmetros nem sempre fáceis de se determinar (WOLF, 1999: 171) como o intervalo
entre a avaliação de uma agenda e outra, o período de tempo que deve haver antes do
efeito se manifestar ou diminuir, quando fazer o levantamento. Por fim, a agenda
apresenta algo contraditório, pois muitas vezes, ao mesmo tempo em que trata dos
efeitos a longo prazo, limita-se “a um contexto comunicativo específico, [como] o da
[de uma] campanha” (WOLF, 1999: 172).

Um outro aspecto é que, entre a agenda-setting e a teoria das representações


sociais, existem mais afinidades do que diferenças: ambas estão interessadas na
produção e na compreensão dos conteúdos. A distância entre elas é explicada pelo
88
mesmo motivo que as aproxima: o papel dos meios de comunicação de massa. O
elemento principal da agenda-setting, apenas mais uma entre tantas fontes para a outra e
o “modo como as pessoas organizam e estruturam a realidade circundante”
(WOLF, 1999: 165) unindo-as.

O curso da hipótese do agenda-setting parece, pois, orientado para a


articulação de sua formulação inicial para, por um lado, o aprofundar da
dinâmica interna de um efeito particularmente cognitivo e cumulativo e,
por outro, para a verificação mais precisa da continuidade existente entre
lógica produtiva dos aparelhos de produção e mecanismos de aquisição de
conhecimentos por parte dos destinatários (WOLF, 1999: 176).

Alguns episódios que foram retratados recentemente nos meios de


comunicação no Brasil serão analisados, mais adiante, sob a ótica das teorias
apresentadas. Antes, apresentaremos algumas contribuições metodológicas da teoria das
representações sociais que poderá auxiliar em futuras pesquisas sob a ótica da agenda-
setting.

89
Contribuições

Uma das grandes contribuições da teoria das representações sociais como


proposta para se compreender a construção social da realidade é unir, numa mesma
explicação, dimensões cognitivas e dimensões sociais (IBAÑEZ, 1988: 25). Para ilustrar
sua teoria, Moscovici desenvolveu alguns conceitos que podem oferecer algumas
contribuições significativas para os trabalhos desenvolvidos sob a ótica da Agenda-
setting. São alguns balizamentos teóricos apresentados pelo autor (SÁ, 1998: 68-72):

– a composição da representação: atitude (do indivíduo com relação ao


objeto da representação), informação (sobre os objeto representados) e
campo de representação, onde este último, é o mais original;
– os processos formadores: ancoragem e objetivação;
– o princípio da transformação do não-familiar em familiar;

– e classificação dos sistemas de comunicação: difusão, propagação e


propaganda.

Moscovici desenvolveu estes sistemas de comunicação ressaltando a influência


dos meios de comunicação de massa nas relações simbólicas entre os indivíduos. Essa
divisão reflete o papel da imprensa francesa na época da elaboração da teoria,
apresentando o seguinte paralelo : difusão/opinião pública, propagação/atitude e
propaganda/estereótipo (SÁ, 1996: 37).

A primeira referindo-se ao controle de opinião (com enfoque político); a


segunda, a um instrumento de regulação de crenças e atitudes (como a religião); e a
última, à imprensa jornalística que, segundo o autor, caracteriza-se por criar um
interesse comum sobre determinado assunto, diminuindo ao máximo a distância entre a
fonte e a recepção.

Outra contribuição é poder ser ao mesmo tempo − dependendo do enfoque


escolhido pelo pesquisador −, produto social e parte do processo de construção desta
realidade. Essas inovações e peculiaridades fizeram com que a teoria se tornasse o foco
das investigações, havendo poucos textos sobre o desenvolvimento de metodologias ou
o privilégio de algum método específico (SÁ, 1998: 80).

90
As informações investigadas normalmente têm sua origem em conversas
espontâneas, entrevistas, produções discursivas (livros, periódicos, jornais etc), ou seja,
são o resultado da comunicação oral ou escrita. A análise de conteúdo, técnica mais
comum para verificar estes dados, nem sempre é a mais a adequada devido ao seu
caráter subjetivo. Na análise de correspondência − outro método comum − são feitas
(pelos entrevistados) associações com palavras estímulos relativas ao objeto proposto:

Así, las palabras que se han asociado con muchos de los estímulos
presentados quedan agrupados en el centro de la representación gráfica
mientras que aparecen, agrupadas en outras zonas, aquellas palabras que
han sido asociadas de forma particular. En defintiva, la forma en que las
personas estrutucturan el campo semantico de un determinado objeto
permite acceder a su representación social de dicho objeto
(IBAÑEZ, 1988: 68).

