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Arte

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Profª Ms. Sandra Regina
Mesquita
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Introdução 3

A arteterapia, termo ambíguo 4

Um tempo e um espaço para a criatividade 17


SUMÁRIO
Forma e expressão 29

A estratégia do trabalho com arte 30

Arte como método terapêutico 38

Outros usos 50

Arteterapia e crianças: os materiais e algumas técnicas 51

Misturando, dissolvendo, criando... 61

Histórico da arte na educação 64

As artes plásticas na educação: um breve histórico 64

Referências bibliográficas 90

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INTRODUÇÃO
Trabalhamos agora a possibilidade de se criarem oficinas criativas com os alunos e/ou pacientes por meio
do recurso à arte como ferramenta de trabalho.

Conheceremos um pouco da arteterapia, porém não é nossa intenção formar arteterapeutas. Isso porque
esse assunto necessita ser muito explorado e trabalhado como especialização por parte do psicopedagogo e
de outros profissionais de áreas afins que se identificam com a arte como ferramenta de psicoterapia.

Falaremos de como o trabalho realizado com arte pode auxiliar em muito a investigação do psicopedagogo
no que diz respeito às dificuldades de aprendizagem de nossos alunos e/ou pacientes. Na realidade, discutimos
elaborar espaços de criação com aqueles que investigamos, os quais ofereçam diferentes materiais plásticos
que possam ser utilizados e transformados em sua essência, o que responde a algo que, muitas vezes, não
encontra espaço na palavra escrita ou no registro gráfico.

Como diz Alessandrini (2002, p. 46),

a arte preenche uma função cognitiva: apresenta o conhecimento de uma forma completa, integral e
sistêmica, pois cada movimento depende reciprocamente um do outro, o que faz convergir vários movimentos
em direção a um objetivo comum. A imagem expressa um conteúdo raramente explicitado em sua totalidade
pela palavra não poética. A imagem representa o que cada um tem de mais intimo, e está ligada efetivamente
ao ser. Ela expressa de uma forma sincrética as relações entre conteúdo e forma, vivenciados no plano afetivo.

Ela ainda complementa:

O trabalho com arte permite o desbloqueio da expressão verbal, pois no momento em que são estimuladas
as relações analógicas, agilizam-se as relações de ordem lógica, tão importantes para o bom desempenho em
aprendizagem. Muitas vezes a escola não trabalha com essa visão, por dar ênfase a uma visão mais verbalista
(ALESSANDRINI, 2002, p. 48).

Nosso objetivo, portanto, será o de que a pessoa possa, por meio da expressão da linguagem artística,
restabelecer sua conexão com a aquisição do conhecimento.

Enfim, será por meio dos diferentes materiais plásticos (lápis, caneta, tinta, massa de modelar, argila etc.)
e dos diferentes suportes (papel, papelão, isopor, madeira, tecido etc.) que nosso aluno e/ou paciente poderá
pintar ou modelar aquilo que é mais próximo de si, que o representa. Como conclui Alessandrini (2002), “é
o espaço, onde o imaginário cria forma, adquire cor, aproximando-se de um real personalizado, sentido e
vivido com alegria”.

Clicando no link a seguir, você poderá observar algumas das produções artísticas realizadas por alunos em
atendimento clínico e/ou educacional:

http://www.youtube.com/watch?v=5SjPj7aW36c

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Vamos nos aprofundar agora lendo dois textos da psicopedagoga Sara Paín fundamentando-nos sobre o
atendimento da arteterapia. No primeiro, ela fala sobre a definição do termo e como encontramos materiais
a respeito; no segundo, como organizar esse espaço.

A ARTETERAPIA, TERMO AMBÍGUO


Sara Paín

Definição de arteterapia
Ainda que a noção de arteterapia geralmente inclua qualquer tratamento psicoterapêutico que utiliza
como mediação a expressão artística (dança, teatro, música etc.), limitamo-nos, aqui, ao que diz respeito
à representação plástica: pintura, desenho, gravura, modelagem, máscaras, marionetes... Essas atividades
têm em comum a objetivação da representação visual do domínio figurativo a partir da transformação da
matéria.

Visto ser essa uma área recente, que data do pós-guerra, é preciso tomar a palavra “arte” no sentido que
ela adquiriu na segunda metade do século, em que não é mais o ofício da recriação da Beleza ideal, nem está
a serviço da religião ou da exaltação da natureza.

A ruptura brutal da arte contemporânea com aquelas que a precedem fez nossa época interrogar-se sobre
a própria função da arte. Tais mudanças manifestam-se pela escolha da técnica e pela ideologia estética.
Para as primeiras, citemos, principalmente, a larga utilização de materiais de recuperação, a incorporação da
fotografia e da fotocópia, as impressões (em alto relevo etc.). A respeito das diversas correntes, citemos a
abstração, o surrealismo, o gestual, a cinética, o conceitual, o tachismo, entre outros. Essas diversificações
da expressão artística inspiraram e garantiram as diferentes abordagens artes-terapêuticas.

Quanto ao sentido contemporâneo da palavra “terapia”, pode-se verificar que ele evita o prefixo “psico”,
como se a arte tivesse, por ela mesma, propriedades curativas. De nossa parte, consideramos que a
dimensão “terapia” subentende, nesse caso, aquela de “psico” sem o qual nenhuma modificação duradoura
do comportamento é considerada. O incluir implicitamente é também expandir o campo da prática, até então
ocupado, quase que exclusivamente, pela ação psiquiátrica.

Dimensão antropológica da atividade estética


B. Capelier (1980) resume a condição humana em três premissas:

• O homem é este ser que se faz imagem.

• O homem é este ser que se faz das imagens.

• O homem é este ser que faz as imagens.

Entretanto, a imagem não é uma característica humana específica. No reino animal, há a presença das
formas e das cores, que, além de sua função específica para conservação do organismo, desempenham um

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papel na aparência. Este é ligado ao que se poderia chamar de uma função estética num sentido amplo,
capaz de tocar os sentidos de um parceiro biológico, diretamente associada às necessidades de reprodução,
de defesa ou de alimentação.

Se o pavão real se pavoneia, é preciso acreditar que o espetáculo que ele dá seduz a fêmea. Essa reação,
ligada a sensações, indica que há um registro morfológico das qualidades do objeto da pulsão. Portanto, o
registro sensorial faz-se somente sob a forma de uma imagem. Em compensação, o que é próprio do homem
é a capacidade de investir uma forma qualquer para dar-lhe a qualidade de imagem. Enquanto o colorido da
flor atrai o inseto para indicar-lhe o exato lugar onde ele pode encontrar o pólen, a cenoura vermelha é uma
convenção social que indica a presença da tabacaria. Aliás, não é somente em nível de atrativo que a lógica
da imagem se registra, mas também naquele da repulsa, visto que a beleza não é, de maneira alguma, o
contrário do horror e ambos estão a serviço da proteção do organismo.

A função estética está ligada, em suas origens, à evocação mágica e aos emblemas da riqueza do poder,
na medida em que objetivada por elementos ao mesmo tempo estimados e supérfluos. O formidável trabalho
das iluminuras nos livros de oração é o exemplo mais puro do sentido acrescentado ao texto pela beleza da
imagem.

No supérfluo, há também a ideia de festa, da maneira que é vivida em todos os carnavais, como desafio
e triunfo sobre a morte. Mesmo nas festas cívicas e laicas, a representação dos personagens históricos e dos
acontecimentos, por meio de uma formalização estética, dá à história uma dimensão mitológica. Transformar
o ordinário em extraordinário também é função estética: os objetos mais comuns adquirem uma qualidade
sublime em uma composição de Chardin (1699-1779, pintor e pastelista francês).

Dessa maneira, desde o início de sua história, o homem acrescentou à fabricação dos objetos um
excedente não funcional ligado à forma e à decoração. O trabalho de realização era, assim, marcado na sua
individualidade e na sua unicidade. Nele, encontra-se uma tentativa de captação do outro, mas também
uma necessidade de se apropriar das obras como autor, portanto, uma tentativa de sobreviver como sujeito.
O último aspecto inscreveu-se nas formas mais antigas de rituais ligados à morte, nos quais o falecido era
cercado por todos os objetos distintivos da pessoa e do clã, principalmente das joias.

A atividade estética, isto é, a criação de formas particulares de significação, parece corresponder à


necessidade de marcar as diferenças e de facilitar o reconhecimento das pertenças individuais e sociais pela
utilização dos emblemas. Também se pode dizer, como A. Cohen (1987), que “a representação é um ponto
de opacidade na relação de transparência que mantém o homem e o mundo”, uma tela onde vemos o mundo
por intermédio da imagem dos outros.

A eficácia da reprodução industrial, que caracteriza nossa época, aumentando a capacidade de consumo
da população, exige um esforço constante de variação na concepção dos objetos. As formas reproduzidas em
séries equilibram-se pela renovação constante dos estilos e dos modos, rapidamente difundidos e gastos. É
por essas mudanças tão frequentes quanto efêmeras dos materiais e das técnicas que o artista significa seu
tempo, ao passo que o consumidor marca sua adesão à época renovando frequentemente suas aquisições.

Por outro lado, podem-se observar tendências sociais de resistência a esses diktats, simbolizadas por
meio do atrativo pelo objeto único, pelo artesanato, pelo gosto das práticas antigas e folclóricas. Há ainda

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uma tendência muito marcante pela conservação do passado, entendido como “patrimônio”, assim como um
interesse crescente pela arqueologia e pelas modalidades de expressão das populações pré-industriais.

As obras de arte também são submetidas a uma grande usura de difusão; quanto aos artistas, são
obrigados a encontrar os meios de se diferenciarem para chegarem a existir em um universo em que os
embaraços puramente artísticos se abrandaram de tal maneira que tudo parece possível.

Considerando-se que não existem mais cânones acadêmicos, os critérios que determinam uma hierarquia
estética entre as obras de arte e, no máximo, sua identidade como tal tornam-se incertos. É por isso que uma
atividade como aquela que propõem os arteterapeutas é, sob esse nome, concebível somente na amplitude
de ideias e de práticas que caracterizam a produção artística atual.

A subjetivação estética
O bebê é um objeto estético. Sua simples aparência é agradável aos olhos. O olhar que sobre ele se lança
transmite-lhe o prazer que sua presença provoca. Mais tarde, ele reconhecerá no espelho a imagem daquele
que os adultos admiram. A constituição do narcisismo começa pela própria imagem, e sua constituição
depende, em parte, dos adultos que se deixam fascinar.

Os sentimentos de admiração irão se apoiar em objetos análogos à imagem narcísica. Esses objetos
estéticos sobre os quais o olhar se fixa e a ação se interrompe não são, propriamente falando, objetos de
pulsão (exceto se são investidos como objetos fetiches ou de coleção), visto que a demanda se esgota na
contemplação. Em compensação, para o sujeito que está transformando a matéria bruta, a demanda do
outro não tem limites, e o objeto a ser feito é um objeto de pulsão impossível.

De fato, a avaliação estética aparece, na criança, assim que ela faz um objeto para ser visto, para
despertar a admiração dos outros. Essas tentativas podem ou não atingir seus objetivos. A partir da aceitação
ou da rejeição de sua produção, a criança estabelece uma classificação das propriedades que ela mesma,
assim como os objetos, devem ter para poderem ser favoravelmente julgados.

Cada sujeito constrói um sistema de referências estéticas com interdições e regras que são adquiridas por
intermédio do seu grupo de pertencimento. Essas referências não são puras, mas fazem parte de cadeias
significantes que não têm nada a ver com uma categoria estética universal. Desse modo, por exemplo, o
“belo” pode ser associado tanto com a desordem quanto com a ordem, ligado aos sentimentos religiosos
assim como a pensamentos obscenos. O código subjetivo não é organizado como um discurso definitivo.
Pode ser comparado, de preferência, a um dicionário pessoal que é ativado à medida que o sujeito se
representa por meio de sua obra.

A utilização da arte com fins terapêuticos


Antecedentes

Desde o final do século XIX, psiquiatras estão interessados nas produções plásticas dos alienados; eles
facilitaram suas produções, colecionaram-nas e estudaram-nas. Entre eles, podemos citar Mohr (1906),
Simon (1876 e 1888) e, principalmente, Prinzhorn (1922). Paralelamente, pedagogos inovadores encorajaram

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a expressão criadora na criança, praticando os métodos de pedagogia ativa. Entre eles, citamos Decroly,
Freinet, Montessori, Rudolf Steiner.

Os tratamentos psicanalíticos e psicoterápicos das neuroses tiveram um grande desenvolvimento na


segunda metade do século XX. Devido a seu custo, à sua duração e, sobretudo, à demanda crescente de
cuidados, outras terapias surgiram, menos onerosas e menos constrangedoras, tais como as psicoterapias
de grupo e familiares, o psicodrama (Moreno) e as diversas técnicas de mediação artística: musicoterapias
(passiva ou ativa), dançoterapia e terapias pela expressão plástica.

Tendências atuais: possibilidades e limites

O trabalho de arteterapia orienta-se de acordo com várias tendências. As mais próximas da clínica
psicoterápica consideram a atividade plástica como secundária; o efeito terapêutico sobrevém somente das
trocas verbais em torno do conteúdo da obra. A expressão plástica é, então, utilizada como meio de aceder
à comunicação verbal ou como a única maneira de estabelecê-la.

Mesmo que a representação gráfica e a modelagem sejam atividades completamente justificáveis em


um processo psicoterápico, elas não nos parecem depender da arteterapia, porque os problemas próprios à
representação simbólica nela são ignorados. Assim, diferentemente de H. Aubin (1971), que considera que
“o sujeito não deve ser interrompido ou frustrado por uma insuficiência de instrumento técnico”, para nós,
não se trata de contornar as dificuldades, mas de conduzir a superá-las, visto que estamos de acordo com o
autor para dizer que, às vezes, “a expressão pictórica podia preencher uma função de recolocação do delírio”.
O objetivo terapêutico da atividade artística é justamente tentar tirar o sujeito de seu delírio por intermédio
da lei da matéria.

Por outro lado, outra tendência privilegia a organização do trabalho e o enquadramento, que favorecem
a estruturação consciente da representação. Apesar das grandes contribuições de A. Stern em relação à
implantação dos ateliês “de educação criadora”, sua falta de interesse naquilo que pode ser dito do conteúdo
simbólico e dramático, implícito na representação, limita seu alcance terapêutico.

B. Decker (1980) afirma que as demandas de fazer e de dizer são bem diferenciadas quando o sujeito se
coloca positivamente frente a elas, mas acrescenta que “as demandas de não dizer e de não fazer são muito
menos diferenciadas, visto que a negação na imagem passa pelo dizer”. Tudo aquilo que falta ao sujeito e
que rompe a imagem deve ser, de acordo com o autor, retomado pela palavra.

Com o objetivo de estimular os pacientes a criar, outros arteterapeutas trabalham ao mesmo tempo,
tentando fazê-los esquecer sua situação específica de terapeuta. Geralmente, o silêncio é regra nesses ateliês
até o momento da exposição das obras, no final da sessão, quando os comentários são, então, estimulados.

Duas razões levam-nos a criticar esse tipo de procedimento. Primeiramente, parece-nos que o processo de
criação é mais importante que a obra concluída e, evidentemente, o arteterapeuta não pode trabalhar em sua
obra, seguir os processos de elaboração das imagens dos pacientes, perceber suas atitudes e suas reações
sucessivas, assim como ouvir aquilo que se diz durante o trabalho. Em segundo lugar, esse arteterapeuta,
frente a suas próprias dificuldades de expressão, pode perder a disponibilidade para auxílio do outro, a partir
da posição neutra de “progenitor terapeuta”, necessária a uma transferência positiva. Se, pelo contrário,

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ele demonstra uma forte personalidade criadora, está arriscado a conduzir os participantes do ateliê a
imitarem alienadamente seu estilo. De qualquer maneira, vê-se como negativo que o engano passageiro que
representa a falta de diferenciação entre o atendido e o atendente possa ser benéfico aos pacientes.

Outras formas de trabalho são pensadas, por exemplo, intervenções de curta duração, por meio de
experiências intensas que permitam tomar consciência dos conflitos psíquicos. Considerando-se o caráter de
choque delas, é importante que tais intervenções pontuais sejam realizadas em uma instituição que garanta
a continuação da elaboração, por outros meios, dos conflitos assim despertados.

O pictograma, praticado por A. Elbaz, é uma técnica pontual original que também pode ser incorporada a
um ciclo de atividades plásticas com objetivo terapêutico. Cada um escolhe seu modelo entre os participantes,
depois o terapeuta os faz adotar uma postura. Essa mise en scène é iluminada por um projetor colocado atrás
do modelo, de maneira que sua sombra seja projetada na tela. Uma vez claramente definida a silhueta, o
“pintante”, colocado do outro lado da tela, pode esboçá-la facilmente. Em um segundo momento, dá corpo
e expressão ao esboço, sem a presença do modelo. Finalmente, o trabalho individual é retomado em um
tempo de troca de grupo, sendo os obstáculos encontrados frequentemente percebidos como a metáfora dos
obstáculos do sujeito em sua relação com os outros.

Muitos ateliês plásticos definem-se como multidisciplinares: no início da sessão, cada participante escolhe
sua técnica. Eles privam-se da dinâmica grupal que se estabelece em torno de um mesmo trabalho, em um
espaço limitado e em um tempo dado, situação que favorece o acompanhamento de cada participante pelo
arteterapeuta.

Outros ateliês oferecem atividades artísticas diversificadas, pois consideram que é difícil prever quais são
as técnicas arteterapêuticas que melhor se adaptam a cada paciente. Dessa maneira, faz-se com que alguns
deles passem da pintura à escuta da música para fazê-los experimentar sensações múltiplas. O inconveniente
da sistematização desse procedimento é que a dispersão que ele provoca limita a força de investimento
necessária ao trabalho criativo.

Por outro lado, alguns ateliês são especializados em uma só técnica. Essa modalidade parece-nos limitar
demais as possibilidades terapêuticas. De fato, cada uma das técnicas (pintura, modelagem, máscaras,
marionetes) coloca ao sujeito um tipo de problema tanto em nível de representação quanto em nível
subjetivo. O sujeito pode, em parte, superá-los e encontrar um estado de equilíbrio. Ele também pode
mostrar de diversas maneiras suas resistências e tratá-las. Nos dois casos, frente à mesma consigna e ao
mesmo material, ele tenderá a repetir seus comportamentos. Entretanto, com a variação cíclica das técnicas,
dá-se ao sujeito a possibilidade de uma liberação das reações que transformam sua atitude frente a todas as
situações, incluindo aquelas que haviam provocado sua rejeição.

Apropriar-se das imagens

No projeto aqui proposto, o trabalho está centrado na pesquisa do sujeito para encontrar e elaborar um
universo de imagens significantes de seus conflitos subjetivos. Esse procedimento obedece à hipótese da
importância, para todo sujeito, de se dar os meios de simbolizar os termos de um conflito. Considerando-se
que os obstáculos que impedem o acesso a esses meios são inconscientemente ligados ao próprio conflito,
superá-los já é avançar no caminho da elaboração profunda.

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Além disso, o trabalho plástico constitui um cenário privilegiado para fazer viver no sujeito o encontro
entre aquilo que Freud chamou “o princípio de realidade” e “o princípio de prazer”, visto que as leis da
matéria e as da ideação estética devem achar um lugar de acordo. As estratégias do sujeito para obter a
articulação entre as duas ordens constituem o ponto central da aventura artística.

Dessa forma, Francastel (1956) considera que a oposição corrente entre a arte e a técnica é falsa,
pois “ele não saberia ter oposição entre duas coisas que são sempre complementares”. Ele acrescenta
que “os problemas que se apresentam a um artista são, em primeiro lugar, problemas de emprego e de
enriquecimento dos meios, logo depois problemas de legitimidade”.

Portanto, seria restringir demais as possibilidades do arteterapeuta dizer, como o faz B. David (1980),
que “todas as técnicas por mais ricas que sejam só têm, para nós, valor e importância enquanto meios de
palavra”, uma vez que o poder da matéria é, em si mesmo, uma apropriação do corpo, na condição de corpo
eficaz, e este constitui a base imaginária para o surgimento de um sujeito-autor.

No domínio da arteterapia, a palavra emerge como efeito de uma vivência, sem ser questionada, de uma
maneira menos estereotipada. Recordemo-nos, aqui, aquilo que A. Fourcade (1978) relata sobre R. Barthes:
“A estereotipia é esse lugar do discurso onde o corpo falta”.

A insustentável posição do arteterapeuta: uma profissão com várias interfaces


Para poder conduzir um ateliê tendo como objetivo o tratamento psicoterapêutico de e para a representação,
é preciso definir um profissional que tenha disposições e conhecimentos específicos.

Já analisamos a importância da fórmula desastrosa que reúne arte e terapia, cuja definição parece-
nos insuficiente para dar conta da especificidade de seu campo de ação. Levando-se em conta que neste
momento ela constitui mais uma atividade que uma disciplina, seria mais realista começarmos por definir
quais seriam os conhecimentos e as praxes necessárias para se organizar um ateliê com vocação terapêutica.

Fundamentalmente, eles pertencem a três domínios: aquele da técnica das atividades plásticas, aquele da
psicologia da representação e da expressão e aquele da arte, sua significação e sua história. É importante
salientar que as competências a ser adquiridas não significam uma especialização em cada uma dessas
três disciplinas, o que seria impossível, mas que elas exigem uma preparação contínua de certas zonas que
concernem ao procedimento arteterapêutico.

No domínio da técnica

O ateliê terapêutico não se apresenta como um lugar de aprendizagem onde um conhecimento bem
delimitado deve ser transmitido. Portanto, o papel principal do animador não é nem mostrar, nem explicar
aquilo que deve ser feito. Mas seria um erro acreditar que se pode separar a expressão dos meios utilizados
para a configuração.

A execução de uma obra é um trabalho de pesquisa em que a subjetivação é marcada pela escolha dos
recursos utilizados para representar. O estilo pessoal, na medida em que denota as diferenças, favorece
a identificação, constituindo, então, um processo que abrange tanto a descoberta das possibilidades de

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representação quanto sua preparação. Esta deve fazer-se naturalmente por meio de várias experiências
a fim de se obter uma certa facilidade na utilização e nas escolhas dos recursos. Assim o salienta Gropius
(Bauhaus): “Todo artista deve ter uma competência técnica. É lá que está a verdadeira fonte da imaginação
criadora”.

Para poder compreender o processo do paciente, para reconhecer os obstáculos que o impedem de chegar
a criar os efeitos de espaço ou de luminosidade que imagina, para reconhecer o traço ou a cor que produzem
uma deformidade na ordem de um quadro à maneira de um “lapso”, é preciso que o animador domine as
regras mais gerais da aparência figurativa. Essa norma, essencialmente técnica, pode ser adquirida somente
por uma prática individual dirigida.

O conhecimento vivido nos diversos caminhos da representação não é um instrumento que o arteterapeuta
utiliza para ensinar ao sujeito como fazer, mas para compreender suas estratégias. Isso permite ajudá-lo
a melhor formular suas intenções e, consequentemente, a tirar melhor proveito da experiência. A única
maneira de reconhecer e de assinalar os obstáculos que se opõem à realização de um projeto é conhecendo
qual seria o caminho adequado para alcançá-lo. Dessa maneira, um “lapso” pode ser assinalado somente
por uma compreensão da intenção discursiva do sujeito a partir da sintaxe comum. Os pontos de ruptura
na representação tornam-se evidentes a partir de uma certa lógica que rege a construção da obra plástica
individual.

Ainda que cada arteterapeuta tenha suas preferências pessoais em relação às técnicas plásticas, é preciso
que ele forme um ateliê multidisciplinar e que motive os participantes a utilizar todos os materiais. Para
obter esse resultado, deve ter analisado bem, em si mesmo, seu atrativo exclusivo ou sua aversão por uma
determinada atividade, a fim de evitar que lance sua subjetividade sobre aquela do paciente. De fato, o
arteterapeuta, para ser eficaz, deve ter uma flexibilidade de visão que é o contrário daquela do artista, que,
por essência, privilegia seu estilo pessoal ou aquele de seu grupo.

No arteterapeuta, a prática das artes não deve se reduzir à escolha de um estilo demasiadamente definido.
A atenção “flutuante” que permite que o psicoterapeuta permaneça permeável às diversas maneiras de
expressão dos pacientes deve, aqui, traduzir-se em uma disponibilidade constante para ver as produções
a partir dos projetos plásticos dos sujeitos, evitando impor soluções que respondam mais às inquietudes
artísticas do animador que às questões claramente postas pela dinâmica criativa do paciente.

Concretamente, é indispensável que o arteterapeuta conheça perfeitamente tudo aquilo que propõe: dos
próprios materiais, como a pintura ou a argila, aos instrumentos e suportes. Pedir a um paciente que pinte
na parede com uma tinta guache muito líquida é colocá-lo em uma situação desconfortável, assim como
fornecer-lhe pincéis cuja qualidade não permita o transporte da cor da paleta para a folha.

Na pintura, a harmonia entre os suportes (tamanho e qualidade dos papéis), a pintura (guache, aquarela
etc.) e o tamanho e a qualidade dos pincéis é fundamental. O mesmo ocorre no desenho: dar uma folha de
tamanho grande e propor um trabalho com hidrocores finas seria um contrassenso, de tanto tempo que seria
necessário para chegar ao fim de uma obra nessas condições. O mesmo em linogravura: fornecer uma placa
de dimensões muito grandes provoca no sujeito uma reação de rejeição à atividade, mesmo que esta tenha
lhe interessado por um momento.

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A relação entre suportes e materiais empregados, assim como a escolha criteriosa das colas, é igualmente
importante nas técnicas de colagem. Um suporte muito flexível para colar sementes ou parafusos, assim
como a utilização de uma cola inadequada, podem ocasionar raiva de continuar a tarefa que se desfaz,
sucessiva e proporcionalmente, à medida que se faz.

Para as marionetes e os fantoches de vara, os materiais também devem ser escolhidos com cuidado: peso
dos papelões flexível, mas sólido; colas adequadas; boa escolha de tecidos, não muito espessos, mas cuja
opacidade garanta ao manipulador que sua mão será encoberta no momento da representação etc.

Quanto à modelagem, o AAT deve conhecer perfeitamente o grau ideal de maleabilidade da argila, a boa
consistência da barbotina ou das substâncias terrosas que servem para decoração, assim como as diferentes
utilizações dos instrumentos e as condições de secagem das peças, a fim de evitar deformação ou rachadura.
Ele também deve conhecer a maneira de conservar a umidade em uma obra que deverá ser retrabalhada em
uma sessão posterior.

Aqui, participamos do resultado das experiências que nos levaram a escolher diferentes materiais; é
preciso dizer que cada arteterapeuta fará suas próprias escolhas seguindo seus gostos pessoais, assim como
as necessidades terapêuticas. Para garantir o sucesso de um procedimento novo, ele deve, antes de tudo,
experimentá-lo longamente.

Além daquilo que se refere à matéria e aos próprios materiais, salientamos a importância dos conhecimentos
concernentes a sua utilização no limite da representação. Por exemplo, no desenho, as diversas maneiras de
abordar a perspectiva; na pintura, aquelas de dar os efeitos de luminosidade, de matérias, de distâncias; na
modelagem, as maneiras de se obter a impressão de movimento contínuo, e assim por diante.

Esses conhecimentos não devem ser tomados como receitas a ser aplicadas, mas como guias para
compreender situações em que as variações das tonalidades representativas são complexas. Por exemplo,
saber que a aproximação do azul e do laranja produz um efeito de distância entre os dois não é o suficiente
para criar o efeito desejado, se não levarmos em conta a aproximação das cores, das formas e das proporções.

No domínio da psicologia

O arteterapeuta deve possuir elementos teóricos que lhe permitam observar os comportamentos de cada
sujeito de um ponto de vista funcional, assim como evolutivo, a fim de continuar sua atividade e orientar suas
pesquisas. Convém-lhe ter uma noção simples, mas operatória, das teorias psicológicas que levam em conta
o processo de formação das imagens e da construção das representações.

No desenvolvimento que vai desde a concepção mental de uma imagem até sua objetivação em uma
representação concreta, intervém um conjunto de fatores e de condições cujo estudo torna-se necessário
para se compreender o processo do sujeito e as dificuldades que ele pode encontrar. Por outro lado, o
conhecimento profundo das razões de transformações da representação em relação à idade permite-nos
melhor dosar a utilização dos recursos plásticos.

Assim, é preciso um certo hábito de escutar aquilo que na produção do sujeito pode ser de ordem do
inconsciente, não exatamente para “interpretar” ou dar aos conteúdos explícitos suas significações implícitas,

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mas sim para confundir uns com os outros. Não é o conteúdo inconsciente que se torna consciente, mas
pode-se deduzir da produção consciente – palavra ou representação – aquilo de que o funcionamento
inconsciente é a causa.

