Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
CADERNO DE TEXTOS
FRONTEIRAS
“Há uma fronteira interna, clara, que delimita os dois aspectos: mesmo
existindo lado a lado, eles não se confundem, não se misturam” (Mikhail
Bakhtin, A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de
François Rabelais, 2008).
“A vida é extraída das suas fronteiras banais, a teia de aranha das convenções
se rasga, todas as fronteiras oficiais e hierárquicas são varridas, um ambiente
específico se cria, que concede o direito exterior e interior à liberdade e à
franqueza. E mesmo o homem mais respeitável tem o direito de colocar “as
calças sobre a cabeça”. É por isso que o problema da vida é debatido não na
igreja, não nas escolas de filosofia, mas num lugar de distração” (Mikhail
Bakhtin, A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de
François Rabelais, 2008).
Copyright © dos autores
Todos os direitos garantidos. Qualquer parte desta obra pode ser reproduzida ou
transmitida ou arquivada, desde que levados em conta os direitos dos autores.
ISBN 978-85-7993-622-7
CDD 410
Capa e Diagramação: Hélio Pajeú
Editores: Pedro Amaro de Moura Brito & João Rodrigo de Moura Brito.
Conselho Científico
Augusto Ponzio (Bari/Itália); João Wanderley Geraldi (Unicamp/Brasil); Nair F. Gurgel do
Amaral (UNIR/Brasil) Maria Isabel de Moura (UFSCar/Brasil); Maria da Piedade Resende da
Costa (UFSCar/Brasil).
Profa. Dra. Ana Beatriz Dias - UFFS
Prof. Dr. Augusto Ponzio - UNIBA - Itália
Profa. Dra. Camila Caracelli Scherma - UFFS
Prof. Dr. Carlos Alberto Turati - UEMG
Profa. Dra. Carmen Teresinha Baumgartner - UNIOESTE
COMITÊ CIENTÍFICO
Prof. Dr. Geraldo Tadeu de Souza - UFSCar
Profa. Dra. Geyza Rosa Oliveria Novais Vidon - UFES
Prof. Dr. Guilherme do Val Toledo Prado - UNICAMP
Prof. Dr. Hélio Pajeú - UFPE
Profa. Dra. Inez Helena Muniz Garcia - UFF
Prof. Dr. João Vianney Cavalcanti Nuto - UNB
Prof. Dr. João Wanderley Geraldi - UNICAMP
Prof. Dr. José Cezinaldo Rocha Bessa - UERN
Prof. Dr. José Kuiava - UNIOESTE
Profa. Dra. Liana Arrais Serodio - UNICAMP
Profa. Dra. Luciane de Paula - UNESP
Prof. Dr. Luciano Novaes Vidon - UFES
Prof. Dr. Luciano Ponzio - UNISALENTO - Itália
Profa. Dra. Maria da Penha Casado Alves - UFRN
Profa. Dra. Maria Isabel de Moura - UFSCar
Profa. Dra. Mariângela Garcia Lunardelli - UNIOESTE
Profa. Dra. Marisol Barenco de Mello - UFF
Prof. Dr. Moacir Lopes de Camargos - UNIPAMPA
Profa. Dra. Nanci Moreira Branco - UFSCar
Profa. Dra. Nara Caetano Rodrigues - UFSC
Profa. Dra. Rosa Maria de Souza Brasil - UFPA
Profa. Dra. Rosana do Carmo Novaes Pinto - UNICAMP
Profa. Dra. Rosangela Ferreira de Carvalho Borges - UFSCar
Profa. Dra. Susan Petrilli - UNIBA - Itália
Profa. Dra. Terezinha da Conceição Costa-Hübes - UNIOESTE
Prof. Dr. Valdemir Miotello - UFSCar
COMISSÃO ORGANIZADORA
Profa. Dra. Terezinha Da Conceição Costa-Hübes (Presidente)
Profa. Dra. Carmen Teresinha Baumgartner
Prof. Dr. Alexandre Sebastião Ferrari Soares
Prof. Dr. Antonio Donizeti da Cruz
Profa. Dra. Dantielli Assumpção Garcia
Prof. Dr. Gilmei Francisco Fleck
Prof. Dr. João Carlos Cattelan
Prof. Dr. José Kuiava
Profa. Dra. Luciane Watthier
Profa. Dra. Mariangela Garcia Lunardelli
Profa. Dra. Rosana Becker
Profa. Dra. Ruth Ceccon Barreiros
12/11/2018 | SEGUNDA-FEIRA
Hall do
14h CREDENCIAMENTO
Auditório
PROGRAMAÇÃO
15h às 18h ARENA DIALÓGICA: abrindo as Fronteiras Anfiteatro
Hall do
18 às 21h Coquetel de Recepção e Apresentações culturais
Auditório
13/11/2018 | TERÇA-FEIRA
I ARENA DIALÓCIA
AS FRONTEIRAS ENTRE AS CLASSES
SOCIAIS NA SOCIEDADE NEOLIBERAL:
Fronteiras entre estrutura, infraestrutura e
superestrutura no cronotopos contemporâneo -
8h30 às 10h30 armas para abrir Fronteiras entre as ideologias Anfiteatro
dominantes e as contra-ideologias.
Cândido Grzybowski – Ibase – Rio de Janeiro - RJ
Gaudêncio Frigotto – UERJ – Rio de Janeiro - RJ
Valdemir Miotello – UFSCar – São Carlos - SP
Camila Caracelli Scherma – UFFS – Chapecó - SC
Hall do
10h30 às 10h50 CAFÉ
Auditório
I GRANDE RODA DE CONVERSA COM
10h50 às 12h Anfiteatro
TODOS OS PARTICIPANTES
II ARENA DIALÓGICA
O PODER DA LINGUAGEM E DA
LITERATURA NO APAGAMENTO DAS
14h30-16h FRONTEIRAS entre as línguas e as literaturas e Anfiteatro
entre as concepções do mundo na literatura, na
perspectiva das categorias de Bakhtin.
Hall do
16h às 16h20 CAFÉ
Auditório
I RODA DE CONVERSA
AS FRONTEIRAS NO HORIZONTE
SINGULAR DE CADA CONVERSADOR. AS
Salas de
16h30-18h30 FRONTEIRAS QUE PRODUZEM AS
Aulas
INSÔNIAS MAIS PERMANENTES NO
COTIDIANO.
Todos os conversadores em rodas de 30 pessoas
14/11/2018 | QUARTA-FEIRA
Hall do
10h30 às 10h50 CAFÉ
Auditório
II GRANDE RODA DE CONVERSA COM
10h50 às 12h Anfiteatro
TODOS OS PARTICIPANTES
APRESENTAÇÃO
Bakhtinianos no Brasil. O conceito inicial foi arquitetar um evento diferente,
que se fundamentasse, sobretudo, na dialogia bakhtiniana, que estabelece um
modo do fazer acadêmico menos hierárquico, no que diz respeito às relações
de poder entre aqueles que “detêm” o conhecimento e aqueles que querem
“adquiri-lo”, propondo a construção do conhecimento científico como re-
construção, como colaboração, produzido em diálogo, em rodas de conversa, e
que essas conversas fossem bakhtinianas, no sentido de haver tanto respeito ao
ato de escutar (se “ex-por” ao outro que fala) como ao ato de falar.
Esse evento é fruto de uma vontade do Grupo de Estudos dos Gêneros
do Discurso (GEGe/UFSCar) de promover um encontro cuja atividade
principal fosse o ato de conversar. Por isso, a ideia da sua arquitetônica em
Rodas de Conversa em que a hierarquia não predomine, para que todos os
seus participantes – de áreas e níveis de formação diversos – exerçam seu ato
de fala e de escuta se constituindo como conversadores.
Ao longo desses anos, em todas as edições foi-se formando um grupo de
sujeitos que vêm de diferentes partes do Brasil, e até de outros países, para
dizerem as suas palavras e para se colocarem à escuta das outras vozes que,
nas rodas, dialogam com Bakhtin e o Círculo. O intento de colocar a palavra
para circular foi se fortalecendo ao longo dos anos em que o CÍRCULO – Rodas
de Conversa Bakhtiniana aconteceu e a partir de 2011, além desse evento, o
Encontro de Estudos Bakhtinianos (EEBA), criado também pelo GEGe, entrou
em jogo para circular entre as diferentes universidades do país, possibilitando
que o CÍRCULO se constituísse desde então bianual. Atualmente, esses dois
eventos vão se revezando em diferentes universidades do país, alargando as
distintas possibilidades de diálogo para aqueles que querem dizer sua palavra
com Bakhtin.
Em 2016 o VII Círculo – Rodas de Conversa Bakhtiniana começou a
circular pelo Brasil, saindo do aconchego de São Carlos para aportar nas terras
quentes de Pernambuco, nas cidades de Recife e Olinda, no período de 05 a 09
de novembro, e aconteceu no Centro de Artes e Comunicação da Universidade
Federal de Pernambuco. Essa edição foi organizada pelo Laboratório de
Investigações Bakhtinianas Relacionadas à Cultura e Informação (LIBRE-
CI/DCI/UFPE) em parceria com o Grupo de Estudos dos Gêneros do Discurso
(GEGe/DL/UFSCar).
Nesse ano de 2018 o VII Círculo – Rodas de Conversa Bakhtiniana, saiu das
terras quentes de Pernambuco e vai para a região de fronteiras no Sul do Brasil, mais
precisamente para a cidade de Cascavel - Paraná. Esse encontro diálogo acontecerá
de 12 a 14 de novembro de 2018 nas dependências da Universidade Estadual do
Oeste do Paraná - UNIOESTE. Essa edição está sendo organizada pelo Centro de
Educação, Comunicação e Artes – CECA; pelo Programa de Pós-graduação em Letras
– PPGL, pelo Programa de Pós-graduação em Letras – Mestrado Profisisonal –
Profletras, e pelo Curso de graduação em Letras, em parceria com o Grupo de
Estudos dos Gêneros do Discurso (GEGe/DL/UFSCar).
Como de costume, as conversas das Rodas e Arenas girarão em torno de um
tema central, qual seja: FRONTEIRAS, que será esmiuçado nas Arenas Dialógicas e
nas Rodas de Conversa nos seguintes eixos:
***
Sobre o formato do evento, todos os seus participantes das Rodas em todas as
suas edições anteriores, entendem que, por ser o primeiro evento neste formato,
garantiu-se, desde o início, uma maturidade de conversas que contribuíram
significativamente para o aprofundamento das discussões nos mais variados estudos
bakhtinianos, em que conceitos e reflexões consolidadas – como se espera de quem
estuda o pensador há vários anos, sob o viés de suas especificidades – entraram em
choque ou consonância para fomentar novos rumos para o pensamento bakhtiniano
no país. O CÍRCULO – Rodas de Conversa Bakhtiniana propõe um evento em que o
pensamento científico se constrói de modo dialógico, e que de suas conversas
resultem as reflexões mais acabadas que aparecerão materializadas em dissertações,
teses, artigos e livros com maior densidade e profundidade.
A qualidade de nossas reflexões sempre foi arquitetada pelo coletivo, no
acabamento dialógico, recheado pelas muitas vozes de todos os conversadores
presentes. As várias vozes, competentes, são sempre bem-vindas e todos os que vêm
ao CÍRCULO, vêm para conversar. O aparente “improviso” da conversa, como
método de trabalho, esconde temas bem organizados, falas preparadas, leituras ricas
e extensas da obra bakhtiniana e pesquisas desenvolvidas pelos participantes.
Esperamos encontrar todos os amigos bakhtinianos para arquitetar ótimas conversas
em 2018.
Estamos todos ansiosos, esperando a chegada de cada um de vocês para esse
(re)encontro, para essa grande roda interativa de amigos e pesquisadores que
pensam as ciências humanas a partir da vida. Venham firmes e tranquilos. Como nos
anos anteriores, teremos um ótimo e divertido evento.
Um forte abraço,
LETRAMENTO NO ENSINO SUPERIOR: rompimento de fronteiras que causam sofrimento ...... 1100
Angela Regina BISCOUTO
Ana Paula BERBERIAN
DOS LIMITES ÀS POSSIBILIDADES DO TRABALHO DO PROFESSOR PEDAGOGO POR
MEIO DA CLÍNICA DA ATIVIDADE DOCENTE: uma proposta para a educação básica ............ 1106
Clarice D. da Silva SANTOS
Anselmo Pereira de LIMA
OS GÊNEROS DISCURSIVOS DA PROVA DE REDAÇÃO DO VESTIBULAR DA UNIOESTE:
fronteiras entre a linguagem como forma de interação e a redação de vestibular ................................ 1114
Bruna Shirley Gobi PRADELLA
Claudia Candido da SILVA
ENTRE AS FRONTEIRAS DA VIDA: de minha narrativa enquanto mãe .......................................... 1126
Fabiana GIOVANI
ENTREVISTA COM OS PRESIDENCIÁVEIS E A PARCIALIDADE DA MÍDIA: uma arena
discursiva ........................................................................................................................................................ 1136
Fabíola Barreto GONÇALVES
OS DESAFIOS E FRONTEIRAS DA TEORIA DO CÍRCULO DE BAKHTIN E OS AMBIENTES
DIGITAIS ....................................................................................................................................................... 1144
Fernando Arthur GREGOL
CAMINHOS, FRONTEIRA E PONTE. ..................................................................................................... 1157
Icaro C. C. C. C. OLANDA
LINGUAGEM EM REGISTRO ESCRITO DE ALUNO COM TEA LEVE ......................................... 1164
Carmen Teresinha BAUMGÄRTNER
Irací Casemiro WEISHEIMER
O CONTEXTO DO CÍRCULO DE BAKHTIN E DA SUA FILOSOFIA DA LINGUAGEM .......... 1178
José Antonio Rodrigues LUCIANO
AS FRONTEIRAS ENTRE OS CONCEITOS DE ESTILO DE BAKHTIN E DISCINI: algumas
reflexões ........................................................................................................................................................... 1199
Juzelly Fernandes BARRETO MOREIRA
Alessandra Santa Rosa da SILVA
Maraísa Damiana Soares ALVES
TINHA UM BAKHTIN NO MEIO DO CAMINHO .............................................................................. 1209
Francisco Leilson da SILVA
OS LIMITES DA CIDADE LETRADA EM UMA ESCOLA PERIFÉRICA DE FRONTEIRA BR/UY 1217
Lilia de Lima VIEIRA
BNCC E ALTERIDADE: a construção do sujeito na educação infantil ................................................. 1223
FRONTEIRAS DE ENUNCIADOS SOBRE ENUNCIADOS: o livro impresso no ambiente digital .... 1230
Marco Antonio VILLARTA-NEDER
Caroline Aparecida de LIMA
Letícia Arrabal Bonini da SILVA
LITERATURA INFANTIL: as fronteiras do real com o imaginário ...................................................... 1242
Marina MOREIRA
AS FRONTEIRAS ENTRE O MÉTODO SOCIOLÓGICO E OS GÊNEROS DISCURSIVOS: o livro
didático de língua estrangeira como uma forma de interação................................................................. 1251
Michelly Ferreira de MENDONÇA
Terezinha da Conceição COSTA-HÜBES
INOVAÇÃO PEDAGÓGICA NO ENSINO DE LÍNGUAS ADICIONAIS: criação de produto
autoral .............................................................................................................................................................. 1264
Moacir Lopes de CAMARGOS
O DESAFIO DE ENSINAR A LÍNGUA INGLESA PARA ALUNOS QUE VIERAM DE UMA
MODALIDADE EDUCACIONAL PAUTADA NO RESPEITO AOS RITMOS DIFERENCIADOS
DE APRENDIZAGEM. ................................................................................................................................ 1274
Paulo Nunes da MATA
APRENDER QUE É BOM... ......................................................................................................................... 1280
Rosiane Gonçalves dos Santos SANDIM
O CELULAR COMO FERRAMENTA DE ENSINO APRENDIZAGEM DE LÍNGUA
PORTUGUESA: um breve retrato do trabalho com gêneros radiofônicos na escola pública ............ 1286
Nádia Cristina da Silva SANTOS
Rozana Castilho Dias da SILVA
NA FRONTEIRA: as palavras do “outro” em um fórum de discussão na Ead ................................... 1296
Sheila da Silva MONTE
Kéfora Janaína de MEDEIROS
AS FRONTEIRAS ENTRE AS CLASSES
SOCIAIS NA SOCIEDADE NEOLIBERAL –
FRONTEIRAS ENTRE ESTRUTURA,
INFRAESTRUTURA E SUPERESTRUTURA
NO CRONOTOPO CONTEMPORÂNEO:
ARMAS PARA ABRIR FRONTEIRAS
ENTRE AS IDEOLOGIAS DOMINANTES E
AS CONTRA-IDEOLOGIAS
ASPECTOS SOBRE A
DIMENSÃO DISCURSIVA DA
MEMÓRIA NOSTÁLGICA: fronteiras
entre o era e o que é
Alana DESTRI 1
RESUMO
INTRODUÇÃO
N
ostalgia está em voga. Design vintage, fotos instantâneas estilo Polaroid,
retomada de grandes franquias, remakes de filmes do século passado. O
mercado faz crescentemente uso do conjunto estético do passado, pois –
evidentemente – vende. Em um momento pós-moderno de mudanças
constantes, e por vezes caóticas, o passado mostra-se fonte de estabilidade, um oásis
em meio a um grande terreno de areias movediças. Nostalgia é uma solução: talvez
fantasiosa, mas com efeito claro e contundente na individualidade e no social.
Naturalmente, nostalgia vende porque é comprada – no mais amplo sentido da
palavra.
Um notável exemplo de manifestação linguístico-discursiva da nostalgia
enquanto reflexo político-social pode ser observado no Saudosismo português. O
27
Página
Nostalgia é anseio por algo do passado. O anseio pode ser por determinados
eventos, pessoas, perspectivas. Além disso, nostalgia é uma experiência universal
que se manifesta durante toda a duração da vida, independentemente da idade,
gênero, classe social ou etnia (SEDIKIDES; WILDSHUT; BADEN, 2004). É, inclusive,
um sentimento que estreita os laços sociais. Um grupo que partilha de uma mesma
rememoração nostálgica acaba por se sentir mais amado e protegido, com níveis
menores de ansiedade e evasão, reportando possuir uma melhor competência
interpessoal. A nostalgia, de forma individual ou compartilhada, auxilia a construção
do sentido da vida, o que ajuda a pessoa a lidar com os conflitos existenciais do
presente (SEDIKIDES et al, 2008). Nesta nova mentalidade contemporânea, vale
muito mais investir em retornar a um passado nebuloso, mas valoroso por sua
suposta estabilidade e confiabilidade do que nutrir esperanças em políticas de
melhoria que guiariam o mundo para um futuro incerto. O futuro é mirado entre
expectativa de fracasso e medo (BAUMAN, 2017).
Logo, é uma constante certas classes produzirem memória coletiva que “se
alimenta de imagens, sentimentos, ideias e valores que dão identidade àquela classe”
(BOSI, 2003, p.18). Destarte não há a memória “pura” de um fato, mas sim, uma
memória complexa e permeada de ideologia. Assim é possível, no trabalho de
pesquisa nesta área, reconstruir os comportamentos e sensibilidades de uma época se
o pesquisador estiver atento ao subentendido, ao implícito dos discursos (BOSI,
2003).
Os discursos em situação real de comunicação são compostos de enunciados
individuais, únicos e irrepetíveis. Isso pois reflete a individualidade do enunciador,
seu estilo próprio de compor os enunciados. Junto disso, é único e irrepetível, pois o
tratamento temático dado ao objeto nunca será dado de mesma forma, mesmo em
situações idênticas de comunicação social (VOLÓCHINOV, 2017).
Outra característica intrínseca ao enunciado é o de ser elo, ou correia: “[o]s
enunciados e seus tipos [...] são correias na transmissão entre história da sociedade e
a história da linguagem” (BAKHTIN, 2016). Ou seja, eles refletem em si as mudanças
da sociedade e “[c]ada enunciado é um elo na corrente complexamente organizada
de outros enunciados” (BAKHTIN, 2016). Em situação real de comunicação, os
enunciados se repetem e se recriam em uma cadeia ininterrupta, considerando os
enunciados anteriores e prevendo os posteriores (BAKHTIN, 2016).
Às formas relativamente estáveis de enunciado Bakhtin dá o nome de gêneros
do discurso. Os gêneros discursivos são constituídos por quatro elementos coesos e
29
2. DESENVOLVIMENTO
o autor nostalgicamente lembra dos tempos dourados, mas afirma que os tempos
mudaram e que a mentalidade e hierarquia dentro do sistema deveria se adequar. A
Página
É preciso que o PCC que foi criado com tanto esforço e boas intenções, continue
se modificando, (como aliás foi a intenção de seus criadores), com a arte e a
criatividade que sabemos que não faltará aos ferroviários, procurando-se um
caminho onde se possa estabelecer para as nossas ferrovias “Escala Hierárquica”,
condizente com os dias “cibernéticos” de hoje, mas que cumpra também as
funções de “Escala Hierárquica” dos anos de ouro da Ferrovia.
Ele fala na primeira pessoa do plural ao utilizar “nossas ferrovias”, o que atrai
para si a posição de engenheiro perante ao leitor que provavelmente também é
ferroviário, mas que, sobretudo, compartilha da posição de engenheiro. Inclusive,
utiliza a abreviação PCC sem introduzi-la, tomando como garantida a compreensão
dessa palavra em um coletivo que partilha de uma mesma esfera semântica que o
autor. Tal atitude solidifica o tom social dessa comunicação até então trimestral como
uma ferramenta de sobrevivência do grupo. Dizer que a ferrovia teve seus anos
dourados é confirmar a ideia de que ela tem legitimidade em requerer e conseguir o
prestígio novamente. Nesse processo, citando Bosi (2003), o indivíduo renova-se para
o presente, recebe forças para continuar. Neste caso, a memória é decisiva na
existência do indivíduo ferroviário e de seu coletivo pois permite fazer a relação do
nós do presente com o nós do passado e, concomitantemente, interfere no curso das
significações da esfera ferroviária.
33
O centro da linha temporal está “nos dias ‘cibernéticos’ de hoje” e ele transita
Página
para um passado anterior ao da segunda publicação. Ou seja, por mais que 1967 seja
REFERÊNCIAS
MATOS, Odilon Nogueira de. Café e ferrovias: a evolução ferroviária de São Paulo e o
desenvolvimento da cultura cafeeira. Campinas, SP: Pontes, 1990.
BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. In:_____. Os gêneros do discurso. 1. ed. Trad. Paulo
Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2016.
BAUMAN, Zygmunt. Retrotopia. Trad. Renato Aguiar. 1. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2017.
BOSI, Ecléa. O tempo vivo da memória: ensaios de Psicologia Social. São Paulo: Ateliê editorial, 2003.
BOYM, Svetlana. Nostalgia and its Discontents. Hedgehog Review. n. IX. p. 7-18. Charlottesville –
EUA: University of Virginia, 2007.
LIMA, Anselmo. Desenvolvimento da afetividade, das emoções e dos sentimentos humanos no (e fora
do) trabalho: uma questão de saúde coletiva e segurança pública. Saúde Soc. [online]. 2015, vol.24,
n.3, p.869-876.
SEDIKIDES, Constantine; WILDSCHUT, Tim; ARNDT, Jamie; ROUTLEDGE, Clay. Nostalgia: Past,
Present, and Future. Current Directions in Psychological Science. n. 5. vol. 7. Washington - EUA:
Association for Psychological Science, 2008. p. 304-307. Disponível em:
<http://www.wildschut.me/Tim_Wildschut/home_files/Sedikides,%20Wildschut,%20Arndt,%20%26%
20Routledge,%202008,%20CDir.pdf>. Acesso em: 13 ago. 2017
SEDIKIDES, Constantine; WILDSCHUT, Tim; BADEN, Denise. Nostalgia: Conceptual Issues and
Existential Functions. In: GREENBERG, Jeff; KOOLE, Sander Leon; PYSZCZYNSKI, Thomas A. (Org.).
Handbook of Experimental Existential Psychology. New York - EUA: Guilford Publications, 2004. p.
200-215. Disponível em: <http://studylib.net/doc/8267824/nostalgia---university-of-southampton>.
Acesso em: 13 ago. 2017.
SOBRAL, Adail. Do dialogismo ao gênero: as bases do pensamento do círculo de Bakhtin. Campinas,
SP: Mercado de Letras, 2009.
VOLÓCHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método
sociológico na ciência da linguagem. Trad. Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. 1. ed. São
Paulo: Editora 34, 2017.
VYGOTSKY, Lev Semenovitch. Psicologia da arte. Trad. Paulo Bezerra. 1. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
37
Página
38
Página
39
Página
40
Página
RESUMO
Esse texto tem por objetivo abordar o conceito de fronteira de forma ideológica,
visando usar a perspectiva Bakhtiniana para refletir sobre os mais diversos
problemas contemporâneos. A proposta é expandir o significado de fronteira,
atribuindo-lhe um significado mais ideológico e buscando sair do conceito usual. É
através do uso dos conceitos de base, infra-estrutura e superestrutura, que foi
elaborado esse texto para poder mostrar a todos uma visão mais abrangente sobre
o conceito de fronteira.
F
ronteira. Aquela linha tênue que delimita algo. Porém isso não se aplica
apenas a territórios, municípios, estados e países. Podemos aplicar fronteiras
em tudo a nossa volta, tirando a simbologia simplista e convencional que
normalmente fazemos uso e dando um significado mais abrangente e até
ideológico de certa forma.
Expondo de forma mais direta e simplista, tudo tem um fim e esse fim pode
ser entendido como a fronteira. Uma pessoa por exemplo, tem suas fronteiras
físicas, como braços, pernas e até a pele, que delimitam onde o nosso corpo termina e
o espaço à nossa volta começa.
Ainda assim a semiologia pode-se dar ainda mais complexa. Pode-se dizer que
até nossa personalidade e características têm suas fronteiras, somos gentis até certo
ponto, somos amorosos até determinado ponto.
Isto nos leva ao seguinte assunto, como se determina as fronteiras de
personalidade de uma pessoa? A partir de outra pessoa, pois só ela pode nos
descrever com clareza, só outra pessoa pode dizer onde começamos e terminamos.
Bakhtin muito refletiu sobre esta questão de que o ser não pode se descrever com
exatidão, apenas quem está pelo lado de fora pode descrever com exatidão e
precisão. Por isso, o autor aborda a necessidade de uma outra pessoa, pois pode-se
dizer que se não se encontrar outra pessoa é como se não soubéssemos quem somos,
um não saberá suas características com exatidão e ao outro a mesma situação se
aplica. Precisamos sempre de outro indivíduo que nos descreva.
41
UNIPAMPA, Campus Bagé/RS. Bolsista do Programa de Bolsas de Desenvolvimento Acadêmico - PBDA. E-mail:
anthonycolares1999@gmail.com
Isto tudo lhes foi dito para que possamos chegar ao “x” da questão: As
fronteiras entre as classes sociais na sociedade neoliberal, ou seja, na nossa sociedade
atual. Como ela pode ser delimitada e quais as consequências das delimitações dessa
sociedade contemporânea?
Tudo está ligado aos conceitos de base, infra-estrutura e superestrutura,
ambas presentes na reflexão marxista. Foram questões que perduraram no
marxismo e, consequentemente, muito estudadas por Bakhtin que via os conceitos de
base, infra-estrutura e superestrutura ligados intimamente com a filosofia da
linguagem, área que o autor deu muita atenção no decorrer de sua vida.
Considero que através da superestrutura acontecem as inúmeras
consequências das diferenças de classes que são resultados de uma infraestrutura
social que foi construída através de ideologias neoliberais.
Após toda esta contextualização, lhes apresento o seguinte poema que passeia
através de toda a ideia de fronteira entre as classes sociais na nossa sociedade.
São feitos para nós, então que os usemos para o benefício geral
Página
É com esse poema que lhes provoco a refletir e pensar nas fronteiras como
superestrutura mundial que divide desde territórios até ideologias.
45
reflexão em torno dos conceitos que ele estudava. Em decorrência disso, pude
REFERÊNCIAS
46
Página
RESUMO
Introdução:
4 Graduanda em Letras português/alemão da FCL Unesp de Assis. Membro do GED (Grupo de Estudos
Linguísticos). Email: carolgs03@gmail.com
monstros e seres mortos são os heróis e protagonistas. Suas obras, apesar dessas
qualidades assustadoras - que apresentam forte inspiração na estética do movimento
Página
JACK E O PREFEITO
Jack se mostra um sujeito egoísta, pois faz com que todos se mobilizem para
realizar suas vontades, pensando apenas em si mesmo, ignorando o mal que está
causando, não apenas às vítimas de seu natal deturpado, mas também aos outros
habitantes da Cidade do Halloween. Jack mostra não pensar naqueles monstros como
seus iguais, mas como inferiores, que o idolatram e devem seguí-lo mesmo indo
contra sua própria natureza. Mesmo assim, Jack é idolatrado, pelos moradores e pelo
Prefeito, que veem em Jack um herói. Na relação estabelecida entre Jack e o Prefeito,
há uma clara desigualdade de poder, onde Jack está numa posição superior; o
Prefeito é seu dependente, seu admirador. Mesmo depois do mal que Jack causa, ele
continua sendo a figura-símbolo da Cidade do Halloween, idolatrado e admirado pelo
Prefeito e pelos moradores.
Na relação que ele estabelece com Sally, inicialmente, existe também uma
desigualdade, onde Sally é sua inferior e admiradora. Isso aparece marcado também
pelas próprias imagens, onde ela aparece sempre menor na tela, olhando de baixo
para Jack, que aparece como maior e superior à ela. Jack, no início, mostra não se
importar com Sally, nem sequer reparar nela, apesar da forte admiração e amor que
ela nutria secretamente por ele. Jack presta atenção apenas nas próprias vontades,
sem pensar nos outros. Sally, de certa forma empatiza com a angústia de Jack pois
também sente um desconforto com sua posição social, e um desejo por mudança de
identidade. Apesar de compartilharem esse descontentamento com quem são, Jack
ainda se coloca sempre em posição superior, por causa do status de Rei do halloween.
O enunciado mostra, pela arte, como a não satisfação existencial pode surgir
independente de quem você é, pois mostra isso em Sally, personagem que representa
uma “garota comum”, e em Jack, o ícone da cidade.
então o natal; ele vai resgatar o Papai Noel, e por consequência, Sally. Depois desse
Página
Jack mostra insatisfação com sua vida e posição social, e resolve então buscar
uma nova identidade e objetivo de vida. Ao encontrar acidentalmente o mundo do
natal, completamente diferente do seu, Jack se encanta e resolve se tornar o novo
Papai Noel, trocando o halloween pelo natal. Apesar desse desejo, o natal é um
conceito completamente oposto ao halloween, e Jack, mesmo com suas pesquisas, não
conseguiu compreender as ideias natalinas. Coisas como alegria e bondade, bases
essenciais do natal, são ideias que Jack não entende, pois não existem em sua
realidade -a Cidade do Halloween. Ele vê no Papai Noel aquilo lhe falta, que deseja.
Mas seu olhar é egoísta pois contempla a partir do seu próprio lugar valorativo. Jack
não tenta sair de sua posição para enxergar com o olhar do outro -do Papai Noel-,
pois lhe falta empatia. Nessa falta de exotopia, Jack se torna vilão, pois age de forma
egoísta, pensando apenas no benefício próprio, e ignorando o mal que suas ações
farão aos outros.
REFERÊNCIAS
53
Página
A
presentamos, nesta reflexão, nossa apreciação dos desfiles do G.R.E.S.
Paraíso do Tuiutie do G.R.E.S. Beija-flor, que trouxeram, em
seusenredos,diferentes olhares sobre a crise do país, num diálogo profundo
com a história. Foi uma provocação que levantou as arquibancadas e muitas
polêmicas. Assim, o que trazemos aqui é a nossa resposta a essa provocação.
7 Enredo: ‘Meu Deus, Meu Deus, está extinta aescravidão? ’. Compositores: Claudio Russo, Moacyr Luz, Dona Zezé,
Jurandir e Aníbal
56
Página
9 Fonte:https://blogdotarso.com/2015/03/09/organizadores-do-golpe-para-o-dia-15/
10 Fonte:www.largadoemguarapari.com
11 Fonte: https://www.opovo.com.br/vidaearte/carnaval/2018/02/comissao-de-frente-da-paraiso-do-tuiuti-vence-
destaque-do-publico.
Enredo: ‘Monstro é aquele que não sabe amar. Os filhos abandonados da pátria que os pariu’. Compositores: Di Menor,
12
Kiraizinho, Diego Oliveira, Bakaninha Beija Flor, JJ Santos, Julio Assis, Manolo e Diogo Rosa.
13 Fonte:www.boletimdaliberdade.com.br/wp-content/uploads/2018/02/Desfile-Beija-Flor
60
14 Fonte:www.boletimdaliberdade.com.br/wp-content/uploads/2018/02/desfile-beija-flor
15 Fonte:www.alertatotal.net/2015/02/golpe-na-lava-jato-tatica-e-
Página
Culpar.html?utm_source=feedburner&utm_medium=email&utm_campaign=Feed:+AlertaTotal+(Alerta+Total)
dignidade do povo. Uma reforma trabalhista que retira nossos direitos conquistados
com muita luta é simbolizado nas imagens de carteiras de trabalho queimadas; um
Página
16“A literatura, assim como os outros documentos do Renascimento, atestam a sensação excepcionalmente clara e
nítida que tinham os contemporâneos da existência de uma grande fronteira histórica, da mudança radical de
63
época, da alternância das fases históricas. Na França, durante os anos vinte e no começo da década de trinta do
século XVI, essa sensação era particularmente aguda e traduzia-se frequentemente por declarações conscientes.
Página
Os homens davam adeus às ‘trevas do século gótico’ e avançavam para o sol da nova época.” (BAKHTIN, 2010,
p.85)
ANDRADE, Lion de. O desfile histórico da escola Paraíso do Tuiuti. GGN. 14 fev 2018. Disponível em
https://www.google.com.br/search?q=desfile+tuiuti+2018&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUK
Ewims__F6sXdAhXkHzQIHU8XCRIQ_AUICygC&biw=1745&bih=813#imgrc=YkJ5E7vAPdacRM:
Acesso em set 2018.
BAKHTIN, Mikhail. Questões de Literatura e de Estética. Trad. Aurora Bernardini et al. São Paulo:
Unesp, 1988.
______. Estética da Criação Verbal. 4ª ed. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2006a.
______. Marxismo e Filosofia da Linguagem. 12ª ed. Trad. Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São
Paulo: Hucitec, 2006b.
______. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de Francois Rabelais. 7ª
Ed. Trad. Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2010.
BRANCO, Nanci Moreira. Memórias do samba carioca na voz dos compositores populares: uma
análise discursiva de depoimentos do Projeto "Puxando conversa". Tese de doutorado. UFSCar,
2016.
MIOTELLO, Valdemir. A memória do passado em jogo com a memória do futuro constitui sentidos
agora. Daí que os projetos de dizer dos sujeitos têm importância. Veredas bakhtinianas – de objetos a
sujeitos. São Carlos: Pedro & João Editores, 2006.
PAJEÚ, Hélio M. A estética da cultura popular na folia de Momo do Recife - questões de alteridade,
corporeidade e transgressão. Tese de doutorado. UFSCar, 2014. Acesso em set 2018.
65
Página
Quero pôr os tempos, em sua mansa ordem, conforme esperas e sofrências. Mas as
lembranças desobedecem, entre a vontade de serem nada e o gosto de me roubarem do
presente. (Mia Couto)
INTRODUÇÃO
E
m diálogo com as palavras de Mia Couto (2015, p. 14), neste artigo, pensamos
acerca do entrecruzamento entre realidade-e-representação. O que é real?
Com certeza, não é apenas aquilo que vemos, sentimos e tocamos. Pois “[...]
no tempo grande nada desaparece sem deixar sinal, tudo renasce para uma vida
nova. Com a nova época tudo o que aconteceu antes e que a humanidade viveu
soma-se e enche-se de um novo sentido.” (BAKHTIN, 1997a, p. 66). As
representações, portanto, têm presente o passado e o futuro. E o que é apresentado
nos museus resulta de escolhas realizadas, segundo o que é entendido como
importante a ser lembrado, reiterado e marcado.
Contudo, Bakhtin (2010b, p. 92) provoca a tensionar essas escolhas e esses
pretensas marcações monológicas, ao registrar que cada indivíduo é singular e único.
O pesquisador refere que “[...] nenhuma outra pessoa jamais esteve no tempo
singular e no espaço singular de um existir único. E é ao redor deste ponto singular
que se dispõe todo o existir singular de modo singular e irrepetível.” Se cada
indivíduo é único e atua no mundo de forma irrepetível, como representar a
realidade de um evento do passado ou presente e a participação dos sujeitos nesses
eventos históricos? E como os museus apresentam a realidade? Tensionando sobre
esses questionamentos, dialogamos com os escritos de Bakhtin e a representação das
sociedades nos museus etnográficos do século XIX.
Mestrado em Educação (PPGE) e na Licenciatura em Geografia na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS),
campus Chapecó/SC, pesquisadora do Grupo de Estudos de Gênero do Discurso (GEGE USCAR/SP) e do Grupo
Página
com Crippa (2013, p. 137), “as bases para a polifonia de textos da semioesfera museu,
podem ser observadas as modalidades através das quais comunidades/culturas (ou
Página
França, tem seu acervo constituído pelo espólio dos mais diversos grupos
pertencentes a diferentes períodos históricos.
Página
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dessa forma, em todos os museus está “em cena a apresentação (mais ou menos
AS FRONTEIRAS ENTRE AS CLASSES SOCIAIS NA SOCIEDADE NEOLIBERAL – FRONTEIRAS ENTRE
ESTRUTURA, INFRAESTRUTURA E SUPERESTRUTURA NO CRONOTOPO CONTEMPORÂNEO: ARMAS
PARA ABRIR FRONTEIRAS ENTRE AS IDEOLOGIAS DOMINANTES E AS CONTRA-IDEOLOGIAS
espetacular) de uma visão possível sobre determinado fato, acontecimento,
personagem, conjuntura ou processo histórico e não a história em si mesma.” Os
museus não representam uma realidade total nem possuem uma verdade absoluta,
mas uma versão sobre determinado aspecto, sempre aberta a uma nova leitura e
interpretação, por isso o campo museal pertence à “dimensão do litígio” e da disputa
pela palavra.
Para Bakhtin, os sujeitos são singulares e se constituem por meio da natureza
social dialógica da linguagem. O museu, ao ser lugar de destaque de comunicação e
da palavra, está na fronteira entre o eu ou outro, ora imortalizando personificações,
ora representando coletividades, que aproximam mas também separam; na fronteira
discursiva e de enunciação entre o que pode e o que não pode ser dito; na fronteira
do tempo grande, composto pelas simultaneidades temporais das diferentes culturas
e civilizações – entre outras inúmeras fronteiras que são incorporadas, interpretadas
e representadas nos museus.
Por isso, a tentativa de “pôr os tempos, em sua mansa ordem”, nos museus, é
desobedecida pelas lembranças e pelas vontades, como permite pensar Mia Couto
(2015). Ainda bem que a potência revolucionária está, também, no ordinário que quer
se fazer a Verdade, como permite pensar a obra de Bakhtin. Pois a fronteira entre as
realidades e as representações é dialético-dialógica, sempre em construção, na
relação entre futuro, passado e presente, entre o eu e o outro. Há sempre uma
pergunta e um riso por disparar, questionando as apresentações dos museus. Museu
é fronteira: viva e potencialmente revolucionária.
REFERÊNCIAS
ANDREIS, A. M. Cotidiano: uma categoria geográfica para ensinar e aprender na escola. Tese
(Doutorado em Educação nas Ciências) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio
Grande do Sul, Ijuí, RS, fev. 2014.
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martin Fontes, 2010a.
______. Marxismo e filosofia da linguagem. Trad. M. Lahud e Y. F. Vieira. 8. ed. São Paulo: Hucitec,
1997b.
______. No tempo grande. In: BOUKHARAEVA, Louiza Mansurovna. Começando o diálogo com
Mikhail Mikhailovitch Bakhtin. Ijuí/RS: UNIJUÍ, 1997a. p. 64-67.
______. Para uma filosofia do ato responsável. São Carlos: Pedro & João, 2010b.
BRASIL. Lei Federal nº 11.904, de 14 de janeiro de 2009. Institui o Estatuto de Museus e dá outras
providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2009/lei/l11904.htm>. Acesso em: 3 ago. 2018.
CHAGAS, M. S. Há uma gota de sangue em cada museu: a ótica museológica de Mário de Andrade.
Chapecó: Argos, 2006.
COUTO, M. O tempo em que o mundo tinha a nossa idade. In: COUTO, Mia. Terra sonâmbula. São
71
72
Página
RESUMO
Este trabalho tem como proposta analisar dois enunciados que foram produzidos durante as
eleições presidenciais do ano de 2014, para tanto adotaremos uma perspectiva dialógica da
linguagem. Em nossa análise, buscaremos estabelecer relações dialógicas entre enunciados
de diferentes gêneros discursivos dos candidatos à presidência da república. Iremos nos
referenciar nas teorias do Círculo de Bakhtin, especialmente em seus estudos sobre
dialogismo, enunciado, signo e ideologia. Pautamo-nos em conceitos formulados pelo
Círculo que estabelece que a linguagem deve ser observada situando os sujeitos reais e os
seus discursos em meio sócio-histórico, pois, para o Círculo Bakhtiniano, todo enunciado
produzido é marcado por um contexto histórico-social e é apenas mais um elo de uma
cadeia infinita de enunciados. Assim sendo, além do contexto verbal também abordaremos o
contexto extraverbal, que no caso em questão abrange as relações políticas presentes em todo
o processo eleitoral. Segundo teorias do Círculo de Bakhtin, os enunciados estão em relações
dialógicas responsivas e cada palavra é um signo carregado de valor ideológico que pode
assumir diferentes tonalidades valorativas, com base nesta premissa, vamos analisar o signo
mudança e outros signos que carreguem semelhante tonalidade ideológica nos enunciados
produzidos pelos candidatos. Para a composição de nosso corpus selecionamos os
enunciados significativos para o processo eleitoral, produzidos pelos candidatos presentes
no segundo turno das eleições e pertencentes a diferentes gêneros discursivos: uma carta
aberta publicada pelo candidato Aécio Neves (PSDB) e um discurso de posse proferido por
Dilma Rousseff (PT).
INTRODUÇÃO
E
sta pesquisa apresenta a análise de enunciados produzidos durante as
eleições presidenciais do ano de 2014, principalmente da observação da
intrincada rede de relações existentes entre os mais diversos enunciados
produzidos. Buscamos uma perspectiva teórica capaz de abarcar as nossas
necessidades e então aprofundamos nossos estudos em alguns conceitos formulados
pelo Círculo de Bakhtin. Essa escolha se deu pelo fato dessa perspectiva entender
73
Página
19 Mestre em Linguagem pela UEPG. Prof. da rede ensino do Estado do Paraná. E-mail:
ellenpetrech@yahoo.com.br
Assim sendo, nesta concepção até mesmo o discurso mais autoritário necessita
de uma resposta, pois esse é o princípio dialógico da língua.
É de fundamental importância compreender que para o Círculo o princípio
constitutivo do discurso não é individual, é dialógico e se constrói na interação dos
interlocutores. O autor salienta que esses interlocutores são seres sociais inseridos em
um contexto sócio-histórico, logo para que este ser social tenha condições de dar
sentido aos discursos ele não necessita apenas dominar regras e normas linguísticas e
sim estar inseridos nas relações ideológicas dos discursos.
Essa visão das relações ideológicas dos discursos é muito importante para se
compreender os conceitos suscitados pelos estudos bakhtinianos, pois este tema
permeia toda a teoria do Círculo. Para o autor, o produto ideológico parte de uma
realidade que pode ser natural ou social e também reflete uma realidade exterior, nas
palavras do autor:
Bakhtin (2010) vai além e afirma que o signo carrega uma significação, que não
é simplesmente dada e sim é criada nas relações dialógicas entre os seres sociais. O
signo ideológico não é apenas um reflexo ou até mesmo uma sombra da realidade,
mas, segundo ele, é um fragmento material dessa realidade. O autor completa:
Todo fenômeno que funciona como signo ideológico tem uma encarnação
material, seja como som, como massa física, como cor, como movimento do corpo
ou como outra coisa qualquer. Nesse sentido, a realidade do signo é totalmente
objetiva e, portanto, passível de um estudo metodologicamente unitário e
objetivo. Um signo é um fenômeno do mundo exterior. (BAKHTIN, 2010, p.33)
Outro ponto importante de ser retomado para nossos objetivos aqui nessa
discussão é o texto/enunciado. Para Bakhtin (2003) o texto/enunciado é o ponto de
partida para todas as disciplinas das ciências humanas, é a realidade imediata para
que se possa estudar o homem e seu pensamento. O autor ainda conclui (p. 319) que
o objeto real é o homem social que está inserido na sociedade, que fala e exprime a si
mesmo.
76
que só o enunciado tem relação imediata com a linguagem e com o sujeito e com
Só o enunciado tem relação imediata com a realidade e com a pessoa viva falante
(o sujeito). Na língua existem apenas as possibilidades potenciais (esquemas)
dessas relações (formas pronominais, temporais, modais, recursos lexicais, etc.).
Contudo, o enunciado não é determinado por sua relação apenas com o objeto e
com o sujeito-autor falante (e por sua relação com a linguagem enquanto sistema
de possibilidades potenciais, enquanto dado), mas imediatamente – e isso é o que
mais importa para nós – com outros enunciados no âmbito de um dado campo
da comunicação. Fora dessa relação ele não existe em termos reais (apenas como
texto). Só o enunciado pode ser verdadeiro (ou não verdadeiro), correto (falso),
belo, justo, etc. (BAKHTIN, 2003, p. 328).
da candidata eleita.
governo petista herdou as conquistas dos governos anteriores do PSDB. Nas teorias
resgatadas nesse trabalho, verificamos que a palavra procede de alguém e dirige-se a
Página
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As análises realizadas para esse trabalho tomaram por base que nenhum
enunciado está sozinho, todos pertencem a uma intrincada cadeia de enunciados e
todos de alguma forma estão em atitude responsiva.
Durante a análise observamos que todo enunciado assume posição valorativa
e que serve a um projeto de dizer pautado na visão de mundo do seu falante/escritor,
que tendo em vista seus interlocutores e seu contexto extraverbal toma as decisões
linguísticas necessárias.
No primeiro enunciado, a carta aberta de Aécio Neves (PSDB), o autor
apresenta uma tentativa do candidato em convencer os eleitores que não votaram
nele no primeiro turno que sua proposta de governo responde os anseios de mudança
desses leitores, para tanto argumenta que a mudança necessária é um retorno a
maneira de governar que seu partido. Já no segundo enunciado o discurso de posse
de Dilma Rousseff (PT), responde aos anseios de mudança da população
argumentando que a mundaça já está em processo e mudança neste momento
político seria manutenção e ampliação do projeto em andamento.
Finalmente, é possível afirmar, após todo o embasamento teórico
82
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
BAKHTIN, M; VOLOSHINOV, V. N. Marxismo e Filosofia da Linguagem. Trad. Michael Lahud &
Yara Frateschi Vieira. 16. ed. São Paulo: Hucitec, 2010.
NEVES, A. Juntos pela Democracia, pela Inclusão Social e pelo Desenvolvimento Sustentável.
Disponível em <http://aecioneves.com.br/>. Acesso em 10 de abril de 2016.
ROUSSEFF, D. Discurso de posse. Disponível em : <http://www.pt.org.br/>. Acesso em 10 de abril de
2016.
TSE. Estatísticas eleições presidenciais de 2014. Disponível em:
<http://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-candidaturas-2014/estatisticas-eleitorais-2014-
resultados>. Acesso em: 26 março 2017.
83
Página
RESUMO
Este trabalho tem por objetivo tratar, de modo breve, do amor na canção brasileira nas
fronteiras de diversas naturezas, como autorais, de rimos, etc que são sempre ideológicas. É
um desdobramento de uma pesquisa de IC, cujo objetivo é pensar o amor dentre de suas
categorias linguiísticas e translinguísticas. Para isso, aqui, utiliza a canção autoral de Tom
Jobim As praias desertas de 1958 e outra composição entoada por Marília Mendonça Eu sei de
cor de 2016. O intuito é analisar o amor em ambas as composições e notar diferenças entre as
criações separadas por inúmeras fronteiras, mas que se mantêm unidas pelo diálogo, tal
como Bakhtin pensa o “elo na cadeia verbal”. O método é denominado dialético-dialógico
(Paula et al, 2011) e prevê demais enunciados a fim de entender a construção das canções. O
preceito teórico mais explorado é ideologia. Os resultados apontam para uma ideia do amor,
grosso modo, como uma espera, que se baseia primeiro num espaço-tempo particular e na
experiência “revisitada”.
INTRODUÇÃO
E
ste trabalho é fruto da IC23 em estado inicial e por isso seus resultados são
breves e não conclusos. Ainda assim, tem-se o objetivo de apresentar os
autores trabalhados (ou parte deles) e pensar as problemáticas do amor,
dentro de uma abordagem discursiva bakhtiniana, na sociedade de fronteiras.
Para isso, faz uso dos preceitos teóricos tanto na análise das canções quanto na
construção do pensamento
Recorre-se ao amor como tema a ser pensado em virtude de sua forte
onipresença na cultura. Schopenhauer (2000) já diz da importância e presença do
amor em seu Metafísica do amor, metafísica da morte: “tema capital de todas as obras
22 Graduando em Letras – Francês pela Universidade Estadual Paulista ‘’Júlio de Mesquita Filho’’ FLC – Assis. E-
84
amor em Lupicínio Rodrigues, Tom Jobim e Marília Mendonça” sob orientação de Dra. Luciane de Paula
UNESP/Assis.
24A análise dialógica do discurso, por mais que pense se tal enunciado é voltado ao mercado, não tem em seus
Página
objetivos julgar se tal produção é necessariamente arte. Preocupa-se, em verdade, em pensar o acabamento
visando a um público.
25 Fonte: https://epoca.globo.com/o-que-faz-de-marilia-mendonca-rainha-da-sofrencia-artista-mais-popular-do-
Página
brasil-22880377 e https://gshow.globo.com/Bastidores/noticia/marilia-mendonca-a-rainha-da-sofrencia-explica-o-
titulo-falo-a-verdade-do-cotidiano-das-pessoas.ghtml Acesso em 04/09/18. Acesso em 15/09/18.
Eu sei de cor26
“ É, já tá ficando chato, né? / A encheção de saco, pois é! / Prepara que eu já tô me
preparando / Enquanto cê tá indo, eu to voltando / E todo esse caminho eu sei de
cor / Se eu não me engano, agora vai me deixar só / O segundo passo é não me
atender / O terceiro é se arrepender / Se o que dói em mim doesse em você /
Deixa! / Deixa mesmo de ser importante / Vai deixando a gente pra outra hora /
Vai tentar abrir a porta desse amor / Quando eu tiver jogado a chave fora/ Deixa!
/ Deixa mesmo de ser importante/ Vai deixando a gente pra outra hora / E
quando se der conta, já passou / Quando olhar pra trás, já fui embora. “
26Composição: Danillo Davilla/ Elcio di Carvalho/ Lari Ferreira/ Junior Pepato, segundo perfil oficial da cantora
na rede social YouTube
amando-se. Com isso, tem-se uma noção de amor que é apresentada e valorada:
amar é um ciclo com seus devidos passos, que representam não a felicidade, mas o
Página
As praias desertas27
“ As praias desertas continuam / Esperando por nós dois / A este encontro não
devo faltar / O mar que brinca na areia está sempre a chamar / Agora eu sei que
não posso faltar / O vento que venta lá fora / O mato onde vai ninguém / Tudo
me diz / Não podes mais fingir / Porque tudo na vida há de ser assim / Se eu
gosto de você / E você gosta de mim / As praias desertas continuam esperando
por nós dois “
A canção aqui apresenta a praia como sujeito ativo. Na verdade, não somente
a praia, mas também o mar, o vento e o mato. Tais elementos da natureza são
importantes ao estilo de Tom Jobim e à ideia de amor representada aqui. Primeiro,
porque é notável a presença desse elemento na criação de Jobim e também porque
aqui o amor, centrado nesse ambiente, terá um valor bem distinto do visto em
Mendonça, ainda que se paute na espera. Haudenschild (2010) diz, nesse sentido,
que Tom Jobim é “um poeta profundamente tocado pela potência imanente da
paisagem natural” (p. 16)
O primeiro sujeito apresentado é a praia, cuja função será a de ser base
cronotópica do amor. Mas antes, trata-se de esclarecer o que o Círculo, mais
especificamente, Bakhtin (1988, p. 211), entende por cronotopia, para desdobrá-la na
lógica da canção:
também participam, não são um mero espaço-tempo paradisíaco que apenas recebe
Página
de ritmos, sempre de valoração etc. Com isso, tem-se a ideia de que o amor é uma
espera, independente de sua natureza. Na primeira, uma espera que se caracteriza
Página
pela memória e pelo dinamismo já conhecido, o que ainda assim não cancela as
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, M. Questões de literatura e estética: a teoria do romance. São Paulo: Hucitec/USP, 1988.
______. Para uma filosofia do ato responsável. São Carlos: Pedro e João, 2017.
______. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
HAUDENSCHILD, A. Alegria selvagem: a lírica da natureza em Tom Jobim. São Paulo: Ollho d’água,
2010.
FARACO, C. Autor e autoria. In. BRAIT,B. (Org.) Bakhtin: Conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2005.
PAULA, L; FIGUEIREDO, M ; PAULA, S.L. O marxismo no/do Círculo de Bakhtin. In: Grenissa
Stafuzza. (Org). Slovo – O Círculo de Bakhtin no contexto dos estudos discursivos. Curitiba: Appris,
2011, v.1, p.79-98.
PLATÃO. O Banquete ou do amor. São Paulo: DIFEL, 1970.
SCHOPENHAUER, A. Metafísica do amor, metafísica da morte. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
VOLOCHINOV (1929). Marxismo e filosofia da linguagem. Edição traduzida do russo por Sheila
Grillo e Ekaterina Américo. São Paulo: 34, 2017.
92
Página
RESUMO
princesa, tais como, Mulan (1998), tem tentado fugir da hegemonia imposta,
AS FRONTEIRAS ENTRE AS CLASSES SOCIAIS NA SOCIEDADE NEOLIBERAL – FRONTEIRAS ENTRE
ESTRUTURA, INFRAESTRUTURA E SUPERESTRUTURA NO CRONOTOPO CONTEMPORÂNEO: ARMAS
PARA ABRIR FRONTEIRAS ENTRE AS IDEOLOGIAS DOMINANTES E AS CONTRA-IDEOLOGIAS
sobretudo, pelos contos de fadas, primeiros a contarem as histórias de princesas,
apropriadas, posteriomente, pelos estúdios da Disney. Embora permeados por razões
capitalistas, a equipe de produção das animações tem apostado na construçaõ de
princesas que promovem uma imagem de mulher diferente da década de 30, quando
começou-se a investir na franquia Princesas da Disney. São princesas aparentemente
mais independentes, lutam pelos seus interesses (ainda que as suas ações se voltem a
um homem, seja ele príncipe, rei ou pai, são instigadores dessa “independência” e
“autonomia”) e não ficam à espera de um amor, materializado ora por um homem,
ora por um casamento, embora esse ainda apareça como eixo temático, até mesmo
em filmes que promovem a imagem de uma mulher “independente” e “autônoma”.
Esse embate entre vozes revela a riqueza e a importância de se pensar na
dinamicidade e flexibilidade da linguagem que está sempre se renovando e alterando
os sujeitos que constroem o mundo e as suas ideologias, dessa forma, por meio da
dialética-dialógica de Paula et al (2011) que nos fornece a possibilidade do cotejo, isto
é, fazer a relação entre as mais diversas animações, considerando os elementos
verbivocovisuais que constroem essas obras, pensar na digladiação de vozes em
contraste que promovem, ao mesmo tempo, a imagem da mulher submissa e
resistente ao patriarcado e os seus valores. Isso ocorre porque esses enunciados
fílmicos são produtos ideológicos oriundos da esfera social e, como tal, respondem a
uma hegeminia, no plano da arte, hegemonia essa que pode ser alterada e
ressignifica a qualquer momento na esfera artística que responde à vida.
Um signo não existe apenas como parte de uma realidade; ele também reflete e
refrata uma outra. Ele pode distorcer essa realidade, ser-lhe fiel ou aprendê-la de
um ponto de vista específico, etc. Todo signo está sujeito aos critérios de
avaliação ideológica (isto é: se é verdadeiro, falso, correto, justificado, bom, etc).
brancura, da magreza, da passividade, etc). Assim sendo, são modelos que adentram
a mente humana por meio de instintos que guiam e moldam comportamentos da
Página
Neve e Cinderela, ou por uma bruxa invejosa, como Aurora. As mulheres viúvas
No século XVII as regras de etiqueta eram vistas como uma pequena ética,
qualquer desvio era considerado falta de escrúpulo e poderia gerar intrigas ou
até arruinar posições políticas (GOMES, 2000). A etiqueta barroca instituiu regras
disciplinares para rebuscar o corpo, ostentando poder através das vestimentas
elaboradas, muitas joias, maquiagem, sapatos de salto alto, perucas
ornamentadas, bem como os gestos, as danças e os maneirismos. É o controle
sobre o corpo, a postura e o comportamento requintado que define o status social
dos sujeitos através de uma especularização dos corpos. Com a propagação da
higiene, esta se torna um dos parâmetros para considerar alguém como “culto” e
“correto”. A limpeza dos corpos e o saneamento dos espaços tornaram-se
fundamentais para a “prática do bem”. (CECHIN, p. 137, 2014)
A partir das reflexões de Cechin (p. 137, 2014), podemos perceber que, nos
filmes da Dinsey, os ideais aristocratas aparecem, por exemplo, em Branca de Neve e
os Sete Anões (1937), logo nas primeiras cenas. A protagonista, logo nas primeiras
cenas, aparece lavando as longas escadarias do palácio, sem reclamar e com ar de
felicidade, assim sendo, é evocada a ideia de prazer e paixão. Quando a princesa
chega na casa dos anões, a primeira coisa que ela faz é a realização de uma longa e
intensa faxina, bem como, cozinha para homens a partir de gestos e expressões que
evocam a ideia de satisfação em servir. Já em Cinderela, a temática da limpeza como
representação da servidão é novamente trazida ao público, pois essa personagem, na
maioria das cenas, aparece alimentando os animais, preparando e servindo refieções,
limpando o castelo, etc. Essas condutas são vistas como positivas, pois é dito ao
público que seguindo tais condutas você conseguirá servir e encontrar um marido.
É evidente nas três primeiras animações na Disney, na figura das personagens
103
Afinal, após um longo silêncio, as mulheres ganharam as ruas. Nas duas décadas
de atividade radical que se seguiram ao renascimento do feminismo no início dos
Página
Bela, por sua vez, como Ariel antes de conhecer o príncipe, tem como objetivo
explorar outros lugares além da sua aldeia, uma vez que é um lugar limitador e
105
silenciador de desejos, já que esperam que ela seja a mulher destinada a encontrar
alguém para se casar. Ela recusa a essa imposição até se encontrar prisioneira em um
Página
lutar no lugar de seu pai, contudo, quando sua identidade feminina é revelada todos
AS FRONTEIRAS ENTRE AS CLASSES SOCIAIS NA SOCIEDADE NEOLIBERAL – FRONTEIRAS ENTRE
ESTRUTURA, INFRAESTRUTURA E SUPERESTRUTURA NO CRONOTOPO CONTEMPORÂNEO: ARMAS
PARA ABRIR FRONTEIRAS ENTRE AS IDEOLOGIAS DOMINANTES E AS CONTRA-IDEOLOGIAS
a olham com repulsa por estar em um lugar “para homens” e a abandonam. Segundo
Butler, essa proibição da participação da mulher em ambientes masculinos está
ligada a uma problemática social de gênero, construída e enraizada em solo social
que ditam quem é inferior e quem é superior, quem é forte e quem é fraco e, com
bases nesses atributos, homens tendem a excluir a participação feminina nesses
espaços utlizando essas características, bem como, os órgãos sexuais, para oprimir e
afugentar mulheres, por se sentirem ameaçados (FERREIRA, 2015, p. 39).
Mulan não queria aprender a ser uma boa noiva. Chega despenteada, atrasada e
com uma cola de boas maneiras escrita no braço no encontro com a casamenteira.
Na música Honrar a todas nós, que toca enquanto ela é arrumada para ser
apresentada à sociedade, surge o trecho que diz que, para que ela arrume um
bom marido, “terá que ser bem calma, obediente e ter vigor, com bons modos e
com muito ardor”. Existe um claro padrão a ser seguido. Contudo, ela é
desengonçada e não tem as características consideradas necessárias para ser uma
boa esposa, mas o seu jeito de ser é o que salva o país. (FERREIRA, 2015, pp. 38-
39)
negra, bem como, da mulher ambiciosa e engajada com o ambiente laboral. Tiana
amigas. [...] Vez por outra, são mães e filhas. Mas, quase sem exceção, elas são
mostradas em suas relações com os homens. Era estranho pensar que todas as
Página
grandes mulheres da ficção, até a época de Jane Austen, eram não apenas vistas
Por fim, temos as figuras de Elsa e Anna em Frozen: Uma Aventura Congelante
(2013). Em relação a primeira personagem, é apresentada ao público a imagem de
uma mulher em constante autoconhecimento acerca do seu poder, bem como, a sua
aceitação, uma vez que sempre fora a pensar em si mesma como alguém doente e
defeituosa por ter nascido com esses poderes, uma vez que era considerado algo
inadequado para uma rainha. Após a descoberta desses poderes, para ter voz e não
ter que se esconder, Elsa teve que construir um palácio para si, longe de todos, uma
vez que o seu poder assustava, sobretudo, os homens, que se sentiam ameaçados por
pareceram fracos e inúteis diante de uma mulher, isso porque uma personagem
feminina com poderes nunca foi bem aceita pela Disney, já que essas mulheres,
historicamente, sempre foram transformadas em vilã (o congelamento do coração de
Anna por parte de Elsa evoca, novamente, a construção da vilania em uma
personagem feminina com poderes já que sempre foi vista como demoníaca).
Mulheres com poder sempre são mostradas em situação de isolamento para que
sejam vistas como ameaçadoras, perigosas e impuras.
Talvez Frozen tenha sido uma das obras melhores aclamadas pela crítica
contemporânea, justamente por trazer a tona questões que traduzem bem os dilemas
da mulher contemporânea que luta para conseguir ocupar espaços majoritariamente
masculinos, ser assertiva, ter voz nesses lugares, bem como, demonstrar poder.
Assim, nesta obra em específico, o príncipe sempre taxado de salvador e protetor
passa a ter uma roupagem de “vilão” e “ladrão” (como em Alladin e Enrolados), bem
como, o amor devoto à figura masculina incorporada por um príncipe passa a ser
ironizada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
existem, porém, elas ainda estão camufladas de estereótipos herdados da era mais
tradicional, como a figura do casamento e do próprio amor, apesar de estarem sendo
Página
REFERÊNCIAS
PALAVRAS INTRODUTÓRIAS
29Este texto é um pequeno recorte da pesquisa de Mestrado que vem sendo desenvolvida pelo Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal da Fronteira Sul, na linha de Políticas Educacionais.
111
30Mestranda do Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal da Fronteira Sul, Campus
(BAKHTIN, 2009, p.32). Além disso, Bakhtin ainda afirma que “todo signo está
sujeito aos critérios de avaliação ideológica, isto é, se é verdadeiro, falso, correto,
Página
justificado, bom, etc.” (idem). Desse modo, o uso do verbo “dever” como um signo,
centrífugas.
APONTAMENTOS FINAIS
entrada dois verbos – “dever” e “estabelecer” – nos foi possível auscultar os sentidos
de norma e de direito (ou de imposição e possibilidade) na materialidade discursiva
Página
REFERÊNCIAS
119
Página
RESUMO
O álbum visual Lemonade (2006) interpretado pela cantora Beyoncé mantém relações
interdiscursivas/intertextuais para os dias atuais. Este projeto se propõe analisar a
construção do sujeito Beyoncé em sua interação com outros sujeitos. Pretende-se
compreender a relação arte e vida a partir do corpus proposto, por meio de uma análise
verbivocovisual. A proposta é pensar como as valorações ideológicas presente no discurso
(cinematográfico), refletem e refratam padrões sociais presentes na vida. Para fundamentar
nosso estudo, utilizaremos os conceitos de sujeito, signo ideológico e enunciado, conforme
são discutidos pelo círculo Bakhtin, Medvedev, Volochinov.
INTRODUÇÃO
E
ste artigo faz parte de uma pesquisa que se encontra em desenvolvimento e
procura, como objetivo principal, pela perspectiva Bakthiniana de linguagem,
analisar a construção de valores sociais em embate, na protagonista do
enunciado fílmico: Lemonade34 (protagonizado pela cantora Beyoncé). O álbum
Lemonade foi lançado em abril de 2016 pela cantora estadunidense Beyoncé Knowles
Carter, na qual lançou um álbum de canções que também é álbum visual; uma junção
de clipes que juntos formam um longa-metragem de 60 minutos. Em outras palavras,
Lemonade se trata de um enunciado intergenérico, uma simbiose de clipe musical e
filme, onde pretendemos refletir sobre as vozes sociais presentes no enunciado e a
construção do sujeito Beyoncé em sua interação com seus outros, levando em conta a
120
34 Limonada. Nessa pesquisa, trabalharemos com o álbum visual inglês com legenda em português, de modo a
you cath me". Lemonade usa o espaço de uma plantação com a grama alta para
AS FRONTEIRAS ENTRE AS CLASSES SOCIAIS NA SOCIEDADE NEOLIBERAL – FRONTEIRAS ENTRE
ESTRUTURA, INFRAESTRUTURA E SUPERESTRUTURA NO CRONOTOPO CONTEMPORÂNEO: ARMAS
PARA ABRIR FRONTEIRAS ENTRE AS IDEOLOGIAS DOMINANTES E AS CONTRA-IDEOLOGIAS
construir relacionamentos com o tempo e espaço. Em seguida, somos capturados por
uma sequência de abertura, começando o primeiro dos dez capítulos da transição;
Intuition, onde nos será apresentado espaços e contextos femininos, como uma
comunidade negra, autônoma e alternativa.
O tempo se dilata e se contrai em Lemonade, ele não acontece de forma
cronológica, o que não quer dizer que seja sem coerência. Sua lógica tradicional é
superada por uma noção de tempo não linear.
Uma porção da narrativa é tratada em câmera lenta, em outras vezes, as cenas
correm em sentido inverso, (como a água que cai para cima, por exemplo). As
mudanças nos aspectos fílmicos mudam de uma imagem granulada que se sobrepõe
em widescreen de alta definição, indicando diferentes temporalidades diegéticas para
as imagens. Os espaços que ocorrem em Lemonade incluem as ruínas do forte Macomb;
a garagem do estacionamento real no centro de Nova Orleans; a plantação de
Destrehan e diferentes bairros de Nova Orleans. Dessa forma, o público luta com o
passado no presente. O longa é infundido com cronotopos35 que parecem entrar em
conflito um com o outro. Entre as transições de temporalidades, Beyoncé se joga com
os braços abertos do terraço de um prédio e fica totalmente submersa na água, um
símbolo de transformação e purificação. Ela então se move desordenadamente na
tentativa de se encontrar. A personagem lida com os sentimentos em relação ao seu
casamento e sua identidade de mulher negra. Nesse momento a personagem cita que
tentou ser o que não era para manter o seu relacionamento e o amor do seu marido,
como emagrecer, ser mais suave, mais bonita e menos "acordada". Este enunciado
dialoga com a mídia tradicional, que transformam artistas negros em símbolos
hipersexualizados e embranquecidos midiaticamente, tendo muitas vezes que traçar
a carreira de forma totalmente diferente de uma artista branca. Por exemplo, tornou-
se uma prática recorrente de mulheres negras alisarem seus cabelos quimicamente.
Este processo de alteração é para que o cabelo seja aceito como um cabelo “bom” e
“bonito”, assim como muitas cantoras negras que exibem seu corpo e se transformam
em "ícone sexual" para que sua voz e competência venham em segundo plano. Esses
são apenas dois exemplos de muitos aspectos em relação a identidade negra. Esse é o
processo da superestrutura influenciado a infra e constituindo ideologias.
Com Lemonade, estamos recebendo uma crítica do capitalismo dentro dele
mesmo, Beyoncé se mostra como um produto do sistema da indústria musical. No
estágio "loss" que se inicia a sexta faixa do álbum, 6 Inch, a cantora fala sobre o
capitalismo, o poder do dinheiro e a amarga batalha de cantoras negras pela
sobrevivência no mercado musical. A música de forma ambígua, faz “parecer” que a
personagem está falando sobre si mesma na terceira pessoa, sentada em um banco de
122
De acordo com Fiorin, Bakhtin (BAKTHIN, [1975] 1988: 84) denominou a palavra cronotopo, formada pelas
35
Página
palavras gregas crónos (tempo) e topos (espaço), para estudar como as categorias de tempo e espaço estão
representadas nos textos.
Para produzir uma canção, a obra se orienta na vida, ela é reflexo e refração.
Ninguém sai da vida para fazer uma obra musical ou textual. Continuamos dentro
do nosso espaço e do nosso meio social. O texto não é construído sem nenhuma
vivência, ele sempre dialoga com outros enunciados.
O gênero canção é pensado em pelo menos quatro sujeitos, denominado por
Bakhtin de “eu outro” interno e “eu outro” externo: No “eu outro” externo,
pensamos no compositor, interprete que canta e o ouvinte que recebe a mensagem, já
no “eu outro” interno, se projeta na canção por meio do eu lírico, marcado nesse
corpus pela Beyoncé. É tão simbiótico que podemos achar que o interprete é o mesmo
sujeito da canção. A voz é material e concreta, dessa forma a cantora Beyoncé
empresta a sua voz para interpretar uma canção. A personagem e a cantora não são
as mesmas pessoas, e sim uma imagem autoral que o criador projeta sobre si.
A personagem segundo as concepções bakhtinianas, é composta pelo autor-
123
criador, um sujeito com voz que atua em seu mundo (fictício). Assim como nós
Página
36 She pushing herself day and night / She grinds from Monday to Friday / Works from Friday to Sunday, oh
37The most disrespected woman in America, is the black woman. The most um protected person in America is the
Página
black woman. The most neglected person in America, is the black woman.
O nome do álbum veio de um ditado popular “Se a vida te der limões, faça
uma limonada” com a proposta de pegar os problemas e fazer deles algo útil e
favorável. O enunciado nos faz pensar quais limões foram esses, que deixaram
marcas e memórias em um povo, em uma cultura. Tudo na vida depende da
representação que a burguesia tem e de que forma isso afeta as relações de homem e
mundo.
Lemonade não é apenas um álbum destinado às mulheres e à cultura negra. O
álbum antes de tudo é um produto destinado ao público fã da cantora Beyoncé, é um
produto criado para ser visto como uma mercadoria, independentemente de sua
matéria ou conteúdo, ele foi produzido e comercializado para atrair todos e
quaisquer consumidores. A audiência da Beyoncé é do mundo. A proposta dessa
pesquisa, que ainda se encontra em andamento, também é perceber e discutir como a
mídia se apropria de discursos sociais, de forma com que eles sejam vendidos como
produtos empoderadores e apartados de quaisquer objetivos comerciais. Uma das
razões que fizeram Lemonade ser um álbum icônico, é o momento histórico atual,
com as mídias sociais ativas. É uma dupla função entre uma mercadoria musical
favorável e ao mesmo tempo a atenção e consumo desatento.
REFERÊNCIAS
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo refletir a respeito das fronteiras existentes nas escolas
públicas brasileiras. Estabelece-se, nesse sentido, um diálogo com Bakhtin. Propõe-se
compreender o contexto das políticas neoliberais nas propostas para a educação pública
brasileira. Reconhecendo as fronteiras ideológicas que compõem os discursos em vigência,
formadores por sua vez do que Libâneo (2012, p. 13) denomina dualismo perverso da escola
pública. De forma a compreender as fronteiras do dualismo perverso nas escolas públicas, faz-
se diálogo com diferentes autores que compõe o referencial bibliográfico dessa pesquisa.
Quais sejam, Bakhtin (2006), Libâneo (2012), Geraldi (2010). A perversidade encontra-se
especialmente no acesso dos estudantes. As escolas públicas que priorizam o
assistencialismo, ou a característica supostamente humanitária, localizam-se nas periferias,
enquanto as escolas das elites localizam-se nos centros das cidades. Nesse sentido há
inúmeras fronteiras a serem abertas, a fronteira da educação controlada pela economia, a
fronteira geográfica que estimula, mantém e orienta a dualidade perversa das escolas públicas.
1. INTRODUÇÃO
presente artigo tem por objetivo refletir a respeito das fronteiras existentes
2. DESENVOLVIMENTO
A luta pela escola pública obrigatória e gratuita para toda a população tem sido
bandeira constante entre os educadores brasileiros, sobressaindo-se temas sobre
funções sociais e pedagógicas, como a universalização do acesso e permanência,
[...] Ressalta-se, também, a circulação de significados muito difusos para a
expressão qualidade de ensino, [...] dependendo do foco de análise pretendido:
econômico, social, político, pedagógico etc. (LIBÂNEO, 2012, p. 15).
dualismo perverso encontra nesse fator sua finalidade, uma vez que passa
Página
[...] de educação para todos, para educação dos mais pobres; b) de necessidades
básicas, para necessidades mínimas; c) da atenção à aprendizagem, para a
AS FRONTEIRAS ENTRE AS CLASSES SOCIAIS NA SOCIEDADE NEOLIBERAL – FRONTEIRAS ENTRE
ESTRUTURA, INFRAESTRUTURA E SUPERESTRUTURA NO CRONOTOPO CONTEMPORÂNEO: ARMAS
PARA ABRIR FRONTEIRAS ENTRE AS IDEOLOGIAS DOMINANTES E AS CONTRA-IDEOLOGIAS
melhoria e a avaliação dos resultados do rendimento escolar; [...] (LIBÂNEO,
2012, p. 18).
superestrutura, ou seja,
Página
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem. 12ª Edição – 2006 - HUCITEC. Disponível
em: <http://hugoribeiro.com.br/bibliotecadigital/Bakhtin-Marxismo_filosofia_linguagem.pdf>. Acesso
em 10 de set. de 2018.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil : texto constitucional promulgado em 5 de
outubro de 1988, com as alterações determinadas pelas Emendas Constitucionais de Revisão nos 1 a
129
6/94, pelas Emendas Constitucionais nos 1/92 a 91/2016 e pelo Decreto Legislativo no 186/2008. –
Brasília : Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2016. 496 p. Disponível em:
Página
<https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/518231/CF88_Livro_EC91_2016.pdf>. Acesso
em 13 de set. de 2018.
130
Página
RESUMO
O território camponês se constitui como signo ideológico por conta da sua materialidade, da
sua materialidade sócio-histórica e da materialidade valorativa de acordo com diferentes
interesses que cada sujeito ou cada classe social nele deposita, construindo diferentes olhares
sobre esse pedaço de mundo. Neste trabalho, buscamos compreender as tentativas de
monologização do território camponês por meio dos discursos acerca das produções
agrícolas na relação com os processos de intensificação da globalização e do neoliberalismo
e de como isso reflete e refrata nas relações sociais. Embasado no pensamento bakhtiniano,
este texto é o resultado do cotejamento entre a campanha “Agro – a indústria riqueza do
Brasil” com outros textos e com outras vozes que tratam de atividades relativas à produção
agrícola. Essa relação dialógica entre os textos nos permitiu algumas compreensões, que não
são as únicas possíveis e nem são imutáveis, mas são resultantes de um processo de escuta
ativa e respondente. Uma dessas compreensões trata da lógica do agronegócio como uma
tentativa de construção monológica dos discursos acerca dos modos de produção agrícola,
constituindo-se numa lógica identitária; contudo, as intenções dessa lógica confrontam-se
com outras vozes, que permitem outras compreensões acerca do território camponês,
baseadas numa lógica da alteridade, de pensar com e no outro ser humano, por uma
agricultura cada vez mais centrada no humano.
41 Mestre em Educação pela Universidade Federal da Fronteira Sul, Campus Chapecó; Professora da Rede
Municipal de Chapecó, anos finais do Ensino Fundamental. E-mail: paulettijessica@gmail.com
42 Doutora em Linguística pela Universidade Federal de São Carlos. Professora do Curso de Licenciatura em
Página
A
campanha “Agro – a indústria-riqueza do Brasil”, que teve início em
meados de 2017 e continua no ar na Rede Globo de Televisão, foi concebida
pelas gerências de Marketing e de Comunicação da própria emissora. Aqui,
construímos compreensões acerca das vozes que se entrecruzaram nessa campanha e
que refletem e refratam diferentes interesses relacionados ao território camponês.
O território camponês na campanha é representado por meio da exibição de
vídeos curtos, em torno de um minuto cada, que tratam a respeito de diferentes
temas associados às áreas agrícolas: como milho, cavalos, flores, entre outros.
Compreendendo, com Bakhtin (1997), que: “A língua penetra na vida através dos
enunciados concretos que a realizam, e é também através dos enunciados concretos
que a vida penetra na língua” (p. 282), partiremos da concretude de diferentes
enunciados para construir uma escuta ativa sobre os diferentes jogos de forças que
constituem a vida no território camponês.
Com este trabalho, buscamos compreender as tentativas de monologização do
território camponês por meio dos discursos acerca das produções agrícolas na
relação com os processos de intensificação da globalização e do neoliberalismo e de
como isso reflete e refrata nas relações sociais. As compreensões aqui apresentadas
tomam como percurso as regras metodológicas postas por Volochínov e Bakhtin:
o é o signo território camponês, visto que esses signos a) têm uma materialidade; b)
têm uma materialidade histórica e social, ou seja, todos os sentidos que já se
Página
44A respeito da luta entre os discursos do agronegócio e da agricultura familiar, também é possível ler em
135
A fluidez, apontada por Milton Santos como uma causa, uma condição e um
resultado no mundo atual estão relacionados, também segundo o autor, às redes
técnicas. Os sistemas de técnicas do agronegócio (“Agro é tech”) são, portanto,
também um dos fatores de competitividade, atendendo a ditames da
136
dos insumos, dos consumidores, das cadeias interligadas de produtos deve acontecer
surradas, descalço, trabalhando na terra com sua enxada e sendo açoitado por um
chicote; no canto superior direito, uma máquina amarela e, logo abaixo dela, troncos
Página
ACABAMENTOS PROVISÓRIOS
143
REFERÊNCIAS
145
Página
E
m suas notas intituladas “O texto na linguística, na filologia e em outras
ciências humanas: um experimento da análise filosófica, Bakhtin considera sua
análise filosófica por não se enquadrar completamente em uma disciplina
específica, mas realizar nas fronteiras entre as diversas disciplinas, o que hoje
podemos chamar de transdisciplinaridade. O aspecto “filosófico”, que Bakhtin, com
certa modéstia, caracterizar-se negativamente – para logo, em seguida afirmar que
seu desenvolvimento nas fronteiras é, na verdade, sua riqueza – relaciona-se com
aquilo que o pensador afirma em um de seus últimos textos – “A ciência da literatura
hoje (resposta a uma pergunta da revista Novy Mir)” – ao propor que se analise o
vínculo entre a literatura e a cultura que a encerra (bem com as culturas receptoras),
Bakhtin enfatiza a noção de que as fronteiras são necessária, como delimitação de um
campo de estudo, porém devem ser vistas como fronteiras abertas. Contrariando a
concepção formalista de um desenvolvimento autônomo da “série literária”, cujas
motivações estéticas seriam alheias ao desenvolvimento social, Bakhtin, enfatiza a
ideia da obra literária como uma resposta ao todo da cultura. No conceito específico
de ideologia do Círculo de Bakhtin, tal como elaborado por Medviedev, a literatura
seria uma forma específica de ideologia em diálogo com outras ideologias da
sociedade.
Não se trata, pois, de abolir as fronteiras entre as diversas disciplinas, mas de
torna-las permeáveis: portões em vez de muros, pois, como afirma Bakhtin, é por
essas fronteiras abertas que as ciências se renovam. A necessidade de delimitação de
um objeto como o discurso literário, não deve desconsiderar o fato de que esse
discurso se constrói historicamente em diálogo com os demais discursos, por meio de
sua relação com os demais gêneros secundários e/ou mesmo primários. Assim, o
Círculo de Bakhtin evita qualquer concepção essencialista de literatura.
Semelhante abertura dialógica encontra-se nas concepções linguísticas do
Círculo. Ao propor um estudo da vida social da língua, por meio dos gêneros do
discurso, ao associar signo e ideologia, os autores do círculo não renegam a
contribuições da linguística estrutural, nem da estilística. No entanto, distinguem o
estudo da comunicação linguística do estudo de sua estrutura, sem, contudo, ignorar
as relações entre a construção linguística (ou semiótica, de maneira geral) e a
constituição do enunciado. Essas relações têm consequências pedagógicas nas
reflexões de Bakhtin sobre o ensino da língua russa, onde propõe que se associem as
diferenças de construção sintática e uso lexical com as funções comunicativas e,
146
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. Tr. Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2016.
BAKHTIN, M. Notas sobre literatura, cultura e ciências humanas. Tr. Paulo Bezerra. São Paulo:
Editora 34, 2017.
BAKHTIN, M. Questões de estilística no ensino da língua. Tr. Sheila Grillo e Ekaterina Volkova
Américo. São Paulo: Editora 34, 2013.
BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Tr. Aurora Fornoni
Bernardini et alii. São Paulo: Hucitec, 2010.
BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tr. Paulo Bezerra. São Paulo: Forense
Universitária, 2008.
BAKHTIN, M. Teoria do romance I: a estilística. Tr. Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2015.
MEDVIÉDEV, P. N. O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma poética
sociológica. Tr. Ekaterina Volkova Américo e Sheila Camargo Grillo. São Paulo: Contexto, 2012.
RESUMO
INTRODUÇÃO
N
a perspectiva das concepções bakhtinianas (2015), sempre que falamos ou
produzimos enunciados utilizamos os gêneros do discurso que são tão
heterogêneos e singulares como o são as nossas práticas sociais. Nessa
perspectiva, não entendemos os sentidos como previamente definidos ou intrínsecos
ao sistema da língua. Na realidade, o sentido é um construto negociado pelos
participantes e a sua construção situada em circunstâncias sócio-históricas
148
48Professor substituto do Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN) e mestrando em estudos da linguagem
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). E-mail: juanfflorencio@gmail.com
49 Professora Associada do Departamento de Letras, do PPgEL e do ProfLetras na UFRN. E-mail:
Página
penhalves@msn.com
50O conceito de reelaboração consiste no fenômeno no qual gêneros primários - o diálogo, a carta, a confissão etc -
Página
são levados para um gênero mais complexo, neste caso o romance, e dentro do gênero servem a ele de forma a
estruturar práticas discursivas semelhantes às do mundo da vida.
responsáveis por promover esse fenômeno. Entre eles está a intercalação, processo
que consiste na inclusão de diferentes gêneros na estrutura de um outro maior
Página
diálogo com o outro. A partir dessa perspectiva se faz possível perceber o significado
diferentes formas de ser e agir no meio social. Ainda assim, diversos sujeitos enxergam
o mundo como aqueles que possuem identidade e aqueles que a burlam - os diferentes
- fazendo estes sofrerem penitências por saírem do modelo considerado “normal”. É
Página
O caso dos negros, assim comentado por Hall, revela uma prática de
construção cultural que consiste na subjulgação do diferente. O negro, neste caso,
153
como herança do período colonial e do exotismo em seu entorno que antecede esse
momento histórico foi responsável por criar um imaginário que o evidencia como
Página
diferente para além de seu corpo escuro - que nesse caso é um mero símbolo - na
(2013, p. 381)
AS FRONTEIRAS ENTRE AS CLASSES SOCIAIS NA SOCIEDADE NEOLIBERAL – FRONTEIRAS ENTRE
ESTRUTURA, INFRAESTRUTURA E SUPERESTRUTURA NO CRONOTOPO CONTEMPORÂNEO: ARMAS
PARA ABRIR FRONTEIRAS ENTRE AS IDEOLOGIAS DOMINANTES E AS CONTRA-IDEOLOGIAS
na cultura popular negra, estritamente falando, em termos etnográficos, não
existem formas puras. Todas essas formas são sempre o produto de sincronização
parciais, de engajamentos que atravessam fronteiras culturais, de confluências de
mais de uma tradição cultural, de negociações entre posições dominantes e
subalternas, de estratégias subterrâneas de recodificação e transcodificação, de
significação crítica e do ato de significar a partir de materiais preexistentes.
A cultura negra tem sido representada por muito tempo à luz de canais de
linguagem produzidos e idealizados para reproduzirem representações dos brancos.
Isso pode ser visto na mídia, ou na vida cotidiana das cidades. Na luta pela
neutralização, é comum a perturbação do discurso do outro ou mudanças de
significados que visam subordinar os sujeitos a uma única lógica possível (GARCÍA
CANCLINI, 2015; BAKHTIN; 2008). Nesse contexto, os discursos dos negros e dos
brancos se chocam ao longo da história e fazem com que novos enunciados surjam,
manchando a imagem de uma identidade negra e branca puras. Os corpos estão
pincelados de aspectos de diversas culturas, como um caldeirão no qual se colocam
vários ingredientes, a questão da classificação ocorrerá, portanto, com traços
simbólicos que se destaquem nesses corpos (WOODWARD, 2014). Em um momento
em que os negros ocupam cada vez mais espaços até então direcionados somente a
pessoas brancas, essas representações tendem a ser extremamente complexas, tanto
pelo fato do sujeito negro ter sido forjado por muito tempo à luz de estereótipos,
quanto pelo fato dessa historicidade do negro e sua projeção na televisão por
diretores, escritores e produtores também negros é algo muito recente. Assim,
compreender essa obra cinematográfica, bem como as identidades representadas por
ela, como híbridas, é essencial para que, de forma efetiva, as representações da
identidade negra sejam compreendidas dentro da narrativa.
Retornando para a narrativa do filme, é evidente que ao ser hipnotizado e cair
em uma espécie de limbo que, a partir daquele momento, o protagonista perde o
controle de seu corpo e fica à mercê da família de brancos. Essa cena é uma
representação de como o personagem perde o controle, mas mais do que isso, uma
metonímia de diversos sujeitos negros que são desnaturalizados de sua identidade e
ficam assujeitados aos brancos. Mais na frente fica mais claro que esse é o mecanismo
usado com todos os negros que são atraídos para a casa e é uma forma de fazer com
que esses sujeitos percam o controle sobre suas mentes enquanto um cognitivo
branco é preparado para ser encaixado naquele corpo. Essa narrativa de pessoas
brancas querendo corpos negros para exercerem suas práticas sociais se assemelha
com as concepções de dado e criado, existindo nesse caso uma tentativa de burlar o
dado - o corpo físico - indo ao encontro de um melhor - o corpo do negro - mas
mantendo o criado - ou seja, os valores e questões do sujeito branco. Assim, o que se
tem é um negro que pensa como branco. Ora, se os negros ficaram conhecidos pelo
157
mundo pela sua alta capacidade de trabalho, força, pênis e bundas grandes e
diversos outros atributos ligados ao físico, o que poderia ser mais incrível do que um
Página
negro que tem o cérebro de um branco - tido, por alguns, como uma raça superior
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Hall (2013) discute uma estética diaspórica para descrever as formas como
negros ao redor de todo o mundo tem modificado e reconstruído diversas formas de
cultura, representação e, em consequências, suas próprias identidades. Em diálogo
com outra produção sua (HALL, 2016) é evidente o quanto essa estética diaspórica
rompe com modelos de naturalização e inferiorização do negro na sociedade
contemporânea, sobretudo quando esses enunciados fomentam a
heterodiscursividade, e proporciona a chance para que negros possam ser escritores,
produtores e responsáveis por construir narrativas próprias que simbolizem seus
mundos e realidades.
Get Out apresenta um protagonista em uma narrativa de terror capaz de
mimetizar muitos dos dilemas do negro da contemporaneidade, o qual está sujeito à
pesadas heranças coloniais decorrentes do processo de escravização na América
Latina. O correr, se esconder e lutar pela própria sobrevivência são aspectos dados
pelo processo de vida social aos sujeitos negros, fazendo com que, aliadas às
problemáticas de uma pessoa comum, essa outra trajetória esteja presente, pelo
simples fato deste sujeito ser negro e, em consequência, valorado negativamente pelo
sistema que habita.
Por fim, é evidente a necessidade de estudos sobre esses artefatos
esteticamente diaspóricos, uma vez que, é justamente eles que tem muito a dizer e
revelar sobre essa cultura do outro por tanto tempo minimizada.
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail. Teoria do Romance I: a estilística. São Paulo: Editora 34, 2015.
______. Problemas da Poética de Dostoievski. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.
158
GARCÍA CANCLINI, Néstor. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. 4. ed.
São Paulo: EDUSP, 2003.
Página
159
Página
RESUMO
No eixo das fronteiras entre as classes sociais na sociedade neoliberal, este texto desenvolve-
se a partir de pesquisa de doutoramento, que focaliza a formação de professores em
Instituições Conveniadas de Educação Infantil (ICEIs). Indaga sobre o atendimento na
Educação Infantl (EI) e reflete sobre as responsabilidades dos entes federados brasileiros
(União, estados e municípios), com atenção à caracterização deste atendimento em ICEIs.
Utiliza metodologia de entrevista semi-estruturada aos gestores educacionais vinculados às
secretarias de educação e as ICEIs, de um estado da região sudeste brasileira. Com
referencial bakhtiniano aborda sobre o percurso de afirmação do direito à educação pública,
gratuita e de qualidade no desenvolvimento da história da Educação Infantil (EI), afirma a
defesa pelo direito à educação, a partir do respeito à democracia e a atenção às premissas da
base legal como indicadores importantes para a avaliação das alternativas encaminhadas
pelo poder público para o atendimento à EI. Com esses indicadores, contextualizados na
disputa dos recursos da educação pública, problematiza as distinções que vem se
apresentando a democratização do acesso à EI. Na observação das fronteiras entre o público
e o privado, conclui alertando para os riscos presentes no desenvolvimento das propostas
educativas para a infância brasileira, chamando à resistência às lógicas que enfraquecem o
direito à educação no tempo presente.
51 Este trabalho contou com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo
(Fapes).
52 Doutoranda em Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito
Santo (UFES). Integrante do Grupo de Pesquisa “Formação e Atuação de Educadores” (GRUFAE). Bolsista da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Universidade Federal do Espírito Santo.
160
kallynekafuri@hotmail.com
53 Doutora em Educação pela Universidade Federal Fluminense. Professora do Programa de Pós-graduação em
Educação, Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, Coordenadora do Grupo de Pesquisa
Página
“Formação e Atuação de Educadores”. Tutora do Programa de Educação Tutorial Conexões de Saberes: Projeto
Educação. Universidade Federal do Espírito Santo.
N
o contexto do processo histórico de constituição da base legal que orienta as
ações na Educação Infantil (EI), neste texto focalizamos o atendimento em
Instituições Conveniadas de Educação Infantil (ICEIs). Assim, destacamos a
integração da EI aos sistemas de ensino, como primeira etapa da educação básica,
fruto de intensas lutas, embates e conquistas para consolidação do direito à educação
às crianças pequenas (BRASIL, 1996; 2009a). No quadro de retrocessos e desmontes
da política educacional brasileira, defendemos a democracia como principal
elemento para a discussão das fronteiras entre público e privado (BALL; OLMEDO,
2013),
Com esta proposição, no primeiro tópico abordamos sobre a base legal que
define as ações educativas na EI, afirmando sua trajetória de conquistas no contexto
brasileiro, ainda que incipientes face a demanda presente. No segundo tópico,
indagamos os avanços da lógica empresarial que tensionam as fronteiras entre
público e privado, ameaçando os direitos conquistados na EI. Para esta indagação,
focalizamos as dinâmica de conveniamento na EI, considerando as parcerias
estabelecidas pelo poder público com as instituições catalogadas como comunitárias,
filantrópicas ou confessionais (BRASIL, 1996; 2009).
