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11h?

- ...você já não tem muito tempo para ficar aqui, agora vá, há coisas
importantes que logo acontecerão com você.
Uma luz surgiu em meio a aquele breu, primeiro um pequeno ponto,
como uma estrela, mas começou a aumentar, envolvendo tudo ao redor.
Era só mais um sonho. Às vezes, logo antes de acordar, ou de
dormir, eles vinham, nunca eram iguais, mas algo sempre parecia se
repetir. O relógio marcava 03:54, o que não era comum, sendo que
normalmente Kalel acordava por volta das cinco.
O restante do dia estava sendo normal, até ele voltar do colégio.
Chegando perto do prédio onde morava, ouviu um estrondo
ensurdecedor, e viu seu mundo cair, junto com parte do lar onde sempre
viveu.
Logo, a explosão não parecia tão estranha quanto o que estava
acontecendo: tiros, flechas, concreto, metal e algum tipo de energia
luminosa eram disparados para todos os lados, pessoas andavam no ar,
teletransportavam, ficavam invisíveis, pareciam dobrar aquela estranha
luz a sua vontade, e usavam armas estranhas, algumas que ele
reconheceu de livros e jogos de fantasia medieval, para todo lado.
A área em frente ao prédio, estava irreconhecível, o poste estava
desaparecido, paredes desmoronando onde antes não havia nada,
poeira erguendo-se para todo lado, havia coisas queimando, gelo
espalhado em vários lugares, túneis escavados saindo de trás das
paredes… Ah o poste, estava dividido ao meio quase de uma ponta a
outra, com uma estranha lâmina, bem maior que as de filmes, fincada
onde acabava o corte, pendurado na parede externa do quinto andar, de
alguma forma.
Ficar só olhando aqueles estranhos se matarem com armas de
séculos atrás e o que só podia ser magia, seria tão útil quanto não estar
ali, então Kalel fez o óbvio: saiu correndo em direção ao prédio
semidestruído, no meio do campo de batalha, torcendo para não ser
notado em meio aquela confusão. Chegando perto, estava percebendo
ficar repentinamente com uma instabilidade no humor e tonteira, que
associou à confusão por sua casa estar destruída, mas além disso,
estava com dificuldades para mover o próprio corpo.
Subiu correndo as escadas até o terceiro andar, abriu a porta de seu
apartamento e entrou. O lugar estava cheio de fumaça, então Kalel se
abaixou e cobriu o nariz e a boca com a camiseta, agradecendo por sua
mãe ter insistido em que ele precisava aprender a sobreviver em um
incêndio e outras situações perigosas.
Não importava o quanto Kalel procurasse, o apartamento estava
vazio, então, ele esvaziou a mochila do colégio às pressas e enfiou lá
roupas, comida e tudo que achou que poderia precisar, na mochila, além
de algumas fotos e do canivete de seu pai, que desapareceu há três
anos.
O lugar mais seguro do prédio era o subsolo, se sua mãe não tivesse
conseguido escapar do prédio, deveria estar lá, então era pra onde
deveria ir.
O elevador claramente não era uma boa ideia, a energia havia caído
com a explosão, e a estrutura devia estar péssima, então dirigiu-se para
a direita, para as escadas de emergência.
No subsolo não havia sinal de vida, mas parecia não ter sido afetado
pela explosão. Enquanto procurava inutilmente por algum conhecido,
alguém abriu as portas que levavam até o subsolo, e entrou.
Como fez aquilo, não soube explicar, mas quando se virou em
direção a porta, instintivamente ergueu os braços e lançou uma onda de
energia luminosa que arremessou a garota dois metros para trás.
- Ai... Como... Como você fez isso?
A garota tinha olhos violetas brilhantes, diferentes de tudo que Kalel
já havia visto, e cabelos negros como a mais escura noite.
- Eu…
Ele foi interrompido por passos apressados descendo as
escadas e gritando ordens. Antes que pudesse dizer qualquer outra
coisa, a garota o segurou pelo braço e o puxou para um canto mais
escondido da sala. Quando a sala foi invadida, ela saltou do esconderijo,
os cabelos chicoteando, assim como o chicote que empunhava.
