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Niterói
2017
GERALDO MAGELA PEREIRA
Orientador:
Niterói
2017
ii
GERALDO MAGELA PEREIRA
Aprovada em
Banca Examinadora
_____________________________________________
Prof. Dr. Antonio Ferreira da Hora.
Universidade Federal Fluminense - UFF
_____________________________________________
Prof. Dr. José Rodrigo de Moraes.
Universidade Federal Fluminense - UFF
_________________________________________________
Prof. Dr. Alberto Sayão.
Pontifícia Universidade Católica – PUC, Rio de Janeiro
iii
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha esposa Cristine, as minhas filhas Ligia e Marina pelo apoio constante
e aos meus pais Geraldo e Luiza, in memoriam, que muito zelaram pela minha educação.
Ao meu orientador Antônio da Hora pelo estímulo e atencioso comprometimento na
realização e elaboração de minha tese de mestrado, demonstrando uma incrível dimensão de
orientador e orientação.
A minha Professora Mônica da Hora que durante esses dois anos sempre esteve pronta
para me ajudar de forma competente e atenciosa.
Aos meus demais mestres e amigos que participaram direta ou indiretamente na
conclusão dessa etapa de minha vida acadêmica, entre tantos outros.
Muito obrigado!
iv
RESUMO
v
ABSTRACT
Dams have been built since antiquity and their engineering is a vital part of the history
of civilization. Undoubtedly, were the first man-made structures to create the reservoirs mainly
for water supply. Over time it has been found that the reservoir store also large volumes of
potential energy that in case of rupture will be suddenly released and could cause disasters.
Dam breaks always cause significant damage to the infrastructure and to the downstream
riparian populations. These damages normally exceed the capacity of these communities to
rebuilt with their own resources. Besides damages to the environmental, accidents often cause
loss of human lives. After a series of catastrophic ruptures in the 1950s, several countries began
to adopt measures aiming the safety of their dams. In the USA only in 1976 after the Teton dam
break (Idaho) the government has begun studies to support the planning and implementation of
a dam safety system. These studies led to the conclusion that 59% of the accidents are due to
geotechnical causes, 23% to hydrological causes and 12% to poor construction. The present
work summarizes some famous dam accidents to illustrate the problem and to emphasize that
only observing the design criteria and the good constructive practices we will be able to further
reduce even more the risks of these occurrences.
vi
LISTA DE FIGURAS
vii
Figura 26 – Camará. Vista de jusante da reconstrução 24
Figura 27 – Camará. Vista de montante da barragem 24
Figura 28 – Camará. Vista da barragem 25
Figura 29 – Camará. Vista do vertedouro 25
Figura 30 – El Guapo. Localização da barragem 26
Figura 31 – El Guapo. Barragem e reservatório 26
Figura 32 – El Guapo. Escoamento extravasando os muros da calha 27
Figura 33 – El Guapo. Ruptura da barragem 27
Figura 34 – El Guapo. Reconstruída 27
Figura 34A – El Guapo. Vertedouro operando 27
Figura 35 – Banqiao. Mapa de localização da barragem 28
Figura 36 – Banqiao. Barragem rompida 29
Figura 36A – Banqiao. Comporta rompida 29
Figura 37 – Banqiao. Planta da barragem reconstruída 29
Figura 38 – Teton. Mapa de localização da barragem 30
Figura 39 – Barragem de Teton: sequência de ruptura 31
Figura 39A - Ilustração esquemática da ruptura da barragem de Teton 31
Figura 40 – Barragem de Teton-Seção na ombreira 32
Figura 41 – Malpasset. Mapa de localização da barragem 33
Figura 42 – Malpasset - Vista de jusante da barragem antes e após a ruptura 34
Figura 43 – Malpasset. Barragem rompida 34
Figura 44 – Malpasset. Descarregador de fundo 34
Figura 45 – Barragem de Malpasset: corte longitudinal 35
Figura 46 – Barragem de Malpasset: seção transversal 35
Figura 47 – Vajont. Mapa de localização da barragem 36
Figura 48 – Vajont. Área impactada pelo deslizamento 36
Figura 49 – Barragem de Vajont durante o enchimento 38
Figura 50 – Barragem de Vajont após o deslizamento 38
Figura 51 – Longarone antes do acidente 38
Figura 52 – Longarone arrasada 38
Figura 53 – Longarone 40 anos depois (2003) 38
Figura 54 – Longarone em 2003 38
viii
Figura 55 – Glashütte. Mapa de Localização da barragem 39
Figura 56 – Barragem Glashütte - Planta e Seção Longitudinal 39
Figura 57 – Barragem Glashütte sendo galgada e rompida. Detalhe do bueiro à direita 40
Figura 58 – Vertedouro em degraus 40
Figura 59 – Glashütte - Danos na cidade 40
Figura 60 – Barragem Glashütte reconstruída. Observar vertedouro tulipa 40
Figura 61 – Vertedouro de emergência em primeiro plano, vertedouro de serviço e
barragem ao fundo 42
Figura 62 – Vista superior do incidente 43
Figura 63 – Danos no vertedouro de serviço 43
Figura 64 – Calha quebrada 43
Figura 65 – Vertedouro de emergência funcionando. Erosão na esquerda hidráulica
no pé da soleira com possibilidade de regredir para montante e colapsar o
vertedouro 43
Figura 66 – Porque a Barragem de Oroville não iria colapsar 44
Figura 67 – Vertedouro de Serviço. Laje da calha quebrada (90m x 150m x 15m).
