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ANÁLISES DE FLUXOS DE DETRITOS NA REGIÃO SERRANA DO RIO DE

JANEIRO, BRASIL

ANALYSIS OF DEBRIS FLOWS IN THE MOUNTAINOUS REGION OF RIO DE


JANEIRO, BRAZIL

Pelizoni, Andrea B.; MACCAFERRI, Rio de Janeiro, Brasil, andrea.pelizoni@maccaferri.com.br


Nunes, Anna Laura L. S.; COPPE-UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil, alaura@coc.ufrj.br

RESUMO

Os fluxos de detritos são movimentos de massa catastróficos, em função da rapidez, energia e volume
envolvidos. No Brasil e em diversas regiões do mundo os prejuízos provocados por este movimento têm
sido significativos, com expressivas perdas econômicas e fatalidades. Métodos empíricos e analíticos têm
sido desenvolvidos, visando estimar os principais parâmetros de fluxo de detritos, que possam ser usados
para desenvolver medidas de mitigação e convivência em áreas susceptíveis. Este trabalho apresenta os
resultados das análises de dois eventos de fluxos de detritos ocorridos em janeiro de 2011 na Região
Serrana do Rio de Janeiro. Os casos de estudo foram avaliados por meio de relações empiricas e análises
numéricas com o programa DAN3D. Os resultados obtidos foram comparados com as características reais
dos dois eventos, indicando valores consistentes, que corroboram o emprego destas ferramentas para
análises de áreas de risco e projetos de estruturas de convivência e mitigação de fluxo de detritos.

ABSTRACT

Debris flows are catastrophic mass movements of high speed, power and volume. In Brazil and others
regions of the world the damages induced by these movements have been substantial, with high economic
losses and casualties. Empirical and analytical methods are used to estimate the debris flow basic
parameters, for designing mitigation actions in susceptible areas. This paper presents the results of two
destructive debris flows in the mountainous region of Rio de Janeiro in January 2011. The case studies
were evaluated by empirical relations and numerical analysis with the DAN3D software. The results were
compared with the observed characteristics of the two events in the field, indicating consistent values,
which support the employment of these tools for of risk analyses and stabilization structures.

1- INTRODUÇÃO

Os movimentos de massa conhecidos com fluxo de detritos (Debris Flow) representam um dos fenômenos
naturais mais catastróficos no mundo. Os fluxos de detritos são movimentos muito rápidos, de difícil
previsão e, na maioria dos casos, ocorrem de forma repentina, atingindo elevadas velocidades, grandes
volumes e imenso potencial destrutivo, devido às altas energias desenvolvidas durante o movimento. Estes
movimentos ocorrem geralmente em áreas de topografia acidentada, talvegues naturais ou artificiais,
deflagrados por fatores naturais ou, em muitos casos, pela ação do homem.

Em função da necessidade de se prevenir e conviver com este tipo de movimento, métodos empíricos e
analíticos têm sido desenvolvidos, baseados em observações e registros de dados coletados de eventos
ocorridos. Os métodos visam à determinação das características dos fluxos de detritos, capazes de subsidiar
a seleção e/ou dimensionamento de medidas de mitigação e convivência para diminuição dos danos
causados por eventos desta natureza.

Além dos métodos empíricos, existem programas de análises numéricas 2D e 3D, capazes de simular e
representar os fluxos de detritos. Destaca-se o programa tridimensional DAN3D, desenvolvido por
McDougall & Hungr (2004, 2005) na University of British Columbia, Vancouver, Canada.