Diante este contexto de oferta da EI pela via das ICEI, nos interessamos em
conhecer as realidades das ICEIs e com esta intensão, desenvolvemos pesquisa em
um estado da região sudeste brasileira, percorrendo 13 municípios que possuem, em
sua forma de oferta, o atendimento de crianças de 0 a 6 anos em ICEIs, entrevistando
21 participantes sobre a formação continuadas nestas instituições54. Assim, durante
um ano (de outubro de 2017 a junho de 2018), percorremos o estado, vivenciando a
imensidão de realidades de ICEIs do estado, atentas à potencialidade das fronteiras
que configuram os limites entre os municípios e também que fazem divisa com
outros três estados brasileiros. Para tanto, foi fundamental a sustentação nas
premissas bakhtinianas, que compreendem que a fronteira também está situada
numa transição de uma época e outra (BAKHTIN, 2011), e nós, seres humanos somos
a ponte na perspectiva de dias melhores.
Desse modo, entendemos que estamos “[...] sempre na fronteira, olhando para
dentro de si nos olhando e olhando o outro nos olhos ou com os olhos do outro,
compreendendo o mundo” (BAKHTIN, 2011). Assim, conceituamos a compreensão
de fronteira a partir da perspectiva bakhtiniana de que toda compreensão é dialógica.
Portanto, de natureza ativamente responsiva logo, sempre repleta de possibilidades
de respostas.
Logo, a língua que nos unia na pesquisa, tematiza especialmente sobre a
formação de professores nas ICEIs, o que nos levava a tantos outros fios de conversa,
161
54Além das entrevistas, situadas na segunda etapa da pesquisa, conversamos com outros 13 sujeitos por telefone
Página
na (primeira etapa da pesquisa) e com 23 profissionais presentes nas instituições e secretarias, o que gerou o
número de 57 pessoas com as quais dialogamos.
Neste tópico, como afirmação das mobilizações que marcam a vida comum
(recortando o campo das lutas em prol de políticas públicas dirigidas às crianças)
destacamos as conquistas na trajetória da EI, apresentando breve resumo dos
avanços que marcaram a base legal da primeira etapa da educação básica brasileira.
Neste eixo, registramos a presença do direito a EI na Constituição Federal (BRASIL,
1988), sendo reafirmado com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (BRASIL, 1996)
e desenvolvido no interior das Diretrizes da Educação Básica, considerando a
especificidade e os eixos orientadores do trabalho com as Diretrizes e Bases da
Educação Infantil (BRASIL, 2009). Associada a textos e orientações específicas,
desenvolvidas por pesquisadores, movimentos sociais e em diálogo com a sociedade,
162
trabalho educativo com s crianças com o seguinte evento da pesquisa, quando duas
de nossas entrevistadas recuperam o percurso da EI no seu contexto de atuação
Página
Ruivinha: As professoras daqui moram aqui perto e conhecem tudo. Tem casa
que a gente vai visitar [...] chega 10h, é hora de almoço, a criança está comendo
uma manga porque o pé está na rua e aquilo é o que ela vai comer naquele dia. É
manga, amora... Já aconteceu isso. Eu chego aqui e não consigo almoçar, porque
cheguei naquela casa e a pessoa estava cozinhando um feijão em uma lata [...]. É
o que tem. E ela cata caranguejo no mangue. Ai você senta aqui, e como você
come? Sabendo que aquelas crianças estão comendo amora durante o dia e talvez
bebendo água? E com diarreia? E ai você faz o que? Você faz uma cesta e leva lá.
[...]. Então a gente está em uma comunidade que é carente, porque assim, tudo
bem que é um bairro melhor aqui, mas o entorno... Entendeu!?
Antonieta: Não sei se você entendeu o que eu quis dizer [...] como vai para um
processo de seleção de vagas, vence quem for mais carente.
Pesquisadora: E tem o mais carente nessa instituição?
Antonieta: Tem o mais carente, mas é pouco e preenche as vagas primeiro. Este
165
que tem uma condição melhor e a família entende como um direito, ele é um dos
últimos.
Página
Antonieta: Fila! Quem podia ia dormir na fila [pois precisava da vaga para a
criança]. Em sua maioria o público é carente [...]. É duro. Dói não ter para todos.
Porque é um lugar da criança. Direito da criança. Dói! Dói! E dói ter critérios [...]
tem muita gente vindo morar aqui [...]. E vai gerando bolsões de pobreza. Por
exemplo, tem uma vila ali, logo para baixo. Claro, vai ficando escondida, a gente
nem vai ver, infelizmente [...]. Tudo, tudo sem escola [...]. Eles não tem infra-
estrutura!
55Decreto de 1º de janeiro de 2017 do município do Rio de Janeiro, que “Estipula prazo para a Secretaria
Municipal de Educação, Esportes e Lazer e Órgão competente do Gabinete do Prefeito apresentarem Plano de
Página
CONSIDERAÇÕES FINAIS
CRETO%20RIO%20N%C2%BA%2042754_2017_Prazo%20apresenta%C3%A7%C3%A3o%20plano%20de%20impl
anta%C3%A7%C3%A3o%20de%20parceria%20para%20Educ.%20Infantil.pdf>. Acesso em: 03 jan. 2017.
56 Projeto em Curso pelo atual partido político que governa o Brasil. Disponível em: <http://pmdb.org.br/wp-
REFERÊNCIAS
ALVES, Kallyne Kafuri Alves; CÔCO, Valdete. Diálogos com os familiares sobre a educação infantil
na fila de vagas para matrículas. REUNIÃO SUDESTE DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-
GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO, 12. 2014.
ALVES, Kallyne Kafuri Alves; CÔCO, Valdete. Encontros entre o público e o privado: nas lutas
ideológicas, a produção de sentidos para a oferta da Educação Infantil. CIRCULO DE RODAS
BAKHTINIANAS, VI. 2016a. Disponível em:
<https://www.dropbox.com/s/1mktpaulxypar6o/VI_CIRCULO_2016_Literatura_Cidade_Cultura_Popular.
pdf?dl=0>. Acesso em: 14 nov. 2016.
ALVES, Kallyne Kafuri Alves; CÔCO, Valdete. Formação continuada nas instituições conveniadas de
Educação Infantil. SEMINÁRIO DE GRUPOS DE PESQUISA SOBRE CRIANÇAS E INFÂNCIAS. 5º.
2016b. Disponível em: <http://grupeci.ufsc.br/trabalhos/>. Acesso em: 14 nov. 2016.
ALVES, Kallyne Kafuri Alves. A luta pela afirmação do direito à educação infantil nos desafios de sua
expansão. Laplage em Revista. Sorocaba. vol.4, n.1, jan. 2018, p. 238-253. Disponível em:
169
RESUMO
Esta produção tem por objetivo sistematizar reflexões a respeito dos conceitos de Docência,
Currículo e Processos Culturais a partir do referencial teórico-metodológico bakhtiniano
(BAKHTIN, 2006; 2011), articulando-as à pesquisa de mestrado em desenvolvimento, que
tematiza o trabalho docente compartilhado no campo da Educação Infantil. Busca-se pensar
tais conceitos em articulação, em especial, com a formação de profissionais que atuam nesta
etapa da educação básica, advogando a necessidade de pensarmos a educação de formas
outras e de valorizar as práticas docentes realizadas no trabalho com as crianças pequenas.
Por fim, concluímos que os conceitos focalizados estão entrelaçados e, em uma concepção
bakhtiniana, constituídos em meio a relações de interação dialógica com os muitos outros
envolvidos nesses processos de inserção e produção de culturas.
INTRODUÇÃO
P
artindo da defesa de que “[...] cada enunciado é um elo na corrente
complexamente organizada de outros enunciados” (BAKHTIN, 2011, p. 272),
destacamos que este texto é escrito e inscrito no contexto de pertencimento a
um grupo de pesquisa que ancora suas reflexões, pesquisas e funcionamento na
teoria desenvolvida por Bakhtin (e seu círculo), a partir do qual busca compreender a
educação e especialmente a formação inicial e continuada de professores para a
Educação Infantil em uma perspectiva dialógica, que reconhece docentes e discentes
como sujeitos ativos e que se relacionam, entre si e com seus pares, no processo
Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Coordenadora do Grupo de Pesquisa Formação e Atuação de
Educadores (GRUFAE). E-mail: valdetecoco@hotmail.com
62 As reflexões aqui apresentadas foram inicialmente instadas e discutidas no decorrer da disciplina Currículo,
Docência e Processos Culturais, ofertada pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal
do Espírito Santo.
Página
63 Com isso, o presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
culturas; é por meio do debate e das tensões no encontro com as diferentes vozes
deste outro que se produz o conhecimento e que se delimita, cotidianamente, o que
vem a ser currículo.
Página
do autor).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. 6. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
BAKHTIN, Mikhail. A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François
Rabelais. Tradução de Yara Frateschi Vieira. São Paulo/Brasília: Hucitec/Editora Universidade de
Brasília, 2008.
BAKHTIN, M. M. Marxismo e filosofia da linguagem. 12 ed. São Paulo: Hucitec, 2006.
BRASIL, Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Conselho Pleno. Resolução
177
CNE/CP n. 02, de 1º de julho de 2015. Define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação
inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e
cursos de segunda licenciatura) e para a formação continuada. Brasília, Diário Oficial [da] República
Página
178
Página
RESUMO
O
discurso colonial empenha-se para apresentar uma verdade monofônica, na
forma de monólogo, acerca da construção histórica e geográfica dos lugares.
Já o discurso decolonial se apresenta enquanto alternativa dialógica, pois
afirma reconhecer a diversidade como constitutiva de mundo e, também, assume a
importância de respeitar e reconhecer a força dessa polifonia. De par com o
decolonial, os discursos polifônicos, implicados na plenivalência e na equipolência,
discutidas por Bakhtin (2005), são estruturantes desse modo humano e humanizador,
64 Mestrando em educação (PPGE) da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) campus Chapecó/SC. Bolsista
da FAPESC/SC-Brasil. Graduado em licenciatura em História pela UFFS. Membro do Grupo de Pesquisa em
Gestão e Inovação Educacional (GPEGIE UFFS/SC). E-mail para contato: luizkavalerski@hotmail.com.
179
65 Doutora em Educação nas Ciências: concentração Geografia, professora no Mestrado em História (PPGH) e no
Mestrado em Educação (PPGE) e na Licenciatura em Geografia na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS),
campus Chapecó/SC, pesquisadora do Grupo de Estudos de Gênero do Discurso (GEGE UFSCAR/SP) e do Grupo
Página
66 Apontamos nas referências bibliográficas três livros didáticos da disciplina de História nos quais a imagem
(Figura 1) está presente. Ambos foram publicados em 2016 por diferentes editoras. Assim, destacamos o uso
Página
recorrente da imagem (Figura 1) nos livros didáticos de História na Educação Básica no Brasil.
67 Expressão para visibilizar a relação e a singularização de colonial e decolonial.
está retratado. Deste modo, afirmamos que na pintura “primeira missa no Brasil”
ANDREIS, A. M. Cotidiano: uma categoria geográfica para ensinar e aprender na escola. Tese
(Doutorado em Educação nas Ciências) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio
Grande do Sul, Ijuí, RS, fev. 2014.
AZEVEDO, Gislaine; SERIACOPI. História: passado e presente (Ensino Médio, v. 2). Obra em 3 v. – v.
2 Do mundo moderno ao século XIX. 1° ed. São Paulo: Ática, 2016.
BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução direta do russo, notas e prefácio
de Paulo Bezarra. 5° ed. Rio da Janeiro: Forense Universitária, 2005.
CINEDELIA. Demarcação já. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch? v=wbMzdkaMsd0>.
Acesso em: 04 set. 2018.
CORTRIM, Gilberto. História global 2 (Ensino médio, v. 2). Obra em 3 v. 3° ed. São Paulo: Saraiva,
2016.
QUIJANO, Aníbal. Colonialidade, poder, globalização e democracia. Novos Rumos, ano 17, nº 37,
2002.
VICENTINO, Cláudio; VICENTINO, José Bruno. Olhares da história: Brasil e o mundo (Ensino
Médio, v. 1). Obra em 3 v. 1° ed. São Paulo: Scipione, 2016.
184
Página
INTRODUÇÃO
E
ste artigo tem como objetivo traçar um panorama do aporte teórico de Mikhail
Bakhtin para estudar o discurso presente em propagandas da Revista Feminina
(1930-1936) e Claudia (2011-2013). Elegemos como objeto de estudo três pares
de propagandas nos eixos saúde, alimentação e beleza nas duas revistas. No Brasil,
desde a década de 1980, o pensamento bakhtiniano tem recebido atenção de
estudiosos de importantes centros de investigação. Além de artigos, projetos, cursos,
grupos de pesquisa, seminários, alguns desses estudiosos merecem, aqui, nossa
reverência, com maior ênfase para os grifados: Schnaiderman (1983), Jobim e Souza
(1984), Barros e Fiorin (1984), Faraco (1988, 2003), Machado (1989, 1995), Faraco e
Tezza (1996), Brait (1996, 1997, 2005, 2006), Souza (1999), Amorin (2001), Freitas,
Jobim e Souza e Kramer (2003), Tezza (2003), Zandwais (2005), Faraco, Tezza e Castro
(2006), Fiorin (2006) e Geraldi, Fichtner e Benites (2006).
Cada autor-pesquisador, à sua maneira, apresenta sua leitura sobre
185
Doutora em Língua e Cultura (UFBA), Pós-doutoranda em Estudos da Imagem UFPR. Jornalista Unioeste, e-
69
mail maravitorino@hotmail.com
Grillo (2006) procura esclarecer, com suas palavras, o que entende por relações
dialógicas quando se trata da linguagem:
Página
Estas relações se situam no campo do discurso, pois este é, por natureza dialógico
e, por isso, tais relações devem ser estudadas no plano da metalinguística que
ultrapassa os limites da linguística e possui objeto autônomo e metas próprias”
(BAKHTIN, [1963] 2010, p. 209).
Um signo não existe apenas como parte de uma realidade; ele também reflete e
refrata outra. Ele pode distorcer essa realidade, ser-lhe fiel, ou apreendê-la de um
ponto de vista.[...]específico, etc. Todo signo está sujeito aos critérios de avaliação
ideológica (isto é: se é verdadeiro, falso, correto, justificado, bom, etc.). O
domínio do ideológico coincide com o domínio dos signos: são mutuamente
correspondentes. Ali onde o signo se encontra, encontra-se também o ideológico.
Tudo que é ideológico possui um valor semiótico (BAKHTIN/VOLOCHINOV,
[1929], 2002, p. 30, grifos nossos).
ganha sentido de signo quando está em determinado contexto. Ele cita o exemplo do
pão e do vinho na comunhão, que são símbolos religiosos, e juntas formam signo.
Página
Por um lado, ela está diretamente vinculada aos processos de produção e, por
outro lado, diz respeito às esferas das diversas ideologias especializadas e
formalizadas. [...] o material privilegiado da comunicação na vida cotidiana é a
palavra. É justamente nesse domínio que a conversação e suas formas discursivas
se situam (BAKHTIN/VOLOCHINOV, [1929] 2002, p. 35).
bakhtiniano.
Partindo desse pressuposto, pode-se dizer que Bakhtin conseguiu fazer uma
revolução no campo dos estudos da linguagem, porque impôs esse método dialético,
Página
Toda refração ideológica por ser um processo de formação, seja qual for a
natureza do seu significante, é acompanhada de uma refração ideológica verbal,
como fenômeno obrigatoriamente concomitante. A palavra está presente em
todos os atos de compreensão e em todos os atos de refração
(BAKHTIN/VOLOCHINOV, [1929], 2002, p. 38).
Com efeito, cada nova classe no poder é obrigada, quanto mais não seja para
atingir os seus fins, a representar o seu interesse como sendo o interesse comum a
todos os membros da sociedade ou, exprimindo a coisa no plano das idéias, a dar
aos seus pensamentos a forma de universalidade, a representá-los como sendo os
únicos razoáveis, os únicos verdadeiramente válidos (MARX; ENGELS, 1980, p.
57).
Toda refração ideológica do ser em processo de formação seja qual for a natureza
de seu material significante, é acompanhada de uma refração ideológica verbal,
como fenômeno obrigatoriamente concomitante. A palavra está presente em
todos os atos de compreensão e em todos os atos de interpretação. Todas as
propriedades da palavra que acabamos de examinar – sua pureza semiótica, sua
neutralidade ideológica, sua implicação na comunicação humana ordinária, sua
possibilidade de interiorização e, finalmente, sua presença obrigatória, como
fenômeno acompanhante, em todo ato consciente – todas essas propriedades
fazem dela o objeto fundamental do estudo das ideologias.
(BAKHTIN/VOLOCHINOV, [1929], 2002, p. 38, grifos nossos)
Cada signo ideológico é não apenas um reflexo, uma sombra da realidade, mas
também um fragmento material dessa realidade. Todo fenômeno que funciona
como signo ideológico tem uma encarnação material, seja como som, como massa
física, como cor, como movimento do corpo ou como outra coisa qualquer. Nesse
sentido, a realidade do signo é totalmente objetiva e, portanto, passível de um
estudo metodologicamente unitário e objetivo. Um signo é um fenômeno do
mundo exterior. O próprio signo e todos os seus efeitos (todas as ações, reações e
novos signos que ele gera no meio social circundante) aparecem na experiência
198
33).
Quando Bakhtin afirma que o signo surge do consenso entre seres sociais e
organizados no processo de interação, ele não somente leva ao questionamento, mas
à afirmação de que todo o signo surge do consenso entre indivíduos socialmente
organizados e interados. A interação social ocorre pela e na palavra e se torna
sustentáculo para essa interação e uma não ocorre sem a outra.
O enunciado sempre cria algo que, antes dele, não existira, algo novo e
irreproduzível, algo que está sempre relacionado com um valor (a verdade, o
bem, a beleza, etc.). Entretanto, qualquer coisa criada se cria sempre a partir de
uma coisa que é dada (a língua, o fenômeno observado na realidade, o
sentimento vivido, o próprio sujeito falante, o que é já concluído em sua visão do
mundo, etc.). O dado se transfigura no criado (BAKHTIN/VOLOCHINOV, [1929]
2002, p. 348).
É nesse item que se insere a relevância das fontes para pesquisa, ao tomar o
teor pesquisado como enunciados concretos.
Os enunciados ganham forma a partir do gênero ao qual recorrem para se
configurarem. Pode-se dizer, então, que os enunciados se revelam nos gêneros
discursivos que, por sua vez, nos são dados socialmente. Logo, estudar os
enunciados significa estudar os gêneros do discurso, sejam eles de qual esfera da
comunicação forem. Para Bakhtin:
CONTEÚDO TEMÁTICO
“compreendermos que o tema (ou conteúdo temático) atua nos gêneros para situá-
los nas situações interativas, representando as diferentes formas de conceber a
Página
2.3.1.2 Estilo
É nesse item que Bakhtin ([1979] 2011) trata do estilo de linguagem que,
segundo o autor, difere de acordo com o gênero aplicado e em determinadas
condições discursivas, preocupando-se com a função comunicativa.
Bakhtin assinala, ainda, que ao estudar o estilo de um gênero, não podemos
dissociá-lo das questões históricas, pois o estilo do gênero corresponde ao estilo da
língua que, por sua vez, devido à sua dinamicidade, pode sofrer alterações. “A
língua escrita corresponde ao conjunto dinâmico e complexo constituído pelos estilos
da língua, cujo peso respectivo e a correlação, dentro do sistema da língua escrita, se
encontram num estado de contínua mudança” (BAKHTIN, [1979] 2011, p. 266).
Bakhtin assevera que mudanças históricas dos estilos da língua são
indissociáveis das mudanças que se efetuam nos gêneros do discurso. “A língua
escrita corresponde ao conjunto dinâmico e complexo constituído pelos estilos da
língua, cujo peso respectivo e a correlação, dentro do sistema da língua escrita, se
encontram num estado de contínua mudança” (BAKHTIN, [1979] 2011, p. 267).
Segundo o autor russo, a questão da mudança é um sistema complexo que
obedece a outros princípios. Para ele, desvendar a complexa dinâmica histórica
desses sistemas, para passar da simples (e em geral superficial) descrição dos estilos
que se sucedem, e chegar à explicação histórica dessas mudanças, “é indispensável
colocar o problema específico dos gêneros do discurso (e não só dos gêneros
secundários, mas também dos gêneros primários) que, de uma forma imediata,
sensível e ágil, refletem a menor mudança na vida social” (BAKHTIN, [1979], 2011, p.
267). E, por ser assim, o estilo de um gênero não é sempre estável, mas reflete a
própria dinamicidade da língua e do gênero.
Nessa questão, os enunciados/gêneros do discurso são os meios de
transmissão que levam a história da sociedade à história da língua. Por isso,
“nenhum fenômeno novo (fonético, lexical, gramatical) pode entrar no sistema da
língua sem ter sido longamente testado e ter passado pelo acabamento do estilo-
gênero” (BAKHTIN, [1979] 2011, p. 267).
Bakhtin ([1979] 2011) esclarece que há o estilo do gênero e o estilo do autor.
Quanto ao estilo do gênero, o autor informa que “Todo estilo está indissoluvelmente
ligado ao enunciado e às formas típicas de enunciados, ou seja, aos gêneros do
discurso” (BAKHTIN, [1979] 2011, p. 265). Nesse sentido, Bakhtin explica que existe
uma relação orgânica e indissolúvel entre estilo e gênero que se revela na questão
206
dos estilos de linguagem, pois “os estilos de linguagem ou funcionais não são outra
coisa senão estilos de gênero de determinadas esferas da atividade humana e da
Página
A linguagem escrita que aparece nas propagandas busca se aproximar dos diálogos
AS FRONTEIRAS ENTRE AS CLASSES SOCIAIS NA SOCIEDADE NEOLIBERAL – FRONTEIRAS ENTRE
ESTRUTURA, INFRAESTRUTURA E SUPERESTRUTURA NO CRONOTOPO CONTEMPORÂNEO: ARMAS
PARA ABRIR FRONTEIRAS ENTRE AS IDEOLOGIAS DOMINANTES E AS CONTRA-IDEOLOGIAS
do dia a dia, mas apela para recursos léxicos que provoquem emoções. Compreender
uma propaganda significa relacionar imagem e escrita, constituindo-os em um todo
que se complementa e interage na formação do enunciado. Sendo assim, não há
como dissociá-los no todo desse enunciado.
REFERÊNCIAS
Revistas consultadas:
RESUMO
INTRODUÇÃO
O
s resultado da pesquisa do Doutorado, que mostrou a manutenção da
ideologia no lapso temporal da circulação das duas revistas, agora está
sustentando o estágio de Pós-Doutorado na UFPR, junto ao Grupo de
Estudos da Imagem, com a análise do discurso da jornalista Fátima Bernardes no
Jornal Nacional e no Programa Encontro, ambos exibidos pela Rede Globo de TV, sob
orientação do Professor Doutor João Somma Neto, quando aplicaremos a
metodologia para analisar o discurso da TV, fazendo intersecção entre Bakhtin e a
semiótica.
No Doutorado, a pesquisa foi desenvolvida a partir de pontos elementares,
como a minuciosa descrição dos corpora de pesquisa, conceitos-chave de Mikhail
Bakhtin, a metodologia explicitada em MFL, com Análise Dialógica do Discurso
(ADD) e os conceitos dos Gêneros do Discurso.
212
Página
Doutora em Língua e Cultura (UFBA), Pós-doutoranda em Estudos da Imagem UFPR. Jornalista Unioeste, e-
71
mail maravitorino@hotmail.com
DESENVOLVIMENTO
Por assumir tal posicionamento, Bakhtin ([1963] 2010) informa que suas
análises não são linguísticas no sentido rigoroso do termo. Ele as situa como análises
metalinguísticas, “subtendendo-se como um estudo – ainda não constitutivo em
Página
Estas relações se situam no campo do discurso, pois este é, por natureza dialógico
e, por isso, tais relações devem ser estudadas no plano da metalinguística que
ultrapassa os limites da linguística e possui objeto autônomo e metas próprias”
(BAKHTIN, [1963] 2010, p. 209).
Um signo não existe apenas como parte de uma realidade; ele também reflete e
refrata outra. Ele pode distorcer essa realidade, ser-lhe fiel, ou apreendê-la de um
ponto de vista.[...]específico, etc. Todo signo está sujeito aos critérios de avaliação
ideológica (isto é: se é verdadeiro, falso, correto, justificado, bom, etc.). O
217
signo tem uma ligação fundamental com a vida cotidiana, sedimentada pela
comunicação ideológica.
Página
Toda refração ideológica por ser um processo de formação, seja qual for a
natureza do seu significante, é acompanhada de uma refração ideológica verbal,
como fenômeno obrigatoriamente concomitante. A palavra está presente em
todos os atos de compreensão e em todos os atos de refração
(BAKHTIN/VOLOCHINOV, [1929], 2002, p. 38).
Com efeito, cada nova classe no poder é obrigada, quanto mais não seja para
atingir os seus fins, a representar o seu interesse como sendo o interesse comum a
221
todos os membros da sociedade ou, exprimindo a coisa no plano das idéias, a dar
aos seus pensamentos a forma de universalidade, a representá-los como sendo os
Página
Toda refração ideológica do ser em processo de formação seja qual for a natureza
de seu material significante, é acompanhada de uma refração ideológica verbal,
como fenômeno obrigatoriamente concomitante. A palavra está presente em
todos os atos de compreensão e em todos os atos de interpretação. Todas as
propriedades da palavra que acabamos de examinar – sua pureza semiótica, sua
neutralidade ideológica, sua implicação na comunicação humana ordinária, sua
possibilidade de interiorização e, finalmente, sua presença obrigatória, como
fenômeno acompanhante, em todo ato consciente – todas essas propriedades
fazem dela o objeto fundamental do estudo das ideologias.
(BAKHTIN/VOLOCHINOV, [1929], 2002, p. 38, grifos nossos)
72
Objetivação refere-se à palavra coisa.
AS FRONTEIRAS ENTRE AS CLASSES SOCIAIS NA SOCIEDADE NEOLIBERAL – FRONTEIRAS ENTRE
ESTRUTURA, INFRAESTRUTURA E SUPERESTRUTURA NO CRONOTOPO CONTEMPORÂNEO: ARMAS
PARA ABRIR FRONTEIRAS ENTRE AS IDEOLOGIAS DOMINANTES E AS CONTRA-IDEOLOGIAS
individual, entrando numa autoalienação e na expropriação de sua essência, isso
culminará no fato de que há uma alienação do homem diante dele mesmo, já que o
produto de seu trabalho é alheio a ele. É o que se chama de processo de reificação ou
coisificação social.
Para Bakhtin ([1929], 2002), Marx se ateve a essa situação, sem considerar a
língua, que acontece nos enunciados das revistas em questão. Neste caso, as relações
humanas ocorrem sim, não de forma tão ortodoxa como Marx sustentava, visando a
econômica e social mercadoria, resultando no processo de alienação, da expropriação
do homem de seu trabalho. Entretanto, entender essa visão geral apresentada por
Marx é fundamental para compreender a visão marxista de língua, proposta por
Bakhtin.
Para Marx, a não compreensão do processo de produção material começa a ser
formulada pela reflexão sobre o modelo capitalista, o que para Bakhtin está inscrita
na linguagem a partir da ideologia. Entretanto, Bakhtin não se ocupa apenas dessa
premissa, vai além, pois ele vê a Língua como forma de interação social,
independente do modelo econômico, sistema de governo, etc. Esses fatores
interferem porque fazem parte do contexto no qual a língua esta inserida.
Na análise de Ponzio (2009) o conceito de ideologia identifica e está próximo
de falsa consciência, certamente não no sentido de que possa servir como definição
de ideologia burguesa e ao seu valor com relação ao conhecimento objetivo, mas na
dinâmica da Língua.
Cada signo ideológico é não apenas um reflexo, uma sombra da realidade, mas
também um fragmento material dessa realidade. Todo fenômeno que funciona
como signo ideológico tem uma encarnação material, seja como som, como massa
física, como cor, como movimento do corpo ou como outra coisa qualquer. Nesse
sentido, a realidade do signo é totalmente objetiva e, portanto, passível de um
225
123).
Quando Bakhtin afirma que o signo surge do consenso entre seres sociais e
organizados no processo de interação, ele não somente leva ao questionamento, mas
à afirmação de que todo o signo surge do consenso entre indivíduos socialmente
organizados e interados. A interação social ocorre pela e na palavra e se torna
sustentáculo para essa interação e uma não ocorre sem a outra.
Pensando nisso, resolvi entrar na disputa desses sentidos e correr o risco de falar
de fora, procurando, no entanto não excluir e nem produzir o efeito de minha
exclusão (ORLANDI, 1999, p. 95-96).
Página
O enunciado sempre cria algo que, antes dele, não existira, algo novo e
irreproduzível, algo que está sempre relacionado com um valor (a verdade, o
bem, a beleza, etc.). Entretanto, qualquer coisa criada se cria sempre a partir de
uma coisa que é dada (a língua, o fenômeno observado na realidade, o
sentimento vivido, o próprio sujeito falante, o que é já concluído em sua visão do
mundo, etc.). O dado se transfigura no criado (BAKHTIN/VOLOCHINOV, [1929]
2002, p. 348).
É nesse item que se insere a relevância das fontes para pesquisa, ao tomar o
teor pesquisado como enunciados concretos.
Os enunciados ganham forma a partir do gênero ao qual recorrem para se
configurarem. Pode-se dizer, então, que os enunciados se revelam nos gêneros
discursivos que, por sua vez, nos são dados socialmente. Logo, estudar os
enunciados significa estudar os gêneros do discurso, sejam eles de qual esfera da
comunicação forem. Para Bakhtin:
publicístico.
à natureza do enunciado, não permitem que o autor se revele com seu estilo. Por
AS FRONTEIRAS ENTRE AS CLASSES SOCIAIS NA SOCIEDADE NEOLIBERAL – FRONTEIRAS ENTRE
ESTRUTURA, INFRAESTRUTURA E SUPERESTRUTURA NO CRONOTOPO CONTEMPORÂNEO: ARMAS
PARA ABRIR FRONTEIRAS ENTRE AS IDEOLOGIAS DOMINANTES E AS CONTRA-IDEOLOGIAS
outro lado, conforme Bakhtin, “Os gêneros mais favoráveis da literatura de ficção:
aqui o estilo individual integra diretamente o próprio edifício do enunciado, é um
dos objetivos principais” (BAKHTIN, [1979] 2011, p. 265). Nestes, sim, o autor pode
revelar o seu estilo de linguagem, a sua maneira particular de organizar o discurso
porque a esfera literária, por lidar com a subjetividade humana, possibilita essa
divagação. Assim como esta esfera, pode-se encontrar em muitos outros gêneros que
possibilitam a manifestação do estilo do autor
A construção composicional diz respeito, conforme Pereira (2012), à
disposição, à orquestração e ao acabamento do enunciado, levando em consideração
os participantes da interação. Em outras palavras, corresponde à estrutura, à forma
que o gênero adquire o que permite, de certa forma, reconhecê-lo e identificá-lo entre
os demais.
Todavia, Costa-Hübes (2014) lembra que, embora esteja, de alguma forma,
relacionada à estrutura formal do gênero, não dá aprisionar a construção
composicional em formas estruturais rígidas, haja vista que todo gênero se organiza
dentro de uma dimensão fluida e dinâmica, tendo em vista o próprio estilo que o
autor pode lhe conferir, dentro dos limites instáveis do contexto.
Como afirma Rodrigues: “Na produção do enunciado, é a noção acerca da
forma do enunciado total, isto é, de um gênero do discurso específico, que coloca o
discurso em determinadas formas composicionais e estilísticas” (RODRIGUES, 2001,
p. 44). Ou, de acordo com Bakhtin, a forma composicional está ligada a uma “forma
padrão relativamente estável de estruturação de um todo” (BAKHTIN, [1979] 2011,
p. 301). Logo, não há como tratar desse elemento constituinte do gênero sem
relacioná-lo com o conteúdo temático e com o estilo, uma vez que estão
indissoluvelmente ligados no todo do enunciado, conforme assevera o próprio autor.
São esses três elementos – conteúdo temático, estilo e construção
composicional – que orientam o estudo da língua em enunciados concretos, ou seja,
nos gêneros do discurso.
Por conceber a estreita relação entre a comunicação e as atividades humanas,
Bakhtin compreende que os gêneros do discurso podem sofrer alterações. É nesse
sentido que Campos-Toscano (2009) afirma que as condições sociais, econômicas e
culturais e o desenvolvimento tecnológico possibilitaram, nos últimos anos, a criação
de novos signos e de novas formas de comunicação, ativando e movimentando
continuamente os gêneros existentes, inclusive o gênero propaganda.
Esse gênero, em específico, ao configurar-se dentro da esfera publicitária e
revelar-se como um produto da sociedade capitalista e em contínuo desenvolvimento
tecnológico, reflete, por meio de seu conteúdo temático, constantes mudanças ao
revelar-se em enunciados que, ao longo dos anos, vão se transformando. Décadas
atrás, seria possível se falar em propaganda impressa; hoje, elas aparecem não só na
234
CONSIDERAÇÕES FINAIS
______. Linguística histórica: uma introdução ao estudo da história das línguas. São
FREITAS, A. F. R. de. Palavras: signo ideológico. 1999. Disponível em
Página
Revistas consultadas:
FON-FON. Rio de Janeiro. N. 47. Nov. 1930.
REVISTA FEMININA . São Paulo. N. 221, Out.1932
MÁTICA. Maringá: Editora Paraná, 2015.
238
Página
RESUMO
Esse texto tem por objetivo apresentar uma reflexão inicial advinda do diálogo com as
correntes teóricas no curso de Letras Portugues e, especialmente, a partir do contato com a
teoria bakhtiniana no que se refere ao riso, à ideologia e o quanto esses elementos se
relacionam com a ideia de fronteiras. Apresentamos uma análise insipiente sobre o riso e
suas questões ideólogicas, olhando para dois memes retirados da internet.
I
deologias fazem parte de uma fronteira fina linear e tênue. É sempre perigoso
quando estamos perto do eixo que separa uma ideologia de outra. Bakhtin
deixou claro quando falou que não existia álibi no ser. E dentro do todo que
forma um indivíduo, tudo que ele acredita ou desacredita, concorda ou discorda
quando ele está no seu lugar de fala, ele expõe suas ideias e a si, porém, o caminho
que a sua ideologia percorre até chegar ao outro - que concorda ou discorda - que foi
diretamente direcionado é longo e possuem muitos observadores que não estão na
mesma posição que você e está em dúvida de qual posição tomar.
E isso está diretamente ligado ao que nos faz dar risada. Bakthin explica isso
como a carnavalização da palavra, do ato ou até mesmo da ideologia. Sim, rir pode
ser uma forma de multiplicar o que você mais detesta. Como dar açúcar a formigas.
Partindo do meu lugar de fala, eu gosto de rir, me divirto fazendo isso. Porém, como
pessoa que trabalha e estuda a linguagem, tenho que avisar que isso pode ser uma
ferramenta poderosa para todos que souberem usarem para o seu próprio benefício.
De uma forma mais didática, caro leitor, vou tentar explicar conceitos muito
simples e essenciais para entender a minha linha de raciocínio. Existem funções de
linguagem, uma muito usada em meios de propagandas e comerciais em todo o
lugar é a que te impõem de uma forma muito sutil fazer algo, chamada: Conativa74.
Isso faz parte da compreensão da linguagem. Ela está presente em comerciais o
tempo todo como, por exemplo, nos verbos: Beba; Compre; Ligue, entre outros.
Outro conceito que quero expor aqui é o da linguagem literária do livro “Linguagem
Literária” do Domício Proença Filho que traz a ideia de “texto opaco”. Não são todas
239
74 Sabemos que as funções da linguagem estão ligadas mais especificamente à concepção de linguagem advinda
Fonte: Facebook
Fonte: Facebook
REFERÊNCIAS
notas de Sheila Grillo e Ekatarina Vólkora Américo. São Paulo: Editora 34, 2013.
Página
243
Página
RESUMO
O presente artigo, sob a perspectiva do Círculo Bakhtiniano e sob a análise dos estudos da
ADD, tem como objetivo fazer uma análise das projeções dialógico-valorativo em filme
publicitário da SKOL, utilizando, para tanto, as concepções de linguagem, de enunciado
concreto e de gêneros discursivos. Nesse sentido, a análise procura problematizar as formas
e as interações entre o verbivocovisual, assim buscaremos compreender a partir desse filme
publicitário a arquitetônica do verbo-áudio-visual no discurso propagado pela marca de
cerveja Skol. Soma-se a isso a relevância entre as formas dos enunciados em relação ao
gênero do discurso e a observação das formas enunciativas da língua na construção e
propagação do discurso ideológico, levando em conta algumas regularidades enunciativo-
discursivas que tipificam a interação mediada por esse gênero na mídia, com foco na
composição e construção das relações dialógicas com outros enunciados. Nesse sentido, este
trabalho tem como aporte teórico os conceitos inter-relacionados, tais como signo ideológico,
enunciado concreto, gêneros discursivos e relações dialógicas por meio da teoria do Círculo
de Bakhtin, bem como de seus estudiosos como Brait (2014) e Faraco (2009), pós-
modernidade (BAUMAN, 2001) e Publicidade (MALANGA, 2009). Essas referências teóricas
tornam-se compatíveis com o projeto de dizer deste artigo pesquisa, pois interagem com
uma prática discursiva de forma situada historicamente.
INTRODUÇÃO
S
abemos que beber cerveja é um hábito preferido de uma grande parcela de
brasileiros. Essa praxe estar culturalmente associados a determinados acordos
sociais, tais como: churrasco no final de semana, assistir partida de futebol,
happy hour com os amigos, dentre outras festividades. Em detrimento dessa
realidade, as cervejarias encabeçam campanhas publicitárias capazes de persuadir o
sujeito consumidor, atraindo bons resultados de venda por meio de peças
244
Página
76Mestre em Linguística Aplicada. Professora Substituta da Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
departamento de Letras/CERES/DLC. E-mail: hmfabiana@hotmail.com
haver uma transição da sociedade sólida para a líquida, uma vez que para o autor em
Página
Exatamente porque somos moldados na e pela imagem é que ela nos é tão
familiar e, apesar da infinidade de significações que ela nos traz, conseguimos,
portanto, compreendê-la: imaginária ou concreta, a imagem passa,
necessariamente por alguém que a produz ou reconhece (JOBIM; SOUZA, 2000,
p. 4, grifo do autor).
78 Termo utilizado por Canclini (2008) para identificar o processo de multiculturalismo, um espaço de diálogo
246
Bakhtin (2011, 300) “o enunciado é um elo na cadeia da comunicação discursiva e não pode ser separado dos elos
Página
precedentes que o determinam tanto de fora quanto de dentro, gerando nele atitudes responsivas diretas e
ressonâncias dialógicas.
Por mais monológico que seja o enunciado (por exemplo uma obra científica ou
filosófica), por mais concentrado que esteja no seu objeto, não pode deixar de ser
em certa medida também uma resposta àquilo que já foi dito sobre dado objeto,
sobre dada questão, ainda que essa responsividade não tenha adquirido uma
nítida expressão externa: ela irá manifestar-se na tonalidade do estilo, nos
matizes mais sutis da composição (BAKHTIN, 2011, p. 298).
os produtos de consumo. Com isso, este trabalho tem como objetivo estabelecer uma
compreensão maior das relações dialógicas, como elementos fundamentais no
Página
conceito, expandindo a análise para um campo semântico maior. Sabemos que para
Ora, todo discurso concreto (enunciado) encontra o objeto para o qual se volta
sempre, por assim dizer, já difamado, contestado, avaliado, envolvido ou por
uma fumaça que o obscurece ou, ao contrário, pela luz de discursos alheios já
externados a seu respeito. Ele está envolvido e penetrado por opiniões comuns,
pontos de vista, avaliações alheias, acentos (BAKHTIN, 2015, p. 48).
249
80No texto “Problemas da poética de Dostoiésvski” (BAKHTIN, 2015), o autor promove uma discussão mais
detalhada acerca do embate dialógico, afirmando que “nos romances de Dostoiésvski tudo se reduz ao diálogo, à
Página
contraposição dialógica como centro. Tudo é meio, o diálogo é o fim. Uma só voz nada termina e nada resolve.
Duas vozes são o mínimo de vida, o mínimo de existência”.
para o verão de 2018 uma unidade maior entre as pessoas, sair da mesmice é o lema
Página
254
não sai de saia curta”. Essa relação de implicação dos elementos verbo-visuais na
composição da peça publicitária possibilita uma leitura macro, revelando assim, a
Página
6 CONCLUSÃO
257
REFERÊNCIAS
CASADO ALVES, M. P. O cronotopo da sala de aula e os gêneros discursivos. In: Signótica, Gôiania,
v. 24, n. 2, p. 305-322, jul/dez, 2012. Disponível em:
Página
259
Página
RESUMO
O
artigo em questão apresenta resultados parciais referentes à pesquisa de
Iniciação Científica (IC) intitulada “Educação na Cidade e Humanidades: o
que dizem os pesquisadores da área nas entrevistas realizadas pelas
coordenadoras do Gepech”. A IC, iniciada em 2017, faz parte das investigações
86 Pesquisa de Iniciação Científica financiada pelo Instituto Federal do Espírito Santo por meio de concessão de
bolsa para a licencianda em Letras Mariana Dionizio dos Santos.
87 Graduanda em Letras Português pelo Instituto Federal do Espírito Santo, campus Vitória. E-mail:
dionizio.mariana@gmail.com
260
88 Doutora em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo. Professora do Instituto Federal
do Espírito Santo, campus Vitória. E-mail: priscilachiste.ufes@gmail.com
89 Doutora em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo. Professora do Instituto Federal do Espírito
Página
[...] na vida, agimos assim, julgando-nos do ponto de vista dos outros, tentando
compreender, levar em conta o que é transcendente à nossa própria consciência:
assim levamos em conta o valor conferido ao nosso aspecto em função da
impressão que ele pode causar em outrem.
90 O Gepech tem como objetivos: 1) discutir relações entre a cidade e a educação a partir de áreas do conhecimento
ligadas às humanidades; 2) planejar, executar e avaliar formações de professores da educação básica que
contribuam com reflexões sobre os espaços da cidade; bem como 3) sistematizar materiais educativos que
Página
91Os gêneros primários se formaram nas condições da comunicação discursiva imediata, já os secundários
surgem nas condições de um convívio cultural mais complexo e relativamente mais desenvolvido e organizado.
Universidade Autônoma do México (UNAM), foi um dos mais importantes filósofos marxistas e o que mais
critica os dogmatismos que tolhem o pensamento transformador.
[...] eu conheci Adolfo Sánchez Vázquez primeiro por um livro94 de ética que vem
do preparatório, quando eu estudava aqui em Guadalajara e [depois] fui ao
México [Cidade do México] estudar filosofia. Então se sabia que muitos
professores eram escritores de livros, [...] era muito importante que seu professor
tivesse escrito livros. Antes, escrever livros era talvez mais difícil que agora,
então quando eu sei que vou estudar com Adolfo Sánchez Vázquez na
Universidade Nacional Autônoma do México (Unam), logo me veio muita
emoção, porque ele era o professor. Eu o conhecia através do livro de ética,
particularmente, um livro que tínhamos que estudar e repetir toda vez que nos
ensinavam no preparatório (OLIVARES, 2017, tradução livre).
[...] ele nos questionava muito sobre o que nós pensávamos e nos levava a buscar
sempre o porquê. Porque pensávamos dessa maneira e, sobretudo, se isso que
nós pensávamos podia ser de outra forma. Então nos questionava sobre a nossa
comunidade intelectual, nos questionava sobre a nossa postura, [porque
pensávamos de determinado modo] e também nos questionava muito sobre os
indivíduos. Agora recordo algo que ele dizia: “O comportamento dos indivíduos
é moral? Esses comportamentos estão moralmente obrigados a incidir na
mudança da sociedade?” E nos levou a questionar, a debater se sim ou se não. O
grupo de alunos [...] depois de várias reflexões, chegou à conclusão de que era
uma obrigação moral do indivíduo atuar em função da sociedade para
transformar o que então se conhecia como estruturas econômicas, sociais de
opressão e de dominação. [...] Em síntese, o indivíduo está moralmente obrigado
a se colocar em frente a essas estruturas de dominação e opressão humana
(OLIVARES, 2017, tradução livre).
264
95 Dialogia é a atividade dinâmica entre EU e Outro em um território preciso socialmente organizado em interação
linguística.
96 Movimento filosófico contemporâneo, também conhecido como fisicalismo, empirismo lógico e positivismo
lógico e, característico do Círculo de Viena. Fisicalismo, sua idéia central é que a linguagem da física constitui um
paradigma de todas as ciências, naturais e humanas (dentre as últimas sobretudo a psicologia), estabelecendo a
possibilidade de se chegar a uma ciência unificada.
97 Karl Marx foi um filósofo, economista e político socialista alemão, passou a maior parte da vida exilado em
Londres. Doutorou-se em 1841 pela Universidade de Berlim, com uma tese sobre Epicuro. Foi ligado à esquerda
hegeliana e ao materialismo de Feuerbach. Em 1844 conheceu Friederich Engels e escreveram vários textos juntos.
Marx desenvolveu uma ideia de comunismo ligada à sua concepção da história e a uma resoluta intervenção na
265
morte provocou uma onda de protestos em todo o mundo e pressões internacionais por reformas em
El Salvador.
AS FRONTEIRAS ENTRE AS CLASSES SOCIAIS NA SOCIEDADE NEOLIBERAL – FRONTEIRAS ENTRE
ESTRUTURA, INFRAESTRUTURA E SUPERESTRUTURA NO CRONOTOPO CONTEMPORÂNEO: ARMAS
PARA ABRIR FRONTEIRAS ENTRE AS IDEOLOGIAS DOMINANTES E AS CONTRA-IDEOLOGIAS
materialismo-dialético dentro de sua raiz com Marx. Eu não sou marxista, mas
comungo e entendo. Eu não me declararia marxista. Mas Marx [...] muito me
ensinou [a partir das aulas que ministrei sobre o assunto]. Creio sim, que Marx
vai voltar e as categorias serão utilizadas normalmente, suas categorias para
entender as estruturas que estão ligadas. [...] O capitalismo é muito funcional,
muito funcionalista, mas não se entende do funcionalismo nas condições
contraditórias que vive a sociedade hoje. Você tem que pensar em viver em
estruturas, ensina funções. Porém, a função é produto das estruturas para que a
sociedade funcione dessa maneira, e que ideologicamente a assumamos. Assim
são as coisas, e creio que a luta ideológica, há de fazer [mudanças] nessas
estruturas, [pela via] do conhecimento e da interpretação das estruturas sociais,
políticas, econômicas (OLIVARES, 2017, tradução livre).
Não é possível negar a reflexão ao ser humano. [...] [É necessário] fazer mais pela
sociedade e, nesse sentido, o materialismo histórico pode nos ajudar a entender
Página
Jean Paul Sartre inclusive [diz que o] marxismo e o humanismo são indissolúveis,
pois a visão de Marx é humanista. [...] Há um autor, Pierre T. Chardin, jesuíta
francês, proibido por lei [de ser lido] porque sendo um sacerdote, era acusado de
ser “científico” [pois pensava para além de questões somente religiosas]. Ele
tinha claro que o ser humano era produto da evolução e com a evolução o
homem ascende. Não é somente criado por Deus, que seria descer, se não uma
ascensão. Essa perspectiva do ser humano como ascensão, como a perfeição é
uma visão possivelmente [com aproximações ao marxismo]. Não é o espírito que
desce ao ser humano, é o ser humano que sobe a esta espiritualização. Com o
exemplo de Chardin [...] concluo que [existe] o humanismo existencialista, tipo
Jean Paul Sartre ou Gabriel Marcel e um humanismo marxista (OLIVARES, 2017,
tradução livre).
Nesse trecho da entrevista, Olivares (2017) abre diálogos com outros autores,
como Chardin, Sartre e Marcel evidenciando a importância da formação humana
crítica que pode ocorrer mediada por diferentes teorias, entre elas o marxismo e o
existencialismo99.
Considerando esses dados, bem como outros apresentados no decorrer deste artigo,
coloca-se em relevo o caráter polifônico e dialógico do discurso de Olivares (2017). É
polifônico porque é inacabado e caracteriza-se por vozes de outros (autores
99Conjunto de filosofias ou de correntes filosóficas cuja marca comum são os instrumentos que utilizam: a análise
267
da existência. Buscam entender a existência como o modo de ser próprio do homem enquanto é um modo de ser
no mundo, em determinada situação, analisável em termos de possibilidade. A análise existencial é a análise das
situações mais comuns ou fundamentais em que o homem encontra-se. Nessas situações o homem nunca é e
Página
REFERÊNCIAS
BAKHTIN. M. Estética da criação verbal. [tradução feita a partir do francês por Maria Emsantina
Galvão G. Pereira revisão da tradução Marina Appenzellerl. — 2’ cd. — São Paulo Martins Fontes,
1997.— (Coleção Ensino Superior)
BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico
na ciência da linguagem. São Paulo: Editora Hucitec, 2004.
CANEVACCI, M. A cidade polifônica: ensaio sobre a antropologia da comunicação urbana. São
Paulo: Studio Nobel, 2004.
FILOSOFIA, Só. Dicionário de filosofia. Disponível em: <
http://www.filosofia.com.br/vi_dic.php?pg=9&palvr=E>. Acesso em: 14 set. 2018.
FREITAS, M. T. A. A abordagem Sócio-Histórica como Orientadora da Pesquisa Qualitativa.
Caderno de Pesquisa. n. 116, p. 21-39, 2002.
HILTON, J. MARCONDES, D. Dicionário básico de Filosofia. Ed. Jorge Zahar. Rio de Janeiro, 2008
GEGe - Grupo de Estudos dos Gêneros Discursivos, Palavras e contrapalavras: Glossariando
conceitos, categorias e noções de Bakhtin. São Carlos: Pedro & João Editores, 2013.
HARVEY, David. Cidades Rebeldes. São Paulo: Martins Fontes, 2014.
KOSIK, Karel. Dialética do concreto. Trad. NEVES, Célia; TORÍBIO, Alderico. 2. ed. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 2011.
LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Moraes, 1991.
MONASTA, A. Antonio Gramsci / Atillio Monasta; tradução: Paolo Nosella. – Recife: Fundação
Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010. Disponível em:
<http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me4660.pdf>. Acesso em: 01 Ago. 2018.
OLIVARES, G.C.. Entrevista sobre os estudos de Olivares com Vázquez e suas relações com o
materialismo histórco dialético [08 de fevereiro de 2017]. Entrevistadores: Dilza Côco e Priscila de
Souza Chisté Leite. Guadalajara, México, 2017. 1 arquivos em vídeo (38 min). Entrevista concedida ao
268
269
Página
RESUMO
INTRODUÇÃO
A
franquia de enunciados fílmicos Meu Malvado Favorito (2010, 2013, 2015 e
2017)102 é, hoje, uma febre amarela. Podemos encontrar os minions nas mais
diferentes esferas da sociedade, principalmente voltadas à comercialização,
como em supermercados, lojas de vestimenta e calçados, alimentos, brinquedos etc.
Contudo, os minions também ganharam espaço no cenário político, principalmente
em páginas do Facebook, em referência a um perfil de sujeitos que apoiam e estão
100 Pesquisa apoiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP/CAPES Processo nº
2017/26629-3.
101 Graduada em Letras pela UNESP – Faculdade de Ciências e Letras de Assis. Aluna de Mestrado pelo Programa
que a história desta obra antecede às das obras anteriores, mostrando situações que aconteceram antes
da obra original (no sentido de primeira).
AS FRONTEIRAS ENTRE AS CLASSES SOCIAIS NA SOCIEDADE NEOLIBERAL – FRONTEIRAS ENTRE
ESTRUTURA, INFRAESTRUTURA E SUPERESTRUTURA NO CRONOTOPO CONTEMPORÂNEO: ARMAS
PARA ABRIR FRONTEIRAS ENTRE AS IDEOLOGIAS DOMINANTES E AS CONTRA-IDEOLOGIAS
alinhados com o pensamento de um candidato político. Sendo assim, o nosso
objetivo é compreender, a partir da análise dos enunciados fílmicos, como essa
associação ocorre. Ou seja, traçando um perfil de quem são os minions (nos
enunciados fílmicos) nos é possível vislumbrar características que os aproximam a
um determinado perfil de eleitorado por meio do termo “bolsominions”.
Para essas reflexões, nos embasamos na filosofia da linguagem do Círculo, por
pensarmos que essa teoria nos possibilita dialogar com a realidade a partir de
enunciados estéticos, não os compreendendo de maneira estanque e isolada, mas por
meio do método dialético-dialógico (PAULA et al, 2011), pensando a dialética
marxista e o diálogo do Círculo – manifestado pela linguagem e sem qualquer
proposta de superação. Assim, o método-dialético é visto não como um fim absoluto,
porém como o diálogo que surge entre enunciados, assim como pontuado por
Bakhtin (2011, p. 296) acerca do enunciado concreto ser um elo na cadeia discursiva.
Dessa forma, pensamos que as reflexões seguem como uma análise do que
são, hoje, os bolsominions na nossa sociedade, pois eles surgiram em um tempo-
espaço específico, com uma referência de eleitorado também específica, o que revela
o contexto não só dos enunciados fílmicos que tratam o conteúdo temático acerca dos
minions, mas também revela o contexto em que o conteúdo temático do termo
“bolsominions” está inserido. Com isso, refletimos sobre a relação da arte e do social,
pensando na pertinência da abordagem dialógica da linguagem para a análise de
enunciados verbivocovisuais103, presentes em uma franquia específica, que refletem e
refratam a vida por meio de ressignificações.
103 Pensado nas dimensões da linguagem (verbal, vocal/musical e visual, segundo Paula, em desenvolvimento),
que estão presentes potencialmente em um enunciado, ele possui aspectos que o ligam à história, à sociedade e à
cultura, revelando as vozes sociais dos sujeitos que estão envolvidos nessa interação dialógica, uma vez que o
271
discurso pode se realizar por meio de elementos verbais, vocais/sonoros e visuais em uma unidade enunciativa
que os significa como um todo, não de maneira isolada. Portanto, pensamos nos enunciados fílmicos que
compõem a franquia como enunciados verbivocovisuais, uma vez que eles trazem, não só em potência, como em
Página
materialidade, essas dimensões da linguagem e, assim, podemos analisá-las por meio de tópicos frasais (verbal),
trilha sonora, tom e ritmo de fala (vocal/musical), posição da câmera, coloração da cena (visual).
arquiteta os mais diferentes planos para estar no topo da sociedade dos vilões – não
sem a mão de obra massiva dos minions. Ele é tido, assim como os minions, em um
Página
grupo social que antecipa quais são as suas motivações de vida: a da vilania – e, com
104 Fotogramas disponíveis em Minions (2015), 00:02:19, 00:03:58, 00:04:29 e 00:04:58, respectivamente
ideologia que, para Marx, calca-se nas relações (econômicas, políticas, culturais,
13/09/18.
<https://www.facebook.com/bolsominion1/?ref=br_rs>, <https://www.facebook.com/Todo-dia-um-bolsominion-
passando-vergonha-1898281883720169/?ref=br_rs>, <https://www.facebook.com/bolsominions.web/?ref=br_rs>,
<https://www.facebook.com/Fal%C3%A1cia-Bolsominion-1691750144442823/?ref=br_rs> e
Página
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dentro da franquia Meu Malvado Favorito (2010, 2013, 2015 e 2017), os sujeitos
minions e Gru se constituem a partir de determinados posições ideológicas que
refletem e refratam condições sociais da existência: servidão, exploração, vilania etc.
Assim, um enunciando estético nos expressa algo existente na vida, reelaborado e
ressignificado por meio da arte, com a sua linguagem própria. A linguagem,
concebida como o lugar de privilégio para visualizar as ideologias, está no mundo
em forma de enunciados repletos de índices de valor, uma vez são sujeitos ativos,
responsivos e responsáveis que a utilizam para se manifestar no mundo em que
vivem. Assim, essa linguagem é considerada viva e em constante evolução, porque
os sujeitos também o são, uma vez que se encontra atrelada a eles. A manifestação da
linguagem ocorre por meio de enunciados que carregam valores envolvidos na
interação que é estabelecida por meio de um diálogo existente entre os sujeitos e os
sujeitos e a vida.
Portanto, em nossas reflexões acerca dos bolsominions, trouxemos,
inicialmente, a própria constituição dos sujeitos minions (em relação de alteridade
com o Gru) para que esse conteúdo fosse compreendido como um enunciado-
resposta, típico de um momento social e histórico específico, que reflete e refrata
diferentes vozes sociais, como as de cunho mais crítico e ácido em termos de humor,
bem como também reflete e refrata uma nova significação que, na sua concepção, não
foi concebida ou prevista, mas que foi apropriada por esse outro grupo. Com isso,
pudemos mostrar, brevemente, como ocorre os embates sociais entre diferentes
grupos, sem que haja, necessariamente, uma superação de vozes, porque o
movimento dialógico não prevê um fim nem esgotamento, mas (re)começos
(res)significados.
REFERÊNCIAS
279
BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011.
Página
280
Página
Este texto apresenta um recorte em nossa reflexão de mestrado (SOUZA, 2017) em que
traballhamos com a construção contraditória do discurso de identidade no contexto do
folclore argentino e no cancioneiro de Soledad Pastorutti. Assim, neste texto refletiremos
sobre como o folclore argentino sempre foi resistência e sobre como produz uma identidade.
As categorias teóricas que levantamos estão relacionadas ao trabalho com a ideologia e a
cultura em interface, partindo da reflexão de M. Bakhtin, buscando diálogos com A. Rama e
L. Wacquant a respeito da relação respectiva entre a cidade letrada e o gueto na consolidação
dos discursos de identidade que sustentam o folclore argentino.
INTRODUÇÃO
E
m nossa reflexão temos encontrado o papel deformador da identidade como
uma tarefa de investigação. Nesse sentido, desenvolvemos uma pesquisa a
respeito do discurso de identidade do cancioneiro de Soledad Pastorutti, que
foi gestado no contexto do folclore da Argentina, por sua vez caracterizado por um
movimento que iniciou e se firmou como resistência. A produção de resistência que o
folclore da argentino gerou, pelo menos, quatro momentos decivisos, como
retomamos nas próximas páginas, de resistência à alteridade. Neste texto recortamos
a resistência sendo produzida pelas correntes populares da canção folclórica
argentina e a estudamos em contexto.
Dessa maneira, em uma primeira seção deste texto revisamos como essa
canção surgiu e se instituiu naquele país; na seção dois trabalhamos propriamente
com o papel da resistência no que se refere às camadas populares da sociedade; na
terceira seção dialogamos com a reflexão de A. Rama sobre a cidade letrada e de L.
Wacquant sobre o gueto e o papel desempenhado por esses dois conceitos na
281
108Doutorando em Linguística pela Universidade Federal de São Carlos. Bolsista Capes, agênecia a que agradeço
a oportunidade de bolsa. E-mail: nathanbastos600@gmail.com
A região em que Buenos Aires está situada em relação ao país de que é capital
causa essa impressão de que sempre esteve, inclusive pela geografia, de costas para o
interior. Essa fatalidade, nos termos de Luna (1986, p. 9), faz com que a metrópole –
às margens do Rio da Prata e do Oceano Atlântico – esteja em maior contato com a
Europa, de onde vieram as formas culturais do velho continente. Em outros termos,
Luna (1986, p. 9) afirma que em qualquer tempo a capital federal esteve sempre mais
interessada nas novidades culturais que o porto trazia de alhures.
O interior, todavia, é muito distinto. Salvo alguns núcleos urbanos em
acelerado processo de industrialização – as capitais provinciais – a maior parte das
cidades interioranas depende economicamente das atividades primárias e possui
população média ou pequena. As províncias, segundo Luna (1986), conservaram em
estado “de relativa pureza la tradición hispano-criolla y frente al litoral europeísta
mantienen una fisionomía más tradicional” (LUNA, 1986, p. 9).
No final do século XIX e começo do seguinte, Buenos Aires foi inundada por
duas ondas migratórias: uma onda migratória de europeus que chegam para
trabalhar na capital e uma segunda onda, advinda do interior do país, que levou o
campesinato pobre, sobretudo do extremo norte do país, em busca de empregos e
uma vida melhor. Em função disso, a população da capital se multiplicou em pouco
mais de quarenta anos em progressão geométrica109.
Esse influxo migratório produziu um choque de culturas: o cidadão da Buenos
Aires de então estava acostumado ao tango, como algo já consolidado. Os povos do
interior chegaram com suas canções, muito pobres tematicamente e muito ligadas a
um elogio à terra e ao homem do campo; os europeus traziam também outras formas
culturais. No encontro, como marca identitária de resistência, a capital,
metonimicamente, passou a se apropriar da canção folclórica porque o tango já não
dava mais conta de conter o avanço da cultura europeia110. É nesse sentido que se
afirma no contexto do estudo do folclore na Argentina que tudo o que provinha do
interior devia ser avaliado e consagrado em Buenos Aires (LUNA, 1986; ARCHETTI,
2003; 2013; BARRERO, 2011; GIORDANI, 2010; 2012; SOUZA, 2017b).
282
Archetti (2003) apresenta outros dados relevantes sobre esse perfil da imigração no país.
109
Página
110Entre 1910 e 1940 o tango foi, senão o único, o produto mais típico da cultura urbana cosmopolita de Buenos
Aires (BARRERO, 2011; SOUZA, 2017a).
111A fisionomia dos norteños e cuyanos (das regiões do norte e do cuyo argentino) é muito característica pelas
Página
descendências indígenas, por isso são chamados de “cabecitas negras”, uma ofensa racista advinda de um lugar
de dizer europeísta.
Surgido de “las provincias”, el fenómeno del Folklore joven agrupaba a una serie
de artistas cuyas competencias centrales eran una capacidad de vender, convocar
y producir en el público una gran efervescencia, competencias que convirtieron a
esos artistas en figuras dominantes del campo (BEAULIEU, 2013, p.3).
(2013, p.3). Em sua maioria, eram cantores advindos de províncias do interior do país, como aqueles que
conformavam o “folclore à moda antiga”, como denominou Souza (2017a) para didatizar a divisão.
Rama (2015) explica a formação das cidades na América Latina com o objetivo
de descrever como sua construção determina – até hoje – as relações de poder nesse
continente. É importante ressaltar que, antes de uma revisão da teoria do autor, os
episódios de sua narrativa se sobrepõem e constituem a cidade atual.
O autor inicia seu traçado desde o período de chegada dos europeus, em que
as construções, à revelia do padrão urbano da Europa medieval/renascentista, foram
totalmente planejadas, de modo que as cidades latinoamericanas demonstram uma
ordem que justifica o poder. Em toda a extensão da América Latina “[…] surgirão
cidades ideais [...] [as quais] Serão regidas por uma razão ordenadora que se revela
em uma ordem social hierárquica transposta para uma ordem distributiva
geométrica” (RAMA, 2015, p.23).
Esse primeiro período é o denominado “cidade ordenada”, já que o modelo
286
que provoca que a ordem social se dê por meio de uma realidade física: a própria
[...] ele faz que seus residentes sejam objetiva e subjetivamente diferentes de
outros residentes urbanos ao submetê-los a condições únicas, de maneira que os
padrões de cognição e conduta sejam compreendidos como singulares, exóticos
ou até aberrantes [...]. Isso só serve para alimentar as crenças preconceituosas já
existentes. (WACQUANT, 2004, p.161).
aproveitava as questões trazidas por essa resistência para alimentar-se. Mas, por
mais que já se tenha passado muito tempo – objetivamente, um século – as diferenças
entre a cultura gestada pela cidade letrada como sua – e vendida pelos almanaques
Página
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No dizer de Arán (2006) não há uma apropriação ingênua dos bens culturais,
assim, cada fato estético – seja a canção, se ja o cancioneiro folclórico como um todo –
reflete e refrata uma realidade. Essa apropriação da cidade letrada do discurso de
identidade que o folclore produzia deforma o projeto de dizer da resistência porque
se apropria reavaliando esse projeto de dizer. Nessa perspectiva, a fórmula que
propusemos acima parece resumir esse papel ambivalente da cidade letrada que ao
mesmo tempo expurga e agrega o discurso do folclore.
O gueto funciona como um parto da cidade letrada, que empurra para as
periferias do poder aqueles que destoam dos dizeres dos donos das letras. Esse
desacordo entre aqueles que se alinham ideologicamente ao projeto de discurso do
folclore e a cidade letrada atesta esse papel ambivalente desempenhado pelo gueto,
na reflexão de Wacquant (2004): reforça a divisão entre o gueto e o exterior e derrete
as diferenças internas, produzindo um sentimento de identidade no grupo.
Portanto, a cidade letrada produz o gueto que justifica a identidade, que por
sua vez produz resistência. O discurso do folclore é o orientado pelas correntes
populares em resistência às mais diversas alteridades que se movimentaram na
Argentina do século XX, mas sua construção é ambivalente, contraditória e bivocal
na medida em que rechaça uma diferença constitutiva. Esse movimento se explica
pelo conceito de pluraria tantum usado por Bakhtin (2011, p. 341) para refletir sobre
o papel fundante da alteridade: “Eu tomo consciência de mim mesmo e me torno eu
mesmo unicamente me revelando para o outo, através do outro e com o auxílio do
outro”.
REFERÊNCIAS
ARÁN, P. O. Cultura. In. ARÁN, P. O. Nuevo diccionario de la teoría de Mijaíl Bajtín. Córdoba:
Ferreyra Editor, 2006.
288
ARCHETTI, E. Literatura popular urbana. El tango argentino. In. PIZARRO, A. América Latina:
palabra, literatura y cultura. Santiago de Chile: Ediciones Universidad Alberto Hurtado, 2013.
Página
289
Página
N
este passeio, permitimo-nos aterrissar e enriquecer nossa contribuição para
o campo de estudos do Turismo colaborando na construção de um
movimento outro, transgrediente, centrado no porvir, que assume como
lugar de discussão a vida e nela encontra a palavra do outro, valoriza a escuta e se
relaciona ativamente com ela. Logo, um movimento que privilegia a relação -
dialógica –de abertura à alteridade que possibilita sugerir vivências contra-
hegemônicas e concepções outras sobre nossos objetos de estudo e práticas que
envolvem o Turismo enquanto campo do saber.
Esse movimento que escolhemos desenvolver aqui se apoiará especialmente
das contribuições de Geraldi (2010, 2014), de Ponzio (2010, 2012, 2014) e de Petrilli
(2013), que se fundamentam nas reflexões bakhtinianas para sustentar suas
proposições, para sublinharmos, nesse diálogo provocado e circulado por nós no
Turismo, a exigência da construção de um humanismo da alteridade – nas práticas
turísticas - enquanto humanismo focado no direito à alteridade - no tempo de
alteridade - que não pode ser descartada, mas sim, valorizada.
Nesse sentido, o passeio versará sobre uma breve reflexão teórica sobre esse
movimento inverso, subversivo, de nova razão dialógica, que Bakhtin nos propõe de
nos direcionarmos para nova postura de produção relacional nos estudos turísticos,
invertendo o pólo constituidor do sujeito e objeto turístico, do tempo de identidade –
da “máscara da distinção”, dos “nichos de mercado” (GERALDI, 2010, p.152) - para o
tempo de alteridade – do reconhecimento do outro, da não-indiferença, da
infuncionalidade - alargando os sentidos para todas as direções. Uma luta para trocar
a entrada pela identidade e iniciar a entrada pela alteridade. Essa mudança é
290
114 Doutora em Ciência, Tecnologia e Sociedade pela UFSCar. Docente da Universidade Federal de Mato Grosso
do Sul – campus Aquidauana. E-mail: patricia.zaczuk@ufms.br
Página
115 Doutor em Linguística pela Unicamp. Docente Aposentado da Universidade Federal de São Carlos. E-mail:
miotello@terra.com.br
Como tudo muda, como tudo se desloca, nada deve surpreender e tudo deve ser
tributado ao progresso, ao desenvolvimento, naturalizando esta crescente
necessidade do novo. Paradoxalmente, o novo é o que não existia, mas é o que
era já esperado. O flâneur não precisa das galerias para se deixar olhar e para
olhar. É-se flâneur em qualquer parte: desfila-se virtualmente por toda a parte,
sempre sem se surpreender com nada porque toda novidade, tecnológica ou não,
já estava na ordem do dia, estava por acontecer, viria não se sabia a hora e se
faria obsoleta sem qualquer aviso prévio. E o olhar dirigido para todos os lados
deve ser móvel, rápido, fragmentário. Quase turista (GERALDI, 2010, p.149).
116 Vale ressaltar que nossa postura aqui em relação as novas tecnologias não se refere a sua acessibilidade,
manuseio e no exercício da expressão, mas problematizar como está sendo sua produção ao provocar uma
Página
alteração nas relações do mundo do trabalho (tornando a sociedade mais consumista) e no preparo para este
mundo.
que único não significa um, não é quanto ao número, é quanto à relação! Única é a
AS FRONTEIRAS ENTRE AS CLASSES SOCIAIS NA SOCIEDADE NEOLIBERAL – FRONTEIRAS ENTRE
ESTRUTURA, INFRAESTRUTURA E SUPERESTRUTURA NO CRONOTOPO CONTEMPORÂNEO: ARMAS
PARA ABRIR FRONTEIRAS ENTRE AS IDEOLOGIAS DOMINANTES E AS CONTRA-IDEOLOGIAS
relação. Cada um de nós só é único na relação com o outro. É essa relação que
determina a singularidade, por conseguinte, repleta de contrapalavras. O olhar do
sujeito, sua experiência precisa ser exotópica, que implica um movimento na direção
do outro, da outra cultura, de modo que o sujeito possa enxergar sua vida, suas ações
e cultura pelos olhos do outro, como também um retorno para si mesmo, de olhar
sua própria vida, cultura de sua perspectiva, já embebida pela perspectiva do outro.
Temos que entender que uma identidade não é dada e fixada desde sempre e
para sempre. A identidade só é possível se assumir seu caráter volitivo. “Ela é
produto histórico e como tal resulta também de volições nem sempre as mesmas
dentro de um grupo” (GERALDI, 2010 p.161). E ainda que histórica e resultante de
interpelações, não perde seu caráter volitivo. O convívio contínuo e o embate entre
posturas distintas é que vai estabelecendo modos outros de se constituir enquanto
grupo, enquanto ser. O aspecto volitivo da construção de identidades é uma
aprendizagem, um abrir-se para aprender com o outro. Construção respeitosa,
dialógica e que resulta na efetiva diferença. Construção de um novo humanismo.
Essa é a provocação de Bakhtin e que temos insistido para todas as questões:
inverter o eixo de pensar as relações. Evitar o olhar exclusivo para o “eu” como
também a sua renúncia gratuita pelo olhar do “outro”, o que caracterizaria uma
compreensão unilateral, que nada acrescentaria de substancial na relação. O embate
de olhares é a medida que enriquece o ser, sua cultura, seu tempo. Embate que
provoca a alteração é a medida da diferença, do que é substancial para a experiência
turística e vivência do ser sujeito.
A monologia da identidade sendo substituída pela dialogia da alteridade. A
polifonia substituindo a síntese e o eu deixa de ser individual para existir como
eu/outro. A irrupção do outro na esfera do eu proporciona-lhe a possibilidade de
crescer, em vez de permanecer estático, a possibilidade de contradizer-se e de viver
em seus horizontes de possibilidades e de apagar suas fronteiras para converter-se
em um eu que vive de suas relações, um eu no que ressoam as vozes e as
valorizações éticas do outro.
Na luta contra o encaixotamento da identidade, contra a funcionalidade, a
reificação, o consumismo do outro como objeto, a estabilização plena, abre-se a porta
da alteridade, da infuncionalidade, abrindo tempo para o outro como constitutivo,
tempo de escuta, tempo de ser-com-o-outro. Este é o tempo de alteridade. O tempo
de alteridade é o tempo da escuta, uma escuta no sentido de saber compreender e
responder, mas sobretudo, no sentido de dar tempo ao outro, o outro de si e o outro
por si. O tempo da refração como caminho da realidade social. Conviver com a
diferença passa a ser um enriquecimento das formas de experiência e compreensão
do mundo e da vida.
A escuta requer a palavra outra. Na comunicação global, trata-se de
294
mencionar, conforme Ponzio (2010), o “ouvir em geral”, que insiste em não ser escuta
da palavra outra, apesar do envolvimento do destino de cada um no destino de
todos, não apenas de todos os seres humanos, mas de todos os seres viventes sobre
Página
este planeta. De acordo com o autor, o “ouvir em geral” tem a ver com o sentido das
AS FRONTEIRAS ENTRE AS CLASSES SOCIAIS NA SOCIEDADE NEOLIBERAL – FRONTEIRAS ENTRE
ESTRUTURA, INFRAESTRUTURA E SUPERESTRUTURA NO CRONOTOPO CONTEMPORÂNEO: ARMAS
PARA ABRIR FRONTEIRAS ENTRE AS IDEOLOGIAS DOMINANTES E AS CONTRA-IDEOLOGIAS
mensagens – das mercadorias-mensagens e das mensagens-mercadorias – muito
mais do que com a escuta da palavra outra. O “ouvir em geral” não presta atenção
aos sintomas de uma situação cada vez mais insustentável e invisível que é a ação
humana e suas múltiplas poluições cotidianas. A sociedade do ouvir reflete uma
estrutura de sociedade caracterizada pelo silêncio. “O silêncio é o instrumento dos
meios de comunicação em massa; monologismo; forças centrípetas sociais; retira da
palavra o seu caráter humano”(PONZIO, 2010, p.67).
Tudo isso gera o que Ponzio (2010) classifica como a busca paroxística da
identidade, como a negação cada vez mais do outro, do outro por/fora si e do outro
de si, do qual a afirmação da identidade requer o sacrifício. Negação da alteridade,
como diferença-indiferente, o que prejudica a escuta e o encontro com a palavra
outra, tanto na relação do eu consigo mesmo, quanto naquela do eu com o outro.
A escuta é uma atitude especificamente humana. Diferentemente do ouvir,
ligado à percepção do som e dos fonemas, a escuta é diálogo substancial como não
indiferença ao outro, como vivência. A escuta ocupa-se das palavras outras, como
enunciação viva em seu caráter dialógico. Nesse contexto, o ato de considerar outra
palavra, feita de diálogo, de escuta, de acolhida, de dar tempo ao outro, no encontro
com uma palavra outra, livre, fora dos lugares comuns, fora da ordem oficial do
discurso, resulta na “sinestesia – dar uma cor aos sons” (PONZIO, 2010, p.135). A
sinestesia é a escuta da palavra outra, escuta que responde a outra palavra fazendo-
se palavra outra. E como tal, Ponzio (2010) também ressalta que essa sinestesia é
também intercorpórea, como escutar o prazer do prazer do outro, o medo do medo
do outro, o sofrimento do sofrimento do outro.
A escuta é diálogo substancial e está sempre presente tanto na vivência
quanto no encontro de palavras em relação ao outro. Nas relações de interações entre
sujeitos e objetos, em uma prática turística existe a palavra que escuta e a que fala na
concreta situação real de interação. No entanto, a mais importante é a que escuta,
pois considera o encontro de singularidades, possibilitando chegar ao lugar do “eu
outro”, ou seja, lugar em que o outro compreende, alternando e completando-se
reciprocamente, essa compreensão está ligada à identidade de sentidos, que nunca é
total e fixa, mas volitiva, concretiza-se em possibilidades de atitudes responsivas que
podem ser de compreensão ou incompreensão de um momento único das relações.
Outra dimensão que Ponzio (2010) discute sobre o tempo de alteridade em
relação à concepção de mundo e à ordem do discurso é delineado no direito à
infuncionalidade das capacidades humanas como o valer por si, como fim em si
mesmo. O que ele quer nos dizer é que o homem deve ser considerado pela sua
infuncionalidade e não pela sua funcionalidade. “O homem é um animal que
trabalha e que tem a capacidade de excedência” (PONZIO, 2010, p.142). Ele não se
satisfaz por fazer apenas o que “deve fazer” funcionalmente. O homem precisa do
295
tempo disponível, diferentemente de tempo livre, para criar novos universos através
das artes em geral, pois sua infuncionalidade é indispensável na constituição de seu
caráter subversivo diante da realidade concreta do mundo da vida.
Página
117Imensos deslocamentos de pessoas à procura de um espaço de vida por causa da impossibilidade de se viver
seja pela necessidade de escapar de guerras e batalhas locais, da miséria, da violência e perseguição, entre outros,
Página
meio”. Esse ser considerado fim, esse ser considerado valor (não “recurso humano”),
esse ser considerado como tendo um sentido por si só, esse é o ponto central. O
direito à infuncionalidade da vida.
Página
REFERÊNCIAS
GERALDI, J.W. Ancoragens – estudos bakhtinianos. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010.
___________. Direito à fala na sociedade das competências. In: Grupo de Estudos dos Gêneros do
Discurso (Gege- UFSCar). Conversa com os mitos. São Carlos: Pedro & João Editores, 2014.
MIOTELLO, V. Algumas anotações para pensar a questão do método em Bakhtin. In: Grupo de
Estudos dos Gêneros do Discurso (Gege- UFSCar). Palavras e Contrapalavras: enfrentando questões
da metodologia Bakhtiniana. Caderno de estudos IV para iniciantes. São Carlos: Pedro & João
Editores, 2012.
PETRILLI, S. Em outro lugar e de outro modo: Filosofia da linguagem, crítica literária e teoria da
tradução em, em torno e a partir de Bakhtin. São Carlos: Pedro & João Editores, 2013.
298
PONZIO, A. Identidade e mercado de trabalho: dois dispositivos de uma mesma armadilha mortal.
Trad. CERUTTI-RIZZATTI, M. E. e BRAZZAROLA, G. In: MIOTELLO, V. e MOURA, M.I. A
Página
alteridade como lugar da incompletude. São Carlos: Pedro & João Editores, 2014.
299
Página
RESUMO
A série The Handmaid’s Tale apresenta uma realidade distópica em que há uma nova
organização de sociedade: o governo é teocrático, autoritário e agressivo. As mulheres são
divididas em grupos e assumem funções específicas. O grupo protagonista é o das aias,
“úteros de duas pernas”. Esta pesquisa tem como objetivo analisar as diversas vozes sociais
materializadas pelas personagens da série, que ora assumem a ideologia dominante ora uma
ideologia resistente, dentro do jogo ambivalente entre superestrutura e infraestrutura. Nos
fundamentaremos na teoria proposta pelo Círculo de Bakhtin e utilizaremos,
principalmente, os conceitos de sujeito, enunciado, diálogo, superestrutura e infraestrutura,
reflexo e refração, vozes sociais e ideologia.
INTRODUÇÃO
A
série The Handmaid’s Tale (2016) apresenta-nos uma sociedade distópica
situada nos Estados Unidos, agora transformados em República de Gileade.
A nova configuração da sociedade estadunidense surge da baixa taxa de
fertilidade na região, por isso, há a necessidade urgente de aumentar o número de
nascimentos no país. Partindo dessa exigência, os governantes, também conhecidos
como a elite, planejam todo um novo modo de governar: a constituição é substituída
pela bíblia, o sexo, teoricamente, tem o único objetivo de reprodução, homossexuais
são tratados como anormalidades e as mulheres férteis são capturadas e sequestradas
para gerarem filhos para a elite dominante.
Desse modo, vemos que a série busca potencializar o machismo existente na
sociedade contemporânea. Quando olhamos para a realidade, percebemos que a
desigualdade de gênero ainda assume formas e proporções assustadoras. Junto a
isso, há uma onda conservadora que vem se alastrando mundo afora, o que faz com
que a mídia, os líderes políticos, os líderes religiosos e muitos outros se sintam mais
seguros para disseminar os seus discursos reacionários.
300
patriciatersariol@gmail.com
novo governo, ou seja, foi conivente com o discurso patriarcal e aceitou que todas as
mulheres, inclusive ela, não pudessem mais ler um livro ou ter alguma atuação
social, portanto, ela também é oprimida dentro desse sistema. Porém, por pertencer à
Página
Deus.
Além disso, as aias só podem falar sobre o clima com as outras aias, o que
Página
participar, o que faz com que uma aia que estava afetada psicologicamente comece a
AS FRONTEIRAS ENTRE AS CLASSES SOCIAIS NA SOCIEDADE NEOLIBERAL – FRONTEIRAS ENTRE
ESTRUTURA, INFRAESTRUTURA E SUPERESTRUTURA NO CRONOTOPO CONTEMPORÂNEO: ARMAS
PARA ABRIR FRONTEIRAS ENTRE AS IDEOLOGIAS DOMINANTES E AS CONTRA-IDEOLOGIAS
chorar e reclamar. Tia Lydia, então, diz a ela que “Ás vezes precisamos fazer o que é
melhor para todo mundo, não o que é justo”.
Mesmo ela sendo uma peça essencial para manter a ordem hegemônica e que
cumpre o seu trabalho com excelência e sem hesitar, em alguns momentos, ela
demonstra que sabe que a sociedade está funcionando de modo injusto, adotando
posturas incabíveis, e, ainda, sabe que o “melhor para todo mundo” é somente o
melhor para os governantes e seus interesses, ou seja, é fato que a sociedade possui
fronteiras entre os diferentes grupos e um deles sempre será privilegiado, mesmo
que outras pessoas sofram por conta disso, mas como a Tia também é um sujeito
controlado, cumpre o seu ofício de carrasco.
As Marthas, por fim, são as encarregadas dos serviços domésticos das casas
das esposas e comandantes. O serviço doméstico poderia facilmente ser realizado
pelas esposas, que têm o dia todo livre, pois, não podem estudar ou trabalhar. Porém,
nessa configuração de sociedade que tem uma elite muito bem definida, é
inconcebível que as esposas realizem os trabalhos “sujos”. Por isso, há a necessidade
da Martha.
Assim, vemos que há fronteiras bem delimitadas entre os diferentes grupos
sociais das mulheres, em que cada uma é obrigada a cumprir uma função específica
para manter o sistema elitista e patriarcal em bom funcionamento.
muito contrária àquele novo sistema. Dona de alguns monólogos, Offred nunca se
dado contexto social, histórico e cultural, pode assumir enunciados que oscilam entre
AS FRONTEIRAS ENTRE AS CLASSES SOCIAIS NA SOCIEDADE NEOLIBERAL – FRONTEIRAS ENTRE
ESTRUTURA, INFRAESTRUTURA E SUPERESTRUTURA NO CRONOTOPO CONTEMPORÂNEO: ARMAS
PARA ABRIR FRONTEIRAS ENTRE AS IDEOLOGIAS DOMINANTES E AS CONTRA-IDEOLOGIAS
as mais diversas vozes sociais, que são as perspectivas, pontos de vista, visões de
mundo, servindo a mais de um interesse, ou, até mesmo, interesses contraditórios.
Desse modo, podemos entender os enunciados das personagens constituídos a
partir de determinadas vozes sociais que assumem forças centrípetas ou centrífugas.
De acordo com Bakhtin, “ao lado das forças centrípetas caminha o trabalho contínuo
das forças centrífugas da língua, ao lado da centralização verbo-ideológica e da união
caminham ininterruptos os processos de descentralização e desunificação”
(BAKHTIN, 1988, p. 82). Portanto, as forças centrípetas são aquelas que buscam a
unificação ideológica de determinado contexto social pela linguagem. São aqueles
discursos que querem uma sociedade homogênea, estável, ou seja, há o objetivo de
manter a ideologia hegemônica como a dominante. Esse discurso parte daqueles que
são privilegiados pelo sistema e, por meio da linguagem, que é ideológica, penetram
nos indivíduos que constituem a base econômica. As forças centrífugas, entretanto,
visam o movimento contrário: elas buscam descentralizar o discurso, atuam contra o
discurso dominante e, geralmente, partem dos indivíduos que pertencem à base
econômica.
Assim, podemos observar esses dois movimentos quando definimos as vozes
sociais de cada personagem do grupo de mulheres: elas possuem vozes sociais que
ora centralizam ora descentralizam o discurso, mostrando esse movimento de
imposição de uma ideologia nefasta e o surgimento de ideais que buscam resistir o
discurso dominante. Os dois movimentos não acontecem separados, mas “o discurso
penetra neste meio dialogicamente perturbado e tenso de discursos de outrem”
(BAKHTIN, 1988, p. 86).
Por isso, analisar o discurso de modo dialógico é tão importante. Podemos
perceber as contradições entre os enunciados de um mesmo sujeito ou entre sujeitos
diferentes, examinar de onde vêm as ideologias defendidas por eles, analisar quais
interesses estão por trás de tal discurso e, desse modo, nos tornarmos mais
conscientes em relação à linguagem: um enunciado não é somente estrutura, ele é
ideológico, socialmente construído e o sujeito é responsável por aquilo que defende e
faz. A análise das personagens da série é um instrumento que nos leva a refletir sobre
os conceitos bakhtinianos, não só na indústria do entretenimento, mas na vida.
embate de vozes.
O que acontece na República de Gileade é a mesma coisa: havia um discurso
religioso antigo utilizado no período medieval para perseguir as mulheres. Agora, ele
Página
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Podemos concluir que a série The Handmaid’s Tale parte de situações concretas
da nossa realidade contemporânea para se constituir como uma obra artística. A
série, a princípio, muito assustadora, possui uma ficção que não apresenta nenhuma
309
realidade surreal, mas uma realidade que foi construída a partir de um terreno fértil:
a misoginia, sempre presente nas sociedades desde os tempos mais antigos.
Percebemos também que a série reflete e refrata a vida quando vemos que as
Página
Segundo Bakhtin a vida dos seres humanos (que não têm álibi na existência)
define-se como uma sequência de atos éticos, responsáveis e responsivos que tem
início com o evento uni-ocorrente (fundador e irrepetível) da irrupção de seu ser,
de sua vinda ao mundo, e só se interrompe com a morte, outro evento uni-
ocorrente em cada vida individual (SOBRAL, 2005, p. 111).
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
BAKHTIN, Mikhail. Questões de Literatura e de Estética. São Paulo: Hucitec, 1988.
MEDVIÉDEV, Pável Nikoláievitch. O Método Formal nos Estudos Literários. São Paulo: Contexto,
2012.
MELO, José Radamés Benevides. Vozes sociais em construção: dialogismo, bivocalidade polêmica e autoria no
diálogo entre Diário do hospício, O cemitério dos vivos, de Lima Barreto, outros enunciados e outras vozes. 2017.
455f. Tese (Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa) Faculdade de Ciências e Letras.
UNESPCAr. Araraquara, 2017.
VOLOCHINOV/BAKHTIN. Discurso na vida e discurso na arte. s/d. Mimeo
VOLÓCHINOV, Valentin. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: 34, 2017.
310
SOBRAL, Adail. “Ético e estético”. In.: BRAIT, B. Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2005.
Página
INTRODUÇÃO
A
s Paradas do Orgulho LGBT121 são manifestações pacíficas geralmente
organizadas por ONGs, coletivos e militantes autônomos com o objetivo de
reivindicar pelos direitos de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e
transgêneros. São, portanto, nesse sentido, instrumentos políticos de movimentos
sociais. Além disso, tornam massiva a visibilidade do grupo, e constituem um espaço
119 Este capítulo é produto de parte de nossas pesquisas realizadas durante o curso de Doutorado em Estudos
Linguísticos da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), sob a orientação do Prof. Dr. Luciano Novaes
Vidon.
120 Aluno do Doutorado em Estudos Linguísticos da UFES (linha de pesquisa: Estudos do Texto e do Discurso),
311
professor efetivo do Instituto Federal do Espírito Santo, membro do Grupo de Estudos Bakhtinianos
(GEBAKH/UFES). Contato: rafaelsmferreira@hotmail.com.
121 Também conhecidas como “Paradas do Orgulho Gay” ou simplesmente “Parada Gay”. As letras da sigla
Página
representam os grupos que compõem a comunidade, a saber: lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, transgêneros
e travestis, respectivamente.
124 A síndrome trouxe de novo um estigma para a comunidade, agora vista como portadora e transmissora de
Fonte: IN MAGAZINE
chamada de Christopher Street Liberation Day (Figura 1), virou tradição e é reconhecida
como a primeira Parada do Orgulho LGBT da história.
A ideologia do cotidiano é o meio ambiente que, por ser composto das mais
variadas atuações discursivas, abarca multilateralmente todas as formas e aspectos
da criação ideológica, é a ligação direta entre uma formação político-social e uma
ideologia no sentido restrito:
Os dados referentes aos participantes foram coletados no site da própria associação organizadora do evento, a
126
Na época, os movimentos sociais por direitos humanos não adotavam uma sigla comum para representar a
127
Página
diversidade, isso explica o porquê de o grupo organizador denominar o evento de “Parada do Orgulho GLT”,
referindo-se apenas aos gays, lésbicas e travestis.
133 Como mostra a reportagem “São Paulo tem a maior Parada Gay do Mundo” do jornal Folha de São Paulo: <
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u44973.shtml > Acesso em 28/04/18.
319
134 A partir desta edição, os organizadores passam a focar, em seu material principal de divulgação, não apenas a
Parada em si, mas todos os eventos promovidos. Por esse motivo, passam a destacar o “Mês do Orgulho GLBT de
São Paulo”. Dado nosso recorte, continuaremos a tratar especificamente da Parada, mas nem por isso
Página
desconsideramos que essa faz parte do universo composto por outras práticas com as quais dialoga.
135 <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u51010.shtml>. Acesso em 26/04/18
AS FRONTEIRAS ENTRE AS CLASSES SOCIAIS NA SOCIEDADE NEOLIBERAL – FRONTEIRAS ENTRE
ESTRUTURA, INFRAESTRUTURA E SUPERESTRUTURA NO CRONOTOPO CONTEMPORÂNEO: ARMAS
PARA ABRIR FRONTEIRAS ENTRE AS IDEOLOGIAS DOMINANTES E AS CONTRA-IDEOLOGIAS
(representada pelo grupo Católicas Pelo Direito de Decidir), e a afrodescendente (pelo
movimento da Rede Afro GLBT). O evento serviu para aproximar esses três segmentos
na luta contra o preconceito e a intolerância, a favor de um mundo mais justo e livre
de ódio.
Como a Parada já havia se consolidado na cidade, essa edição contou com
grandes apoios, financiamentos e parcerias: Caixa Econômica Federal, Petrobrás,
Ministérios da Cultura, do Turismo e do Esporte, Embratur, entre outras empresas
privadas, organizações e coordenadorias. Desde a sua primeira edição em 1997 as
Paradas aumentam o público a cada edição e com isso consequentemente se torna
um dos eventos mais rentáveis para a capital paulista. Nas palavras de Almeida e
Sugiyama (2008, p.01):136
ALMEIDA, F.; SUGIYAMA, M. Diversidade, turismo e a Parada Gay de São Paulo. Trabalho apresentado ao GT 04
136
“Turismo para pessoas especiais” do IV Seminário de Pesquisa em Turismo do MERCOSUL – Caxias do Sul, 7 e 8
Página
distúrbios mentais da CID (Classificação Internacional de Doenças). A decisão reconheceu que a orientação sexual
não pode ser considerada doença, por se tratar de traço da personalidade do indivíduo.
Ao completar 15 anos de Parada, que esse début, esse grito de passagem e essa
transformação sejam para a gente pensar que a maior demanda do movimento,
além da criminalização da homofobia, é garantir os direitos das nossas
companheiras travestis e transexuais, que são a parte mais frágil do movimento.
<https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2012/06/12/publico-da-parada-gay-vira-guerra-de-
numeros.htm>. Acesso em 25/04/18.
142Disponível: <http://noticias.r7.com/sao-paulo/noticias/parada-gay-2012-discute-a-educacao-e-criminalizacao-
para-combate-a-homofobia-20120522.html>. Acesso em 26/07/18.
143Popularmente, a expressão “estar no armário” significa que alguém, apesar de não se reconhecer como
323
heterossexual, oculta sua real orientação sexual para si e/ou para a sociedade. No contexto da Parada, “voltar
para o armário” faz alusão ao desejo que alguns grupos conservadores da sociedade têm de silenciar e
invisibilizar novamente a comunidade LGBT, suas lutas e pautas.
Página
146 <https://catracalivre.com.br/sp/arquivo/gratis/19a-parada-do-orgulho-lgbt-de-sao-paulo-ja-tem-data-marcada/
> Acesso em 26/04/18.