O grande interesse pela proposta teórica fez com que a proposta original − a
“grande teoria” −, se desmembrasse em outras “correntes teóricas complementares”
(SÁ, 1998: 80). Três destas correntes se destacaram: a de Denise Jodelet, mais próxima
a teoria original; a de Willem Doise, que possui uma perspectiva sociológica; e a de
Jean-Claude Abric, “que enfatiza a dimensão cognitivo-estrutural das representações”
(SÁ, 1998: 67). A escolha de uma corrente teórica como parâmetro de análise significa
também a escolha de métodos que se adeqüam melhor à perspectiva utilizada. O que
costuma ocorrer pode ser simplificado da seguinte forma:

À perspectiva de Jodelet correspondem os métodos ditos qualitativos; à


perspectiva de Doise, os tratamentos estatísticos correlacionais; `a de
Abric, o método experimental. Mas embora essas preferências possam ser
originalmente verdadeiras, observa-se hoje uma importante
interpenetração entre elas (SÁ, 1998: 80-81).

Das três abordagens teóricas apresentadas a que mais tem se destacado é a


abordagem estrutural do psicólogo francês Jean-Claude Abric, desenvolvida em 1976
em Aix-en-Provence e conhecida como Teoria do Núcleo Central. Os pesquisadores
desta região ficaram conhecidos como o Grupo do Midi e, segundo Denise Jodeled, “foi
o único a desenvolver uma metodologia própria e adequada às suas proposições
teóricas” (SÁ, 1998: 67).

91
Abordagem estrutural
Tomamos a abordagem estrutural de Abric como metodologia para analisar
possíveis afinidades entre a teoria de Moscovici e a Agenda-Setting. A escolha baseou-
se não apenas porque esta proposta foi elaborada em torno da teoria das representações
sociais, mas também, porque articula a análise de conteúdo e o interesse pelos processos
de avaliação e de transformação (ABRIC, 1998: 13) que a aproxima das estratégias
metodológicas da Agenda-Setting.

A essência desta abordagem (ABRIC, 1994: 1) é a elaboração de uma estrutura


para a representação social formada por um núcleo central e elementos periféricos onde
sua organização estrutural, e não seu conteúdo, é o diferencial entre uma representação
e outra.

Além das influências de Fritz Heider e Solomon Asch (SÁ, 1996: 64-65) que já
haviam desenvolvido a idéia de centralidade, Abric buscou na própria teoria das
representações sociais, na noção do núcleo figurativo, a inspiração para desenvolver sua
metodologia. Parte integrante do campo de representação (uma das estruturas de uma
representação social, ao lado da atitude e da informação), o núcleo figurativo é o
resultado do processo de objetivação58. Para Ibañez, esta característica o transforma na
“parte más sólida y más estable de la representación, sino que ejerce una función
organizadora para el conjunto de la representación” (1988: 47). Este noção do núcleo
figurativo possibilitou que Abric desenvolvesse seu conceito de representações sociais,
onde cada representação possui também a função organizadora e estruturadora das
informações, crenças, opiniões e atitudes, mas é formada também por um sistema
periférico além do sistema central (ABRIC, 1998: 1).

A diferença principal entre o núcleo figurativo e o núcleo central é que, como a


primeira noção (desenvolvida por Moscovici) é o resultado do processo de objetivação,
ela é, por conseqüencia, uma noção estruturalmente imagética, enquanto que para Abric,
o núcleo central é mais abrangente, possuindo muito mais aspectos cognitivos do que
figurativos:

58
Moscovici (2000: 50) define o núcleo figurativo como um “complex of images that visibly reproduces a complex of
ideas”.
92
Nós pensamos da nossa parte que o núcleo central é o elemento essencial
de toda representação constituída e que ele pode, de uma certa maneira,
superar o simples quadro do objeto da representação para encontrar sua
origem diretamente nos valores que o transcendem e que não exigem nem
aspectos figurativos, nem esquematização, nem mesmo concretização.
(ABRIC in SÁ, 1996: 66).

O núcleo central (ou sistema central), elemento essencial de uma


representação, possui três funções (1998: 2): a geratriz, a organizadora, a estabilizadora.
A primeira corresponde à significação da representação; a segunda, à sua capacidade em
determinar a natureza das relações entre os mesmos elementos; e a terceira, determina a
estabilidade da representação.
O sistema periférico, complemento do núcleo central, é menos estável e mais
permeável, no entanto, dá dinamismo às representações sociais e cumpre também o
papel necessário de regulação e adaptação. A diferença essencial entre os dois sistemas
é que, enquanto o núcleo central, estável e resistente as mudanças, está relacionado a
memória coletiva dando significação, consistência e permanência a representação, os
elementos periféricos permitem a adaptação a realidade e proteção ao núcleo central.