As experiências psicoterapêuticas e psicanalíticas pessoais conduzem o arteterapeuta a uma leitura mais


rápida e mais eficaz da relação transferencial, quer dizer, do conjunto dos sentimentos e das reações que
inspiram tal ou tal paciente e sua produção. Na ausência dessa possibilidade, o animador deve limitar-se a
intervenções de apoio e de acompanhamento dos sujeitos, com os quais se instala espontaneamente uma
relação positiva.

Poder-se-ia perguntar qual é a diferença entre o trabalho de um animador que acompanha cada paciente
na aventura criativa, comentando intuitivamente suas produções, e o de um terapeuta que possui um
código de interpretação, psicanalítico ou outro, apto a dar à expressão daquele um sentido novo religado
à subjetividade. De acordo com as condições de tratamento, uma ou outra intervenção justifica-se, tendo,
ambas, efeitos terapêuticos.

Se as condições de trabalho são pouco rígidas (horário flexível, grupos abertos, assiduidade não garantida
etc.), recomenda-se a primeira modalidade, mesmo que seja um profissional da psicologia quem intervém.
Se, por outro lado, a assiduidade e o enquadre estão bem “seguros”, podem-se tentar promover relações mais
profundas com o paciente. Em todo caso, é preciso saber que a arteterapia não é uma técnica psicanalítica
e que a teoria freudiana do inconsciente, ainda que nos sirva para compreender certos comportamentos,
produções e transformações nos pacientes, não se constitui no meio para levantá-los.

Joulia (1985) declara ter-se questionado “o que procuram todos os atendentes durante os estágios de
formação do AAT [arteterapeuta]; não desejariam eles, de maneira inconsciente, virem a ser seu próprio
terapeuta por intermédio da arte?”.

O contrário seria não somente suspeito, como nocivo, visto ser em seu próprio processo que o arteterapeuta
em formação toca os limites e as possibilidades terapêuticas da atividade plástica. É pela elaboração de seu
desejo de “se conhecer” que ele poderá ajudar o outro a aceitar-se a si próprio.

No domínio da arte

De acordo com H. Marcuse (1977), “uma obra de arte não é autêntica ou verdadeira nem em virtude de
seu conteúdo nem em virtude de sua forma ‘pura’, mas porque o conteúdo é tornado forma”.

Para o observador arteterapeuta, não se trata de interpretar uma mensagem ou de admirar sua configuração,
mas de reconstruir o caminho de pesquisa que permitiu ao autor encontrar, ao mesmo tempo, o que tinha
a dizer e a maneira de dizê-lo.

A arte, por sua história e suas variações, apresenta os diferentes códigos de significação em que as
produções individuais podem encontrar seu sentido. Quanto mais o terapeuta domina o código, mais
facilmente ele descobre os valores (luminosidade, obscuridade, contrastes, passagens etc.) com os quais
o sujeito trabalha e pode melhor auxiliar a enriquecer a linguagem e a capacidade de simbolização deste.
Portanto, é necessário que se torne um habitual frequentador dos museus e das exposições para enriquecer

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seu vocabulário sobre inúmeras formas de expressões plásticas. Uma cultura artística é tão necessária quanto
a praxe e a capacidade de compreensão psicológica.

Além disso, toda abordagem da atividade artística supõe uma atitude estética e um conjunto de hipóteses
sobre a função executada pela construção das imagens e pela comunicação simbólica na vida humana. Cada
estilo constitui uma tentativa plástica de dar resposta aos grandes problemas humanos, colocados de uma
maneira diferente por cada sociedade, mas eles permanecem sempre vivos em relação às individualidades.
Por exemplo, pintar atualmente com a mesma técnica de Van Dyck certamente é um anacronismo, mas isso
não quer dizer que os quadros do mestre de Anvers já não nos tocam mais. A formação do arteterapeuta
deve incluir uma reflexão sobre as questões que dizem respeito à função estética das diversas maneiras de
representar, tanto pela história da arte quanto na arte atual.

Portanto, pode-se concluir dizendo que todos os profissionais que trabalham no domínio da pedagogia
(ensinantes, educadores) ou aqueles da assistência (enfermeiros psiquiátricos, ergoterapeutas, fonoaudiólogos,
psicólogos, psiquiatras) e que têm uma atração pelas profissões da arte podem, passando por uma formação
instrumental, exercer a arteterapia no domínio de sua formação de base (artística, pedagógica, psicológica).
É evidente que em certos contextos o processo terapêutico será mais profundo, visto que visa mais ou menos
à estrutura inconsciente do sujeito.

O papel do arteterapeuta
O lugar do terapeuta, uma vez dada a consigna, é acompanhar o processo do paciente, ser testemunha
de sua aventura, ajudá-lo a superar os obstáculos encontrados, considerando-os, ao mesmo tempo, de um
ponto de vista subjetivo e objetivo. Para isso, é preciso que haja normas para, por um lado, observar os
sujeitos que estão realizando uma atividade criativa e, por outro, decidir a oportunidade e o conteúdo das
intervenções.

O arteterapeuta é um olhar, uma escuta, uma ressonância afetiva

O trabalho do terapeuta exige uma grande capacidade de concentração, dado que o processo de
construção simbólica é considerado como uma aventura contínua, na qual as transformações sucessivas
são mais importantes do que o resultado final. Portanto, o número de participantes deve ser apropriado, de
maneira que permita ao terapeuta acompanhar as alternativas da criatividade. A atenção deve ser aberta,
sem antecipação, sensível à ressonância afetiva e representativa. Trata-se de uma concentração imaginária
centrada no sujeito.

Ao mesmo tempo, esse olhar atento não deve se tornar objetivante, pois o paciente não é um objeto de
experiência. Ele pode confundir nossa atenção com controle, perseguição ou uma superproteção sufocante.
Para poder determinar bem o caráter fantasmático dessas reações, devemos nos assegurar da neutralidade
de nossa atitude frente ao seu olhar. O contrário prejudicaria a qualidade da relação de transferência.

Com certeza, o sujeito procura, frequentemente, provocar em nós reações que nos tiram da neutralidade,
por exemplo, o medo de errar. É, então, importante compreender como esse sentimento pôde surgir na
relação para, assim, podermos analisar sua importância e detectar sua significação.

13
Arte

O gosto pessoal do terapeuta em matéria de arte, as críticas ou a fascinação estética que ele pode cultivar
nas exposições devem ser colocados entre parênteses. Aqui, a obra de arte em si não interessa; o centro
de gravidade é o sujeito em busca da imagem, de significação. Que o terapeuta não seja nem crítico, nem
observador “objetivo”, o que não quer dizer que, por isso, ele deva permanecer na emoção de um espectador
ingênuo, capaz de ajudar aos outros somente pela simpatia.

O terapeuta possui saberes sobre as funções da arte, sobre os processos psicológicos que estão na base
do funcionamento criativo e uma teoria da estrutura simbólica. É a utilização de todos esses conhecimentos
que faz a diferença entre o cientista e o terapeuta: o primeiro constrói a teoria de uma maneira analítica,
apoiando-se na experiência; o segundo centra-se sobre o sujeito cujos sintomas advirão a partir desses
modelos teóricos e parte de uma estrutura captada, então, como um todo coerente.

A profissionalização do arteterapeuta depende dessa possibilidade de encontrar uma ordem simbólica


para a desordem do sofrimento. É, sobretudo, pela aplicação da teoria e das modalidades práticas derivadas
que ele pode reivindicar seu pertencimento a um grupo ou uma instituição. Esse pertencimento dá-se em
uma identidade profissional, em nome da qual ele exerce e graças à qual ele encontra seu lugar entre o
sujeito e a obra.

Uma vez que uma parte da adaptação no ateliê se faz sobre certos dados invariáveis – horários fixos,
distribuição espacial estável, ritual de início do trabalho –, é interessante notar como cada participante
apropria-se, pouco a pouco, de um espaço, de um lugar para se sentar, de um outro para pendurar sua capa,
como serve-se dos rituais de passagem para abordar as tarefas, como administra o tempo para terminar seu
trabalho.

É preciso observar bem as necessidades que o sujeito tem de se agitar e como ele descansa. Acumulam-
se sinais que nos permitem respeitá-lo e acompanhá-lo melhor em seu próprio ritmo. Os momentos de
separação também são ricos em informações: eles dão-nos a oportunidade de perceber como o sujeito vive
o ateliê e, quando se trata de uma criança, serve para observar como os adultos lhe dão a segurança de sua
estabilidade e a expressão de interesse por seu trabalho.

Na consulta psicoterapêutica habitual, na maior parte do tempo, ouve-se o paciente falar; entretanto, na
arteterapia, ele é posto em várias situações, portanto, nós o observamos enquanto vive uma experiência
nova. Então, é possível perceber suas reações em relação à consigna da sessão, isto é, à exigência de fazer
qualquer coisa com um tipo definido de material. Cada sujeito considera o ateliê como um lugar de aventura,
onde ele escolhe os riscos que quer correr. Pode-se notar como ele entra em contato com o material em
função dos objetivos possíveis, assim como suas disposições tônicas e a concentração que manifesta antes
mesmo de começar a trabalhar.

A novidade da situação exige o encaminhar de todas as potencialidades previamente adquiridas. Pode-


se perceber como o sujeito coloca em andamento seu processo de trabalho, suas praxes, suas experiências
anteriores, tentando modificá-las para torná-las úteis na nova situação. Em seguida, deve-se observar como
o movimento pendular entre o toque e o olhar se instala, visto que esse movimento é fundamental para o
metabolismo da criatividade.

14
Arte

Os participantes utilizam os recursos colocados à sua disposição para se exprimirem, para construírem
um “discurso” na ordem do imaginário. No grupo, nós acompanhamo-los de tempo em tempo; como os
mestres do xadrez, jogamos sobre vários tabuleiros. Cada vez que nos aproximamos de um membro do
grupo, a diferença indica-nos a progressão, as representações tornam-se mais complexas, ficam mais pobres,
enriquecem, os problemas plásticos encontram soluções mais ou menos satisfatórias, há mudanças de zonas
de conflito, proposições que encontraram um desfecho. O interesse que o terapeuta mantém pelo que passou
sustenta aquele do sujeito para progredir, para arriscar-se a encontrar um caminho.

No final da sessão, cada participante encontra-se com um objeto “terminado” que lhe é significativo, já
que, ao olhar uma obra, é o autor que o outro procura. Após ter observado como o processo de apropriação
se realiza, é interessante ver, enfim, como o sujeito separa-se de sua obra, tira-a da parede ou arruma-a, com
qual atitude ele se aproxima dela quando a recupera para si. Nessas questões, nenhuma ideia recebida deve
prevalecer, nenhuma reação em relação à sua própria produção que seja mais válida que outra. O que nos
interessa é descobrir a significação que tem para ele esse objeto que lhe foi tirado (para guardar, para jogar
fora, para dar, para destruir, para colecionar etc.) e se alguma normativa seguida a esse respeito constitui,
para ele, uma proteção ou uma dificuldade do superego.

Mas não se trata somente de observar. Há muito a ser compreendido no ateliê. Primeiramente, os
comentários dos encontros, os últimos trechos da experiência imediatamente anterior, cujo impacto retorna
seguidamente nos temas abordados na produção simbólica. Em seguida, compreendem-se os comentários
frente às tarefas propostas, entusiastas, desdenhosas, queixosas, e as questões sobre a atividade, colocadas,
às vezes, mais como meio de comunicação que de informação. É interessante prever um tempo no qual os
comentários possam surgir e com eles as ansiedades frente às novidades.

Podem-se entender, também, alusões associativas a outras situações ou questões propriamente técnicas.
As duas expressões indicam um trabalho psíquico importante a não perturbar com intervenções muito
extensas ou diretivas. O papel do arteterapeuta é de encorajar a busca das pesquisas sem dar a solução e,
para isso, às vezes, uma só palavra basta.

A palavra é muito importante para o participante: para a explicação de seus projetos, para as questões
que ele coloca sobre a adequação dos meios aos objetivos, para os comentários sobre os resultados positivos
ou os fracassos do processo. Por outro lado, diz da possibilidade de retomar as experiências no discurso
que lhe permite transformar a experiência em conhecimento, de passar da ação ao código socializado da
transmissão.

Frente a um problema plástico bem definido, é importante encorajar, no sujeito, o pôr-se à prova em todas
as possibilidades que ele pode considerar, para encontrar aquela que melhor lhe convém.

O momento da avaliação da atividade é consagrado especialmente ao diálogo. Serve-nos para observar


a capacidade de tomar a palavra, assim como a atitude de escuta de cada participante frente ao grupo. A
capacidade de se interessar por problemas gerais, de participar das discussões, de procurar argumentos, de
aproveitar algo da experiência dos outros está diretamente ligada aos objetivos da arteterapia.

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Arte

Até aqui, descrevemos o que se pode ver e compreender em uma sessão do ateliê. Resta-nos relatar o que
o arteterapeuta pode sentir durante esse tempo, visto que suas emoções constituem a matéria-prima com
a qual ele conta para entender o sentido dos comportamentos dos participantes e de suas reações afetivas.

A maior parte dos afetos advêm da própria dinâmica do ateliê; dessa maneira, para começar a trabalhar,
o sujeito deve fazer uma ruptura com a inércia de suas inquietações e experiências recentes, cujo resto
útil servirá de motivo de simbolização. O arteterapeuta tenta preservar as motivações evitando que elas
parasitem o trabalho.

A recepção da consigna também provoca reações que encontram uma ressonância no arteterapeuta.
Se este se identifica com ela, suas reações negativas serão mal recebidas e terão poucas chances de ser
elaboradas. Conhecendo previamente a possível significação da consigna dada, o arteterapeuta pode apreciar
melhor os prejulgamentos que os participantes podem ter com a tarefa a ser realizada e tentar compreender
a idealização, assim como a rejeição da proposta, visto que as duas reações são um obstáculo para um bom
desenvolvimento da atividade.

A atenção afetiva do arteterapeuta é dirigida sobre a relação que cada sujeito estabelece com a
manipulação do material, dos instrumentos e dos movimentos eficazes. Além do resultado propriamente
plástico, é interessante constatar o prazer ou o desprazer do contato sensorial do sujeito com o material, a
manifestação de seus gestos, o prazer da apropriação progressiva da técnica.

Certamente, as emoções mais fortes que o arteterapeuta pode sentir provêm da observação da produção
do sujeito: da qualidade emocional da mensagem, traduzida na harmonia ou na agressividade das formas,
por meio da precisão ou do erro das proporções, da qualidade dos traços, do tema abordado, das cores e
dos contrastes utilizados, dos eixos de diferenciação escolhidos. Mas também é importante captar o impacto
afetivo que as intervenções de cada participante produzem no grupo e as reações de cada um frente às
imagens de si que este lhe dá.

Os sentimentos até aqui descritos surgem da observação enfática dos comportamentos. Portanto, na
relação de transferência, o terapeuta possui um outro instrumento para sentir as emoções do paciente:
são os próprios sentimentos frente a eles. A reação produzida sobre ele pela ausência do paciente, por sua
chegada em atraso ou antecipada, por seu cumprimento efusivo ou seu olhar longínquo, pela indiferença,
delicadeza ou revolta demonstrada em relação a ele, constitui os sinais do ponto de conflito a ser desfeito.

Então, impõem-se duas questões ao terapeuta: a primeira, por que ele se sente contente, embaraçado,
culpado, generoso etc. frente a tal ou tal paciente, e a segunda e mais difícil: como o envolve o paciente
para fazê-lo reagir assim. A primeira questão permite detectar os problemas do paciente e os do terapeuta;
a segunda permite descobrir quais são as modalidades de relação que o paciente instaura, repetindo suas
estratégias de manipulação dos outros.

Mesmo se no contrato implícito entre o paciente e o terapeuta estabelece-se que nada será perguntado,
nem nada será dado, há sempre uma forte exigência simbólica que é medida, do lado do paciente, na
resistência e, do lado do terapeuta, no desconforto que a rejeição da atividade produz nele em suas múltiplas
modalidades. O postulado terapêutico que diz “somente o significante me interessa e a rejeição é, também,
significante” não chega a equilibrar sempre a relação. Portanto, o resultado satisfatório da terapia depende,

16
Arte

às vezes, da capacidade de se ocultar como objeto da rejeição, procurando a função positiva que este pode
provocar, por exemplo, na autonomia do sujeito.

A relação de transferência é dramática e, por consequência, de ordem simbólica, mas os efeitos que ela
produz nos comportamentos são bem reais. Quando o sujeito trabalha sob “nosso” olhar ou “nos” ignorando,
quando ele destrói o “nosso” material ou quando se mostra capaz de aproveitá-lo, ele não inventa uma
relação, mas repete um comportamento cujas consequências conhece. Se nos deixamos levar, respondendo
a suas expectativas, ajudamo-lo a repetir o comportamento neurótico. Se damos à antiga relação uma nova
significação, damos ao sujeito a possibilidade de mudar, de inventar uma nova maneira de se fazer amar.

Quando o terapeuta, frente a um paciente, pergunta-se: “O que você simboliza para mim?”, ele coloca
uma dupla questão. Na primeira, o “para mim” quer dizer “na minha intenção”; ela se traduz por: “Qual é a
mensagem que eu devo receber?”. Na segunda, o “para mim” refere-se ao investimento simbólico que ele
mesmo faz do paciente. O sujeito exprime-se, mas, ao mesmo tempo, ele exprime-se em relação ao olhar do
terapeuta. Na transferência, a expressão torna-se mensagem.

Uma outra questão coloca-se ao paciente: “O que você quer que eu diga?”. De fato, a autonomia e a
liberdade de expressão não são qualidades com as quais podemos contar desde o início. Quando falamos
de “tema livre” ou escolha das técnicas, exprimimos um desejo impossível, uma vez que os sujeitos estão
doentes. Nosso procedimento é justamente ajudar o paciente a encontrar, no final do caminho, essa margem
de autonomia e de liberdade que faz da apropriação a diferença.

A complexidade da situação terapêutica certamente é paradoxal, arbitrária e efêmera, mas, graças a


isso, profundamente dramática. Para o arteterapeuta, a questão é adquirir a faculdade de espera sem ser
angustiado pelo silêncio ou pela lentidão do desenvolvimento do processo plástico, poder responder de uma
maneira construtiva aos comportamentos de resistência, de agressividade e de passividade e suportar a
extrema dependência dos sujeitos, assim como sua tentativa de autonomia.

UM TEMPO E UM ESPAÇO PARA A CRIATIVIDADE


Sara Paín

Na organização de um ateliê de atividades plásticas com fim psicoterapêutico, é preciso dar-se conta de


três parâmetros: os espaços, o tempo e a composição dos grupos. A referência que orienta a descrição é
aquela de um ateliê de crianças, mas suficientemente espaçoso para poder ser adaptado a outro público e
em outras condições: desde a instalação no interior de uma instituição pedagógica ou médica à intimidade
de um ateliê particular.

Se o lugar deve ser partilhado com colegas, então é preciso tomar cuidado com a preservação da ambiência
de uma sessão para outra, garantindo a identificação e o pertencimento do grupo. Essa estabilidade ajuda a
estabelecer os vínculos de confiança indispensáveis ao sujeito, assegurando-lhe a proteção de sua criatividade.

17
Arte

Os espaços
A escolha do local de trabalho para um ateliê com fim terapêutico é importante porque supõe hipóteses
de trabalho bem diferenciadas. Dessa forma, Arno Stern define seu ateliê como um “lugar fechado”, onde
a criatividade deveria ser estimulada da mesma forma que o fechamento. De fato, Stern incita seus alunos
educadores a fechar todas as janelas, pois considera que esse espaço torna-se ainda mais propício à
criatividade quando interrompe toda ligação com o mundo exterior. Para o autor, a criatividade está ligada
à condição íntima, simbolicamente uterina, condição essa que pode ser, também, fonte de ansiedade e de
inibição.

O ateliê ideal, ao contrário, seria, em nosso ponto de vista, um local claro cujas janelas dariam para uma
área verde, calma, um lugar tanto de relaxamento quanto de observação. Mesmo se essas condições são,
frequentemente, difíceis de se atingir, a claridade instável, assim como um leve rumor vindo do exterior
da sala, criam uma continuidade de vida. Além do mais, sendo a claridade um elemento fundamental da
atividade artística, é importante que ela conserve seu caráter natural. O ateliê deve ser um local privilegiado,
demarcado de outros, mas não totalmente separado do mundo exterior, o que prejudicaria a generalização
das aquisições.

O mesmo ateliê deve poder acolher vários grupos no decorrer da semana. Tendo os participantes
necessidade de se encontrar em um quadro relativamente estável, precisa-se, então, de uma organização,
em parte permanente e em parte modificável.

A sala de espera, o vestiário, o local de estocagem do material, os espaços de trabalho e os locais de


exposição ou de secagem das peças constituem a parte permanente do ateliê. A parte variável do cenário é
representada pelas produções que se sucedem. A passagem dos outros, marcada pelo depósito das peças,
obriga cada um a respeitá-las do mesmo modo que as suas. A certeza de que suas próprias produções que
estão em realização serão vistas pelos outros, se ele desejar, é a contrapartida. O arteterapeuta deve cuidar
para que nenhum grupo possa ser sentido como invasor e que a permanência do local seja assegurada.

O espaço de entrada, bem delimitado em relação ao local onde se desenvolvem as atividades, mesmo
sendo somente de dimensões reduzidas, é indispensável. Ele deve ocupar a função de intermediário entre
a família, a escola ou o trabalho, a rua e o ateliê; é o lugar onde se pode depositar um objeto familiar, fazer
uma confidência ou um pedido sem formalidades. Mas, ao mesmo tempo, constitui um limite que protege
a propriedade e a intimidade dos participantes somente durante a sessão. Quando se trata de crianças, é o
lugar de troca e de separação daqueles que as acompanham. Essas disposições são válidas mesmo quando
o ateliê funciona no meio de uma instituição.

Quanto ao ateliê propriamente dito, ele deve servir para a prática sucessiva de várias técnicas durante o
ano, o que necessita da organização de diversos espaços: aquele reservado para a pintura de uma maneira
permanente, onde os participantes trabalham de pé, frente às paredes, e outro destinado às diferentes
técnicas praticadas em torno de uma mesa. Com exceção da modelagem, que passaria a ser praticada
como a pintura em um espaço reservado a essa técnica, a vantagem de encontrar sempre o mesmo local de
trabalho favorece a apropriação deste, assim como uma certa ritualização das sessões. Para as marionetes,
a reunião de dois espaços permite instalar um painel e prever um lugar para os espectadores.

18
Arte

O tempo
O tempo de um tratamento terapêutico

A gestão criteriosa do tempo parece-nos um fator importante na organização do ateliê, da mesma maneira
que aquela do local.

A unidade mínima sobre a qual um projeto terapêutico pode se realizar em um ateliê plástico é de
aproximadamente um ano (que se faz coincidir com um ano escolar, para garantir a coerência do grupo),
com sessões semanais. Para tornar as aquisições autônomas e duráveis, na maior parte dos casos, são
necessários três anos de assiduidade contínua: eles permitem passar por todas as técnicas várias vezes, de
modo a progredir, adquirir automatismos e liberar-se dos constrangimentos, tomando confiança em si. Mais
frequentemente, isso permite trabalhar as resistências e exprimir os conflitos mais importantes.

De um ponto de vista psicológico, há para cada sujeito um tempo mais ou menos longo de adaptação no
ateliê, cujas regras de funcionamento e relações pessoais são diferentes de tudo aquilo que lhe é familiar.

É preciso que ele compreenda o que lá se espera dele; ele precisa aprender a aceitar os limites que lhe
são impostos pelo local e pelo tempo, o grupo, os arteterapeutas e os materiais, da mesma maneira que deve
trabalhar suas inibições, suas resistências e seus próprios limites para chegar a aceitá-los. Somente quando
o sujeito percorreu esse caminho é que pode aceitar colaborar com o arteterapeuta, identificar-se com ele
e, finalmente, dele se separar.

Como todo tratamento psicoterapêutico, o processo da arteterapia também apresenta momentos de crise
para o paciente e para sua família. No caso das crianças, a continuidade do tratamento depende não só de
sua vontade como da dos seus pais. A interrupção deixa não somente um processo sem acabamento, mas
também repete, na maior parte do tempo, de maneira perigosa, uma situação anterior de perda e de fuga. A
ruptura, às vezes súbita, de uma relação intensa também pode perturbar o grupo. Portanto, é preciso tomar
todas as precauções possíveis para, antes de tudo, evitá-la: um contrato claro com os pais e a equipe de
atenção é indispensável, assim como o estabelecimento de um diálogo entre esses.

Em um primeiro momento, Estelle, 8 anos, tenta aplicar, no ateliê, os esquemas de comportamento que
ela utiliza em outro lugar até o momento em que uma quebra na representação permite ao arteterapeuta
intervir, restituindo à relação uma dimensão arteterapêutica.

Logo na primeira sessão, Estelle faz o que está segura de saber fazer e é bem característico: um
personagem de quadrinhos. Em seguida, ela passa da reprodução estereotipada a um outro modo de
expressão convencional, mas já mais pessoal: casa, flores bonitas etc. Depois, uma incongruência no “bonito”
que Estelle descobre permite a intervenção do arteterapeuta, que lhe dá, então, um novo jogo de valores:
“fazer interessante” no lugar de “fazer bonito”. É a partir disso que Estelle ousa se mostrar com seus medos
e sua agressividade e que, enfim, fala de seus conflitos.

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Arte

A organização temporal de uma sessão

Optamos por sessões de uma hora para as crianças pequenas, duas para as crianças e duas e meia para
os adolescentes e adultos. Essa escolha é feita não só levando em consideração a faculdade de concentração
dos sujeitos mais evoluídos, mas também analisando as necessidades de preparação no trabalho de expressão
plástica e as necessidades individuais de alternância entre repouso e trabalho, entre solidão e diálogo, entre
ação e palavra.

Cada sessão desenvolve-se em várias fases.

1. A primeira passa-se no local intermediário onde se fazem as últimas recomendações paternas e os


encontros com os outros participantes. Então, um clima de excitação prevalece, energia necessária
para a ruptura antes da adaptação ao ateliê. Depois, cada um começa colocando sua blusa de trabalho
que estava depositada em caixa que corresponde a seu grupo, o que constitui um símbolo que
representa seu pertencimento. As crianças que diferem nesse gesto já nos mostram que estão em um
“outro lugar”, o que se deparará em suas produções. Para alguns sujeitos, esse momento pode ser tão
marcante que um adolescente pôde nos escrever dos Estados Unidos: “Recordar-me do momento de
felicidade em que eu colocava meu avental me deixa feliz”.

2. Na segunda fase, todos os participantes e os arteterapeutas sentam-se ao redor da mesa situada no


“espaço das técnicas”. Esse é o momento em que todos podem se ver, em que cada um se mostra
presente no grupo e pode enunciar, de uma forma pouco comprometedora, um acontecimento que o
marcou e que poderá ser retomado mais tarde, individualmente durante a sessão, pelo arteterapeuta.
É também o momento em que se fazem os comentários sobre os atrasos sucessivos ou a ausência de
alguns membros do grupo e sobre as expectativas do ateliê. Às vezes, a excitação é tamanha durante
um tempo tão longo que as crianças mais desejosas de começarem a trabalhar se encarregam de
restabelecer a calma necessária. Esse tempo intermediário entre o “outro lugar” e o ateliê parece-nos
muito importante.

3. Quando o clima se torna favorável, passa-se para a organização dos grupos, o que representa a
terceira fase da sessão. Então, duas ou três atividades são propostas, e os subgrupos se formam,
levando em conta os desejos de cada sujeito e suas necessidades, mas também o “bom equilíbrio”
entre os participantes (em função da idade, das capacidades expressivas, dos centros de interesse
e, eventualmente, dos diagnósticos). Se várias crianças da mesma família estão reunidas durante
o mesmo horário, elas são encorajadas a se dividirem nos diferentes subgrupos. Aqui, também, as
separações devem, às vezes, trabalhar-se com o arteterapeuta. Uma vez definidos os grupos, cujo
número depende do tipo de ateliê (especificamente clínico ou heterogêneo), o arteterapeuta lembra o
tempo da sessão que resta disponível para o trabalho e a duração dada para a técnica escolhida. Essa
duração pode variar de uma a quatro sessões. A consigna para tentar terminar o trabalho começado é
adaptada a cada sujeito, não proposta para ser seguida como regra, mas para analisar o andamento
do seu processo de trabalho.

4. A quarta fase é aquela do trabalho propriamente dito. Limitar-se-á, aqui, a avaliar sua importância em
relação ao investimento técnico, estético e psicoterapêutico.

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Arte

Somente os processos retêm nossa atenção; eles se inscrevem na dinâmica criativa de cada um, em
sua história e naquela de cada obra. O nível estético não é valorizado como tal, isto é, como “um objeto a
contemplar”, mas como um efeito de uma estrutura pessoal tendo uma história.

Desde sua entrada no ateliê, cada sujeito é acompanhado em seus diferentes processos. As exigências
do arteterapeuta são progressivas e intermitentes. A alternância das técnicas praticadas durante um ano
favorece essa atitude, todavia, sem desconcentrar os sujeitos.