147<https://www.terra.com.br/noticias/brasil/cidades/parada-gay-2015-1-dia-de-festa-para-364-de-opressao-diz-
148 A “Lei da Identidade de Gênero” estabelece o direito à identidade de gênero definida como a vivência interna e
individual do gênero tal como cada pessoa o sente, que pode corresponder ou não com o sexo atribuído após o
nascimento. A proposta obriga o Sistema Único de Saúde (SUS) e os planos de saúde a custear tratamentos
Página
hormonais integrais e cirurgias de mudança de sexo a todos os interessados maiores de 18 anos, aos quais não
será exigido nenhum tipo de diagnóstico, tratamento ou autorização judicial. A proposta também libera a
mudança do prenome para os maiores de 18 anos, sem necessidade de autorização judicial. Da mesma forma,
libera a mudança do sexo nos documentos pessoais, com ou sem cirurgia de mudança de sexo. Os números dos
documentos deverão ser mantidos, e os nomes originais serão omitidos por completo. O projeto de lei pode ser
acessado em:
325
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1059446
149<http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-05/fernando-haddad-inclui-parada-lgbt-no-calendario-
150 <http://paradasp.org.br/estado-laico-e-o-tema-da-21a-parada-do-orgulho-lgbt-de-sao-paulo-que-acontece-dia-
18-de-junho-de-2017-com-presenca-de-anitta-e-daniela-mercury/> Acesso em 26/05/18.
seguinte, quando o nome do casal foi colocado no registro de Theodora. Três anos
AS FRONTEIRAS ENTRE AS CLASSES SOCIAIS NA SOCIEDADE NEOLIBERAL – FRONTEIRAS ENTRE
ESTRUTURA, INFRAESTRUTURA E SUPERESTRUTURA NO CRONOTOPO CONTEMPORÂNEO: ARMAS
PARA ABRIR FRONTEIRAS ENTRE AS IDEOLOGIAS DOMINANTES E AS CONTRA-IDEOLOGIAS
depois, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mudou o formato da certidão de
nascimento do tradicional de “pai e mãe” para “filiação”, o que permite o registro de
crianças por casais homossexuais sem constrangimentos. Em 2015, o STF negou o
pedido do Ministério Público do Paraná para anular a adoção de uma criança com
menos 12 anos por um casal do mesmo sexo, sob a alegação de que eles não teriam
uma união estável. A ação foi determinante para criar jurisprudência permitindo a
adoção por homossexuais em território nacional.
A facilidade para mudança do nome civil e o uso do nome social representou
mais um importante passo do movimento LGBT. No Brasil, só era possível alterar o
nome civil e o gênero no registro de nascimento se houvesse a comprovação de
mudança cirúrgica do sexo biológico. A possibilidade de alterar os documentos sem
a necessidade da cirurgia era uma antiga demanda do movimento LGBT, pois a
intervenção é arriscada e o processo de transição demorado. Entretanto, no dia 1º de
março deste ano, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram que
pessoas trans poderão alterar seus nomes no registro civil sem a necessidade de
realizar a cirurgia de resignação sexual, autorização judicial ou laudo médico. Desde
2016, é permitido o uso do nome social (que não é oficializado na carteira de
identidade) em crachás e formulários por funcionários públicos federais, em
inscrições do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) e por médicos e advogados
ligados ao Conselho Federal de Medicina (CFM) e Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB). Não por acaso – antes, naquele mesmo ano – a Parada reivindicou o fim da
transfobia.
Mais um ponto importante é a eleição de candidatos assumidamente
homossexuais. Em 2006, o estilista Clodovil Hernandez foi eleito deputado federal
por São Paulo, tornando-se o primeiro político assumidamente gay do Brasil. Em
2010 (novamente em 2014), o professor Jean Wyllys (PSOL) ganhou a disputa como
deputado federal pelo Rio de Janeiro e se elegeu defendendo a causa LGBT – postura
diferente de Clodovil. Em 2017, Edgar de Souza (PSDB), prefeito de Lins (SP), se
tornou o primeiro prefeito assumidamente gay casado com outro homem no Brasil.
A edição de 2010 – ano da primeira vitória de Wyllys – da Parada do Orgulho Gay de
SP trouxe, pela primeira vez a importância do voto como arma na luta pelos direitos
dos LGBT.
Ainda que a aprovação da Lei da Identidade de Gênero (foco da edição de 2016)
não seja uma realidade para nós, já é possível (mesmo que com um processo
burocrático muitas vezes desanimador) que pessoas trans façam cirurgias de
resignação sexual e que casais homoafetivos participem dos processos de reprodução
assistida, pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O Sistema oferece a cirurgia de
redesignação sexual de homem para mulher desde 2008 e de mulher para homem
desde 2013. Além dos procedimentos cirúrgicos em si, o SUS também oferece
327
REFERÊNCIAS
152Organizações internacionais como a ONU e a Anistia Internacional adotam a sigla “LGBT” (lésbicas, gays,
330
bissexuais e transexuais). Dentro do movimento propriamente dito, as siglas podem variar (algumas organizações
usam LGBT, outras LGBTT, outras LGBTQ, LGBTI+…). Atualmente, a versão mais completa da sigla é
LGBTPQIA+. Cada uma das suas partes representa: L: Lésbicas; G: Gays; B: Bissexuais; T: Travestis, Transexuais
Página
e Transgêneros; P: Pansexuais; Q: Queer; I: Intersex; A: Assexuais; e +: Sinal utilizado para incluir pessoas que
não se sintam representadas por nenhuma das outras sete letras.
331
Página
RESUMO
Neste artigo, busca-se discutir e analisar as relações que se constituem entre as lutas de
classes e os efeitos de sentidos produzidos no e pelo discurso proveniente desses
embates. O discurso a ser analisado encontra-se presente no acontecimento marcante do
ano de 2018, especificamente, no território brasileiro, a greve dos caminhoneiros. Cabe-
se salientar que o corpus selecionado explicita o embate de classes, visto que vários
grupos de diferentes posições econômicas, políticas, religiosas e ideológicas se
manifestaram, fato este que, em uma perspectiva bakhtiniana, é necessário para que se
investigue a luta de classes sob o ponto de vista da filosofia da linguagem. Tal evento
suscitou perguntas que serão, aqui, discutidas sob o aporte teórico-epistemológico
bakhtiniano em diálogo com os conceitos de infraestrutura e superestrutura de Karl Marx.
O objetivo deste artigo reside na identificação e reflexão sobre os discursos provenientes
dos diversos grupos sociais que se manifestaram durante a greve dos caminhoneiros,
visto que, entende-se que o campo da filosofia da linguagem, especialmente, o campo
bakhtiniano, é responsável por analisar e discutidos temas relacionados ao campo dos
embates de classes que se materializam por meio de signos ideológicos. Deste modo, o
referencial teórico utilizado se baseia nas discussões do Círculo de Bakhtin, em
específico, nas obras de Bakhtin (2014) e de Volóchinov (2017). Dentre os conceitos
selecionados bakhtinianos, encontram-se: refração e signo ideológico; Metodologicamente,
cumpre-se destacar que se adota o procedimento analítico-descritivo para identificar,
refletir e correlacionar os enunciados que compuseram o acontecimento da greve,
principalmente, os enunciados que se contradiziam.
153 O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
- Brasil (Capes) - Código de Financiamento 001
154 Mestrando em Discurso e Representação Social pela Universidade Federal de São João del-Rei. Membro do
332
156 Graduando em Letras (Português/Inglês) pela Universidade Federal de Lavras (UFLA). Membro do Grupo de
E
ste trabalho assume como corpus o evento greve dos caminhoneiros, iniciado em
21 de maio de 2018, no Brasil. Tratam-se de enunciados que se constituíram
antes, durante e depois da greve que, apesar de não assumir bandeiras novas,
se desenrolou de maneira singular e inovadora na história do país. O conjunto de
discursos e embates de classes, materializados nos signos ideológicos, apresentam
não só um material passível de análise, mas também uma análise de cunho ético-
responsável, visto que, o campo da linguagem, especificamente, o campo
bakhtiniano, tem como interesse as relações e os enfrentamentos materializados nos e
pelos signos a partir da interação entre sujeitos.
A relação entre infraestrutura(base) e superestrutura é complexa e deve-se ter
cuidado ao analisá-la, visto que, concepções de linguagem diversas entendem esses
dois conceitos também de modo diverso. O Círculo de Bakhtin, como será discutido
mais a frente, entende a relação entre infraestrutura e superestrutura como
interdependentes, isto é, uma constitui a outra e em um sentido ideológico, uma
refrata e reflete a outra por meio do signo.
De fato, o termo constituição alude a um caráter diferente do termo
determinação, tal detalhamento não é apenas uma questão semântica-axiológica, mas
deve-se à perspectiva de que o constituir implica em um imbricamento e, também,
em relativização do caráter (produto), ou seja, algo que pode acontecer e ser vista de
maneira diferente. Discutiremos tal assunto no decorrer do texto respaldando a
discussão a partir da carta de Engels cedida a Bloch;
Disto isto, o objetivo deste artigo reside na identificação e reflexão sobre os
discursos decorrentes dos diversos grupos sociais que se manifestaram durante a
greve dos caminhoneiros, visto que se entende que o campo da filosofia da
linguagem, especificamente, o campo bakhtiniano, é responsável por analisar e
discutir temas relacionados ao campo dos embates de classes, que se materializam
por meio de signos ideológicos.
Cabe, agora, descrever alguns procedimentos que foram adotados ao longo do
trabalho. Inicialmente, faz-se uma discussão teórica a fim de se refletir sob o campo
teórico-epistemológico bakhtiniano, em específico, os conceitos de refração e signo
ideológico. Juntamente, com essa discussão, busca-se de maneira reflexiva apresentar e
apontar alguns caminhos para o embate entre infraestrutura e superestrutura,
entendendo esses dois componentes como planos interdependentes constitutivos da
sociedade capitalista. Esses procedimentos são fundamentais para que a análise dos
enunciados aconteça de maneira processual, isto é, retomar certo dizeres/conceitos
que já foram discutidos e apreciados anteriormente. Em um segundo momento,
apresenta-se a metodologia contendo os procedimentos analíticos e os recortes feitos
333
como ponto de ponto de partida para análise. Trata-se de buscar nos discursos dos
AS FRONTEIRAS ENTRE AS CLASSES SOCIAIS NA SOCIEDADE NEOLIBERAL – FRONTEIRAS ENTRE
ESTRUTURA, INFRAESTRUTURA E SUPERESTRUTURA NO CRONOTOPO CONTEMPORÂNEO: ARMAS
PARA ABRIR FRONTEIRAS ENTRE AS IDEOLOGIAS DOMINANTES E AS CONTRA-IDEOLOGIAS
participantes do movimentos elementos materiais (signos) que indiciem as relações
entre infraestrutura e superestrutura.
1. REFERENCIAL TEÓRICO
duende nas cabeças dos homens... O fato de que os discípulos destaquem mais
que o devido o aspecto econômico é coisa que, em parte, temos a culpa Marx e eu
Página
mesmo. Frente aos adversários, tínhamos que sublinhar este princípio cardinal
o signo não é somente uma parte da realidade, mas também reflete e refrata uma
outra realidade, sendo por isso mesmo capaz de distorcê-la, ser-lhe fiel, percebê-
la de um ponto de vista específico e assim por diante (ibidem).
a classe não coincide com a coletividade sígnica, ou seja, com a coletividade que
utiliza os mesmos signos da comunicação ideológica. Por exemplo, várias classes
podem utilizar a mesma língua. Em decorrência disso, em todo signo ideológico
cruzam-se ênfases multidirecionadas. O signo transforma-se no palco da luta de
classes (p. 112-113).
[...] os laços sociais mais amplos, longos e sólidos, em cuja dinâmica se elaboram
todos os elementos do conteúdo e as formas de nosso discurso interior e exterior,
todo acervo de avaliações, pontos de vista, enfoques etc., através dos quais
lançamos luz, para nós mesmo e para os outros, sobre os nossos atos, desejos,
sentimentos e sensações (ibidem).
é claro que, nesse caso, o arbítrio individual não pode ter nenhuma importância.
Uma vez que o signo é criado entre indivíduos e no âmbito social, é necessário
que o objeto também obtenha uma significação interindividual, pois apenas
assim ele poderá adquirir uma forma sígnica. Em outras palavras, somente aquilo
que adquiriu um valor social poderá entrar no mundo da ideologia, tomar forma e nele
consolidar-se (p. 111).
Bakhtin e, especialmente, em Para uma filosofia do ato responsável, que se usou e à qual se faz referência aqui.
é claro que todas essas ênfases sociais dos temas ideológicos penetram também
na consciência individual que, como sabemos, é totalmente ideológica. É como se
nesse caso elas se tornassem ênfases individuais, pois a consciência individual
une-se de tal modo a elas que parecem pertencer-lhe; sua origem, no entanto,
encontra-se fora dela. A ênfase, por si só, é interindividual (ibidem).
158 “[...] não somente o enunciado/a enunciação (высказывание) “responde a algo e orienta-se para uma resposta”
(Grillo e Américo in VOLÓCHINOV, 2017: P. 357) em termos de signos verbais, mas 1) em termos de quaisquer
340
signos, de quaisquer linguagens; 2) em termos não somente de dizer, em um tal sistema sígnico ou em relações
entre sistemas sígnicos, mas também de fazer.” Para o autor, essa resposta pode se dar “entre signos de presença e
signos de ausência, ou seja, em relações que envolvam silêncios.’
Página
159 Esse lugar pode ser preenchido por um sujeito ou não, mas trata-se necessariamente de um lugar a partir do
qual o sujeito consiga se ver de fora (distanciado de sua posição inicial). (Oliveira, Castro-Dias e Custódio, 2018)
analogamente também a palavra viva, a palavra plena, não tem a ver com o
objeto inteiramente dado: pelo simples fato de que eu comecei a falar dele, já
entrei em uma relação que não é indiferente, mas interessado-afetiva, e por isso a
palavra não somente denota um objeto como de algum modo presente, mas
expressa também com a sua entonação (uma palavra realmente pronunciada não pode
evitar de ser entoada, a entonação é inerente ao fato mesmo de ser pronunciada) a minha
atitude avaliativa em relação ao objeto – o que nele é desejável e não desejável –
e, desse modo, movimenta-o em direção do que ainda está por ser determinado
nele, torna-se momento de um evento vivo (p. 85-86, grifo nosso).
2. METODOLOGIA
160Os empregadores que, individual ou coletivamente, suspenderem os trabalhos dos seus estabelecimentos, sem
Página
prévia autorização do Tribunal competente, ou que violarem, ou se recusarem a cumprir decisão proferida em
dissídio coletivo, serão acusados de lockout, prática proibida no Brasil atual.
Essas três categorias, como defende Oliveira e Lima (2017), são representações
criadas pelos sujeitos por meio da(s) linguagem(s), isto é, a representação que o
sujeito tem de si (A-Ra), do outro(A-Rb) e de si para o outro (A-Ra-b). Estas
representações se constituem reciprocamente e de maneira dialógica, sendo que,
havendo refração em uma delas, as outras também sofreram o mesmo processo. O
esquema abaixo de Oliveira e Lima (2017) contribui para exemplificar essa discussão
teórica:
Figura 18 - Esquema
344
aquilo que eles representam, nota-se no movimento grevista que o discurso de união
entre todos os caminhoneiros parece tentar romper com essa refração, fenômeno
importante na luta de classes. Para Volóchinov: (2013, p. 13) “a classe dominante
Página
maneiras distintas, isso significa que este entrou no horizonte de perspectiva de cada
AS FRONTEIRAS ENTRE AS CLASSES SOCIAIS NA SOCIEDADE NEOLIBERAL – FRONTEIRAS ENTRE
ESTRUTURA, INFRAESTRUTURA E SUPERESTRUTURA NO CRONOTOPO CONTEMPORÂNEO: ARMAS
PARA ABRIR FRONTEIRAS ENTRE AS IDEOLOGIAS DOMINANTES E AS CONTRA-IDEOLOGIAS
grupo por vias diversas, mas em ambos os casos ligados à sobrevivência econômica,
política, ideológica do grupo. Retomando a citação feita anteriormente “várias classes
podem utilizar a mesma língua. Em decorrência disso, em todo signo ideológico cruzam-
se ênfases multidirecionadas” (VOLÓCHINOV, 2017, p.112). Na verdade, é
precisamente esse movimento de lutas de classes que possibilita a linguagem o
caráter multidirecional, isto é, possibilita aos signos ideológicos se reconstituírem e
reconstituírem a sociedade, em um movimento helicoidal.
-Redução do preço diesel em R$ 0,46 nas bombas pelo prazo de 60 dias. Depois
desse período, o preço do diesel será ajustado mensalmente;
Página
CONSIDERAÇÕES FINAIS
greve, pauta e intervenção militar. Esses três signos foram refratados pelos três
AS FRONTEIRAS ENTRE AS CLASSES SOCIAIS NA SOCIEDADE NEOLIBERAL – FRONTEIRAS ENTRE
ESTRUTURA, INFRAESTRUTURA E SUPERESTRUTURA NO CRONOTOPO CONTEMPORÂNEO: ARMAS
PARA ABRIR FRONTEIRAS ENTRE AS IDEOLOGIAS DOMINANTES E AS CONTRA-IDEOLOGIAS
grupos identificados ao longo do trabalho: caminhoneiros, as grandes empresas e
alguns civis que apoiaram a greve a partir do terceiro dia de movimento.
Observou-se que a refração do signo ideológico suscita inevitavelmente uma
refração do signo verbal, isto é, os sentidos que cada grupo constrói para um
determinado signo depende do horizonte de expectativa do grupo e das relações de
sobrevivência entre o grupo e o signo.
Além disso, pôde-se analisar como essa refração se constitui, explicitando,
inclusive, os resultados dessa análise em um esquema (Fig.2.0) que pode contribuir
para futuros trabalhos que decidam engendrar pelo campo dos signos ideológicos.
Deste modo, o trabalho aqui discutido não encerra o acontecimento greve dos
caminhoneiros, isto é, percebe-se que a discussão sobre consciência pode contribuir
para o entendimento do processo refratário constitutivo das classes sociais, visto que,
uma se estabelece em relação à outra. Mais ainda, identificou-se que o aspecto
responsável/responsivo dos atos do sujeitos, situados dentro do movimento grevista,
também apresenta, definitivamente, contribuições para o campo da filosofia da
linguagem, pois, como discutido anteriormente, os atos responsável se dão sempre
em uma relação de alteridade.
Salienta-se que, nos apontamentos feitos durante a análise, os deslocamentos
semântico-valorativos contínuos acontecem graças às oscilações axiológicas em
cadeias-redes de signos, abrindo espaço para o desenvolvimento de novas pesquisas
e buscando, por exemplo, investigar por quais motivos alguns signos são
verbalizados e outros silenciados, isto é, quais são as relações de poder que se
estabelecem entre signo-sujeito-linguagem. Nesse processo de verbalizar ou silenciar,
o confronto entre infraestrutura e superestrutura é inevitável, pois o signo, em uma
perspectiva bakhtiniana, sempre refrata e reflete a realidade dos sujeitos. Essa
construção teórico-epistemológica se mostrou concreta na medida em que
investigamos aspectos filosóficos-linguísticos que compuseram a greve dos
caminhoneiros, especialmente, como os resultados da negociação com o governo
foram construídos verbalmente. O pedido por intervenção militar explicitou como o
movimento da greve/lockout foi plural, pois, como coloca Biro (2018), era possível
identificar membros de partidos políticos rivais se constituindo lado a lado na
mesma manifestação. O apontamento feito por este autor revela, em certo sentido, o
quão longe a refração dos signos pode ir.
Sendo assim, observou-se durante o trabalho que as duas instâncias que
compõe a sociedade capitalista não podem ser vistas como determinantes, pois deve-
se compreender que estas camadas são constitutivas, isto é, uma representa e
modifica, ao mesmo tempo, a outra. Sendo assim, em alguns casos, pode-se observar
que uma pode sobressair a outra, como na greve/lockout aqui analisada. Defende-se,
assim, que tal construto foi elaborado com base em uma análise metodológica
350
REFERÊNCIAS
352
Página
RESUMO
Este trabalho pretende apontar um diálogo acerca das fronteira políticas e dialógicas nos
processos de lutas e resistências em uma ação coletiva estudantil que conseguiu visibilidade
no cenário educacional brasileiro, tendo sido protagonizada por estudantes da rede estadual
de ensino do Rio de Janeiro. A mobilização em defesa da qualidade social ao direito
constitucional à educação fez-se em uma arena dialógica que expunha as contradições da
Medida Provisória que propunha a Reforma do Ensino Médio. Na disputa ideológica e
politica dos sentidos, o movimento estudantil protagonizou luta e resistência à
contrarreforma encaminhada à assembleia legislativa federal. Os impactos da proposta
acentuaram as reivindicações do movimento estudantil de ocupação ocorrido no estado do
Rio de Janeiro entre março e agosto de 2016.
INTRODUÇÃO
O
ano de 2016 foi marcado por um processo contínuo de luta e resistência em
tempos de retirada de direitos. O movimento de ocupação de escolas
ocorrido no Rio de Janeiro somou à pauta de luta a retirada da medida
provisória na assembleia legilastiva. A luta era contra a votação da medida que
propunha ataques ao direito universal à educação.
Neste trabalho, apresento a repercussão da MP da Reforma do Ensino Médio
entre o movimento estudantil, em especial entre os estudantes que participaram do
movimento de ocupação de escolas na rede estadual de ensino do Rio de Janeiro.
Lutar pela educação ofertada pelo estado, de forma gratuita, garantido a
353
Mestre em Educação – Faculdade de Formação de Professores / UERJ. Professora da Rede Municipal de Ensino
162
REFERÊNCIAS
RESUMO
163 Doutorando em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências
358
Porque se não conseguirmos estabelecer um diálogo que não seja mais do que
gritos de um lado e outro, ergueremos novos muros ou aumentaremos ainda
mais
a altura dos já existentes. E acho que podemos concordar que se há algo que este
país não precisa é de mais muros (BRUM, 2017).
A
busca pela consolidação de uma proposta educacional bilíngue que integre
a Libras, e a modalidade escrita da Língua Portuguesa como línguas de
instrução no desenvolvimento de todo o processo educativo (BRASIL, 2005)
lança alguns desafios a nós pesquisadores.
Em primeiro lugar, parece oportuno pensarmos nos propósitos da oferta de
uma educação bilíngue que elege línguas de status desiguais, tanto na lei quanto no
território nacional em que circulam. E, em segundo lugar, se faz necessário nós nos
desvencilharmos da visão desdenhosa quanto ao modo dos surdos vivenciarem o
mundo, a qual parece estar orientada por lentes etnocêntricas, que nos conduzem a
percepção de uma sociedade exclusivamente ouvinte, nos confinando a crer na
condição de vantagem linguística, social e cultural dos ouvintes em relação aos
surdos, usuários das línguas de sinais.
Partimos desse pressuposto, por considerarmos os referidos aspectos como
pontos fulcrais para pensar a oferta da educação bilíngue para surdos, pois na
medida em que deixam de ser compreendidos como deficientes da audição e da
linguagem, para serem denominados membros de uma minoria linguística, fica
evidente que há um deslocamento da representação dissimulando uma mudança
(LEFEBRVE, 1983).
Contudo, os surdos, juntamente com índios, imigrantes e seus descendentes,
permanecem inscritos em uma relação desigual e, por isso, destituídos de força, de
poder, pelo fato de fazerem uso de uma língua outra, tachada como minoritária, de
menor valor, porque não coincide com a língua oficial, língua de prestígio, a língua
cartorial em que se registram os compromissos legais, os bens, a identificação das
pessoas e o próprio ensino, sendo, portanto, obrigatória nas relações sociais,
culturais, econômicas (mercado nacional), jurídicas e nas escolas (QUADROS;
SCHMIEDT, 2006).
Tais considerações se devem ao fato de que à luz das formulações do Círculo
(de Bakhtin), tomamos esse processo de minoritarização 166 do usuário e de sua língua
de herança como uma produção discursiva ideologicamente preenchida, a qual está
orientada pelo discurso resistente centrípeto, ou seja, pelas forças da unificação
verboideológica, que “[...] numa relação indissolúvel com os processos de
359
166O termo minoritarização, cunhado por Cavalcanti (1999) não diz respeito à uma classificação numérica, mas
sim a ação de sobreposição numa relação desigual de forças, em que são denominadas minorias, os grupos
Página
destituídos de poder, os quais, pelo mesmo motivo, são invisibilizados socialmente ficando em situação de
desvantagem em relação ao acesso aos bens culturais.
Quando o que está em jogo são línguas de prestígio, o bilinguismo é sempre visto
positivamente. [...] Quando, no entanto, uma das línguas envolvidas é avaliada
como não prestigiosa, como é o caso, por exemplo, das línguas indígenas ou de
Libras, o bilinguismo é quase sempre visto como um “problema” a ser erradicado
(MAHER, 2007, p. 69).
No projeto, as salas língua de instrução Libras ficaram apenas com alunos surdos
[...]. Essa estrutura não pareceu favorável à secretaria da educação depois de um
Página
Até os finais dos anos de 1980 e inícios de 1990, no Brasil ainda se respirava
ares nas práticas do método oral. Os alunos surdos eram obrigados a aprenderem a
oralizar, isto é, a falar uma língua sem ouvi-la. Esta era a imposição irrestrita de uma
visão na qual as pessoas ouvintes estavam num status superior e de dominador
determinando a constituição das pessoas surdas. A língua de sinais estava banida e
não haviam professores surdos nas escolas de surdos, consequentemente, no
encontro com ouvintes, as crianças surdas tendiam a se perceber e a “[...] se narrar de
modo negativo, como sujeitos incompletos, deficitários, inferiores” (THOMA, 2012,
p. 172). Este é um capítulo amargo e triste para a vida escolar, linguística e social
para a comunidade surda.
Em algumas escolas, entretanto, foi instituída a filosofia da Comunicação
Total. Tendo atuado como representante oficial dessa corrente no Brasil, a professora
e fonoaudióloga Marta Ciccone (1996, p. 6) afirma que "[...] é uma filosofia voltada
para o atendimento e a educação de pessoas surdas". A referida filosofia preconiza o
363
normas gramaticais da Libras, que naquele tempo ainda não era assim conhecida.
AS FRONTEIRAS ENTRE AS CLASSES SOCIAIS NA SOCIEDADE NEOLIBERAL – FRONTEIRAS ENTRE
ESTRUTURA, INFRAESTRUTURA E SUPERESTRUTURA NO CRONOTOPO CONTEMPORÂNEO: ARMAS
PARA ABRIR FRONTEIRAS ENTRE AS IDEOLOGIAS DOMINANTES E AS CONTRA-IDEOLOGIAS
Não se falava ainda em linguagem e língua e o significado de ambas na área da
educação de surdos, e muito menos, no que aprenderíamos logo a seguir, a educação
bilíngue para surdos.
Com o advento das pesquisas sobre as línguas de sinais mundo afora, e
também no Brasil, a língua de sinais começou a ser vista com outros olhos.
Nos anos de 1960, nos Estados Unidos, um professor da Universidade
Gallaudet, William Stokoe, professor do departamento de Inglês de 1955 a 1970,
observou e descreveu linguisticamente a Língua de Sinais Americana (ASL). De
acordo com a explicação de Fernandes (2011, p. 57) lemos
ensino fundamental, ensino médio e educação profissional. Para nós, essa predileção
Não há como negar que ainda hoje as forças hegemônicas que querem
constantemente massacrar as forças centrífugas das vozes de minorias, em especial,
as linguísticas. Os surdos ainda encontram enormes dificuldades e até impedimentos
para acesso à uma língua que lhes permite aprender a pensar, a estudar, a se
366
identificar como sujeitos surdos e ter orgulho da sua constituição. São lhes
dificultadas acesso às informações pelas mídias, acesso às universidades públicas,
Página
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
367
BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. 6. ed. São Paulo: Hucitec,
Página
2010.
RESUMO
167Doutoranda em Estudos de Linguagem pela Universidade Federal de Mato Grosso e docente da educação
básica (SEDUC – MT). E-mail: mocanegra@hotmail.com
168Doutoranda em Estudos de Linguagem pela Universidade Federal de Mato Grosso. E-mail:
369
siqueira.re@gmail.com
169 Doutorando em Estudos de Linguagem pela Universidade Federal de Mato Grosso e docente do IFMT Campus
Cuiabá Cel. Octayde Jorge da Silva. E-mail: mendesdearruda74@gmail.com
Página
170 Doutorada em Estudos de Linguagem pela Universidade Federal de Mato Grosso. E-mail:
nadiacris27@gmail.com
N
ão é novidade que a educação brasileira vem se desenhando na sociedade
atual como um campo de saber cada vez mais controverso e complexo,
pelas suas diversas especificidades. Nos últimos anos, as transformações
sociais, trazidas pelo intenso processo de globalização, têm exigido,
gradativamente, novas capacidades de qualquer cidadão para uma atuação mais
efetiva, nas diversas áreas. Essa participação é dependente, sobretudo, do domínio
da escrita e da leitura, que é, em boa medida, de responsabilidade da escola.
Entretanto, parece que essa instituição não tem dado conta do seu papel, uma
vez que o ensino de língua portuguesa tem sido marcado pelos índices insatisfatórios
de desempenho escolar dos alunos, sobretudo, nas avaliações de rendimento
estudantil, como o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), o Sistema de
Avaliação da Educação Básica (SAEB) e o Programa Internacional de Avaliação de
Estudantes (PISA). Esses exames visam medir a habilidade de leitura e escrita dos
estudantes, e os resultados alcançados vêm demonstrando que o domínio de tais
práticas tem sido insuficiente para os novos tempos. Logo, a culpa disso tem racaído,
por vezes, sobre o professor de Língua Portuguesa em atuação nas escolas.
Tem sido recorrente, em diversos setores da sociedade, o discurso de
culpabilização docente, pelas mazelas no ensino-aprendizagem dos alunos (DINIS-
PEREIRA, 2015). Isso faz com que o campo educativo seja, quase sempre, marcado
por críticas, principalmente, no que se refere ao professor, visto, geralmente, como
mal preparado para sua atuação. Logo, ao olhar, por um lado, o aluno, como um
“fracassado”, pois não obteve êxito escolar nas avaliações externas, e, por outro, o
professor, “desqualificado”, porque não tem competência suficiente para preparar
melhor os estudantes, surgem-nos algumas questões: E a universidade, qual tem sido
seu papel nesta sociedade contemporânea? Que conhecimentos, a partir do currículo
acadêmico, têm sido dispensados aos alunos, nessa instituição? Trata-se de saberes
voltados, também, para a formação humana ou apenas, conhecimentos técnicos, para
a estreita formação profissional?
Parece óbvio que a resposta a essas questões seja, dentre outras, de que a
universidade tem sim cumprido a missão de formar professores autônomos,
intelectuais politicamente engajados na sociedade; ou de que a academia tem sim
conseguido empoderar seus alunos (futuros professores) para agirem nos espaços de
resistência, dentro das escolas (Gramsci, 1995; Freire, 2005;); além disso, que os
conhecimentos, oferecidos pelo currículo, pelas disciplinas e pelos conteúdos, nas
instituições universitárias, têm servido não apenas para instrumentalizar o aluno,
mas para desenvolver sua autonomia na construção de saberes (técnicos, do mundo
do trabalho, éticos e estéticos, de formação social, cultural e política). Essas respostas,
370
1. JUSTIFICATIVA
(BOGDAN & BIKLEN, 1994). Por isso, no intuito de construir uma congruência e
AS FRONTEIRAS ENTRE AS CLASSES SOCIAIS NA SOCIEDADE NEOLIBERAL – FRONTEIRAS ENTRE
ESTRUTURA, INFRAESTRUTURA E SUPERESTRUTURA NO CRONOTOPO CONTEMPORÂNEO: ARMAS
PARA ABRIR FRONTEIRAS ENTRE AS IDEOLOGIAS DOMINANTES E AS CONTRA-IDEOLOGIAS
coesão metodológica, na presente pesquisa, de natureza mista, partimos de um
questionário ─ instrumento quantitativo ─ para uma análise mais qualitativa das
informações colhidas.
Utilizamos, na coleta de dados, um questionário estruturado, composto por 52
questões (sendo 49 fechadas, 02 abertas e 01 com envio de arquivos), das quais aqui
será apresentada a análise de 03 delas, referentes: a) às experiências iniciais na
docência; b) aos conhecimentos adquiridos pelo professor no curso de Letras, se eles
contribuíram e/ou contribuem para o desempenho profissional docente na escola; c)
às primeiras aulas, se o conteúdo que sabia era suficiente para planejá-las e se
conseguia desenvolver com os alunos os conteúdos previstos.
O questionário foi elaborado no Google Formulários, ferramenta virtual
gratuita do Google Docs, e sua aplicação se deu a partir do contato aleatório, pela
internet, com professores de Língua Portuguesa de todo o país. A conexão mais
direta com os participantes foi feita pela mediação de gestores das escolas (estaduais
e particulares) e instituições superiores (públicas e privadas), técnicas e tecnológicas.
O e-mail das instituições de ensino e de alguns professores foi obtido através de
consultas nos sites virtuais, de acesso público. Procedemos o envio de
aproximadamente 150,000 mil e-mails (entre professores e gestores educacionais) e
alcançamos até a presente data171 o retorno de 704 participantes. A tabulação das
respostas ─ objetivas ─ foi feita com recurso do próprio sistema Google, que já fornece
os dados em forma de gráficos, para a análise.
Tendo em vista que no trabalho científico, os dados não falam por si, mas são
interpretados, e é através da investigação deles que captamos uma possível
compreensão da realidade, coube a nós analisá-los “em toda a sua riqueza,
respeitando, tanto quanto o possível a forma em que estes foram registrados”
(BOGDAN & BIKLEN, 1994, p. 48). Desse modo, nossa análise tem o apoio da teoria
enunciativo-discursiva, a qual concebe a pesquisa como uma forma de saber
dialógico. Neste viés, o sujeito (objeto de estudo) fala e expressa acerca de si próprio,
pressupondo-se, assim, a existência de pelo menos dois indivíduos envolvidos numa
interação, ambos produzindo enunciados concretos (BAKHTIN, 1952-1953). É sob tal
perspectiva que olhamos as respostas dos professores, como enunciados, que
respondem, inclusive, a outros, naturalmente, atravessados por diversas vozes
sociais, que nem sempre se afinam entre si, todavia, discordam-se, gerando questões
e suscitando outras réplicas.
Na investigação dos dados, que são discursos não neutros, mas embebidos de
ideologias, estabelecemos uma comunicação humanamente dialógica e plena.
Portanto, ao compreender os aspectos pesquisados, adotamos, simultaneamente, em
171O questionário ainda está aberto virtualmente por se tratar de um instrumento de coleta de dados da tese de
373
doutorado em andamento. Vale lembrar também que o presente artigo surge como um recorte deste trabalho
maior intitulado provisoriamente de “O(s) letramento(s) do professor de língua portuguesa do Brasil: uma análise
dialógica”. Ressalta-se ainda que esta investigação está devidamente registrada na Plataforma Brasil, respaldada
Página
pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Área das Ciências Humanas e Sociais da Universidade
Federal de Mato Grosso.
3. REFERENCIAL TEÓRICO
também guarda aproximações com o marxismo, faz uma análise radicalmente crítica
das teorias educacionais ligadas à organização social. A seu modo, o autor denuncia
o papel reprodutor do sistema de ensino em uma sociedade capitalista, através da
Página
3. ANÁLISE DE DADOS
Giroux (1985).
final da educação básica (ROJO, 2009). Diante disso, diversos setores da sociedade,
ideologia dominante e atuar em prol dos interesses dessa classe para a manutenção
AS FRONTEIRAS ENTRE AS CLASSES SOCIAIS NA SOCIEDADE NEOLIBERAL – FRONTEIRAS ENTRE
ESTRUTURA, INFRAESTRUTURA E SUPERESTRUTURA NO CRONOTOPO CONTEMPORÂNEO: ARMAS
PARA ABRIR FRONTEIRAS ENTRE AS IDEOLOGIAS DOMINANTES E AS CONTRA-IDEOLOGIAS
de uma estrutura econômica. Pelo contrário, em um movimento dialético, essa
instituição, a partir de uma consciência social, deve se organizar, nos espaços de
resistências, a favor de uma sociedade mais justa. Como defende Imbernón (2006),
uma formação docente de qualidade precisa se adequar às necessidades profissionais
e sociais de maneira a repercutir, notadamente, na qualidade do ensino, nas escolas
(logo, nos exames avaliativos supracitados, ENEM, SAEB, PISA).
docência, no que tange às metas planejadas, se compararmos aos 19,5% que não
atingiram o ensino previsto.
Página
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
REFERÊNCIAS
ALTHUSSER, L. Aparelhos Ideológicos de Estado. 3ª edição. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1987.
385
APPLE, M. W. Educação e poder. Trad. de Maria Cristina Monteiro. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.
Página
387
Página
RESUMO
INTRODUÇÃO
O
Slam Poetry, em português “Concurso de Poesias” surge em Chicago em
1984. Esse tipo de poesia falada chega no Brasil por volta dos anos 2000 e
tem a cidade de São Paulo como centro disseminador da prática literária.
Qualquer pessoa pode ser um slammer, não há restrições. O Slam vem assumindo
cada vez mais, principalmente a partir de 2016 (período de instabilidade política
nacional devido o golpe de estado aplicado à presidenta Dilma Roussef), um papel
de arte políticamente engajada, sendo, muitas vezes, uma arma utilizada para fazer
denúncias sociais e políticas. Na cidade de São Paulo, o Slam se dá principalmente
nos contextos periféricos, tendo como voz protagonista a do sujeito que está a
margem da sociedade, como as mulheres, negros, periféricos, gays, lésbicas,
transgêneros, transsexuais, etc. A voz do slammer nesses casos, normalmente é de
resistência, de denúncia social, uma voz que luta para ser ouvida.
388
172 Aluna de graduação em letras pela Universidade Júlio de Mesquita Filho (FCL Unesp Assis). E-mail:
simonyoliveiralves2016@gmail.com
Página
173 Doutora em letras. Profa. Adjunta do Departamento de Linguística pela Universidade Júlio de Mesquita Filho
com ele o romance. Nesse período, há uma queda do verso de maneira que até as
AS FRONTEIRAS ENTRE AS CLASSES SOCIAIS NA SOCIEDADE NEOLIBERAL – FRONTEIRAS ENTRE
ESTRUTURA, INFRAESTRUTURA E SUPERESTRUTURA NO CRONOTOPO CONTEMPORÂNEO: ARMAS
PARA ABRIR FRONTEIRAS ENTRE AS IDEOLOGIAS DOMINANTES E AS CONTRA-IDEOLOGIAS
peças de teatro passam a ser escritas em prosa. O único gênero que que preservou o
verso foi o lírico e por esse motivo, a poesia hoje também é chamada de lírica.
T. S. Eliot é um teórico que pensa acerca da teoria da poesia. Em um de seus
trabalhos denominado “Musicalidade da poesia”, o autor afirma a importância da
relação entre a linguagem do povo e a poesia. Segundo ele: “a musicalidade da
poesia, portanto, tem de ser a que está latente na fala comum da sua época” (ELIOT,
1972. p. 50). O poeta, para o autor, tem como uma de suas funções evitar a
degeneração da língua e por isso ele é um conservador dela, ao mesmo tempo que é
um revolucionário ao aproximar sua linguagem da fala. Essa comunicabilidade e
compreensão defendida pelo autor, em alguns casos, é considerada impossível,
como, por exemplo, para os simbolistas, mas para Eliot, o grande poeta também é
mestre do prosaíco.
A musicalidade da poesia é a sua visão como um todo. Ela está relacionada a
sua estrutura e aos outros elementos dela que se relacionam entre si, como a palavra
que se relaciona com a que a antecede e com a que a procede. Diferentemente da letra
da música que é parte de um todo, o poema é o todo. Ele pode ser musical ou
melodioso; se musical, possui um esquema musical de som; se melodioso, se
relaciona a tudo o que apela aos ouvidos por meio da linguagem, como, por
exemplo, por meio de rimas, onomatopéias, cacofonias, aliterações, assonâncias,
entre outras características da linguagem.
Outro estudioso da teoria lírica é octavio Paz. Em seu trabalho “A consagração
do instante”, o autor pensa o tempo a qual pertence um poema e qual a sua relação
no espaço. O autor afirma que “o poema não teria sentido – e nem sequer existência –
sem a história, sem a comunidade que o alimenta e à qual alimenta. [...] A história é a
encarnação das palavras poéticas” (PAZ, 1982. p. 52-53). Para Paz, o poema pode
reencarnar-se utilizando a mesma carne das palavras mas em um instante diferente,
o que lhe acarretará outro sentido para o leitor.
No entanto, ambos os autores ao pensarem a teoria da poesia, pensam-na de
forma escrita e não falada. Ao trazermos um slam como objeto para uma possível
análise e reflexão, apesar de transcrito, estamos pensando-no para além do escrito
devido uma de suas principais características que é ser falado. Até o presente
momento, buscamos introduzir tanto os nossos objetivos quanto a teoria acerca da
poesia, já que esta está materializada no poema, que é parte do nosso objeto. Porém,
não nos atentaremos aqui a essas questões literárias, mas sim as linguísticas no que
diz respeito à análise do discurso, mais especificamente a teoria bakhtiniana.
2. O POEMA
escrito mas sim o falado, pois assim é o Slam. A poeta Luz Ribeiro já o falou em
outras siuações, no entando, para o presente trabalho, pensaremos esse slam falado
pela poeta em um dia de Slam Resistência, uma das competições de poesia falada no
Página
país. O vídeo que estamos utilizando como fonte para essa pesquisa foi publicado em
AS FRONTEIRAS ENTRE AS CLASSES SOCIAIS NA SOCIEDADE NEOLIBERAL – FRONTEIRAS ENTRE
ESTRUTURA, INFRAESTRUTURA E SUPERESTRUTURA NO CRONOTOPO CONTEMPORÂNEO: ARMAS
PARA ABRIR FRONTEIRAS ENTRE AS IDEOLOGIAS DOMINANTES E AS CONTRA-IDEOLOGIAS
8 de agosto de 2016 por “Sociedade dos poetas Subversivos”. Segue, a título de
contextualização, o poema transcrito por nós:
mais um refém
e também coletiva. Cada menino tem uma história, um sonho, um jeito, uma família,
Página
Figura 22 - Demarcação176
parte dos sonhos dos meninos estão ter “um pai, uma mãe”. O “eu” pode estar se
referindo ao abandono de menores infratores por parte da família, o que os obriga a
viver nas ruas e/ou serem “aviãozinho” para os traficantes; mas também pode estar
Página
se referindo aos pais que foram mortos por diversos motivos e que por isso deixaram
AS FRONTEIRAS ENTRE AS CLASSES SOCIAIS NA SOCIEDADE NEOLIBERAL – FRONTEIRAS ENTRE
ESTRUTURA, INFRAESTRUTURA E SUPERESTRUTURA NO CRONOTOPO CONTEMPORÂNEO: ARMAS
PARA ABRIR FRONTEIRAS ENTRE AS IDEOLOGIAS DOMINANTES E AS CONTRA-IDEOLOGIAS
seus filhos. A slammer, ao falar esse verso, eleva seu tom de voz dando a ideia de
revolta e tristeza pelo fato de o sonho de uma criança ser desejar coisas e
acontecimentos tão mínimos.
Luz Ribeiro relaciona a palavra “meninos” à medidas como milímetros e dá ao
título do Slam o nome de “Menimelímetros”. Possivelmente a poeta esteja se
referindo aos trabalhos acadêmicos que possuem um número máximo de páginas, de
forma que, ironicamente, ela esteja deixando subentendido em seus versos que se a
verdadeira realidade dos meninos não estão descritas nas linhas desses trabalhos, é
porque, como ela afirmará nos últimos versos, elas vão muito além do tamanho
desses trabalhos: “seus centímetros / não suportam 9 milímetros / porque esses
mininos / sentem metros”.
4. CONCLUSÃO
Como já deixou claro a poeta nos seus últimos versos, a realidade desses
meninos não cabem nas nossas linhas. As poucas páginas que escrevemos sobre
“Menimelimetros”, é uma tentativa de mostrar de que maneira a arte reflete e refrata
a vida e como a resistência se dá através desse tipo de arte politicamente engajada no
atual cenário em que estamos. Percebemos que por meio da língua, é possível uma
reflexão e uma inversão da realidade, tomando consciência das ações mecânicas e
transformando-as em atos responsivos/responsáveis. A linguagem deve ser um ato e
todo ato de linguagem é social. Nos utilizamos da teoria bakhtiniana e do método
dialético-dialógico para embasar nossas considerações acerca do slam e da poesia
falada de Luz Ribeiro já que nosso objetivo era pensá-los socio e ideológicamente
como representação de atividade politicamente engajada do momento no qual
estamos.
REFERÊNCIAS
401
Página
R
efletir acerca das fronteiras do pensamento hegemônico neoliberal sobre a
Educação na materialidade discursiva do Jornal, dialogando com Bakhtin e
com o percurso metodológico proposto pelo chamado Círculo Bakhtiniano,
remete às superestruturas, as quais são todo o sistema social-ideológico que uma
sociedade constitui em sua história.
Para o pensamento bakhtiniano, a materialização da superestrutura encontra-
se na palavra, ou ainda no signo ideológico. Compreendemos como o espaço das
ideias, opiniões, pensamentos, que dizem do funcionamento da infraestrutura 180 e
sua valoração frente aos sujeitos que a constituíram; têm-se, assim, a ciência, a
cultura, a religião, a educação, etc.. A superestrutura não gera signos ideológicos, os
mesmos se constituem na relação dialógica entre a infraestrutura e a superestrutura
(BAKHTIN; VOLOCHÍNOV, 2014).
Nas superestruturas, é possível encontrar as ideias e suas valorações, ideias
como o neoliberalismo181, o qual, lembra Gentili (2003), transformou-se num projeto
177 Este trabalho é parte da dissertação “A educação e o Zero Hora: reflexos e refrações do discurso neoliberal nas
páginas de um jornal”, em desenvolvimento no Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGE – da
Universidade Federal da Fronteira Sul – campus Chapecó.
178 Mestranda em Educação. Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS – Chapecó – SC.
179 Doutora em Linguística pela Universidade Federal de São Carlos. Professora do Curso de Licenciatura em
sustenta, organiza, toda a atividade humana e sua relação com o outro. São, por exemplo, as instituições como
igreja, universidade, comércio, indústrias etc. (BAKHTIN (VOLOCHÍNOV, 2014)
181A nova versão do liberalismo surgida no final do século XX recuperou a ideia de que o Estado não deve intervir
Página
na vida econômica, e essa nova versão foi chamada de neoliberalismo. A ideologia neoliberal emergiu na Europa
Ocidental e América do Norte no pós-II Guerra Mundial, desenvolvendo-se desde o início do século XX a partir
Fundado em 1964, o jornal líder em circulação no Rio Grande do Sul está cada
vez mais atual, inovando e indo muito além do papel. Suas páginas mostram as
notícias com um novo olhar a cada dia, destacando o que realmente é importante
para os gaúchos e o que pode afetar suas vidas. Muito além do papel, em
da “Escola Austríaca”, fundada por Carl Menger e continuada por Ludwig Von Mises, que organizou os
princípios que designam a essência do pensamento neoliberal até a atualidade (ARRUDA, 1990).
182 O ano de nascimento do, então, denominado novo jornal [1964] é no mínimo emblemático, pois ocorre alguns
dias após o golpe militar, quando o antigo jornal Última Hora foi ocupado pelo aparelho repressivo ditatorial e
deixou de circular (Felippi, 2006). “Em meio ao apoio massivo que o golpe civil-militar de 1964 recebeu por parte
da grande imprensa, o jornal Última Hora foi uma das raras exceções representativas que defendeu o governo do
presidente João Goulart e a manutenção da constitucionalidade frente à sublevação militar. Por conta de seus
403
posicionamentos políticos e ideológicos e do grande alcance do jornal entre as classes populares, logo após o
estabelecimento da ditadura no país, os militares buscaram desmantelar o jornal oposicionista. A edição gaúcha
de UH foi fechada ainda em abril de 1964. Equipamentos, máquinas de escrever, câmeras fotográficas, lambretas,
Página
carros e o arquivo de fotos foram vendidos, possibilitando a criação de Zero Hora” (CARGNELUTTI e BORELLI,
2014).
o impulsionam e os acentos valorativos que cada grupo do coletivo linguístico lhe dá.
Página
A classe que dispõe dos meios da produção material dispõe também dos meios
da produção intelectual, de tal modo que o pensamento daqueles aos quais são
negados os meios de produção intelectual está submetido também à classe
dominante. [...] Os indivíduos que constituem a classe dominante possuem, entre
outras coisas, também uma consciência, e consequentemente pensam; na medida
em que dominam como classe e determinam uma época histórica em toda sua
extensão, é evidente que esses indivíduos dominam em todos os sentidos e que
têm uma posição dominante, entre outras coisas, também como seres pensantes,
como produtores de ideias, que regulamentam a produção e a distribuição dos
pensamentos de sua época, suas ideias são, portanto, as ideias dominantes de sua
época (MARX e ENGELS, 1998, p. 48).
sociais se vejam, circulem e o tomem como alguém tão próximo e confiável, com
DE ZH
184 Há, entre os enunciados trazidos para a compreensão, um texto publicado em Gaúcha ZH, que é a mídia
eletrônica do Grupo RBS, detentor do Jornal Zero Hora.
185 O recorte temporal são os anos de 2016, 2017 e 2018; justificamos esta escolha, por serem os referidos anos de
mudanças políticas significativas no país, uma vez que o golpe que retirou a presidenta Dilma Rousseff do cargo,
sustentado pelos poderes hegemônicos, redundou em consequências bem visíveis, penalizando as classes sociais
mais empobrecidas, com a diminuição dos investimentos do Estado brasileiro em políticas sociais, em todos os
setores, mas, de forma mais implacável em Educação e saúde. Nesse sentido, observam-se ainda, mudanças
significativas na fundamentação ideológica, que embasam, justificam, norteiam as políticas públicas e, entre estas,
a escola pública.
186“Pode designar uma agressão física, um insulto, um gesto que humilha, um olhar que desrespeita, um
assassinato cometido com as próprias mãos, uma forma hostil de contar uma história despretensiosa, a
indiferença ante o sofrimento alheio, a negligência com os idosos, a decisão política que produz consequências
sociais nefastas [...] e a própria natureza, quando transborda seus limites normais e provoca catástrofes.”
406
(SOARES, BIL & ATHAIDE 2005, p.245). Para Chauí “Em nossa cultura, a violência é entendida como o uso da
força física e do constrangimento psíquico para obrigar alguém a agir de modo contrário à sua natureza e ao seu
ser. A violência é violação da integridade física e psíquica, da dignidade humana de alguém. Eis que o
Página
assassinato, a tortura, a injustiça, a mentira, o estupro, a calúnia, a má-fé, o roubo são considerados violência,
imoralidade e crime” (1997, p. 337).
(Grifo nosso)
[...] Minayo (1999), explicita que para jovens de 14 a 20 anos, a mídia distorce as
informações sobre violência, ora exagerando, ora omitindo determinados
aspectos essenciais para a compreensão do evento em si. A maioria desses jovens
187 Não encontramos na materialidade discursiva de ZH, no espaço temporal que propus pesquisar, enunciados
sobre violência em escolas privadas, levando-nos a questionar se inexiste violência nestes espaços? Ou o
tratamento dado à violência tanto pela escola particular, quanto pela mídia é outro?
408
188 “Pesquisa realizada no Rio de Janeiro revelou alguns resultados peculiares, fora do padrão do senso comum,
pois mediante estratificação social do universo investigado em cinco grupos, foi possível verificar que os jovens
de estrato mais privilegiados (A e B) relataram maior número de ocorrências de ameaças (19,2% estratos A e B;
Página
18,6% C, D, E) e de agressões físicas (28% A e B; 23,3% C,D, E) do que os de origem popular . Portanto , a
violência não se limita a classes sociais específicas” (REIS, 2010, p. 54).
189Dissertação de Mestrado com o título: Violência nas escolas, sob o olhar da mídia impressa do Distrito Federal:
Página
dezembro do ano passado e março e junho de 2016, foram registrados 5.625 casos de
Pensar sobre os sentidos que a mídia produz sobre a violência escolar [...] é
também considerar que, para além de uma concepção ingênua de mídia, apenas
como agente social da informação, desinteressada e neutra, que apresenta os
fatos tais como a realidade os cria; faz-se importante proceder à análise desse
discurso midiático, porquanto ideológico, imbuído de interesses e valores que ao,
412
propor notícias como o faz, expressa, sobretudo, uma tomada de posição perante
as questões sociais (LIMA, 2002; LAURENS, 2006; CASTRO, 2002; RODRIGUES,
Página
1980; BAKHTIN, 2009; WOLFF, 1999). O que configura uma atitude cautelosa e
justificável para uma maior compreensão, não só da violência escolar, mas,
AS FRONTEIRAS ENTRE AS CLASSES SOCIAIS NA SOCIEDADE NEOLIBERAL – FRONTEIRAS ENTRE
ESTRUTURA, INFRAESTRUTURA E SUPERESTRUTURA NO CRONOTOPO CONTEMPORÂNEO: ARMAS
PARA ABRIR FRONTEIRAS ENTRE AS IDEOLOGIAS DOMINANTES E AS CONTRA-IDEOLOGIAS
principalmente do próprio funcionamento da mídia como articuladora de
sentido e partícipe da construção da realidade social. (p.160)
APONTAMENTOS FINAIS
190Na notícia Furto e Tristeza na escola-modelo do RS, os repórteres Caetano Freitas e Vanessa Kannemberg, que
assinam a matéria, entrevistaram a professora sobre o roubo dos equipamentos ocorridos, ao qual, a professora
Silvana Peixoto, laconicamente respondeu “lamentar sobre o fato de ter que refazer todo o planejamento das
Página
aulas, já que tudo estava baseado na lousa digital”, que fora roubada (ZH, 09/06/2016, p.6 e7).
ARRUDA, José Jobson. História Moderna e Contemporânea. São Paulo: Ática, 1990.
BAKHTIN, Mikhail (Volochínov). Marxismo e Filosofia da Linguagem. Problemas Fundamentais do
Método Sociológico na Ciência da Linguagem. 16ªed. São Paulo: Hucitec, 2014.
CHAUÍ, Marilena. Convite a Filosofia. São Paulo – SP. Ed. Ática, 1997.
FELIPPI, Ângela Cristina Trevisan. Jornalismo e Identidade Cultural na Construção da Identidade
Gaúcha em Zero Hora. 2006.177 f. Tese (Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social-
Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica do RS, Porto Alegre,2006.
GENTILI, Pablo. Três teses sobre a relação trabalho e educação em tempos neoliberais. In:
LOMBARDI, José Claudinei. SAVIANI, Dermeval. SANFELICE, José Luis. Capitalismo, trabalho e
educação. Campinas: Editores Associados, 2003.
MARX, Karl. ENGELS, Frederich. A ideologia Alemã. Tradução de Luis Claudio de Castro e Costa.
São Paulo/SP: Martins Fontes, 1998.
MORAIS, J. F. S. (2001). A escola pública e os discursos sobre sua pretensa crise. Teias: Rio de
Janeiro, ano 2, n. 4. Jul/dez.
NOVO, H, A. Dos Fatos e Espetáculos: o imaginário social sobre a violência em na Grande Vitória –
ES. Brasília: UNB.
KELLNER, Douglas. A cultura da mídia. Bauru: EDUSC, 2001.454p.
SOARES, Luiz Eduardo; BIL, MV; ATHAYDE. Cabeça de Porco. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005.
JORNAIS
ZERO HORA. Ameaça à Educação. Zero Hora, Editorial, p.30, 12/08/2016.
______. Com medo, escola reduz aulas para duas horas por turno. Zero Hora, Polícia p.29, 31/03/2016.
______. Insegurança fecha colégio e muda rotina. Zero Hora, Polícia p.24, 13/04/2016.
______. Escola Estadual de Ensino Fundamental Aurélio dos Reis, no Jardim Floresta, zona norte da capital
foi arrombada e teve 110 notebooks furtados. Zero Hora, Polícia 08/06/2016.
______. Escola Municipal Padro Luiz Nadal de São Jeronimo, na região carbonífera, amanheceu com o
refeitório arrombado e as dispensas praticamente vazias. Zero Hora, Polícia 09/06/2016.
______. Furto e Tristeza na escola-modelo do RS. Zero Hora, Polícia p.6 e 7, 09/06/2016.
______. Ameaça à Educação. Zero Hora, Editorial: p.3, 12/08/2016.
______. Educação Prejudicada. Zero Hora, Polícia p.8 e 9 12/08/2016.
___________. Adolescente leva submetralhadora à escola. Zero Hora, Polícia p.34.
1º/09/2016.
______. Seis dias, três invasões e 110 crianças sem escola. Zero Hora, Polícia p.6 e 7 06/09/2016.
______. Ameaça à Educação. Zero Hora, Editorial, p.30, 12/08/2016.
415
______. Com medo, escola reduz aulas para duas horas por turno. Zero Hora, Polícia p.29, 31/03/2016.
______. Insegurança fecha colégio e muda rotina. Zero Hora, Polícia p.24, 13/04/2016.
Página
WEBSITIES CONSULTADOS
N
o processo de globalização aparecem de forma específica no âmbito das
concepções que se formam, ou ligam e combatem são pensamentos nas
quais convivem fantasias, tristezas extremas, em geral baldeando ou
expulsando o jogo das forças sociais que estimulam os novos quadros sociais e
mentais de referência. Em todo o mundo, ainda que em diferentes aumentos,
multiplicam-se as interrogações e as convicções nas quais ressoam fantasias, tristezas
extremas sobre o destino de indivíduos e coletividades.
Essa é a realidade quando se movimentam as estruturas sociais e pensamentos de
comentários de uns e outros, todos são provocados a refletir suas técnicas e os seus
princípios, entendendo as suas ideias e as suas fantasias. Ao mesmo tempo em que se
desestabilizam as maneiras de civilização que pareciam estruturadas e a troca de
forças sociais que parecia analisado, estremecem as revelações e as fantasias que
pareciam sedimentados.
Vejamos o que diz o texto:
193 BRAIT, B (Org.). Bakhtin: conceitos-chave. 5. ed. São Paulo: Contexto, 2013.p20
Então, observa-se que tudo o que diz respeito a um ser chega a nossa
consciência através do olhar e da palavra do outro, o qual fazer despertar da
consciência se realiza na interação com a consciência alheia, e está constituída por
Página
REFERÊNCIAS
BRAIT, B. Análise e teoria do discurso In: . (Org). Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo:
Contexto, 2006.
BRAIT, B. (Org). Bakhtin: conceitos-chave. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2005. p. 11-36.
BAKHTIN, M. Tradução de Carlos Alberto Faraco e Cristóvão Tezza da edição americana Toward a
philosophy of the act. Austin: University of Texas press, 1993. (Tradução destinada exclusivamente
para uso didático e acadêmico)
Dostoiévski. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo:
Martins Fontes, 2003, p.337-358.
420
Página
RESUMO
Este artigo tem como principal intento a reflexão sobre a forma como ocorre o itinerário
Europa-América das teorias, suscitando como exemplo a chegada da teoria de Bakhtin, da
antiga União Soviética, no Brasil. Para estabelecer essa discussão, trabalharemos com o
conceito de colonialismo e colonialidade e mostraremos a importância de se levar em
consideração o momento histórico e geográfico de uma teoria para entender melhor sua
repercussão e recepção em outros países, observando-se, portanto, o estabelecimento ou
apagamento das fronteiras de uma cultura à outra nesse trajeto teórico entre elas.
O objetivo da teoria é assim o de viajar, indo para além dos seus limites, emigrar,
permanecer em certo sentido no exílio. (SAID, 2005, p. 41).
A
s teorias das diversas áreas precisam de um apurado olhar analítico sobre
não apenas seu caráter reflexivo e filosófico, mas também sobre o momento
histórico e a geografia de onde elas se originaram.
Mikhail Bakhtin na sua ideia principal sobre o dialogismo nos mostra com
propriedade a necessidade de se ler e interpretar as teorias sob uma visão holística,
que procure observar o todo ou pelo menos os interstícios inevitáveis entre quem
escreve e quem lê, para, assim, não se cair no monologismo de se ler algo sem
reconhecer também as origens e repercussões sociais e culturais dessa escrita.
Nesse caminho, de forma mais profunda, é preciso observar o cronotopo da
teoria, isto é, o momento e o lugar de sua ascensão, e as influências que todo esse
aparato pode oferecer entre sujeito e objeto e entre autor e leitor da mesma. Pois o
trabalho de uma teoria não termina quando ela é finalizada pelo seu autor, na
verdade começa em novo ciclo quando é publicada e onde é difundida, de forma que
nunca se conclui, posto que está sempre em novo processo de leitura sob a influência
194 Artigo com apresentação e discussão no VII Círculo – Rodas de Conversa Bakhtiniana: Fronteiras, em Cascavel
422
–PR, na UNIOESTE, de 12 a 14 de novembro de 2018, com pesquisador apoiado pela Fundação de Apoio à
Pesquisa do Distrito Federal – FAPDF, com edital do ano de 2018.
195 Mestre em Literatura. Doutorando da Universidade de Brasília – UnB, na área de Literatura e Práticas Sociais.
Página
Professor de Língua Portuguesa do Instituto Federal de Brasília – IFB campus Recanto das Emas. Participante do
Grupo de Pesquisa de Literatura e Cultura na Universidade de Brasília – UnB. E-mail: allanmb_hp@hotmail.com
suas vozes e obedeceram. Bakhtin, portanto, chegou no Brasil, como uma teoria que
dava esperança e que era revolucionária em relação ao regime que se estava vivendo,
da mesma forma que na década de 1920 era para os russos. Ele não chegou no Brasil,
Página
ele saqueia, e que ela não pode prevalecer sobre a história da nação colonizada,
mesmo quando houve uma vez a pretensão de destruir ou violar a natividade dos
povos. A História é um processo necessariamente construtivista, predominantemente
Página
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Prefácio à edição francesa Tzvetan Todorov;
introdução e tradução do russo Paulo Bezerra. 6ª ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011.
___________. Questões de Literatura e de Estética: a teoria do romance. 7. ed. Tradução de Aurora
Fornoni Bernardini, et al. São Paulo: Editora Hucitec, 2014.
QUÍJANO, Aníbal. “Colonialidade do poder e classificação social”. In.: MENESES, Maria Paula;
SANTOS, Boaventura de Sousa (Orgs.) Epistemologias do Sul. Coimbra: CES, 2009, p. 73-117).
SAID, Edward W. “Reconsiderando a teoria intinerante”. In.: SANCHES, Manuela Ribeiro.
Deslocalizar a “Europa”: Antropologia, Arte, Literatura e História na Pós-Colonialidade. Lisboa:
Edições Cotovia, 2005, p. 25-42.
426
Página
RESUMO
O presente artigo se configura como um trabalho a ser apresentado de acordo com um tema
cuja proposta é a de ver a literatura – também como um exercício de liberdade
interpretativa. Isto é, reconhecer a multiplicidade de aberturas presentes em uma obra
literatura em forma de concepções, política, religião, etc., materializadas por meio da/na
linguagem. Para tanto, voltaremos nosso olhar a uma produção (trans)midiática realizada
por fãs acerca da saga Harry Potter, de Rowling. Tido como um fenômeno há vinte anos, a
obra trouxe consigo diversas manifestações em forma de vídeos, artes e mini-filmes como
um modo de se posicionarem em relação aos livros. Nossa pretensão é trazer como objeto de
análise um fanfilm denominado Severus Snape e os marotos produzido por fãs e veiculado no
YouTube e discorrer sobre como a leitura desse grupo acaba por se abrir em diversas
possibilidades de interpretações da obra de Rowling. Por lidar com uma produção
transmidiática, tomaremos como um dos nossos principais pilares os estudo de Jenkins
acerca da Cultura da Convergência, processo permitido devido às múltiplas plataformas
midiáticas disponíveis e por meio das quais os fãs promovem interações a nível mundial. A
partir da filosofia de linguagem do Círculo de Bakhtin, embasaremo-nos em alguns de seus
conceitos, tais como: enunciado/enunciação, ideologia e sujeito, a fim de trazer para a
discussão como essa abertura de possibilidades proporcionada pela literatura dá matéria-
prima para a construção de enunciados-respostas, que surgem como posicionamento
axiológico da saga potteriana. O método utilizado para o trabalho é o dialético-dialógico e
realizado por cotejo.
INTRODUÇÃO
O
presente artigo tem como objetivo analisar a constituição do personagem
Severus Snape, em um fanfilm denominado Severus Snape e os marotos 197
deslocado de sua imagem na obra de Rowling e nos filmes da Warner Bros e
ressignificado em uma produção feita por fãs em forma de vídeo. Conforme ditado
pelo Círculo, compreender linguagem é ver sua manifestação, o enunciado, como
427
197 Severus Snape and the marauders, no original. Segue o link de acesso ao vídeo pelo YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=EmsntGGjxiw
198 Termo utilizado pelos fãs para fazer referência a uma produção em vídeo com imagens e sons produzidos
pelos fãs, mas com personagens de determinado livro, filme, etc.
428
199 Originado de fan kingdom – “reino dos fãs”, em tradução livre –, fandom é o termo utilizado para se caracterizar
um grupo específico composto por pessoas com interesses comuns em alguma produção, seja literária,
cinematográfica, seriada, etc. Essa comunidade ganha esse nome por conta do nível de sociabilidade e interação
Página
entre os fãs, que criam meios nas redes sociais (como blogs, sites de fanfiction, páginas de Facebook), a fim de
partilharem entre si produções referentes às obras de seu interesse.
200Por público-consumidor compreendemos o grupo cuja recepção de uma obra (seja ela qual for) se dá de forma
a sempre consumir o máximo possível de conteúdo sobre o livro/filme/série de que gosta. Esse consumo acontece
principalmente devido às plataformas midiáticas, espaço no qual se concentra a maior parte das interações dos
Página
fãs, além de ocorrer na esfera econômica também, com a compra de produtos que carregam as temáticas de
interesse de cada fandom, como roupas, itens de decoração, etc.
mas as ações que ocorrem por meio delas devido à participação ativa dos fãs-
consumidores. A cultura participativa é a característica chave da diferença entre a
antiga ideia da recepção passiva e a atual recepção consumidora, cujos participantes
Página
201No contexto da sociedade bruxa inglesa, todas as crianças e os adolescentes entre onze e dezessete anos
freqüentam Hogwarts a fim de receberem educação em Magia.
202Marotos era como o grupo formado por Thiago Potter (pai de Harry), Sirius Black, Remo Lupin e Pedro
Página
Pettigrew se denominava no seu tempo de escola. Cada um possuía um apelido para se identificar: Pontas
(Thiago), Almofadinhas (Sirius), Aluado (Remo) e Rabicho (Pedro).
Fonte: http://broadstrokesproductions.com/ssatm/
- Isso vai animar você um pouco, Almofadinhas – comentou Tiago em voz baixa.
– Olhem quem é que...
[...]
- Excelente – disse baixinho. – Ranhoso.
[...] Rabicho olhava de Sirius e Tiago para Snape, com uma expressão de ávido
433
antegozo no rosto.
- Tudo certo, Ranhoso? – Falou Tiago em voz alta.
Página
- Você não tem peito para me enfrentar sem essa coisa, não é? – rosnou Duda.
- E você precisa de quatro amigos às suas costas para atacar um garoto de dez
anos. Sabe aquele título de boxe que você vive exibindo? Que idade tinha o seu
adversário? Sete? Oito?
- Para sua informação ele tinha dezesseis anos e ficou desacordado vinte minutos
depois que acabei com ele, e era duas vezes mais pesado do que você. Espera só
eu contar ao papai que você puxou essa coisa... (ROWLING, 2001, p. 17).
204 Fonte:https://www.youtube.com/watch?v=M27FwMENSMM&list=PLr_IlY238Y4GdviYMOm81B3cOpiMVzW-
b
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
BAKHTIN, Mikhail.Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: HUCITEC, 1997
BRAIT, Beth. Bakhtin Conceitos Chave. São Paulo: Contexto, 2006.
BRAIT, Beth. Bakhtin: Outros Conceitos-Chaves: Contexto, Edição 1
CHEVALIER, J.; GHEERBRANT, A. Dicionário de símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas,
figuras, cores, números. Rio de Janeiro: José Olympio, 2015.
FARACO, C. A. Linguagem e diálogo: as ideias linguísticas do Círculo de Bakhtin. São Paulo:
Parábola Editorial, 2009.
JENKINS, H. Cultura da convergência. Trad. Susana Alexandria. 2 ed. São Paulo: Aleph, 2009.
LÉVY, P. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. Trad.: Luiz Paulo Rounanet. 5
ed. São Paulo: Edições Loyola, 2007.
MEDVÍEDEV, P. O Método formal nos estudos literários. São Paulo: Contexto, 2012.
MORIN, E. Cultura de massas no século XX: neurose. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997
ROWLING, J. K. Harry Potter e a pedra filosofal. Trad. Lia Wyler, Rio de Janeiro: Rocco, 2001.
___. Harry Potter e a câmara secreta. Trad. Lia Wyler, Rio de Janeiro: Rocco, 2001.
___. Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban. Trad. Lia Wyler, Rio de Janeiro: Rocco, 2001.
___. Harry Potter e o cálice de fogo. Trad. Lia Wyler, Rio de Janeiro: Rocco, 2001.
___. Harry Potter e a ordem da fênix. Trad. Lia Wyler, Rio de Janeiro: Rocco, 2001.
___. Harry Potter e o enigma do príncipe.Trad. Lia Wyler, Rio de Janeiro: Rocco, 2001.
___. Harry Potter e as relíquias da morte. Trad. Lia Wyler, Rio de Janeiro: Rocco, 2000.
SOUZA, Geraldo Tadeu. Introdução à teoria do enunciado concreto:Círculo de
Bakhtin/Volochinov/Medvedev – 2 ed. – São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP, 2002.
VOLOCHÍNOV, V. A construção da enunciação e outros ensaios.São Carlos: Pedro & João Editores,
2013.
436
Página
RESUMO
O presente trabalho, que se ancora em uma pesquisa em andamento, busca realizar uma
breve reflexão acerca dos sentidos do discurso da série literária Harry Potter, constituído
principalmente pelo embate de valores entre o “bem” e as “trevas”, a partir de signos
representativos de determinadas valorações sociais. A partir dos escritos do Círculo de
Bakhtin e no intuito de refletirmos sobre o enunciado estético, enquanto reflexo e refração da
realidade, tomamos como objeto de análise enunciados produzidos pelos interlocutores de
Harry Potter no âmbito da Marcha das Mulheres (2017) realizada como um protesto contra o
presidente norte-americano Donald Trump.
INTRODUÇÃO
A
obra literária Harry Potter, composta por sete volumes, escrita e publicada
pela autora britânica J.K. Rowling no período entre 1997 e 2007, consolidou-
se como uma grande franquia dentro da indústria cultural, tornando-se um
fenômeno massivo que extrapolou as páginas dos livros; sobretudo, a partir de sua
adaptação para o cinema em oito filmes (2001-2011), o que catapultou a produção de
jogos, roupas, alimentos, brinquedos, etc., bem como a transformação de seus
personagens e de suas trajetórias enquanto sujeitos do enredo fantástico em signos
da chamada cultura pop contemporânea.
Devido ao grande sucesso mundial, denominado enquanto fenômeno cultural
como pottermania, e a despeito da crítica e de sua classificação como “literatura de
massa” (o que nos revela uma dada valoração), a obra também adentra o contexto
acadêmico, tornando-se um profícuo objeto de pesquisa para a investigações de
temáticas que vão desde a formação de jovens leitores até as significações sociais da
obra, consolidando-se como um importante objeto de reflexão acerca da relação que
estabelece com questões sociais e políticas importantes no mundo contemporâneo.
Neste aspecto, e segundo Ródenas (2009), é válido ressaltar que a narrativa de Harry
437
206Mestra em Linguística. Doutoranda em Linguística e Língua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista
Página
“Júlio de Mesquita Filho” (UNESP/FCLAr), bolsista pela CAPES/FAPESP (Processo nº 2017/27061-0). E-mail:
anasiani@outlook.com.
intitulado Raça, gênero e classe na obra Harry Potter: uma análise dialógica do discurso, realizado pela autora, sob
orientação da Profa. Dra. Luciane de Paula e com apoio da CAPES/FAPESP (Processo nº 17/27061-0).
210 A palavra “trouxa”, na edição em português do Brasil e no original, em inglês, “muggles”, é como são
denominadas as pessoas que não possuem poderes mágicos, os sujeitos não-bruxos na obra Harry Potter.
211 Nos situando no âmbito dos estudos bakhtinianos discursivos, é importante pontuar para evitar mal-
entendidos que estamos refletindo sobre a interrelação entre o enunciado concreto e seu horizonte ideológico,
desta maneira, tratamos de relações raciais aqui em consonância com as configurações vividas. Isto é,
compreendemos as relações raciais em Harry Potter como uma materialização sígnica das relações racializadas
438
entre grupos étnicos, tendo em vista, opressões como o racismo e o racialismo modernos, que foram baseados em
termos genéticos, entre outros conceitos, e por mais que abolidos, ainda resistem sociologicamente em suas
significações sociais, produzindo discurso e sentidos.
Página
212 Os bruxos “nascidos-trouxas” são aqueles cujo os dois pais não são bruxos; os bruxos mestiços, aqueles cujo
um dos pais é bruxo; e os bruxos sangue puro são os sujeitos cujo os dois pais são bruxos e que geralmente
descendem de uma grande linhagem de bruxos sangue puro; e por último existem ainda os indivíduos
denominados socialmente como “abortos” que seriam os sujeitos que nascem em famílias inteiramente mágicas,
mas que não possuem magia.
213 Os elfos domésticos vivem um regime de escravidão, sendo obrigados a servir uma família bruxa durante toda
a vida. Em sua maioria, famílias bruxas sangue puro que, mais conservadoras, possuem elfos domésticos na
história.
439
214 Por se tratar de uma obra fantástica, o atributo e valor de “humanidade” funciona de modo específico, uma vez
que existem também os “animais” e “criaturas”, que são domesticados e controlados pelos outros grupos
(humanos bruxos e semi-humanos), como dragões, trasgos, fênix, hipogrifos, etc.
Página
215 O principal cenário para os desdobramentos da trama é a Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, e o enredo
216A partir da expressão “sangue-ruim”, usada para denominar pejorativamente os bruxos nascidos-trouxas,
Página
podemos compreender o valor social que os grupos conservadores e preconceituosos de Harry Potter dão à pureza
de sangue, entendida aqui como pureza da raça.
[...] Cada enunciado deve ser visto antes de tudo como uma resposta aos
enunciados precedentes de um determinado campo (aqui concebemos a palavra
“resposta” no sentido mais amplo): ela os rejeita, confirma, completa, baseia-se
neles, subentende-os como conhecidos, de certo modo os leva em conta
(BAKHTIN, 2011, p. 297, grifo do autor).
A partir do que nos diz Bakhtin (2011), podemos dizer que todo enunciado se
relaciona com outras enunciações, que por sua vez foram produzidas por outros
sujeitos a partir de suas diferentes posições ideológicas e lugares sociais. Portanto,
442
Harry Potter
que possui organização e estrutura próprias. E a partir disto, reflete e refrata à sua
A obra, como a réplica do diálogo, está disposta para a resposta do outro (dos
outros), para a sua ativa compreensão responsiva, que pode assumir diferentes
formas: influência educativa sobre os leitores, sobre suas convicções, respostas
críticas, influência sobre seguidores e continuadores; ela determina as posições
responsivas dos outros nas complexas condições de comunicação discursiva de
um dado campo da cultura (BAKHTIN, 2011, p. 279).
444
interlocutores, que por sua vez podem se dar das mais variadas formas,
Figura 02
As figuras (1) e (2) acima trazem meninas segurando cartazes, e por uma
tradução livre, os mesmos trazem os seguintes dizeres: (1) “Quando Voldemort é
presidente, nós precisamos de uma nação de Hermiones” e (2) “Eu até prefiro
Voldemort”. A partir dos sentidos ressoados por tais cartazes, podemos dizer que os
posicionamentos ideológicos do presidente Donald Trump são associados no interior
dos enunciados aos da personagem Lord Voldemort. Aqui, portanto, ambos os
sujeitos (Trump e Voldemort) são como signos de determinados valores ideológicos,
sendo que Trump referenciado no cartaz da figura (1) pela palavra “presidente”,
escrita nas cores da bandeira dos Estados Unidos, no cartaz da figura (2) é apenas o
objeto subentendido do discurso materializado no enunciado.
Ainda na imagem (1), a relação interdiscursiva do enunciado com Harry Potter
é marcada na forma das letras, uma vez que os nomes como “Voldemort” e
446
“Hermiones” são escritos na fonte oficial da franquia Harry Potter. Também estão
presentes no cartaz (2) desenhos que representam diferentes mulheres, nos revelando
Página
219A escola de Hogwarts é dividida em quatro casas comunais: Grifinória, Sonserina, Corvinal e Lufa-Lufa (na
447
tradução para o português brasileiro). Essas casas que representam os quatro fundadores da escola (Godric
Grifinória, Salazar Sonserina, Rowena Corvinal, Helga Lufa-Lufa, respectivamente) e seus ideais, subentendem
determinadas características e valores sociais prezados por cada um dos fundadores. Assim, os alunos são
Página
divididos nas casas a partir de suas características emocionais, e coincidência com esses valores compartilhados
pelos fundadores.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Editora Martins Fontes, 6ª ed., 2011.
BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. São Paulo: Hucitec, 7ª ed.,
2014.
FANON, F. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA, 2008.
MEDVIÉDEV, P. N. O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma poética
sociológica. São Paulo: Contexto, 2012.
PONZIO, A. A revolução bakhtiniana: o pensamento de Bakhtin e a ideologia contemporânea. São
Paulo: Contexto, 2ª ed., 2016.
RÓDENAS, C. A. La Saga Harry Potter: Interculturalidad y denúncia del racismo. In: Caudernos de
Literatura Infantil y Juvenil, N. 227, junho de 2009. Disponível em: < http://www.revistaclij.com/clij-
227-junio-2009/> Acesso em: 14 de set. 2018.
ROWLING, J. K. Harry Potter e a Pedra Filosofal. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.
ROWLING, J. K. Harry Potter e a Câmara Secreta. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.
ROWLING, J. K. Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.
ROWLING, J. K. Harry Potter e o Cálice de Fogo. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.
ROWLING, J. K. Harry Potter e a Ordem da Fênix. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.
ROWLING, J. K. Harry Potter e o Enigma do Príncipe. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.
ROWLING, J. K. Harry Potter e as Relíquias da Morte. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.
SAFFIOTI, H. I. B. O poder do macho. São Paulo: Moderna, 1987.
SAFFIOTI, H. I. B. Gênero, patriarcado e violência. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo,
2004.
VOLOCHÍNOV, V. N. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Editora Hucitec, 13ª ed., 2009.
VOLOCHÍNOV, V. N. A construção da enunciação e outros ensaios. São Carlos: Pedro & João
Editores, 2013.
449
Página
RESUMO
O presente texto traz como proposta pensarmos uma escritura acadêmica que, dialogando
com a palavra de Bakhtin e Boaventura, nos apresente uma ciência outra, uma heterociência.
Como contribuir para que a teoria polifônica de Bakhtin seja sempre
renovada em palavras de atos responsáveis em textos acadêmicos? Assim,
buscamos enunciar com uma ciência dialogando nas possibilidades e
fidelidades fronteiriças entre o discurso científico-acadêmico e o discurso
artístico-literário. Nosso principal objetivo é pensarmos com Bakhtin, em diálogo com
Boaventura, possíveis formas alargadas de dizer o conteúdo enunciativo-
volitivo-emocional de um ser humano. Nessa perspectiva torna-se crucial que, além
de propiciar uma aproximação entre o discurso científico e o discurso artístico e literário, os
pesquisadores assumama responsabilidade de não apagar as vozes do sujeito
expressivo-falante, humano, inteiro, emotivo-volitivo. Tal metodologia busca
trazer os sujeitos na pesquisa das ciências humanas como sujeitos do ato, responsivos,
expressivos e não objetificados.
220 1. Doutoranda em Educação pela Universidade Federal Fluminense do Rio de Janeiro. Professora de Artes
450
Cênicas da Rede Municipal de Ensino do Rio de Janeiro. Integrante do Grupo de Estudos Bakhtinianos Atos –
UFF. E-mail: anaelisa.alsan@gmail.com
221 2. Mestranda em Educação pela Universidade Federal Fluminense do Rio de Janeiro. Professora aposentada da
Página
Secretaria Estadual de Educação do Estado do Rio de Janeiro. Integrante do Grupo de Estudos Bakhtinianos Atos
– UFF. E-mail: biaconcencio@yahoo.com.br
222 BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003. (p. XXXIII)
- não dispõem de teorias explicativas que lhes permitam abstrair do real para
depois buscar nele, de modo metodologicamente controlado, a prova adequada.
- não podem estabelecer leis universais porque os fenômenos sociais são
historicamente condicionados e culturalmente determinados
- não podem produzir previsões fiáveis porque os seres humanos modificam o seu
comportamento em função do conhecimento que sobre ele se adquire
- não são objetivas porque o cientista social não pode libertar-se, no ato de observação,
dos valores que informam a sua prática em geral e, portanto, também a sua prática de
cientista (Nagel, apud Santos, p. 66).
Prova adequada, leis universais, previsões fiáveis... Ora, o que seria uma
prova adequada? Ou adequada para quem? Leis universais mudam o tempo todo
com novas descobertas. Previsões fiáveis podem ser para uns e podem não ser para
outros. Questões para serem dimensionadas através de um prisma relativo entre as
coisas e os fenômenos, senão o rigor que afirma a personalidade do cientista acabará
por destruir a personalidade da natureza224. Estaremos diante de uma farsa? Ou de
uma verdade parcial?
Fundamental o diálogo na fronteira. Não importa qual seja o objeto da
pesquisa, pode ser humano ou não humano, orgânico ou inorgânico, uma interação
verbal ou não verbal será travada. Toda pesquisa das ciências naturais também é
humana. Um cristal não pode escrever uma tese, assim como o cristal precisa de um
humano para significá-lo como um cristal. Senão... Ele não existiria. “Não há uma
natureza humana porque toda natureza é humana225”. A natureza existe porque nós a
significamos dessa ou daquela forma. Sem o humano não existe natureza e sem
natureza não existe o humano. Assim sendo, concordamos plenamente que “todo
conhecimento científico-natural é científico-social” (ibid. 92), haja vista que os seres
humanos vivem em grupos sociais que compõem a sociedade como um todo.
Não estamos nos afastando do foco. Aqui Boaventura nos indica mais
profundamente o momento do abraço entre a literatura e a ciência, pois ele afirma
que na evolução teórica das ciências naturais, a mão quente e acolhedora das ciências
sociais se apresenta em conceitos e metáforas.
224 SANTOS, Boaventura de Souza. A Crítica da Razão Indolente. São Paulo: Cortez, 2011. (p. 73)
225 (Ibid, p.89)
Alusão à Bakhtin (2003) quando diz: Quanto a mim, em tudo eu ouço vozes e relações dialógicas entre elas. Da
226
Caro Bakhtin,
Sabemos que não foi possível o nosso encontro no pequeno tempo de nossas
vidas, pois na estrada sincrônica nossos corpos-consciências se desencontraram.
Contudo, pela afinidade na teia amorosa e sincera de seus escritos, pudemos nos
encontrar diacronicamente através dos estudos da professora Marisol Barenco e do
grupo Atos. O grande tempo é essa mágica que nos possibilita encontrar e atualizar
atos responsáveis na lida por uma cultura científico-artística que não objetifique os
seres.
Observar-se em contato com o outro, em contato com o mundo - que nos afeta,
nos tange, constrange, nos toca, confronta, expande - precisa ser aprendido.
Aprender a perceber como interagimos com o que nos cerca: sons, imagens, pessoas,
objetos, cores... É exercício de nobre beleza. O desenvolvimento de uma consciência
que não apenas constata, mas que constrói seus movimentos sígnicos em interação
com o mundo deveria ser importante enfoque de aprendizado em processos
educativos. Aprender não apenas com a mente concentrada na apreensão de
conceitos, desenvolvimento de soluções e resultados, mas também nos processos de
compreensão dos fenômenos intrínsecos às experiências humanas.
Quando nos deparamos com o seu capítulo - Metodologia nas Ciências
Humanas – escrito nos idos dos anos 30 com o título “Os fundamentos filosóficos das
ciências humanas” nossos corações se alegram. Uma alegria que brota
espontaneamente no reconhecimento de tamanha sensibilidade, inteligência e
perspicácia, ao tecer o caminho a ser percorrido para uma metodologia polifônica;
que encare a pesquisa na matriz do dialogismo, na arquitetônica do eu-outro em
plenivalência, onde a verdade pravda227, se alinha na certeza de que “uma ideia em
uma consciência isolada se degenera e morre” (Bakhtin, 2015, p. 98).
Não precisamos dizer o quanto gostaríamos de termos te conhecido
pessoalmente, o quanto Boaventura e nossos colegas - bakhtinianos de carteirinha -
gostariam de ter te conhecido também; de termos frequentado o Círculo, tomarmos
vinho juntos, de sermos amigos. Sim, fazemos círculos aqui também... Pesquisando,
escarafunchando teus escritos, teus ditos e não ditos, que procuramos sorver nas
entrelinhas, nas subliminares linhas do saber na literatura, na ciência, na poética da
455
BAKHTIN, Mikail. Para uma Filosofia do Ato Responsável. Tradução: Valdemir Miotello & Carlos Faraco. São
227
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikail. Problemas da Poética de Dostoiévski. Tradução de Paulo Bezerra. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 5ª ed., 2015.
BARENCO, Marisol e ATOS-UFF. Constelar. In Revista Aleph. Ano X. 2016
456
Página
228 BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003 (p. 394)
RESUMO
INTRODUÇÃO
E
stabelecer relações de semelhança entre as reflexões de dois pensadores que
nunca se conheceram não é tarefa fácil. Todavia, o desafio se converteu em
entusiasmo na medida em que a leitura dos textos de Mikhail Bakhtin (1895 –
1975) tornou patente afinidades conceituais entre ele e Hannah Arendt (1906 – 1975).
Nascido em Oriol, Rússia, Bakhtin é um teórico com influência
mundialmente reconhecida no âmbito dos estudos de linguística, teoria e crítica
literária.
Independente das controvérsias existentes em torno da autoria de alguns
textos de tendência marxista e que diz respeito ao grupo de estudiosos russos,
denominado Círculo de Bakhtin , sua obra é repleta de ajuizamentos filosóficos que
engendram conceitos bastante significativos não só para a pesquisa de cunho
literário, mas também para uma melhor compressão das relações que estabelecemos
com os outros e com o mundo. Talvez seja por ter essa visão de si e de seu trabalho
que Bakhtin tenha declarado em uma entrevista a Duvakin, que se considerava “mais
457
229
Doutoranda em Literarura do PósLit – UnB. Metra em Filosofia pelo PPG-FIL, UnB. Professora de Filosofia do
Página
IFMA. E-mail:cacildabonfim7@gmail.com
[...] encontramo-nos convencidos de que Bruehl, sua biógrafa, tem razão: ‘Arendt,
passou a vida toda falando em política, mas o seu testamento é filosófico’. Ao
percorrer suas obras, percebemos que o questionamento arendtiano à filosofia
não se punha apenas no âmbito negativo, do questionamento, mas era possível
extrair, de sua obra, uma compreensão positiva do filosofar (AGUIAR, 2001, p.
12).
Designar Bakhtin e Arendt como filósofos é admitir que suas análises foram
alicerçadas na Filosofia, de tal modo que esta passou a permear toda a estrutura de
suas obras.
A fim de suplantar qualquer dúvida que ainda possa pairar na denominação
que este artigo faculta aos dois pensadores, é preciso lembrar que como leitores,
professores, estudantes e/ou pesquisadores devemos estar atentos às armadilhas de
posicionamentos dogmáticos e recordar que a atividade de filosofar sempre foi tema
impresso na própria Filosofia. Os modos pelos quais os filósofos se debruçaram sobre
os seus objetos perfazem também aquilo que se determinou como História da
Filosofia e mais ainda, é preciso admitir que a Filosofia, no processo radical de
refletir criticamente sobre seu próprio percurso não está acabada e completamente
definida, mas é algo que se lança para o futuro em busca de sentidos não
cristalizados pela tradição.
Segue-se assim, à cata de evidenciar semelhanças entre o pensamento dos
dois filósofos a partir do uso que ambos fazem da emblemática figura de Sócrates (≅
469 a.C.- 399 a.C.).
nada deixou por escrito e por isso acabou sendo ideologizado por seus discípulos.
230Cabe lembrar que para Bakhtin, em oposição aos gêneros-sérios (os mimos de Sófron, o
Página
diálogo socrático, a literatura dos simpósios, a memorialística, os panfletos, a poesia bucólica e a sátira
menipeia) está a epopeia, a tragédia, a história e a retórica clássica.
A Ética é tema central de um dos primeiros textos de Bakhtin, “Para uma filosofia
do ato”, está muito presente em “O autor e o personagem na atividade estética”,
e transparece de maneira mais ou menos explícita em sua teoria do romance e
nas análises críticas de Dostoiévski e Rabelais (NUTO, 2010, online).
Não existem normas morais que sejam determinadas e válidas em si como normas
Página
morais, mas existe um sujeito moral com uma determinada estrutura (não uma
Em outras palavras, não é o conhecimento teórico de uma norma que faz com
que ela se torne um dever para sujeito. Se isso fosse possível, então não haveria uma
dicotomia entre cultura (teoria) e vida. A validade do dever não provem da teoria,
mas emana do próprio ato responsável, ou seja, do pensamento participativo
daquele que age.
Essa concepção vai de encontro a ambição filosófica de estabelecer normas
universais (teóricas ou práticas) mediante uma fórmula que tenta enquadrar sujeito,
vida e mundo em sistemas teóricos que engessam o conhecimento.
[...] o mundo como objeto da cognição teórica procura fazer-se passar como o
mundo na sua totalidade, isto é, não apenas como um Ser abstratamente unitário,
mas também como um Ser concretamente único na sua possível totalidade
(BAKHTIN, 2014, p. 24)
231 O diálogo socrático, através da concepção de natureza dialógica da verdade, do mecanismo de anácrise e
síncrese, da introdução do herói-ideólogo, do diálogo no limiar (que faz a pessoa revelar as camadas mais
profundas do seu pensamento) e da imagem embrionária da ideia contribuiu para a “evolução da prosa literária
461
uso da ironia. Todavia isso não invalida a possibilidade do conceito bakhtiniano ter inspiração socrática, ideia
Página
[...] a voz do herói sobre si mesmo e o mundo é tão plena como a palavra [...] do
autor; não está subordinada à imagem objetificada do herói como uma de suas
características, mas tampouco serve de intérprete da voz do autor. Ela possui
independência excepcional na estrutura da obra, é como se soasse ao lado da
palavra do autor, coadunando-se de modo especial com ela e com as vozes
plenivalentes de outros heróis. (BAKHTIN, 2008, p. 5)
233Não se pretende tratar aqui do paralelismo entre nazismo e stalinismo feito por Arendt em sua obra, Origens do
462
totalitarismo. Entretanto é pertinente observar que tal afinidade traz à tona a compreensão de que o totalitarismo
surge de um desdobramento tanto capitalista quanto socialista, sendo, portanto, um fenômeno, até certo ponto,
independente de forças econômico-políticas “liberais ou conservadoras, nacionais ou socialistas, republicanas ou
Página
A questão posta é que com Platão a legitimação dos governos não necessitava
vir da cidadania, mas poderia resultar de fontes externas, implicando com isso que a
política fosse tida como dominação.
234 Entendida neste contexto como a explicação racional do real através de argumentos metafísicos.
Demarcado este primeiro aspecto, parte-se para a análise do segundo uso que
Arendt faz da imagem de Sócrates, sobre a faculdade de pensar que, por sua vez,
surgiu como mote para a compreensão da incapacidade de pensar que ela
diagnosticou em Adolf Eichmann durante o seu julgamento.235 Daí porque se faz
necessária uma breve explanação sobre este caso.
Segundo Arendt, as audiências jurídicas com o funcionário nazista, que
deviam configurar-se como um espetáculo grandioso, foram perdendo as proporções
na medida em que o réu revelava sua mediocridade, sua cega obediência, sua
incapacidade de discernimento moral, sua falta de convicção própria, sua linguagem
carregada de clichês e frases feitas. Quanto mais o terror de seus atos vinha à tona em
terrificantes testemunhos e documentos, mais sua nulidade tornava-se gritante.
A completa insignificância de Eichmann, entretanto, não amenizava seus
hediondos atos e era exatamente isto que chamava a atenção de Arendt.
O réu não tinha motivações ideológicas arraigadas.