Detalhes A, B e C. 45
Figura 68 – Vertedouro de emergência. Reparos emergenciais, com blocos de rocha 45
ix
LISTA DE TABELAS
x
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
xii
GLOSSÁRIO
xiii
Diaclasada Fraturada
Drenagem Facilitar a saída da água que infiltrou pela barragem ou fundação, para
aliviar a pressão da água, chamada pressão neutra
xiv
Segurança de Condição que vise manter a sua integridade estrutural e operacional e a
barragem preservação da vida, da saúde, da propriedade e do meio ambiente
(Definição contida na Lei No 12.334, de 20 de setembro de 2010, que
estabelece a Política Nacional de Segurança de Barragem)
Selada Impermeabilizada
Vedação Impermeabilização
xv
SUMÁRIO
1-INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 1
APÊNDICE A.................................................................................................................50
APÊNDICE B ................................................................................................................ 52
xvi
1
CAPÍTULO I
INTRODUÇÃO
As barragens são estruturas que vêm contribuindo de maneira efetiva ao longo dos anos
para o progresso da humanidade. No Brasil, segundo o CBDB/CNB (2015), existem 1.400
barragens, aproximadamente.
As barragens criam reservatórios que possibilitam o armazenamento de água para usos
múltiplos: abastecimento humano, dessedentação de animais, irrigação e geração de energia.
Além disso, os reservatórios possibilitam o controle de cheias e a regularização das vazões,
funções essas de extrema importância. Nas fases de projeto, construção e operação das
barragens, visando aumentar a segurança dessas estruturas, são observadas diretrizes, normas
técnicas e critérios de projeto reconhecidos mundialmente. As revisões periódicas da segurança
são de extrema importância para a gestão dos riscos.
No Brasil, ELETROBRÁS/CBDB (2003) consolidaram essas diretrizes no documento
“Critérios de Projeto Civil de Usinas Hidrelétricas”. Trata-se de documento abrangente e
detalhado que aborda os critérios hidrológicos e os dimensionamentos hidráulicos; trata dos
ensaios para caracterizar os materiais para o concreto; das ações de projeto e das condições de
carregamento; as barragens e estruturas de concreto, incluindo a segurança global; as barragens
de terra e enrocamento; as juntas; as escavações e o tratamento das fundações; a instrumentação
das obras; e, em anexo, o estudo de ruptura da barragem, incluindo o PAE (Plano de Ações
Emergenciais). Cabe também destacar o Manual do Empreendedor sobre Segurança de
Barragens e o Manual do Fiscalizador de Segurança de Barragens, ambos elaborados por ANA
(2016). As revisões periódicas desses critérios, da ELETROBRÁS ou da ANA, são de extrema
importância para gestão dos riscos advindos da possibilidade de ocorrência de acidentes.
Atualmente, além desses critérios, devem ser obrigatoriamente observados os requisitos
prescritos nas leis:
− Lei no 12.334, de 20 de setembro de 2010, que estabelece a Política Nacional de
Segurança de Barragens (BRASIL, 2010); e,
− Lei no 12.608, de 10 de abril de 2.012, que estabelece a Política Nacional de
Proteção e Defesa Civil (BRASIL, 2012).
