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DADOS DE ODINRIGHT

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Meias verdades, velhas mentiras. A estratégia comunista de embuste e
desinformação.
Anatoliy Golitsyn
1ª edição — janeiro de 2018 — CEDET

Os direitos desta edição pertencem ao


CEDET — Centro de Desenvolvimento Profissional e Tecnológico
Rua João Baptista de Queiroz Junior, 427
CEP: 13098-415 — Campinas, SP
Telefone: (19) 3249-0580
e-mail: livros@cedet.com.br

Editor:
Thomaz Perroni

Tradução:
Nelson Dias Corrêa

Revisão ortográfica:
José Lima

Capa & diagramação:


Gabriela Haeitmann

Conselho editorial:
Adelice Godoy
César Kyn d’Ávila
Silvio Grimaldo de Camargo

Desenvolvimento de eBook:
Loope Editora | loope.com.br

FICHA CATALOGRÁFICA
Golitsyn, Anatoliy.
Meias verdades, velhas mentiras — A estratégia comunista de embuste e
desinformação / Anatoliy Golitsyn; tradução de Nelson Dias Corrêa — Campinas,
SP: Vide Editorial, 2018.
ISBN: 978-85-9507-28-8
1. Comunismo. 2. Espionagem e subversão.
I. Autor II. Título.
CDD — 321.92 / 327.12

ÍNDICE PARA CATÁLOGO SISTEMÁTICO


1. Comunismo — 321.92
2. Espionagem e subversão — 327.12

VIDE Editorial — www.videeditorial.com.br


Reservados todos os direitos desta obra. Proibida toda e qualquer reprodução
desta edição por qualquer meio ou forma, seja ela eletrônica ou mecânica,
fotocópia, gravação ou qualquer meio.
SUMÁRIO

Capa
Folha de Rosto
Créditos
Prefácio
Nota do autor
Epígrafe
Parte I. As duas metodologias
Capítulo 1. Os problemas para os analistas
ocidentais
Dificuldades gerais
Dificuldades especiais: desinformação
Desinformação nos regimes comunistas
Capítulo 2. Os padrões de desinformação:
“declínio-evolução”
O padrão “declínio-evolução”
O precedente da NEP
Os resultados da NEP
A lição da NEP
Capítulo 3. Os padrões de desinformação:
“fachada-resistência”
Discursos oficiais e documentos do partido
Operações especiais de desinformação
Capítulo 4. Os padrões de desinformação:
transição
O engodo da desestalinização
Anticomunismo
Anti-stalinismo
A desestalinização na prática
A desestalinização improvisada (1953-1956)
Reestalinização
Capítulo 5. A nova política e a desinformação
estratégica
A nova política
As desvantagens da unidade aparente
As vantagens da divisão aparente
O uso político da desestalinização
Fontes de inspiração
Capítulo 6. O relatório Shelepin e as mudanças
organizacionais
Departamento D
Capítulo 7. O novo papel da inteligência
Capítulo 8. Fontes de informação
Fontes ocidentais
Fontes comunistas
Análise da informação oriunda de fontes
comunistas
Capítulo 9. A vulnerabilidade das avaliações
ocidentais
As conseqüências de padrões de
desinformação diferentes
A crise no bloco (1949-1956)
A Segunda Guerra Mundial
Capítulo 10. Êxitos da inteligência comunista,
falhas do Ocidente e a crise nos estudos
ocidentais
Fatores para os êxitos da inteligência
comunista
Métodos obsoletos para análise das fontes
comunistas
A inépcia ocidental em detectar a
desinformação e o seu padrão vigente
Capítulo 11. Os erros do Ocidente
Capítulo 12. A nova metodologia
Fatores subjacentes à nova metodologia
A nova metodologia e as fontes ocidentais
A nova metodologia e as fontes comunistas
Fontes oficiais comunistas
Fontes comunistas extra-oficiais
Fontes comunistas “secretas”
Resumindo…
Parte II, O programa de desinformação e seus
impactos sobre o Ocidente
Capítulo 13. A primeira operação de
desinformação: a “disputa” iugoslavo-soviética
(1958-1960)
A reconciliação final da Iugoslávia com o
bloco
Evidências públicas da participação iugoslava
na formulação da nova política
Outras anomalias na “disputa”
Objetivos da disputa soviético-iugoslava
(1958-1960)
Capítulo 14. A segunda operação de
desinformação: a “evolução” do regime soviético
— parte I: as principais mudanças na URSS
Mudanças econômicas
Mudanças políticas
Mudanças diplomáticas
A influência da ideologia
O reavivamento da desestalinização
A posição de cientistas e outros intelectuais
soviéticos
Objetivos da desinformação estratégia
quanto à “moderação” e “evolução” soviética
Capítulo 15. A terceira operação de
desinformação: a “disputa” e o “cisma” soviético-
albanês
Quadro geral das relações soviético-
albanesas
Informações internas e sua interpretação
Anomalias na “disputa” e no “cisma”
Comparação com o “cisma” Tito-Stalin
Conclusão
Objetivos da operação de desinformação
Capítulo 16. A quarta operação de
desinformação: o “cisma” sino-soviético
A colaboração PCUS-PCC (1944-1949)
O atrito sino-soviético e o seu termo (1950-
1957)
Evidências históricas das diferenças sino-
soviéticas
A forma das diferenças sino-soviéticas
O conteúdo das diferenças sino-soviéticas
Diferenças ideológicas
Diferenças econômicas
Diferenças militares
Interesses nacionais
Diferenças táticas e estratégicas: política e
diplomacia
Diferenças táticas e estratégicas: países
comunistas de fora do bloco
A técnica do “cisma”
Objetivos estratégicos do “cisma”
Capítulo 17. A quinta operação de
desinformação: a “independência” romena
Relações especiais entre romenos e
soviéticos
As “evidências” de diferenças soviético-
romenas
Os motivos para a projeção da
“independência” romena
Objetivos da operação de desinformação
Capítulo 18. A sexta operação de desinformação:
as supostas disputas de poder nos partidos
soviético, chinês, entre outros
Sucessão na liderança soviética: novos
fatores de estabilidade
Lenin, Stalin e a persistência do problema da
sucessão
A “destituição” de Khrushchev
Objetivos da desinformação em torno de
disputas de poder
Capítulo 19. A sétima operação de
desinformação: a “democratização” da
Tchecoslováquia (1968)
A interpretação ocidental
Erros ocidentais
Uma reinterpretação da “democratização” da
Tchecoslováquia
O papel de historiadores e economistas na
“democratização”
Os papéis de Barak e de Sik
O papel dos escritores na “democratização”
A “disputa” entre os “conservadores” de
Novotny e os “progressistas” de Dubcek
Conclusões
Perdas e ganhos dos comunistas
Possíveis implicações da “democratização”
para o Ocidente
Objetivos da “revolução silenciosa”
Capítulo 20. A segunda operação de
desinformação: a “evolução” do regime soviético
— Parte II: O movimento “dissidente”
Sakharov
Objetivos da desinformação em torno da
“dissidência”
Capítulo 21. A oitava operação de desinformação:
contatos eurocomunistas com os soviéticos — A
nova interpretação do Eurocomunismo
As manifestações do eurocomunismo
O partido francês
O partido italiano
O partido espanhol
O partido britânico
Declarações conjuntas
A atitude soviética
Iugoslavos e romenos
A nova análise
A emergência do eurocomunismo
Reavivamento de questões liquidadas
Exploração da imagem “independente” dos
partidos eurocomunistas
Incoerências no eurocomunismo
Contatos persistentes com os soviéticos
A nova interpretação do eurocomunismo
Os possíveis efeitos adversos sobre o
comunismo internacional
Implicações à propaganda ocidental
Conclusão
Objetivos do eurocomunismo
Capítulo 22. O papel da desinformação e o
potencial da inteligência na realização das
estratégias comunistas
A estratégia principal
A desinformação e o papel estratégico da
Iugoslávia
Desinformação sino-soviética e a Revolução
Cultural: uma nova interpretação
Dualidade sino-soviética e estratégia
comunista no Terceiro Mundo
Dualidade sino-soviética e estratégica militar
Dualidade sino-soviética e o movimento
revolucionário
As vantagens da dualidade sino-soviética
O potencial da inteligência e os agentes de
influência
A exploração estratégica de agentes da KGB
entre intelectuais soviéticos e líderes
religiosos
Capítulo 23. Evidências da cooperação integral
entre partidos e governos comunistas
Coordenação dentro do bloco
Reuniões da cúpula
Coordenação por vias diplomáticas
Coordenação bilateral dentro do Bloco
Coordenação entre partidos do bloco e
partidos fora dele
Conclusões
Capítulo 24. O Impacto do programa de
desinformação
A modelagem da visão ocidental sobre o
mundo comunista
O efeito sobre a formação das políticas
ocidentais
Os efeitos práticos sobre as políticas
ocidentais
Conclusão
Parte III. A Fase Final e a Contra-Estratégia Ocidental
Capítulo 25. A fase final
Más interpretações ocidentais dos
acontecimentos na Polônia
Uma nova análise
Desenvolvimentos na década de 70
Preparativos finais para a “renovação”
O Partido Comunista Polonês no centro do
Solidariedade
Motivos para a criação do Solidariedade
A “Renovação” polonesa e sua ameaça ao
ocidente
Relações sino-soviéticas
O terceiro mundo
Desarmamento
Convergência
A Federação Comunista Mundial
Comentários à indicação de Andropov e
outros desenvolvimentos posteriores à morte
de Brezhnev
Desenvolvimentos sino-soviéticos
A tentativa de assassinato ao Papa
Capítulo 26. Para onde agora?
Reavaliação
Um fim às rivalidades nacionais
Solidariedade ideológica
Uma busca interior
Ampliando as alianças de defesa
Reorientação dos serviços de inteligência
Separações diplomáticas
Impedimentos comerciais e tecnológicos
Isolando os partidos comunistas
Falando aos povos do bloco comunista
Nos próximos cinqüenta anos
Glossário
PREFÁCIO

ASSIM COMO UMA VEZ ou outra lançam nova luz sobre as raízes
da mentalidade e do proceder comunistas, revelações do
que se passa por trás da Cortina de Ferro desafiam noções
já estabelecidas sobre o funcionamento desse sistema. Este
livro, cremos, faz ambas as coisas. É polêmico, para dizer o
mínimo. Rejeita perspectivas convencionais sobre matérias
que vão da derrubada de Khrushchev ao revisionismo de
Tito, do liberalismo de Dubcek à independência de
Ceaușescu, e do movimento dissidente ao cisma sino-
soviético. A análise do autor traz diversas e evidentes
implicações à política ocidental, e não terá a pronta
acolhida daqueles há muito comprometidos com pontos de
vista divergentes. Cremos, porém, que os debates que há
de suscitar levarão a uma compreensão mais profunda da
natureza da ameaça comunista e, quem sabe, a um
enrijecimento da determinação em combatê-la.
Graças aos serviços prestados ao partido e à KGB, e
ainda a seus excepcionalmente longos períodos de estudo
(em especial na KGB, mas também na Universidade do
Marxismo-Leninismo e na Escola de Diplomacia), o autor, na
condição de cidadão ocidental, desfruta de posição
singularmente privilegiada para escrever sobre os assuntos
tratados neste livro.
Ele nasceu próximo a Poltava, Ucrânia, em 1926. Foi,
portanto, criado como um membro da geração pós-
revolucionária. De 1933 em diante, residiu em Moscou.
Juntou-se à juventude comunista (Komsomol) aos quinze
anos, à época um cadete no colégio militar. Filiou-se ao
Partido Comunista da União Soviética (PCUS) em 1945,
durante seus estudos na escola de artilharia, em Odessa.
Naquele ano, entrou para a contra-inteligência.
Graduado pela escola de contra-espionagem militar de
Moscou, ingressou no serviço de inteligência soviético.
Lotado na sede, freqüentou aulas noturnas na Universidade
do Marxismo-Leninismo, graduando-se em 1948. De 1948 a
1950, estudou na faculdade de contra-inteligência da Escola
de Alta Inteligência; ainda entre 1949 e 1952, completou
um curso à distância da Escola de Alta Diplomacia.
De 1952 a inícios de 1953, junto a um colega, tomou
parte na redação de uma proposta de reorganização da
inteligência soviética para o Comitê Central. Essa proposta
compreendia sugestões para o fortalecimento da contra-
inteligência, a ampliação do uso de serviços satélites e a
reintrodução do “estilo ativista” aos trabalhos de
inteligência. Relativamente a isso, participou de uma
reunião do Secretariat presidida por Stalin, e de uma
reunião do Presidium presidida por Malenkov, à qual
compareceram Khrushchev, Brezhnev e Bulganin.
Por três meses, entre 1952 e 1953, o autor serviu como
chefe de seção no departamento do serviço soviético de
inteligência responsável pela contra-espionagem para os
Estados Unidos. Em 1953, foi mandado a Viena, onde serviu
sob disfarce como membro do aparato da Alta Comissão
Soviética. No primeiro ano, trabalhou contra emigrantes
russos; no segundo, contra a inteligência britânica. Em
1954, foi designado secretário adjunto da organização do
partido na residência da KGB em Viena, que chegava a
reunir setenta oficiais. De volta a Moscou, freqüentou por
quatro anos, e em período integral, o Instituto (hoje
Academia) da KGB, onde obteve a graduação em direito no
ano de 1959. Como aluno da instituição e membro do
partido, tinha uma boa perspectiva sobre a disputa de poder
na liderança soviética, que se fazia refletir na
correspondência secreta, em instruções e conferências.
De 1959 a 1960, tempo em que se formulava uma nova
política de longo alcance para o bloco e a KGB se
reorganizava para nele cumprir o seu papel, serviu como
analista sênior no Departamento de Informação do serviço
de inteligência soviético, seção OTAN. Foi então transferido
para a Finlândia, onde, sob o disfarce de cônsul adjunto na
embaixada soviética em Helsinki, trabalhou em assuntos de
contra-inteligência até romper com o regime em dezembro
de 1961.
Começara a se desiludir com o sistema soviético já por
volta 1956. Os eventos na Hungria intensificaram o seu
descontentamento. Concluiu que a única forma viável de
combater o regime era por fora dele e que, munido de seu
conhecimento interno da KGB, poderia fazê-lo de fato.
Tomada a decisão, passou a coletar e memorizar
informações que julgasse possivelmente relevantes e
valorosas para o Ocidente. A adoção da nova e agressiva
política comunista de longo alcance precipitou sua decisão
de romper com o regime; ocorreu-lhe que a necessidade de
antecipar as novas dimensões da ameaça que se
apresentava era a justificativa para que abandonasse seu
país e arcasse com os respectivos sacrifícios pessoais. Seu
rompimento com o regime foi um ato político deliberado e
longamente premeditado. Tão logo chegou aos Estados
Unidos, procurou alertar às mais altas autoridades do
governo sobre os novos riscos que impunha ao Ocidente a
canalização de todos os recursos políticos do bloco
comunista, inclusive seus serviços de inteligência e de
segurança, para a nova política de longo alcance.
De 1962 em diante, o autor dedicou boa parte de seu
tempo a estudar o comunismo da perspectiva de um
observador externo, acompanhando a imprensa tanto
comunista quanto ocidental. Iniciados os trabalhos neste
livro, continuou a chamar a atenção de autoridades
ocidentais para as interpretações nele contidas, e, em 1968,
permitiu a oficiais norte-americanos e britânicos que
apreciassem o manuscrito como ele então se encontrava.
Muito embora tenha sido ampliado para dar conta dos
eventos da última década, e também revisado conforme ao
autor se esclareceu a estratégia subjacente do comunismo,
a substância do argumento pouco mudou desde 1968. Dada
a sua extensão, parte significativa do manuscrito foi
resguardada para publicação posterior.
Os oficiais que conheceram o manuscrito, à exceção de
uns poucos, rejeitaram as visões ali expressas,
particularmente no tocante ao cisma sino-soviético. Na
verdade, com o passar dos anos, tornou-se, para o autor,
cada vez mais claro não haver esperança razoável de que
sua análise fosse levada a sério em círculos oficiais no
Ocidente. Ao mesmo tempo, a convicção de que os
acontecimentos seguiam comprovando a validade de sua
análise, de que a ameaça do comunismo internacional
carecia de uma compreensão adequada, e de que essa
ameaça estava para entrar numa nova fase, mais perigosa,
só aumentou. Decidiu então publicar a sua obra, tendo em
vista alertar a um setor mais amplo da opinião pública sobre
os riscos que ele percebia, esperançoso de estimular uma
nova abordagem do estudo sobre o comunismo e provocar
uma resposta mais coerente, determinada e efetiva por
parte dos interessados na preservação de sociedades livres
no mundo não-comunista.
Para levar sua decisão a efeito, o autor solicitou a nós
quatro, todos oficiais reformados do governo norte-
americano ou britânico, para aconselhamento e auxílio
editorial. Três de nós conhecemos sua pessoa e suas visões
há pelo menos doze anos; somos testemunhas de seus
esforços sisifianos para convencer a outras pessoas da
validade do que tem a dizer. Temos sua integridade pessoal
e profissional na mais alta consideração. O valor de seus
serviços em matéria de segurança nacional já foi
reconhecido oficialmente por mais de um governo no
Ocidente, e ainda que suas visões sejam rejeitadas por
muitos de nossos antigos colegas, seguimos crendo que os
conteúdos deste livro são da maior importância e relevância
para a devida compreensão dos eventos contemporâneos.
Estávamos, portanto, mais que dispostos a atender ao seu
chamado, e recomendamos a todos os interessados pelas
relações entre os mundos comunista e não-comunista que
disponham deste livro para os estudos mais sérios.
A preparação do manuscrito ficou a cargo do autor, que,
a título pessoal e privado, teve o auxílio de cada um de nós.
O autor é cidadão dos Estados Unidos da América e
Comendador Honorário da Ordem do Império Britânico
(CBE).

Stephen de Mowbray
Arthur Martin
Vasia G. Gmirkin
Scott Miller
NOTA DO AUTOR

ESTE LIVRO É o produto de quase vinte anos da minha vida. Ele


apresenta minha convicção de que, por todo esse tempo, o
Ocidente equivocou-se quanto à natureza das mudanças no
mundo comunista, de modo que acabou sendo
ardilosamente despistado e passado para trás. Meus
estudos não só fortaleceram essa crença como também
levaram-me a uma nova metodologia para a análise de
ações comunistas. Essa metodologia leva em consideração
o caráter dialético do pensamento estratégico comunista. É
minha esperança que essa metodologia venha a ser
utilizada por estudantes de assuntos comunistas em todo o
Ocidente.
Eu assumo total responsabilidade pelo conteúdo do
livro. Ao escrevê-lo, não contei com nenhum tipo de auxílio
por parte de quaisquer governos ou de outras organizações.
Submeti o texto à apreciação das autoridades americanas
competentes, que não levantaram quaisquer objeções a sua
publicação em matéria de segurança nacional.
Para a transliteração de nomes russos, vali-me do
sistema adotado pelas agências do governo americano. A
transliteração de nomes chineses segue o antigo sistema.
Quero agradecer a meus amigos Stephen de Mowbray e
Arthur Martin, que cumpriram a cláusula leonina da
editoração e auxiliaram-me de perto com seus serviços.
Agradeço também a Vasia C. Gmirkin e Scott Miller por suas
contribuições e pelo aconselhamento editorial.
Sou grato a PC, PW, RH, PH e AK pela dedicação com
que digitaram o manuscrito, às esposas de meus amigos,
que sofreram caladas durante a preparação, e
especialmente à minha mulher, Svetlana, pelo
encorajamento e complacência.
Quero expressar minha profunda gratidão a dois de
meus amigos americanos — cujo anonimato será
preservado — por sua ajuda e pelo empenho em chamar a
atenção dos editores, Dodd, Mead & Company, para o meu
manuscrito. Os editores merecem minha admiração por
terem captado o alcance do texto e pela coragem de
publicar um livro tão controverso. Sou especialmente grato
a Allen Klots, da Dodd, Mead & Company, que demonstrou
grande interesse pela publicação e também fez a edição
final do manuscrito.
Por fim, agradeço ao governo e ao partido soviéticos
pelos excelentes estabelecimentos de ensino que
possibilitaram este livro, e à história e literatura russas pela
inspiração que me guiou a consciência à decisão de servir
não ao partido, mas ao povo.

Anatoliy Golitsyn
Os homens não recebem a verdade de seus inimigos,
e tampouco ela lhes é oferecida por seus amigos;
foi por isso que eu a disse.
Alexis de Toqueville, Democracia na América

Meias verdades, velhas mentiras.


Atribuído a Anna Akhmatova
PARTE I
AS DUAS METODOLOGIAS
CAPÍTULO 1
OS PROBLEMAS PARA OS ANALISTAS OCIDENTAIS

O MUNDO NÃO-COMUNISTA dedica considerável esforço ao estudo


do mundo comunista — e com razão, já que o Ocidente
baseia sua política para com o mundo comunista em suas
estimativas sobre a situação ali dentro. Nos Estados Unidos,
na Grã-Bretanha, na França e em outros países,
multiplicaram-se as instituições voltadas ao exame dos
problemas relativos ao regime. À parte a historiografia
tradicional acerca da Rússia e da China pré-revolucionárias,
surgiram novas especialidades, a exemplo da “sovietologia”
ou da ainda mais restrita “kremlinologia”, que se ocupam
das altas esferas da política na União Soviética. Também
nos campos de “observação da China” e nos estudos sobre
o Leste Europeu, especialidades análogas vieram a se
estabelecer.
A validade dos resultados obtidos nesses estudos
depende diretamente da superação de dois tipos de
dificuldades: as gerais, advindas do sigilo resguardado pelos
regimes comunistas, e as especiais, criadas pela sua prática
de desinformação. O insucesso dos estudos ocidentais da
atualidade se deve, em grande medida, à inépcia em
examinar o segundo conjunto de dificuldades.

Dificuldades gerais

As dificuldades e obstáculos gerais que se colocam pelo


caminho dos estudos ocidentais derivam da natureza dos
regimes comunistas e são amplamente reconhecidas no
Ocidente. Neste conjunto, destacam-se:
• Medidas especiais para prevenir o vazamento de
informações secretas sobre a elaboração e
implementação de políticas, a exemplo do adicional
de 15% sobre o salário pago a oficiais da KGB.
• A existência de um serviço secreto imensamente
poderoso, dedicado a proteger segredos de estado e a
suprimir a verdadeira liberdade de expressão.
• O monopólio do partido e do Estado sobre o mercado
editorial, os meios de comunicação e a disseminação
de informação em nível tanto interno quanto externo.
• O controle e a observação efetiva de embaixadas,
jornalistas e visitantes estrangeiros em países
comunistas, bem como de seus contatos nesses
países.

Em princípio, essas medidas não são novidade. São


constantes em todos os sistemas totalitários, que as
aplicam por meio de técnicas variadas e em distintos graus
de eficiência.
Muito embora o compliquem, essas dificuldades não
inviabilizam o estudo de regimes e políticas comunistas. Os
pesquisadores ocidentais têm acumulado experiência em
contorná-las. O testemunho ocular de muitos ex-habitantes
do mundo comunista que hoje residem no Ocidente tem se
provado extremamente útil ao estudo rigoroso dos regimes
comunistas e de seus problemas no passado.1 Não
houvesse outras dificuldades, as estimativas ocidentais
poderiam ser mais ou menos precisas; mas ocorre que há
outras dificuldades — estas, especiais.

Dificuldades especiais: desinformação


As dificuldades especiais decorrem dos esforços
deliberadamente empreendidos por governos comunistas
para desorientar os estudos e avaliações ocidentais. Esses
esforços são conhecidos como desinformação (do russo
dezinformatsiya). Diz a Grande Enciclopédia Soviética que a
palavra tem raízes francesas: “de(s)”, que implica remoção
ou eliminação, e “information”, que significa conhecimento.2
A GES define desinformação como a disseminação de dados
falsos, via imprensa ou rádio, com o propósito de manipular
a opinião pública. A seguir, diz que a imprensa e o rádio
capitalistas a praticam ostensivamente com a intenção de
ludibriar o mundo todo e, retratando como defensiva a nova
guerra preparada pelo bloco anglo-americano, pintar como
agressiva a política de paz da União Soviética e das
democracias populares.
Seria uma definição um tanto quanto precisa se os
alegados papéis dos blocos “imperialista” e soviético não
estivessem invertidos. Com efeito, em maior ou menor
escala, a prática de desinformação consta desde sempre na
história da União Soviética.
Este livro cuida primariamente do uso comunista de
desinformação estratégica. O termo denomina o emprego
de um esforço sistemático em disseminar falsa informação e
distorcer, ou encobrir, dados autênticos para dissimular a
situação real e as políticas do mundo comunista, de modo
que o mundo não-comunista acabe confuso, logrado e
influenciado, suas políticas comprometidas, e os adversários
ocidentais do comunismo induzidos a contribuir
involuntariamente para a concretização dos planos que
antagonizam. Desde 1958, há um programa de operações
estratégicas de desinformação política em andamento. Seu
propósito é criar condições favoráveis para a
implementação das políticas de longo alcance do bloco
comunista, impedir a adoção de medidas preventivas ou
políticas efetivas por parte do mundo não-comunista, e
assegurar ganhos estratégicos ao comunismo internacional.
E embora compreender esse programa seja crucial para
uma análise correta da situação no mundo comunista, sua
própria existência tem sido ignorada ou desconsiderada no
Ocidente. Neste livro, tentar-se-á explicar, com base em
informação interna e na nova metodologia do autor, o papel
do programa de desinformação e as técnicas nele
empregadas.

Desinformação nos regimes comunistas

A prática de desinformação não é exclusividade dos


governos comunistas. Não obstante, tem papel mais
significativo nesses regimes que em quaisquer outros. Esse
papel é determinado pelos modos específicos como os
regimes comunistas respondem a crises em seus sistemas,
pelo alcance ilimitado de seus objetivos externos e pela sua
capacidade de levar a efeito uma estratégia política
ofensiva, global e de longo prazo.
Pode-se elucidar o papel da desinformação nos regimes
comunistas comparando os sistemas comunistas e
democráticos nos termos em que respondem a suas crises
internas, e pela natureza mesma de suas políticas externas.
Nas sociedades democráticas, crises internas são
geralmente declaradas e de alcance limitado. Um sistema
democrático dá margem à absorção das forças de
insatisfação popular por meio de eleições democráticas,
processos judiciais e respostas flexíveis nas formas de
negociação e mediação. Por essa razão, movimentos sociais
e de protesto normalmente não desencadeiam revoltas
generalizadas contra o regime. Crises geralmente resultam
em alguns reajustes, e ainda que possam selar o destino de
políticos, grupos ou partidos, não ameaçam a estabilidade
básica do sistema. Esse tipo de resposta democrática,
flexível, poderia ser visto nos Estados Unidos durante a
campanha contra a guerra do Vietnam e no desenrolar do
caso Watergate, bem como na França pós-maio de 1968.
Nos regimes comunistas, as crises são geralmente
encobertas do resto do mundo; devido à ausência de
processos democráticos e à supressão da oposição interna,
os descontentamentos políticos, sociais e econômicos se
acumulam e ameaçam desdobrar-se em sérias convulsões,
levantes de toda população contra o sistema inteiro — foi o
que aconteceu na Hungria em 1956. A solução para uma
crise dessas num sistema comunista é, no mais das vezes,
arbitrária e autoritária.
No âmbito das políticas externas, países não-comunistas
normalmente se pautam em interesses nacionais e buscam
objetivos de curto prazo. Salvo em tempo de guerra, essas
políticas são, em geral, defensivas. Governos democráticos
lidam diretamente com outros governos, e são
constrangidos a negociar com a oposição tão-somente em
caso de guerra civil. Governos democráticos tendem a ser
relutantes ou despreparados para tirar proveito de crises
em outros países, considerem-nos adversários ou não.
A política externa comunista, por outro lado, é global,
ideológica e de longo alcance, com vistas à dominação
mundial. Inclina-se intrinsecamente à tomada de iniciativa,
exceto quando é forçada à defensiva por uma combinação
extraordinária de circunstâncias. Aparências à parte, tende
a tratar com a oposição de extrema-esquerda nos mesmos
termos em que trata com os governos propriamente
estabelecidos. O comunismo está sempre pronto, e não raro
preparado, para tirar vantagem de qualquer crise num país
não-comunista — suas metas de longo-prazo e sem limites
o demandam.
Na medida em que se distinguem, os modos com que os
sistemas comunistas e não-comunistas respondem a crises
internas e pautam suas políticas externas determinam
diferentes papéis à desinformação. Sistemas democráticos,
mais abertos, portanto politicamente mais estáveis por
natureza, não precisam de desinformação para encobrir as
eventuais crises internas, ou ainda os meios pelos quais são
resolvidas. Crises vêm a público, e não se podem esconder
— o caso Watergate é exemplar. A condição primeira para a
solução de uma crise dessas é torná-la pública, de maneira
que não haja espaço para desinformação. Ainda que
governos democráticos em certa medida supervisionem o
noticiário para projetar uma melhor imagem de seus feitos,
corre-se o risco de que o uso de métodos clandestinos com
propósitos internos seja revelado e explorado pela oposição
na próxima campanha eleitoral. No contexto da política
externa, governos democráticos podem praticar
desinformação em busca de seus objetivos nacionais, e
normalmente defensivos, mas isso tende a ocorrer em
escala limitada e restritamente nos campos militar e de
contra-inteligência.
O papel da desinformação nos regimes comunistas é
totalmente outro, condicionado, em parte, pela inerente
instabilidade do sistema. A vulnerabilidade política, a tensão
em torno da própria estabilidade e os métodos nada
democráticos para lidar com crises internas obrigam esses
regimes a dispor de desinformação em larga escala, para
encobrirem e dispersarem as ameaças à sua existência, e
ainda pintarem a si próprios como formas estáveis de
sociedade. O papel interno da desinformação, por um lado,
é disfarçar os métodos antidemocráticos, antinacionais,
transgressores e até criminosos com que resolvem suas
crises; por outro, é minimizar ou neutralizar atividades anti-
regime e prevenir ou neutralizar qualquer tentativa de
fomentá-las ou explorá-las do exterior.
O papel especial da desinformação ganha ainda mais
amplitude com o caráter agressivo e ambicioso da política
externa comunista, cujo objetivo é promover e estabelecer
regimes comunistas em países não-comunistas pelo mundo
afora, com base em apoio a oposições de extrema-
esquerda, conquista de alianças políticas temporárias,
exploração e agravamento de quaisquer possíveis crises
internas, e mesmo a criação de crises artificiais. Para
funcionar bem, tal política precisa de uma camuflagem que
dissimule suas metas, táticas e manobras e, a um só tempo,
crie nos países em questão as condições favoráveis para o
cumprimento de seus objetivos. A desinformação
proporciona essa camuflagem, e ainda um meio para o
exercício de influências. É a combinação de agressividade e
desinformação o que confere à política comunista seu
caráter conspiratório. Não se trata de matéria especulativa,
mas de uma realidade efetiva e constante na atividade
comunista, de modo que não pode ser arbitrariamente
ignorada por governos e estudiosos ocidentais sem que isso
afete a precisão e o realismo de suas análises.
O escopo e a escala da desinformação praticada por
regimes comunistas são virtualmente ilimitados. Não
existem barreiras legais ou políticas para operações de
desinformação. Nesse sentido, comparado a um sistema
democrático, um estado policial — centralizador de
autoridade, controlador absoluto de recursos, operador
irrestrito de manobras políticas e imune às pressões da
opinião pública — é tremendamente vantajoso.
De posse dos meios de comunicação, governos
comunistas não precisam temer publicidade adversa;
podem dizer uma coisa em público e fazer outra em privado
passando totalmente incólumes. Podem ainda, para fins de
desinformação, dispor de seus serviços de segurança e de
inteligência, que operam em escala e num grau de
imunidade sem paralelos no Ocidente.
Com essas vantagens, não espanta que regimes
comunistas concentrem parte significativa de suas
atividades na desinformação em nível estatal; eles têm
oportunidades ilimitadas de praticar desinformação total,
isto é, de se utilizar de todos os tipos e canais de
desinformação.
O controle das operações comunistas de desinformação
se dá nas mais altas esferas do governo. Servem como
suporte aos interesses, formas, padrões e objetivos das
políticas de longo alcance, e são, portanto, definidas
conforme a sua natureza em tal ou qual período.
Ao se analisarem as potencialidades da desinformação
estratégica comunista, deve-se ter em mente que, ao longo
da Segunda Guerra, os próprios Aliados se mostraram
capazes de engendrar complexas e efetivas operações
militares de dissimulação. As três principais condições para
o êxito dessas operações eram a existência de metas
claramente definidas e acordadas entre os aliados, o
sistema marcial de censura à imprensa e rádio, e o insight
dos aliados sobre a inteligência alemã, particularmente
devido à habilidade em decifrarem a sua comunicação. Por
volta de 1960, os regimes comunistas se encontravam em
condições comparáveis às do Ocidente.

Isto reconhece-se, por exemplo, em The Communist Party of The Soviet Union
(Nova York: Random House, 1960, p. 542), de Leonard Shapiro: “O segredo de
que se podia cercar a União Soviética quebrou-se, especialmente em
decorrência do testemunho que puderam prestar os milhares de cidadãos
soviéticos que acabaram desalojados durante a guerra e não regressaram. Pela
primeira vez, estudos sérios sobre a história, a política e a economia soviéticas
proporcionavam aos países não-comunistas uma base sobre a qual pudessem
objetar o que a propaganda soviética dizia de si mesma”.
Agência Estatal de Ciência. Grande Enciclopédia Soviética. Moscou: vol. 13
(1952), p. 566 — daqui em diante referida GES. Esta é a segunda edição
publicada em finais da década de 1940, inícios de 1950. Volumes suplementares
têm sido anualmente publicados desde 1957. Os citados a seguir virão como
“GES” mais a indicação do ano em que saíram (os suplementos não são
numerados, mas designados pelo ano de lançamento).
CAPÍTULO 2
OS PADRÕES DE DESINFORMAÇÃO: “DECLÍNIO-
EVOLUÇÃO”

PODEM-SE DISTINGUIR TRÊS padrões de desinformação estratégica


comunista: um para períodos em que se visa a uma política
específica e de longo alcance; outro para períodos de crise
num regime comunista ou em sua política; e um para
períodos de transição.

O padrão “declínio-evolução”

O padrão utilizado ao longo da implementação de uma


política de longo alcance pode ser chamado “declíno-
evolução”, ou “cálculo de moderação ideológica”. Seu
objetivo é acalmar os adversários do comunismo
internacional, menosprezando a real força do movimento,
confundindo as políticas desses adversários pela
maquiagem das realidades da política comunista.
Segundo este padrão, por conseguinte, a desinformação
reflete fraquezas, rupturas e crises internas — reais ou
imaginárias —, e projeta a imagem de um sistema que
evolui: de um padrão ideológico para um convencional ou
nacional. A intenção é fazer com que as nações do mundo
não-comunista, ao comprarem essa suposta desunião e
evolução, tornem-se incapazes de responder efetivamente à
estratégia ofensiva e, desorientadas, incorram em erros de
cálculo ao tratar com o mundo comunista. O principal papel
da desinformação segundo este padrão é encobrir e
deturpar a verdadeira natureza e os reais objetivos, táticas
e técnicas da política comunista.
Para conquistar e explorar aliados temporários, e para
evitar que estes se alarmem, trata-se de disfarçar ou
diminuir a força e a agressividade do comunismo. Dados
factuais a favor do regime são ocultados ou diminuídos;
dados desfavoráveis são revelados, vazados ou inventados.
Uma vez que não se preocupam com eleições, os governos
comunistas, ao contrário dos democráticos, podem investir
na divulgação de informações que, verdadeiras ou falsas,
sejam-lhes desfavoráveis. No decorrer de um período de
implementação de políticas, fraquezas reais e artificiais do
sistema são enfatizadas; reajustes e soluções, pintados de
fracasso; as distinções ideológicas entre os sistemas
comunista e não-comunista, minimizadas; a moderação
calculada, e até fugas eventuais ao dogma comunista,
permitidas; traços e interesses comuns entre os sistemas,
exagerados; os objetivos comunistas de longo alcance e a
ação coordenada no sentido de os cumprir, encobertos. A
função desse padrão é, no entanto, a projeção de supostas
rupturas e crises e da presumível evolução dos estados
comunistas em estados-nação independentes, movidos,
como quaisquer outros, por interesses nacionais. O padrão
determina as formas e os meios. O protagonismo cabe à
desinformação especial; à propaganda, resta um papel
coadjuvante.

O precedente da NEP

O padrão declínio-evolução foi aplicado com êxito por


Lênin. Em 1921, a Rússia Soviética se encontrava à beira de
um colapso. A indústria fora arruinada pela guerra, e uma
crise se abatia sobre o campo. O povo russo, desiludido com
a rigidez do “comunismo de guerra”, estava prestes a se
levantar; o terror provava-se ineficaz; revoltas camponesas
estouravam na Sibéria e por toda a extensão do rio Volga;
movimentos nacionalistas na Ucrânia, na Geórgia, na
Armênia e na Ásia Central proclamavam abertamente o
separatismo, pondo em sério risco a unidade nacional; os
marinheiros lotados na base naval de Kronstadt se
rebelavam. No estrangeiro, as esperanças da revolução
mundial se tinham esmorecido com as derrotas na
Alemanha, na Polônia e na Hungria. As maiores potências
européias eram, ainda que individualmente, hostis ao
comunismo e ao estado soviético; um enorme movimento
de emigrantes russos, espalhado por toda a Europa,
planejava a derrubada do regime. A Rússia soviética estava
em total isolamento político e econômico.
Foi nesse contexto altamente desfavorável em relação
ao Ocidente que Lênin concebeu e lançou uma política de
longo alcance que, pelos oito anos seguintes, revelar-se-ia
espetacularmente bem sucedida. A ela deu-se o nome
deliberadamente enganoso de Nova Política Econômica, ou
NEP.3 Com efeito, seu alcance superava em muito o campo
da economia, definindo ainda os principais objetivos
políticos e ideológicos do regime, suas táticas para ação,
tanto interna quanto externa, e a estratégia mesma para o
movimento comunista internacional. Nos termos da NEP, os
líderes soviéticos deviam eliminar o separatismo com a
criação de uma federação de repúblicas nacionais, a URSS;
deviam introduzir a planificação econômica de longo prazo
em escala nacional; deviam planejar e construir um sistema
de abastecimento elétrico que cobrisse toda a extensão do
território e ligasse o país por inteiro; deviam dar início à
mudança que faria que a balança do poder global pendesse
em favor do comunismo.
Para o mundo em geral, a NEP significava que os
industrialistas estrangeiros estavam convidados a abrir
negócios na Russa soviética, além de que algumas
concessões dentro da indústria soviética lhes eram
oferecidas; significava também que as empreitadas
industriais soviéticas deveriam ser reorganizadas em forma
de truste e operadas a base de lucro; que somente
indivíduos livres ou então cooperativados poderiam ser
donos de empreitadas menores e de propriedades; que o
dinheiro voltava a ser usado e os negócios privados
estavam permitidos; que as restrições sobre viagens seriam
amenizadas; que os emigrantes estavam chamados a
retornar sob regime de anistia, e a alguns cidadãos
soviéticos estava permitida a emigração; e que a diplomacia
soviética estava em busca de uma coexistência pacífica
com o Ocidente.
Os líderes soviéticos viam tudo diferente. Era de sua
intenção que a NEP não só recuperasse a economia, mas
também servisse para prevenir revoltas internas, para
expandir os negócios no exterior, atrair capital e
competência estrangeiros, alcançar o reconhecimento
diplomático de países não-comunistas, prevenir um
confronto maior com as forças ocidentais, ajudar a explorar
as contradições dentro dos — e entre os — países
capitalistas, neutralizar o movimento migratório e ajudar a
promover a revolução mundial através do movimento
comunista.
Lenin acreditava que essa política ideológica e
fundamentalmente agressiva poderia se provar eficaz se
acompanhada do uso sistemático do embuste e da falsa
representação, ou, para usar a palavra em voga, da
desinformação. As características dessa desinformação
seriam uma aparente moderação da ideologia comunista, a
tática de evitar referências à violência dos métodos
comunistas, o exagero quanto ao grau de restauração do
capitalismo na Rússia soviética, o uso de um estilo sóbrio e
prático nas negociações diplomáticas e comerciais com o
Ocidente e a ênfase no desarmamento e na coexistência
pacífica. Tudo isso era para induzir o mundo exterior a crer
que o sistema comunista era fraco e estava perdendo seu
ardor revolucionário. Que, deixado por conta própria, ele ou
se desintegraria ou entraria em acordo total com o sistema
capitalista.
O serviço de segurança soviético foi reorganizado,
recebeu o novo nome de OGPU e também novas
incumbências, destinando-se à montagem de operações
políticas e de desinformação. Falsos movimentos de
oposição foram organizados e secretamente controlados
pelo OGPU. Sua finalidade era atrair oponentes genuínos do
regime para os seus quadros, dentro e fora do país. Esses
inocentes poderiam, então, servir ao regime das mais
diversas formas. Poderiam agir como canais de
desinformação; poderiam ser chantageados e então
recrutados como agentes; poderiam ser presos para receber
julgamento público. Um exemplo característico, mas não
isolado, dessa técnica nos oferece a assim chamada
operação “Trust”.
Em 1921, enquanto se lançava a NEP, o OPGU criou
uma organização anti-soviética falsa, a Aliança Monarquista
da Rússia Central. Esta já tinha sido uma organização
legítima, fundada por generais czaristas em Moscou e
Leningrado, mas fora liquidada pelo serviço de segurança
soviético entre 1919 e 1920. Antigos membros, entre eles
generais czaristas e membros da antiga aristocracia que
passaram para o lado soviético, lideraram o movimento,
nominalmente. Sua lealdade ao regime estava fora de
questão, uma vez que tinham traído seus velhos amigos no
submundo anticomunista. Eram eles os generais Brusilov e
Zaynchkovskiy, o adido militar na Iugoslávia, Gen. Potapov,
e Yakushev, alto funcionário de transportes. O mais ativo
dos agentes na Trust era um antigo oficial de inteligência do
Estado-Maior na Rússia czarista, cujos muitos nomes
incluiam Opperput.
Agentes da Trust viajavam para o exterior e
estabeleciam contato confidencial com líderes
anticomunistas legítimos, eLivross, aparentemente, para
coordenar atividades contra o regime soviético — entre eles
Boris Savinkov e os generais Wrangel e Kutepov.
Esses agentes segredavam a seus contatos que o
movimento monarquista anti-soviético que eles
representavam estava bem estabelecido, que tinham
penetrado os mais altos escalões do exército, do serviço de
segurança e mesmo do governo, e que tomar o poder e
restaurar a monarquia era questão de tempo. Eles os
convenciam de que o regime mudara drasticamente. O
comunismo tinha fracassado. Sua ideologia estava morta.
Seus atuais líderes nada tinham a ver com os fanáticos
revolucionários do passado — eram, no fundo, nacionalistas,
e seu regime estava evoluindo num sentido moderado, em
vias de cair. Era preciso encarar a NEP como a primeira
importante concessão rumo à restauração do capitalismo na
Rússia; e logo viriam concessões políticas. Por isso, diziam
os agentes, qualquer intervenção ou gesto de hostilidade
por parte das potências européias, ou dos movimentos no
estrangeiro, seria imprudente, senão trágico, uma vez que
apenas poderia unir o povo russo em torno do governo e
assim prolongar a sua sobrevivência. Os governos europeus
e os líderes eLivross tinham que acabar com a atividade
terrorista anti-soviética e mudar de atitude perante o
regime, passar da hostilidade para uma aceitação passiva.
Deveriam conceder reconhecimento diplomático e
intensificar os negócios, pois assim teriam melhores
oportunidades de contribuir para a evolução do sistema. Os
líderes no exílio deveriam voltar à Rússia e fazerem eles
mesmo a sua parte.
Naturalmente, houve quem duvidasse entre os
emigrados, mas o prestígio dos líderes da organização (em
particular do Gen. Brusilov) convenceu a maioria deles.
Aceitaram a desinformação de olhos fechados, e a
repassaram a colegas influentes nos serviços de inteligência
europeus. Quando transmitida aos governos como
informação “secreta”, soou muito impressionante; com o
passar do tempo, a mesma história confirmada por fonte
atrás de fonte, tornou-se “secreta e segura”. Os serviços de
inteligência pela Europa tinham se agarrado e ela, e era
impensável que todos pudessem estar errados.
Enquanto a Trust progredia, o OGPU tomou conta,
parcial ou totalmente, de dois outros movimentos
concebidos para influenciar a atmosfera política em favor da
NEP. Chamavam-se “Novos Marcos” e “Eurasiano”. O
primeiro foi usado pelo serviço de segurança soviético para
induzir os eLivross e intelectuais europeus a acreditar que a
ideologia comunista estava em queda e que o regime
tomava o sentido de um estado nacional comum. Com
auxílio extra-oficial do governo, o movimento lançou uma
revista semanal em Praga e Paris, chamada “Novos
Marcos”, e um jornal em Berlim, “Das vésperas”. Em 1922,
sob algum risco, o governo soviético permitiu o lançamento
de duas revistas em Leningrado e Moscou, “Nova Rússia” e
“Rússia”, que se destinavam a exercer influência similar
sobre intelectuais dentro do país.
Em 1926, todas as publicações de “Novos Marcos” já
tinham se acabado, o movimento abafado, e alguns de seus
líderes na União Soviética presos. Uma publicação oficial do
regime em parte confirma a exploração do movimento e
descreve o seu término. Logo em seguida, a operação Trust
foi encerrada com a prisão daqueles que tinham sido
imprudentes o bastante para se revelarem opositores do
regime.
Para impressionar o povo soviético, julgamentos
públicos de membros da oposição — uns genuínos, outros
falsos — foram realizados por todo o país. No estrangeiro,
empregaram-se os mais variados meios para prejudicar,
desunir e desacreditar tanto os movimentos de emigrados
como os serviços de inteligência europeus. Ambos tiveram
agentes — uns genuínos, outros falsos — julgados
publicamente in absentia; líderes de movimentos no exílio,
jornalistas, empresários, diplomatas e oficiais de governo
foram chantageados com base em seu envolvimento, e
coagidos a trabalhar para a inteligência soviética; alguns
líderes em particular, inclusive Boris Sakinov e o Gen.
Kutepov, e ainda o embaixador da Estônia em Moscou, Birk,
foram seqüestrados; espiões por ventura comprometidos
foram trocados ou recuperados; indivíduos e governos
seletos foram ridicularizados como “tolos que se deixaram
levar pela argúcia do OGPU”, ou pressionados pela ameaça
de cair em descrédito. Por exemplo: até 1944, durante a
ocupação na Finlândia, Zhdanov intimidou o presidente
Mannerheim com a promessa de um julgamento público por
seu envolvimento em atividades anti-soviéticas durante a
operação Trust, ou seja, ameaçando enxotá-lo da política
caso não atendesse as exigências soviéticas.
A NEP foi oficialmente encerrada por Stalin em 1929,
com o que se chamou “uma ofensiva socialista em todas as
frentes”. As concessões a industriais estrangeiros foram
canceladas; a iniciativa privada, proibida; a propriedade
privada, confiscada; a agricultura, coletivizada; a repressão
à oposição política, endurecida. A NEP poderia nunca ter
existido.