[...] não entrou para o Partido por convicção nem jamais se deixou convencer por
ele – sempre que lhe pediam para dar suas razoes, repetia os mesmos clichês
envergonhados sobre o Tratado de Versalhes e o desemprego; antes, conforme
declarou no tribunal, “foi como ser engolido pelo Partido contra todas as
expectativas e sem decisão prévia. Aconteceu muito depressa e repentinamente”.
Ele não tinha tempo, e muito menos vontade de se informar adequadamente,
jamais conheceu o programa do Partido, nunca leu Mein Kampf. Kaltenbrunner
disse para ele: Por que não se filia à SS? E ele respondeu: Por que não? Foi assim
que aconteceu, e isso parecia ser tudo (ARENDT, 2001b, p. 44 e 45)
O súdito ideal do governo totalitário não é o nazista convicto, mas aquele para
quem já não existe diferença entre o fato e a ficção (isto é, a realidade da
experiência) e a diferença entre o verdadeiro e o falso (isto é, os critérios do
pensamento) (ARENDT, 2000, p. 526).
235Chefe da Seção de Assuntos Judaicos e um dos principais responsáveis pela concentração e evacuação dos
judeus da Alemanha, Áustria e Tchecoslováquia, durante o Terceiro Reich, Adolf Eichmann foi preso em 1960, em
Buenos Aires, e julgado pela Corte de Israel, que o condenou à morte por enforcamento em maio de 1962.
Enviada a Jerusalém, com a finalidade de fazer a cobertura completa do julgamento para a revista New Yorker,
464
Hannah Arendt compilou seus escritos no livro Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal (1963).
Nessa obra, Arendt cunhou o conceito “banalidade do mal”, que não significa algo comum, trivial ou irrelevante
e sim, algo terrificante e temível, que desafiava palavras e pensamentos e que caracterizava a falta de
Página
profundidade do réu.
236 Infelizmente, em virtude de seu falecimento em dezembro de 1975, o livro de Arendt ficou inacabado, tendo
apenas as duas primeiras partes (o pensar e o querer) concluídas.
465
237 A distinção entre significado e verdade é um ponto crucial na investigação arendtiana, pois seu oposto, ou seja,
tratar significado como sendo o mesmo que verdade foi para Arendt uma das maiores falácias metafísicas da qual
nem mesmo Heidegger havia escapado, visto ter dito que o significado do Ser e a verdade do Ser eram uma e a
Página
mesma coisa.
Enquanto estou consciente, isto é, consciente de mim mesmo, sou idêntico a mim
mesmo somente para aqueles a quem apareço como sendo um só. Para mim
mesmo, ao articular esse estar-consciente-de-mim-mesmo, sou inevitavelmente
dois-em-um. [...]. Sem essa cisão original, que Platão mais tarde utilizou ao
definir o pensamento como diálogo sem som (eme emautô) de mim comigo
mesmo, o dois-em-um, que Sócrates pressupõe em sua afirmação sobre a
harmonia comigo mesmo, não seria possível (ARENDT, 1993, p. 164)
Em relação a outra frase: “É melhor sofrer o mal do que cometer” fica claro,
depois da explicação da dualidade instalada na unicidade, que o motivo pelo qual
Sócrates não quer fazer o mal está no fato de que teria que suportar uma vida inteira
com um malfeitor dentro de si.
Assim, do mesmo modo que a presença do outro é fundamental na reflexão
de bakhtiniana, o reconhecimento da alteridade é condição indispensável para
que o diálogo do pensamento aconteça em Arendt, pois a existência do outro já
está presente no próprio “eu”. Sem perder de vista, claro, que ambas as
concepções são motivadas pela figura de Sócrates.
Além disso, a atividade de pensar remete ao conceito arendtiano de
pluralidade humana que:
466
238 Estas parecem ser exatamente as características que Bakhtin também ressalta no filósofo grego. Ver em
Página
Como não ver nessas palavras de Arendt toda a reflexão de Bakhtin sobre o
dialogismo e alteridade?
As duas frases de Sócrates indicam que a condição para que ocorra a atividade
do pensamento é a concordância, pois os que dialogam (o dois-em-um) precisam
estar em conformidade, como dois amigos. Caso contrário, ao invés da harmonia
requerida para o diálogo entra em cena o desacordo consigo mesmo, isto é, a guerra
interior (Cf. ARENDT, 1993, p. 165), algo que bem visível em várias obras de
Dostoiévski analisadas por Bakhtin, fundamentalmente, Crime e Castigo, que relata
toda a luta interior do protagonista, Raskolnikov.
Vale ainda registar que para Arendt, o pensamento é como o vento e seu sopro
é a manifestação do espírito no mundo das aparências (Cf. ARENDT, 1992, p. 131).
467
Sua atividade invisível torna-se presente através das palavras que por sua vez,
requerem metáforas, ou seja, expressões que estabeleçam uma ponte na qual seja
Página
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Aceitar que Eichmann não tinha outra opção, a não ser cumprir
obedientemente as ordens que lhe davam, é fechar os olhos aos exemplos, poucos,
porém, reais daqueles que não aderiram ao regime nazista. É fazer de conta que
nunca houve movimentos de resistência (como o marcante e histórico movimento
francês), é ignorar ou querer esquecer a ajuda em termos de esconderijos, passaportes
falsos, vistos, fugas etc., que alguns, mesmo sob pena de morte e degradação,
ofereceram àqueles que eram vítimas das terrificantes atrocidades totalitárias. A
culpa existe, exatamente porque a capacidade de pensar é comum a todos.
O que exigimos [...] é que os seres humanos sejam capazes de diferenciar o certo
do errado mesmo quando tudo que têm para guiá-los seja apenas seu próprio
juízo [...] [que] pode estar inteiramente em conflito [...] com a opinião unânime de
todos a sua volta. Os poucos ainda capazes de distinguir certo e errado guiavam-
se apenas por seus próprios juízos [...] e tinham que decidir sobre cada caso
quando ele surgia, porque não existiam regras para o inaudito (ARENDT, 2001b,
p. 318).
certeza de respeitar suas diferenças e não pretender esgotar tal aproximação. Ambos
fazem uma crítica à pretensão filosófica (em teorias que visam a cognição) de tratar o
Página
REFERÊNCIAS
AGUIAR, Odílio Alves. Filosofia e política no pensamento de Hannah Arendt. Fortaleza: EUFC, 2001.
ARENDT, Hannah. A vida do espírito: o pensar, o querer, o julgar. Tradução de Antonio Abranches.
Rio de Janeiro: Relume-Dumará: Ed. UFRJ, 1992.
________. Entre o passado e o futuro. Tradução, Mauro W. Almeida. 2ª ed. São Paulo: Perspectiva,
1979.
________. A dignidade da política: ensaios e conferências. Organizador Antonio Abranches. Rio de
Janeiro: Relume–Dumará, 1993.
________. Origens do totalitarismo. Tradução de Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras,
2000.
________. A condição humana. Tradução de Roberto Raposo. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2001a.
________. Eichmann em Jerusalém. Tradução de José Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia das
Letras, 2001b.
BAKHTIN, M; DUVAKIN, V. Mikhail Bakhtin em diálogo: conversas de 1973 com Viktor Duvakin. São
Carlos (SP): Pedro & João Editores, 2008.
BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoiévski. Trad. Paulo Bezerra. Rio de Janeiro, 2008.
________. Estética da criação verbal. Tradução, Maria Emsantina Galvão G. Pereira, 2ª ed. São Paulo
Martins Fontes, 1997.
________. Para uma filosofia do acto. Tradução, Bruno Monteiro. Lisboa: Deriva Editores, 2014.
469
DUARTE, André. O pensamento à sombra da ruptura: política e filosofia em Hannah Arendt. São
Paulo: Paz e Terra, 2000.
Página
470
Página
“A
manta do soldado”, de Lídia Jorge, também conhecida por “O vale da
paixão”, título pela qual foi originalmente publicada, é uma obra
literária extraordinária que leva o leitor a acompanhar a trajetória
empreendida pela personagem narradora para encontrar a sua própria identidade,
em uma narrativa carregada de simbolismos.
A narradora, que transita entre a terceira e a primeira pessoa, inicia seu
processo de autoconhecimento através de lembranças fragmentadas oriundas de
objetos que pertenceram ao seu pai e de relatos fortuitos que fazem, sobre ele,
familiares e empregados da casa onde mora, em Valmares, cidade fictícia do
Algarves, região sul de Portugal.
Gerada no encontro amoroso entre Maria Ema e Walter Dias, o filho mais novo
do déspota Francisco Dias, a narradora é criada e registrada como filha do irmão
mais velho e coxo de Walter, Custódio Dias, que para reparar o erro do irmão, que
foge para a Índia, casa-se com Maria Ema, assumindo a criança como sua, a mando
do pai.
Assim, fracionada entre o papel de sobrinha e de filha do tio, que é na verdade
pai, a narradora vai tecendo a identidade de seu progenitor e também a sua, através
de rastros deixados por ele; rastros esses, que fazem a sua história manter-se viva,
não sendo esquecida ou apagada:
Graduanda do curso de Letras Português/Literaturas da Universidade Federal do Pampa, Campus Bagé, RS. E-
240
mail: daiaverconte@gmail.com
personagem, pois a narradora transita entre a terceira e a primeira pessoa; ora ela é
Como na noite em que Walter Dias visitou a filha, de novo os seus passos se
detêm no patamar, descalça-se rente a parede com a agilidade duma sombra,
prepara-se para subir a escada, e eu não posso dissuadi-lo nem detê-lo, pela
simples razão de que desejo que atinja rapidamente o último degrau, abra a porta
sem bater e entre pelo limiar apertado, sem dizer uma palavra (JORGE, 2003, p. 7,
grifo nosso).
O dono de Valmares achava que sua casa era uma empresa sólida uma unidade
de produção à semelhança dum estado (JORGE, 2003, p.44).
[...]
Aliás, eles (os filhos) não existiam diante de Francisco Dias. Só à medida que
anunciavam que iam partir começavam a ter singularidade na casa, a ter
identidade própria diante do pai, saíam do molho, do bando produtivo, da
brigada de trabalho que formavam, para serem pessoas identificadas. Para serem
chamados um a um, diante das malas que faziam de noite. (JORGE, 2003, p. 84, grifo
nosso)
Aliás, a palavra fora dela, Maria Ema. Ela mesma me pedira silêncio, antes da
chegada de Walter. […] mas Maria Ema mostrava-mo antes que Walter chegasse,
porque queria pedir-me um favor, em nome dos meus três irmãos e do próprio
Custódio Dias. O favor era o seguinte – Queria pedir-me que nunca trocasse os
nomes, que sempre tratasse Walter dias por tio. Pedia-me, pelo amor de Deus,
que eu jamais me enganasse. (JORGE, 2003, p. 135/134, grifo nosso)
Mais, ela era o próprio segredo, vivo e latente, que andava pela casa a lembrar
a todos a sua condição de bastarda e, por isso, muitas vezes imaginava como seria a
vida daqueles que habitavam aquele lugar se não tivesse nascido, se Maria Ema
tivesse a abortado:
Porque ela deveria ter-se desfeito de mim, para ser ela mesma, durante a vida de
mulher que merecia ter tido, mas não se desfez. Não soube, não tinha como nem
com quê. Não conhecia os caminhos para se desfazer da criatura que se
enroscava dentro de si. Por isso, ela tinha-se deixado prolongar para além da sua
vontade e eu tomava-lhe pelo pedaço necrosado dela. (JORGE, 2003, p. 133).
em que estiveram juntos, e que na noite chuvosa de 63, como por um milagre, lhe é
concedido mais uma vez:
Página
Mas se não tivesse sido eu, Maria Ema estaria ao lado de Walter, os filhos de
Custódio Dias seriam duma outra mulher e os meus irmãos seriam filhos de
Maria Ema Baptista e de Walter Glória Dias. Talvez só eles existissem, não eu. Eu
era filha dum acaso, dum ímpeto, dum desencontro de viagem, duma bruteza da
juventude, da exuberância do corpo (JORGE, 2003, p. 134).
Como na noite em que Walter Dias visitou a filha, de novo os seus passos se
detêm no patamar, descalça-se rente à parede com a agilidade duma sombra,
prepara-se para subir a escada, e eu não posso dissuadi-lo nem detê-lo, pela
simples razão de que desejo que atinja rapidamente o último degrau, abra a porta
sem bater e entre pelo limiar apertado, sem dizer uma palavra. E foi assim que
aconteceu. Ainda o tempo de reconstituir esses gestos não tinha decorrido, e já
ele se encontrava ameio do soalho segurando os sapatos com uma das mão
(JORGE, 2003, p. 7, grifo nosso).
A primeira tentativa mais brusca de romper os elos que a ligavam ao pai foi o
seu envolvimento com Dr. Dalila. O relacionamento com o médico alcoólatra e
impotente que durou 10 anos conseguiu fazer a personagem se livrar do revólver
Smith que significava a proteção de Walter, a proteção do pai:
Ele (Dr. Dalila) disse-lhe: - Se me amas, vais lá a tua casa buscar essa arma para te
desfazeres dela. Entendes? Ou ela ou eu […] Se uma mulher precisa de dormir
sobre o revólver do pai, é porque não ama o marido.
[…]
E o Dr. Dalila, que até se encontrava sóbrio, a partir daquele instante, parecia ir
ficando gradualmente embriagado. Descalçou os sapatos, aproximou-se das
ondas, entrou por elas dentro e, com uma fúria extraordinária, atirou o revólver
Smith para água, gritando: “Requiescat in pace”!
476
um pai deve dar a uma filha: “Ela sabia que entre o colchão de fatana e o de lã existia
mulher que cresceu em uma casa sem amor, sem carinho e sem proteção. E que para
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Ana Denise Teixeira; GOMES, Leny da Silva. Espaço e memória em A manta do soldado,
de Lídia Jorge, XI SEPesq, 2015. Disponível em:
<http://www.uniritter.edu.br/files/sepesq/arquivos_trabalhos/3612/694/1012.pdf>. Acesso em: 18 jun.
2018.
BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o estatuto da criança e do adolescente e dá
outras providências. Diário Oficial [da] União. Brasília, DF, em 16.07.1990.
FERRO, Letícia Costa e Silva. Da identidade à palavra empenhada: um estudo comparado de A hora
da estrela e O vale da paixão. Revista Crioula, nov. 2009.
GAGNEBIN, Jeanne Marie. Lembrar, escrever, esquecer. São Paulo: Editora 34, 2009.
JORGE, Lídia. A manta do soldado. Rio de Janeiro: Record, 2003.
MICHAELIS. Dicionário online. Disponível em <http://michaelis.uol.com.br/moderno-
portugues/busca/portugues-brasileiro/identidade/>. Acesso em: 20 jun. 2018.
SILVA, Tomaz T. (Org.) Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Rio de Janeiro:
Vozes, 2009.
SOUZA, Mariana Jantsch de; SPAREMBERGER, Alfeu. Arquitetura de uma identidade: memória e
narração como matéria-prima em O vale da Paixão , de Lídia Jorge. 2014. Disponívelem:
<http://www.portal.anchieta.br/revistas-e-
livros/interseccoes/pdf/interseccoes_ano_7_numero_2.pdf#page=42. Acesso em: 20 jun. 2018.
478
Página
RESUMO
241 Doutora em Educação. Profª. do Instituto Federal do Espírito Santo (IFES). E-mail: deane.costa@ifes.edu.br
A
través desse trecho do livro Um começo de vida: depoimento biográfico,
publicado pelo Ministério da Educação e Saúde (MES) em 1949, Raymundo
Souza Dantas, literato sergipano, constrói, conduzido pelo fio da memória,
um quadro de sua vida que podemos relacionar aos das inúmeras histórias
brasileiras de crianças, homens e mulheres, pobres, negros, nordestinos e analfabetos,
que, primeiramente, aprenderam os ofícios para o sustento familiar, e muito depois o
alfabeto, durante o século XX.
Mas, a história de vida de Dantas foi considerada “ímpar” e “exemplar” pelo
MES, na medida em que aos 18 anos foi alfabetizado e a partir dos 26 anos, fazia
parte, como colunista, de grandes jornais diários do Brasil, a saber: A noite, Jornal do
Brasil, O Estado de São Paulo, Dom Casmurro, Leitura, Brasil Açucareiro. E já tinha escrito
os seguintes livros: Sete Palmos de Terra (1944), Agonia (1945), Solidão nos Campos
(romance de 1949), as novelas Vigília da noite (1949).
Por isso, tinha sido convidado a escrever esse livro, para compor a Biblioteca
Popular da primeira Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA),
pensada pelo Ministério da Educação e Saúde como meio possível para solucionar
uma das principais “chagas” do País – o analfabetismo.
A CEAA, promovida pelo Ministério da Educação e Saúde, a partir de 1947,
tinha por objetivo levar a “educação de base” a todos os brasileiros iletrados, nas
áreas urbanas e rurais. Foi organizada uma ampla estrutura administrativa apta a
mobilizar para a educação de adultos os recursos materiais, humanos e
administrativos das unidades da Federação. Cabia às Unidades Federadas, nos
respectivos territórios, as providências relativas à instalação das classes, ao
funcionamento dos cursos, à supervisão das atividades e ao recrutamento de
docentes e, sobretudo, do maior número possível de alunos (COSTA, 2012, 2016).
480
Desse modo, o texto biográfico produzido por Dantas (1949) pode ser
Página
Nessa perspectiva, Dantas foi um homem que nasceu nos anos de 1923, em
Estância, uma das cidades mais pobres de Sergipe, filho de pais nordestinos
Página
analfabetos, criado por sua mãe Porfíria Conceição Dantas, que já tinha sido ama de
Minha mãe fora ama de leite de um dos filhos de meu novo patrão e, agora, era
lavadeira da família. Pedira para mim o emprego de entregador de encomendas,
e o homenzinho magro, doentio, de pouco falar, acedeu a que me levasse à sua
presença. Examinou-me, naturalmente, e naturalmente fez uma pergunta à
minha mãe. Cuja resposta espantara já outras pessoas.
Indagara ele:
- O menino já sabe ler, Porfiria? Não é idade de estar na escola?
Ela responderá, não sei se entre pesarosa ou envergonhada:
- Não parece dar para o estudo, não parece. Aprende e desaprende. Já que é
assim, resolvi dar-lhe um ofício, mas ele é fraquinho, não tem aguentado...
Há coisas que recordo como se tivessem acontecido ontem. Ficaram impressas,
represadas no fundo da memória, tudo aquilo que a escuridão que me dominava
o cérebro e o meu entendimento.
Foi, portanto, come este estado de espírito, sempre com o pavor da escola, o
pavor que se alojara no cérebro, que me iniciei nos ofícios, e passei de um para
outro, de ferreiro para marceneiro e de marceneiro para pintor de parede.
483
Num olhar retrospectivo avalio o áspero caminho que venci. Meus pés estão
gretados, trago no corpo a marca do esforço, mas minha alma não está cansada.
Quando sinto esgotado, vazio, o estudo me fornece o necessário para fortalece-
me. Encontro no trato com os livros, com os grandes mestres, na cultura, o
alimento necessário para o prazer na vida, para a reconquista do ânimo para a
luta. Quero, portanto, concluir este depoimento sobre os meus primeiros passos
na vida, falando com todos vocês, que, como eu, agora se iniciam na arte de
484
viver, e que somente agora, passada a sua infância, começam a ler, a dominar o
instrumento primordial para a valorização como homem.
Página
CONSIDERAÇÕES FINAIS
(1965). Esse resultado de sua experiência em Gana, país africano que acabara de
conquistar a sua independência, o fez embaixador do Brasil, nomeação que recebeu,
em 1961, do ex-presidente Jânio Quadros.
Página
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. São Paulo: Editora da
Unesp, 2010.
______. Mikhail. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
COSTA, Deane Monteiro Vieira. A Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos no Brasil e no
Estado do Espírito Santo (1947-1963): um projeto civilizador. 2012.245 f. Tese (Doutorado em
Educação) – Universidade Federal do Espírito Santo. Vitória, 2012.
______. A Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos no Brasil e no Estado do Espírito
Santo (1947-1963): um projeto civilizador. São Carlos: Pedro & João Editores, 2016.
DAMAZIO, Guiomar Reis. Mulheres exemplares. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura,
[19--]. Coleção Educar v. 1, n. 2, Série História.
DANTAS, Raymundo Souza. Um começo de vida (depoimento biográfico). Brasil: Ministério da
Educação e Saúde, Campanha de Educação de Adultos, 1949.
ELIAS, Norbert. O processo civilizador: uma história dos costumes. Rio de Janeiro: Zahar, 1994.
FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. 9. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1981.
MARTINS, José de Souza. Capitalismo e tradicionalismo: estudos sobre as contradições da sociedade
agrária no Brasil. São Paulo: Pioneira, 1975.
RUDOLFER, Noemy da Silveira. Psico-Pedagogia do Adolescente e do Adulto analfabeto. In:
BRASIL. Departamento de Nacional de Educação. Fundamentos e metodologia do ensino supletivo.
Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1950.
SILVA, Marina Luiza Horta. A imagem improvável do escritor: Raymundo de Souza Dantas –
apontamentos sobre a vida e obra. 2015.144 f. Dissertação (Estudos Literários) – Universidade Federal
de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2015.
487
Página
RESUMO
INTRODUÇÃO
242 Mestre em Linguística Aplicada – PPgEL/UFRN. Professora de Língua Portuguesa – SEEC/RN. E-mail:
488
jannamatias@yahoo.com.br
243 Pós-doutora em Línguística Aplicada/UNICAMP. Professora Associada da área de Língua Portuguesa do
refratadas da realidade.
[...] O romancista não conhece apenas uma linguagem única, ingênua (ou
convencionalmente) incontestável e peremptória. A linguagem é dada ao
romancista estratificada e dividida em linguagens diversas. É por isso que
mesmo onde o plurilinguismo fica no exterior do romance, onde o romancista se
apresenta com uma só linguagem totalmente fixa (sem distanciamento, sem
refração, sem reservas), ele sabe que esta linguagem não é igualmente
significante para todos ou incontestável, que ela ressoa em meio do
plurilinguismo, que ela deve ser salvaguardada, purificada, defendida,
motivada. Por isso, uma linguagem assim única e direta, é polêmica e
apologética, ou seja, dialogicamente correlata ao plurilinguismo. (BAKHTIN,
1998, p.134).
cada um. Desse modo, podemos inferir que alicerçamos nossa relação com a
O discurso vive fora de si mesmo, na sua orientação viva sobre seu objeto: se nos
desviarmos completamente desta orientação, então sobrará em nossos braços seu
cadáver nu a partir do qual nada saberemos, nem de sua posição social, nem de
seu destino. Estudar o discurso em si mesmo, ignorar sua orientação externa, é algo tão
absurdo como estudar o sofrimento psíquico fora da realidade a que está dirigido e pela
qual ele é determinado. (BAKHTIN, 1998, p.99, Grifos do autor).
Temos, assim, muitas e diferentes vozes atuando no discurso, ainda que elas
se deixem notar apenas na disposição e ordem de seus elementos composicionais, tal
fato não eximirá o enunciado de seu princípio dialógico e de sua capacidade de
abarcar duas posições: a sua própria e a do outro. É claro que há um ônus nessa
relação entre os enunciados, visto que, para uma total adesão ao que o outro diz,
493
constitutivo, arrisco um “não” dialógico, ou seja, um “não” que pode sofrer sanções e
ritmo, timbre, forma, tessitura são instrumentos de talhe em suas mãos. Os dois
escrevem partituras, cada um ao seu modo, à sua maneira particular.
Da obra Cante lá que eu canto cá, filosofia de um trovador nordestino, do
Página
Enunciado nº 1:
“Eu e o sertão”
497
[...]
[...]
Enunciado nº 2:
[...]
Enunciado nº 3:
[...]
...
Meu sertão tem coisa boa
E também tem coisa ruim;
Umas que fede a cupim
Ôtras que chera a melão.
De tudo eu sei a feição
Pois conheço uma por uma.
Vou aqui dizê arguma
Das coisa do meu sertão.
[...]
498
“Vida sertaneja”
[...]
[...]
[...]
Da tua simplicidade
Página
Nasce a fé e a esperança;
Um sertão para viver e para morrer. Aqui talvez uma tendência fatalista
como se o sofrimento e o padecer estivessem determinados durante toda a vida e ao
chegar ao término da labuta, ainda ter o gosto de fazer-se pó junto ao pó de
Virgulino.
Nos sucessivos períodos de estiagem milhares de nordestinos, conhecidos
como retirantes, partiram de seu caro torrão em busca de outras terras em busca de
trabalho e comida. Essa migração é uma voz doída nos poemas de Patativa, pois ela
500
[...]
“[...] um sujeito
De gravata e palitó,
Todo alegre e sastifeito,
Como quem caça xodó,”
Partindo do princípio bakhtiniano de que a relação entre autor e herói é uma relação
entre um eu e um outro; uma relação de alteridade fundamentada na dialogia, uma
relação de responsividade. Há, entre Patativa e o sertão, uma interação, uma
Página
p.21) p.22)
[...]
Página
[...]
Caro sertão inocente,
[...]
(Cante lá que eu canto cá, 2004,
p.24)
[...]
In tu, querido sertão,
O meu quadrinho de chão
[...]
(Cante lá que eu canto cá, 2004,
p.25)
504
Página
Sua poesia, do ponto de vista do conteúdo social, reflete todo o mundo visionário
e fantasmagórico do caboclo. Pode-se identificar perfeitamente uma cosmovisão
ou ideologia cabocla, desapontada com a modernização, sedenta de justiça,
marcada pela saudade, impregnada de misticismo, serviçal, disponível, leal. [...]
«Cante lá que eu canto cá», poema que deu o sugestivo nome desta obra, resume
a visão do mundo que o sertanejo intui dividido não entre cidade e campo, mas
entre suas formas de ser, as duas culturas, uma rural e outra urbana, com uma, a
cultura urbana, invadindo avassaladoramente todos os rincões dos campos e
gerando um conflito cultural de consequências incalculáveis para cultura do
povo. [...] Patativa apresenta claramente as crenças, os valores e os ideais de uma
época e de uma região. [...] Focalizando o aspecto social da obra de Patativa do
Assaré, percebe-se também a hierarquia dos status caboclos, onde a bravura do
vaqueiro lhe confere uma posição ímpar. Salientando-se também o código que
orienta sua atribuição, onde os valores mais expressivos são a honradez, a
lealdade, a capacidade de trabalho. (2004, p. 13-14).
Do dito acima, podemos inferir que o poeta do Assaré fez do seu mundo
sertanejo o que fundamentalmente dava sentido à sua vida, o que lhe sublimava
todas as suas energias, o que norteava todo o seu talento, e no mesmo caçuá, o que
proporcionava toda a sua bem aventurança, a sua felicidade. O sertão retumba
simultaneamente com o caboclo num único acorde maior. Um homem do campo, da
roça, mas que não deixa de perceber que tem seus direitos violados na questão
agrária, que é enganado por homens de aparência inconteste e seus enunciados
quiméricos e homéricos; de homéricos só têm a extensão da falta com a verdade.
Patativa sabia muito bem relacionar sua musa com o mundo da vida, era ético em
tudo como atesta as palavras de Holanda (1988) em comentário à obra Ispinho e
Fulô. “Seus versos são ainda enraizados na ética e no sentido de justiça cristã;
revelam o ceticismo do povo diante da hipocrisia reinante na sociedade que o
oprime”. O vate sertanejo tinha plena consciência dos princípios que motivam,
distorcem, disciplinam ou orientam o comportamento humano. Era um poeta-
cidadão, ou um cidadão-poeta, que pensava demoradamente a respeito da essência
das normas, dos valores, das prescrições e das exortações presentes em qualquer
realidade social, fosse ela rural, ou urbana. Ele não é indiferente, portanto, é um ser
ético, sensível aos problemas e consciente das razões desta.
Pois, façamos o nosso percurso agora nas harmoniosas razões éticas.
Resolvemos “ouvi-las” no sentido de ser mais uma voz que corrobora vigorosamente
com a nossa pesquisa e colocarmos também a nossa voz a respeito dessas razões.
O sertão era tão de Patativa quanto ele era do sertão que não havia como
precisar uma fronteira entre ambos, imbricavam-se numa entrega total. O sertão
oferecendo-lhe a sobrevivência, Patativa cantando as dores e as delícias desta. Neste
e noutros enunciados a opção pelo pronome possessivo deixa bem demarcado o
quanto Patativa se assenhorara do sertão.
O autêntico homem sertanejo tem por princípio respeitar e exige que se faça
o mesmo para com ele. Um homem que pouco frequentou a escola e que nem
precisou disso para aprender a pedir licença, a pedir por favor. Patativa sabia muito
bem, como se diz no sertão – entrar e sair muito bem em qualquer lugar -, ou seja,
tratar o outro com repeito. Esse sentimento que leva alguém a tratar outrem ou
alguma coisa com grande atenção, com profunda deferência, com consideração, com
reverência era item fundamental na educação do poeta.
506
O outro, no caso o poeta de rua, que nunca foi ao sertão não tem vivência
para atestar sua voz, ou seja, será um canto enganoso, segundo o enunciado
patativiano.
Cá no sertão eu infrento
A fome, a dô e a misera.
Pra sê poeta divera,
Precisa tê sofrimento.
(Cante lá que eu canto cá, 2004, p.26)
nasceu e viveu sempre no sertão, dele se afastando apenas em breves revoadas aos
núcleos litorâneos hegemônicos para rápidos contatos com ‘as terras civilizadas’,
como canta Luiz Gonzaga na famosa canção Riacho do Navio. Sua vida tem sido
Página
A ferinidade patativiana nesse enunciado deixa bem claro que poesia, para o
poeta da mão grossa, significa cantar o que de fato acontece no dia a dia da sua
própria vida e da vida dos seus conterrâneos. Enfeitar os versos com coisas
mirabolantes, para o vate do Assaré, prejudicava tanto a leitura como o
entendimento. Nas palavras de um matuto: é uma coisa sem serventia nenhuma.
O que está dito acima expressa uma condição, só pode ser dito por quem tem
conhecimento de causa e tem autoridade reconhecida. Patativa dispunha dessas duas
prerrogativas. Homem de espírito sagaz, penetrante, capaz de perceber rapidamente
as coisas mais sutis, capaz de transformar aperreio em obra de arte, dor em
documento estético. Compadecia-se de seu povo sertanejo, do caboclo sofredor, da
mulher que morria de parto, do matuto que deixava seu caro e duro torrão, das
crianças que nasciam predestinadas a anjo. Dor, esse vocábulo que denota lágrima,
expressão ou manifestação do sofrimento físico ou moral de qualquer vivente na face
509
da terra, ganhou ainda mais intensidade na lira ligeira de Patativa, ainda mais
quando este discorre a respeito do cotidiano martirizante do sertanejo, colhendo em
sua roça enunciativa os adjetivos para compor a sua lira.
Página
REFERÊNCIAS
ALMEIDA FILHO, José Carlos Paes de. A linguística aplicada na grande área da linguagem. In:
SILVA, Kleber Aparecido e ALVAREZ, Maria Luisa Ortiz. (Org.). Perspectivas de investigação em
linguística aplicada. Campinas, São Paulo; Pontes Editores, 2008.
AMORIM, Marília. Ciência e dialogismo. In: O pesquisador e seu outro: Bakhtin nas ciências
humanas. 1.ed. 2. reimpressão. São Paulo: Musa Editora, 2004
_____. O pesquisador e o seu outro: Bakhtin nas ciências humanas. São Paulo: Musa, 2004.
ASSARÉ, Patativa do. Cante lá que eu canto cá, filosofia de um trovador nordestino. Petrópolis:
Editora Vozes, 2004, p. 355.
_____. Ispinho e Fulô. Organização de Tadeu Feitosa. São Paulo: Escrituras, 2001, p. 89.
_____. Inspiração nordestina. São Paulo: Hedra, 2003, p. 351.
BAKHTIN/VOLOCHINOV, Mikhail. M; V. N. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas
fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 12. ed. São Paulo: Hucitec, 2006.
BAKHTIN, Mikhail M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
____. Metodologia das ciências humanas. In: _____. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2003a.
_____. Os gêneros do discurso. In: _____. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes,
2003b.
_____. (1953/1979). Os gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. (Introd.e trad.: Paulo
511
Bezerra; prefácio à edição francesa Tzvetan Todorov.) 4. ed. São Paulo:Martins Fontes, 2003b. p. 261-
306.
_____. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. São Paulo: Hucitec,
Página
512
Página
RESUMO
INTRODUÇÃO
O
corpo é, para Louro (2000, p. 8), uma “referência que ancora, por força, a
identidade. E, aparentemente, o corpo é inequívoco, evidente por si; em
consequência, esperamos que o corpo dite a identidade, sem ambiguidades
nem inconstância”. O corpo é, portanto, como uma garantia ou um atestado da
identidade de um sujeito e, não apenas, a identidade sexual, pois o tomamos como
base para declarar a raça, a etnia e, até mesmo, o continente de origem dos sujeitos.
513
1 Mestranda em Estudos da Linguagem pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail:
jandara.aassis@gmail.com.
2 Professora Doutora em Comunicação e Semiótica. Professora Associada ao Departamento de Letras e do
Página
Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-
mail: penhalves@msn.com.
sujeitos. Bakhtin (2011) nos assegura que só no outro podemos encontrar nossa
A nossa imagem externa é por nós construída por fragmentos que chegam até
nós por meio dos espelhos os quais, além de refletir nossa imagem, nos mostram
refrações. Essas refrações são construídas pelas vozes sociais que nos cercam, seja por
aqueles que fazem parte de nosso ciclo social imediato – nossos amigos, familiares,
conhecidos e desconhecidos; pela mídia que constantemente nos mostra como
devemos nos parecer; ou, pelas redes sociais que, assim como a mídia, nos
bombardeiam com a forma que devemos ter. É preciso ter em mente, contudo, que essa
imagem externa não diz respeito apenas à aparência física, ela vai mais além e
também abarca nossas expressões e gesticulações.
Nesse tocante, os corpos são, muitas vezes, o elemento central do julgamento
social, pois aquilo que expomos é avaliado a partir do conjunto de normas sociais e
pode ser aceito ou não. Por exemplo, a sensualidade expressa por um sujeito pode
levar a comportamentos contraditórios por aqueles que o observa, conforme discute
Louro (2000, p. 17), esses sujeitos passam a ser alvo de “redobrada vigilância, ficam
‘marcados’ como figuras que se desviam do esperado, por adotarem atitudes ou
comportamentos que não são condizentes” com o fixado pela sociedade” e, dessa
forma, são rotulados como “impuros”, o que significa dizer que podem romper a
pureza dos sujeitos normais. Há uma pressão para que esse sujeito se enquadre, no
entanto, ele sempre será motivo de desconfiança. Isso porque
O homem tem uma necessidade estética absoluta do outro, do seu ativismo que
vê, lembra-se, reúne e unifica, que é o único capaz de criar para ele uma
personalidade externamente acabada; tal personalidade não existe se o outro não
a cria; a memória estética é produtiva, cria pela primeira vez o homem exterior em
um novo plano de existência. (BAKHTIN, 2011, p. 33).
alimentam, por exemplo, Isabella rasga suas “presas” e as devora cruas. O caráter
grotesco não está na aparência física das personagens, mas sim nas ações.
Página
A Saga Crepúsculo (escrita por Stephanie Meyer) narra o romance entre uma
jovem humana e um vampiro, Isabella (Bella) Swan e Edward Cullen. Já na fanfic,
embora o romance entre o jovem casal permaneça, Bella não é apenas uma humana,
ela é uma híbrida meio humana e meio demônia. Sua condição é resultado de ter sido
mordida por um demônio que se passava por sua amiga. Depois de ser mordida a
jovem que morava na cidade de Fenix, Califórnia (EUA), decide ir morar com seu pai
na pequena cidade de Forks, Washington (EUA), dois anos após sua mudança a
família Cullen composta por 5 jovens (Edward e os casais Rose e Emmett, e Alice e
Jasper) e um casal adulto (Carlisle e Esme) chegam a cidade. Isabella é a encarregada
da escola por receber os alunos novatos e, a partir daí, desenvolvem uma amizade. O
que não sabem é que são seres sobrenaturais – Bella sendo uma híbrida e os jovens
Cullen’s vampiros – além disso, todos guardam outros segredos. Nem Isabella, nem
os Cullen’s têm características visíveis que denunciem suas “raças”, aparentemente
são seres humanos normais como os outros alunos da escola.
O primeiro aspecto observado é que Isabella ciente de sua diferença tentar
manter escondida sua beleza e sensualidade, no entanto a jovem tem uma espécie de
aura de atração que, mesmo com suas tentativas de omissão, chamam à atenção
daqueles a sua volta.
questão já era praticamente uma mulher, era bem bonita mais a roupa não
mostrava muito do corpo.
Página
[2] "Com quem ela vai sentar hoje? A mesa da Angela está cheia"
[3] "Ela era gostosa loira. Agora que está morena, é praticamente um pecado"
Quando os humanos mentem ocorre uma reação no seu coração, por isso sempre
sabemos quando eles eram sinceros. Foi por isso que todos nós arregalamos os
olhos. Bella não apresentou a tal reação e estava completamente séria quando
disse isso. Verifiquei com Jasper e ele constatou que ela falava seriamente, mas
aquilo era obviamente uma mentira. Ela olhou para nossos rosto[s] por alguns
segundos e explodiu em risadas.
519
É impressionante como atraio homem! Sério! Mesmo com essas roupas que
escondem o que é possível. Antigamente não era assim. Era o tipo normal, não
era incrivelmente linda, mas também não era feia, tava mais pra jeitosinha.
Ai veio Irina. Toquei minha tatuagem no pulso, era uma fênix, minhas pulseiras
cobriam ela. Charlie me mataria se visse isso, é claro que no sentido figurado. Ta
ai um dos únicos homens que respeito, meu pai. O cara é da policia, ele tem um
senso de justiça incrível, aprendi muito com ele. Além de é claro entender que
nem todos os homens não prestam, e que são esses homens que devo jantar. Por
que apesar de tudo sei o quanto uma filha precisa de um pai, ou uma mulher do
marido. (BLOODY LIPS, capítulo 3).
520
Isabella, como, por exemplo, a questão de sua alimentação e a seleção de suas presas,
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
RESUMO
Na teoria bakhtiniana do carnaval, o corpo é um elemento essencial, pois nele e por meio
dele toda uma gama de mensagens são transmitidas. É um corpo que se metamorfoseia e se
transforma devido às adversidades que enfrenta. A escrita de fã (fanfiction) cria um
ambiente de possibilidade de subversão dos textos, subversões que possibilitam mudanças
nas personagens de um texto matriz, pois o ficwriter imprime em seus textos seus
posicionamentos axiológicos, bem como suas experiências volitivo-emocionais. Por esse
motivo, este trabalho tem como corpus a fanfiction Shadow Play (escrita por
Corvusdraconis), uma vez que a personagem principal, Hermione Granger, por causa da
guerra passa por diversos processos de metamorfoses, os quais a modificam física e
psicologicamente, um processo que é possível na escrita de fanfiction devido às
possibilidades de subversão que esse tipo de escrita cria. Neste contexto, este artigo objetiva
analisar as transformações vivenciadas por Hermione Granger, na narrativa, a fim de
compreender de que maneiras essas transformações constroem a identidade da personagem.
Por esse motivo, os pressupostos teóricos de Mikhail Bakhtin acerca da formação dos
sujeitos, da carnavalização e do corpo serão basilares; bem como, os estudos de Louro e Hall,
respectivamente, sobre o corpo e a identidade dos sujeitos; e, as discussões de Jenkins acerca
das produções de fãs. Este trabalho está inserido na Linguística Aplicada e possui como
metodologia de pesquisa a qualitativa. O método escolhido para o levantamento e a análise
dos dados é o paradigma indiciário, proposto por Ginzburg (1989).
INTRODUÇÃO
A
fanfiction (fanfic ou fic) é uma prática de escrita realizada por fãs. No
entanto, sua constituição possui uma complexidade que necessita de uma
maior conceituação para compreendê-la. Refazendo nossas palavras iniciais,
a fanfic é uma prática de escrita que envolve a reconstrução, a construção e a
522
3 Mestranda em Estudos da Linguagem pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail:
jandara.aassis@gmail.com.
4 Professora Doutora em Comunicação e Semiótica. Professora Associada ao Departamento de Letras e do
Página
Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-
mail: penhalves@msn.com.
5 A história contém 4 capítulos escritos em língua inglesa e está postada no site Fanfiction.net. Disponível em:
<https://m.fanfiction.net/s/12258541/1/Shadow-Play>. Acesso em: 11 set. 2018.
Página
6 Aqui o termo personagens centrais é empregado para tratarmos da fanfic e não da Série Harry Potter, desse
modo, essas personagens são: Hermione Granger, Severus Snape e Alvo Dumbledore.
Não que alguém soubesse como eu realmente era - eu parecia o que eu acreditava que
deveria ser. Não, eu parecia o que eu acreditava que os outros acreditavam que eu
deveria ser.Eu tinha uma coleção de fotos tiradas a cada poucos meses para que
eu pudesse lembrar como era quando eu poderia ter dezesseis anos. Por quê?
Então eu poderia ajustar meu rosto e corpo para combinar. Caso contrário, eu
seria um estudante desaparecido, e haveria uma busca e um drama e - bem,
Dumbledore não queria isso. Inferno, eu não queria isso.7 (SHADOW PLAY,
capitulo 1, grifos nosso).
Bakhtin (2011) nos assegura que só no outro encontro minha completude, pois
o olhar do outro excede aquilo que minha visão alcança. Isto é, é perceptível ao outro
minhas expressões faciais, gestualidade, andar, tom de voz (que acompanha as
expressões do rosto), costas, cabeça, orelhas, entre outras partes de meu corpo que a
mim são inacessíveis (op. cit.). As partes grifadas no trecho acima exemplificam a
preocupação que o ser humano possui com sua aparência, na narrativa corpus desta
pesquisa, a personagem tem a preocupação de manter uma aparência humana, já que
é algo esperado pelos outros. Ou seja, sua imagem é construída a fim de não
provocar estranhamento e alertar para seu desaparecimento.
Na perspectiva Bakhtiniana o sujeito é visto como incompleto e, por isso,
almeja uma completude que só alcance na sua relação com o outro. Isso ocorre, pois,
a minha imagem externa é para mim fragmentada, já que aquilo que minha
linguagem interna percebe é fruto da tradução de minha expressão externa, sendo,
por isso, impossível a eu construir uma imagem da totalidade que me constitui (op.
cit.).
Isto é possível, uma vez que essa perspectiva teórica concebe a linguagem
como o produto da interação entre os sujeitos, ou seja, é só através do diálogo, da
interação linguística que os indivíduos se constituem como sujeitos e, ao mesmo
tempo, constituem a linguagem. Nas palavras de Volóchinov (2017, p. 219), “a
interação discursiva é a realidade fundamental da língua”, já que a linguagem não
vive nas abstrações linguísticas ou no “discurso monológico isolado” e desvinculado
do ato de interação, porém encontra lar no “acontecimento social da interação
discursiva que ocorre por meio de um ou de vários enunciados” (VOLÓCHINOV,
2017, p. 218).
Em consonância com esse posicionamento, nossas identidades8 são,
igualmente, construídas por meio de nossas interações sociais. Nesse sentido, é por
meio de nossas identidades que estabelecemos relações de proximidade com os
outros sujeitos na sociedade, por isso, possuímos identidades distintas para cada
faceta ou situação que nos envolvemos, por exemplo, temos uma identidade nacional
524
7Excerto retirado da fanfiction Shadow Play, corpus deste trabalho, e traduzido por nós.
Página
8Falamos de identidades no plural, pois entendemos que os sujeitos são formados por múltiplas identidades e
não apenas por uma única.
2. O CORPO ESTRANHO
É através do corpo que experimentamos tanto o prazer quanto a dor. Além disso,
há corpos masculinos e corpos femininos e isso dá lugar a experiências bastante
diferentes, como, por exemplo, o parto. Um outro fator crucial é que nós não
experimentamos nossas necessidades e desejos sexuais como acidentais ou como
526
[...] eu peguei a habilidade de mudar para qualquer coisa que eu fui exposto uma
vez. O único problema era que minha forma natural não era mais remotamente
humana. Eu tinha tocado, inadvertidamente ou não, qualquer coisa de cães de
três cabeças, hipogrifos, testrálios, e alguns morcegos que eu tive que pegar no
banho da garota para parar seus gritos incessantes histéricos. Havia outras coisas
também, mas confesso que parei de tentar descobrir. Daí as fotos mágicas para
me lembrar como eu deveria ser em qualquer idade. É engraçado, eu não me
reconheço quando olho no espelho. A menos que eu seja o monstro. Eu
reconheço isso.
É quem eu sou. É o que eu realmente sou. (SHADOW PLAY, capítulo um).
uma imagem de como deveria se parecer para saber como deve ser seu semblante,
pois devido às alterações que sofreu não mais se reconhece como humana, mas sim
como monstro, fato expresso em sua fala quando assegura de forma enfática que: “eu
Página
curiosidade e aborrecimento. Eu não gostava dele, então eles nem fingiam gostar
dele também. Eles ainda queriam saber o que o fazia funcionar - um pedaço de
Página
Outro aspecto que pode ser observado, no fragmento acima, é que a sombra
de Hermione também tem independência e uma espécie de consciência, mas, ao
contrário dos bigodes e dos tentáculos que estão presos ao corpo da jovem, sua
sombra é completamente separada de seu corpo e pode se locomover para onde
quiser. No capítulo quatro, a sombra de Hermione e a de seu companheiro, Severus
Snape, são encontradas dentro de um armário namorando, fato que evidencia o grau
de independência das sombras.
É importante discutir, ainda, a alimentação de Hermione, já que é por meio dela o
poder, ou seu caráter como arma de guerra se manifesta, a jovem tem o poder de
remover ou dar capacidade mágica a qualquer ser. Seu corpo como um todo e não
apenas a sua boca são mobilizados no ato de alimentação da jovem que absorve os
poderes mágicos de outros magos ou criaturas mágicas. Esse é outro aspecto em que a
construção narrativa se aproxima da teoria bakhtiniana, pois se assemelha a “imagem
grotesca típica da devoração dos peregrinos9”, uma vez que Hermione por meio de seu
poder pode purificar a magia. Tal fato ocorre quando absorve a energia mágica de um
bruxo das trevas, ela a devora e pode regurgitá-la na forma de energia mágica pura.
Por fim, há de se destacar que as transformações ocorridas por Hermione
ocorrem ao mesmo tempo em que seu engajamento com a guerra se aprofunda,
inicialmente a jovem é treinada em vários assuntos que podem vir a ajudá-la, ao
mesmo tempo em que deve se passar por estudante, o que a leva a envelhecer em um
espaço muito curto, no momento que deveria ter dezoito anos a jovem tem dez anos
a mais. Todos esses aspectos impactam diretamente na constituição identitária dela
que, conforme mostrado nos excertos, reconhece sua identidade de monstro e não
mais como um ser humano, além disso, não se identifica com os jovens da idade que
deveria ter, mas sim com pessoas de faixa etária maior que a sua.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
9Bakhtin (1987, p. 272) explica que há uma cena em Rabelais em que Gargantua come “junto com a sua salada”
alguns peregrinos e que os mesmos são “miraculosamente salvos”. Há uma semelhança entre as cenas, não pelo
Página
caráter satírico encontrado em Rabbelais, mas na ideia de que por meio da alimentação (ou da devoração) algo
pode ser salvo e não morto.
REFERÊNCIAS
1. INTRODUÇÃO E PROBLEMA
linguagem poética é definida não por meio daquilo que ela é, mas por meio daquilo
Página
reside no fato de que, como já explicitei no início deste artigo, não é possível falarmos
de algo que não discutimos. Chamar um objeto estético de poesia, ou de poema ou de
Página
[...] a distinção entre o estilo prosaico e o estilo poético se faz numa relação
quantitativa – para Bakhtin não há nenhuma “essência” poética ou prosaica, mas
diferentes intensidades na relação do discurso – na vida do momento verbal –
entre as diferentes vozes participantes. Se, de um lado o traço plurilíngue, isto é,
a incidência viva de diferentes centros de valor no mesmo momento verbal, é o
motor da significação prosaica, no seu limite máximo, de outro, no seu limite
mínimo, ‘a linguagem poética em seu sentido estrito requer uma uniformidade
de todos os discursos, sua redução a um denominador comum.
único centro de valor – uma certa ideia de poesia11 - caracterizando uma uniformidade
crescente de discursos que terá seu ápice no relato do Grivo.
Página
REFERÊNCIAS
AMORIM, Marília. O pesquisador e seu outro. Bakhtin nas ciências humanas. São Paulo: Musa, 2004.
BAKHTIN, Mikhaïl. Questões de literatura e de estética (a teoria do romance). Tradução de Aurora
Fornoni Bernardino et ali. São Paulo: Hucitec/Editora da Unesp, 1993.
537
FARACO, Carlos Alberto. O problema do conteúdo, do material e da forma na arte verbal. In: BRAIT,
Beth. Bakhtin. Dialogismo e polifonia. São Paulo: Contexo, 2009, p. 95-111.
Página
FIORIN, José Luiz. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática, 2006.
538
Página
Discute-se, neste artigo, questões de acabamento do gênero Young Adult quando este agrega
a sua narrativa questões pertinentes ao mundo da vida dos sujeitos negros. Sendo um
gênero discursivo representativo de diversos dilemas e questões juvenis, no qual os jovens
passam por diversas provações no caminho do amadurecimento, o gênero enfrenta uma
grande mudança ao retratar a vida de pessoas negras, uma vez que questões de
marginalização, silenciamento e violência adentram a obra e esgarçam a noção construída a
partir de corpos que não são usuais nesse tipo de texto. Assim, a partir de uma perspectiva
bakhtiniana, o estilo do gênero sofre alterações de conteúdo e estilo à medida que tenta criar
verossimilhança entre o mundo da vida e o mundo da arte. Tais questões podem ser
investigadas a partir das formulações sobre estilo propostas por Medviédev (2016) e pelos
postulados de Bakhtin (2011); tais reflexões serão ampliadas com noções de identidades
dissidentes, temática essa abordada por autores como Hall (2003), Canclini (2003) e Louro
(2016). A pesquisa se insere na área da Linguística Aplicada e se orienta teórico-
metodologicamente por uma investigação qualitativa dos dados a partir do paradigma
indiciário (GINZBURG, 1985).
INTRODUÇÃO
O
gênero Young Adult, reconhecido por obras de grande alcance como A
culpa é das estrelas (2012) e Todo dia (2014), é caracterizado por colocar em
foco protagonistas juvenis que estão passando por alguma problemática
relacionada a afirmação de sua própria identidade ou permeando um processo de
amadurecimento (SILVA, 2018). Tendo semelhança com o que Goethe já escrevia no
539
12Professor substituto do Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN) e mestrando em estudos da linguagem
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). E-mail: juanfflorencio@gmail.com
Página
penhalves@msn.com
quais tentamos intervir na cultura popular, bem como a forma e o estilo da teoria
Página
15Definição adotado por Boaventura de Sousa Santos em: MENESES, Maria Paula; SANTOS, Boaventura de
Sousa (Org.) (2010). Epistemologias do sul. São Paulo: Cortez. 637 p.
Ainda segundo a concepção de Hall (2013), alguns eixos são responsáveis por
promover esse maior foco do negro nos espaços de discussão. As três principais
razões citadas pelo autor envolvem o deslocamento de modelos europeus, o
surgimento dos EUA como grande potência e, por fim, o processo de descolonização
dos países ditos de terceiro mundo. Os três processos são decisivos para promover a
corrosão de modelos identitários hegemônicos e a circulação de novas possibilidades
de ser. Ainda assim, adversidades são perceptíveis em meio a esse processo de
ascenção das identidades negras. Os eixos citados por Hall são decorrentes de um
processo histórico e socioeconômico conhecido por globalização, o qual foi
responsável, entre outras coisas, por causar mudanças nos padrões de produção e
consumo, produzindo novas identidades globalizadas (WOODWARD, 2014). A
questão é que nesse processo, as identidades iniciaram um processo de sincretismo
inevitável, tendo em vista a crescente mistura de povos e suas culturas ao longo das
últimas décadas e do fortalecimento dos meios de comunicação. Assim, em meio aos
processos de hibridização16 (NÉSTOR CANCLINI, 2015) é importante avaliar como
se comportam e são valorados os elos negros acoplados aos outros componentes de
culturas diversas, a fim de compreender se esse processo tem funcionado em um
mutualismo ou predadorismo.
Recentemente, os povos negros têm ganhado mais espaço em filmes, séries e
na mídia em geral. Nas lojas há mais produtos adequados para os seus cabelos e
roupas que destacam suas peles em lojas de departamento. A necessidade de situar o
momento em que a identidade negra se mostra alvo de discussão se mostra, mais
uma vez, pertinente a medida em que, no caso do Brasil, essa “maior valorização” do
público negro não se dá por acaso. Em um país com maioria negra, é irônico que
fatos como os citados sejam tão recentes. No entanto, esses avanços se dão
justamente por um avanço no poder aquisitivo dessas pessoas - em geral são os com
piores índices de renda17 - e o consequente interesse do mercado em atender suas
demandas para lucrar com elas. Na mídia, não é qualquer negro que pode estar
visível, mas um modelo de negro muito bem construído. Aparentemente, o que
substitui a até então grande invisibilidade dos sujeitos negros é uma espécie de
visibilidade cuidadosamente regulada e segregada (HALL, 2013).
O boom da representação negra na mídia não vem por acaso, mas como fruto
de uma constante desterritorização dos espaços urbanos e mundiais, os quais tendem
a misturar povos e culturas em um profundo processo de hibridização cultural e
possibilitar modos outros de se viver (CANCLINI, 2015). O resultado desse processo
542
16 Em meio as práticas discursivas nas cidades e demais polos de comunicação humana, as identidades, culturas e
vozes circulam, entram em embate, se chocam e, consequentemente, se hibridizam em novos enunciados.
17 Segundo pesquisas da ONU, os negros tem em média dez anos de atraso em qualidade de vida se relacionados
Página
18Discussão presente no artigo “UMA JUVENTUDE GLOBAL? Identidades híbridas, mundos plurais”, de Carles
Feixa Pam Nilan.Disponível em: http://www.periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/politicaetrabalho/article/view/6818
Hoje, como antes, a determinação dos lugares sociais ou das posições dos sujeitos
no interior de um grupo é referida a seus corpos. Ao longo dos tempos, os
sujeitos vêm sendo indiciados, classificados, ordenados, hierarquizados e
definidos pela aparência de seus corpos; a partir dos padrões e referências, das
normas, valores e ideias da cultura. Então, os corpos são o que são na cultura. A
cor da pele ou dos cabelos; o formato dos olhos, do nariz ou da boca; a presença
da vagina ou do pênis; o tamanho das mãos, a redondeza das ancas e dos seios
são, sempre, significados culturalmente e é assim que se tornam (ou não) marcas
de raça, de gênero, de etnia, até mesmo de classe e de nacionalidade. (LOURO,
2016, p. 77)
O corpo dos sujeitos precisa ser entendido para além de um mero dado
biológico. Para além disso, o corpo é uma estrutura criada (Bakhtin, 2010) e, portanto,
valorada de acordo com padrões estabelecidos socialmente, negociado entre os
sujeitos em suas práticas discursivas em um dado lugar e sob determinado tempo.
Isso implica dizer que essas classificações baseadas no corpo como descritas acima
por Louro estão orientadas a partir de conteúdos ideológicos particulares
responsáveis por dar acabamento a uma identidade ou corpo tidos como dentro do
padrão aceitável e, em consequência, marginalizar o que se opõe a esse ideal, o
diferente.
Dentro da narrativa YA, isso pode ser percebido na obra Fantasma, escrito
pelo autor americano Jason Reynolds. Na obra, o jovem Castle - que atende pelo
apelido de fantasma - vive com a mãe após ela ter se separado do seu pai e os dois
vivem em um bairro periférico da cidade. O menino é um grande fã de basquete, mas
encontra sua vocação atlética quando um dia corre em uma pista de atletismo e
chama a atenção de um técnico que estava no local com seus alunos. Interessado na
vocação do garoto, o treinador convida o rapaz para fazer parte do time e se inicia aí
uma nova jornada para o protagonista, que ao entrar em um grupo de atletas brancos
com uma realidade tão distinta da sua, começa a ver contrastes identitários e sociais
totalmente distintos da sua vida ao longo do processo.
O apelido fantasma não está na narrativa por acaso. Na realidade, ele reflete
muito da realidade do jovem que se sentiu invisível por boa parte da vida enquanto
sua mãe trabalhava muito e quando estava em casa passava o tempo todo em
embates - verbais e físicos - com seu pai que bebia muito. Após o divórcio, a situação
se repete já que a mãe precisa trabalhar em dobro para sustentar ela e o filho,
sobrando ao menino os poucos conhecidos da escola e um grande trauma que o
ronda: o medo do pai surgir e se vingar dele e da mãe por tê-lo abandonado. Além
544
disso, o apelido também serve de metonímia para muitos dos seus iguais. Sujeitos,
que na mesma situação que ele, passam por fantasmas, seres invisíveis em meio aos
centros urbanos que possuem pouca serventia além de existir e executar alguma
Página
função trabalhista. Em termos sociais, o corpo foi o único capital cultural que os
Ela tem dezesseis anos. Ele toma três tiros nas costas, estando desarmado.
O clímax da obra demonstra uma situação trágica e comum ao redor do
mundo - como foi evidenciado por diversos movimentos ativistas como o Black Lives
Página
Matter - e que são geradas a partir de ostensivas violações do direito alheio movido
Quando eu tinha 12 anos, meus pais tiveram duas conversas comigo. Uma foi a
de onde vêm os bebês e tal. Bom, na verdade, eu não ouvi a versão habitual.
Minha mãe, Lisa, é enfermeira, e me contou o que entrava onde e o que não
precisava entrar aqui, lá e nem em nenhum outro lugar até que eu tivesse
crescido. Naquela época, eu duvidava que qualquer coisa fosse entrar em algum
lugar. Enquanto todas as outras garotas começaram a ter seios entre o sexto e o
sétimo ano, meu peito era liso como as minhas costas. A outra conversa foi sobre
o que fazer se um policial me parasse. Mamãe se agitou e falou para o papai que
eu era nova demais para isso. Ele argumentou que eu não era nova demais para
ser presa nem levar um tiro. — Starr-Starr, faça o que mandarem você fazer —
disse ele. — Mantenha as mãos à vista. Não faça movimentos repentinos. Só fale
quando falarem com você. Eu sabia que devia ser sério. Papai tem a maior boca
dentre todo mundo que eu conheço, e se ele disse que era para eu ficar quieta, eu
tinha que ficar quieta. (THOMAS, 2017)
as penitências por serem diferentes como uma pesada e dolorosa herança colonial.
Retomando a questão do gênero em discussão, é notório que ao receber o
Página
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A representatividade negra tem sido alargada nos últimos tempos, o que não
quer dizer, necessariamente, uma diminuição das desigualdades ou, muito menos,
do racismo. A globalização, a democratização dos meios culturais bem como os
processos de interação entre diferentes povos fez ecoar no meio social com maior
potência as vozes dissindentes e apagadas do sul, desenvolver métodos que possam
ampliar esses ecos para ouví-los e entendê-los em sua totalidade é mais do que um
interesse práticos dos estudos da Linguística Aplicada, é um compromisso ético com
povos vistos como diferentes e, por consequência, alvos de uma linguagem minada
como forma de sobreposição dos modelos hegemônicos.
Os construtos hibridizados, ou neste caso diaspóricos, são exemplares da
mestiçagem a qual enfrenta o mundo atual. Compreender essas construções e os
sujeitos envolvidos nela são essenciais para se ter um retrato mais claro das
problemáticas sociais. Ainda que no mundo da literatura, e nesse caso de uma
literatura vista como de massa e entretenimento, vida e arte são inseparáveis na
perspectiva Bakhtiniana, justamente pela estreita relação entre o mundo da vida e da
548
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 6. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2015.
______. Cultura popular na idade média e no renascimento: o contexto de François Rabelais – 7ª
edição. Tradução de Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2010.
______. Problemas da Poética de Dostoievski. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.
______. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. 2.ed. São Paulo: Hucitec; UNESP, 1990.
______. Teoria do Romance I: a estilística. São Paulo: Editora 34, 2015.
GARCÍA CANCLINI, Néstor. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. 4. ed.
São Paulo: EDUSP, 2003.
GINZBURG, C. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo: companhia das letras, 1989.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 12. ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2015.
______. Que “negro” é esse na cultura negra?. In: Da Diáspora: Identidades e Mediações Culturais. Liv
Sovik (org); Trad. Adelaine La Guardia Resende. Belo Horizonte: Editora UFMG; Brasília, 2013.
LOURO, Guacira Lopes. Um Corpo Estranho – Ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo
Horizonte: Autêntica Editora, 2016.
MAFFESOLI, Michel. Cultura e comunicação juvenis. Comunicação, mídia e consumo, São Paulo, v.
2, n.4,p.11-27, 2005.
MEDVIÉDEV, Pável Nikoláievitch. O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma
poética sociológica. Tradução de Ekaterina Vólkova Américo e Sheila Camargo Grillo. São Paulo:
Contexto, 2012.
MOITA LOPES, L. P. da. Linguística Aplicada e Vida Contemporânea: problematização dos
construtos que têm orientado a pesquisa. In: ______. (Org.). Por uma linguística aplicada
indisciplinar. São Paulo: Parábola Editorial, 2006.
______. L. P. Identidades fragmentadas: a construção discursiva de raça, gênero e sexualidade em sala
de aula. Campinas, SP: mercado de letras, 2002.
SILVA, J. S. Ser jovem na vida, ser jovem na arte: as temáticas do Young Adult. Editora Pedro e João,
2018. (no prelo)
SILVA, T. T. (2014). A produção social da identidade e da diferença. In T. T. Silva (Org), Identidade e
diferença: a perspectiva dos estudos culturais (15ª ed., pp. 73-102). Petrópolis, RJ: Vozes.
VOLÓCHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método
sociológico da linguagem. São Paulo: Editora 34, 2017.
WOODWARD, K. (2014). Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In T. T. Silva
(Org.), Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais (15a ed., pp. 7-72). Petrópolis, RJ:
Vozes.
549
Página
RESUMO
Este trabalho, o qual integra uma pesquisa de mestrado, tem como objetivo perceber, como
os limites – geográfico ou psicológico – nas narrativas das princesas da Disney influenciam
na construção da identidade dessas personagens, a partir do momento que elas assumem a
missão de ultrapassar essas fronteiras e seguir suas jornadas. O estudo usa como aporte o
que foi proposto pelo Círculo de Bakhtin (1998, 2011, 2013, 2015, 2016, 2017) sobre
dialogismo e linguagem e também encontra suporte nos Estudos Culturais, buscando
compreender identidade por meio da ótica de Stuart Hall (2003, 2015). Esta pesquisa está
inserida na área da Linguística Aplicada e usa como método o paradigma indiciário, de
Ginzburg (1989), para a construção dos dados.
Q
uando paramos para pensar em personagens femininas da Disney, muitas
vezes vem às nossas memórias as princesas clássicas – Branca de Neve,
Cinderela, Aurora, Bela, Rapunzel, Ariel, Jasmine. É bom relembrar que todas
essas princesas são do século passado, literalmente. Com a virada do século, a Disney
passa a colocar em evidência, nos filmes infantis, princesas que correspondessem
com às vivências do mundo atual, deixando de lado aquelas mesmas histórias
tradicionais, de uma princesa em perigo precisando de um príncipe para salvá-la. A
indústria cinematográfica contemporânea partiu para a produção de princesas
550
LINGUAGEM E IDENTIDADE
Para o Círculo de Bakhtin (1998, 2011, 2013, 2015, 2016, 2017), a linguagem é
dialógica; daí surge o termo dialogismo. Os autores do Círculo consideram como
diálogo qualquer comunicação discursiva, além disso, para eles, nós estamos em um
eterno diálogo, pois em toda interação os sujeitos vão obter respostas, até mesmo o
silêncio é uma resposta. Para mais, em todo diálogo vai haver uma relação com já
ditos anteriormente, pois a linguagem aqui é vista como um organismo vivo, e que
em sua essência é capaz de “refletir e refratar” outros discursos. Volóchinov (2017, p.
219) afirma que, “o discurso [...] participa de uma espécie de discussão ideológica de
grande escala: responde, refuta ou confirma algo, antecipa as respostas e críticas
551
sociedade, nessa perspectiva o sujeito ainda tem um núcleo, mas por meio de suas
Todas essas relações citadas pela autora permeiam a função do pesquisador, que
está presente desde a escolha do corpus até a interpretação desses dados. É importante
salientar que todo esse processo deve ser primordialmente tratado de maneira ética,
mostrando a importância do seu objeto de estudo para sociedade e porque é relevante
nos inteirarmos de sua existência. Para mais, deixar claro que o corpus terá sempre sua
historicidade, sendo construída ao decorrer do tempo de sua existência.
Ainda sobre o método, podemos facilmente aliar a pesquisa interpretativista
com o método indiciário, proposto por Ginzburg (1989), o qual objetiva examinar o
objeto de pesquisa com uma espécie de lupa, “transformando” o pesquisador em
detetive. A sua função será encontrar os indícios, ou podemos chamar de pistas, em
seu corpus que o leve ao entendimento da sua totalidade. Ou seja, quando nos
propomos em analisar o objeto seguindo esse método procuramos por indícios e
estes vão nos levar para uma construção de sentido da totalidade do corpus.
Ginzburg (1989, p. 177) afirma que
Com isso, Ginzburg deixa claro, para ele, o fato de a pesquisa na área
humanista ter a tarefa de olhar para o objeto de pesquisa com o cuidado de tentar
perceber os mínimos detalhes, pois eles podem mudar a compreensão de sua
totalidade. Sobre a compreensão, Bakhtin (2016, p. 86) afirma que ela só é possível
por meio dos signos e, para o teórico russo, nenhum fenômeno da natureza possui
“significado”; é nos signos que podemos encontrar o significado. O teórico assegura
ainda que o “objeto real é o homem social” (GINZBURG, 2016, p. 87); para ele esse
homem social consiste em um homem inserido na sociedade, isto é, é a partir do
enunciado produzido por esse homem que teremos acesso a um objeto em sua
essência real. Portanto, é por meio da forma como essas princesas são representadas
e construídas por sujeitos que iremos compreender a formação identitária dessas
554
escolha dela. No entanto, até chegar ao final do filme Merida passa por situações que
Página
O filme começa com cenas da infância de Merida, contudo, estamos considerando como primeira fala o
21
[Troll] Seu poder aumentará bastante, existe beleza nele, mas também
grande perigo, você deve saber controlá-lo, o medo será seu inimigo.
Página
vida”. Aos treze minutos do filme, Anna e Elsa cantam uma música, nesse momento,
fica nítido as duas perspectivas das personagens: uma animada ao sair do castelo e a
Página
Logo no começo da música, Anna afirma “como estou pronta para mudar”, a
personagem já prevendo que tudo aquilo que antes era do conhecimento dela estava
prestes a mudar, pois agora ela teria a liberdade de interagir com outras pessoas, seu
principal obstáculo até o momento era não poder sair do castelo e naquele dia aquele
impedimento seria esquecido. Já do outro lado do castelo estava Elsa cantando seus
receios por causa da abertura dos portões, dizendo então, “Não podem vir, não
podem ver”, pois a personagem ainda não tinha controle de sua magia, para ela
aquele momento era de pura angústia. As duas irmãs falam a mesma frase, mas com
ângulos discursivos totalmente diferentes, isso é explícito tanto pelo tom de voz das
duas, quanto pela imagem, Anna fala “A espera é uma aflição” com o tom de
ansiedade e felicidade, seu olhar é de esperança, por saber que em poucos minutos
iria realizar seu sonho, no entanto, Elsa diz a mesma frase com o tom de preocupação
e aflição, e seu olhar é de total desespero pela situação.
Nas fala do enunciado 8, Moana, ainda criança, se sente atraída a navegar pelo
Página
mar, o que a permite enxergar o coração de Te Fiti pela primeira vez. Mas seus pais
Nessa cena, o pai de Moana a leva para o topo de uma montanha e mostra um
monumento feito de pedras, onde cada chefe da ilha deixou uma pedra,
representando seu período de liderança. Podemos considerar a pedra uma marca
simbólica, isto é, a pedra, nesse contexto do filme, não representa apenas um objeto
inanimado, uma vez que ganha significado quando é relacionada com cada líder.
Cada pedra é diferente, assim como cada líder é, e, no fim do filme, isso fica muito
claro, pois a “pedra” escolhida por Moana é uma concha do mar, que representa
todas as aventuras, os perigos e até mesmo a sua ligação com o oceano e
curiosamente a concha é considerada símbolo do feminino, pois mitologicamente foi
de uma concha que Afrodite nasceu.
Ademais, quando o pai fala “você é o futuro do nosso povo, Moana, e ele não
560
está lá, está bem aqui”, atentamos novamente para o fato da personagem ser
pressionada a pertencer a determinado local, e de acordo com as ideologias do pai,
ela deve acreditar que um bom líder deve continuar na ilha e não sair viajando pelo
Página
MORAL DA HISTÓRIA
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
DENZIN, Norman K. O planejamento da pesquisa qualitativa: teorias e abordagens. Porto Alegre:
Artmed, 2006.
561
Página
562
Página
RESUMO
Esse texto tem por objetivo apresentar uma reflexão inicial advinda do diálogo com as
correntes teóricas no curso de Letras Português e, especialmente, a partir do contato com a
teoria bakhtiniana, defender a ideia de que a literatura apresenta-se como uma fronteira
tênue na constituição dos sujeitos. Trago músicas, poemas e a minha própria criação literária
para sustentar a argumentação.
U
ma fronteira é uma linha tênue fina e divisora entre o ''ou'' e o ''e'' que é ou
deixa de ser. A literatura está na linha tênue entre racional e emocional.
Prova e imaginação. Literatura é tudo e pode ser eu também. Me sinto a
música animada com letra triste, as cartas extraviadas da Martha. Me sinto aquele
filme ruim que você não terminou de ver ou aquele filme que todos dizem que é
péssimo mas você adora o cigarro que você comprou errado e oferece para os amigos
sem pestanejar porque quer acabar com o maço. Me sinto a carta triste do baralho
como: o +4 do Uno ou Coringa que se retira antes de dar as cartas durante o jogo.
Quem sou eu? No meu novo quarto tem mais remédios que lembranças novas. A
cidade que eu gosto de viver esta dentro de mim porque a que eu moro eu detesto.
Quem eu fui? Meus novos amigos me conhecem muito bem, porém, gostariam muito
mais de mim se eu fosse a menina de ontem. O que me faz perder o sono? Não tenho
tantas lembranças boas, mas, não tem nenhuma lembrança de você, e nem de
mim. Queria sair, me trocar como troco de roupa para dormir.
A literatura que eu me tornei está por todo o lado e encontra a sua fronteira na
caneta e papel. Uma fronteira de “e” é a minha literatura, você tem a sua, é a sua.
Engenheiros do Hawaii usufrui claramente da fronteira do “ou” com a música A
Revolta Dos Dândis I25:
Sobre devaneios a Fresno, banda gaúcha, consegue ser presente, com a música
Eu sei : 27
“Na teoria da relatividade, não existe tempo absoluto único; em vez disso, cada
indivíduo tem sua própria medida de tempo, que depende de onde ele se
encontra e de como está se movendo.”
REFERÊNCIAS
E
ste texto é uma breve análise da obra Niketche: Uma história de poligamia, da
escritora moçambicana Paulina Chiziane (1995-), com ênfase, especificamente,
no primeiro e segundo capítulos. Esta escolha se deve pelo fato de estes fazer
uma apresentação clara do que encontramos no decorrer da narrativa. Para tanto
tomamos por base os estudos de Mikhail Bakhtin (2010, 2011), os quais nos
possibilitou expandir nosso entendimento sobre os diálogos possíveis que a literatura
nos oferece, além de nos apresentar o romance como “uma diversidade social de
linguagens organizada artisticamente, às vezes de línguas e de vozes individuais”
(BAKHTIN, 2010, p.74). Em Niketche, essa diversidade, se funde num diálogo constante
pela busca e afirmação da mulher numa sociedade marcada pela brutalidade e a
submissão a que muitas mulheres estão expostas.
Portanto, para assimilarmos o dialogismo presente na obra, é importante
conhecermos um pouco da história e trajetória da autora, uma vez que inserida num
contexto de guerra e pós-guerra civil em Moçambique, Paulina Chiziane recebe
influências de ambos.
Ao dialogar com as reminiscências da infância, a autora busca subsídios para
denunciar, na escrita, a condição de subserviência da mulher na sociedade
moçambicana e, ainda para colaborar, a sua maneira, para o desenvolvimento de
uma literatura feminina em Moçambique.
Nesse sentido, podemos afirmar que Bakhtin (2011), ao definir autor e
personagem, nos faz compreender os meandros da criação de Paulina Chiziane e,
dessa forma, sempre lembramos que literatura é, também, arte, uma vez que associa
acontecimentos e emoções num diálogo constante, reconstituindo a realidade, por
meio do espírito do artista que a propaga, nos mais diversos gêneros:
566
Página
30
Doutoranda em Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UFPM/SP). E-mail:
minesciriaco@gmail.com
Podemos considerar, pelas palavras de Lobo que, tomando por base em sua
obra as marcas da oralidade, Paulina Chiziane, em Nicketche: uma história de poligamia,
envereda pelos caminhos das tradições e da identidade cultural e linguística do povo
moçambicano, marcados pelas diferenças entre o norte e o sul do país. Essa atenção
de Chiziane sobre as questões de identidade se apresenta na obra, numa perspectiva
que vai muito além do que era visto, anteriormente a Niketche, na literatura
moçambicana de expressão portuguesa. A começar por um dos pontos relevantes da
narrativa, que é a questão da poligamia, provocando e conduzindo a um debate
sobre a situação de submissão, obediência e silenciamento das mulheres no país,
desde os tempos tribais.
Esta situação que se agravou a partir da colonização, não mudou muito com a
independência, mantendo-se, até hoje, em algumas regiões, de maneira oficial,
enquanto noutras, de maioria católica, de modo mais velado. É um sistema cruel de
subserviência da mulher, ao mesmo tempo em que garante a muitas delas (no caso
do romance, às mulheres de Tony) um meio de reconhecimento e sustento:
Essa história de lobolo31 era nova para elas. Queriam dizer não por ser contra os
seus costumes culturais. Mas envolve dinheiro e muito dinheiro. Dinheiro para
os pais, dinheiro para elas, e para os filhos. Dinheiro que faz falta para comer,
para viver, para investir. Quando se trata de benesses, qualquer cultura serve.
Elas esqueceram o matriarcado e disseram sim à tradição patriarcal (CHIZIANE,
2004, p. 124).
31Lobolar-lobolo-dote, no caso da narrativa, significa que o marido polígamo além de pagar o dote também deve
sustentar os lares de todas as esposas.
Este acidente enche-me de dor e de saudade. Meu Tony, onde andas tu? Por que
me deixas só a resolver os problemas de cada dia como mulher e como homem,
quando tu andas por aí?” (CHIZIANE, 2004, p. 10).
[...]
– Esta falta de ordem é falta de homem nesta casa – desabafo. – O Tony é o
culpado de tudo isto. Sempre ausente. Primeiro foi uma noite de ausência, depois
outra e mais outra. Tornou-se hábito ... Mas os passos de homem são rastro de
caracol, não se escondem. Sei muito bem por onde anda (CHIZIANE, 2004, p. 12).
Essa situação leva Rami, num diálogo profundo consigo mesma, a fazer uma
análise profunda de sua condição:
perpassam gerações.
A dança do sol e da lua, dança do vento e da chuva, dança da criação. Uma dança
que mexe, que aquece. Que simboliza o corpo e faz a alma voar. As raparigas
aparecem de tangas e missangas. Movem o corpo com arte saudando o despertar
de todas as primaveras. Ao primeiro toque do tambor, cada um sorri, celebrando
o mistério da vida ao sabor do Niketche. Os velhos recordam o amor que passou,
a paixão que se viveu e se perdeu. As mulheres desamadas reencontram no
espaço o príncipe encantado com que cavalgam de mãos dadas no dorso da lua.
Nos jovens desperta a urgência de amar, porque o niketche é sensualidade
perfeita, rainha de toda a sensualidade. Quando a dança termina, podem ouvir-
se entre os assistentes suspiros de quem desperta de um sonho (CHIZIANE,
2004, p. 160).
[...] Titubeio uma canção antiga daquelas que arrastam as lágrimas à superfície.
Nessa coisa de cantar, tenho as minhas raízes. Sou de um povo cantador. Nesta
terra canta-se na alegria e na dor. A vida é um grande canto. Canto e choro.
Delicio-me com as lágrimas que correm, com sabor a sal, com o maior prazer do
mundo. Ah, mas como me liberta este choro! (CHIZIANE, 2004, p.15).
[...] – Celebro o amor e a vida. Danço sobre a vida e a morte. Danço sobre a
tristeza e a solidão. Piso para o fundo da terra todos os males que me torturam. A
dança liberta a mente das preocupações do momento. A dança é uma prece. Na
dança celebro a vida enquanto aguardo a morte... (CHIZIANE, 2004, p.16).
[...] As mulheres falam de amor. Os homens falam de amor. Amor que vai, amor
que vem, que foge, que se esconde, que se procura, que se encontra, que se preza,
que se despreza, que causa ódios e acende guerras sem fim. No amor, as
mulheres são um exército derrotado, é preciso chorar. Depor as armas e aceitar a
solidão... (CHIZIANE, 2004, p.13).
Temos o desespero de uma mãe, diante das adversidades familiares “Do alto
do céu desliza um punhal invisível contra o meu peito. Ganho a mudez das pedras,
estou aterrada...” (CHIZIANE, 2004, p. 10), que se tornam difíceis de serem
resolvidas sem a presença paterna, aspecto típico das famílias poligâmicas, já que o
homem tem que se dividir entre todas as famílias, não restando muito tempo para
estar com nenhuma delas:
andas, meu marido, para me protegeres, onde? Sou uma mulher de bem, uma
mulher casada (CHIZIANE, 2004, p. 10).
Página
Desperto inspirada. Hoje quero mudar o meu mundo. Hoje quero fazer o que
fazem todas as mulheres desta terra. Não é verdade que pelo amor se luta? Pois
hoje quero lutar pelo meu. Vou empunhar todas as armas e defrontar o inimigo,
para defender o meu amor (CHIZIANE, 2004, p. 19).
Esse tipo de atitude não condiz com as tradições moçambicanas, mas que a
personagem atrela à religiosidade para fortalecer-se e seguir adiante nos seus
propósitos: “Marido não é pão que se corta com faca de pão, uma fatia para cada
mulher. Só o corpo de cristo é que se espreme em gotas do tamanho do mundo para
saciar o universo de crentes na comunhão de sangue” (CHIZIANE, 2004, p. 19).
Tem destaque na narrativa, a força com que a personagem Rami se apega à
multiplicidade religiosa, tão presentes na cultura africana, como instrumento de luta
pela conservação da família e de seus valores socialmente estabelecidos. As
manifestações religiosas, herança dos povos bantu, é componente fundamental das
tradições africanas/moçambicanas e que os colonizadores portugueses não
conseguiram apagar, como se pode ver em momentos da narrativa como: “... No meu
rio, os antepassados não dançam batuque...” (CHIZIANE, 2004, p. 18), não há o que
celebrar, somente a tristeza. E ainda:
572
Fico desesperada, com esse sonho que se repete. Consultei adivinhos que me
contaram histórias extraordinárias de feitiços de amor feitos por outras
Página
No Sul, Rami explica que nunca frequentou os ritos de iniciação porque o “pai
é um cristão ferrenho, de resto a pressão do regime colonial foi muito mais forte no
sul do que no norte” (CHIZIANE, 2004, p. 37).
Para as mulheres do Norte, os ritos são importantes uma vez que “– Sem eles,
és mais leve que o vento. És aquele que viaja para longe, sem viajar antes para dentro
de si próprio... Porque não és nada, eterna criança” (CHIZIANE, 2004, p. 38).
É importante lembrar que no Norte, os homens também passam pelos ritos de
iniciação, e “a primeira lição da iniciação masculina” (CHIZIANE, 2004, p. 40), é:
Nesse sistema, para os homens do Sul, as mulheres não existem como seres
humanos capazes de pensar, sentir e agir de acordo com seus desejos, são vistas
como simples objeto para satisfazer as necessidades da família e os desejos sexuais
574
Amor polígamo é mesmo isto. Ter o homem nos braços a suspirar por outra.
Lavar o cavalheiro, remendar-lhe as peúgas e as cuecas, esfregar-lhe os
calcanhares, embelezá-lo, perfumá-lo, para ele se exibir bonito nos olhos das
outras. Amor polígamo é mastigar a dor com alimento, engolir com saliva e
encher a pança. Amor polígamo é a eterna espera. O eterno desespero
(CHIZIANE, 2004, p. 281).
cresce a sua capacidade de refletir sobre a vida conjugal e a questionar seus próprios
valores e os valores da sociedade em que vive. Deste modo, diante da desilusão com
Página
a vida que leva e das ínfimas perspectivas de mudança na sua condição de esposa,
– Somos cinco. Unamo-nos num feixe e formemos uma mão. Cada uma de nós
será um dedo, e as grandes linhas da mão da vida, o coração, a sorte, o destino e
o amor. Não estaremos tão desprotegidas e poderemos segurar o leme da vida e
traçar o destino (CHIZIANE, 2004, p. 105).
REFERÊNCIAS
CHIZIANE, Paulina. Niketche: uma história da poligamia. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
LOBO, Almiro. Niketche, uma história da poligamia: a moçambicanidade revisitada. In: CHAVES,
Rita e MACÊDO, Tânia (Orgs.) Marcas da diferença: as literaturas africanas de língua portuguesa.
Página
RESUMO
O desenvolvimento das culturas da população foi regido, muitas vezes, graças à introdução
de informações provenientes de ferramentas disponíveis em cada época. O rádio, a televisão
e, posteriormente, a internet, favoreceram à disseminação de ideias e à composição de ricos
gêneros. Buscou-se, nesse capítulo, abordar o gênero musical sertanejo, mostrando a relação
entre os estilos musicais do sertanejo e as mídias. Observou-se que as vozes e os discursos
contidos no Projeto Bem Sertanejo, mostram uma valoração histórico-cultural desse gênero e
como este vem rompendo fronteiras geográficas e midiáticas.
INTRODUÇÃO
A
comunicação midiática mudou muito ao passar dos anos, do pioneiro meio
de comunicação de massa, o rádio, na década de 1920, a televisão, na década
de 1950, com o meio audiovisual. Entretanto, com o surgimento da internet,
novas plataformas midiáticas foram surgindo, gerando consequências discursivas ao
modelo de divulgação de mensagens dos conteúdos midiáticos. A narrativa
transmídia é um notório exemplo da convergência tecnológica perante o campo
comunicacional (JENKINS, 2009).
Em meio a essas mudanças perante as mídias, o discurso também se
modificou; durante esse estudo sobre o gênero musical sertanejo, foram notadas as
mudanças tanto nas letras das músicas sertanejas como no estilo cantores dessas
músicas.
Segundo Bakhtin (2011), os gêneros estão ligados a situações sociais de
interação; a partir das interações, novas relações sociais se constituem, possibilitando
o surgimento de novos gêneros. A música raiz foi pioneira como gênero musical do
578
34Doutora em Estudos Linguísticos. Docente de Língua Portuguesa e Comunicação dos Cursos de Administração,
Página
Ciências Contábeis, Comunicação Social, Pedagogia e Tecnologia em Recursos Humanos do Centro Universitário
de Rio Preto - UNIRP. E-mail: mssuribeiro@yahoo.com.br
mas vê, dá sua opinião, faz a escolha da sua música favorita, entre outras ações, tudo
ao mesmo tempo. Ou seja, através da transmídia.
Página
Todo discurso é orientado para a resposta e ele não pode esquivar-se à influência
profunda do discurso da resposta antecipada. O discurso vivo e corrente está
imediata e diretamente determinando pelo discurso-resposta futuro [...]. Ao se
constituir na atmosfera do ‘já dito’, o discurso é orientado ao mesmo tempo para
o discurso-resposta que ainda não foi dito [...], porém, que foi solicitado a surgir e
que já era esperado. Assim, é todo diálogo vivo. (BAKHTIN, 2014, p. 89)
cidades, como também nas universidades, sendo criadas novas relações do gênero
episódios na televisão.
Charaudeau (2013) aborda que há vários tipos de formatos de entrevistas. No
caso, do projeto Bem Sertanejo, foi possível notar o uso da entrevista cultural e a
Página
O gênero esbarra também numa contradição que tem a ver com valor simbólico
que se atribui à fala numa dada comunidade cultural. Quanto mais complexo o
fenômeno a explicar, tanto mais o pensamento é profundo e necessita de um
tempo de fala mais longo. O que é profundo e complexo não pode ser expresso
brevemente (CHARAUDEAU, 2013, p.2017).
Figura 26 - Teló dialoga com o cantor Almir Sater e Figura 27 - Teló escuta a dupla Jorge e Mateus
com a dupla Jads e Jadson
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, M. Estética da Criação Verbal. 6ª. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
BAKTHIN, M. Questões de Literatura e de Estética: a teoria do romance. 7ª. Ed. São Paulo: Hucitec,
2014.
BONA, R. J.; SOUZA, M. P. A narrativa transmídia na era da convergência: análise das transposições
midiáticas de the walking dead. Revista Electronica em América Latina Especializada em
Comunicación, p. 1-10, maio de 2013. Disponível em:
<http://www.razonypalabra.org.mx/N/N82/V82/22_BonaSouza_V82.pdf>. Acesso em: 05 Ago. 2017.
CHARAUDEAU, P. Discurso das Mídias: os gêneros do discurso da informação. 2ª. Ed. São Paulo:
Contexto, 2013.
GUANIZA, L. O conceito de mídia na comunicação e na ciência política: desafios interdisciplinares.
Dossiê Mídia e Política. Revista Debates, Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Disponível em:
<http://seer.ufrgs.br/debates/article/view/2469>. Acesso em: 05 Ago. 2017.
JENKINS, H. Cultura da convergência. 2ª. Ed. São Paulo: Aleph, 2009. Trad. Susana Alexandria.
MEDITSCH, E. O rádio na era da informação: teoria e técnica do novo radiojornalismo. 2ª. Ed.
Florianópolis: UFSC/Insular, 2007.
TELÓ, M; PIUNTI, A. Bem sertanejo: a história da música que conquistou o Brasil. São Paulo: Planeta,
2015.
585
Página
RESUMO
Este trabalho é um diálogo com a palavra enunciada por Toumani Kouyaté, um djeli/griot da
cultura mandinga. O exercício foi entrar pela porta da alteridade colocando-me diante de
uma cultura outra e, escutando-a, abrir a possibilidade de conhecer melhor a mim mesma e
também compreender melhor acerca das concepções de educação que hoje fundamentam
meu trabalho como educadora. O trabalho tem raízes fincadas na filosofia da linguagem
desenvolvida pelo Círculo de Bakhtin, portanto, esta pesquisa apresenta meu encontro com
as palavras do griot Toumani Kouyaté, a partir de um diálogo de vozes. Na tentativa de
honrar o princípio no qual o outro com quem encontro é um sujeito expressivo e falante, foi
então necessária uma construção discursiva onde as enunciações dos interlocutores tivessem
um tratamento estético para manter preservadas e vivas suas vozes. Outros princípios
desenvolvidos por Bakhtin, Volochinov e Medviédev também balizaram esta escritura
dialógica. Tais princípios estão descritos nas discussões sobre: relação autor-herói, palavra
própria e palavra outra, cronotopo artístico e carnavalização. Diante deste percurso teórico-
metodológico pergunto-me se a teoria e a metodologia são somente um modo de fazer
pesquisa, ou, antes de tudo, são uma maneira de estar e ser no mundo.
INTRODUÇÃO
A
s reflexões trazidas aqui são parte da pesquisa que realizei no curso de
Mestrado, que originalmente intitula-se Os reinos invisibilizados: um encontro
com a palavra mandinga. A partir do diálogo que travei com o griot/djeli
Toumani Kouyaté, fui tecendo compreensões acerca de diversos temas como escuta,
transmissão, palavra, conto na cultura mandinga. Trago nesta texto compreensões
acerca da noção de conto e também uma compreensão da imagem de homem que
narra o conto na cultura mandinga, e como tais noções nos ajudam a refletir sobre os
atos educativos dentro da cultura. Ao adentrarmos na noção de conto veremos que o
ato de narrar acontece na fronteira, e aquele que narra é o próprio conto e também a
própria fronteira materializada. Já explicitei então os pontos centrais deste texto.
Agora irei situar o lugar de fala deste meu principal interlocutor, que é Toumani e
586
em seguida trarei a tentativa que fiz de trazer a palavra outra, e por último alguns
Página
35Mestra em Educação. Prof. Educação infantil da Escola Municipal Prof. Eulinade Assiz Marques . E-mail:
miza.carvalho.rj@Gmail.com
específica. Tendo em vista que o que está em jogo nesta forma de fazer ciência é o
da sociedade; noutra gaveta: é preciso perceber como é este momento quando o conto se
mesmo uma pessoa lá na África para iniciar o conto. Não acredito que você fez isso!
Acho que você escreveu esta parte no momento que levantei para beber água, não
Página
foi? Fiquei horas refletindo sobre esta imagem de que cada provérbio guarda dentro
ele instaura a união do sentido do conto com sua dimensão histórica. O homem
Página
***
Esta escritura acima é uma tentativa de dizer com Toumani. Esta escritura
feita em forma de pequeno conto, ou seja a criação do reino, do ponto de vista de
Bakhtin, ganha a denominação de cronotopo artístico. Todo o plano estético foi
inspirado no livro ‘As cidades invisíveis’, de Ítalo Calvino. A necessidade da criação
deste plano estético foi com a intenção de criar um discurso onde eu pudesse me
situar, concretizar o encontro da minha voz e a voz dos meus interlocutores. Além
disto, o cronotopo artístico me permitiu escapar das estruturas objetificantes com as
quais usualmente escorregamos, dizendo fatos e palavras objetivadas. O caminho
que percorri foi: as próprias colocações do que era o conto para a cultura mandinga
balizando a criação do reino. O ponto de partida para a criação d’ O reino e o conto
foi a imagem do conto como uma pirâmide de espelhos. Quero trazer novamente aqui
os princípios que balizaram a construção deste cronotopo: 1. imagem de autor
(pesquisador), 2. a imagem de herói (o griot e eu mesma, indo ao encontro da palavra
mandinga), 3. a relação autor-herói e 4. elementos do que é ‘conto’ para os
mandingas.
Pensando a partir da categoria de cronotopo, onde temos tempo, espaço e
humano valorado, neste reino o tempo teve a pregnância de um tempo no limiar, já
que o tempo do narrar é feito no presente. Daí, tal criação ter-se inspirado pelas
análises de Bakhtin sobre o plano de Dostoievski, plano este impregnado deste
tempo no limiar; o espaço sendo a própria pirâmide com gavetas enigmáticas, de
onde fui abrindo questões sobre a noção de conto para os mandinga. E se há
cronotopo é porque há um humano na cena, é neste reino do conto nos perguntamos
acerca dos sentidos desta perspectiva mandinga onde é o humano o próprio conto.
Um cronotopo na fronteira; tempo, espaço e humano valorados como fronteira.
A imagem de herói que busquei construir foi a do homem no limiar. O griot é
593
este homem na fronteira, entre dois mundos (o visível e o invisível; uma época e
outra época). Ele sempre está no presente unindo passado e futuro no agora, no
Página
instante. É um homem que está atento às mudanças do mundo e muda com ele.
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail M. Dagli appunti degli anni Quanranta. Revista Corposcritto. Bari,v.5, 2004.
BAKHTIN, Mikhail M. Estética da criação verbal. Introdução e Tradução de Paulo Bezerra; Prefácio à
edição francesa Tzvetan Todorov. 4. ed., São Paulo: Martins Fontes, 2003.
BAKHTIN, Mikhail M. Marxismo e filosofia da linguagem.16. ed. São Paulo: Hucitec, 2014.
BAKHTIN, Mikhail M. Marxismo e filosofia da linguagem.8. ed.São Paulo: Hucitec, 1995.
BAKHTIN, Mikhail M. Para uma filosofia do ato responsável. Tradução de Valdemir Miotello e
Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010.
BAKHTIN, Mikhail M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução de Paulo Bezerra. 5. ed. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 2015.
BAKHTIN, Mikhail M. Questões da literatura e de estética: a teoria do romance. São Paulo: Hucitec,
1988.