2
1.2 OBJETIVOS
Este trabalho tem por objetivo enfatizar a importância da observação dos critérios de
projeto de barragens, consagrados mundialmente, por todas as empresas dedicadas a esse ramo
de atividade, a saber: empresas projetistas, empresas construtoras e empresas proprietárias de
barragens, visando reduzir ainda mais os riscos de ocorrência de acidentes com essas estruturas.
Esses critérios constam do Manual de Critérios de Projeto Civil de Usinas Hidrelétricas
elaborado pela ELETROBRÁS, com apoio de algumas concessionárias, do CBDB (2003), de
algumas empresas projetistas e de consultores independentes. Para ilustrar o problema, este
trabalho apresenta 11 casos famosos de acidentes com barragens, no Brasil e no exterior,
extraídos da bibliografia especializada, os quais são reconhecidos pela comunidade técnica
como casos de estudo obrigatório para a evolução no estado da arte no tema de projeto de
barragens, enfatizando as lições aprendidas com cada um deles. Esses acidentes ressaltam a
importância da integração das equipes de segurança e defesa civil com as comunidades
possíveis de serem afetadas por esses desastres nos municípios que apresentam áreas potenciais
de risco. Essa integração deve ser constantemente monitorada e atualizada.
3
1.3 RELEVÂNCIA
A observação das normas e critérios de projeto e das boas práticas de construção das
barragens é relevante porque proporciona a redução dos riscos de ocorrência de
acidentes/desastres, beneficiando a preservação da segurança das populações ribeirinhas que
vivem a jusante dessas barragens e reduzindo as perdas de vidas humanas.
A redução da ocorrência de acidentes contribui para minimizar os trabalhos das equipes
de defesa civil e do corpo de bombeiros das Prefeituras, Estados, União e das demais
instituições públicas e não governamentais, bem como da sociedade, que atuam no socorro e
amparo das vítimas desses desastres e na reconstrução das áreas atingidas.
Adicionalmente, cabe registrar e lembrar que as atividades do Plano de Ação de
Emergência (PAE), previstas na Lei 12.334, representam também segurança para as barragens
e comunidades ribeirinhas. Essa lei, em seu Art. 2o, Inciso II define Segurança de Barragem
como: “Condição que vise manter a sua integridade estrutural e operacional e a preservação da
vida, da saúde, da propriedade e do meio ambiente”.
CAPÍTULO II
Uma barragem ao longo de sua vida útil pode ser afetada por diversos fenômenos
naturais tais como cheias, deslizamentos e terremotos, bem como por fenômenos físicos tais
como deterioração da fundação e dos materiais utilizados na construção.
Ao longo do tempo a estrutura pode assumir características anisotrópicas. Pressões
internas e caminhos de percolação podem se desenvolver. Normalmente, as mudanças são
lentas e não são prontamente identificadas por um exame visual.
O monitoramento contínuo do desempenho normalmente assegurará a detecção de
falhas que possam conduzir a uma ruptura. Essa atividade de monitoramento deve ser feita por
equipe experiente, que conheça os sinais de perigo.
O conhecimento das forças que causam a deterioração é adquirido a partir de análises
elaboradas pelos boards de consultores após os acidentes. Ressalva-se, no entanto, que esses
boards não podem prever sempre todas as fraquezas potenciais, nem tampouco os descuidos
que as obras possam ter sofrido.
Quanto mais conhecimento é acumulado, mais são encontrados casos de desempenho
insatisfatório das barragens de sítio para sítio. As lições são valiosas.
As causas mais frequentes de rupturas de barragem estão listadas na Tabela 1.
1
O capítulo foi adaptado de CRUZ (1996) e USBR (1983).
5
A análise dos dados apresentados na Tabela 1 permite concluir que 59% dos acidentes
são devidos a problemas geológico-geotécnicos nas fundações e 23% a vertedouros
inadequados – na realidade ocorrência de cheias que ultrapassaram a capacidade de vazão dos
vertedouros e, como consequência, provocaram a elevação dos níveis dos reservatórios e o
galgamentos das barragens (cheias subestimadas nos estudos hidrológicos).
Esses acidentes provocam perdas expressivas de vidas humanas e de caráter econômico,
social e ambiental, que excedem a capacidade das comunidades afetadas de se recomporem
com seus próprios recursos.
Deficiências da fundação podem estar relacionadas às condições naturais das fundações,
heterogêneas, ou ao seu tratamento durante a construção.
Recalques diferenciais, deslizamentos, altas pressões piezométricas, percolação
descontrolada são evidências comuns de perigo. Trincas na barragem, mesmo pequenas, podem
também ser um indicativo de um problema de fundação.