Os resultados da NEP

Tanto a agricultura como a indústria e o comércio


cresceram prodigiosamente sob a NEP. Ainda que não tenha
atraído grandes créditos do Ocidente, a NEP trouxe
tecnologias novas e mais eficientes. Milhares de técnicos
ocidentais ajudaram a industrializar a União Soviética, e
empresas ocidentais ali ergueram fábricas fundamentais. É
justo dizer que os alicerces das indústrias pesada e militar
da União Soviética foram deitados com auxílio norte-
americano, britânico, tcheco e, após o Tratado de Rapallo
(1922), também alemão. A Alemanha teve um papel
especialmente significativo na militarização soviética.
Segundo as cláusulas secretas do acordo, os alemães
contribuíram para a construção de plantas de aviação
moderna e de tanques de guerra. Os comunistas se referiam
a concessionárias e empresários estrangeiros, cinicamente,
como “assistentes do socialismo”. Lançava-se a planificação
e industrialização a longo prazo. O reconhecimento de jure4
da União Soviética pelo Ocidente ajudou o regime a
neutralizar a oposição interna e a estabilizar-se
politicamente. Os remanescentes de outros partidos
(Socialista Revolucionário, Menchevique, Sionista) foram
reprimidos, liquidados ou eLivross. Os camponeses,
pacificados. As igrejas estabelecidas tiveram sua
independência revogada, ao passo que igrejas novas,
“vivas” e controladas, aceitavam o regime. Os movimentos
nacionalistas e separatistas na Geórgia, na Ucrânia, na
Armênia e nas repúblicas asiáticas foram esmagados, e
suas nações totalmente incorporadas à federação. Não
houve oposição política organizada que despontasse sob a
NEP. Expurgos regulares garantiam a pureza ideológica do
partido comunista — uma pequena parte dos membros
sucumbia às tentações do capitalismo e acabava expulsa. O
partido e o serviço de segurança ganharam experiência em
métodos ativistas e na administração de seus contatos com
o Ocidente. A sociedade soviética passou a ser controlada
efetivamente pelo serviço de segurança.
O bloco europeu que se previa criar em oposição à
União Soviética não ganhou corpo. À exceção dos Estados
Unidos, todos os maiores países concederam
reconhecimento de jure à União Soviética. O movimento
emigrante foi devidamente penetrado, desacreditado e
relegado à desintegração. O Tratado de Rapallo, assinado
com a Alemanha em 1922 (a coroação da política ativista de
Lênin), elevou o prestígio soviético, contribuiu para o
fortalecimento militar do regime, evitou o surgimento de
uma frente anticomunista na Europa e enfraqueceu a
República de Weimar.
Entre 1921 e 1929, doze novos partidos comunistas se
integraram ao Comintern, assim totalizando quarenta e seis.
Por meio de táticas judiciais, esses partidos aumentaram
sua influência em sindicatos e parlamentos. Embora
frustrada a tentativa de formar uma única frente com as
Internacionais, alguns partidos socialistas — o alemão, o
francês, o espanhol e o tcheco — se dividiram sob a
influência da abordagem comunista; os grupos de esquerda
se uniram a partidos comunistas ou formaram novos
partidos. O Comintern ganhou valorosa experiência no uso
simultâneo de táticas legais e revolucionárias, na pronta
alternância entre umas e outras, e na sua coordenação à
diplomacia soviética. Táticas de frente unificada
funcionaram bem para os comunistas chineses sob o
Governo Nacionalista. A Mongólia veio a ser o primeiro
satélite soviético.

A lição da NEP

A desinformação levada a cabo nos tempos da NEP fora


bem-sucedida. Vista por olhos ocidentais, a ameaça do
comunismo parecia ter se tornado difusa. O temor do
bolchevismo esmoreceu. O posicionamento anticomunista
foi minado. Despertaram-se as expectativas de
reconciliação. O público ocidental, relutante a sacrifícios,
impeliu os seus governos a se acostumarem com o regime
comunista. Na realidade, o desafio do comunismo
recrudescera (as expectativas ocidentais estavam por se
destroçar), mas os estrategistas comunistas tinham
aprendido a lição de que os líderes ocidentais se poderiam
enganar e induzir a erros de análise e de cálculo político
relativamente à União Soviética. Com efeito, a
desinformação criou condições favoráveis para o sucesso da
política interna, da diplomacia ativista e da ação do
Comintern soviéticos.

Do russo, Novaya Ekonomiceskaya Politika — NT.


Termo do Direito Internacional Público referente ao gesto de reconhecimento de
um ato ou estatuto de outro Estado ou Governo — NT.
CAPÍTULO 3
OS PADRÕES DE DESINFORMAÇÃO: “FACHADA-
RESISTÊNCIA”

SE UM REGIME COMUNISTA se encontra em estado de crise,


enfraquecido, sua liderança dividida ou comprometida, o
padrão lógico para a desinformação vai no sentido de
disfarçar a crise e suas dimensões, de chamar a atenção
para outras área e problemas, e de apresentar a situação,
seja domesticamente ou para o mundo lá fora, sob a luz
mais favorável possível. Trata-se do padrão “fachada-
resistência” ou “vila de Potemkin”,5 aplicado em todos os
países comunistas — a exemplo da China e da Romênia — e
também na União Soviética.
O padrão geral determina as formas que toma a
desinformação e as técnicas a se utilizarem. Segundo o
padrão fachada-resistência, suprimem-se as informações
danosas ao regime ao passo que se exageram as
informações que o favoreçam. A imprensa reflete os
problemas reais muito vagamente, se é que os refletem.
Estatísticas são omitidas ou adulteradas. A propaganda tem
um papel de destaque, a ponto de se tornar ela mesma a
principal forma de desinformação. Levam-se a cabo fraudes
especiais para dar suporte a sua credibilidade. Os erros e
fraquezas do regime são retratados como êxitos e
demonstrações de força; passividade e fuga, como vitórias
políticas e ideológicas; inquietações sobre o futuro, como
segurança. Os temores do mundo em relação à força
comunista são deliberadamente atiçados, exagerando-se as
proporções da ameaça que ela representa para assim
desencorajar intervenções externas em assuntos
comunistas.
Esse padrão de desinformação foi massivamente
aplicado durante os expurgos de Stalin e nos anos finais de
sua vida. Durante a repressão em massa dos anos 1930, por
exemplo, o regime projetou-se para o mundo, e não sem
sucesso, como um sistema democrático modelar sob o
comando de um líder forte. O Exército Vermelho, cujos
corpos oficiais se tinham praticamente extinguido, foi
apresentado como a força militar mais poderosa em todo o
mundo. No período pós-guerra, o declínio da influência do
comunismo ideológico, e o grau de descontentamento
popular na União Soviética e em seus satélites no Leste
Europeu, foram ocultados; o alcance da oposição de
Zhdanov e seu grupo de Leningrado, em 1948, encoberto; e
o mesmo sucedeu com as tensões entre soviéticos, chineses
e os demais países comunistas. O bloco era a imagem
deturpada de um monólito. A força política, militar e
econômica desse assim chamado monólito era
flagrantemente aumentada pela propaganda comunista, o
principal veículo de desinformação.
Foi para evitar que o Ocidente detectasse a gravidade
dessa crise interna, cuja dissimulação era o fim mesmo da
propaganda, que se reduziu ao mínimo absoluto o contato
entre os mundos comunista e não-comunista. Cidadãos
soviéticos e de países satélites foram proibidos de viajar ao
exterior, a não ser como integrantes de delegações oficiais;
os emissários eram minuciosamente inspecionados antes de
partir e vigiados de perto no estrangeiro. Os únicos
visitantes de países não-comunistas eram comunistas ou
companheiros de viagem, que mesmo assim passavam por
rigorosa triagem antes de terem sua entrada autorizada. Já
no país, seus itinerários eram resolutamente
supervisionados, sendo que boa parte do programa se
ocupava de fazendas e fábricas coletivas que funcionavam
como atrações turísticas. Diplomatas e jornalistas
estrangeiros eram submetidos a restrições severas, suas
viagens reduzidas a um perímetro de vinte e cinco
quilômetros em torno da capital. Estabeleceram-se
procedimentos rigorosos para o contato oficial entre esses
diplomatas e oficiais comunistas; entre 1946 e 1947,
baixaram-se decretos especiais que definiam a
responsabilidade de oficiais do regime em tratar segredos
de estado. Ocidentais praticamente não tinham contato com
o homem comum da rua — e quando tinham, era sob
controle. Com essas medidas, os países comunistas ficaram
literalmente lacrados para o resto do mundo.
Os jornais comunistas careciam de quaisquer notícias
genuínas. Seus artigos se voltavam exclusivamente à força
do regime, aos feitos de seus líderes e às faltas do mundo
não-comunista. Somente os versados em análise de
propaganda e desinformação poderiam ler nas entrelinhas
e, de vez em quando, tirar dali alguma vaga idéia do que
realmente se passava.

Discursos oficiais e documentos do partido

Pode-se encontrar um exemplo da aplicação do padrão


fachada-resistência no relatório do Comitê Central do PCUS
para o 19º congresso do partido, em outubro de 1952. A
peça trata da situação política e econômica da União
Soviética e do bloco comunista no pós-guerra. Seguem
alguns excertos:
A questão dos grãos [na União Soviética] foi resolvida. Definitiva e
finalmente resolvida.

As realizações em todos os setores da economia nacional têm


proporcionado uma melhoria ainda maior dos padrões materiais e
culturais da sociedade soviética.
Com a obstinada implementação da política nacional de Lênin e
Stalin, nosso partido fortaleceu o estado multinacional soviético,
promoveu a amizade e a cooperação entre os povos da União Soviética,
fez de tudo para assistir, assegurar e encorajar o florescimento das
culturas nacionais dos povos de nosso país, e empreendeu uma luta
intransigente contra todos e quaisquer elementos nacionalistas. O
sistema político soviético, que já foi duramente provado pela guerra, e é
hoje, para todo o mundo, exemplo e modelo de verdadeira igualdade de
direitos e cooperação entre nações, testemunha o triunfo das idéias de
Lênin e Stalin sobre a questão da nacionalidade.

As relações da União Soviética com esses países [os satélites


comunistas] são um exemplo de relações entre estados inteiramente
novas, sem precedentes. Essas relações se baseiam nos princípios da
igualdade de direitos, da cooperação econômica e do respeito à
independência nacional. Fiel a seus acordos de assistência mútua, a
União Soviética presta e seguirá prestando assistência e suporte no
sentido da consolidação e desenvolvimento desses países.

Tratava-se de uma paródia da situação real. O que esse


relatório disse era diametralmente oposto à verdade. Quem
o compôs, o aprovou e o proferiu sabia muito bem que era
totalmente falso.

Operações especiais de desinformação

Em 1947, uma equipe especial de desinformação Quinto


Serviço foi criada como parte do serviço de inteligência
soviético, então conhecido como Comitê de Informação (KI).
Seu dirigente era o Cel. Grauehr.6
As operações especiais de desinformação realizadas
pelos serviços de inteligência comunistas jamais são fins em
si mesmas. Destinam-se a servir os fins da política,
geralmente criando e modelando as condições para a sua
implementação. Dado que a União Soviética sofria com uma
crise aguda e a absoluta falta de políticas coerentes que a
solucionassem, o Quinto Serviço teve o escopo limitado às
inatribuíveis operações de propaganda que se engendravam
para encobrir a crise e para justificar algumas das mais
ultrajantes e irracionais atitudes de Stalin — como, por
exemplo, o esforço em semear a suspeita de que Tito e
outros líderes iugoslavos fossem, a longo prazo, agentes
ocidentais.
Outro fator limitante no escopo dessas operações era o
culto à personalidade, que permeava a ditadura de Stalin e
bania a franqueza mesmo quando necessária para dar
credibilidade a uma fraude. Dois exemplos o ilustram. Um
agente soviético foi enviado em missão ao Ocidente. Ele
deveria se passar por um desertor em busca de asilo
político. O país que o acolheu permitiu-lhe conceder uma
coletiva de imprensa, na qual, como seria de esperar,
criticou o regime soviético. Ao ler a reportagem, Stalin
perguntou pelo controlador daquele agente — “o que é que
esse sujeito fazia antes de entrar para a inteligência?”
“Trabalhava numa fazenda coletiva”, respondeu-lhe o chefe
do serviço. “Então mande-o de volta ao seu kolkhoz”,7 disse
Stalin, “caso ele não entenda quão nocivas são as
declarações do seu agente. Elas evidenciam nossa
instabilidade política”.
Noutra ocasião, o serviço secreto polonês inventou a
história de que uma organização clandestina, na verdade já
liquidada, permanecia em ação. O objetivo era fazer dessa
organização imaginária um canal de desinformação política
e militar. Quando solicitado a autorizar que se transmitisse
essa desinformação, Stalin recusou. “Isto passa a impressão
errada sobre a estabilidade política da Polônia”, explicou.
Em 1951, quando se transferiu a inteligência soviética
do KI (Comitê de Informação) para o MGB8 (Ministério da
Segurança de Estado), o Quinto Serviço tornou-se um
diretório sob os auspícios do Ministério de Relações
Exteriores, de maneira que passou a tratar apenas de
desinformação diplomática. Durante a campanha anti-
semita, entre 1951 e 1953, o Quinto Serviço foi tão
desmoralizado quanto os demais serviços de inteligência.
Com efeito, seu dirigente, Cel. Grauehr, enlouqueceu.
Sucedeu-lhe Ivan Ivanovich Tugarinov, que veio a se tornar
diretor do KI.

No século XVIII, Conde Potemkin organizou para sua soberana, Catarina II, e
para os embaixadores de sua corte, uma viagem pelo rio Dnieper. Ansioso por
exibir o elevado padrão de vida de que gozavam os camponeses locais, súditos
da rainha, Potemkin mandou erguer vilas artificiais às margens do rio. Tão logo
superadas pela barca real, essas vilas eram rapidamente desmontadas, para
então serem remontadas mais adiante no curso do mesmo rio.
Antigo diretor da inteligência soviética na Suécia e em outros países.
“Coletivo de produção” (contração de kollektivnoye khozyaystvo) — NT.
Do russo, Ministerstvo gosudarstvennoy bezopasnosti — NT.
CAPÍTULO 4
OS PADRÕES DE DESINFORMAÇÃO: TRANSIÇÃO

A LUTA PELO PODER entre os sucessores de Stalin se arrastou


desde a sua morte, em 1953, até a vitória final de
Khrushchev em 1957. Significativamente, essa batalha não
se travou apenas entre personalidades, mas também entre
políticas que rivalizavam. Dada a falta de uma política
estável e consistente, não é de espantar que não houvesse
um departamento de desinformação centralizado na
inteligência soviética de então. A desinformação era
praticada esporadicamente pelos chefes de departamento
sob as instruções dos dirigentes do serviço.
As metas da desinformação naqueles tempos eram
ocultar do Ocidente as dimensões da crise no mundo
comunista, borrar as diferenças políticas entre os
concorrentes à sucessão, encobrir a selvageria da sua
disputa e passar uma impressão enganosa do processo de
desestalinização.
O êxito em acobertar a crise interna pode ser ilustrado
pela manipulação de dados acerca dos acontecimentos na
Geórgia.
A 5 de março de 1956, aniversário da morte de Stalin,
deu-se o primeiro grande transtorno em Tbilisi, capital do
país. Multidões se reuniram espontaneamente para um ato
anti-soviético na praça central. Os oradores exigiam a
abolição da política unipartidária, a dissolução do serviço de
segurança, a liberdade de expressão e a independência da
Geórgia. Os estudantes apelaram às massas e muitos
georgianos, respondendo a este apelo, juntaram-se à
revolta. Sob ordem de Khrushchev, tropas especiais foram
postas em prontidão com ordens para dispararem contra os
populares. Muitos foram os mortos e feridos. Muitos foram
os estudantes presos. As unidades nacionais das tropas
georgianas e armênias que se assentavam no distrito militar
local foram desarmadas e desfeitas em uma noite.
O que se deu na Geórgia na primavera de 1956 pode
ser associado ao “Domingo Vermelho” (9 de janeiro de
1905). Nesse infame episódio da história russa, uma
manifestação popular foi, a mando do czar, dispersada com
derramamento de sangue. Em 1905, o Domingo Vermelho
foi manchete em cada jornal da Rússia, causando
indignação em massa por todo o país. Em 1956, o evento foi
ignorado. Nenhum jornal sequer o mencionou. Era como se
nunca tivesse acontecido. Ainda é segredo de estado que
Khrushchev e Serov, diretor da KGB, tenham corrido até a
Geórgia para coordenar a contenção do tumulto.
A Geórgia foi completamente isolada do resto do país.
Paragem convidativa a turistas de toda a União Soviética,
atraídos por seus famosos resorts, a área ficou deserta
durante o verão de 1956. A entrada e saída de viajantes
passou a ser rigidamente controlada. Explicava-se, semi-
oficialmente, que os fortes ânimos nacionalistas dos
georgianos se haviam perturbado com a censura de Stalin.
Notícias acabaram chegando ao Ocidente, mas o
ocorrido na Geórgia foi interpretado como um acesso de
insatisfação nacionalista e não como um protesto
espontâneo contra todo o sistema soviético.

O engodo da desestalinização

Quanto à luta pelo poder, Khrushchev envolveu o


Comitê Central, o KI subordinado ao Ministério de Relações
Exteriores e a KGB numa bem-sucedida operação de
desinformação, cujo fim era dissimular as razões para a
destituição de seus rivais e o verdadeiro caráter de sua
própria posição e política. Tendo implicado a deturpação das
questões envolvidas no stalinismo e na desestalinização, e
ainda provido de alguma base técnica o programa de
desinformação estratégica lançado em 1959, essa operação
exige detalhamentos.
Para evitar mal-entendidos, um bom começo é distinguir
anticomunismo de anti-stalinismo e definir o grau de
legitimidade do processo de desestalinização.

Anticomunismo

O anticomunismo não está relacionado a hostilidades


contra qualquer líder comunista em especial. Trata-se de
oposição aos princípios e práticas comunistas, de sua crítica
no sentido mais amplo da palavra. Sob formas variadas,
dentro e fora da União Soviética, existe desde antes de
1917. Desenvolveu-se nos tempos de Lênin, floresceu nos
tempos de Stalin e, ainda que menos vigoroso, resistiu aos
tempos seguintes. Deste modo, podem se distinguir três
tendências: uma conservadora, mais ou menos rígida e
consistente em sua oposição; uma liberal, que vez por outra
favorece certo grau acomodação; e uma neutra, particular
aos vizinhos não-comunistas que, na tentativa de
assegurarem sua própria sobrevivência, tentam fazer
arranjos práticos com os regimes comunistas.
O anticomunismo pode brotar, na intelligentsia, da
rejeição intelectual às pretensões dogmáticas do marxismo
enquanto filosofia. Em todos os estratos sociais, alimenta-o
a certeza de que o comunismo é um sistema antinatural,
intolerante e desumano, que desconsidera o indivíduo,
subsiste à base da força e do terror, e persegue uma política
ideológica agressiva que mira à eventual dominação do
mundo. No passado, a teoria e prática comunista em
matéria de conquista do poder, abuso e destruição de
instituições democráticas, supressão da liberdade pessoal e
uso de terror suscitaram uma resposta engajada da parte
dos social-democratas, o que alargou o fosso entre partidos
socialistas e comunistas e dividiu o movimento trabalhista
internacional.
A força do anticomunismo internacional tem tido
crescentes e decréscimos. Os dois grandes picos foram o
esforço anglo-francês em criar uma coalizão anticomunista
européia durante a guerra civil na Rússia, entre 1918 e
1921, e a criação da OTAN depois da Segunda Guerra.
Dentro e fora da União Soviética, o anticomunismo teve
diversas expressões a partir de 1917. São exemplos típicos
a guerra civil na Rússia, os movimentos separatistas nas
outras repúblicas, as revoltas no Cáucaso e na Ásia Central
durante os anos 1920, a posterior resistência clandestina na
Ucrânia e nas repúblicas balcânicas, e as atividades das
organizações de emigrados, de refugiados políticos e de
dissidentes dos partidos comunistas ocidentais.
Esse tipo de oposição teria existido com ou sem a
ascensão de Stalin, muito embora tenha ganhado fôlego
com a sua influência repressiva. Com efeito, seu governo foi
tão pessoal e despótico que, por certo tempo, stalinismo e
comunismo foram praticamente sinônimos, de maneira que
as duas oposições confundiam-se — até porque Stalin
debelava as duas com a mesma severidade e falta de
escrúpulos. Nos anos 1930, com a repressão em massa,
esmagou oposições reais e imaginárias, inclusive da parte
de membros do partido. Alguns dos líderes da Terceira
Internacional, a exemplo de Zinovyev, Bukharin e Bela Kun,
foram fuzilados. Trotsky, que assim como os social-
democratas, era tido por Stalin como um dos inimigos mais
perigosos da União Soviética, foi assassinado por agentes
secretos a mando de Stalin em 1940. Lideranças social-
democratas no Leste Europeu pós-Segunda Guerra foram
fisicamente eliminadas.

Anti-stalinismo

Todo anticomunista é anti-stalinista. O que importa


observar, no entanto, é que o anti-stalinismo foi
tradicionalmente abraçado por muitos que, em vez da
abolição do sistema comunista, visaram fortalecê-lo e
purificá-lo por meio da supressão de certos elementos da
política e da prática de Stalin. Esse tipo de anti-stalinismo
critica o comunismo apenas em sentido bem limitado, e
existe dentro do movimento desde 1922. Depois da morte
de Stalin, tornou-se um elemento da vida partidária e da
política oficial, levando ao genuíno processo de
desestalinização.
Sob muitos aspectos, a política de Stalin seguia a
doutrina clássica de Lênin — quanto à ditadura do
proletariado e do partido comunista, a coletivização da
agricultura, a eliminação das classes capitalistas, a
construção do “socialismo” na União Soviética e o suporte a
revoluções “socialistas” no estrangeiro, por exemplo — mas
também se desviou de seus princípios e práticas quando
instituiu a ditadura pessoal de Stalin, a eliminação física e
inescrupulosa da oposição, a repressão a elementos leais de
dentro do partido, o alargamento do fosso criado entre a
classe dominante e os operários, ou agricultores
desfavorecidos, e a manipulação e descrédito da ideologia
comunista.
A oposição comunista a Stalin teve, ao longo dos anos,
expressão em:
• Lenin, cujo testamento continha críticas ao
temperamento de Stalin e a sugestão de que ele fosse
removido do posto de secretário geral do partido.
• Trotsky e seus seguidores, que, nos anos 1920 e 1930,
distinguiam publicamente entre o que eram
elementos leninistas nas políticas de Stalin e o que
era propriamente stalinista.
• Tito e o Partido Comunista Iugoslavo, durante e depois
da ruptura em 1948.
• Zhdanov e seu grupo de Leningrado, em 1948.
• Líderes comunistas chineses — em segredo entre
1950 e 1953, declaradamente em 1956.
• Líderes do PCUS e de outros partidos comunistas —
em atos, mais que palavras, entre 1953 e 1956, e
abertamente de 1956 em diante.

Embora as críticas desses indivíduos e grupos tenham


variado em intensidade e franqueza, todos eles, cada um a
seu modo, permaneceram comunistas e, em particular, fiéis
ao leninismo. Eram, pois, a verdadeira expressão da
desestalinização, isto é, criam na restauração do
comunismo leninista, livre dos desvios de Stalin.
Os riscos a que o stalinismo expunha o movimento
comunista foram ignorados nos anos 1930 e 1940 por causa
da ameaça do fascismo e das oportunidades por ele
oferecidas para a formação de frentes populares junto a
partidos socialistas e de alianças em tempo de guerra junto
a potências européias. Já entre 1953 e 1956, o estrago feito
pelo stalinismo à causa comunista era visível. Tal estrago se
fazia notar:
• Na distorção, degradação e descrédito da ideologia
comunista. A imagem do marxismo, enquanto
filosofia, tinha se desbotado aos olhos de intelectuais
ocidentais.
• Na crescente insatisfação na União Soviética e em
seus satélites, que levava a insurreições explosivas na
Alemanha Oriental, na Polônia e na Hungria.
• No declínio da influência e no isolamento de partidos
e regimes comunistas.
• Na aversão de liberais9 ocidentais, antes simpáticos
ao comunismo.
• No prestígio e na influência crescentes do
anticomunismo.
• Na forte oposição de vários movimentos religiosos, o
Catolicismo e o Islã inclusive.
• Na formação de alianças militares ocidentais, a
exemplo da OTAN, da SEATO10 e do Pacto de Bagdá
(posteriormente CENTO).11
• Na hostilidade de líderes moderados e genuinamente
neutros de países em desenvolvimento, tais como
Nehru.12
• Na cooperação entre governos democráticos do
Ocidente e organizações anticomunistas de emigrados
da União Soviética.
• Na colaboração entre governos ou partidos social-
democratas e conservadores contra a ameaça
soviética.
• Na ruptura da Iugoslávia com o bloco comunista e sua
reaproximação com o Ocidente entre 1948 e 1955.
• Nas sérias tensões entre a União Soviética e a China
comunista, que entre 1950 e 1953 ameaçou resultar
em ruptura entre as duas.
• Na oposição de Zhdanov a Stalin.
• Na grande disputa de poder que se seguiu à morte de
Stalin.

Em algumas áreas, o stalinismo uniu os dois tipos de


oposição: anticomunismo e anti-stalinismo. No caso da
Iugoslávia, que se encontrava mais próxima do Ocidente
que do bloco comunista a partir 1948, os dois quase se
fundiram. Nesse contexto, o episódio mais significativo na
história da malfadada oposição a Stalin, ainda em sua vida,
foi a tentativa de formar um grupo em torno de Zhdanov no
ano de 1948. Por mais que tenha fracassado, isso chegou ao
conhecimento dos sucessores imediatos de Stalin na
liderança soviética. Foi integrado ao seu repositório das
formas de oposição ao comunismo e ao stalinismo, e pesou
como argumento para que encarassem a necessidade de
corrigir as distorções stalinistas se quisessem evitar a
debacle do sistema. A desestalinização era o caminho que
lhes saltava à vista, de maneira que agora é preciso relatar
o seu percurso após a morte de Stalin.

A desestalinização na prática

Podem-se distinguir três fases de desestalinização: uma


desestalinização inicial, sem ensaio e pouco pensada,
porém genuína, levada a cabo entre 1953 e 1956 por uma
liderança confusa, dividida e competitiva, sob pressão dos
populares e desprovida de quaisquer políticas de longo
prazo para o bloco; em seguida, um retrocesso entre 1956 e
1957, quando Khrushchev recorria a métodos stalinistas
para abafar a revolta na Hungria, e também a oposição,
visando assegurar a sua preeminência; e por fim, de 1958
em diante, uma cautelosa retomada de alguns elementos
da desestalinização — como, por exemplo, a gradual
libertação e reabilitação de algumas das vítimas de Stalin —
combinada a uma calculada exploração política do processo,
na qual alguns de seus elementos foram deliberadamente
dissimulados.

A desestalinização improvisada (1953-1956)

Diferente do que não raro se presume, a


desestalinização não teve início com o relatório secreto de
Khrushchev para o Vigésimo Congresso do PCUS, em 1956,
mas imediatamente após a morte de Stalin em março de
1953. Cada um dos pretendentes à sucessão — Beriya,
Malenkov, Molotov, Bulganin e Khrushchev — era anti-
stalinista ao seu modo. Todos, sem exceção, sabiam da crise
no sistema comunista e concordavam quanto à necessidade
de se abandonarem urgentemente as políticas stalinistas.
Por outro lado, não havia acordo quanto à natureza e
alcance das mudanças necessárias. Nenhum dos aspirantes
era preeminente; nenhum deles tinha trabalhado os
detalhes suas próprias políticas; e como viveram à sombra
de Stalin, não se haviam articulado em torno de quaisquer
políticas em comum.
Seus diferentes planos e personalidades afetaram o
curso da desestalinização. Beriya tinha em mente as mais
profundas e heterodoxas formas de mudança, inclusive a
abolição das fazendas coletivas. Malenkov, o mais seguro
dos líderes, ia além dos demais no sentido de condenar
abertamente os métodos da polícia secreta e conceder às
demandas populares. Não foi Khrushchev quem deu início à
desestalinização, e sim Malenkov, Beriya e Molotov, que
dominaram o Presidium após a morte de Stalin.
Vários passos foram dados mais ou menos de imediato.
Certas lideranças julgadas e encarceradas sob o comando
de Stalin tiveram seus casos revistos. Os médicos do
Kremlin13 foram soltos. As prisões em massa, banidas. A
tensão internacional, aliviada pela resolução da Guerra da
Coréia. A instrução de Stalin sobre a reativação da
inteligência no exterior, de dezembro de 1952, cancelada,
de modo que não viesse a comprometer o impacto da nova
moderação na política externa soviética.
A primeira pista do rebaixamento de Stalin e da
admissão de suas faltas foi dada em julho de 1953 por uma
carta confidencial endereçada aos membros do partido, a
qual lhes informava sobre a destituição de Beriya e as
razões por detrás disso. A carta se referia a Stalin não como
um grande líder, mas simplesmente como “Stalin, I.V.”, e
associando o nome Stalin ao de Beriya, afirmava que o
favoritismo de um evitara a exposição do outro. Foi a
primeira vez em que se admitiu tacitamente a falibilidade
de Stalin aos membros do partido.
Mais tarde se soube entre círculos do partido que em
julho 1953, após a prisão de Beriya, uma discussão
sucedera no Presidium a partir da iniciativa de Malenkov. Foi
decidido por unanimidade que se alterariam as práticas
stalinistas no partido e na administração, conquanto sem
críticas públicas a Stalin. Particularmente, o Presidium
recomendou a reavaliação e reforma das práticas do serviço
de segurança, mirando a que, num futuro mais estável para
o partido e para o país, houvesse uma explicação razoável
para os desvios de Stalin em relação aos princípios
comunistas, a exemplo da injustificável repressão do
pessoal, que incluía membros do partido. Todos os membros
do Presidium, Khrushchev inclusive, concordaram em que
somente Stalin e Beriya fossem criticados e que os
equívocos dos demais não deveriam ser reconhecidos.
Assim, o relatório secreto sobre os crimes de Stalin,
apresentado por Khrushchev em fevereiro de 1956 por
ocasião do vigésimo congresso do partido (relatório que
mais tarde chegaria ao Ocidente sem nunca ter sido
publicado na União Soviética) era, na verdade, a
conseqüência de uma decisão do Presidium. Foi preparado
por Pospelov, diretor do Instituto Marx-Engels-Lenin-Stalin.14
Os fatos foram retirados de arquivos confidenciais do
serviço de segurança, e muitos dos relatos da repressão
stalinista contra a “velha guarda” leninista foram colhidos
das memórias de ex-lideranças comunistas que se haviam
publicado no Ocidente durante os anos 1930, em especial
as de Trotsky. O rascunho foi discutido e aprovado pelo
Presidium na véspera do congresso.15 Durante sua
apresentação, deu-lhe Khrushchev seus próprios toques
pessoais.
O mais importante sobre esse relatório é que ele
impediu que a desestalinização descambasse num ataque
aos princípios comunistas como um todo. As mudanças que
Beriya e Malenkov tinham em mente com a sua versão
revisionista de desestalinização poderiam alterar o regime
na base. Ademais, devido à gravidade da crise no mundo
comunista e a intensidade da luta pelo poder entre
lideranças soviéticas, tais mudanças, uma vez perseguidas,
poderiam criar força própria e assim causar uma
transformação radical da sociedade soviética
independentemente dos anseios de seus iniciadores ou de
suas conseqüências incalculáveis para a União Soviética e o
restante do mundo comunista, bem como para o mundo
não-comunista. Não foi à toa que Beriya acabou fuzilado
como um “agente do mundo imperialista” e Malenkov
destituído do cargo de primeiro-ministro em 1955 por
“desviar-se das teorias de Lênin e de Stalin”. Suas idéias
realmente ameaçavam o regime, e poderiam levar a uma
situação que lhes escaparia do controle. Atribuindo a culpa
por todos os erros do passado aos delitos — e não às teorias
— de um só indivíduo, Stalin, o partido pôde a um só tempo
instituir algumas mudanças táticas radicais e preservar a
essência do regime comunista.

Reestalinização

A exposição dos erros de Stalin impulsionou


consideravelmente o anticomunismo em geral e os
sentimentos anti-stalinistas em partidos comunistas tanto
de dentro como de fora do bloco. Tumultos sucederam na
Geórgia, na Polônia na Hungria, e a crise em outros tantos
países comunistas aprofundou-se.
A resposta de Khrushchev foi regressar aos métodos
stalinistas. O serviço de segurança foi reforçado, as forças
armadas dispostas para abafar revoltas na União Soviética e
no Leste Europeu.
O progresso de Khrushchev, no sentido de estabelecer
sua própria forma de ditadura pessoal, alarmava os seus
colegas. Molotov e Malenkov surgiram como líderes da
oposição. Malenkov estava moldando a sua própria atitude e
política para a desestalinização. Ele e seus apoiadores
deixaram claro que queriam afastar Khrushchev para
assegurar a continuação do processo que se tinha
embargado. Enquanto comunistas, queriam estabilizar o
sistema, e viam-se consternados pelo culto à personalidade
fundado por Khrushchev em torno de si mesmo. Isso
comprometia as suas próprias posições. De seu ponto de
vista, a política de repressão a que recorria Khrushchev
poderia ocasionar uma explosão ainda maior na Hungria, o
que contradizia totalmente o curso adotado após a morte de
Stalin. Khrushchev, aos seus olhos, era um novo Stalin a ser
removido.
O ajuste de contas veio em junho de 1957. Com o
auxílio do exército e do serviço de segurança, Khrushchev
derrotou o “grupo antipartido” pela menor das margens.
Tivesse a oposição vencido, abrir-se-ia a possibilidade de
um genuíno e irrestrito processo de desestalinização e
liberalização do regime. A exposição dos métodos stalinistas
empregados por Khrushchev na conquista do poder pessoal,
somada às novas denúncias de repressão policial e o
julgamento público do presidente da KGB, Serov, teria
levado a população a exigir ainda mais mudanças. Dividido,
o grupo de oposição, uma vez no poder, seria obrigado a
fazer concessões, de maneira que nada importariam as
vontades particulares de seus membros. Daí se seguiria
uma luta ainda mais intensa pelo poder e a impossibilidade
de se adotar uma nova e bem acordada política de longo
alcance.
A vitória de Khrushchev sobre a oposição em junho de
1957 conferiu-lhe uma posição incontestável, deixando-o
livre para reconsiderar a situação na União Soviética e no
bloco comunista sem interferências de dentro da liderança.
Sua primeira manobra foi virar o jogo contra o grupo
antipartido pregando-lhe falsamente, embora com sucesso,
a pecha de stalinista. Conseguiu tomar para si os créditos
pela exposição dos crimes de Stalin, disfarçar o seu próprio
uso de métodos stalinistas e distrair as atenções para a
natureza das acusações que a oposição lhe fizera. Pintada
como uma vitória sobre as forças do stalinismo, a derrota da
oposição passou por benção ao público soviético e ao
mundo como um todo. Embora houvesse certo ceticismo,
até mesmo entre algumas organizações do partido, as
pressões sobre o governo, assim domésticas como
internacionais, diminuíram.

Em inglês norte-americano, liberal está mais para “esquerdista” do que para


“liberal” no sentido clássico (ou britânico) do termo — NT.
Organização do Tratado do Sudeste Asiático (do inglês Southeast Asia Treaty
Organization). Fundada em 1954 pelos signatários do Pacto de Manila (que
caminhova aorte de Stalin;ostor a encarar a de Zhdanov em 1948.nto a poteres
e das oportunidades que Estados Unidos, Grã-Bretanha, França, Austrália, Nova
Zelândia, Paquistão, Filipinas e Tailândia), foi formalmente extinta em 1977 —
NT.
Assinado por Grã-Bretanha, Turquia, Irã, Iraque e Paquistão em 1955, o acordo
deu origem à Organização do Tratado do Oriente Médio, rebatizada Organização
do Tratado Central (do inglês Central Treaty Organization) com a saída do Iraque
e a adesão dos Estados Unidos, ambas em 1959. Dissolveu-se em 1979, após o
rompimento do Irã — NT.
Jawaharlal Nehru, primeiro-ministro da Índia entre 1947 e 1964 — NT.
Em 1953, nove médicos que trabalhavam para o Kremlin foram publicamente
acusados de conspiração, o que incluía os supostos envenenamentos de
Shcherbakov (1945) e Zhdanov (1948). Dos nove presos, dois morreram antes
do fim das investigações que acabaram por extinguir o caso — NT.
Marx-Engels-Lenin-Stalin Party Research Institute — NT.
Sustentam essas declarações os registros oficiais dos discursos proferidos por
diversos membros do Presidium — inclusive Khrushchev, Molotov, Malenkov,
Mikoyan e Kaganovich — por ocasião do Vigésimo Congresso.
CAPÍTULO 5
A NOVA POLÍTICA E A DESINFORMAÇÃO ESTRATÉGICA

A VITÓRIA DE KHRUSHCHEV na luta pelo poder marcou o início do


fim de uma crise no comunismo mundial. Inaugurou um
período de estabilidade, no qual se restabeleceriam sobre
bases novas e mais sólidas as relações entre os membros
do bloco, e uma nova política de longo alcance seria
trabalhada, com novas estratégias para levá-la a efeito.
Dias depois de seu triunfo, Khrushchev renovou o
esforço em restaurar as relações do partido e do país com
os iugoslavos, um caminho que ele iniciara quando de sua
visita a Tito em maio de 1955.
Já por volta de junho de 1957, os líderes soviéticos e
chineses tinham chegado a um panorama comum sobre
Stalin e suas distorções da doutrina comunista. A
contribuição chinesa se encontra em dois artigos de Mao,
publicados na imprensa soviética em abril e dezembro de
1956.16 Por ocasião do oitavo congresso do Partido
Comunista Chinês (PCC), em setembro de 1956, as
lideranças chinesas endossaram o repúdio ao culto da
personalidade manifestado no vigésimo congresso do CPUS,
em fevereiro do mesmo ano.17
A reconciliação entre os líderes de todos os estados
comunistas já se havia concretizado em fins de 1957. Numa
conferência em Moscou, em novembro daquele ano, todos
concordaram em que Stalin fora responsável por danosas
distorções da teoria e prática comunista. Todos, em graus
variados, ressentiam-se de sua interferência em assuntos
internos e da rígida conformidade que lhes era por ele
exigida. Não obstante, estavam todos (inclusive os
iugoslavos, cuja presença foi deliberadamente encoberta)
preparados para cooperar numa parceria de iguais em
termos leninistas. Os soviéticos, com efeito, concordaram
em abrir mão do seu domínio sobre o movimento
comunista. Chegaram ao ponto de se absterem de
quaisquer referências ao seu protagonismo na declaração
lançada após o fim da conferência, as quais acabaram
incluídas por insistência dos chineses. Nesse evento, tirou-
se discretamente uma decisão: formular um novo programa
leninista para o comunismo mundial, que imbuísse o
movimento do sentido de propósito e do norte de que tanto
carecia.18
Os três anos seguintes foram de intensa pesquisa e
troca entre os partidos comunistas de dentro e de fora do
bloco, concomitante a elaboração das novas política e
estratégias.19 O processo culminou no Congresso dos
Oitenta e Um Partidos Comunistas, realizado em Moscou em
novembro de 1960. Todos os oitenta e um líderes se
comprometeram com o programa estabelecido na
declaração — ou manifesto, como é por vezes referido —
que se lançara na conferência. Desde aquele dia até então,
a força unificante no movimento comunista, assim dentro
como fora do bloco, não foram os ditames da União
Soviética, mas a lealdade ao programa comum com que
haviam contribuído os líderes dos vários partidos
comunistas. Apesar das aparências subseqüentes, criou-se
entre esses líderes uma atmosfera de confiança sob a qual a
coerção soviética passou ser a desnecessária, embora
aceitassem de bom grado o aconselhamento e o auxílio de
Moscou.