O trabalho pictórico, gráfico ou de modelagem passa, indiferentemente, da expressão livre, em que os


conflitos se projetam no papel ou na matéria, à elaboração das obras onde o sujeito toma consciência da
maneira de resolver os problemas plásticos relativos a seus próprios problemas psicológicos.

Para favorecer a construção das imagens, nossa atitude é de fazer prevalecer um princípio de realidade,
mesmo para o subverter. Cada vez que o ambiente permite, estimulamos as capacidades de observação,
induzindo os sujeitos a observarem o que pode constituir uma resposta às hesitações na representação. Tal
criança pergunta-se sobre a representação de um nariz visto de frente ou da colocação em perspectiva de
personagens em uma peça, então, ensinamos-lhe a analisar tanto as relações de forma quanto de cores.

Se o ambiente não pode permitir esse trabalho de observação no lugar, aconselha-se fazê-lo fora das
sessões do ateliê. Essa sugestão tem, ainda, a vantagem de manter um vínculo entre o sujeito e o ateliê
fora das horas de sessões, o que é importante para a elaboração dos conflitos e a continuidade da pesquisa.

Na medida do possível, é preciso fazer a relação entre o objeto escolhido como significante do desejo
e a necessidade de observá-lo para fazer dele uma imagem legível. Certamente, para isso, é necessário
levantar todos os obstáculos psicológicos que se opõem à assimilação da imagem percebida. Os estímulos
do arteterapeuta estão ligados à técnica plástica assim como à expressão das ideias do paciente, até aqui
censuradas. Ele também cuida daquilo que a ansiedade não extravasa nos limites da capacidade de elaboração.

O arteterapeuta, sugerindo que se olhe a obra à distância para ver se os planos são “legíveis” e se estão de
acordo com os desejos de seu autor, leva-o a tomar uma distância com relação ao objeto representado, que
perde, então, sua fascinação simbiótica. O objetivo dessas intervenções é que, após um percurso suficiente
no ateliê de arteterapia, o sujeito possa introjetar as palavras do terapeuta para se exprimir sozinho e
produzir uma imagem na qual ele possa se reconhecer.

Alguns sujeitos, respeitando o melhor possível as consignas do arteterapeuta, procuram produzir imagens
por meio das quais esperam ser aceitos. Outros recusam levar em conta as intervenções do terapeuta,
mostrando, assim, sua resistência e sua necessidade de se diferenciar para existir. Outros, ainda, solicitam-
no continuamente. Eles conhecem, de antemão, as questões que lhe serão colocadas, mas, para progredir,
precisam da repetição. Trata-se, então, de um ritual lúdico por meio do qual se estabelece uma relação
transferencial. Todavia, é preciso prestar atenção para não entrar no jogo de uma dependência seja de
alienação, seja de controle.

Cada um, por meio dos diversos desejos, procura, portanto, encontrar seu lugar frente ao outro de acordo
com os esquemas prévios de relação que fazem suas estruturas e que é preciso repetir para poder reorientá-
los por meio de uma forma de relação mais feliz.

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Arte

Diferentemente da neurose de transferência, que é uma construção própria do espaço psicanalítico


propriamente dito, as psicoterapias que utilizam uma atividade mediadora irão investir mais nas relações
do sujeito com sua obra do que nas puramente transferenciais. Estas serão tratadas à medida que os
sentimentos do sujeito, frente a frente com o terapeuta como tela de repetição, constituem obstáculos para
a atividade representativa. Assim, uma demanda abusiva de ajuda não será administrada nem por uma
resposta técnica direta, nem por uma interpretação da fantasmática suposta, mas pelo desenvolvimento
simbólico da demanda por associações sucessivas ao nível da imagem e da palavra.

Quando a demanda atinge um nível de formalização suficiente, quando fez um caminho de esclarecimento,
ela chega, na maior parte do tempo, a incluir sua própria resposta, que se dá, então, como uma descoberta. O
arteterapeuta está lá para guiar, provocar e ser testemunha da emergência associativa, e de maneira alguma
para dar “sua” interpretação descritiva e casual, a qual constitui, contudo, um instrumento indispensável,
mas mudo, para cumprir sua tarefa.

Levando em consideração a importância do mecanismo de repetição na cura, procuraremos relacionar as


noções de estilo como criação egoica. Le Petit Robert (dicionário popularizado, como entre nós o Aurélio)
define o estilo assim: “A maneira singular (pessoal ou coletiva) de tratar a matéria e as formas para a
realização de uma obra de arte”.

O estilo leva menos em consideração o tipo de motivos tratados (históricos, religiosos, paisagens, retratos,
abstrações etc.) que a maneira de tratá-los, mas esses dois elementos são as marcas estilísticas de sua
época, assim como do artista.

Quando um sujeito se instala na repetição, ele faz-nos avaliar se é uma questão de repetição criativa ou,
pelo contrário, de uma expressão patológica. Pode-se tratar de uma atitude de resistência frente à aventura
plástica, assim como uma inibição motivada pelo medo de sair de um modo de expressão já experimentado.
A variação das técnicas pode ser útil para alguns sujeitos instalados na estereotipia, eventualmente ligada
aos estados psicóticos.

A repetição do mesmo tema pode ter várias origens. Pode ser uma busca afinada e apaixonada da
expressão plástica: a história da arte fornece muitos exemplos. Artistas como Rembrandt, Turner, Rodin,
Dufy, De Staël, para citar só esses, abandonam um tema somente quando eles têm a impressão de tê-lo
“esgotado” no plano pictórico ou escultural, em um exato momento de sua vida. Aqui, trata-se de repetição
aparente, visto ser ela sempre criativa. Jacques Teboul (1988), em um estudo consagrado a Cézanne, diz:

O trabalho desta série é um trabalho de acabamento da forma [...]. Permanecer sobre o mesmo motivo ou
o mesmo tema, insistir em encontrar soluções satisfatórias de beleza para alguns problemas como velocidade e
imobilidade, desenho e cor, reflexão e espontaneidade, sensação e construção, visão fragmentária ou síntese,
estrutura e fluidez, espaço e figura, revelação e desaparecimento, masculino e feminino. A série, no caso
das Baigneuses, é para Cézanne o único meio de purificar uma fantasmática, de dar-lhe sua mais alta forma
artística, preservando a constância.

Marcel Proust (A la recherche du temps perdu), em relação a Bergotte e Vermeer de Delft, diz:

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Arte

Não há nenhuma razão, nas condições de vida nesse planeta, para que nós acreditássemos ser obrigados a
fazer o bem, a sermos delicados e até corteses, nem para o artista ateu que pensa ser obrigado a recomeçar
vinte vezes um pedaço, cuja admiração que lhe provocará pouco importará a seu corpo comido pelos versos,
como a confluência de duas partes de parede amarelas que cobre com muito de ciência e de requinte um
artista desconhecido, recém-identificado sob o nome de Vermeer.

Para a repetição estereotipada, reportar-se ao exemplo de Yves Alex tanto no tema quanto na maneira
de tratar.

Ornamento seguinte é aquele em que o autor comunica que sua obra está acabada. É interessante
analisar três aspectos: a suspensão do trabalho, a assinatura e o título.

A suspensão do trabalho

Decidir quando uma obra está acabada é uma questão importante e difícil de determinar para todo
artista. Assim, diz Matisse (1972): “[...] Chega um momento onde todas as partes encontraram suas relações
definitivas e, daí em diante, ser-me-á impossível não retocar nada em meu quadro sem refazê-lo inteiramente”.

Para os participantes do ateliê, uma dimensão de ordem além de estética entra em jogo: a relação de
transferência com o arteterapeuta. Desde o início, uma das regras fundamentais a instituir é que nenhuma
obra deve ser posta de lado sem ser vista pelo arteterapeuta com a presença de seu autor. Dessa regra,
raramente desobedecida, pode-se compreender que ele está presente em todos os momentos no pensamento
daquele que se exprime no ateliê. É por isso que as várias atitudes adotadas quanto ao final da obra nos são
tão reveladoras.

Vemos sujeitos rápidos e impacientes que se contentam em “jogar” espontaneamente uma ideia na
sua folha ou na argila sem encontrar prazer em mostrar, mais adiante, a produção pintada ou modelada.
Pode-se tratar de um problema de ritmo singular ou do sentimento de que todo esforço é inútil, levando
em consideração dificuldades técnicas encontradas. No primeiro caso, o arteterapeuta aceita esse ritmo
enquanto propõe ao sujeito interessar-se mais pela imagem que ele produziu que pelos gestos liberadores
(mesmo que eles tenham sua utilidade). No segundo caso, trata-se de dar novamente confiança ao sujeito,
para fazê-lo descobrir suas capacidades expressivas.

Ao contrário, alguns sujeitos trabalham com muita paciência, mas as ideias nunca são aprofundadas. O
arteterapeuta intervém, fazendo-os precisar, tentando descobrir os obstáculos para a “definição”. Outros
utilizam a regra para renovar o prazer da relação. Eles multiplicam seus chamados “terminei” para o prazer
de vê-lo a seu lado, mesmo sendo perfeitamente capazes de antecipar os comentários que lhe serão feitos.
Com os mais experientes, o arteterapeuta também pode, enquanto toma distância, fazê-los localizar a zona
da imagem que ainda poderia ser melhorada, e é aí que os conselhos plásticos podem, também, tornar-se a
linguagem metafórica de uma ligação com um vínculo terapêutico.

Às vezes, o terapeuta arrisca-se a se deixar fascinar por seu gosto por obras despojadas, o que pode
ocasionar uma parada num processo criativo, ou seja, esquecer os estímulos necessários, ou por seu gosto
por um trabalho muito “bem-feito”, no registro da obsessão. Assim, não é em relação a seus gostos pessoais
que ele deve intervir, mas em relação às necessidades do paciente a cada momento de sua história. Isto

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Arte

é, ele deve levar em conta as capacidades plásticas e de concentração do sujeito, sua idade, seu ritmo
pessoal, suas necessidades sinestésicas, sua atividade de ideação, suas possibilidades de aprendizagem. Ele
deve analisar para cada um e a cada estádio do trabalho se pode ou não se beneficiar de suas exigências,
engajando-o no desenvolvimento de sua obra.

A assinatura

Uma outra questão que tem relação com o final de uma obra pictórica ou gráfica é a assinatura. O artista
assina sua obra quando a considera acabada. O lugar que ele escolhe para colocá-la não é mais neutro
que o estilo desta (grafismo, cores, iniciais ou sobrenome, nome ou apelido). M. Butor (1980), após se ter
interessado pelo lugar da assinatura, portadora de uma mensagem, salienta, também, o quanto ela pode
contribuir para a expressividade da obra. Assim, ele diz: “Na Liberdade guiando o povo, o relevamento da
assinatura de Delacroix, vermelho sangue, é tão sensível que aparece exatamente atrás da horizontal de uma
barricada. A data – 1830 – também está pintada em relevo”.

Para analisar a significação profunda da assinatura, é muito importante levar em consideração a idade e as
aquisições em nível da escrita, do manuseio dos instrumentos (lápis, hidrocor, pincéis finos) e da capacidade
de ponderar o espaço necessário para a exposição do nome. Antes que a criança seja capaz de ela mesma
assinar, o arteterapeuta escreve, em seu lugar, seu nome e a data em sua presença.

Em um próximo momento, colocar a assinatura significa aquisição do grafismo ao mesmo tempo em que
investimento de responsabilidade. É em relação ao grau do desenvolvimento da criança que se pode julgar a
patologia de um comportamento. Assim, uma assinatura colorida, feita com um pincel grosso e que atravessa
de ponta a ponta a folha pintada, pode corresponder a uma falta de habilidade ou ter uma significação
subjetiva, como ilustra o comentário de Gabriel: “Papai, mamãe, eu”; depois, ele assina, acrescentando:
“com meu nome, não há mais lugar para fazer minha irmãzinha”. Compreende-se, aqui, que a assinatura
invasora permite lutar contra a invasão que a irmãzinha representa para ele.

Como no exemplo citado, o lugar que a criança escolhe para colocar seu nome também nos interessa. Ele
torna-se, por exemplo, o nome do navio, do livro lido, da inscrição de uma bandeira.

Sendo a assinatura uma marca egoica, as dificuldades que o sujeito pode experimentar para realizá-la são
um sintoma do conflito de identificação.

Assim, por exemplo, durante um ano, Henri, 7 anos, multiplica os lapsos ao assinar; erros ortográficos
tornam impossível a leitura de seu nome, que ele mistura com o de seu tio, desenhista e pintor que havia
frequentado o ateliê alguns anos antes. Deve-se fazer um trabalho com Henri para restituir-lhe seu lugar.

Algumas crianças passam sem transição de uma assinatura pintada e largamente exposta a uma discreta
em lápis, às vezes até na parte de trás de suas obras. Essa mudança brusca vem, mais frequentemente, de
um esforço de adaptação às consignas ligadas à modéstia: “não se vê nada além de teu nome”. No ateliê,
o sujeito é conduzido a procurar uma harmonia entre sua necessidade de afirmação pela assinatura e as
dificuldades estéticas da obra.

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Arte

Os gravadores, geralmente, assinam cada prova a lápis, autenticando, ao mesmo tempo, o número
impresso e o número de ordem de cada uma delas. Ao analisar o trabalho lento e difícil deles, que terão
várias provas provisórias, indo do mais escuro ao mais claro, vê-se que a assinatura, nesse caso, não é,
como na pintura, uma adição fácil de ser colocada. Geralmente permite ao seu autor distanciar-se de sua
obra e torna-se, de uma certa maneira, um sinal dramático e definitivo, arriscando comprometer a obra
inteira. Além dessa dificuldade técnica, acrescentamos que, para colocar sua grife, não se pode ficar no
registro da espontaneidade, já que essa será transposta da direita para esquerda. É por isso que, no ateliê,
os participantes não substituem essa aventura pela assinatura das tiragens. Às vezes, eles acrescentam um
comentário ou uma dedicatória profundamente significativos.

A assinatura dos ceramistas é colocada sob o objeto, mesmo quando se trata de uma peça única. Nas
antigas civilizações e mesmo em nossos dias, os ateliês artesanais de grande produção assinam com a ajuda
de um carimbo que marca a parte de baixo da peça. No ateliê, para evitar o desaparecimento da assinatura
na hora do polimento, é proposto que se grave ou escreva com a barbotina de cor diferente somente após o
secamento da peça. Provisoriamente, a peça é identificada por uma etiqueta de papel.

Muitos recusam assinar. É interessante para o arteterapeuta analisar essa recusa: de um lado, ela se
justifica pela estranheza que consiste em introduzir um grafismo em um material que convoca continuidade.
Mais ainda, para alguns, o estilete de punção utilizado pode provocar um corte na obra, difícil de ser aceito;
para outros, a produção não é digna de uma assinatura que se tornará indelével após o cozimento; no caso
do trabalho com a barbotina, pode-se imaginar que, para muitos, é o medo de não poder fazer um grafismo
preciso com o material utilizado e, assim, prejudicar seu nome e, consequentemente, sua identidade.

Quanto aos escultores, eles seguidamente assinam no suporte de construção de sua estátua, às vezes
na base ou na parte de trás. Para os participantes do ateliê, além do receio já comentado na assinatura de
uma cerâmica de gravar de uma maneira definitiva a obra, acrescenta-se a escolha do lugar onde colocá-la.
Então, acredita-se que, com essas fontes de ansiedade, muitos sujeitos recusam assinar uma obra modelada.

Se o marionetista profissional (chamamos por esse nome o fabricante, e não o apresentador-manipulador


da marionete) assina sua obra, é sem dúvida levando mais em conta as considerações mercantis que a
necessidade de autenticação do autor do objeto fabricado. Não nos esquecemos de que o marionetista cria
um objeto para colaborar com um outro artista que lhe dará vida, a menos que ele mesmo seja também o
apresentador. Neste caso, ele expressa-se ao público por meio da voz e dos gestos que induz na marionete
e não pela assinatura invisível desta. A assinatura é visível somente quando ela perde sua razão de ser, isto
é, quando não é mais animada.

No ateliê, nós pedimos aos participantes que marquem com seu nome, durante a fabricação, a cabeça,
as mãos e o corpo antes da montagem da marionete. Isso se dá unicamente para que essa fase do trabalho
possa se realizar nas melhores condições. Nessa ocasião, podem-se observar, por exemplo, os impulsos de
alguns sujeitos para marcar seu nome no nariz ou no lugar da boca, ou o contrário, as hesitações de alguns,
que procuram dissimular seu nome no interior do cilindro de papelão para preservar a estética. Todas essas
indicações são preciosas: a assinatura é um sinal de proprietário ou de autor?

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O título

A importância que o artista atribui ao título que ele dá a sua obra é muito variável em função do tratamento
do sujeito, assim como da época. Tratando-se de obras clássicas, o título facilita a transmissão da mensagem,
se for o caso de quadros alegóricos (A primavera, Botticelli), mitológicos (A queda de Ícaro, Bruegel),
religiosos (Anunciação, Virgens com o menino, Cristo em glória), históricos (A batalha de San Romano,
Ucello; O Dois de Maio, Goya), pitorescos (O agiota e sua mulher, Quentin Metsys; O trapaceiro, Quentin de
La Tour), de representação dos poderosos (As meninas, Vélasquez; O papa Júlio II, Rafael) ou dos humildes
(Os camponeses, Le Nain; A lavadeira, Chardin). Mas, na realidade, a função do título é de catalogar as obras
de maneira que se possa reconhecê-las por meio de um motivo específico ou fazer referência aos supostos
conhecimentos do espectador (motivos bíblicos).

Em nossa época, em que outras técnicas (fotografia, cinema, vídeo, televisão) estão à disposição dos
artistas, pode-se procurar uma significação diferente para a necessidade de se dar um título. Alguns artistas
atribuem uma grande importância; trata-se de colocar o espectador em uma pista quando o criador está
em ruptura com seu tempo, por exemplo, Les demoiselles d’Avignon de Picasso ou, de Duchamp, A noiva
despida por seus celibatários. Magritte (1959) comenta: “Cada título faz acreditar uma interpretação que
se diz inteligente” e acrescenta (1966): “Os títulos de meus quadros os acompanham como nomes que
correspondem a objetos sem os ilustrar nem os explicar [...] Eles não são segredos, há somente falsos
segredos”.

Outros artistas procuram colocar o espectador na direção do estado de espírito no qual eles se encontram
quando da criação da tela, como Allégresse, de Vieira da Silva (1976); outros, ainda, dão um título a suas obras
somente para responder a uma solicitação do comerciante de quadros e, assim, intitulam-nos ordinariamente
Estudos, Variações, Mulheres..., o que dá ao espectador toda liberdade para pôr em funcionamento sua
imaginação. Acrescentamos que o conservador de museu ou o historiador de arte é, frequentemente,
obrigado a dar, ele mesmo, um título para identificar uma obra de um artista desconhecido.

Em nossos pacientes, o título constitui a referência verbal que, às vezes, redefine a intenção da obra.
Analisar-se-á, principalmente, se está em acordo ou em ruptura com a própria representação. O arteterapeuta
deve medir o grau de consciência que o sujeito faz da relação, que pode ser vivida como provocação,
subversão, contradição etc.

A criança não atribui título a suas obras. No máximo, ela inclui, às vezes, em sua pintura o nome do que
lhe parece importante: assim, será designado aquele do hotel (recordação boa ou ruim de férias), do barco,
do circo etc.

Continuação do trabalho

Durante a sexta fase, faz-se o balanço: as produções de cada subgrupo são examinadas, dando oportunidade
de intercâmbios, depois, remete-se ao estado do ateliê, à limpeza dos instrumentos, à organização das peças
e, eventualmente, à varredura. Todas essas atividades são parte integrante do enquadramento; para alguns,
é o momento privilegiado para assinalar seu pertencimento no grupo, já que suas dificuldades de expressão
plástica e verbal ainda não permitem sua integração na atividade propriamente dita.

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Arte

A maneira como as crianças encaram o momento da separação até a próxima sessão é muito diversificada.
Alguns querem que a família participe e introduzem com orgulho, no ateliê, os pais e/ou os irmãos e irmãs.
Outros, pelo contrário, saem o mais rápido possível a fim de evitar as interferências entre o exterior e o
interior. Ainda, os adeuses a um ou outro dos arteterapeutas podem ser mais ou menos carregados de
emoção. Nenhuma dessas observações, válidas também para os adultos, será deixada de lado.

Para facilitar a análise das produções, a sessão é colocada no tempo, graças à disposição criteriosa de
todas as obras, da ordem e da data de suas realizações. Quanto à ordem de execução no interior de uma
obra, tenta-se reconstituí-la logo após a sessão, completando-a com comentários do autor. Insiste-se sobre
a necessidade de conservar esses dados, porque o processo complexo de elaboração é, para nós, mais
significativo que a representação final.

Assim, Véronique, 7 anos, começa sempre pintando os pescoços e as meias para situar os personagens
que ela, posteriormente, completa. Um outro representa o olhar não somente após ter feito os óculos do
personagem, mas também após ter pintado numerosos pares de óculos ao redor desse.

A ordem de representação nem sempre coincide com a ordem de aquisição cognitiva da criança. Dessa
forma, enquanto integradas as noções de espaço e de objeto, alguns sujeitos representam primeiro os
detalhes, o que torna difícil para eles a composição coerente da mensagem plástica e a realização do fundo.

Organização dos programas durante o ano


A pintura é praticada ao longo de todo o ano. As outras atividades, como a colagem, a modelagem e as
marionetes, realizam-se durante cada trimestre. Geralmente, termina-se com estas, visto que essa atividade
inclui a verbalização, permitindo retomar a vivência do grupo antes da interrupção das férias.

A diversidade das técnicas tem por objetivo evitar a estereotipia tanto nos temas quanto na modalidade
de expressão, visto que cada material provoca reações específicas cujos efeitos podem ser apoiados sobre
outros. A mudança das técnicas por ciclos permite ao sujeito fazer experiências, sabendo que, em um tempo
não imediato, ele terá uma outra oportunidade de fazer um trabalho parecido. O intervalo permite-lhe tomar
distância e deixar decantar a experiência.

Descreveremos, oportunamente, a rede de significações própria a cada técnica em relação ao material


utilizado, aos gestos e às operações que sua manipulação demanda. A riqueza das situações faz emergir um
registro mais fino e mais matizado das reações, o que facilita a ação terapêutica.

Tempo com os pais e com os assistentes exteriores


Desde o início, é determinado que o tempo das sessões pertence, exclusivamente, aos sujeitos. Ainda que
seja possível começar um tratamento tendo o mínimo de informações, chega um momento em que se torna
necessário ter uma confirmação objetiva sobre certas hipóteses. Quando se trata de crianças, o ponto de
partida são as entrevistas regulares com os pais, que são recebidos fora das horas de sessões. Quando se
trata de adultos, conversas individuais podem ser fixadas no contrato do tratamento.

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Dentro de algumas instituições, os arteterapeutas, assim como outros profissionais, quando interditados ao
acesso direto aos pais e mesmo aos dossiês, veem diminuir suas chances de compreender profundamente os
problemas dos pacientes. Dessa maneira, a equipe de assistentes priva-se das trocas favoráveis à compreensão
dele. Os arteterapeutas, vendo as crianças em lugar e em condições específicas, têm possibilidade de descobrir
aspectos desconhecidos da escola ou do cotidiano, assim como, às vezes, do consultório do psicoterapeuta.

Trata-se, sobretudo para o arteterapeuta, de poder trabalhar as hipóteses que ele pôde levantar ao
observar o sujeito no ateliê antes de procurar trocar informações que são do domínio da intimidade do
sujeito. Não se trata, nem de um lado, nem de outro, de descobrir “segredos”, mas de suscitar associações
nos pacientes. Quanto ao diálogo com pessoas de suas relações, ele pode ter um efeito nos dois sentidos:
não somente ajuda o arteterapeuta a ter uma melhor compreensão do sujeito como também pode melhorar
a compreensão dos comportamentos do paciente com sua família.

As produções sobre a natureza feitas por Noémie, 14 anos, mostram uma notável diferença de uma sessão
para outra. Às vezes, bem construídas, assinalam as boas qualidades de observação; de vez em quando,
desaparecem em uma neblina colorida, o que nos indica uma tendência depressiva.

Alertado, o pai exprime sua surpresa dando informações sobre a família: Noémie vive com a mãe epilética
e com seus irmãos e irmãs mais jovens. Até aquele dia, ele considerava a garota como a mais forte da família,
perfeitamente capaz de assumir uma situação muito difícil. A partir dessa mudança, o sr. V. pôde proteger a
vulnerabilidade de Noémie, até então negada.

A constituição dos grupos


Quando se trata de crianças, convém constituir grupos grandes de idade entre 5 e 13 anos, o que permite
uma flexibilidade na organização de subgrupos. Leva-se em conta a heterogeneidade da população em um
ateliê com objetivo terapêutico, tanto em nível de desenvolvimento intelectual quanto afetivo. O arteterapeuta
pode encontrar vantagens para aceitar ou mesmo favorecer a passagem de um subgrupo para outro. Isso
permite analisar de uma maneira mais ampla as identificações com os mais velhos ou os mais jovens, as
atitudes frente aos pares, assim como os movimentos de rejeição de um grupo em relação a um sujeito.

O critério fundamental para formar os grupos é, evidentemente, aquele que pode dar a cada um um
espaço maior sem que isso acarrete uma diminuição do espaço dos outros. Assim, a diferença de idade pode,
em alguns casos, tornar-se um obstáculo insuperável e, em outros, ser uma ocasião de trocas que favorece,
ao mesmo tempo, os mais velhos e os mais jovens.

A diferença das capacidades pode nos levar, por intermédio de algumas técnicas, a procurar uma
homogeneidade que assegura a coerência, mas, na maior parte do tempo, essa diferença pode ser reivindicada
como um direito e ganhar uma colocação positiva.

Os comportamentos patológicos não são todos conciliáveis. A vida do grupo e as crianças concernentes
podem sofrer reações que os provocam. Dessa forma, é preciso evitar que os extremos coabitem, por
exemplo, fóbicos e agressivos-compulsivos, assim como os idênticos, por exemplo, um grupo unicamente

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Arte

constituído por compulsivos ou fóbicos. Se no quadro de uma instituição os doentes apresentam sintomas
inconciliáveis, é preferível formar grupos menores e mais bem compostos.

Um problema especial é aquele que envolve os psicóticos, visto que se trata de incluí-los de maneira a
assegurar a imagem que lhes será restituída e lhes permitirá melhorar a sua. De qualquer maneira, é melhor
evitar mais de uma criança muito doente em um grupo formado de outras neuróticas e borderline.

Portanto, a maior parte das crianças pode frequentar um ateliê em grupo, mas há casos em que sua
presença pode se tornar nociva para elas mesmas, assim como para o grupo, sobretudo no caso de ansiedade
paranoica em que os momentos de crise são frequentes e difíceis de prever. Nesse caso, pode-se tentar um
tratamento individual, com organização de tempos variados que permitam um relativo controle da ansiedade.
Com essas crianças, trata-se de diminuir o sofrimento, isto é, de manter a ansiedade no nível mais baixo
possível, favorecendo a apropriação de suas obras com satisfação.

Quando se trata de uma criança, uma entrevista com o paciente e sua família antes que tudo comece
parece-nos essencial. Alguns pais imaginam equivocadamente que um assinalamento não feito permitirá à
criança se revelar sem patologia, assim, eles querem “dar-lhe sua chance”. Trata-se, aqui, da expressão de
seu desejo, que, em algum momento, se tornará sofrimento. É preciso preparar esse momento para que
ele não seja uma repetição das decepções passadas, mas uma oportunidade de compreender e aceitar as
limitações da criança. Entretanto, às vezes, é-nos impossível respeitar o silêncio dos pais e esperar o tempo
da elaboração.

Sébastien, 6 anos, dá-nos o exemplo desse tipo de fracasso inevitável. Sua mãe, sem assinalar nada em
particular, inscreve-o durante o ano. Ele ingressa em um grupo de crianças de 5 a 9 anos. Sua excitação
compulsiva, assim como suas produções, desestabilizam o grupo a ponto de anular o tempo da sessão
e o trabalho empreendido com alguns sujeitos. Sem exceção, todas as produções do grupo tornam-se
patológicas. Os arteterapeutas veem-se obrigados a interromper o trabalho e propor sessões individuais a
Sébastien.

A aflição revelada nas produções do grupo ainda persistiu por mais algumas sessões. Vê-se, aqui, a
importância do cuidado na composição equilibrada dos grupos, de medir bem, em cada caso, as limitações
da ação do arteterapeuta e de saber estimar as possibilidades de evolução dos pacientes com diagnóstico
reservado.

FORMA E EXPRESSÃO
Agora, vamos conversar um pouco sobre quais as estratégias de trabalho poderão ser oferecidas pelo
psicopedagogo fazendo uso da arte como ferramenta de intervenção.