Os soldados usavam um uniforme estranho, com um sol branco
e dourado no peito, e uma lua vermelha, que parecia se derreter no
ombro direito. O primeiro foi surpreendido e caiu, sendo derrubado com o
chicote enrolado em seus pés, o segundo teve o chicote enrolado no
pescoço e também foi caiu, em meio à luta, outro som foi ouvido, o teto
do subsolo se abriu e mais três pessoas caíram pela abertura, dois com
espadas, e um com um martelo de guerra.
Em menos de dez segundos todos os soldados, com o sol e a
lua no uniforme, foram vencidos, e seus corpos estavam espalhados no
chão. O homem com o martelo de guerra se aproximou de Kalel e disse,
com uma voz áspera como uma lixa:
- Ei! Você aí atrás. Venha comigo. Agora.
- S-sim senhor.
O estranho grupo seguiu em direção à parede, que se abriu, da
mesma forma que o teto, e talvez, os túneis em frente ao prédio, e
depois, fechou-se. A escuridão não durou quase nada, antes de poder
pegar a lanterna, ou um fósforo, o cara do martelo ergueu a mão, e as
paredes tremeluziram, logo antes de se acenderem com uma luz
amarelada suave.
Kalel caminhava tentando absorver o que havia ocorrido: Seu
prédio sofreu algum tipo de ataque terrorista, sua mãe desapareceu,
essas pessoas estranhas que ele agora não tinha dúvidas sobre terem
poderes mágicos apareceram e agora estavam conduzindo ele para
algum lugar.
- Para onde estamos indo?
- Fique quieto e ande.
- Você já vai descobrir. - Disse a menina.
O túnel repentinamente se abriu em uma sala com um estranho
formato triangular. No centro, havia uma mesa, semelhante a um altar,
também com formato triangular, mas apontando a direção oposta à da
sala.
Cada parede possuía um símbolo diferente, cujo significado era
desconhecido à Kalel. Nos lados do altar, o símbolo das paredes
pareciam se unir, como se fossem um, mas nem mesmo um simples
traço manchava suas laterais. Na parte superior do altar, um mesmo
símbolo aparecia, num mesmo ângulo, independente do ponto de vista
que se tomasse.
Com o martelo balançando preso ao cinto, o homem avançou
em direção ao altar, pousou sua mão direita sobre ele, e uma poderosa
aura de energia saiu do altar. Com isso, a sala inteira começou a girar,
deixando somente seus ocupantes estáveis no lugar. Quando parou, ela
era circular, mas aparentava estar voltando ao formato original.
- Já viajou entre mundos, garoto?
- O que? Como assim "entre mundos"? Vamos sair do planeta?
- Pelo visto é tão burro quanto imaginei…
- A viagem entre mundos, é quando nós viajamos por meio de
outro mundo. Não outro planeta, pode ser pelo mundo físico,
como você conhece, pelo mundo mental, ou pelo mundo
espiritual. - Explicou, com os olhos violetas o encarando, antes
que a situação pudesse piorar.
- Calma aí, você está na dizendo que existe um mundo inteiro não
físico, e dá pra viajar por ele?
- Dois, não um. São dois mundos não físicos. E sim, estou
dizendo que existem coisas além do que é físico, e que é
possível viajar por esses mundos.
- Isso tá parecendo ficção pra mim, e nossos corpos ficam para
trás? Já que vamos sair do físico, e nossos corpos… bem, são
físicos. Seria tipo aquelas pessoas que falam de projeção astral?
- Não é ficção, nossos corpos não ficam para trás, e quanto à
projeção astral, sim e não. Sim, é parecido de certa forma, mas o
corpo não fica para trás, e podemos ir pelo mundo mental,
espiritual ou algum mundo entre esses, diferente da projeção
astral, que permitiria que você visitasse só esse último. Na
verdade não, podemos ir pelo mundo material, espiritual, mental,
um entre mental e o espiritual, entre o físico e o mental, ou entre
o físico e o espiritual.
- Não entendi muito bem, mas acho que se tentar entender mais
algo minha cabeça vai explodir.
A sala voltou à forma triangular, mas as paredes haviam
mudado. Parecia que ela havia girado 180º. depois de um breve tempo,
as paredes a suas costas começaram a se afastar, e se abrir para um
lugar escuro, onde não se via nada além deles mesmos. Parecia não
haver luz ou sombras, mas eles podiam se ver, e ver os outros com uma
facilidade impressionante.