BALLESTRIN, Luciana. América Latina e o giro decolonial. Rev. Bras. Ciênc. Polít. [online]. 2013, n.11,
pp.89-117. ISSN 2178-4884. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0103-33522013000200004>.
Acesso em: 10/08/2017
BERNAT, Isaac. Encontros com o griot Sotigui Kouyaté. Rio de Janeiro: Pallas, 2013.
CALVINO, Italo. As cidades invisíveis. Trad. Diogo Mainardi. São Paulo: Companhia das Letras,
1990.
CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico nova fronteira da língua portuguesa. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1982.
DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Bobók. Tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra; Desenhos de Oswaldo
Goeldi; Texto de Mikhail Bakthin. São Paulo: Ed 34. 2012.
FARIAS, Paulo de Moraes. Griots, louvação e noção de pessoa no Sahel.São Paulo: Casa das Áfricas
(PUC/USP) 2004. Disponível em:<https://diffuserconfusion.wordpress.com/2008/10/24/griots-
louvacao-oral-e-nocao-de-pessoa-no-sahel/>. Acesso em: 11/02/2016
HAMPATÊ BÂ, Amadou. Amkoullel, o menino fula. Tradução Xina Smith de Vasconcellos, 3. ed.
São Paulo: Palas Athenas/ Acervo África, 2013.
596
Página
Keita L’heritage du griot. Dirigido por Dani Kouyaté. França/Burquina Faso: AFIX Produtions, 1995.
598
Página
RESUMO
INTRODUÇÃO
A
saga Harry Potter, da autora de livros juvenis J.K. Rowling, sem dúvida foi
e é um sucesso entre os adolescentes e até mesmo entre os jovens adultos.
Parte desse sucesso se dá graças ao mundo no qual o livro do jovem bruxo se
ambienta. Um mundo fantástico “que é exatamente como o nosso, aquele que
conhecemos, sem diabos, sílfides nem vampiros” (TODOROV, 2008, p. 30) no qual
esses seres de existência impossível em nosso mundo se tornam reais. É nesse mundo
que alguns leitores, presos à realidade, gostariam de estar. É com ele que se
identificam e nele que veem seus sonhos mais distantes refletidos e refratados.
Além do olhar exotópico dos leitores para com as aventuras que Harry vive
em Hogwarts, um outro ponto desperta a ação responsiva destes: a adolescência do
seu protagonista e de seus companheiros. Entretanto, apesar da história fantástica do
jovem bruxo refletir discursivamente bem a infância por meio da fantasia, a
599
50Graduando em Licenciatura em Letras, Português pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e bolsista
de iniciação científica pelo CNPq. E-mail: rafaelodssilva@gmail.com
51 Doutora em Comunicação e Semiótica. Pós-Doutorado em Linguística Aplicada. Profa. Associada do
Página
Atenciosamente,
Minerva McGonagall
Diretora substituta (ROWLING, 2017 p. 39)
em voz alta entre pessoas face a face, mas como qualquer comunicação discursiva
independentemente do tipo. (2017, p. 219)
Página
O Mundo dos Bruxos não é um mundo de verdade. Nós não temos cidades.
Nem mesmo bairros. Os bruxos sempre viveram no meio da mundanidade. É
mais seguro assim, de acordo com a mãe de Penélope. isso nos impede de nos
afastarmos demais do resto do mundo. (ROWELL, 2016, p. 25)
54 Denominação dada aos não bruxos no universo dos livros de J.K. Rowling.
Eu me dei conta em nosso quinto ano. Quando Snow me seguiu por aí como um
cachorro preso aos meus calcanhares. Quando ele não me dava um único
momento de conforto para analisar meus sentimentos - ou para bater uma (ou
várias) e tentar me livrar deles.
Queria nunca ter compreendido o que estava acontecendo. Que eu o amo. Isso
não passa de um tormento. (ROWELL, 2016, p. 160)
606
Página
A palavra, para Volóchinov (2017), é uma ponte que nos liga ao outro. Assim
faz a paródia com a palavra do outro, com o discurso do outro: o traz para junto do
autor parodizador e faz servir às suas intenções discursivas. Em Carry On, Rainbow
Rowell se apropria do discurso fantástico estabelecido por J. K. Rowling e o subverte
a fim de criar seu próprio mundo mágico sem deixar orientar seu discurso para o
discurso do outro.
Por meio dessa paródia, surge uma nova maneira de se fazer a fantasia
enquanto gênero discursivo literário, fundem-se discursos, universos semânticos,
linguagens, vozes, etc, e instaura-se uma renovação do gênero que aparentemente se
consolida graças ao estilo individual da autora, estilo este que a permite fazer
escolhas particulares quanto aos temas do gênero fantasia e quebrar com padrões pré
estabelecidos.
Esse é o poder da palavra. Ela aproxima o eu ao outro, dá acabamento a
representações discursivas que julgamos inacabadas, hibridiza, apaga fronteiras,
torna reais os shipps55 dos fãs, dá força às práticas discursivas de leitura e escrita.
Assim, um livro, ao que parece, mesmo estando (simbólica e fisicamente) acabado,
nunca alcança seu fim discursivamente. Para seus leitores e fãs está sempre passível a
ganhar acabamento.
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2016.
607
_____. Problemas da poética de Dostoiévski. Trad. Paulo Bezerra. 5. ed. São Paulo: WMF Martin
Fontes, 2010.
Página
55 Termo usado para definir personagens de livros, séries, filmes que os fãs gostariam que fosse um casal.
608
Página
A
o pensarmos nos limites e possibilidades de criar um texto para o evento
Rodas Bakhtinianas 2018 em Cascavel, no Paraná, que tem como temática
central a questão da fronteira, o que nos ocorreu primeiramente foi que
existe, antes de todas, uma fronteira da nossa imagem externa, fronteira que não
podemos acessar, a não ser pelo outro.
Ao tentarmos localizar a fronteira entre a imagem externa que cada um tem de
si e a nossa imagem externa, vista pelo outro, fomos convocados a ler novamente um
conjunto de textos apresentados por Bakhtin em Estética da Criação Verbal, onde no
capítulo II – A forma espacial da personagem – esse trata do vivenciamento das
fronteiras externas do homem, e foi o texto A imagem Externa, parte da seção, que nos
deu alguns elementos para construirmos este texto.
Então como vivenciamos a nossa própria imagem externa e a imagem externa do
outro?
Essa é a questão inicial do texto A forma espacial da personagem onde no item 2,
A imagem externa, Bakhtin discute sobre a questão do vivenciamento da nossa
imagem externa e da imagem externa do outro sobre nós. Nossa tarefa aqui é realizar
um exercício de compreensão sobre a nossa imagem externa e a imagem construída
pelo outro sobre nós. Ocorre que de ínicio já temos uma afirmativa, por parte de
Bakhtin, onde ele diz: não há dúvidas, evidentemente, de que nossa imagem externa não
integra o horizonte real concreto da minha visão, salvo os casos raros em que eu, como
Narciso, contemplo meu reflexo na água ou no espelho (BAKHTIN, 2011, p. 26).
Vamos partir, então, para nossa reflexão, dessa primeira pista de Bakhtin. Ele
afirma que a imagem da água e do espelho são as imagens mais próximas da
possibilidade de vivenciar a imagem externa de si. Então podemos afirmar que o que
vemos no espelho e no reflexo da água seria a nossa verdadeira imagem?
Acontece que, para vivenciarmos um horizonte estético, este deverá ser criado
fora de nós, pelo outro. Uma perspectiva ética-estética que se sustente na ideia
narcísica de beleza, orientada por uma visão de simetria, como única possibilidade
de encontro com o belo, não será certamente uma perspectiva bakhtiniana.
Ocorre que Bakhtin nos auxilia informando que minha imagem externa, isto é,
609
todos os elementos expressivos do meu corpo, sem exceção, é vivenciada de dentro por mim; é
apenas sob a forma de extratos, de fragmentos dispersos, que se agitam nas cordas da
Página
autossensação interna; minha imagem externa chega ao campo os meus sentimentos externos
também faz seu autorretrato. Todavia, no autorretrato não vemos o autor como tal
(não se pode vê-lo), pelo menos não o vemos mais que em qualquer outra obra
do autor; onde ele mais se revela é nos melhores quadros desse autor. O autor-
Página
Colocadas essas reflexões, nos voltamos para Bakhtin, na busca por ainda mais
uma pista sobre a questão colocada incialmente: como nos colocarmos na fronteira
do eu-para-mim? Ele ressalta que a primeira tarefa do artista que trabalha com
autorretrato consiste em depurar a expressão do rosto refletido (p. 31). Então ainda
que existam limites para essa possibilidade de vivenciamento na fronteira, do modo
como vivenciamos nosso próprio eu, ao criarmos um ponto de apoio fora de nós
mesmos – uma posição firme - podemos criar dois centros axiológicos onde,
esteticamente, em uma escritura, seja possível que o autor-artista vença o artista-
homem. No fim, como nos diz Bakhtin, essa é a tarefa do autor-criador que, no seu
fazer, precisa experimentar esses limites e possibilidades, tarefa para qualquer
exercício de escritura.
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. 6. ed. São Paulo : Editora Martins
Fontes, 2011.
612
Página
RESUMO
INTRODUÇÃO
A
ligação entre a Análise Linguística (AL) e o processo de produção textual,
principalmente no que concerne aos processos de revisão e de reescrita de
textos, foi reivindicada por Geraldi em 1984, em O texto na sala de aula.
Portanto, faz tempo.
Na obra, Geraldi fala de um lugar de ruptura, porque o movimento
epistemológico de renovação do ensino de línguas no Brasil ganhava força ao fincar
raízes mais profícuas nos pressupostos das teorias linguísticas discursivas e
enunciativas, as quais, naturalmente, passaram a refratar-se e a refletir-se à
Linguística Aplicada do Brasil. Dentre essas teorias, despontava o Dialogismo do
299 Doutora em Letras. Professora Adjunto do Colegiado de Letras da Universidade Estadual do Paraná/Campus
de Campo Mourão. E-mail: ampolato@gmail.com.
300 Doutora em Letras. Professora Adjunto do Colegiado de Letras da Universidade Estadual do Paraná/Campus
a diversificar os recursos expressivos com que fala e escreve, e a operar sobre sua
própria linguagem, praticando a diversidade dos fatos gramaticais de sua língua.”
(FRANCHI, 1987, p. 41). Na visão do autor, a abordagem de aspectos lexicais e
Página
2010).
Portanto, do que foi prenunciado no nascimento da AL, tanto para Franchi
(1987) quanto para Geraldi (1991), em nível teórico-conceitual-metodológico, as
Página
atividades epilinguísticas:
1988a; 2003b; FARACO, 2007), que escolhe a forma do dizer já em razão de sua
vontade discursiva e, para tanto, opera sobre o material – língua – a fim de
Página
▪
621
O pesadelo
Página
Os pesquisadores prosseguem:
Pesquisadores: Você acha que conseguiu contar esta história, de modo que o
medo e o terror apareçam? Seu conto tem começo,... meio... e fim! Está pontuado
corretamente. Que bonito isso! Muito bem..., mas você está vendo que sua história está...
digamos... meio sem vida?
Pesquisadores: E por que não dar vida para este conto, agora? Vamos deixá-lo
mais vivo, mais cheio de medo e de terror. Podemos ajudá-la?
Pesquisadores: Ah, não! Vamos pensar na história toda, uma história cheia de
medo, de terror, que tal? Depois você pode revisar e reescrever por partes, vamos
relembrando, se achar melhor. Perguntamos e você só se preocupa em ir criando as
imagens, as cenas, ok? Principalmente, tente pensar em palavras e expressões que
representem o que está criando. Vamos começar, então:
Um elogio: você sabe usar dois pontos e travessão certinho, hein?
Você sabe que o travessão é para marcar a fala da personagem e a outra parte é da
voz que está narrando? Quem cria e organiza todas essas vozes hein, Clara?
aranhas? Que tipo de eu é esse, hein? É uma menina ou um menino? É forte ou frágil?
Como é? E as aranhas? Elas são amedrontadoras? Se sim, por quê?
Página
Clara: Nossa!
Pesquisadores: E o lugar onde as duas aranhas estavam, como era? O que é que
tinha neste lugar? O que elas estavam fazendo lá? Como é que elas estavam discutindo?
Qual era a atitude delas, os gestos, a entoação da voz delas ao discutir? Como o eu da
história se sente diante de tudo isso? Pense em palavras e expressões que possam
representar isso. Você sabe algo sobre a pontuação que pode aplicar para ajudar a
representar isso?
Clara: A menina está com pavor porque está com medo de doer, de morrer!
CONSIDERAÇÕES FINAIS
634
Página
INTRODUÇÃO
A
o longo dos anos, as propostas de produção textual tem-se dado, muitas
vezes, ao fracasso pelo modo como ela é orientada pelo professor. Observa-
se que é proposto ao aluno a escrita de um gênero que ele nunca viu, ou se
viu foi sem maior aprofundamento e tratando de um tema sobre o qual talvez ele não
tenha refletido. Ou também é observado que o docente só explora a estrutura formal,
congelada, sem mostrar exemplos dele ou discutir sua organização lógica antes de
aprofundar sobre os parâmetros utilizados. Não é difícil, portanto, observar alunos
com medo de escrever, desmotivados e supondo que não sabem; simplesmente
porque não lhe são mostradas as possibilidades para a escrita.
635
302 Mestranda em Linguística Teórica e Descritiva pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail:
27alana@hotmail.com.
Página
303 Professor Substituto do Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN-Currais
acaba resultando em uma população cada vez mais alheia aos problemas e discursos
mundo exterior, e todas as linhas do seu corpo que o limitam no mundo; o outro
está todo estendido e esgotado no mundo exterior a mim como um objeto entre
Página
outros objetos, sem lhe ultrapassar em nada os limites, sem lhe violar a unidade
plástico-pictural visível e tátil. (BAKHTIN, 2011, p. 34).
organizam não livremente e sem objetivo, mas sim, com um propósito e arquitetado
de acordo com sua moral e definição própria das questões de mundo. Assim, os
Página
Várias vertentes teóricas dos estudos sobre gêneros do discurso das últimas
quatro décadas, por percursos diferentes, apontam para o fato de que os gêneros
são marcados por duas forças opostas e aparentemente contraditórias: uma força
que regula, normatiza, estabiliza, generaliza, promove recorrência, a qual será
chamada aqui de ‘força centrípeta’; e outra que desestabiliza, relativiza,
dinamiza, ‘plasticiza’, surpreende, aqui nomeada como ‘força centrífuga’. Esta
nomenclatura provém de Bakhtin (1988) e foi aplicada às forças da língua: em
639
acordo com seu raciocínio, as forças centrípetas atuam com vistas a normatizar,
unificar e tornar homogênea a língua, ao passo que as forças centrífugas atuam
no sentido de estratificar e tornar heterogênea a língua. Estas duas forças podem
Página
ser compreendidas também como dois discursos que atuam sobre as línguas, o
Na arena dialógica sala de aula, o professor além de refletir sobre sua prática
deve conhecer a concepção de linguagem adotada a fim de que pensando no alunato,
desenvolva as habilidades e competências propostas nos materiais que regem a
educação do nosso país.
A prática pedagógica do ensino de língua portuguesa é um desafio, pois toda
aula é uma aprendizagem, toda turma é diferente. Cada sujeito é um mundo e neste
contexto temos não só a necessidade do domínio do conteúdo, mas a forma como
este será passado. Por isso, a observação das aulas da professora, do contexto social
da turma é muito importante, um norte para conhecer o nível das turmas, os alunos,
o conteúdo que estava sendo trabalhado e as observações em sala. O estágio na
formação de licenciando é essencial para refletir sobre sua atual e futura prática para
e as concepções teóricas que o guiarão.
Nesse sentido, refletir sobre a argumentação e os pressupostos bakhtinianos
que facilitam o ensino dessa prática na sala de aula corroboram com uma
contribuição valiosa de saberes que formará um aluno mais completo, crítico e
reflexivo.
REFERÊNCIAS
RESUMO
Com este texto, elencamos possíveis contribuições que a perspectiva teórica e metodológica
proposta pelo Círculo de Bakhtin, sobretudo quanto a sua abordagem filosófica da
língua(gem), pode oferecer para a ressignificação dos objetivos e fundamentos da
Linguística. Preocupações nessa direção podem contribuir com o ensino de língua
portuguesa no contexto escolar, afinal as teorias linguísticas repercutem, de maneira
profunda, nas escolhas pedagógicas dos professores.
A
tradição normativa e prescritiva que predominou, ao longo dos séculos,
como uma prática hegemônica na pesquisa e no ensino de língua(gem)
tornou-se uma presente e pulsante força centrípeta capaz de levar, senão ao
esquecimento, ao menos ao silenciamento de uma verdade pouco discutida entre
nós: a linguística e a língua portuguesa se aproximam muito mais às Ciências
Humanas do que de outras ciências, como as Exatas. Como afirma Geraldi (2010a, p.
76), o pensamento científico assentava suas verdades na ideia de que a ciência
inegavelmente “falava a realidade, representada a realidade, de tal como que, por
exemplo, acredita-se que o mundo dos enunciados coincidia com a o mundo real,
como se ambos fossem necessariamente o espelho um do outro.
Essa concepção começa a modificar-se, segundo o linguista, no século XX,
desde Einstein, de modo que cada vez mais, os cientistas entendem que “não
expressam o real quando falam do mundo, mas expressam o que conseguem dele
captar com os instrumentos de que dispõe”. A crítica que Geraldi e outros estudiosos
fazem do pensamento da ciência moderna rígida, focada em verdades universais,
não invalida uma série de conquistas científicas a que chegaram, como a própria
confiança nas leis científicas. Tendo isso em vista, Geraldi (2010a, p. 38) retoma a
importância, por exemplo, da confiança nas certezas para encorajar viagens no
643
partes do relatório de pós-doutoramento realizado pela autora, na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar),
contando com supervisão do prof. Dr. Valdemir Miotello.
mesma maneira. Muito pelo contrário: as especificidades da área, bem como de cada
305Cabe mencionarmos que as obras “Marxismo e Filosofia da Linguagem” (2009) e “A construção do enunciação
e outros ensaios” (2013) concentram uma vasta discussão a respeito da relação dos signos (em especial, da
Página
306Bakhtin/Volochinov (2009), no livro Marxismo e filosofia da linguagem, fazem uma detalhada crítica a duas
correntes filosófico-linguístico hegemônicas que denominam “subjetivismo idealista” e “objetivismo abstrato”
ilumina o futuro”.
Nesse caso de repetição como o lugar do processo de ensino e aprendizagem,
Página
o professor ficará sempre “dependendo de orientações que lhe venham de fora, quer
INTRODUÇÃO
P
articipamos da vida por meio da produção e da interpretação de gêneros do
discurso que se originam e se estabelecem nos inúmeros campos da atividade
humana e, por isso, os gêneros são, para a perspectiva dialógica da linguagem,
formas de dizer mais ou menos estáveis, formas que atendem as nossas intenções e
vontades comunicativas. A afirmativa de Bakhtin (2003[1953], p. 282) é a de que
“Falamos apenas através de determinados gêneros do discurso, isto é, todo os nossos
307 Doutora em Linguística Aplicada. Professora adjunta da Universidade Federal do Tocantins (UFT). E-mail:
653
angelafuza@uft.edu.br.
308 Doutora em Estudos da linguagem. Professora adjunta da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP).
E-mail: marilucia@uenp.edu.br.
Página
309309 Doutora em Estudos da linguagem. Professora adjunta da Universidade Federal do Pará (UFPA). E-mail:
marciaohuschi@yahoo.com.br.
1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
enunciado’ (p. 281). Dessa forma, uma vez que um dos elementos do gênero
discursivo é o conteúdo temático, isto é, o sentido da enunciação, portanto, opta-
Página
[...] o gênero em si não é relativo, mas o tema que o constitui apresenta essa
característica, em função do projeto de dizer do autor, da finalidade marcada, da
‘idéia definida do autor’, nas palavras de Bakhtin. Dessa maneira, o tema é um
elemento que está intimamente ligado ao gênero, sendo, portanto, o primeiro dos
elementos de sua constituição.
Com isso, observa-se que a exauribilidade temática é elemento primário e
essencial à produção de gênero discursivo, orientando o produtor, no seu
processo de construção, e o interlocutor-respondente, no seu processo de
compreensão responsiva, para que se estabeleça a interação verbal social
(MENEGASSI, 2010, p. 82).
658
0ahUKEwiRubqRtZzdAhUBCpAKHWo7C6QQ_AUICygC&biw=1216&bih=556#imgrc=R9LiLh3I-D5BCM.
Acesso em: 02 set. 2018
sua produção. É pelo tema que a ideologia circula”. Logo, os valores sociais do século
Página
08-2018.
moça frágil, sonhadora, a espera de uma vida feliz que se realiza no casamento com
um príncipe, para adquirir um sentido ligado agregado aos fatores de
empoderamento feminino. A princesa agora é “Gabriela”, o que nos remete à obra
Página
“Gabriela, cravo e canela”, de Jorge Amado. Obra publicada em 1958, mas que já
312A partir das considerações tecidas neste texto, objetivamos, em publicação futura, elaborar uma proposta de
trabalho de leitura para realização em sala de aula.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, M. M. Os gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. Tradução do russo por Paulo
Bezerra. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003 [1953].
______; VOLOCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do
método sociológico na ciência da linguagem. Tradução do francês por Michel Lahud e Yara Frateschi
Vieira. 9.ed. São Paulo: Hucitec, 1992 [1929].
CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: Vários escritos. 5 ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul,
2011, p. 171-193.
CEREJA, W. Significação e Tema. In: BRAIT, Beth (Org.). Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo:
Contexto, 2005.
GONZALES, Lucilene. Linguagem Publicitária: análise e produção. São Paulo: Arte & Ciência
Editora, 2003.
MENEGASSI, R. J. Exauribilidade temática no gênero discursivo. In: SALEH, P.; OLIVEIRA, S. (Orgs.).
Leitura, escrita e ensino de língua em debate. Ponta Grossa: UEPG, 2010, p. 77-90.
ROJO, Roxane; BARBOSA, Jaqueline P. Hipermodernidade, multiletramentos e gêneros discursivos.
São Paulo: Parábola, 2015.
SOBRAL, A. Do dialogismo ao gênero: as bases do pensamento do Círculo de Bakhtin. Campinas, São
Paulo: Mercado de Letras, 2009.
SOBRAL, A.; GIACOMELLI, K. Observações didáticas sobre a análise dialógica do discurso – ADD.
Domínios de Lingu@gem, Uberlândia, vol. 10, n. 3, jul./set. 2016.
664
Página
RESUMO
O objetivo desse texto é apresentar uma reflexão produzida por dois sujeitos ingressantes do
curso de Letras e sua orientadora a partir de um componente curricular cursado no primeiro
semestre de 2018, denominado Fundamentos de Língua Portuguesa. Pautamo-nos nos
estudos bakhtinianos para relfletir sobre as fronteiras do ser, estar e tornar-se professor de
língua portuguesa. Rompemos com uma série de pré conceitos e concepções sobre
linguagem, professor, aluno, escola, ensino e aprendizagem ao compreendermos que o
caminho dialógico é a forma mais ímpar de constituição de nossa subjetividade. Tiramos o
“eu” do centro para colocar o “outro”, a exemplo da reflexão bakhtiniana. E projetamos o
quanto essa mudança de paradigma afeta a escolaridade. O quanto não poderemos fazer
pelos sujeitos da educação básica? O quanto esses sujeitos não poderão fazer por nós,
professores?
INTRODUÇÃO
I
ngressar em uma universidade federal é um passo muito grande na vida de um
jovem na faixa de 19 anos. O passo torna-se ainda maior ao se encontrar na
fronteira entre mudar toda uma concepção de lingua/linguagem que a educação
básica leva anos para introduzir em nossa formação - postura que é reforçada sem
nenhuma culpa pela senso comum social - e lançar mão de uma outra compreensão
diferenciada desse objeto que nos leva pensar para além na sala de aula, mas sim
compreender a vida dos sujeitos sociais que vamos formar via linguagem.
313 Licenciando do curso de Letras da Universidade Federal do Pampa – UNIPAMPA, Campus Bagé/RS e bolsista
665
315 Doutora em Linguística e Língua Portuguesa. Profa. Adjunta IV do Curso de Letras Portugues da
Em geral, quando se fala em ensino, uma questão prévia – para que ensinamos o
que ensinamos?, e sua correlata: para que as crianças aprendem o que aprendem?
– é esquecida em benefício de discussões sobre o como ensinar, o quando
ensinar, o que ensinar, etc (GERALDI, 2004, p. 40).
A partir desse novo óculos que nos foi dado no primeiro semestre do curso de
Letras para enxergarmos a linguagem e o seu processo de ensino/aprendizagem,
apostamos em uma série de princípios que esperamos colocar em prática na profissão
que escolhemos. Para falar sobre eles, apoiamo-nos na reflexão de Possenti (2004).
O primeiro deles diz respeito ao objetivo da escola. Esta tem o dever de
ensinar o portugues padrão ou até mesmo de criar condições para que ele seja
aprendido. Segundo o autor, qualquer outra hipótese pode ser considerado um
equívoco político e pedagógico. Nesse sentido, outra questão a ser considerada é a de
que a escola não ensina língua materna a nenhum aluno. Ela já recebe alunos com
esse repertório linguístico.
O segundo trata da necessidade de se adotar um concepção clara de
linguagem e também de criança, sujeito. Línguas são sistemas complexos
apreendidos pelas crianças na mais tenra idade, uma vez que falam e, portanto,
dominam um código vivendo em sociedade.
667
O conceito de erro é algo questionável ao se tratar de linguagem, uma vez que uma
análise mais cuidadosa evidencia que os alunos acertam mais do que erram e que os
Página
Professor, uma das profissões mais desvalorizadas no Brasil, então por que
ainda queremos exercer essa profissão?
Acreditamos que é processo natural ensinar e ser ensinado, desde o modo
mais literal até o mais metafórico. Desse modo arriscamo-nos a dizer que a profissão
de professor, principalmente àquele que leciona na área de língua portuguesa, é de
grande peso e responsabilidade, afinal, acabamos por lidar com diversos indivíduos
e temos o dever de ensinar e aprender, pensar com/sobre linguagem e, também com
ela, nos constituirmos enquanto cidadãos.
Não é de maneira frívola que afirmo esta profissão ser um dos pilares que
compõe a base para a formação e desenvolvimento de um país. Pensamos que, em
um cenário social e político temeroso, um professor pode mudar o futuro de seus
alunos. Obviamente que isso não depende só dele, as coisas não progridem de forma
tão rápida, mas somos a prova real da mudança, uma vez que estamos em nosso
primeiro ano de formação universitária e em formação inicial para sermos
professores de linguagem.
É importante lembrar que professores são seres humanos que se constituem o
tempo todo por meio da linguagem e continuam aprendendo constantemente, até
mesmo enquanto está ensinando. Que paradoxo não, é mesmo? Ensinar e aprender
simultaneamente e todo esse processo sendo lastreado por questionamentos que
geram verdadeiros acontecimentos. Nessa nova perspectiva que se abre,
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad, P. Bezerra. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. Trad. M. Lahud e Y. Frateschi. São Paulo:
Hucitec, 1986.
ALMEIDA, M. J. Ensinar português? In: GERALDI, J. W. (org.). O texto na sala de aula. São Paulo:
Ática, 2004.
GERALDI, J. W. (org.). O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 2004.
______. A aula como acontecimento. São Carlos: Pedro &João editores, 2010.
669
POSSENTI, S. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas, ALB. Mercado de Letras, 1996
Página
N
este presente trabalho nos preocupamos em apresentar as contribuições que
a tecnologia digital proporciona ao processo de aquisição da linguagem,
dando maior atenção à construção do enunciado de portadores do espectro
autista. Ressaltamos que o trabalho é experimental e tentaremos realizar um diálogo
entre os processos de ensino-aprendizagem do autista sobre a aquisição da
linguagem com a utilização da tecnologia digital como uma ferramenta facilitadora
durante o processo.
Elegemos, como teoria fundante, a perspectiva bakhtiniana, recorrendo,
principalmente, ao conceito de enunciado e a sua forma de compreender a
linguagem como dialógica, o que possibilita-nos relacionar com o processo de
ensino-aprendizagem dos autistas a partir da tecnologia digital.
Para entendermos melhor sobre o autismo, conforme o Manual de Saúde
Mental, Transtorno Espectro Autista (TEA) é um distúrbio caracterizado
principalmente pela dificuldade de comunicação social e comportamentos
repetitivos. Esse transtorno pode se dar em níveis diferenciados, os quais
diferenciarão um autista do outro. O autismo é conhecido, também, por ser um
transtorno no qual cada portador pode reagir de uma forma diferenciada dentre suas
características principais. Além disso, pode estar associado a outros transtornos e ou
a deficiências mentais e motoras, o que diferenciará mais ainda seus portadores. Mas
em geral, todo autista terá déficits de atenção de aprendizagem, os quais dificultarão
na aquisição da linguagem e na construção do enunciado. É importante destacar que
o autismo é uma condição permanente ao indivíduo.
O processo de aquisição da linguagem para o autista requer cuidado e
empenho, visto a dificuldade de socialização. Segundo Bakhtin (2003[1979]), a
construção do enunciado ocorre a partir das relações dialógicas e ela só existe na
interação entre dois ou mais sujeitos. Ou seja, o enunciado é construído a partir da
interação entre os sujeitos. Assim, se o autista tem dificuldades de relacionar-se com
os outros, também o terá na produção de enunciados. Diante dessa perspectiva,
670
Graduada em Letras Português Espanhol pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE).
316
O AUTISMO
Paul Eugen Bleuler (1857 - 1939) foi um psiquiatra suíço notável pelas suas contribuições para o entendimento
317
da esquizofrenia.
318Indicador do pensamento visual como principal método de processar informação é a notável capacidade de
muitos autistas para resolver quebra-cabeças, se orientar em uma cidade ou memorizar grandes quantidades de
Página
informação só em vê-la uma vez. (DE QUEM É ESSA TRADUAÇÃO? SE FOR SUA, INDIQUE NO FINAL
(TRADUÇÃO NOSSA).
Os indivíduos não recebem a língua pronta para ser usada; eles penetram na
corrente da comunicação verbal; ou melhor, somente quando mergulham nessa
corrente é que sua consciência desperta e começa a operar [...]. Os sujeitos não
“adquirem” sua língua materna; é nela e por meio dela que ocorre o primeiro
despertar da consciência. (BAKHTIN/VOLOSHINOV, 1992, p. 108).
Inúmeros teóricos usam o termo indivíduo visual para referir-se aos autistas,
pois, em geral, eles são extremamente visuais, praticamente ignoram a linguagem
oral, fixando sua atenção em imagens e símbolos, atentando-se à cinestesia dos
movimentos. Logo, recorrendo-se a esses recursos, a interação com o “outro” pode
ser estabelecida de modo que uma criança autista possa ampliar sua capacidade de
interação.
Levando em consideração os conceitos de bakhtinianos que considera “a
linguagem como atividade, instituída em um processo concreto em que o signo se
instaura ideológico e dialogicamente” (AUTOR, ANO, P....), cabe àqueles que
convivem com portadores de TEA desenvolver outras formas de interação que não
675
Treatment and Education of Autistic and related Communication-handicapped Children, criado na década de 60 pelo
319
Página
A questão é que uma pessoa com autismo tem menor controle sobre seus
impulsos diante de estímulos exteriores, quando estes o afetam grandemente. É
preciso sempre propiciar oportunidade para que ela descubra propriedades (que
efetivamente há) para a superação desses desafios. (CUNHA, 2013, p, 58).
REFERÊNCIAS
BRASIL. Instituto de tecnologia social: Tecnologia Assistiva nas escolas. Disponível em:
<http://www.itsbrasil.org.br/sites/itsbrasil.w20.com.br/files/Digite_o_texto/Cartilha_Tecnologia_Assist
iva_nas_escolas__Recursos_basicos_de_acessibilidade_socio-
Página
681
Página
INTRODUÇÃO
E
ste trabalho vincula-se ao Programa de Educação Tutorial Conexões de
Saberes: Projeto Educação (PETEDU), da Universidade Federal do Espírito
Santo (UFES), que tem como escopo temático a formação de professores na
Educação Infantil. De maneira geral, as atividades do PETEDU são desenvolvidas em
coletividade, no horizonte de valorizar os encontros. Nessa perspectiva, requer de
682
320 Graduanda de Artes Visuais PETiano/a discente (bolsista) do grupo PET Conexões de Saberes: Projeto
Educação da Universidade Federal do Espírito Santo E-mail:danieliborgoni@gmail.com.br
321 Prof.ª do Departamento de Linguagens, Cultura e Educação (DLCE), do Programa de Pós Graduação em
Página
Educação (PPGE) e tutora do Programa de Educação Tutorial Conexões de Saberes Projeto: Educação (PETEDU),
da Universidade Federal do Espírito Santo. E-mail: valdetecoco@hotmail.com
2. METODOLOGIA
3. 1 Diálogos
[...] Acredito que, para além dos aprendizados a respeito das determinadas
temáticas discutidas, os maiores aprendizados que essa atividade proporciona é
o falar (o se posicionar, expor o que pensamos) e o ouvir (se silenciar para ouvir o
outro, respeitar as diversas opiniões) [...].(REL 5, 2017, p.15)
Então, evidenciamos uma formação que se efetiva como processo de estar com
o outro, mediatizados pelos temas em questão (pode ser grupo de estudos,
planejamento de atividades, reuniões administrativas, produção de sínteses, etc).
Esse dado chama a atenção para a integração entre a forma e o conteúdo dos
processos formativos, ou seja, na aparente visibilidade do conteúdo materializada
nas pautas em discussão/encaminhamento se soma um universo relacional muito
importante, mobilizador dos sujeitos. Na imagem a seguir ilustramos uma das
atividades do grupo de estudo, dedicada ao tema da aproximação ao referêncial
teórico, movida com o propósito de fomentar os apredizados por meio de trocas
dialógicas.
Fonte: Autores
[...]podemos afirmar que o outro me altera por meio do diálogo, pois a palavra
do outro me é exterior, sua visão e concepções são exteriores as minhas, os
enunciados que antecedem suas falas são diferentes dos que antecedem as
minhas, nossas visões de um mesmo fato são diferentes, por esse motivo ao nos
relacionarmos por meio da linguagem nos alteramos e construímos nossas
identidades. (REL 5, 2017, p.53)
Enquanto escrevia meu trabalho para o XXIII ENAPET me deparei com conceitos
que me encheram a mente de ideias e um deles casou muito com nosso grupo
repleto de diversidade e encontro de culturas, e em meio minhas leituras me
encontrei com o conceito de cultura.(AVAL 3, 2018, p.10)
689
[...]pelo fato da composição do grupo ser muito diversa, tendo uma variedade de
personalidades compondo um mesmo ambiente. Estar nesse lugar, com
diferentes e singulares pessoas com suas vivências, por vezes é difícil pelas
divergências de pensamentos, no entanto, vejo que isso vai fazer com que o
processo de me alterar seja potencializado, acreditando que quanto mais
encontros eu tiver com o outro, mais do outro eu terei.(AVAL 11, 2018, p.7)
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail Mikhailovich. Estética da criação verbal. 6ª ed. São Paulo: Editora WMF Martins
Fontes, 2011.
BAKHTIN, Mikhail M. Para uma filosofia do ato responsável. Trad. de Valdemir Miotello e Carlos
Alberto Faraco. 2.ed. São Carlos: Pedro & João Editores, 2012, 160 p.
BRASIL, Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Conselho Pleno. Resolução
692
CNE/CP n. 02, de 1º de julho de 2015. Define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação
inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e
cursos de segunda licenciatura) e para a formação continuada. Brasília, Diário Oficial [da] República
Página
693
Página
INTRODUÇÃO
O
objetivo deste trabalho é socializar uma proposta de atividades de leitura que
compõe uma unidade didática constituída de atividades de leitura e escrita de
textos dos gêneros história em quadrinhos (HQ) e propaganda, para alunos
do 1º ou 2º anos do ensino fundamental.
A unidade didática em questão integra um projeto de extensão intitulado “O
ensino da ortografia no 1º ano do Ensino Fundamental 325”, aplicado nos meses de
setembro e outubro de 2018, para professores alfabetizadores do município de Pato
Branco. Foi elaborada para exemplificar o ensino da leitura de textos multimodais a
partir de uma perspectiva interacional e o ensino da escrita com ênfase em palavras
constituídas de relações regulares e irregulares (MORAIS, 2006) entre grafemas e
fonemas da língua portuguesa.
Em uma concepção de leitura interacional/dialógica, a língua, os sujeitos
(autor e leitor) “são vistos como atores/construtores sociais, sujeitos ativos que –
322
Doutoranda em Letras pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Professora do Departamento de Letras
da Universidade Tecnológica Federal do Paraná – Campus Pato Branco.
323
Mestre em Educação. Professora do Departamento de Letras da Universidade Tecnológica Federal do Paraná –
Campus Pato Branco.
324 Doutora em Educação pela Universidade Federal do Paraná. Professora do Departamento de Letras da
os conteúdos concernentes às relações entre a fonologia e a ortografia da língua portuguesa e ao ensino da língua
materna a partir dos gêneros textuais imagéticos; orientar a aplicação de uma unidade didática previamente
elaborada com uma proposta de ensino de leitura e de escrito a partir de uma história em quadrinhos e de uma
Página
697
Página
327 O referido poema, escrito por Gonçalves Dias quando vivia em Portugal, no ano de 1843, tematiza as belezas
naturais do Brasil e os sentimentos do poeta em relação à pátria brasileira.
328 Fonte: (https://acontecendoaqui.com.br/tech-marketing/supermercados-hippo-realiza-campanha-nas-redes-
Página
sociais-em-homenagem-ao-dia-da-arvore)
329
Para Cagliari (2008), a decodificação está vinculada ao processo de decifração do sistema de escrita, exigindo
dos leitores iniciantes conhecimentos tais como: a diferenciação entre desenho e escrita; o sistema alfabético; a
categorização gráfica e funcional, entre outros. Para uma criança no processo inicial de alfabetização essa tarefa
Página
não é tão simples o quanto parece, pois a dificuldade para ela, muitas vezes, se inicia pelo próprio
reconhecimento das letras.
Quem é seu autor? Que posição social ele ocupa? Que ideologias assume e coloca
em circulação? Em que situação escreve? Em que veículo ou instituição? Com
que finalidade? Quem ele julga que o lerá? Que lugar social e que ideologias ele
supões que este leitor intentado ocupa e assume? (ROJO, 2004, p. 6).
“Localize, na HQ, o título do livro onde esta história está escrita e o pinte com lápis
azul”;
“Localize, na HQ, o nome de seu autor e o pinte com lápis vermelho”;
“Leia, com seu professor, o texto abaixo, e saiba um pouco mais sobre o autor da HQ.”
“Onde é possível encontrar essa HQ?”;
“Que pessoas costumam ler essa HQ?330”;
“Assinale a alternativa que indica o objetivo do autor com essa HQ”;
“Quando Caulos publicou essa HQ, em 1989, você nem tinha nascido. O que você
acha que o motivou a fazer essa história?”;
700
330
Para contribuir com o trabalho dos docentes, a unidade didática apresenta seções denominadas “Conversa
com o professor” nas quais são apresentados conteúdos e orientações que contribuem para a aplicação das
Página
atividades propostas. Um desses quadros orienta para o diálogo sobre as questões “Onde é possível encontrar
essa HQ?”; e “Que pessoas costumam ler essa HQ?”.
humana.
“Há dois tipos de balões nessa história. O balão que mostra quando o sabiá fala e o
balão que mostra quando o sabiá pensa. Escreva, nas linhas abaixo, qual balão contém a fala e
qual contém o pensamento do sabiá”;
“No quarto quadrinho, o balão de fala tem um formato diferente. Que formato ele
tem?”
“No segundo quadrinho, há o desenho de estrelas. Circule, nesse quadrinho, a palavra
“estrelas” falada pelo sabiá”.
“No terceiro quadrinho, há o desenho de flores. Circule, nesse quadrinho, a palavra
“flores” falada pelo sabiá”.
“Observe o rosto do pássaro no sexto quadrinho. Assinale, abaixo, o que ele expressa.”
“Localize, na HQ, o título do livro onde essa história está escrita e o pinte com lápis
azul".
“Localize, na propaganda, o logotipo da empresa anunciante”331.
“Na propaganda está escrito “faz oxigênio, faz sombra. E faz falta”. A quem essas
frases se referem?”
“Como você chegou a essa conclusão?”
“Na propaganda há um pedido “faça a sua parte. Preserve”. A quem essas frases se
dirigem?”
“Como você chegou a essa conclusão?”
O estilo do gênero (BAKHTIN, 2000, p. 266), por sua vez, refere-se à sua
caracterização quanto aos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais que integram
os enunciados. Nas HQs há um predomínio do tipo textual narrativo, embora seja
possível encontrar, também, sequências argumentativas e expositivas (MENDONÇA,
2002). Já a propaganda apresenta uma linguagem concisa, estruturas sintáticas curtas
com propósitos de persuadir o leitor, por meio da razão ou da emoção. Costuma
utilizar verbos no modo imperativo e pronomes de tratamento como “você”.
(MORAES, 2002).
702
331 Essa questão “Localize, na propaganda, o logotipo da empresa anunciante” também orienta para a
Página
identificação do locutor do gênero, ou seja, contribui para a identificação do contexto social de interação que
promove o conhecimento do conteúdo temático, como visto anteriormente.
“Leia o texto do quadro abaixo e saiba quem foi Gonçalves Dias a quem o sabiá se
refere na HQ e qual é o poema do qual foram retirados os versos declamados pelo pássaro”;
“Pinte, na história em quadrinhos, um sinal de pontuação chamado aspas (“ ”) e leia,
abaixo, o que ele significa nesse texto.”
“Localize, na HQ, um sinal de pontuação chamado “dois pontos” (:) e converse com
seu professor para saber porque esse sinal aparece nesse local.”
“Caulos destacou a palavra ‘era’ no último quadrinho da história. Por que ele fez
isso?”
“Ao encontrar o toco de palmeira, no último quadrinho, o sabiá fica com os olhos
arregalados. Como será que ele se sentiu?”
“Utilize as palavras do quadro, abaixo, para completar o resumo da narrativa da HQ.”
“Na propaganda há um pedido “faz oxigênio, faz sombra. E faz falta”. A quem essas
frases se referem? Como você chegou a essa conclusão?”
“Na propaganda está escrito “faça a sua parte. Preserve.” A quem esse pedido é
dirigido?”
p. 265). Faraco (2009, p. 137) assinala que “o estilo se constrói a partir de uma
332
A intertextualidade restrita ocorre quando se identificam os elementos de um texto em outro, seja direta ou
indiretamente, isto é: “[...] podemos depreender que stricto sensu, a intertextualidade ocorre quando, em um
Página
texto, está inserido outro texto (intertexto) anteriormente produzido, que faz parte da memória social de uma
coletividade” (KOCH; ELIAS, 2015, p. 86)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
BRAIT, B. Análise e teoria o discurso. In: _____. (org.) Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo:
705
Contexto, 2009.
CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização & Linguística. São Paulo: Scipione, 2008.
Página
1. INTRODUÇÃO
N
este trabalho, propomos uma reflexão a respeito do ensino para alunos
surdos recorrendo ao princípio bakhtiniano, o qual parte de uma linguagem
viva, em que o texto interaja com o leitor, produzindo sentidos. No caso
desta pesquisa, o desafio é romper a fronteira da linguagem tradicional dos livros e
assim repensar a construção de enunciados concretos que se aproximem da realidade
do aluno, facilitando a compreensão e interpretação.
A nossa inquietação pedagógica está em adaptar material para o ensino de
Segunda Língua (L2) para surdos, uma vez que estes não têm a audição funcional
para usar a língua Portuguesa como primeira Língua.
Essa inquietação nos faz buscar livros interessantes que possam ser utilizados
na educação de surdos. Nossa escolha, aqui, recaiu em um livro com o tema
relacionado à lenda do curupira, o qual pode aguçar o interesse pela literatura e
assim incentivar a construção de bons leitores. Vale ressaltar que o livro é
direcionado – pela linguagem utilizada – para o público infantil, uma vez que a
narrativa contém texto e imagens priorizando uma linguagem acessível para as
crianças, além disso, a obra aborda questões de preservação do meio ambiente e,
assim, propõe despertar no leitor uma postura crítica diante da sua realidade.
Resolvemos adaptar esse livro para o nosso público, de crianças surdas.
333 Graduando de Letras-Libras (UEPA), Membro do GELPEA (Grupo de Estudos em Linguagens e Práticas
Educacionais da Amazônia). E-mail: fabiolibras16@gmail.com.
334 Mestranda em Educação (PPGED) UEPA, Membro do GELPEA (Grupo de Estudos em Linguagens e Práticas
707
336 Professor no Programa de Pós-Graduação e Educação (PPGED) UEPA, Doutorado em Educação Especial
3. LETRAMENTO LITERÁRIO
709
protege ambos das ações malvadas de caçadores que querem matar os animais e
desmatarem a natureza. Um dos artifícios infalíveis do curupira é a sua flecha
mágica, essa com certeza ele não erra e isso é certo, não adianta tentar fugir.
Página
4. ASPECTOS ESTÉTICOS
Contar histórias é uma atividade praticada por muita gente: pais, filhos,
professores, amigos, namorados, avós... Enfim, todos contam-escrevem ou
ouvem-lêm toda espécie de narrativa: histórias de fadas, casos, piadas, mentiras,
romances, contos, novelas... Assim, a maioria das pessoas é capaz de perceber
que toda narrativa tem elementos fundamentais, sem os quais não pode existir.
contexto imaginário e mais lúdico, penso que é mais indicada para ser utilizada com
crianças. A história tem um aspecto muito interessante a ser trabalhada com as
de bolso, com boas ilustrações coloridas. A respeito do texto, o mesmo possui uma
fonte boa e visível com uma linguagem acessível. Essas características são muito
interessantes para o público, o qual o livro está a se dirigir: o infantil, a própria
Página
disposição das imagens que são representadas de uma maneira mais infantil, são
5. ASPECTOS IDEOLÓGICOS
337 Fonte: Texto de Rodrigo De Góes, Desenho de Arthur Garcia, Coleção Lendas Brasileiras, Ano 1 – Nº 2
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: editora 34, 2016.
BAKHTIN, Mikhail. Notas sobre literatura, cultura e ciências humanas. Tradução de Paulo Bezerra.
São Paulo: editora 34, 2017.
COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2016.
GANCHO, Cândida Vilares. Como analisar narrativas. 5ª. ed. São Paulo: Ática, 1998.
715
Página
M
eu nome é Gelvane Nicole Guarda. Cursei minha graduação em
licenciatura em Pedagogia e atualmente sou Mestranda no Programa de
Pós-graduação em Educação na Universidade Federal da Fronteira Sul, na
cidade de Chapecó. Foi neste percurso formativo que fui iniciada nos pensamentos
do filosofo da linguagem Mikhail Bakhtin.
Há menos de três meses, passei a ter encontros diários com Bakhtin. Tenho
encontrado através de suas leituras, um acalento para minha passagem diária. Neste
momento, peço-lhes uma escuta carinhosa e atenta para minhas compreensões de
Bakhtin, por parte daqueles que já são íntimos e discorrem com mais propriedade e
segurança de seus conceitos e pontos de vista. Este texto, portanto, é um escrito que
fala um pouco do regalo que é dialogar, refletir e encontrar esse filósofo e pensador
russo.
Durante esses meses, o meu encontro frequente com Bakhtin foi através do
Mestrado em Educação. Um convite muito especial de minha orientadora, Professora
Camila Caracelli Scherma para participar do grupo de pesquisas intitulado
“Bakhtinianas”, grupo é voltado às contribuições do filósofo da linguagem, a qual
nos auxilia nas compreensões, leituras e discussões envolvendo categorias de
compreensão do teórico. Este grupo é formado por estudantes mulheres da
graduação e pós graduação da Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS,
campus Chapecó/SC. Esse meus encontros com Bakhtin por meio do grupo está
sendo de grande valia, pois os círculos de conversas que temos semanalmente, me
fazem perceber, compreender, dialogar e colocar-me a escuta de Bakhtin.
A partir do grupo Bakhtinianas passo a ter a oportunidade de ler
coletivamente, as obras de Bakhtin e de seu Círculo, como Marxismo e Filosofia da
Linguagem. Através dessas leituras, das palavras e das interações, vejo em Bakhtin
amorização, responsividade, diante da vida: vejo-o como um pensador encantador,
que desperta em mim muita reflexão. E principalmente nesses encontros do grupo,
tenho a relação do eu e outro que se firmam, no qual nos foram e são possibilitadas
muitas trocas, conversas, desabafos e anseios frente às questões individuais e
716
Mestranda em Educação. Universidade Federal da Fronteira Sul - UFFS - Campus Chapecó. Bolsista da
338
Bakhtin.
históricas, uma vez que, a linguagem é uma prática construída socialmente, dialogia
Tenho que confessar que estudar Bakhtin, não está sendo nada fácil. Mas
também ninguém me disse que seria fácil, não é?! Este momento de fronteira, de
encontro com ele, está sendo muito desafiador e provocador. Posso dizer também,
que este momento é um maravilhoso encontro de escuta, construção e ressignificação
quanto educadora.
Os encontros com o grupo Bakhtinianas, alivia essa minha de ansiedade de
compreende-lo e, também oportuniza-me vivenciar um dos encontros mais
significativos, prazerosos e satisfatórios de minha atual vivência. Encontros esses que
impulsionam-me a continuar a dialogar, permanecer e a viver. Minha certeza é que
através de Bakhtin encontrei aporte para seguir com minhas inquietações enquanto
educação e também na formação do sujeito histórico, social, cultura e ideológico.
REFERÊNCIAS
RESUMO
Este trabalho elege como objeto de discussão o processo de constituição de sujeitos, mais
especificamente, o movimento arquitetônico que abarca a organização do sentido de um
enunciado concreto, enquanto potencialidade no ser único e sempre em relação de interação
com o outro, com a esfera ideológica, num determinado tempo-espaço. Nesse contexto, o
objetivo do trabalho apresentado se circunscreve na tarefa de problematizar o processo de
constituição dos sujeitos e de produção de sentidos em uma videoanimação intitulada
“Perfeito”, produzida por Maurício Bartok. Para a discussão proposta, buscou-se traçar uma
retomada de conceitos basilares explorados pelo Círculo de Bakhtin, de modo que a análise
pudesse ser melhor compreendida. A partir da discussão proposta, reitera-se que a proposta
bakhtiniana se configura como uma possibilidade bastante promissora para iluminar
encaminhamentos metodológicos para o trabalho com a leitura de textos, implicando os
processos autorais, as relações entre eu e o outro, bem como a questão do percurso de
construção de sentidos e suas implicações para a análise do contexto de produção, circulação
e recepção dos textos audiovisuais, elementos substanciais para a formação de leitores
proficientes.
339 Doutor em Letras (Linguística e Língua Portuguesa). Professor Associado do Departamento de Estudos da
Linguagem da Universidade Federal de Lavras. Líder do GEDISC. E-mail: villarta.marco@del.ufla.br
720
raphaelssoares@hotmail.com
A
contemporaneidade vivencia uma demanda por uma ressignificação de
metodologias de ensino relacionados aos processos de leitura de textos
multissemióticos. Esse processo de ressignificação tem feito emergir várias
discussões acerca da recepção, circulação e produção dos textos que integram a
sociedade da informação e que, notadamente, implicam a constituição dos sujeitos
que produzem/constroem sentidos e projetos de dizer. Desse modo, embora
tenhamos conhecimento de apenas um texto de Bakhtin que tenha se ocupado das
questões de ensino, consideramos que, no conjunto de sua obra e da dos demais
membros do que chamamos de Círculo de Bakhtin, a abordagem enunciativa-
dialógica proposta pelo autor instaura espaços de reflexão que podem iluminar a
prática educativa e a visibilizar os alunos como sujeitos que se constituem pela
linguagem. Para o autor, as práticas sociais de uso da linguagem manifestam-se por
meio da interação verbal entre os interlocutores. Assim, o dialogismo, que é a
característica essencial dessas práticas sociais de uso da linguagem, se configura
como um princípio constitutivo de todo discurso e espaço interacional entre sujeitos,
pois nenhuma palavra é, autenticamente, nossa, ou seja, o discurso é, per si, a
perspectiva de vozes outras, seja no ponto de partida, seja para quem se dirige.
No nosso entendimento, conceitos como o de sujeito, de subjetividade e de
produção de sentidos consubstanciam-se como questões precípuas para uma
abordagem dialógica para o encaminhamento da prática educativa. Nesse sentido, os
pressupostos e interpretações da obra do Círculo de Bakhtin, salvaguardadas as
especificidades de seus constructos teóricos, podem favorecer uma discussão que
implica constitutivamente o sujeito nas questões de linguagem. Para Bakhtin e
demais autores do Círculo, a linguagem, como produto da atividade, como produção
humana, produz o sujeito na relação com o outro, assim como é produzida dentro
dessa interação e por meio dela.
Considerando essa perspectiva interacionista, o presente trabalho objetiva
problematizar a questão do ensino da leitura de textos multissemióticos. Procedendo
a um recorte investigativo, buscamos analisar uma videoanimação, intitulada
Perfeito, à luz do referencial teórico do Círculo de Bakhtin, com vistas a indiciar
apontamentos para uma reflexão sobre o trabalho com textos audiovisuais em sala de
aula. Para a consecução desta investigação epistemológica, pretendemos, a partir da
teorização desenvolvida pelo campo bakhtiniano e de conceitos de teorias sobre
cinema e imagem, evocar aspectos relevantes para uma tomada de consciência sobre
a tarefa de formar autores de linguagem a partir de processos mediados na sala de
aula.
721
1. CONTEXTUALIZANDO A DISCUSSÃO
quem sou eu para mim? Quem sou eu para o outro? Quem é o outro para mim?
Quais são minhas determinações socio-históricas? Elas me libertam ou me
impedem de ser mais humano? Quais são as alteridades que mais me
constituem? Como me oriento neste mundo já socialmente significado? Como
minhas contrapalavras se encontram com as palavras do outro? Respondo de
qual maneira a essas palavras? Minhas contrapalavras ressoam a quais palavras
de outrem? E de qual maneira? Quais são as relações entre discurso de uma
memória de passado e de uma memória de futuro, em determinadas situações?
(DIAS, 2016, p. 583)
É esta arquitetônica do mundo real do ato que a filosofia moral deve descrever,
não como um esquema abstrato, mas como o plano concreto do mundo do ato
unitário singular, os momentos concretos fundamentais de sua construção e da
sua disposição recíproca. Estes momentos fundamentais são: eu-para-mim, o
outro-para-mim, e eu-para-o-outro; todos os valores da vida real e da cultura se
dispõem ao redor destes pontos arquitetônicos fundamentais do mundo real do
ato: valores científicos, estéticos, políticos (incluindo também os éticos e sociais) e
finalmente religiosos. (BAKHTIN, 2010, p. 114).
constitutividade. Para Volóchinov (2017, pp. 116-117) o psiquismo interior não deve ser
analisado como objeto e só pode ser compreendido e analisado como signo. Nessa
Página
343Bakhtin usa a expressão Речевая воля (rietchieváia vólia) em russo, que tem recebido traduções diferentes:
vontade discursiva, intenção discursiva, intuito discursivo, projeto de dizer, vontade de produzir sentido, querer-dizer.
Adotamos aqui uma forma utilizada por Paulo Bezerra, tanto na primeira tradução do russo para o português do
Página
Estética da Criação Verbal, quanto da versão revisada de Os gêneros do discurso (BAKHTIN, 2017, p. 37; BAKHTIN,
1979, p. 256)
são as múltiplas vozes que aparecem na sala de aula que possibilitarão, por meio
da interação dialógica, o embate entre os opostos, o aprofundamento do processo
de construção do conhecimento. As múltiplas vozes significam múltiplos pontos
de vista, múltiplas culturas, múltiplas possibilidades. Dessa maneira, por meio
de uma ponte que ligue o mundo da cultura ao mundo da vida, podemos pensar
na postura do professor diante de seu público, seus objetivos, seus ideais de
educação.
p. 48)
Página
344Ponderamos aqui, que entendemos esse real a que a autora se refere também como uma representação¸
construção sociocultural e histórica que alude a um objeto do mundo, mas, necessariamente, com essa mediação.
Isto se refere inteiramente aos enunciados plenos e às relações entre eles. Eles não
podem ser entendidos de fora. A própria compreensão integra o sistema
dialógico como elemento dialógico e de certo modo lhe modifica o sentido total.
O entendedor se torna inevitavelmente um terceiro no diálogo. (BAKHTIN, 2016,
p. 104)
explorar
Página
enunciativo.
Página
seleção das imagens, das cores, dos enquadramentos, dos ângulos são realizadas pelo
346 Na maioria das vezes, o plano define-se implicitamente (e de maneira quase tautológica) como "qualquer
731
pedaço de filme compreendido entre duas mudanças de plano"; e é de certa forma por extensão que falaremos, na
filmagem, de "plano" para designar qualquer pedaço de película que desfila de modo ininterrupto na câmera
entre o acionamento do motor e sua parada. (AUMONT, 1995, p. 39)
Página
347 Correspondente, nesse caso, ao Plano Geral: “Plano que mostra uma área de ação relativamente ampla.”
(MACHADO, nd, p. 5)
348 Nesse caso, podemos considerar a extensão que VILLARTA-NEDER (2018) faz do conceito de arquitetônica
bakhtiniana, com a noção de arquitetônica ampla: eu-para-mim, eu-para-o-outro, outro-para-mim; acontecimento-para-
732
350 “[...] pode ser preenchido por um sujeito ou não, mas trata-se necessariamente de um lugar a partir do qual o
Página
sujeito consiga se ver de fora (distanciado de sua posição inicial). (OLIVEIRA; CASTRO-DIAS, CUSTÓDIO, 2018)
351 Tradicionais bonecas russas, de variados tamanhos, havendo o encaixe de uma dentro de outra.
352 Corresponde ao Plano de Detalhe: “Mostra apenas um detalhe, como, por exemplo, os olhos do ator,
dominando praticamente todo o quadro.” (MACHADO, nd, p. 5)
Página
354 Plano um pouco mais fechado do que o plano geral. (MACHADO, nd, p. 5)
734
355Essa atitude dialoga com o mito de Pigmalião: “[...] rei de Chipre. Escultor renomado, se apaixonou por uma
de suas estátuas de mármore, chamada Galatéia. Louco de desejo por ela, suplicou a Afrodite que lhe concedesse
Página
uma esposa semelhante à sua obra de arte. Ao regressar ao palácio real, percebeu que a estátua fora animada pela
deusa do amor. Pigmalião uniu-se a Galatéia [...]” (BRANDÃO, 1991, p. 275)
735
356 Escurecimento ou clareamento gradual da imagem partindo da sua intensidade normal de luz. (MACHADO,
J., nd, p. 3)
é nossa relação que define o objeto e sua estrutura e não o contrário [...] a
resposta total, que cria o todo do objeto, realiza-se de forma ativa, mas não é
vivida como algo determinado, sua determinidade reside justamente no produto
que ela cria, isto é, no objeto enformado; o autor reflete a posição volitivo-
emocional da personagem e não a sua própria posição em face à personagem
(BAKHTIN, 2011, p. 3-5).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nosso trabalho teve por objetivo desenvolver um ensaio sobre uma das
fronteiras abertas/possíveis entre a teoria bakhtiniana e o ensino da língua e
portuguesa. Um ensino efetivamente comprometido com a formação do sujeito
precisa criar condições para a ampliação de habilidades relacionadas ao uso
proficiente das práticas linguístico-semiótico-discursivas, de modo a favorecer a
737
REFERÊNCIAS
740
Página
RESUMO
Desde a década de 1980, o ensino de Língua Portuguesa (doravante, LP) vem passando por
mudanças, no que se refere ao tratamento da linguagem como forma de interação e,
consequentemente, da escrita. No entanto, apesar de vários estudos no campo científico, esse
conhecimento produzido ainda não tem chegado às escolas de forma satisfatória, uma vez
que os docentes encontram dificuldades ao trabalhar a linguagem sob essa perspectiva. À
vista disso, ao desenvolvermos uma Formação Continuada colaborativa, com professores
dos anos iniciais, da região Oeste do Paraná, percebemos a carência formativa nos
encaminhamentos de ensino da produção textual à luz dos documentos norteadores da
educação, os PCN (BRASIL, 1998), as DCE (PARANÁ, 2008), dentre outros currículos da
educação básica. Desse modo, o presente trabalho objetiva relacionar a compreensão de
linguagem como forma de interação, com as propostas de produção de texto na escola que
visam a um interlocutor, contrapondo esse encaminhamento com a proposta de redação
escolar, na qual se visa apenas corrigir a estrutura linguística, destacando as fronteiras entre
essas práticas. Para aquecermos as discussões, agasalhamo-nos teoricamente em
Bakhtin/Volochínov ([1929]2014), Geraldi (1984, 1997), Costa-Hübes (2012), dentre outros
teóricos que travam diálogo com essa abordagem.
1. INTRODUÇÃO
D
urante muito tempo, o ensino de LP foi compreendido e trabalhado dentro
uma perspectiva normativista. Importava ensinar ao aluno as normas que
regem a estrutura considerada “padrão” da língua, uma vez que, de posse
dessas regras, entendia-se que o aluno escreveria adequadamente.
No entanto, foi a partir de 1980, que se passou a pensar o ensino sob outro
viés, o dialógico. Geraldi (1984), dentre outros estudiosos da linguagem, ancorado
nos pressupostos teóricos do Círculo de Bakhtin, problematiza as concepções de
741
Letras, nível de mestrado e doutorado, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE. Professor do
Centro de Ensino Superior de Realeza - CESREAL. E-mail: joaocarlosrossii@hotmail.com
Não existe atividade mental sem expressão semiótica. [...] O centro organizador e
formador [da expressão] não se situa no interior, mas no exterior. Não é a
atividade mental que organiza a expressão, mas, ao contrário, é a expressão que
organiza a atividade mental, que a modela e determina sua orientação
(BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2014[1929], p.116).
ininterrupto de atos de fala, onde nada permanece estável, nada conserva sua
identidade, para a segunda orientação a língua é um arco-íris imóvel que domina
Página
este fluxo. Cada enunciação, cada ato de criação individual é único e não
reiterável, mas em cada enunciação encontram-se elementos idênticos aos de
Todas essas questões levaram a uma virada discursiva ou enunciativa no que diz
respeito ao enfoque dos textos e de seus usos em sala de aula. Inicialmente, essa
Página
Com essa afirmação, podemos inferir que não existe um interlocutor abstrato.
Por isso, conduzir atividades de escrita com os alunos sob essa orientação, significa
deixar de escrever redações, que serviam de instrumento aos professores para
746
escrita. Desse modo, apontam que a natureza da enunciação, bem como, da atividade
A língua não está de antemão pronta, dada como um sistema que o sujeito se
748
perspectiva que os documentos oficiais orientam, pode ser garantido aos docentes
por de formações continuadas, as quais devem fazer parte do orçamento
Página
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikail.(1979). Os gêneros do discurso. In: ______. Estética da criação verbal. Tradução de
Maria E. Galvão. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 277-326.
______; VOLOSHINOV. (1929). Marxismo e filosofia da linguagem. Traduzido por Michel Lahud e
Yara Frateschi Vieira. 16. ed. São Paulo: Hucitec, 2014.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: língua portuguesa.
Brasília: MEC/SEF, 1998.
COSTA-HÜBES, Terezinha da Conceição. Da revisão para a reescrita: possibilidades de
encaminhamentos. In: Colóquio Internacional de Estudos Linguísticos e Literários, 2., 2012. Anais
eletrônicos do 2º CIELLI. Maringá-PR: UEM, 2012.
CLARE, Nicia de Andrade Verdini (2012). 50 anos de ensino de Língua Portuguesa. Disponível em:
http://www.filologia.org.br/vicnlf/anais/caderno06-05.html. Acessado em 02 de set. de 2018.
GERALDI, João Wanderley (1984). O texto na sala de aula. 5. ed. - São Paulo: Ática, 2011.
750
751
Página
1. INTRODUÇÃO
E
ste trabalho tem como objetivo analisar o que é recuperado e o que é omitido
de elementos cronotópicos na história, a partir da comparação entre a
interpretação da história O Garoto de Charles Chaplin por dois surdos,
identificando alguns cronotopos presentes no trecho desse filme dirigido pelo
próprio Charles Chaplin, lançado no Brasil no ano de 1921. Trata-se de uma comédia
dramática de uma hora e oito minutos, sendo que o trecho selecionado tem
aproximadamente dois minutos e cinquenta e quatro segundos.
O trecho escolhido conta a história do personagem Carlitos ou “O
Vagabundo”– que recebeu essa alcunha no Brasil no sentido de que se utiliza da
esperteza e não do sujeito que não trabalha, representado pelo personagem Carlito,
que é o próprio Chaplin – que trabalha como vidraceiro e orienta um garoto a
quebrar os vidros das janelas de uma vizinhança e com isso ganharem dinheiro com
o conserto.
Recapitulando a narrativa, no primeiro episódio é apresentado o garoto
conversando com o vagabundo na casa, em que o menino ao sair lembra sobre o
plano: quebrar as janelas para o conserto. No segundo episódio é quando o menino
arremessa a pedra da calçada, que é o motivo cronotópico principal. O terceiro
episódio consiste no momento do barulho da janela quebrando, e quando a dona de
casa constata o acontecido e na calçada ela encontra o “vagabundo” – conforme a
designação genérica brasileira para o personagem Carlito –, um encontro “casual”,
358 Professor no Programa de Pós-graduação em Educação (PPGED) UEPA, Doutorado em Educação Especial
752
360 Graduando de Letras-Libras (UEPA), Membro do GELPEA (Grupo de Estudos em Linguagens e Práticas
Ari
Eles dois combinam juntos. O homem de bigode se senta e chama a criança pra se
sentar. O homem diz: – Veja... siga o caminho. E dá um beijo no rosto da criança e
diz: – vá!
O homem levanta e coloca o chapéu, abotoa a camisa, coloca o suporte com os
vidros nas costas.
A criança vai andando. Pega a pedra, esfrega as mãos e joga a pedra.
Com dúvida, o homem vai em direção à casa de uma mulher.
755
Uma velha estava dentre de sua casa cozinhando., quando a criança quebra a sua
janela. Ela sai, abre a porta e ouve o barulho. Toma um susto ao ver o vidro
quebrado. Ela fica com raiva.
Página
Carla
que os mesmos possuem um vínculo com esse lugar no qual as cenas vão
acontecendo. É na calçada que a temporalidade vai ocorrer, uma vez que as ações
dos personagens e os conflitos acontecem naquele lugar.
Página
REFERÊNCIAS
BAKHTIN. Mikhail. Formas de tempo e de cronotopo no romance: ensaios de poética histórica. In:
BAKHTIN. Mikhail. Questões de Literatura e de Estética. 5ª edição. Trad. Aurora Fornoni Bernardini,
José Pereira Júnior. Augusto Góes Junior, Helena Spryndis Nazário e Homero Freitas de Andrade. São
Paulo: UNESP, 2002. 211-362.
BAKHTIN, Mikhail. Metodologia das ciências humanas. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal.
Introdução e tradução do russo Paulo Bezerra. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 393-410.
759
pessoa com deficiência. In: GRUPO ATOS UFF e outros.. (Org.). III EEBA: encontro de Estudos
760
Página
RESUMO
O trabalho remete a dinâmica de criação e surgimento do autor nos textos. A relação entre
pesquisador e o que se pretende conhecer está pautada no viés Bakhtiniano, que caracteriza
uma forma de lidar com sujeitos, linguagem e especificidades. A heterocientificidade denota
o alargamento do gênero acadêmico, a perspectiva compreende aspectos éticos, estéticos e
epistemológicos. Trago um poema e também uma aquarela no desenvolvimento das
questões levantadas, os sentidos estão sendo postos no diálogo, inesgotáveis em
significados. A natureza dialógica da escrita é discutida por uma narrativa, refletindo
processos formativos e constituintes.
INTRODUÇÃO
A
base para se pensar processos inerentes à autoria é a singularidade do
sujeito. Um ser dotado de curiosidades e sonhos, expostos na forma com que
interage no mundo, seja por palavras ou ações. A forma como a voz se
coloca, por exemplo este texto, é latente. Escrevo e o impacto de minhas palavras só é
percebido no geral.
Trago de forma sensível a forma como percebo a linguagem enquanto
constituinte. Revela-se aqui formas de se articular ideias e desencadear o processo de
palavras próprias e alheias. Se tratando de um trabalho inspirado no viés
bakhtiniano, os conceitos se mostram presentes ao longo de todo texto, até mesmo na
condução do leitor, apelo estético e o convite para pensar junto. O limiar da
construção da identidade do sujeito e seu processo formativo é a partir do outro.
A categoria norteadora é a alteridade. A fronteira entre eu e o outro é uma das
primeiras e essenciais para qualquer um. Segundo Bakhtin, a interação entre
cognoscente e cognoscível é um ato bilateral. O reflexo de mim no outro, cada qual
761
Bolsista cnpq Iniciação Científica PIBIC na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro campus Nova Iguaçu,
362
cursa pedagogia e participa do GEPELID (Grupo de estudos e pesquisa sobre linguagens e diferença).
Diz o autor que há uma limitação intransponível no meu olhar que só o outro
pode preencher. Cada um de nós se encontra na fronteira do mundo que vê. Ao
aproximar os conceitos de exotopia e dialogismo, ou seja, a experiência espaço-
temporal com a experiência vivida na linguagem, Bakhtin dirá que do mesmo
modo que minha visão depende do outro para eu me ver e me completar, minha
palavra precisa do outro para significar. (SOUZA; ALBUQUERQUE. 2012.)
1. INSPIRAÇÃO
se chegar
2. DESDOBRAMENTO
Assim como o pintor, o escritor deve buscar palavras que dialoguem com as
quais se enunciam. Criando condições para surgimento de textos. O trabalho
intelectual remete empenho e espera, que também chegam sem aviso. Atentando
764
para delicadeza com o acabamento da obra. Trazendo para minha realidade, minha
monografia é um pássaro e eu, ao ler, escrever, participar, buscar, dialogar… permito
Página
3. CAMINHOS
que o olhar consegue captar, o escuro nos desperta outros sentidos. A experiência do
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O fio condutor dessa jornada que passou por abismos e voos é a questão
formativa e de autoria no processo da escrita. Meu lugar, minha compreensão
refletem o que sou. E somos na/pela linguagem, com o outro. Segundo Rilke, não há
766
senão um caminho.
Página
REFERÊNCIAS
767
Página
INTRODUÇÃO
H
á décadas, a educação brasileira esbarra na fronteira da descrença e na
ausência de sentidos, face a um público que parece não se identificar com o
que a escola oferece como encaminhamentos para uma formação plena, em
que se deve privilegiar o sujeito contemporâneo, ávido de novidades, rodeado de
tecnologias de informações, cujas identidades multifacetadas não convergem mais
para um modelo de escola cunhado em séculos passados. Ao contrário disso, esse
sujeito, múltiplo em si mesmo, necessita reconhecer-se como autor de seu próprio
saber, uma vez que não há como estabelecer relações de sentido entre as suas reais
necessidades e uma aprendizagem fragmentada.
Diante desse cenário, surge um novo modelo de escola, denominado de Escola
da Escolha, criado a partir da ideia de revitalização do Ginásio Pernambucano, uma
escola tradicional do Recife/PE, cuja modalidade oferecida era o ensino médio. Essa
escola, no passado, constituíra-se num marco da educação pública brasileira, num
tempo em que a educação era de qualidade, porém oferecida a uma pequena parcela
da população, não assegurada, dessa forma, a todos os que necessitavam de
formação educacional plena.
A instituição encontrada em total decadência das suas instalações físicas, com
reais necessidades de mudanças drásticas no currículo e revisão das práticas
pedagógicas oferecidos, uma vez que não parecia mais suprir as reais necessidades
do público a que atendia, representaria um marco na reestruturação e na qualidade
do ensino que se pretendia apresentar, através do modelo que se descortinava: a
Escola da Escolha.
Em face disso, surgem questionamentos acerca desse modelo proposto,
notadamente no que concerne à formação identitária de um sujeito pós-moderno que
adentra o século XXI cercado de novas tecnologias da informação, num mundo
768
Página
363Doutorando em Linguística aplicada pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail:
kassiosaraújo@hotmail.com
perspectiva, não afasta a linguagem dos sujeitos reais e concretos. Faraco, Tezza e
Castro (1996, p. 122) expõem com clareza essa ideia:
Página
[...] são possíveis também com a sua própria enunciação como um todo, com
partes isoladas deste e com uma palavra isolada nele se de algum modo nós nos
separamos dessas relações, falamos com ressalva interna, mantemos distância
face a elas, como que limitamos ou desdobramos a nossa autoridade.
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Trad. Aurora Fornoni
Bernardini, José Pereira Júnior, Augusto Góes Júnior, Helena Srpryndis Nazário e Homero Freitas de
Andrade. 6. ed. São Paulo: Hucitec Editora, 2010.
FARACO, C. A. Linguagem e Diálogo: as idéias lingüísticas do círculo de Bakhtin. São Paulo:
Parábola, 2009.
______. TEZZA, C; CASTRO, G. de. Diálogos com Bakhtin. Curitiba: Editora da UFPR. 1996.
772
773
Página
1. INTRODUÇÃO
, portanto, nesse sentido que o ato discursivo não reflete uma cópia da
É realidade, mas refrata essa realidade, uma vez que não é autônomo, mas trava-
se através de embates que se dão numa arena de lutas, num ressoar de vozes
sociais que ressignificam outros já-ditos, ideologicamente marcados e valorados
axiologicamente. Nesse contexto, faz-se necessário levar em conta, não só o que está
no plano do verbal, mas também, as circunstâncias exteriores à língua. É somente a
partir disso que se pode chegar ao sentido real de um enunciado.
Em face disso, surgiu a necessidade de analisar como são produzidos os
discursos de docentes da área de Letras, a partir de dois conceitos que permeiam
notadamente esses discursos: os verbos ensinar e educar. Esses sujeitos docentes
lecionam a disciplina de Língua portuguesa, numa escola de ensino médio, de tempo
integral, na cidade do Natal, denominada de Escola da Escolha, modelo que está
sendo implantado, gradativamente, nas escolas do Estado do Rio Grande do Norte.
Nessa perspectiva, este trabalho se assenta no campo de investigação da
Linguística Aplicada – LA contemporânea, na medida em que se abre para a
necessidade da realização de pesquisas de cunho colaborativo e responsivo, cujos
participantes atuam mutuamente no processo investigativo. Nessa concepção, a LA
revela sua mestiçagem ideológica ao encontrar na interdisciplinaridade a busca por
novos direcionamentos para a área, a fim de não promover uma hegemonia para o
seu campo de atuação. E, nessa busca por uma renovação contínua sobre seus
assentos, privilegia temas e procedimentos de pesquisa, a fim de que possa ocorrer
774
364Doutorando em Linguística aplicada pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail:
Página
kassiosaraújo@hotmail.com
[...] estamos lidando com uma área cujo objeto de estudo (por definição, a
linguagem em uso em situações reais) só pode pretender ser completamente
compreendido se vários tipos de saberes contribuem para a sua compreensão. No
entanto, essa contribuição não pode dar-se com cada um olhando e emitindo
parecer sobre aquilo que é de sua competência isoladamente, em separado, ou
ainda sequencialmente como se analisássemos partes que, ao final, voltarão a ser
um todo.
Com base nisso, foram pinçados os verbos ensinar e educar, como conceitos
analisados nos discursos dos docentes, por trazer à tona embates discursivos, cujos
sentidos se imbricam num contexto em que dialogam com as suas próprias práticas
pedagógicas. Há de se considerar, nesse contexto discursivo, as relações de sentido e
significado que emergem, a partir das vozes sociais que perpassam esses dizeres,
bem como as formações identitárias, ideológicas e culturais que procuram se situar e
encontrar eco na discursividade.
axiologizada”, entendida, assim, como um aporte de vozes que aflora nas relações
dialógicas, ou seja, nos embates, nos silenciamentos, no jogo discursivo vivo travado
Página
3. AMOSTRAGEM DE DADOS
No entanto, não aponta para que “coisas” esses “sentidos” devem convergir, a que
vozes devem responder, ou para que discursos devem apontar.
Um outro docente diz: “[...] estaria mais ligado à aplicação de conteúdos”,
Página
4. CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
BAKHTIN, M. (VOLOSHINOV). Marxismo e filosofia da linguagem. Tradução de Michel Lhud e
Yara Frateschi. São Paulo: Hucitec, 2009.
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010.
777
BRASILEIRO DE LINGUÍSTICA APLICADA, 6., 2001, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte, 2001.
778
Página
Introdução
T
ratar das fronteiras é tratar da marcação do limiar que separa o eu e o outro. É
desse limiar que trataremos aqui: a abertura e a entrada no mundo do outro,
através de um diário de bordo, tendo como “mapa” as propostas teóricas do
365Mestra em Linguística Aplicada. Profª. do Instituto de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte
779
sheilamontebr@gmail.com
Página
367Mestra em Linguística Teórica e Descritiva. Profª. do Instituto de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande
“Iniciar uma conversa com alguém (ou em meu caso, com algo) pode ser
amedrontante, pois terá um momento em que teremos que nos apresentar [...]” (T. I.,
10 de maio de 2017). É assim que a discente inicia seu diário de bordo. Concordamos
com ela. A apresentação tem um momento forte de tensão que pode determinar
nosso percurso juntos. A apresentação é nossa aproximação com a fronteira, é nossa
percepção de se queremos e conseguiremos realizar a travessia. Para nos
aproximarmos de nosso outro, vamos contar com a orientação (nosso mapa) do
Círculo de Bakhtin acerca das relações dialógicas. O dialogismo, um modo de
existência do ser humano, constitui-se pela interação verbal, entre pensamento e
linguagem, que se autoconstituem. E para que o diálogo ocorra, é necessária a
interação que faz com que a consciência individual se construa, a realidade semiótica
368O InFoRmaNdo é um projeto de extensão criado em 2015 e desenvolvido no IFRN, Campus São Paulo do
Potengi que tem como objetivo “fazer com que os participantes do projeto possam aprimorar suas práticas de
produção de textos orais e escritos através da linguagem jornalística, atentando para a sua importância numa
780
sociedade de informatividade. Para tanto, é preciso refletir sobre o papel do produtor de textos na atualidade e
sobre os variados meios de divulgação de notícias/informação/entretenimento, além de ser necessário conhecer os
gêneros que circulam na esfera jornalística para que os textos produzidos atendam às necessidades comunicativas
Página
[...] o diálogo, no sentido estrito do termo, não constitui, é claro, senão uma das
formas, é verdade de que das mais importantes, da interação verbal. Mas pode-se
compreender a palavra “diálogo” num sentido amplo, isto é, não apenas como a
comunicação em voz alta, de pessoas colocadas face a face, mas toda
comunicação verbal, de qualquer tipo que seja.
O diálogo, enquanto interação verbal, como foi dito por nossa InFoRmaNda
(T. I.) , “pode ser amedrontante”, pois é aí que teremos contato com o outro e esse
369
contato nem sempre é ameno, facilitado. “[...] este ato muitas vezes é constrangedor,
pois não sabemos nada sobre a pessoa e tentamos colher o máximo de informações
para não ocorrer aquele silêncio terrível” (InFoRmaNda, 10/05/2017)370. O silêncio é
um exemplo de que as relações dialógicas não são turnos de fala harmônicos, em que
cada um fala e espera a fala do outro. No diálogo, há muitas vozes que emergem,
vozes que produzem enunciados constituídos histórica, social e culturalmente, com
signos sociais complexos e variados, perpassados por axiologia e interações verbais
que refletem e refratam as vivências.
369 Por razões de ética na pesquisa, vamos omitir o nome de nossa discente. Empregaremos a abreviatura T. I. e o
781
termo InFoRmaNda, este faz referência ao projeto do qual a mesma participa (InFoRmaNdo) e é o modo informal
como os participantes se denominam no grupo.
370 Os trechos do diário foram digitados pela professora pesquisadora que não realizou nenhuma correção
Página
ortográfica/gramatical. Ou seja, o diário está transcrito ipsis litteris, pois nosso objetivo não é avaliar suas
competências de escrita/gramaticais.
“[...] mas vamos ao que realmente interessa, conheci o InFoRmaNdo por alguns
projetos do IFRN, já que o mesmo começou na SEMADEC do Campus São Paulo
do Potengi, até então só tinha informações limitadas sobre o projeto, mas com o
tempo participei de um minicurso que a instituição proporcionou e acabei me
interessando” (T. I., 10 de maio de 2017).
371“O Campus São Paulo do Potengi ─ IFRN faz parte da terceira fase de expansão da Rede Federal de Educação
Profissional, Científica e Tecnológica. Foi inaugurado no dia 2 de outubro de 2013, em cerimônia realizada
no Campus Ceará-Mirim do Instituto e contou com a presença da presidenta Dilma Rousseff. [...] O Campus tem
782
foco de atuação estabelecido nas áreas de Construção Civil e Meio Ambiente; podendo ofertar cursos nas
modalidades do ensino médio, subsequente, ProEJA, EaD e, em alguns casos, graduação. A unidade de ensino
tem capacidade para atender 1200 alunos e 120 servidores, entre professores e técnicos administrativos.”
Página
Começamos o ano letivo de 2017, e digamos que por obra do destino, houve uma
proposta para participar do Informando. Devo dizer que a aceitação foi
instantânea.
Logo após, participei da primeira reunião que por sinal foi muito bem acolhedora
e organizada, debatemos e dividimos nossas tarefas.
Terei que fazer resenhas de início, o que me animou grandemente, já que os
livros sempre foram meus fiéis companheiros. Artigos e novos afazeres estavam
por vir, espero ansiosamente atender às necessidades do projeto, dando meu
melhor e retratando aqui toda trajetória (T. I.,10 de maio de 2017).
Além do mais, como a atividade foi uma das ações do projeto, nem todos os
discentes escreveram o diário. A proposta foi dada a seis participantes para que
produzissem o diário de bordo durante o ano letivo de 2017. Desses, três devolveram
o diário com produções, sendo que, analisando o material, percebeu-se que não há
uma regularidade na escrita, pois ocorrem intervalos de tempo que chegaram a durar
quinze dias (“Passou-se uns dias para que retratasse algo aqui, já que a semana de
provas nos deixa superlotados e sem nenhum espaço para nos dedicarmos a outra
coisa que não seja estudar” T. I., 10 de junho de 2017). Essa descontinuidade pode
comprometer as reflexões sobre as ações desenvolvidas pelo participante no projeto.
Ademais, por saber que o diário seria devolvido no fim do ano letivo, não podemos
afirmar que a escrita não foi “direcionada” à coordenadora, numa tentativa de não a
desagradar, de atender as suas expectativas.
Com a adaptação do gênero diarista à atividade linguística numa situação
escolar, como dissemos, podemos ter uma perda das características que o definem
como discursivo. No entanto, é preciso lembrar que o gênero discursivo é adaptável
à situação comunicativa, sendo usado em diversas áreas (psicologia, antropologia,
história, filosofia, ciências sociais, pedagogia, linguística etc.) e com diversas
finalidades, o que o torna variável, criando novos a partir dele, por exemplo, o diário
de leituras, diário de aprendizagem, diário dialogado, diário de campo, diário de
bordo para citar alguns.
O tipo mais “popular” de diário, o pessoal, segundo Lejeune (2008), é datado e
prospectivo, pois é escrito no presente, mas com vistas no futuro, aponta ao
momento vindouro. Se observarmos a forma composicional dos diários pessoais,
perceberemos que mesmo tendo toda uma liberdade criativa, é comum encontrarmos
a presença da datação, que é um aspecto importante quando se pensa que o diário
será lido no futuro, seja pelo próprio sujeito autor ou por um outro leitor (autorizado
ou não). Além das marcas de data e localização (em um cabeçalho ou não), alguns
diários apresentam relato/reflexão de fatos cotidianos e/ou ainda uma saudação
784
[...] O nosso trabalho é escrever um artigo para a Secitex que irá acontecer em
Caicó.
Precisamos fazer artigos para entrarem em submissão pela comissão
organizadora da Secitex e irmos até o local que a mesma acontecerá.
[...]
Estamos desenvolvendo um artigo sobre o Facebook e nosso trabalho na página
do InFoRmaNdo. Decidimos abordar o assunto pois será uma reflexão do nosso
trabalho e de todo modo mais um aprendizado.
No todo, há pontos ruins e bons, já que estamos de férias e se torna muito difícil
fazer trabalhos no recesso. Por outro lado, teremos mais tempo, ou mais
liberdade – depende muito do ponto de vista – para concretizar o artigo (T. I., 11
de agosto de 2017).
Secitex, a Semana de Ciência, Tecnologia e Extensão do Instituto Federal do Rio Grande do Norte (Secitex), é o
372
maior evento científico e cultural do IFRN. De caráter itinerante, a Secitex é a cara do Rio Grande do Norte. A
785
Semana já aconteceu em Santa Cruz (2015), Parnamirim (2016) e Caicó (2017). Neste ano, será realizada em Natal,
no Campus Natal-Central do IFRN, com o tema “Ciência para a redução das desigualdades”. A Secitex é uma
mostra dos principais trabalhos realizados por alunos e servidores dos 21 campi do Instituto. É também um
Página
CONSIDERAÇÕES FINAIS
[...] Ser estudante brasileiro as vezes é revoltante, parece que estamos lutando em
prol do nada.
Mas quando se estuda em instituições federais, aprendemos que nossa luta
serviu de algo.
Já que estamos ali, procurando um futuro diferente. Buscando fazer outra
história, onde educação seja o personagem principal (T. I., 15 de julho de 2017).
REFERÊNCIAS
786
BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. São Paulo: Hucitec, 1988.
______.Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. 5. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes,
Página
2010.
787
Página
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O
ensino de Língua Portuguesa (doravante LP) tem sido tema de constantes
discussões teóricas por estudiosos da área da Linguística Aplicada (LA),
visto que se volta para um conjunto de práticas reais de uso e reflexão da
língua(gem). Nesse sentido, as discussões que são desenvolvidas em relação a esse
tema, apontam para uma necessidade de diálogo entre teoria e prática, já que a
prática traz o cerne da discussão teórica e a teoria, no que tange ao ensino, precisa ser
orientada também para a prática, buscando propor inteligibilidades para os
problemas que surgem nesse contexto de uso da linguagem (MOITA LOPES, 2006).
Quando recorremos à teoria do Círculo de Bakhtin como base para reflexões
no âmbito da LA, partimos de discussões teóricas e teórico-filosóficas e buscamos
alinhar tais reflexões com possíveis encaminhamentos que possam orientar as
práticas de uso real da linguagem, já que não estava no centro das preocupações do
Círculo um debate direcionado para a prática docente375. Por isso, estabelecem-se
certas fronteiras entre os escritos do Círculo e sua possível relação como
embasamento metodológico-didático para práticas docentes. Na perspectiva de
estabelecer reflexões nessa direção, objetivamos explicitar, no texto em pauta, como
essas fronteiras podem ser abertas, para que haja diálogo entre as reflexões sobre
língua, linguagem, discurso, enunciado (e tantos outros conceitos desenvolvidos pelo
373 O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
- Brasil (CAPES) e orientado pela Professora Doutora Terezinha da Conceição Costa-Hübes.
374 Graduada em Letras – Português/Inglês e respectivas literaturas pela Universidade Estadual do Oeste do
Paraná – UNIOESTE. Especialista em Língua Inglesa pela UNIOESTE. Mestranda do Programa de Pós-
788
Graduação em Letras, área de concentração: Linguagem e Sociedade da UNIOESTE – campus Cascavel. Bolsista
CAPES. E-mail: lays.fenilli@gmail.com.
375 Com excessão do ensaio “Questões de estilística no ensino da língua” (BAKHTIN, 2013), que se trata de um
Página
relato-reflexivo da prática docente de Bakhtin, durante o período em que foi professor da língua russa no ensino
médio (entre 1942 e 1945).
[...] que a língua (no sentido sociolingüístico do termo) não está de antemão
pronta, dada como um sistema de que o sujeito se apropria para usá-la segundo
suas necessidades específicas do momento de interação, mas que o próprio
processo interlocutivo, na atividade de linguagem, a cada vez a (re)constrói;
que os sujeitos se constituem como tais à medida que interagem com os outros,
sua consciência e seu conhecimento de mundo resultam como “produto”deste
mesmo processo. Neste sentido o sujeito é social, já que a linguagem é [...]
trabalho social e histórico seu e dos outros e é para os outros e com os outros que
ela se constitui.Também não há um sujeito dado, pronto, que entra em interação,
mas um sujeito se completando e se construindo nas suas falas;
que as interações não se dão fora de um contexto social e histórico mais amplo;
na verdade, elas se tornam possíveis enquanto acontecimentos singulares, no
interior dos limites de uma dada formação social, sofrendo as interferências, os
controles e seleções impostas por esta. [...] (GERALDI, 1997[1991], p. 6 – grifos do
autor).
De fato, para cada tópico considerado relevante pelo autor na discussão sobre
a interação verbal, é possível encontrar postulados consonantes do Círculo. No que
tange às discussões sobre língua, Volóshinov (2017[1929]) afirma que ela tem caráter
processual e inacabado, portanto,
ensino de LP. Para o autor, é preciso que se parta, então, de textos reais usados por
Página
Para uma leitura mais completa da relação entre a teoria do Círculo e as obras de Geraldi, ver o trabalho de
376
Polato (2017).
língua muito cara à PAL, já que ela foi desenvolvida com o intuito de ensinar além
do sistema, da gramática normativa, e levar o aluno a pensar nos textos/enunciados
como um lugar de compreender o mundo e de se colocar nele por meio da sua
Página
própria palavra.
[...] são impossíveis entre os elementos do sistema da língua (por exemplo, entre
as palavras, entre os morfemas, etc.) [...] Elas tampouco podem existir entre as
unidades de um nível nem entre as unidades de diversos níveis. Não podem
existir, evidentemente, entre as unidades sintáticas, por exemplo, entre as orações
vistas de uma perspectiva rigorosamente linguística [...] As relações dialógicas
são extralinguísticas [...] A linguagem só vive na comunicação dialógica daqueles
que a usam (BAKHTIN, 2010[1929], p. 208-209).
1997[1991], p. 137).
As reflexões epilinguísticas passam, primeiramente, por todos esses aspectos
Página
Qualquer palavra realmente dita não possui apenas um tema e uma significação
no sentido objetivo, conteudístico dessas palavras, mas também uma avaliação,
pois todos os conteúdos objetivos existem na fala viva, são ditos ou escritos em
relação a uma certa ênfase valorativa. Sem uma ênfase valorativa não há palavra
(VOLÓCHINOV, 2017[1929], p. 233).
Todas essas avaliações [...] levam em consideração muito mais do que aquilo que
está incluído dentro dos fatores estritamente verbais (lingüísticos) do enunciado.
Juntamente com os fatores verbais, elas também abrangem a situação extraverbal
do enunciado. Esses julgamentos e avaliações referem-se a um certo todo dentro
do qual o discurso verbal envolve diretamente um evento na vida, e funde-se
com este evento, formando uma unidade indissolúvel (VOLOCHINOV;
BAKHTIN, 1926, p. 6 – grifos dos autores).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
799
Página
RESUMO
N
o contexto da sala de aula se desenvolve um intenso diálogo entre
professores e alunos, que ultrapassa o nível de ensino e aprendizagem de
conhecimentos científicos. Trata-se de um ambiente no qual a interação se
concretiza das mais diferentes formas, propiciando reflexões sobre a relação entre os
sujeitos situados socialmente.
Segundo Bakhtin, “Para cada indivíduo, todas as palavras se dividem nas suas
próprias palavras e nas do outro, mas as fronteiras entre elas podem confundir-se e
nessas fronteiras desenvolve-se uma tensa luta dialógica” (BAKHTIN, 2010[1979], p.
380). De igual maneira, no espaço de convivência diária da sala de aula, as fronteiras
são transpostas ou intensificadas por meio dos novos sentidos dados as palavras por
seus interlocutores – professores e alunos – e aí instala-se desde a convivência
harmônica até o mais intenso embate ideológico.