Os sistemas procuram assim, explicar as características contraditórias e


complementares das representações sociais, de estabilidade/flexibilidade e de
consenso/diferença, a partir de seu funcionamento:

A teoria do núcleo central procura dar conta dessas aparentes


contradições propondo que a representação social, enquanto uma
entidade unitária, é regida por um sistema interno duplo, em que cada
parte tem um papel específico, mas complementar ao da outra
(SÁ, 1996: 72-73).

Os dois sistemas diferem-se também pelas funções normativas ou funcionais


que seus elementos exercem. Os elementos normativos, próprios do sistema central,
“determinam os julgamentos e as tomadas de posição relativas ao objeto” e os
elementos funcionais estão associados “à inscrição do objeto nas práticas sociais ou
operatórias” sendo “eles que determinam os condutos relativos ao objeto”
(ABRIC, 1998: 6). Concluindo, “o sistema central é estável, coerente, consensual e
historicamente determinado; o sistema periférico é, por sua vez, flexível, adaptativo e
relativamente homogêneo quanto ao seu conteúdo”.

93
É importante ressaltar que a identificação dos elementos centrais e periféricos é
fundamental para se reconhecer uma representação e garantir o sucesso da abordagem
estrutural como metodologia de pesquisa. Utilizando algumas técnicas conhecidas na
psicologia social é possível identificar as relações entre os elementos da representação
(conjunto de pares de palavras, comparações ou conjunto de palavras que estejam
relacionadas com a representação em estudo) ou a hierarquia destes elementos. É
possível ainda a utilização de técnicas como a indução por cenário ambíguo e os
esquemas cognitivos de base para testar a centralidade de uma representação.

Abric (1997: 14) defende o uso da abordagem pluri-metodológica para


verificar e articular os elementos formadores da representação, pois acredita que a
estrutura da representação é constituída por três componentes diferentes − conteúdo,
estrutura interna e núcleo central – e como não haveria, ainda, uma técnica capaz de
articular estes elementos, ocorre uma demanda natural pelo uso de várias metodologias
sugerindo que ela seja realizada em quatro etapas:

– coleta de conteúdo combinando entrevista e com um outro método


associativo;

– procura da estrutura e do núcleo central utilizando a organização de


conteúdo, identificação das ligações, das relações e da hierarquia dos
elementos;

– verificação da centralidade utilizando técnicas como o questionamento e


os esquemas cognitivos de base;

– e a análise da argumentação são algumas das combinações de técnicas


sugeridas pelo autor.

O interesse pela organização de uma representação social, por sua dinâmica e


seu processo de construção deve-se as semelhanças conceituais apresentadas em relação
à agenda-setting. Estas semelhanças podem ser pertinentes aos estudos sobre influencia
dos meios de comunicação de massa vindo ao encontro de uma necessidade colocada
por Mauro Wolf: a de um modelo que seja “capaz de explicar como é que a nova
informação, absorvida através dos mass media, se transforma em elementos da
enciclopédia dos destinatários, ou seja, do conjunto dos seus conhecimentos acerca do
mundo” (1999: 167).

94
Segundo McCombs (in WOLF, 1999: 165), “a hipótese do agenda-setting
desenvolve-se a partir de um interesse geral pelo modo como as pessoas organizam e
estruturam a realidade circundante. A metáfora do agenda-setting é uma
macrodescrição deste processo”. Organização e estruturação que ocorre a partir dos
conteúdos expostos nos meios de comunicação de massa e que resultam em duas
agendas: a dos mass media e a do público. A hipótese do agenda-setting possui, assim
como a teoria das representações sociais, o interesse voltado para o processo de
construção da agenda temática e para o produto desta agenda junto ao público. Por fim,
três objetos de estudo direcionam o desenvolvimento destas pesquisas
(SAPERAS, 1993: 61-72):
– temas e tópicos, ou a composição e formação da agenda dos mass media:
relacionado com o processo de seleção e exposição dos meios
(salience/itens de atualidade) e com o conhecimento público a respeito
dos itens de atualidade;

– as diferentes agendas assim classificadas: agenda intrapessoal (conjunto


de temas individual); agenda interpessoal (conjunto de temas de interesse
para o grupo de interesse); agenda do media; e agenda pública, onde as
duas últimas são as mais importantes;
– a natureza dos efeitos e o quadro temporal: os efeitos da agenda também
dependem do período de tempo exposto nos mass media, quando os
efeitos cognitivos se acumulam; além disso, “os efeitos cognitivos são
reconhecíveis quando se produz uma semelhança entre a agenda dos
meios de comunicação e a agenda pública”.