Falaremos um pouco sobre forma e expressão. Linhas diferentes, projetadas com materiais diferentes,
podem explorar diferentemente a expressão e a comunicação, representando, assim, os sentimentos.
Teremos, então, apoio do texto da psicopedagoga Maria Cristina Urrutigaray sobre a estrutura de trabalho
com arte e como pode ser organizado; em seguida, ela oferece-nos, em outro texto, fundamentação sobre
quais os materiais de que poderemos fazer uso e suas especificidades (tinta, caneta hidrocor, argila etc.).

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Arte

A ESTRATÉGIA DO TRABALHO COM ARTE


Maria Cristina Urrutigaray

A objetivação de um conteúdo expressivo faz-se por meio das técnicas arteterapêuticas e pela organização
resultante, denominada de forma. Por ela, a intimidade presente na subjetividade pode ser convertida de
elementos fragmentados em possibilidades factíveis de ser vislumbradas.

A arteterapia alcança sua meta como função terapêutica por permitir essa passagem de um conteúdo
inconsciente, não assimilado, transmutado ou transformado, em outro conscientizado. Ela busca um visualizar
de conteúdos expressivos, em que a forma converte a expressão subjetiva em comunicação objetivada.

Clarificando mais essa abordagem conceitual, a forma originada traz em si uma realidade empírica em
contraste com a mera possibilidade, ilusão, imaginação ou idealização.

Por realidade empírica, entendemos tudo o que existe e que pode ser conhecido pela experiência. Por sua
vez, a palavra experiência expressa o conhecimento adquirido e transmitido pelos sentidos e pela consciência.
Assim, temos experiências de ordem externa, que são conhecidas pelos nossos sentidos físicos, e de ordem
interna, que são os nossos conhecimentos de nossos processos interiores obtidos pela consciência por
mecanismos de apreensão, chamados de introspecção.

É importante lembrar que toda a realidade constitui-se de fatos. Assim, um trabalho produzido, um
desenho, uma modelagem, por exemplo, são fatos, por estarem na realidade; são realidades concretas e
materiais. Porém as ideias neles contidas não são fatos, já que, como dissemos, quando definimos realidade,
os valores remetem às questões de possibilidade, ilusão ou idealizações, que não são consideradas como
tal, como constatações empíricas literais. São apenas virtualidades, sonhos, fantasias. Contudo, quando o
indivíduo consegue, a partir da visualização de suas imagens criadas, agir mentalmente, transformando-as
em ideias, essa ação mental, ou elaboração mental, torna-se um fato, pois figura como real.

Pois bem, o trabalho com arteterapia visa exatamente permitir a ação mental, ou a elaboração, com
o intuito de extrair a emoção (afetividade, sentimento) que se encontra “oculta”, como ideia na imagem
formada, em princípio inexistente no sentido empírico. O assim chamado conteúdo ideal, provido de coloração
afetiva, como parte ainda inconsciente e presente na imagem criada, transmuta-se em realidade capaz de ser
identificada, porque encontra um campo para ser materializado.

A finalidade terapêutica (do grego therapeutikos) insere-se, assim, na equação permissiva da relação
entre consciência e inconsciente, tanto diminuindo os efeitos de sua perigosa cisão quanto restaurando essa
via ou canal de comunicação quando se interrompe. Tal como se uma medicação fosse, a instrumentação
de materiais pictóricos e plásticos reconduz o sujeito que deles faz uso a mecanismos de estruturação de si
mesmo, dada pela elucidação de seu próprio material.

Sabemos, pelas conquistas da psicologia, que a origem dos transtornos psíquicos se encontra na
impossibilidade da consciência de integrar conteúdos do inconsciente. Assim, por exemplo, na dificuldade de
compreender o sentido das atitudes tomadas ou dos comportamentos executados, bem como nas tentativas

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Arte

disfarçadas em necessidades pessoais e inconscientes de poder, ou na impossibilidade de controlar gastos,


peso etc., apenas para citar alguns casos.

Por meio de uma seriação de imagens produzidas, o cliente tem a possibilidade de se perceber a partir
da constatação da evolução de suas imagens e efetuar comparações entre elas, alcançando, por meio dessa
dinâmica, a possibilidade de “plasmar-se” (JUNG, 1999).

Como instrumento educativo, a arteterapia, pela essência de sua ação terapêutica, pode possibilitar
atividades preventivas tanto no âmbito psicopedagógico, já que oferece uma interação entre arte e cognição,
quanto no contexto de ressignificações de atitudes pessoais. Em ambas as situações, a aprendizagem
encontra-se presente, pois nelas podem ser vislumbradas, como condição dada pela arte, a objetivação de
algo que torna as ações possíveis de introspecção e reflexão, oferecendo elementos para o crescimento e o
desenvolvimento.

Ou seja, mobilizando a construção pessoal a partir da utilização de técnicas específicas da arteterapia,


temos a aprendizagem como resultado desse processo, seja na educação sistematizada, pela formalidade e
diretriz presente na instituição escolar, ou em outros eventos modeladores de comportamentos.

A arteterapia converte-se, assim, num caminho direcionado à individuação (JUNG, 1999). Por ele,
entendemos o processo de construção do indivíduo, conseguido pela expressão de impulsos inconscientes,
que, ao serem objetivados, tornam-se passíveis de ser confrontados. As seguidas interações surgidas pelo
diálogo estabelecido entre autor e obra favorecem a integração dos conteúdos materializados na obra,
restabelecendo-se o sentido de suas atitudes anteriores.

A arte converte-se em um elemento facilitador ao acesso do universo imaginário e simbólico, permitindo


o desenvolvimento de potencialidades latentes ou rituais, bem como o conhecimento de si mesmo. Ao
trabalhar com materiais plásticos, o indivíduo tem a possibilidade de criar uma nova forma a partir de uma
forma original. Materiais como argila, lápis, tinta, papel etc. realizam por um lado a execução prática de
uma ideia (fantasia, sentimento, conflito etc.), como também exercitam a inteligência ao dar uma nova
configuração a um modo particular de ser.

A arteterapia visa uma busca pela “hominização” (LÉVY, 1996), pois, ao ativar núcleos virtuais ou
possibilidades humanas em estado latente, constitui-se na essência da configuração de uma mutação em
curso.

Pelo exercício da arte, entendida como um conjunto de ações coordenadas, sistematizadas e integradas
entre si para a execução de alguma tarefa, sempre buscando o alcance de seu aperfeiçoamento, o indivíduo
tem a possibilidade de perceber que, ao pôr em jogo processos de criação, abre futuros em termos
estratégicos, devido ao próprio treino “técnico” exercido pela busca de aprimorar-se. O reencontro com sua
dimensão virtual, suas possibilidades e ilusões dota o indivíduo do poder de transformar o real e o factual em
novas virtualidades, criando novas possibilidades, expectativas e interesses ainda não atualizados, abrindo-
lhe novos horizontes.

A transformação aqui buscada inclui uma mudança no próprio inconsciente.

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Arte

Fazer “arte” implica diretamente estimular as ordenações de ideias surgidas pela elaboração mental, como
ação interativa entre o fato e a ideia implícita nele, produzindo o pensamento. Aquele que tem acesso à arte
ou ao “fazer artístico” tem oportunidade de desenvolver ou de configurar habilidades, as quais são, por sua
vez, reveladoras da estrutura intelectiva ou cognitiva de quem as realiza, assim como de seus sentimentos e
valores ideais. Pois uma imagem projetada no papel ou numa escultura, ou num movimento do corpo, reflete
a maneira pessoal de cada um relacionar-se, posicionar-se, de estar no mundo.

Por meio do uso da arte ou da atualização de suas virtualidades, o homem consegue sentir-se “aliviado”
de suas atribuições porque confere a elas um sentido, um significado, isto é, uma razão de ser.

O processo de criação sempre confere novas formas de significação. A utilização de técnicas expressivas
(desenho, canto, dança, teatro escultura etc.) fornece às virtualidades um canal expressivo, pelas quais
se articulam nas categorias espaço e tempo, adquirindo uma identificação ou uma personificação por se
tornarem objetivadas e, portanto, reconhecidas e legitimadas.

A compreensão dos movimentos dinâmicos de nosso ser, como bem ilustrou Fayga Ostrower, faz-se pela
correspondência entre a estrutura dos elementos dispostos na imagem (tais como ritmo, estilo, proporções,
tensões) e os nossos estados de ânimo. Assim sendo, a possibilidade de fazer corresponder aspectos formais
da “obra”, com elementos ou qualidades vivenciais, representa a concretização, como personificação, de um
conteúdo simbólico presente na expressão.

Por símbolo, devemos entender algo, seja na forma de um termo, um conceito ou mesmo uma imagem,
que, apesar de nos parecer familiar, pode alcançar outras conotações diferentes de seu significado evidente
e convencional.

Assim, uma imagem é portadora de um conteúdo simbólico porque ela transcende a realidade manifesta,
ou empírica, possuindo um aspecto inconsciente mais amplo, que não consegue ser precisamente definido
ou explicado.

Com essas últimas classificações, podemos evidenciar três fatores que se desprendem como constatações
e que resumem as ideias anteriores:

1. que, pela exploração da linguagem simbólica, o homem pode transcender os dados imediatos de sua
percepção consciente;

2. que a utilização dos elementos simbólicos favorece a compreensão de fatos que não podem ser
definidos integralmente;

3. que, por meio dessa compreensão ou (re)significação produzida em termos de imagens elaboradas
mentalmente, o indivíduo integra sua parte inconsciente com a outra mais aparente, consciente, em
virtude de uma postura introspectiva (URRUTIGARAY, 2000).

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Arte

Trabalhando com arteterapia


O trabalho de um arteterapeuta é o de estimular o sujeito a criar até a finalização de sua obra, observando,
nesse percurso, suas atividades, reações e expressões orais durante a execução do trabalho.

Para tanto, o arteterapeuta deve estar sintonizado com o uso das técnicas que pretende utilizar. Não basta
apenas aplicar como se estivesse seguindo um manual. Faz-se necessária uma reflexão anterior acerca do
alcance da técnica desejada como sendo uma decodificação dos materiais, tratando de encontrar na sua
linguagem a possibilidade de sua expressividade.

A escolha do material deve estar relacionada, tal como uma oferenda aos deuses, à emergência de algo
novo.

É de fundamental relevância que o arteterapeuta tenha domínio da técnica a ser utilizada, a fim de


estabelecer e objetivar a mobilização de conteúdos emocionais, com os quais esteja instrumentalizado para
lidar. Convém a ele o conhecimento tanto de técnicas expressivas como de teorias psicológicas que levem
em consideração o processo de formação de imagens e de construção das representações, como elementos
fundamentais e essenciais ao domínio de sua “arte”.

Também o apoio de um supervisor faz-se de fundamental importância para aquele que deseje fazer uso
desse procedimento terapêutico. A presença de um arteterapeuta mais experiente tanto auxilia quanto
habilita no uso de técnicas mais apropriadas a seu tipo específico de trabalho.

Frequentemente, ocorre de pessoas ficarem muito mobilizadas com determinadas experiências sofridas em
ambientes de workshops em arteterapia e, ao sair de tal evento, aplicarem a mesma vivência indistintamente
sem uma prévia verificação do alcance e da proposta dela.

Não obstante, a utilização dos conhecimentos teóricos e práticos da arteterapia está direcionada a todos
aqueles que se interessam pela busca do bem-estar como uma reflexão do desenvolvimento individual, da
personalidade, das relações sociais e da solução de conflitos.

Também cabe ao terapeuta iniciante uma sólida formação interior frente às questões de disposição na
abertura de uma relação de ajuda. Além da importância da familiarização com a linguagem da arte, o saber
escutar, o estar atento às leituras e aos desenvolvimentos dos processos individuais ou grupais (de acordo
com o tipo de trabalho proposto), exige-se da figura do arteterapeuta um posicionamento sério diante de sua
formação, capaz de lhe dar embasamento em suas intervenções.

Pois se o trabalho com imagens, por um lado, favorece a revelação de aspectos ocultos, trazendo a
integração entre forma e conteúdo (favorecendo o desenvolvimento psíquico), por outro, ele pode desencadear
uma regressão profunda a esses aspectos ocultos. A constante produção de imagens conduz a percepção na
direção de fatores mais primitivos da psique, os quais o terapeuta precisa discriminar bem, a fim de poder
auxiliar o retorno do seu cliente de lugares prejudiciais ao seu desenvolvimento consciente, evitando o seu
aprisionamento no mundo indiferenciado de seus afetos.

33
Arte

A profunda relação pessoal do arteterapeuta com o material, a experiência adquirida pelo manusear
e sentir na diversidade de texturas, de estabilidade, de força etc., vivida com as diferentes modalidades
plásticas nos exercícios corporais, nas nuances sonoras, favorece o desenvolvimento de sua sensibilidade,
tão necessária a sua atuação como mediador.

Assim, trabalhar com a arteterapia não se resume apenas a utilização de materiais diversificados, mas
também comporta um profundo trabalho de treinamento em conhecimentos psicológicos, filosóficos, artes e
oficinas laboratoriais, nas quais possam ser testadas as práticas que pretendem ser usadas para organizá-las,
compreendendo previamente os seus verdadeiros alcances.

Mircea Eliade, no livro Imagens e símbolos (1991, p. 8-9), diz a respeito do pensamento simbólico:

O pensamento simbólico não é a área exclusiva da criança, do poeta ou do desequilibrado: ela é


consubstancial ao ser humano; precede a linguagem e a razão discursiva. O símbolo revela certos aspectos da
realidade - os mais profundos – que desafiam qualquer outro meio de conhecimento. As imagens, os símbolos
e os mitos não são criações irresponsáveis da psique; elas respondem a uma necessidade e preenchem uma
função: revelar as mais secretas modalidades do ser. Por isso, o seu estudo nos permite melhor conhecer o
homem, o homem simplesmente, aquele que ainda não se compôs com as condições da história.

Desprende-se desse recorte que o símbolo se constitui no marco referencial da constituição da cultura.
Quando esse autor fala da importância do estudo do pensamento simbólico como fonte de revelação de
aspectos humanos que ainda não sofreram processos modelares exercidos pela cultura, ele refere-se àqueles
isentos das influências de normas convencionadas que atuam frente ao homem, inibindo ou favorecendo
seus comportamentos.

Toda cultura surge de linguagens simbólicas, criadas de acordo com os usos dados pelos exercícios de
simbolização de uma dada sociedade, entre cujas finalidades encontra-se a de estruturação da vida humana.
Mas, para Eliade, a possibilidade de mergulhar nas profundezas simbólicas pode evidenciar aquilo a que Jaffé
(1995) se refere ao conceituar o termo arquétipo (Jung) como sendo a “especificidade humana do homem”.

O arquétipo é um modelo conceitual criado para explicar padrões de organização de pensamento presentes
em todos os homens, por possuir uma característica de generalidade e universalidade, mas vazio de conteúdo
(por seu formato modelar), o qual será preenchido por intermédio do ambiente experimental e pessoal de
cada um.

Resumindo, os arquétipos são modos herdados de proceder psicologicamente, diferentes de uma


estrutura meramente biológica como determinante de um padrão de comportamento. Para entendê-los, faz-
se necessária uma analogia ao conceito da física de forma pura, o qual se refere a nada além da forma como
algo desprovido de e ao mesmo tempo anterior a qualquer substrato material, mas subjacente a formas
reais. É uma forma ideal, como molde de comportamentos, mas vazia, porque necessita ser corporificada em
uma situação. Diferentemente dos padrões biológicos meramente instintivos e existentes nos animais, um
homem não precisa criar sua moradia, por exemplo, sempre seguindo um mesmo determinismo, como as
abelhas fazem ao edificar suas colmeias.

34
Arte

Por meio dos exercícios de simbolização, as possibilidades arquetípicas tornam-se passíveis de ser
corporificadas. E isso ocorre porque os arquétipos se realizam de acordo com os dados ambientais e em
resposta a eles.

São os arquétipos expressões de padrões reais e impessoais de ideação, sentimento e comportamento,


contendo, por este último, uma expressão empírica propriamente dita, já que se encontram vinculados a uma
situação contextual do sujeito. Mas, como possuem também uma outra dimensão possível ou virtual, por ser
ideal, tornar-se mais difícil de ser identificada. São, portanto, sistemas de prontidão para a ação ao mesmo
tempo em que são imagens, como impressões de emoções e impulsos conjugados, fusionados.

Quando observamos a cultura humana, verificamos que o fazer do homem, ao longo dos séculos, sempre
revelou uma necessidade de expressão típica e comum, presente em todas as sociedades, como uma
tendência à manifestação de algo diferente da realidade empírica experimentada, mas que revela outra coisa
pertencente a uma outra dimensão mais envolvente, misteriosa, poderosa, sagrada. Essa necessidade pode
estar vinculada à intenção de reintegração de suas ações executadas no ambiente com a de afirmação de
seu ser, sentida como um retorno a um “estado paradisíaco”, o estado da Criação.

Proporcionado pela ativação de um determinado arquétipo, o self, o sentido de totalidade, traz em si a


noção de origem, de início, de envolvimento, de ordenação, de continente. Ele necessita ser discriminado, a
partir de sua atuação, a fim de essa sensação de paraíso ser vivificada. Como as frequentes adaptações ao
meio ambiente podem proporcionar um certo distanciamento do indivíduo de suas necessidades primordiais
(emoções), a dimensão ideal do arquétipo pode ficar afastada da atuação comportamental, impedindo
que a função, como possibilidade, comunique suas qualidades transcendentes frente à situação presente,
tornando-a incompreendida.

Assim, mesmo sentindo uma necessidade de se expressar, o homem fica desconexo de sua própria ação,
por não alcançar o real objetivo causal e funcional de seus atos. Permanece inconsciente perante suas
atitudes.

Como os arquétipos só podem ser apreendidos por meio de aspectos presentes em configurações, eles
organizam-se em representações interiorizadas chamadas de imagens arquetípicas. Estas são apenas meras
apresentações de determinados ângulos de um padrão focado, como aspectos representativos do material
pessoal, por estarem atreladas a uma determinada situação especial.

Logo, as imagens tanto englobam as alusões ao concreto (momento histórico ou contexto do sujeito)
como aludem a uma realidade que não se esgota nessa referência, por serem portadoras de um ideal
arquetípico mais transcendente e de caráter geral.

As imagens adquirem uma categoria de estruturas simbólicas, porque elas são os resultados de um
conjunto de significações representativo de padrões pessoais e gerais e apontam para além de um objeto, de
uma pessoa ou de uma circunstância propriamente dita. Constituem-se assim como pontes capazes de unir
elementos concretos a seus atributos essenciais.

Por meio da utilização de materiais concretos e ao mesmo tempo plásticos, a imagem arquetípica ganha
um espaço para modular-se, para exibir-se, pelo “exercício de simbolizar” proporcionado pelo ato de criar.

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Arte

Atualizar uma imagem imaginada viabiliza a virtualidade tornar-se factível. O homem experimenta em si a
dimensão divina e sagrada do criador, na figura de um demiurgo, realizando o seu Ser.

Ter imaginação, segundo Eliade (1991),

é gozar de uma riqueza interior, de um fluxo ininterrupto e espontâneo de imagens [...] Ter imaginação é
ver o mundo na sua totalidade; pois as imagens têm o poder e a missão de mostrar tudo o que permanece
refratário ao conceito.

Desse modo, depreendemos, por sua ótica, que a ruína humana decorre da falta de imaginação, porque
sem ela o homem fica como que cortado de sua “realidade profunda de vida e da sua própria alma” (ELIADE,
1991, p. 16).

Dinamizar a atuação simbólica por meio da criação possibilita a conexão com três níveis ou dimensões de
ativação energética, evidenciadas em Gilbert Durand:

1. Cósmica – a imagem representa toda a figuração do mundo psíquico, tornando visível sua totalidade,
pois vincula seus aspectos inconscientes com os conscientes, ativando a função transcendente e o
alcance do sagrado.

2. Onírica – a raiz da imagem encontra-se nas lembranças e nos gestos que emergem dos sonhos. Tal como
na imagem onírica, a expressão do inconsciente assume uma maneira pré-lógica para se manifestar,
formando figurações temáticas ligadas por vínculos associativos de similaridade e contiguidade, em
que se presencia a ausência de relações de causa e efeito.

3. Poética – o símbolo e a imagem apelam a uma linguagem analógica e metafórica, a um como se.
Como a uma necessidade de comunicação concreta, a vinculação feita com o material permite a
compreensão do momento presente tal como um possível, determinado pela integração do uso do
material com nossas sensações, correlacionando-o às nossas situações afetivas.

A atividade artística promove a imagética e, dessa maneira, ativa a energia psíquica, trazendo à tona a
emoção que estava escondida na imagem, fruto da atividade ou do procedimento cognitivo.

“Fazer arte” num sentido literal envolve vários níveis humanos, como o sensório-motor, o emocional,
o cognitivo e o intuitivo. Por meio da atividade com arte, o sujeito transforma a realidade e a si mesmo,
promovendo o desabrochar da percepção, da organização e da ordenação de seu pensamento, possibilitando
a compreensão do momento circunstancial, bem como da dimensão de si mesmo.

A prática da arteterapia facilita a decodificação (o entendimento) do mundo interno, a subjetividade, por


meio do confronto que o sujeito criador e gerador das imagens faz com suas configurações, possibilitando
a consciência de seus conteúdos, dada, primeiramente, pela análise dos elementos que a constituem.
Quando um sujeito “reage” confrontando-se com um símbolo objetivado, ele transforma essa realidade
simbólica e transforma-se concomitantemente, possibilitando a passagem de energia de um nível a outro
pelo desenvolvimento da criatividade.

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Arte

A possibilidade de poder penetrar na esfera irracional da vida e da experiência, por meio do contato com
as imagens produzidas, possibilita a ativação da fantasia, que, por sua vez, desenvolve a atividade criativa,
libertando o homem da prisão de ser “só isso”, transformando sua vida pela experimentação do lúdico ou da
possibilidade de brincar, de jogar e de ter novas experiências.

A prática da arteterapia na educação


A prática da arteterapia não se restringe à função puramente clínica ou psicoterápica. A área educacional,
por exemplo, é um grande campo para sua aplicação.

Se a arte possibilita o desabrochar do imaginário, a partir da ideia de ser a origem do pensamento ou da


ideia, cabe ao sistema educativo expandir o desenvolvimento desse sistema simbólico, por meio das práticas
expressivas que possibilitem a integração do aprendizado emocional ao aprendizado de conhecimentos e
informações adquiridos da cultura humana.

A conquista da autonomia, como autoria de pensamento e ações, implica processos pedagógicos que
estimulem o aprender a aprender. Tornar-se produtivo e criativo, como resultado dessa aprendizagem,
demanda ações educativas transcendentes ao simples movimento de processar informações ou de relembrar
situações guardadas na memória. Ser criativo implica elaborar, construir novas estratégias frente a situações
desconhecidas, desafiar o receio frente ao diferente, possibilitar e efetuar modernizações nas relações
estabelecidas entre o sujeito e seu ambiente.

Os educadores têm a missão de ajudar seus alunos a definir seus pensamentos limitadores, a reconhecer
e comunicar seus medos, seus verdadeiros sentimentos e desejos. Pois o educador também é um agente
atuante na formação de uma personalidade.

A arteterapia aplicada como princípio técnico no desenvolvimento de cada disciplina, como método auxiliar
aos temas geradores, pode proporcionar a criação de ambientes propícios à aprendizagem.

Os alunos sentem-se apoiados a vivenciar suas reações em dinâmicas estimuladas pelas oficinas de
criatividade, sem reduções críticas e julgamentos. A manipulação do material plástico fornece a conjugação
do sensível com o cognitivo, favorecendo o despontar para relações múltiplas entre os elementos disponíveis,
evitando o reducionismo focal de ser só isto ou aquilo.

Como a saúde decorre de um processo de educação, ou seja, de autorregulação proveniente de um


autoconhecimento de si mesmo, o papel do educador, atualmente, assume uma dimensão que transcende a
passagem de informações para direcionar o indivíduo para a vida.

A aplicação de oficinas de criatividade dirige-se para a valorização do potencial criador como o constituinte
de toda ação.

A aquisição da aprendizagem significativa, como atual preocupação psicopedagógica, encontra na aplicação


da arteterapia um excelente canal de intervenção para a minimização de problemas de aprendizado ou de
tratamento de dificuldades em aprender, como também atua de modo preventivo às possíveis questões de
aquisição de conhecimento.

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Arte

A plasticidade do material empresta à sensibilidade de quem usa a oportunidade de vivenciar novas formas
de lidar com determinados padrões. As múltiplas possibilidades encontradas agem de maneira estruturante,
fornecendo a quem se utiliza desses materiais a aquisição de experiências libertadoras, por retirar bloqueios
fornecedores de inibições, preconceitos, isolamentos. Promove assim a busca pelo aprimoramento em direção
ao autoconhecimento, em função de se ater ao resgate dos valores essenciais ao homem, agentes de sua
transformação, como sentido de aprendizagem.

ARTE COMO MÉTODO TERAPÊUTICO


Maria Cristina Urrutiagaray

Para melhor compreensão da arteterapia e de suas aplicações, vamos fornecer dados teóricos e práticos
que autorizem a prática de “fazer arte” como um processo expressivo revelador de uma subjetividade e como
método terapêutico que viabiliza àquele que cria (ou “faz arte”) o confronto consigo próprio, por meio da
análise do resultado da sua criação.

O porquê terapêutico do trabalho com arte


Relacionando arquétipos complexos pela ativação da criatividade: como vimos antes, a experiência de
fazer “arte” possibilita ao indivíduo que cria a aproximação necessária com o estado interior de imaginar ou
a ativação do imaginário.

Tal como nos processos formadores de imagens oníricas, as imagens imaginadas procedem de um material
contido num espaço hipotético designado por inconsciente coletivo, precisamente de seus conteúdos os
arquétipos. São produzidas pela ativação da função criadora (chamada de instinto do espírito) frente aos
estímulos materiais proporcionados (Jung).

Fonte geradora de conceitos e de símbolos imagéticos autônomos, essa parte oculta da psique também
está dotada de emoções e impulsos, capazes de promover e dirigir a atividade humana, por seu caráter
motivador.

Assim, tanto as imagens surgidas nos sonhos quanto aquelas criadas plasticamente são revestidas de
uma carga de energia psíquica, a libido, pela qual surgem diversas expressões capazes de ser percebidas
pelas padronizações de configurações formadas pela integração de imagem, emoção e impulso. A essas
padronizações, Jung chamou de complexos e arquétipos, que se tornam ativos mediante situações e crises
sentidas externa ou internamente pelo indivíduo. Entendemos por complexos a reunião de imagens e ideias
dispostas em torno de um núcleo, derivado de um ou mais arquétipos, mas apresentando uma tonalidade
emocional comum (como uma configuração formada por imagem-emoção-impulso).

De maneira totalmente independente da vontade egoica, os complexos e os arquétipos imprimem seus


padrões de intenção “obrigando” o sujeito da ação a submeter-se à sua força. Resta ao ego apenas a
possibilidade de poder compreender e vivenciar o sentido ou a função dessa configuração na sua vida, de
acordo com sua circunstância.

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Arte

Se acaso o ego não conseguir determinar ou estar consciente de sua atuação, resultando esta numa falta
de compreensão de sentido para si, como algo estranho a ele, seu comportamento estará concorrendo para
a classificação de produtos de imaginações caóticas, de desejos e impulsos perturbadores, ameaçadores,
desestabilizadores e solventes da capacidade consciente. Enquanto a conjugação de imagem-impulso-
emoção, formada pela ativação do campo energético de um complexo, não estiver capaz de ser interpretada
quando a consciência é atingida, o desenvolvimento da vida pessoal tanto não ocorre quanto fica impedido.
Fica, pois, o sujeito paralisado e dissolvido pelo poder não reconhecido em suas emoções.

A formação de figurações ou representações formais é o elemento passível de ser submetido à percepção e


constitui-se no fator preponderante para relacionar ditas configurações ao ego, surgindo a compreensão como
revelação significativa. Faz-se mister para a saúde e o equilíbrio da vida psíquica que haja uma participação
do ego no sentido de se confrontar com todo esse material alheio à sua vontade, pois, como já dissemos, ele
constitui-se de conteúdos do inconsciente.

Quando a atitude consciente volta-se para uma disposição negativa a esses “poderes” ocultos, seja
reprimindo-os ou suprimindo-os de seu campo focal, esses complexos tendem a se fixar, produzindo padrões
de comportamento no sujeito que o forçam a atuar de maneira inadequada, primitiva, regressiva, compulsiva
e destrutiva a sua desenvoltura pessoal. Surgem assim os sintomas neuróticos ou os psicóticos.

De acordo com o grau de comprometimento do ego com a realidade, podemos dizer que, nos sintomas
neuróticos, sua função adaptativa se encontra levemente alterada, enquanto que, nos estados psicóticos,
esse desempenho intencional está diluído, por ter sido inundado pelo material inconsciente.