A nova política
Em 1957, como em 1921, os estrategistas comunistas,
ao elaborarem o seu novo programa, tinham que levar em
conta a debilidade política, econômica e militar do bloco e o
desequilíbrio de poder em relação ao Ocidente. Assim como
os movimentos nacionalistas ameaçavam a unidade da
Rússia Soviética em 1921, tendências separatistas na
Hungria e em outros países do Leste Europeu ameaçavam a
coesão do bloco em 1957. O mundo comunista se via
igualmente hostilizado por conservadores e socialistas
ocidentais. A propaganda ocidental mantinha os regimes
comunistas sob constante pressão. De modo geral, o
Ocidente relutava em negociar com o bloco, que, aliás,
deparava-se com um fator completamente novo: a
possibilidade do confronto nuclear.
Nesse contexto, como poderiam os líderes comunistas
fazer do sistema algo mais satisfatório para os seus povos?
Como alcançar a coesão e a cooperação entre os membros
do bloco? Como promover a causa comunista para além do
bloco sem que isso reforçasse a unidade no mundo não-
comunista? Estava claro que restituir a política stalinista de
repressão em massa não daria certo, e que as táticas
revolucionárias tradicionais apenas intensificariam o
confronto com o Ocidente em um momento em que a
balança do poder pendia desfavoravelmente. O precedente
da NEP de Lênin parecia oferecer muitas respostas, ainda
que a nova política decerto precisasse de muito mais
complexidade e sofisticação.
A necessidade de uma nova política foi sentida com
especial entusiasmo pela liderança soviética. Os membros
mais velhos, tais como Khrushchev, Brezhnev, Mikoyan e
Suslov, queriam se livrar da mancha stalinista e se
reabilitarem aos olhos da história. Os mais jovens, como
Shelepin, queriam colher os louros da inovação. Todos eles
perceberam que somente o acordo sobre uma política de
longo alcance poderia evitar brigas recorrentes pelo poder e
conferir estabilidade à liderança.
O manifesto produzido pelo Congresso dos Oitenta e
Um, em novembro de 1960, revela claramente a influência
de Lênin, tal e qual o discurso de Khrushchev em janeiro de
1961.20 Esses dois documentos-base continuam a
determinar o curso da política comunista até os dias de
hoje. Eles explicam detalhadamente como o triunfo do
comunismo em todo o mundo virá da consolidação do
poderio econômico, político e militar do mundo comunista e
da subversão da unidade e força do mundo não-comunista.
O uso de uma variedade de táticas violentas e não violentas
é especificamente autorizado aos partidos comunistas. A
coexistência pacífica, textualmente definida como “uma
intensa forma de luta de classes entre o socialismo e o
capitalismo”; a exploração, pelo mundo comunista, de
antagonismos econômicos, políticos, raciais e históricos
entre países não-comunistas, recomendada; o suporte a
movimentos de “libertação nacional” por todo o Terceiro
Mundo, ressaltado.
Todos os partidos, tanto de dentro como de fora do
bloco, inclusive o chinês, assinaram o manifesto — à
exceção do iugoslavo. Por razões táticas, a Iugoslávia não se
fez presente no congresso, ainda que a sua política, como
em seguida demonstrado publicamente por Gromyko e Tito,
coincidisse em muitos pontos com a soviética.
O acordo entre os líderes comunistas sobre o novo
programa leninista para a revolução mundial era apenas
meia batalha. Era preciso uma estratégia para levar tal
plano a efeito em um contexto no qual as populações no
bloco comunista estavam seriamente alienadas de seus
regimes, e as potências ocidentais, superiores em termos
militares, determinadas a resistir a uma expansão ainda
maior do comunismo.
Alguns aspectos dessa estratégia, tais como as frentes
unidas com socialistas de países capitalistas e o suporte a
movimentos de libertação nacional no Terceiro Mundo,
foram abertamente proclamados. Mas, sem sombra de
dúvida, a decisão de tornar o uso sistemático de
desinformação um de seus componentes essenciais tinha
que ser cuidadosamente encoberta.

As desvantagens da unidade aparente

Os estrategistas comunistas entendiam que a maior


desvantagem na busca dos partidos do bloco por uma
política uniforme e abertamente agressiva era que a
combinação de zelo ideológico e unidade monolítica poria
em sobressalto o mundo não-comunista, impondo-lhe uma
coesão ainda maior e, possivelmente, uma resposta
vigorosa e coordenada à ameaça do comunismo. Isso
levaria, na melhor das hipóteses, à manutenção do status
quo Oriente-Ocidente; e na pior de todas, a uma pressão
ainda maior de um Ocidente dotado de arsenal nuclear
superior ao do mundo comunista.
Uma estratégia unificada teria sido ainda mais
dificultosa para o movimento comunista internacional. A
experiência mostrara que a identificação do Comintern
como um instrumento da política soviética desfavorecia as
suas atividades. O mesmo se poderia dizer do Cominform,
seu sucessor. Devido à evidente subserviência a Moscou, os
partidos comunistas do mundo não-comunista fracassavam
em ganhar influência ou, em muitos casos, até
reconhecimento legal. Em 1958, mais de quarenta
encontravam-se na clandestinidade.
Partindo da experiência histórica da União Soviética e
do bloco, os estrategistas comunistas identificaram os
fatores que tinham pesado a favor das investidas ocidentais
contra o comunismo. No período pré-NEP, o Ocidente se
sentira ameaçado pela ideologia e militância soviética,
donde resultou a intervenção aliada em território russo.
Com o fim da Segunda Guerra, a ameaça do comunismo
monolítico, stalinista, levou à formação de alianças militares
como OTAN, SEATO e o Pacto de Bagdá, e também a outras
formas de colaboração militar, política, econômica e de
segurança.
Do mesmo modo, esses estrategistas identificaram os
fatores que tenderam a comprometer a unidade na
aproximação ocidental ao mundo comunista. Estes foram a
moderação na política oficial soviética; a ênfase em
interesses conflitantes de países e partidos comunistas em
detrimento da solidariedade ideológica; e a dissolução do
Comintern em 1943, que fez com que muitos observadores
ocidentais acreditassem que se havia abandonado a
subversão internacional do comunismo.

As vantagens da divisão aparente

Os comunistas tomam como intrinsecamente instável a


unidade entre as potências ocidentais. Da natureza do
sistema capitalista resulta que, em circunstâncias normais,
divergências de interesse nacional prevaleçam a tendências
de solidariedade e coesão. Os estrategistas comunistas daí
concluíram que, projetando a imagem certa do bloco e do
movimento comunista, poderiam ajudar a dissolver a
unidade ocidental que políticas de Stalin haviam fomentado.
Além disso, resolveram não esperar pelo surgimento de
contradições e dissensões naturais, mas sim, tomar
medidas políticas ativas para fabricar condições em que a
unidade econômica e política do Ocidente tendesse a
desintegrar-se, e que se mostrassem, portanto, favoráveis à
implementação de sua política de longo alcance. Do seu
ponto de vista, por meio de esforços consistentes e
coordenados, os países do bloco poderiam levar políticas e
atitudes dos governos e populações do mundo não-
comunista a tomarem um sentido que lhes fosse favorável.
O bem-sucedido precedente da política soviética e das
operações de inteligência nos tempos da NEP estava aberto.
As doces ilusões que se evidenciaram em atitudes e
políticas do Ocidente para com o comunismo, a inépcia dos
aliados ocidentais em elaborar e coordenar uma política de
longo alcance durante a sua aliança com a União Soviética,
por ocasião da Segunda Guerra, e a inclinação dos países
capitalistas para perseguir políticas de interesse nacional —
tudo isso foi levado em conta ao se maquinar o exercício de
influência sobre o Ocidente.
Conclusão: os fatores que acabaram por forçar alguma
coesão no Ocidente, isto é, se a militância ideológica e a
unidade monolítica do comunismo se tivessem,
respectivamente, por moderadas e desarticuladas, e se, a
despeito de um aumento na sua força real, fosse
devidamente projetada a imagem de um bloco enfraquecido
pela desordem econômica, política e militar, então a
resposta do Ocidente à política comunista seria débil e
menos coordenada; as verdadeiras tendências ocidentais à
desintegração poderiam ser provocadas ou encorajadas,
criando, assim, condições para que a balança do poder
pendesse em favor do bloco comunista.
Em outras palavras, sugeriu a lógica comum que o bloco
devia perseguir a almejada vitória mundial do comunismo
forjando a sua própria unidade e coordenando as suas
políticas o mais sigilosamente possível, ao mesmo passo
minando a unidade e a resistência do mundo não-comunista
com a projeção de uma imagem enganosa de sua própria
evolução, desunião e fraqueza. Era essa, na verdade, a
essência oculta da política de longo alcance adotada no
final dos anos 1950, e a base mesma das várias estratégias
desde então desenvolvidas ao longo de sua condução. Bem
poderia o Congresso dos Oitenta e Um ter criado um novo
organismo de coordenação central para suceder o
Comintern e o Cominform, mas não o fez. Em vez disso,
ratificou a utilização de táticas variadas por partidos
comunistas no escopo da política de longo alcance e
requereu, no lugar de um centro de controle, a coordenação
e sincronização entre partidos de dentro e de fora do bloco.
Portanto, se a coordenação foi de fato aprimorada, a
decisão de não criar um órgão declaradamente central, a
ênfase no “policentrismo” e o uso de uma variedade de
táticas diversas pelos partidos comunistas foram
concebidas para surtir efeito análogo ao que a dissolução do
Comintern tivera em 1943.

O uso político da desestalinização

Os líderes soviéticos reconheceram os erros cometidos


na primeira fase da desestalinização. Muitas vítimas de
Stalin tiveram sua reabilitação permitida rápido demais; o
partido e o serviço de segurança foram excessivamente
passivos ante as reações espontâneas de intelectuais à
revelação dos crimes de Stalin. Os líderes soviéticos
admitiram, sobretudo, que deveriam ter consultado de
antemão os partidos comunistas em outros países.
Perceberam que mais medidas desordenadas de
desestalinização poderiam suscitar mais revisionismo e
agitação popular, mas também que o vigoroso hastear da
bandeira anti-stalinista poderia ajudá-los a erodir a oposição
doméstica e melhorar a sua imagem no exterior, notaram,
enfim, que alguns dos danos causados pelo stalinismo
tinham conserto.
O anti-stalinismo controlado poderia servir à
estabilização do regime; com a ênfase da propaganda sobre
as distinções entre a nova política e a de Stalin poder-se-ia
minar alguma oposição interna ou externa. Por exemplo,
antigos membros do partido comunista que, a despeito de
sua estirpe, tivessem sofrido a repressão de Stalin
poderiam, bem como suas viúvas e famílias, ser envolvidos
como colaboradores ativos do regime na implementação de
uma política leninista que repudiasse ostensivamente o
stalinismo. O anti-stalinismo controlado poderia criar
condições favoráveis a manobras políticas e diplomáticas
contra o mundo não-comunista. Poderia ser usado para
mudar a atitude de movimentos trabalhistas e social-
democratas perante o comunismo. Se o stalinismo,
modelado sobre ditadura pessoal e uso indiscriminado de
terror na supressão de opositores internos e externos ao
partido, resultara em fusões e alianças entre os diferentes
tipos de oposição, então era razoável crer que a ênfase no
anti-stalinismo pudesse ocasionar o enfraquecimento e a
ruptura de tais alianças. Se o stalinismo levara à
cooperação entre grupos com interesses distintos — entre
conservadores e social-democratas na criação da OTAN,
entre capitalistas ocidentais e revisionistas iugoslavos a
partir de 1948, entre emigrados russos e governos
ocidentais —, então o anti-stalinismo poderia ser usado para
desfazer esses laços. Se o stalinismo contribuíra para o
declínio do prestígio soviético, fracassos diplomáticos e
perda de aliados, então o anti-stalinismo poderia ser usado
para reverter o processo, recuperar antigos aliados e fazer
outros novos entre intelectuais, liberais, social-democratas e
nacionalistas ocidentais.
Entre 1953 e 1956, a desestalinização genuína,
improvisada, foi instrumento para a correção de erros e o
melhoramento do regime soviético. Em 1956 e 1957, a
desestalinização conceptual foi explorada por Khrushchev
como um meio para derrubar os seus rivais e ao mesmo
tempo ocultar a natureza de seus próprios métodos. De
1958 em diante, de modo calculista e insidioso, a
desestalinização conceitual foi posta a serviço do
cumprimento das metas internas e externas da nova política
de longo alcance.
Por volta de 1958, todas as verdadeiras questões entre
stalinismo, anti-stalinismo, revisionismo e comunismo
nacional puderam, uma vez resolvidas, reviver sob a forma
artificial de “dissensões” entre os diversos líderes e partidos
de dentro e de fora do bloco. Lideranças individuais ou
coletivas, todas professadamente leninistas, poderiam ser
capciosamente projetadas em contraste umas com os
outras, quer como “stalinistas”, “neo-stalinistas”,
“maoístas”, “dogmáticas”, “linhas-duras”, “ortodoxos”,
“militantes” e “conservadoras”, quer como “anti-
stalinistas”, “pragmáticas”, “revisionistas” e comunistas
“nacionais”, “liberais”, “progressistas ou moderados”.
No que diz respeito a tais “dissensões”, os objetivos da
desinformação podem se resumir como segue:
• Com o resgate de problemas superados e a exposição
de opiniões aparentemente distintas, apresentar os
países comunistas como que num estado de
desordem segundo o padrão declínio-evolução.
• Com a projeção de uma imagem falseada de
nacionalismo e interesses nacionais conflitantes,
encobrir a verdadeira unidade dos partidos e governos
do bloco na busca por uma política ideológica comum
e de longo alcance.
• Criar condições favoráveis à implementação dessa
política em nível interno e externo.
• Disponibilizar ampla estrutura e técnica adequada
para determinadas operações de desinformação nas
relações soviéticas com Iugoslávia, Albânia, China,
Romênia, Tchecoslováquia e certos partidos
comunistas da Europa Ocidental.
• Explorar essas dissensões para fins de desinformação
acerca da suposta continuidade das lutas pelo poder e
do irresolvido problema da sucessão, visando a
alterações na política doméstica comunista e nas
táticas de diplomacia para a implementação de fases
diferentes dessa política.

Fontes de inspiração

A decisão de retomar o uso estratégico da


desinformação em larga escala, tomada em 1957,
desencadeou um onda de pesquisa em precedentes e
técnicas. O Comitê Central, por exemplo, requereu da KGB e
do GRU as suas publicações secretas sobre o assunto, em
particular um manual exclusivo para treinamento interno,
escrito por um oficial do GRU, Popov, que em
aproximadamente oitenta páginas descrevia a técnica de
desinformação, e um manual escrito pelo Cel. Raine, da
KGB, intitulado “Do uso de agentes de influência”.21
O manual de Popov definia desinformação como um
meio para criar condições que favoreçam o ganho de
vantagens estratégicas sobre o oponente. A desinformação,
especificava, deveria funcionar de acordo com os requisitos
da estratégia militar e da diplomacia, sempre, sob
quaisquer circunstâncias, subordinada à política.
O livro classificava diversos tipos de desinformação:
estratégica, política, militar, técnica, econômica e
diplomática. Elencava também os canais pelos quais se
poderia disseminá-la:
• Declarações e discursos de estadistas e oficiais do
país de origem.
• Documentos oficiais de governo.
• Jornais e outros tipos de material publicados no país
em questão.
• Publicações estrangeiras inspiradas por agentes em
serviço entre jornalistas estrangeiros e outros
especialistas.
• Operações especiais de desinformação.
• Agentes de influência e de outros tipos lotados no
estrangeiro.

De 1957 em diante, o Comitê Central do PCUS


comissionou estudos sobre facetas específicas da NEP. Além
de departamentos do governo, também contribuíram
institutos especializados da Academia de Ciências, a
exemplo do Instituto de Direito e História. Dois projetos
especialmente significativos para a reintrodução da
desinformação estratégica foram conduzidos na KGB. Um
deles era um estudo sobre o uso de agentes de influência
da KGB na intelligentsia soviética (nesse contexto,
cientistas, acadêmicos, escritores, músicos, artistas visuais,
atores, diretores de teatro e de cinema, e líderes religiosos);
o outro, um estudo sobre a revelação de segredos de estado
no escopo de interesses da política.
O manual de Popov era, na verdade, o único texto
moderno sobre desinformação estratégica que se
encontrava disponível. Lênin não deixou nenhum tratado
especificamente sobre o tema, embora seus escritos
contenham esparsas referências; disfarce e duplicidade
foram elementos essenciais de sua técnica política. Com
efeito, as autoridades soviéticas decidiram publicar pela
primeira vez, na quinta edição das obras de Lênin, entre
1960 e 1965, alguns de seus documentos relativos ao
período da NEP e o uso de desinformação, em particular a
correspondência com o seu comissário de relações
exteriores, Chicherin.
Numa de suas cartas, comentando o esboço de uma
declaração que seria feita pela delegação soviética na
conferência de Gênova, Lênin aconselhou Chicherin a omitir
quaisquer menções ao “inevitável golpe de estado e batalha
cruenta”, bem como a parte que dizia: “nosso conceito
histórico inclui a adoção de medidas violentas e a
inevitabilidade de novas guerras mundiais”. “Essas palavras
amedrontadoras”, escreveu, “não se podem usar, pois
serviriam aos interesses de nossos adversários”.22
Chicherin respondia com entusiasmo às idéias de Lênin
sobre desinformação. Escreveu-lhe em 20 de janeiro de
1922: “Caso os americanos insistam em instituições
representativas, não achas que, com proveito, podemos
tapeá-los com uma pequena concessão ideológica
desprovida de sentido prático? Podemos, por exemplo,
permitir a presença de três representantes da classe não-
trabalhadora no corpo de dois mil membros. Tal pode se
lhes apresentar como uma instituição representativa”.23
Lênin e Chicherin não foram as únicas fontes de
inspiração para o renascimento da desinformação
estratégica. O antigo tratado chinês sobre estratégia e
engodo, a “Arte da Guerra” de Sun Tzu (traduzido para o
russo por N. I. Konrad em 1950, logo depois da vitória
comunista na China), foi vertido para o alemão pelo
especialista soviético Y. I. Sidorenko em 1957, com direito a
prefácio do Gen. Razin, estrategista militar soviético.24 Foi
publicado na Alemanha Oriental pelo seu Ministério da
Defesa, e prescrito para estudo nas academias militares do
país. Uma nova tradução, e outros estudos de Sun Tzu,
foram publicados em Pequim entre 1957 e 1958 e em
Xangai no ano de 1959. É sabido que Mao conduzira a
guerra civil sob influência de Sun Tzu.
O fato de que tanto soviéticos como chineses tenham
manifestado grande interesse oficial por Sun Tzu
justamente quando se formulava a nova política e
estratégia é um bom indicador de que os chineses
provavelmente deram ao processo uma contribuição
positiva.
A estratégia de fortalecer o bloco comunista enquanto
se projeta a sua aparente desunião está bem expressa nos
aforismos de Sun Tzu:
• Toda guerra é baseada em logro. Portanto, quando
capaz, finja incapacidade; quando ativo, inatividade.
• Ofereça ao inimigo uma isca que o seduza; finja-se
despreparado e ataque-o.
• Quem quer parecer fraco para insuflar a arrogância do
inimigo deve ser extremamente forte. Só assim se
pode fingir fraqueza.

Para ser credível e efetiva, a dissimulação precisa estar


tanto quanto possível de acordo com as esperanças e
expectativas daqueles que se pretenda enganar. Sabendo —
especialmente pelo contato com documentos do grupo
Bilderberg25 — que o Ocidente esperava e, em parte,
ardentemente desejava a desintegração do bloco, os
estrategistas comunistas puderam prever que lhes seria
vantajosa a projeção, para o mundo lá fora, de uma
desintegração fictícia, contanto que sempre acompanhada
em paralelo por uma implementação real, porém
parcialmente oculta, da política de longo alcance para o
fortalecimento do bloco, e a mudança, a seu favor, do
equilibro mundial de poder.
Como se haveria de criá-la na prática? O estudo da
verdadeira ruptura entre Tito e Stalin revelou que suas
conseqüências não tinham sido em nada adversas. A franca
insubordinação a Stalin elevara o prestígio de Tito em seu
próprio país e ao redor do mundo. A independência
permitira à Iugoslávia obter do Ocidente considerável
assistência econômica e militar, e ainda adquirir o germe da
influência política no Terceiro Mundo e entre os partidos
socialistas da Europa Ocidental. Além disso, Tito
demonstrara entre 1957 e 1958 que, apesar do suporte
recebido do Ocidente, continuava a ser um leninista fiel,
mais que disposto a trabalhar com os outros líderes do
bloco.26
Um precedente mais remoto, embora igualmente
instrutivo, deu-se pela política de Lênin para o Extremo
Oriente. Ciente de que a defesa simultânea de todas as
fronteiras acabaria por extenuar a Rússia soviética, Lênin
decidira “sacrificar” voluntariamente uma área significativa,
com a instituição, em abril de 1920, de um estado tampão
independente e “não-comunista”, a República do Extremo
Oriente (DVR). Independente e não-comunista apenas
formalmente, suas políticas foram, desde o início,
minuciosamente coordenadas com as da Rússia soviética.
Não obstante, somada a promessas jamais cumpridas de
concessões econômicas, a existência desse estado aliviou a
pressão exercida pelos interesses que tanto japoneses como
americanos tinham pela área, ao passo que o exército
soviético e o Comintern reforçaram sua capacidade em lidar
com a ameaça do Movimento Branco, liderado pelo Barão
Ungern, na Mongólia. Em novembro de 1922, a influência
soviética na área já era forte o bastante para que a DVR
“independente” fosse abertamente incorporada como a
região (krai) do Extremo Oriente.
Combinadas, as lições da DVR e do cisma Tito-Stalin
sugeriram aos estrategistas comunistas dos anos 1950 que
falsos cismas e independências poderiam servir para
aplacar a pressão ocidental e para obter maior assistência
econômica, e mesmo militar, para países comunistas em
particular, ao mesmo tempo em que a balança do poder
fosse discretamente desequilibrada para o lado comunista.
Em fins de 1957, as dissensões que causaram reais e
potenciais rupturas no mundo comunista, principalmente a
interferência de Stalin nos assuntos de outros estados, já se
tinham final e definitivamente resolvidas. Houve comum
acordo sobre a rejeição das reconhecidas distorções
stalinistas da doutrina leninista. A União Soviética acatou os
termos do acordo de maneira prática, fazendo, por exemplo,
uma declaração total dos agentes de inteligência que já
tivera lotados na China e na Europa Oriental.
Afastadas as razões para rupturas de verdade, abria-se
o caminho para a criação de falsos cismas, conforme o
princípio dzerzhinskiano da profilaxia política, isto é, da
prevenção de desdobramentos indesejados (tais como
rupturas ou o crescimento de movimentos de oposição),
deliberadamente provocando e controlando esses mesmos
desdobramentos por meio de agentes secretos e dando-lhes
direções inofensivas ou úteis ao regime.
Khrushchev demonstrara em 1957 como a dissimulação
do problema stalinista poderia lhe ser vantajosa na luta pelo
poder. O reavivamento artificial de questões já encerradas
com relação ao stalinismo foi o meio óbvio e lógico de expor
diferenças convincentes, embora postiças, entre diferentes
líderes ou partidos comunistas.

Ver Da experiência histórica da ditadura do proletariado e Mais da experiência


histórica da ditadura do proletariado, publicados pelo Pravda respectivamente a
5 abril e a 29 dezembro de 1956. Disse Mao que “em disputas tanto internas
como externas ao partido, em certas ocasiões e sobre certas questões, ele
confundiu dois tipos de contradições naturalmente distintos — o que existe
entre nós e o inimigo, e o que existe entre as pessoas comuns — e também os
diferentes métodos necessários para lidar com cada um deles. No trabalho de
supressão da contra-revolução, que ele mesmo liderou, muitos foram
devidamente punidos, mas também foram muitos os inocentes injustamente
condenados; e entre 1937 e 1938, cometeu-se ainda o equívoco de ampliar o
escopo da supressão aos contra-revolucionários. Em matéria de organização,
tanto do partido como do governo, ele não só deixou de aplicar o pleno
centralismo democrático proletário, como também o violou em certa medida.
Nas relações com partidos e países fraternos, cometeu uma série de erros. E
esses erros causaram alguns prejuízos à União Soviética e ao movimento
comunista internacional”.
Ver, por exemplo, os discursos de Mao, Liu Shaochi e Teng Hsia-oping em 1957.
Em dezembro de 1957, o Gen. Kurenkov, diretor do Instituto KGB, repassou a
membros do partido no instituto, a este autor inclusive, um informe secreto
sobre a conferência que tinha reunido os países do bloco em novembro.
Kurenkov, que participara das reuniões como convidado, fora ele mesmo
informado pelo Gen. Serov. Esta e outras informações não publicadas até o
momento advêm deste documento.
Durante esse período, o autor serviu no Instituto KGB e na sede da KGB.
World Marxist Review (também conhecida como Problemas da paz e do
socialismo), dezembro de 1960 e janeiro de 1961.
O relato do autor baseia-se em artigos de Shelepin para revista secreta da KGB
(Chekist), no manual de Popov e em suas próprias conversas com Grigorenko,
Sitnikov, Kelin, Kostenko e Smirnov, do Departamento de Desinformação. O
manual de Popov, este autor retirou-o da biblioteca sob a justificativa de que
seu trabalho no Departamento, que então consistia em analisar documentos,
requeria-lhe distinguir entre informação autêntica e desinformação. O
bibliotecário telefonava-lhe duas vezes ao dia para saber quando ele retornaria
o volume.
Obras completas de Lênin. Moscou: Editora Estatal de Literatura Política, 5ª ed.
vol. 45, p. 63. A quinta edição foi preparada pelo Instituto do Marxismo-
Leninismo e publicada pelo Comitê Central do PCUS entre fins da década de
cinqüenta e inícios da década seguinte.
Questões sobre a história do PCUS, nº4 (1962), p. 152.
A arte da guerra, de Sun Tzu.
Ver p.208.
No que diz respeito aos líderes, não havia mais questões por resolver. O
nacionalismo ainda vicejava no Partido Comunista Iugoslavo. Tito admitiu-o em
suas conversas com os líderes soviéticos em 1955, e prometeu-lhes lidar com a
situação. Explicou, porém, que levaria tempo até neutralizá-la e erradicá-la.
CAPÍTULO 6
O RELATÓRIO SHELEPIN E AS MUDANÇAS
ORGANIZACIONAIS

A ADOÇÃO DA NOVA POLÍTICA e da nova estratégia de


desinformação implicou mudanças organizacionais na União
Soviética e por todo o bloco. Foi o Comitê Central do partido
que reorganizou, na União Soviética e alhures, não só os
serviços de inteligência e de segurança, o ministério de
relações exteriores e outros setores do aparato de governo,
como também as organizações de massa, de maneira que
viabilizasse a implementação da nova política. O aparato do
próprio Comitê Central sofreu diversas alterações altamente
significativas em 1958 e nos anos seguintes. Um novo
Departamento de Política Externa foi montado para
supervisionar todos os departamentos governamentais
envolvidos com assuntos estrangeiros e para coordenar a
política exterior da União Soviética com as de outros
estados comunistas — departamento esse dirigido por
Khrushchev.
Adotou-se uma nova prática para a nomeação de
embaixadores em outros países comunistas. Proeminentes
oficiais do partido, em geral membros do Comitê Central,
foram designados para garantir que houvesse a
coordenação política adequada entre partidos e governos.
Instituiu-se um novo departamento no Comitê Central, o
Departamento de Operações Ativas. Sua função era
coordenar o programa de desinformação do bloco e
conduzir operações especiais nos campos da política e da
desinformação. Começou com reuniões secretas de oficiais
das Relações Exteriores, do Comitê de informação e dos
serviços de segurança e de inteligência. A agência de
notícias Novosti foi montada para servir aos interesses
desse novo departamento.
Uma mudança importante foi a transferência, para o
Comitê Central, do aparato do Comitê de Informação, até
então subordinado ao Ministério de Relações Exteriores.
Uma de suas novas atribuições era preparar estudos e
análises de grande amplitude para o Comitê Central. Outra
era travar contato com estadistas estrangeiros e outras
lideranças, tanto em seus países de origem como durante
visitas à União Soviética, e usá-los para influenciar governos
ocidentais. Seu dirigente era Georgiy Zhukov, antigo agente
do serviço de inteligência soviético, que dispunha de muitos
contatos entre políticos, jornalistas e figuras do meio
cultural europeu. Ele mesmo era um jornalista competente.
Talvez a mais significativa de todas as mudanças tenha
sido a nomeação de Mironov e Shelepin. Mironov fora diretor
do escritório da KGB em Leningrado. Nessa condição,
estudara a operação Trust, da qual o OGPU de Leningrado
participara ativamente. Era amigo de Brezhnev, e a ele
tinha fácil acesso. Shelepin era amigo de Mironov, que foi
quem primeiro chamou a sua atenção para o papel do OGPU
no período da NEP.
Em 1958, Mironov e Shelepin levaram a Khrushchev e
Brezhnev a idéia de transformar a KGB de uma típica força
policial secreta em uma arma política flexível, sofisticada,
capaz de desempenhar, tal como o OGPU no tempo da NEP,
um papel efetivo em favor da política.
Por sua sugestão, os dois foram recompensados com
postos no aparato do Comitê Central. Shelepin tornou-se
chefe do Departamento de Órgãos do Partido e,
posteriormente, presidente da KGB; Mironov tornou-se chefe
do Departamento dos Órgãos Administrativos.
No outono de 1958, a sugestão de Mironov e Shelepin
foi discutida pelo Presidium do Comitê Central sob a óptica
do desempenho da KGB e de seu diretor, Gen. Serov. Este
entregara ao Presidium um relatório sobre o trabalho
doméstico e internacional da KGB, o qual tornou-se foco de
críticas severas. Seu principal crítico foi Shelepin. Sob o
comando de Serov, assinalou, a KGB tornara-se uma
organização policial muito eficaz, que, com sua vasta rede
de informantes e agentes por todo o país, pudera detectar e
controlar não só elementos de oposição, mas também
agentes dos serviços de inteligência ocidentais; não pudera,
entretanto, influenciar as opiniões populares em favor do
regime ou prevenir o crescimento, quer em solo soviético,
quer entre anticomunistas estrangeiros, de tendências
políticas indesejáveis. Enalteceu os ora recentes êxitos da
KGB em penetrar os segredos de governos ocidentais, mas
registrou que seu papel fora demasiado passivo e limitado,
porquanto em nada contribuíra na disputa estratégica,
política, econômica e ideológica contra as potências
capitalistas.
Shelepin prosseguiu dizendo que a insatisfatória
situação na KGB decorria, principalmente, do abandono das
tradições e do estilo do OGPU, seu antecessor nos tempos
de Lênin. Embora inexperiente, o OGPU contribuíra mais
para a implementação de políticas que quaisquer de seus
sucessores. Como exemplos disso, referiu-se aos
movimentos eurasiano e “Novos Marcos” e à operação
Trust. Ao contrário do OGPU, a KGB tinha se degenerado em
uma organização passiva e repressiva. Seus métodos eram
contraproducentes, pois prestavam apenas para endurecer
a oposição e comprometer o prestígio do regime. A KGB
faltou em colaborar com os serviços secretos dos outros
países do bloco em questões políticas.
Shelepin louvava as idéias de Mironov, e disse que a
KGB deveria, sob a direção da liderança do partido, ocupar-
se de atividade política positiva, criativa. Um novo papel,
mais importante, deveria ser dado à desinformação. A União
Soviética, como outros países comunistas, dispunha de
ativos vitais de inteligência, tanto internos como externos,
que se haviam mantido em suspenso, especialmente nas
pessoas dos agentes da KGB na intelligentsia soviética.
O Presidium decidiu examinar o novo papel da KGB por
ocasião do vigésimo primeiro congresso do partido, que se
pretendia realizar entre janeiro e fevereiro de 1959. A
imprensa soviética confirmou, em termos gerais, que essa
análise de fato tinha acontecido.
Sob a chefia de Mironov, o Departamento dos Órgãos
Administrativos tornou-se muito importante. Sua função era
supervisionar e coordenar o trabalho dos departamentos
ligados à ordem interna, tais como a KGB, o Ministério do
Interior, o Ministério Público, o Ministério da Justiça e os
tribunais. Mironov foi designado para inculcar nessas
instituições o estilo e os métodos de Dzerzhinskiy,
presidente do OGPU nos anos 1920.
Shelepin foi nomeado presidente da KGB em dezembro
de 1958. Em maio do ano seguinte, realizou-se em Moscou
uma conferência de altos oficiais da KGB, à qual
compareceram Kirichenko (representando o Presidium), os
ministros de assuntos interiores e da defesa. Membros do
Comitê Central e cerca de dois mil oficiais da KGB.
Shelepin reportou à conferência as novas atribuições
políticas da KGB.27 O que segue são alguns de seus pontos
mais específicos:
• Os “principais inimigos” da União Soviética eram os
Estados Unidos, Grã-Bretanha, França, Alemanha
Ocidental, Japão e todos os membros da OTAN e de
outras alianças militares apoiadas pelo Ocidente. (Era
a primeira vez que, em documentos da KGB, fazia-se
tal referência à Alemanha Ocidental, ao Japão e a
países menores).
• Os serviços de segurança e de inteligência de todo o
bloco tinham de ser mobilizados para dar às relações
internacionais as direções requeridas pela nova
política de longo alcance e, na prática, desestabilizar
os “principais inimigos” e enfraquecer as suas
alianças.
• Os esforços dos agentes da KGB na intelligentsia
soviética deviam ser redirecionados para fora, na
direção de estrangeiros, com a intenção de obter o
seu auxílio no cumprimento dos objetivos da nova
política.
• O novo departamento de desinformação devia
trabalhar de perto com todos os demais
departamentos de destaque no aparato do partido e
do governo. Para tanto, todos os ministros da União
Soviética e todos primeiros-secretários de
organizações do partido, seja em âmbito provincial ou
nacional, tinham que se familiarizar com as novas
atribuições políticas da KGB, de modo que a
pudessem assistir quando necessário.
• Operações políticas conjuntas deveriam envolver os
serviços de segurança e de inteligência de todos os
países comunistas.

O informe terminou com a garantia de que o Presidium


aprovara as novas atribuições da KGB, arrogando grande
importância ao seu cumprimento e confiante de que a
equipe faria o seu melhor para levar a efeito a diretiva.
Depois da conferência, deu-se uma série de mudanças
organizacionais na KGB. O diretório de contra-inteligência
foi ampliado. Suas três tarefas principais eram influenciar,
veicular informações falseadas e recrutar agentes tanto
entre membros das embaixadas, em Moscou, de países
capitalistas e do Terceiro Mundo, como entre jornalistas,
empresários, cientistas e acadêmicos visitantes; levar a
cabo operações de profilaxia para neutralizar e então usar a
oposição interna, em especial a representada por grupos
nacionalistas, intelectuais e religiosos; e empreender
operações políticas em conjunto com os serviços de
segurança de outros países comunistas.

Departamento D

Quando criou o novo departamento de desinformação, o


Departamento D, em janeiro de 1959, Shelepin assegurou-
se de que seus trabalhos fossem coordenados aos dos
outros serviços de desinformação da máquina soviética, isto
é, os do Comitê Central, do Comitê de Informação, do
departamento de desinformação do serviço soviético de
inteligência militar e das duas novas seções de “métodos
ativistas” na KGB (uma a serviço do próprio Shelepin, outra
a serviço do diretório de contra-inteligência).
Desde o princípio, o Departamento D foi subordinado ao
aparato do Comitê Central, que definia suas demandas e
objetivos. Diferenciava-se dos demais serviços de
desinformação na medida em que dispunha de seus
próprios métodos e canais, disponíveis somente à KGB, para
disseminar desinformação. Eram esses: agentes secretos
dentro e fora do bloco, agentes de influência no exterior,
penetração em embaixadas e governos ocidentais, meios
técnicos, e outros secretos, para provocar acidentes
oportunos ou situações favoráveis à política do bloco —
incidentes de fronteira, protestos e assim por diante.
O Departamento D obteve acesso aos braços executivos
do governo e a departamentos do Comitê Central, de modo
que pudesse preparar e executar operações que
demandassem aprovação ou suporte da liderança do
partido ou da máquina governamental. Seus contatos mais
próximos junto ao Comitê Central eram o Departamento de
Órgãos Administrativos de Mironov, o Departamento
Internacional de Ponomarev, o Departamento de Política
Externa e o Departamento de Operações Ativas; e junto ao
governo soviético, o Comitê Estatal de Ciência e Tecnologia
e os órgãos de planejamento. A cooperação era
particularmente íntima entre o novo departamento e a
seção de desinformação do Serviço de Inteligência Militar.
Dois eram os candidatos tarimbados ao posto de diretor
do novo departamento: Cel. Fedoseyev, diretor da faculdade
de inteligência exterior do Instituto KGB e especialista tanto
em operações internas como em penetrar, via emigrados, a
inteligência americana; e Cel. Agayants, diretor da
faculdade de inteligência política do Instituto de Alta
Inteligência e especialista em Oriente Médio (especialmente
Irã) e Europa Ocidental (especialmente França). Shelepin
optou por Agayants.
O novo departamento reunia, de início, entre cinqüenta
e sessenta experientes oficiais de inteligência e contra-
inteligência. Abaixo do Cel. Agayants vinha o Cel.
Grigorenko, um especialista em contra-inteligência
doméstica e em operações de emigração no exterior.
Grigorenko fora conselheiro do serviço de segurança
húngaro entre 1953 e 1955, e então trabalhara na sede do
diretório de contra-inteligência como diretor do
departamento responsável pela vigilância de imigrantes e
repatriados. Esse departamento foi fechado na ocasião de
sua ida para o Departamento D.
Havia no departamento peritos em OTAN, Estados
Unidos, Alemanha, França, Japão e outros países; em
serviços de inteligência americanos; em relações de
trabalho nos Estados Unidos, na Europa, na Ásia, na África e
na América Latina; em mísseis, em aviação e em outras
disciplinas especializadas. Havia um especialista em Israel,
Cel. Kelin, oficial do serviço de segurança que por vinte anos
trabalhara contra os judeus em Moscou. O especialista em
Alemanha, Áustria e OTAN era o Cel. Sitnikov. Cel. Kostenko
— que, nos anos 1960, passara pela Inglaterra sob
cobertura diplomática — era o perito em aviação. Com
efeito, a composição do departamento deixava claro que
seus objetivos eram políticos e militares.
Instalou-se ainda uma seção de desinformação no
aparato da KGB na Alemanha Oriental, composta por cerca
de vinte oficiais sob o comando de Litovkin, um especialista
em penetração no serviço de inteligência da Alemanha
Ocidental.

O autor leu e estudou o relatório Shelepin quando estudante no Instituto KGB.


CAPÍTULO 7
O NOVO PAPEL DA INTELIGÊNCIA

EM LINHAS GERAIS, as novas tarefas dos serviços de inteligência


do bloco, além das tradicionais funções de coleta de
informação e de segurança, eram, em primeiro lugar,
auxiliar na criação de condições favoráveis à
implementação da política de longo alcance por meio da
disseminação estratégica de informações falseadas sobre a
desunião no movimento comunista internacional de acordo
com o padrão declínio-evolução; em segundo lugar,
contribuir diretamente para a implementação dessa política,
bem como de suas estratégias, por meio de agentes de
influência no bloco comunista e no Ocidente; e em terceiro
lugar, impulsionar o desenvolvimento militar e econômico
do bloco por meio da coleta de dados técnicos e científicos
sob sigilo ocidental e da sabotagem dos programas militares
do Ocidente, assim cooperando para um desequilíbrio que,
em termos de poderio militar, favorecesse o bloco
comunista.
Oficiais soviéticos estimavam, em 1959, que o bloco
tivesse entre dez e quinze anos de desvantagem em relação
aos Estados Unidos, por exemplo, no campo da eletrônica
militar. Contava-se com que o potencial de inteligência do
bloco pudesse preencher essa lacuna em cinco anos.28 Por
outro lado, com o potencial de desinformação de seus
serviços de segurança e de inteligência, esperava-se, como
dizia Shelepin, confundir e desorientar os programas
militares ocidentais, de modo que se desviassem para
expedientes inúteis, dispendiosos e extravagantes. Tendo
isso em mente, o Departamento D, junto ao Comitê Central,
passou a instruir cientistas soviéticos para diversas
conferências internacionais em que teriam contato com
cientistas estrangeiros.
Em seus estágios iniciais, algumas das outras operações
do Departamento D eram, em linhas gerais, do
conhecimento deste que ora escreve.
Havia planos para uma operação que induzisse o
governo francês a desligar-se da OTAN. Por volta de 1960,
peritos soviéticos já se tinham convencido de que as
“contradições” entre Estados Unidos e França poderiam ser
exploradas nesse sentido.29
Preparava-se também um plano de longo-prazo para
desacreditar os líderes trabalhistas americanos de
tendência anticomunista e levá-los a mudar de atitude
quanto ao contato com os sindicatos soviéticos.
Havia ainda um plano chamado “Ações contra
instituições americanas” — com destaque para a CIA e o FBI
— cujos pormenores este autor desconhece.
Outra operação, executada logo após a formação do
Departamento D, mirava a promover o isolamento da
Alemanha Ocidental em relação à OTAN e a comunidade
ocidental. Especialistas em questões judaicas prepararam
um sem-número de cartas para serem enviadas por seus
agentes a familiares em Israel e em outros países, cartas
essas calculadas para incitar hostilidade contra a Alemanha
Ocidental e dar uma impressão falseada dos
desdobramentos políticos na União Soviética.
De maior relevância para o longo prazo foi ter Shelepin
expedido, em fins de 1959, uma ordem para que Agayants
colaborasse com o Departamento de Operações Ativas do
Comitê Central e com representantes albaneses e
iugoslavos numa operação de desinformação que, ligada à
nova política de longo alcance, tinha a ver com as relações
soviético-iugoslavo-albanesas.
No curso de seu trabalho na inteligência soviética, este
autor soube ainda de uma série de outros reflexos da
adoção da nova política e da retomada da desinformação.
Uma carta secreta do partido, em inícios de 1959,
preveniu os seus membros contra o vazamento de segredos
de estado.
Fontes potenciais e genuínas de informação sobre a
nova política foram suprimidas — a exemplo do Ten. Cel.
Popov, do GRU, valioso agente americano na União
Soviética preso pela KGB.
Taparam-se ainda outras brechas por onde o Ocidente
pudesse obter informações. Por exemplo: a partir de um
uma instrução especial, foi determinado que a equipe da
KGB intensificasse o recrutamento, comprometimento e o
descrédito de estudiosos e especialistas ocidentais que
estivessem de visita em países comunistas.
A equipe da KGB foi instruída a detalhar, para o
departamento de desinformação, todas as suas fontes e
canais de inteligência, de maneira que pudessem, quando
necessário, servir a propósitos de desinformação.
Novos canais de desinformação foram arquitetados e
criados para abastecer o Ocidente. Nesse contexto, três
itens merecem ser mencionados. O Departamento D
demonstrou grande interesse em explorar duas fontes
francesas da contra-inteligência soviética — foi solicitada a
transferência, para os seus quadros, do oficial que as
controlava, Okulov. Há sérias (e inconclusivas) evidências de
que o Cel. Penkovskiy foi plantado pela KGB na inteligência
ocidental. Certo barulho na imprensa americana tem
sugerido que uma importante fonte do FBI, de codinome
“Fedora”, estivera sob controle soviético durante os anos
1960, quando colaborou com a agência.30
A seção do Segundo Diretório Geral da KGB, dirigida
pelo Cel. Norman Borodin e encarregada do recrutamento e
alocação de agentes entre correspondentes estrangeiros na
União Soviética, foi desmanchada para evitar que se criasse
uma associação central de agentes que, suspeitosamente,
atuassem todos em uma mesma linha. Esses agentes foram
transferidos para as seções geograficamente adequadas da
KGB, de maneira que a sua atividade de desinformação
estivesse intimamente relacionada à situação particular de
cada área ou país.
Dois antigos funcionários do serviço de segurança de
Hitler, com suas redes de agentes na Ucrânia, foram
preparados para infiltrarem-se no serviço de inteligência da
Alemanha Ocidental.
Em 1959, o diretor da contra-inteligência soviética, Gen.
Gribanov, instruiu seu pessoal a preparar operações para
influenciar, segundo as necessidades da nova política, os
embaixadores ocidentais em Moscou. Os serviços de
inteligência e de segurança ocidentais — em particular o
francês — tiveram o ensejo para investigar tais atividades.
Gribanov também instruiu seus comandados, todos sob pele
de altos funcionários de variados departamentos do
governo soviético, a travar contato pessoal com
embaixadores de todos os países em desenvolvimento e a
influenciá-los de acordo com as necessidades da nova
política.
Em 1960, a KGB expediu aos representantes dos
serviços de inteligência no exterior e do serviço de
segurança doméstico uma diretiva acerca do exercício de
influência sobre visitantes estrangeiros na União Soviética,
especialmente políticos e acadêmicos; houve esforços no
sentido de explorar, recrutar e desacreditar políticos,
jornalistas e estudiosos anticomunistas, além dos analistas,
quando de suas visitas a países comunistas. Tentou-se, por
exemplo, desacreditar um proeminente estudioso
americano, Prof. Barghood, assediando-o quando de sua
passagem por Moscou, em 1963. Quase todo serviço de
segurança já acumulou evidências dessas práticas.
O aparato do Comitê Central estabeleceu uma forma
especial de controle sobre a imprensa soviética, de maneira
que ela estava à disposição da KBG e do próprio Comitê
para fins de desinformação. Por exemplo, a KGB fornecia a
Adzhubey, editor-chefe do jornal Izvestiya,31 material
“controverso” sobre as condições internas da União
Soviética.
Os recursos das repartições da KGB nas repúblicas
nacionais foram trazidos à baila. Somente entre 1957 e
1958, por exemplo, a KGB na Ucrânia submeteu à
aprovação de Moscou cento e oitenta propostas de
recrutamento ou infiltração de agentes entre estrangeiros
dentro e fora da União Soviética
Houve tentativas diretas de exercer influência política
no exterior. Agentes residentes na Finlândia, na Itália e na
França foram instruídos a reforçar e a explorar a sua
penetração em lideranças de partidos políticos, socialistas
inclusive, para nelas promover mudanças em acordo com
necessidades da política do bloco.32
Na Finlândia, em 1961, o residente da KGB, Zhenikhov,
trabalhava num plano para tirar de cena os principais
líderes anticomunistas do partido social-democrata
finlandês, quais Tanner e Leskinen, e substituí-los por
agentes soviéticos.33
Um agente da KGB foi plantado na liderança do partido
social-democrata da Suécia.
Não se excluíam assassinatos para os casos de
anticomunistas que representassem um obstáculo para o
sucesso da nova política. Em 1959, por exemplo, a KGB
assassinou em segredo, na Alemanha Ocidental, o líder
nacionalista ucraniano Stepan Bandera. Isso se sabe graças
às revelações do ex-agente soviético Stashinskiy, que
executou Bandera sob ordens de Shelepin.
A lista poderia seguir, mas já se disse o bastante para
mostrar que todo o potencial de inteligência soviético foi
empregado na execução de operações que respaldassem a
primeira fase da nova política de longo alcance. O mesmo
se aplica ao potencial de inteligência dos outros países
comunistas.
Dado que no Ocidente nem mesmo analistas
profissionais sempre percebem claramente aonde pode
chegar o potencial de inteligência do bloco comunista,
convém agora dar ao menos alguns exemplos hipotéticos.
Suponha-se, por exemplo, que determinado país não-
comunista fosse tomado como alvo. Isto implicaria que
todas as equipes de inteligência e contra-inteligência de
todos os países comunistas examinariam os seus recursos e
sugeririam formas de se exercer influência política sobre o
governo desse país, sobre a sua política e diplomacia, sobre
partidos políticos e líderes individuais, sobre a imprensa, e
assim por diante. Implicaria que todos os agentes de
inteligência lotados no país em questão, sob disfarce
diplomático ou outras formas de cobertura oficial —
possivelmente centenas de profissionais altamente
treinados e ainda outras centenas de agentes secretos
infiltrados entre nativos —, seriam orientados a perseguir,
conforme o plano, um só objetivo por diferentes meios. Os
agentes seriam escalados não só para coletar informação,
mas também para executar certas ações ou para exercer
influência quando e onde requerido. Sua capacidade
combinada de afetar as opiniões de governos, mídia e
público podia ser um bocado notável.
O mesmo se aplicaria no caso de ser o alvo um grupo
não-comunista, algum problema em particular (como o
programa de defesa de um país não-comunista), uma
atitude do Ocidente em relação ao bloco ou a algum de seus
membros, a perspectiva mundial sobre uma política em
particular ou ainda questões como a Guerra do Vietnã, o
suposto revanchismo da Alemanha Ocidental ou a situação
no Oriente Médio.
Em discurso proferido a 6 de janeiro de 1961,
Khrushchev disse, após aludir ao fato de que “a ditadura do
proletariado superou o confinamento em um só país para
tornar-se uma força internacional”, que “nas atuais
condições, o socialismo vê-se em posição de determinar,
em medida cada vez maior, o caráter, os métodos e as
tendências das relações internacionais”. Foi graças à
reorientação do aparato do Comitê Central, das
organizações de massa e dos serviços de diplomacia, de
inteligência e de segurança do bloco que Khrushchev e seus
aliados obtiveram os meios para tanto.
Alguns elementos da nova política do bloco, todos eles
reminiscentes dos tempos de NEP — tais como a introdução
de reformas na indústria e na agricultura ou a ênfase em
coexistência pacífica, desarmamento e melhoria das
relações com os países não-comunistas —, foram,
propriamente, meios para dissimular as intenções do bloco
e influenciar os países não-comunistas no decorrer de sua
primeira fase. Até mais significativas, e ainda reminiscentes
dos tempos de NEP, foram as notáveis mudanças em estilo,
quantidade e qualidade da informação que o mundo
comunista revelava sobre si mesmo. Essas mudanças
refletiram-se na ampliação do acesso de visitantes
estrangeiros à União Soviética e à maior parte do Leste
Europeu. Coincidiram em tempo com o relatório de Shelepin
e com a preparação intensiva de um programa de
operações de desinformação política. Estas coincidências
ajudam a explicar as mudanças.