Neste trabalho serão analisados dois casos de debris flow importantes, ocorridos na turística Região Serrana
do Rio de Janeiro, conhecidos como fluxo de detritos Caleme (Teresópolis) e Córrego D’Antas (Nova
Friburgo). Os movimentos foram deflagrados durante um período de intensos temporais entre a noite de
11 e 12 de janeiro de 2011, que contabilizaram 297mm de chuva em 6 horas. Entre os municípios mais
afetados na região encontram-se Nova Friburgo, Petrópolis, Teresópolis, Bom Jardim, São José do Vale do
Rio Preto e Sumidouro, com mais de 970 mortes oficiais e mais de 20.000 pessoas desabrigadas (Nunes
et al, 2013). Os dois eventos de fluxos de detritos foram analisados por meio de métodos empíricos e
simulações numéricas, a fim de obter valores dos principais parâmetros característicos dos dois fluxos de
detritos, dentre eles volume, vazão de pico, velocidade e área de deposição. Este artigo apresenta os
resultados obtidos empírica e numericamente e os compara com os valores medidos e estimados nas áreas
afetadas pelos eventos Caleme e Córrego D’Antas.
2- MÉTODOS DE ANÁLISES DE FLUXOS DE DETRITOS

A avaliação dos parâmetros de fluxos de detritos é fundamental para se desenvolver medidas preventivas,
de convivência e mitigação destes movimentos de massas, considerados os mais destrutivos. A
determinação das características básicas é complexa e imprecisa em função do tipo do movimento rápido,
súbito, com energia elevada e grande alcance. A ausência de informações e/ou registros de eventos, devido
à dificuldade/impossibilidade de monitoramento do movimento, ainda contribui na complexidade de
quantificação de parâmetros.

Diversos métodos de análises de fluxos de detritos têm sido propostos: métodos empíricos, analíticos e
numéricos. As principais variáveis envolvidas são intensidade, capacidade de destruição e distância máxima
atingida. Hungr (2005) apresenta as principais características dos métodos de análise (Quadro 1).

Quadro 1. Métodos de Análises de Fluxos de Detritos


Dimensão Tipo de método Inputs Outputs

Métodos empíricos - Estimativa do volume


- Distância máxima
- Heurístico - Seção topográfica
- Área de deposição
- Ângulo de viagem - Interpretação de imagem
- Profundidade do fluxo
- Massa variável - Estudos geomorfológicos

- Parâmetros reológicos - Distância máxima


1D Métodos analíticos
- Seção topográfica - Velocidade

- Distância máxima
- Parâmetros reológicos
- Velocidade
Métodos numéricos - Seção topográfica
- Pressões de impacto
- Volume
- Profundidade do fluxo

- Probabilidade da partícula ser


Métodos de fluxo - DEM afetada pelo fluxo
canalizado Digital Elevation Image - Trajetórias do fluxo e extensão
dos depósitos
2D
- Extensão do depósito
- DEM
- Velocidade
Métodos numéricos - Parâmetros reológicos
- Profundidade do fluxo
- Volume
- Pressões de impacto

Na sua grande maioria, os métodos empíricos são baseados na análise estatística de dados obtidos da
observação e avaliação de eventos ocorridos. Muitas formulações apresentadas na literatura relacionam
vários índices e parâmetros que caracterizam os fluxos de detritos.

As relações empíricas adotadas para avaliação dos casos de estudo deste trabalho encontram-se resumidas
no Quadro 2. Estas relações foram propostas por diversos autores, baseadas em correlações de dados,
resultados de observações de eventos reais ou simulados, destacando-se as propostas brasileiras de
Polanco (2010) e Motta (2014).

Os métodos analíticos procuram modelar movimentos de massa fazendo uso das leis da física e dinâmica
dos sólidos e dos fluidos. A maioria dos modelos analíticos são resolvidos numericamente, por meio de
diferenças finitas e elementos finitos. Contrastando com os métodos empíricos, os métodos analíticos e
numéricos são baseados em mecanismos que envolvem análises probabilísticas.

Diversos programas numéricos baseados na dinâmica dos meios contínuos para análises de fluxos de
detritos (Debris Flow) ou avalanche de detritos (Debris Avalanche) têm sido elaborados, visando as análises
do movimento em função do tempo e tentando garantir a qualidades da reprodução dos fenômenos reais
e a sua possível previsão.