A manutenção do equilíbrio saudável ao desenvolvimento de uma personalidade depende, portanto,


da sua possibilidade de ser capaz de interpretar simbolicamente as expressões emergentes à consciência,
confrontando-as e integrando-as com as situações de experiências vividas.

Os complexos, na teoria junguiana, formam a grande rede interligada de possibilidades disponíveis no


inconsciente coletivo, ou a infindável fonte como propósito de vida. Portanto, não devem ser considerados
necessariamente como estruturas patológicas. Por serem a fonte energética de nossas possibilidades, eles
transformam-se no poder propulsor da vida psíquica.

O fato de ter complexos [...] não implica uma neurose, pois normalmente são os complexos que deflagram
o acontecimento psíquico, e seu estado dolorido não é sinal de distúrbio patológico. Sofrer não é doença, mas
o polo oposto normal da felicidade. Um complexo só se torna patológico, quando achamos que não o temos
(JUNG, 1999, p. 179).

Assim, o que denotaria uma dimensão perturbadora seria a situação de alguém não poder reconhecer e
relacionar-se com suas reais possibilidades.

No entanto faz-se necessário destacar o fato de o próprio Jung ter feito uma distinção entre inconsciente
pessoal e inconsciente coletivo, designando o primeiro local como “depositário” de experiências vivenciadas na
história pessoal, tanto de registros mnêmicos quanto de componentes subjetivos resultantes de estruturações
focais da consciência; isto é, como vivi, senti e registrei determinado dado.

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Arte

Logo, também podemos falar de complexos do inconsciente pessoal, e esses sim podem surgir como frutos
de experiências penosas da vida, sendo sua natureza de ordem puramente pessoal. São os responsáveis pela
coloração de elemento mórbido ou saudável dado aos complexos, oriundos do inconsciente coletivo.

Os complexos de origem coletiva ou pessoal têm a categoria de irracionalidade por nunca terem sido antes
conscientizados. Quando entram em ação, são marcados por intensa força afetiva, provocando nos indivíduos
a necessidade intensa de descobrir essa sensação de estranheza provocada na sua consciência. Buscando
sua identificação, ou a clarificação de seus sentimentos, o ego projeta essa carga recebida em esquemas
referenciais externos, por esses conteúdos não apresentarem nenhuma associação direta com o eu (JUNG,
1998). É preciso uma abertura por parte da consciência no sentido de canalizar o mundo interior cunhado
nessa mistura simultânea, irracional e complexa de imagem-impulso-emoção, que indiretamente dirige e
controla as ações emitidas ao exterior, isto é, ao meio ambiente.

Como já dissemos, a maneira pela qual a objetivação desses conteúdos pode ser assimilada depende de
como o ego está se relacionando com eles. O que agora necessitamos esclarecer são os modos pelos quais
esses conteúdos se apresentam na consciência. Um complexo pode ser expresso como sendo idêntico ao
ego ou simbiótico a ele, provocando atitudes compulsivas ou inflacionadas, ou diferente do ego, quando já
se produz a efetuação de projeções de sua carga afetiva em figuras ou pessoas externas.

Estar idêntico na ação provocada por um complexo é o mesmo que entender estar num estado indiferenciado
aos efeitos dele, por atuar sem consciência das atitudes tomadas. O sujeito totalmente inconsciente dessa
sua posição de não “prestar atenção” aos seus atos torna-os impossíveis de ser separados de seus elementos
primitivos e impulsivos. Age sobre forma reativa aos estímulos percebidos sem diferenciá-los de suas intenções
provocativas.

O ego não consegue perceber entre uma escolha reativa consciente e voluntária de outra mais “instintiva”,
por encontrar-se fixado numa atitude impulsiva. Sem ter o controle necessário de seus comportamentos,
sejam eles físicos ou verbais, ele atua de maneira reativa impulsiva. Como prisioneiro de uma simbiose
compulsiva, o sujeito ata-se a uma automação, repetindo como um hábito o mesmo padrão de ação.
Semelhante à imagem de um furacão, o indivíduo fica andando em círculos sem conseguir se desprender da
força de atração exercida pelo seu epicentro.

Já na inflação, esse “vendaval” dota-o de um sentimento de poder, porque nela o efeito do estado
indiferenciado faz-se pela impressão análoga à figura de aspiração da força de um tornado. Apropriando-se,
inconscientemente, de seu efeito, o sujeito sente-se como um ser indestrutível, infalível e autoconfiante.

A capacidade de se tornar diferenciado de respostas primitivas só se faz quando esse princípio de identidade
com o complexo pode ser diluído.

A possibilidade de se confrontar com algo diferente de si é o elemento que proporciona ao ego a percepção da
existência de outro e o princípio de separação e consciência. A solução do complexo inicia-se, primeiramente,
por ações com as quais o sujeito se identifica. A princípio, é com os personagens externos, realizados pela
assimilação de comportamentos imitativos de modelos presentes no ambiente. Nesses moldes ambientais,
os complexos são projetados, realizando seu conteúdo psíquico, por encontrar num objeto externo a forma
necessária a sua atualização.

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Arte

Apesar de ser esse processo projetivo o precursor da conscientização, como estágio inicial de consciência,
sua manifestação ainda se faz de maneira inadequada, pois o ego ainda se mantém envolvido em estados
ora fascinantes e atraentes, ora irritáveis e aborrecidos, por estar fixado em pessoas ou situações de maneira
simbiótica.

A possibilidade como disposição do ego para entender aquilo contido numa projeção como algo estranho
a ele, mas que o atrai ao mesmo tempo em que o rejeita, fornece-lhe os elementos capazes de orientá-lo
em suas futuras escolhas, já que o potencializa por meio do descobrimento de si mesmo. Pois, ao recolher a
projeção, isto é, reintegrar os afetos depositados nesse objeto externo, semelhante a uma imagem criada, o
indivíduo habilita-se na determinação do tempo e do espaço para suas realizações. Isto é, o indivíduo situa-
se, descobre-se e realiza-se, afirmando-se. Tal como no verso de Geraldo Vandré: “Quem sabe faz a hora,
não espera acontecer”.

É aí que entra a compreensão da arteterapia como um fazer propiciador e revelador do estranho ou do


diferente, o outro, já que a utilização de materiais expressivos fornece a forma ou o continente para que se
efetue tal projeção.

A folha de papel, as pinturas, os lápis, as sucatas, as argilas etc. podem contar e encenar os personagens
míticos ou os dos contos de fadas; as construções cênicas com as miniaturas da caixa de areia compõem os
esquemas referenciais mais próximos e seguros para conter todo o fluxo energético projetado do inconsciente
e ansioso para ser conhecido.

O material plástico torna-se a via mais próxima para a caracterização de modelos, mas, à diferença dos
moldes ambientais copiados, estes agora são produzidos, dando ao indivíduo o resgate de sua dimensão de
sujeito.

A projeção de conteúdos continua sendo executada, porém descaracterizada de assimilações de


comportamento reprodutivo e copista de modelos pré-estabelecidos. Ao não ser direcionada a outros
indivíduos ou situações diretamente, a projeção perde sua característica inicial de ser imitativa, já alcançando
uma nova apresentação mais diferenciada, menos inconsciente.

Mesmo quando a representação plástica ou gráfica seja a partir de uma figuração já pronta (uma cópia
propriamente dita), o fato de o indivíduo ter escolhido este ou aquele modelo para desenhar, pintar etc.
ocorre porque de certa forma esse molde reflete algo de si mesmo, perceptível apenas de maneira sensível,
logo, não totalmente consciente, por ser apenas uma impressão e não uma cognição.

A escolha dos materiais para as projeções


O arquétipo da adaptação: a atualização da persona pela arteterapia

O fazer arte é terapêutico porque proporciona integração de uma personalidade mediante a aplicação
de técnicas e práticas expressivas, que tanto facilitam a materialização de formas, doadas por conteúdos
projetados, bem como permite a identificação funcional delas, já que possibilita a sua integração, restituindo
à personalidade os sentimentos acerca de si que estavam faltosos. Isso dá ao sujeito que a utiliza como
prática o deleite de desfrutar de si mesmo.

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Arte

As modalidades expressivas são geradas pelo uso de materiais plásticos, que, por sua característica
peculiar de flexibilidade, promovem habilitações simbólicas dos processos intrapsíquicos. A aquisição de
maleabilidade, de permuta ou de modelagem quebra lentamente posturas comportamentais rígidas, formais
e repetitivas.

A própria apreciação do sujeito de seu desenvolvimento efetuado, durante o seu processo de trabalho,
como a constatação de suas destrezas motoras e cognitivas frente às tarefas realizadas, capacitam-no
internamente na promoção e na valorização de sua estima.

A apreciação de atos para qualquer pessoa resulta da promoção situacional de se estar inserido num
campo social, no qual contatos sociais são determinados. Estes produzem provocações que o indivíduo sente
tanto de ordem associativa (como os sentimentos de solidariedade, de inserção etc.) quanto de dissociação
(como os sentimentos de competitividade, de tensão etc.) devido às suas atuações interativas junto ao meio.
Destas resulta um conjunto de influências constituintes da formulação de atitudes adaptativas, como na
aquisição de posturas por parte do sujeito, tais como máscaras ou vestimentas comportamentais, chamadas
de personas por Jung. Estas últimas são notoriamente modelos sociais apreciados pelo grupo ao qual o
sujeito pertence.

Essas máscaras nada mais são que roupagens que servem como função adaptativa, mas de nenhum modo
elas devem ser vistas como reveladoras de uma personalidade, no sentido de afirmação da totalidade de suas
potencialidades.

O sujeito, ao se submeter às convenções culturais, pode fazer com que uma determinada máscara,
ou roupagem social aceita, adquira a condição de representar sua subjetividade, em menosprezo de si
em outras possibilidades. Essa persona, aparecendo em diferentes situações daquela criada originalmente,
acaba por ser confundida com o próprio sujeito, acarretando numa cisão psíquica por identificar um modelo
de adaptação, um comportamento, com toda uma totalidade ou pessoalidade.

O diferencial terapêutico enquadra-se no convite à participação de se tornar autor de suas expressões


e não mero ator protagonista ou antagonista de “personagens” determinados pelo seu contexto social. A
conquista de poder ser de diferentes modos expressivos, de sentir-se bem em função da situação do momento,
fortifica o ego, dotando-o de diferentes modalidades adaptativas (distintas personas), sem, contudo, tornar-
se despersonalizado, apenas um aprendiz da flexibilidade necessária frente à diversidade do viver.

A materialização resultante de uma ação modelar sobre diferentes elementos plásticos viabiliza a
estruturação de um campo psicológico diferenciado de modelos culturais, que possam ser distanciados da
realidade pessoal. A possibilidade de conseguir a vivência de experiências sensoriais dadas pela percepção
de formas, texturas, cores, volumes geradas pela materialização ou pela concretização de si mesmo, torna
possível a ação de plasmar a si próprio, logrando a realização da individuação, dada a atenção focalizada na
sua própria ação.

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Arte

O emprego dos materiais, a função adaptativa e o caminho à individuação

A – O material seco

Por material seco, entendemos a utilização de todas as modalidades de lápis, pastéis, canetas hidrográficas,
gizes de cera etc. Eles constituem-se em elementos fáceis de ser manuseados e controlados tanto por
iniciantes no trabalho quanto por portadores de deficiências, para os quais a ação mecânica com elementos
fluidos torna-se difícil.

Ademais, essa espécie de elemento pode ser facilmente controlável, já que se coloca à disposição do
manuseio de quem o utiliza, entregando-se a este, demovendo a possibilidade de ansiedade frente à tarefa a
ser executada, ou colocando-se em posições não ameaçadoras à integridade pessoal. Ao transmitir segurança,
reforça a sensação de equilíbrio e de bem-estar, facilitando o encontro com o material a ser projetado.

No entanto faz-se necessário aclarar que, quaisquer que sejam os materiais utilizados, secos ou úmidos,
pode-se obter, a partir da apresentação dos grafismos, uma significação quanto ao tipo de linha e da
consistência do traçado, por meio de alguns sinais, como elementos indicativos de estados emocionais
internos.

Lápis: muito utilizados por artistas do impressionismo, principalmente, os lápis de cor continuam sendo
muito utilizados por profissionais de ilustração gráfica e da publicidade. Seu uso habilita a aquisição de
competências para o uso de guache e de aquarela. Com eles, pode-se aprender a conhecer as cores, a obter
tons e a fazer misturas de cores.

De acordo com a pressão ou a intensidade dada ao material, surgem diferentes tonalidades de uma
mesma cor, de pressões suaves indicativas de tons mais claros a outras mais fortes. Os diferentes dégradés
surgidos indicam a intensidade do tônus afetivo interno.

Os lápis grafite já são dotados de estados de diferenciação quanto ao grau de dureza específico. Vão
desde os de categoria B, que são bem macios, passando pelos HB, de dureza média, chegando ao extremo
oposto, denominados H, extremamente duros. A escolha de grafite também é um bom indicativo projetivo,
já que podem propiciar indicativos de necessidades adaptativas de afirmação, de tendências firmes e fortes
ou tênues ou de ausência de marcações de assertividade, por exemplos.

A maneira como o lápis é segurado também dará um resultado formal. Quando seguro como para escrever,
produz traços finos. O controle do material com certa firmeza e destreza motora fina favorece tanto um
controle na execução de movimentos quanto na obtenção do aspecto final, como produto conseguido. É,
portanto, o resultado obtido um excelente indicativo de estados de controle motores e/ou de estados de
exposição de tensões endógenas.

Já quando é colocado o seu cabo no interior das mãos, tecnicamente ele produz os efeitos de dégradés
desejados ou favorece a pintura de extensões mais amplas e externas, produzindo resultados ou impressões
de fechamento do espaço em branco do suporte. Contudo, esse uso pode indicar, por ser uma técnica que ora
expande as tonalidades afetivas, ora restringe por excesso de controle motor, um soltar-se da agressividade

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Arte

ou um controle da assertividade, por exemplo. Denota assim os estados de tensão ou, ao contrário, os
estados de equilíbrio atuais.

Os lápis permitem efeitos de gradação de cor, produzindo o contato com elementos de luz e de sombra, de
claro ou de escuro. A gradação possibilita um encontro, um destaque, um realce. Com as misturas de cores,
surgem novas possibilidades e emergem novos confrontos, novas visões e, portanto, novas transformações.

O carvão ou o bastão de grafite: proporcionam grandes efeitos, favorecendo a projeção de intensidade


e de afirmação de um afeto. O carvão costuma borrar muito, fato que pode gerar frustração. Já o bastão
produz o mesmo efeito sem quebrar ou sujar o trabalho como o outro material faz.

A limpeza ou a sujeira surgida na produção constitui-se em provocações excelentes à manifestação de


sentimentos pessoais de ajuste a situações complexas de adaptação ao instrumento e, consequentemente,
ao meio cultural.

Canetas hidrográficas: sua utilização envolve princípios semelhantes à utilização da aquarela. Constitui-
se de uma técnica em que suas cores, por serem transparentes, dão uma impressão de formas diluídas. Sua
diferença com a prática da aquarela consiste no fato de ser esta diluída em água e aplicada com pincel,
enquanto que as canetas são diretamente aplicadas no papel ou outro suporte.

São muito fáceis de usar. Deslizam na folha de papel, sem, contudo, escorrer sua tinta, como costuma
ocorrer com a aquarela. Portanto, ademais de ser um material que expande e libera afetos e impulsos, também
mantém sob controle pessoal a sua utilização e os seus resultados, dando uma orientação à manifestação
dos impulsos arquetípicos.

No entanto, a expansão das cores, como expressão de uma intensidade psíquica, pode ficar prejudicada
por exigir um certo conhecimento técnico do material. A utilização da caneta hidrocor deve seguir princípios
a fim de que o resultado não apresente uma configuração caótica ou borrada. Como seu efeito luminoso
resulta numa expressão de transparência, as cores claras sempre devem preceder as escuras, por exemplo.

A possibilidade de emitir efeitos que possibilitam o atravessar da luz produz sensações de passar além, de
galgar outras esferas, de ultrapassar limites, enfim, de ser possível alterar a ordem de colocar e ver novas
situações por detrás da figura conseguida.

Canetas de pontas finas servem tanto para a realização de contornos quanto para o preenchimento
de superfícies pequenas. As de ponta redonda (grossa ou normal) são indicadas para obtenção de traços
estreitos e largos e pinturas de superfícies pouco extensas. Já as de ponta chanfradas, em todas as suas
especificações (estreita, normal, ou larga), são indicadas para colorir áreas grandes e produzir efeitos distintos
em termos de espessuras.

A análise dos contornos também proporciona sensações relacionadas às disposições de vitalidade, de


iniciativa, de decisão, de iniciativa, por um lado, e, por outro, de emotividade, de insegurança, de falta de
confiança em si mesmo e de ansiedade (fatores também observados nas expressões com outros materiais).

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Aqui, o material possibilita que projeções possam ser liberadas sem restrições, por ser um material que
flui, sem deixar que escorram pelos dedos os conteúdos surgidos. A possibilidade de ressaltá-los, de dar-lhes
contornos definidos, assim como também de escondê-los usando cores mais fortes sobre mais fracas ou de
produzir efeitos caóticos, fornecem ao terapeuta excelentes indicativos dos processos psíquicos em atuação.

Lápis de cera: relativamente fácil de manusear e de controlar, constitui-se num excelente material a ser
usado com crianças, por ser resistente, assim como com adultos, por proporcionar mais firmeza e segurança
no seu manuseio. Esse material apresenta sua particularidade adaptativa: embora seu uso como técnica seja
simples, apresenta efeitos bem variados. Facilita a aparição de distintas nuances ou condições exploratórias
no seu campo de ação. Apesar da opacidade de suas cores, o seu uso possibilita cobrir totalmente o fundo
sobre o qual se interpõe.

O revestir do fundo far-se-á segundo o gosto e a intensidade de uma interioridade psíquica, que almeja
inconscientemente ser evidenciada.

Por ter grande capacidade de amolecer com o calor das mãos de quem o utiliza, esse material transforma-
se num meio de fusão de forças. E, apesar de sua aparência dura e firme, ele ajusta-se à intenção e à pressão
de seu condutor; dotando-o simbolicamente de sensações de domínio e firmeza.

Sua rigidez, entendida pela sua dureza, funde-se à rigidez e à ausência de maleabilidade frente à dureza
de sentimentos mais intensos. Constitui-se, portanto, numa excelente escolha, mesmo que inconsciente,
para a manifestação de impulsos agressivos exógenos ou autógenos, bem como num excelente instrumento
representativo de defesas pessoais, pois, por ter a característica de ser facilmente controlável, faculta a
sensação de domínio do real.

Ademais, por parecer firme ao manuseio, permite que personalidades mais distanciadas de seus afetos
também consigam manifestá-los, mesmo que as produções decorrentes tenham traços muito suaves, muito
tênues. A firmeza do material consegue imprimir mais dinamismos a essas representações, facilitando a
aproximação de sentimentos isolados, frios, distantes.

Pastel oleoso e pastel a seco: os oleosos apresentam o elemento de resistência ao trabalho. Possuem
cores fortes, são fáceis de controlar, mas requerem mais esforço para sua utilização. São viscosos, pela
oleosidade presente na sua constituição. A utilização de aguarrás pode facilitar a sensação de poder fluir
mais, favorecendo a integração com o trabalho, pois materiais mais resistentes provocam o abandono da
tarefa por parte de clientes ansiosos, impacientes ou com baixa autoestima.

Já o seco é mais fácil que o anterior, pois desliza melhor no suporte utilizado para imprimir o grafismo.
No entanto, por ser constituído de elementos ou partículas secas, o trabalho final pode ser facilmente ficar
borrado, porque essas partículas tendem a se elevar, tal como o pó da terra, pela interferência climática. A
possível promoção do levantamento do suporte pode provocar frustrações pela impressão de se desfazer
ou pode promover sensações de exaltação, tornando-se num provável “aliado” para a manifestação de
sentimentos: idealizados, pueris, sutis ou mais elevados.

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Para evitar essa impressão de enlevo ou de encantamento simbólico, e até para a conservação da forma
em si mesma, num sentido pragmático, utilizamos a técnica de fixação pela utilização de produtos especiais
para isso ou de simples sprays para penteados em cabelos.

B – As tintas

Por serem substâncias essencialmente fluidas ou liquefeitas, proporcionam um excelente material para a
manifestação das emoções. Contudo, por sua característica primordial de ser um elemento líquido, produzem
certa dificuldade para ser controladas. Provocam situações ondulatórias entre a tensão, como um estado
de alerta para conduzi-las, e a gratificação pelos efeitos produzidos e pelo emergir de uma energia sensual
provocada pelo material. O estar atento aos movimentos corporais e as sensações impressas no corpo tanto
enfatizam a adaptação a elas quanto facultam a abertura do canal expressivo para as emoções nele contidas.

Os principais objetivos da pintura encontram-se em poder experimentar seus afetos e conhecê-los melhor,
aumentando o conhecimento de si mesmo.

Aquarela: de todas as classes de tintas, constitui-se num material caro, de muito difícil manipulação e
que torna impossível consertar os erros surgidos por seu uso. Por também apresentar a característica de ser
transparente, como a caneta hidrocor, ela não oferece poder de cobertura, mas fornece efeitos fantásticos de
luz, sombra e, claro, transparência.

Como a aquarela é uma tinta resultante de pigmentos de várias cores misturados geralmente com goma
arábica, ela precisa ser dissolvida em água para ser utilizada. Portanto, é a quantidade de água presente no
pincel que determinará a variação dos tons, dos mais suaves aos mais fortes.

Pode ser encontrada em distintas apresentações: em pastilhas secas, úmida ou em tubos. As primeiras
devem ser diluídas com pincel molhado; as segundas são mais fáceis de ser diluídas, mas são difíceis de
encontrar, por serem importadas. Já as últimas exigem mais prática para ser trabalhadas.

O suporte, ou folha de papel, para o efeito adaptativo e também estético desejado, deve possuir uma
certa granulação desejável à contenção do material. Se a granulação do papel for muito fina, por exemplo,
este pode deformar-se, criando ondulações indesejáveis ao produto final, gerando situações desagradáveis
e desconfortáveis ao usuário.

A introdução de acessórios como rolo de papel absorvente e esponja traz um certo estado de conforto em
poder aparar o excesso de água no pincel ou enxugar o excedente de tinta colocado em uma determinada
área.

Psiquicamente, poder retirar o excesso de conteúdo investido na projeção, como imagem criada, proporciona
uma regressão de libido necessária ao movimento de introspecção e de reintegração da emoção exteriorizada.
Isso facilita a compreensão mais próxima de um controle da quantidade de energia descarregada, que seja
favorável à interação com a situação apresentada. A possibilidade de poder reparar e de ter como contornar
um erro estabelecido pelo material reabastece o sujeito de estímulos positivos e renovadores de expectativas
mais favoráveis a sua estima pessoal. A aprendizagem decorrente auxilia e estimula o seu desenvolvimento.

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Do mesmo modo, o fato de ser impossível corrigir os erros conseguidos com a técnica, apenas amenizá-
los, é um estímulo à aceitação de dificuldades pessoais, aprendendo a conviver com elas.

Tinta em pó: é um material barato de custeio, encontrado também em casas especializadas em pinturas
de ambientes (pó tipo xadrez), mas de difícil manuseio.

Costuma fazer muita sujeira para conseguir a consistência desejada. Se não for bem misturada, provoca
estados um pouco complicados, ora de indisciplina, ora de insatisfação pelo resultado obtido.

Algumas granulações resistentes à solução podem ser instrumentos para interessantes amplificações
interpretadas pelo sujeito, pois autorizam a mobilizações de suas projeções.

Tinta acrílica: costuma ser um material que produz sensações de satisfação por seu manuseio, já que é
fácil de ser utilizado e permite uma grande gama de texturas. Como seca com certa rapidez e também possibilita
o conserto de erros cometidos durante o processo criativo, pela utilização de elementos removedores, tais
como espátulas ou pequenos trapos de pano, origina efeitos de grande intensidade tanto afetiva quanto
efetiva. Contudo, após sua secagem, não pode ter seu resultado diluído em água. Fator importante é a
observação do uso e da manutenção dos materiais acessórios à técnica, como os pincéis.

Seu inconveniente está em ser um material de custeio caro.

Tinta para pintura a dedo: por apresentar-se com uma textura grossa, é um material de excelente
desempenho tátil. Possibilita o ajuste da coordenação motora necessária frente à dosagem a ser usada
no trabalho, de maneira que a quantidade de tinta saída do recipiente esteja em acordo com o resultado
pretendido.

Também, por seu aspecto formal, é um material que favorece o retorno a estados regressivos, sendo
indicado para crianças, propriamente ditas, e para o despertar da criança interior em adultos.

Não costuma ser de custo barato, sendo os de alta precisão artística muito tóxicos, razão pela qual, para
o trabalho com crianças ou com clientes em estados regredidos, é conveniente o uso de material escolar.

C – Materiais tridimensionais

Os materiais tridimensionais constituem-se em um poderoso recurso para a manifestação de experiências


interiores, principalmente os mais maleáveis.

Etimologicamente, a ação de esculpir significa entalhar, cortar, gravar. Esse fato remete à discussão de
ser um ato pelo qual são estampados, impressos, sentimentos fortes, como os de raiva, que encontram um
campo de manifestação de sua energia, ou campo de tensão, quando estão associados ao material a ser
usado.

O entalhe que se realiza no material provoca psiquicamente um emergir de algo que surge do interior,
como se a experiência interna percebesse seu eco no material, sendo este o elemento facilitador de sua
descoberta e da consequente experiência de sentido quando moldado, formado, materializado.

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A possibilidade de fazer emergir algo que está plasmado de modo bidimensional traz a criação para um
estado de concretização visual distinta e necessária para a compreensão de significados, principalmente nos
casos de trabalho com clientes muito literais ou atados aos objetos.

Para aqueles mais simbólicos, a arte de esculpir conota sensações de captação da essência de seus
estados interiores, que são transpostos para o material, como se este os espelhasse.

Entre as escolhas possíveis, temos:

Plastilina e massa de modelar industrializada: fáceis de manusear, são indicadas preferencialmente


para crianças. São baratas, não fazem sujeira, porém não são práticas para trabalhos de maiores proporções.
Portanto, seu campo de aproveitamento fica restrito a pequenas execuções. O que restringe sua ação junto
com adultos é considerarem esse material restrito ao uso infantil, provocando rejeições às propostas de
trabalho.

Existe a possibilidade de se fabricar a massinha de modo caseiro. Como existem várias publicações
pedagógicas que trazem a receita, não será feita referência a este assunto aqui.

Qualquer um destes materiais viabiliza o desenvolvimento da coordenação motora e a expressão da


imaginação e produz sensações, principalmente nas crianças, da realização de algo mágico, pois, de uma
bolinha, pode-se ter uma cobra, um pato, uma caixa etc., que vão se transformando ao prazer do toque
quase que simultaneamente.

A possibilidade de trocar de forma com uma intensa rapidez traz em si a vivência do poder ser de
diferentes maneiras, sem perder a noção de si mesmo, representado no tipo de material, que continua sendo
o mesmo, apesar das diferentes transformações produzidas.

Argila: material mais próximo de um sentido visceral, devido a seu aspecto, traz em si uma modalidade
de ênfase ao trabalho com as mãos como propulsor de imagens de experiências mais fortes, que usualmente
se encontram dificultadas na sua expressão, sua verbalização, devido à interferência da consciência do ego.

A manipulação desde material provoca no sujeito diversas posturas, desde a mais profunda rejeição,
dadas as questões regredidas que o material aporta, ligadas a aspectos referentes às sujeiras internalizadas,
adquiridas tanto pela dimensão cultural como resultantes de experiências pessoais tidas como inaceitáveis,
não adequadas, desprezíveis, insuportáveis e odiosos. Também pode, ao contrário, provocar estados de
profundo alívio e prazer pela possibilidade de exteriorizar sentimentos e por permitir o manuseio de uma
matéria tão próxima às nossas raízes simbólicas, pois, pela Bíblia, o homem foi criado do barro: “Deus fez o
homem à sua imagem e semelhança”.

Essa ideia traz em si a semente como gérmen, obtida pela ideia de ser o barro “a matéria-prima em que
repousa o segredo básico do homem e na qual Deus se espelharia” (GOUVÊA, 1989, p. 58). “Assim, com a
mais extrema delicadeza, a mão desperta as forças prodigiosas da matéria” (BACHELARD apud GOUVÊA,
1989).

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A argila propicia mais possibilidades do que o material anterior, provocando experimentos com sensações
e texturas diversas, auxiliando, até, na liberação de tensões. Por ser um material ou substância da terra,
porta aquele que a utiliza a experiência de criar e ser criado simultaneamente, vivenciando a si mesmo como
criatura e criador. “Cria a si mesmo” à imagem e semelhança de Deus e dá vazão a sua onipotência sem
precisar enlouquecer. “A consciência se aproxima do inconsciente ao penetrar nas trevas oriundas da própria
matéria” (GOUVÊA, 1989, p. 59).