A definição dos objetos de estudo para as pesquisas sobre os agendamentos


temáticos dos mass media não impede59, entretanto, a ocorrência de problemas
metodológicos tais como reconhecer qual é a natureza da influência, o que realmente
determina o que as pessoas pensam e sobre o que pensam, como definir o poder de cada
meio ou como ocorre a influência em públicos distintos. Além destes, Saperas
(1993: 78-83) ainda lembra da dificuldade em se reconhecer a origem da agenda
temática dos meios, a necessidade de uma maior precisão terminológica e metodológica,

59
Como foi observado na página 88.
95
o desconhecimento dos atributos da audiência, a indefinição das agendas e a
indeterminação do quadro temporal.

Sem a pretensão e nem condições de resolver todos esses problemas, a


abordagem estrutural de Abric pode ser uma alternativa na solução de alguns deles. No
caso, por exemplo, da influência em públicos distintos, encontrar os elementos centrais
e periféricos do tema agendado em cada público ou grupo que se deseja pesquisar e
também nos discursos dos meios, possibilitaria identificar a influência em cada um
deles a partir de uma comparação entre estes elementos. Outra possibilidade seria
identificar os elementos que determinam o que as pessoas pensam e sobre o que pensam
comparando elementos centrais e periféricos do tema agendado com outros temas
correlacionados.

Um dos aspectos da capacidade de influência dos mass media examinados por


Mauro Wolf (1999: 155) refere-se à “centralidade” dos temas. Esta centralidade, no
entanto, está relacionada com a distância que o público possui sobre o assunto e não o
contrário: quanto menor a “experiência direta, imediata e pessoal” que público tiver
com o tema, mais influência ele receberá. Assim, ao identificar o conhecimento público
sobre o assunto e verificando se há alguma representação social sobre ele, se há relação
entre os elementos periféricos ou centrais desta representação, pode ser possível avaliar
a capacidade de influência dos mass media. Um outro caminho admissível seria
identificar a composição da agenda temática, seus itens de atualidade, relacionando o
processo de seleção e o tempo de exposição dos mass media com o conhecimento
público.
A análise de alguns exemplos reais tornará mais clara a relevância da teoria das
representações sociais, entretanto, em Mauro Wolf encontra-se uma explicação bastante
pertinente: a necessidade de compreensão dos mecanismos comunicativos,
interpretativos, de compreensão e memorização próprios desta teoria:

Na realidade, é evidente que uma hipótese que diz respeito, explicitamente,


à capacidade que os mass media possuem para fornecer aos receptores
sistemas estruturados de conhecimentos (não só a ordem do dia dos temas
mas também a sua hierarquia interna) não pode ignorar totalmente o
problema de como se faz essa passagem, de quais os mecanismos
comunicativos, interpretativos, de compreensão e memorização que estão
na base da verificação de tal efeito que a garantem. (WOLF, 1994: 167)

96
Ancoragem e objetivação
A ancoragem e a objetivação, os dois processos formadores das representações,
são campos pouco estudados e pesquisados entre os psicólogos sociais. Segundo Celso
Sá (1998: 69-70) a dificuldade em identificar estes processos e a falta de interesse de
pesquisadores como Abric e Doise pode explicar este aparente descaso.

Sá sugere que as pesquisas sobre ancoragem sejam desenvolvidas em duas


etapas onde a primeira se ocuparia “de uma descrição e/ou uma comparação das
representações” e, em trabalhos posteriores, o foco se voltaria para a gênese das
mesmas representações descritas. O interessante, entretanto, é o que Celso Sá apresenta
como alternativa para pesquisas com foco no processo de objetivação:

No que se refere à objetivação, em vez de buscar pesquisá-la junto a


sujeitos específicos do grupo estudado, talvez seja mais viável tentar
evidenciá-la nos meios de comunicação de massa. Além de constituírem
importantes fontes de formação das representações no mundo
contemporâneo, é neles − na televisão, em especial − que melhor se
configura a tendência à concretização das idéias em imagens. Como já
assinalamos, esta não é uma prática corrente de pesquisa, cabendo pois
incentivá-la junto aos novos pesquisadores das representações sociais
(1998: 71).