Os programas numéricos mais utilizados são FLO-2D, DAN-W e RAMMS 3D, disponíveis comercialmente. O
DAN3D é um programa em três dimensões, que corresponde a uma versão atualizada do modelo DAN-W,
desenvolvida para pesquisas e, muito recentemente, disponibilizada no mercado. O modelo desenvolvido
por McDougall & Hungr (2004) é baseado na solução Lagrangeana e considera fluxos não uniformes,
variados e com trajetória em canais fechado e aberto.
Quadro 2 - Relações empíricas para parâmetros de fluxos de detritos esquerda

Parâmetro Referência Equação

Iverson (1998) 𝐵𝐵 = 200 · (𝑉𝑉)2/3

Área Plana (m²) Polanco (2010) 𝐵𝐵 = 7 · (𝑉𝑉)0,66


Motta (2014) 𝐵𝐵 = 24,37 · (𝑉𝑉)/0,77

Polanco (2010) 𝐿𝐿
𝑉𝑉 = 252,84 · ( )4,72
H
Takahashi (1991) 𝑉𝑉 = (665 · 𝑞𝑞𝑞𝑞)0,85
𝐿𝐿
𝑉𝑉 = ( )1/0,16
Volume (m3) Rickenmann (1999) 1,19 · 𝐻𝐻 0,83

Gramani (2001) 𝐿𝐿𝐿𝐿1,87 1/0,105


𝑉𝑉 = ( )
𝐻𝐻
𝐿𝐿 1/0,37 1
Motta (2014) 𝑉𝑉 = ( ) ∙
2,72 H

Mizuyama et al(1992) 𝑄𝑄 = 0,135 · 𝑀𝑀0,78


Bovis&Jakob (1999) 𝑄𝑄 = 0,4 · 𝑀𝑀 0,90

Vazão de Pico (m3/m) Polanco (2010) 𝑄𝑄 = 0,0309 · 𝑉𝑉 0,8279


Rickenmann (1999) 𝑄𝑄 = 0,1 · 𝑀𝑀 0,83

Motta (2014) 𝑞𝑞𝑡𝑡 = 0,29 · 𝑉𝑉 0,51

Rickenmann (1999) 𝑉𝑉 = 2,1 · 𝑄𝑄0,33 · 𝑆𝑆 0,33


Kherkheulidze (1975) 𝑉𝑉 = 5,8 · 𝑦𝑦 0,55 · 𝑆𝑆 ·0,33
Velocidade (m/s)
Zhang et al (1985) 𝑉𝑉 = 21 · 𝐻𝐻 0,48 · 𝑆𝑆 0,5
Sibnuy (1966) 𝑉𝑉 = 5,15 · 𝑦𝑦 0,67 · 𝑆𝑆 0,25

Rickenmann (1999) 𝐿𝐿𝐿𝐿𝐿𝐿𝐿𝐿 = 1,9𝑉𝑉 0,16 ∙ 𝐻𝐻 0,83


𝐻𝐻
Hungr et al (2005) 𝐿𝐿 =
𝑡𝑡𝑡𝑡𝑡𝑡𝑡𝑡
Distância total percorrida (m)
𝐿𝐿𝐿𝐿𝐿𝐿𝐿𝐿 = 106,61 · 𝑉𝑉 0,2591
Polanco (2010)
𝐻𝐻 1/0,69
Motta (2014) 𝐿𝐿 = � �
3,55

Rickenmann (1999) 𝐿𝐿 = 15 · 𝑉𝑉 1/3


Distância de deposição (m) Lorent et al (2003) 𝐿𝐿 = 7,13 ∙ (𝑉𝑉𝑉𝑉)0,271
Crosta (2001) 𝐿𝐿 = 7 · 𝑀𝑀1/3

ρmax=a∙ 𝜌𝜌MU ∙ v2
Hübl (2009)
Forças de impacto (N) ρmax=5·𝜌𝜌MU · 𝑉𝑉 0,8 · 𝑉𝑉 · (𝑔𝑔𝑔𝑔)0,6
Hungr (1984)
𝐹𝐹 = 𝜌𝜌 ∙ 𝐴𝐴 ∙ 𝑉𝑉 2 ∙ 𝑠𝑠𝑠𝑠𝑠𝑠𝑠𝑠