A experiência com a argila provoca o emergir de emoções, sendo recipiente de projeções para as experiências
com o mundo circundante, favorecedora de descargas emocionais, atuando mesmo como produtora de
efeitos calmantes. Como o trabalho pode ser feito e refeito, ela também promove o desenvolvimento da
autoconfiança a quem a pratica.

Sucatas: como tal, temos diversos materiais, tais como rolos de papel higiênico, caixas de fósforos,
pedrinhas, tecidos, pregos, fitas etc., apresentados em diversidades de texturas e de meios para fixá-los, em
pequenos trabalhos ou em projetos de grandes dimensões, como as atuais instalações.

O exercício lúdico de montagem de personagens, como marionetes ou simples bonecos, a criação de


cenários etc., a inovação a partir de algo já criado, com uma formatação já atualizada em outra modalidade
presente primeiro apenas no imaginário, para depois ser materializada em outra forma, provoca estados de
profunda virtualidade e de criatividade.

Neles, as dimensões caos-ordem-desordem-nova ordem conseguem interagir sem provocar sensações de


recusas, decorrentes das pressões de eliminação de um determinado objeto, de destruição, de aniquilamento,
viabilizando a projeção desses conteúdos sombrios, provocadores de intensos abismos sentidos no interior da
psique, por meio da percepção de novas configurações surgidas a partir da transformação, não destruição,
do material original. Isso permite a experiência de que tudo tem uma continuidade e de que, nesse processo,
algumas peças são removidas por não serem mais necessárias no presente, mas aquilo tido como essencial
no momento de criação ainda pode ser mantido.

D – Colagem

O trabalho com colagem, feito pela escolha de imagens selecionadas em revistas, jornais ou outros,
acrescido da tarefa de ordenação delas, pode trazer para ao ambiente arteterapêutico um bom clima para
o estabelecimento de vínculos mais firmes para com as futuras tarefas realizadas com outros materiais. Por
se tratar de uma tarefa pela qual “o atuar como um artista” fica como que simulado, a ansiedade por não se
considerar como tal reduz-se, possibilitando uma entrega mais confiante ao trabalho proposto.

As dificuldades sentidas por alguns clientes diante de sua falta de destreza frente às modalidades plásticas,
fruto de grandes cristalizações culturais estéticas, podem provocar neles um certo distanciamento do trabalho
proposto pela arteterapia, impedindo, assim, o surgimento de uma interação entre ele e o material por temor
a sua exposição.

A colagem também propicia um certo distanciamento ou simulação de determinados conteúdos psíquicos,


pois quem se utiliza dessas imagens recortadas pode crer que elas não têm uma relação direta com si
mesmo, mantendo uma certa defesa às exposições ainda não consentidas.

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Imagens de catástrofes da natureza, de criaturas furiosas, de aleitamento etc. podem sinalizar tópicos
difíceis de ser colocados de maneira mais direta, mas que, sem sombra de dúvida, já estão sendo projetados
para uma futura confrontação.

Quando muitas imagens são utilizadas numa mesma configuração, pode-se perceber o grau de defesas
utilizadas pelo cliente. Quando encontramos muitas figuras dispostas no suporte, tal qual uma síntese de
todos os atributos desejados e projetados de maneira caótica e confusa, proporciona-se, como resultado
visual, uma certa dificuldade de captação do tema gerador de emoção. A intensa gama de informações
camufla, pela profusão de unidades formais, a inadequação presente no cliente e suas tentativas de defesa
de não serem reconhecidas, pois a leitura dessa configuração demanda um certo tempo para a apreensão, a
decodificação e a compreensão de todos os elementos presentes e de suas relações.

Portanto, em acordo com os aspectos formais, podemos dizer que a configuração apresenta uma pregnância
de imagem muito baixa. É um fator importante a ser entendido para a designação do material a ser seguido
após a série de colagens efetuadas, pois a amplificação viável para a apreensão do conteúdo deverá seguir-
se àquelas unidades formais que mais chamaram atenção.

Ao contrário, quando a composição visual já assegura uma reunião de recortes dispostos dentro de uma
perspectiva mais clara e aberta, surgem pontos focais capazes de decifrar as interações pretendidas, por
apresentar uma configuração mais equilibrada, cuja sua captação ou pregnância torna-se mais facilitada em
seu reconhecimento.

Ademais, constitui-se numa técnica que também atua sobre o padrão: ordem constituída no cultural e
coletivo (a figura escolhida) – recorte do que interessa, a particularização ou subjetivação (foco especial da
atenção) – destruição do antigo e coletivo, mas sendo a construção inerente a uma necessidade e interesse
de um sujeito - para uma nova forma como interpretação individual dos aspectos culturais, refazendo-se o
esquema de ordem, desordem e nova ordem.

OUTROS USOS
Ainda podemos pensar na arteterapia na construção de oficinas criativas e principalmente no uso de
diferentes materiais plásticos para as crianças pequenas. Observe a apresentação no link:

https://www.youtube.com/watch?v=xIi5xwi77Is

Vamos conhecer um pouco sobre esses materiais e de que maneira poderemos organizá-los lendo o texto
de fundamentação organizado por Vanessa Coutinho.

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ARTETERAPIA E CRIANÇAS: OS MATERIAIS E ALGUMAS TÉCNICAS


Vanessa Coutinho

Já falei a respeito do espaço arteterapêutico, seu aspecto físico e o que representa para quem o procura
no intuito de vivenciar experiências de autodescoberta e de manutenção e recuperação da saúde e do bem
estar. Mas e quanto aos materiais? O que podemos dizer a respeito dos vários tipos que serão encontrados
e disponibilizados no ateliê?

Este capítulo será dedicado a eles e a algumas sugestões de técnicas para sua utilização. Caberá ao
arteterapeuta experimentá-las e perceber as adequadas situações para seu emprego.

Papel
Os papéis podem ser classificados, em princípio, em dois tipos básicos:

• lisos;

• porosos.

Essa diferença é facilmente detectada pelo toque e irá determinar a indicação para o uso com materiais
secos ou mais úmidos. Os papéis porosos são mais adequados a receber materiais com maior quantidade
de água (a aquarela, por exemplo), pois absorvem o líquido, enquanto, nos papéis lisos, ele se mantém na
superfície. Os papéis, tanto os lisos quanto os porosos, podem também se diferenciar quanto à gramatura,
isto é, sua espessura e seu peso.

Alguns exemplos de papéis lisos:

Sulfite: é um tipo de papel muito utilizado para escrever.

Cartolina: mais espessa que o papel para escrever e colorida dos dois lados. Apresenta boa resistência e
maleabilidade, o que a faz adequada a construções tridimensionais, como as dobraduras. É também bastante
utilizada para emoldurar desenhos que serão expostos em murais.

Papel cartão: mais espesso do que a cartolina, apresenta cor apenas de um lado, sendo o verso de
coloração parda. Também é muito utilizado para emoldurar trabalhos a ser expostos e, devido à sua resistência,
presta-se à confecção de caixas e outros objetos.

Celofane: é um papel transparente, encontrado em diversas cores. Bastante frágil, rasga-se com facilidade.
Tem um resultado interessante quando empregado para fazer os detalhes coloridos em bonecos de teatro de
sombras (fantoches de cartolina movimentados por meio de palitos, por trás de um lençol branco e fino ou
de uma folha de papel vegetal).

Papel couché: papel de revista, também utilizado em cestarias e confecção de peças para bijuterias.

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Papel de presente: decorado de um lado só, muito utilizado em colagens e dobraduras.

Papel de seda: é um papel bem fino, utilizado na confecção de pipas e bandeirinhas de festas juninas.
Produz interessantíssimas texturas quando amassado e colado sobre uma superfície. Também é possível
descolori-lo com água sanitária, criando belos e surpreendentes efeitos.

Papel glacê: liso, colorido e brilhante de um lado e sem cor do outro. Muito utilizado nas técnicas de
dobradura.

Papel-manteiga: semitransparente, serve para “decalcar” um desenho de uma superfície para a outra.
O desenho feito a lápis sobre o papel-manteiga é reforçado pelo verso, o que faz a imagem “passar” para
outro suporte. Sua semitransparência também permite que, ao ser colocado sobre uma imagem, possamos
modificar ou acrescentar detalhes sem mexer na base, experimentando apenas sobre ele. Essa técnica
também funciona com papel vegetal, um outro tipo de papel liso e semitransparente.

Alguns exemplos de papéis porosos:

Papel canson: encontrado em diversos tamanhos, gramaturas, texturas e colorações, apresenta excelente
qualidade e grande resistência. Serve para todos os tipos de tinta, como trabalhos em nanquim, lápis de cor
e pastéis, sendo os mais porosos mais adequados à pintura e os outros ao desenho. Os mais pesados são
úteis na confecção de trabalhos tridimensionais.

Papel camurça: apresenta um lado liso e um felpudo e pode ser encontrado em diversas cores. Utilizado
para forração, além de confecção de detalhes em colagens.

Papel crepom: bastante frágil, encontrado em várias cores, possui a superfície crespa. Pode ser rasgado,
cortado, amassado, produzindo efeitos interessantes, como flores de diversas formas. Sua tinta, porém, sai
com facilidade.

Papel kraft: semelhante ao papel pardo, sendo porém mais poroso e em tom marrom claro, enquanto o
pardo é ocre. Pode ser pintado com tinta ou desenhado com lápis de cor e pastéis.

Com papel, faz-se quase tudo: bijuterias, gravuras, desenhos, esculturas, brinquedos, objetos úteis e até
mesmo móveis. As possibilidades são infinitas. Você pode trabalhar sobre o papel desenhando, pintando,
escrevendo, picotando, dobrando. Ou ainda utilizá-lo como matéria-prima em processos de reaproveitamento
e reciclagem. Vale o que sua imaginação criar. São muitas as possibilidades, e, para cada uma delas, há uma
técnica especial (FAJARDO et al., 2002).

Dobraduras

A palavra origami deriva-se da combinação de outras duas: ori (dobrar) e kami (papel). É uma arte tão
antiga quanto o surgimento do próprio papel.

É uma prática transmitida de geração em geração, e quase todos são capazes de construir algum objeto
a partir da dobradura de papéis: uma gaivota, um barquinho, um chapéu, um envelope etc.

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É interessante oferecer à criança papéis para que experimente dobrá-los em busca de novas formas,
criando imagens e histórias. Essa atividade ajuda a desenvolver também sua capacidade de concentração e
raciocínio.

Os objetos confeccionados podem ser enriquecidos ainda mais com a técnica do kirigami (kiri, cortar;
kami, papel), a partir da qual o sujeito acrescentará detalhes à sua criação a partir do recorte de algumas
pequenas partes do papel, que darão novos efeitos à dobradura.

Lápis
O lápis preto, ou de grafite, é fabricado em diferentes graus de maciez. Com os mais duros, podemos
desenhar linhas finas e cinzas. Com os mais macios, traçamos linhas grossas e negras. Em geral, os graus
designam-se do 8H (mais duro) ao 8B (mais macio), passando pelo HB (maciez média). Podem também ser
designados por números, sendo o 1 sempre o mais macio. A mina (matéria do lápis que se encontra revestida
pela madeira) é resultante da queima de uma mistura de grafite e argila. O teor da argila determinará a
maciez ou a dureza.

A mina do lápis de cor é formada por pigmentos distribuídos em uma massa plástica, e seus traços, ao
contrário do que acontece com o lápis de grafite, não podem ser apagados com borracha.

Segundo Urrutigaray (2003), o resultado obtido com lápis é um excelente indicativo de estados internos,
uma vez que a maneira como é segurado, a força e o controle dos movimentos influenciarão o aspecto final
do desenho.

Diversas técnicas podem ser experimentadas com lápis. Alguns exemplos são:

• registro de texturas em papel (excelente também com giz de cera);

• produção de diferentes intensidades de tons, seja utilizando graus distintos de lápis ou variando sua
pressão sobre o papel;

• técnica do esfumaço, utilizando o pó resultante da raspagem da mina do lápis de cor, que deve ser
esfregado com o dedo sobre o papel.

Hidrocor
Fácil de usar, não costuma escorrer a tinta, como acontece com a aquarela, mesmo que também seja um
material diluído em água. Assim, embora expanda afetos, permite certo controle sobre os resultados.

É um material delicado, cuja conservação exige alguns cuidados, como: não empregar força excessiva no
manuseio, mantê-lo fechado quando não estiver em uso, não empregá-lo em superfícies ásperas.

O hidrocor pode ser utilizado para:

• criar contornos que serão preenchidos com tinta;

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Arte

• aplicar sobre papel úmido, criando uma imagem de contornos pouco definidos;

• com a de ponta grossa, pintar um papel sobre o qual tenha feito um desenho com cola branca, a essa
altura já seca, para que apareça em alto relevo.

Giz de cera
Fácil de manusear e resistente, é um material bastante adequado à utilização com crianças. Em geral, é o
primeiro material de desenho oferecido na escola. Pode ser aplicado sobre:

• papel;

• madeira;

• cerâmicas;

• tecidos etc.

Algumas técnicas:

• Derreter a ponta do giz na chama de uma vela, produzindo um efeito em relevo quando se desenha em
uma superfície. Essa técnica só deve ser aplicada com crianças mais velhas, para não provocar acidentes.

• Desenhar livremente sobre o papel com giz de cera. Depois, cobrir o desenho com uma aguada de
guache. O guache só se fixa nas partes não desenhadas. Uma variação dessa técnica é desenhar sobre papel
branco utilizando apenas giz de cera branco.

• Desenhar com giz de cera sobre papel branco. Com um cotonete umedecido em removedor, misturar os
tons, transformando o desenho.

Pastel seco
É fácil de manusear, porém o resultado final pode “borrar”, pelo fato de o material produzir um “pozinho”.
Pode provocar frustração, por essa “dificuldade”, ou prazer, se a criança for convidada a tirar proveito da
característica, esfumaçando o trabalho com os dedos, misturando os tons, fazendo-os fluir.

Costumo utilizar o pastel seco com crianças que já possuem maior coordenação motora fina e controle da
tonicidade, pois esse material quebra com muita facilidade. Em geral, elas apreciam muito a experiência e o
resultado. Para fixar a imagem, pode-se utilizar verniz ou fixador para cabelos em spray, os mesmos recursos
para fixar desenhos feitos com carvão vegetal.

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Tinta
A tinta costuma ser um material que provoca a liberação de afetos, por sua fluidez. De modo diverso dos
materiais mais secos, não permite tanto controle, fazendo emergirem emoções diversas com seu uso.

Aquarela

Tem como principal característica a transparência. Os erros não podem ser corrigidos pintando por cima,
e esse é um ponto importante a se explorar no ateliê terapêutico.

As pessoas mais controladoras sentem desconforto com a aquarela e, em geral, aqueles que sentem
dificuldade em lidar com suas emoções também. Um outro ponto a destacar é que ela permite um contato
muito estreito com a delicadeza, mesmo quando estão sendo usadas cores mais vibrantes (CHRISTO; SILVA,
2002).

O fato de as pessoas mais controladoras terem dificuldades com a aquarela e demais técnicas que não
permitem o controle não significa que estas devam ser descartadas, e sim que devam ser utilizadas com
cautela, inclusive para que as respostas afetivas de desconforto possam emergir, ser trabalhadas e mais bem
elaboradas.

A aquarela é dissolvida em água, cuja quantidade utilizada será determinante na variação das tonalidades.
Apresenta-se em pastilhas ou em tubos, sendo estas mais caras e difíceis de trabalhar.

Algumas sugestões:

• Podemos pintar com aquarela sobre papel previamente umedecido ou controlar no pincel a quantidade
de água.

• Uma técnica interessante consiste em “gravar” um desenho no papel com alfinete ou caneta esferográfica
já seca e cobri-lo com uma aguada de aquarela. As partes marcadas ficarão mais escuras.

Tinta acrílica

Mais fácil de utilizar do que a aquarela, seca com rapidez e permite o conserto de pequenos erros. Ao
secar, plastifica, o que confere maior resistência ao trabalho.

Tinta guache

É um material barato e fácil de ser adquirido no comércio. Após a secagem, perde completamente o brilho.
Muito utilizada nas experiências de pré-escolares, pode colorir:

• papéis;

• cerâmica;

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• gesso;

• isopor etc.

Com guache, pode-se produzir monotipias, cobrindo com a tinta uma placa de fórmica e imprimindo no
papel.

Também é muito apreciada pelas crianças, por seu resultado surpreendente e belo, a técnica de dobrar
uma folha de papel ao meio, abri-la e, em um dos lados, colocar pequenas quantidades de guache em duas
ou três cores diferentes. Depois, voltar a dobrar e pressionar levemente. Ao abrir, haverá uma forma, criada
pela mistura de cores. Podemos pedir às crianças que nos contem sobre o que veem nas manchas.

Uma outra técnica consiste em misturar guache e cola branca, cobrindo o papel com uma camada grossa
dessa mistura. Com um ou vários pentes de tamanhos diferentes, criar texturas.

Tinta para pintura a dedo

Por se apresentar com uma textura grossa, é um material de excelente performance tátil. Possibilita o
ajuste da coordenação motora necessária frente à dosagem a ser usada no trabalho, de maneira que a
quantidade de tinta saída do recipiente esteja em acordo com o resultado pretendido.

Para crianças pequenas, é interessante a exploração do material, colocando sobre um papel grande
pequenas porções de tinta de cores diferentes. A criança é convidada a espalhar a tinta pelo suporte,
utilizando as mãos, abertas ou fechadas, os dedos, os cotovelos, os pés. Após o uso, a pele pode ser limpa
com facilidade, com água e sabonete, e até mesmo com água pura.

Técnicas

Para pintar com os vários tipos de tintas, podemos sugerir à criança que utilize:

• esponja de aço;

• escova de dente;

• algodão;

• espumas;

• barbantes;

• canudos (inclusive nas técnicas de pintura soprada);

• colheres de plástico;

• garfos de plástico;

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Arte

• conta-gotas;

• peninhas;

• folhas;

• bolinhas de gude (deixando-as rolar sobre papel com pequenas quantidades de tinta, dentro de um
tabuleiro, por exemplo);

• cotonetes etc.

Pincéis
Embora existam vários instrumentos com os quais se pode pintar, a ferramenta básica para isso é o pincel.
Existem vários tipos, entre eles:

• Quadrado: com cerdas duras e curtas, mais utilizado para tintas espessas e pesadas.

• Redondo: com cerdas mais finas e macias, combina com as tintas suaves e diluídas.

• Trincha: amplo e largo, adéqua-se bem à cobertura de áreas maiores.

• Batedor: excelente para trabalhos que requeiram que a tinta não seja espalhada e sim batida sobre a
superfície.

Quanto maior a variedade de pincéis existentes no ateliê, maiores as possibilidades de diferentes efeitos
e resultados.

Outros materiais importantes para o trabalho com as tintas são a espátula e os rolinhos de espuma.

Cola colorida
A cola colorida, após a secagem, conserva sua cor original, por isso, além de colar, serve para pintar e criar
imagens, embora demore um pouco para secar completamente. Pode-se utilizar para o trabalho com esse
material tanto o bico do frasco quanto os pincéis. Pode ser aplicada sobre:

• papel;

• isopor;

• cerâmica;

• madeira etc.

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Arte

Plastilina ou massa plástica (massinha)


É muito utilizada com as crianças, por seu baixo custo e facilidade de manuseio, além da atratividade
exercida por seu colorido vibrante. É adequada, em especial, para pequenos trabalhos.

É fascinante para as crianças, pois permite a materialização de um objeto tridimensional, com a facilidade
de transformação que a massa proporciona. Pode ser utilizada também para “colorir”, quando colocamos
certa quantidade sobre o papel e vamos espalhando com os dedos até uniformizar.

Argila
É um material natural muito flexível e maleável. “Proporciona a oportunidade de fluidez entre material e
manipulador como nenhum outro” (OAKLANDER, 1980).

É muito raro cometer um “erro” ao trabalhar com argila, uma vez que se pode recomeçar e remodelar,
transformando o que for preciso. E isso, em um contexto terapêutico, é um ponto importante a ser trabalhado.

Algumas pessoas sentem-se repelidas pela “sujeira” da argila. Na verdade, trata-se do mais limpo de
todos os materiais de arte, depois da água. Ela seca transformando-se numa camada de poeira fina, e pode-
se limpar facilmente mãos, roupas, tapetes, pisos, mesas – lavando, escovando, removendo ou tirando com
aspirador de pó. A argila também possui propriedades curativas. Escultores e ceramistas têm observado que
os cortes cicatrizam mais depressa se deixados expostos durante o trabalho com ela.

A maioria das crianças aceita prontamente o material, embora ocasionalmente se possa ver uma receosa
da massa molhada e “suja” que a argila lhe representa. Esse fato, por si só, já conta ao terapeuta muita
coisa sobre o paciente e constitui uma direção proveitosa a ser seguida em terapia. Certamente existe um
elo direto entre a compulsão de limpeza da criança e seus problemas emocionais, e isso pode não ficar óbvio
com nenhum dos outros materiais apresentados a ela. Eu trabalharia delicadamente, voltando a introduzir a
argila aos poucos após a resistência inicial. Essa criança, com muita frequência, ao mesmo tempo em que se
sente repelida, sente-se fascinada, e começa a se envolver cautelosamente (OAKLANDER, 1980).

Comparada à plastilina, a argila é, inegavelmente, um material mais rico, tanto nas possibilidades afetivas
quanto na maior plenitude da troca que o sujeito estabelece com ela, inclusive transmitindo o calor de suas
mãos para a massa, que, inicialmente fria, vai se aquecendo ao ser manuseada. O trabalho, por um lado,
pode ser transformado com a ajuda da água. Por outro, uma vez seco, endurece e pode receber diversos
tratamentos, como verniz, tinta, queima em fornos especiais etc.

Sucata e reaproveitamento de materiais


A arte com sucata possui um significado bastante forte, além daquele mais óbvio, que é o da experiência
criativa transformadora. Ela aproveita o que, normalmente, iria para o lixo, o que, em princípio, se imagina
que não tenha mais serventia, e ressignifica-o, renomeia-o. Podemos utilizar vários materiais para essas
construções:

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Arte

• caixas (de leite, de sapatos, de remédios, de pasta de dente, de fósforos etc.);

• pedaços de madeira;

• palitos de sorvete;

• canudos;

• garrafas PET;

• copos descartáveis;

• pratos descartáveis;

• meias velhas;

• pregadores de roupa;

• rolos diversos;

• rolhas etc.

Esses objetos, que antes serviam a um propósito, agora se apresentam para a criação de novas formas,
fruto de novas ideias, necessitando para isso de um planejamento prévio, a fim de serem materializadas com
sucesso. É, portanto, a pré-valorização de objetos antes sem valor, que, para se realizar, exige um nível de
organização mental e motora. Tal atividade pode ajudar na elaboração de que, de uma situação em princípio
caótica, pode nascer uma solução, mais harmônica e mais interessante.

Com sucata, a criança pode construir:

• personagens;

• maquetes;

• esculturas;

• brinquedos etc.

Fantoches
O teatro de bonecos é uma atividade que remonta à Antiguidade. Existem vários modelos e formas de
produzir um fantoche. Eles podem ser utilizados com crianças de todas as idades, mesmo as mais novas,
que podem dramatizar, mas ainda não conseguiriam construir seus próprios bonecos com relativa autonomia.

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Arte

Nesse caso, é útil ao arteterapeuta ter alguns fantoches disponíveis e, se possível, um cenário simples
para teatro de bonecos, feito de madeira e com uma cortina que abra e feche. Poucas vezes vi algum material
que fascinasse mais as crianças!

Serão ricas, para o processo terapêutico, tanto a atividade de escolher fantoches já prontos “com o
objetivo de fazer emergir a fantasmática e permitir uma comunicação, seja com o terapeuta, seja entre várias
crianças sem nenhum projeto de configuração espetacular” (PAIN; JARREAU, 2001), quanto, por outro lado,
fabricar seu próprio boneco, criar personagens. Essa, sem dúvida, é uma técnica plena de significados. A
história contada, a dramatização em si, também será objeto de atenção e caminho para uma compreensão
mais plena daquilo que o sujeito precisa revelar.

Para a confecção de fantoches, podemos utilizar recursos como:

• a própria mão (pintada com tinta ou até mesmo com hidrocor, para pequenos detalhes);

• cartolina;

• luvas;

• meias;

• palitos (de picolé, de churrasco);

• bolinhas de isopor;

• copinhos;

• rolos de papel;

• saquinhos;

• tecidos;

• lãs etc.

Máscaras
A máscara é um objeto que, ao ser colocado sobre o rosto, o oculta, por vezes representando a mudança
de personagens. Em diferentes momentos da história da humanidade, esteve presente em situações diversas,
desde cerimônias religiosas até manifestações artísticas.

Ao colocar uma máscara e “ocultar-se”, o sujeito pode permitir o “desmascaramento” de alguns afetos e
comportamentos que não ousa revelar quando traz o rosto exposto (o carnaval oferece bons exemplos desse
fenômeno). Utilizar tal recurso no ateliê arteterapêutico constitui-se em uma excelente oportunidade de ver
a criança dar voz a emoções guardadas, escondidas.

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Arte

Assim como no caso dos fantoches, as técnicas de fabricação são as mais diversas.

Colagem
Atividade bastante apreciada pelas crianças, favorece até mesmo o desenvolvimento da coordenação
motora fina e da organização espacial. Os papéis e as gravuras a ser colados podem ser recortados com
tesoura (preferencialmente as de pontas arredondadas, próprias para crianças) ou com as mãos, dependendo
do momento de desenvolvimento psicomotor ou do objetivo que se deseje atingir com a técnica. Pode-se
também trabalhar com outros materiais além do papel, como:

• sementes;

• conchinhas;

• panos;

• algodão;

• tampinhas;

• macarrão;

• folhas;

• cereais;

• peninhas etc.

Para as atividades de colagem, recomendo que o arteterapeuta tenha uma caixa com gravuras já destacadas
de revistas ou jornais. O manuseio das revistas em busca de gravuras, tanto para as crianças quanto para os
adultos, pode acabar funcionando como uma ação que dispersa a atenção do sujeito.

De forma alguma aqui se esgotam as possibilidades de utilização de recursos no setting de arteterapia,


pois estas são infinitas, e cada profissional irá desenvolver suas ideias próprias.

Essas foram algumas sugestões, acompanhadas de comentários que julguei úteis ao enriquecimento das
informações contidas no capítulo. O dia a dia e o lidar com aqueles que nos escolheram como acompanhantes
de suas jornadas terapêuticas, estes nos ensinarão cada vez mais.

MISTURANDO, DISSOLVENDO, CRIANDO...


Dicas para quem gosta de colocar a mão na massa (as crianças adoram!):

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Arte

Tintas
Tinta guache

1 colher de sopa de gesso

2 colheres de sopa de cola branca

2 colheres de sopa de corante em pó

1 colher de sopa de desinfetante

1 colher de sopa de glicerina

Água

Misture o gesso e o corante. Adicione a cola, a glicerina e o desinfetante, misturando bem. Acrescente
água até a tinta adquirir a consistência desejada.

Tinta para pintura a dedo

½ kg de farinha de trigo

1 ½ L de água

Anilina

1 colher de sobremesa de desinfetante

Dissolva bem a farinha na água. Leve ao fogo, sem parar de mexer, até engrossar. Tire do fogo, espere
esfriar e acrescente o desinfetante e a anilina.

Tinta acrílica

2 colheres de sopa de água

2 colheres de sopa de cola branca corante

Misture todos os ingredientes.

Tinta comestível

2 xícaras de farinha de trigo

2 xícaras de açúcar

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Arte

2 xícaras de amido de milho

1 xícara de água fria

1 xícara de água quente

Anilina comestível

Misture o açúcar, a farinha e o amido de milho. Acrescente a água fria e depois a água quente, misturando
bem. Acrescente a anilina.

Goma para colagens


2 colheres de café de amido de milho

4 colheres de sopa de água

Gotas de vinagre

Dissolva o amido na água e acrescente o vinagre. Leve ao fogo até engrossar.

Massas
Massa de papel higiênico

Água

Farinha de trigo

Sal (1 colher de sopa para cada 1½ kg de farinha de trigo)

Pique o papel higiênico e coloque em uma bacia ou balde com água. Depois de amolecido, esprema bem
para retirar o excesso de água e vá acrescentando a farinha com sal até ficar no ponto de modelagem.

Massa de farinha

3 xícaras de chá de farinha de trigo

1 xícara de chá de sal

Água

1 colher de café de óleo

Misture a farinha e o sal. Coloque a água aos poucos, sem parar de amassar. Acrescente o óleo.

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Arte

Massa de biscuit

2 xícaras de chá de amido de milho

2 xícaras de chá de cola branca extra forte

2 colheres de sopa de vaselina líquida

1 colher de café de suco de limão

Creme para as mãos (não oleoso)

Coloque o amido de milho, a cola, a vaselina e o caldo de limão em uma panela antiaderente e, com uma
colher de pau, dissolva tudo. Leve ao fogo brando até desprender do fundo da panela. Despeje em uma
superfície de mármore. Coloque sobre a massa 1 colher de creme para mãos e sove até que fique lisa. Guarde
em um saco plástico, bem fechado.