Baseado em aula-conferência concedida ao estado-maior da KGB pelo ministro


adjunto de defesa da União Soviética, responsável por pesquisa científica e
desenvolvimento técnico.
Informação cedida às autoridades francesas entre 1962 e 1963.
Ver artigo de Henry Hurt para a Reader’s Digest de outubro de 1981,
corroborado de forma independente por George Lardner Jr em artigo para The
Washington Post, edição de 3 de setembro do mesmo. Segundo Hurt, o FBI
reexaminou o caso Fedora, relativo a um oficial da KGB que, desde 1962, era
considerado fonte confiável pelo FBI, de maneira que parte de suas
contribuições chegaram mesmo à Casa Branca; concluiu-se que Fedora estivera
sob o controle de Moscou durante os anos em que tratou com o FBI. Se isso está
correto, é a confirmação de que os soviéticos empenharam-se ativamente em
criar novos canais de desinformação no início da secada de 1960, e que o
governo dos Estados Unidos deve ao público o lançamento de um livro branco
sobre as atividades deste informante soviético. Tal publicação contribuiria de
modo revolucionário para o esclarecimento de estudiosos e jornalistas sobre
assuntos comunistas, e também ao público geral, sobre a pouco conhecida
desinformação estratégica. Lançaria luz sobre temas concretos tomados pela
desinformação, particularmente as relações intra-bloco, e ilustraria como
atitudes e decisões americanas foram, durante o período em questão, moldadas
e influenciadas à base de desinformação.
O Diário Oficial da União Soviética desde ١٩١٧ até a queda do regime — NT.
Baseado em instruções secretas expedidas pelo diretor da inteligência soviética
aos agentes lotados em outros países entre 1959 e 1961.
Dito ao autor por Zenikhov em pessoa.
CAPÍTULO 8
FONTES DE INFORMAÇÃO

OS CAPÍTULOS ANTERIORES descreveram em detalhe como se


desenvolveram, entre 1957 e 1960, o programa, a
estratégia, a organização e a filosofia operacional no centro
do comunismo internacional. Como foi que o mundo
ocidental praticamente fracassou em detectar essas
mudanças e avaliar a sua significância? Para descobri-lo,
faz-se necessário examinar as fontes de informação de que
dispõem os analistas ocidentais.

Fontes ocidentais

As principais fontes ocidentais de informação sobre os


países comunistas são:
• Agentes secretos dos serviços de inteligência
ocidentais.
• Interceptação e decodificação das comunicações
comunistas.
• Monitoramento de embaixadas e oficiais comunistas
em países não-comunistas.
• Observação, a partir de aeronaves e satélites sobre o
território comunista, de instalações industriais,
campos de militares, etc.
• Monitoramento, por meios técnicos, de testes
nucleares e aerobalísticos.
• Observação individual de diplomatas, jornalistas e
visitantes ocidentais em países comunistas.
• Contatos extra-oficiais, nesses países, de diplomatas,
jornalistas e outros visitantes ocidentais.
• Estudiosos de assuntos comunistas.
• “Emigrados internos” ou simpatizantes nos países
comunistas.
• Refugiados e, em especial, ex-oficiais e ex-agentes
dos serviços de inteligência comunistas.

Essas fontes variam em relevância e confiabilidade,


propiciam maior ou menor acesso à informação e pedem
diferentes formas de interpretação.
Por serem as sociedades comunistas fechadas, e por
serem as metas de seus governos agressivas, é de suma
importância para o Ocidente a manutenção de serviços de
inteligência vigorosos e efetivos, capazes de obter
informação confiável e de natureza estratégica sobre os
assuntos internos e as políticas externas dos países
comunistas, bem como sobre suas relações entre si e para
com os partidos comunistas do lado de fora do bloco. Os
agentes secretos dos serviços de inteligência ocidentais
são, dentre todas as fontes, provavelmente as mais
valiosas, dado que operam de boa fé e têm acesso a
informações em nível de decisões políticas. O problema é
que, vez por outra, esses serviços de inteligência tomam
provocadores por agentes genuínos — e provocadores são
um ótimo canal para a desinformação comunista.
A interceptação e decodificação de comunicações pode
fornecer dados valiosos, uma vez que a possibilidade de
desinformação é sempre considerada e devidamente
estimada.
Do mesmo modo, o monitoramento de embaixadas e
oficiais comunistas pode ser muito útil, embora se deva ter
em mente que os métodos aplicados pelos serviços de
inteligência e contra-inteligência do Ocidente são bem
conhecidos e, no mais das vezes, podem ser convertidos em
canais de desinformação pela ação do bloco comunista.
O monitoramento técnico de testes nucleares e
aerobalísticos, bem como as várias formas de
reconhecimento aéreo, têm seu valor, mas não se podem
considerar auto-suficientes. Por causa de suas limitações, os
dados que fornecem precisam ser sempre avaliados em
conjunção com dados oriundos de outras fontes. Cada
técnica tem suas limitações particulares. A limitação geral,
compartilhada por todas elas, reside em não poderem
esclarecer qual o motivo, o responsável e a verdadeira
intenção por trás de algo que esteja ou que suceda em
determinada localidade, ainda que possam fornecer dados
geográficos precisos. Apenas com base nessas fontes, não
se pode dizer, por exemplo, se a concentração de tropas na
fronteira sino-soviética evidencia o propósito conjunto de
passar, para fins de desinformação estratégica, a impressão
de hostilidade genuína entre líderes soviéticos e chineses.
A observação individual de diplomatas, jornalistas e
outros visitantes estrangeiros em países comunistas tem
sua utilidade limitada pelos procedimentos de controle
sobre viagens e contatos. Não se devem superestimar
informações oriundas de contatos extra-oficiais, visto ser
provável que esses contatos, por mais que critiquem o
regime, estejam sob controle do serviço de segurança. Dada
a escala de operação dos serviços de segurança
comunistas, é impossível que um cidadão permaneça em
contato não-autorizado com um estrangeiro por um instante
sequer. O jornalismo investigativo de tipo popular no
Ocidente é inviável em países comunistas sem que haja ao
menos cooperação tácita das autoridades de segurança.
Estudiosos ocidentais podem ser extremamente valiosos
como analistas, uma vez que se lhes conceda acesso a
dados precisos. Como suas visitas a países comunistas não
lhes proporcionam necessariamente contato com
informações internas, e ainda por serem, como os demais
visitantes, suscetíveis de se deixarem levar pela
desinformação deliberada, seu valor como fonte nem
sempre é alto. A propósito, tais visitas também podem ser
perigosas.
“Emigrados internos”, ou simpatizantes, são os
cidadãos de países comunistas que, por diversas razões,
aproximam-se de diplomatas e visitantes estrangeiros ou
tentam adentrar embaixadas ocidentais oferecendo
informações sigilosas. Podem ser fontes preciosas, mas o
problema é que enfrentam muitos obstáculos pelo caminho.
Por exemplo, o serviço de segurança soviético costumava
usar uma técnica de provocação: todo e qualquer
simpatizante que tentasse, por telefone, estabelecer
contato com as embaixadas americana e britânica em
Moscou acabava falando a oficiais do serviço de segurança.
Esses, especialmente treinados, faziam-se passar por
membros das embaixadas e agendavam, com o
simpatizante, um encontro fora da embaixada, cujas
conseqüências bem se podem imaginar. Foram muitos os
simpatizantes que tentaram, e bem poucos os que
conseguiram, contactar as embaixadas ocidentais. Mesmo
quando o conseguiam, nem sempre se lhes depositava
confiança, pois os serviços de segurança soviéticos os
desacreditavam deliberadamente mandando às embaixadas
os seus próprios provocadores, disfarçados de
simpatizantes.
A experiência acumulada indica que refugiados e
desertores comunistas têm sido a mais valiosa fonte de
informação. Por suas contribuições, destacam-se as
daqueles que ocuparam posições de liderança (como
Trotsky, Uralov e Kravchenko) ou trabalharam em
organizações responsáveis pela execução da política, tais
como os serviços de inteligência e segurança (Agabekov,
Volkov, Deryabin, os Petrov, Rastvorov, Khokhlov e Swiatlo),
a inteligência militar (Krivitskiy, Reiss, Guzenko e
Akhmedov), o serviço diplomático (Barmine e Kaznacheyev)
e as forças armadas (Tokayev). Dados relevantes vieram de
líderes iugoslavos durante o cisma, entre 1948 e 1956, e
também de antigas lideranças ou agentes comunistas (a
exemplo de Souvarine, Jay Lovestone, Borkenau, Chambers
e Bentley).
O peso da informação oriunda de tais fontes depende, é
claro, não só da posição que ocupam na escala de acesso a
informações como também de sua educação, experiência,
honestidade, frieza e da autenticidade de sua ruptura com o
comunismo. As revelações de Trotsky tinham seu valor
limitado pelo fato de ele ter rompido, não com o
comunismo, mas com Stalin. O mesmo se poderia dizer dos
líderes iugoslavos. As contribuições de alguns refugiados
sofrem influência do sentimentalismo. Durante a Guerra
Fria, parte de tudo quanto se publicou no Ocidente sobre o
comunismo foi distorcida a propósito de propaganda, e deve
sempre ser consultada com cuidado.
Acima de tudo, o valor das informações fornecidas por
desertores e refugiados depende de que eles ajam de boa
fé, pois que o envio de provocadores disfarçados e prontos
para servir como canais de desinformação é praxe dos
serviços de segurança e de inteligência comunistas.

Fontes comunistas

É preciso tratar as fontes comunistas como uma


categoria à parte. Essas fontes podem ser divididas em
oficiais, extra-oficiais e secretas. São as oficiais:
• As atas de conferências internacionais de governos e
de partidos comunistas, quer de dentro do bloco, quer
de fora dele.
• Atividades e resoluções públicas de partidos, governos
e ministros de um dos países comunistas.
• As atividades públicas e os discursos de líderes
comunistas e outros oficiais.
• A imprensa comunista (livros, periódicos e outras
publicações).
• Contatos oficiais de diplomatas, jornalistas e outros
visitantes estrangeiros.
• Atividades e resoluções públicas de partidos
comunistas em países não-comunistas.

As extra-oficiais são:
• Discursos e comentários extra-oficiais de líderes e
oficiais comunistas.
• Contatos extra-oficiais de diplomatas, jornalistas e
outros visitantes estrangeiros.
• Os cartazes na China e outras publicações
clandestinas em países comunistas, a exemplo do
samizdat34 na União Soviética.
• Livros de estudiosos comunistas.

As fontes “secretas” são vazamentos ou revelações


ocasionais, não raro retroativas e, por vezes, em forma
documental, de informações anteriormente consideradas
confidenciais pelo bloco comunista. Referem-se geralmente
a polêmicas entre membros do bloco, e podem abarcar:
• Atividades, discussões e resoluções secretas dos
órgãos de liderança do bloco.
Atividades, discussões e resoluções secretas de
• partidos, governos e ministros de países comunistas.

• Atividades e discursos secretos de líderes e oficiais


comunistas.
• Documentos secretos do partido do governo,
particularmente circulares endereçadas aos membros
de base do partido.

Análise da informação oriunda de fontes


comunistas

A possibilidade de se obter informações confiáveis sobre


o mundo comunista através de fontes comunistas não deve
ser ignorada nem superestimada. Obviamente, nem tudo o
que aparece na imprensa comunista está falseado ou
distorcido para fins de propaganda ou de desinformação.
Por mais que isso exista a um grau significativo, a imprensa
comunista também reflete, e com boa medida de precisão,
a complexidade da sociedade comunista. É por meio dela
que o povo fica sabendo de grandes eventos, de grandes
decisões do partido ou do governo; é também ela que o
mobiliza e o orienta no sentido de cumprir tais decisões.
Por essas razões, estudar a imprensa comunista é
importante para o Ocidente. Não obstante, o problema que
se apresenta aos analistas ocidentais é justamente
distinguir entre informação factual e propaganda ou
desinformação. E aqui algumas propensões ocidentais
tendem a atrapalhar: a propensão a encarar certos
problemas comunistas como um reflexo de problemas
globais, eternos e imutáveis; presumir que mudanças na
sociedade comunista aconteçam espontaneamente; e a
interpretar o que sucede no mundo comunista à luz da
experiência, das noções e da terminologia dos sistemas
ocidentais.
Não há dúvidas quanto à ação de elementos eternos e
universais na política comunista (Stalin teve mesmo algo
em comum com outros tiranos não-comunistas). Alguns
eventos são espontâneos (a revolta na Hungria é um caso),
e o desdobrar-se dos acontecimentos no mundo comunista
guarda similaridades com o que se dá no mundo não-
comunista. Mas vale observar que, no movimento
comunista e em seus regimes, há também determinada
continuidade ideológica, política e operacional, cujos
elementos específicos não se podem ignorar. Existe um
conjunto mais ou menos permanente de fatores que
refletem a essência do comunismo e o diferenciam de
quaisquer outros sistemas sociais ou políticos, como
existem problemas permanentes com os quais o comunismo
lida melhor ou pior. Entre tais fatores e problemas estão, por
exemplo, a ideologia de classe, os nacionalismos, disputas
de poder, a sucessão da liderança, os expurgos, a política
para com o Ocidente, as táticas do partido, a natureza das
crises e falhas do mundo comunista e as soluções ou
reajustes que se lhes seguem. Deixar passar o que é
especificamente comunista nisso tudo é cair no engano. Por
exemplo: tentar explicar os expurgos dos anos de 1930 sob
a óptica da psicologia de Stalin seria apenas arranhar a
superfície. Não seria menos equivocada uma análise que
tomasse em termos ocidentais o nacionalismo
indubitavelmente existente no mundo comunista.
Mesmo os especialistas ocidentais, que tendo superado
as três propensões supracitadas, reconhecem a natureza e
a continuidade específicas dos regimes comunistas,
freqüentemente sucumbem a uma quarta: aplicar
estereótipos derivados da época de Stalin a eventos
subseqüentes, assim desconsiderando a possibilidade de
haver reajustes nos regimes comunistas e a adoção de uma
abordagem mais racional dos problemas que insistem em
confrontá-los. Historicamente, a prática e a ideologia
comunistas têm demonstrado flexibilidade e capacidade de
adaptação. A NEP de Lênin é um bom exemplo.
Continuidade e mudança estão ambas presentes no sistema
comunista; ambas refletidas na imprensa comunista.
Conseqüentemente, para que se compreenda o mundo
comunista, é importante analisar corretamente a imprensa
comunista. É essencial conhecer a história desse
movimento e compreender não só os fatores e os problemas
permanentes como também as abordagens que tenham
recebido em diferentes períodos. O mesmo vale — e isto
praticamente escapou ao Ocidente até agora — para o
papel e o padrão da desinformação comunista em
determinado período e para o impacto que ela exerce sobre
a validade e confiabilidade das fontes.

Conjunto de técnicas de reprodução e circulação clandestina de textos


censurados pelo regime. O nome acaba por designar todo o movimento em
torno dessas práticas, independentemente do gênero literário em questão — NT.
CAPÍTULO 9
A VULNERABILIDADE DAS AVALIAÇÕES OCIDENTAIS

POSTO QUE OS REGIMES COMUNISTAS, numa escala sem paralelo no


Ocidente, praticam desinformação em tempos de paz,
determinar o padrão aplicado é fundamental para que os
estudos e estimativas ocidentais passem ao largo de erros
mais sérios. Uma vez identificado, esse padrão estabelece
os critérios para a distinção entre fontes confiáveis e não
confiáveis, entre informação e desinformação. Determiná-lo
é difícil, senão impossível, sem que se disponha de
informações internas confiáveis.
Aqui vale notar uma distinção entre as fontes
comunistas e as fontes ocidentais. Todas as fontes
comunistas estão permanentemente disponíveis para a
desinformação comunista. As fontes ocidentais, em geral,
não lhe servem tanto, mas podem fazer as vezes de seus
canais naturais na medida em que sejam conhecidas pelo
lado comunista. O problema com as fontes comunistas está
em detectar o modo como estão a serviço da
desinformação. Com as fontes ocidentais, o problema é
duplo: determinar se foram enredadas pelo lado comunista
e, em caso positivo, se estão ou não servindo a propósitos
de desinformação.
Por serem, em geral, menos vulneráveis, as fontes
ocidentais costumam ser consideradas mais confiáveis que
as comunistas, estas totalmente abertas à exploração para
fins de desinformação. No entanto, caso sejam
comprometidas (e particularmente se o lado Ocidental não o
souber ou não quiser admitir), podem tornar-se suspeitas e
até perigosas. Por outro lado, conhecendo-se o padrão de
desinformação e aplicando-se o método de análise
adequado, até as fontes comunistas podem revelar
informações confiáveis e significativas.
A situação ideal para o Ocidente é aquela em que seus
serviços de inteligência disponham de fontes confiáveis de
informação no terreno da política estratégica, em que se
apliquem às fontes comunistas os métodos de análise
adequados e o padrão de desinformação seja reconhecido.
Esses três fatores interagem uns com os outros em
benefício próprio: as fontes internas podem corroborar a
validade da análise, e não só ajudam a determinar o padrão
de desinformação como podem oportunamente advertir
para as alterações que ele venha a sofrer. Uma vez definido,
o padrão de desinformação, somado à análise apropriada
das fontes, permite uma avaliação precisa das fontes
secretas do Ocidente e a exposição, dentre elas, das que se
tenham contaminado.
O problema é, contudo, que se não pode contar apenas
com a eficácia dos serviços de inteligência ocidentais. À
parte os obstáculos gerais para a aquisição de dados
internos confiáveis e de alto nível sobre o mundo
comunista, há sérios riscos de que fontes confiáveis sejam
comprometidas por seus próprios erros ou pela penetração
comunista nos serviços de inteligência ocidentais. Algumas
delas — dispositivos de escuta, por exemplo — podem ser
detectadas e exploradas pelo lado comunista sem que haja
qualquer tipo de penetração. Não obstante, o fator mais
prejudicial ao desempenho dos serviços ocidentais tem sido
justamente a penetração de adversários comunistas,
penetração esta que tem comprometido fontes ocidentais e
permitido ao lado comunista que as utilize como canais de
desinformação.
Se os serviços de inteligência ocidentais decaem em
eficiência e tornam-se eles mesmos canais de
desinformação comunista, então há sério prejuízo à análise
ocidental das fontes comunistas. Quando todos os fatores (a
capacidade de obter informações secretas, a competência
para interpretar as fontes comunistas e o preparo para
compreender a desinformação) estão sob os efeitos
adversos da penetração e da desinformação, todo o
processo de avaliação das questões comunistas fica viciado,
de modo que os problemas reais e as verdadeiras mudanças
no mundo comunista não se podem distinguir de ficção e
embuste. Informações duvidosas, vindas de fontes
comunistas, ou confirmam ou são confirmadas pela
desinformação transmitida via fontes ocidentais já
comprometidas. Tomam-se por aceitáveis informações
deliberadamente vazadas pelo lado comunista. Informações
genuínas, recebidas ao acaso pelo Ocidente, podem ser
questionadas ou rejeitadas. Deste modo, os enganos em
análises ocidentais tornam-se não só graves como também
irreversíveis. A condição desastrosa dessas análises é ainda
mais séria, porque não reconhecida e não diagnosticada. Se
as estimativas ocidentais sobre o mundo comunista
estiverem erradas, seguir-se-ão os erros de cálculo e os
equívocos políticos, todos explorados com proveito pelo
lado comunista. E nesse caso, quando os enganos
ocidentais ganham reconhecimento público, os políticos, os
diplomatas e os acadêmicos a eles associados caem em
desgraça, assim lançando-se uma base para a emergência
de opiniões extremistas. A ascensão do macartismo nos
Estados Unidos, logo após o fracasso da política americana
no Leste Europeu e na China, é um exemplo claríssimo.

As conseqüências de padrões de desinformação


diferentes
O caráter dos erros de cálculo do Ocidente depende, em
grande medida, do padrão de desinformação envolvido.
Durante uma crise no sistema comunista, que é quando se
aplica o padrão fachada-resistência, o Ocidente é
desorientado sobre os verdadeiros rumos que tomam os
países comunistas, de maneira que, do lado ocidental, não
seja possível perceber a debilidade de seus regimes. Erige-
se em torno de realidades explosivas uma fachada espúria,
porém convincente, de unidade monolítica. Essa fachada,
por espúria que seja, pode muito bem sustentar o seu valor
nominal perante observadores e até governos ocidentais
que, por superestimarem a força e a coesão do aparente
monólito, inibem-se de tomar os devidos passos para
explorar uma crise real no mundo comunista.

A crise no bloco (1949-1956)

Não há dúvidas de que as dificuldades enfrentadas pelo


mundo comunista nos anos imediatamente anteriores e
posteriores à morte de Stalin tenham sido em alguma
medida percebidas no Ocidente. Ocorre que a
desinformação de tipo fachada-resistência não só encobriu
com sucesso a existência de divergências sino-soviéticas
entre 1950 e 1953, como também encobriu a aguda
situação revolucionária na Europa Ocidental. Tivesse o
Ocidente vislumbrado a real profundidade da crise, poderia
ter respondido mais ativa e prontamente aos eventos na
Hungria e na Polônia; a Europa Oriental, ou parte dela,
poderia ter sido libertada de uma vez.
Durante a implementação de uma política de longo
alcance, utiliza-se um padrão do tipo fraqueza-evolução. O
Ocidente é mais uma vez levado a confundir-se, agora tanto
sobre a força real como também sobre as políticas dos
regimes comunistas. Pinta-se um quadro convincente do
mundo comunista, em que figuram o declínio ideológico e a
emergência de entidades nacionais competitivas. Embora
falsa e deliberadamente projetada pelos regimes
envolvidos, essa imagem pode muito bem ser levada a sério
pelo Ocidente, como se nela se refletissem com exatidão
certos desdobramentos espontâneos da política. Assim, o
Ocidente tende a subestimar a força e a coesão do mundo
comunista e acaba estimulado a fechar os olhos para a
necessidade de medidas de defesa apropriadas, podendo
ainda ser levado a tomar medidas ofensivas que sirvam
involuntariamente aos propósitos da política adversária e,
para a sua desvantagem, ofereçam ao lado comunista
oportunidades para o futuro.
Dentre os dois padrões de desinformação, o segundo é
o que traz conseqüências mais sérias para Ocidente, visto
que, se bem aplicado, pode comprometer suas medidas
ofensivas e defensivas. O primeiro inibe-lhe somente as
medidas ofensivas e serve ao endurecimento de sua defesa.

A Segunda Guerra Mundial

O expansionismo soviético contou com o auxílio da


desinformação durante a Segunda Guerra. Sem que se
questione a necessidade da aliança antifascista entre a
União Soviética e os Aliados ocidentais, é legítimo observar
que essa aliança foi explorada com sucesso pela União
Soviética. Há margens para um estudo histórico detalhado
sobre os métodos e canais utilizados para influenciar e
desinformar os governos americano e britânico antes
mesmo das conferências em Teerã e em Ialta. Arquivos
americanos e britânicos devem revelar ainda mais
informações acerca da influência de agentes soviéticos no
Departamento de Estado americano e no Ministério de
Relações Exteriores da Grã-Bretanha, a exemplo de Donald
Maclean e Guy Burgess.35 Enquanto isso, alguns pontos
podem ilustrar a aplicação dos motes “declínio ideológico”,
“aumento da influência nacionalista” e “desunião mais falta
de cooperação entre os partidos comunistas”.
A crítica ideológica aos Estados Unidos e Grã-Bretanha
praticamente desapareceu da imprensa soviética durante a
aliança. Ainda que nunca tenha sido abandonada, a
ideologia revolucionária refreou-se. Antigas tradições russas
foram glorificadas, postos e condecorações czaristas
restaurados no Exército Vermelho. Mostrava-se um novo
respeito pela religião (Stalin promoveu uma audiência
pública para líderes ortodoxos em 1943). Os riscos que se
impunham à sobrevivência de ambos os lados ganharam
ênfase, para então serem tratados como base para uma
futura cooperação. Era inevitável que o regime soviético
passasse por um processo de liberalização, que evoluísse
em um tipo ocidental de estado-nação — ao menos foi o
que ouviram os estadistas e diplomatas do Ocidente,
lisonjeando-se com a idéia de que essas mudanças
ocorreriam sob sua influência. A aceitação da Carta do
Atlântico, em 1941, e a assinatura do Pacto das Nações
Unidas, a 2 de janeiro de 1942, devem ser encaradas como
parte do esforço soviético em alimentar as expectativas
ocidentais por desdobramentos favoráveis. No entanto, o
mais notável engodo arquitetado para maquiar a contínua e
ativa cooperação entre os partidos comunistas para
convencer os Aliados ocidentais de que tivessem
renunciado a seus objetivos revolucionários foi a dissolução
do Comintern em maio de 1943, seis meses antes da
conferência de Teerã. Somaram-se a esse truque os motes
de que a União Soviética e o Exército Vermelho lutavam tão-
somente para livrar o Leste Europeu do fascismo, sem a
menor intenção de ali instituir quaisquer regimes
comunistas.
Alguns detalhes sobre o assunto encontram-se disponíveis em “Interlocking
Subversion in Government Departments” — Hearings before the Subcommitee
to Investigate the Administration of the Internal Security Act and other Internal
Security Laws to the Judiciary of the US Senate (83rd Congress, 1st session), 30
de julho de 1953.
CAPÍTULO 10
ÊXITOS DA INTELIGÊNCIA COMUNISTA, FALHAS DO
OCIDENTE
E A CRISE NOS ESTUDOS OCIDENTAIS

CONSIDERANDO-SE OS SEUS ESFORÇOS para obter informações


secretas sobre o mundo comunista, suas tentativas de
processar informações oriundas de fontes comunistas e a
sua capacidade de distinguir entre fontes confiáveis e não
confiáveis, isto é, entre informação e desinformação, o
Ocidente, nos dias hoje, parece padecer, no mínimo, de
uma inépcia temporária. Esse estado de coisas é
sintomático da penetração, nos serviços de inteligência
ocidentais, de oponentes comunistas.
A inteligência ocidental nem sempre levou a pior.
Durante a crise pós-Stalin, os serviços de inteligência e de
segurança soviéticos encontravam-se enfraquecidos. Havia
mais gente disposta a ajudar o Ocidente — cinco oficiais da
inteligência soviética desertaram no ano de 1954 —, e
muito embora nunca tenha desvelado por completo a
penetração de agentes comunistas em governos e
sociedades do Ocidente, a inteligência ocidental dispunha
de algumas fontes confiáveis em órgãos estratégicos do
outro lado. Porém, na medida em que o mundo comunista
se recuperava da crise, seus serviços de inteligência e de
segurança recobraram força e eficiência. Os esforços em
penetrar os governos ocidentais em geral (e os seus
serviços de inteligência e de segurança em particular),
continuamente despendidos desde 1917, receberam uma
injeção de ânimo. Não cabe aqui desenvolver um estudo
pormenorizado da questão, se bem que seja necessário
elencar alguns exemplos que ilustrem o argumento.
Por ter servido no Departamento de Informação do
Primeiro Diretório Geral da KGB, entre 1959 e 1960, mais
precisamente na seção responsável pela OTAN, este autor
sabe que, naquela ocasião, os serviços de inteligência do
bloco dispunham de agentes nos ministérios de relações
exteriores da maioria dos países membros, para não falar
de outros tantos países. Isso significa que os líderes
soviéticos e seus parceiros estavam quase tão bem
informados sobre as políticas exteriores do Ocidente quanto
os próprios governos ocidentais.
Sintomáticos da profundidade e da amplitude dessa
penetração foram os casos de Vassall, então oficial do
Almirantado Britânico; do adido militar da Suécia na União
Soviética e posteriormente nos EUA, Cel. Wennerstrom; do
oficial sênior na sede da OTAN em Paris, Cel. Paques; e dos
quarenta microfones escondidos pela embaixada americana
em Moscou, descobertos com atraso em 1964.
Há também notáveis evidências da penetração
comunista em serviços de inteligência ocidentais. Os
serviços de segurança e de inteligência britânicos, os mais
antigos e experimentados do Ocidente, foram gravemente
prejudicados por Blunt, Philby, Black e ainda outros que, até
serem descobertos, trabalharam para a inteligência
soviética por anos a fio.
Com a descoberta do círculo de Felfe36 em 1961, ficou
demonstrado que a inteligência alemã estivera infiltrada
pelos soviéticos desde a sua reabertura, dez anos antes.
O autor conheceu em detalhes a vasta penetração
soviética na inteligência francesa. De posse dessas
informações, as autoridades competentes puderam
neutralizá-la.
A inteligência americana sofreu com a penetração
soviética em serviços aliados. Entre 1957 e 1958, como
resultado da penetração da KGB, acabou perdendo o Ten.
Cel. Popov, importante agente na União Soviética.37
Graças particularmente à incompreensão da
desinformação, é pouco provável que o comprometimento
de fontes já tenha sido devidamente analisado à luz dos
casos conhecidos de penetração comunista na inteligência
ocidental.

Fatores para os êxitos da inteligência


comunista

Três fatores principais contribuem para que os serviços


de inteligência comunistas obtenham seus êxitos contra o
Ocidente. Em primeiro lugar, esses serviços operam em
uma escala muito maior: o potencial de inteligência dos
regimes totalitários é sempre maior que o dos
democráticos, pois sua estabilidade respalda-se em polícias
secretas. A determinação com que os regimes comunistas
promovem os seus sistemas em outros países implica um
alargamento do papel a ser desempenhado por seus
serviços de inteligência no exterior. Por conseguinte, esses
regimes levam as atividades de inteligência e de segurança
mais a sério, e despendem nelas muito mais recursos
humanos e financeiros que as democracias. Na União
Soviética é possível formar quadros com o equivalente a um
diploma universitário nessas disciplinas. Há incentivos para
que essas pessoas, tanto dentro como fora de suas próprias
áreas geográficas, ampliem massivamente as suas redes de
informantes.
Em segundo lugar, os líderes comunistas reconhecem a
importância das atividades de segurança para a sua própria
sobrevivência e o aporte construtivo de uma boa
inteligência para a sua estratégia internacional. Os serviços
de segurança e de inteligência comunistas estão, portanto,
livres de severas, se não incontornáveis, restrições que se
impõem às atividades de suas equivalentes em países
democráticos. Desfrutam de um lugar oficialmente
reconhecido e honrado entre as instituições comunistas; não
têm porque brigar com a imprensa ou com a opinião pública
em seus próprios países; e podem permitir-se ser mais
agressivos, especialmente no recrutamento de novos
agentes.
O terceiro fator, e possivelmente o mais importante,
está em que, desde fins da década de 1960, todos os
recursos de inteligência e de segurança do bloco comunista
inteiro têm-se destinado a um papel ativista na
implementação da nova política, papel esse que implica o
fornecimento de informações internas, “secretas” e
cuidadosamente selecionas para a inteligência ocidental.
Que essa mudança no papel dos serviços de inteligência
comunistas tenha, na prática, escapado ao Ocidente —
exatamente como a relevância das duas conferências que,
em 1954 e 1959, reuniram os principais oficiais da KGB na
União Soviética — é mais um indicativo da perda de
eficiência na inteligência ocidental. Não houve até o
momento um único sinal de que se tenha dirigido maiores
atenções para a nova dimensão do problema colocado pelo
envolvimento da inteligência soviética em desinformação
estratégica. Isso parece indicar que nenhuma das fontes
secretas do Ocidente, quaisquer que sejam, apontaram tal
mudança.

Métodos obsoletos para análise das fontes


comunistas
Até o presente momento, os analistas ocidentais têm
geralmente seguido o método de análise do conteúdo,
especialmente no trato da imprensa e dos periódicos
comunistas. Como seus princípios foram formulados por
Borkenau, antigo comunista alemão, esse método é, por
vezes, conhecido como método Borkenau. Sem que se
questione a capacidade ou a integridade dos analistas
ocidentais, é preciso questionar a contínua e quase que
exclusiva confiança por eles depositada nesse método,
mesmo depois de adotadas a nova política de longo alcance
e a prática sistemática de desinformação.
Os princípios do método Borkenau são, em resumo:
• Não se deixar enganar pela fachada da propaganda
comunista; desnudar o palavrório oficial para
discriminar os pontos que realmente interessam e os
verdadeiros conflitos nas sociedades comunistas.
• Interpretar esses pontos e prognosticar seus possíveis
desdobramentos antes de eles virem a público.
• Procurar nas imprensas nacionais e locais, em notas
de nomeação ou destituição de oficiais e em seções
de necrológio, indícios que permitam a interpretação
do que sucede no mundo comunista.
• Cotejar detalhadamente os discursos de lideranças
comunistas, tanto em um mesmo país como em
países distintos, buscando diferenças relevantes,
especialmente no que diz respeito a abordagens e
problemas doutrinais.
• Fazer o mesmo com jornais e outras publicações
comunistas, com transmissões radiofônicas,
televisivas e de qualquer outra ordem, tanto em um
mesmo país como em países diferentes.
• Interpretar eventos atuais à luz do que se sabe sobre
antigas controvérsias do partido.
• Atentar para disputas de poder pessoal; traçar os
antecedentes e as carreiras de chefes do partido e
estudar o agrupamento de seus seguidores.

Esse método mostrou-se válido e eficaz ao longo da


ditadura de Stalin e da disputa de poder que se seguiu à
sua morte. A eliminação do grupo de Zhdanov entre 1948 e
1949, a existência de dissensões sino-soviéticas à época de
Stalin e a “vitória” de Khrushchev sobre a maioria do
Presidium em junho de 1957 — tudo isso foi suscetível de
interpretação e de análises mais ou menos acuradas.38
Como o sectarismo, disputas programáticas, manobras
políticas e a briga pelo poder eram então problemas reais,
tomá-los nos termos de Borkenau era mais que justificável,
na medida em que serviam de fato como chave de
interpretação para as realidades do mundo comunista e de
suas políticas.
Durante o primeiro período pós-Stalin, de 1953 a 1957,
o mais espontâneo e menos controlado da história
comunista, deram-se alguns novos desenvolvimentos.
Nacionalismo e revisionismo genuínos tomaram proporções
consideráveis. Surgiram diversos grupos de interesse entre
os militares, no partido e na burocracia, e também grupos
de stalinistas, moderados, liberais e conservadores. Esses
novos fatores foram levados em conta por analistas
ocidentais, que modificaram suas técnicas conforme a
necessidade.
Ocorre que esse período de espontaneidade terminou
com a restituição da autoridade dos partidos comunistas.
Uma série de reajustes inverteu a relevância e o significado
originais de tudo sobre o que se tinham debruçado os
analistas ocidentais. Como não puderam apreender tais
reajustes, tiveram o seu método impugnado para a análise
de fontes comunistas.
A adoção da nova política instaurou de uma vez o
princípio da liderança coletiva, o que encerrou as disputas
pelo poder, resolveu o problema da sucessão na liderança e
estabeleceu uma nova base para as relações entre os
diferentes membros do bloco comunista. Se os métodos de
avaliação que se aplicavam a nacionalismo e revisionismo
foram relevantes entre 1953 e 1956, período de crise que
testemunhou não só o desgoverno dos soviéticos sobre os
seus satélites como também a eclosão de revoltas
espontâneas, destacadamente na Hungria e na Polônia,
então deixaram de sê-lo no momento em que os líderes dos
partidos e regimes comunistas passaram a ter
independência tática e comprometeram-se todos, inclusive
os iugoslavos, com a nova política do bloco e com a
estratégia comunista internacional. As forças do
nacionalismo e do revisionismo deixaram de determinar a
política comunista onde quer que fosse; era a política que
determinava o uso que deles se poderia fazer. Dado que
essa mudança fundamental fora bem ocultada de
observadores ocidentais, tornaram-se perigosamente
enganosas as análises subseqüentes, todas baseadas na
velha e obsoleta metodologia, sobre as relações soviético-
albanesas, soviético-iugoslavas, soviético-romenas,
soviético-tchecoslovacas, soviético-chinesas e soviético-
polonesas.
A restauração da autoridade dos partidos pôs fim à
influência dos grupos de interesse. Isto se pode ilustrar com
o caso do grupo militar. Sob o comando de Stalin, e porque
ele os perseguia, os militares formavam um grupo
potencialmente importante. Sabiam, por experiência
própria, de tudo sobre os seus métodos, e por isso uma
jogada antipartido era sempre uma possibilidade. Durante a
disputa de poder que se estendeu de 1953 a 1957, o
controle do partido sobre os militares era pouco, de maneira
que eles desempenharam um papel significativo, primeiro,
em derrubar líderes indesejáveis — a exemplo de Beriya —
e, mais tarde, por meio de Zhukov, na “vitória” de
Khrushchev sobre a oposição. Após a remoção de Zhukov,
os militares ficaram sob o controle seguro do partido e
acabaram, portanto, libertos da ameaça persecutória. Do
mesmo modo, o controle do partido sobre os militares foi
reafirmado na China em 1958. Militares não podem e não
fazem política em nenhum desses países. A “descoberta”,
em 1960, de um grupo de pressão militar na União
Soviética, e também a ênfase dada por analistas ocidentais
ao papel do então ministro da defesa chinês, Lin Piao, eram,
ambas, equívocos. Os líderes militares, tal como os assim
chamados tecnocratas, são todos membros do partido e
estão sob o controle da sua liderança; em seus respectivos
campos, são todos partícipes na implementação da política
de longo alcance.
Com a liderança coletiva firmada na União Soviética e
reafirmada no partido chinês, entre 1959 e 1960, o
sectarismo perdeu o seu sentido. Não podiam mais haver
grupos realmente stalinistas, neo-stalinistas, khrushchevitas
ou maoístas, ainda que tais grupos pudessem ser
inventados, caso fosse necessário, por considerações
políticas. O fator personalidade adquiriu um novo significado
no contexto da liderança dos partidos comunistas. O estilo
pessoal, as idiossincrasias de um líder, não mais
determinava a política; pelo contrário, foi a nova política
que passou a determinar, com fins próprios, as ações dos
líderes e a explorar as suas diferenças de personalidade e
de estilo. Stalin utilizou-se do culto à personalidade para
estabelecer a sua ditadura pessoal; Mao utilizou-a, em
parte, para encobrir a realidade da liderança coletiva. Visto
que a adoção da política comum também solucionou o
problema da sucessão, as disputas de poder perderam seu
velho sentido para tornarem-se peças no painel em que se
exibem calculadamente diferenças e dissensões internas ao
bloco. A existência de grupos verdadeiramente stalinistas e
liberais, linhas-duras e moderados na União Soviética é tão
ilusória quanto a existência de grupos pró-soviéticos e anti-
soviéticos, ou conservadores e pragmáticos, na liderança
chinesa. É verdade que, em ambas as lideranças, têm-se
visto representantes de gerações mais antigas e mais
novas; mas nenhuma tentativa de encontrar quaisquer
diferenças entre as suas respectivas ideologias e políticas se
poderá fundar em provas concretas. Ambas as gerações, em
ambos os partidos, foram e são igualmente comprometidas
com a política de longo alcance deflagrada entre 1958 e
1960.
Quando havia uma real disputa de poder na União
Soviética, fazia sentido esquadrinhar a imprensa comunista
à procura de deixas, pistas e omissões significativas; tentar
desvelar críticas nas entrelinhas ou encontrar divergências
de perspectiva sobre determinado assunto em diferentes
publicações, entre líderes de um mesmo partido ou ainda
entre líderes de partidos diferentes. Fez sentido
particularmente nos anos que precederam e que sucederam
à morte de Stalin. Contudo, a partir de 1960, tornou-se não
apenas inútil como também absolutamente perigoso, pois
que os estrategistas do bloco se haviam inteirado de tudo
sobre a técnica Borkenau, seus clichês inclusive, e
utilizavam-se desse conhecimento em seus planos de
desinformação. Conheciam todos os indicadores sobre os
quais os defensores do método Borkenau vieram depositar
sua confiança; sabiam do fascínio que sobre eles exerciam
as rupturas reais ou potenciais no mundo comunista;
sabiam quando e como deixar rastros pela mídia ou em
conversações privadas, sugerindo mudanças aparentes no
equilíbrio entre os grupos que supostamente rivalizavam na
liderança; sabiam onde e como soltar os textos de discursos
e discussões sigilosas, de maneira que se refletisse uma
aparente discórdia entre os partidos; e, finalmente,
aprenderam como conduzir polêmicas notórias entre líderes
partidários, as quais, sob controle, fossem realistas o
bastante para convencer o mundo lá fora das verdadeiras
hostilidades soviético-albanesas e sino-soviéticas, ao
mesmo tempo em que preservavam e fortaleciam a unidade
de ação dentro do bloco segundo a política e a estratégia de
longo alcance, ambas acordadas mutuamente.