B: área plana de deposição (m²); M/V: volume (m³); Q/qt: descarga de pico (m³/s) v: velocidade
média do fluxo (m/s); Lmax: distância máxima do fluxo (m); L:distância de deposição (m); ρmax:
força máxima de impacto (N); F:Força de impacto (N); S/α: Inclinação do canal do fluxo (°); H:
altura do movimento (m) y: altura média do fluxo (m); g: gravidade; a: 3-5 (ZHANG, 1993); A:
área transversal do fluxo; β:ângulo da força do fluxo em relação à face da estrutura; ρ/ρMU: densi-
dade do fluxo.

O método numérico para resolução das equações de quantidade de movimento e conservação de massa é
o SPH (Smoothed Particle Hydrodynamics). Neste método, o volume total da massa em fluxo é dividido em
elementos conhecidos como smooth particles. Considera-se que cada partícula possui volume finito, sendo
influenciada por suas partículas vizinhas. Este modelo considera três reologias do material: atrito, atrito e
turbulência, e viscosidade, permitindo variar o tipo de material e seu modelo constitutivo durante a
trajetória do movimento simulada. O DAN3D é o programa selecionado para as análises dos casos de estudo
deste artigo.
3- CASOS DE ESTUDO

Foram avaliados dois casos de fluxos de detritos, ambos localizados na Região Serrana do Rio de Janeiro,
região de geomorfologia muito acidentada com ocupação irregular das encostas e sujeita a intensas chuvas
tropicais durante os meses de verão, as quais são o principal agente deflagrador dos movimentos de massa
na área.

3.1 - Fluxo de Detritos Córrego D’Antas

O fluxo de detritos de Córrego D’Antas ocorreu na encosta do Morro Duas Pedras, localizado no Bairro
Córrego D´Antas. A área do evento está entre as coordenadas UTM Leste 753.540 e 752540 e Norte
7.537.159 e 7.536.160m. A Figura 1 apresenta a área do Córrego D’Antas antes e depois do evento de
fluxo de detritos. Nota-se a trajetória do movimento pela cicatriz deixada na escarpa rochosa, de coloração
esbranquiçada na área de impacto do material mobilizado desde o topo da encosta até a zona de deposição.

(a) Antes do evento – Julho de 2010 (b) Depois do evento – Maio de 2011
Figura 1 – Imagem aérea da área do fluxo de detritos Córrego D´Antas (Google Earth)

As intensas precipitações dos dias 11 e 12 de janeiro que atingiram a região serrana fluminense causaram
o movimento de massa evidenciado no Morro Duas Pedras, onde forças de subpressão resultantes da
percolação de água nas fraturas provocaram o deslocamento de grandes volumes de rocha, que iniciaram
o fluxo de detritos observado na área. A grande energia desenvolvida pelo fluxo de detritos de grandes
proporções provocou danos elevados, destruindo moradias e instalações industriais e matando 20 pessoas.

O Morro Duas Pedras é formado por rochas graníticas do Proterozóico, pertencentes a Suíte Serra dos
Órgãos. A face norte da escarpa rochosa possui em média 45° de inclinação, com a cota máxima atingindo
aproximadamente 1360m de altitude, com cerca de 480m de altura. São evidenciadas duas famílias de
fraturas perpendiculares entre si, com direção de 59° e 148° e mergulho subvertical, interceptando juntas
de alívio que discretizam blocos e lascas (Portella et al, 2013).

O movimento de massa se iniciou como uma ruptura planar no topo da encosta, especificamente numa
zona de fratura de alívio. A zona de iniciação do movimento se localizou entre as cotas 1300m e 1278m,
com declividade média de 45°. Imediatamente abaixo desta zona, aflora a escarpa rochosa de declividade
variável de 40 a 60° com talvegue formado por duas famílias de fraturas subverticais, mergulhando para
sudoeste (Geomecânica, 2011), no qual o fluxo de deslocou, configurando a Zona de Transporte e Erosão.