HISTÓRICO DA ARTE NA EDUCAÇÃO


Por fim, conheceremos um pouco da história da arte na educação e como poderemos aliar esse conhecimento
aos jogos (lúdico), criando, assim, um novo espaço de trabalho que possa atender às necessidades de nossos
alunos e/ou pacientes, trabalhando suas habilidades e melhorando significativamente sua autoestima. Para
isso, vamos ler o texto a seguir, no qual a educadora Santa Marli Pires dos Santos contribui com sugestões
de materiais que poderão ser construídos com o propósito investigativo.

AS ARTES PLÁSTICAS NA EDUCAÇÃO: UM BREVE HISTÓRICO


Santa Marli Pires dos Santos

Na primeira metade do século XX, as disciplinas de desenho, trabalhos manuais e canto orfeônico (canto
coral) faziam parte dos programas escolares. Elas valorizavam os dons artísticos e os hábitos de organização
e precisão, mostrando uma visão utilitarista e imediatista da arte. Desconhecia-se, nessa época, o poder da
imagem e da percepção estética como fonte de conhecimento.

Em 1971, com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), a arte passou a
se chamar educação artística, trazendo grandes dificuldades no campo educacional, pois a música, o teatro
e as artes plásticas foram integrados num único bloco e não havia pessoal capacitado na polivalência. Cada
um fazia o que podia.

Para viabilizar essa ideia, criou-se, no Brasil a Licenciatura Curta em Educação Artística, que em dois anos
pretendia garantir a dita formação polivalente, o que também não funcionou na prática. Pelo contrário, foi
um grande equívoco em termos de prática artística.

A partir dos anos 1980 consolidou-se um movimento que se denominou arte-educação, que pretendia
rever os princípios da arte na escola. Ele teve grande influência na determinação dos rumos da arte na escola

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Arte

brasileira, pois a Lei nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996), no que se refere
à arte, introduziu no seu bojo as ideias defendidas pelos profissionais dessa área daquela época, e o ensino
dela tornou-se obrigatório na educação básica.

A nova visão na escola, entre outros objetivos, procura promover o desenvolvimento cultural dos alunos,
caracterizando-se como arte e não mais educação artística, com conteúdo próprio e não mais como atividade.
Neste sentido, as artes plásticas na educação passaram a ser concebidas como uma linguagem e, portanto,
sua estrutura, seus símbolos e seus signos devem ser conhecidos e trabalhados pelos alunos em três aspectos
essenciais: o fazer artístico, a apreciação da obra de arte e a reflexão sobre o seu produto.

Com essa nova conotação, as artes plásticas na educação básica tomaram um rumo completamente
diferente, o que assusta muitos educadores que não tiveram na sua formação acadêmica uma base sólida
sobre o assunto e tampouco entendem de estética. Na verdade, poucos adultos sem formação em artes têm
o que dizer frente a uma obra artística. Uma das causas desse desconhecimento do prazer estético é o modo
como foram educados artisticamente na escola.

Embora os educadores, atualmente, tenham dificuldades em lidar com a arte na escola, essa disciplina
escolar tem ganhado espaço entre os especialistas de todo o mundo, pois ela expressa uma forma de conhecer
e representar uma realidade, criando significados. Nesse sentido, é importante que desde cedo as crianças
possam estar cercadas por coisas bonitas e, dessa forma, comecem a conviver com a beleza e apreciá-la.
Também, nesse convívio, devem aprender a criticar os seus trabalhos e os de outros construtivamente,
desenvolvendo critérios de apreciação estética.

É por meio das experiências com linhas, formas, cores, texturas que as crianças serão capazes de criar
uma simbologia plástica para expressar seus sentimentos e sua visão de mundo. Assim, ao agir sobre o
meio, atribuindo significados e refletindo sobre suas criações, é que a criança vai aprendendo a conviver
com a obra de arte. Uma obra concebida esteticamente é um mundo em si que reflete as percepções, os
sentimentos e as emoções de seu criador. Este assimila a realidade, apropria-se dela e transforma-a simbólica
e plasticamente. Cabe à escola propiciar experiências no fazer e no apreciar a obra de arte para introduzir a
criança ao mundo da estética.

A estética está intimamente relacionada à beleza. Perceber esteticamente significa reagir frente a coisas
incomuns e, de certa forma, recusar o óbvio. É poder encantar-se com as experiências sensoriais prazerosas.
Educar, portanto, significa enriquecer as coisas de significado. Nessa mesma linha de pensamento, educar
para a arte significa ensinar a criança a brincar com imagens e símbolos. É prepará-la para a vida para que
mais tarde ela tenha condições de fazer suas escolhas e possa se encantar frente a uma obra plástica.

Com a mudança de conceitos e de valores que estão sendo propostos para a educação, devem ser
mudados também os métodos pedagógicos. A metodologia preconizada deve valorizar o diálogo, a escuta,
a solidariedade, a estética e a criatividade. Trabalhar com o novo conceito de arte na educação é contribuir
com o fortalecimento destes valores.

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Arte

A realidade do ensino da arte


A arte na escola brasileira foi tratada, ao longo dos anos, por diferentes concepções. Embora, hoje,
tenham-se argumentos diferentes e atualizados, as instituições de ensino continuam utilizando-se das
mesmas atividades de tempos passados, como pintar, desenhar, brincar com massinha de modelar e outras
atividades descontextualizadas e sem nenhuma relação com a arte propriamente dita. As chamadas técnicas
liberadoras ou técnicas de artes plásticas invadem as escolas como se fossem os objetivos principais da arte
na educação.

Dessa forma, a arte como disciplina escolar tem sido ineficaz, pois, não tendo um conteúdo próprio,
toma-se desnecessária e desvalorizada. Em muitos casos, o que chama a atenção não é a arte em si, mas a
diversidade de tarefas que as crianças realizam, identificadas como “trabalhinhos”, que, por sua vez, servem
a distintas causas e enfoques, como se pode relembrar.

Arte como passatempo

Nesse enfoque, as atividades são, basicamente, de desenhar, pintar, modelar apenas para manter as
crianças ocupadas, pois são destituídas de significado. É bom para o professor, que pode ficar mais livre, sem
interferir, questionar ou contextualizar.

Entende-se, hoje, que o educador é o mediador pedagógico e, portanto, precisa atuar no processo de
construção do conhecimento artístico da criança. Cabe a ele organizar as atividades com intencionalidade
e sistematicidade, caso contrário, para passar o tempo e distrair as crianças, não há necessidade de uma
formação específica. Qualquer pessoa que tenha jeito para cuidar e colocar materiais à disposição pode
tomar o lugar dele.

Arte como ornamento

Essa concepção está associada à beleza e à perfeição. Muito usada para ilustrar tema, enfeitar paredes e
murais, elaborar convites, cartazes e presentes para os pais. Nesse caso, é o professor que, muitas vezes,
realiza a maior parte dos trabalhos; a criança é passiva, sentindo-se com isso incapaz. Quando é ela que faz,
na maioria das vezes, são os professores que determinam o que fazer, como fazer, de que cor pintar...

Os professores preocupam-se tanto com as apresentações em festas e com a ornamentação da sala de


aula para as datas comemorativas que o objetivo da arte fica completamente de lado. Nesse caso, é fácil
perceber a falta de identidade nos trabalhos dos alunos. Basta visitar uma escola numa data específica,
como Páscoa ou Dia das Mães. Ali se encontram murais cobertos de desenhos todos iguais. Ao perguntar a
uma criança qual é o seu, certamente, ela terá dificuldade em dizer e, nesse caso, buscará algum detalhe
particular fora do trabalho artístico para responder.

Embora perfeição e beleza façam parte da estética na obra de arte, não é dessa forma superficial que
se deve enfocar a educação em artes plásticas. O ser humano tem necessidade de sentir e conviver com a
beleza. A arte é, pois, o meio adequado da criança produzir os bens simbólicos.

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Arte

Arte como reforço a outras áreas

Esse enfoque considera a arte uma técnica que auxilia no ensino de outras áreas ou disciplinas. É o caso
das folhas mimeografadas para a criança colorir e, com isso, treinar a coordenação motora ou simplesmente
adquirir a noção de limites.

Alguns professores utilizam a arte para auxiliar no domínio das noções espaciais topológicas ou projetivas.
Nesse caso, o que a criança tem que fazer é colorir e marcar a figura maior ou menor, identificar objetos
grosso ou fino, localizar no espaço à direita ou à esquerda, perto ou longe, em cima ou embaixo... Também
é muito utilizada nos exercícios de desenho e colagem de letras e números para contribuir no ensino da
linguagem escrita e da matemática.

A respeito de cadernos para colorir, pode-se dizer que são as estratégias mais comuns e preferidas dos
professores. Com eles, procuram satisfazer as necessidades artísticas das crianças. Muitos justificam essa
atividade dizendo que as crianças gostam de colorir. Isso pode ser verdade, mas elas em geral não distinguem
o certo do errado, por isso preferem doces em vez de verduras ou legumes. O papel do professor é buscar
atividades artísticas que, além de prazerosas, possam contribuir para o crescimento da criança.

Arte como livre expressão

A arte como livre expressão foi um enfoque defendido pelos arte-educadores que perdurou até há bem
pouco tempo nas escolas, influenciado, principalmente, por Viktor Lowenfeld, professor de arte educativa nos
Estados Unidos. Seus livros, traduzidos para a língua portuguesa, foram largamente difundidos no Brasil na
década de 1970 entre os professores de artes plásticas.

O que predominava nessa corrente era a valorização do fazer artístico. Mas, pelo não entendimento de tais
pressupostos, essa tendência veio cair no “deixa fazer qualquer coisa”, sem nenhum tipo de intervenção do
professor, não havendo critica, posicionamento e apreciação do trabalho infantil. Neste caso, a arte tornou-se
espontaneísta, e o professor, dispensável.

Apenas pela livre expressão, a criança não é questionada e nem estimulada a progredir. Essa atividade
continua sendo válida se entendida como o primeiro passo do fazer artístico, vindo, logo depois, a apreciação
e a reflexão sobre a obra produzida.

Todos esses enfoques dão à arte uma conotação pejorativa e deixam-na numa esfera secundária frente a
outras áreas de ensino. Hoje, a situação começa a reverter-se, embora lentamente.

A construção do conhecimento em arte


Quando se fala em construção do conhecimento, é difícil não pensar no termo construtivismo. Essa
terminologia é utilizada quando se quer dizer que a aprendizagem é fruto de uma elaboração pessoal.
Esse modo de entender como se processa a inteligência e o conhecimento foi primeiro descrito por Piaget,
trazendo para o campo da educação uma nova abordagem de ensino. Ela teve grande influência no meio
educacional, o que fez surgir muitos seguidores que, num processo de aperfeiçoamento, lhe deram uma
dimensão muito abrangente.

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Arte

O construtivismo prega que o verdadeiro conhecimento resulta de um processo interno do pensamento,


coordenando diferentes noções entre si, organizando-as, relacionando-as com aprendizagens anteriores e
atribuindo novos significados. Outro princípio dessa corrente é o de que ninguém ensina ninguém: aprende-
se por intermédio de mediações entre o sujeito, o outro e as influências do ambiente na organização de
caminhos que, por métodos, técnicas ou estratégias, levam o sujeito a pensar e resolver problemas.

Pelo amplo marco teórico que se formou em torno do construtivismo, também se concentraram várias
concepções e interpretações. Essa abrangência de significados tem dificultado seu entendimento, bem como
a precisão de seu conceito. Nesse sentido, observa-se que qualquer professor, refletindo sobre seu trabalho,
pode se enquadrar em algum ponto, o que gera uma espécie de desconfiança do seu valor pedagógico. É a
diversidade do termo que permite interpretações ambíguas dentro das quais se pode fazer quase tudo. Isso
leva alguns professores a abandonar o uso da terminologia e outros a utilizarem-na indiscriminadamente.

Assim, é comum que a grande maioria dos professores se defina como construtivista por modismo, sem
ao menos ter uma linha pedagógica definida, como também é comum sentirem-se exaustos ao ouvir falar
sobre o tema.

Sem simplificar o processo construtivo da aprendizagem, pode-se dizer que o problema maior da escola
não é o desconhecimento das teorias que pregam a construção do conhecimento pelo aluno, pois há décadas
os professores têm sido informados sobre o assunto. Talvez o que tenha acontecido é que eles não tenham
construído o seu próprio conhecimento sobre a temática.

Nesse sentido, é necessário pesquisar mais e criar os mecanismos que ajudem na elaboração de técnicas
para que a construção do conhecimento seja real no ato pedagógico, fazendo a relação teoria-prática, ou seja,
é preciso criar alternativas metodológicas especificando como aplicá-las no ensino das disciplinas escolares.
Talvez, dessa forma, o professor acredite no valor prático da construção pessoal no processo educativo.

A criação de alternativas metodológicas é, por outro lado, uma questão polêmica, porque, ao criar tais
propostas, deve ficar claro que elas devem servir para que os professores tenham pontos de reflexão e
análise de como a construção do conhecimento pode se processar no dia a dia escolar e não como uma
diretriz ou modelo. Seria um contrassenso querer que os professores adotem uma postura construtivista e
recebam a receita de como fazê-lo, principalmente em se tratando de arte, que prima pela criatividade.

A contradição ao apresentar uma proposta metodológica de artes é evidente, pois se prega que os
professores devem respeitar os conhecimentos prévios de seus alunos e, a partir dessa bagagem, construir
outros novos, mas não se dá a mesma oportunidade aos mestres para que formem suas próprias ideias sobre
o tema. Eles têm que colocar em prática, muitas vezes, propostas criadas por outros e impostas pela direção
de escolas ou por diretrizes mais gerais advindas de Secretarias de Educação.

Por outro lado, entende-se que qualquer que seja a opção do professor por uma estratégia de ensino, o
que ele deve ter em mente é que a aprendizagem é uma construção pessoal que se produz em função das
inter-relações significativas com o meio ambiente.

Para construir conhecimento, em princípio, o aluno precisa da presença de um professor crítico, criativo e
consciente dessa missão e, além disso, que funcione como guia, facilitador ou mediador, que seja paciente

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Arte

e que permita que o pensamento de quem aprende siga seu curso natural para converter os conhecimentos
em algo próprio. Principalmente, que não se empenhe em antecipar as respostas que ele, é claro, domina.

Outros termos que estão em debate no meio educacional brasileiro são o ensino por competência, o
desenvolvimento de habilidades e, em consequência, as inteligências múltiplas. Mas os significados deles
não são novos. Quando as propostas pedagógicas mais antigas pregavam que o aluno deveria aprender
os conteúdos e utilizá-los na vida cotidiana, estavam implícitas as habilidades e as competências, pois, há
muito tempo, um dos objetivos do ensino é propiciar mudanças que caracterizem desenvolvimento, seja ele
cognitivo, afetivo ou social.

Atualmente, competência em educação tem sido definida como a faculdade de mobilizar diversos recursos
cognitivos para enfrentar e solucionar uma série de situações ou problemas que o sujeito encontrará em sua
vida.

Hoje, mesmo as pessoas que desconhecem as teorias de aprendizagem sabem que não há condição
de se prever quais serão as circunstâncias que as crianças enfrentarão no futuro e, portanto, não se pode
“ensinar-lhes” a melhor maneira de agir. Isso é o contrário dos velhos tempos, em que cabia aos alunos e
também aos professores estudarem a matéria de ensino, que, uma vez aprendida, servia por décadas. Assim,
o desenvolvimento de habilidades e competências pode ser uma estratégia para que elas desenvolvam sua
criatividade e, dessa forma, possam encontrar as melhores opções para resolver os problemas e solucionar
as dificuldades que surgirem.

As atividades de experimentação, as vivências lúdicas e as vivências sensoriais são fundamentais no


processo construtivo porque possibilitam ao aluno ampliar seus conhecimentos e, com isso, criar pontes
significativas com outros conteúdos, desenvolvendo habilidades, competências e inteligências que lhes são
peculiares.

A interferência do ato de brincar ou jogar no desenvolvimento de habilidades dá-se justamente na riqueza


de estímulos que estão presentes nas propostas lúdicas. Ainda, se forem desenvolvidas num ambiente
qualificado, podem despertar a imaginação, desenvolver os sentidos, estimular a criatividade, a cooperação
e o senso estético, pois essas características estão presentes também nas artes.

Ao optar por uma prática metodológica que parta das vivências lúdicas, tem-se a chance de tornar as
aprendizagens significativas, pois, além de ser um terreno fértil para a construção do conhecimento em
artes, seu desenrolar repleto de desafios e motivações pode facilitar a capacidade de pensar e resolver
problemas. Acredita-se que é num ambiente desafiador que se pode gerar conflitos cognitivos que provoquem
o desenvolvimento e a aprendizagem significativa.

As habilidades e as competências em artes plásticas


Para trabalhar com a arte no enfoque da expressão, da apreciação e da reflexão, é fundamental que se
tenha uma visão ampla do ser humano, pois o objetivo do ensino é atingir o desenvolvimento integral do
aluno. Portanto, deve-se enfocar as atividades tendo em vista cinco dimensões básicas: o saber, o fazer, o

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Arte

ser, o conviver e o preservar, estando embutido nelas o desenvolvimento das habilidades e das competências
específicas para o ensino da arte.

Tão importantes quanto os conteúdos conceituais são as habilidades e competências, pois estas funcionam
como pré-requisitos para a construção do conhecimento.

Na dimensão do saber, está a capacidade de aprender a conhecer os conteúdos científicos, incluindo as


informações significativas para a vida do aprendiz. Portanto, é necessário que os alunos sejam capazes de
organizar informações por meio do uso de suas habilidades.

Na dimensão do fazer, é preciso aprender a desenvolver as habilidades de observar, perceber, raciocinar,


relacionar, julgar, criticar, justificar, discernir, localizar no espaço, ler imagens, apreciar, memorizar, prestar
atenção, concentrar-se, analisar, ter pensamento lógico, improvisar, brincar, criar, imaginar, rabiscar, desenhar,
pintar, manejar instrumentos de artes, pensar e resolver problemas.

Na dimensão ser, é indispensável aprender a se aceitar como pessoa, ter consciência de suas possibilidades
e limitações, estar preparado para enfrentar situações novas, aprender a administrar as emoções.

Na dimensão conviver, é essencial aprender a aceitar críticas, aceitar o outro, cooperar, compartilhar e
aprender a viver junto com os outros.

Na dimensão preservar, é necessário aprender a resgatar, preservar e difundir a cultura, envolvendo,


portanto, a arte, a vida e o meio ambiente. Essas são algumas das habilidades e/ou das competências
necessárias ao ensino da arte no processo educacional.

A formação de conceitos implica a organização de informações. É por isso que são fundamentais as
habilidades, pois facilitam ou fortalecem a compreensão e o julgamento do conteúdo estudado. O pensamento
conceitual envolve relacionar conceitos entre si a fim de formar princípios, critérios, argumentos e explicações.

A organização de informações que se constrói na consciência pode ser expressa por palavras e, nas artes,
por desenhos, pinturas, esculturas, enfim, por diversos meios de comunicação, desde que um conjunto de
informações seja relacionado entre si e que forme um sentido, um significado.

Ao pensar na palavra arte, por exemplo, o aluno precisa compreender o significado que ela expressa. Para
aprender o significado, precisa saber relacionar outras informações mais simples. Quando for capaz de dizer
o que ela é usando o seu repertório simbólico, é sinal de que foi capaz de perceber um conjunto de aspectos
de sua estrutura que, reunidos e interligados, deram a ideia do que constitui uma obra de arte. Nesse caso, o
aluno ficou de posse de um conjunto significativo de informações inter-relacionadas que ajudam a entender
quando alguém fala sobre arte ou quando se expressa por meio dela.

Assim, vão se formando conceitos artísticos a partir do fortalecimento das habilidades e das competências
específicas e da prática artística, fazendo as relações que se estabelecem entre a estrutura das artes plásticas
(ponto, linha, forma, cor, espaço), a organização dos elementos no espaço, a apreciação da obra e a reflexão.

70
Arte

Também se podem formar conceitos sem uma relação direta com a arte, mas é necessário que o aluno
tenha uma capacidade muito grande de abstração, sem a qual ele não constrói conhecimento, apenas um
conceito mecânico, com pouco valor para a mobilização. Quando o conceito é adquirido mecanicamente,
o aluno tem dificuldade para a mobilização de recursos cognitivos para esclarecer significados e explicar
determinado tema.

Todas as pessoas têm um repertório básico de habilidades que, se não forem estimuladas adequadamente
por um processo educacional propício, não se desenvolverão para além de si. Portanto, o ensino da arte
não visa apenas à aquisição das habilidades específicas, mas, principalmente, ao fortalecimento e ao
aperfeiçoamento delas, que resultam na construção do conhecimento.

A nova proposta do ensino da arte desde a infância está centrada em três focos: o fazer artístico, a
apreciação da obra de arte e a reflexão. O fazer artístico é a produção e a vivência artística propriamente
ditas. A percepção refere-se à vivência dos sentidos, reconhecendo, analisando e identificando a obra de arte
e o seu produtor, seja ele artista ou não. A reflexão é um repensar sobre a obra, compartilhando perguntas
que a criança faz e, dependendo do caso, também o professor desencadeia.

Aproximadamente aos três anos, a criança entra no mundo simbólico. Ela já pode criar e interpretar
símbolos usando a linguagem e a representação. Quando começa a substituir um objeto ausente por outro,
pode-se dizer que ela é capaz de assimilar a realidade e viver uma situação imaginária. Nesse caso, ela pode
realizar sonhos, revelar conflitos e se autoexpressar, reproduzindo diversos papéis, imitando situações da
vida real.

Aos cinco anos, a criança é capaz de experimentar sentimentos ao observar objetos simbólicos e, portanto,
a obra de arte. Nesse processo, pode perceber a diferença entre realidade e ilusão. A partir dos seis anos até
a idade adulta, pode transitar pelo mundo da arte e ir construindo o seu conhecimento artístico.

As exposições de artes são suportes para a criança ampliar suas próprias produções e exercitar seus olhos
para a compreensão de sua capacidade estética, pois o desenvolvimento da imaginação, da expressão e
da sensibilidade ocorre a partir do conhecimento que ela tem do que faz, do que percebe e do que sente.
Daí a importância do convívio com artistas, de idas a exposições e de visitas orientadas a museus e centros
culturais.

O lúdico e as artes plásticas


O brincar é uma característica vital do ser humano, pois se sabe que, independentemente de época,
cultura ou classe social, todas as pessoas do mundo um dia já brincaram, e ninguém esquece as atividades
realizadas, por mais que o tempo passe.

Será, então, que brincar é coisa de criança? Muitos autores têm afirmado que não e enfatizam que
esse ato está em todas as idades, apenas com trajetórias diferentes. Nessa linha de pensamento, pode-se
entender por que o adulto, quando se diverte, diz que virou criança. Certamente, naquele momento, sentiu
as mesmas emoções da infância.

71
Arte

Portanto, o brincar é uma característica humana que se manifesta por toda a existência. Mas, como sempre
teve uma conotação pejorativa, ao referir-se ao brincar, o adulto usa a terminologia jogar, para diferenciar
da atividade infantil. Na verdade, ambos representam a mesma satisfação, prazer, alegria e encantamento.

Com a associação do brincar à criança, os adultos distanciam-se do brinquedo e vão se acostumando com
a seriedade e a produtividade. Enquanto isso, as crianças brincam e, assim, vão cultivando a imaginação e a
criatividade. Nesse sentido, acredita-se que o cultivo do brincar possa ultrapassar a fronteira da infância. É
preciso buscar as formas e estratégias que acompanhem as características de cada idade, pois cada fase da
vida tem suas peculiaridades, e os jogos e brincadeiras precisam ser diferentes.

Atualmente, há uma tentativa de aproximar o lúdico à educação. As instituições já reconhecem que o


brinquedo é a essência da infância, que conota criança e que as crianças sempre brincaram, desde as épocas
mais antigas. Sabem, também, que com o brinquedo elas podem pensar, criar, simbolizar e aprender.

Então, pode-se questionar: por que os alunos maiores deveriam permanecer ouvintes passivos numa sala
de aula onde o professor os enche de informação? Por que as fábricas de brinquedos ainda não investiram
no jogo para adolescentes e adultos? Ou será que não produzem porque os professores não utilizam essa
ferramenta?

As respostas a essas questões ainda não são convincentes, mas é uma reflexão atual. Por outro lado, as
mudanças na educação serão lentas, mas ocorrerão ao longo das próximas gerações, e as crianças, que hoje
receberem estímulos por intermédio de um bom brinquedo, estarão mais preparadas para enfrentar essas
mudanças.

É nesse sentido que o brincar na escola tem sido discutido, em especial sobre como proporcionar uma
aprendizagem pela via do prazer, do afeto e do despertar das emoções que realmente resulte em uma
aprendizagem significativa para todos os alunos, independentemente da idade.

A aprendizagem, quando é significativa para o aprendiz, possui um grande valor e encerra uma enorme
possibilidade de ser duradoura. Acredita-se que, ao trabalhar com as artes plásticas, tendo como fio condutor
as atividades lúdicas na intervenção pedagógica, o trabalho escolar se reveste de sentido e significado, pois
arte e jogo estão centrados na mesma busca do novo, do simbolizar, do imaginar e do criar.

A educação pela via da ludicidade propõe-se a uma nova postura existencial cujo paradigma é um novo
sistema de aprender brincando, inspirado numa concepção de educação para além da instrução. Para que
isso ocorra, é preciso que os profissionais da educação reconheçam o real significado do lúdico para aplicá-lo
adequadamente, estabelecendo a relação entre o brincar e o aprender.

Já passou a época em que se separava a brincadeira das atividades sérias. Hoje, pode-se compreender o
jogo como uma atividade que se encaminha para a iniciação ao prazer estético, à descoberta da individualidade,
ao aprimoramento das relações interpessoais e à construção do conhecimento. Por outro lado, os jogos
ocasionais, distantes de uma programação que leve a uma aprendizagem significativa, têm pouco valor
educacional.

72
Arte

Portanto, para que o jogo possa desempenhar a função educativa, é necessário que seja pensado e
planejado dentro da sistematização do ensino. Por isso, é preciso que se saiba que todo jogo selecionado
pelo professor pode apresentar duas interpretações:

• A primeira está relacionada à apropriação da aprendizagem pela criança, à estimulação e à construção


de novos conhecimentos.

• A segunda está relacionada ao caráter lúdico, apenas.

Nesses dois casos, é importante fazer uma análise do que se quer no momento de oferecer atividades
lúdicas na escola, no intuito de priorizar uma ou outra forma. Para isso, o profissional de educação terá que
ter consciência de discernir o momento certo de brincar e jogar para aprender e o de brincar por brincar.

Além disso, o educador deve ter clareza ao empregar um jogo para que o objetivo proposto não seja
ineficaz e, ao mesmo tempo, insignificante para a criança. É importante saber diagnosticar até que ponto a
atividade preestabelecida pelo mediador está sendo proveitosa ou não no desenvolvimento do aprendiz, de
modo que interfira na sua aprendizagem.

Por outro lado, sabe-se que o indivíduo pode aprender mecanicamente e sem atribuir qualquer significado,
pois, se não fosse assim, a humanidade nada teria aprendido, uma vez que o ensino pela memorização da
informação prevaleceu por séculos. Assim, quando se pratica na escola o brincar por brincar, provavelmente
as crianças aprendem algo, contudo, não se tem clareza do quê, pois isso ocorrerá ao acaso.

Quando se diz que o lúdico é uma ciência nova que precisa ser estudada, é porque existe ainda muita
polêmica em relação ao brincar, e os educadores são orientados por teorias que preconizam apenas o
brincar livre. Com certeza, essa é uma atividade importante, e todas as crianças precisam ter tempo para
isso, pois é brincando que descobrem o mundo. Mas não se pode esquecer que a escola é um lugar onde a
aprendizagem precisa ser sistematizada e, para isso, o educador tem que ter clareza para usar estratégias
lúdicas que realmente promovam a construção do conhecimento. Caso contrário, ela desvirtua o ato de
ensinar e estará fazendo o papel de qualquer outra instituição, como o clube, o circo ou até mesmo a casa
dos amigos e a da vovó, onde as crianças se reúnem só para brincar.

Na verdade, o brincar pelo brincar é a prática mais utilizada na escola, pois, atualmente, o jogo ainda
é usado nos espaços menos nobres, em horários livres, no recreio, para descansar e logo após retomar as
atividades sérias. Desenvolvido dessa forma na escola, representa apenas modismo, pois, nesse caso, a
preocupação não se direciona para a qualidade do aprender brincando, mas para a quantidade de jogos
oferecidos.