O mais importante nesta afirmação é que, além de confirmar o papel dos mass
media como um terceiro elemento intermediário entre os indivíduos e a sociedade, ela
está, ao mesmo tempo, de acordo com a afirmação de Jovchelovitch que considera esses
dois processos como mediações, “trazendo para um nível quase material a produção
simbólica de uma comunidade e dando conta da concreticidade das representações
sociais na vida social” (1994: 81).

O processo de objetivação, que consiste em transformar o abstrato em


concreto, em dar uma forma figurativa aos elementos de uma representação social,
possui três fases de elaboração: a de construção seletiva, a esquematização estruturante
e a naturalização (IBAÑEZ, 1988: 48). Durante a fase de construção, os indivíduos e os
grupos sociais selecionam elementos, informações sobre o objeto; a segunda fase
corresponde ao momento de organização das informações transformando-as em imagem
(cujo resultado será o núcleo figurativo ou esquema figurativo); por fim, na fase de
naturalização, onde o esquema figurativo passa a fazer parte da realidade.

97
É possível que a contribuição mais significativa dos mass media na construção
de um núcleo figurativo seja na segunda fase. Ao menos, no que se refere à televisão,
onde os discursos aparecem, inevitavelmente, acompanhados de imagens “explicativas”.
Desta maneira, mesmo quando novos elementos ou conceitos são expostos, ocorre a
seleção figurativa que possa ilustrá-los.

Comparações

Se os estudos sobre os meios de comunicação de massa ainda se confundem


com as pesquisas realizadas por outras ciências sociais, muitas vezes isto ocorre, não
pela imensa possibilidade que o assunto oferece, mas pela falta de definição de um
objeto próprio para as pesquisas na Comunicação Social. Desempenhando a importante
função de intermediário, de elo entre o indivíduo e a sociedade, os mass media estão
presentes na sociedade atual de maneira tão atuante quanto fundamental em sua
organização, representando um diferencial quantitativo e qualitativo na construção da
realidade social. Nas teorias apresentadas, os mass media são fontes de informação e
elementos importantes na formação da opinião pública, ao mesmo tempo em que
desempenham papéis diferentes nestas teorias. Vejamos cada um deles.

Na proposta de Noelle-Neumann, os meios de comunicação funcionam como


parâmetro entre as opiniões pessoais e as lealdades sociais. Os conteúdos mediáticos
acabam por pressionar as opiniões individuais em torno da reprodução de um consenso
aparente. Para a espiral do silêncio, o caráter fragmentário da televisão e a inexistência
de condições adequadas na distribuição das informações, não permitiriam uma
percepção realmente seletiva dos conteúdos veiculados, facilitando o uso dos mass
media como um mecanismo de pressão à opinião pública.

No caso da Agenda-setting, a proposta é a investigar os agendamentos que


ocorrem em função destes conteúdos: investigação que pode revelar muito sobre o que a
opinião pública pensa e como pensa a respeito de temas para os quais dá destaque.
Portanto, nesta hipótese, o papel dos meios de comunicação se volta para o poder de
agendamento das conversações ordinárias pelos meios.

Por último, a teoria das representações sociais, cujo interesse é desvendar o


senso comum. Neste propósito, considera os meios de comunicação de massa como
estabilizadores deste senso comum (MOSCOVICI, 2000: 67) ou, como prefere Ibañez,

98
eles são a terceira fonte de determinação das representações sociais, ao lado do fundo
cultural acumulado na sociedade e dos mecanismos de ancoragem e objetivação:

Es, en efecto, en los procesos de comunicación social donde se origina


principalmente la construcción de las representaciones sociales. Esto no
puede sorpreender a quienes saben de la importancia que tienen los
medios de comunicación de masas para transmitir valores, conocimientos,
creencias y modelos de conductas. Tanto lo medios que tienen un alcance
general, al estilo de la televisión, como los que se diregen a categorías
sociales específicas, al igual que las revistas de divulgación científica por
ejemblo, desempeñan un papel fundamental en la conformación de la
visión de la realidade que tienen las personas sometidas a su influencia.
(IBAÑEZ, 1998: 41)

A importância e a influência dos meios de comunicação de massa nas


sociedades é inegável. Entretanto, a simples existência destes meios não indica o real
alcance desta influência, demandando, como é o caso das teorias de comunicação de
massa acima citadas, pesquisas que investiguem o real efeito desta influência. O
processo de identificação e avaliação destes efeitos depende de algumas variáveis:
- da tecnologia utilizada como difusora das informações: tv, rádio, imprensa
são compreendidos de maneira distinta uns dos outros. A televisão, por
exemplo, possui conteúdo mais fragmentado − aparentemente mais fácil de
ser compreendida −, maior visibilidade, sendo mais acessível e comentada;

- do acesso que os indivíduos possuem a cada meio: há regiões no Brasil


onde o rádio é mais acessível que a televisão;

- das diferenças culturais, sociais e econômicas que influenciam na escolha e


no acesso aos meios: os jornais são mais lidos pelas classes A e B;

- e, ainda, do papel que cada meio possui na sociedade em que atua: jornais,
por exemplo, são mais relevantes para a opinião pública em alguns países
da Europa do que no Brasil (onde na maioria das vezes parecem exercer
um papel complementar, quase coadjuvante)60.