Neste ponto, parte da massa mobilizada se dirigiu no sentido da localidade de Córrego D'Antas e parte se
deslocou no sentido do Hospital São Lucas, situado na vertente oposta do Morro Duas Pedras (Figura 2).
Finalmente, o fluxo de detritos se movimentou na parte da encosta com topografia mais suave, com
inclinação aproximada de 26º, iniciando seu depósito na Zona de Deposição. A Figura 3 ilustra as zonas
notáveis da trajetória do fluxo de detritos.
Figura 2 – Trajetórias do fluxo de detritos Córrego D’Antas com 4 canais de fluxo

(a) Zona de iniciação (b) Zona de transporte

(c) Zona de transporte (d) Zona de deposição

Figura 3 – Zonas características do fluxo de detritos Córrego D’Antas


O volume inicial de material colapsado foi de aproximadamente 500m3, estimado em função da cicatriz do
deslizamento na parte superior da encosta (Portella et al, 2013). O fluxo de detritos do Córrego D’Antas
alcançou uma distância máxima de aproximadamente 800m, atingindo a rodovia próxima ao local. A zona
de deposição teve uma área estimada em 35.000m². O material depositado é composto pela mistura de
massa movimentada durante este evento e materiais depositados de movimentos pretéritos.

3.2 - Fluxo de Detritos Caleme

O evento Caleme se localiza no município de Teresópolis, especificamente no bairro Caleme. A área de


estudo está localizada entre as coordenadas UTM Leste 705.200 e 705.500m e Norte 7.521.800 e
7.522.300m. Os mapeamentos geológico-geotécnicos da área foram realizados após o evento (SEOBRAS,
2013).

A área está inserida na região serrana do Estado do Rio de Janeiro com altitudes em torno de 1000m, com
vertentes bastante íngremes, por vezes escarpadas, que buscam continuamente uma situação de equilíbrio
com tendência de instabilização natural. Como consequência do relevo escarpado, os vales situados nas
cabeceiras dos principais tributários, geralmente retilíneos, desenvolvem-se ao longo de descontinuidades
geológicas e apresentam fundo entulhado por blocos de rochas granito-gnáissicas.

A Figura 4 apresenta a área do Caleme antes e depois do evento de janeiro de 2011. Observa-se a presença
de uma camada vegetal de espessura variável de 0,3 a 1,0m, que foi totalmente removida pela massa
movimentada, limpando a superfície até o contato solo-rocha granito-gnáissica.

A Figura 5 apresenta as zonas características do fluxo de detritos. O movimento teve sua origem na parte
superior da encosta, onde é evidenciada a cicatriz e mobilizou um deslizamento de aproximadamente
2.500m² de área plana, na cota aproximada de 1182m e caracterizando a Zona de iniciação do fluxo de
detritos. O movimento inicial, originado na parte superior foi avaliado por meio de análises de estabilidade
por equilíbrio limite, visto que corresponde a uma ruptura translacional, deflagrada pela saturação do solo
e geometria íngreme da encosta.

O material gerado neste escorregamento translacional desceu, carreando ainda mais material até atingir a
base da encosta, atingindo um depósito de tálus e deflagrando o fluxo de detritos, que avançou
aproximadamente 400m de distância máxima de deposição. A Zona de transporte se iniciou na cota 1120m
e atingiu a cota 1020m, quando se inicia parte da deposição de material.

Finalmente, as forças gravitacionais levaram a massa instável a atingir a camada de tálus, depositada na
base, e prosseguir a sua trajetória em direção às áreas ocupadas, destruindo 47 moradias e matando mais
de 140 pessoas.