Quando se defende a brincadeira sistematizada, parte-se de um outro referencial, em que a liberdade


está no ato de brincar organizado pelo educador e não no espontaneísmo da criança. Isso não significa que
ela não brinque livremente. A criança é livre, mas o educador não, pois ele deve organizar situações de
desafios que levem a determinados objetivos, entre os quais a liberdade, bem como situações onde esta não
é tão espontânea, pois o aluno está na escola para desenvolver todas as suas habilidades, competências e
inteligências e não apenas para ser livre.

73
Arte

Portanto, ter como foco metodológico as atividades lúdicas é entender que a educação não é apenas
uma questão racional. A emoção constitui-se numa ferramenta básica para adaptação do indivíduo com ele
mesmo, com o seu entorno e com a sociedade em geral, pois se sabe que o cérebro humano é composto
por dois hemisférios: o racional e o emocional. Um ambiente favorável gera prazer e incentiva a aproximação
entre as pessoas. Por outro lado, um mundo neutro, frio e racional gera indiferença.

Unindo arte e jogo

Associar brinquedo e arte não é, ainda, uma atitude frequente entre os educadores. Mas, para que exista
jogo, é preciso que um grupo da sociedade dê sentido e significado aos brinquedos, criando e produzindo
imagens. É só dessa maneira que ele pode ser produzido, distribuído e consumido. Assim, tanto o jogo
quanto a arte são produtores de imagens e carregam em seu contexto questões culturais, visto que ambos
têm implicações de ordem pessoal, social, educacional, psicológica, filosófica, mística, econômica e histórica.

Ao unir lúdico e arte no processo educativo, privilegia-se a afetividade, pois se acredita que as interações
afetivas ajudam mais a modificar as pessoas do que as informações repassadas mecanicamente. Essa ideia
coloca a ludicidade no centro do processo de desenvolvimento humano como uma necessidade e não mais
como apenas diversão. O desenvolvimento do aspecto lúdico facilita a aprendizagem, o desenvolvimento
intrapessoal e interpessoal, colabora com uma boa saúde mental, prepara para um estado interior fértil,
facilita o processo de socialização, comunicação, expressão e de construção do conhecimento.

As imagens e os símbolos nos brinquedos e nas artes

As imagens concretizam-se por meio de formas e cores que se combinam num espaço bi ou tridimensional,
seja ele concreto ou virtual. Os produtos portadores de imagem real ou virtual oferecem a possibilidade de
fazer relações em distintos níveis, seja na propaganda, nas artes ou nos brinquedos.

Portanto, conceber brinquedos é produzir imagens com significado. O significado maior destas está no seu
valor simbólico, que constitui o elemento mais significativo do brinquedo nessa perspectiva e seu poder de
estabelecer a proximidade e a simpatia da criança em relação ao objeto tridimensional.

O brinquedo em termos comerciais é uma indústria de imagem. É necessário que se tenha em mente
que a imagem dele não pode ser qualquer uma. Ela é manipulada pela criança numa atividade lúdica e deve
corresponder a uma lógica da brincadeira e do desejo. As meninas, quando brincam com a Barbie, têm o
desejo de serem iguais, assim como os meninos sonham com os super-heróis.

A Barbie é a boneca mais conhecida no mundo e passa uma imagem com códigos bem definidos que
desconhecem as fronteiras culturais. É um comportamento universal que a criança incorpora e tenta reproduzir.
Já a boneca de pano é diferente: ela produz uma imagem particularizada. Mesmo quando produzida em
série, sempre apresenta diferenças. Não é identificada por um nome, portanto, não gera uma indústria
de acessórios ao seu redor e não socializa comportamentos definidos. Sua identidade é constituída pela
imaginação da criança. A boneca de pano ganha vida na relação do sujeito e do objeto, é individualizada e
carrega imagens de localidades distintas.

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Arte

Figura 1.

Os pais compram as bonecas sem se darem conta do que as imagens provocam nas crianças. É importante
que se tenha a capacidade de lê-las, pois todos aprendem por meio das imagens veiculadas pela mídia, na
venda de produtos, ideias, slogans etc.

Cada pessoa tem uma relação com a imagem e o simbolismo que esta carrega. É preciso saber diferenciar
um brinquedo cuja imagem e simbolismo é percebido e preferido pelo adulto daquele que é preferido pela
criança. Na questão de gênero, por exemplo, o adulto compra bonecas, estojo de maquilagem, utensílios de
cozinha para meninas e carrinho e super-heróis para meninos. A imagem traduz um desejo, e o brinquedo
socializa desejos. Quando é a criança que escolhe os seus brinquedos, esses enfoques culturais deixam de
existir, ou pelo menos não são tão rígidos assim. É comum encontrar meninos que gostam de brincar de
bonecas e meninas, de carrinhos.

Quando a criança cresce, ela distancia-se da representação do mundo infantil. Pode ser ainda criança,
mas já sabe o que isso significa. Não é mais possível seduzi-la com determinados tipos de brinquedo. O
mais provável é que ela comece a buscar imagens do mundo adulto, por meio da beleza, da riqueza ou da
aventura.

Ao aprender a ler as imagens e decodificar a força que sua sedução provoca, principalmente nas crianças,
os pais e os educadores poderão assustar-se, pois há uma avalanche delas à procura de consumidores,
veiculadas a partir da internet, da televisão, das artes plásticas e dos brinquedos. As pessoas não estão
preparadas para decodificá-las e usá-las em prol de uma aprendizagem reflexiva.

É preciso buscar uma alfabetização visual para que as pessoas possam ler imagens e refletir sobre elas. A
escola que desconhece a importância disso está fora de seu tempo.

Brincar ou fazer arte significa ensinar a criança a lidar com imagens e símbolos. É no brincar que se pode ser
criativo, e é no criar que se brinca com imagens, símbolos e signos. O valor simbólico dos objetos predomina
nas artes plásticas, nas quais a imagem é o principal. É, exatamente, a valorização da imagem comum no
brinquedo que o faz aproximar-se da obra de arte, mostrando sua inquestionável riqueza simbólica.

Portinari, num de seus quadros, Meninos brincando, utiliza as cores e as formas para reproduzir a imagem
de crianças pobres com suas brincadeiras de rua. É uma realidade percebida e traduzida em imagem plástica.
Já na imagem de um ursinho de pelúcia, também as formas e cores estão presentes, mas nada têm a ver

75
Arte

com a realidade percebida, pois o urso é um animal selvagem e, no brinquedo, passa uma imagem diferente.
O ursinho representa um protetor bonachão das crianças, um objeto que simboliza carinho, amor e ternura.

A infância é, consequentemente, um momento de apropriação de imagens e de representações diversas


que transitam por diferentes canais. As suas fontes são muitas. O brinquedo e a arte são, com suas
especificidades, exemplos dessas fontes.

Não se pode dizer que arte e jogo (brinquedo) têm a mesma natureza. Ao admirar uma obra, o verdadeiro
papel do observador está no envolvimento, no prazer, na crítica e no desvendar a própria crítica. Na arte, não
há punição, regras rígidas e recompensas. No entanto, pode-se afirmar que existe uma direta relação entre
arte e jogo, pois em ambos há o encantamento, a permanente invenção, o sentido de vínculo, a organização
e a reorganização espontâneas de esquemas mentais.

A natureza descomprometida do brincar também se parece com a arte. A criança brincando e o artista
pintando são levados pelo mesmo envolvimento prazeroso, livre, imaginativo e criativo, fatores que se revelam
fundamentais para a inteligência humana.

O jogo e a arte são manifestações tão antigas quanto a cultura. Huizinga, um dos autores mais conceituados
na literatura sobre jogo, coloca que as tentativas de definição deste deixam de lado uma característica
principal: o seu caráter profundamente estético. As palavras usadas para defini-lo pertencem quase todas à
estética. Cita tensão, equilíbrio, compreensão, contraste, variação, solução, união, ritmo e harmonia como
elementos indispensáveis da estética e do jogo.

O elemento de tensão, observado na estética, desempenha no jogo um papel importante. Representa a


incerteza e o acaso que o leva ao seu término. É esse elemento de tensão para chegar à solução que está
presente na maioria dos jogos, sejam eles cooperativos, competitivos ou solitários.

Pode-se dizer que tanto o jogo quanto a arte são linguagens. Esta é definida como todo sistema de signos
que serve de meio de comunicação entre indivíduos e que pode ser percebido pelos diversos órgãos dos
sentidos. Signo, por sua vez, pode ser definido como algo que representa ou substitui alguma coisa, tendo
valor evocativo. Assim, pode-se dizer que também o jogo é uma linguagem.

Por intermédio da linguagem do brincar, as crianças comunicam-se e representam de forma inconsciente


a vida real e a vida imaginária. Isso se pode perceber nas brincadeiras simbólicas, por exemplo. Em toda
brincadeira, encontra-se um sistema de signos que os adultos precisam decifrar e compreender.

O brinquedo tanto pode ser um objeto tosco ou rústico como pode ser um produto elaborado. Pode-se
dizer, então, que ele é um objeto material (real ou virtual) em terceira dimensão que facilita o ato de brincar.
Na educação, o brinquedo é tão importante no brincar quanto os livros no estudar. Ambos dão oportunidade
à criança de aprender, resolver problemas, criar e simbolizar.

Por volta dos três anos de idade, a criança já tem a possibilidade de agir como se fosse outra pessoa ou
até fazer o mesmo com objetos inanimados. Ela faz de conta que é o pai, a mãe, o jornaleiro, o médico etc.
Da mesma forma, põe nas mãos um pedaço de papel e imediatamente faz seu aviãozinho funcionar. Essas
atividades são próprias dos pré-escolares e significam que eles já são capazes de simbolizar, isto é, são

76
Arte

capazes de representar um objeto ausente. Aos poucos, o faz de conta vai dando lugar ao jogo de regras,
no qual o grande interesse passa a ser mais social. O simbolismo e as regras do jogo são importantes para
a representação artística.

O valor afetivo das imagens do brinquedo tem um significado social. Essa qualidade socializante permite à
criança desenvolver sua personalidade por meio do simbolismo, da imitação, das sensações e das emoções.
A boneca bebê, por exemplo, desperta na criança todo o conjunto de atos ligados à maternagem, como
carinho, banho, troca de roupa etc.

Porém, quando se observa o brinquedo isoladamente, percebe-se que não existe nele uma função específica
de maternagem. Há, apenas, uma representação simbólica no brinquedo que convida, magicamente, a
essas atividades. As ações que a criança realiza com a boneca bebê são resultado das vivências cotidianas
de seu mundo, isto é, são referências do meio social que o imaginário infantil capta e traduz na forma de
brincadeiras com sentido e significados.

Figura 2.

A experimentação, a criação, a atividade lúdica e imaginativa que sempre estão presentes nas brincadeiras,
no brinquedo e no jogo são também os elementos básicos das aulas de arte. Assim, o jogo e o brinquedo
nos programas de artes são importantes. O ato de brincar da criança é dotado de ritmo e harmonia, e esses
elementos pertencem à percepção estética. Não é difícil, então, compreender os laços teóricos e práticos que
unem jogo e beleza e, portanto, jogo e arte.

Nesse sentido, os pais e os educadores não deveriam comprar brinquedos pela aparência, pela mídia ou
pelo preço, mas ler as informações da embalagem e conferir o conteúdo antes.

O criador de brinquedos é o intérprete das necessidades, da curiosidade, dos interesses dos usuários,
sejam eles crianças, adolescentes, e mesmo adultos que gostem de jogar. Eles (designers) sabem ler
imagens e como atingir o consumidor. Imaginação, inteligência, motivação, criatividade e persistência são
características bem próprias de quem se decide pelo desenho de brinquedos e jogos. Criar um brinquedo é,
portanto, um grande quebra-cabeça e um meio de utilização de imagens, símbolos e signos tão importantes
quanto são na arte.

77
Arte

A imagem virtual e a arte


Os meios de comunicação e de processamento de informações têm produzido um impacto de grande
relevância na sociedade. Os computadores, entendidos como produtos sociais inteligentes, interligados a
redes, podem utilizar a linguagem de tal forma sofisticada que imagens, signos e códigos se mesclam, se
fundem, se dividem ou se multiplicam com uma velocidade nunca vista, gerando novas formas de interação
entre as pessoas em tempo real, seja por meio dos bancos de dados, dos sites com assuntos distintos, das
trocas de mensagens por correio eletrônico, dos chats ou da criação de novos produtos de multimídia ou
hipermídia. Com a inclusão digital, o espaço e o tempo real desestruturaram-se tanto que não é mais possível
descrevê-los por antigos conceitos.

Essa simbiose produzida pelos avanços tecnológicos prevê uma sociedade sem distância e vislumbra um
universo abstrato com informações virtuais de todo tipo. Até a moeda corrente utilizada para comprar o pão
de cada dia já se tornou, para muitos, virtual, permitindo comprar, vender, pagar e receber sem sair de casa
e sem a utilização da moeda real.

Se a produção tecnológica está presente na sociedade por meio de uma linguagem virtual, está,
consequentemente, também nas artes plásticas, pois a formação da imagem informatizada pode ser entendida
como um produto da cultura de abrangência universal. O artista, por meio de imagens, de sua sensibilidade
e da criatividade, tem por missão decifrar os enigmas culturais e transformar em obras que refletem os
problemas do mundo. Hoje, isso pode ser feito por meio de uma linguagem digitalizada e pode ser colocado
instantaneamente à disposição de usuários de todo planeta.

Buscando a origem da imagem virtual, encontra-se o espelho como o mais antigo produto capaz de
reproduzi-la, pois ele permite repetir o real num sentido ilusório e, como numa mágica, faz aparecer e
desaparecer instantaneamente qualquer coisa colocada a sua frente.

As estratégias artísticas de criação de imagens visuais e as tentativas de síntese unificadora por


espelhamento, analogia ou fusão permitem produzir novas imagens, resultando numa nova síntese. É uma
nova maneira de trabalho que pode modificar, criar e recriar a arte, surgindo uma nova relação imagem x
linguagem x criação.

Assim, a imagem virtual na arte permite transitar por diferentes caminhos, utilizando representações
sensíveis que comunicam significados. O manuseio de imagens via computador permite releitura, modificação,
fusão, divisibilidade e recriação da arte. Não se trata de simples cópia, mas de novos desafios, que levam a
novos traçados, novas formas, cores e marcas que podem ser pura criação ou recriação.

Hoje, é possível em pouco tempo criar uma obra de arte digitalizada, apreciar outras, buscar as informações
necessárias para refletir sobre a arte do passado e do presente e prever as do futuro. Essas possibilidades
representam um salto qualitativo na produção e no ensino das artes, uma vez que o ato criativo e a produção
de imagens são facilitados pela máquina inteligente, que ajuda a conhecer, fazer, criticar, duplicar, seriar,
acoplar, fundir, mesclar, mudar cor e forma, expandir e diminuir tamanhos, num processo ativo e interativo.

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Arte

Apesar de tantas mudanças, a escola ainda continua como se nada acontecesse em seu entorno. A
questão da inclusão digital é, para a maioria da população escolar, ainda um sonho que só pode se tornar
realidade quando forem resolvidos outros problemas mais simples do ensino. Contudo, as escolas e os
professores deveriam ser capacitados para garantir o acesso de indivíduos de todas as idades à informação e
ao conhecimento deste tempo, formando interlocutores competentes para a participação em todos os setores
da vida.

É urgente um repensar do papel da escola frente às novas possibilidades que hoje se impõem ao mundo
do conhecimento e da cultura. As novas formas de relação social e os novos hábitos culturais estão a exigir
mudanças na forma de ensinar as crianças e os jovens, pois eles estão sendo criados num mundo de
realidade virtual e educados em outro indiferente às transformações culturais.

Os jogos tradicionais e a arte


Atualmente, percebe-se em todo o mundo uma preocupação com o resgate do brincar como patrimônio
lúdico-cultural da humanidade. Ao lado dessa tendência, também se percebe uma crescente valorização das
brincadeiras tradicionais como forma de conhecimento dos grupos sociais e das diversidades culturais dos
povos.

A origem dos jogos tradicionais é desconhecida, pois eles só começaram a ser estudados após um longo
período de práticas populares. Em vista disso, seus criadores são, muitas vezes, anônimos. Sabe-se, apenas,
que essas práticas provêm do cotidiano lúdico dos povos. A expressão e a força delas explicam a sua
transmissão entre as gerações e a sua continuidade, o que lhes confere o caráter de universalidade.

A educação poderia ser o mais eficiente caminho para estimular a consciência cultural do indivíduo,
resgatando os valores pela utilização dos jogos e das brincadeiras tradicionais, que unem educação, cultura
e ludicidade.

A mídia, hoje, estimula a compra de brinquedos industrializados. O adulto é atingido e também o pequeno
consumidor. Em consequência, os brinquedos tradicionais perdem-se no tempo. Cabe, talvez, ao educador
rever sua postura em relação ao lúdico e mostrar aos pais a importância de tais jogos para o desenvolvimento
de uma gama de possibilidades de desenvolvimento e aprendizagem.

Ao observar em detalhe o jogo da criança de hoje, em comparação aos jogos infantis do século passado,
constata-se que existem, obviamente, grandes diferenças. Os brinquedos modernos mudaram, sem dúvida,
a brincadeira infantil. A falta de espaço e a insegurança das ruas também são fatores que modificaram
algumas delas.

Os jogos e os brinquedos antigos são importantíssimos na preservação da cultura, mas, em razão da


ênfase dada ao brincar na atualidade, esse tipo tende a ressurgir na educação de forma (res)significada, não
apenas como elemento simples de resgate da cultura, mas transformando-se numa ferramenta pedagógica
para a construção do conhecimento.

Considerando as correntes pedagógicas atuais que se vêm processando no Brasil, o correto enquadramento
pedagógico dos jogos tradicionais infantis (res)significados permite a mobilização de forma integrada e

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Arte

equilibrada de conhecimentos, capacidades, habilidades e atitudes, nos mais diversos tipos de situações.
Também, por meio deles, é possível desenvolver aspectos tão importantes como cooperação, espírito de
grupo, respeito pelos outros, à vida, à arte e à cultura.

No entanto, os educadores têm salientado a dificuldade em implementar os jogos no espaço escolar. Por
mais que se procure as causas da falta de uma prática lúdica nas escolas, a problemática recai quase sempre
na formação do educador, pois as agências formadoras de recursos humanos ainda não estão devidamente
estruturadas para promover uma prática lúdica eficiente.

A prática lúdica entendida como o ato de brincar das crianças permite um mergulho na cultura e na sua
trajetória ao longo dos tempos, acumulando informações. Esse processo cíclico, retratado em cada ação e
em cada jogo, permite conhecer um pouco da evolução dos povos. Portanto, entender o brincar das crianças
no cenário das civilizações é conhecer um pouco da cultura.

No ensino das artes plásticas é muito importante resgatar as brincadeiras tradicionais e, em especial, o
caleidoscópio, por permitir o acordar da imaginação; o cata-vento, que trabalha as cores e suas misturas; o
tangram, que lida com a forma e suas engrenagens de recriação; e o baralho, que possibilita a mobilização
de diversos esquemas mentais.

Conhecendo o caleidoscópio

Figura 3.

O caleidoscópio constitui-se em um dos mais antigos e lúdicos artefatos, além de ser um dos primeiros
experimentos da física. Foi inventado na Inglaterra por volta de 1800 e rapidamente despertou a admiração
universal. Em alguns escritos, podem-se encontrar afirmações de que já era conhecido no século XVII.
Conta-se que, na época, um rico francês adquiriu um deles por 20 mil francos. Era feito com pérolas e gemas
preciosas ao invés de pedaços de vidro.

A palavra caleidoscópio vem do grego, com a união de três palavras: kalos (que significa belo), eidos (que
significa imagem) e scopéo (que significa ver). Portanto, quer dizer: vejo belas imagens. Realmente, pode-se
afirmar que esse instrumento merece o nome que tem.

80
Arte

O caleidoscópio é, basicamente, um tubo cilíndrico, cujo fundo é de vidro opaco e em cujo interior
são colocados alguns fragmentos de vidro, pequenos objetos coloridos e três espelhos dispostos na forma
triangular. Ao observar diante da luz, assistem-se imagens infinitas. De fato, os pequenos objetos coloridos,
com o reflexo dos espelhos, multiplicam-se e mudam de lugar a cada movimento, dando lugar a numerosos
desenhos simétricos e sempre diferentes. É um espetáculo que vai muito além da surpresa e da diversão.

Hoje, o caleidoscópio é um dos exemplos de criação de imagem virtual, pois o espelhamento cria a ilusão
de diferentes agrupamentos de formas e cores que se misturam e se recriam constantemente. Usá-lo na
educação é oferecer aos alunos uma infinidade de imagens bonitas que os preparam para uma educação
estética, iniciando pela observação, imaginação e curiosidade que esse brinquedo oferece.

As pessoas admiram-se com a enorme quantidade de figuras diferentes que se apresentam ao rodar um
caleidoscópio. Não se pode prever a quantidade de formas que, no manejo de tão simples brinquedo, se
consegue. Assim, o caleidoscópio produz, com frequência, desenhos singularmente belos, que podem servir
para um bom passatempo, para o estudo de formas, para aguçar a imaginação e para servir de motivação na
criação de artes em geral. Atualmente, carece de maior divulgação junto às novas gerações, principalmente
em escolas, onde o seu uso é restrito ao ensino de ciências no estudo da refração da luz.

O caleidoscópio, nas mãos de crianças, transforma-se num brinquedo e pode ser também um excelente
instrumento pedagógico. Para elas, possibilita desafiar a curiosidade, o espírito científico e a imaginação. Para
os adolescentes e adultos, é um instrumento ótico inspirador de artistas, arquitetos e decoradores. Ao ser
introduzido na escola, esse passatempo deve provocar a investigação por meio dos desafios que o educador
pode gerar, além de proporcionar prazer, diversão e descoberta.

Conhecendo o cata-vento

Figura 4.

Vento, na definição clássica, é o ar em movimento. O deslocamento é causado pelo aquecimento desigual


da Terra. Da diferença de temperatura nas várias regiões do planeta, nascem as correntes de ar.

81
Arte

O trabalho escolar com o cata-vento pode ser desenvolvido em diferentes níveis e séries de ensino, pois ele
pode ser aproveitado para ensinar os conceitos básicos de energia eólica e suas utilidades no bombeamento
de água ou na moagem de grãos. O tema pode ser ampliado para questões ligadas ao meio ambiente (um
dos temas transversais), com discussões sobre o uso de fontes de energia.

Um cata-vento mais sofisticado mede a velocidade e a direção dos ventos. Mas, para crianças, essa
brincadeira pode alertar para a existência dos fenômenos da natureza e, com certeza, alegra, diverte e
permite ver a fusão das cores que, no intenso movimento de rotação, se misturam, se fundem e desaparecem,
ficando apenas o branco.

Existem muitos modelos de cata-vento que podem servir para o trabalho escolar. Esse apresentado na
figura 4 é o mais comum, feito em papel. É só deixar o vento soprar, que então ele gira, gira, gira... O que
acontece com essa experiência pode ser visto na alegria de cada rosto infantil.

Conhecendo o tangram

Não se conhece ao certo a origem do tangram. Acredita-se que surgiu na China há mais de mil anos.
Seu nome está associado à quantidade de formas que o compõem e à quantidade de figuras que se pode
conseguir com sua manipulação. Por isso, é também chamado de tábua das sete sabedorias ou tábua das
sete inteligências.

Sua história está ligada a uma lenda, que conta que um monge deu a seu discípulo um rolo de papel, um
quadrado de porcelana e um pincel e disse: “Viaja pelo mundo anotando tudo de belo que vires e depois
conversaremos”. A emoção da tarefa fez com que o rapaz deixasse cair o quadrado de porcelana, que se
quebrou em sete partes. Essas partes deram origem ao jogo.

Portanto, a figura do tangram é um quadrado composto por sete formas geométricas simples, a partir das
quais se consegue criar infinitas figuras. As sete peças no seu conjunto assim se configuram:

Figura 5.

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Segundo a lenda, foi na tentativa de montar novamente o quadrado que foram surgindo figuras diferentes
e, então, o rapaz percebeu que não era preciso viajar para descobrir o mundo. A lenda atravessou diversos
países e, hoje, o tangram é um quebra-cabeça conhecido e utilizado no mundo inteiro. Nas escolas, a
brincadeira possibilita criar formas de figuras humanas, animais e abstratas. Quanto mais se pratica o jogo,
mais formas aparecem.

No Brasil, o tangram é utilizado em todos os níveis do ensino e, mais especificamente, entre os professores
do ensino de artes, geometria e matemática. A simplicidade e a capacidade que o jogo tem de representar
uma grande variedade de objetos são o que o torna atraente, mas, ao mesmo tempo, a dificuldade em
resolver cada questão talvez explique um pouco a mística dele.

Conhecendo o jogo de baralho ou jogo de cartas

A verdadeira origem do jogo de baralho ou jogo de cartas ainda é desconhecida, como a da maioria dos
jogos tradicionais, mas encontram-se na literatura inferências de que foi na China, por volta do século X
a.C., que surgiu o primeiro baralho. Também há referência de que veio da Índia. O certo é que ele chegou
à Europa já com as cartas numeradas e divididas em naipes. A partir do século XVI, popularizou-se nesse
continente e, obviamente, tornou-se conhecido no mundo inteiro, atingindo todas as camadas da população
com diferentes propósitos.

O grande atrativo do jogo de baralho é a sua adaptabilidade e versatilidade. Seu uso vai desde os jogos
infantis mais simples, como “rouba monte”, “burro” e “mico”, até os jogos de adultos de extrema dificuldade,
atingindo a complexidade dos desafios mentais.

O baralho, tradicionalmente conhecido, é composto de 52 cartas retangulares. Estas são divididas em


quatro naipes denominados como paus, espadas, ouro e copas, cujos valores vão de um a dez e, na sequência,
aparecem as cartas figuras, identificadas pelas letras V, Q, K e A, significando valete, dama, rei e ás. O ás
também faz a vez do 1.

A combinação dessas cartas, normalmente em sequências, trios ou pares, cria as mais diferentes
possibilidades de jogos. Alguns jogos permitem ainda o uso do “coringa”, uma carta sem valor fixo, que pode
substituir qualquer outra. No Brasil, o baralho mais conhecido tem a forma e os naipes nas cores vermelha e
preta, como mostra a figura a seguir:

Figura 6.

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O baralho tem inúmeras funções e objetivos, pois com ele a cigana prevê o futuro, o mágico faz seu
espetáculo, o psicólogo aplica testes, e o educador ensina. Também o baralho tradicional tem se prestado a
diferentes adaptações, tendo em vista que o jogo passa a desencadear uma série de alternativas educacionais.

Adaptação do baralho tradicional para o ensino de artes

A partir das diferentes possibilidades do jogo de cartas, que, de uma forma ou de outra, atingem muitas
crianças e adolescentes, pensou-se em adaptar essa modalidade para o ensino das artes plásticas, fazendo
a substituição dos naipes por obras e seus respectivos autores, isto é, substituindo cada uma das séries de
cartas em que se divide o baralho por obras de grandes artistas. Com essa substituição, ainda se pode jogar
quase todos os jogos do baralho tradicional.

O mais importante é que, na escola, além do desenvolvimento das habilidades mentais que o jogo de
cartas proporciona, pode-se trabalhar a preservação e a difusão da cultura pelo manuseio das obras de arte,
tomando-as parte integrante do cotidiano dos alunos.

O novo “baralho artístico” é composto de dois conjuntos de 42 cartas. Cada conjunto apresenta como
naipes obras de quatro artistas, sendo dez de cada um, e dois coringas. No total, são 84 cartas, que
possibilitam uma variedade de jogos adaptados às diferentes fases do desenvolvimento da criança.

Isto é, o baralho artístico pode ser utilizado desde a pré-escola, com jogos de memória, burro e mico, até
a educação básica e o ensino médio, quando se praticam jogos mais complexos como mexe-mexe, pif-paf,
golf e 101, entre outras modalidades. Ao trabalhar com esse tipo de baralho, os professores também podem
criar as mais diferentes atividades escolares.

Para a confecção do “baralho artístico”, foram escolhidas as obras de Paul Gauguin, Tarsila do Amaral,
Vincent van Gogh e Paul Cézanne. Poderiam ser outros artistas e, consequentemente, outras obras que
serviriam de naipes às cartas. O que importa é que, com o baralho nas mãos, os alunos possam familiarizar-
se com elas. O formato é semelhante a qualquer baralho, como pode ser visto a seguir:

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Figura 7.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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COUTINHO, Vanessa. Arteterapia com crianças. Rio de Janeiro: Wak, 2007.

PAÍN, Sara. Teorias e técnicas da arte-terapia: a compreensão do sujeito. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1996.

SANTOS, Santa Marli Pires dos. As artes plásticas na educação: um breve histórico. In: ________.
Educação, arte e jogo. Petrópolis: Vozes, 2006. P. 11-46.

URRUTIGARAY, Maria Cristina. Arteterapia: a transformação pessoal pelas imagens. Rio de Janeiro:
Wak, 2003.

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