A inépcia ocidental em detectar a


desinformação e o seu padrão vigente

A metodologia convencional tende a tomar uma fonte


secreta como confiável quando a informação que ela
fornece coincide com outra informação claramente
disponível; por outro lado, uma fonte que ofereça dados
conflitantes com a visão geralmente aceita sobre a situação
do mundo comunista pode ser ignorada ou rejeitada. Na
ausência de desinformação, tal metodologia teria sua
validade. Porém, em maio de 1959, a reintrodução de um
programa sistemático de desinformação era assinalada pelo
relatório Shelepin. É verdade que, no final da década de
1960, um aumento na atividade comunista de
desinformação, principalmente a de natureza tática, ligada
à fabricação e vazamento de documentos supostamente
ocidentais, atraiu a atenção do outro lado, e de tal modo
que foi reportada pela CIA ao Congresso dos Estados
Unidos. Mas o fato é que quando Shelepin apresentou seu
relatório à conferência da KGB em 1959, o Ocidente, ao que
parece, não dispunha de fontes capazes de reportá-lo; seu
conteúdo e suas implicações permaneceram desconhecidos
e, por conseguinte, inexplorados por todos os serviços de
inteligência ocidentais, até que autor destas linhas lhes
oferecesse o seu relato. Considerando-se as referências
feitas publicamente por ocasião do Vigésimo Primeiro
Congresso do PCUS, quaisquer das fontes ocidentais na
KGB, ou desertores, que tenham descrito a conferência de
1959, incluindo o relatório apresentado por Shelepin, como
meros procedimentos de rotina, colocam-se sob sérias
suspeitas.
O Ocidente não carece apenas de informações
específicas sobre o relatório Shelepin. O uso comunista de
desinformação em geral tem sido constantemente
subestimado, e praticamente ignora-se o propósito do
padrão declínio-evolução.39 Se o Ocidente tivesse atentado
para o referido relatório, e então avaliado as suas
implicações, a metodologia ocidental teria que ser — e
provavelmente seria — virada de ponta-cabeça. Ter-se-ia
percebido que uma fonte confiável haveria de passar
informações conflitantes com o quadro geralmente aceito. O
conceito comunista de desinformação implica a utilização
de todos os canais disponíveis, isto é, todas as fontes
comunistas e todas as fontes ocidentais — à exceção, é
claro, daquelas desconhecidas ou, por alguma razão prática,
convenientes para o lado comunista — para a veiculação de
informações falseadas. Que a mesma imagem seja refletida
por fontes comunistas e por fontes ocidentais é um bom
indicativo de ambas estejam sendo usadas para fins de
desinformação.
Diante do empenho comunista, superior em matéria de
segurança e de inteligência, bem como de seus notórios
êxitos em penetrar os serviços de inteligência ocidentais, as
probabilidades de subsistência de fontes ocidentais —
secretas, confiáveis e ilibadas — infiltradas em nível
político-estratégico no mundo comunista são seriamente
desfavoráveis. Se alguma fonte dessa estirpe, a despeito
das probabilidades, tivesse sobrevivido, deveria ter
produzido informações dissonantes em relação às de todas
as outras. Num tempo em que vigorasse o padrão fachada-
resistência, uma fonte confiável e bem posicionada deveria
alertar para a existência, no mundo comunista, de uma
situação crítica que, daquele lado, ansiavam por esconder.
De outro modo, quando, em fins da década de 1960,
reintroduziu-se o padrão declínio-evolução, uma fonte
confiável deveria, em contraste com outras fontes, alertar
para a força e a coordenação que ali subjaziam. Por não ter
captado nem compreendido a desinformação comunista
após 1958, o Ocidente não mudou sua metodologia. Por não
ter mudado sua metodologia, continuou a aceitar de todas
as suas fontes, comunistas e ocidentais, informações que
refletiam desunião e desordem no mundo comunista. Que
todas elas contassem basicamente a mesma história é um
bom indicativo de que a empreitada da desinformação foi
ampla e efetiva. A conseqüência mais perigosa da inépcia
ocidental, para detectar e compreender a desinformação
comunista e os seus padrões, está na falta da influência
corretiva de fontes ocidentais secretas e confiáveis, fazendo
que a versão dos eventos difundida por fontes comunistas
tenha sido cada vez mais tomada como verdade.
Perspectivas convencionais sobre o “cisma” sino-soviético,
as “independências” romena e iugoslava, a “Primavera de
Praga”, a dissidência eurocomunista, e ainda outros
assuntos a serem discutidos na segunda parte deste livro,
foram inventadas e transmitidas para o Ocidente por
estrategistas comunistas.

Heinz Felfe — NT.


Uma análise confidencial sobre caso de Popov, conhecido como “Operação
Bumerangue”, circulou, depois de sua prisão, entre membros do estado-maior
da KBG. Segundo o documento, a exposição de Popov decorrera de relatos de
outros agentes (não nomeados) lotados no estrangeiro e da vigilância sobre ele
e seu oficial. Popov não pudera ser preso antes porque um coronel do GRU
estava “em mãos americanas”. Deixou de ter utilidade para um jogo operacional
contra os americanos, pois sabia-se que ele era um tanto anti-soviético e que,
portanto, seria capaz de entregar o ouro aos adversários.
Ver artigo de B. Nikolayevskiy sobre o Décimo Nono Congresso do PCUS em The
New Leader (6 de outubro de 1952). Ver também, de Franz Borkenau, Sino-
Soviet Relations (Jornal do Departamento de Estado ERS, série III, nº 86, 1º de
fevereiro de 1952); e Mao Tse-tung (The Twentieth Century, agosto de 1952).
A aplicação do padrão fachada-resistência tem sido, vez por outra, reconhecida.
Ver, por exemplo, China under Communism, de Richard Lewis Walker (Londres:
George Allen & Urwin Ltd., 1956), pp. 240-245.
CAPÍTULO 11
OS ERROS DO OCIDENTE

A INCAPACIDADE DEMONSTRADA pelos serviços de inteligência


ocidentais em adaptarem a sua metodologia às mudanças
político-estratégicas do período entre 1957 e 1960 deu a
entender que eles se encontravam desguarnecidos para
produzir ou contribuir com análises equilibradas e precisas
da situação no mundo comunista; em suma, se tinham
convertido involuntariamente em veículos para a
desinformação praticada pelos seus oponentes. Como não
puderam captar adequadamente a mobilização do potencial
de inteligência do bloco, ou as técnicas e padrões de
desinformação, não surpreende que diplomatas,
acadêmicos e jornalistas ocidentais tenham também
ignorado o abastecimento calculado, via mídia, de
informações falseadas, aceitando cada vez mais,
indiscriminadamente, “revelações” que lhes eram feitas por
líderes e oficiais comunistas em conversas extra-oficiais,
confidenciais.
O novo tipo de desinformação não teve, de forma
alguma, aceitação imediata ou plena. Pelos menos até
1961, duas eram as escolas de pensamento que, de modo
geral, reuniam estudiosos ocidentais seriamente
interessados pelo comunismo. Havia quem adotasse uma
atitude cética em relação às primeiras divergências e
rupturas no mundo comunista, desaconselhando a sua fácil
aceitação com base em longa experiência e familiaridade
com a duplicidade, praticando uma desconfiança intuitiva
de evidências e “vazamentos” provenientes de fontes
comunistas. O ceticismo sobre a autenticidade das
divergências sino-soviéticas expressou-se de maneiras
distintas, e por razões diversas, em W. A Douglas Jackson, J.
Burnham, J. Lovestone, Natalie Grant, Suzanne Labin, Tibor
Mende, entre outros. Jackson, por exemplo, escreveu: “Em
fins de 1959, e por todo o ano seguinte, devido a
discordâncias manifestadas em declarações de Pequim e de
Moscou, a idéia de um possível entrevero entre as duas
potências ganhou força em algumas capitais do Ocidente.
Embora legítimo, o anseio de ver desenvolver-se um conflito
entre a RPC e a URSS pode acabar ofuscando a visão de
realidades fundamentais, caso se atribua peso indevido a
sinais aparentes quando, na verdade, é possível que não
haja nada de fundamental ali”.40
James Burnham observou em National Review que o
conflito sino-soviético parecia ser um dos assuntos
prediletos dos anfitriões comunistas quando recebiam
homens de estado e jornalistas ocidentais em Moscou e
Pequim. Questionava se tais declarações eram “burla
deliberada por parte dos comunistas, vãs esperanças por
parte dos não-comunistas, ou ainda uma mistura de
ambas”.41
Suzanne Labin fez suas as palavras de um refugiado da
China comunista, Dr. Tang, segundo o qual as dissensões
entre chineses e soviéticos emanam de uma divisão de
trabalho entre os dois lados.42
Tibor Mende, que visitou a China naquele período,
advertiu contra o excesso de importância dada a tais
diferenças, e observou que “China e União Soviética,
quando se reúnem, não apenas fazem barganha, senão que
também concertam suas ações”.43
Bem versada na história da operação Trust, Natalie
Grant foi além, sugerindo que “um estudo minucioso do
material que supostamente embasa a tese da existência de
um sério conflito sino-soviético prova a ausência de
qualquer fundamento objetivo em tal convicção [...] todas
as declarações que apontem um grave desacordo entre
Moscou e Pequim, seja ele relativo à política externa,
guerra, paz, revolução ou imperialismo ocidental, são uma
invenção. São fruto de imaginação fértil e especulação
leviana”. Ela diz ainda que boa parte das informações
“equivocadas” sobre as relações sino-soviéticas era de
inspiração comunista, “reminiscente da era já quase
esquecida do Instituto de Relações do Pacífico”.44
A escola oposta aplicava os métodos de Borkenau à
nova situação e dedicava grande atenção ao estudo do que
veio a ser conhecido como prova “simbólica”, ou
“esotérica”, de divergências e de disputas doutrinais entre
os diferentes membros do bloco comunista.45 Sustentavam
a prova esotérica das diferenças sino-soviéticas várias
declarações extra-oficiais de líderes soviéticos e chineses, a
exemplo das críticas tecidas por Khrushchev ao falecido
senador Hubert Humphrey sobre as comunas chinesas em
1º de dezembro de 1958, ou as “verdades” ditas por Chou
En-lai a Edgar Snow no outono de 1960.46 Também
contribuíam os comentários privados de oficiais comunistas
na Europa Oriental.47
Por todo o ano de 1960 e boa parte de 1961, as opiniões
oscilavam entre céticos e adeptos da prova esotérica. Foi
então que, por ocasião do Vigésimo Segundo Congresso de
PCUS, em outubro de 1961, Khrushchev investiu
publicamente contra a liderança do Partido Comunista da
Albânia, de modo que Chou En-lai, líder da delegação
chinesa, retirou-se do recinto. O diálogo soviético-albanês
deixara de ser esotérico para tornar-se público. À medida
que se desenrolavam as polêmicas entre líderes soviéticos,
albaneses e chineses, despontaram no Ocidente relatos
retrospectivos sobre disputas travadas que supostamente
se haviam dado a portas fechadas por ocasião do congresso
promovido pelo Partido Comunista da Romênia, sediado em
Bucareste em junho de 1960, e no congresso dos oitenta e
um partidos, sediado em Moscou em novembro de 1961. As
revelações mais notáveis vieram a público nos artigos de
Edward Crankshaw para o London Observer, edições de 12 e
19 de fevereiro de 1961, e de 6 e 20 de maio de 1962. A
elas seguiu-se a publicação de documentos oficiais e de
declarações nas imprensas dos partidos comunistas italiano,
francês, belga, polonês e albanês. Esse material confirmava
e engrossava o conteúdo publicado por Crankshaw.48
Em fins de 1962, a combinação de provas esotéricas,
polêmicas públicas entre líderes comunistas e as
evidências, em grande parte retrospectivas, de sectarismo
nas assembléias do movimento comunista internacional
provou-se irresistível. A aceitação da existência de rupturas
genuínas no mundo comunista tornou-se praticamente
universal. As provas esotéricas e as evidências extra-oficiais
oriundas de fontes comunistas tinham-se provado confiáveis
e precisas. A validade das premissas básicas da velha
metodologia fora reafirmada, e seus praticantes absolvidos.
Os céticos ficaram sem chão. Alguns mudaram de idéia.
Aqueles que persistiram em suas dúvidas careciam de
provas concretas para respaldá-las, de maneira que não
lhes restava outra opção senão manterem-se em silêncio. O
estudo dos cismas impulsionou-se a si mesmo, criando pelo
caminho uma variedade de compromissos pessoais e de
interesses diretos na validade de uma análise que
demonstrasse a desintegração acelerada do monólito
comunista. Aos novos estudantes que adentravam esse
campo não se ofereceria incentivo nem base com que
pudessem desafiar a ortodoxia ou examinar as premissas
elementares da metodologia, bem como a validade das
evidências que a sustentavam.
A progressão de cismas no mundo comunista apela à
consciência ocidental de várias formas. Mata a sede de
sensacionalismo, acalenta esperanças de ganhos comerciais
e revira memórias de heresias e rupturas pregressas no
movimento comunista; mostra que o sectarismo compõe a
política comunista tal como compõe a política ocidental;
nutre a doce ilusão de que, deixado a si mesmo, o mundo
comunista irá desintegrar-se, e a ameaça por ele imposta ao
resto do globo irá desaparecer. Confirma as opiniões
daqueles que rejeitam intelectualmente as pretensões do
dogma comunista como guia único, universal e infalível da
compreensão histórica e política. Não por acaso, têm-se
descartado, ou ignorado, evidências que, vindas de fontes
comunistas oficiais, contrastem com a imagem de desunião
e desarranjo no mundo comunista, apontando — ou, pelo
menos, sugerindo — uma cooperação entre União Soviética,
China, Romênia e Iugoslávia para a contínua articulação em
favor da política de longo alcance. O foco das atenções recai
quase que invariavelmente sobre evidências de discórdia.
Tamanho tem sido o furor em torno delas, e tamanha a
incompreensão ocidental dos motivos e técnicas da
desinformação comunista, que à origem mesma dessas
evidências tem-se prestado cada vez menos atenção. Quase
tudo isso foi, na verdade, fornecido ao Ocidente pelos
governos e partidos comunistas através das suas imprensas
e de seus serviços de inteligência. Sem percebê-lo, os
observadores ocidentais acabam cada vez mais enroscados
na rede que lhes foi atirada.
A atual situação remonta aos tempos da NEP, mas com
uma importante diferença: nos anos de 1920, os erros do
Ocidente diziam respeito somente à Rússia; agora dizem
respeito a todo o mundo comunista. Onde deveria enxergar
unidade e coordenação estratégica, vê apenas diversidade
e desintegração; onde deveria enxergar a renovação
ideológica, a estabilização dos regimes e o enrijecimento do
controle exercido pelo partido, vê a morte da ideologia e a
evolução, ou convergência, no sentido dos sistemas
democráticos; onde deveria enxergar novas manobras, vê
moderação política. A solicitude comunista em assinar
acordos com o Ocidente, calcada em considerações táticas
e embuste, é equivocadamente interpretada como a
reafirmação de grandes interesses nacionais pela busca de
objetivos de longo prazo.
Duas outras tendências têm ajudado a compor a série
de enganos ocidentais: a tendência a aplicar clichês e
estereótipos, derivados do estudo de regimes nacionais
convencionais, ao estudo de países comunistas, ignorando
ou subestimando o fator ideológico de seus sistemas
internos e de suas relações uns com os outros, e a
tendência ao auto-engano.
Ambas favorecem a aceitação irrefletida do que dizem
ao Ocidente as fontes comunistas, oficiais ou extra-oficiais,
particularmente no tocante à contenda sino-soviética. Boa
parte da literatura ocidental sobre o assunto mistura
evidências históricas, como a rivalidade que opunha os dois
países quando governados pelos czares e imperadores, e
controvérsias que se levantaram entre eles dos anos de
1920 aos 1960 — tudo isso para sustentar a autenticidade
da atual discussão sem que haja qualquer tentativa séria de
estudar os diferentes fatores em operação nos diferentes
períodos. O foco da atenção ocidental sempre recai sobre a
ruptura, e não sobre as evidências que, embora escassas,
provêm das mesmas fontes comunistas e apontam para a
contínua colaboração entre soviéticos e chineses. Assim
dentro como fora do governo, analistas ocidentais parecem
estar mais preocupados em especular sobre as futuras
relações entre os mundos comunista e não-comunista do
que em examinar criticamente as evidências que
fundamentam as suas próprias interpretações dos
acontecimentos.
O nacionalismo foi uma força relevante entre partidos
comunistas durante os últimos anos de Stalin e a crise que
se seguiu à sua morte; tanto foi assim que afetou vários
deles — especialmente Iugoslávia, Polônia, Hungria e
Geórgia. Vale notar, porém, que a dissidência nacionalista
constituía então uma resposta aos desvios de Stalin em
relação aos princípios leninistas de internacionalismo. Com
a condenação das práticas de Stalin e os reajustes
necessários na condução dos assuntos comunistas,
particularmente no que dizia respeito às relações entre o
PCUS e os demais partidos, a base para dissidências desse
tipo desapareceu progressivamente. Desde então, cada
regime comunista pôde lidar com seus próprios
nacionalismos por meio de uma variedade pré-estabelecida
de táticas, e pela projeção calculada de uma imagem falsa
da independência nacional dos partidos. Aparências à parte,
os regimes na China, na Romênia, na Iugoslávia e na
Tchecoslováquia de Dubcek não se calcam em estilos
diferentes de comunismo nacional desde 1957; suas ações
têm sido invariavelmente pautadas pela ideologia e pelas
táticas leninistas, que, mirando os interesses e objetivos do
bloco como um todo, subordinam os interesses nacionais de
cada um dos povos do mundo comunista.
O principal erro do Ocidente foi deixar passar
despercebida a adoção da política de longo alcance e
ignorar tanto a finalidade como os padrões da
desinformação comunista, de modo que ou desconsidera
por completo a desinformação, ou presume a aplicação do
padrão fachada-resistência. Na verdade, o padrão que se
vem seguindo desde os fins da década de 1960 é o
chamado declínio-evolução. Foi nessa linha que a
desinformação deitou as bases para o logro imposto às
análises ocidentais, que, por sua vez, têm gerado respostas
equivocadas. Conseqüentemente, o que se oferece ao
mundo comunista já há mais de vinte anos é o
consentimento sistemático à implementação da sua política
de longo alcance.
Douglas Jackson. W. A. The Russo-Chinese Borderlands. Princeton: D. Van
Nostrand, 1962, p. 95.
Bear and Dragon: What is the Relation between Moscow and Peking?
Suplemento à edição de 5 de novembro de 1960.
Em The Human Condition in Communist China (Londres: Stevens & Sons Ltd.,
1960, pp. 419-420): “o fato de os dois regimes sempre concordarem em todas
as questões vitais à sobrevivência de ambos ajuda-nos a entender que os seus
desacordos em matéria de táticas emanam de uma divisão de trabalho na qual
Rússia e China revezam posições. Por exemplo, quando uma age
agressivamente, a outra vem fazer o papel de mediadora, para acalmar os
ânimos do mundo livre. Creio que se trata do que a sabedoria popular chama de
”manter um olho no peixe e o outro no gato”. Por favor, senhora, lembre-se de
que até relativamente pouco tempo a União Soviética fazia sozinha todas as
jogadas internacionais por todo o mundo comunista, de maneira que não lhe
restava outra opção senão a de alternar por conta própria as linhas dura e
branda. Ocorre que, em anos recentes, a China comunista entrou no jogo como
uma parceira, e as duas, juntas, agora podem seguir simultaneamente essas
duas linhas distintas — uma desde Moscou, outra desde Pequim. Isso confere
grande vantagem às potências comunistas e intensifica a confusão no
Ocidente”.
Em China and Her Shadow (Londres: Thames & Hudson, 1960, pp. 162, 180-
181): “Com efeito, é difícil imaginar eventos mais capazes de alterar por
completo o equilíbrio de forças no mundo de hoje do que o eventual divórcio
entre as duas maiores potências comunistas. Por isso mesmo, tão poucos
assuntos têm atraído tanta especulação pobre em evidências concretas. Se, no
início, o fascínio pelo imenso impacto da colaboração sino-soviética tendia a
ofuscar sinais de discordância, agora o perigo é que a importância das
diferenças existentes acabe imensamente exagerada sob a influência da
literatura de ficção política [...] O compreensível interesse do mundo aqui fora
em detectar os sintomas de discórdia leva inevitavelmente a uma imagem
distorcida, que amplifica as dissensões em detrimento da coincidência de
interesses. Tomar eventuais chiadeiras por sintomas de um conflito
profundamente arraigado no eixo Moscou-Pequim é, e provavelmente
continuará sendo pelos próximos anos, um erro de cálculo perigoso. A imagem
de uma Rússia amedrontada por uma China impetuosa é nada mais que um
paliativo a políticas ocidentais coerentes no continente asiático. É provável que
a ilusão de que o Ocidente pode causar uma fissura entre os dois aliados
permaneça em voga por algum tempo, ainda que suas vítimas continuem a
fazer o possível para uni-los ainda mais. China e União Soviética, quando se
reúnem, não apenas fazem barganha, senão que também concertam suas
ações.
Suplemento a National Review, edição de 5 de novembro de 1960.
Segundo Diversity in International Communism (Columbia University Press,
1963, p. xxxviii, nota 4), o termo “comunicação esóterica” entrou em circulação
graças a Max Rush, que empregara essa técnica à larga em seu Rise of
Khrushchev (Washington: Public Affairs Press, 1958). Em nota metodológica a
The Sino-Soviet Conflict, 1956-1961 (Princeton University Press, 1962), Donald
S. Zaragoria diz que “desde que a análise sistemática das comunicações
comunistas foi reduzida à “kleminologia”, há uns cinco ou dez anos, o uso
dessas fontes sofisticou-se consideravelmente entre estudantes ocidentais.
Embora essa abordagem ainda seja considerada magia negra por determinados
círculos, não pode haver dúvida razoável quanto à formação de um corpus rico,
que oferece novas e importantes perspectivas sobre diversos aspectos da
política comunista [...] Ante a prescrição do sectarismo e da aberta ventilação
das diferenças, os comunistas são obrigados a divergir uns dos outros por meio
de [...] ‘comunicação esotérica’, ou linguagem esópica. Diferenças em torno de
alternativas políticas ou estratégicas vêm, no mais das vezes, camufladas em
exegese doutrinal, mas, por trás dessas polêmicas aparentemente áridas,
encontram-se problemas políticos reais”.
Snow, E. The Other Side of the River: Red China Today. Nova York: Random
House, 1961, pp. 97-100, 431.
Ver, por exemplo, de Zbigniew K. Brzezinski, The Soviet Bloc Unity and Conflict
(Nova York: Frederick A. Praeger, 1961, pp. xx, xxii, 424-25 e 514, e nota 43).
Ver também, de William E. Griffith, The November 1960 Moscow Meeting: A
Preliminary Reconstruction (China Quarterly, nº 11, 1962).
CAPÍTULO 12
A NOVA METODOLOGIA

CADA UM DOS GRANDES EVENTOS descritos na Parte II pode ser


analisado e interpretado de duas maneiras. Segundo a visão
convencional, calcada na antiga e obsoleta metodologia,
cada um deles é uma manifestação do crescimento
espontâneo de tendências fragmentárias no movimento
comunista internacional. A nova metodologia leva a uma
conclusão radicalmente diversa: que todos conformam uma
série integrada de operações de desinformação destinada à
implementação da política de longo alcance e de suas
estratégias. A essência dessa nova metodologia, isto é, o
que a diferencia da antiga, está em considerar a nova
política e o papel da desinformação.
A metodologia convencional tenta muitas vezes analisar
e interpretar os eventos sucedidos no mundo comunista de
forma isolada e quase que de ano a ano, tratando as
iniciativas comunistas como tentativas espontâneas de
atingir objetivos de curto prazo. Se nos últimos anos da
década de 1960 houve um reajuste nas relações internas e
uma formulação e adoção de uma nova política de longo
alcance para o bloco como um todo, compreender
satisfatoriamente o que se deu nesse período é a chave
para compreender o que houve desde então. O primeiro e
mais elementar princípio da nova metodologia é basear nos
anos entre 1957 e 1960 o ponto de partida para a análise
de todos os eventos subseqüentes.

Fatores subjacentes à nova metodologia


Do que já foi dito sobre o período em questão, boa parte
com base em informações internas, podem-se isolar oito
novos fatores. Somente a compreensão de todos eles, bem
como de suas inter-relações e seu conjunto, pode levar
qualquer análise dos últimos vinte anos a resultados
corretos. São esses fatores:
• Os reajustes nas relações entre os membros do bloco
comunista, a Iugoslávia inclusive, e a adoção de uma
política comum de longo alcance.
• A acomodação da questão stalinista.
• A instauração da liderança coletiva, o término das
disputas de poder e a solução do problema relativo à
sucessão.
• As fases e os objetivos de longo prazo da nova
política.
• A experiência histórica que embasou essa política
• Os preparativos para a utilização, com fins de
influência política e desinformação estratégica, do
aparato do partido, das organizações de massa e dos
serviços de inteligência, de segurança e de diplomacia
de todo o bloco.
• A adoção de um padrão de desinformação do tipo
declínio-evolução.
• A nova perspectiva dos estrategistas comunistas
sobre a possível utilidade das polêmicas entre
membros do bloco.

Desses novos fatores podem derivar-se novos princípios


analíticos. Um a um, serão todos abordados.
Antes que se iniciasse a formulação da nova política —
até por se tratar de uma precondição essencial para tanto
— estabeleceu-se, em 1957, uma nova relação entre os
regimes do bloco. O domínio soviético sobre os satélites da
Europa Oriental e as tentativas stalinistas de interferir em
assuntos chineses e iugoslavos foram abandonadas em
favor dos conceitos leninistas de igualdade e
internacionalismo proletário. Em vez de dominação, parceria
genuína; cooperação mútua e coordenação em busca dos
interesses e objetivos comuns a todo o bloco e a todo o
movimento comunista; a diversidade das condições
nacionais de cada regime e cada partido foram levadas em
consideração.
A metodologia convencional não deu conta de
reconhecer o significado dessa mudança. O partido soviético
continuou a ser visto como um projeto mal sucedido, e
como que empenhado contra o partido chinês, não só em
fazer valer a sua influência sobre os outros partidos
comunistas, mas também em assegurar a conformidade ao
padrão soviético. Uma vez que se perceba que o comum
acordo entre os oitenta e um partidos signatários do
manifesto de novembro de 1960 sancionava a diversidade
dentro movimento comunista, fica fácil ver que as
discussões e entrechoques em torno de certos aspectos da
ortodoxia são artificiais, simulados e calculados para servir
a fins estratégicos ou táticos. A nova metodologia parte da
premissa de que todos os oitenta e um partidos
comprometeram-se com a nova política e concordaram em
contribuir para os seus objetivos de acordo com a natureza
e as proporções dos recursos de que dispunham. Além do
mais, com a diversidade liberada, poderia haver uma
divisão de trabalho entre os partidos, de modo que a
nenhum deles poderia ser reservado um papel estratégico
de acordo com especificidades nacionais. Segundo a
sugestão de Lênin, dada num contexto anterior:
“precisamos de uma grande orquestra; temos que tirar de
nossa experiência o modo de distribuição das suas partes,
dando a um o violino sentimental, a outro o contrabaixo
sinistro, e a batuta a um terceiro”.49 As decisões de 1957-
1960 conferiram aos partidos soviético, chinês, albanês,
iugoslavo, romeno, tcheco, vietnamita, entre outros,
diferentes instrumentos e partituras para a execução de
uma sinfonia. A velha metodologia ouvia apenas
dissonâncias. A nova metodologia busca apreciar a obra
como um todo.
A nova interpretação das evidências disponibilizadas por
fontes comunistas oficiais leva à identificação de seis
estratégias integradas, e ilustra os diferentes papéis
atribuídos aos partidos comunistas no plano geral.
No congresso de 1957, os partidos do bloco chegaram a
uma análise equilibrada dos erros e crimes de Stalin e
acordaram as medidas para corrigi-los. A base das
divergências relativas ao stalinismo e à desestalinização foi
removida, e as diferenças assentadas. A velha metodologia
pouco viu nisso, se é que viu alguma coisa, e continuou a
tomar como pautas de discussão as diferenças entre líderes
soviéticos, chineses e albaneses. A nova metodologia
encara o stalinismo pós-1958 como um assunto resolvido,
deliberadamente revivido para projetar uma imagem
falseada de parcialidade hostil entre os líderes do bloco
comunista. Entender os elementos constituintes da
desestalinização e o modo como eles foram explorados é
uma chave para a compreensão das táticas e técnicas
utilizadas no restante do programa de operações
concatenadas de desinformação, como, por exemplo, os
supostos atritos entre o “revisionismo” de soviéticos e
iugoslavos e o “stalinismo” de chineses e albaneses, ou
ainda a independência da Romênia.
A partir de 1958, o conceito de liderança coletiva
ampliou-se progressivamente até ultrapassar em muito o
acordo entre cada um dos membros do Presidium ou do
Politburo. Passou a abarcar todos que estivessem em
posição de contribuir tanto para a formulação da política
como para o desenvolvimento e a aplicação dos meios com
que se pudessem atingir as suas metas, incluindo, além dos
líderes de todos os partidos do bloco, e de alguns dos
principais partidos do resto do globo, altos funcionários do
aparato do Comitê Central, dos serviços de diplomacia e de
inteligência e das academias de ciência.
A acomodação da questão stalinista, somada à
instauração da liderança coletiva e a difusão de poder e
influência aplicada nesses termos, removeu ativamente as
bases para o sectarismo genuíno, disputas de poder e
problemas relacionados à sucessão na liderança dos
partidos comunistas do bloco. A partir daí, esses fenômenos
ficaram à disposição para serem usados como matéria em
operações de desinformação em favor da política de longo
alcance, e é deste ponto de vista que os aborda a nova
metodologia. Kremlinologistas e observadores da China
foram pegos quando continuaram tentando racionalizar os
altos e baixos dos líderes soviéticos e chineses utilizando-se
de uma metodologia ultrapassada, a qual desconsiderava a
desinformação. Segundo a nova metodologia, promoções e
rebaixamentos, expulsões e reabilitações, e até mesmo o
falecimento ou notas obituárias de proeminentes figuras
comunistas — antes importantes indicadores para o método
Borkenau — devem ser examinados à luz de sua relevância
em dissimular mudanças na política a partir de
considerações pessoais, e não estratégicas ou táticas.
A metodologia convencional tenta analisar o
desenvolvimento da situação e das políticas do mundo
comunista em termos de objetivos de curto prazo ou em
termos de grandes interesses nacionais de longo prazo.
Muito raramente reconhece a acentuada influência,
especialmente a partir de 1958, do pensamento dialético
sobre as políticas comunistas, que, muitas vezes, implicam
seus opostos: a diplomacia comunista da détente, por
exemplo, implica a criação calculada de tensões
internacionais e seu subseqüente relaxamento, após a
obtenção de determinados objetivos; a ruína de líderes
comunistas e sua posterior reabilitação; o assédio ou o
exílio forçado de dissidentes, o eventual perdão de delitos
ou o regresso ao seu país de origem.
A nova metodologia examina eventos atuais em relação
aos objetivos de longo prazo e reconhece na nova política,
tal como na NEP, sua antecessora, uma divisão em três
fases. A primeira consiste em criar condições favoráveis à
implementação da política; a segunda, em explorar a falta
de compreensão ocidental sobre essa política, adquirindo
vantagens estratégicas específicas. Essas duas fases, como
as fases da energia elétrica num alternador, são contínuas,
superpõem-se uma a outra e interagem entre si. O início da
terceira fase é marcado por uma ampla reconfiguração das
táticas comunistas. Assim, prepara-se um ataque total, em
que o mundo comunista, aproveitando-se dos erros
estratégicos cometidos pelo ocidente no longo prazo, move-
se na direção do seu objetivo final: o triunfo global do
comunismo internacional.
Na primeira fase da NEP, a reforma Econômica prestou-
se tanto a reviver a economia como promover a ilusão de
que a Rússia Soviética tivesse perdido seu ímpeto
revolucionário. Deste modo, preparou-se o terreno para a
segunda fase, voltada à estabilização do regime e à
conquista de reconhecimento diplomático e de concessões
econômicas por parte das potências ocidentais. A terceira
fase iniciou-se com o desmanche das reformas econômicas
em 1929 e o lançamento de ofensivas ideológicas internas,
através da nacionalização da Indústria e da coletivização da
agricultura, e externas, por meio da subversão desde o
Comintern. O sucesso dessas ofensivas foi traído pelas
distorções do regime stalinista. As duas primeiras fases
correspondentes na atual política de longo prazo já se têm
prolongado por ao menos 20 anos. Pode-se aguardar a
deflagração da terceira e última fase para o início dos anos
1980.
Os objetivos intermediários dessa política podem ser
resumidos como segue:
• Estabilizar e fortalecer politicamente cada um dos
regimes comunistas, precondição para o
fortalecimento do bloco como um todo.
• Corrigir as deficiências econômicas do bloco por meio
de negócios internacionais e da aquisição de créditos
e de tecnologia de países não-comunistas altamente
industrializados.
• Criar a estrutura de uma eventual federação mundial
dos estados comunistas.
• Isolar os Estados Unidos de seus aliados e promover a
união de socialistas da Europa ocidental e do Japão,
em ações que assegurem a dissolução da OTAN e do
pacto de segurança entre Estados Unidos e Japão.50
• Promover a ação conjunta de líderes nacionalistas em
países do terceiro mundo para neutralizar a influência
ocidental, prelúdio da absorção desses países pelo
bloco comunista.
• Buscar uma viragem que desequilibre de maneira
decisiva a balança do poder político e militar a favor
do mundo comunista.
• Desarmar ideologicamente o Ocidente para abrir
caminhos à fase final da política de longo alcance e à
convergência definitiva de Oriente e Ocidente nos
termos do comunismo.

A nova metodologia procura discernir como podem os


eventos no mundo comunista manter relação entre si e
contribuir com a obtenção desses objetivos em cada fase da
política. As definições de novembro de 1960 autorizaram o
uso de todas as formas de táticas (direita e esquerda, legal
e revolucionária, convencional e ideológica) na busca
desses objetivos. Como a conformidade ao padrão soviético
deixou de ser critério para ortodoxia, a causa mais
importante de rupturas reais e potenciais no mundo
comunista desapareceu. A nova metodologia, portanto,
toma os chamados cismas como uma nova forma de tática,
e tenta enxergar como eles servem aos propósitos da
política. Uma vez que se perceba que o anti-sovietismo
pode na verdade gerar dividendos para a estratégia geral
dos comunistas, fica fácil ver que suas manifestações entre
os principais líderes dissidentes, tanto dentro como fora da
União Soviética (a exemplo dos líderes chineses, albaneses,
iugoslavos e romenos), são criações artificiais, concebidas
para favorecer a nova política.
A velha metodologia dá pouca ou nenhuma
consideração à história da NEP, assim como a outros
períodos em que a desinformação teve relevância. Por essa
razão, não dá conta de apreciar ou esclarecer a
implementação da política de longo alcance, posto que sua
base tenha sido, em grande parte, um reexame da história.
A nova metodologia segue as lições da NEP. De seus
elementos, os mais relevantes para os anos 1960 e,
portanto, os mais úteis para efeito de comparação são:
• A estabilização do regime soviético mediante a
criação de movimentos de oposição postiços e da
utilização efetiva desses movimentos para neutralizar
a oposição real, tanto interna como externa.
• A criação de condições favoráveis a uma política
exterior ativista, destinada a garantir reconhecimento
diplomático e boas relações comerciais com potências
europeias.
• A formação de uma aliança política e militar secreta
com um estado capitalista para adquirir tecnologia
militar — a experiência do Tratado de Rapallo.
• A bem sucedida projeção de uma imagem falsa da
República do Extremo Oriente (DVR), na qual esta
figurava como um regime independente.
• O conselho dado por Lênin aos partidos comunistas:
que superassem o seu isolamento, formassem frentes
unidas com os socialistas e intensificassem a sua
influência em parlamentos e sindicatos.

Dez anos mais tarde, o verdadeiro cisma entre Tito e


Stalin forneceu aos estrategistas comunistas um modelo
base para o planejamento de falsas rupturas no futuro.
Deste modo, a história das relações soviético-iugoslavas
entre 1948 e 1955 concede à nova metodologia um
conjunto de critérios para julgar a autenticidade dos cismas
subseqüentes.
A decisão de empregar o potencial de inteligência do
bloco na desinformação, contida no relatório Shelepin e em
outros documentos, aniquila a noção, subjacente a boa
parte da metodologia convencional, de que os serviços de
inteligência comunistas tomam parte apenas em atividades
de espionagem e segurança. A nova metodologia leva em
consideração, além do relatório Shelepin, o importante
papel reservado a oficiais soviéticos, sindicalistas,
cientistas, líderes religiosos, acadêmicos, artistas e outros
intelectuais no âmbito do exercício de influência. A nova
metodologia busca entender como as atividades e as
declarações públicas dessas pessoas podem servir aos
interesses da nova política.
Para preparar o terreno, os estrategistas do bloco
adotaram o padrão declínio-evolução, aplicado com sucesso
na União Soviética da NEP e estendido a todo o bloco
comunista desde 1958-1960. A nova metodologia
estabelece que toda e qualquer informação acerca do
mundo comunista e do movimento comunista internacional,
inclusive o Eurocomunismo, deva ser tomada em relação a
esse padrão.
Uma importante contribuição à formulação da política
de longo alcance e da técnica de desinformação, tal como
empregada no caso dos cismas, veio do líder iugoslavo
Edvard Kardelj. Em seu livro Socialismo e Guerra, publicado
pouco depois do Congresso dos Oitenta e Um Partidos,
Kardelj disse que as diferenças de opinião entre comunistas
“não só não causam mal como são a lei mesma do
progresso”.51 Ainda segundo Kardelj, as políticas domésticas
e exteriores do partido comunista iugoslavo não podiam ser
independentes dos interesses do socialismo, mas podiam
sê-lo de “noções subjetivas”52 de outros partidos, como o
PCC. “Interpretar este ou aquele fenômeno no curso de seu
desenvolvimento pela simples repetição de estereótipos
dogmáticos”53 não pode ser o bastante. “Ao realizar uma
análise objetiva, deve-se tentar separar o que é subjetivo do
que é objetivo, isto é, não permitir que slogans ou
declarações políticas encubram perspectivas sobre a real
substância das coisas”.54 Tito também estava com Lênin
quando, em 1958, disse que “internacionalismo é prática;
não se trata de palavras nem de propaganda”.55
Por razões óbvias, nem Kardelj nem Tito podiam
anunciar aos quatro ventos que as falsas polêmicas entre os
partidos comunistas seriam, dali em diante, parte da técnica
de desinformação comunista. Entretanto, a clara distinção
entre a natureza subjetiva das polêmicas e a natureza
objetiva dos interesses comuns, e da solidariedade expressa
na unidade de ação, assentava uma base teórica sobre a
qual as verdadeiras polêmicas entre Tito e Stalin poderiam,
quando requerido pelos interesses da política de longo
alcance, converter-se em polêmicas espúrias entre líderes
comunistas sem que pusessem em risco a unidade
fundamental do bloco.
Mais recentemente, o ponto de Kardelj foi reafirmado
por Yuiry Krasin: “É muito difícil que a total unanimidade
seja precondição de ação conjunta [...] o que se faz
necessário não é a unidade monolítica, estática, mas um
sistema dinâmico de visões e posições que, embora
marcado por diferenças pontuais, evolua com base nos
princípios fundamentais do marxismo-leninismo, dos quais
todos compartilham”.56
De tais declarações, bem como de suas implicações,
podem-se derivar cinco princípios. O primeiro é não supor
que, onde haja polêmicas entre comunistas, haja
necessariamente divisão. O segundo é averiguar se existem
ou não fundamentos para existência de disputas. O terceiro
é buscar evidências de unidade de ação por trás da
desunião manifesta nas palavras, procurando ações
coordenadas em segredo por inimigos ou rivais aparentes. O
quarto é buscar correlações temporais entre o destampar
das polêmicas e as principais iniciativas, tratativas e
encontros entre comunistas e potências ocidentais (a
exemplo da SALT). O quinto é partir do princípio de que
polêmicas integram operações de desinformação,
examinando-as todas para ver se, sob essa lente, poderiam
contribuir para a obtenção dos objetivos comunistas. Para
trazer alguns exemplos óbvios, as acusações de belicismo
dirigidas por Khrushchev aos chineses nos anos 1960
deveriam, assim como as respectivas contra-acusações de
revisionismo e pacifismo, ser examinadas de maneira que
se revelasse o seu peso na construção da imagem de um
Khrushchev moderado, com quem fosse possível negociar
concretamente. A permanente exclusão iugoslava do bloco
comunista, a despeito de Tito ter participado secretamente
na formulação e execução da nova política de longo
alcance, deve ser tomada à luz do credenciamento do país
enquanto líder do movimento não-alinhado no Terceiro
Mundo. Os ataques soviéticos a líderes ocidentais
conservadores nos últimos anos devem ser vistos em
conjunção com os esforços chineses em estreitar relações
com os mesmos líderes. A escalada das hostilidades sino-
soviéticas entre 1969 e 1970 deve ser entendida como um
facilitador tanto das conferências SALT, que reuniram União
Soviética e Estados Unidos, como da reaproximação dos
chineses às nações altamente industrializadas. Em suma, o
exame das polêmicas, contanto que entendidas como
desinformação, pode lançar luz não sobre a existência ou
inexistência de cismas, mas sobre a política de longo
alcance e os interesses estratégicos por trás de cismas
aparentes.