(a) Antes do evento – Julho de 2010 (b) Após o evento - Maio de 2011

Figura 4 – Vista aérea da área do fluxo de detritos Caleme (Google Earth)


(a) Zona de iniciação (b) Zona de transporte e deposição

(c) Zona de Transporte (c) Zona de Transporte

Figura 5 – Zonas características do fluxo de detritos Caleme

O mapeamento realizado após evento indica a presença de blocos métricos remanescentes na cicatriz do
movimento. A distância máxima atingida pelo depósito de fluxo de detritos foi de aproximadamente 400m,
e uma área máxima de deposição de aproximadamente 12.800m² em função do levantamento topográfico
realizado logo após o evento.

4- ANÁLISES E RESULTADOS

As análises dos eventos de fluxos de detritos Caleme e Córrego D’Antas foram realizadas considerando as
características determinadas pelos mapeamentos geológico-geotécnicos, investigações de campo
detalhadas e imagens aéreas de alta resolução realizadas em sobrevôos. Os parâmetros básicos dos
eventos ocorridos foram comparados com valores determinados por meio das relações empíricas e
simulações numéricas com o programa DAN3D.

As relações empíricas da literatura foram selecionadas considerando os parâmetros de fluxo de detritos de


fácil determinação e grande importância para avaliar zonas de potencial risco de ocorrência do movimento
e selecionar e localizar as medidas de mitigação e convivência. Ressalte-se que a quantificação precisa dos
parâmetros não é possível com estas relações, porém elas podem subsidiar a estimativa das magnitudes
do evento.

As simulações numéricas foram realizadas utilizando o programa DAN3D, onde foram considerados vários
tipos de materiais, identificados a partir das investigações de campo. Foram adotados dois modelos
reológicos conjugados para simular os dois fluxos de detritos: modelo de atrito para a ruptura principal e
de Voellmy para a ruptura do movimento lateral. Na zona de transporte e erosão foi considerado um
material com reologia de atrito e, finalmente, para a zona de deposição foi adotado um material com
reologia de Voellmy, por representar mais adequadamente o comportamento de um material coluvionar
saturado, resultante do movimento de massa.
O Quadro 3 apresenta os valores adotados para os parâmetros de resistência dos materiais para as
simulações numéricas dos fluxos de detritos Córrego D’Antas e Caleme.

Quadro 3 - Parâmetros de resistência dos materiais nas análises dos eventos Córrego D’Antas e Caleme

Fluxo de detritos Córrego D’Antas Fluxo de detritos Caleme


Material φ (°) γ (kN/m³) Material φ (°) γ (kN/m³)
Material de depósito 25 16 Solo transportado 25 16
Solo Residual 30 18 Solo residual jovem 30 18
Rocha alterada 30 22 Rocha alterada 30 22
Rocha Sã 35 26 Rocha Sã 35 25
φ: Ângulo de atrito e γ: Peso específico saturado

Os resultados das simulações numéricas dos fluxos de detritos com o DAN3D são apresentados na Figura
6. A trajetória do movimento de fluxo de detritos e as áreas atingidas pelo volume de material iniciado na
parte alta da encosta são indicadas pela cor cinza. Já o depósito do material na zona de deposição é
representado pelo conjunto de isocurvas de diversas espessuras variando da cor verde para azul.

(a) Córrego D’Antas (b) Caleme


Figura 6 – Resultados gerais da simulação dos fluxos de detritos com DAN3D

As Figuras 7 e 8 apresentam respectivamente os resultados específicos das simulações dos fluxos de


detritos Córrego D’Antas e Caleme considerando as isocurvas de velocidade, deposição, descarga de pico
e erosão. Na simulação do evento Córrego D’Antas, o mapa de velocidades indica que o máximo valor
atingido foi próximo de 15m/s na parte alta da encosta e decresce em função da deposição do material
(Figura 7a). O mapa de descarga de pico (Figura 7b) mostrou valores máximos na zona de iniciação e na
parte final da zona de transporte, com valores predominantes próximos a 3m³/s e máximos de 11m³/s.