Kalel sentiu a mesma sensação estranhamente familiar que ele
tinha nos estranhos sonhos que tinha, vez ou outra. O tempo pareceu
parar por um instante, no qual a mesma voz de seu último sonho, disse
em sua mente:
- Não temas, não posso dizer muito nesse momento, mas confie
nestes que salvaram-te.
- Kalel? O que aconteceu? Você estava olhando para o nada, com
uma expressão de que viu um espectro pela primeira vez.
- O que é um espectro? E como você sabe meu nome?
- Um espectro é um ser maligno, pertencente ao mundo mental, e
ao espiritual. Sei seu nome porque você não sabe esconder
seus pensamentos, e eu posso lê-los.
- Você estava lendo minha mente? Como? E por que fez isso?
Nem te dei permissão!
- Precisava me certificar que você não era aliado deles.
- Deles quem?
- Dos membros do Eclipse.
- Eclipse?
- Aqueles soldados que invadiram o subsolo, e devem ainda estar
lá, alguns pelo menos.
- Vocês dois, chega de conversa.
- Por que ele é tão rabugento? - Sussurrou o garoto. - E qual o
seu nome?
- Não sei muito sobre ele, só vim nessa missão porque queria ter
algo interessante pra fazer. Meu nome é Amber, Amber Taygeta.
A escuridão acabou de uma estranha forma, parecia o céu
noturno das mais belas pinturas possíveis de imaginar. Ao olhar para
trás, parecia que o percurso inteiro foi assim, a escuridão seria então
fruto de sua imaginação?
Em alguns lugares, havia um solo com aparência de solo, não
aquele vazio sólido por onde estava andando. Um som pareceu ecoar
atrás deles, e um imenso touro, deveria ter dois metros e meio de altura,
ou então mais, abaixou a cabeça, e correu em direção a uma nuvem de
fumaça, que parecia mais sólida do que deveria, e se espalhando de uma
forma estranha. A nuvem se separou, um pedaço perfurado pelos
chifres, a fumaça atingida, murchou e se transformou em algo
semelhante a papel, que começou a evaporar para retornar ao normal, e
o restante, se enrolou no animal, e começou a esmagá-lo, era possível
sentir o que o animal sentia, como sentir a água corrente, algo tão natural
que mal se notava, mas impossível prever as ações da fumaça, ela
parecia agir de uma forma completamente diferente do esperado.
- Por que espíritos e consciências precisam brigar e se odiar
tanto? Não podem causar ferimentos uns aos outros, mas deve
ser irritante, até pra eles mesmos. Que bom que não tem golens
aqui.
- Não podem causar ferimentos? Então pra que toda essa
encenação?
- Não sei, o espírito começou e agora a consciência revidou.
- Já acabaram a conversa? Chegamos.
- Chegamos? Aonde?
- Para de perguntar moleque.
- Estamos em Manhattan agora.
- O que?! Isso é impossível, não andamos nem dez minutos!
- O espaço e o tempo não se movem igualmente em todos os
mundos.
- Tempo? Então… que horas seria agora?
- Calma, já vamos ver.
A mesma sala triangular surgiu, e as coisas se repetiram, mas
de trás pra frente. Eles saíram, e realmente, parecia mesmo ser
Manhattan, e o sol estava mais baixo do que antes, seriam 13h? Amber
estalou os dedos e apontou para um relógio.
- Como são 11h?! Saímos do prédio depois do meio-dia!
- É 11h sendo 11h. Óbvio, o que você esperava?
- Que chegamos aqui talvez duas horas depois de sairmos!
- Mas são 11h, e daí?
- E daí que nós voltamos no tempo!
- Não poderia ter passado um dia? E hoje ser o dia seguinte?
- Sim, mas mesmo assim é estranho!
- Tá, tá, já vi que não adianta discutir com você, então vamos
andando.
Depois do que Kalel não sabia se achava que foram horas ou segundos,
ele chegaram a um estranho edifício, que parecia existir ali, e não existir,
ninguém parecia nem ver ele, e quando passavam na frente dele, parecia
que o lugar simplesmente não existia, e a pessoa estava do outro lado.
- É aqui?
- Sim, Domínio de Nova York.