Barragens de concreto podem resistir um galgamento sem sofrer danos, pelo menos, por
um período limitado de tempo. A chave para a segurança pode ser a habilidade da fundação de
resistir ao impacto de um transbordamento, ao invés da resistência da barragem propriamente,
a qual é comumente mais do que adequada.
A segurança de barragens em arco é altamente dependente da resistência das ombreiras.
A ruptura pode resultar de fraqueza na rocha proveniente de saturação ou deterioração, ou de
carregamentos excessivos de cheias, ou da resistência ao cisalhamento da ombreira sob pressões
hidrostáticas, como ocorreu em Malpasset na França. Entretanto, barragens em arco são
capazes, por natureza, de resistir ao galgamento por cheias como demonstra o caso de Vajont
na Itália.
A erosão potencial da fundação por si própria deve ser considerada. Juntas ou falhas
preenchidas com argila ou silte não podem ser facilmente removidas por lavagem e, portanto,
pode impedir uma vedação eficaz. A percolação pode, gradualmente, remover e transportar
esses materiais para jusante, consequentemente alargar a junta-falha e ameaçar a integridade da
barragem.
Subsidência do terreno causada por bombeamento do subsolo pode causar recalque da
fundação e deformação da barragem. Isso também pode ser provocado por ciclos de
carregamento e umedecimento. Areias finas e siltes com baixas densidades e baixo teor de
umidade são sensíveis a este fenômeno. A consequente trinca da barragem pode criar uma
condição perigosa, especialmente em barragens de terra de solos com baixa coesão.
6
(*) Valores usuais considerando-se que o material de fundação não condiciona a estabilidade
do talude (casos nos quais as fundações são mais resistentes que os maciços compactados das
barragens).
(**) Para barragens com altura > 10 m podem ser usadas às mesmas inclinações dos taludes
para as barragens de terra, desde que a estabilidade da barragem seja verificada. Para as
barragens de enrocamento convencionais os taludes devem ter, no mínimo, uma inclinação de
1(V):1,65(H).
10
CAPÍTULO III
Foi somente a partir das décadas de 60 e 70 que diversos países começaram a estudar e
planejar medidas que pudessem aumentar a segurança de suas barragens, após algumas rupturas
catastróficas relacionadas na Tabela 5 a seguir (Nota: esse trabalho não inclui as barragens de
rejeitos).
Em 2 de dezembro de 1959, rompeu a Barragem de concreto de Malpasset, no rio
Reyran, a 12 km da cidade de Fréjus (sudeste da França), por deformação da fundação margem
esquerda. A tragédia destruiu as pequenas vilas de Malpasset e Bozon e causou a morte de 423
pessoas, segundo a ASCE (1976) e o USBR (1983).
Na noite de 25 de março de 1960, a barragem de Orós, no rio Jaguaribe, Ceará, foi
galgada e rompida durante a construção (CBDB/MBD 2000 e CBDB/LBS 2002).
Em 8 de agosto de 1975, rompeu a Barragem de terra de Banqiao, no rio Ru, em
Zhumadian na Província de Henan, China, rompeu por galgamento, provocando a morte de
26.000 pessoas. Outras 145.000 pessoas morreram de epidemias e fome. Estima-se que 11
milhões de pessoas perderam suas casas (DAI QING, 1998).
Em 5 de junho de 1976, rompeu a Barragem de terra de Teton, com 100 m de altura,
construída pelo USBR, no rio Teton, Rexburg, Idaho (EUA), por erosão tubular regressiva
(piping), durante o primeiro enchimento. O acidente provocou a morte de 11 pessoas e um
prejuízo de 1,5-2,0 bilhões de dólares. A partir desse acidente, o governo americano deu então
início a um detalhado programa de segurança de suas barragens.
Em 19 de janeiro de 1977, romperam-se as barragens de terra de Euclides da Cunha e
Limoeiro, no rio Pardo, na região das cidades de Caconde, São José do Rio Pardo e Mococa, a
oeste do Estado de São Paulo, Brasil (CBDB/MBD, 1982).
Em 16 de dezembro de 1999, rompeu a Barragem de terra de El Guapo, no rio de mesmo
nome, na Venezuela, a 150 km de Caracas, por insuficiência de capacidade de vazão do
vertedouro, o que provocou o galgamento da barragem (USACE, 2014).