Os resultados da simulação para deposição e erosão de material na área são apresentados nas Figuras 7c
e 7d, respectivamente. Observa-se a concentração de material na base da encosta com valores máximos
de 3,5m. Já o mapa de erosão indica que a maior profundidade erodida se concentrou a partir da zona de
deposição, apresentando um valor máximo de 1,6m.
(b) Mapa de deposição
a) Mapa de velocidade

(b) Mapa de descarga de pico (d) Mapa de erosão

Figura 7 – Isocurvas características do fluxo de detritos Córrego D’Antas

(a) Mapa de velocidade (b) Mapa de deposição

(c) Mapa de descarga de pico (d) Mapa de erosão

Figura 8 – Isocurvas características do fluxo de detritos Caleme


Na simulação do fluxo de detritos Caleme, os resultados obtidos mostram que o movimento apresentou
velocidades elevadas na parte superior da encosta e diminuíram em função da deposição do material
(Figura 8a). A velocidade máxima é de cerca de 15m/s e aproximadamente nula ao final da deposição. O
mapa de descarga de pico indica valores mais elevados no centro do fluxo e na zona de transporte, como
era esperado, e diminui em função da deposição do material até atingir valores próximos a zero (Figura
8b). O mapa de deposição mostra o material sendo depositado na parte inferior da encosta, com espessura
variável de 2,5 a 3,5m (Figura 8c). Os resultados da profundidade de erosão na área do fluxo de detritos
apresentam-se mais acentuados na zona de deposição, com profundidades mais elevadas no início da zona
de deposição e variando de 0,6 a 1,0m (Figura 8d).

O Quadro 4 resume todos os resultados obtidos das simulações numéricas e das relações empíricas e os
compara com os valores reais, aqueles possíveis de serem medidos e/ou estimados nas áreas dos fluxos
de detritos Córrego D’Antas e Caleme. Importante observar que todos os valores simulados pelo DAN3D
se aproximam dos valores observados para os dois casos, Caleme e Córrego D’Antas. Em relação às
relações empíricas, observa-se que as relações mais adequadas para a estimativa de parâmetros, de forma
geral, são as propostas por Polanco (2010) e Motta (2014), ambas obtidas de análises de Banco de Dados
do Grupo de Pesquisa DEBRIS FLOW – COPPE & PUC-Rio, constituído de eventos nacionais e internacionais,
excluídos os casos estudados neste trabalho.

Quadro 4 - Parâmetros de fluxos de detritos Córrego D’Antas e Caleme medidos e estimados pelas simulações
numéricas e relações empíricas

Caso Fluxo de detritos Caleme Fluxo de detritos Córrego D’Antas

Relação Relação
Parâmetro Observado DAN3D Observado DAN3D
empírica empírica

Área de 37.386 (5)


95.717 (5)

Deposição 12.800 10.248 (15)


~10.000 35.600 30.353 (15)
~ 20.000
(m²) 1.798 (9)
3.700 (9)

12.843 (4)
14,445 (4)

5.247 (8)
11,589 (8)
Volume 4.000 - 11.000 -
nd 3.762 (10)
nd 4.380 (10)
(m3) 6.000 15.000
4.479 (14)
4.988 (14)

4.067 (15)
11.180 (15)

107,6 (6)
199,7 (6)

122,3 (8)
89,8 (8)
Vazão de Pico
nd 77,3 (7)
2,5 - 20 nd 236,1 (7)
3 - 12
(m³/s)
32,6 (14)
32,6 (14)

20,1 (15)
37,4 (15)

720 (8)
800 (8)

Distância
451 (15)
983 (15)
600 -
Percorrida 400 300 - 500 790
942 (12)
1.010 (12) 1.000
(m)
463 (14)
1.277 (14)

Distância 74 (8)
92 (8)
Percorrida de
Deposição 210 261 (12)
nd 500 339 (12)
nd

(m) 323 (11)


463 (11)

Erosão
1,0 - 2,0 nd 0,5 - 2,5 0,5 – 1,00 nd 0,5 – 1,00
(m)

Forças de 164 (13)


1.700 (13)

Impacto nd 296 (12)


nd nd 1.900 (12)
nd
(kN) 36.000 (13)
560.000 (13)