- Domínio ?
- Sim, temos Domínio s, Institutos, e Bases. Um Domínio é
responsável por uma cidade e redondezas, Institutos, por
estado, e as Bases, por país ou região do país. Alguns países
não possuem Base própria, por serem muito pequenos, então,
uma Base é responsável por esses países juntos.
- Hum. Os Domínio s são sempre assim? - Disse o garoto,
apontando a estranha construção na sua frente, tinha um jardim
muito diferente do comum, com plantas que se moviam
independentemente do vento, tinham as mais diversas cores,
como se não precisassem da clorofila, e pareciam emitir uma
certa calma. No caminho da entrada, a construção se parecia
com um templo grego, um prédio se erguia depois disso, pintado
de branco, e que terminava com uma estranha pirâmide, com um
cume dourado, brilhando ao topo, como uma coroa.
- Não necessariamente, mas todos são mais ou menos assim.
- É impressionante.
- Impressionante é a capacidade de vocês de não pararem de
falar, já levei vocês para cá, a missão terminou. Espero não
receber mais missões com pirralhos tagarelas.
Os três que caíram do teto, saíram um por um, deixando só Kalel
e Amber na entrada do Domínio .
- Então, primeiro as damas, creio? - Perguntou Amber, abrindo as
portas do Domínio .
Se por fora, o Domínio era impressionante, por dentro, a
estranha combinação de arquitetura, egípcia, romana e grega era
simplesmente fantástica. Parecia a mais bela igreja possível de se
imaginar, mas com características das construções gregas, como as
famosas colunas gregas, e diversas estátuas imponentes. As escadas
eram adornadas com hieróglifos, e os rodapés da mesma forma, algumas
paredes pareciam feitas, assim como as pirâmides, de vários blocos de
pedra, cortados e empilhados com tamanha precisão, que pareciam ser
quase um objeto único.
Ouviram-se passos nas escadas, e dali saiu um homem, de
olhos azuis claros, brilhantes como diamantes, parecendo quase
sobrenaturais, e cabelos negros como a noite, e uma mulher, com olhos
violetas e cabelos castanhos escuros.
- Mãe, pai, esse é Kalel Elder. Kalel, minha mãe, Aurora Taygeta,
e meu pai, Achille Taygeta.

O Domínio

- Prazer em conhecê-los, Sr. e Sra. Taygeta, como estão?


- O prazer é nosso, Kalel, estamos bem, e você? Suponho que
ainda esteja meio confuso com tudo que está acontecendo. - A
voz da Sra. Taygeta era suave e melodiosa, mas tinha um tom
imponente que poderia fazer com que qualquer um se calasse.
- Poderia estar pior, então acho que de certa forma, estou bem,
em comparação com como achei que estaria.
- Kalel, se preferir, pode nos chamar pelos primeiros nomes, não
tem problema, normalmente nós, kemyra, nos referimos aos
outros assim. - O Sr. Taygeta, Achille, disse, encarando o garoto
com aqueles olhos azuis que pareciam quase sobrenaturais.
- Acho que ele ainda não sabe o que são kemyra, vamos ter que
instruí-lo ainda sobre muitas coisas, inclusive no nosso idioma.
- Então… quando vou começar a aprender, se tem tanta coisa que
não sei?
- Assim que se sentir disposto a isso. Mas agora, que tal conhecer
o Domínio ? Já que é provável que passe um tempo aqui.
- Pode ser. O quão grande é esse lugar?
- Você já vai ver, mas para ter uma noção, tem cerca de
seiscentos quartos. - Disse o Sr. Achille, parecendo curioso a
respeito de como o garoto agiria ao receber esta informação.
- Seiscentos?! Por que tantos? Não tem tanta gente morando aqui
né? - Perguntou espantado Kalel.
- Não! Só alguns estão sendo ocupados, você pode ficar com um
dos outros sem problemas. - Respondeu a Sra. Aurora,
aparentemente se divertindo com a reação do recém chegado. -
Aliás, ainda precisamos apresentá-lo aos outros moradores
daqui, espero que se deem bem.
- Tem mais gente morando aqui? Pensei que fossem só vocês
três!
- Claro! Por que não? - Desta vez foi Amber quem respondeu.