60
Os jornais, mais elaborados, precisam de substituição diária, tornando-os menos acessíveis. Numa espécie de
tentativa para compensar o prejuízo, os jornais no Brasil passaram por algumas modificações que os tornaram
semelhantes às revistas.
99
Por outro lado, observando as definições dos processos de ancoragem e
objetivação e dos sistemas de comunicação − propaganda, propagação e difusão −,
percebe-se que as variáveis acima não possuem para a teoria das representações sociais
o mesmo peso que nas teorias da comunicação de massa (agenda-setting e espiral do
silêncio). Independentemente da importância atribuídas aos mass media, eles dividem
com o convívio social, com as experiências comuns do dia-a-dia e com as conversas
interpessoais a responsabilidade da produção e manutenção das representações sociais:

In the streets, in cafés, offices, hospitals, laboratories, etc, people analyse,


comment, concoct spontaneous, unofficial ‘philosophies’ which have a
decisive impact on their social relations, their choices, the way they bring
up their children, plan ahead and so forth. Events, sciences and ideologies
simply provide with ‘food for thought’ (MOSCOVICI, 2001: 30)61.

Portanto, os meios de comunicação de massa − apesar de sua importância nos


processos de ancoragem e objetivação −, são elementos complementares62 aos estudos
das representações sociais. Assim, o foco das pesquisas em psicologia social se
concentra nos aspectos comunicativos interpessoais, relegando a investigação das
condições de eficácia dos mass media a poucos pesquisadores, que por sua vez, estão
mais interessados na imprensa escrita. Um levantamento no Caderno de Resumo da
II Jornada Internacional das Representações Sociais constatou que, das nove Mesas
Redondas e dos 121 posters, não houve nenhuma pesquisa envolvendo os mass media;
dos 151 trabalhos dos GTs, apenas 11 trataram dos meios de comunicação: um trabalho
teórico, duas pesquisas sobre representações sociais em revistas, cinco em jornais, uma
sobre campanhas educativas e uma sobre cinema.

Uma característica comum a todas estas pesquisas é que não consideram que os
meios são tanto produto quanto processo e que eles concretizam as representações ao
contrário de inventá-las. Nos resumos, apenas quatro trabalhos63 apresentam os meios
como colaboradores no desenvolvimento das representações. Na maioria, o sujeito

61
Nas ruas, nos cafés, escritórios, hospitais, laboratórios, etc, as pessoas analisam, comentam, forjam espontaneidade
“filosofias” não oficiais que têm um impacto decisivo em suas relações sociais, em suas escolhas, na maneira que
educam seus filhos, planejam antecipadamente e assim por diante. Eventos, ciências e ideologias que simplesmente
produzem “alimento para o pensamento”.
A expressão “alimento para o pensamento” é bastante apropriada com o que ocorre nos agendamentos mediáticos: os
temas agendados se tornam alimentos para as conversações cotidianas.
62
Tornando as variáveis − público-alvo, diferenças sociais, econômicas, tecnológicas etc −, coadjuvantes.
63
GT D1.08, GT D1.12 e D2.07
100
− representação de quem? −, não fica claro, o que não deve ser visto como surpresa,
pois, na verdade, para estes pesquisadores, não há um sujeito específico e sim, um
grupo social. Desta forma, justamente ao contrário das pesquisas em comunicação de
massa, se considera a imprensa como um todo, ignorando as regiões em que os jornais
são produzidos, a linha editorial, o público que se espera atingir, quem realmente tem
acesso às informações e se, os conteúdos propostos são compreendidos. Os meios são
considerados em bloco, como uma dimensão social em si mesma, sem que sejam
levados em conta suas particularidades (por ex., Estado de São Paulo x Folha de São
Paulo, que possuem propostas editoriais distintas), suas contradições e as condições de
possibilidades que os tornam eficazes. Sem conseguir identificar ou sem dar muita
importância ao papel e ao valor de cada variável isoladamente ou no seu conjunto.
Confirmando esta tendência encontramos a posição de Michel-Louis
Rouquette, um dos principais pesquisadores sobre representações sociais e comunicação
de massa. Este psicólogo social observou que normalmente os dois temas envolvem a
seguintes questões (1996: 223):

– Como e quanto os meios de comunicação de massa influenciam as


representações sociais

– Como e quanto os meios de comunicação de massa refletem as


representações sociais?