Relações empíricas: (1) Sibnuy, 1966; (2) Kherkheulidze, 1975; (3) Tsubaki et al, 1981; (4) Takahashi,
1991; (5) Iverson, 1998; (6) Mizuyama, 1999; (7) Bovis & Jakob, 1999; (8) Rickenmann, 1999; (9) Crosta
et al, 2001; (10) Gramani, 2001; (11) Lorente, 2003; (12) Hungr, 2005; (13) Hubl, 2009; (14) Polanco, 2010;
(15)
Motta, 2014.
nd: não disponível
Áreas afetadas por fluxos de detritos necessitam de uma avaliação detalhada e específica em relação à
possibilidade de novos movimentos originados por material de depósito e material instável remanescente
na área após a ocorrência do evento. Desta forma, é importante considerar a implantação de estruturas de
contenção e proteção, capazes de reduzir os danos provocados pelos eventos potenciais. Nunes & Sayão
(2014) propõem diversas medidas ativas e passivas para controle dos fluxos de detritos.

Em Córrego D’Antas, posterior ao evento de fluxo de detritos de 2011, equipes técnicas multidisciplinares
analisaram várias medidas ativas e passivas necessárias para mitigação de novos movimentos em função
da vulnerabilidade observada na área, inclusive a adoção de medidas sociais, como relocação de moradores
e conscientização social da comunidade. Um extensivo projeto de engenharia foi desenvolvido, privilegiando
medidas de estabilização e convivência. O projeto contemplou estruturas convencionais e não
convencionais, a fim de atender às complexas condições geológico-geotécnicas encontradas na área.

As Figuras 9 e 10 apresentam algumas soluções adotadas, destacando-se os muros de concreto armado e


contrafortes atirantados e os revestimentos flexíveis constituídos de painéis de alta resistência HEA 300
associados a malha de chumbadores para estabilização de grandes blocos e lascas.

(a) Contrafortes atirantados e muro de impacto (b) Detalhe dos contrafortes atirantados

Figura 9 - Estruturas de contenção executadas na parte superior da encosta do Córrego D’Antas

(a) Contrafortes e paineis HEA com chumbadores (b) Paneis HEA para estabilização dos blocos

Figura 10 – Painéis de alta resistência HEA para estabilização do maciço rochoso fraturado do Córrego D’Antas

5- CONCLUSÕES

Este trabalho teve como objetivo apresentar os resultados das análises de dois casos de fluxos de detritos
recentes da Região Serrana do Rio de Janeiro, utilizando métodos analíticos e numéricos, cujos resultados
foram comparados aos parâmetros observados após os eventos.
As relações empíricas, apesar de regionais e imprecisas, são úteis para a estimativa de parâmetros dos
fluxos de detritos. Algumas relações não conseguiram representar os casos estudados neste trabalho.
Entretanto, outras relações se mostraram adequadas, destacando-se aquelas propostas pelas brasileiras
Polanco (2010) e Motta (2014), estabelecidas a partir de Banco de Dados do Projeto DEBRIS FLOW – COPPE
& PUC-Rio. Em relação às simulações numéricas, o programa DAN3D se mostrou uma ferramenta poderosa,
capaz de representar os fluxos de detritos analisados. Os parâmetros obtidos da simulação numérica, tais
como distância total percorrida, volume de material mobilizado, área de deposição, são essenciais para
delimitação de áreas de risco e definição de medidas de mitigação.

AGRADECIMENTOS

As autoras agradecem o apoio financeiro da CAPES pela concessão de bolsa de estudos para mestrado.
Agradecem especialmente ao Professor Oldrich Hungr pela disponibilização do programa DAN3D e o
interesse demostrado nas pesquisas desenvolvidas pelo Grupo DEBRIS FLOW – COPPE/PUC-Rio. Finalmente
agradecem às Empresas SEEL e GEOMECÂNICA que disponibilizaram informações técnicas das áreas de
estudo e permitiram o acompanhamento e livre acesso durante a execução das obras.

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