A escada da qual desceram os pais de Amber, subia em espiral,
e levava a um andar em nada menos impressionante que o primeiro,
havia uma enorme mesa de Mogno, com pelo menos uma dúzia de
lugares, lustres belíssimos enfeitavam o teto, e outra escada, idêntica à
que utilizaram, erguia-se para o próximo andar. Mais para trás, uma porta
levava à cozinha, que tinha um forno a lenha, um fogão estranho, que
parecia mais próximo de um elétrico, alguns armários, uma pia, e uma
porta, que levava a uma pequena sala, na qual a lenha ficava
armazenada. voltando para as escadas, o Sr. Achille disse:
- As escadas aqui, levam para o andar que você quiser, então não
precisa subir dezenas de escadas até chegar onde deseja. Útil,
não?
- Sim, mas como isso é possível?
- Kalel, lembra que eu te falei mais cedo, sobre os três mundos?
Nós, kemyra, somos humanos que conseguem moldar esses
mundos. Aquela energia luminosa que você invocou quando eu
fui para o subsolo do seu prédio, significa que você é um
kemyra, ligado ao mundo espiritual, eu e minha mãe, somos
ligadas ao mundo mental, meu pai, assim como você, é ligado
ao espiritual. Mas nunca ouvi falar de alguém que conseguiu
usar o kemir, essa capacidade de moldar e invocar um dos
mundos, sem treinamento nenhum.
- O que?! Kalel conseguiu utilizar o kemir?! Sem nenhum
treinamento?! - A mãe de Amber parecia achar que disseram
que o mundo acabou, mas ela voltou pro passado e ele está
prestes a acabar novamente. A expressão do pai da garota era
de que ela lhe disse ser o sol uma bola de gelo que parecia um
ornitorrinco.
- Tem certeza que ele fez isso? Como isso seria possível?
- Não sei, eu cheguei lá, ele levantou os braços e me arremessou
dois metros para trás.
- Kalel… quando quiser começar seu treinamento, que tal
começarmos pelo treino de luta? Pode atrair… atenção
indesejada se você usar o kemir sem treinamento, e alguém ver.
- Pode ser, Sra. Tay… Aurora.
Subindo as escadas, foram para o próximo andar. Nele, havia
um longo corredor, com portas em cada lado, e outros corredores
cruzavam com esse em alguns pontos, tendo todos, sem exceção, várias
portas. Cada porta tinha um número, e algumas poucas tinham símbolos
de um estranho alfabeto, que Kalel não identificou, pareciam letras todas
iguais, e ao mesmo tempo diferentes, todas elas tinham uma mesma
base, um traço, este poderia ser simples, esticado para cima, para baixo,
para ambas as direções, e poderia ter ou não algum detalhe diferente em
sua parte central.
- Se interessou pelas letras, Kalel? - Disse Amber atrás dele. -
Nas portas dos quartos que tem dono, o nome dessa pessoa
aparece.
- Sério? Esse é o quarto de quem?
- Do meu irmãozinho, Jayme Taygeta.
- Então… Assim que se escreve seu sobrenome, Taygeta? - Disse
Kalel, apontando a palavra mais a direita.
- Não, esse alfabeto é parecido com o hebraico, o árabe, o persa
e o urdu, se escreve da direita para a esquerda, meu sobrenome
é esse da esquerda.
- Pera. Tá faltando uma letra? Por que?
- Não! Algumas letras se misturam umas com as outras! - A garota
começou a rir enquanto dizia isso, deixando o que disse quase
tão incompreensível quanto o alfabeto estranho na porta.
- Kalel! Que falta de hospitalidade a nossa! Você deve estar tão
cansado! Venha, vou levá-lo ao seu quarto. - O rosto da Sra.
Aurora, estava vermelho, o que deixou seus olhos mais azulados
do que antes.
O grupo seguiu em direção à escada, mas ao invés de descerem
ou subirem, dobraram à direita no corredor. Este não tinha nenhum
quarto com dono, o que foi possível notar agora, graças a nova
descoberta, as letras eram os nomes.
- Todos os quartos são iguais, então não se preocupe em ficar
escolhendo muito.
Entrando no primeiro quarto que viu, a porta começou a
tremeluzir, e desenhos como de chamas, escuras como se fossem feitas
com edição de imagem apareceram na porta, se movendo, como se
estivessem acesas, até ela voltar ao normal, mas com letras indicando
que o quarto tinha um dono.