Para ele, além de serem questões ingênuas, elas também são armadilhas
metodológicas que apenas nos levam de uma resposta à outra, de um conteúdo ao outro,
ou seja, das representações sociais para a comunicação de massa e da comunicação de
massa para as representações sociais, num constaste círculo vicioso.
Essa postura difere, portanto, da encontrada na comunicação social. Para os
comunicólogos, uma única variável já é o suficiente para que os efeitos sejam distintos.
Dessa maneira, um mesmo conteúdo, se difundido pela TV, pelo telefone, por uma
conversa informal ou por um outdoor, pode provocar interpretações e reações diferentes
em seus públicos-alvo. No caso da teoria das representações sociais, o interesse não é
avaliar estes efeitos separadamente. Apenas busca-se uma compreensão compartilhada
do discurso que é (re) produzido pelos mass media reforçando o senso comum. Todo o

101
interesse dos teóricos das representações sociais se volta, assim, para o processo de
transformação do não-familiar em familiar64.

Estas diferenças apontam problemas que, na verdade, sugerem uma indefinição


quanto aos limites entre a psicologia social − aqui, sob a ótica das representações sociais
− e a comunicação social. A posição de Roquette ao afirmar que o processamento de
conteúdos não vai além do trabalho de uma documentação, transformando a psicologia
social numa espécie de psicografia, “even to journalism, which is perhaps not exactly
our ambition”65, ele está, de certo modo, definindo esses limites para a psicologia
social.

Entretanto, se considerarmos que a opinião pública e as representações sociais


exercem tanto o papel de produtores quanto o de produtos, e que os mass media agem,
seja no sentido de falar algo não familiar, seja no sentido de tornar o desconhecido
familiar, as questões apresentadas passam a não ser tão ingênuas como sugerido por
Roquette. Na verdade, observando as pesquisas apresentadas acima, no Caderno de
Resumo, o que parece é que mesmo na psicologia social não há uma produção
significativa para que as dúvidas apresentadas por este autor tenham sido discutidas de
uma forma conclusiva. Ou seja, ainda não está claro a definição dos limites dessas
disciplinas, o que, na prática, repercute sobre a compreensão do real papel dos meios de
comunicação nos processos de cognição social.

Como foi apresentado anteriormente (p.81), Maxwell McCombs, um dos


autores da Agenda-Setting, ao fazer uma revisão de sua proposta 22 anos depois,
utilizou uma bela metáfora para diferenciar as explicações psicossociológicas adotadas
pela Agenda e pela Espiral do Silêncio sobre os efeitos sociais dos mass medias: “The
two theories’ seemingly disparte views of the world are akin to two travelers riding the
same train but looking out the windows on opposite site”.

Em nossa opinião, o modo peculiar que cada ciência observa a ocorrência dos
efeitos dos meios de comunicação de massa na sociedade sugere uma interpretação
semelhante à de McCombs. A psicologia social e a comunicação social
(respectivamente apresentadas pela teoria das representações sociais e pelas teorias
cognitivas da comunicação de massa, agenda-setting e espiral do silêncio) são ciências
64
Vide capítulo 2. Tópico 2.2.4.1, p. 49 (Familiar e não familiar).
65
Comparada ao jornalismo, o que talvez não seja exatamente nossa ambição (ROUQUETTE, 1996: 223).
102
com propósitos diferentes e que, conseqüentemente, utilizam ferramentas de análise
distintas. Isto não impede, entretanto, que possa haver contribuições entre uma e outra.
Conceitos desenvolvidos por Moscovici, como ancoragem e objetivação, por exemplo,
podem se tornar instrumentos significativos para os trabalhos de análise da audiência,
típicos da Comunicação Social, que por sua vez pode fornecer um aparato conceitual
que permita uma maior precisão da análise da atividade mediática, extremamente
simplificada pelos psicólogos sociais. Trata-se, portanto, de uma verdadeira relação de
complementaridade, a qual não descarta, ao contrário, ressalta, a necessidade de se
reconhecer os limites e competências dessas disciplinas.