Em 12 de agosto de 2002, rompeu a Barragem de Glashütte, na localidade de mesmo
nome perto da cidade de Dresden, Alemanha, no rio Briesnitz, por galgamento (BORNSCHEIN
e POHL, 2003).
11
O vertedouro (Figuras 4 e 5) foi dimensionado para uma vazão de 4.400 m3/s para o NA
igual a 207 m e crista na El. 200,50 m nos vão centrais e El. 199,50 m nos vão laterais. A
capacidade última foi estimada em 5.200 m3/s para o NA igual a 207,80 m. A largura líquida
da crista foi estimada em 146 m.
Figura 8 – Orós.
Área do vertedouro após galgamento
Fonte: CBDB/MBD, 2000.
Em 19 de janeiro de 1977 ocorreu na região das cidades de Caconde, São José do Rio
Pardo e Mococa, a oeste do Estado de São Paulo, uma tromba d´água que superou a chuva mais
intensa até então ocorrida, que era de 230 mm em 24 horas (CBDB/MBD, 1982).
O centro dessa tempestade atingiu o pequeno reservatório (1,0 km2) da barragem de
Euclides da Cunha (Figura 10), da companhia Centrais Hidroelétricas do Rio Pardo (CHERP).
A onda de cheia resultante se propagou com velocidade de 20 km/h até o reservatório da usina
de Limoeiro (Armando Salles de Oliveira), situada 12 km a jusante (Figura 10), galgou a
barragem de 35 m de altura que rompeu após 20 minutos (Figura 12).
Lição aprendida: O período extremamente chuvoso provocou uma cheia excepcional que
excedeu a capacidade de vazão do vertedouro de Euclides da Cunha. O nível do reservatório
subiu rapidamente, a barragem de terra foi galgada e rompeu. A ruptura gerou uma onda cheia
que se propagou até a barragem de Limoeiro, 12 km a jusante, que foi também galgada e
rompida em 20 minutos. Pode-se inferir que os estudos hidrológicos não previram, ou não
consideraram, a possibilidade de ocorrência desse evento extremo. Lição: em se tratando de
projetos de obras hidráulicas, essa probabilidade sempre existe.
19
A barragem Algodões I foi construída pelo DNOCS no rio Piranji, afluente do rio
Parnaíba, entre 1996 e março/2004, para abastecimento da cidade de Cocal, no Estado do Piauí
(Figura 15). O rio passa ao norte da cidade de Cocal. A barragem rompeu em 27 de maio de
2009 (SAMPAIO, 2014).
Lição aprendida: Os projetos das obras hidráulicas devem ser apoiados por estudos/ensaios
em modelo reduzido, para realizar os ensaios do vertedouro e dissipação de energia do
escoamento e pesquisar os processos erosivos a jusante. O projeto de Algodões não teve esse
apoio. O escoamento proveniente do canal do vertedouro lateral atacou o talude do aterro a
jusante do muro de encosto da barragem na ombreira direita provocando a ruptura (ver fotos
16, 16A e 20).
21
Essa descontinuidade, apesar do porte (Figuras 24 e 25), não foi identificada no projeto
e a barragem, inexplicavelmente, foi apoiada em cima dela. Obviamente, ela deveria ter sido
totalmente removida para possibilitar assentar a barragem no maciço rochoso de excelente
qualidade logo abaixo da descontinuidade, como pode ser visto nos Detalhes B da Figura 23.
A cidade de Alagoa Grande e outras três próximas sofreram danos de porte, 4 pessoas
foram dadas como mortas e mais de três mil pessoas ficaram desabrigadas.
Detalhes B – Vistas da ruptura. Fonte: BARBOSA et al., 2004; PAIVA JÚNIOR, 2006.
Figura 23 – Camará. Marca do NA do reservatório e vistas da ruptura.
23
Lição aprendida: Não se deve apoiar uma barragem em cima de descontinuidade como a
existente na fundação da barragem na ombreira esquerda, cujos detalhes são mostrados nas
Figuras 24 e 25. O tratamento mais indicado nesse caso, na opinião do autor, seria remoção
total da descontinuidade. Com a pressão d´água do reservatório parcialmente cheio, como
mostra a marca do nível d´água na Figura 23 - Detalhe A, iniciou-se um processo de infiltração
que provocou a erosão da descontinuidade e, consequentemente, a ruptura da barragem.
26
A
Figura 34 – El Guapo. Reconstruída. Figura 34 A – El Guapo. Vertedouro operando.