- Vamos te dar um tempo para descansar. Quando o almoço
estiver pronto, te chamamos, okay?
- Pode ser.
O quarto tinha uma cama com lençóis brancos, uma cômoda, um
guarda roupas, um espelho, e uma parede livre, com um estranho
material prateado, que talvez, se ele fosse realmente ficar lá, ele levasse
uma guitarra para ficar na parede. No momento em que pensou nisso, a
parede mudou de forma, surgindo dela, um suporte para uma guitarra.
Surpreso com a nova descoberta, foi até a estranha parede analisá-la.
Aparentemente, tudo que pensava que poderia haver na parede, surgia
instantaneamente. No final, fez uma guitarra falsa na parede, onde seria
o suporte, uma estante, e no resto não mudou, se quisesse, poderia
desenhar ou fazer o que quisesse, seria um bom passatempo. Encarou
os olhos cinzentos como nuvens de tempestades, com os cachos
escuros na frente, pelo espelho, e se jogou na cama.
- Como eu pude me esquecer da minha própria mãe?! Nem tentei
ligar para ela!
Pegou seu celular da mochila e ligou. O celular estava
chamando, mas ninguém atendia. Enquanto caía na caixa postal pela
nona vez, alguém bateu na porta e o chamou.
- Estou indo.
Abriu a porta e Amber o estava esperando na entrada.
- Vamos! Todos estão curiosos, querem te conhecer. Acho que já
sabe o caminho né? Você toca guitarra? - perguntou ela, vendo
a guitarra falsa pendurada na parede.
- Sim pra ambas as perguntas. É tão estranho pensar que essas
escadas levam a qualquer lugar, não acha?
- Não é a qualquer lugar.
- Ah, você entendeu, qualquer lugar do Domínio . - Corrigiu-se.
- Isso, e não, não acho estranho. Depois de um tempo você se
acostuma.
A sala com a mesa que havia visto, agora estava com comida
servida, e haviam quatro pessoas na mesa: Os pais de Amber, um garoto
que não devia ter mais de seis ou sete anos, de cabelos castanhos
escuros e olhos azuis claros como diamantes, e um outro garoto que
deveria ter idade próxima a de Kalel e Amber, com frios olhos negros, e
cabelos castanhos claros.
- Ele é o Kalel, papai? - Perguntou o menorzinho.
- Sim, ele mesmo Jayme.
- Oi Kalel! Eu sou Jayme!
- Oi Jayme, tudo bem com você?
- Sim!
- Kalel, agora que já conheceu Jayme, quero que conheça Drake,
Drake Thuban. Os pais deles eram muito amigos nossos, e
depois que faleceram… achamos que seria melhor ele morar
aqui, já que não tem outros parentes.
- Olá, Kalel, como vai? - A voz de Drake era fria, como se ele
quase não tivesse emoções.
- Bem, e você?
- O mesmo.
- O almoço está na mesa, não vão se servir? - A Sra. Aurora
perguntou, enquanto segurava Jayme para que ele não tentasse
se servir sozinho.
O almoço foi espaguete, mas esse era diferente de qualquer
comida que Kalel havia comido, e ele ficou se perguntando se isso era
efeito dos kemyra, manipulando o mundo físico, e fazendo um espaguete
diferente do comum.
- Meu treinamento vai começar quando?
- Já está bem o suficiente? - O Sr. e a Sra. Taygeta pareciam
surpresos.
- Acho que sim, e não tenho muitas outras coisas pra fazer né?
- Entendi. Então que tal começarmos daqui a uma hora? Talvez
não seja a melhor ideia começar o treino logo após o almoço.
- Tá bom.
O caminho até seu quarto já não parecia mais tão estranho, a
guitarra e a estante ainda estavam lá, tentou ligar para a mãe mais
algumas vezes, mas então percebeu algo que ele deveria ter feito antes
de ir para o quarto.
- Como eu vou marcar uma hora aqui?! E como vou saber onde
vou treinar?!
Saiu do quarto e começou a procurar as portas com nomes, se
lembrava como se escrevia Taygeta, e se lembrava de onde era o quarto
de Jayme, então diminuía as chances de bater na porta errada. Assim
que encontrou uma porta que poderia ser a que procurava, bateu três
vezes e esperou alguém abrir.