Ao olharmos mais especificamente para compreensões que embasam o
diálogo da sala de aula, situamos a pesquisa no âmbito da Linguística Aplicada
(MOITA LOPES, 2013) Dialógica (BAKHTIN, 2010[1979]), a partir da qual
pretendemos refletir sobre a prática docente na Educação Básica no trabalho com a
linguagem, uma vez que compreendemos que a constituição dos sujeitos, professor e
aluno, se efetiva a partir do outro, por meio da interação com o outro, o que os insere
no território das relações dialógicas, apagando qualquer indício de uma solidão
existencial.
Nessa perspectiva, amparamo-nos na Concepção Dialógica da Linguagem
(CDL) que, embora não se refira diretamente ao ensino de língua, desenvolve
reflexões essenciais para que o trabalho com a linguagem possa tornar-se
significativo. Se o trabalho na sala de aula não tiver relação com a vida real fora do
espaço escolar, não terá sentido para o aluno. Portanto, o trabalho com Língua
Portuguesa (LP) precisa contemplar os gêneros do discurso nas diferentes
esferas/campos de atividade humana, ultrapassar o estudo da materialidade
linguística do texto e chegar ao social, explorar o contexto extraverbal.
Nosso objetivo é observar como os professores concebem os princípios
norteadores dessa concepção de linguagem no desenvolvimento de sua prática
docente e se ainda existem fronteiras (in)transponíveis nessa relação entre a teoria e a
prática pedagógica. Para isso, tomamos como amostragem 15 professoras de 3º, 4º e
5º ano do Ensino Fundamental, de uma escola da rede pública de um pequeno
município do Estado do Paraná localizado a mais de 100 Km de uma universidade,
com os quais desenvolvemos uma entrevista para sondar (entre outras coisas) suas
compreensões sobre a CDL379.
Para demonstrar nossas reflexões, o presente texto divide-se em três partes:
801
Essa entrevista faz parte da geração de dados de uma pesquisa de doutoramento que estamos desenvolvendo
379
Página
1. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
tempo para o discurso-resposta que ainda não foi dito, discurso, porém que foi
com sua intenção [...], quando a domina através do discurso, torna-a familiar com
sua orientação semântica e expressiva” (BAKHTIN, 2014[1975], p. 100). Logo, a
Página
pelas formas linguísticas que entram na composição, mas igualmente pelos elementos
não verbais da situação” (BAKHTIN e VOLOCHINOV, 2009[1929], p. 132).
Página
Bakhtin,
2. GERAÇÃO DE DADOS
3. FRONTEIRAS E APROXIMAÇÕES
P01: A forma como eu estava usando assim pra ajudar mais era por exemplo,
assim, éééé... Pra dividir, porque tem aqueles alunos que fazem aquela tentativa
só, mas eles repetem muitas ideias, não concluem o pensamento, né... "Então,
olha, vamos fazer hoje somente o primeiro parágrafo dessa história..." Se fosse
uma história em quadrinho ou se fosse um relato de algum passeio... "O que nós
vamos colocar no primeiro parágrafo?" E aí as vezes você sempre usava lá "O que
deve ter no meu texto?" Então sempre deixava alguma coisa assim... Tem título?
Tem apresentação do primeiro parágrafo? Tem apresentação dos personagens? A
gente pensa, né, de facilitar esse trabalho pra eles. Mas realmente não é fácil, eu
sinto dificuldade... Por que só fazer por fazer? Você só sinalizar por sinalizar?
Houve um tempo que nós, acho que muitos aqui passou, fez essa prática de tá
usando legenda para o texto, para eles irem autocorrigindo né, é... Onde
precisava de um parágrafo, um travessão, de um personagem que tava falando...
Então a gente usava a legenda né, fazia lá no finalzinho do texto pra ele fazer,
mas as primeiras vezes ali... Não tem gente, eu acho muito difícil de eles estarem
realizando sozinhos e por mais que a gente busque esse trabalho a frente pra
fazer com todos, tem aqueles que se dispersam muito
Percebemos que P01, em sua fala, busca relatar suas angústias e dificuldades
diante do trabalho com a produção textual (eu sinto dificuldade), no entanto, fica
evidente sua preocupação com o desenvolvimento dos alunos (de facilitar esse trabalho
pra eles) e sua responsabilidade para com o outro. Mesmo em meio a uma certa
confusão teórica, a professora tem ciência de seu compromisso enquanto educadora,
por isso se aproxima da afirmação de Bakhtin: “A mim não são dadas as minhas
fronteiras temporais e espaciais, mas o outro me é dado integralmente. Eu vivo em
um mundo espacial, neste sempre se encontra o outro” (BAKHTIN, 2010[1979], p.
383). Assim, a professora demonstra compreender sua reponsabilidade diante do
aluno, mas parece não dispor de conhecimentos teóricos suficientes para agir da
forma como gostaria. Isso comprova-se também na fala de outras professoras como
P07, por exemplo: “Pra mim, pelo menos falando assim por mim, a gente procura fazer o
809
máximo que a gente consegue, mas eu tenho consciência que não é o suficiente, que deixo
muito a desejar”. A fala da professora demonstra que reconhece sua responsabilidade
Página
P02: Eu trabalhei com uma turma... Eles liam assim... Você pedia pra produzir
um texto, produzia um texto com pontuação, acentuação, paragrafação... Tudo
assim, entendia o que tava falando.
P03: Diferenciar... Esse texto é uma piada, esse texto... Né, mas pra eles, às vezes
pra eles... Você dá dois desses gêneros que você trabalhou, e depois coloca pra
ele relacionar, qual que é um convite, qual que é um bilhete, só pra ver se eles
conhecem né.
da vida e não pode ser separada de sua origem para que não perca o seu sentido.
Compreendemos, assim, que o trabalho com os gêneros do discurso precisa envolver
Página
P03: A minha indignação assim que eu não sei onde que tá esse... em algum lugar
está... o erro, a deficiência... Eu acho que nossos alunos, por mais que a gente
trabalhe assim... os erros ortográficos são muito... eu acho muito... estão
chegando no 5º ano erros ortográficos muito acentuados.
811
P10: Porque a gente sempre... "Quais os substantivos que aparece nesse texto?"
né, por exemplo... Aí a gente já começa a colocar né... Se são substantivos
Página
P12: É a mesma coisa de quando nós vamos trabalhar mais as sílabas complexas
né, eu mesmo chega uns momentos assim que eu conversava com as colegas e
falava “gente olha lá, eu estou ensinando parece que eles estão errando mais, um
L né, dois R”...
P05: Na hora que eu olhei o que o concurso de redação me pedia era prosa e é
meio complicadinho pra eles entenderem né, eu acho assim, a fábula mais fácil
que você pegar a prosa... Eu fui trabalhar prosa [...] Aí eu tive que parar com o
conteúdo que tinha, porque prosa não tinha ali no terceiro ano, não tinha gente,
esse gênero...
cotidiano, ele não vai formando na mente dele conhecimento de que esses que
P07: Tem professor que ele pega uma fábula que tá lá no livro didático, ai ele
pega outras fábulas e traz, ou ele pega um filminho que é baseado numa fábula,
813
P09: Eu vejo uma forma... Tem que partir de mim professor, por exemplo, eu
tenho que ir junto com ele e ir levantando no texto as “n” possibilidades de
extrair daquele contexto mais informação... "E na vida real, acontece? Sim." "Você
conhece algum fato? Lembram de um noticiário do jornal? Vocês assistiram?
Vocês lembram da mãe comentar?", "Ah, meu pai comentou em casa com a
minha mãe", “Ah professora, não", tem aluno que fala né "Ah professora não vi
não, passou esse negócio aí?". Então assim, parte um pouco do professor, de você
abrir um leque...
P10: Tem na questão de interpretar os textos assim, "o que?", "qual o tipo do
texto" né, beleza... E na hora assim de colocar assim a pergunta, como é
interpretado o texto, eu acho meio falho assim, eu tenho falha nessa parte... E
vejo que às vezes a gente pega a interpretação, como a gente leva o trabalho para
várias turmas, pega e olha, tem mais a compressão do que a interpretação, fica
faltando alguma coisa...
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
817
Página
RESUMO
O texto em tela busca tecer considerações acerca dos aspectos polifônicos (BAKHTIN, 2009,
2014) presentes no livro infantil Chapeuzinho Amarelo, de Chico Buarque, por meio da
apresentação do dialogismo desse texto a partir da sua interlocução com a forma clássica do
conto “Chapeuzinho Vermelho” e com o contexto do final da ditadura militar no Brasil.
Após tais aproximações, advindas de uma pesquisa bibliográfica em diálogo com os textos
literários escolhidos como corpus de análise, será mencionado o potencial do texto
buarqueano no estímulo à responsividade do leitor no contexto da escola, por meio das
relações estabelecidas entre a transformação do mundo realizada pela personagem de Chico
Buarque e os possíveis desdobramentos no processo de humanização dos alunos leitores.
INTRODUÇÃO
N
o decorrer da leitura de uma obra, literária ou não, podem-se perceber as
relações dialógicas empregadas em seu processo constitutivo. Um texto
sempre é construído de modo que se relaciona com a palavra do outro
(BAKHTIN, 1881) e esse diálogo pode trazer aproximações em termos ideológicos,
réplicas ou tréplicas, enriquecendo o debate suscitado pelas retomadas constantes
inerentes ao processo de criação de uma determinada obra.
No contexto das produções literárias infantojuvenis, situa-se o texto
Chapeuzinho Amarelo, de Chico Buarque de Holanda, escrito na forma de um poema
narrativo e publicado no Brasil com duas edições distintas em termos de ilustração: a
de 1979 foi ilustrada pela designer gráfica e jornalista Donatella Berlendis; a segunda,
de 1997, pelo desenhista, ilustrador e escritor Ziraldo Alves Pinto . Como referência,
818
380 Doutora em Educação. Prof. Permanente do Profletras e do Mestrado Profissional em Ensino de Humanidades
do Instituto Federal do Espírito Santo – Campus Vitória. E-mail: leticia.carvalho@ifes.edu.br.
Página
381 Mestrando do Profletras – Ifes Vitória. Prof. da Rede Municipal de Ensino de Vila Velha - ES. E-mail:
rodrigogpitta@hotmail.com.
Amarelo.
No processo de construção desse artigo, busca-se, na primeira seção, dialogar
Página
1. O MEDO AMARELO
Mas as matérias da música e do romance são diferentes demais para que se possa
821
aos contos clássicos infantis tais como a avó, o caçador e a princesa de histórias
Aí,
Chapeuzinho encheu e disse:
“Para assim! Agora! Já!
823
[...] casos em que texto escrito e imagem dividem pé de igualdade essa espécie de
palco que é o livro. Aqui, ambos são protagonistas e atores principais. Nesse tipo
de livro, texto e imagem estão nivelados, são absolutamente complementares
eatuam sinérgica e dialogicamente ( p.3).
podem inclusive, por seus traços lúdicos, conquistar a simpatia do leitor infantil. A
825
Página
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
827
ALVES, Hélder Pinheiro, LIRA, Marcela Araújo. “Livro ilustrado: Chapeuzinho Amarelo em duas
versões”. Revista Letras Raras, v.6, n.2, 2017.
Página
ANDRADE, Carlos Drummond. Sentimento do Mundo. Companhia das Letras: São Paulo, 2012.
828
Página
RESUMO
PALAVRAS INICIAIS
A
escolha do tema se deve, primeiramente, ao fato de minha preocupação em
manter a motivação dos alunos e tornar a aprendizagem da língua inglesa
(L.I) mais interativa. Em razão disso, acredito que a utilização do lúdico
pode tornar as aulas mais dinâmicas, atrativas para os educandos, sobretudo pré-
adolescentes que estão sempre ávidos por novidades.
Desta forma, o objetivo deste estudo tem como foco o trabalho pedagógico
dentro da sala de aula e busca explorar o potencial do lúdico no ensino L.I, já que o
contexto escolar atual tem sido visto pela grande maioria dos alunos como um lugar
chato e apático. Isso se deve, em parte, às inúmeras atividades estruturais realizadas
em sala de aula durante o ensino/aprendizagem de línguas. Estas atividades não lhes
chama mais a atenção, pois são quase sempre as mesmas: com o giz, o conteúdo e o
829
quadro negro de onde se copia quase tudo, completa, repete e busca fixar.
Página
385Professora de língua inglesa na cidade de Aceguá, RS. Mestranda do curso Mestrado Profissional em Ensino
de Línguas da Universidade Federal do Pampa, Campus Bagé, RS.
CONTEXTO DE EXPERIÊNCIA
de 2008, ano este em que fui nomeada, as línguas adicionais ofertadas na época nas
escolas eram três: Língua Inglesa, Língua Espanhola e Alemã. Os alunos tinham a
oportunidade de escolha mas, na época, eles, em sua maioria, eram de origem
Página
alemã. Essa maioria optava por estudar alemão e espanhol, já que a escola está
CAMINHOS METODOLÓGICOS
1 aula
Primeira atividade:
Roda de conversa - em português - sobre os membros da família de cada um dos
alunos.
Segunda atividade:
Cada aluno desenhou em uma folha A4 os membros de sua família e, em seguida,
apresentaram para os colegas - em português. Após, a professora perguntou aos
alunos se eles sabiam como se falava em inglês os membros da família.
2 aula
831
Primeira atividade
Com os desenhos em mãos os alunos foram apresentando os membros da sua família
Página
3 aula
Primeira atividade
Roda de conversa em inglês em que cada um com seus desenhos e árvores
conversaram sobre o tema família em inglês.
Segunda atividade
Questionário sobre preferências alimentares do pai e da mãe: What do you like to eat?
What do you hate to eat? Cada aluno levou a pergunta para casa para interagir com os
pais.
4 aula
Primeira atividade
Foi realizado um jogo de bingo com os membros da família em inglês.
Segunda atividade
Roda de conversa sobre as atividades realizadas sobre os membros da família que foi
retomado para mostrar um vídeo -em inglês- sobre os diferentes tipos de famílias.
5 aula
Primeira atividade
Apresentação e discussão sobre o vídeo.
Segunda atividade
Roda de conversa avaliativa sobre as atividades realizadas nas aulas.
386
http://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/ludico/. Acesso em
10/08/18
Essa visão de língua(gem) está ancorada nos estudos de Bakhtin para quem
“a língua vive e evolui historicamente na comunicação verbal concreta, não no
sistema linguístico abstrato das formas da língua nem no psiquismo individual dos
falantes” (BAKHTIN, 1997, p. 124).
NARRANDO AS EXPERIÊNCIAS
833
foram propostas para que as crianças, de uma certa forma, a partir das atividades em
apresentar suas famílias demonstraram interesse por esse assunto, sobretudo pelo
fato de poder falar e apresentar suas familiares para os colegas sem, no entanto, se
sentirem pressionados ou envergonhados por uma pronúncia que não estivesse
Página
totalmente correta, o que fez com que a aula se desenvolvesse de forma tranquila.
momento, foi realizada em duplas e depois para partiu para o grande o grupo. A
participação dos alunos foi efetiva neste momento, embora houvesse alguns falando
baixinho, meio envergonhados, mas não demonstravam constrangimento ou medo
Página
PALAVRAS FINAIS
Após estas experiências, apesar de muitas falhas, foi possível perceber que
Página
REFERÊNCIAS
ANTUNES, Celso. Jogos para a estimulação das múltiplas inteligências. Petrópolis: Editora Vozes,
2011.
BAKHTIN, Mikhail Mikhailovitch. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do
método sociológico na ciência da linguagem. Trad. Yara Frateschi. São Paulo: Hucitec, 1997.
BARCELOS, A. M. F. (Org.) Linguística Aplicada: reflexões sobre ensino e aprendizagem de língua
materna e língua estrangeira. Campinas, SP: Pontes Editores, 2011. p.275-295.
BRISOLARA, Luciene Bassols; TAGLIANI, Dulce Cassol (Org.). Estudos da linguagem: diferentes
olhares. Campinas, SP: Pontes Editores, 2016. 267 p.
BORTONI-RICARDO, Stella Maris. O professor pesquisador. In: BORTONI-RICARDO, Stella Maris.
O professor pesquisador: Introdução à pesquisa qualitativa. 2. ed. São Paulo: Parábola Editorial,
2008. cap. 4, p. 41-48.
CARDOSO, R. C. T. Jogar para Aprender Língua Estrangeira na Escola. 1996. Dissertação (Mestrado
em Lingüística Aplicada) – Instituto de Estudos da Linguagem. UNICAMP, Campinas, 1996.
CYSNEIROS, Paulo G. Novas tecnologias no cotidiano da escola. Anais da XXIII Reunião Anual da
ANPED, 2000. Disponível em < https://ufpe.academia.edu/PauloGilenoCysneiros> Acesso em 14 de
setembro de 2017.
GERALDI, J. W. (org.) O texto na sala de aula. 3 ed. São Paulo: Ática, 2004.
HUIZINGA, J. Homo ludens. 4 ed. São Paulo: Perspectiva, 2000.
LARROSA, Jorge. Linguagem e Educação depois de Babel. Minas Gerais: Autêntica, 2004.
LE Normativo. Interfaces Científicas. Educação, Aracaju, v.1, n.2, p. 41-52.fev.2013. Disponível em:
837
838
Página
RESUMO
Este texto objetiva realizar um diálogo entre a teoria bakitiniana e o ensino de língua
portuguesa para surdo, que deve ser visto como mais do que simplesmente dar subsistência
de vocabulário e regras gramáticais, mas, também, como forma de pensar em estratégias
para que os alunos possam se sentir envolvidos pelas línguas e sua interação. Dessa
maneira, o presente estudo tem como objetivo dialogar sobre as possibilidades deste ensino.
Os dados expostos aqui foram coletados em uma escola de surdos do município de Foz do
Iguaçu-Pr, no segundo semestre de 2016. Tais dados fazem parte de um projeto maior de
Ensino-Aprendizagem da Língua Portuguesa na Modalidade Escrita (L2) para Surdos,
referente a um Projeto de Extensão da UNIOESTE – Campus de Foz do Iguaçu. Nesse
processo, participaram 18 alunos surdos, investigou-se como acontece a apropriação da
língua e essa interface entre a Língua Portuguesa e a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS,
focando a mediação do ensino por meio da Libras para o ensino da escrita de Língua
Portuguesa. Por fim, com base nesse processo de ensino, foi possível perceber a interface
entre a Libras e a Língua Portuguesa escrita, cada uma com seu valor único, mas os dois
importantes para o sujeito surdo, com sua língua materna influenciando a escrita da
segunda língua e mostrando que é possível desenvolver suas habilidades em escrita da
língua portuguesa através do método visual e abordagem bilíngue. Embasando tal proposta,
exporemos alguns conceitos sobre linguagem do pensador russo Mikhail Bakhtin e de seu
Círculo.
INTRODUÇÃO
A
linguagem humana sempre foi motivo de curiosidades e especulações dos
seres humanos, pois é um fenômeno intrinsecamente relacionado com
práticas sociais; logo, quando perguntamos pelo significado, é fundamental
839
387 Especialista em Educação Especial e Inclusiva. Professora vinculada ao Estado do Paraná – PSS- atuante em
SRM – Sala de Recurso Multifuncional. E-mail: maiara.scherer@hotmail.com
Página
A técnica de pesquisa utilizada para que esse projeto fosse realizado foi a
pesquisa-ação, a qual, segundo Tripp (2005), é um método para o desenvolvimento
de professores e pesquisadores de modo que eles possam utilizar suas pesquisas
para melhorar o ensino e o aprendizado dos alunos; isso é importante porque
qualquer tipo de reflexão sobre a ação é chamado de pesquisa-ação.
Corroborando com o Tripp, Franco (2005) defende que a pesquisa e a ação
devem caminhar juntas quando se pretende a transformação da prática, pensando
nesse sentido que a melhor fonte para uma efetiva reflexão de ação e pesquisa é o
projeto de extensão.
Nesse projeto em questão, os alunos são surdos e adota-se uma abordagem
específica bilíngue, defendida atualmente pela comunidade surda e por alguns
pesquisadores como Quadros e Karnopp (2004), Fernandes (2011), mesmo que pouco
empregada no Brasil. No caso, a reflexão é feita em cada encontro do projeto,
colaborando com o crescimento dos pesquisadores e dos próprios alunos que são
alvos principais da pesquisa.
Diante disso, esse projeto foi realizado para que se pudesse refletir sobre as
dificuldades dos surdos em relação à língua portuguesa, na modalidade escrita e na
leitura. O fato é que eles terminam o ensino médio com dificuldades de comunicação.
Para Bakhtin (2003), toda e qualquer atividade humana está diretamente ligada à
linguagem. E, por conseguinte, mostra-se no projeto de extensão uma realidade a
partir da proposta bilíngue:
crianças surdas, tendo em vista que considera a língua de sinais como língua
natural e parte desse pressuposto para o ensino da língua escrita. (QUADROS,
Página
1997, p. 27).
2. O PROJETO DE EXTENSÃO
(Bakhtin, 2003), no sentido de “aquele que age”. Assim, foram ofertadas condições de
protagonismo do surdo em sua vivência e, também, exercitar habilidades que o
auxiliassem na compreensão de diferentes gêneros discursivos, contribuindo para o
Página
Ao atender um aluno surdo ele trabalhará com um sujeito que apresenta uma
cultura visual, com uma identidade fortalecida por peculiaridades que o
distinguem de seus pares ouvintes e que expressa suas ideias através de uma
Página
ocorrendo.
Ainda, percorrendo no pensamento bakhtiniano, compreendemos que todo
sinal em Libras é um signo, quando em uso. As codificações, acordos e os sentidos
Página
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail et al. Os gêneros do discurso. Estética da criação verbal, v. 4, p. 261-306, 2003.
______.; VOLOCHINOV, Valentin N. [1929]. Marxismo e Filosofia da Linguagem. Trad. de Michel
Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2000.
______./VOLÓCHINOV. Marxismo e Filosofia da Linguagem: problemas fundamentais do método
sociológico na ciência da linguagem. São Paulo: Editora Hucitec, 1997.
CEZAR, K.P.L.C. – Uma proposta linguística para o ensino da escrita formal para surdos brasileiros
e portugueses. Disponível em: <http://wwws.fclar.unesp.br/agenda-
pos/linguistica_lingua_portuguesa/3077.pdf> Acesso em 06/02/2017
COSTA, Juliana Pellegrinelli Barbosa. A educação do surdo ontem e hoje: posição, sujeito e
identidade. Campinas: Mercado de letras, 2010.
DUARTE, A. S; LOPES, T. R. Múltiplas linguagens: língua brasileira de sinais. Cuiabá: UAB/EdUFMT,
2012.
LODI, Ana Claudia Balieiro, Ana Dorziat Barbosa de Mélo, and Eulália Fernandes. Letramento,
bilinguismo e educação de surdos. Porto Alegre: Mediação, 2012.
PEE - Organização do Programa Institucional de Ações Relativas às Pessoas com Necessidades
Especiais. A pessoa com deficiência: aspectos e práticos. Cascavel: EDUNIOESTE, 2013.
QUADROS, Ronice Muller de, and KARNOPP Lodenir Becker. "Língua brasileira de sinais: estudos
linguísticos." Porto Alegre: Artmed, 2004.
QUADROS, Ronice Muller. Educação de surdos: a aquisição da linguagem. Porto Alegre: Artmed,
849
1997.
REILY, Lucia H. As imagens: o lúdico e o absurdo no ensino de arte para pré-escolares surdos. IN.:
Página
GESUELI, Zilda Maria; KAUCHAKJE, Samira; SILVA, Ivani Rodrigues (Orgs.). Cidadania, surdez e
linguagem: desafios e realidades. São Paulo: Plexus, 2003.
850
Página
RESUMO
INTRODUÇÃO
A
tualmente o uso de tecnologias da informação e comunicação tem tido
grande impacto no contexto de ensino e aprendizagem de línguas
estrangeiras (LE) e diminuído fronteiras geográficas que, até pouco tempo
atrás, impossibilitavam a interação entre pessoas de diferentes países. Os termos
“Comunicação Mediada por computador” (CMC) e “Aprendizagem de Línguas
Assistida por Computador (Computer-Assisted Language Learning, que forma a sigla
851
389 Pós-doutoranda, bolsista CAPES/PNPD pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística e Língua Portuguesa
na Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de Araraquara. Professora Substituta no Departamento de
Ciência da Informação na UNESP-Marília. E-mail: maisa.zakir@unesp.br
Página
391No original: “[...] online communication tools to bring together classes of language learners in geographically
Página
distant locations to develop their foreign language skills and intercultural competence through collaborative tasks
and project work.”
1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA
Embora a tradução brasileira do livro A poética de Dostoiévski (BAKHTIN, 2013) utilize o termo metalinguística,
392
adotado por Brait (2010), este trabalho adota o termo translinguística, em consonância com estudiosos brasileiros
Página
como Fiorin (2011) e Paula (2013). Fiorin (2011) justifica sua escolha pelos valores semânticos que envolvem
metalinguística e explica que os prefixos meta (grego) e trans (latino) são equivalentes do ponto de vista do sistema.
Assim, a translinguística tem por objeto “o exame das relações dialógicas entre
os enunciados, seu modo de constituição real” (FIORIN, 2011, p. 33), levando em
conta a historicidade do discurso. É a partir desta perspectiva que as interações entre
os participantes de pesquisa, Vincent e Daniela, são estudadas neste trabalho. Do
ponto de vista bakhtiniano, é por meio da linguagem que se constituem a sociedade e
a cultura. Nesse sentido, o teletandem é o contexto no qual esses três conceitos estão
entremeados e as interações são analisadas discursivamente em suas dimensões
linguística e translinguística.
A concepção de língua na qual este trabalho se embasa difere, portanto, da
proposta pelo objetivismo abstrato, cuja expressão principal é a teoria saussureana.
Para Bakhtin/Volochinov (2004, p. 96), “a separação da língua de seu conteúdo
ideológico constitui um dos erros mais grosseiros do objetivismo abstrato.” Além
disso, outro problema dessa orientação é que não se atribui sentido às palavras
quando elas são entendidas apenas como itens de dicionário, como formas fixas. Ao
contrário, no teletandem, assim como na concepção bakhtiniana, “[...] na prática viva
da língua, a consciência lingüística do locutor e do receptor nada tem a ver com um
sistema abstrato de formas normativas, mas apenas com a linguagem no sentido de
conjunto dos contextos possíveis de uso de cada forma particular.” (BAKHTIN/
VOLOCHINOV, 2004, p. 95).
Estabelecer a diferença entre tais concepções não quer dizer, no entanto, que
não seja necessário entender os níveis estruturais da língua para poder analisar
aquilo que é translinguístico, ou seja, aquilo que ultrapassa os limites da linguística e
está no nível discursivo. Assim, na análise dos dados a seguir são consideradas essas
duas dimensões.
Ao explicar a disciplina que propõe, Bakhtin (2013) confere a seu objeto de
estudo uma dimensão extralinguística:
como algo que torna possível a comunicação dialógica, pois ela abstrai
conseqüentemente as relações propriamente dialógicas. Essas relações se situam
no campo do discurso, pois este é por natureza dialógico e, por isto, tais relações
Página
ou estão fazendo.
393 Daniela faltou e Vincent interagiu com Olga e Denise. Por isso, dado o recorte metodológico da pesquisa
Página
(ZAKIR, 2015), apenas as interações cujas duplas se mantiveram as mesmas ao longo de todo o processo de
teletandem foram consideradas neste trabalho.
104 D: ((Espirra))
264 V: Em management eu tenho que “coger” dois cursos, eh, dois aulas de uma
língua. E eu, eu “chose”, como digo “I chose”?
266 D: Você escolheu?
V: Eu escolhi português.
268 D: Ah tá. É porque o espanhol você já fala bem, né?
V: Ah, falo pouco, não muito. Entendo mais do que eu posso falar.
859
270 D: Ah
V: Sim
Página
2006), implica estabelecer relações tecidas na trama do discurso. Desse modo, há, em
meu olhar de analista, um reconhecimento, uma partilha, inclusive, dessa imagem do
falante perfeito de uma língua estrangeira.
Página
D: I came at the university at night and I come back, I come home at nine I
430 think, and I came by moto?
V: motorcycle
432 D: yes, motorcycle, I didn't came at car
V: do you have a motorcycle?
434 D: yes
861
614 V: Alckmin?
D: Alckmin ah you you want to be the governador? [demonstrando entender o
616 que ele havia dito antes]
Página
O objeto do discurso do falante, seja esse objeto qual for, não se torna pela
primeira vez objeto do discurso em um dado enunciado, e um dado falante não é
o primeiro a falar sobre ele. O objeto, por assim dizer, já está ressalvado,
contestado, elucidado e avaliado de diferentes modos; nele se cruzam,
convergem e divergem diferentes pontos de vista, visões de mundo, correntes
(BAKHTIN, 2006, p. 299-300).
1 Sobre ideias sedimentadas e discursos de gênero no âmbito do teletandem, ver Costa (2015).
trabalho transcende os limites estruturais e dialoga com as vozes sociais que colocam
em evidência o problema da violência e da corrupção policial no Brasil e a
subvalorização da região Nordeste, tratada na interação como um estado brasileiro.
Muito embora Daniela encontre dificuldades no trecho da interação em que
eles abordam as diferenças nas leis brasileiras e estadunidenses, há, em sua fala uma
generalização que associa a alguns estados, e até mesmo a toda a região Nordeste
(linhas 498, 500 e 505), uma lei que foi aplicada no município de São Sebastião, em
Alagoas, em 2007, proibindo o uso do capacete em zonas urbanas. Isso se deu por
decisão de um juiz como forma de diminuir a violência, conforme publicado no
jornal Folha de São Paulo2, uma vez que o entendimento era de que o capacete fazia o
papel de uma máscara, impossibilitando, assim, a identificação de possíveis
criminosos.
É interessante o modo como Daniela compreendeu e partilhou essa notícia,
que havia sido divulgada cerca de cinco anos antes da interação. A menção à lei que
proíbe o uso de capacetes no “Nordeste” se dá em resposta à informação dada por
Vincent de que nos Estados Unidos, se o condutor tem mais 21 anos, o uso do
acessório é dispensado. Ainda que seja possível que medidas similares à do
município de Alagoas tenham sido adotadas em outros lugares no Brasil, a
generalização de que essa é uma lei vigente no Nordeste (ou em alguns estados,
como ela diz adiante) demonstra a força do discurso da criminalidade e da violência,
que emerge na interação entre os sujeitos da linguagem. Considerando que o código
de trânsito brasileiro exige o uso do capacete, trata-se de uma lei federal que é,
portanto, válida em todo o território nacional. A medida adotada pelo juiz de um
município de Alagoas não deveria, pois, ser tomada como regra para o Nordeste ou
para os outros estados.
No entanto, no jogo da interação, como afirma Bakhtin/Volochinov (2004),
“cada palavra se apresenta como uma arena em miniatura onde se entrecruzam e
lutam os valores sociais de orientação contraditória. A palavra revela-se, no
momento de sua expressão, como o produto da interação viva das forças sociais.” (p.
66). Assim, a generalização feita por Daniela está, possivelmente, atravessada pelo
discurso do medo, associado a situações de violência e partilhado pelos sujeitos da
interação. Também essa temática é recorrente em outras duplas 3 e o modo como isso
acontece pode ser investigado em futuras pesquisas em teletandem.
No mesmo registro das leis, encontramos uma comparação em relação ao
rigor da punição a motoristas alcoolizados nos EUA e no Brasil. Assim como na
interação entre Fiorella e Érico (ZAKIR, 2015), a questão do suborno a policiais, para
não se cumprir alguma pena imposta em caso de uma infração, também é tratada por
Vincent e Daniela. A ideologia, para o Círculo de Bakhtin, é pensada como
ambivalência, como luta desigual, e, dadas as recorrências temáticas identificadas,
868
3 Fiorella e Érico, dupla analisada em Zakir (2015); Carl e Ísis, Norma e Alice, Olga e Denise, cujas análises estão
o falante não é um Adão bíblico, só relacionado com objetos virgens ainda não
nomeados, aos quais dá nome pela primeira vez. […] Uma visão de mundo, uma
corrente, um ponto de vista, uma opinião sempre têm uma expressão
verbalizada. Tudo isso é discurso do outro (em forma pessoal ou impessoal), e
este não pode deixar de refletir-se no enunciado. (BAKHTIN, 2006, p. 300).
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: ______. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. 4.
ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
______. Problemas da poética de Dostoievski. Trad. Paulo Bezerra. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2013.
BAKHTIN, M. (VOLOCHINOV) (1929). Marxismo e filosofia da linguagem. Trad. Michel Lahud e
Yara Frateschi Vieira. 11. ed. São Paulo: Hucitec, 2004.
BELZ, J. A. From the special issue editor. Language Learning & Technology, v. 7, n. 2, p.2-5, 2003.
Disponível em: <http://llt.msu.edu/vol7num2/speced.html>. Acesso em: 25/ mai. 2011
BRAIT, B. Análise e teoria do discurso. In: ______ (Org.). Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo:
870
Contexto, 2010.
______. Construção coletiva da perspectiva dialógica: história e alcance teórico-metodológico. In:
Página
FIGARO, R. (Org.). Comunicação e análise do discurso. São Paulo: Contexto, 2013, p. 79-98.
A
proposta deste trabalho é oferecer uma breve análise teórica acerca de
algumas noções conceituais do texto: “O problema do Conteúdo, do
Material e da Forma na Criação Literária”, do autor Mikhail Bakhtin e sua
relação com a Arquitetônica.
Convém destacar que Bakhtin foi um filósofo russo que entrou nas discussões
sobre a atividade estética na década de 1920 e permaneceu nela até seus últimos
escritos. Ocorre que ele estudava como os seres humanos se relacionavam e percebeu
que essa efetivação se dava por meio da linguagem, que é para ele um processo
dinâmico e movente. Assim, este trabalho inicia o capítulo de abertura do livro
Questões de literatura e de estética: a teoria do romance (1924) e traz significativas
contribuições aos estudos voltados à problemática e à metodologia geral dos estudos
literários, uma vez que surgiu como uma recusa à escola formalista da época.
Embora Bakhtin tenha sido formado nessa ambiência formalista, tenha escrito obras
nesse contexto, ele faz críticas e adentra por outras perspectivas constituindo uma
tomada de posição notadamente autônoma e inquestionavelmente produtiva, pois,
ainda que esse ensaio tenha sido produzido na década de 1920, é inquestionável e
hodiernamente profícuo.
Para tanto, Bakhtin inicia esse estudo tendo como capítulo antecedente a este
ensaio a análise de um texto intitulado Crítica da arte e estética geral, no qual faz uma
crítica à obra russa. Assim, a construção de seus enunciados tece-se em uma cadeia
que se inicia criticando os representantes do “método formal ou morfológico”,
embora ele reconheça as importantes contribuições deixadas pelos trabalhos sobre a
poética. Para Bakhtin, a posição científica ocupada pela maioria desses trabalhos é
insatisfatória; em seguida, ele explica a razão dessa insatisfação, para só depois trazer
noções conceituais de estética material, método formal, objeto estético,
individualização estética, formas arquitetônicas e formas composicionais, romance,
drama, a forma do lírico, o humor e o ritmo. A partir daí, Bakhtin inicia a análise
872
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. 4. ed. São Paulo: Hucitec,
1998.
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
FARACO, C. A. Aspectos do pensamento estético de Bakhtin e seus pares. Letras de hoje, Porto
Alegre, v. 46, n. 1, p. 21-26, jan./mar. 2011.
875
Página
RESUMO
E
ste estudo6 decorre da investigação em torno da teoria da Análise Dialógica do
Discurso - ADD7, fundamentada na perspectiva da Filosofia da Linguagem, de
cunho bakhtiniana, bem como dos aportes da Teoria Dialética do
Conhecimento - TDC8, com base na Psicologia Histórico-Cultural, de viés
vigotskiano. A partir de análises em âmbito educacional, nos diferentes níveis de
ensino e de aprendizagem, propusemos a seguinte pergunta de pesquisa: em que
medida a triangulação dessas teorias pode contribuir para a apropriação do
conhecimento de língua e de literatura na escola?
A hipótese aventada é a de que esses pressupostos teóricos, advindos de
estudos inseridos no materialismo histórico-dialético, são campos fecundos do
conhecimento para se tratar de aspectos concernentes ao ensino e à aprendizagem. O
objetivo, portanto, é refletir acerca desses fundamentos, a fim de responder à questão
problematizadora, por meio de uma proposta didático-metodológica, delimitada no
estudo do gênero conto e estruturada em um Plano de Trabalho Docente – PTD9, que
possa adequar-se ao contexto educacional vigente.
Justificamos essa delimitação, uma vez que ainda testemunhamos, nas práticas
escolares, processos de ensino linguístico norteados pela concepção decorrente do
subjetivismo idealista ou do objetivismo abstrato, desprivilegiando, por exemplo, o
contexto de produção da linguagem, a sua dinamicidade, historicidade, heteroglossia
ou plurilinguismo.
Dessa maneira, a reflexão sobre essa situação de produção educacional torna-
se emergente, tratando-se de uma pesquisa teórica, com abordagem qualitativo-
interpretativa e fins explicativos. A geração de dados acontece por documentação
indireta, bibliograficamente, com método dialético de análise e de interpretação das
informações.
Para a melhor clareza da explanação, o texto organiza-se em três seções: a
primeira privilegia aspectos relevantes da Análise Dialógica do Discurso para os
estudos em língua e em literatura; a segunda expõe um diálogo possível entre a
abordagem sociológica da linguagem e o gênero discursivo conto; e a terceira
apresenta uma proposta de estudo com o gênero discursivo conto, estruturada por
6 Este texto tem origem nas investigações apresentadas no livro Reflexão sobre o Trabalho Docente: o
conhecimento construído na formação continuada e a prática pedagógica (KRAEMER, 2014).
7 Denominação cunhada por Brait (2006) para o conjunto das obras do Círculo de Bakhtin, o qual motiva o surgimento
“[...] de uma análise/teoria dialógica do discurso, perspectiva cujas influências e consequências são visíveis nos estudos
linguísticos e literários e, também, nas Ciências Humanas de maneira geral.” (BRAIT, 2006, p. 09-10).
8 A Teoria Dialética do Conhecimento, pressupõe: o estudo da prática social dos sujeitos envolvidos no processo
delimitado; a teorização dessa prática social, buscando um suporte teórico que revele, descreva e explique essa
877
realidade; e a intervenção nessa realidade, por meio do conhecimento apreendido no processo (GASPARIN, 2007).
9 O Plano de Trabalho Docente é uma proposta didático-metodológica voltada às três fases do método dialético
de construção do conhecimento – prática, teoria, prática –, as quais se desdobram em cinco fases, expostas no
Página
trabalho com gêneros discursivos, que serão explicitados com maior pormenorização na terceira seção deste
artigo, quando abordamos o percurso metodológico e a base epistemológica da pesquisa (GASPARIN, 2007).
[...] aos professores empenhados em despertar o gosto pela leitura, assim como
desenvolver competências e habilidades envolvidas nas dimensões socioculturais
participantes da produtiva convergência leitura/escrita. Mas diz respeito também
aos que, independentemente de atuação dentro de uma sala de aula voltada ao
ensino de língua e/ou de literatura, consideram o texto uma forma de
conhecimento, fonte de prazer, maneira de observar e usufruir a infinidade de
usos e frutos implicados na língua, na literatura, na vida, na linguagem em
constante movimento. (BRAIT, 2010, p.11).
Apesar de o conto como categoria literária obter mais atenção do que o esperado
em textos utilizados em sala de aula e em compêndios de escritores, ele continua
– conspurcado pelo comércio e amaldiçoado pela condescendência – ficando em
quarto lugar depois da poesia, do drama e do romance em livros e revistas
dedicados à crítica teórica mais séria. (FRIEDMAN, 2004, p. 220).
sistemas e nas circunstâncias para as quais são desenhados pode ajudar o aluno, como
leitor e escritor, a satisfazer as necessidades da situação (BAZERMAN, 2006, p. 52).
Página
enunciados concretos dos diferentes gêneros, uma vez que são necessários: o estudo
das esferas sociais e das suas situações de interação; o estudo dos enunciados, em
ligação com os seus gêneros, da esfera cotidiana e das ideologias formalizadas; e o
Página
12 João Luiz Gasparin é Graduado em Filosofia, pela Fidene, atual Universidade de Ijuí – Unijuí, RS, e em Letras,
pela Universidade de Filosofia, Ciências e Letras de Paranavaí - FAFIPA, PR. É Mestre em Educação, pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC, e Doutor em Educação pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. Desde 1974 é professor do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da
Universidade Estadual de Maringá (PR), na qual leciona a disciplina de Didática nos cursos de graduação e pós-
graduação. Integra o corpo docente do Programa de Pós-Graduação em Educação – mestrado e doutorado – da
mesma universidade. O livro em questão é traduzido para o espanhol por Luis Miguel Saravia Canales e
publicado pelo Instituito de Pedagogia Popular de Lima, Peru (GASPARIN, 2007).
883
13 Demerval Saviani possui graduação em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1966) e
doutorado em Filosofia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1971). É Professor
Titular de História da Educação da UNICAMP desde 1993. É Professor Emérito da UNICAMP, Pesquisador
Página
Emérito do CNPq e Coordenador Geral do Grupo de Estudos e Pesquisas "História, Sociedade e Educação no
Brasil" (HISTEDBR).
Entretanto, Gasparin alerta que a prática social referida não consiste apenas no
que o aluno faz ou sabe em seu cotidiano em relação ao conteúdo proposto, mas
traduz, por meio da voz discente, a compreensão e a percepção que são
determinadas e apreendidas pelo grupo social (GASPARIN, 2007). Além disso, o
interesse do estudante não condiciona o trabalho pedagógico, sendo apenas o ponto
de partida, uma vez que, se o professor se ativer somente aos interesses discentes
imediatos, tenderá a permanecer na superficialidade. Dessa maneira, as necessidades
técnicas, científicas e sociais são as que definem os conteúdos programáticos, os quais
devem ser selecionados pela equipe pedagógica de cada instituição para a formação
886
O autor ressalta que os problemas postos pela prática social nem sempre
podem ser tratados em sua totalidade em cada área do conhecimento. Dessa
maneira, convém ser feita uma seleção do que é fundamental, relacionando-a ao
888
14A proposta pode ser tanto de discussão oral quanto escrita. A escolha da estratégia mais producente pelo
Página
professor dependerá das variáveis que envolvem o perfil da turma: o nível de interesse, o nível de concentração, o
nível de maturidade intelectual e comportamental, entre outras possibilidades.
PROBLEMATIZAÇÃO
15Inclusive, é propício analisar o fato de que há variantes do discurso direto, conforme a intencionalidade
narrativa.
INSTRUMENTALIZAÇÃO
conteúdo apreendido:
Esta fase possibilita ao aluno agir de forma autônoma. Todo o trabalho na zona
de desenvolvimento imediato – que neste processo se expressa nos passos de
Problematização, Instrumentalização e Catarse – encerra-se com a obtenção de
um novo nível de desenvolvimento atual, no qual o aluno mostra que se superou.
Essa é a função de toda a atividade docente [...] (GASPARIN, 2007, p. 148).
Quadro 6. Autoavaliação Discente Inserida na Prática Social Final do Plano de Trabalho Docente
ROTEIRO DE AUTOAVALIAÇÃO16
QUESTÕES/CONTO
16
Adaptado de BARBOSA, 2001, p. 111
CONSIDERAÇÕES FINAIS
(GASPARIN, 2007).
Com essa base epistemológica para a construção dos conceitos linguísticos e
Página
REFERÊNCIAS
898
Página
RESUMO
O presente texto tem como objetivo apresentar uma reflexão sobre as fronteiras do ativismo
estético vivenciadao pelo autor-criador e pelo contemplador. O trabalho tem como referência
o plano estético criado por Derrida, no livro Memórias de cego, em que o filósofo enuncia
travando uma conversa com ele mesmo, criando um diálogo ambivalente e polifônico.
Você crê? Desde o início desta conversa, estou tentada a perguntar: você realmente acredita
ser necessário encontrar um caminho específico para dialogar com uma obra de arte? E mais,
encontrar um caminho, ou um método, não tornaria os encontros com a arte empobrecedores?
M
as é precisamente para a questão do diálogo com a obra de arte que tenho
me voltado nos últimos anos! Antes de entrar direto na sua pergunta, acho
que podemos ir com um pouco mais de calma e pensar, primeiro, no que
estamos chamando de arte e, depois, podemos tentar compreender a importância
que estamos dando ao encontro com uma obra. Afinal, dialogamos constantemente
com diversos enunciados no nosso cotidiano. Mais que isso: somos sujeitos
dialógicos, nos constituímos no diálogo, no encontro com o outro, com a palavra
outra. Por que dedicarmos nosso tempo a pensar sobre esse assunto? O que há de
diferente entre o enunciado da arte e da vida? Bem, vamos lá. Na perspectiva
bakhtiniana, e é a partir dela que falamos nesta conversa, a arte é um enunciado de
um tipo especial, fixado em um produto cultural: em uma obra de arte. Esse
enunciado é de um tipo especial porque difere dos enunciados do cotidiano por ser
elaborado a partir de um ativismo estético, operado na fronteira da vida, em uma
posição tangencial que o autor ocupa que lhe permite olhar como um jano bifronte
para a vida e para a arte, criando, nesse processo, uma resposta de acabamento o
todo do herói. O que significa tudo isso? Na vida, meu autovivenciamento, minha
autoconsciência e autoexpressão possuem fronteiras bem estabelecidas, que são
vivenciadas de dentro de mim. Na vida, vivo na relação eu outro, mas o meu
vivenciamento parte de mim. Na arte, o vivenciamento é realizado a partir de fora,
899
17 Doutoranda em Educação na Universidade Federal Fluminense; Professora de Artes Visuais no Colégio Pedro
II; Integrante do Grupo Atos/UFF. E-mail: mirandamarialeticia@yahoo.com.br
O autor precisa sair da vida para criar o enunciado artístico? Seria isso?
O autor não sai e nem se distancia da vida, só morto. Não é disso que se trata!
Na arte, o ele elabora um enunciado a partir de um posicionamento transgrediente
em relação ao herói, que lhe permite olhar para a vida e para a arte ao mesmo tempo.
Criando a obra, o autor continua na vida, porém, em uma posição outra, exotópica,
em que trabalha por uma distância no tempo, no espaço e no valor em relação ao
herói. O autor, na arte, precisa manter essa distância, falar como um outro e não
coincidir com o herói no cronotopo da obra, pois, se assim fizesse, não estaríamos
diante de uma obra estética, mas diante de uma autoconfissão. Enunciar como um
tu, a partir de um outro centro axiológico. Tudo bem, Bakhtin diz que sempre haverá
uma distância entre aquele eu que narra um acontecimento sobre a sua vida e o eu
que vivenciou o acontecimento na vida. O eu narrador da minha vida não coincide
com aquele eu que estava na vida. Mas uma coisa é importante: na arte esse
distanciamento precisa ser método! O autor deve trabalhar pela transgrediência. E,
por esse posicionamento tangencial, não cabe pensarmos que a arte é um objeto
desconectado da vida, ou uma "expressão subjetiva " que o artista "coloca para fora",
isolado em seu atelier. Não. A arte é um discurso de resposta à vida, tecido na
complexidade dos fios ideológicos sociais, em que o autor, agente ativo do processo,
cria um objeto com um acabamento.
Como assim? Não entendo. Sempre penso que uma das características da arte é não se deixar
aprisionar em sentidos fixos e você fala de um acabamento!
Sim. Uma obra de arte é um objeto cultural. O artista, ao produzir esse objeto,
cria um acabamento de significação relativamente estável, temático e composicional,
característico da arte e que não pertence a nenhum outro campo ideológico. Um
discurso científico pode ser desdobrado, continuado em outro momento, ampliado.
Uma conversa com amigos também pode ser retomada, modificada, atualizada. O
discurso da arte não! O ponto final do artista, ou a última pincelada, garante a
900
Isso sobre essa distância que permite a entrada do ouvinte me faz pensar em um depoimento
do Wenders dizendo que alguns filmes deixam espaço livre para todo o possível e o
imaginário! E, segundo ele, existem filmes em que tudo é tão óbvio que não temos nada para
descobrir e para criar. Parece que isso tem uma relação com essa entrada.
Mas nem todo mundo se sente provocado a responder ou a dialogar com Guernica, ou com um
romance de Dostoiévski, ou com outros enunciados artísticos. Pelo contrário, vejo que muitas
pessoas são capazes de olhar para Guernica e seguir seu caminho da mesma forma que antes.
Sim. Guernica me provoca, mas realmente não posso dizer que isso acontece
com todos. As pessoas se tocam ou não pela arte por razões diversas. Por isso venho
me questionando bastante: o que faz com que uma pessoa se sinta provocada ao
diálogo com a arte? Ou o que pode provocar esses diálogos? O que nos joga
novamente na pergunta inicial: o que tem de diferente no discurso da arte que o
torna importante para pensarmos sobre ele? Bakhtin diz que, no fluxo da vida,
estamos abertos, sendo impossível termos uma compreensão do homem como um
todo, porque a vida está em curso, acontecendo. A vida é esse fluxo inacabado e
imponderável. Mas a arte, ele diz, dos mundos da cultura, é o que mais se aproxima
da arquitetônica do mundo da vida, porque ele é formado tendo um homem como
901
centro emotivo-volitivo, assim como na vida. Dessa forma, a melhor forma de ver o
homem e a arquitetônica do ato é olhar para o cronotopo da arte, pois ali é possível
olhar a vida e ver aquilo que olhando diretamente é impossível.
Página
A arte nos permite ver coisas que, olhando para a vida, não vemos, porque
seria impossível, nos petrificamos. A arte cria um discurso que não é cópia e nem
representação da vida, mas é um discurso novo, capaz de deslocar os sentidos dos
discursos rotineiros, acostumados e estereotipados do cotidiano. Isso é potente! Por
isso precisamos pensar sobre a importância do diálogo com a arte, pois essa é a
possibilidade de deslocar os sentidos dados do mundo!
Tem uma coisa que me incomoda quando escuto as palavras de Calvino e sobre essa ideia da
arte como "salvação do mundo". Não gosto muito de pensar a arte como redenção, entende? O
discurso filosófico, ou o científico, ou a conversa com um amigo podem nos fazer ver coisas
antes não vistas, podem nos fazer ampliar sentidos! Não só o discurso da arte.
encharcada de sentidos que não seriam enunciados de outra forma. Talvez... não
estou certa, mas talvez muitas pessoas não dialoguem com a arte, porque não vivem
o mergulho nos gêneros complexos! Sim. Para ver, é preciso o mergulho no gênero.
Página
Poderíamos pensar também nesse momento sobre o que é ver e o não ver, porque, de
Será?
Vamos lá. Para dialogar com a arte, ou com qualquer outro enunciado na vida,
precisamos ter uma postura ativa e responsiva. É possível estar diante de um
enunciado com uma postura menos ativa. Diante de um enunciado da arte, podemos
estar passivos ou sem "cultura", como diz Bakhtin. Nesse caso, a percepção artística é
substituída pelo sonho, nos identificamos com a personagem: sofremos, rimos ou
choramos, vivemos a vida da personagem como se fôssemos os heróis dessa vida e,
depois, voltamos para a nossa rotina amortizados. Dizer que a arte é só para fruir ou
despertar emoções é colocar o sujeito espectador em uma posição passiva na relação
e esvaziar a potência da arte. Vejo pessoas saírem de uma peça de teatro ou de um
cinema dizendo: "foi lindo", "gostei", "emocionante", mas sem elaborarem um diálogo
mais profundo com a obra, ficam no nível de uma "fruição" superficial. Nesse
sentido, podemos ficar na esfera do gostei ou não gostei.
Podemos pensar nas pessoas que vão ao museu, fotografam a obra e voltam para suas casas.
Nem se demoram, passam pela obra e a levam como um souvenir.
Sim. Podemos pensar nelas. Essa não é uma atitude responsiva ativa diante da
obra, nem sei se seria uma atitude de fruição, porque, nesse caso, parece ser mais um
ato de captura da imagem, de posse, de ter a obra guardada, ou de mostrar nas redes
sociais que viu algo de valor. Não sei... Benjamin aborda essa questão da perda de
experiência no mundo moderno. Diz que o homem está perdendo suas experiências
dominado por um imediatismo, um consumismo, uma massificação dos objetos,
incluindo os artísticos. Estamos vivendo um momento em que muitas pessoas têm
acesso à arte, porém, ao mesmo tempo, cada vez menos elas se demoram e vivem
uma experiência com a arte. Essa é uma postura de muitos, não só diante da arte,
mas da vida de um modo geral. O que tenho pensado é que é importante aprender a
ler um quadro ou um romance de forma responsiva e, para isso, é preciso
compenetração e empatia! Bakhtin fala de dois tipos de experiência estética: a do
903
podem coincidir no tempo, no espaço, nos valores e nos sentidos, lembra? Já falei isso
Tudo bem, mas se, para dialogar com a arte, é preciso ter uma postura ativa e conhecimentos
especiais, não é qualquer pessoa que pode dialogar com um filme ou com uma pintura!
Não e sim ou qualquer coisa entre as duas opções. Qualquer pessoa pode e
dialoga com objetos artísticos. Certamente. Mas, para um diálogo mais amplo e
múltiplo, é preciso mergulhar cada vez mais nos gêneros, desenvolver uma escuta no
gênero. Para criar sentido a um enunciado. é preciso colocar outros sentidos em
relação, uma vez que é impossível recuperar integralmente o sentido de um
enunciado. O que podemos fazer é cotejar textos. Vou novamente me explicar: todo
enunciado é elaborado dentro de um gênero. O gênero é um tipo especial de
construção do enunciado que se realiza no processo de interação social. Em cada
gênero existem elementos de permanência, sem os quais o enunciado não poderia ser
compreensível, e elementos de transformação. Cada enunciado, assim, tem
elementos do singular, do dizer irrepetível do enunciador e da história do gênero.
Para o processo de compreensão, é preciso um mergulho nesses elementos do
gênero, mergulhar naquilo que é identificável e no que é transformador. E cada um
escolhe um caminho para entrar no diálogo, não tem regra e nem um caminho único.
Tenho procurado pensar nisso. Por exemplo, alguns teóricos acreditam que um
diálogo mais profundo com a obra acontece no momento em que uma pessoa
identifica os elementos "visuais" que compõem a obra, no caso de uma pintura, ou os
elementos gramaticais, no caso de uma poesia. Como se, para compreender um
enunciado, fosse necessário somente identificar os aspectos materiais e formais que
compõem esse enunciado. Esse foi o trabalho desenvolvido, por exemplo, pelos
904
formalistas russos, que pretendiam fazer uma história da arte baseada nas formas
das obras, observando e comparando obras de artistas e escolas, como Wolfllin, que
escreveu A dupla origem do estilo, um estudo moderno sobre a arte clássica e barroca,
Página
em que ele desenvolve a ideia de conteúdo e forma. Outros teóricos já acreditam que
É bom pensar em descontruir esses sentidos hegemônicos! Esse parece ser um bom caminho.
Porém, pensar em um método para ser aplicado é minha preocupação, porque pode virar uma
fórmula de leitura. E isso seria empobrecedor. O que você acha?
Essa preocupação já apareceu aqui antes. Pensar que uma mesma forma de
leitura pode ser usada por diferentes pessoas me parece estranho, considerando que
os contextos e as situações são singulares. O bom seria pensar em princípios de
leitura pressupondo que cada pessoa cria o seu próprio caminho. Barthes é outro
filósofo que se dedica à compreensão dos enunciados artísticos sem pensar em
dicotomias. Do lugar da semiologia, ele fala de níveis de leitura: o informativo, que
seria o nível da comunicação; o simbólico, que seria o nível do reconhecimento
cultural e o da significância; o terceiro sentido, o obtuso, aquele cujo sentido vem
como um suplemento, um algo a mais. Posso voltar a isso mais adiante. É importante
dizer que esses sentidos estão juntos, mas, quando entro na leitura, vejo mais
905
Deborah J. Haynes, autora do livro Bakhtin and the Visual Arts, e ampliadas por
fronteira desse vivenciamento, ver coisas no mundo pela arte. Nesse momento sei
que cada um elabora uma resposta à obra, mas precisamos pontuar que é uma
resposta com um acabamento provisório, dispersa. Quando a criança tem a
Página
oportunidade de responder pelo que viu na arte dentro do próprio gênero artístico,
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Tradução: Paulo Bezerra, 6. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2011.
BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. Tradução: Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2016.
BAKHTIN, Mikhail. Para uma filosofia do ato responsável. Tradução: Valdemir Miotello e Carlos
Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010.
BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução: Paulo Bezerra. 5.ed. Rio de
Janeiro: Editora Forense, 2013.
BARTHES, Roland. O óbvio e o obtuso. Tradução: Isabel Pascoal. Lisboa: Edições 70, 2015.
CALVINO, Ítalo. Lezioni americane: sei proposte per il prossimo millennio. Italia: Oscar Moderni,
2016.
DERRIDA, Jacques. Memorie di cieco: l'autoritratto e altre rovine. Traduzione: Alfonso Cariolato;
Federico Ferrari. Milão: Aesthetica, 2015.
PONZIO, Luciano. Icona e Raffigurazione: Bachtin, Malevic, Chagall. Milano: Mimesis Edizioni,
2016.
PONZIO, Luciano. Visioni del testo. Lecce: Pensa Multi Media Editore, 2016.
907
Página
INTRODUÇÃO
O
Brasil tem vivenciado, nos últimos tempos, uma realidade de
multilingualísmo e, por esta razão, os estudos da linguagem, mais
especificamente na área da Linguística Aplicada (LA), vêm desenvolvendo
pesquisas no sentido de entender e abrir caminhos para facilitar estas interações. A
partir do final da década de 1990, pôde-se ver, segundo Grabe (2002), que as
pesquisas da LA sobre ensino e aprendizagem de línguas e formação de professores
que trabalham em contextos de multilinguismo começaram a enfatizar, dentre
outras: as noções de conscientização linguística; a forma da aprendizagem de
línguas; a aprendizagem a partir de interações dialógicas; os padrões para a interação
professor-aluno; a aprendizagem baseada no contexto e o professor como
pesquisador através da pesquisa-ação Além disso, buscou focalizar a linguagem do
ponto de vista dos procedimentos de interpretação e produção linguística que
definem o ato da interação escrita e oral.
Por estarem diretamente empenhados refletir sobre os problemas humanos
que derivam dos vários usos da linguagem, os linguistas aplicados veem-se
envolvidos em trabalhos com uma dimensão essencialmente dinâmica que busca a
transformação do contexto de estudo. Nessa tentativa de propiciar mudanças, Rojo
(2009) ressalta que o linguista aplicado passa a enfocar problemas concretos de
conflito comunicativo e interpretá-los de maneira a contribuir para uma reflexão
sobre as novas possibilidades de melhoria da qualidade de vida das pessoas.
Grabe (2002) descreve a expansão do campo do linguista aplicado e a maior
especificação de seu papel como um agente que passa a se preocupar com problemas
que trouxeram para seu domínio questões sobre aquisição de segunda língua,
alfabetização, direitos de minoria em relação ao uso da língua materna e segunda
língua, e formação de professores para trabalhar com estas classes heterogêneas.
Nesse sentido, os estudos da LA têm trazido grandes contribuições ao ensino e
aprendizado de língua portuguesa para grupos de estudantes estrangeiros que
908
Doutoranda do PPGL – UNIOESTE Universidade Estadual do oeste do Paraná – Campus de Cascavel. E-mail:
18
malumoura891@hotmail.com
Mais do que ajuda humanitária, é necessário que cada vez mais a sociedade
brasileira distribua humanidade, que se conscientize de que o Brasil não é apenas
um país com enorme potencial e peso econômicos e políticos na sociedade
internacional, mas, também, que deve exercer seu papel histórico de ator
humanitário tanto no sentido internacional, concitando os demais Estados a
seguirem seus passos quanto através da concretização deste status em sua
sociedade interna. (AMORIM, 2017, p. 398)
Não se deve, porém, imaginar o domínio da cultura como uma entidade espacial
qualquer, que possui limites, mas que possui também um território anterior. Não
há território interior no domínio cultural: ele está inteiramente situado sobre
fronteiras, fronteiras que passam por todo lugar, através de cada momento seu, e
a unidade sistemática da cultura se estende aos átomos da vida cultural, como o
sol se reflete em cada gota. Todo ato cultural vive por essência sobre fronteiras:
nisso está sua seriedade e importância; abstraído de fronteira, ele perde terreno,
torna-se vazio, pretensioso, degenera e morre. [...] É somente nessa sua
sistematização concreta, ou seja, no relacionamento e na orientação direta para a
unidade de cultura que o fenômeno deixa de ser um mero fato, simplesmente
existente, adquire significação, sentido, transforma-se como que numa mônada
que reflete tudo em si e que está refletida em tudo. (BAKHTIN, 2010, p.29)
coletividade.
A imagem do mundo e a imagem de si mesmo estão evidentemente sempre
Página
ensino e aprendizagem para que esses sujeitos sejam capazes de produzirem seus
enunciados na interação com o(s) outro(s) e, gradativamente, ampliarem seu
repertório de signos, uma vez que “[...] a palavra, como signo, é extraída pelo locutor
Página
ou no ato; tudo acontece pela troca do material verbal. A interação entre os sujeitos
A palavra não pode ser entregue apenas ao falante. O autor (falante) tem seus
916
direitos inalienáveis sobre a palavra, mas o ouvinte também tem os seus direitos;
tem também os seus direitos aqueles cujas vozes estão nas palavras encontradas
de antemão pelo autor (porque não há palavra sem dono). A palavra é um drama
Página
O educador defende que não basta o sujeito apenas saber ler e escrever, mas fazer
uso social e político desse conhecimento na vida cotidiana. E o grupo de imigrantes,
trabalhadores, que chegam em nosso país, muitas vezes em situações fragilizadas, como é
o caso dos que saíram de suas pátrias como refugiados, precisam estar atentos aos seus
direitos humanos, para não serem explorados, por vezes até como escravos. Precisam
aprender a língua, se movimentar no sentido de melhorias, entender com clareza as
informações que lhe dizem respeito, não aceitar tudo sem reagir, pois, como orienta
Freire (1987), os homens precisam se fazer nas palavras, no trabalho e na ação-reflexão, e
não no silêncio.
Aliada às ideias de Freire (1987), nos amparamos também nos Novos Estudos
do Letramento desenvolvidos por Bartão (1994) e Street (2003, 2012), que fornecem a
base para intervenção em debates sobre o letramento em diferentes campos,
apresentando os desafios ou incertezas que se destacam atualmente na área do
ensino e aprendizado de línguas.
Street (2003) aborda sobre os Novos Estudos do Letramento, no que concerne
ao letramento de adultos e afirma que neste contexto, “O papel dos Novos Estudos
do Letramento é ajudar a articular e legitimar um movimento já desenvolvido que
era muitas vezes antiacadêmico, devido a um sentimento de marginalização” (apud
918
observaram sobre dois ambientes nos quais esse grupo adquiria a escrita com
contemporânea.
através de “palavras geradoras”, ou seja, palavras presentes na realidade dos alunos, que
Para dar conta desses temas, a princípio, planejamos uma aula semanal, com
carga horária de 2 horas, que acontece nas terças-feiras, no período da manhã, para
facilitar a participação de todos os que trabalham nos demais período. As aulas
encontram-se em andamento e estão sendo organizadas a partir dos temas e palavras
geradoras e, até o momento, já trabalhamos com os seguintes temas: Localização
geográfica, costumes alimentares, partes do corpo, área da saúde e EPIS na empresa.
Todas as aulas estão sendo registradas com filmagens e servirão como dados que
farão parte da nossa pesquisa em andamento.
A motivação para esta pesquisa partiu do seguinte questionamento: a) Que
método seria mais adequado para o ensino de língua portuguesa a estudantes
estrangeiros, adultos, trabalhadores braçais, em situação de vulnerabilidade?
A partir dessas perguntas, procuramos elaborar um material didático para o
ensino de português para estes estrangeiros, procurando trabalhar com temas
relevantes que fizessem parte de seu universo e de sua realidade diária. A partir dos
temas, procuramos apresentar conteúdos que possibilitassem a compreensão da
língua-alvo e, consequentemente, interações significativas, de forma que pudessem
se comunicar e desenvolver nas interações orais e escritas.
Para Almeida Filho (2001), uma das alterações que marcaram a afirmação do
paradigma comunicativo foi a premissa de se considerar o próprio aluno como
sujeito e agente no processo de formação através da nova língua, significando, assim,
maior ênfase no que tem sentido para o aluno no seu aprendizado. O autor ainda
acrescenta que,
A linguagem não pode ser tomada como objeto exterior ao aprendiz, mas sim
como processo construtivo e emergente de significações e identidade. Aprender
uma língua não é somente aprender outro sistema, nem passar informações a um
interlocutor, mas construir no discurso (a partir de contextos sociais concretos e
experiências previas) ações sociais e culturais apropriadas. (ALMEIDA FILHO,
2001, p. 28).
em que vai além do domínio do código escrito, pois, como prática discursiva, “[...]
possibilitar uma leitura crítica da realidade, constitui-se como um importante
Página
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ALMEIDA FILHO, José Carlos Paes (Org.). Identidade e caminhos de Português para estrangeiros.
Campinas: SP: UNICAMP, 2002.
________________. O ensino de línguas no Brasil de 1978. E agora? Revista Brasileira de Linguística
Aplicada, v. 1, n. 1, p. 15-29, 2001.
AMORIM, João Alberto Alves. Concessão de Refúgio no Brasil – a Proteção Internacional Humanitária
no Brasil. Revista Internacional de Direito e Cidadania, nº 12, p. 63-76, 2012.
BACHELARD, Gaston. A formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do
conhecimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.
BAKHTIN, Mikhail/VOLOCHINOV (1929). Marxismo e filosofia da linguagem. Tradução por Michel
Lahud e Yara Frateschi Vieira. 11.ed. São Paulo: Hucitec, 2004.
______.(1929). Questões de literatura e de estética. A teoria do romance. São Paulo: Hucitec, 2010.
BAKHTIN, Mikhail.(1979) Estética da criação verbal. Tradução: Paulo Bezerra. 4.ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2003.
BERGER, Peter L. A construção social da realidade: trabalho de sociologia do conhecimento.
Tradução de Floriano de Souza Fernandes. Petrópolis: Vozes, 1976.
CANDAU, Vera Maria. Direitos Humanos, educação e interculturalidade: as tensões entre igualdade e
diferença. Revista Brasileira de Educação. Ed. Vozes, v. 13, n 37. Rio de Janeiro, 2008.
CASTORIADIS, Cornelius. A Instituição imaginária da sociedade. Tradução de Guy Reynaud. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1982.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeira: Paz e terra. 1987.
__________. A Educação na cidade. São Paulo: Cortez, 1991.
FISCHER, A. A construção de letramentos na esfera acadêmica. Tese (Doutorado em Linguística).
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2007.
GESSER, Aldrei. Práticas de Educação Bilíngue: por uma (re)definição de conceitos. In: IX Congresso
Internacional e XV Congresso Nacional do INES, 2010, Rio de Janeiro. O lugar do conhecimento:
identidade, sujeito e subjetividade, 2010.
GRABE, Willam. Applied Linguistics: An Emerging Discipline for the Twenty-First Century. In:
KAPLAN, Robert B. (Org.). The Oxford Handbook of Applied Linguistics. Oxford: Oxford
University Press, 2002.
GUMPERZ, John J. Convenções de contextualização. In: Ribeiro, B. T. & Garcez, P.M. S.
Sociolingüística Interacional: antropologia e sociologia em análise do discurso. AGE editora, 1998.
LEFFA, V. J. Aspectos da leitura: uma perspectiva psicolingüística. Porto Alegre: Sagra/Luzzato, 1996.
MACHADO, Irene. Concepção sistêmica do mundo: Vieses do círculo intelectual bakhtiniano e da
925
escola semiótica da cultura. Bakhtiniana, São Paulo, 8 (2): 136-156, Jul./Dez. 2013.
MEDVIÉDEV, Pável Nikoláievich.(1926) O método formal nos estudos literários: introdução a uma
Página
poética sociológica. Trad. Sheila. V. C. Grillo e Ekaterina V. Americo. São Paulo: Contexto, 2012.
926
Página
INTRODUÇÃO
O
acesso midiático à informação e a circulação de notícias falsas21 evidenciam,
mais uma vez, a necessidade do domínio de gêneros discursivos por parte
do aluno leitor. Considerando o papel da escola no desenvolvimento da
criticidade dos discentes, este trabalho pretende relacionar os gêneros notícia,
reportagem e fake news; refletir sobre as questões de responsabilidade/responsividade
dos sujeitos (tanto autor quanto reprodutor), bem como sobre o processo de
transmutação genérica e, por fim, aventar procedimentos didáticos voltados ao
letramento midiático.
19 Doutora em Letras. Professora do Colegiado de Letras da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, campus de
927
21 As expressões variam, conforme a fonte de pesquisa. Este gênero é nomeado como: fake news, desnotícias, falsas
Pensar o sujeito é pensar a linguagem, pois é por meio dela que aquele se
constitui e é constituído (BAKHTIN, 1992 [1979]). Assim também podemos relacionar
a escola com o ensino de língua, sem este não há como a escola cumprir sua missão
primordial de promover a mediação entre o conhecimento de mundo do aluno e o
conhecimento sistematizado e científico. Como mediar sem conhecer esta língua, este
conhecimento prévio? Como mediar sem refletir sobre os processos de escrita e de
leitura desta língua?
Esta língua que se revela por meio de gêneros que circulam na escola e fora
dela, esta língua que revela os sujeitos que dela se valem e que por ela são
perpassados. A partir disso, elege-se como foco, especialmente, a condição
contemporânea que inquieta profissionais da educação e remete ao aluno
leitor/reprodutor de fake news. De acordo com o dicionário inglês Cambridge (201822),
fake news são “histórias falsas que parecem ser notícias e espalham-se na internet ou
usando outros meios de comunicação, geralmente criadas para influenciar opiniões
políticas ou como brincadeira.”. Este gênero, apesar de emergente, não é novo,
remonta à história da mentira e está muito presente nas mídias digitais. Entretanto
não é a sua presença, mas sim o requinte de sua construção midiática e o perigo de
sua intencionalidade fraudulenta23 que suscitam esta pesquisa.
Para tanto, é necessário considerar os “tipos relativamente estáveis de
enunciados” (BAKHTIN, 1992 [1979], p.279) por meio dos quais são materializadas
situações de interação específicas e, ao mesmo tempo, são moldadas regularidade e
estabilidade que, apesar de parecer contraditório, são, ao mesmo tempo, carregadas
de flexibilidade e plasticidade. É neste eterno construir e ser construído que o sujeito,
especialmente o aluno, encontra-se ou perde-se, dependendo do domínio de
língua/enunciado que possui.
Esta dupla possibilidade (encontrar-se ou perder-se) pode ser relacionada ao
constante movimento dos gêneros, conforme apontam Silveira, Rohling e Rodrigues
(2012, p.49):
928
22https://dictionary.cambridge.org/pt/dicionario/ingles/fake-news
23 O termo fake news, neste estudo, refere-se à notícia fraudulenta, produzida com a intenção de enganar
Página
politicamente ou não. Não são objeto deste estudo as notícias incorretas, mal apuradas ou mal escritas (JORGE,
2017).
24 “O site BuzzFeedNews verificou o alcance das publicações que foram compartilhadas por meio da mídia social
Facebook durante a campanha eleitoral norte-americana. Segundo o site, que acompanhou 40 notícias publicadas,
20 foram produzidas por veículos de comunicação tradicionais, entre eles The New York Times, Washington
Post, Huffington Post e NBC, e 20 foram produzidas por blogs providos por partidos e simpatizantes partidários,
sem nenhum critério quanto às fontes informacionais. No final do levantamento foi averiguado que as notícias
produzidas pelos blogs partidários geraram 8,7 milhões de compartilhamentos enquanto as notícias produzidas
por veículos de comunicação tiveram um alcance de 7,3 milhões de compartilhamentos no Facebook.”(SILVA;
LUCE; SILVA FILHO, 2017, p.275-276).
25 De acordo com a Revista Veja, a falsa notícia sobre uma baba milagrosa que cura diabetes, visualizada na
página “Denúncia Online Internacional” do Facebook, publicada em 2013, teve mais de 485.000
compartilhamentos. Esta fake news surgiu após um experimento ter sido divulgado em um programa de
auditório. (BASSETTE; RAPPA; BERGAMASCO, 2018). O perigo envolvendo a saúde pode ser observado na
matéria publicada pela BBC Brasil: Vacinação em queda no Brasil preocupa autoridades por risco de surtos e epidemias de
doenças fatais. “A mesma matéria também foi publicada pelo portal G1 e o jornal Folha de São Paulo. A matéria
mostra, através de dados cedidos Programa Nacional de Imunização, do Ministério da Saúde, que a poliomielite,
929
doença responsável pela paralisia infantil e erradicada no país em 1990, teve a menor taxa de vacinação nos
últimos 12 anos. Com isso podendo ocorrer um novo surto da doença[...]” (SILVA; LUCE; SILVA FILHO, 2017,
p.283).
Página
26 As questões de conteúdo temático, estilo e composição serão esmiuçadas no subtítulo destinado ao estudo
27 Jorge (2017) realiza estudo interessante acerca do fenômeno da mutação (conceito das ciências biológicas)
Página
Toda pesquisa que envolve o estudo dos atos humanos envolve dois planos, a
saber, o dos atos concretos, repetíveis, praticado por sujeitos concretamente
definidos, e o dos atos como atividade, ou seja, daquilo que há em comum, e que
é portanto repetível, entre os vários atos de uma dada atividade.
Um ato deve adquirir um plano unitário singular para ser capaz de refletir-se em
ambas as direções – no seu sentido ou significado e em seu ser; ele deve adquirir
a unidade de dupla responsabilidade – tanto pelo seu conteúdo
(responsabilidade especial) como pelo seu Ser (responsabilidade moral).
(BAKHTIN, 1993, p. 20).
reproduzem, e não as produzem. O que cabe ressaltar, neste caso, é que, embora sem
a responsabilidade da autoria inicial, como evento único, esses processos
comunicativos tornam-se novos eventos, a cada momento únicos, que se difundem à
Página
[...] todos os agentes morais deveriam fazer julgamentos ‘como se’ suas
consequências não se aplicassem a um caso particular envolvendo os próprios
interesses do agente, mas antes ‘como se’ cada julgamento pudesse afetar
qualquer pessoa em qualquer tempo” (HOLQUIST, 1993, p. 5, em prefácio a Para
uma filosofia do ato).
Com essa perspectiva, Kant refuta um caráter relativista para a moral. Por
outro lado, para Bakhtin (1993, p.42), “A universalidade do dever é um defeito
específico também da ética formal”. Nessa perspectiva, a abordagem bakhtiniana
busca o individual da ética, ao pensar na imediaticidade da experiência comunicativa
como evento único, de um sujeito situado, embora reconheça que qualquer descrição
de um ato seja diferente do ato em si, o que dificulta a apreensão fiel ou original do
processo ético. Para tanto, o filósofo russo conceitua o ato como uma ação e não como
um acontecimento, de modo a ressaltar a responsabilidade/responsividade do sujeito
ao agir, inclusive por meio da linguagem, que perpassa um espaço de objetividade
(situação comunicativa) e subjetividade (autoria).
Com base nessas reflexões sobre ato situado e ética, é possível considerar que
933
a reprodução das fake news facilitada pelo ambiente midiático promove, a partir de
uma mesma materialidade textual, um grande número de novos eventos de
interação, em que o ato responsável perpassa uma ética diferente do ato de produção
Página
da enunciação, visto que muitas vezes a divulgação das notícias falsas acontece por
com isso não estamos dizendo que o professor, em sala de aula, não deva
trabalhar com gêneros que circulam em mídia digital; muito pelo contrário, é
importante trabalhar esses gêneros para permitir aos seus alunos mobilidade
social. Porém é importante perceber que essa escolha não é neutra e que a
ascensão desses gêneros não se deu por acaso. [...] Ao percebermos isso, surge
uma outra questão: a prática de sala de aula e as escolhas que aí fazemos nunca é
neutra, ela é ideológica e implica escolhas. Uma dessas escolhas [...] deve passar
pela articulação entre letramentos globais (dominantes) e letramentos locais;
entre o trabalho com os gêneros que o contexto global impõe como mais
relevantes e aqueles que se mostram muito importantes no contexto mais
934
1.Sátira ou paródia: Sem o objetivo de enganar, são piadas que imitam o jeito de
uma forma de notícia. 2.Conteúdo fabricado: Conteúdo 100% falso, feito com o
objetivo de enganar o leitor. 3.Conteúdo manipulado: Quando imagens ou
notícias são alteradas para passar mensagem diferente da original. 4.Conteúdo
impostor: Atribui dados falsos a uma fonte conhecida. Acontece quando são
citados estudos ou pesquisas que não existem. 5.Conteúdo falso: Imagens ou
falas retiradas do contexto em que foram produzidas. 6.Conteúdo enganoso:
Quando dados reais são usados para levar a uma conclusão inadequada.
7.Conexão falsa: Quando fotos, títulos ou legendas não estão de acordo com o
conteúdo do texto (que pode até não conter erros). (SALAS, 2018, s.p., grifos da
autora).
28 A iniciativa First Draft News, da qual fazem parte a Agência Lupa, o Twitter, o Facebook, o Youtube, o
935
Google e mais de 40 plataformas digitais de jornalismo e checagem foi criado em setembro/2016 para servir
de foco para o estudo e o combate das notícias falsas. Entre suas metas, estão a criação de um grupo de produção
de conhecimento relacionado à verificação de notícias e à credibilidade na internet; a criação de um currículo
Página
básico de treinamento para uso em redações e universidades; e o lançamento de três linhas de pesquisa em
torno do consumo de notícias falsas. Maiores informações: https://firstdraftnews.org/
Olhar para o gênero fake news com apoio deste tripé permite-nos verificar em
que medida este gênero mobiliza o discurso noticioso como pano de fundo para
atrair o público e, principalmente, ser difundido por este. Nesta mobilização,
também fere aspectos caros ao discurso jornalístico: a referencialidade e a
neutralidade.
Neste trabalho, por meio de tabela comparativa, visualizaremos os três
gêneros concomitantemente, em termos de tema, estilo e composição, além de outros
aspectos fundamentais.
936
29 De acordo com Franceschini, (2004, p. 153), “Nos dois formatos de texto, o leitor comum espera encontrar
isenção e objetividade, apesar de essa meta ser utópica. Tanto uma como outra podem ser publicadas sem
assinatura – já que utopicamente são ‘fiéis espelhos da realidade’ e não uma visão pessoal do repórter – assim
como também podem estampar os nomes do seu autor, se essa for a decisão dos editores.”
30 É comum a presença de verbos no título de notícias, já, em reportagens, podem se destacar substantivos e
adjetivos.
31 Estes elementos aparecem em maior quantidade e frequência nas reportagens: “chapéu (elemento verbal
sucinto que precede o título e serve para antecipar e territorializar a informação central do texto), subtítulo
(também chamado de linha-fina, é uma frase que contempla o título, acrescentado-lhe informações, e vem logo
abaixo deste, antes do texto em si), olho (títulos auxiliares ou pequenas frases postas no meio do texto cujo
937
objetivo é destacar aspectos relevantes da matéria), foto, legenda (texto que complementa a foto, acrescentado-lhe
informações que permitem ao leitor entender ou avaliar o que está vendo), texto-legenda (legenda seguida de
informações que lhe permitem ter existência independente da notícia), gráfico, box (caixa de texto que traz
Página
informações complementares ao assunto discutido no texto principal) e assinatura (nome do(s) autor(es) do
texto).” (COSTA-HÜBES; FEDUMENTI, 2010, p.5-6).
pequenas) incongruências.
a distância entre autor e leitor se reduz, porque o leitor se torna, ele também,
autor, tendo liberdade para construir, ativa e independentemente, a estrutura e o
sentido do texto. Na verdade, o hipertexto é construído pelo leitor no ato mesmo
da leitura: optando entre várias alternativas propostas, é ele quem define o texto,
sua estrutura e seu sentido. Enquanto no texto impresso, cuja linearidade, por si
só, já impõe uma estrutura e uma seqüência, o autor procura controlar o leitor,
lançando mão de protocolos de leitura que definam os limites da interpretação e
impeçam a superinterpretação, [...] no texto eletrônico, ao contrário, o autor será
tanto mais competente quanto mais alternativas de estruturação e seqüenciação
do texto possibilite, quanto mais opções de interpretação ofereça ao leitor.
(SOARES, 2002, p. 154).
32 https://exame.abril.com.br/tecnologia/10-dicas-para-identificar-noticias-falsas-segundo-o-
facebook/
Tantos nos critérios quantos nas dicas, enfatiza-se o olhar atento, reflexivo e
crítico frente ao texto eletrônico. São chamados à prática de leitura aspectos
estruturais (fonte, diagramação, data); linguístico-estilísticos (domínio linguístico,
digitação, linha argumentativa); multissemióticos (uso de imagens e falas);
intencionais e intertextuais.
À escola cabe informar e instruir o discente, além de torná-lo consciente de seu
papel como leitor e como autor ou reprodutor de fake news. Ao professor cabe
instrumentalizar-se acerca deste “novo” gênero. Como sugestão, construímos a
Tabela 1, para facilitar a diferenciação entre os três gêneros eleitos. Vale ainda o
alerta de Franceschini (2004, p. 144) acerca da necessidade de distinção entre notícia e
reportagem, ao qual incluímos os gêneros midiáticos:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, Amanda. Gêneros textuais: breves considerações acerca da notícia. In: DELL’ISOLA,
Regina Lúcia Péret. Nos domínios dos gêneros textuais. Belo Horizonte, FALE/UFMG, 2009. Vol. 2
BAKHTIN, Mikhail Mikhailovitch. Para uma filosofia do ato. Trad. da ed. Americana Toward a
Philosophy of the Act. Austin: University of Texas Press, por Carlos Alberto Faraco e Cristovão
Tezza, 1993. (tradução destinada exclusivamente para uso
didático e acadêmico)
______. Estética da criação verbal. 1. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992. 421 p. (Publicação original
1979). [1952-53]1979.
BASSETTE, Fernanda; RAPPA, Marina; BERGAMASCO, Daniel. Epidemia de mentiras. Veja, São
Paulo, ed. 2590, ano 51, n. 28, jul.2018.
BONINI, Adair. As relações constitutivas entre o jornal e seus gêneros: relato das
pesquisas do ‘Projeto Gêneros do Jornal’. In: BRAGA, Sandro et al (orgs.). Ciências da linguagem:
analisando o percurso, abrindo caminhos. Blumenau: Nova Letra, 2008.
______. Os gêneros do jornal: o que aponta a literatura da área de comunicação no Brasil? Linguagem
em (Dis)curso, Tubarão, v.4 , n. 1, 2003.
BUENO, Luiza. Os gêneros jornalísticos e os livros didáticos. Campinas: Mercado de Letras, 2011.
CAMBRIDGE English Dictionary. Fake news. Cambridge: Cambridge
University Press. Disponível em: <https://dictionary.cambridge.org/us/dictionary/english/fake-news.>.
Acesso em: 15 set. 2018.
COSTA-HÜBES, Terezinha da Conceição; FEDUMENTI, Tatiana Fasolo Bilhar. Notícia e reportagem:
semelhanças e diferenças entre gêneros da esfera jornalística. Anais do II Seminário Nacional em
Estudos da Linguagem, Cascavel, Unioeste, 2010.
FIGUEIRA, Filipo Pires. (Des)notícia: a (des)construção de um gênero discursivo. Letras em Revista,
Teresina, V. 08, n. 01, jan./jun. 2017.
FRANCESCHINI, Felipe. Notícia e reportagem: sutis diferenças. Comum, Rio de Janeiro, v.9, n.22, jan-
jun.2004
JORGE, Thaïs de Mendonça. Notícia e fake news: uma reflexão sobre dois
aspectos do mesmo fenômeno da mutação, aplicada ao jornalismo contemporâneo. Revista Latino-
americana de Jornalismo. João Pessoa, ano 4, v.4, n.2, JUL./DEZ. 2017
942
ROJO, Roxane. Letramentos múltiplos: escola e inclusão social. São Paulo: Parábola, 2009.
943
Página
RESUMO
Este trabalho tem como tema as fronteiras que existem entre a concepção dialógica e sua
relação com o ensino de Língua Portuguesa (LP) em uma instituição de ensino privado de
Marechal Cândido Rondon/PR. Frente à indagação: como trabalhar com a concepção
dialógica de linguagem, conforme regem os documentos norteadores de ensino nas escolas,
tendo em vista que muitas escolas privadas dividem a aula de LP em Gramática, Literatura e
Redação? Quais são os impasses no trabalho docente a partir dessa organização
fragmentada? O material didático aborda essa concepção de ensino? Nessa perspectiva, o
objetivo geral deste trabalho é desenvolver reflexões sobre a finalidade desse modelo de aula
em detrimento da Concepção dialógica de linguagem e apontar quais problemas estão
imbricados em relação ao ensino e aprendizagem. Para isso, a pesquisa amparou-se nos
estudos referentes à Concepção Dialógica de Linguagem (BAKHTIN, 2003; 2004) e ao ensino
de LP (COSTA-HÜBES, 2017) e Geraldi (2003). Para a realização desta pesquisa, nos
pautamos, sobretudo, na prática docente em sala de aula e pela análise de materiais
didáticos utilizados pelas instituições ora mencionadas. A partir dos dados analisados e,
embasando-se nas reflexões teóricas que nortearam este trabalho, é possível afirmar que há
um distanciamento significativo entre a proposição da concepção dialógica e o trabalho com
a LP na escola supracitada.
INTRODUÇÃO
A
o apresentarmos os documentos norteadores da educação brasileira da
escola e as concepções que os regem, colocamo-nos como docentes
preocupadas com a qualidade do ensino em escolas privadas e que
procuram perceber em que medida tais instituições observam e praticam as
944
35A terminologia gramática, redação e literatura foi atribuída pela própria escola a que nos referimos. Por isso,
adotaremos esses termos para se referir às aulas.
fala. Toda inscrição prolonga aquelas que a precederam, trava uma polêmica com
elas, conta com as reações ativas da compreensão, antecipa-as (BAKHTIN, 2004,
p. 100).
Página
Muitas escolas privadas, hoje, têm como finalidade não somente o ensino
aprendizagem do estudante nas mais diversas áreas do conhecimento; muito além
disso, almejam que seus alunos obtenham um bom desempenho no ENEM (Exame
Nacional do Ensino Médio) e em demais vestibulares de universidades públicas.
Além do bom resultado, uma pontuação a mais para elevar a escola no ranking entre
as melhores instituições da cidade.
Para isso, o que podemos notar é que o ensino de Língua Portuguesa,
modifica-se de acordo com os objetivos pretendidos. Muitas escolas privadas
acreditam que fragmentar a aula de LP pode ser uma medida efetiva para que o
aluno possa não compreender o conteúdo, e sim decorá-lo, para uma avaliação no
final do ano e, consequentemente, mostrar que a instituição que o formou possui as
melhores notas dos alunos nos processos seletivos.
Nessa perspectiva, para este trabalho, discutiremos as aulas do ensino médio
uma escola específica na cidade de Marechal Cândido Rondon – PR. No entanto,
sabemos que há outras escolas que também se utilizam dessa mesma organização de
ensino de LP.
Não há como negar que a escola se modifica, adapta-se, reinventa-se a todo
momento. O século XXI, com o advento da globalização, trouxe o afrouxamento das
fronteiras entre países, culturas e línguas. A sociedade, em constante transformação,
aponta para jovens que muitas vezes não se sentem pertencentes a nenhum grupo
social e que necessitam cada vez mais de mecanismos diferentes para que os
instruam.
A sociedade muda e a escola, consequentemente, muda também. Nesse
sentido, é preciso refletir “de que modo as transformações sociais se refletem no
ensino de Língua Portuguesa” (RIOLFI, 2008, p.07). A escola, hoje, adequa-se de
acordo com as necessidades do aluno. A escola em questão, por exemplo, possui
mais aulas no turno matutino ao invés de aulas no período integral. Tal medida tem
como objetivo auxiliar os alunos que necessitam de transporte e que não conseguem
948
observar é que os alunos não conseguem compreender como tais textos constituem
os diferentes enunciados na sociedade; dessa forma, não entendo o porquê de
aprender a fazer uma carta do leitor ou um artigo de opinião.
Página
CONSIDERAÇÕES FINAIS
952
Página
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
P
or meio de um viés bakhtiniano, buscou-se pensar a constituição do sujeito-
professor diante do ensino/aprendizagem do texto literário e investigar no
corpus formado por diários de campo de futuros docentes como esse sujeito é
moldado por meio de um horizonte valorativo. Diante disso almejou-se focalizar na
forma enunciativa (entonação, seleção e disposição) como demarcação desse sujeito
em sala de aula, diante das relações arquitetônicas estabelecidas nesta dada unidade
do acontecimento, principalmente, no que condiz aos diálogos estabelecidos entre o
professor e as problemáticas envoltas no ensino de literatura.
Pretende-se analisar os enunciados concretos presentes no corpus em questão,
a fim de possibilitar uma reflexão acerca da constituição desses futuros professores
de língua portuguesa diante do trabalho com o texto literário em sala de aula, uma
vez que “Todas as enunciações se construirão precisamente com base em sua visão;
suas possíveis opiniões e valorações determinarão a ressonância interna ou externa
da voz - a entonação e a escolha das palavras e sua composição numa enunciação
concreta.” (VOLOCHINOV, 2013, p. 166).
Para além disso, pretendeu-se, ainda, refletir sobre como o ensino do texto
literário em sala de aula dentro do conceito de arquitetônica e do mundo como evento
pode permitir que o aluno se sinta parte da situação comunicativa e da unidade real
do acontecimento, e, portanto, encontre-se enquanto sujeito-ativo e reflexivo no
momento do aprendizado. Importante destacar a relevância do trabalho com o texto
literário em sala de aula a partir da perspectiva bakhtiniana de interação, diálogo e
Pesquisa GEDISC (Grupo de Estudos Discursivos sobre o Círculo de Bakhtin), Bolsista PIBLIC-UFLA. E-mail:
gislaine.teixeira77@gmail.com
37 Graduanda em Letras Inglês/Português – Universidade Federal de Lavras (UFLA) – membro do grupo de
Página
Pesquisa GEDISC (Grupo de Estudos Discursivos sobre o Círculo de Bakhtin), Bolsista PIVIC-CNPq. E-mail:
natrodrigues2005@hotmail.com
O falante termina seu enunciado para passar a palavra ao outro ou dar lugar a
sua compreensão ativamente responsiva. O enunciado não é uma unidade
convencional, mas uma unidade real, precisamente delimitada da alternância dos
sujeitos do discurso, a qual termina com a transmissão da palavra ao outro [...].
(BAKHTIN, 2011, p. 275)
38“[...] pode ser preenchido por um sujeito ou não, mas trata-se necessariamente de um lugar a partir do qual o
sujeito consiga se ver de fora (distanciado de sua posição inicial). (Oliveira; Castro-Dias, Custódio, 2018)
que ultrapassa barreiras programáticas dos muros da escola e que permite ao aluno o
Sempre entendi a literatura como um jogo: jogo das palavras do dia-a-dia num
mundo irreal, mas jogo real e concreto que se torna reflexo dos fatos (e palavras)
do real dia-a-dia. E, por isso mesmo, ‘a literatura tem que bagunçar e partir prum
mundo novo’, o que em outras palavras significa denunciar a realidade. Não
apenas retratá-la, porque denúncia é mais do que retrato. O retrato é estático; a
denúncia é movimento, é ação que se desenrola na tela/teia de significados
escondidos, mas percebidos por estes ‘sacerdotes do insólito’ que são os
escritores (e por extensão o são os homens). (Geraldi, 2017, p. 9)
Bakhtin (2011) salienta que os gêneros discursivos não são uma forma da
língua, mas sim, uma forma típica do enunciado. Nesse sentido, junto de si (de forma
inerente) os gêneros do discurso possuem certa expressão típica a eles, por exemplo:
situações típicas, temas típicos com determinados significados típicos dentro das
situações comunicativas da realidade concreta. É, diante dessa perspectiva, que
abordaremos, por exemplo: os gêneros literários, especificamente, o gênero literário
conto dentro do acontecimento sala de aula.
Diante da compreensão de Literatura e dos estudos literários apresentada por
Bakhtin (2011) e o Círculo, temos que o texto literário instaura-se em uma inter-
relação (intersubjetiva) entre autor e leitor, sempre articulados à totalidade do um
contexto social. Neste contexto, a literatura, assim como a língua que utiliza, está
957
diretamente ligada a atividade humana e aos seus usos, visto que cumprem o papel
social de transmitir os aspectos culturais de uma sociedade. É, nesse sentido, que a
obra literária manifesta-se, antes de mais nada, na unidade diferenciadora da cultura,
Página
entretanto, Bakhtin (2011) ressalta, ainda, que por mais distante que a cultura de uma
O objeto está marcado e penetrado por idéias gerais, por pontos de vista, por
apreciações de outros e por entonações. Orientado para o seu objeto, o discurso
penetra nesse meio dialogicamente perturbado e tenso de discurso de outrem, de
julgamentos e de entonações (BAKHTIN, 1993, p. 86).