A nova metodologia e as fontes ocidentais

A existência de um programa de operações de


desinformação traz implicações a todos os tipos de fonte de
informação sobre o mundo comunista. Da falta de zelo para
com a desinformação resultará sempre a contínua
proliferação de erros, tanto em análises como em políticas
ocidentais para mundo comunista. Perante o conceito de
desinformação total, toda e qualquer reavaliação que se
faça no Ocidente deve, para ter sentido, valer-se de dados
provenientes de todas as fontes, secretas ou não, humanas
ou técnicas. Não se pode partir do pressuposto de que a
mútua corroboração de fontes secretas e abertas atesta-
lhes confiabilidade; há que se perceber que as duas
correntes, aberta e secreta, podem muito bem fluir de sua
nascente nos Comitês Centrais e nos departamentos de
desinformação de partidos e serviços de inteligência do
bloco. Que dados oriundos de fontes secretas ocidentais
estejam alinhados a informações provenientes de fontes
abertas, inclusive fontes comunistas oficiais, é por si só o
bastante para que se ponha em dúvida a sua confiabilidade.
As fontes secretas ocidentais, cuja colaboração desde o fim
da década de 1960 conforma-se ao padrão declínio-
evolução, precisam ser investigadas com particular cuidado
para que se determine como vieram a se tornar conhecidas
pelo lado comunista.
Se conformidade ao padrão regular das informações
oriundas do mundo comunista é um indicativo da
suspeitabilidade das fontes, é ao princípio inverso que se
deve dar maior peso, ou seja, às evidências que confrontem
esse padrão, mesmo no caso de elas virem de uma única
fonte. Por exemplo: o testemunho ocular de um visitante
ocidental que, em 1961, de passagem por uma comuna
chinesa, constatou que a situação dos locais não declinara
em termos materiais e que o povo chinês via-se fatalmente
cada vez mais identificado com o regime comunista não
deveria ter sido descartado com base no contraste que fazia
à opinião geralmente aceita sobre a situação, isto é, que
fosse um verdadeiro desastre.57
Ao avaliar as informações técnicas e científicas que
chegavam ao Ocidente, deve-se dar a devida atenção ao
fato de que, em seu relatório de maio de 1959 e em artigos
para a equipe da KGB em Chekist, Shelepin pediu a
preparação de operações de desinformação destinadas a
confundir e desorientar os programas científicos,
tecnológicos e militares do Ocidente; destinadas também a
suscitar modificações nas prioridades ocidentais, e também
a envolver o Ocidente em linhas de pesquisa e
desenvolvimento altamente custosas, ineficazes e inúteis. É
de se esperar, portanto, que a informação disponível no
Ocidente a respeito dos projetos espaciais soviéticos, de
seus sistemas de armamento, de suas estatísticas militares
e de sua evolução nas ciências e na tecnologia contenha
uma boa dose de elementos de desinformação.
Para que a desinformação total surta efeito é necessário
que o lado comunista abra mão de um certo volume de
dados precisos sobre ele mesmo, inclusive sobre agentes
secretos, para conferir credibilidade e peso às informações
falseadas que pretenda transmitir. Isso era impossível na
era de Stalin, mas, com a adoção da política de longo
alcance e o programa de desinformação, houve uma
mudança de posicionamento. Sacrifícios primários e
secundários, tal como conceitualmente tipificados por Lenin,
foram reintroduzidos. O segredo primário do bloco
concentra a existência na natureza da política estratégica
de longo alcance e o papel da desinformação. Segredos de
ordem militar, científica, técnica, econômica e de contra-
espionagem são secundários; eles formam um reserva da
qual, por razões estratégicas, pode-se tirar ou dispensar
informação, especialmente se houver motivos para crer que
já se tenham comprometido por vazamentos genuínos ou
por meios técnicos. Por exemplo, as identidades de agentes
secretos que, por alguma razão, estejam em vias de perder
a sua utilidade, podem ser reveladas por uma fonte que o
lado comunista pretenda investir de confiança ocidental. A
boa fé das fontes ocidentais secretas ou dos desertores do
lado comunista não se comprova automaticamente pelo
fato de produzirem tais ou quais quantidades de informação
em matéria militar, econômica, científica, técnica ou de
contra-espionagem, e nem por darem livre curso a
denúncias especulares contra o comunismo. O que eles tem
a dizer sobre a política comunista de longo alcance e sobre
o uso de desinformação é um critério muito mais
importante. O número de líderes, oficiais e intelectuais
plenamente inteirados do escopo e da escala do programa
de desinformação é muito limitado, mas aqueles que
participam em um ou outro aspecto são em número muito
grande. A maior parte das fontes secretas ou dos
desertores, caso tenham realmente transferido sua lealdade
para o ocidente, terá algo de valor para dizer sobre as
técnicas correntes nesse campo, ainda que inconscientes da
total significância do seu conhecimento.
Visto que um programa de desinformação total
encontra-se em andamento e que o lado comunista bem
sabe do interesse ocidental em interceptar as suas
comunicações, evidências derivadas de comunicação em
linguagem simples, ou códigos e cifras básicas, são
particularmente suspeitas; com efeito, devem ser tratadas
tal como evidências oriundas de fontes comunistas oficiais.
De acordo com a imprensa ocidental, ao menos parte das
evidências sobre vítimas na guerra sino-vietnamita, em
1979, caiu nessa categoria.

A nova metodologia e as fontes comunistas

Todas as fontes comunistas estão permanentemente


disponíveis para serem usadas como canais de
desinformação; todas devem conformar-se ao padrão
vigente para manter sua credibilidade. Entretanto, é
possível distinguir entre fontes mais ou menos suscetíveis
de servirem à transmissão de informações falseadas e
fontes mais ou menos suscetíveis de conterem informações
reveladoras sobre a implementação da política de longo
alcance.

Fontes oficiais comunistas

Tratando-se de declarações e decisões oficiais


resultantes de encontros internacionais, são de fundamental
importância aquelas do período entre 1957 e 1960. Isso não
apenas por tratar-se do período de formulação e adoção da
nova política, mas também pela própria natureza da nova
política. Um dos seus elementos essenciais era fazer com
que sua existência e seu modus operandi não pudessem ser
entendidos no Ocidente. Portanto, era de se esperar que, a
partir daí, declarações oficiais revelassem menos sobre
objetivos e métodos de longo prazo do que documentos
gerados no período de formação da nova política; devem
ser considerados documentos como as atas do congresso
que reuniu os partidos do bloco em 1957, do Vigésimo
Primeiro Congresso do PCUS (janeiro de 1959), do
Congresso dos Oitenta e Um Partidos (novembro de 1960) e
o relatório estratégico de Khrushchev, datado de 6 janeiro
de 1961.
Baseando-se principalmente nas evidências que
apontavam desacordos no Congresso dos Oitenta e Um
Partidos, a maior parte dos analistas ocidentais concluiu que
as decisões tiradas nesse congresso representavam um
compromisso entre os vários partidos que, em posições
conflitantes e com diferentes graus de relutância ou
comprometimento, assinaram o manifesto concordando em
acatar as decisões do congresso. Essa conclusão era
incorreta. O congresso durou várias semanas. Decerto
vários partidos ventilaram muitas visões diferentes, tal
como lhes permitiam os princípios leninistas do centralismo
democrático, antes que se adotasse finalmente a política.
Com o encerramento das discussões e a ratificação da
política por decisão da maioria, todos os partidos signatários
comprometeram-se seriamente em trabalhar pela
implementação da política. O partido que tivesse
legitimamente discordado das decisões tiradas no
congresso não teria assinado o manifesto e acabaria
ostracizado pelo movimento comunista internacional. O
partido que deseja manter sua posição no movimento deve
ser capaz de demonstrar que tem dispendido esforços
consistentes para levar a cabo as decisões do congresso. Se
os partidos comunistas em geral não levassem a sério as
decisões dos órgãos máximos, nem buscassem
constantemente implementá-las, não seriam os organismos
disciplinados e eficazes que notoriamente são. Não se deve
ignorar o determinismo político, uma vez que ele se tem
revelado diariamente em declarações e ações dos partidos
comunistas, tanto de dentro como de fora do bloco, na
condução de seus congressos nacionais ao longo dos
últimos vinte anos e na implementação da política e de suas
estratégias concomitantes.
Ao aceitar as evidências de que o Congresso dos Oitenta
e Um Partidos fora o ponto crítico na desunião do mundo
comunista, os analistas ocidentais, sem saber do programa
de desinformação, cometeram um erro fundamental; um
erro que foi facilmente integrado pelos estrategistas
comunistas às suas principais estratégias na Europa, no
terceiro mundo e nos campos militar e ideológico. Muito por
conta deste erro, “evidências” da desunião comunista,
posteriormente apresentadas por fontes comunistas oficiais,
vieram a ser quase que automaticamente aceitas no
Ocidente.
Dado que o programa de desinformação volta-se
primariamente, embora não exclusivamente, ao mundo não-
comunista, é imprescindível distinguir entre discursos,
publicações e transmissões de todo tipo quais se dirigem
primariamente à audiências comunistas e quais se dirigem
à audiências não-comunistas. Obviamente, é mais provável
que a segunda implique mais desinformação do que a
primeira — não é possível ocultar por completo a política e a
sua implementação daqueles que, espera-se, hão de realizá-
la. Por essa razão, publicaram-se as decisões básicas do
período entre 1958 e 1960, assim como as descobertas do
congresso dos partidos em 1969, que repassavam o
progresso da primeira década da política. Mais que em
qualquer outro lugar, o progresso na coordenação e
consolidação do bloco, particularmente através da Comecon
e do Pacto de Varsóvia, está registrado nos suplementos
anuais da Grande Enciclopédia Soviética, disponíveis
apenas em russo. Naturalmente, esses volumes não
revelam a natureza do programa de desinformação, mas
incluem ocasionalmente itens que figuram sem destaque
em publicações direcionadas ao público ocidental, que
chamam atenção para a profundidade e a autenticidade de
cismas e crises no bloco.
A Enciclopédia reflete sobretudo a constante troca de
visitas entre líderes e delegações de países e partidos
comunistas que deveriam estar uns contra os outros. Por
vezes esses encontros ganham publicidade na imprensa
comunista, acompanhados de fotografias que mostram, por
exemplo, um abraço caloroso de Brezhnev e Dubcek, Tito ou
Ceausescu. Em sua obsessão pelos cismas no mundo
comunista, observadores ocidentais pressupõem de
imediato que tais encontros ocorram na tentativa,
geralmente frustrada, de resolver as diferenças entre
partidos, e que as fotografias destinam-se a maquiar a
hostilidade entre os líderes. Esquecem-se de que, durante o
verdadeiro cisma entre Tito e Stalin, uma visita dessas poria
em risco muito mais que a vida do líder, e ignoram a
possibilidade de que esses encontros tenham acontecido
nos anos de 1960 e 1970 justamente para coordenar a
exibição de diferenças postiças que servissem aos
interesses da política de longo alcance.
Os estudiosos ocidentais que tanta atenção dedicaram a
evidências esotéricas de rupturas entre União Soviética,
China e Albânia raramente pareceram conscientes de que
apenas uns poucos privilegiados no mundo comunista, e
principalmente aqueles envolvidos com a nova política e o
programa de desinformação, estavam em posição de fazer
comparações detalhadas entre a imprensa de seus próprios
partidos e a imprensa dos demais. Ainda que jornais ou
transmissões estrangeiras de todo tipo estivessem à
disposição, poucos russos sabiam ler ou compreendiam
chinês e albanês, e não muitos albaneses e chineses sabiam
ler ou compreendiam russo. As transmissões em albanês da
Radio Moscou, entre 1960 e 1961, mal teriam chegado à
Albânia sem que uma estação albanesa fizesse a
retransmissão. Essas transmissões, no entanto, foram
captadas pela BBC e outras organizações ocidentais
interessadas, e então circuladas entre analistas ocidentais
por meio de Summaries of World Broadcasts e publicações
similares. Os serviços de inteligência comunistas estavam
bem cientes disso, mas poucos analistas ocidentais
entenderam que algumas das polêmicas entre líderes
comunistas podem ter chegado apenas a ouvidos
ocidentais.
Preocupados em encontrar e examinar cismas no
mundo comunista, analistas ocidentais focaram suas
atenções nas passagens de discursos e artigos que
denunciassem diferenças de abordagem entre partidos ou
líderes. Passagens que tratassem, por exemplo, da unidade
comunista e de seu comprometimento com as decisões do
Congresso dos Oitenta e Um Partidos eram ignoradas ou
dadas por mero palavrório em jargão comunista. Não era
necessariamente esta a chave de leitura dos membros dos
partidos comunistas envolvidos.
Por não estarem de olho na desinformação, analistas
ocidentais prestaram pouca atenção à origem e
autenticidade dos textos de importantes declarações e
discursos, particularmente nos casos em que houvesse mais
de um texto disponível.
Mesmo quando disputas no mundo comunista refletem-
se em publicações oficiais à disposição do ocidente, é bem
provável que os membros dos partidos nos países em
questão tenham dessas disputas uma percepção muito
distinta da ocidental. Utilizando-se de vários recursos, tais
como os mencionados anteriormente, a liderança do partido
está em posição de projetar simultaneamente duas imagens
diferentes da mesma “disputa”. Ao Ocidente, pode parecer
da mais alta relevância; para o Oriente, pode muito bem ser
uma “pequena dificuldade local”, cujas conseqüências para
os líderes dos partidos envolvidos pode ser apenas benéfica.
Um exemplo concreto: até onde este autor tomou
conhecimento, nenhuma informação ou diretriz sobre a
disputa soviético-albanesa foi emitida aos membros do
PCUS anteriormente ao Vigésimo Segundo Congresso, em
outubro de 1961, quando Khrushchev atacou publicamente
os líderes albaneses. Sobre algo de incomum nas relações
soviético-albanesas, tudo que o autor sabia até então
derivava do que lhe haviam dito dois colegas na KGB: que
uma operação de desinformação sobre as relações
soviético-iugoslavas e soviético-albanesas fora planejada
entre 1958 e 1959.

Fontes comunistas extra-oficiais

Não é incomum que as revelações trazidas pela


imprensa comunistas sejam corroboradas por observações
extra-oficiais de líderes e oficiais comunistas a seus
equivalentes e amigos ocidentais. Considerando-se que a
KGB e os outros serviços comunistas de segurança podem,
juntos, contar com milhões de informantes, controlar,
literalmente, sob qualquer forma oficial ou semi-oficial, os
poucos milhares de cidadãos em contato regular com
estrangeiros torna-se algo relativamente simples. Os
regimes comunistas não toleram que seus servidores
revelem informação a estrangeiros. Como disse o próprio
Khrushchev, repudiando a idéia de que tivesse perdido a
mão ao conversar sobre as comunas chinesas com o Sen.
Hubert Humphrey, em 1958: “a mera sugestão de que eu
possa ter contato confidencial com um homem que se gaba
de ter passado vinte anos lutando contra o comunismo só
pode ser motivo de risada. Qualquer um que entenda o
mínimo de política, para não falar do marxismo-leninismo,
perceberá que uma conversa confidencial entre mim e o Sr.
Humphrey sobre as políticas dos partidos comunistas e as
relações com nossos melhores amigos, os líderes do Partido
Comunista da China, é inconcebível”.58 Contudo, muitos
observadores e estudiosos ocidentais afirmam terem-se
beneficiado dessas descobertas.
No prefácio de seu livro The Soviet Bloc: Unity and
Conflict, Zbigniew Brzezinski diz: “também sou grato aos
diversos oficiais de vários estados comunistas, por sua boa
vontade em discutir assuntos que não deveriam ter
discutido comigo”. O livro não explica por que oficiais
comunistas teriam boa vontade em falar abertamente a um
proeminente estudioso anticomunista e cidadão da grande
potência “imperialista”, nem traz quaisquer referências a
possibilidades de desinformação. Porém, se se considera a
existência de um programa de desinformação, e junto a ela
o controle exercido sobre oficiais comunistas em contato
com estrangeiros, a explicação para essas indiscrições
torna-se óbvia. Praticamente todos os comentaristas
ocidentais que se ocuparam da Primavera de Praga e do
Eurocomunismo dos anos 1970 apresentaram a mesma
tendência em acreditar naquilo que lhes foi contado por
ilustres participantes comunistas dos eventos e debates em
questão.
Em virtude dos antecedentes de provocação metódica
na época da NEP e dos fatos conhecidos sobre a
intensificação do uso político de cientistas escritores e
outros intelectuais por parte da KGB, a autenticidade da
chamada samizdat, forma de literatura clandestina surgida
na União Soviética nos anos de 1960, deve ser encarada
com ceticismo. Não se pode avaliar sua plena significância
sem que o alcance de sua circulação dentro da União
Soviética seja determinado. Não há o que justifique
pressupor que, por atingir um público considerável no
estrangeiro, também fosse lida domesticamente. Na
verdade, pode ser que, além dos autorizados pela KGB,
somente alguns poucos a vissem pela União Soviética. Em
resumo, deve ser classificada como fonte comunista extra-
oficial.
Considerações similares aplicam-se aos cartazes
chineses, dos quais o Ocidente tirou muito do que sabe
sobre a Revolução Cultural, sobre disputas na liderança
chinesa e sobre a atitude dos chineses para com a União
Soviética, especialmente no período entre 1966 e 1970. O
que se pode dizer com certeza é que esses cartazes não
teriam aparecido nessa época sem que a liderança chinesa
o tivesse desejado, e que as autoridades chinesas sabiam
muito bem da atenção que lhes prestavam diplomatas,
jornalistas e outros representantes não-comunistas na
China. Isto basta para que seu conteúdo seja reconsiderado
sob o atual padrão de desinformação comunista. Sua plena
significância não pode ser julgada sem que se saiba
precisamente quem os concebeu e que orientação foi dada
a esse respeito pelos canais normais de comunicação do
partido.

Fontes comunistas “secretas”

Resta a categoria dos vazamentos ou revelações,


documentais ou não, sobre os procedimentos em reuniões
secretas e conferências internacionais dos partidos. É
notório que maior parte das evidências de desacordo entre
partidos reveladas no congresso do Partido Comunista da
Romênia, realizado em junho de 1960, e no Congresso dos
Oitenta e Um Partidos, realizado em novembro do mesmo
ano, seja retrospectiva e tenha, em grande medida,
chegado ao Ocidente com algum atraso. Este é um fator
importante, dada a existência de um programa de
desinformação. Organizar toda uma conferência para fins de
desinformação é difícil, mas fabricar ou distorcer à vontade
os seus registros, e escolher os canais apropriados para
transmiti-los ao Ocidente, é uma operação um tanto
simples.

Resumindo…

A nova metodologia fornece explicações para muitas


contradições e anomalias no mundo comunista, sobre as
quais a velha metodologia sequer lançar luz. Explica a
confiança do mundo comunista e a lealdade e dedicação da
maioria de seus oficiais. Explica as razões para que o
mundo comunista revele informações sobre si mesmo e as
relaciona aos requisitos da política de longo alcance. Explica
a aparente tolerância de um sistema totalitário para com as
divergências expressas abertamente por seus cidadãos ao
lidarem com estrangeiros. Estabelece critérios para a
medição da confiabilidade das fontes, para a distinção entre
agentes secretos ou desertores genuínos e provocadores,
entre informações genuínas e propaganda ou
desinformação. Fornece indicadores para identificação de
agentes de influência no Ocidente. Sugere que a
desinformação, reconhecida como tal, pode fornecer pistas
que levem às intenções de seus autores. Orienta quanto à
relativa importância das fontes comunistas oficiais e extra-
oficiais. Desvia a atenção de polêmicas espetaculares entre
partidos comunistas para focá-la em avanços consistentes
no terreno da cooperação e coordenação estratégica.
Aponta o caminho para a reversão da crise nos estudos e
análises ocidentais sobre o comunismo. Explica a vitória
comunista na Guerra do Vietnã a despeito do cisma sino-
soviético. Acima de tudo, explica a prontidão e a habilidade
com que o mundo comunista, apesar da aparente desunião,
toma a dianteira no desenvolvimento e na execução de suas
estratégias para os Estados Unidos, os demais países
altamente industrializados e o Terceiro Mundo, em busca da
vitória final e total do comunismo internacional. Até o
momento, a nova metodologia é a metodologia de um
homem só. Só o tempo irá dizer se ela há de resistir; se há
de estimular novas linhas de pesquisa; se virá a suplantar a
antiga e obsoleta metodologia; e se ajudará o Ocidente a
enxergar sob uma nova luz o real significado e as reais
dimensões do problema comunista.

Ver Obras Completas de Lenin, vol. 8, p. 96.


Outra alternativa possível seria um falso alinhamento dos chineses com o Japão
conservador e os Estados Unidos.
Kardelj, E. Socialism and War: A Survey of the Chinese Criticism of the Policy of
Coexistence. Londres: Methuen, 1961, p. 11.
Ibid., p. 238.
Ibid., p. 229.
Ibid., p. 9.
Yugoslav Facts and Views. Nova York: Yugoslav Information Center, nº 50 (5 de
maio de 1958).
Krasin, Y. O nacional e o internacional no processo revolucionário. Revista
Novoye Vremya, nº 7 (13 de fevereiro de 1981).
Warner, D. Hurricane from China. Nova York: Macmillan, 1961, p. 123.
Gruliow, L. (ed.). Documentary record of the Extraordinary Twenty-first CPSU
Congress: Current Soviet Policies, vol. 3. Nova York: Praeger, 1959, p. 206 e segs
(doravante referida como CSP).
PARTE II
O PROGRAMA DE
DESINFORMAÇÃO
E SEUS IMPACTOS
SOBRE O OCIDENTE
CAPÍTULO 13
A PRIMEIRA OPERAÇÃO DE DESINFORMAÇÃO:
A “DISPUTA” IUGOSLAVO-SOVIÉTICA (1958-1960)

O PERÍODO ENTRE 1958 e 1960 foi marcado por polêmicas


espetaculares entre os líderes soviéticos iugoslavos e as
suas respectivas imprensas, com direito a interjeições de
albaneses e chineses. O próprio Khrushchev participou disso
com vigor. Em discurso proferido por ocasião do Sétimo
Congresso do Partido Comunista da Bulgária, realizado em
Sófia a 3 de junho de 1958, Khrushchev acusou o
revisionismo iugoslavo de inimigo da classe a soldo
imperialista, chamando-o de cavalo de tróia do movimento
comunista. “Alguns teóricos”, disse, “só existem para
receber esmolas dos países imperialistas na forma de bens
de consumo já descartados [...] os revisionistas estão
tentando abalar as estruturas dos movimentos
revolucionários desde dentro, estão tentando minar a sua
unidade e introduzir o caos e a desordem na ideologia
marxista-leninista (grita-se ‘não vão conseguir’)”.59
Aparências à parte, a existência de uma disputa
soviético-iugoslava foi confirmada pelo boicote dos partidos
do bloco ao Sétimo Congresso do Partido Comunista
Iugoslavo, pelo recrudescimento das críticas soviéticas
sobre o programa e a política externa do PCI e pela exclusão
iugoslava do Congresso dos Oitenta e Um Partidos, que
condenou o revisionismo. No entanto, o verdadeiro quadro
das relações soviético-iugoslavas, revelado por informações
internas e corroborado por muitas evidências públicas, é
bem diferente.
A reconciliação final da Iugoslávia com o bloco

Depois da morte de Stalin, os líderes soviéticos fizeram


um grande esforço para alcançar a reconciliação com os
iugoslavos e então recuperá-los para o lado comunista.
Negociações secretas entre Tito e Khrushchev levaram a
uma reconciliação total das relações de estado e a uma
reconciliação parcial das relações partidárias, mas o
processo foi interrompido em 1956 pelos levantes na
Polônia e na Hungria. A atitude inicial dos líderes Iugoslavos,
em geral simpática a poloneses e húngaros, e os ataques de
Tito a líderes stalinistas como Hoxha, contribuíram para o
surto de nacionalismo e revisionismo no bloco e para breve
separação dos húngaros. Os soviéticos reconheceram os
perigos da influência revisionista da Iugoslávia na Europa
Oriental, de maneira que retomaram a sua crítica geral
enquanto seguiam tentando separá-la do Ocidente.
Embora a troca de críticas entre soviéticos e iugoslavos
tenha se intensificado imediatamente após o levante
húngaro, os líderes de ambos os lados sempre tiveram o
cuidado de deixar a porta aberta para reuniões e discussões
futuras. Depois de sua vitória sobre o grupo antipartido em
junho de 1957, Khrushchev renovou seus esforços em trazer
a Iugoslávia de volta para bloco. Desta vez, foi bem
sucedido, e deu-se finalmente a reconciliação total entre os
líderes iugoslavos, soviéticos e outros líderes do bloco.
Segundo a TASS, Kardelj e Rankovic, durante férias na
Criméia, passaram por Moscou para encontrar os
“camaradas” Khrushchev, Hoxha (o líder albanês) e Zhivkov
(o líder búlgaro) em julho daquele ano.
Nos dois primeiros dias de agosto de 1957, Tito, Kardelj
e Rankovic encontraram-se com Khrushchev e Mikoyan em
Bucareste, onde haveria um uma conferência confidencial
sobre a “solidariedade socialista”. Uma declaração lançada
após a conferência afirmava a determinação conjunta dos
participantes em melhorar as suas relações a partir de um
princípio da igualdade. Anunciou-se na Rádio Moscou que se
tinham acordado “formas concretas de cooperação”. A
principal implicação da reconciliação soviético-iugoslava foi
a interdição do terreno em que se dava a sua antiga
contenda.
As ações da Iugoslávia nos meses seguintes deixam
claro que ela se tinha realinhado ao bloco comunista,
inclusive com a China. Em setembro de 1957, houve quatro
fortes indicadores disso: uma delegação iugoslava, liderada
por Vukmanovic-Tempo, foi acolhida em Pequim; a
Iugoslávia barrou a resolução da ONU que condenava a
intervenção Soviética na Hungria; representantes iugoslavos
compareceram a uma sessão do Comecon; e Tito, junto a
Gomulka, repudiou publicamente o “comunismo nacional”.
“Não achamos certo isolarmo-nos das grandes
possibilidades de robustecer as forças socialistas mundo
afora” disse. Em outubro os iugoslavos honraram o
compromisso assumido com os soviéticos em 1955-1956 e
reconheceram a Alemanha Oriental. Em junho de 1958, Tito
fez vista grossa para a execução do antigo primeiro-ministro
húngaro, Imre Nagy, que havia sido entregue pelos
iugoslavos aos soviéticos.
Os iugoslavos participaram secretamente da primeira
conferência dos partidos do bloco comunista, realizada após
a morte de Stalin, em novembro de 1957, e, sem qualquer
cerimônia, da subseqüente conferência dos sessenta e
quatro partidos comunistas. É significativo que a delegação
iugoslava tenha, em ambas as ocasiões, incluído Kardelj,
que fora representante iugoslavo no Cominform; Rankovic,
responsável pelo serviço de segurança iugoslavo; e
Vlahovic, responsável pelas relações com os partidos
comunistas e socialistas. A conferência condenou a
desconfiança nutrida por Stalin em relação a outros partidos
e as suas interferências nos assuntos de cada um. Novas
relações entre os líderes de partidos do bloco foram
estabelecidas com base nos princípios leninistas de
igualdade e cooperação. A Iugoslávia assinou o manifesto
de paz, mas não a declaração dos partidos comunistas do
bloco, o que contribuiu para que o Ocidente tomasse a
subseqüente disputa soviético-iugoslava por genuína.
Contudo, em palestra concedida ao Instituto KGB em
dezembro de 1957, o Gen. Kurenkov deixou claro que os
iugoslavos concordavam plenamente com a declaração,
abstendo-se de assiná-la tão somente por terem entendido
junto aos soviéticos, em caráter confidencial, que isso lhes
seria taticamente vantajoso.
Entre as decisões da conferência, secretamente
apoiadas pelos iugoslavos, estava a de formular uma
política de longo alcance para o bloco. A ausência acordada
da assinatura iugoslava estabeleceu o padrão de sigilo e
dissimulação posteriormente aplicado no encobertamento
da colaboração dos iugoslavos na formulação e adoção da
nova política, e pavimentou o caminho para sua
participação numa junta de desinformação.
A partir de conversas com o Cel. Grigorenko,60 vice-
diretor do departamento de desinformação da KGB, o autor
soube em 1959 de consultas e tratativas, havidas entre o
final de 1957 e início de 1958, sobre a cooperação soviético-
iugoslava no escopo da política de longo alcance. Os
acordos entendiam a cooperação em três campos:
diplomacia, particularmente com Egito, Índia e países
árabes e asiáticos em geral; negociações com socialistas e
sindicalistas ocidentais; e o campo da desinformação.
Segundo Grigorenko, o Presidium do Comitê Central do
PCUS instruíra Pushkin, diretor do então recém-criado
Departamento de Operações Ativas, a preparar operações
de desinformação sobre as relações soviético-iugoslavas,
conforme o requerido pela política do bloco.61 Essa
instrução precedeu a erupção da disputa em abril de 1958.
A disputa manifestou-se principalmente nas imprensas
dos partidos soviético e iugoslavo. Como, em ambos os
casos, o controle exercido pelo aparato do partido sobre a
imprensa era completo, tal disputa era fácil de fabricar e
controlar. Entretanto, ficou claro logo de início que, para
capitalizar a operação e preparar o futuro, novos ativos,
novos canais e novas formas de ação teriam que ser
desenvolvidos em coordenação com a KGB. Isso explica
porque, segundo Grigorenko, o Comitê Central decidiu usar,
do fim de 1959 em diante, não só o Departamento de
Operações Ativas como também o departamento de
desinformação da KGB para ampliar o escopo dessa
operação em particular. Como conseqüência, Shelepin
determinou que se formasse um grupo especial no
departamento de desinformação da KGB, sob o comando de
Grigorenko, que cooperaria, por um lado, com o
Departamento de Operações Ativas, e por outro, com os
serviços de segurança da Iugoslávia e da Albânia.

Evidências públicas da participação iugoslava


na formulação da nova política

As evidências de que a Iugoslávia aceitou como base


para a nova política do bloco a aplicação dos conceitos
leninistas e as lições da NEP encontram-se nos discursos e
escritos de Tito e de Kardelj que datam do período de
formulação dessa política (1958-1960).Em meados de 1958,
o Ocidente concentrava tanta atenção nas polêmicas entre
Tito e Khrushchev que as declarações mais cruciais de Tito,
fundamentais ao entendimento do real estado das relações
soviético-iugoslavas, passaram desapercebidas. Tito
freqüentemente referia-se à relevância da NEP. Em discurso
proferido em Labin, Iugoslávia, a 15 de junho de 1958,
respondeu a críticas tecidas por Khrushchev sobre a
aceitação iugoslava de auxílio americano, dizendo: “os
americanos começaram a nos prestar auxílio depois de
1949, tal como fizeram com a União Soviética em 1921 e
1922 — não que o socialismo vá vencer em nosso país [...]
mas, por um lado, enfrentamos a ameaça da fome, e por
outro, a Iugoslávia poderia resistir mais facilmente às
pressões de Stalin e preservar a sua independência. E se,
por acaso, alguns círculos americanos nutriam outras
esperanças, isso não é da nossa conta”.62
Tito comprometeu-se com um conceito novo e mais
amplo de internacionalismo socialista, que servia para
proteger e sustentar não apenas a União Soviética, como no
passado, mas também todos os países e partidos
comunistas, movimentos socialistas e ainda outros
movimentos progressistas.
Quanto às relações entre os partidos socialistas, Tito
disse haver “uma nova confiança, uma troca sincera de
opiniões e de experiências sobre as quais se está
desenvolvendo uma ampla cooperação”. A Iugoslávia
poderia desempenhar um papel muito mais útil desde fora
do bloco. Como declarado por Tito em Labin: “A recusa em
assinar a declaração de Moscou para nos juntarmos ao
bloco socialista não significa que sejamos contra a maior
cooperação possível entre todos os países socialistas.
Significa, pelo contrário, que somos a favor de tal
cooperação em todos os campos, embora acreditemos que
seguir uma política construtiva junto a outros amantes da
paz, que também não integram o bloco, seja, nas atuais
circunstâncias, mais útil que nos unirmos a ele e, assim,
agravarmos uma situação global que já é tensa o bastante”.
Em outras palavras, ao permanecer formalmente fora do
bloco, a Iugoslávia poderia contribuir de maneira mais
efetiva para o avanço dos objetivos da política leninista
comum e de longo alcance.
Igualmente esclarecedor sobre a verdadeira natureza
das relações iugoslavas com a política do bloco é o livro de
Edvard Kardelj, Socialism and War, publicado em Belgrado
logo após o Congresso dos Oitenta e Um Partidos, em 1960.
Na época, o livro atraiu a atenção de analistas ocidentais
por conta de sua polêmica contra a China. Kardelj expõe
com competência a política de “coexistência ativa”,
conceito um tanto próximo da “coexistência pacífica” de
Khrushchev, e repreende os chineses tanto por sua atitude
negativa em relação a esse conceito, como por sua
oposição à tese (novamente, proposta por Khrushchev) de
que, a despeito da conservação do imperialismo, a guerra
não seja algo inevitável. O Ocidente concentrou-se sobre
este aspecto do livro de Kardelj sem compreender o sentido
de sua recomendação, isto é, que as diferenças entre
comunistas devem ser analisadas em sua substância, e não
à luz das polêmicas verbalizadas entre os contendores. Do
mesmo modo, o Ocidente deixou para trás as numerosas
referências às doutrinas de Lenin, inclusive algumas claras,
se não explícitas, em Esquerdismo: Doença Infantil do
Comunismo, perdendo de vista também a experiência
adquirida em utilizar concessões, acordos diplomáticos e
várias outras táticas durante a NEP de Lenin; em outras
palavras, o Ocidente negligenciou as fontes históricas
utilizadas entre 1958 e 1960 na formulação da nova política
e das estratégias internacionais do comunismo.
As implicações das referências a Lenin feitas por líderes
iugoslavos ao definirem suas próprias posições não podem
ser ignoradas. Elas deixam claro que Tito e Kardelj viam
num retorno ao leninismo, à diplomacia ativista e a outras
táticas congêneres de “coexistência pacífica” o meio mais
eficaz de minar as nações do ocidente e, assim,
desequilibrar a balança do poder global em favor dos países
comunistas. Suas declarações não só são compatíveis com
a política de longo alcance, como também expressam
claramente vários de seus elementos mais importantes. São
evidências notáveis de que, no âmbito de seu
desenvolvimento entre 1958 e 1960, a política iugoslava e a
política do bloco eram idênticas, tendo na experiência
histórica de Lenin e sua NEP uma fonte comum de
inspiração. Também sugerem que os líderes iugoslavos
tenham contribuído significativamente para a política de
longo alcance e para a estratégia comunista. Não se pode
excluir a possibilidade de que estrategistas de outros países
do bloco tenham dado suas contribuições ao livro de
Kardelj, pois que as idéias dele e de Tito assentavam-se
firmemente na doutrina leninista, e não na forma de
revisionismo praticada pelos iugoslavos na ocasião do cisma
entre Tito e Stalin. Seu conceito de “coexistência ativa” não
era senão uma dentre as diversas táticas aprovadas em
novembro de 1960 pelo congresso dos Oitenta e Um
Partidos, tais como a variante de Khrushchev para
“coexistência pacífica” e a guerra prolongada de Mao. O
fato de que Tito e Kardelj estivessem trabalhando essas
idéias entre 1958 e 1960 expõe por si só o irrealismo de sua
alegada disputa com os soviéticos no mesmo período e
confirma validade da informação interna sobre a cooperação
soviético-iugoslava.
Em termos táticos, a publicação do livro de Kardelj às
vésperas do Congresso dos Oitenta e Um Partidos, que
aprovou a política de longo alcance do bloco e a estratégia
do movimento comunista, remontava à publicação de
Esquerdismo: Doença Infantil do Comunismo às vésperas da
adoção da NEP, logo antes de o Segundo Congresso do
Comintern aprovar a adoção de novas táticas.
Khrushchev admitiu vagamente a cooperação soviético-
iugoslava contra o imperialismo em comunicado dirigido ao
Vigésimo Primeiro Congresso do PCUS, realizado em janeiro
de 1959.63 Embora criticasse os líderes iugoslavos, por sua
recusa em comparecer à conferência do bloco em novembro
de 1957, e desferisse críticas severas ao programa do
partido iugoslavo para 1958, acusando-o de revisionismo,64
a História Oficial do PCUS, publicada em russo no ano de
1959, dizia que as boas relações entre União Soviética e
Iugoslávia tinham-se restaurado por iniciativa do PCUS e
que a política de amizade e assistência mútua havia
triunfado.65
A reconciliação com a Iugoslávia, efetivada entre 1957 e
1958, foi muito além dos limites previstos pelos soviéticos
entre 1955 e 1956. Cobriu as relações dos líderes iugoslavos
não apenas com seus pares soviéticos, mas também com
líderes albaneses, búlgaros, chineses e todos os demais
líderes do bloco. Na verdade, os líderes iugoslavos abriram
mão de sua independência ideológica e política em
novembro de 1957, por ocasião da conferência dos partidos
do bloco. Isso foi possível porque a conferência adotou uma
resolução, indubitavelmente delineada com a ajuda de
Kardelj e Rankovic, que permitia aos partidos do bloco
seguirem seus próprios caminhos rumo ao socialismo,
contanto que se mantivessem os princípios básicos da
revolução marxista.
O fato de a recusa iugoslava em assinar a principal
declaração da conferência não ter encontrado, após o
término de evento, qualquer forma de condenação
individual ou coletiva por parte dos partidos comunistas do
bloco confirma que todos eles concordavam, por razões
táticas, que a Iugoslávia não deveria assinar o documento.
Com efeito, desde novembro de 1957, as relações entre os
líderes do bloco têm sido excelentes, sem margens para
qualquer disputa séria entre eles.
A verdadeira relação entre a Iugoslávia e o restante do
bloco revelou-se em novembro de 1960, quando o
Congresso dos Oitenta e Um Partidos, ainda reconhecendo a
Iugoslávia como um país socialista, aprovou publicamente
um manifesto político que incorporava não somente o
conceito de solidariedade internacional propugnado por Tito,
alvo de severas críticas soviéticas em 1958, como também
as recomendações de Kardelj sobre a retomada de políticas
e táticas ativistas de “coexistência pacífica”, além da
evocação da utilidade da experiência histórica da NEP no
sentido de facilitar a construção do socialismo.
Não houve, é claro, reconhecimento público da
contribuição iugoslava, tampouco dos autores do manifesto.
Na verdade, foi oficialmente anunciado que os iugoslavos
sequer tinham participado do processo. Por mais que o
“revisionismo iugoslavo” fosse, em termos gerais,
condenado pelo manifesto, evidências de acordos fechados
secretamente entre a Iugoslávia o restante do bloco em
novembro de 1957, somadas aos argumentos acima, levam
à conclusão de que a aparente ausência dos iugoslavos no
congresso de novembro de 1960 não tenha passado de uma
manobra tática. O mais provável é que tenham subscrito
secreta e antecipadamente às resoluções redigidas em
novembro de 1960, e que o bloco como um todo
concordasse que a Iugoslávia pudesse servir melhor aos
seus interesses mantendo as aparências de um país
independente, externo ao bloco.

Outras anomalias na “disputa”

Sob a ótica do verdadeiro cisma entre Tito e Stalin, um


exame detalhado das críticas soviéticas e do curso da
disputa que se estendeu de 1958 a 1960 revela uma série
de outros pontos, que ou comprometem ainda mais a
autenticidade dessa disputa, confirmando tratar-se de uma
operação de desinformação, ou ajudam a ilustrar a técnica
de desinformação utilizada e os propósitos a que se
destinava.
A disputa iniciou-se com críticas ventiladas pela
imprensa soviética na primavera de 1958, referentes ao
anteprojeto do novo programa do partido iugoslavo. Este
continha uma declaração sobre o caminho da Iugoslávia
rumo ao socialismo, que, a bem da verdade, estava em
pleno acordo com as resoluções do congresso dos partidos
comunistas do bloco, realizado em novembro de 1957. Por
essa razão, as críticas soviéticas eram não somente
estranhas, inconsistentes e injustificadas, como também
contrárias ao apoio que os partidos do bloco deram
publicamente aos caminhos nacionais, sob a condição de
que certos princípios básicos, como o protagonismo do
partido comunista, fossem preservados. Khrushchev e Tito
viriam a admitir, direta e indiretamente, que as críticas
soviéticas ao programa iugoslavo não tinham razão de ser.
Em comunicado ao Vigésimo Congresso do PCUS, em janeiro
de 1959, Khrushchev disse que “métodos e práticas para a
construção do socialismo são assuntos internos de cada
país. Não há entre nós e os líderes iugoslavos nenhuma
polêmica quanto à formação de conselhos de trabalhadores
ou a quaisquer de suas questões domésticas. Quando os
representantes dos partidos comunistas e trabalhistas
estavam assinando a declaração da conferência, não houve
dissensões nem controvérsias sobre tais assuntos”.66 Assim,
Khrushchev rejeitava as críticas anteriormente tecidas ao
“caminho” iugoslavo, mas não antes de os analistas
ocidentais terem suas atenções devidamente desviadas do
que realmente se passava no bloco comunista por essas tais
polêmicas.
Igualmente infundadas eram as críticas soviéticas sobre
a falta de apoio iugoslavo à solidariedade socialista. Ao
conceder reconhecimento diplomático à Alemanha Oriental
e expressar solidariedade a Ulbricht, líder do partido
comunista do país, a Iugoslávia demonstrava honrar o apoio
que, em segredo, prometera aos soviéticos. Vale notar que
esse entendimento secreto entre iugoslavos e soviéticos
não foi revelado por nenhum dos lados durante as
polêmicas de 1958.
Pelo que consta oficialmente, o congresso do partido
iugoslavo de abril de 1958 foi boicotado pelo restante do
bloco. Mas foi um boicote estranhamente incompleto
porque, ainda que delegações oficiais do bloco não tenham
comparecido, embaixadores de países do bloco estavam
presentes como observadores.
É razoável levantar sérias dúvidas quanto à concretude
da pressão econômica supostamente exercida pelos
soviéticos sobre os iugoslavos a partir de 1958. Os
soviéticos não desfizeram acordos nem cortaram relações
na ocasião da ruptura de Stalin e Tito, de maneira que se
mantiveram os negócios, a cooperação técnica e o
intercâmbio cultural. Não cancelaram os compromissos de
crédito assumidos em 1956, nem negaram ou atrasaram
arbitrariamente o seu cumprimento. Em vez disso,
sugeriram que se discutisse o adiamento dos prazos, de
1957-1964 para 1962-1969 e 1963-1969. As tratativas
comerciais entre soviéticos e iugoslavos começaram em
dezembro de 1958, em Moscou, e em abril do ano seguinte,
em Belgrado, foi chancelado um novo programa de
cooperação cultural. Em janeiro de 1960, Vukmanovic-
Tempo, líder iugoslavo, encontrou-se com Khrushchev em
Moscou. Nessa ocasião, União Soviética e Iugoslávia
assinaram um protocolo de cooperação científica.
As críticas por falta de ardor revolucionário ajudaram a
distrair as atenções da assistência prestada pelos
iugoslavos a movimentos de libertação, especialmente na
África.
As críticas tecidas a Tito pela aceitação de auxílio
americano precederam em questão de meses às tentativas
dos soviéticos em obter para si mesmos um crédito de dois
bilhões de dólares para modernizar sua indústria. O próprio
Tito apontou para tal incoerência em abril de 1959,
referindo-se à visita de Mikoyan aos Estados Unidos em
janeiro daquele ano.
Ainda que sua posição nas Nações Unidas parecesse
vacilar entre favorável aos Estados Unidos e favorável à
União Soviética, no tocante a assuntos vitais, como o
tratado alemão (fevereiro de 1959), colonialismo,
desarmamento, reorganização estrutural da ONU e a
cadeira da China comunista, a Iugoslávia foi constante em
apoiar a posição soviética. Era, portanto, razoável que
Gromyko dissesse que eram “boas” as relações entre
iugoslavos e soviéticos e que, no tocante às grandes
questões, suas posições coincidiam.67
Comparando-se a disputa de 1958 ao cisma de 1948,
revela-se a superficialidade das diferenças envolvidas na
situação posterior. A disputa de 1958 não ganhou força. Não
havia fissuras claras em termos políticos, econômicos ou
culturais. A Iugoslávia não se encontrava politicamente
isolada em relação ao bloco. Não se lhe apresentou a
ameaça de ação militar nem se lhe impôs qualquer tipo de
boicote econômico. Não houve mudanças substanciais na
representação diplomática da Iugoslávia perante o restante
do bloco e vice-versa, e as trocas entre delegações de
ambos os lados prosseguiram. A Iugoslávia solicitou
admissão no encontro do Comecon em abril de 1959, mas
foi-lhe negado um convite. Ainda assim, no mesmo mês, a
União Soviética e a Iugoslávia acertaram, em Belgrado, um
programa de cooperação cultural.
Como detalhes do protocolo têm sido freqüentemente
citados por analistas ocidentais para sustentar a existência
de cismas no mundo comunista, vale mencionar que, a
despeito da suposta existência de uma disputa, Khrushchev,
a caminho da Albânia, no dia 26 de maio de 1959, enviou a
Tito um telegrama de felicitações que o próprio Tito
reconheceu no dia seguinte.
A inconsistência última dessa disputa foi o seu término.
Sem razão aparente, deu-se em 1960 uma melhora
repentina das relações soviético-iugoslavas. Acompanhou-a
um estreitamento da cooperação diplomática entre os
países, ao qual se seguiu a reconciliação total em 1961. O
controverso programa iugoslavo, tão vigorosamente
condenado por Khrushchev e pela imprensa soviética em
1958 e 1959, e tão obstinadamente defendido em sua
forma original pelos iugoslavos, deixou de ser um estorvo
para as boas relações entre 1960 e 1961.
Em suma, informações públicas e oficiais oriundas de
fontes comunistas confirmam a validade de informações
internas sobre os acordos confidenciais entre soviéticos e
iugoslavos, e levam à conclusão de que a disputa de 1958-
1960 não foi uma repetição do verdadeiro cisma entre Tito e
Stalin, mas o produto de uma operação conjunta de
desinformação favorável à política de longo alcance do
bloco comunista, cuja formulação trazia contribuições de
ambos os lados da disputa.
Uma vez que se veja essa querela soviético-iugoslava
como artificial, e as polêmicas entre os líderes como nada
além de um jogo conduzido em comum acordo para a
manipulação de observadores externos, torna-se clara a
explicação para outros aspectos da controvérsia. Por
exemplo: em resposta aos ataques chineses contra a
Iugoslávia, a imprensa iugoslava criticou as comunas
chinesas; assim, em dezembro de 1958, Khrushchev revelou
ao senador Hubert Humphrey a existência de diferenças
entre soviéticos e chineses no que dizia respeito às
comunas. No mês seguinte, dirigindo-se ao Vigésimo
Primeiro Congresso do PCUS, Khrushchev repudiou suas
próprias observações e acusou o “revisionismo iugoslavo”
de disseminar toda sorte de invencionices sobre as
dissensões entre o PCUS e o Partido Comunista Chinês. Em
suas palavras, “agora os revisionistas iugoslavos valem-se
de seu artífice [Humphrey] como uma testemunha”.
Antecipando em certa medida a discussão dos capítulos a
seguir, esse incidente pode ser visto como um bom exemplo
da técnica de desinformação. Primeiramente, o interesse do
Ocidente por diferenças sino-soviéticas que inexistiam foi
instigado por uma declaração vinda das mais altas esferas.
Então, o repúdio de Khrushchev a seus próprios comentários
fez com que ainda mais atenções recaíssem sobre eles,
sugerindo que tivessem realmente representado uma séria
indiscrição de sua parte, que agora tentava de todas as
formas encobrir. À parte o seu peso no contexto sino-
soviético, o incidente oferecia mais um artifício com que se
alimentar uma disputa controlada entre soviéticos e
iugoslavos; não se travava de antagonismo entre eles, mas
de cooperação para o cumprimento de seu acordo secreto
de colaboração no campo da desinformação.