- Tô indo! - respondeu uma voz feminina.
A porta se abriu, revelando Amber, que parecia ter acabado de
ser acordada
- O que você quer?
- Desculpe incomodar, estava procurando seu pai…
- No meu quarto?
- Não! Ainda não aprendi a ler esses nomes, tudo que eu sabia
era Jayme, e Taygeta.
- Ah. Desculpe, tinha me esquecido. - ela estava ficando com um
preocupante tom de vermelho.
- Tudo bem. Estava procurando ele para saber onde eu iria treinar,
e como vou saber quando tiver passado uma hora.
- O horário é fácil, você não está com seu celular?
- Eu… eu tinha me esquecido do celular. - agora era a vez de
Kalel ficar vermelho.
- O segundo… vamos, eu te mostro a sala de treino.
A sala de treinamento, era redonda, chão era macio se você
fizesse força, mas firme para andar, o inverso dos fluidos newtonianos.
Haviam bonecos e alvos para treino em um canto, em outro havia várias
armas, como chicotes, espadas retas, curvas, antigas espadas egípcias,
cimitarras, floretes, sabres, katanas, machados, martelos de guerra, arco
e flecha, bestas, chakrams, shurikens, e armas exóticas que Kalel nunca
imaginou existirem.
- Se quiser uma arma diferente dessas ou uma modificação em
uma delas, um anão ou um kemyra Nidavelliyr’’i pode te ajudar.
- Existem anões? E o que é Nivaldeliro?
- Nidavelliyr’’i, é do idioma que usa o alfabeto das portas dos
quartos, significa material, usamos pra falar dos kemyra que
podem alterar a matéria. Anões, elfos e fadas existem, mas não
são exatamente como nos desenhos animados.
- Onde vou aprender sobre esse idioma, e qual o nome dele?
- Chamamos de Kemyra’e, significa dos kemyra, bem criativo,
não? Vai aprender aqui mesmo, as paredes aqui são feitas com
um material que podemos moldar facilmente sendo kemyra, elfo,
anão ou fada, até mesmo vampiros, lobisomens, espectros e
anjo, se tiver algum domínio sobre algum dos mundos, pode
moldá-la. Pode facilmente se tornar um quadro para aulas.
- Esse material, uma das paredes do quarto é feita dele, né?
- Sim, como sabe disso?
- Eu consegui moldar ela.
- Então você deve ter algum controle do kemir. Já foi treinado
alguma vez na vida? Nunca houve, até onde sei, algum kemyra
que conseguiu usar o kemir sem ter treinamento nisso antes.
- Não, nunca me treinaram, não fazia ideia de que isso tudo
existia até… que horas são? Ah, celular. - Kalel conferiu o
horário. - Não sabia de nada disso até daqui a uns cinco minutos
mais ou menos. É muito estranho dizer isso.
- Concordo, não é comum irmos para o passado quando viajamos
por outros mundos, mas pode ser muito útil, e o engraçado, é
que se você avançou um ano, o que por sinal nunca aconteceu,
essas viagens nunca levaram mais de um dia, normalmente a
diferença é de no máximo três horas, você vai estar com a idade
que estava ou estaria nessa data e horário. Envelhecemos e
rejuvenescemos nessas viagens, de forma que no final delas,
temos a idade que teríamos nesse tempo, diferente dos
humanos comuns, que só podem fazer isso se o corpo, o
espírito, ou a mente, ficarem para trás, como na projeção astral.
- Nival… Nidavelliyr? São os kemyra que moldam a matéria né?
Como se chamam os kemyra ligados à mente e ao espírito?
- Os ligados à mente, como eu, são chamados syag-layr’i, e os
ligados ao espírito, como você aparentemente é, Alfair’i.
- Que bom, o mais fácil de falar é o que eu sou…
- Kalel? Já está aqui? - Uma voz masculina estava subindo as
escadas em direção a sala de treinamento.
- Sr. Achille? Sim, já estou aqui, Amber estava me mostrando a
sala, e explicando um pouco mais sobre os kemyra.
- Ótimo, então acho que já podemos começar o treinamento, né?
- Claro!

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