Nesse sentido, pensar o trabalho com gêneros literários em sala de aula além
de ser um trabalho com a linguagem, possibilita a construção de um momento de
trocas de experiências culturais, coletivas, históricas e, uma reflexão sobre a palavra
enquanto signo ideológico por excelência. Essa perspectiva permite a ressignificação do
papel da escola diante do texto literário, visto que permite reflexões em torno de que
as capacidades de leitura e escrita do discente não estão dissociadas dos processos
sociais, ideológicos e históricos. Uma vez que, é por meio da existência desses
processos que se dá a própria palavra, “[...] a palavra está sempre carregada de um
conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial” (BAKHTIN, 2010, p. 95).
Portanto, a escolha do professor pelo trabalho com o texto literário em sala de
aula é a própria construção e (re)construção do seu lugar de fala, é um posicionar-se
diante do ensino e de todos os lugares-outros envoltos nessa relação. Nessa acepção, o
trabalho com gêneros do discurso, essencialmente, com gêneros literários, e a
concepção dinâmica/dialógica que estão envoltas nessa abordagem, é a constituição
do ensino, da escola, da sala de aula, como ato responsável diante dos alunos e do
existir-evento único no mundo. Na introdução exposta no livro Para Uma Filosofia do
958
De acordo com Bakhtin (2010), toda e qualquer interação, seja com um objeto,
seja com uma pessoa, seja com uma situação, não acontece simplesmente de forma
indiferente, mas como algo efetivamente pensado, experimentado e vivenciado.
Página
Assim, é possível verificar que a escolha das palavras realizada pelos falantes
está diretamente relacionada ao projeto do dizer, bem como à situação comunicativa
e ao gênero discursivo do qual o enunciado concreto faz parte, isto é, a seleção de
palavras não é um ato meramente fortuito e inocente, mas carrega em si toda a
expressividade do enunciado que pretende-se produzir, atendendo ao projeto de
sentido pretendido dentro da cadeia de enunciados.
sentidos seja pela proximidade entre determinados termos, seja pela semelhança
existente entre eles, seja pela contraposição de um pelo outro e assim por diante. E
essa disposição atende à função dialógica do enunciado ao mesmo tempo em que
Página
3. O CORPUS EM QUESTÃO
Como plano inicial, uma análise de base seletiva foi realizada a fim de reunir
no corpus as características que melhor dialogassem com as pretensões do presente
estudo. Assim, para exemplificar as conceituações trabalhadas, foram selecionados os
seguintes enunciados concretos:
Futuro-professor A: “Cabe destacar, que todas as atividades buscam um
entendimento mais que eficiente dos alunos, essas aulas visam despertar o interesse do aluno
para as produções literárias, além da inevitável preparação crítica, expositiva, e quem sabe, a
desconstrução de pensamentos equívocos, por exemplo, tomar a literatura como algo distante e
967
39 Ressalta-se que na citação: “Sua essência, sua construção semântica e estilística são dialógicas”
(VOLOCHINOV,2013, p. 163) o sua faz referência ao termo enunciação.
pessoal com os alunos, um momento marcado pela aproximação. [...]” e do Futuro professor
Na palavra, eu dou forma a mim mesmo do ponto de vista do outro e, por fim,
da perspectiva da minha coletividade. A palavra é uma ponte que liga o eu ao
outro. Ela apoia uma das extremidades em mim e a outra no interlocutor. A
palavra é território comum entre o falante e o interlocutor. (VOLOCHINOV,
2017, p. 205)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de todo o que foi discutido até o momento, destaca-se que os objetivos
almejados no presente trabalho, quais sejam, pensar na constituição do sujeito-
professor diante do ensino-aprendizagem do texto literário a partir da análise do
972
corpus formado por diários de campo; dar enfoque na forma enunciativa (entonação,
seleção e disposição) como demarcação desse sujeito-professor diante do ensino de
literatura em sala de aula; refletir em como o ensino literário a partir do conceito
Página
alunos foram provocados a se deslocarem do lugar antes ocupado, local esse que
corresponde à falta de envolvimento com as aulas em decorrência do ensino
tradicional de literatura, e a se dirigirem a um lugar de reflexão e questionamento da
Página
própria realidade, o que fez com que se sentissem inseridos no contexto das
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, L. F. S. de; DOLINA, J. V.; PETEAN, E.; MUSQUIM, C. dos A.; BELLATO, R.; LUCIETTO,
G. C.. Diário de pesquisa e suas potencialidades na pesquisa qualitativa em saúde. Revista Brasileira
Pesquisa Saúde, Vitória, Espírito Santo, p. 53-61, jul./set. 2013.
BAKHTIN, M. M. Questões de literatura e de estética ( a teoria e o romance). 3 ed. São Paulo: Ed.
UNESP, 1993.
BAKHTIN, M. M. Para uma filosofia do ato responsável. 2ª ed. São Carlos: Pedro e João Editores,
2010, 155 p.
BAKHTIN, M. M. Estética da Criação Verbal. 6ª ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011,
476 p.
BAKHTIN, M. M. Questões de estilística no ensino da língua. 1ª ed. São Paulo: Editora 34, 2013, 120
p.
BAKHTIN, M. M. Os gêneros do discurso. São Paulo: Editora 34, 2016.
GERALDI, J. W. Textos sobre textos: registros de leitura. São Carlos: Pedro & João Editores, 2017, 198
p.
SOBRAL, A. U. Ético e estético – Na vida, na arte e na pesquisa em Ciências Humanas. In: BRAIT, B.
Bakhtin: conceitos-chave. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2007. p. 103-121.
SOBRAL, A. U. Comunicação: Um sujeito em permanente tornar-se, ou a ontologia dialógica de
974
Bakhtin. IV Jornada do Grupo de Pesquisa CNPq Linguagem, Identidade e Memória. Uberaba: UFU,
2009.
Página
975
Página
RESUMO
INTRODUÇÃO
D
esde as publicações e a propagação das ideias do Círculo de Bakhtin, os
estudos linguísticos passaram a extrapolar a generalização sistemática da
língua e observá-la muito mais pela singularidade. Como evento marcado
pela individualidade, a linguagem começa a ser concebida como uma atividade e o
enunciado como um ato único, concretamente situado, o qual é tanto um ponto de
partida como de chegada de uma atitude ativamente responsiva.
976
Página
40Doutora em Estudos da Linguagem. Profa. Adjunta do Curso de Letras Português da Universidade Estadual do
Paraná. E-mail: neluanaferagini@gmail.com
41Como o objetivo da pesquisa é investigar o entendimento dos professores quanto à perspectiva de gêneros, em
Página
nossa coleta de dados, optamos por não adotar uma nomenclatura teórica específica, por isso gêneros
discursivos/textuais.
A última opção coloca Bakhtin como coautor dos textos supracitados, como o
978
próprio Faraco (2009) pontua uma “solução sem compromisso”. Assumimos a última
opção, não por ser uma alternativa menos descompromissada, mas por entendermos
Página
mesmo tempo, essas escolhas agregam uma relação valorativa do sujeito com o
[...] não é apenas uma simples decorrência das práticas de linguagem, mas, antes,
um fator imprescindível para que elas aconteçam. Não se trata apenas de poder
oferecer uma resposta ao que foi dito pelo locutor, mas de compreender que a
formulação de enunciado endereçado ao outro constitui, por si, uma possível
resposta a outros enunciados que circulam na sociedade (MENEGASSI, 2009, p. 152).
(...) pode ser visto como uma prática de significação. O currículo também pode
ser visto como um texto, uma trama de significados, pode ser analisado como um
discurso, pode ser visto como uma prática discursiva. E como prática de
significação, o currículo, tal como a cultura é, sobretudo, uma prática produtiva.
(SILVA, 1997, p. 13)
A linguagem, por realizar-se na interação verbal dos interlocutores, não pode ser
compreendida sem que se considere o seu vínculo com a situação concreta de
produção. É no interior do funcionamento da linguagem que é possível
compreender o modo desse funcionamento. Produzindo linguagem, aprende-se
linguagem. (BRASIL, 1998, p. 22)
O conceito mais objetivo do que são gêneros pode ser sintetizado pelo trecho:
Para Bakhtin (1992), os tipos relativamente estáveis de enunciados são denominados gêneros
discursivos. (PARANÁ, 2008, p. 52); o qual reflete, possivelmente, a frase mais citada
do pesquisador russo no que tange à temática. Na sequência, a definição é
complementada pela seguinte informação, a qual aparecece destacada com fundo
diferenciado das partes que a precedem e sucedem:
DCE preconizam que o ensino de LP sob tal perspectiva solicita que se considerem
“os aspectos sociais e históricos em que o sujeito está inserido, bem como o contexto
Página
43O questionário foi elaborado pelos integrantes do projeto de pesquisa “Gêneros discursivos em sala de aula:
propostas de estudo e de didatização”, desenvolvido na Universidade Estadual do Paraná, campus de
Página
Apucarana, sob a coordenação da Prof. Neluana L. O. Ferragini. Trata-se de um questionário amplo, que foi
analisado parcialmente por orientandos de Iniciação Científica e divulgados em outros diálogos.
Tanto P10 quanto P44 não apresentam uma abordagem conceitual do que
compreendem ser gênero do discurso/textual. Enquanto P44 cita alguns gêneros
(crônica, notícia, poema); P10 aponta sequências textais/tipológicas: “Narrar, relatar,
expor” e a distinção prosa-verso. Não obstante as pontuações de P10 de certo modo
compreendam marcas possíveis de diversificados gêneros, são exemplos que
refletem uma ou pouco mais marca(s) constituintes dos diversificados gêneros
existentes.
Quanto aos enunciados em que pudemos observar ideias um pouco mais
989
4. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
REFERÊNCIAS
FARACO, Carlos Alberto. Linguagem & Diálogo: as idéias linguísticas do Círculo de Bakhtin. São
Paulo: Parábola Editorial, 2009.
Página
RESUMO
De natureza documental, esta pesquisa parte da análise da versão final da Base Nacional
Comum Curricular (BRASIL, 2017), focando mais especificamente a área de Linguagens,
eixo Leitura, com respaldo na teoria bakhtiniana. Para tanto, o objetivo do artigo é analisar a
concepção de linguagem assumida pelo documento e verificar se, efetivamente, a concepção
assumida é a que está presente nas competências dispostas no documento. Realizamos uma
breve investigação do documento a fim de compreendermos a perspectiva teórica assumida,
para, na sequência, analisarmos se essa perspectiva está presente nas entrelinhas do
documento. Verificamos que, mesmo assumindo a perspectiva interacionista de linguagem,
da forma como está estruturada, principalmente no que diz respeito à área de Linguagens, a
BNCC não contempla as características dessa concepção, deixando visível a
incompatibilidade teórica existente.
INTRODUÇÃO
O
presente artigo surge em um momento ímpar na educação brasileira. Nunca
estivemos tão inseguros com os rumos que a Educação vem tomando, seja
no que diz respeito às reformas educacionais, seja no corte e na contenção de
gastos, ou, ainda, na implementação de um currículo comum, a Base Nacional
Comum Curricular (BNCC, de ora em diante). Dessa forma, como professoras de
Língua Portuguesa, buscamos refletir em que essas mudanças irão interferir, em que
medida isso ocorrerá e se será positivo, nas práticas em sala de aula, especialmente
no que diz respeito ao trabalho com a leitura.
Trata-se, portanto, de uma reflexão, realizada por meio de uma pesquisa
documental, sobre a versão final do texto “Base Nacional Comum Curricular –
Educação é a Base”, publicado no dia 22 de dezembro de 2017, pela Resolução
993
Página
45Utiliza-se a expressão Círculo de Bakhtin porque, além do pensados Mikhail Bakhtin, as formulações e as obras
são fruto da reflexão de um grupo de intelectuais.
sentidos, fixados pelo autor do texto ou por um leitor autorizado” (PERFEITO, 2005,
[...] o centro organizador de todos os fatos da língua, o que faz dela o objeto de
uma ciência bem definida, situa-se, ao contrário, no sistema linguístico, a saber o
sistema das formas fonéticas, gramaticais e lexicais da língua. Enquanto que, para a
primeira orientação, a língua constitui um fluxo ininterrupto de atos de fala,
onde nada permanece estável, nada conserva sua identidade, para a segunda
orientação a língua é um arco-íris imóvel que domina este fluxo. Cada
enunciação, cada ato de criação individual é único e não reiterável, mas em cada
enunciação encontram-se elementos idênticos aos de outras enunciações no seio
de um determinado grupo de locutores. São justamente estes traços idênticos que
são assim normativos para todas as enunciações – traços fonéticos, gramaticais e
996
lexicais –, que garantem a unicidade de uma dada língua e sua compreensão por
todos os locutores de uma mesma comunidade. (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV,
Página
A linguagem, então, não ocorre por meio de uma ação isolada, mas sim por
meio da interação entre os sujeitos. Compreendendo essa questão, é possível afirmar
que a linguagem é a responsável por realizar a interação entre os indivíduos, os quais
estão inseridos em um determinado contexto, organizando os seus discursos a partir
das suas intenções e desse contexto sócio-histórico (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV,
2006).
Então, para essa concepção, a linguagem só existirá quando houver interação
com o outro, sem essa interação, portanto, não haverá linguagem. Ainda, é necessário
que existam certas condições e formas de comunicação verbal para que esse processo
de interação ocorra. O uso da linguagem, portanto, é determinado “pelas condições
reais da enunciação em questão, isto é, antes de tudo pela situação social mais
imediata” (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2006, p. 109).
Dessa forma, em uma situação real de interação,
997
[...] não há mais lugar para conceber a linguagem como unilateral (emissor que
fala para receptor), como se apenas um falasse e o outro não demonstrasse
nenhuma reação. Trata-se de entender tal processo numa relação de interlocução,
Página
46Aqui, não nos deteremos a analisar o termo qualidade. Seria qualidade para quem? Para o governo? Para os
Página
municípios? Qualidade sob qual perspectiva? Qualidade no sentido humano ou no sentido avaliativo? Qualidade
nos avaliações externas?
momento da enunciação.
A quinta competência, ao afirmar “desenvolver o senso estético para reconhecer,
fruir e respeitar as diversas manifestações artísticas e culturais”, e a sexta, “compreender e
Página
Nesse contexto, o que nos preocupa é a efetividade dessas ações, ou seja, como
elas ocorrerão na prática, nas salas de aulas de um país caracterizado pela sua
diversidade cultural e social. Sem contar que “impõe habilidades gerais a serem
Página
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
educação básica: um olhar para a leitura, a escrita e os gêneros discursivos na sala de aula. Campinas,
SP.: Pontes Editores, 2015. p. 229-252.
Página
1004
Página
RESUMO
Este estudo focaliza a análise de como as práticas de letramento efetivam-se a partir das
experiências vivenciadas pelos discentes das fases finais de um Curso de Licenciatura em
Letras de uma universidade pública da Região Sudoeste do Paraná. Nesse viés, a pergunta
que norteia esta pesquisa questiona em que medida esses sujeitos apresentam participação
periférica legítima como aprendizes, por meio de práticas de letramento acadêmico-
científicos, para a inserção proficiente em uma comunidade de educadores. O objetivo do
trabalho é analisar pressupostos teóricos referentes ao desenvolvimento de capacidades de
leitura e de escrita vinculadas à formação inicial do professor de língua materna, para
responder à pergunta proposta. Justifica-se, portanto, a investigação, uma vez que a
constituição de sujeitos letrados na esfera acadêmica é sinônimo de interação dialógica e de
uso da língua como ação social. A pesquisa caracteriza-se como teórico-prática, com
abordagem quantitativa e qualitativa das informações, com fins explicativos. Entende-se que
este trabalho contribui para as reflexões acerca de como os professores em formação
inserem-se no ambiente de práticas sociais situadas a partir dos letramentos, em específico o
acadêmico-científico. Desse modo, ressaltam-se particularidades do ambiente formativo em
que os discentes de licenciaturas são atores sociais, ao vivenciarem suas atividades letradas e
os processos autorais que advém desses discursos. Logo, os benefícios de se discernir sobre a
questão são de âmbito pedagógico, linguístico, histórico, social e cultural, uma vez que a
pesquisa abarca a triangulação de dados de diferentes teorias das ciências humanas, com
caráter etnográfico e de estudo de caso.
47 Acadêmica do Curso de Letras Português e Espanhol – Licenciatura. 10º Fase. Universidade Federal da
Fronteira Sul - UFFS, Campus Realeza. E-mail: ramunielly_b@hotmail.com
Página
e Artes da Universidade Federal da Fronteira Sul - UFFS, Campus Realeza. E-mail: marcia.kraemer@uffs.edu.br
E
sta pesquisa, de caráter teórico-prático, realiza-se na Universidade Federal da
Fronteira Sul - UFFS, Campus Realeza, no Paraná, com proposta de
investigação e análise dos processos de letramentos49 a que estão sujeitos os
acadêmicos do Curso de Licenciatura em Letras Português e Espanhol, mediados
pelos docentes que atuam especificamente nessa área da linguagem, no período 2018,
com subsídios teóricos de autores que se filiam à Análise Crítica do Discurso50, à
Análise Dialógica do Discurso51, aos Novos Estudos de Letramento52 e à Teoria da
Atividade53 sob a óptica da Linguística Aplicada54.
Diante disso, o problema de pesquisa propõe a seguinte questão: em que
medida os acadêmicos das fases finais do Curso de Letras da UFFS apresentam
participação periférica legítima55 como aprendizes, por meio dos letramentos, em
49 O termo letramentos surge nas reflexões dos Novos Estudos do Letramento (NEL), para abarcar o conjunto de
múltiplas práticas sociais que envolvem a produção de leitura e de escrita, em contraposição ao termo letramento,
no singular, que pode ser considerado restrito, pois ignora as inúmeras possibilidades de variação em diferentes
domínios, linguagens, situações, tempo e contextos. É próximo ao conceito de multiletramentos, de autores filiados
ao The New London Group (1996), em que se considera a leitura e escrita como construídas tanto por recursos
verbais como semióticos (visuais, auditivos e espaciais) (STREET, 2014; KLEIMAN, 2008; SOARES, 2003).
50 A Análise Crítica do Discurso (ACD), criada por Normam Fairclough, entende a língua como uma prática social e
ideológica. Apresenta, como método analítico para a compreensão do papel social do discurso, a reflexão acerca
da produção, da distribuição e do consumo de textos-enunciados orais ou escritos, situados nas ações culturais de
uma determinada sociedade, cronotopicamente (FAIRCLOUGH, 2012).
51 Denominação cunhada por Brait para o conjunto das obras do Círculo de Bakhtin, o qual motiva o surgimento
“[...] de uma análise/teoria dialógica do discurso, perspectiva cujas influências e consequências são visíveis nos
estudos linguísticos e literários e, também, nas Ciências Humanas de maneira geral.” (BRAIT, 2006, p. 09-10).
52 Os Novos Estudos do Letramento (NEL), em inglês The New Literacy Studies (NLS), “[...] represents a new
tradition in considering the nature of literacy, focusing not so much on acquisition of skills, as in dominant
approaches, but rather on what it means to think of literacy as a social practice [...] This entails the recognition
of multiple literacies, varying according to time and space, but also contested in relations of power. NLS, then,
takes nothing for granted with respect to literacy and the social practices with which it becomes associated,
problematizing what counts as literacy at any time and place and asking ‘whose literacies’ are dominant and
whose are marginalized or resistant.” (STREET, 2003a).
53 A Teoria da Atividade (TA) - respaldada em teóricos da Psicologia na Educação da Escola Russa, como Davidov
(1988), Luria (1977), Leontiev (1977), Rubinstein (1977), Vigotski (1977), entre outros, corresponde a uma filosofia
do âmbito psicolinguístico e pedagógico que analisa as práticas sociais, por meio da interação entre o indivíduo e
o seu ambiente, mediadas por ferramentas que influenciam tanto a natureza do comportamento externo quanto o
funcionamento mental interno dos sujeitos, ampliando ou limitando suas capacidades de resolver situações nos
diferentes âmbitos do conhecimento. Nessa perspectiva, constrói-se o conceito, contemporaneamente, sobre
comunidades de prática, também tratado neste artigo (LAVE; WENGER, 1991).
54 Linguística Aplicada (LA) contemporânea é um campo transdisciplinar de estudo da linguagem em uso que
dialoga com diferentes áreas do saber, tornando-se fundamental para os pesquisadores interessados em
compreender fenômenos linguísticos na atualidade: [...] a centralidade da linguagem no processo educacional é
tal que a compreensão da sua natureza é essencial na formação de qualquer professor. Assim, as questões com as
1006
quais o linguista aplicado vem se defrontando é de interesse para a formação de qualquer professor. (MOITA
LOPES, 1994, p. 355).
55 Participação periférica legítima refere-se a atividades situadas com características de um processo de
aprendizagem que descreve de forma analítica o engajamento e a participação dos aprendizes nas práticas de
Página
trabalho e nas comunidades de prática. Logo, adere-se à aprendizagem para se tornar participante pleno e ativo
na comunidade de prática a que pertence ou pretende se inserir (LAVE; WENGER, 1991).
A partir deste momento, utilizar-se-ão as seguintes abreviaturas: LA para Linguística Aplicada e ADD para
56
Na concepção estruturalista, por sua vez, que tem seu auge na década de 1970,
o ensino passa a ser voltado ao meio de trabalho. A língua, sob esse prisma, enfatiza
os elementos comunicativos, revelando-se um código, que serve como ferramenta
para a linguagem, desvinculada, geralmente, do contexto histórico-social
(PERFEITO, 2005).
A função da linguagem, nessa concepção, conforme os estudiosos, predispõe-
se a técnicas de instruções programadas para o uso da língua, com abordagens,
usualmente, superficiais e descontextualizadas. O texto permanece como uma
unidade fechada, em que apenas se extraem significados na leitura, mantendo-se
como um processo de decodificação de um modelo de língua padrão, uma passagem
linear de informações (MENEGASSI, 2005).
Cotejando os dois paradigmas apresentados, percebe-se que a concepção
normativa, estabelece critérios de certo e de errado, tanto na oralidade quanto na
escrita. Existe uma forma ideal a se seguir, ao reprimir outras formas de
materialização da língua. Já a concepção estruturalista recebe críticas por reduzir a
língua a um sistema abstrato de formas - objetivismo abstrato - ou à enunciação
monológica e descontextualizada - subjetivismo idealista (BAKHTIN, 1995).
Bakhtin, no entanto, em seus estudos, revela que a linguagem é compreendida
como um fenômeno social e surge pela necessidade de interação entre sujeitos. Essa
concepção interacionista pressupõe a língua como um processo ininterrupto e
dinâmico:
57 Etimologicamente, a palavra aluno advém do Latim alumnus, alumni, originado em alere, que significa
alimentar, sustentar, nutrir, fazer crescer. Na acepção literal, denota criança de peito, que se alimenta de leite, lactante.
Em uma segunda acepção, tem a conotação de filho adotivo. Também: “1 aquele que foi criado e educado por
1009
alguém; aquele que teve ou tem por mestre ou preceptor; educando 2 indivíduo que recebe instrução ou educação
em estabelecimento de ensino ou não; discípulo, estudante, escolar 3 pessoa de parco saber em determinada
matéria, ciência ou arte e que precisa de orientação e ensino; aprendiz [...]” (HOUAISS, 2018). Na concepção
normativa de linguagem, parece ser a última acepção a mais corrente, uma vez que se parte do pressuposto de
Página
que a construção do conhecimento do estudante, pessoa de parco saber, só começa no ambiente escolar/acadêmico,
em que o professor é o responsável pela sua alimentação intelectiva, sua nutrição mental.
[...] a língua nunca pode ser estudada ou como um produto acabado, pronto,
fechado em si mesmo, de um lado porque apreensão demanda aprender no seu
interior as marcas de sua exterioridade constitutiva e o uso externo se internaliza,
1010
Cada vez que se senta para escrever para nós, o aluno tem que inventar a
universidade para aquela circunstância – inventar a universidade, ou seja, uma
ramificação dela, como História, Economia, Antropologia ou Inglês. Ele tem que
aprender a falar nossa linguagem, falar como falamos, experimentar formas
específicas de saber, selecionar, avaliar, relatar, concluir e argumentar que
definem o discurso de nossa comunidade. (BARTHOLOMAE, 1985, p. 273).
58Street, ao invés de utilizar somente o termo letramento no singular, utiliza letramentos, eventos de letramento e
práticas de letramento, terminologias-chave dos novos estudos do letramento (NEL). O evento de letramento “[...]
ajuda a focalizar uma situação particular onde as coisas estão acontecendo [...]”, como, por exemplo, a leitura de
um livro por uma criança ou a sugestão de um professor para a leitura de uma obra, explorando a curiosidade do
aluno (STREET, 2012, p. 75). Quanto às práticas de letramento, elas se evidenciam de forma mais global e
abrangente. Portanto, as práticas de letramento são mais amplas e englobam os eventos de letramento. Street
evidencia que: “[...] o conceito de práticas de letramento é realmente uma tentativa de lidar com os eventos e com
1012
os padrões de atividades de letramento, mas para ligá-los a alguma coisa mais ampla da natureza cultural e
social.” (STREET, 2012, p. 76).
59Para Street, letramento autônomo pressupõe a prática restrita aos círculos escolar-acadêmicos, “[...] centrada no
sujeito e nas capacidades de usar apenas o texto escrito.” (STREET, 2014, p. 09). Revela-se reducionista, uma vez
Página
que, geralmente, percebe a escrita como um produto completo em si mesmo e descontextualizado. O autor
diferencia essa prática do modelo de letramento ideológico que preconiza a interação social entre os sujeitos do
essa concepção cultural mais ampla de modos particulares de pensar sobre a leitura e
discurso e sua participação ativa, eivada por mundividências e cosmovisões próprias da diversidade cultural e
Página
61 Os discentes partícipes da pesquisa são nominados pela letra A, seguida de um numeral ordinal: A1, A2 [...]
62 Os discentes partícipes da pesquisa são nominados pela letra D, seguida de um numeral ordinal: D1, D2 [...]
pedagógicos e linguísticos, em contraposição aos 68,2% que têm contato com esses
processos específicos somente no ensino superior. A comprovação desse
Página
Alguns alunos cursam diferentes fases, em período concomitante. Nestes casos, considera-se, para fins de
63
Os dados gerados mostram, além disso, que apenas 21,07% dos acadêmicos
participam atualmente de projetos de pesquisa e somente 13 % dos de extensão.
Página
CONSIDERAÇÕES FINAIS
professor de língua materna, com foco nas fases finais do Curso de Letras da
REFERÊNCIAS
RESUMO
Este trabalho buscou, com embasamento teórico nos estudos do Círculo de Bakhtin
(BAKHTIN, 2010, 2011, 2017; VOLOCHÍNOV, 2013), tecer reflexões sobre o ato responsivo e
responsável no ensino de literatura em escolas públicas do país. Para tanto, efetuou-se a
análise dos documentos oficiais de parametrização do ensino brasileiro nas sessões que
tratam sobre a literatura, principalmente os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e a
Base Nacional Comum Curricular (BNCC), em contraponto com a realidade apresentada
pelos livros didáticos que constam na listagem oficial do Programa Nacional do Livro
Didático (PNLD). Desta forma, obteve-se como resultado a percepção de que a tentativa de
construção de uma “história da literatura”, isto é, a abordagem extremamente historicista e
fragmentada encontrada nos livros didáticos de Língua Portuguesa, não se aproxima do
conceito de ensino de literatura considerado capaz de expandir o horizonte valorativo dos
alunos, a capacidade de análise crítica do contexto social, histórico, político, econômico em
que estão inseridos, bem como a competência linguística literária e suas particularidades,
habilidades que são, inclusive, previstas como metas pelos documentos oficiais. De igual
forma, a abordagem adotada pelos livros didáticos não se aproxima do conceito de história,
fazendo com que fique evidente a deficiência que existe nessas áreas do ensino público
brasileiro.
INTRODUÇÃO
N
o atual cenário educacional brasileiro, a maioria dos alunos frequenta
escolas públicas, as quais são geridas estruturalmente e metodologicamente
pelo Estado (aqui compreendido de forma geral, em todas as suas esferas
administrativas). É de comum acordo que educação representa a chave para um
1028
65 Graduanda em Letras, UFLA - Universidade Federal de Lavras. Bolsista do PIBIC/CNPq. Membro do GEDISC.
E-mail: natrodrigues2005@hotmail.com
[...] ninguém tem como escapar de sua responsabilidade existencial: temos o dever
de responder [...]. Bakhtin vai dizer também que viver é responder; é assumir, a
cada momento, uma posição axiológica frente a valores. Viver é participar desse
diálogo inconcluso que constitui a vida humana. (GEGe, 2009, p.76)
Deste modo, aos sujeitos não existe escapatória do ato e da sua resposta, de
forma que a todo sujeito é atribuída responsividade e responsabilidade pela simples
existência, que por si só já produz e suscita enunciados em resposta e em provocação
a outros enunciados, alimentando a cadeia enunciativa. Tendo ciência disso é que
afirmamos com base nos estudos do Círculo de Bakhtin que não existe álibi e que,
conforme os dizeres dos pensadores do Círculo, viver é agir, não há como nos
desvencilharmos dessa condição. E é a partir desta presença obrigatória no
acontecimento (existir-evento) e na relação com o outro (sujeito/lugar/acontecimento),
que nos constituímos como sujeitos responsivos e responsáveis:
ciência, a arte e a vida” como os três campos da cultura humana e afirma que a
Nesse sentido, Bakhtin tece duras críticas ao homem que incorpora a arte e a
vida de forma ingênua; que ao lidar com a arte se distancia da vida e que quando
vive não se relaciona com a arte de maneira responsável. E essa é a grande questão
apresentada pelo filósofo, a de que arte e vida devem se responsabilizar
mutuamente, uma vez que “pelo que vivenciei e compreendi na arte, devo responder
com a minha vida para que todo o vivenciado e compreendido nela não permaneçam
inativos.” (BAKHTIN, 2011, XXXIII-XXXIV). Desta forma, o poeta tem culpa pela falta
de frutos que resulta da arte quando se revela apartada da vida e das questões que
regem a existência em sociedade, da mesma maneira que o homem tem culpa quando
não reflete sobre as questões levantadas pela arte e não as incorpora à própria vida,
ignorando temas que fazem com que o modelo posto de sociedade se perpetue em
detrimento de questões vitais e humanitárias:
responsiva dos sujeitos faz com que o ensino da literatura seja carregado de
literária nos propicia o contato com um outro mais distante, ou seja, com o projeto de
dizer (BAKHTIN, 2016, p. 24) do escritor que, muitas vezes, viveu em época remota,
em modelo de sociedade e de cultura diversos. Ainda assim, a partir da leitura, esse
Página
Por mais que o filósofo tenha se referido aos estudos literários realizados na
Rússia na época de sua palestra, tal crítica serve ao ensino de literatura que é levado
a efeito nas escolas brasileiras da atualidade, conforme se evidenciará pela análise
feita a partir dos livros didáticos. Tais estudos, que desconsideram a cultura em que a
literatura está inserida, reduzem-se à descrição superficial, historicista e fragmentada
das correntes literárias, fazendo com que seja “impossível penetrar nas profundezas
1033
das grandes obras, e a própria literatura começa a parecer algo pequeno e assunto
desprovido de seriedade.” (op. cit., p. 12). Nesse sentido, os estudos literários devem
buscar interpretar a literatura dentro da cultura da época em que foi concebida,
Página
Nota-se que o estudo de uma obra, ainda que possa partir do período histórico
em que ela foi concebida, abordando o contexto cultural da época de sua criação, não
pode se limitar a esse período de tempo, de forma que as obras literárias devem ser
analisadas e estudadas plenamente a partir de suas significações e ressignificações no
grande tempo, bem como a partir da sua contribuição para o processo de formação da
cultura da humanidade como um todo. Ressalta-se que essas percepções,
1034
Assim, o objetivo dos estudos literários deve ser alcançar essa interpretação
criadora, que, sem deixar de lado a nossa cultura e a nossa história, se debruça sobre a
cultura do outro, procurando manter um diálogo responsável e responsivo em busca
de complementação, de enriquecimento mútuo. Nas aulas de literatura, esse diálogo
só é possível a partir de um ensino que se dedique ao estudo das obras literárias
considerando a cultura em que foram concebidas e as significações e ressignificações
que elas foram mantendo e adquirindo ao longo do tempo, se deslocando de seu
próprio contexto cultural de formação e constituindo a cultura da humanidade. Para
tanto, o ensino deve assumir um viés alteritário e dialógico e não se fechar no estudo
fragmentado e historicista dos movimentos literários, posto que, é por meio do
contato com as obras literárias e compreendendo o diálogo que elas mantiveram e
mantêm com as culturas ao longo do tempo que se alcança as contribuições
necessárias para a constituição de leitores críticos, reflexivos e atuantes no meio
social, cultural, histórico, em que estão inseridos.
brasileiro.
O programa, de acordo com portal do Ministério da Educação (MEC), “é
destinado a avaliar e disponibilizar obras didáticas pedagógicas e literárias, entre outros
Página
Tal texto é análogo ao que consta no projeto da BNCC do Ensino Médio que,
conforme mencionado, ainda está em tramitação. Como o próprio texto diz, a BNCC
funciona como uma “referência”, isto é, ela prevê os parâmetros que devem ser
almejados por todas as escolas quando forem elaborar seus currículos e projetos
pedagógicos, os quais devem considerar, ainda, a atuação direta das famílias e da
1036
comunidade.
A BNCC, por sua vez, foi elaborada com influência dos princípios e das
disposições norteadoras dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), documento
Página
Este documento, PCN, que foi produzido após ampla discussão entre os
educadores brasileiros, os especialistas e os demais interessados, tem o objetivo de
nortear as escolas e os profissionais que atuam diretamente na educação não só
momento em que forem produzir os projetos pedagógicos, mas também quando
forem planejar as aulas, selecionar materiais didáticos e recursos tecnológicos e, por
fim, as disposições constantes no documento contribuem para a formação e a
atualização dos profissionais envolvidos nos processos educativos no âmbito das
escolas públicas.
Desta forma e relacionando o que foi discutido até o momento com o objetivo
do presente trabalho, cumpre mencionar que pretende-se analisar como o conteúdo
referente à literatura é trabalhado nos livros didáticos constantes na lista do PNLD e
que estão em uso nas escolas da rede estadual de ensino de Minas Gerais, em cotejo
com a abordagem prevista pelos documentos de parametrização mencionados, a
BNCC e os PCN.
Para análise, nos debruçamos sobre os livros didáticos que constam na lista do
PNLD e que são utilizados atualmente por alunos do Ensino Médio da rede pública
estadual de ensino, especificamente na parte em que tratam da literatura, tema que é
abordado como parte integrante dos conteúdos de Língua Portuguesa e que, por esse
fato, é trabalhado nos livros didáticos destinados a essa disciplina. Além disso, como
o objetivo deste trabalho é realizar um estudo sobre o ato responsivo e responsável
no ensino de literatura nas escolas públicas, comparamos os temas abordados nos
1037
livros didáticos com as previsões sobre o conteúdo que constam na BNCC e sobre a
atuação docente que encontra amparo nos PCN. Cumpre ressaltar que fizemos um
recorte para contemplar apenas as questões relacionadas ao ensino de literatura, uma
Página
vez que esse é o tema que atende aos objetivos almejados no presente estudo.
suporte para a maioria dos professores, principalmente para os que não podem, por
Figura 1. Cabeçalho com a descrição dos temas abordados nos capítulos 1 e 3 do livro didático destinado ao
primeiro ano do Ensino Médio
Figura 2. Linha do tempo com os movimentos literários, principais obras e autores, que é encontrado no livro
didático.
Figura 3. Caracterização do movimento do Romantismo pelo livro didático destinado ao primeiro ano do ensino
médio
do ensino público. No entanto, na prática este ato não se concretiza, pois ao mesmo
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Educação. Portal MEC – Base Nacional Comum Curricular Ensino Médio 2ª
Versão Revisada. Disponível em: <http://historiadabncc.mec.gov.br/documentos/bncc-
2versao.revista.pdf> Acesso em 29/08/2018.
Página
1046
Página
1. PRIMEIRAS PALAVRAS
O
presente texto procura refratar e refletir sobre as fronteiras abertas/possíveis
entre a pedagogia de projetos do filósofo norte-americano John Dewey e a
teoria bakhtiniana com base em alguns exemplos de projetos desenvolvidos
em duas escolas de Mato Grosso.
A opção pelo tema deve-se ao fato de que o trabalho com projeto tem sido
uma saída para o professor de língua portuguesa que procura inovar, tornar seus
alunos mais ativos e autônomos no aprendizado de língua e literatura.
Existem muitas críticas em relação à manutenção de práticas pedagógicas
tradicionais em escola de todo o Brasil, mas é possível também observar que algumas
escolas têm apostado no desenvolvimento de outras iniciativas (sozinhas ou em parceria
com outras instituições) que envolvem um trabalho colaborativo e reflexivo no que
tange ao ensino de língua e literatura, rompendo, então, com algumas fronteiras entre o
que eles estudam na teoria e o que de fato acontece na realidade escolar.
69 Doutoranda em Estudos de Linguagem pela Universidade Federal de Mato Grosso e docente da educação
Nessa ótica, Dewey concebia a educação como a vida e não uma preparação
para esta. A vista disso, um currículo adequado para uma escola com essa
perspectiva seria aquele que mostrasse “a relação essencial entre conhecimento
Página
70 Pseudônimo.
▪ Toda educação, como toda aprendizagem, deve ter como valor fundamental a
atividade no sentido de exigir que os problemas se resolvam por reação material
1049
Portanto, são dessas conjecturas que decorrem as ideias do ensino por projetos
ou pedagogia de projetos.
Nas palavras de Freitas (2003), sobre a pedagogia de projetos, trata-se de uma
mudança de postura pedagógica que implica em colocar os alunos diante de um
ambiente de aprendizagem significativo que os aproximam o máximo do seu
contexto social por meio do desenvolvimento crítico e da resolução de problemas
através da pesquisa.
Conforme essa autora, os objetivos da pedagogia de projetos são:
[...] o sujeito como tal não pode ser percebido e estudado como coisa porque,
como sujeito, não pode tornar-se mudo; consequentemente, o conhecimento que
se tem dele só pode ser dialógico (BAKHTIN, 2003, p.400).
71 Podemos contemplar a noção de Discurso, segundo a teoria bakhtiniana, na citação constante na obra:
Dialogismo: Olhares, Vozes, Lugares ... - “Língua e discurso. Discurso é a realização da língua em um enunciado
Página
concreto. Formas genéricas destes enunciados. O discurso está sujeito a todas as leis da língua, nele encontramos
todas as suas formas (léxico, gramática, fonética) (BAKHTIN, 1952 –2009, p. 12).
leitura nas aulas de língua portuguesa, contribui para a ampliação dos letramentos
dos alunos, além de diminuir a distância tão criticada entre o ensino da língua e
Página
Uma enunciação concreta (e não uma abstração linguística) nasce, vive e morre
no processo de interação social dos participantes da enunciação. Sua significação
e sua forma em geral se definem pela forma e o caráter desta interação. Ao
arrancar a enunciação deste chão real que a alimenta, perdemos a chave que abre
o acesso de compreensão tanto de sua forma quanto de seu sentido [...]
(VOLOCHÍNOV, 1926/2013, p. 86, destaque nosso).
narrador. Isso permite aos alunos se tornarem esses sujeitos ativos na vida e na arte,
como afirma Bakhtin em muitos de seus escritos, que também dialoga com Dewey
quando afirma que o aprendizado real é aquele que tem relação com a vida, com as
Página
73 Esse projeto faz parte de uma pesquisa de Doutorado em andamento que tem como objetivo apontar de que
maneira projetos como esses podem contribuir para o ensino-aprendizagem dos alunos de uma escola pública.
Sendo assim, trata-se de um projeto de pesquisa-ação, que pretende contribuir para o desenvolvimento/mudança
dessa realidade. O projeto iniciou-se no começo do ano de 2017 e vai até setembro de 2018, com a criação da Web-
Página
“Nos outros gêneros o aluno J. P. não interagiu muito com os colegas e com as
atividades trabalhadas, mas com a produção da radionovela o aluno participou
com entusiasmo, interagindo com os colegas no planejamento da produção”
(Caderno de campo, 01 de dezembro de 2017).
75Além disso, eles vibraram com a possibilidade de mostrarem uma gravação (no celular) de um capítulo de uma
radionovela com uma releitura feita por eles. Sobre essa questão, o que mais chamou a atenção foi o fato do grupo
5, os que tinham ficado com a encenação não participarem efetivamente da atividade, mas isso não impediu que o
capítulo da radionovela fosse gravado por um dos alunos – fazendo todos os papéis, inclusive de mulheres, com
Página
Diante dos relatos acima, podemos dizer que quando aliamos um trabalho
com atividades que dão a voz e protagonismo aos alunos, nesse caso o ensino por
projetos e o gênero como objeto de ensino de língua, temos a oportunidade de
romper com as fronteiras e os limites com os tradicionais métodos de ensino, tão
criticados hoje, mas que ainda encontram barreiras na realidade de muitas escolas
públicas de nosso país.
Em Bakhtin e Dewey temos um sujeito situado no mundo, que se constitui e
aprende nas relações que estabelecem com os outros nesses conceitos. Logo, se
transpormos isso para a realidade de nossas escolas, seja por meio de projetos ou
outros procedimentos metodológicos que consideram as questões acima, poderemos,
enquanto professores, contribuir mais para diminuir essas fronteiras entre o ensino
de língua e literatura. Esse é o dever ético do professor, sua responsabilidade
enquanto ser que responde por ocupar esse lugar na existência, lugar que não o
permite permanecer neutro, mudo.
REFERÊNCIAS
AMORIM, M. O pesquisador e seu Outro: Bakhtin nas ciências humanas. São Paulo: Musa Editora,
2001.
BAKHTIN, M. M.; VOLOCHINOV, V. (1929). Marxismo e filosofia da linguagem. 13. ed. São Paulo:
Hucitec, 2012.
BAKHTIN, M. M. (1952-1953/1979). O problema dos gêneros do discurso. In: Estética da criação
verbal. Trad. Paulo Bezerra. 6.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
DEWEY, J. Vida e educação. Tradução de Anísio S. Teixeira. 8. ed. São Paulo: Edições Melhoramentos,
1973.
FREITAS, K. S. Pedagogia de projetos. Revista Gerir, Salvador, v. 9, n. 29, p. 17-37, Jan./Fev. 2003.
PITOMBO, M. I. M. Conhecimento, valor e educação em John Dewey. São Paulo: Pioneira, 1974.
TEIELBAUM, K.; APPLE, M. John Dewey. Revista Currículo sem Fronteiras, v. 1, n. 2, pp. 194-201,
Jul./Dez. 2001.
WESTBROOK, R. B.; TEIXEIRA, A. John Dewey. Tradução e organização José Eustácio Romão e
Verone Lane Rodrigues. Recife: Massangana, 2010.
1056
Página
RESUMO
INTRODUÇÃO
E
ste texto configura-se um exercício de sentirpensaragir a formação de
estudantes do Curso Normal, do Instituto de Educação Professor Ismael
Coutinho (IEPIC), em diálogos com a arte literária em tempos (em que somos)
tão contraditórios. Tomando como alicerce os percursos de uma ciência da alteridade
(heterociência), trago alguns apontamentos sobre as rodas de conversa com
estudantes do ensino médio, tempoespaço em que construo-me professora da área de
linguagens. Tem importado considerar a obra literária enquanto construção dotada
de poder humanizador, em cotejos com pensadores como Antonio Candido.
1057
Professora de Língua Portuguesa/Literaturas e Educação Física da rede estadual do Rio de Janeiro (Instituto de
76
Página
Educação Professor Ismael Coutinho – IEPIC). Doutora em Educação pela Universidade Federal Fluminense.. E-
mail: belcoube@hotmail.com
1060
PALAVRAS FINAIS
Quando iniciamos o trabalho com as rodas de conversa não fazíamos ideia das
consequências do mesmo. As prováveis impossibilidades, os entraves para a
realização de espaços outros de formação foram/estão sendo substituídos pelo
movimento intercorpóreo em que os estudantes assumem o protagonismo no espaço
escolar. Até o presente momento, inferimos a potência da artevida para a formação de
professoras e professores e a relevância de outras concepções de aula e de
1061
práxis docente, reforçada com as intervenções dos estudantes do ensino médio com
Que mandou pra dentro da favelas tantas e tantas cargas de drogas e armas!
Pega o Ladrão na política,
Que recebe propina e dá para mandar PM, Civil e intervenção ir na favela e destruir
famílias!
Página
77Ana Dantas é estudante do terceiro ano do ensino médio, Curso Normal, do IEPIC. O poema neste texto foi
escrito e recitado por ela em uma de nossas rodas de conversa e em eventos como o Corujão da poesia, que
Página
aconteceu na cidade de Niterói neste ano de 2018. No evento são apresentadas poesias, esquetes e demais
expressões artístico-culturais como números musicais, danças, manifestos, lançamentos de livros, entre outros.
ASSIS, Machado de. Seus 30 melhores contos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987.
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
BAKHTIN, Mikhail. Para uma filosofia do ato responsável. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010.
BARTHES, Roland. O corpo do outro. In: BARTHES, Roland. Fragmentos de um discurso amoroso.
Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1986.
CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: ______. Vários escritos. Rio de Janeiro: Ouro sobre
azul, 2011.
COMPAGNON, Antoine. Literatura para quê? Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012.
COUBE, Roberta Jardim. Corporificando saberes e sabores nas práticas outras de leitura na escola: arte
literária e vida. In: DALUZ, L. B. A formação do leitor-autor e a leitura literária na escola. São Carlos:
Pedro & João Editores, 2017, p.285.
SILVA, Claudicélio Rodrigues da. A literatura vai à escola, mas será que ela entra? In: SIQUEIRA, Ana
Márcia Alves (Org.). Literatura e ensino: reflexões, diálogos e interdisciplinaidade. Fortaleza:
Expressão Gráfica e Editora, 2016.
1064
Página
RESUMO
INTRODUÇÃO
E
sse trabalho objetiva refletir sobre a relação entre o ensino de Língua
Portuguesa (LP) e a teoria dialógica no contexto da educação brasileira, e, a
partir dessa articulação, tecer algumas considerações acerca das fronteiras que
vêm sendo superadas, assim como outras que ainda resistem.
Os gêneros discursivos, configurados como práticas sociais de uso da
linguagem em contextos específicos, têm sido, nos últimos anos, motivo de estudos
1065
78 Doutoranda em Letras pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Letras da Universidade Estadual do
Oeste do Paraná (UNIOESTE); Email: rosangela.oro@gmail.com
Página
79 Mestre em Letras pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), área de concentração em
80Utiliza-se a expressão Círculo de Bakhtin porque, além do pensador Mikhail Bakhtin, as formulações e as obras
são produto de reflexão de um grupo que tinha a participação de outros intelectuais, entre eles V. N. Volochinov
Página
e P.N. Medviediev. Não é nosso objetivo entrar no debate a respeito da autoria das obras; as que forem citadas no
decorrer do texto respeitarão as assinaturas presentes nas edições utilizadas.
Para a compreensão dos enunciados é preciso entender por que estes são
assim construídos, que elementos/condições específicas/finalidades consideram, e
que relações dialógicas essas três dimensões constitutivas do gênero estabelecem
com a esfera à qual se vinculam. Dessa forma, “os elementos de cada enunciado estão
vinculados necessariamente à totalidade do enunciado e do gênero, do qual o
enunciado é um representante concreto” (RODRIGUES, 2001, p. 43).
A essa compreensão se relaciona a questão da natureza dos enunciados e de
sua plasticidade e heterogeneidade, uma vez que “o repertório de gêneros cresce e se
diferencia à medida que se desenvolve e se complexifica um determinado campo”
(BAKHTIN, 2003[1979], p.262). Para o autor, os gêneros e suas especificidades
correspondem às diferentes formas de usos da linguagem dentro de convívios
culturais distintos. Logo, a análise de sua natureza e da diversidade de suas formas é
importante e está relacionada à ideologia, uma vez que, sob o viés dialógico, todo
enunciado apresenta determinações de sua dimensão social, de elementos
extraverbais constitutivos, sendo permeado por vozes e discursos, os quais
determinam sua posição valorativa, isto é, a construção de sua orientação axiológica
que permeiam o seu ato responsivo. Dessa interação, portanto, derivam índices de
1068
valor que se refletem em todas as dimensões dos enunciados, os quais, por serem
relativamente estáveis, são sujeitos à mudança constante.
Miotello, acerca do conceito de ideologia neste campo teórico, esclarece que:
Página
Uma vez que os enunciados são de natureza social, não existem fora de um
contexto, estes são, portanto, ideológicos. O locutor, ao interagir, visa um interlocutor
definido e seu horizonte social. Ao assumirmos que “a palavra é o signo ideológico
por excelência” e que “ela [a palavra] registra as menores variações das relações
sociais” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2012[1929], p.16) compreendemos que todo
enunciado é, por natureza, ideológico.
Assim, no campo do ensino de LP, ao buscarmos estudar a natureza dos
enunciados, é preciso considerar a historicidade dos gêneros, suas mudanças, pois, à
medida que as esferas de atividade se desenvolvem, alguns gêneros desaparecem,
outros aparecem, diferenciam-se, ganham novos sentidos. A análise dos enunciados
não fica reduzida à sua forma de composição, ao estilo e ao conteúdo temático, mas
vai além da situação imediata de interlocução, ao buscarmos indícios de sua
heterogeneidade constitutiva, sua participação em esferas de produção, as quais lhes
conferem efetiva atuação.
Observamos, ainda, que além dos gêneros discursivos refletirem as
características de interação de cada esfera, eles são plásticos, uma vez que podem se
reconfigurar de acordo com as diferentes exigências de interação. Faraco, nesse
sentido, afirma que “o repertório de gêneros de cada esfera da atividade humana vai
diferenciando-se e ampliando-se à medida que a própria esfera se desenvolve e fica
mais complexa” (FARACO, 2009, p. 127).
Entendemos, com isso, que é somente nessa situação de interação, ao
relacionarmos o gênero a sua esfera de atividade e comunicação humana, que se
pode apreender sua constituição e seu funcionamento. Tendo em vista que, para
Bakhtin (2003[1979]), os gêneros são compreendidos como enunciados que se
estabilizam nas diversas situações de interação, essas esferas sociais, por conseguinte,
se mostram como princípios organizadores das formas de interação verbal.
Essas relações estabelecidas entre o meio verbal e o extraverbal nos levam,
também, a observar que todo sujeito, ao interagir por meio de um gênero, tende a
orientar o seu discurso, “para um círculo particular, para o mundo particular do
ouvinte, introduzindo elementos completamente novos ao seu discurso [...] O locutor
1069
podem determinar tanto a escolha do estilo do gênero por parte do locutor, quanto
81Segundo Bakhtin, uma das formas do dialogismo nos discursos diz respeito ao plurilinguismo, isto é, “o
Página
82Importante destacar que, embora não focalizasse a questão dos gêneros discursivos naquele momento, ainda na
década de 1980, Geraldi propôs o trabalho ampliado com o texto na sala de aula, chamando a atenção para o fato
de que “A língua só tem existência no jogo que se joga na sociedade, na interlocução. E é no interior de seu
funcionamento que se pode estabelecer as regras de tal jogo [...]. Estudar a língua é, então, tentar detectar os
Página
compromissos que se criam por meio da fala e as condições que devem ser preenchidas por um falante para falar
de certa forma em determinada situação concreta de interação” (GERALDI, 2008[1984], p. 42).
- Todos apresentam gênero como família de textos, sendo que famílias podem
ser reconhecidas por similaridades.
- Todos buscam compatibilizar análises textuais/da textualidade com as
descrições de (textos em) gêneros, seja por meio de sequências e operações textuais
[...], seja por meio dos tipos de discurso [...];
- Todos remetem a uma certa leitura pragmática ou funcional do
contexto/situação de produção;
- Todos mencionam a obra de e estabelecem uma aproximação – não isenta de
repulsão e, logo, polifônica – com o discurso bakhtiniano (ROJO, 2005, p. 192/193,
grifos nossos).
Porém, a forma de se atingir esse objetivo não confirma o foco em uma compreensão
A seleção de textos para leitura ou escuta oferece modelos para o aluno construir
representações cada vez mais sofisticadas sobre o funcionamento da linguagem
(modos de garantir a continuidade temática nos diferentes gêneros, operadores
específicos para estabelecer a progressão lógica), articulando-se à prática de
produção de textos e à de análise linguística (BRASIL, 1998, p. 36).
De fato, o texto dos PCN ora trata o objeto de estudo como sendo os gêneros
textuais, ora como sendo os textos, simplesmente; discorre sobre a necessidade de
uma perspectiva que enfatize o discurso e suas marcas, mas centra as análises na
materialidade linguística.
Como possibilidade para a prática de produção de textos orais e escritos, o
documento indica o trabalho com sequências didáticas. Esse recurso metodológico,
criado pelo grupo de pesquisadores de Genebra que adotam o ISD como premissa
teórica, propõe “um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira
sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito” (DOLZ; NOVERRAZ;
SCHNEUWLY, 2004, p. 97). Parte-se de uma situação inicial de produção de um
gênero. Os alunos produzem e o professor faz uso dessa primeira produção para
identificar os problemas que os alunos apresentaram. Depois, com base em tais
dificuldades, são elaborados módulos para trabalhar os conteúdos necessários,
analisar textos-modelo do gênero e reescrever os primeiros textos. Por último, faz-se
a produção final, quando, supõe-se que já ocorreu, por parte dos alunos, a
compreensão do gênero. De acordo com Marcuschi (2008), “a finalidade de trabalhar
com sequências didáticas é proporcionar ao aluno um procedimento de realizar
todas as tarefas e etapas para a produção de um gênero” (MARCUSCHI, 2008, p.
214).
Os PCN, assim, orientam o uso de sequências didáticas em sala de aula, mas
não mencionam os autores da metodologia no texto.
1998, p. 88).
sua dimensão social e sua historicidade, reconhecendo que não é possível pensar o
ensino que leve em conta a dimensão social do uso da língua para dar-lhe sentido(s).
2008, p. 63).
Nessa perspectiva, o texto não serve apenas para o aluno identificar, por
exemplo, os adjetivos e classificá-los; considera-se que o texto tem o que dizer, há
ideologias, vozes, e para atingir sua intenção, utiliza-se vários recursos que a
língua possibilita. [...] Compreender os recursos que o texto usa e o sentido que
ele expressa é refletir com e sobre a língua, numa dimensão dialógica da
linguagem (PARANÁ, 2008, p. 79).
O que se espera é que o aluno trabalhe com a língua em uso, materializada nos
diferentes gêneros do discurso e, com isso, seja capaz, mais do que classificar as
palavras ou analisar sintaticamente a frase, compreender porque, considerando a
1082
DCELP, pautada nas teorias de Bakhtin e do Círculo e voltada para as práticas sociais
discursivo e a sua historicidade. O enfoque bakhtiniano, sendo assim, tem sido mal
interpretado por boa parte dos professores, derivando em um ensino prescritivo, mas
agora do gênero.
Página
CONSIDERAÇÕES FINAIS
1085
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes,
2003[1979].
______. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução de Paulo Bezerra. 5. ed. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2010a[1929].
______. Questões de literatura e de estética: A teoria do romance. Tradução do russo por Aurora
Formoni Bernardini et al. 6.ed. São Paulo: Hucitec, 2010b[1975].
______.; VOLOCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Traduzido por Michel Lahud e Yara
Frateschi Vieira. 13. ed. São Paulo: Hucitec, 2012[1929].
BRAIT, B. Análise e teoria do discurso. In: _______ (Org.). Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo:
Contexto, 2006. p. 9-33.
1086
______. Perspectiva dialógica. In.: ______; SOUZA-E-SILVA, M. C. (Org.). Texto ou discurso? São
Paulo: Contexto, 2012. p.9-30.
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa. Brasília: Secretaria de Educação
Página
Fundamental, 1998.
MEURER, José Luiz; BONINI, Adair; MOTTA-ROTH, Desirré (orgs.). Gêneros: teorias, métodos e
debates. São Paulo: Parábola, 2005. p. 152-183.
______. Os gêneros do discurso nas aulas de Língua Portuguesa: (re)discutindo o tema. In: ROJO,
Página
1088
Página
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
S
egundo Bakhtin (2011, 2016), nós falamos por enunciados e não por orações
isoladas. Um enunciado é matriz e nutriz de outros enunciados, os quais “são
correias de transmissão entre a história da sociedade e a história da
linguagem.” (BAKHTIN, 2011, p. 268). Nessa dinâmica, cada elemento da língua,
tomado como material no enunciado concreto, é incorporado de acordo com as
exigências da avaliação social expressa por diferentes entonações circunstanciais e
históricas. Desse modo, “a palavra entra no enunciado não a partir do dicionário,
mas a partir da vida, passando de um enunciado a outros.” (MEDVIÉDEV, 2012, p
185).
Muito embora algumas práticas contemporâneas de ensino do texto nas
escolas ainda possam negligenciar essa cosmovisão, o enunciado é a unidade real da
comunicação discursiva e, portanto, a matéria fundamental sobre a qual deveriam
recair os esforços para uma formação leitora proficiente e responsável. Questões de
natureza estritamente gramatical, com fronteiras, lei e limites abstratos, apesar da
tradicional popularidade em exercícios escolares, têm-se mostrado insuficientes ou
ineficientes ao propósito de conferir autonomia aos sujeitos nas práticas de leitura e
de escrita. Claro está que a indiferença à realidade dialógica e axiológica da
linguagem (BAKHTIN, 2011), no sentido de atividade social, tem legado saldos
constrangedores à educação em sala de aula.
Se não há dúvidas quanto ao fato de que documentos como parâmetros oficiais
para o ensino – a saber, PCN, PCNEM – têm orientado uma perspectiva de ensino-
aprendizagem do português a partir dos gêneros discursivos (enunciados com
relativa estabilidade provenientes das diferentes esferas da atividade humana), uma
noção fundamentalmente bakhtiniana, também não há incertezas quanto à
apropriação, por vezes indevida, desse instrumento/objeto de ensino no transcurso
das atividades de leitura e de escrita. Paralelamente, se é um dado que os livros
1089
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
do Rio Grande do Norte. E-mail: tacicleidevieira@gmail.com
84Discussão desenvolvida com base em sessão elaborada para nossa dissertação de mestrado, defendida em 2014,
no âmbito do Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Federal do Rio Grande do
Página
implicado da linguagem.
A importação dessa filosofia ancora o entendimento de que a leitura, como
prática agenciada por sujeitos plenamente ativos, precisa ser legitimada em sala de
Página
Larrosa. A imagem do leitor como agente também foi – poeticamente – discutida por
85Termo que designa a relação entre linguagem e mundo, entre leitura e realidade, no sentido de que não se pode
aprender/ler a palavra isolada de sua vida social sem que tal fato incorra na violação da autonomia do sujeito.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O ato de ler, desse modo, é capaz de fazer alcançar as conexões viscerais entre os
REFERÊNCIAS
RESUMO
O
s sujeitos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem constituem-se em
atos dialógicos responsivos e responsáveis. Mas se de um lado, temos o
aluno e seu envolvimento com a pesquisa, do outro lado, esse mesmo aluno
se põe na escuta ativa das orientações de seu professor. A responsabilidade de ambos
na execução de seus papéis os tornam, portanto, conjuntamente responsáveis pelos
resultados obtidos.
O processo de compreensão ativa de ambas as partes no encontro de palavras
nas etapas da orientação os colocam em uma situação constante de inacabamento do
eu e do outro. Tal inacabamento é o que move as discussões e os colocam na fronteira
dos saberes partilhados. Nesse sentido, a índole valorativa do eu e do outro pode
encontrar-se ou confrontar-se em um movimento dialógico-dialético que promove a
riqueza da diversidade e do potencial para olhares outros que sozinho o aluno-
pesquisador talvez não enxergaria.
Conforme Bakhtin (2011, p.401), “o texto só tem vida contatando com outro
texto (contexto). Só no ponto desse contato de textos eclode a luz que ilumina
1097
Doutoranda pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG/Poslin). Professora substituta no Instituto
86
1. O PROBLEMA DA AUTORIA
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 6.ed. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes,
2011.
______. Para uma filosofia do ato responsável. Trad. Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. São
Carlos: Pedro e João Editores, 2010.
1099
Página
1. RECONHECENDO O TERRITÓRIO
“Na aula vi que eu não sou letrada. Fui para casa com aquilo.
Leio, mas não é o suficiente, não consigo interpretar tanto
assim”. (participante A.)
E
sta fala, com a qual iniciamos nossa conversa, é de uma aluna do Ensino
Superior (ES) convidada a ressignificar as experiências com a leitura e a escrita
a partir de uma prática fonoaudiológica coletiva e dialógica que será
compartilhada neste texto. A posição de leitora e escritora incapaz, ocupada por esta
aluna, deflagra uma realidade comum nas salas de aula das Universidades
atualmente.
Estudos recentes, sobre condições de letramento no ES, evidenciam uma
distância entre as expectativas dos docentes, práticas acadêmicas propostas e as
condições de leitura e escrita dos discentes para atender a tais demandas, resultando,
recorrentemente, em quadros de fracasso e evasão.
Dados divulgados em pesquisas nacionais, apontam que discentes
ingressantes no ES apresentam níveis de letramento insuficientes e, portanto,
dificuldades para se colocarem como autores e operarem, de maneira significativa,
com os diversos gêneros acadêmicos que medeiam sua formação. O Indicador de
Alfabetismo Funcional (Inaf 2016) mostra que apenas 11% dos alunos que estão no
ES possuem letramento científico proficiente, ou seja, têm domínio sobre assuntos
como tecnologia e genética, conseguem fazer uso da linguagem exigida pelo contexto
(linguagem técnica, científica, seja ela de modo informal ou formal) e conseguem
elaborar e criticar argumentos.
É fato que as condições restritas de leitura e escrita podem ser identificadas em
parcela significativa da população brasileira, fazendo parte da realidade de pessoas
2. DESENHANDO A TRAVESSIA
3. DURANTE A JORNADA
“Melhorou a minha relação com a leitura e escrita. Estou mais
aliviado. Antes quando eu lia, achava que tinha obrigação de aprender.
Entendi que a partir do momento que você conversa com o texto, você
aprende mais.” (participante C.)
(BAKHTIN, 1990)
Houve, assim, a superação de uma lógica dicotômica que concebe,
separadamente, o sujeito e a coletividade, permitindo o deslocamento de uma
Página
4. TENSIONANDO AS FRONTEIRAS
REFERÊNCIAS
Introdução
O objetivo do presente artigo é relatar a experiência de realização de uma
pesquisa e intervenção com uma dupla de professoras que ministram aulas de
Matemática e Língua Portuguesa, respectivamente e atuam no Colégio Estadual
Castelo Branco - Ensino Médio, no município de Itapejara D`Oeste, PR.
Para a realização desta pesquisa foi utilizada como metodologia a Clínica da
Atividade. Essa abordagem teórico-metodológica foi desenvolvida por Yves Clot
(2008), a partir de bases bakhtiniana e vigotskyniana, as quais buscam provocar o
desenvolvimento para poder assim analisar os processos, pois considera que “é
somente em movimento que um corpo mostra o que é” (Vigotsky, 2007, p. 68).
Destaco que o interesse por essa temática de pesquisa se relaciona com as
minhas inquietações pedagógicas, as quais movem a minha ação tanto enquanto
pesquisadora como enquanto profissional da educação.
A análise inicial ocorreu sobre os processos de formação continuada ofertados
pela SEED/PR – Secretaria Estadual de Educação do Paraná, pelo fato de ocorrerem
1106
3
Mestranda no Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Regional (PPGDR) na Universidade
Tecnológica Federal do Paraná - UTFPR – Campus Pato Branco. E-mail: clariced.silva@hotmail.com.
Página
4
Doutor e Mestre em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (LAEL) pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP.
Neste sentido, para que o professor pedagogo possa contribuir com o processo
de formação continuada de professores de forma efetiva, pressupõe assumir um
compromisso com o seu processo de investigação e reflexão crítica sobre as suas
próprias condições de trabalho e de seus colegas professores, bem como, reconhecer
que as práticas e situações do cotidiano, mediadas pelo conhecimento historicamente
acumulado, podem gerar pensamentos, problematizações, interrogações e
questionamentos, que podem desencadear ações individuais ou coletivas capazes de
gerar as mudanças necessárias.
Para entanto, é preciso ter clareza que diante da rotatividade de professores, a
intensa rotina de atendimentos e encaminhamentos relacionados à indisciplina,
muitas vezes desempenhando funções que não lhes cabem e deixando de realizar
algumas daquelas consideradas imprescindíveis num projeto educativo, são alguns
dos indicadores que precisam ser considerados no que se refere ao trabalho e às
atribuições da equipe pedagógica.
Diante do exposto, procurei lançar o meu olhar para novas possibilidades de
formação continuada e deparei-me com o “Blog Formação Continuada e Saúde do
Professor” por Anselmo Lima e foi possível através do contato com o conteúdo ali
exposto verificar que há sim outra forma de trabalhar a formação continuada, mas
não só isso, de em conjunto com a formação continuada promover a saúde do
professor, através da Clínica da Atividade Docente.
De acordo com Lima (2016)11,
MATERIAIS E MÉTODOS
5
PA – forma de identificação utilizada para preservar a identidade da professora participante dessa
pesquisa e intervenção.
Página
6
PB – forma de identificação utilizada para preservar a identidade da professora participante dessa
pesquisa e intervenção.
REFERÊNCIAS
BAKTHIN, Mikhail. (Voloshinov.V. N). Marxismo e Filosofia da Linguagem. Trad. Michel Lahud
eYara Frateschi Viera.13.ed. São Paulo: Hucitec, 2016.
BRUNO, Eliane Bambini Gorgueira,; ALMEIDA, Laurinda Ramalho de.; CHRISTOV, Luiza Helena.
(org) O coordenador pedagógico e a formação docente. São Paulo: Loyola, 2008.
CLOT, Yves. A função psicológica do trabalho. Trad. Adail Sobral. Petrópolis: Vozes, 1999/2006.
______. Trabalho e poder de agir. Trad. Guilherme João de Freitas Teixeira e Marlene Machado Zica
Vianna. Belo Horizonte: Fabrefactum, 2008/2010.
LIBÂNEO. José Carlos. Desenvolvendo ações e competências profissionais para as práticas de
gestão participativa e de gestão de participação. 5 ed. São Paulo: Cortez, 2001.
______. O sistema de organização e de gestão da escola: teoria e prática. 5 ed. São Paulo: Cortez, 2007.
______. Organização e gestão da escola: os professores e a construção coletiva do ambiente de
trabalho. 5 ed. São Paulo: Cortez, 2007.
______. Pedagogia e pedagogos, para quê? 10. ed. – São Paulo, Cortez, 2008.
LIMA, Anselmo P. Visitas técnicas: interação escola-empresa. Curitiba: CRV, 2010a.
______. Clínica da atividade docente. In: Clínica da Atividade Docente. 2016b. Disponível em: <
https://formacaoesaudedoprofessor.com/2016/03/28/clinica-da-atividade-docente-uma-proposta-de-
formacao-continuada-e-de-promocao-da-saude-do-professor-no-trabalho/ >. Acesso em: 05/06/2017.
PIMENTA, Selma Garrido. Pedagogia, Ciência da Educação? São Paulo: Cortez, 2001.
VYGOTSKY, Lev. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos
superiores. Organizadores: Michael Cole... [et al.]; Trad. José Cipolla Neto, Luís Silveira Menna
Barreto, Solange Castro Afeche. - 6. ed. - São Paulo: Martins Fontes, 1998/2007.
1113
Página
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo estabelecer relações e reflexões entre a linguagem como
forma de interação e a proposta de redação do vestibular da Unioeste. Com esse intento,
pretendemos responder ao seguinte questionamento: há fronteiras (in)transponíveis entre
uma compreensão de língua como interação e de escrita em uma proposta de redação do
vestibular? Para fundamentar o trabalho com os gêneros discursivos, os estudos serão
pautados nos escritos do Círculo de Bakhtin. Para isso, os dados serão levantados por meio
de análise documental de uma proposta de redação do vestibular da UNIOESTE do ano de
2016, e serão analisados dentro de uma perspectiva de Análise Dialógica do Discurso. Como
resultado, compreendemos que a proposta analisada dialoga com a teoria bakhtiniana, pois
compreende a língua enquanto interação.
INTRODUÇÃO
A
redação de vestibular tem suscitado debates e pesquisas na área da
linguística e de ensino de Língua Portuguesa, principalmente depois que ela
passou a ser uma das fronteiras que os alunos devem transpor ao final da
educação básica para ter acesso ao ensino superior.
1114
7 Mestranda em Letras pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE / Cascavel, com bolsa Capes.
Especialista em Educação do Campo. E-mail: bruna.pradella@gmail.com
8 Mestranda em Letras pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE / Cascavel. Especialista em
Página
Linguística Textual. Professora de Língua Portuguesa do IFPR – Campus Avançado Quedas do Iguaçu. E-mail:
claudia.silva@ifpr.edu.br
representa.
Página
9 Dentre esses programas, podemos citar o SISU – Sistema de Seleção Unificada, o PROUNI e o FIES.
10 Será melhor explicitado acerca da prova de Vestibular no item 3.
[…] é condição sine qua non na apreensão de conceitos que permitem aos sujeitos
compreender o mundo e nele agir; de que ela é ainda a mais usual forma de
encontros, desencontros e confrontos de posições, porque é por ela que estas
posições se tornam públicas, […] (GERALDI, 1993, p. 4-5).
Quando o autor fala em consciência linguística, quer dizer que esta, nada
1117
mais é, que a língua viva, concreta, efetivada nas interações entre os sujeitos. Logo, se
língua e linguagem são fenômenos sociais que não podem ser analisados fora do
contexto no qual estão inseridos, a concepção de sujeito tampouco é diferente. Na
Página
A decisão sobre os docentes que comporiam a banca não poderia ficar restrita à
escolha e ao desejo de uma pessoa somente; ela não poderia ser constituída a
cada novo vestibular, devendo haver uma regularidade na sua composição; ela
deveria ter representantes de todos os campi da universidade; ela não poderia ter
como única finalidade corrigir as redações; ela deveria poder se auto-
regulamentar; e, por fim, ela deveria programar atividades regulares de
formação para realizar um trabalho qualificado (CATTELAN, 2008, p. 11).
13 http://www.unioeste.br/servicos/arqvirtual/arquivos/0602011-COU.pdf
14 Conselho Universitário.
Através dos critérios, percebe-se que a prova não espera apenas que o
vestibulando tenha a capacidade de escrever sobre um tema, ortográfica e
gramaticalmente correto, mas também que saiba interagir por meio de um texto que
se organiza em um gênero, argumentar, organizar suas ideias e relacioná-las, além de
1120
Para atingir bons resultados, isto é, obter pontuação alta na prova de redação
do vestibular desta instituição, o aluno deve acionar vários conceitos e pôr em prática
todo o conhecimento adquirido ao longo da educação básica.
O primeiro conceito a ser acionado é o de carta do leitor, gênero discursivo
pertencente ao meio jornalístico, que se origina do gênero primário carta pessoal,
1121
do texto deve levar em conta. O fato de o ensino domiciliar estar fora da lei, de que o
autor escreverá tanto para adeptos desta ideia como para contrários e terá que
posicionar-se também, a favor ou contra. Todos esses fatores extraverbais contribuem
Página
AS FRONTEIRAS
Os testes, como Enem e Vestibular, que dão acesso ao ensino superior são as
fronteiras que o aluno deve transpor ao concluir a educação básica. Nosso objetivo
neste artigo foi estabelecer relações e reflexões entre a linguagem como forma de
interação e a proposta de redação do vestibular da Unioeste, a fim de investigar se há
fronteiras (in)transponíveis entre uma compreensão de língua como interação e de
escrita em uma proposta de redação de vestibular. Para isso, analisou-se a proposta
de redação da UNIOESTE do ano de 2016.
Na análise, percebemos que a banca compreende a língua como interação e
por isso fornece ao estudante todos os elementos para que ele possa produzir o
gênero solicitado.
A proposta indica o contexto social, o auditório para que o autor da carta do
leitor se posicione como sujeito deste enunciado, que escreve para outro sujeito,
também leitor da Revista Superinteressante, portanto conhecedor da situação de
1124
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Michail Mikhailovitch. Estética da criação verbal. 6 ed. São Paulo: Editora WMF Martins
Fontes, 2011 [1979].
______./VOLÓCHINOV. Marxismo e Filosofia da Linguagem: problemas fundamentais do método
sociológico na ciência da linguagem. São Paulo: Editora Hucitec, 1997.
BEZERRA, Renata Camacho; SOUZA, José Ricardo; ROSA, Bruna N. Rial. Extensão, Pesquisa e
Ensino: Promovendo a indissociabilidade no projeto de Pré-Vestibular. Congresso Brasileiro de
Extensão Universitária. Universidade Federal do Pará, 2014. Disponível em
<http://www.6cbeu.ufpa.br/ebook/Comunica%C3%A7%C3%A3o%20Oral/Parte1.pdf> Acesso em: 01
ago. 2018.
BRAIT, Beth; MELO, Rosineide de. Enunciado/enunciado concreto/enunciação. In: ______. (Org.).
Bakhtin: conceitos-chave. 4 ed. São Paulo: Contexto, 2010.
CATTELAN, João Carlos. LOTTERMANN, Clarice (Orgs.) A Redação no Vestibular da Unioeste.
Cascavel: Edunioeste, 2008.
FRANCESCON, Paula Kracker; FERNANDES, Rosana Becker. Análise do desempenho em redações
de vestibulandos cotistas e não-cotistas. In: Educere et Educare – Revista de Educação. Vol. 4. Nº 10,
2010.
GERALDI, João Wanderley. Portos de Passagem. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
REVISTA SUPERINTERESSANTE. Por quem somos... Publicado em 31 dez 2001, 22h00. Disponível
em https://super.abril.com.br/cultura/por-quem-somos/. Acesso em: 15 de julho de 2018.
SOBRAL, Adail. Ato/atividade e evento. In. BRAIT, BETH. Bakhtin? Conceitos-chaves. (org.). 5.ed.
São Paulo: Contexto, 2017. p. 11-36.
VOLÓCHINOV, Valentin. Marxismo e Filosofia da Linguagem: problemas fundamentais do método
sociológico na ciência da linguagem. Tradução de Sheila Grilo e Ekaterina Vólkova Américo. São
Paulo: Editora 34, 2017.
______.; BAKHTIN, M. Discurso na Vida e Discurso na Arte (sobre a poética sociológica). Trad. De
Carlos Alberto Faraco e Cristóvão Tezza [para fins didáticos]. 1926. Versão da língua inglesa de I. R.
Titunik a partir do original russo.
1125
Página
RESUMO
Esse texto é uma narrativa de experiência, considerando que esta é viagem de formação, o
que implica sempre ir de algum lugar para outro. Refazer caminhos, indagar de onde
viemos e como ao final chegamos transformados. Parte-se do princípio de que o que torna
algo narrável é o presente, uma vez que sem ele ninguém narra nada. Assim, nada mais
bonito do que narrar a minha experiência enquanto mãe do pequeno Lucca. Parafraseando
algum teórico que já passou pelas minhas leituras, o homem, antes de conhecer
cientificamente, constrói historicamente o que conhece. Segue a minha história.
INTRODUÇÃO
H
á quase cinco anos atrás, carregando o meu filho Lucca em meu ventre,
preparava um texto para o esperado evento bakhtiniano daquele ano, 2013.
No calor da emoção, prestes a dar à luz na ocasião do evento16, escrevi um
texto intitulado “Da teoria à vida: a concepção da vida do meu filho a partir da
reflexão bakhtiniana”. Dentre as amorosidades destinadas ao momento e,
especialmente, ao meu filho, destaco a seguinte passagem:
(...) Lucca vai aprender que antes de pensar é pensado e que a constituição de sua
própria identidade deve vir pela alteridade, deve vir pelo outro, e não por si
mesmo. A questão, então, é não pensar em constituir a própria identidade, mas
pensar como lugar da responsabilidade social. O pensar é tido como um lugar
pelo qual se responde. Esse é um ato ético. Pensar e responder é uma necessidade
na vida, especialmente, no mundo contemporâneo. Do lugar em que o Lucca
ocupará a partir de sua chegada ao mundo - contemporâneo -, só ele responderá,
uma vez que ninguém mais vai poder fazer isso por ele. Como diz Bakhtin
1126
Nestes quase cinco anos de vivido do Lucca, enquanto pais, vivemos entre as
fronteiras do como educá-lo. A questão que permeia todo o processo, de caráter
avaliativo, é ‘estamos no caminho “certo”?’ Afinal, não há cartilhas, não há modelos
prontos de formação de um sujeito ideal, bakhtinianamente falando.
As fronteiras se fazem presentes a todo tempo. Como afirma Bakhtin (1992, p.
106), as fronteiras são vividas de maneiras essencialmente diferentes: por dentro, pela
autoconsciência e por fora pela vivência do outro. Assim, como meu filho, no papel de
outro que me (im)completa, me convoca a responder? E, ainda, como essa resposta
faz com que ele transforme a minha palavra de mãe em palavra própria?
Lucca - com quatro anos e oito meses - já possui pleno domínio da linguagem
e se constitui na/por ela o tempo todo. Mais interessante é que ele, nascido em uma
era digital17, domina essa outra linguagem que para nós, pais, foi uma conquista de
aprendizado. Desde muito cedo, já teve acesso ao tablete e ao celular e seus dedinhos
rápidos apreenderam essa forma tão comum na era digital de se comunicar com o
mundo. Ele escolhe os seus vídeos, os seus canais do youtube preferidos, o que nos
amedronta de certa forma. Até que ponto isso é saudável e contribui para a
constituição do sujeito HUMANO e reflexivo que gostaríamos formar?
Evidente que no papel de pais, proporcionamos outras experiências de vida ao
Lucca que vai muito além do mundo digital. Ele é um sujeito leitor que, desde a
barriga da mãe, ouve histórias. Hoje, ele pede por elas e mais ainda, pede para
acompanhar a leitura com o dedinho, fato interessante para uma mãe alfabetizadora.
Aliás, nesse quesito, ele se apresenta escolarizado de certa forma e nos deixou
assustados com uma fala que se repete “eu sou bom aluno e tiro boas notas”. Nunca
o cobramos, portanto, sabemos que essas palavras próprias dele não são nossas. Na
verdade, pensamos que ele é muito pequeno para já associar a ida a escola que
deveria estar ligado ao brincar à ser bom aluno e tirar boas notas. De onde foram
apreendidas essas palavras? Da própria escola? Ou dos vídeos a que assiste?
1127
17 Não quero com essas palavras homogeneizar uma geração toda. Sei que o meu filho tem condições
Página
privilegiadas que grande parte das crianças da idade dele espalhadas pelo Brasil, especialmente em regiões mais
carentes, não tem.
ii- Dia desses na praça, ele teimou comigo várias vezes. Queria brincar do que
não era adequado, queria comer fora da hora e diante de minhas negativas, disse
indignado que eu não deixava ele fazer nada do que queria e que sempre eram as
minhas regras que valiam e nunca as dele. Como estávamos com outras pessoas,
tentei contornar a situação via diálogo de forma calma, sem me alterar. Porém,
quando ficamos só nos dois no carro quando voltávamos para a casa, iniciei um
diálogo dizendo que eu não estava feliz com o comportamento que ele
apresentara.
Em resposta ele me diz “mãe, sabe por que eu fiz isso?” E diante do meu
interesse, acrescentou “porque você mereceu!”. Nem preciso dizer que essa é
uma fala que nós, pais, dizemos a ele diante das consequências de descumprir
um combinado. Rindo por dentro, disse a ele que aquela era uma fala que os pais
1128
iii- O pai foi buscá-lo na escola e teve de esperar uns dez minutos no carro
porque dois outros carros estacionaram de forma que o impedia de sair. Diante
do questionamento do Lucca sobre o porquê estavam parados, o pai lhe deu a
explicação. Quando o primeiro motorista aparece para sair, o Lucca pergunta:
“pai, nós não vamos dar uma lição nele?”
iv- Com quatro anos completos, no mês de novembro de 2017, fizemos uma
viagem de São Carlos18 a Porto Alegre. Estávamos retornando de um evento
bakhtiniano que naquele ano ocorrera em Campinas. Um amigo, também
retornando do mesmo e vento, foi nos encontrar no aeroporto para juntos
pegarmos o ônibus para Bagé. Na rodoviária, apinhoada de gente no horário do
almoço, o amigo me pede para esperar com as malas para ele comprar as nossas
passagens. Quando sai, Lucca ameaça segui-lo correndo e só para diante do meu
grito para que volte para perto de mim. Quando ele volta, digo que ele não pode
sair de perto de mim, porque posso perdê-lo na multidão. Diante do seu ‘por
quê?”, questiono-o “e se você se perder da mamãe?”. Ele me dirige a simples
enunciação “Aí fodeu!” e ante minha reação de espanto “O que?”, ele reafirma
“Fodeu, fodeu, fodeu”. Sem esperar por aquela resposta, digo que não é legal
falar dessa forma. Mas, percebi que essas palavras certamente saíram de
interações de nós, os pais, que ele ouviu e aplicou com naturalidade e logo as
transformou em palavras próprias.
Tudo o que me diz respeito, a começar por meu nome, e que penetra em minha
consciência, vem-me do mundo exterior, da boca dos outros (da mãe, etc.), e me é
dado com a entonação, com o tom emotivo dos valores deles. Tomo consciência
de mim, originalmente, através dos outros: deles recebo a palavra, a forma e o
tom que servirão para a formação original da representação que terei de mim
mesmo (BAKHTIN, 1992, p. 378).
3. A PALAVRA DA PROFESSORA
18 Nossa cidade natal onde passamos morando um ano devido ao meu estágio pós doutoral.
Na verdade, não sei como o Lucca chegou a esse youtuber. Sei que ele estava
numa onda de assistir aos vídeos todos os dias e, claro, nós pais, não gostamos do
conteúdo, mas não víamos na proibição uma forma razoável de resolver o problema.
Ao investigarmos mais sobre, descobrimos que a febre estava entre vários
amiguinhos da turma da escola.
Sempre que ele estava assistindo e rindo das barbaridades apresentadas, o pai
ou eu dizíamos a ele que aquilo não era engraçado, que não gostávamos dos vídeos.
Ele rebatia com argumentações plausíveis, dizendo que tínhamos de gostar do
Luccas Neto porque ele fazia vídeos para crianças e que, portanto, era bom.
Sem muito sucesso de tirarmos esse foco de escolha pelos vídeos do youtuber,
apelamos para a professora19, pedindo a ela que conversasse com a turma para que
refletissem sobre o que assistiam, especialmente, sobre o conteúdo dos vídeos em
questão.
Nesse momento, já sabíamos do impacto que as palavras da professora
causaria no Lucca. Certo dia, ele voltou da escola dizendo que não podia ir com a
jaqueta de frio que usava porque não era uniforme. De fato, a jaqueta não fazia parte
do uniforme, já que não apresentava o logo da escola, mas era da cor azul-marinho,
elemento exigido pela mesma. A resistência dele em não usar a jaqueta foi tão grande
que fui falar com a professora e esta me confirmou que havia de fato dado a
orientação sobre o uso de jaquetas, mas que não tinha sido para o Lucca que estava
de azul marinho e sim para crianças que estavam vestindo jaquetas de cores
diferentes das previstas para o uniforme como, por exemplo, rosa. Após a professora
reforçar - olho no olho - que a orientação dada por ela não se aplicava ao caso dele, a
jaqueta azul marinho foi novamente utilizada sem maiores problemas.
Pois bem, a professora – compartilhando da nossa preocupação quanto a
influência negativa do youtuber na educação das crianças – conversou com a turma
e argumentou de forma que as crianças compreendessem que não era saudável
1130
Página
19Agradecimento especial à professora do Pré A Jéssica Priscila Centena por toda a dedicação e amor dispensada
ao Lucca e aos seus amigos de turma, no ano de 2018.
É na mais tenra idade que vemos esse realidade da palavra tornar-se real. E
mais, o impacto delas na vida de uma criança que já toma decisões, já lida com
posicionamentos cheios de sentidos e, portanto, ideológicos.
No momento, estamos vivenciando outra questão dialógica com a professora
com respeito ao uso da mamadeira... Mas esse tema fica para outra narrativa.
20No período de um mês, após a orientação da professora, aconteceu de uma vez pegarmos ele querendo assistir
Página
aos vídeos do youtuber, mas quando o questionamos “o que você está assistindo?”, ele tirou e nos fez prometer
que não contaríamos o ocorrido à professora.
Eu demorei para prestar atenção ao que ele dizia. Quando voltei a atenção ao
que ele dizia, deparei-me com a cena da leitura e do acompanhamento dele com o
dedo no cartão, dizendo seguidamente “U-VA. U-VA. Está escrito UVA”.
Qual não foi a minha emoção diante da cena de ver o meu filho demonstrar
esse início de comprensão do mundo escrito por meio da leitura justamente com essa
palavra. Uva.
Como não me lembrar de toda a reflexão do nosso caríssimo Paulo Freire?
Como não rememorar a sua tão significativa afirmação de que,
Não basta saber ler que Eva viu a uva. É preciso compreender qual a posição que
Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem
lucra com esse trabalho.
cadeira, recebe um capim para segurar e a orientação que - enquanto estiver com o
mesmo nas mãos - ela deve responder ‘capim.’ Obviamente, a explicação fica
obscura, uma vez que a não compreensão por parte da criança faz parte do riso e,
Página
Essa díade, os atos amorosos e as palavras da mãe contribuem para revelá-la com
seu tom emotivo-volitivo que impregna o clima em que se individualiza e se
estrutura a personalidade da criança, um clima imbuído de amor no qual ela
encontrará seu primeiro movimento, sua primeira postura no mundo. A criança
começa a ver-se, pela primeira vez, pelos olhos da mãe, é no seu tom que ela
começa também a falar de si mesma, como que se acariciando na primeira
palavra pela qual expressa a si mesma (BAKHTIN, 1992, p. 68).
entrando na cabeça do Lucca pelas interações que ele estabelece com o mundo, muito
além do meu domínio e compreensão. Claro que no meio da brincadeira, quando o
palhaço pediu para ele aguardar, ele soltou um “posso ir com a minha mãe?” que o
Página
Assim, finalizo o ato de narrar e, nesse regresso ao meu lugar, renovo as fronteiras
que me constitem mãe e ser ‘outro’ do Lucca. Deixemos então a vida seguir o seu
curso, pois como sabiamente disse Paulo Freire (1996, p. 76) “O mundo não é. O
mundo está sendo”.
REFERÊNCIAS
RESUMO
Este estudo discute a suposta imparcialidade da mídia a partir da análise de duas entrevistas
de candidatos à presidência do Brasil em 2018. O corpus traz discussões/respostas dos
espectadores a partir do que assistiram no programa. Desse modo, busca apresentar a
percepção/refração do outro sobre o discurso do eu. A pesquisa traz Bakhtin (2015, 2016)
como base teórica, considerando que ele trata sobre polêmica aberta e velada, bem como
sobre os gêneros do discurso, respectivamente. Como resultado, aponta que o espectador,
tanto o comum quanto oriundo da própria mídia, valora a entrevista e se posiciona
axiologicamente sobre ela, de forma dialógica.
INTRODUÇÃO
E
m tempos de fake news22, discute-se, desde sempre, sobre a imparcialidade da
mídia. Tal discussão sempre volta à tona, em épocas como a atual, de
efervescência de campanha eleitoral. Nesse período, muitos veículos de
comunicação realizam debates com candidatos e a postura dos jornalistas parece
mudar de acordo com o posicionamento do veículo, ou mesmo com o
posicionamento pessoal. Com base no direcionamento dado a cada entrevista, surge
o que Bakhtin chama de responsividade. Para Bakhtin (2016, p. 147):
21 Mestre em Linguística Aplicada. Aluna especial de doutorado na Universidade Federal do Rio Grande do
Página
Como se pode ver, o autor do meme demonstra seu ponto de vista a partir da
inserção da imagem de dois patos no lugar dos dois apresentadores do programa.
Com isso, busca polemizar o tema, indicando que os apresentadores não foram
isentos, nem imparciais, mas que se posicionaram axiologicamente, representando as
respectivas escolhas político-partidárias (próprias ou do véiculo) nos
questionamentos feitos ao candidato, ou mesmo evitando que este expusesse seu
ponto de vista, interrompendo o seu raciocínio. Tanto é que a Revista Fórum (2018)
registrou que o candidato foi interrompido mais vezes que os outros presidenciáveis
durante a entrevista: “Dentre todos os candidatos entrevistados na bancada do Jornal
1137
Nacional, Fernando Haddad foi o que mais sofreu interrupções: foram 62 vezes, mais
23 Os memes, gênero discursivo que circula na mídia, em sites de internet, em aplicativos de bate-papos, são
Página
criados e rapidamente ganham circulação na mídia, viralizando, ganhando popularidade. Consistem em uma
manifestação cultural em resposta a um fato, a um acontecimento.
Nesse caso, temos uma polêmica aberta, explícita, em que o autor do texto
critica o posicionamento da dupla de apresentadores, que deveria demonstrar a
imparcialidade que a mídia prega.
24Por um posicionamento político-ideológico, o nome do candidato não será mencionado. Poderá, nesse caso,
receber outros termos que não sejam o seu nome próprio, que figurará entre colchetes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Orientado para o seu objeto, o discurso se choca no próprio objeto com o discurso
do outro. Este último não se reproduz, é apenas subentendido, a estrutura do
discurso seria inteiramente distinta se não houvesse essa reação ao discurso
subentendido do outro (BAKHTIN, 2015, p. 224).
1141
Esse posicionamento velado, ou discurso polêmico interno, pode ser visto por
meio do comportamento dos apresentadores, na entrevista concedida por Haddad,
Página
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2016.
BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo:
Hucitec, 2015.
COLETTA, Ricardo Della. [bozo] mentiu ao falar de livro de educação sexual no ‘Jornal Nacional’. El
País, 30 ago. 2018. Disponível em:
<https://brasil.elpais.com/brasil/2018/08/29/politica/1535564207_054097.html>. Acesso em: 14 set. 2018.
1142
em: <https://www.revistaforum.com.br/haddad-foi-interrompido-62-vezes-no-jornal-nacional-
alckmin-17/>. Acesso em: 15 set. 2018.
1143
Página
RESUMO
Tratar da teoria do Círculo de Bakhtin requer esforços que, muitas vezes, significa trazer
para nosso contexto e para nossa realidade o que escreveram os autores. Neste trabalho,
nosso objetivo é relacionar a noção de gêneros discursivos com as novas tecnologias digitais
e entender como o funcionamento de um enunciado, formatado sob um determinado
gênero, se formula e se recria na era digital que estamos vivendo, com a ascenção das
múltiplas faces semióticas, que relacionadas ao conteúdo extraverbal, tornam-se estratégias
estilístico-composicionais para atender a um propósito dialógico definido. Para tanto,
tomamos por base os escritos do Círculo de Bakhtin (VOLOSHINOV; BAKHTIN, 1926;
BAKHTIN, 2010[1928], 2011[1979]; VOLOCHÍNOV, 2013[1930]; BAKHTIN/VOLOCHÍNOV,
2014[1929], entre outros) e de autores contemporâneos que dialogam com a perspectiva da
proposta dialógica de tais autores. Tomamos como objeto de análise um vídeo publicado na
página “Quebrando o Tabu”, publicado na rede social “Facebook”.
INTRODUÇÃO
M
esmo nos dias de hoje, a teoria do Círculo de Bakhtin (a publicação das
primeiras obras já estão chegando a 100 anos) parece ser cada vez mais
contemporânea e cada vez mais verossímil com nossa realidade. Isto se dá,
não apenas do ponto de vista do ensino de línguas, mas também das práticas sociais
de uso da linguagem como um todo .