Fonte: INGENIERÍA GEOTECNICA PREGO,2017.
Lição aprendida: outro caso de chuvas em excesso que implicou uma cheia excepcional que
excedeu a capacidade de vazão do vertedouro. A barragem foi galgada e rompeu.
28
Essa barragem de terra, com 24,5 m de altura, foi construída de abril de 1951 a junho
de 1952 para controle de cheia e geração de energia. No projeto foi considerada a segurança da
obra para uma cheia com tempo de recorrência de 1.000 anos e a capacidade do vertedouro era
de 1.742 m3/s. Após a cheia de 1954 a barragem foi elevada em 3,0 m.
Em 8 de agosto de 1975, a barragem rompeu por galgamento, quando a cheia, provocada
pelo furacão Nina, atingiu 13.000 m3/s, Figuras 36 e 36A. Rompeu também a barragem de
Shimantan e dezenas de outras na mesma bacia (DAI QING, 1998).
A ruptura provocou a morte de 26.000 pessoas. Outras 145.000 pessoas morreram de
epidemias e fome. Estima-se que 11 milhões de pessoas perderam suas casas (DAI QING,
1998).
29
Lição aprendida:
No projeto foi considerada a segurança da obra para uma cheia com tempo de recorrência de
1.000 anos e a capacidade do vertedouro era de 1.742 m3/s (TR=1.000 anos). Foi registrada
uma cheia de 13.000 m3/s que provocou a elevação do nível d´água do reservatório, bem como
o galgamento e a ruptura da barragem. Registra-se que os critérios da ELETROBRÁS
preconizam que o projeto do vertedouro deve ser feito para uma vazão decamilenar,
correspondente a um TR=10.000 anos.
30
A barragem de Teton foi construída pelo USBR, no rio Teton, afluente do rio Snake,
Rexburg, Idaho, EUA (Figura 38), para controle de cheias e irrigação. A barragem era de terra
e possuía 100 m de altura. A barragem rompeu por erosão tubular (piping), durante o primeiro
enchimento, no dia 05/06/1976. A ruptura provocou a morte de 11 pessoas e causou um prejuízo
de 1,5-2,0 bilhões de dólares.
Lição aprendida: Nos sítios de barragens que tenham ombreiras muito íngremes deve-se
pesquisar e estudar em detalhes a estabilidade dos taludes das encostas.
39
O vertedouro sem controle, Q = 5,0 m3/s, foi projetado em degraus (altura = 1,0 m e
comprimento = 5,5 m). Adicionalmente, foi projetado um descarregador de fundo, também sem
controle, para Q = 7,0 m3/s. Portanto, a capacidade de descarga máxima era de 12 m3/s.
descarga projetada. A barragem foi galgada e rompeu (as Figuras 57 a 60 ilustram o desastre e
a reconstrução - Fonte: BORNSCHEIN E POHL, 2003).
Cabe citar que, em 2005, avaliou-se a construção de uma calha de concreto à jusante do
vertedouro de emergência, na encosta até o rio. Por razões de custo, esta laje não foi implantada.
Até então, o vertedouro de emergência nunca tinha funcionado em 50 anos de existência.
– o reinício do vertimento pela calha principal de serviço agravou os danos, com propensão da
evolução progredir para jusante, mas ainda muito distante da barragem em função do espinhaço
existe entre as duas estruturas; em poucos dias a situação foi controlada.
abalo sísmico na Califórnia, a barragem resistiu com pouco danos ao tremor de 5,7 graus na
escala Richter (ASCE, 1976).
Detalhe A Detalhe B
Detalhe C
Figura 67 – Vertedouro de Serviço. Laje da calha quebrada (90m x 150m x 15m).
Detalhes A, B e C Fonte: MAGELA, 2017.
CAPÍTULO IV
CONSIDERAÇÕES FINAIS
CAPÍTULO V
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GUIDICINI, G. Onde Foi Parar o Senso Crítico. ABMS, Tradução n. 4, (1982), Where Has All
the Judgment Gone? The Fifth Laurits Bjerrum Lecture. PECK, R. (Maio/ 1980)
INGENERÍA GEOTÉCNICA PREGO. Caracas, Venezuela (2017).
HOEK, E. Rock Engineering. A. A. Balkema Publishers. Rotterdam, Netherlands. (2007).
JANSEN, R. B. Dams and Public Safety. USBR-United States Bureau of Reclamation (1983).