Objetivos da disputa soviético-iugoslava (1958-


1960)

O primeiro objetivo consistia em ocultar o verdadeiro


patamar de reconciliação entre os líderes da Iugoslávia e os
demais líderes do bloco. As razões para tanto eram duplas:
tendo-se em mente a postura anti-soviética tomada pelos
iugoslavos nos últimos cinco anos de Stalin, e a simpatia por
eles demonstrada em relação aos rebeldes poloneses e
húngaros em 1956, uma reconciliação abrupta e aberta com
a Iugoslávia poderia ter tido conseqüências adversas
noutras partes do bloco, o que era particularmente
importante evitar durante a formulação de uma nova
política de longo alcance. Tendo-se em mente também os
ânimos nacionalistas da população e do próprio partido, os
líderes iugoslavos poderiam ter enfrentado sérios
problemas, junto a seus seguidores e oponentes internos,
ao renderem-se francamente ao bloco e aos requisitos de
sua nova política.
O segundo principal objetivo era preparar os líderes
iugoslavos para o exercício de um papel estratégico especial
mediante a construção da imagem de sua independência.
Isso foi calculado de modo que os auxiliasse a utilizar as
suas relações com líderes socialistas e sindicalistas de
países desenvolvidos para a promoção de frentes unidas e,
em longo prazo, contribuir para a neutralização da Europa
Ocidental e do Japão. Quanto aos países em
desenvolvimento, calculava-se um ganho de credibilidade
para os iugoslavos, enquanto genuínos líderes neutros do
movimento não-alinhado, uma aceitação que, em longo
prazo, poderia influenciá-los e fazê-los voltar-se contra o
Ocidente. Outros objetivos, subsidiários, eram:
• Fixar o rótulo do revisionismo sobre o partido
iugoslavo e identificar as suas políticas e doutrinas
como um dos extremos de uma variedade de
ramificações do comunismo.
• Num estágio posterior, criar e projetar a impressão de
que Khrushchev e os líderes soviéticos estejam
guinando em direção ao revisionismo iugoslavo e,
assim, assistir à diplomacia ativista da détente
soviética em negociações com países desenvolvidos.
• Adquirir experiência, dar suporte e criar uma
atmosfera favorável ao desenvolvimento de outras
operações de desinformação, em linhas similares,
sobre o cisma soviético-albanês, o cisma o sino-
soviético e, num estágio posterior, a independência
da Romênia.

Pravda, edição de 4 de junho de 1958.


Este autor foi subordinado de Grigorenko no Departamento de Contra-
inteligência em ١٩٥١. Certa vez, em dezembro de ١٩٥٩, Grigorenko visitou o
Departamento de Informação, onde o autor então trabalhava, à procura de
membros para sua equipe, os quais tivessem expertise em assuntos relativos à
Iugoslávia e à Albânia. A natureza dessa empreitada obrigou-o a compartilhar
informações sobre o tipo de trabalho a ser requerido aos oficiais em questão. As
informações sobre o envolvimento de Pushkin nesta operação foram
confirmadas ao autor, de forma independente, por outro oficial da KGB,
Kurenyshev.
Georgiy Maksimovich Pushkin, diplomata soviético desde 1937, serviu como
embaixador na Alemanha Oriental até o início de 1958, tendo passado pela
Hungria.
Yugoslav Facts and Views, nº 56 (1958).
Gruliow, L. (ed.). CSP. Nova York: Frederick A. Praeger, 1959, vol 3, p. 62. “Em se
tratando de política externa, muitas vezes falamos a mesma língua”, declarou
Khrushchev.
History of the Communist Party of the Soviet Union. Moscou: Editora de Línguas
Estrangeiras, ١٩٦٠, pp. ٧٠٢-٧٠١.
Ibid., p. 641. “Em seguida, o Partido Comunista da União Soviética tomou, por
iniciativa própria, passos para restaurar as relações entre URSS e Iugoslávia”.
A política de amizade e assistência mútua perseguida pelo PCUS triunfou. Os
erros ocasionais nas relações com países fraternos tiveram caráter secundário,
acidental. A essência dessas relações era genuinamente socialista, totalmente
em acordo com os princípios do internacionalismo proletário. O PCUS voltou
todos os seus esforços para o fortalecimento da amizade com a China e outras
democracias populares, sendo muito bem-sucedido na execução dessa política.
As atividades conjuntas do PCUS e dos outros partidos comunistas no âmbito de
seus respectivos estados resultaram na formação de uma fraternidade de países
socialistas, e não houve, e nem há, intriga por parte de seus inimigos capaz de
abalar a sua solidariedade e união. Essa unidade é uma das fontes da força do
flanco socialista [...] O problema das relações entre os países socialistas foi, em
toda a sua complexidade e novidade, devidamente solucionado no domínio dos
interesses de cada país e de toda a facção socialista.
CSP, vol. 3, pp. 68-69.
GES (1961), p. 374.
CAPÍTULO 14
A SEGUNDA OPERAÇÃO DE DESINFORMAÇÃO:
A “EVOLUÇÃO” DO REGIME SOVIÉTICO —
PARTE I: AS PRINCIPAIS MUDANÇAS NA URSS

CERTOS EVENTOS decorridos na União Soviética a partir 1958


têm sido amplamente interpretados no Ocidente como
reflexos de uma moderação dos rigores ideológicos do
comunismo e do declínio de sua influência sobre o
tratamento prático de questões de estado. Pensa-se, em
geral, estarem tais tendências associadas à ascensão da
União Soviética como grande potência, que cada vez mais
concentra-se em seus interesses tipicamente nacionais e
enfrenta problemas políticos familiares, particularmente a
emergência, em seu próprio território, de um movimento
dissidente. Enquanto é verdade que vários aspectos
econômicos, políticos, diplomáticos e ideológicos do regime
sofreram alterações, faz-se necessário, para que se entenda
a natureza e o propósito da desinformação envolvida,
distinguir entre as mudanças reais e a maneira como elas se
têm apresentado.

Mudanças econômicas

Do final da década de 1950 em diante, as mudanças na


prática econômica soviética incluíram a melhoria dos
incentivos materiais para a produção na indústria e no
campo, e a promoção da competição e a ampliação do
mercado nas cidades. Evidências sensacionalistas de um
ressurgimento do capitalismo apareceram na imprensa
soviética em artigos sobre o mercado negro e capitalistas
clandestinos no país. As confissões de um “ex-milionário do
submundo” saíram no Izvestiya em 1959 e 1960.
É verdade que há e sempre houve, em dimensões
variáveis, um mercado privado em que camponeses
coletivizados e alguns particulares vendem a produção de
seus lotes de terras. No tempo da NEP, quando se
permitiam a propriedade e a iniciativa privada, esse
mercado alcançou seu apogeu pós-revolucionário. Com o
encerramento da NEP e a coletivização da agricultura, este
mercado encolheu-se até a sua insignificância, e reavivou-
se brevemente durante e após a Segunda Guerra, sendo
interrompido apenas nos últimos anos de Stalin. Desde o
falecimento do líder, e graças à nova ênfase em incentivos
e à abolição da prática compulsória, segundo a qual os
agricultores entregavam ao Estado os bens produzidos em
seus lotes privados, esse mercado tem crescido uma vez
mais, de modo que agora existe sob duas formas: o
mercado principal, presente nas cidades em que
agricultores coletivizados e alguns particulares vendem a
sua produção; e um mercado menor, instalado
especialmente em Moscou e em Leningrado, onde
especuladores soviéticos, diplomatas ou visitantes
estrangeiros realizam transações ilegais em moeda ou
mercadorias.
O crescimento do mercado principal tem sido
severamente limitado pelo fato de a introdução de
incentivos mais generosos a agricultores e outros
trabalhadores não se ter sido acompanhada da legalização
da iniciativa privada; em toda linha, tem-se privilegiado o
aumento de produção e eficiência não de empresas
privadas, mas de fazendas coletivas, indústrias e
empreitadas comerciais do governo. Não há como alargar
significativamente a competição salutar entre o mercado
privado e o setor estatal sem que a propriedade e a
iniciativa privada sejam reintroduzidas. O governo soviético
não demonstra a menor intenção de fazê-lo; muito pelo
contrário, o regime conserva sua atitude hostil em relação à
propriedade privada, e o partido tem como objetivo último
de sua política a extinção definitiva do setor privado.
Quanto ao mercado negro, trata-se, como sabem os
diplomatas estrangeiros, de algo extremamente limitado e
ilegal. O que poucos sabem é que ele é secretamente
controlado e ativamente explorado pelo Departamento
Anticontrabando da KGB. Com efeito, esse departamento foi
criado em 1959, na mesma linha de um departamento
similar montado no GPU durante a NEP. Sua função é
controlar as atividades de especuladores domésticos e
empresários estrangeiros, e ainda chantagear e recrutar
membros da colônia diplomática e outros visitantes que se
envolvam em transações ilícitas. O diretor desse novo
departamento, Sergey Mikhaylovich Fedoseyev, foi tão bem
sucedido em recrutar estrangeiros, inclusive americanos,
que, em 1961, acabou sendo promovido a chefe do
Departamento Americano, responsável pelo recrutamento
de funcionários da embaixada dos Estados Unidos em
Moscou.
Inclinações para a iniciativa privada existem na União
Soviética desde a revolução, mas nem sempre reportaram-
se as prisões de fraudadores e especuladores que tivessem
enriquecido às custas do estado. Se, entre 1959 e 1962,
essas prisões tiveram grande publicidade, isto não indicava,
como acreditavam alguns observadores ocidentais, e como
o regime queria que eles acreditassem, uma renovação do
capitalismo na União Soviética. Pelo contrário, indicava que
o regime estava reforçando a sua tradicional política
ideológica de eliminação das “sobras do capitalismo”, ao
mesmo passo em que promovia o mito da sua restauração.
Vem-se aplicando, desde fins da década de 1950, uma
medida de reorganização da indústria: maiores poderes de
iniciativa às administrações locais sem prejuízo ao controle
central, criação de conselhos de economia popular e maior
autoridade aos servidores da área econômica.
Na terminologia ocidental, esses funcionários são
descritos como “tecnocratas”, os quais, diz-se, estão cada
vez mais no controle. O que observadores ocidentais em
grande parte ignoram é que os assim chamados tecnocratas
são, na verdade, membros do partido que, tendo recebido
treino especializado, aplicam as diretrizes do partido em seu
local de trabalho. É por meio deles que o partido exerce um
controle mais eficiente sobre a indústria soviética, a qual,
apesar das aparências, é agora mais planificada e
efetivamente coordenada do que antes.
De 1962 em diante, deu-se na imprensa soviética um
longo debate sobre a introdução de fins lucrativos, o
conceito de economia de mercado e a criação de um
sistema de trustes na indústria. Liberman, o economista
soviético, desempenhou um papel decisivo nesse debate.68
Segundo o professor, não se deveriam dar às fábricas mais
do que planos básicos de produção, que, por sua vez,
deveriam basear-se primariamente em ordens comerciais.
Nesse quadro, as fábricas estariam livres para determinar
seus próprios salários, custos e lucros, e certa parte desses
lucros seria depositada num fundo de incentivos para
converter-se em bonificações a administradores e operários.
A introdução de trustes estatais alicerçados em lucro foi
estimulada pelo governo. Com efeito, alguns trustes desse
tipo foram criados a partir de 1962. Em Lviv, por exemplo,
pequenas fábricas de sapatos foram experimentalmente
combinadas num só complexo, a firma Progresso, e outros
tantos trustes, foram assentados em Gorkiy e em outras
localidades.
A semelhança entre essas reformas e capitalismo é
meramente superficial, já que têm fortalecido, e não
diminuído, o controle do partido sobre a indústria. As
diferenças fundamentais entre os sistemas soviético e
capitalista, no que diz respeito a seus objetivos, seus
princípios de propriedade e gerenciamento, e à distribuição
de renda nacional e poder político, permanecem. O sistema
soviético continua a enfatizar as indústrias pesadas e, em
especial, a indústria bélica, inclusive com a produção de
satélites militares e mísseis nucleares.
Note-se que as reformas econômicas refletiam em
alguma medida a experiência da NEP. Ainda que algumas
das idéias de Liberman, bem como a criação de trustes na
indústria, fossem modeladas segundo o padrão na NEP, a
verdade é que as mudanças promovidas nos anos de 1960
não tiveram o mesmo alcance daquelas promovidas na
década de 1920. A propriedade privada de empresas não foi
reintroduzida após 1960, e a agricultura permaneceu
coletivizada. Tal como executadas entre os anos 1960 e
1970, essas reformas não sinalizavam uma mudança
fundamental no regime; foram, sim, passos cuidadosamente
medidos e tomados pelo regime no quadro geral de sua
política de longo alcance. Não visavam mudar a natureza do
sistema, mas estabilizá-lo mediante a otimização da
economia e da intensificação do controle do partido.
Há agora, em resumo, menos razões objetivas para
concluir que a natureza econômica do regime tenha
progredido em direção ao capitalismo do que havia nos
tempos da NEP. Nas décadas de 1960 e 1970, porém, a
mesma técnica utilizada para exagerar e deturpar a
natureza de tais mudanças nos anos 1920 veio a insinuar
um enfraquecimento da influência ideológica, sugerindo a
existência de um pendor à restauração do capitalismo.
A KGB participou ativamente dessa deturpação. As
confissões de um milionário clandestino, por exemplo,
foram fornecidas ao Izvestiya por incitação pessoal de
Shelepin. Para influenciar diretamente as opiniões de
turistas, homens de negócios, acadêmicos e
correspondentes ocidentais, tem-se utilizado uma técnica
mais extensiva. Por exemplo: economistas ocidentais em
visita à União Soviética naturalmente querem encontrar
seus colegas soviéticos. É praxe de que estes esclareçam
previamente os termos de tais encontros com o partido e
com a KGB. São, assim, instruídos sobre que linhas
tomarem em discussões “sinceras” sobre as falhas no
sistema soviético e a direção de seu desenvolvimento.
Dado não ter havido nenhuma restauração do
capitalismo na União Soviética, as queixas feitas a esse
respeito por chineses e albaneses, nas polêmicas travadas
com os líderes soviéticos nos anos 1960, mostram-se
infundadas, e podem ser vistas como parte integrante de
um esforço combinado de desinformação, levado a efeito
segundo as decisões de longo alcance tiradas — com a
participação de chineses e albaneses — entre 1958 e 1960.

Mudanças políticas

A convicção ocidental sobre uma moderação da atitude


soviética para com problemas políticos internos e externos
durante os anos 1960 baseava-se em várias mudanças
introduzidas a partir de 1958, as quais se podem listar
brevemente. Uma nova fórmula foi criada para substituir a
“ditadura do proletariado” na linguagem comunista oficial —
trata-se do conceito de “estado de todo o povo”.69 Houve
determinadas mudanças jurídicas. Tomaram-se medidas
para reduzir o papel e a influência do serviço de segurança.
O Ministério Unificado do Interior foi abolido em 1959, ainda
que isso tenha pouco tempo. O presidente da KGB, o notório
Gen. Ivan Serov, foi dispensado a 9 de novembro de 1958
para, duas semanas mais tarde, ser substituído pelo antigo
líder da juventude soviética, alegadamente liberal, Shelepin.
Reduziu-se a prática do terror, declarando-se a observância
à “legalidade soviética”. A KGB foi apresentada como uma
organização reformada, dura contra os inimigos do regime,
mas “humanista” ao abordar o povo soviético, tal como sua
precursora nos tempos de Dzerzhinskiy. Khrushchev disse
aos editores de imprensa social-democrata da Alemanha
Ocidental que as organizações de segurança não se faziam
de modo algum necessárias na União Soviética; que elas
poderiam, no máximo, lidar com pequenos delitos.70
Khrushchev e Shelepin negaram reiteradamente que
houvesse presos políticos na União Soviética.71 Segundo o
Kommunist, “os órgãos de segurança de estado estão a dar
cada vez mais destaque a trabalhos de prevenção e
educação [...] a expandir seu trabalho de profilaxia”.72 Essa
linha contrastava drasticamente com a ênfase dada à
repressão na atuação pregressa dos serviços de segurança.
Adotou-se uma atitude ostensivamente mais tolerante
com relação à religião. O presidente do Diretório para Igreja
Ortodoxa, um oficial da KGB de nome Karpov, foi substituído
por Kuroyedov, ex-secretário de um comitê provincial do
partido. Assim, passou a ser permitido que líderes religiosos
viajassem ao exterior.
Adotou-se uma atitude mais liberal com relação a
escritores, cientistas e outros profissionais criativos.
Expressões aparentemente independentes e espontâneas
de opinião pública eram vistas ocasionalmente. Críticas
extra-oficiais ao regime apareciam vez por outra na
imprensa. Enquanto o tradicional realismo socialista
continuava a ter incentivo oficial, Moscou recebeu
exposições de arte abstrata, as quais Khrushchev criticava
sem rodeios, com grande publicidade. Na pintura e
literatura: dividindo o espaço com escritos linha-dura,
autores soviéticos bem conhecidos publicavam, tanto na
imprensa soviética como na estrangeira, textos
considerados controversos — com efeito, alguns foram
perseguidos e punidos. Um poema de Yevtushenko, que
trazia críticas a Stalin, foi publicado na União Soviética;
também foi publicado Um dia na vida de Ivan Denisovich, de
Solzhenitsyn, a vida numa prisão soviética pela pena de um
autor que fora ele mesmo um prisioneiro de Stalin. Obras de
outros ex-prisioneiros, a exemplo de Dyakov e Georgiy
Shelest, apareceram em inícios da década de 1960. Mais
soviéticos puderam viajar ao exterior, inclusive escritores
que teciam críticas e sustentavam polêmicas sobre o
regime. Dentro da União Soviética, o célebre Kochetov
surgiu como o líder da ala “conservadora” do sindicato de
escritores, ao passo que Tvardovskiy, que apadrinhava
Solzhenitsyn, surgiu à frente dos “liberais”. A estes
juntaram-se Yevtushenko e Voznesenskiy, além de cientistas
e outros dissidentes de prestígio.
Com o aporte dessas medidas aparentemente liberais,
transformou-se a imagem que se projetava da União
Soviética para o mundo lá fora, mas não os fundamentos
políticos do regime. O “estado de todo o povo” era ainda
uma ditadura sob o controle exclusivo — e agora mais
efetivo — do partido comunista, exercitado mediante o seu
aparato e o de outros órgãos, a KGB inclusive. A KGB
continuava a ser um dos pilares da força e da estabilidade
do regime. Como antes, porém de modo seletivo, suprimiu-
se a verdadeira oposição anticomunista. A real natureza do
regime soviético, da KGB e de sua intolerância à oposição
ideológica foi demonstrada no assassinato do líder
nacionalista ucraniano Stepan Bandera, perpetrado pela
organização na Alemanha Ocidental em outubro de 1959. O
regime não era menos inescrupuloso ao lidar com quaisquer
outros movimentos de oposição dentro da União Soviética.
Por mais que Khrushchev negasse, ainda que em número
menor, ainda havia presos políticos, e julgamentos políticos
realizavam-se em segredo.
Não se pode medir a escala da repressão com base nos
julgamentos públicos, por vezes noticiados, nem nas
informações que, na esteira dos anos de 1920, fossem
ocasionalmente vazadas pela samizdat ou por outras fontes.
Entre 1958 e 1959, o braço da KGB em Leningrado, segundo
Mironov, seu antigo diretor, ainda prendia 35% dos
elementos anti-soviéticos que detectasse; os outros 65%
eram soltos com advertências profiláticas.
Os intelectuais soviéticos continuaram a ser
oficialmente controlados por organizações do partido
presentes nos vários institutos, academias e sindicatos.
Oficiosamente, ainda eram os serviços de segurança que os
controlava por intermédio de agentes secretos. Nenhuma
visão política expressava-se livre, independente ou
espontaneamente na União Soviética. Ainda que a prática
do terror fosse menor em comparação à era de Stalin, as
verdadeiras reformas não foram além do degelo entre 1953
e 1956.
À luz do relatório confidencial de Shelepin, pode-se
entender a chamada evolução política do regime como a
implementação da política de longo alcance, que se fez
mediante a adoção de métodos aplicados com sucesso nos
anos de 1920. Essa política não implicava reduzir o poder da
KGB, mas atribuir-lhe um papel político mais amplo, mais
ativo, mais sofisticado e mais influente na modelagem e no
condicionamento da vida social. As declarações de
Khrushchev, bem como outras já citadas a esse respeito,
eram falsas e, em si mesmas, evidências da criação
deliberada de uma imagem falsa da sociedade soviética. A
própria KGB, junto às lideranças do partido e do governo,
teve parte na criação dessa imagem. Grandes juristas
soviéticos, entre eles diversos membros do Instituto KGB,
como o Prof. Viktor Chikvadze, auxiliaram os líderes
soviéticos a formular o novo conceito de “estado de todo o
povo”, e a preparar as falsidades supracitadas sobre a
restrição do papel da KGB e a inexistência de presos
políticos. Quando, perplexos, membros do estado-maior ou
estudantes do Instituto KGB (inclusive este autor)
apontavam as inconsistências de Khrushchev, a eles se
dizia que aquelas posturas se tinham feito necessárias por
questões políticas e táticas. Na verdade, tais declarações
serviam justamente para mascarar o novo papel da KGB.
Mais evidências desse novo papel, que esclarecem a
correlação técnica entre o período da NEP e os anos de
1960, podem ser encontradas no caso de Shulgin. Shulgin
foi um líder monarquista emigrado que se tornou vítima do
OGPU, acabando involuntariamente usado para influenciar
as perspectivas ocidentais sobre a evolução do regime. Em
setembro de 1925, Shulgin foi atraído até a União Soviética
e, sob os auspícios da Trust, passou por Kiev, Moscou e
Leningrado, onde se reuniu com os “ministros” da defesa,
de relações exteriores e de finanças da “organização
clandestina” montada pela operação. Dois anos mais tarde,
escreveu um livro sobre sua visita ao país, intitulado Três
cidades, que após a autorização da Trust (na verdade do
OGPU) foi publicado fora da União Soviética. Um de seus
temas principais era o caráter supérfluo das intervenções
estrangeiras em assuntos soviéticos, em virtude do declínio
comunista.
Terminada a Segunda Guerra, agentes do serviço de
segurança soviético detiveram Shulgin em Belgrado.
Transferido para a União Soviética, foi preso por seu
envolvimento com a Trust nos anos de 1920. Em 1960, foi
solto e então usado pela KGB — desta vez voluntariamente
— para publicar uma brochura em que elencava alguns
indicativos de que o regime soviético estivesse a evoluir
para um sistema mais tolerante e democrático.73

Mudanças diplomáticas
De 1958 em diante, a liderança soviética deu destaque
especial à coexistência pacífica, a negócios e relações
econômicas com o Ocidente, e a uma abordagem moderada
e empresarial das tratativas. A diplomacia soviética
adentrou uma nova fase de ação: a da praxe diplomática
pessoal nas altas esferas. Khrushchev e outros líderes
soviéticos visitaram os Estados Unidos e a França; líderes
ocidentais foram convidados a visitar a União Soviética.
Houve aproximações aos governos de países capitalistas,
entre os quais Grã-Bretanha, Estados Unidos, Alemanha
Ocidental, França e Japão, com o propósito de estreitar
relações políticas, econômicas e culturais. Os soviéticos
demonstraram interesse em conferências e eventos
internacionais dedicados a desarmamento e comércio. A 4
de dezembro de 1958, lançaram uma declaração a respeito
da suspensão de testes nucleares, precedida e seguida por
outras propostas sobre desarmamento.74 Expressaram
também o desejo de adquirir equipamentos de países não-
comunistas altamente industrializados, mediante créditos
de longo prazo.75 Países limítrofes receberam atenção
especial.76 Em maio de 1962, Khrushchev sugeriu que se
organizasse uma conferência mundial do comércio.
Essas iniciativas não representavam a evolução para
uma forma menos ideológica e mais convencional de
diplomacia. Devem ser comparadas à diplomacia tal como
praticada sob a NEP de Lenin, uma vez que configuram
passos baseados e friamente calculados no escopo de uma
política ideológica de longo alcance. Ênfase similar sobre
coexistência pacífica e relações formais com o mundo
capitalista, bem como um uso parecido de contatos nas
altas esferas de governos não-comunistas, estavam
presentes na diplomacia soviética que antecedeu a
Conferência de Gênova, realizada em 1922. Esse foi um
tempo em que o próprio Lenin advogava a moderação da
linguagem, evitando, em particular, palavras que
sugerissem qualquer traço de violência e terror nas táticas
soviéticas.
As propostas relativas ao desarmamento total e à
convocação de uma conferência mundial do comércio,
apresentadas pelo governo soviético à Assembléia Geral da
ONU, eram ainda mais flagrantemente similares às
propostas soviéticas dos anos de 1920. A chamada
diplomacia moderada dos anos de 1960 foi uma repetição
da política ativista de Lenin: garantir benefícios específicos
para a União Soviética explorando as contradições internas
e externas entre países não-comunistas.
Ao estabelecer um paralelo entre essa base histórica da
diplomacia soviética dos anos de 1960 e o panfleto de
Lenin, Esquerdismo: Doença Infantil do Comunismo, torna-
se fácil entender por que a ênfase em coexistência pacífica
e relações formais entre estados com diferentes sistemas foi
acompanhada por uma intensificação da luta ideológica
dentro e fora da União Soviética. Aos apelos de Khrushchev
por coexistência pacífica e desarmamento combinaram-se
ataques diretos ao capitalismo, com predições da convulsão
no Ocidente feitas pelo o próprio Khrushchev em suas
visitas aos Estados Unidos nos anos de 1959 e 1960.77
Ainda mais importante foi a intensificação do apoio a
movimentos revolucionários e de libertação nacional no
estrangeiro, especialmente no Vietnã e no continente
africano. O ano de 1960 assistiu à fundação de uma nova
universidade na União Soviética, a Universidade Patrice
Lumumba,78 destinada ao treinamento de líderes
revolucionários dos países em desenvolvimento da África,
da Ásia e da América Latina.
A semelhança entre as iniciativas soviéticas dos anos
1920 e aquelas de fins dos anos 1950, inícios dos anos
1960, não escapou totalmente aos analistas ocidentais.
David M. Abshire, por exemplo, em sua contribuição ao livro
Detente, disse que, mais do que qualquer ajuste feito na
atualidade para acompanhar mudanças no cenário político,
impressiona o ajuste promovido pela NEP na década de
1920.79
Do mesmo modo, Lazar Pistrak, em seu livro The Grand
Tactician, observou que Khrushchev “retomara os métodos
de Lenin, isto é, uma política externa ativa e simultânea à
disseminação de idéias revolucionárias globais por meio de
dispositivos de propaganda jamais vistos”.80
Um terceiro observador ocidental, G. A. Stackelberg,
apontou a incoerência entre a coexistência pacífica e a
fundação de uma universidade destinada ao treinamento de
líderes revolucionários para o Terceiro Mundo. Ele fez uma
comparação entre a Universidade Patrice Lumumba e a
Universidade Comunista dos Trabalhadores do Oriente,
aberta quase quarenta anos antes, ainda sob Lenin, para
formar quadros para as repúblicas soviéticas do
Turcomenistão, do Cazaquistão e de todo o Cáucaso.
Segundo Stackelberg, poder-se-ia compará-la também à
Universidade Sun Yat-sem, responsável pela formação de
quadros para a revolução comunista na China.81
A despeito de toda a conversa sobre coexistência
pacífica, a política soviética provocou ou contribuiu para
uma série de crises na década iniciada em 1958, inclusive a
crise de Berlim em novembro do mesmo ano, quando
Khrushchev propôs o fim da ocupação militar na cidade; a
crise em torno do abatimento do U2 americano em 1960,
que Khrushchev usou para arruinar o Encontro de Paris; a
decisão de retomar os testes nucleares, tirada em 1962; e a
crise do Oriente Médio em 1967.
Novamente, a explicação encontra-se na experiência da
NEP e na perspectiva leninista sobre a política internacional,
assim definida como uma forma de luta ideológica na qual
se deve dispor tanto de métodos pacíficos como de
métodos não pacíficos. Khrushchev, tal como em Lenin,
definia a coexistência pacífica como uma forma de luta de
classes entre sistemas sociais antagônicos, baseada na
ativa exploração das contradições internas e externas entre
países não-comunistas.82
A retomada de uma política externa ativa de feições
leninistas foi confirmada, por exemplo, no jornal militar
Krasnaya Zvezda, cuja edição de 18 de julho de 1963 trouxe
um artigo que dizia: “a política externa levada a cabo pelo
Comitê Central do PCUS e pelo governo soviético é digna,
ativa, flexível e sempre ofensiva. Tendo se justificado por
completo, agora carrega bons frutos [...] Os comunistas não
fazem segredo quanto à necessidade da coexistência
pacífica para a vitória internacional das idéias marxistas-
leninistas, nem quanto às diferenças profundamente
arraigadas entre os dois sistemas globais, o socialista e o
capitalista. Resolver essas diferenças, sustentam os
marxistas-leninistas, não implica necessariamente que se
faça guerra no embate econômico, político e ideológico”.
Não houve moderação na política externa soviética dos
anos 1960; ela foi mais ofensiva que nos anos precedentes
e subseqüentes à morte de Stalin, quando a crise do regime
forçara-o à defensiva. A impressão de que fosse mais
moderada, mais convencional, mais nacionalista e menos
ideológica é um produto de desinformação deliberada e do
uso sistemático de termos que, assim como “coexistência
pacífica”, são intencionalmente enganosos.
Os serviços de inteligência e de segurança tiveram sua
parte em dissimular a natureza da política externa soviética,
particularmente projetando e ressaltando os interesses
comuns entre países comunistas e não-comunistas. A
participação de grandes agentes de influência no campo
científico, a exemplo de Topchiyev, e o papel por eles
desempenhado em Pugwash e em outras conferências
remontam ao uso, por Dzerzhinskiy, do movimento
eurasiano nos anos de 1920.
As acusações chinesas e albanesas de que o regime
soviético houvesse se desviado dos princípios leninistas da
política revolucionária contribuíram para que analistas
ocidentais comprassem a idéia de que isso tinha mesmo
acontecido. Uma vez que essa queixa, tal como aqui
demonstrado, não tinha nenhum fundamento, e dado que
chineses e albaneses tiveram parte na adoção da política de
longo alcance, tais acusações devem ser encaradas como
um elemento a mais num esforço conjunto de
desinformação.

A influência da ideologia

Todas essas mudanças na prática econômica, política e


diplomática do governo soviético alimentaram a crença
ocidental no declínio da influência ideológica sobre o
sistema comunista. Ocorre que nunca houve tal declínio.
Pelo contrário, mudanças e reajustes foram calculados,
controlados de forma pragmática, de modo que sequer
arranharam os fundamentos econômicos e políticos do
regime. Na verdade, se comparadas ao tempo de Stalin,
contribuíram para a restauração e o fortalecimento da
ideologia.
Da mesma forma, a instável moderação do trato dado
ao Ocidente pela imprensa soviética e a sua constante
ênfase sobre os interesses comuns entre os mundos
comunista e não-comunista não apontavam revisionismo,
nem indicavam o aumento de influências ocidentais ou
nacionalistas na União Soviética, e sim, uma drástica
viragem tática no quadro da nova política.
É verdade que a nova e instruída geração pós-
revolucionária, tanto na União Soviética como na Europa
Oriental, colocava um desafio silencioso aos princípios
básicos da ideologia e do sistema comunista. Havia muita
ansiedade latente, e forte oposição, especialmente entre
jovens e intelectuais, e ainda um verdadeiro e profundo
senso de nacionalismo entre os russos e os outros povos da
União Soviética. A hostilidade dos jovens agravou-se com a
repressão sofrida pela geração anterior. Essa oposição
genuína e o declínio da influência ideológica, cujo ponto
mais baixo viu-se nos anos subseqüentes à morte de Stalin,
impunham ao regime um sério problema. A solução poderia
estar na repressão em massa de tipo stalinista ou na adoção
de uma nova abordagem leninista, mais flexível. Em face do
evidente insucesso dos métodos stalinistas, os métodos
leninistas apresentaram-se como a escolha óbvia para o
regime.
A discrepância econômica entre a “nova classe”
privilegiada e os operários e agricultores coletivizados foi
reduzida, a prática do terror e a repressão diminuíram, e
novos métodos foram aplicados no combate a influências
religiosas, nacionalistas e ocidentais. Adotou-se uma
abordagem mais flexível com relação à geração “perdida”.
Por meio das técnicas dos tempos da NEP, o regime pôde
elevar seu prestígio, aliviar a crise interna e neutralizar
opositores internos, reais e potenciais. A única mudança
verdadeira em seu substrato ideológico foi o aumento de
sua efetividade.
Entre outros fatores por trás da crença ocidental no
declínio da ideologia estavam, por exemplo, a substituição
da “ditadura do proletariado” pelo “estado de todo o povo”;
a alegada degeneração dos líderes soviéticos em
reformistas e revisionistas; o alegado crescimento de grupos
de interesse na União Soviética e a emergência de uma
espécie de classe média aburguesada; o reavivamento da
desestalinização; o aumento da acessibilidade de cientistas,
escritores e outras figuras dos meios intelectuais e culturais
soviéticos; o maior número de judeus autorizados a emigrar;
e as acusações de revisionismo dirigidas por chineses e
albaneses ao regime soviético.
Segundo o programa do PCUS para 1961, a “ditadura do
proletariado”, em outras palavras, a ditadura do partido
comunista, servira a esse propósito.83 O “estado de todo o
povo” deveria manter-se “até a vitória completa do
comunismo”. Longe de indicar um enfraquecimento do
controle ideológico do partido, essa fórmula deve ser
tomada como uma parte da tentativa maior de ampliar a
base política do partido e intensificar a sua influência,
dando-lhe uma imagem mais moderada e menos
exclusivista. O partido conservou seu monopólio do poder,
da política e das idéias. Com efeito, o abismo entre os
sistemas soviético e não-comunista alargava-se ao mesmo
passo em que se propagava o mito dos interesses em
comum entre eles. A intolerância para com qualquer
oposição política espontânea na União Soviética foi e ainda
é severa, como sempre. Tudo quanto se faça dentro e fora
do país é levado a cabo em referência direta ou indireta aos
pétreos princípios do leninismo. Considerações ideológicas e
políticas prevalecem como nunca prevaleceram sobre
considerações nacionais ou econômicas. Qualquer
expectativa de genuína intensificação de influências
revisionistas, nacionalistas ou ocidentais sobre o regime é
irrealista, especialmente em face do atual proceder
ocidental.
Ainda menos fundamentada é a noção de que líderes
soviéticos e membros do partido estejam menos motivados
ideologicamente, tendo trocado a revolução por
revisionismo ou reformismo. Embora tenham sido, em
alguma medida, feitos sob a pressão de uma população
insatisfeita, em cujo seio as influências da ideologia haviam
realmente decaído, os ajustes posteriores a 1958 estavam
também alinhados com os objetivos da política ideológica
de longo alcance a que se tinham comprometido todas as
lideranças.
A promissora geração de líderes como Shelepin,
Polyanskiy e Andropov não era, nem é, revisionista (ou
“jovens turcos”, como dizem alguns comentaristas
ocidentais). O relatório de Shelepin e as atividades da KGB,
pelas quais ele e Andropov foram responsáveis,
demonstram que ambos são revolucionários entusiasmados,
comprometidos com uma política leninista, e qualificados,
por esse mesmo comprometimento e por suas próprias
realizações, para tomar da geração anterior o fardo do
poder. Não há liberais, moderados ou conservadores na
liderança soviética; apenas comunistas cujas ações
determinam-se pelos requisitos da política de longo alcance.
Eles podem assumir publicamente uma aparência liberal ou
stalinista, mas apenas se, à luz dos interesses dessa
política, requerê-lo o Presidium do partido.
Igualmente infundada é a noção de que os estratos
profissionais da União Soviética estejam tornando-se menos
ideologicamente orientados, ou mais independentes em
relação ao partido. O fato é que, normalmente, altos
funcionários, generais, cientistas e burocratas são membros
do partido que sabem que o seu bem-estar depende de sua
permanência no partido e no governo, e que sofreriam com
o eventual enfraquecimento do regime. Em geral, são
menos céticos sobre a doutrina comunista do que foram nos
anos de Stalin. Como prisões tornaram-se algo raro entre
eles, reservado somente a casos de participação ativa em
oposição ao regime, são hoje, com efeito, ainda mais fiéis.
Sabem que a autoridade da liderança do partido é
inquestionável. Como tudo é controlado pelo partido, não há
divisões entre líderes e profissionais. Se estes
desempenham um papel mais importante na
implementação da política, fazem-no sob o controle do
partido. É errado supor que os profissionais de qualquer
campo possam ser politicamente independentes, tal como
no Ocidente — ali, eles têm considerável influência, mas
nenhuma independência. Evidências extra-oficiais de que
militares ou tecnocratas ajam independentemente no
âmbito do processo político podem ser desconsideradas. Se
alguns renunciam ao cargo ou expressam visões críticas na
imprensa soviética, ou em contato com estrangeiros, pode-
se partir do pressuposto de que o estejam fazendo por
instrução do partido. Os ajustes na política econômica não
foram, como por vezes suposto, uma resposta à pressão de
economistas, tecnocratas ou cientistas, e sim, medidas
planejadas e implementadas conforme requerido por sua
política de longo alcance, com base na experiência da NEP.
Não miravam o enriquecimento de indivíduos ou de grupos,
mas o enriquecimento e a estabilização do regime e o
cumprimento da política comunista. Os tecnocratas e
demais profissionais não perderam seu fervor ideológico;
são altos funcionários a quem o partido simplesmente deu
novas atribuições. Qualquer um deles que se desvie
sensivelmente das normas comunistas, ou que se degenere
num revisionista de classe média, será removido de seu
cargo e então substituído. Sua observância à ideologia é
garantida mediante expurgos não violentos, educação
sistemática e controle rigoroso do partido.
Operários e agricultores coletivizados não estão a
converter-se em classe média, como gostam de pensar
alguns observadores. O aumento da parte que cabe ao chão
de fábrica ainda é modesto. Esses trabalhadores têm pela
frente um longo caminho até alcançarem um padrão de vida
decente. Além do mais, a emergência de uma classe média
sob as condições da União Soviética é impossível, pois o
partido tem outros objetivos e, quando necessário,
intensifica a briga ideológica contra a filosofia e a prática da
classe média para afastar os seus possíveis
desdobramentos da sociedade soviética.
Os principais documentos do partido e do bloco ainda
válidos, como as atas do Vigésimo Primeiro Congresso do
PCUS, o manifesto de novembro de 1960, o comunicado de
6 de janeiro de 1961 e o programa do PCUS para 1961,
confirmam os princípios fundamentais do regime soviético e
de sua ideologia, bem como os objetivos últimos da União
Soviética e do bloco comunista. Esses documentos
orientaram o movimento comunista no sentido de
intensificar a luta, interna e externa, contra ideologias
estrangeiras, assim demandando educação ideológica
melhor e mais extensiva.
As evidências não sustentam a conclusão de que,
apesar desses documentos, o regime soviético venha
evoluindo, passando de um regime ideológico para um outro
mais nacional, convencional. Pelo contrário, apontam para
uma decisão deliberada do regime em perseguir mais
efetivamente as suas reconhecidas metas ideológicas
mediante a distração do Ocidente. Para tanto, tem
procurado pintar suas viragens táticas e pragmáticas como
fundamentais e espontâneas, assim projetando a imagem
falseada de um sistema que progride na direção oposta à de
seus propósitos declarados. Ao planejar e executar essa
farsa, tem-se valido da doutrina e da experiência histórica
da NEP de Lenin.