103
5. CONCLUSÃO
Os meios de comunicação de massa, enquanto difusores dos valores,
conhecimentos e das representações sociais, transformam, adaptam, processam novas
informações, valores, conhecimentos, exercendo grande influência na organização
social e na construção da realidade. Conseqüentemente, a história das teorias da
comunicação de massa é marcada por uma intensa interdisciplinaridade. A troca de
informações entre as diferentes ciências sociais enriqueceu a Comunicação Social
permitindo, simultaneamente, o desenvolvimento do campo com outras disciplinas,
como a psicologia social.

O interesse desta pelo comportamento do indivíduo sob influência do social (o


processo de produção de conhecimentos compartilhados e as práticas resultantes)
certamente a induz à avaliação da participação dos mass media nestes processos,
aproximando-a, assim, do foco de interesse da Comunicação social. Com o objetivo de
investigar possíveis correlações e contribuições destas duas disciplinas, optamos pela
escolha de três teorias, tendo como parâmetro, o caráter cognitivista da psicologia social
e a influência da cognição social nos estudos de comunicação de massa.
Em 1961, o psicólogo social Serge Moscovici propõe a investigação da
construção do senso comum para que seja possível compreender a relação de
interferência do social, incluindo o papel dos meios de comunicação, nos indivíduos e
nos grupos sociais. Trata-se da teoria das representações sociais, uma proposta de
psicossociologia do conhecimento que pretende ser complementar ao conceito das
representações coletivas de E. Durkheim e menos individualista que a psicologia social
norte-americana.
A teoria das representações sociais foi desenvolvida como uma filosofia do
senso comum onde o resultado, as representações sociais, são conhecimentos
socialmente compartilhados, conseqüência de uma sociedade pensante. Ou seja, são
universos de pensamento e opiniões estruturadas a partir de três eixos − das atitudes, das
informações e do campo de representação −, e que existem para transformar o não
familiar, ou a não familiaridade, em familiar. Por fim, os processos formadores das
representações são a ancoragem − que as classifica e as nomeia −, e a objetivação − que
as concretiza. Moscovici também desenvolveu uma tipologia para os sistemas de
comunicação a propaganda, a propagação e a difusão, refletindo o papel da imprensa
104
francesa da época. Nestes sistemas e no processo de objetivação que se reconhece a
importância dos meios de comunicação de massa no processo de socialização.

As teorias sobre comunicação de massa não possuem um aspecto linear, como


sustenta Mauro Wolf, entretanto, aquelas voltadas para os efeitos dos meios podem ser
classificadas em três fases: as funcionalistas, as sob influência do Mass Communication
Research − quando predomina as teorias dos efeitos limitados e indiretos −, e a fase da
renovação dos paradigmas, quando ocorre o interesse pelas teorias cognitivas e o
retorno da defesa do poderes dos meios. Nesta terceira fase, destacam-se as críticas de
Elizabeth Noelle-Neumann − elaboradas a partir da teoria da Espiral do Silêncio −, às
teorias dos efeitos limitados e indiretos e ao conceito de exposição seletiva. É também
do mesmo período a teoria cognitiva da Agenda-Setting.
Um dos maiores diferenciais entre a espiral do silêncio e a teoria das
representações sociais refere-se ao indivíduo. A proposta de Moscovici considera-o
como um elemento ativo na elaboração de uma sociedade pensante enquanto Noelle-
Neumann duvida de uma real capacidade dos indivíduos para escapar da pressão da
opinião pública. A teoria da agenda-setting, por sua vez, possui mais afinidades com a
proposta de Moscovici e está interessada em desvendar como e no que os indivíduos
pensam sendo influenciados pelos conteúdos mediáticos, ou seja, seu interesse é na
relação entre o que a imprensa divulga e a importância dada pela opinião pública a este
conteúdo.

O fato é que, apesar de algumas afinidades e de um interesse comum pelos


efeitos provocados pelos meios de comunicação de massa nos indivíduos e na opinião
pública, a Psicologia social e a Comunicação Social se distinguem menos pelo modo
como observam esta relação entre os indivíduos, pela análise que fazem dos grupos
sociais e dos conteúdos mediáticos e ferramentas metodológicas utilizadas, que pelo real
foco de interesse que constitui o objeto de estudo de cada uma delas (respectivamente
processos psicológicos sob influência do coletivo e processos mediáticos). Perspectiva
oportuna tanto na definição dos limites entre estas disciplinas − principalmente para a
Comunicação Social −, mas principalmente, quanto às inúmeras contribuições que estas
disciplinas podem apresentar uma a outra. Contribuições que embora não tenham
recebido a devida atenção da parte dos pesquisadores, com certeza não se esgotam e,
certamente, devem ser aprofundadas.
105
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