KJAENSLI, B. VALSTAD, T. HÖEG, K. Hydropower Development. Volume No 10. Rockfill
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MAGELA, G. P. Projeto de Usinas Hidrelétricas Passo a Passo. Oficina de Textos. São Paulo.
(2015).
MAGELA, G. P. Projeto de Vertedouros Passo a Passo. Planeta Azul. Rio de Janeiro. (2017).
PAIVA JÚNIOR, H. B. Efeito do Rompimento da Barragem de Camará na Área Urbana de
Alagoa Grande/PB. Dissertação de Mestrado apresentada à Univ. Federal da Paraíba. (2006).
PECK, R. Where Has All the Judgment Gone? The Fifth Laurits Bjerrum Lecture (Maio/ 1980).
SAMPAIO, M. V. N. Segurança de Barragens de Terra: Um Relato da Experiência do Piauí.
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil
(Recursos Hídricos) da Universidade Federal do Ceará. (2014).
SERAFIM, J. L. Safety of Dams Judged from Failures. Water Power & Dam Construction,
December (1981).
USACE. Hydraulic Design Criteria. Corps of Engineers. Waterways Experiment Station
(1959).
USACE Best Practices in Dam and Levee Safety Risk Analysis. Corps of Engineers.
Waterways Experiment Station (2014).
USBR-United States Bureau of Reclamation. Design of Small Dams (1974).
USBR-United States Bureau of Reclamation. Dams and Public Safety (1983).
50
APÊNDICE A
Tabela detalhada de rupturas de barragens
51
APÊNDICE B
Artigo apresentado no XXXVII International Sodebras Congress
53
Resumo – Este trabalho tem por objetivo apresentar um resumo dessas comunidades de combatê-los com recursos
das causas das rupturas das barragens e ressaltar a importância e próprios, e podem ocasionar, além de danos ao
a obrigatoriedade da observância dos métodos e critérios de
projeto consagrados, visando à redução dos riscos de ocorrência meio ambiente, perdas materiais e de vidas
desses acidentes. O trabalho apresenta também os resumos de três humanas, a exemplo de Malpasset na França,
casos de acidentes extraídos da bibliografia disponível sobre o Vajont na Itália, e Teton nos Estados Unidos da
assunto. Essas rupturas sempre resultam em desastres para a
região com danos significativos para o meio ambiente e para a América (USBR, 1983).
população ribeirinha a jusante que excedem a capacidade dessas Em 1952, Andre Coyne, projetista da
comunidades de combatê-los com recursos próprios. Esses barragem de Malpasset, localizada no rio Reyran,
acidentes também provocam, frequentemente, perdas de vidas
humanas. Fréjus (França), afirmou: “de todas as obras da
humanidade as barragens são as mais mortais”.
Palavras-chave: Barragens. Rupturas. Desastres. Critérios de Sete anos depois, essa barragem rompeu pela
projeto.
fundação e provocou a devastação dos 11 km do rio
Abstract - This paper presents a resume of the dam breaks até o Mar Mediterrâneo, destruindo três vilas e
causes and emphasizes the importance of observing the recognized causando a morte de 423 pessoas (ASCE, 1976).
design methods and criteria for reducing the risks of such Em 1976, após a ruptura da barragem de
accidents. This paper presents also a resume of three cases of
accidents extracted from the available bibliography. These dam Teton, no rio Teton, Rexburg, Idaho (EUA), que
collapses always result in disasters for the region, with significant resultou em 11 mortes e danos significativos,
damage to the environment and to the downstream riparian materiais e financeiro, o governo iniciou a
population that exceed the capacity of these communities to
combat them with their own resources. These accidents also cause, implantação do sistema de segurança de barragens
frequently, loss of human life. (USBR, 1983; USBR, 2011).
Com base no exposto, o presente trabalho teve
Keywords: Dam, Breaks. Disasters. Project criteria.
por objetivo apresentar a estatística das causas que
I. INTRODUÇÃO provocam essas rupturas e destacar que a
observância de critérios consagrados para os
As barragens são construídas desde a projetos dessas estruturas que implicam na redução
antiguidade e a engenharia das barragens é uma de acidentes e desastres (CARVALHO, 2015). Os
parte vital da história da civilização. Os critérios de projeto das barragens do Setor Elétrico
reservatórios para abastecimento de água foram, no Brasil podem ser consultados em
sem dúvida, as primeiras estruturas realizadas pelo ELETROBRAS/CBDB (2003) e ELETROBRAS
homem. Eles armazenam grandes volumes de (2000).