Entretanto, os teóricos do Círculo não viveram certas experiências advindas
com a era da informação digital, quando novos processos e novas configurações
enunciativas nos são disponibilizados todos os dias. O som, a imagem, o ritmo, o
jogo de cores, a luminosidade, entre outros aspectos gráficos, multimodais e digitais
são parte constitutiva dos enunciados. Do ponto de vista dos teóricos do Círculo, isso
1144
do Oeste do Paraná (UNIOESTE), sob a orientação da Professora Doutora Terezinha da Conceição Costa-Hübes.
fgregol70@gmail.com
Tratar dos conceitos da teoria do Círculo de Bakhtin não é tarefa fácil, pois os
conceitos não estão bem definidos em uma única obra. Além disso, há certa flutuação
terminológica em relação a alguns termos, e muitas obras não foram sequer
finalizadas. Partimos do conceito de dialogismo, pois entende-se que este é a
concepção de linguagem adotada pelos teóricos.
O dialogismo, portanto, nasce das críticas feitas, principalmente, na obra
Marxismo e Filosofia da Linguagem (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2014[1929]), em
relação ao que os autores denominaram subjetivismo individualista/idealista e ao
objetivismo abstrato. Obviamente, este conceito perpassa toda a obra do Círculo, pois
regerá toda a arquitetônica bakhtiniana.
O subjetivismo individualista/idealista, de acordo com Bakhtin/Volochínov
(2014[1929]), concebe a língua como um fenômeno psicológico, isto é, que os usuários
da língua apenas a usam para externar seu próprio pensamento, suas verdades e
1145
suas ideias. Ainda que os autores entendem que a consciência é um dos fatores que
determinam os usos da linguagem, defendem que o processo ideológico e social é
que dão vida à esta linguagem. De acordo com os autores,
Página
nele veiculado.
O horizonte temático compreende o objeto discursivo do qual se fala em
estreita relação com o momento histórico e com a esfera de atividade humana onde
Página
Além dos aspectos da linguagem oral e escrita, também ressalta-se que o estilo
Página
O termo “verbo-visual” foi usado por Acosta-Pereira (2012) e trata da multimodalidade do enunciado. Significa,
26
portanto, dizer que outros recursos, além da escrita e da fala, são linguagens que constituem os enunciados.
Assim sendo, a autora defende que não se pode estabelecer uma estrutura
rígida para um dado gênero, haja vista que nem sempre os enunciados se
organizaram da mesma forma. Como diz Bakhtin (2011[1979]), os gêneros são “[...]
tipos relativamente estáveis de enunciados[...]”, uma vez que cada gênero tem sim
uma estrutura composicional pré-definida socialmente, mas que não é uma lei geral
para todos os enunciados que se constituem em torno de tal gênero.
Por último, destacamos que Bakhtin (2011[1979]) preconiza que os gêneros
podem ser orais e escritos. Atualmente, muitos autores defendem que os gêneros
assumiram múltiplas faces semióticas, principalmente, com o avanço de tecnologias
que, na época em que os teóricos do Círculo viveram, não existiam. Por isso, além
dos recursos de natureza verbal, até aqui expostos, de acordo com Lemke (2010), é
necessário que entendamos que o som, a imagem, a seleção de cores, os movimentos,
o tom de voz, a posição em que cada elemento se coloca no enunciado trata de
recursos visuais, que são também aspectos constitutivos dos enunciados. Trataremos
tais aspectos, neste trabalho, como recursos estilísticos e composicionais, uma vez
que também se manifestam, agora, num plano verbo-visual.
vinculada à rede social Facebook. A relevância deste objeto de análise se dá pelo fato
de o Facebook ser uma rede social muito usada em todo o mundo, além de ser a mais
usada no Brasil. De acordo com Fujisawa (2015), o Facebook tem 89 milhões de
Página
usuários apenas em nosso país. Além disso, a página supracitada é curtida por
27 “Linha do Tempo” é a página inicial de cada usuário que contém informações de páginas curtidas e
Página
FONTE: Facebook
Página
29A última visita feita à página para verificar como o “post” foi valorado pelos usuários do Facebook, foi 29 de
agosto de 2018.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
______.[1979]. Estética da Criação Verbal. Tradução do russo por Paulo Bezerra. 6. ed. São Paulo-SP:
Martins Fontes, 2011.
Página
“O que ocorre, de fato, é que, quando me olho no espelho, em meus olhos olham
olhos alheios; quando olho no espelho não vejo o mundo com meus próprios
olhos desde o meu interior; vejo a mim mesmo com os olhos do mundo – estou
possuído pelo outro”. Mikhail Bakhtin
M
uitos poderão olhar para este texto e dizer: - isso não é um trabalho
acadêmico; quem o escreveu está, para usar a gíria do momento, “fora da
casinha”. Para aqueles que assim o entenderem, fiquem à vontade,
realmente, não me importo. Na minha defesa, digo que, a princípio, havia escrito
uma breve análise da obra Le Tartuffe de Molière. Porém, percebi que não – pelo
menos nesse momento- queria falar sobre esta obra. Tenho certeza (e plena) que,
muitos avaliadores teriam gostado mais se este “texto” estivesse tratando de algo
mais acadêmico. Sinto, ou melhor, não sinto nada em decepcioná-los. Como diz La
Agrado, personagem do filme Todo sobre mi madre, de Almodovar: hay que pedir
perdón, pero hay cosas que son imperdonables. Y pidió perdón con un ramo de rosas. Solo la
crueldad no tiene perdón!
Provavelmente, muitos também devem estar se perguntando sobre o que vou
tratar então, não é mesmo? A resposta não é simples nem para mim. É, justamente,
sobre mim que resolvi falar. Talvez uma autobiografia quase profana, mas não
rabelesiana. Ou, para usar um conceito mais do acadêmico: uma autoetnografia, o
que para alguns cientistas da linguagem não é ciência. Enfim, a justificativa para esta
escolha deve-se ao fato de que estou numa confusão sentimental, existencial, de
identidade e de relações afetivas, isto é, estou arrasada, como canta Angela Rô Rô:
Balada da Arrasada
30 Texto produzido pelo bolsista do PET Letras (Programa de Educação Tutorial), no Curso de Letras na
Universidade Federal do Pampa – UNIPAMPA. E-mail: olandaicarocesar@outlook.com
Essa tem sido uma das músicas que tem me acompanhado por longos dias,
juntamente com copos de vodka sem gelo. Sinto-me tão confuso que não tenho
suportado o reflexo de mim em meu espelho, pois não me vejo como explica a
epígrafe deste texto. Ando cansado demais, sem fome e com medo de não encontrar
respostas para minhas inquietações. Tenho usado Zygmunt Bauman para quase tudo
e meus amigos dizem que esse é meu mal mas, quando lhes escuto, vejo todos no
mesmo barco. A diferença entre nós é que eles são arrogantes demais para
perceberem que podem sofrer, afinal isso pode ser um crime no entendimento deles.
O meu “objeto” de análise é, como já disse, meu próprio ser eticamente
responsável que não tem álibi, para me referir novamente a Bakhtin. Dessa forma,
preciso descrever algumas características fundamentais para essa “análise”. Me
chamo Icaro Cesar Cainan, tenho 21 anos, sou paulistano, GAY, e comecei a trepar há
dois anos. Antes disso, nem tinha beijado ainda. Sou graduando em Letras numa
cidade do extremo sul do Rio Grande do Sul que faz fronteira com o Uruguai, este
último dado importantíssimo. Uma cidade ou duas? Um rio separa duas culturas que
se hibridizam.
Bueno, Gay, Paulistano, cursando Letras, na Fronteira, procurando entender
sua Identidade, assim como as cidades sempre em diálogo. Esses são os nossos
elementos que serão tecidos ao longo do texto, não necessariamente na ordem
descrita. Primeiro, uma questão filosófica básica: quem sou eu? Quais são os
elementos que me constituem? Esses são os pontos que começo a delinear e, para
tanto, tomo emprestado o pensamento de Rajagopalan de que “A identidade de um
sujeito se constrói na e através da língua” (Rajagopalan, 2003, apud OLIVEIRA, 2018,
p. 11). Desse modo, devemos nos atentar que não existe neutralidade na língua(gem),
isto é, ao contrário, ela é constituída pela história, cultura, ideologia e subjetividade
de seus falantes que, por estarem inseridos num determinado sistema linguístico-
sócio-histórico-cultural, a (re)construção de suas identidades está condicionada a
1158
interessante é que apesar de nossa identidade estar atrelada à língua, ela é sempre
petrificado nos meus sonhos e nas situações reais quando algo parecido se
materializa. Podemos, pelo viés dos Estudos Culturais, estabelecer, talvez, uma
unidade de sentido, em especial na sociedade latino-americana que é marcada por
Página
Às vezes, penso se minha mãe não foi (está sendo) um pouco Amélia. Fico
apreensivo, mas sei que ela é forte e resistente. O problema é que não é raro muitas
Paulas, Cristinas, Marias e tantas outras mulheres se tornarem as Amélias que
Roberto canta. Muitas entram num estado de aceitação e (sobre)vivem. Mas o que
isso tem comigo? Tudo. Eu cresci no meio desse discurso. Isso afeta qualquer sujeito.
Meu pai, vez ou outra, fazia um comentário homofóbico: - Já que você gosta de lavar
roupa, vou arrumar pra você lavar as dos peões da roça. Pelo contrário, não gosto de
lavar roupa, mas eu lavava porque era uma forma de ajudar minha mãe, já que não
tínhamos lavadora automática. A língua é capaz de ferir alguém, de deixar marcas
que nem anos de terapias podem resolvem, podem apagar da memória.
Agora, aos 21 anos, na metade do curso de Letras, começo a entender o poder
da Língua(gem). Outro dia me deparei com um conto do escritor gaúcho Caio
Fernando Abreu intitulado Os Sobreviventes. Li e bebi muito depois do trecho que
segue:
Já li tudo, cara, já tentei macrobiótica psicanálise drogas acupuntura suicídio ioga
dança natação cooper astrologia patins marxismo candomblé boate gay ecologia,
sobrou o quê? Não é plágio do Pessoa não, mas em cada canto do meu quarto
1160
tenho uma imagem de Buda, uma mãe Oxum, outra de Jesuisinho, um pôster de
Freud, às vezes acendo vela, faço reza, queimo incenso, tomo banho de arruda,
jogo sal grosso nos cantos, não te peço solução nenhuma [...] (ABREU, 2002, p.
Página
103).
[...] É nesse ponto que deve ser sensibilizada a alotropia fenomenológica das
ressonâncias e das repercussões. As ressonâncias dispersam-se nos diferentes
planos da nossa vida no mundo; a repercussão convida-nos a um
aprofundamento da nossa própria existência. Na ressonância ouvimos o poema;
na repercussão o falamos, ele é nossa. A repercussão opera uma inversão do ser.
Parece que o ser do poeta é o nosso ser. (BACHELARD, 2008, p. 7).
aplicativo de paquera no qual o sujeito pode selecionar a orientação sexual que lhe
identifica. Eu instalei e logo vários matched me colocaram num mundo que eu, ainda,
não fazia parte. Esse mundo está relacionado a outros gays e suas historias que eu
Página
não fazia ideia, suas histórias, experiências, anseios e medos que hoje eu também
[...]
Mas como é que faz pra sair da ilha?
Pela ponte, pela ponte
Como é que faz pra sair da ilha?
Pela ponte, pela ponte
A ponte não é de concreto, não é de ferro
Não é de cimento
A ponte é até onde vai o meu pensamento
A ponte não é para ir nem pra voltar
A ponte é somente pra atravessar
1162
ABREU, Caio F. Fragmentos: o histótias e um conto inédito. Seleção de Luciano Alabarse. 1 ed. Porto
Alegre: L&PEM, 2002 – (Coleção L&PM Pocket).
BACHELARD, Gaston. A poética do espaço . Tradução Antonio de Pádua Danesi. 2 ed. São Paulo:
Martins Fontes, selo Martins, 2008 – (coleção tópico).
CARLOS, Roberto. Ai Que Saudade Da Amélia. Disponível em: < https://www.letras.com/roberto-
carlos/87939/>. Acesso em: 13 set. 2018.
OLIVEIRA, Adelaide P. O conceito de cultura e a identidade do falante de L2. Disponível em:
www.filologia.org.br/ileel/artigos/artigo_061.pdf . Acesso em: 15 abr. 2018, (p. 11-22).
PIMENTEL, Lenine. A Ponte. Disponível em: < https://www.letras.mus.br/lenine/88970/>. Acesso em:
13 set. 2018.
RÔ RÔ, Angela. Balada da Arrasada. Disponível em: < https://www.letras.mus.br/angela-ro-
ro/44142/>. Acesso em: 13 set. 2018.
1163
Página
RESUMO
Com o intuito de refletir sobre a escrita, nosso estudo objetiva analisar como aluno com
Transtorno do Espectro Autista Leve (TEA) manuseia a linguagem em registro escrito na
escola. A análise será feita com base no conceito bakhtiniano de enunciado (BAKHTIN,
1992[1979]), e em documentos educacionais oficiais que norteiam o trabalho pedagógico dos
professores do estado do Paraná (PARANÁ, 2008). Trata-se de uma pesquisa documental
(cujo corpus compreende a escrita de um aluno com Síndrome de Asperger (SA,
denominada mais recentemente de Transtorno do Espectro Autista leve/TEA leve) orientada
pelo conceito interacionista de linguagem, e amparada na abordagem teórica
transdisciplinar na área da Linguística Aplicada (LA). Interessou-nos observar como as
relações dialógicas, que perpassam os elementos constitutivos do enunciado, configuram a
escrita de aluno com TEA leve.
INTRODUÇÃO
A
presente análise supõe uma reflexão a respeito da noção de gêneros
discursivos, uma vez que o texto se apresenta em conformidade com as
formas concretas de comunicação social. Segundo Bakhtin, os gêneros
discursivos – tipos de enunciados usados na interação verbal – organizam-se em três
dimensões: o conteúdo temático, a construção composicional e o estilo linguístico
(BAKHTIN, 1992[1979]).
O conteúdo temático refere-se ao conjunto de temáticas que podem ser
abordadas por um determinado gênero, é a dimensão temática. A construção
composicional ao modo como o texto é apresentado, a sua disposição, seu
acabamento. Esse elemento acompanha padrões de composição definidos pela
1164
31 Doutora em Estudos da Linguagem. Docente do Curso de Letras, do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu
em Letras - Mestrado Profissional/PROFLETRAS, e do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Letras/PPGL, na Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE. E-mail:
carmen.baumgartner@yahoo.com.br
Página
32 Mestranda em Letras pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Docente da rede pública municipal de
1. CONCEPÇÃO DE LINGUAGEM
A linguagem à medida que vai se tornando mais complexa, por meio das
relações sociais, expande seu grau de abstração (VIGOTSKI, 1996). É uma atividade
prática, que não se simplifica no papel de transmitir as experiências.
Segundo Bakhtin (BAKHTIN, 1992[1979]), o caráter dialógico é o princípio
fundador da linguagem. Isso significa que o estudo da linguagem, analisa a
produção de sentido que ocorre em um contexto em que sujeito e linguagem estão
inseridos.
Conforme Brait (1997), o dialogismo na teoria bakhtiniana pode ser entendido
como o componente natural interdiscursivo da linguagem, pois “o permanente
diálogo, nem sempre simétrico e harmonioso, existe entre os diferentes discursos que
configuram uma comunidade, uma cultura, uma sociedade” (BRAIT, 1997, p. 98).
Portanto, o dialogismo se constitui como território comum do locutor e do
interlocutor. Na próxima seção, abordaremos sobre gênero discursivo, assunto que
consideramos ser essencial para a concretização da linguagem escrita na escola.
espaço e ao tempo.
Nessa perspectiva, o entendimento de gênero discursivo relaciona-se à língua
em práticas comunicativas reais, construídas por pessoas que interagem por meio
Página
[...] Quando a escola trabalha para reproduzir nos indivíduos a cultura em suas
formas mais ricas e desenvolvidas, não está matando a criatividade, mas sim
construindo bases efetiva das quais os indivíduos pode desenvolver a
criatividade desde os mais simples e elementares atos da vida cotidiana até as
mais elevadas formas de produção humana (DUARTE, 2016, p. 18).
33Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (Diagnostic and Statistical of Mental Disorders – DSM V
(APA, 2014).
34Usaremos nesta seção Síndrome de Asperger (SA) para referirmos as pessoas com TEA leve, em consideração a
importância que Hans Asperger teve nos estudos dessa síndrome.
Assim, tal como aponta Klin (2006), a pessoa com SA pode apresentar
múltiplos sintomas e uma variedade de manifestações clínicas em uma intensidade
de níveis de desenvolvimento.
Ao considerar a perspectiva Histórico-Cultural, a educação se torna um
processo de aprendizagem que impulsiona o desenvolvimento humano (VIGOTSKI,
2000). As possibilidades de desenvolvimento de uma pessoa com deficiência seguem
a direção da compensação social das limitações funcionais. A compensação social
dito por Vigotski (1996) refere-se a busca da pessoa em superar as limitações com
base em instrumentos artificiais, ou seja, por meio da educação especializada e
sistematizada, a pessoa com SA pode se apropriar dos conteúdos trabalhados pelo
professor.
Na próxima seção, abordaremos a transcrição e análise de 01 texto de 01 aluno
com AS (ou TEA leve).
1171
Página
Nessa seção trazemos a transcrição do texto de um aluno com TEA leve dos
anos do Ensino Fundamental II, de uma escola da rede pública da zona urbana de
um município da região do Oeste do Paraná.
Quadro 01
Produção de texto
Elabore um texto descritivo de como é sua vida, com quem você mora, fale um pouquinho
de cada pessoa da sua casa. Qual é a importância de seus pais em sua vida? “Seja
padrasto/madrasta”, o que eles fazem que você gosta e o que eles fazem que você não gosta. Se
você tiver irmãos como é o seu relacionamento com eles. Caso tenha acontecido algum fato que
marcou sua vida também pode relatar.
Seja criativo, você vai falar sobre um assunto que você domina muito bem! Que é sobre
você. Capriche, lembre-se todo texto tem começo, meio e final.
VIDA...BR.
NASCI EM 2006 COM 0 ANOS, ESCREVI ESSE RELATO EM 29/05/18 COM 11 ANOS E
QUASE MEIO (UM POUCO MAIS DE MEIO). MORO COM MINHA MÃE QUE TA GRAVIDA
NOS SEGUNDOS QUE ESTAREI ESCREVENDO O TEXTO. TENHO 99,7 DE PORCENTO DE
CERTEZA QUE ELA NÃO DARÁ LUZ AGORA. TENHO UM PADRASTO CHAMADO
RUBENS QUE AMO MUITO COM TUDO DE DIREITO DIREITADO. VOU TER UM IRMÃO
CHAMADO KALEL QUE NACERÁ 99,8 DE PORCENTOS DE CERTEZA DE SER SETEMBRO.
MEU PAI FACELEU EM 201X (X = 6 OU 7) ISSO MARCOU 99,9 DOS PORCENTOS DELA.
TENHO UM BOM Q.I. QUE DEU UNS ALTOS E BAIXOS EM 2018 PELA PRIMEIRA VEZ.
ACHO OS NÚMEROS INTERESSANTES E CHATOS! GOSTO DO BURGUER KING E JA FUI
PARA SÃO PAULO ONDE CONHECI MEU MELHOR AMIGO CHAMADO FNAF, MEU JOGO
FAVORITO. TENHO AMIGOS NA ESCOLA QUE SÃO NERDS E UM AMIGO LEGAL
CHAMADO ALBERTO. MINHA VIDA ESTÁ MUITO BOA E MUITO LEGAL. MEU FUTURO É
COMO O X NA MATEMATICA, NÃO É CONFIRMADO COMO SERÁ. MAS AINDA TENHO
PREVISÕES. TIPO: NESSE DIA SEGUINTE NÃO TEREI AULA. EU QUERIA TER UM
FRIGOLBAR PARA CHAMAR DE MEU. MINHA VIDA É MUITO LEGAL E POR MAIS QUE EU
GOSTE DE COMER, EU AINDA SOU BONITO. PELO MENOS NA VISÃO DA MINHA MÃE,
PORQUE EU TENHO 99,9% DE CERTEZA QUE SOU “JAPONEZ DA FEDERAL”. NÃO ME
ACHO BONITO. EU GOSTO DE STAR WARS E DE DANÇAR. EU NÃO ME LEMBRO DE
FAZER ALGUMA MIGRAÇÃO FORÇADA PERMANENTE. SÓ A DE X. MAS JÁ FIZ
MIGRAÇAO FORÇADA TEMPORARIA.
Fonte: Banco da dados das pesquisadoras.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo teve como objetivo compreender como aluno com TEA leve
manuseia a linguagem escrita materializada na sala de aula no Ensino Fundamental
II da área urbana de um município do Oeste do Paraná. Considerando que a
linguagem é a mediadora deste processo, o nosso trabalho ancorou-se teoricamente
na perspectiva Histórico-Cultural do desenvolvimento humano, tal qual formulada
por Vigotski (1988, 1991,1996), articulada aos estudos de Bakhtin (BAKHTIN,
1992[1979]).
Por meio das teorias que nortearam nosso trabalho, vimos a importância da
linguagem escrita para o desenvolvimento de qualquer pessoa. Desse modo,
compreendemos que dominar o sistema de signos necessita novos instrumentos de
pensamento, já que a linguagem escrita, conforme Luria (1986) é decorrente de uma
aprendizagem específica, na maioria das vezes derivada de uma educação formal.
Assim, é necessário pensar que o processo do ensino e da aprendizagem da
escrita não são puramente mecânicas, mas sim práticas culturais. E para aluno com
AS (TEA leve) não poderia ser distinto, visto que quando incluso no ensino regular,
tem ensejos de interações entre os sujeitos.
Esta pesquisa, logo, permitiu instigar reflexões que não se esgotam nesta
abordagem, mas se desdobram em novos momentos de pesquisa. É um tema
complexo que tem envolvido diferentes áreas do conhecimento, como da linguagem,
saúde, educação e direito. Portanto, acreditamos que nossa pesquisa poderá
contribuir no processo de e aprendizagem de linguagem escrita de pessoas com AS
(TEA leve) no âmbito escolar.
REFERÊNCIAS
1175
ASSUMPÇÃO JR., F.B. (Org.). Transtornos invasivos do Desenvolvimento Infantil. São Paulo:
Lemos Editorial, 1997.
2011a, p. 37-42.
_____. Condições associadas aos transtornos do espectro do autismo. In SCHWARTZMAN, J.;
ARAÚJO, C. (Eds.). Transtornos do espectro do autista. São Paulo: Memmon, 2011b, p. 123-143.
Página
1177
Página
RESUMO
INTRODUÇÃO
A
filosofia da linguagem desenvolvida pelo Círculo de Bakhtin possui um
caráter sistemática e aberto, o que tem permite ser tomada como
fundamentação teórica em diversas pesquisas no Brasil e no mundo. Tais
atividades ultrapassam, inclusive, as áreas das Letras ou mesmo das humanidades.
No campo de dados da Capes/CNPq, há registro da teoria bakhtiniana como aporte
para investigações científicas no campo da engenharia, biologia e química.
Diante de referida extensão, este trabalho procura observar o processo de
elaboração e delimitação da filosofia bakhtiniana e entender a possibilidade de sua
amplitude nos horizontes teórico-metodológicos bem como apontar outros caminhos.
Para isso, analisaremos o contexto em que se desenvolve o pensamento
bakhtiniano, isto é, as condições sociais, culturais, políticas e teóricas na União
Soviética no início, sobretudo, dos anos 20 até 1970. Consideraremos também as
principais perspectivas teóricas e movimentos artísticos contemporâneos ao grupo de
intelectuais russos, além das tradições, com os quais os estudiosos tenham dialogado.
No intuito de compreender, a construção da teoria bakhtiniana, abordaremos
1178
a questão da autoria das obras e dos conceitos, como isso se deu na recepção do
Página
36O título em português também pode ser encontrado como “Discurso na vida, discurso na arte”, tradução feita,
Página
a partir do inglês, por Carlos Alberto Faraco, para fins acadêmicos. Este ensaio, no Brasil, possui coautoria de
Volóchinov e Bakhtin.
37Poética, na língua russa, equivaleria ao que comumente chamamos por literatura, isto é, uma categoria mais
geral de textos verbais elaborados em uma linguagem artística.
Por ser construção, e pelo fato de o seu sentido se determinar na relação que cada
procedimento mantém com o seu contexto de ocorrência (contexto, aqui, não no
sentido inaceitável de localização do discurso enunciado no entorno da situação
extradiscursiva onde ocorre a enunciação, mas sim no sentido exclusivamente
linguístico, de unidade de nível maior constituída, y, que contém o objeto x, a
investiga, como um de seus constituintes no nível inferior), sendo cada um desses
contextos necessariamente original - quer dizer, irrepetível e, como tudo o que nos
aparece pela primeira vez vez, irreconhecível, cada procedimento literário é sempre
1182
Mais adiante, os autores citam que essa noção mais fechado de se conceber a
obra, muito forte no primeiro momento (dos anos 1914 a 1925), ganha abertura no
Página
palavra uma forma de comprender o outro e si. Tal ideia se assemelha à articulação
que o Círculo faz entre ouvinte, falante e contexto no processo enunciativo da
palavra, como ato bilateral. De acordo com Américo (2014), outra ideia utilizada por
Página
(1895 – 1969), que presidiu a linguística soviética após Segunda Guerra Mundial. No
Página
Tal fato ocorre pois, tal qual já consideramos aqui, a literatura e vida estão, na
URSS, inseparáveis. Isso reforça nossa hipótese de pesquisa, a qual consideramos que
a teoria bakhtiniana, embora se debruça no material verbal, a sua concepção de
palavra é alargada, pensando a linguagem como todo – a sonora, visual e verbal – e
sua relação com cultura. Mas, diante das condições sociohistóricas, o Círculo utiliza-
se da palavra poética, dada a estritita semiose com a vida, para desenvolver sua
filosofia.
No artigo mencionado, escrito por Bakhtin sobre ensino de língua e a
estilística, este dialoga com Vinográdov, principalmente, a respeito da abordagem e
1185
38 A edição brasileira traduzida por Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo conta com um ensaio das
tradutoras e outro da organizadora e editora das notas, Liudmila Gogotichvíli, com colaboração de Savtchuk, Os
dois textos serviram de suporte para a reflexão feita aqui.
Página
39 AKHMÁNOVA, O. Dicionário de termos linguísticos [Slovar lingvistítcheskikh terminov], Moscou, Kníjni dom
41A própria denominação “Círculo de Bakhtin” se deve, em grande parte, por ter sido o que mais viveu e do qual
1187
se obteve mais informações, além do contato direto com o pensador. Pois, ao compararmos com outros “círculos”
e “escolas”, o usual era denominar-se o grupo a partir da cidade onde atuaram, o que no caso de Bakhtin, é pouco
viável dado ao caráter itinerário do grupo diante das condições sociohistóricas. Nesse sentido, seria até mais
coerente referir-se ao grupo Círculo BMV, pois, embora não contemple a todos os membros, ao menos nos
Página
permite uma abertura maior à imagem do grupo. Nesta pesquisa, quando nos referimos a Bakhtin, sobretudo nas
relações e influências dos pensamentos na constituição da filosofia, pensamos no grupo como um todo.
42As disputas pelas assinaturas, em especial, dos principais textos – Marxismo e Filosofia da Linguagem, “Discurso
Página
na vida, discurso na arte”, Método Formal nos Estudos Literários, Freudismo etc – giram entorno dos nomes de
Bakhtin, Medviédev e Volóchinov.
A partir dessa reflexão, é que nos parece apropriado olhar para as traduções
das obras do Círculo de Bakhtin, pois nesse processo enxergamos não apenas a voz
do autor, mas também do tradutor e de sua cultura. Essa é, inclusive, uma das
distinções que Morson (2003) relata das pesquisas entre estrangeiros e russos durante
a Conferência do Centenário de Bakhtin, segundo a autora
43 Grifos da autora.
consta na bibliografia.
46 BRANDIST, C. Repensando o Círculo de Bakhtin. Trad. Helenice Gouvea. São Paulo: Editora Contexto, 2012. Há
também a obra The Bakhtin Circle – Philosophy, Culture and Politics. London: Pluto Press, 2002.
47 TIHANOV, G. The Master and the slave – Lukács, Bakhtin, and the ideas of their time. Oxford: Clarendon Press,
Página
2000.
48 No Brasil, a obra chegou com o título Questões de Literatura e Estética.
disciplinares diversos, que vai da história das tradições populares e da etnologia até
personalidade – isto é, uma abertura à palavra do outro. E que, por diálogo, entende-
49 SÉRIOT, P. Volosinov e a filosofia da linguagem. São Paulo: Parábola, 2015. / VAUTHIR, B (org). Slavica
Occitania Numéro 25 – Mikhaïl Bakhtine, Valentin Volochinov et Pavel Medvedev dans le contexteeuropéen et
russe. France: Toulose, 2007.
50 GERALDI, J. W (Org). O texto na sala de aula - leitura e produção. Cascavel: Assoeste, 1984.
Página
51 FARACO, C. A et al. Uma introdução a Bakhtin. Curitiba: Hatier, 1988. / a tradução do ensaio de Volóchinov,
pesquisador e seu outro: Bakhtin nas Ciências Humanas (2001), de Marília Amorim; Vinte
CONSIDERAÇÕES FINAIS
propor uma filosofia da linguagem que pudesse analisar as relações sociais em sua
amplitude, incorporando suas diferenças, a vivacidade e dinamicidade do jogo em
sociedade. Nesse sentido, a Palavra transcende, para os estudiosos russos, e toma
Página
REFERÊNCIAS
inclassificável, v. 1).
PONZIO, A. O pensamento dialógico de Bakhtin de seu Círculo como inclassifícável. In:
VOLOSCHINOV, V. A construção da enunciação e outros ensaios. São Carlos: Pedro & João Editores,
Página
2013.
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo promover uma breve reflexão acerca das fronteiras
existentes (ou não) entre duas perspectivas linguístico-discursivas através das quais o estilo
é conceituado. A fim de cumprir esse propósito, apresentaremos, primeiramente, o estilo
através da perspectiva dos gêneros, utilizando como aporte teórico os postulados de Bakhtin
(2011) e, em seguida, demonstraremos como Discini (2004, 2007, 2015, 2015a) caracteriza o
fenômeno estilo, conferindo-lhe uma abordagem semiótica. Por fim, teceremos algumas
considerações sobre as fronteiras que encontramos entre as ideias bakhtiniana e disciniana,
os seus pontos de contato, e, especialmente, os diálogos que, do nosso ponto de vista, elas
estabelecem.
INTRODUÇÃO
L
ogo na primeira página de sua obra, Sant’anna Martins (2003) explica que a
Estilística é uma das disciplinas voltadas para os fenômenos da linguagem,
tendo por objeto o estilo. Contudo, consciente da complexidade na qual essa
temática está mergulhada, ela própria indaga na sequência: “e o que é estilo?”
(SANT’ANNA MARTINS, 2003, p. 1), questão sobre a qual a autora se debruça em
todas as páginas seguintes do seu livro.
Juntamente com Sant’anna Martins, diversos estudiosos da atualidade vêm se
dedicando a compreender a forma como o estilo se manifesta. Neste trabalho,
1199
52 Doutoranda em Linguística Teórica e Descritiva. Profa.do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
do Rio Grande do Norte (IFRN). E-mail: juzelly@gmail.com
53 Doutoranda em Linguística Teórica e Descritiva. Profa.da Liga de Ensino do Rio Grande do Norte (Complexo
54 Doutoranda em Linguística Teórica e Descritiva. Profa.do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
Para Bakhtin:
Acerca dessa constatação, Bakhtin chama ainda atenção para o fato de que se
1202
postura semiótica frente a essa temática e postula que tudo tem estilo. Segundo ela:
Cada texto, como unidade de sentido que se tem à mão para análise, apresenta
vetores de estilo, que reúnem as marcas da enunciação enunciada, as quais se
estendem aos mecanismos de textualização. Tais marcas, espalhadas num único
texto, remetem à totalidade, tal como o dado remete ao não dado. Assim os
vetores fazem ver o todo que subjaz à parte (DISCINI, 2015, p. 14).
[...] da relação entre uma constante – uma forma – e as variações sustentadas pela
forma, emerge o “homem” como estilo. Sob as flutuações enunciativas
decorrentes de cada situação de comunicação, fica robustecido o corpo de cada
autor da enunciação pressuposto a uma totalidade discursiva, que é fechada em
si como unidade de sentido, mas é também aberta. Imanência (fechamento em si)
e transcendência (abertura para o mundo) encontram-se na estrutura do corpo,
que é histórica. [...] O homem apresenta-se como éthos: imagem de quem diz,
dada por um modo recorrente e organizado de dizer, na apropriação feita pela
estilística discursiva, da noção de éthos vinda da retórica aristotélica (DISCINI,
2015a, p. 13). [Grifos da autora]
1204
Página
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ADAM, J. M. Le style dans la langue et dans les textes. Langue française. La stylistique entre
rhétorique et linguistique. n. 135, p 71-94, 2002.
BAKHTIN, M. Estética da Criação Verbal. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
DISCINI, N. O estilo nos textos: história em quadrinhos, mídia, literatura. 2a. Ed. São Paulo:
Contexto, 2004.
DISCINI, N. Estilística discursiva: modos de presença do sujeito. Revista do Programa de Pós-
Graduação em Letras da Universidade de Passo Fundo, v.3, n.2, p. 202 – 212, jul./dez., 2007.
DISCINI, N. Corpo e estilo. São Paulo: Contexto, 2015.
DISCINI, N. Inquietações sobre o estilo 2007. Todas as letras z, São Paulo, v. 17, n.2, p. 12 – 17,
maio/ago., 2015a.
SANT’ANA MARTINS, N. Introdução à estilística: a expressividade da língua portuguesa. 3. Ed. São
Paulo: T. A. Queiroz, 2003.
1208
Página
O
ensaio apresentado torna-se um momento de refazer o caminho da minha
da minha formação acadêmica, trazer à tona lembranças os momentos que
encontrei a teoria bakhtiniana, logo imbuída do meu caminho de leitor, de
acadêmico e busca por ser humano, demasiadamente humano, pleno e atuante no
mundo da vida para quebrar e ultrapassar fronteiras.
Uma sensação de morte, um sabor de destruição fazia parte do meu degustar
cotidiano. A companhia de todas as minhas horas era uma mistura de um temor da
morte e uma urgência de realizar todas as coisas. A inimiga chamada depressão vivia
à minha porta, sempre querendo ser dona, trazendo um prazer e sabor especial pela
poesia de Augusto dos Anjos:
ASA DE CORVO
XVII, efetivou-se como uma organização de métodos, fontes históricas e tudo que
constitui uma área de conhecimento científico. Ainda no século XX começou o
questionamento sobre a História das elites, firmadas em datas e eventos históricos
Página
com uma marca positivista sem levar em consideração o que comumente chamamos
fim do curso.
SOB A CRUZ
Maria,
hoje permaneci contigo
sob a cruz
e jamais sentira tão claramente
que foi sob a cruz que te tornaste
nossa mãe.
Como a fidelidade de uma mãe da terra
não escutaria solícita a última vontade do filho?
Mas tu, tu eras a Serva do Senhor;
o ser e a vida do Deus feito Homem
estavam inteiramente inscritos
no teu ser e na tua vida.
Foi assim que tomastes os teus no teu coração,
e foi com o sangue de teus sofrimentos
que resgataste cada alma para uma nova vida.
Tu nos conheces a todos: nossas feridas, nossas chagas,
tu conheces também o esplendor celeste
que o amor de teu filho
quer difundir sobre nós na claridade eterna.
1212
VONTADE DE SABERES
com rotinas, nem com imposições, a vontade de ser eu mesmo era muito forte e
intensa que qualquer coisa. Minhas lembranças dos primeiros períodos desse curso
Página
isso seria o suficiente uma vez que ninguém queria a vaga. O mundo caiu sobre mim,
chorei dias e dias, sofri muito, entrei em desespero, porém mal sabia que minha vida
seria mudada em questão de meses. Entro na profundidade do Salmo 117 (118), em
Página
seu versículo vinte e dois, que recita a rejeição de uma pedra pelos pedreiros, porém
REFERÊNCIAS
ANJOS, A. dos. EU e outras Poesias. 40 ed. São Paulo: Civilização Brasileira, 1993.
BOJUNGA, L. A cama. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Casa da Lygia Bojunga, 2006.
DÁVILA, T. Castelo Interior ou Moradas. In: Obras Completas. [Frei Patricio Sciadini (coord.), texto
estabelecido pelo Frei Tomás ALVAREZ], Carmelitana/Loyola. São Paulo, 1995.
______. O Livro da Vida. Trad. de Marcelo Musa Cavallari. São Paulo: Penguin Classics/ Companhia
das Letras, 2010.
______. Obras Completas. 15ª ed. Burgos (Espanha): Editorial Monte Carmelo, 2009.
LISPECTOR, C. O primeiro beijo e outros contos. 11ª Ed. São Paulo: Ática, 1995.
1216
Página
RESUMO
O presente trabalho visa pensar de maneira teórica e reflexiva uma experiência docente
durante a aplicação do projeto piloto do Mestrado Profissional em Ensino de Línguas da
Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), em uma escola periférica na cidade de Bagé,
RS/Brasil, cidade que faz fronteira com o Uurguai, durante o primeiro semestre do ano de
2017. O objetivo do projeto piloto visava trabalhar a língua espanhola em formato de
oficinas, a partir da leitura de textos literários de escritores fronteiriços, ou seja, a partir da
formação do leitor literário, poderíamos trabalhar também aspectos interculturais da
fronteira, tendo em vista o contexto dos educandos. Também buscamos promover um
espaço para o diálogo intercultural utilizando o texto literário latino-americano de fronteira
como suporte no processo de sensibilização do educando à América Latina e sua história. Os
resultados obtidos após a conclusão do projeto, nos levam a (re)pensar a configuração da
cidade letrada. Podemos questionar até que ponto linguagem e poder andam irmanados,
enfocando a relação entre a cidade letrada e os sujeitos que são marginalizados por ela.
Neste sentido, é necessário compreender como funciona a nossa cultura escrita e o acesso à
essa cultura, principalmente em sociedades que foram colonizadas durante vários séculos.
INTRODUÇÃO
I
ntroduzo este trabalho apresentando o campo empírico no qual surge este texto.
Sou Mestranda do Mestrado Prossional em Ensino de Línguas da Universidade
Federal do Pampa (UNIPAMPA), Campus Bagé/RS, e através de um dos
componentes curriculares do mestrado, tive a oportunidade de aplicar um projeto de
formação do leitor literário em literatura latino-americana em uma escola periférica
da cidade de Bagé no estado do Rio Grande do Sul, durante o primeiro semestre de
2017. Esta cidade está localizada em uma zona de fronteira com o Uruguai. O
contexto de intervenção do projeto foi a Escola Municipal Professor João Tiago do
Patrocínio. A instituição atende cerca de 200 alunos, desde a Educação Infantil até as
1217
séries finais do ensino fundamental, funcionando nos turnos manhã e tarde. Está
Página
61 Este escritor escreve poemas em portunhol e problematiza as relações que são estabelecidas nas regiões de
fronteira entre Brasil e Uruguai.
62Documentário realizado para apresentar a realidade das fronteiras entre Brasil e Uruguai no Rio Grande do Sul.
O documentário apresenta declarações de sujeitos fronteiriços e imagens destes espaços. O vídeo pode ser
Página
“Não conhecia a origem de várias coisas. Também que dá para irmos ali (no
Uruguai), sendo que várias pessoas em outros lugares não podem, ou melhor,
não tem a liberdade de fazer isso. (...) Gosto de conversar, então gostei
bastante da aula porque teve diálogo.” (Relato Escrito, 2017)
Mais do que abrir espaço para escuta, casos como este exigem que o professor
1220
2003) isso ocorre na alteridade, no ato de sair do nosso lugar para adentrar no mundo
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
RESUMO
O presente trabalho investiga os cinco campos de experiências para a Educação Infantil pela
Base Nacional Comum Curricular em paralelo com o conceitos de Bakhtin. Para pensar que
sujeito é esse que temos na Educação Infantil com a BNCC, a pesquisa tem como objetivo
dialogar e refletir como se espera o desenvolvimento da infância nessa etapa de
escolaridade. Para iniciar uma busca para essa resposta esta pesquisa utiliza como
metodologia a revisão de literatura, trazendo autores como Bakhtin e Marisol Barenco de
Mello. Ao longo desta pesquisa pude observar avanços e retrocessos no que se diz respeito a
Base Nacional Comum Curricular, infelizmente os retrocessos ganham peso e devem ser
encarados como preocupação.
INTRODUÇÃO
A
Infância vista como categoria social ainda é algo novo, sendo assim as
políticas públicas para essa fase da vida podem ser consideradas grandes
conquistas. A obrigatoriedade da Educação Infantil é um exemplo de uma
política recente e de grande importância para essa categoria.
A Base deve nortear os currículos dos sistemas e redes de ensino das Unidades
Federativas, como também as propostas pedagógicas de todas as escolas públicas e
privadas de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio,em todo o Brasil.
1223
Desde cedo, com o corpo, por meio dos sentidos, gestos e movimentos, as
crianças exploram o mundo, o espaço e os objetos do seu entorno.
Estabelecem relações, expressam-se, brincam e produzem conhecimentos
sobre si, sobre o outro, sobre o universo social e cultural.
E por meio das diferentes linguagens, como a música, a dança, o teatro, as
brincadeiras de faz de conta, elas se comunicam e se expressam com o corpo, emoção
e linguagem.
Na Educação Infantil, o corpo das crianças ganha centralidade. Assim, é
necessário que a instituição escolar promova oportunidades ricas para que os
pequenos possam explorar e vivenciar um amplo repertório.
2. ALTERIDADE
As relações sociais como as escolares são, antes disso, relações humanas, ou seja,
relações entre seres humanos concretos, históricos e com uma história pessoal,
“sujos do mundo”, e não seres etéreos dos manuais humanistas. Cada um que
cruza nosso caminho é ao mesmo tempo a alteridade radical com quem
dialogamos sem sínteses, e partilha conosco um tempo é um lugar, referências
culturais e pertencimento a sociais. (BARENCO, 2017)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O menino pintor
Ele amassou o seu barro numa grande bola, novamente e fez um prato igual ao
da professora.
Era um prato fundo.
Página
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
U
m livro não se restringe a se constituir como objeto material. Na longa
história da escrita e da leitura, em povos e culturas variados, sob diferentes
nomeações, vem consistindo tanto em um suporte material para o registro
da escrita e o ato de leitura, quanto das tecnologias e maneiras de (con)viver que
suscita, mas das quais também é resultado.
Seja sob a forma de placas de argila, papiros, pergaminhos, códices ou, mais
recentemente, no aparato tecnológico de máquinas eletrônicas como os
computadores, tablets, smartphones e e-readers, os livros se construíram nessas
fronteiras entre o que são (como tecnologias e modos de interação) e o que contém
(signos de linguagens e as tecnologias para representá-los). Desde os primeiros livros
produzidos, é importante serem levadas em consideração as condições de acesso a
Linguagem da Universidade Federal de Lavras. Líder do GEDISC (Grupo de Estudos Discursivos sobre o Círculo
de Bakhtin). E-mail: villarta.marco@del.ufla.br
64 Aluna do Curso de Letras e da Iniciação Científica da Universidade Federal de Lavras. Membro do GEDISC
65 Aluna do Curso de Letras e da Iniciação Científica da Universidade Federal de Lavras. Membro do GEDISC
1. CONTEXTO HISTÓRICO
livro.
Nessa cadeia de tecnologias, a invenção do papel constitui um elo importante.
Os chineses costumavam usar um material parecido com a seda, cujo produto final
Página
era conhecido como “papel de seda”,por ter um custo bem menor que o papiro e
e atualmente estão nos diversos meios que conhecemos desde celulares até
Não pode haver enunciado isolado. Ele sempre pressupõe enunciados que o
antecederam e o sucedem. Nenhum enunciado pode ser o primeiro ou o último.
Ele é apenas um elo na cadeia e fora dessa cadeia não pode ser estudado. Entre os
enunciados existem relações que não podem ser definidas em categorias
mecânicas nem linguísticas. (Bakhtin, 2011, p. 371)
1233
Antes de tudo, devemos recordar que a língua não é algo imóvel, dada de uma
vez para sempre e rigidamente fixada em “regras” e “exceções” gramaticais. A
língua não é de modo algum um produto morto, petrificado, da vida social: ela se
move continuamente e seu desenvolvimento segue aquele da vida social. Este
movimento progressivo da língua se realiza no processo de relação entre homem
e homem, uma relação não só produtiva, mas também verbal. Na comunicação
verbal, que é um dos aspectos do mais amplo intercâmbio comunicativo – o
social -, elaboram-se os mais diversos tipos de enunciações66, correspondentes aos
diversos tipos de intercâmbio comunicativo social. (Volóchinov, 2013, 157)
signo. Neste caso, porém, ele irá admitir uma significação que ultrapassa os
67Bakhtin diz que “[...] a língua passa a integrar a vida através de enunciados concretos (que a realizam); é
igualmente através de enunciados concretos que a vida entra na língua.” (Bakhtin, 2016, pp. 16-17)
Assim, as palavras que estão nos livros, mas igualmente as tecnologias que os
constituem como livros, as formas de circulação ou de consumo desses livros são
signos, lembrando que, enquanto tais, não há como escapar do diálogo com outros
signos, da relação enunciativa que cria a cadeia ininterrupta com os que precedem e
com os que sucedem.
Por outro caminho, se tomamos cada livro como obra, cabe nos interrogar
sobre o que institui seu acabamento. Ao contrário de tradições que concebem esse
acabamento na própria palavra ou na obra em si, no campo bakhtiniano, o
acabamento é construído na cadeia enunciativa, sem que seja definitivo. É um
momento, uma réplica que participa desse movimento retrospectivo e projetivo do
enunciado. Segundo Bakhtin:
A obra, como a réplica do diálogo, está disposta para a resposta do outro (dos
outros), para a sua ativa compreensão responsiva, que pode assumir diferentes
formas: influência educativa sobre os leitores, sobre suas convicções, respostas
críticas, influência sobre seguidores e continuadores; ela determina as posições
responsivas dos outros nas complexas condições de comunicação discursiva de
um dado campo da cultura. A obra é um elo na cadeia da comunicação
discursiva; como a réplica do diálogo, está vinculada a outras obras –
enunciados: com aquelas às quais ela responde, e com aquelas que lhe
respondem; ao mesmo tempo, à semelhança da réplica do diálogo, ela está
separada daquelas pelos limites absolutos da alternância dos sujeitos do discurso.
(Bakhtin, 2016, pp. 34-35)
Como você escolhe os livros para a sua prateleira? Conhecer blogs de livros é
uma das estratégias comuns de todo leitor assíduo. Nossa missão neste post
especial será ajudar você!
Entre os bons hábitos de todas as pessoas, a leitura está entre eles. Além de trazer
mais conhecimento, os livros ajudam no raciocínio, na memória e até mesmo com
os nossos sentimentos. Contudo, sabemos também o quantoencontrar bons livros
para ler é um desafio para muitos.
Pesquisamos bastante e criamos uma lista bem especial. Descobrimos os 20
melhores blogs sobre livros para você aproveitar, seguir, compartilhar e,
principalmente, LER!
(https://blog.12min.com/br/blogs-de-livros/)
Fonte: http://www.capaetitulo.com.br/
Fonte: http://www.capaetitulo.com.br/
O blog Livro & Café, exemplificado na figura 3, apresenta, também, abas com
opções, mas difere pela apresentação de uma linha dinâmica, com fotografias e
pequenos textos sobre livros escritos, alternando-se à visualização do internauta,
como se fossem folheados/passados com o dedo, e percorrendo uma lista horizontal
de livros.
1237
Página
Fonte: http://livroecafe.com/
Fonte: http://www.universodosleitores.com/
1238
hipertexto das páginas digitais endereça o internauta para signos que representam
[...] é precisamente a diferença das situações que determina a diferença dos sentidos de
uma mesma expressão verbal. Portanto, a expressão verbal, a enunciação, não
reflete passivamente a situação. Ela representa sua solução, torna-se sua conclusão
valorativa e, ao mesmo tempo, é condição necessária para seu posterior
desenvolvimento ideológico. (Volochinov, 2013, pp. 172-173)
Embora esteja falando de expressão verbal, essa análise pode ser aplicada a
qualquer linguagem. Nos casos que estamos discutindo, as diferentes situações
enunciativas e as diferentes naturezas dos acontecimentos que as congregam na
constituição intersubjetiva dos sujeitos envolvidos na interação, produzem sentidos
diferentes para esses signos.
Assim, os signos livros impressos em papel são ressignificados, saindo de seus
circuitos de uso e de participação, enquanto signos, na vida dos sujeitos que os leem.
Como exemplo disso, podemos considerar que um gênero oral que se utiliza de
livros ou textos escritos como um sarau, desloca-se de uma situação de reunião de
pessoas, presencialmente, em um local fisicamente estabelecido, para discutir e
compartilhar leituras, para instâncias de resenhas e fóruns virtuais, em ambiente
digital, nessas páginas da internet.
É precisamente essa conclusão valorativa do enunciado livro, ressignificado, que
explica a renovação dele como objeto. Na verdade, ele não é renovado, enquanto livro,
porque os usos do livro em outras situações deixou – pelo menos parcialmente – de
existir. O que ocorre é que, mesmo mantendo sua existência física, o livro impresso
em papel que passa a ser objeto de discussão no ambiente virtual, já se trata de outro
signo, de outro enunciado. Da mesma maneira, o ambiente digital, repositório de
textos hospedados virtualmente, passa a dialogar com o acontecimento em que o
livro físico produz sentidos e participa da constituição dos sujeitos leitores.
Por fim, podemos pensar nas fronteiras entre essas duas ordens de signos.
Um dos muitos conceitos disponíveis no referencial bakhtiniano e que pode ser
mobilizado para essa finalidade é o discurso alheio. Volochinov diz que o “[...]
‘discurso alheio’ é o discurso dentro do discurso, o enunciado dentro do enunciado,
mas ao mesmo tempo é também o discurso sobre o discurso, o enunciado sobre o
enunciado.” (Volochinov, 2017, p. 249).
Enquanto signo, os textos do livro impresso em papel e os textos das páginas
digitais enquadram-se nesse raciocinio de Volochinov. Os signos do impresso e do
1239
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, M. M. Os gêneros do discurso. Trad do russo, organização, posfácio e notas por Paulo
Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2016.
BAKHTIN, M.M. Estética da criação verbal. Trad. do russo por Paulo Bezerra. 6. ed. São Paulo: WMF
Martins Fontes, 2011.
CAPA & TÍTULO. Disponível em http://www.capaetitulo.com.br/. Acesso em 14 de setembro de 2018.
12 MINUTOS. Disponível em https://blog.12min.com/br/blogs-de-livros/. Acesso em 14 de setembro
de 2018.
GERALDI, João Wanderley. Leitura e mediação. In: BARBOSA, Juliana Bertucci. BARBOSA,
Marinalva Vieira. Leitura e mediação: reflexões sobre a formação de professores. Campinas, SP:
Mercado de letras, 2013.
LIMA, A. C. S. de; SILVA, D. V. Responsividade e ato responsável em sala de aula: uma experiência
com alunos de uma comunidade de baixa renda em Maceió, Alagoas. Revista Leitura, v.1, n. 55, p. 9 –
22, jan/jun 2015. Disponível:
<http://www.seer.ufal.br/index.php/revistaleitura/article/viewFile/2305/1758>. Acesso em 12 set. 2018.
LIVRO & CAFÉ. Disponível em http://livroecafe.com/ . Acesso em 14 de setembro de 2018.
MEDVIÉDEV, P. N. O método formal nos estudos literários. Trad. do russo por Ekaterina Vólkova
Américo e Sheila Grillo. São Paulo: Contexto, 2012.
UNIVERSO DOS LEITORES. Disponível em http://www.universodosleitores.com/ . Acesso em 14 de
setembro de 2018.
VOLÓCHINOV, V.N. Marxismo e Filosofia da Linguagem. Problemas fundamentais do método
sociológico na ciência da linguagem. Trad. do russo por Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo.
São Paulo: Editora 34, 2017.
VOLOCHINOV, V. N. A Construção da Enunciação e Outros Ensaios. São Carlos/SP: Pedro & João
Editores, 2013.
1241
Página
Mário Quintana
Albert Einsten
1. DO ENCONTRO AO ENCANTO
S
ou professora de educação infantil já a algum tempo, afastada temporariamente
para cursar o Mestrado em Educação na Universidade Federal da Fronteira Sul.
Minha vida docente começou de forma turbulenta. Estava com toda a energia
circulando em minhas veias pela emoção do tão sonhado diploma. A graduação que
durou quatro anos da minha existência, fazia revigorar semestre após semestre a
insana vontade de ser professora. Anos dos quais me deleito em lembranças e
calafrios, por caminhos tomados que no momento pareciam escolhas, mas se
tornaram renúncias.
Quando “me vi” professora através de um decreto, impresso em um jornal de
circulação municipal, não tinha em mente os desafios da prática que teria que
vivenciar, outrora vistas apenas em teorias. Na faculdade nenhum professor me
ensinou com se davam as relações existentes entre o professor e o aluno na educação
infantil. Relação de atrito, de afeto, de desdém, de ternura e muita cumplicidade.
Os primeiros contados foram estranhos. As vozes ensurdecedoras invadiam
1242
meu subconsciente como flechas a penetrar seu alvo. Doloridas e rasgadas vozearias
68Mestranda em Educação. Universidade Federal da Fronteira Sul - UFFS - Campus Chapecó. Bolsista da
Página
experiências do dia a dia. Era apenas mais uma aprendiz no meio da criançada. Elas
me ensinaram como ser professora, moldaram minha visão de mundo através das
relações. Eu, professora, sedenta por aprender com os pequenos, e eles, com seus
Página
[...] Bakhtin afirma que a língua e a palavra são quase tudo na vida humana e,
portanto, uma realidade tão abrangente e com tantas facetas não poder ser
compreendida por meio da metodologia linguística. Como vimos anteriormente,
segundo ele, a linguística tradicional é incapaz de apreciar a natureza do diálogo.
A especificidade das relações dialógicas precisa de uma abordagem que
considere os aspectos metalinguísticos que constituem qualquer enunciado e que
não são redutíveis às relações lógicas da língua. Embora as relações lógicas da
língua sejam envolventes e necessárias, elas não esgotam toda a complexidade
presente nas relações dialógicas. (SOUZA, 2010, p.101)
primeira vez, este contato já está prenhe de sentidos. Acerca do universo da criança,
de suas visões de mundo e de suas experiências já vivenciadas. Ou seja, não é algo
vazio de sentidos. Que cause estranheza. Até por que a curiosidade aguçada, faz com
Página
que ele queira sempre mais. Mais do que está escrito no livro. Mais do que as
-Prof, minha vovó mora em Mangueirinha, fica aqui perto de Pato Branco, e as
duas cidades ficam nesse planeta né!
-Prof Marina, mais eu não moro ai! Eu moro na minha casa, com o meu pai e
minha mãe!
-Prof, você vai na minha casa hoje? Não é longe! Fica nesse Planeta.
-Prof, lá na minha casa eu tenho um cachorro que se chama Thor!
A obra, como réplica do diálogo, está disposta para a resposta do outro (dos
outros), para a sua ativa compreensão responsiva, que pode assumir diferentes
formas: influência educativa sobre os leitores, sobre suas convicções, respostas
críticas, influência sobre seguidores e continuadores; ela determina as posições
responsivas dos outros nas complexas condições de comunicação discursiva de um
dado campo da cultura. A obra é um elo na cadeia da comunicação discursiva;
como a réplica do diálogo, está vinculada a outras obras – enunciados: com aquela
as quais ela responde, e com aquelas que lhe respondem; ao mesmo tempo, à
semelhança da réplica do diálogo, ela está separada daquelas pelos limites
absolutos da alternância dos sujeitos do discurso. (BAKHTIN, 2011, p. 279)
- E aí, a Chapeuzinho falou para o Lobo Mau que era feio comer criancinhas! O
lobo ficou envergonhado e virou amigo da Chapeuzinho! Os dois foram brincar
no gira-gira do parquinho! Daí Prof, o caçador não precisou matar o Lobo! (4
anos).
É incrível perceber a sensibilidade que toca essa criança, toda sua relação com a
morte, e a importância que ela dava naquele momento para as relações de
amizade. Ao mesmo tempo, outra criança, gritava a todo momento:
- Não Prof, a história não é assim! Eu sou o caçador e quero matar o Lobo Mau!
Aqui, a criança, não modifica a história, mas se insere nela. E é neste sentido
1246
Enquanto está lendo ou ouvindo uma história, a criança viaja em seu próprio
subconsciente, em sua própria visão de mundo. Utilizando-se de símbolos e objetos
nas informações visuais e auditivas com o destino de partir do real e concreto, para
um mundo de imaginações, desenvolvendo cada vez mais seus conhecimentos
cognitivos. Inversamente, esse mundo imaginário, aproxima a criança cada vez mais
da realidade concreta. Com tal característica,
Ela sintetiza por meio dos recursos da ficção, uma realidade, que tem amplos
pontos de contato com o que o leitor vive cotidianamente. Assim, por mais
exacerbada que seja a fantasia do escritor ou mais distanciadas e diferentes as
circunstâncias de espaços e tempos dentro dos quais uma obra foi concebida, o
sintoma de sua sobrevivência é o fato de que ela continua a se comunicar com
seu destinatário atual, porque ainda fala de seu mundo, com suas dificuldades e
soluções, ajudando-o, pois, a conhecê-lo melhor. (ZILBERMAN, 2003, p.25)
- Professora, eu vou ser bibliotecária igual você. Quero crescer e vou trabalhar
com você na Fadep. Ah! E vou te ajudar a terminar nossa biblioteca aqui da
creche.
conceda lugar ao complexo, que por vezes é mais lento e conota atenção e tempo. Em
outras palavras, quero dizer que, os pais ou responsáveis pelas crianças, optam por
algo muito mais cômodo, como: dar um smartphone para uma criança se entreter com
Página
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, M.M. Estética da Criação Verbal. Introdução do Russo Paulo Bezzerra; prefácio à edição
francesa Tzvetan Todorov. – 6 ed. – São Paulo: Martins Fontes, 2011.
BRASIL. PNBE na escola: literatura fora da caixa. Ministério da Educação; guia elaborado pelo Centro
de Alfabetização, Leitura e Escrita da Universidade Federal de Minas Gerais. Brasília: Ministério da
Educação, Secretaria de Educação Básica, 2014.
DEBUS, E. Festaria de Brincança: a leitura literária na Educação Infantil. – São Paulo: Paulus, 2006.
FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 38 ed – São Paulo: Cortez,
1999.
HIDALGO, Angela Maria; MELLO, Claudio José de Almeida. Políticas públicas, formação de
professores e a articulação escolar da leitura literária. Educ. rev. [online]. 2014, n.52, pp.155-173. ISSN
0104-4060. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/0104-4060.36319>. Acessado em 10 Set. 2018.
MARQUES, M. J. D. V; ARENA, A. P.B. PNBE: um recurso para a formação do professor mediador
de leitura. Revista Profissão docente, Uberaba, v.13, n. 27, p.71-86, jan/jun. 2013 – ISSN 1519-0919.
1249
OLIVEIRA, Z. R.. Educação Infantil: fundamentos e métodos. 2ª ed. – São Paulo: Cortez, 2005.
SMITH, F. Compreendendo a Leitura: uma análise psicolingüística da leitura e do aprender a ler.
Trad. Daise Batista. 4ª ed. de 1989. Porto Alegre: Artes Médicas, 2003.
Página
1250
Página
RESUMO
Este artigo aborda as fronteiras entre o livro didático e o método sociológico bakhtiniano, o
qual aponta para a dimensão extraverbal como ponto de partida para o estudo dos
enunciados (BAKHTIN, 2003 [1979]; 2004 [1929]; COSTA-HÜBES, 2017). Trata-se de parte
de uma pesquisa de doutorado em fase inicial, que possui metodologia qualitativa
interpretativista, de cunho exploratório (BORTONI-RICARDO, 2008; GIL, 1989), cujo objeto
de estudo são livros didáticos de Língua Espanhola – Ensino Fundamental, terceiro e quarto
ciclos – adotados pela cidade de Rio Branco/AC, que se situa no contexto da Amazônia Sul-
Ocidental. Partimos da premissa de que o método sociológico permite a compreensão dos
fatores sociais e ideológicos que impulsionam adotar o uso de um determinado gênero
discursivo como o LD de LE.
1. INTRODUÇÃO
O
livro didático (doravante, LD) tem sido objeto de estudo em várias
pesquisas na área de Linguística Aplicada, que visam interpretar qual a sua
contribuição no processo de ensino e aprendizagem (VERCEZE; SILVINO,
2008; BORELLA; SCHROEDER, 2013). Ao revisar os pressupostos bakhtinianos
acerca dos campos da comunicação humana, verifica-se que o LD se insere na esfera
educacional, servindo como um elo na cadeia discursiva entre professores e alunos
1251
71 Tendo em vista a amplitude de textos multimodais que circulam socialmente, não podemos nos deter, apenas,
aos seus aspectos verbais. Precisamos, também, relacionar o estudo da língua com outros elementos semióticos
que organizam um texto enunciado.
72 A partir deste projeto de pesquisa de doutorado temos a pretensão de propiciar a reflexão sobre o uso dos
1253
gêneros discursivos no LD de Língua Espanhola, e sua contribuição para as práticas de letramento no contexto da
Amazônia Sul-Ocidental, região fronteiriça com o Peru e a Bolívia, países de idioma espanhol. Esse estudo tem
como título provisório “Os gêneros discursivos em aula de língua espanhola: encaminhamentos do livro
didático” e se insere no Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, na
Página
linha de pesquisa Linguagem: Práticas linguísticas, culturais e de ensino, sob a orientação da Prof.ª Drª Terezinha
da Conceição Costa-Hübes.
aspectos verbais (ou verbo-visual) são compostos pelo conteúdo temático, construção
visto com um olhar mais crítico, e se tornou objeto de constantes análises a partir das
ações do Programa Nacional de Livro Didático (PNLD), instituído pela Lei n.º
9154/85. Assim, desde que foi criado, esse material de apoio sofre as coerções
Página
Nesta seção, o propósito é lançar um olhar mais específico para nosso objeto
de estudo que se constitui da coleção de LD intitulada Cercanía. Para isso, recorremos
a uma orientação apresentada por Costa-Hübes (2017) que, com a finalidade de
analisar as dimensões social e verbal (extra-verbal) de gêneros do
discurso/enunciados, elaborou um quadro, baseado em Volochínov e Bakhtin (1976
[1926]), bem como em outros adeptos a teoria bakhtiniana, que algumas orientações
para exporar as condições de produção de um enunciado, a partir do seu contexto
extraverbal. Vejamos:
Horizonte
Interlocutores Para quem é produzido?
axiológico
Que imagem faz o autor de seu interlocutor?
Qual é a atitude valorativa dos participantes?
Página
Fonte: Organizado por Costa-Hübes (2017), a partir de estudos pautados em Volochínov e Bakhtin (1926),
Rodrigues (2001), Acosta-Pereira (2012) e Brocardo (2015).
professor como co-autor porque ao lidar com as situações envolvendo o uso do LD, ele
poderá reformular o conteúdo do livro quando necessário, de forma autônoma,
visando levar os conhecimentos aos alunos. Considera, ainda, que o bom professor é
Página
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
quais são as relações sociais e ideológicas que impulsionaram a sua vinculação com
determinados gêneros em detrimentos de outros. No caso do estudo do LD de LE,
possibilita interpretar qual a sua importância para o contexto local de utilização. No
Página
6. REFERÊNCIAS
BAKHTIN, M.(1979). Estética da criação verbal. Tradução Paulo Bezerra 4. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2003.
______; VOLOCHÍNOV, V. N.(1929). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais
do método sociológico na ciência da linguagem. São Paulo: HUCITEC, 2004.
BORELLA, S. G.; SCHROEDER, D. N. O livro didático de língua estrangeira: uma proposta de
avaliação. Entretextos, Londrina, v. 13, n. 1, p. 231-256, jan./jun. 2013.
BORTONI- RICARDO, S. M., O professor pesquisador: introdução à pesquisa qualitativa. São Paulo:
Parábola editorial, 2008.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto
ciclos do ensino fundamental: língua estrangeira. Brasília: SEF/MEC, 1998.
COIMBRA, L.; CHAVES, L. S.; ALBA, J. M. Cercanía: 6.º ano. São Paulo: Edições SM, 2012.
________.Cercanía: 7.º ano. São Paulo: Edições SM, 2012.
________. Cercanía: 8.º ano. São Paulo: Edições SM, 2012.
________. Cercanía: 9.º ano. São Paulo: Edições SM, 2012.
COSTA-HÜBES, T. da. C. A pesquisa em ciências humanas sob um viés bakhtiniano, Revista Pesquisa
Qualitativa, São Paulo, v. 5, n. 9, p. 552-568, dez. 2017.
EDIÇÕES SM - Cercanía Língua Espanhola. [s.l.]: Produzido por EDIÇÕES SM para o PNLD 2017
Ensino Fundamental II 6. º ao 9º ano, 2016. Vídeo, 2’38’’. Disponível em: <
https://www.youtube.com/watch?v=untxfDNDBqE>. Acesso em: 08 set. 2018.
GALLI, J. A. Letramento em línguas estrangeiras no Brasil: o projeto BRAFITEC e sua relação FOS/
FOU. Revista do GELNE, Natal/RN, vol. 18, n. 2, p. 184-203, 2016.
GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1989.
LUDMILA Coimbra. Disponível em:
<http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4138614Y2>. Acesso em: 08 set. 2018.
LUIZA Santana Chaves. Disponível em:
1262
1263
Página
RESUMO
O objetivo deste artigo é refletir sobre a criação de um produto pedagógico para o ensino de
línguas – materna e estrangeira. Para a geração de dados, após a criação do produto,
procedemos a sua aplicação em turma que cursava o segundo semestre de um curso de
licenciatura em letras português/espanhol, durante o segundo semestre de 2017. No que se
refere à metodologia de pesquisa, nos pautamos na pesquisa ação-reflexão, ou seja, criamos,
aplicamos e refletimos sobre uso efetivo de nosso produto pedagógico inovador para o
ensino/aprendizagem de línguas. O arcabouço teórico que embasa nosso trabalho advém de
teorias recentes acerca da inovação pedagógica para o ensino de línguas, tais como as
discutidas por Eteuqob (2017), dentre outros investigadores da área. Como resultados de
nossa pesquisa, pudemos observar, ainda que o produto não esteja disponível em sites para
livre acesso, que houve um total engajamento por parte de todos os envolvidos em todas as
etapas do processo de ensino, ou seja, quanto mais uso e aplicabilidade se faz do produto,
melhor serão os resultados positivos que poderão ser obtidos, além de aberturas para novas
pesquisas no campo de ensino de línguas.
INTRODUÇÃO
E
ra uma vez, ou talvez seja agora essa vez, Ícaro, o menino que voou de longe,
estava, digamos, muy aburrido en la frontera durante sus clases de español. Entre
saberes, pronúncia, aulas e muito esforço para limpar seu sotaque caipira para
hablar o bom espanhol, tudo era um marasmo como naqueles dias mornos de
primavera, sem tesão algum para nada... Enquanto os alunos repetiam imensas listas
de exercícios de fixação de verbos em todos os tempos, a professora comia, sentava
na mesa, voltava, saia, falava ao celular, gritava e repetia: tem que criar algo
inovador usando os imperativos para colocar no nosso blog, face, moodle, noodlle
1264
etc. Tudo que passava ali naquele local era muito similar ao cenário – real, fictício –
daquele conto do Cortázar, uma descoberta preciosa que levou a colega Elis, não a
Página
Doutor em Linguística. Prof. Associado do Curso de Letras da Universidade Federal do Pampa, Campus Bagé,
73
Julio Cortázar
que Fray Luis y todo eso, pero a ver si encuentra algo más sencillo, coño,
Apesar do marasmo e tédio que reinavam nas aulas, eis que surgiu a grande
ideia. Entre inovador, mercado, produto, blog, divulgar, postar.... e, de repente,
pummmmm: deu-se a luz! Até que Ícaro gritou como se estivesse caindo das alturas
sua magnânima ideia:
-Chicos, ya tengo mi gran producto innovador: Uma máquina de fazer boquete e
beijar, ou seja, um duplo vínculo com o sujeito. Duvido que alguém tenha criado algo
tão inovador até o momento!! Nem os japoneses com toda a indústria erótica do
oriente. Eu rompi todas as fronteiras, sai da sala de aula, dos livros para trazer algo
realmente autoral! Vou bombar no face, no insta, no youtube....
Dios mío, !qué carajo vamos a crear!, repetiu um aluno enlouquecido. Justo, neste
signo está a grande super ideia, caraaaaajoooo – disse Ícaro! Outros somente
olhavam com o rabo de olho. E eis que do rabo do olho foi descendo para o baixo
ventre até chegar às partes pudendas, aquelas..... Puta que pariu!!! Quem não pensou
no Rabelais! Galera, vamos ler o ritual do limpa-cu para buscar inspiración! Rabelais
rima com rabo, enrabar, rabada, rabanada, mamada – gritou, finalmente, Ícaro,
esfusiante. Então, em um reunião grupal começaram a leitura:
encarnado, mas tinham umas esferas douradas de merda que me esfolaram todo o
rabo. O fogo de Santo Antônio (Nota: O carbúnculo.) queime o olho-do-cu de quem
as fez e da moça que as usava! A dor passou depois que me limpei com o gorro de
Página
um pajem, todo emplumado à suíça. Depois, cagando atrás de uma moita, peguei
- O quê! – exclama Grandgousier – estou vendo que você bebeu, pois está rimando!
- Sim, papai – responde Gangantua – rimo muito, e rimo tanto que me arrimo.
Escute o que diz a nossa privada aos cagadores:
Cagão,
Borrão,
Mijão,
Peidão!
Teu troço
Saiu,
Caiu
No fosso.
Caroço
Colosso
Tens tu
No cu!
Se agora,
Nesta hora,
1267
- Quer mais?
- Quero – responde Grandgousier.
RONDÓ
- E agora, diga que não sei nada. Juro que esses versos não são meus e que só os
guardei na caixa da memória depois de ouvir aquela senhora recitá-los.
- Mas – diz Grandgousier – voltemos ao assunto.
- Qual? – pergunta Gargantua – cagar?
- Não – respondeu Grandgousier – limpar o cu.
- E você – indaga Gargantua – está disposto a pagar-me uma pipa de vinho bretão
se eu o deixar encabulado com a história?
- Naturalmente – responde Grandgousier.
- Pois bem – continua Gargantua – só se limpa o cu quando ele está sujo; ora, ele
só está sujo quando se caga; logo, para limpar o cu é preciso cagar.
- Oh! – exclama Grandgousier – que lógica tem você, meu pimpolho! Juro que vou
mandá-lo para a Sorbonne, pois você tem mais raciocínio do que idade. E, agora, continue a
descrição limpaculativa, vamos! Em lugar de uma pipa, eu lhe darei sessenta desse bom
vinho bretão, que não cresce na Bretanha, mas em Verron. (Nota: Antiga cidade francesa,
perto de Chinon.)
- Depois – continua Gargantua – eu me limpei com uma carapuça, com um
travesseiro, com um chinelo, com uma bolsa, com uma peneira (maldito limpa-cu) e com um
chapéu. E note que uns chapéus são lisos, outros felpudos, outros aveludados, outros
acetinados. O melhor de todos é o felpudo, porque faz ótima abstersão da matéria fecal.
Depois, eu me limpei com uma galinha, com um galo, com um frango, com uma pele de
veado, com uma lebre, com um pombo, com um corvo-marinho, com uma pasta de
advogado, com um capuz, com uma touca, com um passarinho de couro. Mas, concluindo,
digo e afirmo que não há melhor limpa-cu do que um ganso com bastante pena, desde que se
ponha a cabeça dele entre as pernas. Fique certo de que, fazendo assim, você sentirá no olho-
1268
do-cu uma volúpia mirífica, quer pela maciez da penugem, quer pelo calor temperado do
ganso, que facilmente se comunica aos intestinos e atinge, depois, a região do coração e do
cérebro. E não pense que a beatitude dos heróis e dos semideuses que se acham nos Campos
Página
ANÁLISES
Não para
Rala
Passa
Língua
Alisa
Babosa
Mimosa
Ek het’
Blowjob nodig
Delicia
Caricia
Me usa
Abusa
lambusa
ech brauch e
blowjob
am nevoie de o
muie
1269
ederra behar
dut
Página
venite
pa un pete
placentero
entero
temprano
tarde
cerquita
ahorita
Horacio
Rex fellatio est
bisogno
bambino
Página
buono bocchino
em posição devota.
O que passou não é passado morto.
Para sempre e um dia
o pênis recolhe a piedade osculante de tua boca.
Página
Adorando.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
E ao finalizar o semestre, todos estavam curiosos para saber a nota, mas como
no conto de Régoli de Mullen, o criador do produto inovador não atingiu o objetivo
exigido que era, a partir da apresentação do produto, utilizar os verbos no modo
imperativo – afirmativo e negativo.
El profesor indicó a los alumnos que hicieran tres flexiones tocándose los pies.
Un niño dijo: “No puedo”.
El profesor dijo: “Cero”.
Entonces el niño saltó por el aire, realizó una graciosa cabriola y volvió a ocupar su
sitio.
El profesor dijo: “No pedí eso”.
Entonces el niño extendió los brazos, voló sobre el patio del colegio y fue a posarse en
un níspero.
El profesor dijo: ”Es inútil. Ya está calificado.
por cento. Esses estudos no entanto não são nocivos e podem até apresentar uma
atitude marginal. Uma moça que procure um emprego na Céline ou na Hermès
deverá naturalmente, e em primeiríssimo lugar, cuidar de sua aparência; mas
Página
Então, Ícaro repetiu: - Al carajo las fronteras! Entre la inovación, lo nuevo, los
huevos, lo mercado neoliberal, lo lattes, lo látex, me quedo con los huevos, por
supuesto! Vou patentear esse produto e vender para estrela ou alguma
apresentadora de programa infantil poderosa/famosa que queira divulgá-lo com seu
nome. Afinal, não tem contra indicações nenhuma - vide bula. E, para agregar um
ponto mais no conto: imperativo que nada, o que vale mesmo é arte de la buena
mamada!
REFERÊNCIAS
1273
Página
P
ara que o aprendiz de língua inglesa tenha sucesso na aprendizagem, ele
precisa de prática das habilidades de fala, entendimento, escrita e leitura,
assim ele assimilará a língua como já disse Bakhtin na passagem acima. Mas,
não é o que estes estudantes fazem ao frequentar as aulas de língua inglesa na
educação básica brasileira, visto que segundo os resultados de algumas pesquisas,
(Education First, 2017) a maioria dos estudantes brasileiros de escola de educação
básica pública tem baixo nível de proficiência na língua inglesa, alguns até buscam
por esta aprendizagem em cursos livres de idiomas, pois acreditam que somente
nestas unidades é que é possível aprendê-la,(JARITA, 2015) sob alegação de que os
professores não sabem lidar com os objetivos destes estudantes que estão
frequentando a escola pública em busca de educação básica nas disciplinas, entre
elas, a língua inglesa. Em muitas salas de aulas de língua inglesa de escola pública,
não há uma clareza dos objetivos a serem desempenhados pelos alunos em termos de
educação, o que Vieira-Abrahão (1996) classifica de “conflitos e incertezas” por parte
dos profissionais da escola.
No intuito de estabelecer um novo rumo para a educação linguística, o
governo brasileiro está reformando o formato pela inserção da Base Nacional
Curricular Comum (BNCC): “Novas formas de engajamento e participação em um
mundo cada vez mais globalizado e plural” (BNCC, 2017, p. 239)
Esse engajamento e participação exigiu que o status de inglês como língua
1274
estrangeira passasse para inglês como língua franca. Língua franca, conforme a
própria definição da BNCC, uma língua,” que não pertence exclusivamente aos
Página
É muito comum ouvirmos pessoas que nasceram antes dos anos 80-90
afirmarem que “o mundo está doido” ou frases assim com referência aos
comportamentos, ações e pensamentos da sociedade brasileira nos dias atuais. No
entanto, essa mudança social é comum para muitos intelectuais que perceberam que
o sistema econômico influencia os discursos dominantes de uma sociedade:
geralmente controlar a vida cotidiana de seus filhos, ou seja, sabem com quem
andam, onde andam e o que estão fazendo. Seus acessos a bens culturais são de
forma mais enriquecedora do que a dos jovens da classe trabalhadora além de estar
Página
conhecimento prévio ativado, criem hipóteses, sejam estimulados para a vida social,
ampliem seus arcabouços lexicais, entre outros. (TÍLIO, 2016, p.211)
Foi feita a explicação e solicitado aos alunos que fizessem uso de várias
Página
“De fato, a essência deste problema, naquele que nos interessa, liga-se a questão
de saber como a realidade (a infraestrutura) determina o signo, como o signo
reflete e retrata a realidade em transformação.” (BAKHTIN, 2016 p. 42)
REFERÊNCIAS
2016.
ALMT. Ciclos de Formação Humana, disponível em:
http://www.al.mt.gov.br/storage/webdisco/publico/ciclo_de_formacao_humana_almt.pdf
Página
1279
Página
E
ste texto surge a partir do diálogo com outros textos, outras histórias e outros
sujeitos. Como escreve Bakhtin:
o texto só tem vida contando com outro texto (contexto). Só no ponto desse
contato de textos eclode a luz que ilumina retrospectiva e prospectivamente,
iniciando dado texto no diálogo. Salientemos que esse contato é um contato
dialógico entre textos (enunciados) e não um contato mecânico de “oposição”, só
possível no âmbito de um texto (mas não do texto e dos contextos) entre os
elementos abstratos (os signos no interior do texto) e necessário apenas na
primeira etapa da interpretação (da interpretação do significado e não do
sentido). Por trás desse contato está o contato entre indivíduos e não entre coisas
(no limite). ( BAKHTIN, 2000, p. 401).
habilidosas de uma tricoteira, entrelaçando seus pontos, um a um, cada qual com sua
importância para, finalmente, comporem uma única peça autoral. Mas surgiu
Página
Pela janela da minha casa vejo a rua. As pessoas caminham se espremendo pela
pequena faixa de sombra que se forma junto às paredes das casas, muitas antigas, de
cores envelhecidas, cheias de histórias.
Assim como a personagem do conto Evelyne, de James Joyce, história de uma
garota que divaga ao olhar a rua e não sabe que decisão tomar, ela apenas olhava
pela janela:
Ela veio com uma resposta que, com certeza, você já escutou um dia:
— Tu não é todo mundo!
Ninguém merece!!!
Página
Segundos, minutos, horas se passam até que finalmente chegou a hora de ir embora!
Pra aumentar meu desespero, a diretora avisou que iria liberar os pequenos
primeiro porque seus pais iriam vir buscá-los e nós, os “grandes”, por último.
Página
PAISAGEM DA JANELA
Milton Nascimento
Da janela lateral do quarto de dormir
Vejo uma igreja, um sinal de glória
Vejo um muro branco e um vôo pássaro
Vejo uma grade, um velho sinal
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. Maria E. Galvão. 3ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e de estética: A Teoria do Romance. Tradução Aurora
Fornoni Bernardini et al. 4. ed. São Paulo: Editora Unesp, 1998.
GERALDI, João Wanderley. A aula como acontecimento. São Carlos, SP: Pedro e João Editores, 2010.
JOYCE, James. Dublinenses. Tradução de Hamilton Trevisan. Rio de Janeiro: O Globo; São Paulo:
Folha de São Paulo, 2003.
PESSOA, Fernando. Poesias. Organização de Sueli Barros Cassal. Porto Alegre: L&PM, 2015.
1285
Página
1. PRIMEIRAS PALAVRAS
O
presente texto vem ao encontro da provocação colocada nas últimas linhas
do referido eixo temático sobre as fronteiras entre os benefícios e os
malefícios da maquinaria eletrônica. Vivemos uma era na qual nossos alunos
são conhecidos como “nativos digitais”, nesse sentido, seria inevitável a imersão
desses sujeitos em práticas sociais que envolvem “as maquinarias eletrônicas”,
principalmente o celular.
Este, por sua vez, tem se tornado o grande vilão da vez, chegando a ser
totalmente proibido em algumas escolas. Como foi dito anteriormente, existe uma
fronteira entre o bem e o mal, quando se trata do uso de tecnologias pelos
adolescentes, jovens e adultos que é preciso ser analisada dialeticamente78 e
dialogicamente79.
Por isso, neste texto pretende-se mostrar como o celular pode ser uma
ferramenta de ensino-aprendizagem quando é proposto algo que parte da realidade
do aluno e avança para um desenvolvimento/aprendizado mais significativo.
Para tal, recorremos a algumas atividades desenvolvidas no âmbito de um
projeto de intervenção em uma escola pública que trabalhou desde o ano de 2017
com uma turma piloto com a qual foram desenvolvidos diferentes projetos didáticos
1286
78 Dialética entendida aqui no sentido marxista, para qual as coisas e os fenômenos estão sempre em movimento,
Página
Como marco do novo milênio, temos a Internet que, a partir de 1995, penetrou no
mercado, iniciando uma nova revolução, a revolução digital, a era da inteligência
em rede, na qual seres humanos combinam sua inteligência, conhecimento e
criatividade para revoluções na produção de riquezas e desenvolvimento social.
Essa revolução atinge todos os empreendimentos da humanidade –
aprendizagem, saúde, trabalho, entretenimento.
Estudiosos brasileiros como Rojo (2009, 2013) afirmam que muitas vezes a
própria escola desconhece ou apaga práticas sociais que envolvem as tecnologias e
um ponto que a pesquisadora destaca no seu texto de 2013 é que a escola precisa
reconhecer que os alunos são nativos digitais que nasceram na era das linguagens
líquidas, o que traz um novo desafio para essa instituição na contemporaneidade -
levar os alunos a refletirem sobre essa quantidade de informações que eles acessam
no dia a dia de forma crítica.
De acordo com Rojo (2013, p. 19):
80De acordo com Volochínov (1930/2013, p. 172, destaques do autor), “A situação está ligada a três aspectos
subentendidos da parte não verbal: o espaço e o tempo em que ocorre a enunciação – o “onde” e o “quando”; objeto
ou tema de que trata a enunciação – “aquilo de que se fala”; e a atitude dos falantes face ao que ocorre – “a
valorização””. Sendo que as diferenças de sentidos são determinadas pelas diferentes situações nas quais os
Página
82 A grande novidade foi marcada por uma mudança na concepção de língua, assim como no próprio paradigma
1291
de ensino, isto é, como a língua deveria ser ensinada nas escolas. Assim, saímos de uma tradição de ensino de
gramática (metalinguagem) para uma noção de texto como objeto de ensino
83 Nome fictício dado pela pesquisa de doutoramento para a escola parceira do trabalho.
84 Por motivo de aprofundamento em cada um dos gêneros, as atividades foram iniciadas no ano de 2017, com os
Página
gêneros seminário, resumo e radionovela quando os alunos da turma piloto estavam no 8º ano e os gêneros
entrevista e notícia foram trabalhados no 1º semestre de 2018 com a turma piloto já no 9º ano.
Acreditamos que parte desse entusiasmo e dedicação dos alunos diz respeito
ao modo como as atividades foram desenvolvidas – partindo da realidade deles e
dando-lhes autonomia. Nas palavras de Rojo (2013, p. 08), é preciso que a escola
comece a “enxergar o aluno em sala de aula como um nativo digital que é: um
construtor-colaborador de criações conjugadas na era das linguagens líquidas”. Em
outros termos, é preciso criar espaços para que estes se se tornem autores
(construtores) e colaboradores dos processos de ensino-aprendizagem por meio do
uso daquilo que eles já nascem dominando – as tecnologias. E é importante que o
professor compreenda que, nesse caso, ele é apenas um mediador desse processo,
levando-os a refletirem criticamente sobre o uso efetivo dessas ferramentas.
O mesmo aconteceu com os outros gêneros trabalhados no ano de 2018 –
entrevista e notícia radiofônicos, ainda que em menor grau de participação, pois os
alunos pareceram um pouco mais tímidos para gravarem as entrevistas e notícias no
celular, mas mesmo assim, alguns não deixaram de fazer:
4. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
REFERÊNCIAS
1294
BAKHTIN, M. (1952-1953/1979). O problema dos gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal.
Trad. Paulo Bezerra. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
BAKHTIN, M.; VOLOCHÍNOV, V. (1929). Marxismo e filosofia da linguagem. 13. ed. São Paulo:
Página
Hucitec, 2012.
1295
Página
INTRODUÇÃO
C
om o advento das novas tecnologias, o desenvolvimento, em especial, da
informática, reverberou por toda a esfera social de forma complexa,
caracterizando a realidade em transformação, em deslocamento, além de
proporcionar o surgimento de novos ambientes socioculturais. Conforme Gomes
(2013), o avanço extraordinário da tecnologia vem produzindo um contínuo processo
de mudança em todos os setores da sociedade, o que estaria causando um
movimento de mutação de nossas ações, individuais ou coletivas.
Dessa forma, podemos perceber que as novas tecnologias parecem tomar
grande parte de nossas vidas, nas diversas áreas, atuando de forma considerável na
construção de nossas práticas cotidianas. Sendo assim, observamos um sujeito cada
vez mais inserido na chamada globalização, cujo acesso à informação dá-se de forma
muito rápida, especialmente on-line, deixando claro que, hoje, não há muito espaço
para os desconectados.
Aliado a esse cenário, podemos perceber a integração entre internet e
educação, favorecendo o acesso a esta em diferentes níveis. Segundo Moran (2002),
as tecnologias interativas, sobretudo, vêm evidenciando, na educação a distância, o
que deveria ser o cerne de qualquer processo de educação: a interação e a
interlocução entre todos os que estão envolvidos nesse processo.
Neste contexto, discorreremos sobre o referencial teórico que conduziu nossa
pesquisa. Para tanto, abordaremos, primeiramente, a concepção dialógica da
linguagem (um breve resumo dos estudos do Círculo de Bakhtin), bem como o
conceito de enunciado; em seguida, a questão do signo ideológico, as implicações
imediatas acerca do sujeito, da realidade, das relações dialógicas; e, na sequência,
discutiremos, ainda que sucintamente, a presença e a relevância das relações
intersubjetivas no fórum de discussão on-line, em ambiente virtual de aprendizagem.
1296
86 Mestra em Linguística Aplicada. Profª. do Instituto de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte -
para haver relações dialógicas, é preciso que qualquer material linguístico (ou de
qualquer outra materialidade semiótica) tenha entrado na esfera do discurso,
tenha sido transformado num enunciado, tenha fixado a posição de um sujeito social
(FARACO, 2009, p. 66, grifo do autor).
87 2002
[...] os textos do Círculo vão dizer recorrentemente, que os signos não apenas
refletem o mundo (não são apenas um decalque do mundo); os signos também (e
principalmente) refratam o mundo. Em outras palavras, o Círculo assume que o
processo de transmutação do mundo em matéria significante se dá atravessado
pela refração dos quadros axiológicos (FARACO, 2009, p. 50, grifo do autor)
para Bakhtin, importa menos a heteroglossia como tal e mais a dialogização das
vozes sociais, isto é, o encontro sociocultural dessas vozes e a dinâmica que aí se
estabelece: elas vão se apoiar mutuamente, se interiluminar, se contrapor parcial
ou totalmente, se diluir em outras, se parodiar, se arremedar, polemizar velada
ou explicitamente e assim por diante (FARACO, 2009, p. 58).
entre os enunciados.
Sob o mesmo ponto de vista, Bakhtin nos enfatiza que,
Página
Dessa forma, podemos considerar que todo dizer é orientado para a resposta,
visto que todo enunciado espera uma réplica, sem fugir da influência profunda da
resposta antecipada (ideia do receptor presumido). E, por fim, coadunando com as
demais afirmações, todo dizer é internamente dialogizado, pois é heterogêneo, na
verdade, uma articulação de múltiplas vozes sociais.
não pode ser concebido de forma limitada, uma vez que ele é totalmente plural. A
Enunciado 1
Re: Usar fragmentos da Internet é um ato ético?
Por Crisântemo - segunda, 11 abril 2011, 18:36
TRADUTORE TRAIDORE
Bricolagem é uma belíssima prática em uso, tanto em ambiente visual (artes plásticas), quanto na
modalidade escrita. Denominação para o copiar e colar. Recortes. O que esperar das instituições acadêmicas que
promovem um movimento cíclico de banco de dados (monografias), produções acadêmicas...? O Ius Puniendi
àquele que fingir que não bricola.
Um breve momento para uma reflexão: podemos monografiar (meu Deus, por que não usei apenas
"fazer uma monografia"?), usando como base discursos alheios, mas não podemos expor que somos bricolés?
Qual texto acadêmico é original? Qual texto é livre de inferências? Mostrem-me o primeiro texto produzido, que
mostro o derradeiro e verão que são siameses na essência.
Discurso alheio nada mais é do que o suposto eco do nosso discurso.
O não-eu desconstruído em mim e reconstruído no suposto outro que me aprecia.Ou não.
1302
88 Os referidos enunciados foram retirados de um fórum de discussão, intitulado “Usar fragmentos da internet é
um ato ético?”, gerado no 1º. semestre de 2011. Os participantes da pesquisa foram alunos do curso de
Página
licenciatura em Letras-Espanhol, na modalidade a distância, de uma Instituição Federal de Ensino, no Rio Grande
do Norte. Salientamos que, por motivações éticas, substituímos os nomes dos alunos por flores.
Enunciado 2
Re: Usar fragmentos da Internet é um ato ético?
por Margarida - domingo, 24 abril 2011, 21:27
Olá Crisântemo,
Parabéns por sua reflexão!!!
Na verdade, o que é mesmo nosso discurso se não cópia de outros discursos? No caso do meu discurso,
ele nada mais é que a cópia de tantos outros que ao largo de minhas experiências fui acumulando. De fato,
quando se buscar a essência do meu discurso, talvez encontrem o seu ou de outrem. ´
No entanto, é preciso lembrarmo-nos que embora a essência de nosso disrcurso nos remeta a outro, há
algo que torna o nosso,um discurso exclusivo, próprio de cada um. É essa exclusividade que devemos buscar na
elaboração do nosso conhecimento.
Abraços...
não existe a primeira nem a última palavra, e não há limites para o contexto
dialógico [...]. Nem os sentidos do passado [...] podem jamais ser estáveis [...] eles
sempre irão mudar [...]. Não existe nada absolutamente morto: cada sentido terá
sua festa de renovação (BAKHTIN, 2010, p. 410, grifo do autor).
10 jul. 2014.
90 João 8, 7 – Bíblia Sagrada – Nova Tradução na Linguagem de Hoje, Ed. Paulinas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. 5. ed. São Paulo: WMF Martins
Fontes, 2010.
BAKHTIN, M.; VOLOCHÍNOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Tradução de Michel
Lahud e Yara Frateschi Vieira. 13. ed. São Paulo: Hucitec, 2012.
BAKHTIN, M. O discurso no romance. In: Questões de literatura e de estética. São Paulo: Hucitec,
1998.
BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução de Paulo Bezerra. 3. ed. Rio de
Janeiro: Forense-Universitária, 2002.
BRAIT, B. (Org.). Dialogismo e polifonia. São Paulo: Contexto, 2009.
FARACO, C. A. Linguagem e diálogo: as ideias linguísticas do círculo de Bakhtin. São Paulo:
Parábola Editorial, 2009.
FARACO, C. A. O dialogismo como chave de uma antropologia filosófica. In: FARACO, C. A. ,
TEZZA, C., CASTRO, G. (Orgs.). Diálogos com Bakhtin. Curitiba: Editora da UFPR, 2007.
FARACO, C. A. , TEZZA, C., CASTRO, G. (Orgs.). Diálogos com Bakhtin. Curitiba: Editora da UFPR,
2007.
GOMES, L. R. Cultura digital e formação: implicações políticas do movimento de expansão da EAD
no Brasil. Impulso, Piracicaba, v. 23, n. 57, p. 29-39, maio./set. 2013.Disponível em:
<https://www.metodista.br/revistas/revistasunimep/index.php/impulso/article/viewFile/1743/1153 >.
Acesso em: 13 nov. 2013.
MORAN, J. M. O que é educação a distância. Rio de Janeiro, 2002. Disponível em:
<http://www.eca.usp.br/prof/moran/dist.htm>. Acesso em: 24 jun. 2012.
SOBRAL, A. Estética da criação verbal. In: BRAIT, B. (Org.). Dialogismo e polifonia. São Paulo:
Contexto, 2009.
1305
Página