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CARIRY,
Rosemberg. Barroso, Oswaldo. Nação Cariri Editora: Fortaleza, 1982.
A Morte no Nordeste
“Pelas estradas e lugares ermos, onde morre um homem, um retirante vencido pela
fome e pelo cansaço, um viajante assassinado pelo fogo de bacamartes em tocaias,
rústicas cruzes são erguidas para que o demônio não se aposse da infeliz alma.
Nessas cruzes, colocadas entre montículos de pedras e cascalhos, o povo deposita
oferendas e os penitentes, nas noites da Semana Santa, chicoteiam as costas até que
o sangue, tingindo de vermelho o chão, redima os pecados dos vivos e minimize as
penas das almas do purgatório. Os que morrem de fome ou com intenso sofrimento
viram santos e nas suas cruzes são depositados ex-votos, marcas concretas dos
milagres alcançados, na cura das mazelas e misérias do povo. As almas dos homens
que em vida muito pecaram voam com asas de penas de penas pretas e só as rezas,
penitências, velas acesas nos dias de finados poderão clareá-las, até que todas
estejam brancas como algodão e a alma, redima de suas culpas possa entrar no
paraíso.” (p. 200)
“Acredita o campesinato nordestino que quando o homem morre e a alma não segue
logo o seu destino, permanecendo junto ao corpo enquanto lhe dão sepultura. Surge
daí a necessidade de rituais específicos capazes de interceder junto à alma para que
ela se arrependa dos seus pecados e das faltas cometidas, seguindo o seu destino
(inferno, purgatório ou céu), conforme a gravidade dos seus pecados e a intensidade
do arrependimento. Se a alma não se arrepender, vira ‘alma penada’ e ficará vagando
no mundo, purgando a sua culpa. Quando o morto tem ‘alguma posse’, vai vestido em
roupa nova, se é pobre, veste mortalha de fazenda branca (camisolão, grosseira
imitação do hábito de São Francisco, com um cordão na cintura) se a família não tem
dinheiro para comprar a mortalha, o morto seguirá para o cemitério com a melhor
roupa. ‘A razão de não poderem os defuntos vestir roupa usada, e ter que vestir tudo
novo: é porque os anjos, ao virem buscar a alma do que morreu, seguram-se na
fazenda, que se for usada rasga-se, caindo a alma novamente na terra’” (p. 200)
Os Adjutórios
“Quando o enfermo dá sinais de que a morte está próxima, a família manda buscar o
‘ajudador’ para facilitar a saída da alma do corpo do moribundo e alertá-lo para o
arrependimento. Os ‘ajudadores’ compõem, na sua maioria, de pessoas do sexo
feminino com idade avançada. O ato da ajuda da desencarnação é chamado de
‘desobriga’ e é uma das funções mais importantes no ritual de morte, ganhando alguns
‘ajudadores’, por causa da sua competência, fama em toda região onde vivem. Ao
chegar o ‘ajudador’, depois de alguma orações, ‘faz uma defumação com incenso,
alecrim e arruda embaixo da cama e nos quatro cantos do quarto, tendo o cuidado de
emborcar os chinelos do agonizante para que a agonia não seja muito prolongada’. No
momento do desenlace é entoado um canto bendito, um canto triste e monótono.
‘Repetem lancinantemente enquanto seguram entre as mãos do que lentamente morre
uma vela acesa:
“Os negros, quando não eram recorridos pela Irmandade do Rosário ou por alguma
pessoa caridosa, nem direito ao sepultamento tinham. Era comum a prática de
abandonar os corpos dos negros [...]” (p. 202)
A Sentinela
“No Nordeste, o velório é também conhecido como Sentinela, Guarda ou Fazer Quarto,
constituindo um segundo momento do rito fúnebre. Comum a muitos povos, o velório,
no dizer de Câmara Cascudo, é instituição universal e indica qualquer o povo ou raça
como origem é apenas uma atitude de simpatia e jamais informação real.” (p. 203)
São José, o Patrono dos Mortos, é invocado em um bendito que narra o nascimento de
Cristo em Belém:
‘Uma folhinha
Toda orvalhada de pranto,
Peçamos ao pai eterno
Que tu também seja um santo’.
‘Duas folhinhas
Toda orvalhada de pranto…’
Cortejo Fúnebre
“Quando o morto pesava muito, era costume gritar-se pelo seu nome, acreditando-se
assim que ficaria mais leve. Irineu Pinheiro registra na região do Cariri uma outra
crença: ‘Quando o defunto é muito pesado, açoitam-no, às vezes, na convicção de que
o peso procede dos pecados do morto’.
‘Faz-se mister castigar-lhe o corpo para aliviá-lo das culpas cometidas em vida. Uma
feita, contaram-me, conduziam um cadáver do sítio Buriti para a vila de Santana do
Cariri (...), distante dali cerca de nove quilômetros.
‘Vergavam os que seguravam as duas pontas do pau da rede ao peso excessivo desta.
‘De quando em quando paravam anelantes para que se realizassem aos carregadores.
‘Em certo lugar do trajeto fez alto o séquito, tiraram do mato circundante ramos de
árvores e surraram o finado impiedosamente.
‘Garantiu o informante que as cipoadas, como sempre, tornaram leve o corpo, que logo
foi transportado até a Igreja e o cemitério de Santana” (p. 207)
“(...) A marcha toma aspectos de mistérios e assombrações, quando sob o sol forte,
caminhando pelas estreitas e difíceis veredas da caatinga, os acompanhantes
cumprem ainda seus deveres para com o morto, cantando os benditos de ‘acompanha’
‘Pelos passos de Deus Cristo,
O sangue que derramô,
Por aqui passô uma virge
Que o bendito acompanhô’ (Bis)” (p. 207)