energia que, se liberados subitamente, podem Além disso, buscou-se descrever três
ocasionar desastre. barragens com tipologias distintas de rompimento,
As rupturas sempre causam danos de porte à selecionadas a partir de informações
infraestrutura da região e para as populações disponibilizadas:
ribeirinhas a jusante, que excedem a capacidade
− Barragem de Camará localizada no Estado da sondagens, por exemplo), as quais devem ser
Paraíba, ruptura pelas fundações. programadas e executadas por equipe com
− Barragem de Glashütte localizada ao Sul de experiência comprovada em projetos desta
Dresden na Alemanha, ruptura por galgamento. natureza, com base nas normas descritas em ABGE
− Barragem de Algodões I localizada no Estado (2013). Ainda assim, a interpretação dos resultados
do Piauí, ruptura por erosão provocada pelo das sondagens é complexa, uma vez que o
escoamento oriundo do canal de restituição do especialista tem que inferir o que ocorre entre um
vertedouro. furo e outro e a experiência mostra que os casos de
interpretações errôneas são frequentes.
II. ESTATÍSTICA DE ACIDENTES COM Da mesma forma, a estimativa das vazões
BARRAGENS extremas para projetos dos vertedouros deve ser
São muitos os casos de acidentes registrados na feita por especialistas da área de hidrologia com
bibliografia mundial que resultaram em ruptura de experiência comprovada no assunto. Apesar de a
barragem (USBR, 1983) e as causas mais metodologia ser amplamente disseminada, a
frequentes estão apresentadas na Tabela 1. estimativa das vazões extremas é uma tarefa
O conhecimento da estatística dessas causas complexa porque depende de outras variáveis que
ressalta os métodos e critérios que devem ser devem ser medidas em campo, como a precipitação
focados e obedecidos no desenvolvimento de pluviométrica e a descarga líquida.
projetos, visando à minimização dos riscos de
ruptura. III. HISTÓRICO DOS DESASTRES
Da análise da Tabela 1, observa-se que 59% ORIUNDOS DE RUPTURAS DE BARRAGENS
dos acidentes são devidos a causas geológico- 3.1 – Barragem de Camará
geotécnicas (este valor resulta do somatório das
causas de problemas nas fundações, recalques A barragem Camará foi construída pela
diferenciais, pressões neutras elevadas, Companhia de Água e Esgotos do Estado da
deslizamentos de taludes e materiais deficientes) e Paraíba (CAGEPA), entre 1996 e março de 2004,
23% por conta de vertedouros inadequados, no rio Mamanguape, para abastecimento da cidade
devido, principalmente, ao subdimensionamento de Alagoa Grande, no interior do estado a oeste do
das vazões de projeto. João Pessoa (PB).
As suas principais características são: barragem
Tabela 1 – Estatística das Causas de Ruptura de Barragens de gravidade em concreto compactado a rolo;
Causa de ruptura Percentual altura de 50 m; comprimento do coroamento igual
Problemas nas a 296 m; largura da crista de 5,5 m; largura do
40
fundações sangradouro de 39 m; altura do sangradouro igual
Vertedouros a 4 m; lâmina máxima vertente de 2,3 m, e
23 capacidade de armazenamento igual a 26,5 x 106
inadequados
Construção deficiente 12 m3 .
Em 28 de junho de 2004, a barragem rompeu
Recalques diferenciais 10 pela fundação, por uma junta falha geológica
Pressões neutras significativa na ombreira esquerda (Figuras 1 e 2),
5
elevadas a qual, inexplicavelmente, não foi identificada no
Atos de guerra 3 projeto (BARBOSA et al., 2004; PAIVA JÚNIOR,
Deslizamento de 2006).
2 O acidente afetou a cidade de Alagoa Grande e
taludes
Materiais deficientes 2 outras três cidades próximas. Quatro pessoas foram
dadas como mortas e mais de três mil desabrigados.
Operação inadequada 2
A nova barragem, reconstruída no período de 2012
Terremotos 1 a 2016, foi inaugurada em 26/09/2016.
Fonte: USBR, 1983.
As Figuras 3 e 4 ilustram a reconstrução da
barragem.
O conhecimento das fundações é obtido através
da realização de programa detalhado de
Figura 1 – Vista de jusante da ruptura
investigações geológico-geotécnicas (furos de
Anais do XXXVII International Sodebras Congress
ISSN 1809-3957
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