O reavivamento da desestalinização

Talvez a técnica mais importante para a projeção de


uma imagem moderada da política soviética, entre fins da
década de 1950 e inícios da década de 1960, tenha sido o
reavivamento da desestalinização e do correlato
“revisionismo”. Isto se pode ver, por exemplo, na nomeação
de Pervukhin para embaixador soviético na Alemanha
Oriental em 1958; na substituição de Serov por Shelepin na
presidência da KGB; na reiterada denúncia contra o grupo
antipartido no Vigésimo Segundo Congresso do PCUS, em
outubro de 1961, por sua atuação pregressa na repressão
stalinista; a renovação das críticas ao próprio Stalin por
conta dessa mesma repressão e a remoção de seu corpo do
mausoléu de Lenin; a exploração especial do caso Molotov;
e a demonstração de diferenças entre os líderes soviéticos e
seus pares albaneses e chineses, no que dizia respeito a
Stalin.
Pervukhin fora membro da oposição a Khrushchev em
junho de 1957. Era, portanto, passível de ser identificado
pelo Ocidente, ainda que de maneira equivocada, como um
linha-dura. Pervukhin foi nomeado embaixador para a
Alemanha Ocidental num tempo em que a crise de Berlim
estava sendo preparada pelos estrategistas do bloco. Sua
nomeação pode ser considerada como uma primeira
tentativa premeditada de oferecer ao Ocidente uma
explicação plausível, isto é, que se tratava de uma crise
internacional provocada pela influência dos linhas-duras no
sistema soviético. Na verdade, a crise foi criada no quadro
geral da política de longo alcance, e seu maior porta-voz foi
ninguém menos que o próprio Khrushchev.
O caso de Serov foi diferente, uma vez que ele tinha um
longo histórico de apoio a Khrushchev mas, como já
explicado, tornou-se inapto a exercer um papel de destaque
na implementação da nova política, por conta de notório
envolvimento pregresso com a repressão e também por
suas atitudes intolerantes. Os antecedentes de Shelepin, ex-
líder da juventude soviética, proporcionavam um contraste
proveitoso, o que contribuiu para que ele e Khrushchev
mantivessem suas imagens liberais.
A reiteração das críticas feitas ao grupo antipartido de
Molotov, Malenkov, Bulganin, Voroshilov, entre outros, e à
“resistência à política da reforma”, por parte de Pervukhin,
talvez sejam os casos mais surpreendentes e convincentes
do uso calculista de falsa desestalinização. As questões
envolvidas tinham-se assentado com o fim da disputa de
poder e a escalação de um grupo homogêneo de líderes
comprometidos com a política de longo alcance. A
demonstração de “diferenças” entre moderados e stalinistas
tinha a ver com a decisão — tirada no Vigésimo Segundo
Congresso a 1º de novembro de 1960 — de remover o corpo
de Stalin do mausoléu de Lenin para enterrá-lo aos pés dos
muros do Kremlin. Outra dessas encenações foi a conspícua
recusa dos guarda-costas da KGB em permitir que
Voroshilov, na presença de diplomatas e jornalistas
estrangeiros, se junta-se a outros líderes soviéticos sobre o
mausoléu de Lenin, na parada oficial, em novembro de
1961.
Um dos propósitos desses arremedos de
desestalinização era criar uma atmosfera favorável para a
conversão de antigos inimigos internos do regime em
aliados ativos na promoção da sua política de longo alcance.
Khrushchev reuniu-se pessoalmente com os filhos de
diversos oficiais reabilitados. No esforço de envolver todos
os setores da sociedade soviética, estendeu-se a
reabilitação para além do campo político — Khrushchev
chegou a ter um encontro, fartamente noticiado, com um
ladrão que fora libertado da prisão. À KGB foi atribuído um
papel especial na reabilitação e realocação de ex-
prisioneiros aos quadros do partido. Através de contatos em
fábricas e outras instituições, a KGB auxiliava essas pessoas
a conseguir apartamentos e empregos. Os aptos eram
recrutados para tarefas políticas.
A explicação para o caso Molotov é mais complicada e
merece, portanto, ser examinada em detalhe. Segundo
relatos oficiais e extra-oficiais, Molotov utilizou-se de sua
nomeação como embaixador na Mongólia para travar
contato com os líderes chineses. Quando os líderes
soviéticos descobriram essa conexão, Molotov foi mandado
de volta e, em 1960, nomeado representante-chefe da
União Soviética na Agência Internacional de Energia
Atômica, sediada na Áustria. Segundo Satyukov, editor-
chefe do Pravda, e ainda outros líderes comunistas,
Kuusinen inclusive, às vésperas do Vigésimo Segundo
Congresso, realizado em outubro de 1961, Molotov fez
circular uma carta aos membros do Comitê Central do PCUS,
em que criticava o esboço do novo programa do partido por
“revisionista, não-revolucionário e pacifista”.84 Ele
supostamente sabia que os líderes chineses
compartilhavam suas perspectivas. Molotov foi chamado de
volta a Moscou à época do Vigésimo Segundo Congresso,
mas não teve qualquer participação no evento. Retornou a
Viena pouco depois, onde se disse que ele estaria em prisão
domiciliar, mas, em questão de dias, estava de volta a
Moscou. A 8 de janeiro de 1962, o ministro das relações
exteriores anunciou que Molotov retornaria a Viena —
somente para retirar sua declaração poucos dias depois.Há
diversas anomalias curiosas nessa história. Khrushchev
enviou Molotov à Mongólia para isolá-lo e desprestigiá-lo
perante o serviço de diplomacia. Molotov foi mantido sob a
vigilância de informantes controlados pelo Gen. Dobrynin,
conselheiro-chefe do serviço de segurança mongol e ex-
diretor do diretório de vigilância da KGB. Era virtualmente
impossível que Molotov mantivesse qualquer contato não
autorizado com os chineses. Se esses contatos tivessem
ocorrido e então sido reportados, o mais provável seria que
Molotov não fosse enviado à AIEA. Tal como Malenkov,
Bulganin e outros, ele teria sido compulsoriamente afastado
e internado em algum vilarejo na União Soviética. Ademais,
contravenções dessa ordem teriam chegado ao
conhecimento de membros do partido como antes, via
cartas secretas, atestando mais uma vez as suas tendências
antipartido. E isso não aconteceu. No esclarecimento
confidencial do partido acerca das decisões do congresso,
não houve qualquer referência a Molotov que remetesse a
tais críticas. Além do mais, as críticas que se lhe atribuíam
parecem bastante improváveis. O esboço do programa
baseava-se nas decisões tiradas no Congresso dos Oitenta e
Um Partidos, realizado em novembro de 1960, que ratificou
a nova política revolucionária do bloco e sua estratégia.
Criticar o programa sobre as bases alegadas teria feito de
Molotov uma piada para todo o movimento comunista.
Ocorre que Molotov de fato criticou a política de
Khrushchev às vésperas do Vigésimo Primeiro Congresso,
em janeiro de 1959, e isto constava na circular confidencial,
a propósito das resoluções do congresso, remetida a
membros do partido em Moscou com a assinatura de
Vladimir Ustinov, que se tornara secretário do partido na
cidade. As críticas de Molotov foram descritas como uma
mistura de dogmatismo com citações de Lenin. Esse
episódio não foi mencionado por Satyukov e, na verdade,
nunca foi levado a público pela liderança soviética.
É, portanto, razoável deduzir que as críticas realmente
feitas por Molotov em 1959 tenham sido modificadas, e
somente reveladas quando mais conveniente às
necessidades da política, em 1961. Também é possível que
Molotov soubesse e consentisse ser usado dessa forma.
Como um membro do partido, ele não teria outra opção.
A incomum publicidade em torno das idas e vindas de
Molotov pode muito bem ter sido um chamariz para atrair
as atenções do Ocidente para o assunto, num tempo de
supostas dissensões sino-soviéticas. Note-se que Satyukov,
apoiado por Mikoyan e outros, acusou Molotov de antecipar
conflitos políticos com o imperialismo que significariam a
própria guerra. Mikoyan acusou Molotov de rejeitar a
coexistência pacífica. Outro oficial do partido disse que
Molotov oponha-se aos contatos diplomáticos entre líderes
soviéticos e ocidentais. “Nós dizemos não a Molotov! O
PCUS tem feito o seu melhor [...] para garantir a paz para a
URSS [...] com base na política leninista de coexistência
pacífica”. É claro que essa exposição da alegada
beligerância de Molotov pode ter tido a intenção de
respaldar, pelo contraste com os “ânimos” de Molotov e da
liderança chinesa, a imagem moderada da liderança
soviética e a sinceridade de seu interesse por coexistência
pacífica e détente.
Outros dois aspectos do ataque da Satyukov a Molotov
devem ser mencionados. Satyukov acusou Molotv, primeiro,
de ter assumido o papel de intérprete de Lenin, e segundo,
de ter criticado o novo programa do partido por pacifismo e
falta de pendor revolucionário. Ambas as acusações seriam
dirigidas pelos líderes soviéticos aos líderes chineses, num
primeiro momento, sem nomeá-los; mais tarde, porém,
explicitamente. Pode-se então sugerir que o caso Molotov
foi usado para conferir autenticidade às supostas diferenças
entre soviéticos e chineses no tocante à coexistência
pacífica.
O notável reavivamento da desestalinização, e a
investida de Khrushchev contra a delegação albanesa no
Vigésimo Segundo Congresso, aparentemente irritou os
chineses de tal maneira que Chou En-Lai, líder da
delegação, abandonou o congresso. Como explicado
anteriormente, as questões relativas ao revisionismo e às
distorções de Stalin já se tinham acomodado entre os
líderes do bloco comunista ao final de 1957. Justamente
porque se tinham acomodado, não havia mais razão para
que os partidos comunistas divergissem sobre elas. Poder-
se-ia concluir que o reavivamento dessas questões no
Vigésimo Segundo Congresso fosse artificial, e que as
diferenças entre o partido soviético e os partidos albanês e
chinês tenham sido calculadas e acordadas nos termos da
política de longo alcance.
Vale notar que uma as finalidades dessa exibição de
diferenças era dar credibilidade à idéia de “moderação”
soviética e retratar Khrushchev como um revisionista. A
conclusão de que tenha sido combinada é um novo
argumento para impugnar a moderação soviética.

A posição de cientistas e outros intelectuais


soviéticos

Entre 1958 e 1960, o Comitê Central e a KGB fizeram


extensos preparativos para utilizarem-se de cientistas,
escritores e outros intelectuais para fins de
desinformação. 85 Essa nova abordagem junto aos
intelectuais tinha seu aspecto interno: ao procurar a
colaboração de algum deles para determinada forma de
atividade política, o regime buscava precaver-se contra
intelectuais opositores. Contudo, são as implicações
externas da atuação dos intelectuais, perante a opinião
pública e junto aos governos ocidentais, o alvo deste
capítulo. O conselho póstumo de Fadeyev ao Comitê Central
apelando para o uso dos intelectuais para o exercício de
influência, e não para que se espionassem uns aos outros,
foi devidamente seguido e levado a efeito.
O uso de cientistas como agentes de influência e canais
de desinformação envolvia, em particular, certas mudanças
de status. O aparato do Comitê Central do Ministério de
Relações Exteriores, bem como a KGB, estabeleceram
relações mais íntimas em eles. Muitos receberam
treinamento em inteligência, quer individualmente, quer em
escolas especializadas. Em vez de mantê-los confinados em
casa, como antes, o regime passou a promover não só a sua
acessibilidade doméstica, como também viagens ao
exterior, tudo para ampliar e explorar os seus contatos com
cientistas ocidentais.
As queixas dos acadêmicos Kapitsa e Sakharov, e do
biólogo Zhores Medvedev, sobre as dificuldades que se
impunham aos cientistas soviéticos ao tentarem viajar e
encontrar os seus colegas ocidentais, eram incompletas, de
modo que geravam distração do real fundamento para as
queixas dos cientistas, tanto ocidentais como soviéticos,
que estava no fato de o Comitê Central e a KGB utilizarem-
se desses contatos para coletar dados sigilosos, transmitir
informações falseadas e exercer influência política.86 Com
efeito, a maioria dos cientistas soviéticos prestam-se
voluntariamente a trabalhos de inteligência contra
cientistas estrangeiros em virtude de oportunidades de
angariar conhecimento e de avançar em suas carreiras. Tal
como Fadeyev, julgam ser mais de bom tom espionar
associados estrangeiros do que seus próprios colegas
soviéticos.
Essa tática acarretou mudanças na administração de
informações confidenciais. Ainda que as áreas mais
importantes tenham permanecido sigilosas como nunca,
especialmente o processo de formulação de políticas e a
técnica de sua implementação, houve abertura em certos
aspectos da ciência e da sociedade soviética — a obsessão
em manter segredos até parecia mais branda nos dias de
Stalin.
A maior acessibilidade dos cientistas soviéticos deu
também sua contribuição à ilusão de que o sistema evoluía.
Mais importante, no entanto, foi a promoção, por meio
desses cientistas, da idéia de interesses comuns entre a
União Soviética e o Ocidente. A presença de agentes da
KGB como Topchiyev, Artobolevskiy e Khvostov em
conferências científicas internacionais e,
conseqüentemente, o papel por eles desempenhado em
fomentar a idéia de que União Soviética e Estados Unidos
convergissem no interesse de evitar um conflito nuclear,
merecem o mais atento exame, haja vista o peso que
podem ter tido sobre a boa vontade americana em tomar
parte no controle estratégico de armas, negociar o
desarmamento nuclear e abrir mão de sua superioridade
atômica, na doce ilusão de que, ao refrear o
desenvolvimento de seu arsenal nuclear, veria os soviéticos
fazerem o mesmo.
Assim, como no caso dos cientistas, a utilização, pela
KGB, de ativos expandidos entre os escritores soviéticos
(especialmente entre os mais renomados) tinha seus
aspectos internos e externos. Os planos de Shelepin para a
introdução de uma falsa oposição nos moldes de
Dzerzhinskiy encontrou expressão concreta no debate entre
“conservadores” e “liberais”, cujos grandes protagonistas
de cada um dos lados, respectivamente Kochetov e
Tvardovskiy, eram colaboradores do Comitê Central e da
KGB. Esse debate, somado ao aumento geral dos contatos
culturais entre Oriente e Ocidente, contribuiu em muito para
o mito da “evolução”.

Objetivos da desinformação estratégia quanto


à “moderação” e “evolução” soviética

O principal objetivo da desinformação praticada no


início dos anos 1960 em torno da “evolução” e “moderação”
do regime soviético, e de seus “interesses em comum” com
o Ocidente, era criar um clima favorável à diplomacia
ativista da détende e condicionar as respostas ocidentais a
iniciativas comunistas. As cinco metas específicas da
diplomacia soviética eram:
• Erodir a unidade ocidental.
• Induzir as nações altamente industrializadas a
contribuírem para o crescimento do potencial
econômico e militar do bloco, mediante a
intensificação do comércio, a concessão de créditos
de longo prazo e o fornecimento de tecnologia de
ponta.
• Desviar a atenção do Ocidente em relação ao
fortalecimento militar do bloco e, em particular, da
União Soviética.
• Envolver o Ocidente, em especial os Estados Unidos,
em negociações de controle e desarmamento, visando
a fazer com que a balança do poderio militar
pendesse em favor do bloco comunista.
• Criar condições propícias para que os partidos
comunistas unam-se a socialistas e sindicalistas em
frentes representativas e movimentos nacionalistas de
países em desenvolvimento.

Domesticamente, o principal objetivo dos ajustes do


regime, e do exagero de sua significância por meio de
desinformação, consistia em criar condições favoráveis para
o avanço do socialismo e sua eventual transição ao
comunismo, neutralizando a oposição interna e garantindo a
diminuição das pressões externas sobre o regime.
Eram objetivos subsidiários do reavivamento da
desestalinização:
• Alicerçar a reconciliação e a cooperação entre União
Soviética e Iugoslávia, sem revelar a completa
extensão da participação iugoslava no bloco nem o
seu comprometimento com a política de longo
alcance.
• Fundamentar as “diferenças” soviético-albanesas e
sino-soviéticas, como preparativo para a busca
coordenada de políticas externas duplas por União
Soviética e China
• Dar sustentação a mais operações de desinformação
em torno da desunião e do desarranjo do movimento
comunista internacional, nominalmente resultantes do
declínio da influência ideológica e do ressurgimento
de tendências nacionalistas independentes nos
partidos comunistas, de dentro e de fora do bloco.

Ver, por exemplo, Pravda, edição de 9 de setembro de 1962.


Oficialmente introduzido em 1961.
Izvestiya, edição de 19 de maio de 1959.
Izvestiya, edição de 28 de janeiro de 1959, p. 9. “Vê-se agora, nas cortes na
União Soviética, alguma condenação por crimes políticos. Trata-se de um grande
avanço, que testemunha a excepcional unidade entre as visões do povo e do
Comitê Central do Partido”.
Kommunist, nº 11 (1960), p. 44.
O autor o soube por Grigorenko, cujo departamento auxiliou Shulgin a redigir e
publicar a brochura.
Ver, por exemplo, a carta remetida às Nações Unidas por Gromyko, ministro
soviético de relações exteriores, a ٢٠ de setembro de ١٩٥٨. Ali propõe-se uma
redução de até ١٥٪ no orçamento militar das grandes potências (Pravda,
setembro de ١٩٥٨).
A 6 de junho de 1958, o Pravda publicou uma carta de Khrushchev, remetida ao
presidente Eisenhower a 2 junho, em que encaminhava ao governo americano a
proposta soviética de tomarem-se “medidas conjuntas para o avanço do
comércio”. A carta dizia que a União Soviética e Estados Unidos, enquanto as
duas maiores potências econômicas, poderiam “tocar negócios em grande
escala”.
Ver o comunicado de Khrushchev ao Vigésimo Segundo Congresso do PCUS,
realizado em outubro de 1961 (CSP, vol. 4, p. 69): “a União Soviética está dando
atenção especial à formação de laços com nossos vizinhos. As diferenças entre
nossos sistemas sociais e econômicos não nos impede de desenvolver relações
amistosas e mutuamente benéficas com o Afeganistão e a Finlândia, por
exemplo. Nossas relações com a Áustria e a Suécia estão indo um tanto bem.
Temos nos esforçado para melhorar as relações com a Noruega e a Dinamarca,
e continuaremos assim. As relações com a Turquia também têm melhorado nos
últimos tempos, e queremos desenvolvê-las ainda mais”.
Ver, por exemplo, o comunicado de Khrushchev ao Vigésimo Segundo Congresso
do PCUS (CSP, vol. 4. Nº 46): “hoje, os Estados Unidos, que se tornaram o centro
do mundo, assumiram o papel de chefe do núcleo agressivo. Os imperialistas
americanos, em aliança com militaristas e revanchistas da Alemanha Ocidental,
ameaçam a paz e a segurança dos povos [...]”. Ibid. 45: “Camaradas, ao analisar
a situação nos países capitalistas, o Vigésimo Congresso do Partido chegou à
conclusão de que eles estavam no rumo certeiro de novas convulsões
econômicas e sociais. Por acaso isso se confirmou? Sim, confirmou-se. Com o
passar dos anos, sucedeu-se o agravamento das contradições, tanto dentro
como entre os países capitalistas; impérios coloniais ruíram e a luta da classe
trabalhadora e do movimento pela libertação dos povos tomou proporções
tremendas”.
Inicialmente chamada Universidade Russa da Amizade dos Povos, foi rebatizada
em homenagem ao líder guerrilheiro e ex-primeiro-ministro do Congo — NT.
Lassing Dulles, E., Dickson Crane, R. (ed.) Detente: Cold War Strategies in
Transition. Nova York: Praeger/Center for Strategic Studies (Gerogetwon
University), 1965, p. 268.
Pistrak. L. The Grand Tactician. Nova York: Praeger, 1961, p. 269.
Stackelberg, G. A. Bulletin of the Institute for the Study of USSR, vol. 7. n º4
(abril de 1960), pp. 16-20.
Em Berlin and Soviet Foreign Policy (Bulletin of the Institute for the Study of
USSR, vol. 6, nº 6, junho de 1959), Nikolay Galay explica de maneira penetrante
como a crise de Berlim baseou-se, em grande medida, em Esquerdismo: doença
infantil do comunismo, de Lenin.
Ver CSP, vol. 4, p. 23: “tendo ocasionado a vitória total e final do socialismo, a
primeira fase do comunismo, a ditadura do proletariado, cumpriu sua missão
histórica e deixou de ser essencial à União Soviética do ponto de vista de seu
desenvolvimento interno. O estado que emergiu como o estado da ditadura do
proletariado converteu-se num estado de todo o povo, que expressa os
interesses e anseios do povo como um todo”.
Disse Satyukov (CSP, vol. 4, 176): “os delegados do Vigésimo Segundo
Congresso deviam saber que, em outubro deste ano, logo antes da abertura do
congresso, Molotov enviou uma carta ao Comitê Central. Sem nada a dizer sobre
a sua atividade subversiva e sectária contra o partido de Lenin e contra as
decisões de tiradas por ocasião do vigésimo congresso, ele tenta novamente
posar de intérprete do leninismo, atacando mais uma vez o Comitê Central e o
esboço do programa da PCUS. Molotov declara em sua carta que o anteprojeto
peca por não coordenar a construção do comunismo na URSS com prospecções
para a luta revolucionária da classe trabalhadora nos países desenvolvidos e
para escalada internacional da revolução socialista. E isso justamente quando o
esboço do programa foi aprovado por unanimidade, não apenas pelo nosso
partido e pelo povo soviético, mas também pelo movimento comunista
internacional [...] suas contendas levam a crer que é impossível prosseguir com
o avanço do comunismo sem que se travem os mais sérios conflitos políticos
com os países imperialistas, isto é, a guerra. Nós dizemos não a Molotov: não, o
PCUS fez e continua a fazer tudo quanto possível para assegurar a paz ao povo
soviético, o povo que está construindo o comunismo. O princípio leninista da
coexistência pacífica foi e permanece sendo nossa linha geral de política
externa. Isto está claro no novo programa do partido, e o partido o seguirá com
firmeza”.
A Academia Soviética de Ciências abriga historiadores, advogados e
economistas, bem como cientistas no sentido convencional. A expressão
“cientistas soviéticos” deve ser interpretada nessa chave.
Harvey, M. L., Goure, L., Prokofieff, V. Science and Technology as an Instrument
of Soviet Policy. Miami: Center of Advanced International Studies, University of
Miami, 1972, pp. 93-94.
CAPÍTULO 15
A TERCEIRA OPERAÇÃO DE DESINFORMAÇÃO:
A “DISPUTA” E O “CISMA” SOVIÉTICO-ALBANÊS

Quadro geral das relações soviético-albanesas

Evidências esotéricas indicavam a observadores


ocidentais do cenário comunista que, por volta de 1959, as
dissensões que opunham os líderes do partido soviético aos
líderes dos partidos chinês e albanês tinham-se desdobrado
numa séria ruptura em matéria política. A disputa veio à
tona em 1960: “a primeira confrontação internacional em
que surgiram em primeiro plano a disputa sino-soviética e o
apoio albanês aos chineses deu-se entre 5 e 9 de junho de
1960, por ocasião do encontro, em Pequim, do Conselho
Geral da Federação Internacional dos Sindicatos”.87
Segundo evidências publicadas no Ocidente algum
tempo mais tarde, houve discussões furiosas,
principalmente entre soviéticos, de um lado, e do outro,
chineses e albaneses, nas sessões privadas do Congresso
do Partido Romeno, em junho de 1960, e no Congresso dos
Oitenta e Um Partidos, sediado em Moscou em novembro do
mesmo ano. A querela foi elevada à cisma quando
Khrushchev fez uma denúncia pública contra os líderes
albaneses no Vigésimo Segundo Congresso do PCUS, em
outubro de 1961, por suas críticas ao programa do partido
soviético, seu stalinismo dogmático e sua rejeição à
coexistência pacífica. Chou En-Lai, líder da delegação
chinesa, retirou-se do congresso, no que parecia um gesto
de apoio ao posicionamento do partido albanês. Enquanto
expressava pela imprensa de seu partido a solidariedade
albanesa para com o PCUS, Hoxha respondeu à investida
soviética com críticas amargas ao revisionismo de
“Khrushchev e seu grupo”. Disse que eles tinham traído o
leninismo, que estavam restaurando o capitalismo na União
Soviética e conduzindo uma política oportunista de
concessões ao imperialismo, conspirando com Tito, o
revisionista maior. A isto, em dezembro em 1961, seguiu-se
a quebra das relações diplomáticas entre soviéticos e
albaneses, e a Albânia recusou-se a mandar representantes
às reuniões do Pacto de Varsóvia e da Comecon a partir de
1962. O apoio dos chineses ao posicionamento albanês
pode ser rastreado até, no mínimo, 1959, possivelmente até
antes, no domínio das evidências esotéricas.

Informações internas e sua interpretação

As informações internas obtidas por este autor


contradizem essa versão geralmente aceita sobre o
desenvolvimento das relações soviético-albanesas, entre
1959 e 1962. Em poucas palavras, dizia-se que as relações
entre todos os estados comunistas tinham-se normalizado
até fins de 1957; que os soviéticos mediaram em segredo, e
com sucesso, a reconciliação entre líderes iugoslavos e
albaneses entre 1957 e 1958, e que, desde fins de 1959, o
departamento de desinformação da KGB vinha colaborando
ativamente com o Departamento de Operações Ativas do
Comitê Central, e também com os serviços secretos
iugoslavo e albanês em operações conjuntas de
desinformação.
O efeito da instrução de Shelepin foi a integração da
Albânia numa operação triangular de desinformação junto à
União Soviética e a Iugoslávia, um engenhoso método para
tirar proveito das disputas e dificuldades genuínas que já
tinham permeado as relações entre os três países. Ao
planejar essa operação, os líderes do bloco devem ter tido
em mente considerações estratégicas tanto internas como
externas.
Internamente, os regimes iugoslavo e albanês teriam
enfrentado problemas políticos de grande magnitude se um
passo tão radical, como a normalização imediata e
escancarada de suas relações, fosse tomado pelos mesmos
líderes sob cujo comando as hostilidades entre os partidos
tiveram origem e se desenvolveram. No caso da Iugoslávia,
era previsível que uma reconciliação pública trouxesse
consigo um sério risco de fragmentação do partido
iugoslavo, haja vista a força que tomaram os ânimos contra
a Albânia nos tempos de Stalin. Para os líderes albaneses,
os problemas teriam sido ainda piores. Eles eram os
mesmos líderes responsáveis por executar seus próprios
colegas, inclusive Koci Xexe, ex-primeiro-ministro da
Albânia, sob a acusação de que simpatizavam com a
Iugoslávia. A reconciliação pública com os iugoslavos
poderia ter dado margem a pressões pela reabilitação
póstuma de Xexe e de seus amigos, ou ainda por uma
retratação da liderança em virtude dos crimes perpetrados
a seus semelhantes, leais e isentos de qualquer culpa, sob
ordens de Stalin. Em outras palavras, poderia ter havido na
Albânia uma reação popular parecida com a que se viu na
Hungria em 1956, que se seguiu à reabilitação de Laszlo
Rajk, o antigo primeiro-ministro. Além do mais, por razões
estratégicas, o verdadeiro papel da Iugoslávia na
formulação e execução da política de longo alcance tinha
que ser mantido em segredo, de maneira que só estivesse
ao alcance do mais alto e exclusivo círculo de líderes
albaneses. Explicar uma ampla reconciliação com a
Iugoslávia aos quadros mais baixos seria impossível, e isso
poderia muito bem ensejar, no seio do partido, um genuíno
retorno ao revisionismo. Uma operação de desinformação
que integrasse líderes iugoslavos e albaneses oferecia
vantagens substanciais a ambos os lados, dando-lhes
margem para colaborarem intimamente numa empreitada
cuja importância estendia-se a todo bloco e, a um só tempo,
fornecendo-lhes um meio para adiarem o reconhecimento
público de sua reconciliação secreta perante os quadros
mais baixos dos partidos e suas populações em geral.
Na União Soviética, Khrushchev fora esclarecido o
bastante para enxergar que a melhor solução para o
problema da dissidência genuína, e da oposição ao regime
entre os intelectuais e as vítimas da perseguição de Stalin,
era envolvê-los ativamente em um outro aspecto da política
de longo alcance. O mesmo poderia ser feito para sanar as
rupturas no bloco, e também para evitar que tornassem a
acontecer. Por essa razão, permitiu-se à Iugoslávia que
contribuísse de modo significativo para a formulação da
nova política, e que desempenhasse um papel relevante em
sua execução. A inclusão dos líderes albaneses era, pela
lógica, o próximo passo. Eles também poderiam envolver-se
ativa e comprometidamente na implementação da nova
política. Uma operação de desinformação que
compreendesse uma disputa artificial e calculada com a
União Soviética dar-lhes-ia a oportunidade de projetarem a
si mesmos perante o seu povo, e de elevarem o seu
prestígio e o de seu partido ao de uma força nacional
robusta o bastante para fazer frente às inconvenientes
interferências de Khrushchev. Ademais, foi-lhes dada a
chance de desempenhar um papel estratégico numa
operação de desinformação, que visava pintar as relações
entre os membros do bloco, em especial entre a União
Soviética e a China, como que se degenerando num estado
de rivalidade e hostilidade, uma vez que o objetivo dessa
representação era ampliar as aberturas para que os países
do bloco desenvolvessem suas estratégias políticas no
mundo não-comunista.
Pelo fato de a Albânia ter-se alinhado a Stalin por
ocasião da ruptura com Tito, e do conhecimento ocidental a
esse respeito, teria feito todo o sentido torná-la um país
“stalinista”, parceiro da China numa falsa disputa contra os
soviéticos. Esse movimento também serviu de bom intróito
para um alinhamento soviético-iugoslavo, mais aberto e
oficial, que, aparentemente, opunha-se à parceria sino-
albanesa. O realinhamento à União Soviética, efetivado em
1961, decerto mancharia muito menos a imagem própria da
Iugoslávia, ou ainda as suas relações políticas e econômicas
com os países desenvolvidos, se, por comparação aos
dogmáticos militantes chineses, os soviéticos fossem tidos
por revisionistas.
O fato de Albânia ser o menor e mais isolado dos países
comunistas tornou particularmente apropriada a sua
escolha, fazendo do país o primeiro membro do bloco a
romper com a União Soviética após 1958. Na verdade, o
“cisma” soviético-albanês deve ser tratado como um projeto
piloto do cisma sino-soviético, que, sendo muito mais
relevante, já devia estar em sua fase embrionária. Essa dita
ruptura deu aos estrategistas do bloco uma oportunidade de
testar a validade de seus conceitos e técnicas de
desinformação, de examinar as conseqüências internas e
externas de um falso cisma de menores proporções, antes
de finalmente partirem para o grande cisma entre União
Soviética e China. Se o Ocidente acordasse para a falcatrua
do cisma soviético-albanês, o dano político e estratégico
para o bloco seria mínimo. Se, por outro lado, o Ocidente
acabasse devidamente enganado, desde que o referido
cisma não tivesse repercussões incontroláveis noutros
cantos do bloco, que se provasse administrável à luz da
sobrevivência política e econômica do regime albanês, e
que o Ocidente daí concluísse que o Congresso dos Oitenta
e Um Partidos foi mesmo um divisor de águas no processo
de desintegração do monólito comunista, e não o contrário,
então haveria todas as justificativas para prosseguir com o
cisma sino-soviético, a cuja credibilidade a versão soviético-
albanesa teria feito sua contribuição. O cisma sino-soviético
ajudaria a construir a imagem moderada da União Soviética
e da Iugoslávia dos anos de 1960, para o benefício de sua
reaproximação estratégica aos países desenvolvidos e em
desenvolvimento. A última, porém não menos importante,
das razões para que a disputa soviético-albanesa fosse
trazida a público, sob a forma de cisma, teria sido a
intenção de atestar ao Ocidente a confiabilidade de
informações derivadas de evidências esotéricas,
vazamentos retroativos, artigos na imprensa comunista ou
fontes ocidentais “secretas” no tocante às relações intra-
bloco.

Anomalias na “disputa” e no “cisma”

O exame detalhado das origens e do desenvolvimento


da disputa e do cisma soviético-albaneses revela, com o
aporte da nova metodologia, alguns outros pontos que
desafiam a autenticidade das dissensões envolvidas, e
confirmam que essa disputa foi fabricada em benefício da
política de longo alcance.
De acordo com as evidências esotéricas, a disputa
soviético-albanesa teve início já no período de formulação
da política de longo alcance. O próprio Hoxha, entre outros
líderes albaneses, participou do processo. Entre janeiro e
fevereiro de 1959, Hoxha liderou a delegação albanesa no
Vigésimo Primeiro Congresso do PCUS, em que se discutiu a
transição praticamente simultânea de todos os países do
bloco ao comunismo. Isso implicava uma tentativa de
promover as economias mais atrasadas, inclusive a
albanesa, às custas das economias mais avançadas,
incluindo a soviética.
Em maio de 1959, uma delegação chinesa que incluía
Chang Wen-Tien, ministro adjunto das relações exteriores,
ex-oficial do Comintern e ex-embaixador da China em
Moscou, e Pen Te-Huai, o ministro da defesa, fez uma visita
a Tirana. Sua passagem pela Albânia coincidiu com a visita
de uma delegação soviética liderada por Khrushchev, que
trazia o Mar. Malinovskiy, ministro da defesa soviético. No
Ocidente, geralmente supõe-se que essas reuniões tenham
ocorrido na tentativa frustrada de passar a limpo as
diferenças entre os três países, ou que Pen e Chang tenham
aproveitado a oportunidade para conspirar contra Mao junto
a Khrushchev. A recepção que Hoxha ofereceu aos
convidados, o curso das negociações e o comunicado oficial
lançado após o encontro evidenciam claramente não só a
inexistência de quaisquer diferenças entre eles, como
também a extrema proximidade de suas relações. Tendo em
mente que essas reuniões de cúpula em Tirana aconteciam
ao mesmo tempo em que se lançava a operação de
desinformação da junta iugoslavo-soviética, o mais provável
é que os líderes tenham discutido o desenvolvimento da
operação albanesa de desinformação, e não as diferenças
existentes entre eles, para as quais, aliás, não havia
fundamento algum.
No mesmo mês de maio, o Comecon reuniu-se em
Tirana. O fato de a delegação soviética ser liderada por
Kosygin, então chefe da Comissão Soviética de
Planejamento, aponta a importância da sessão e engrossa a
suposição de que ali se tenha tratado de planejamento
econômico de longo prazo. Apesar das evidências esotéricas
de uma suposta disputa soviético-albanesa, os albaneses
continuaram a participar das reuniões do Comecon e da
Organização do Pacto de Varsóvia em 1960 e 1961,
comparecendo até à plenária do Comecon, sediada em
Moscou, em setembro de 1961, um mês antes da primeira
investida de Khrushchev.
O mais significativo é que Hoxha esteve entre os
signatários do manifesto resultante do Congresso dos
Oitenta e Um Partidos, em novembro de 1960. Em resolução
especial pela aprovação da participação da Albânia no
congresso, o Partido Albanês declarou que o PCUS era “o
mais experiente e competente órgão do movimento
comunista internacional”, ao que acrescentou: “no que diz
respeito a dividirem o campo comunista, as esperanças dos
imperialistas, encabeçados pelos EUA, estão fadadas ao
fracasso”. O relatório oficial apresentado por Hoxha ao
Quarto Congresso do Partido Albanês, publicado a 14 de
fevereiro de 1961, continha ataques aos Estados Unidos e à
OTAN, e muitos elogios à União Soviética, à China e às
decisões do Congresso dos Oitenta e Um Partidos. Ademais,
reconhecia a “colaboração geral” entre a Albânia e a União
Soviética.
As evidências esotéricas de uma disputa soviético-
albanesa entre 1959 e 1961, fundadas principalmente no
cotejamento das imprensas soviética, albanesa e chinesa
durante esse período, foram todas desenvolvidas no
Ocidente. Desse cotejamento, é verdade, foi possível
deduzir diferentes abordagens, por diferentes partidos, de
determinados assuntos. Ao mesmo tempo, vale lembrar que
apenas uns poucos privilegiados, quer na União Soviética,
quer na Albânia, dispunham de meios para acessar a
imprensa de outro país e fazer o tipo de comparação que é
especialidade dos analistas ocidentais. Dada a existência de
um programa de desinformação, resta a clara implicação de
que boa parte das evidências esotéricas tenha sido
especificamente dirigida a analistas ocidentais, nada tendo
a ver com o consumo doméstico.
Entretanto, a investida de Khrushchev contra os
albaneses no Vigésimo Segundo Congresso do PCUS, em
outubro de 1961, pareceu, para a maior parte dos
observadores, confirmar que as evidências esotéricas
vinham mesmo refletindo uma verdadeira ruptura. É
interessante notar, porém, que a cobertura das altercações
de Khrushchev e Hoxha variou bastante no bloco. A
imprensa soviética não nomeou a China, nem fez menção
ao apoio dado pelos chineses à Albânia. Alguns líderes
partidários da Europa Oriental criticaram abertamente o
apoio chinês à posição de Hoxha. A imprensa chinesa
furtou-se a comentários sobre o Kremlin em editoriais, mas
fez circular os ataques albaneses a Khrushchev. A cobertura
dada à disputa foi insuficiente em todo o bloco. Alguns
documentos e discursos ficaram na gaveta, mesmo entre
soviéticos e albaneses.
Em contraste, informações oficiais sobre a presença
albanesa nas reuniões do Comecon e do Pacto de Varsóvia,
entre 1959 e 1961, no Vigésimo Primeiro Congresso do
PCUS e no Congresso dos Oitenta e Um Partidos foram
publicadas, na época, pela imprensa do país comunista. O
compromisso dos partidos comunistas para com as decisões
tiradas em reuniões multilaterais é algo extremamente
sério. Isto aplica-se ao comprometimento albanês com o
manifesto do Congresso dos Oitenta e Um Partidos, como se
aplicaria a qualquer outro. As evidências oficiais e
cotidianas da contínua cooperação albanesa com o restante
do bloco deveriam ser tomadas antes como um reflexo
muito mais preciso do verdadeiro estado de coisas, do que
as evidências esotéricas, extra-oficiais, incompletas e
retrospectivas oriundas de fontes comunistas.

Comparação com o “cisma” Tito-Stalin

No caso do cisma genuíno entre Tito e Stalin em 1958, e


das seguidas diferenças soviético-iugoslavas em 1956 e
inícios de 1957, os membros do PCUS receberam notas de
orientação confidenciais sobre o assunto. Este autor foi um
membro bem colocado nos quadros do partido até seu
rompimento com o regime soviético, em dezembro de 1961,
e nunca recebeu nada do tipo a propósito das relações
soviético-albanesas.
Tito e outros próceres iugoslavos não podiam e não
visitaram Moscou durante a ruptura, mas Hohxa e outros
albaneses não tiveram temor algum até novembro de 1960.
Nem o ataque de Khrushchev, do qual se poderia ter
esperado as mais sérias conseqüências, impediram a
delegação albanesa de comparecer ao Quinto Congresso da
Federação Internacional de Sindicatos, sediado em Moscou
no dezembro seguinte, o mês em que se suspenderam as
relações diplomáticas entre União Soviética e Albânia.
Em contraste com o cisma Tito-Stalin, não houve
condenação formal da Albânia em nenhuma conferência ou
encontro comunista, nem dentro nem fora do bloco. Não
houve qualquer tipo de boicote sistemático ou geral por
parte do bloco, nenhum tipo de sanção ideológica, política,
econômica ou diplomática. Houve ataques e críticas
isoladas, vindas de partidos específicos ou de seus líderes
em particular, mas não se pode considerar que essas
manifestações fossem representativas do movimento
comunista como um todo, e nem que superassem em
importância as obrigações e os compromissos assumidos
nas conferências internacionais de 1957 e 1960.
A União Soviética apenas rompeu relações diplomáticas
com a Albânia. Mesmo nesse caso, as circunstâncias foram
peculiares, pois que a devida notificação foi entregue aos
albaneses pelo ministro adjunto do exterior, Firyubin, um ex-
embaixador na Iugoslávia que era então responsável pelas
relações com os países não-alinhados, não com outros
países do bloco. A escalação de Firyubin sugeria que o
rompimento tinha mais a ver com interesses estratégicos
para o lado de fora do bloco do que com relações internas.
Ainda que repatriassem seus embaixadores, os demais
países da Europa Oriental não romperam relações. A própria
Iugoslávia manteve uma missão diplomática em Tirana.
Embora a Albânia tenha, nominalmente, deixado de
comparecer às reuniões do Pacto de Varsóvia e da Comecon
em 1962, e dado por encerrada a sua participação em
ambas as instituições, nenhuma delas tomou qualquer
providência para expulsá-la, de maneira que continua a ser
seu membro de jure.
A Sociedade para Amizade Soviético-albanesa
sobreviveu ao cisma. A reunião da diretoria em Moscou, a 9
de janeiro de 1981, celebrou o trigésimo quinto aniversário
da República Popular da Albânia.88
A Albânia não sofreu com nenhum tipo de pressão
econômica vinda do restante do bloco. Seus representantes
comerciais sediaram-se na Tchecoslováquia, na Alemanha
Oriental e na Hungria, apesar das críticas que os líderes dos
partidos desses países estivessem a tecer aos albaneses.
Em 1962, Polônia, Hungria, Bulgária, Tchecoslováquia e
Alemanha Oriental assinaram acordos comerciais com a
Albânia. Depois do cisma, como antes, 90% do comércio
albanês efetivava-se com outros países comunistas. A
grande diferença foi a China ter assumido o posto de
principal fornecedor da Albânia, antes pertencente à União
Soviética. A transição foi tão suave que poderia muito bem
ter sido planejada em conjunto e de antemão por soviéticos,
chineses a albaneses.89

Conclusão

O interesse do Ocidente por rupturas no mundo


comunista é compreensível. Os benefícios potenciais de
cismas genuínos seriam imensos. Além do mais, as
evidências esotéricas, que tanto serviram às análises
ocidentais, eram genuinamente válidas durante a vida de
Stalin. Ocorre que a incapacidade em acompanhar as
mudanças promovidas ao longo dos sete anos subseqüentes
à sua morte, em especial a reintrodução da desinformação
estratégica, tornou a antiga metodologia extremamente
vulnerável. Tamanho é o interesse em rupturas reais e
potenciais que evidências conflitantes acabam
subestimadas ou ignoradas. Por exemplo, um ou outro
comentarista, se muito, tem observado os altos índices do
comércio albanês com a Europa Oriental, muito embora a
Europa Oriental esteja alinhada à União Soviética contra a
Albânia e a China. O mesmo viés é gritante na análise de
documentos comunistas: discutem-se exaustivamente as
passagens que encerram críticas mútuas, enquanto
ignoram-se aquelas que expressam solidariedade. Mas
Hoxha não estava apenas desperdiçando seu latim quando
anunciou ao Quarto Congresso do Partido Albanês, em
fevereiro de 1961, que “a amizade com a União Soviética
foi, é e será sempre a pedra angular da política exterior da
nova Albânia (ânimos exaltados ovação) [...] Essa amizade é
expressa e lapidada todos os dias pelas relações fraternais e
pela colaboração geral entre os nossos países [...]”.90 Se
todas as evidências acima elencadas forem pesadas
objetivamente, levarão à inescapável conclusão de que,
nesse caso, Hoxha estava dizendo a verdade, ou seja,
disputa e a ruptura soviético-albanesas não foram, nem são,
nada mais que produtos da desinformação do bloco
comunista.

Objetivos da operação de desinformação

Os objetivos aqui eram:


• Evitar as conseqüências adversas que uma
reconciliação pública entre os líderes albaneses e
iugoslavos poderia ter internamente.
• Elevar o prestígio dos líderes albaneses e de seus
partidos, tornando-os, aos olhos de seu próprio povo,
uma força nacional independente.
• Dar suporte à projeção do revisionismo iugoslavo
como um cavalo de Tróia dentro do bloco comunista.
• Dar a entender que, após 1961, o próprio Khrushchev
encontrava-se sob influência revisionista e, assim,
construir para ele uma imagem moderada pelo
contraste com os militantes chineses e os albaneses
stalinistas.
• Confirmar que os esforços em unir o bloco e o
movimento comunista no Congresso dos Oitenta e Um
Partidos, em novembro de 1960, haviam fracassado, e
que tanto o bloco como o movimento estavam
desintegrando-se em virtude das questões não
resolvidas do stalinismo, do revisionismo, do
comunismo nacional e da busca por interesses
nacionais conflitantes.
• Testar as reações, dentro e fora do bloco, a um cisma
de menores proporções antes dar seguimento à
nascente disputa sino-soviética.

Ver, de William E. Griffith, Albania and the Sino-Soviet Rift (Cambridge/MA: MIT
Press, 1963, p. 37).
Izvestiya, edição de 10 de janeiro de 1981.
David Floyd, em artigo para o London Daily Telegraph (junho de 1962), observou
que “foi por Durres e [...] Vlora [...] que os albaneses receberam, no ano
passado, os carregamentos de grãos que os permitiram sobreviver ao embargo
econômico imposto pelos russos. Os chineses compraram o trigo do Canadá,
pagaram em rublos conversíveis e mandaram tudo para a Albânia em navios da
Alemanha Ocidental”.
Zeri-I-Poppulit, edição de 4 de fevereiro de 1961 (reimpresso como Documento 6
em Albania and the Sino-Soviet Rift, p. 207).
CAPÍTULO 16
A QUARTA OPERAÇÃO DE DESINFORMAÇÃO: O
“CISMA” SINO-SOVIÉTICO

A colaboração PCUS-PCC (1944-1949)

Historicamente, as relações entre os partidos


comunistas da União Soviética e da China têm sido objeto
de muita confusão. Deve-se isso, em grande parte, a uma
ampla e bem sucedida empreitada de desinformação,
conduzida em tempo de guerra e pós-guerra, que fora
concebida para iludir o Ocidente sobre a natureza do
comunismo chinês e encobrir a constante intensificação da
assistência prestada aos chineses pelos soviéticos, nos
campos da diplomacia, da inteligência e também no campo
militar. As similaridades entre os comentários soviéticos e
chineses sobre a natureza do comunismo chinês são fortes
indicativos de uma operação coordenada de desinformação.
De passagem por Ya’nan, durante a guerra, jornalistas
ocidentais ouviram dizer que os comunistas chineses não
eram do tipo tradicional, mas reformadores do campo, que
admiravam o Ocidente, e que tinham mais em comum com
o socialismo cristão do que com comunismo soviético.91
Observações parecidas vieram de líderes soviéticos. Em
junho de 1944, por exemplo, Stalin segredou a Averell
Harriman, então embaixador dos EUA em Moscou, que os
chineses não eram comunistas de verdade, e sim, do tipo
“margarina”.92 Em agosto do mesmo ano, Molotov, então
ministro do exterior, disse a Patrick Hurley e Donald Nelson,
os dois representantes pessoais do presidente Roosevelt em
Chungking, que muitos dos chamados comunistas chineses
não passavam de pobres desesperados que deixariam de
lado tal inclinação política tão logo a sua condição
econômica melhorasse.93 Em conversa com Harry Hopkins a
26 de maio de 1945, Stalin chegou a demonstrar desprezo
por Mao e a fazer pouco caso do PCC; disse pensar que os
líderes comunistas chineses eram menos capazes que
Chiang Kai-Shek, que não conseguiriam unir o seu próprio
país.94 No verão de 1945, durantes as negociações com
Wang Shih-Chieh, ministro chinês do exterior, Stalin disse
que o comunismo chinês não chegara a lugar nenhum. Por
ocasião da Conferência de Potsdam, em julho de 1945,
líderes soviéticos garantiram ao secretario de estado James
F. Byrnes, tal como o fariam a uma comitiva de
congressistas americanos de passagem por Moscou, em
setembro do mesmo ano, que os comunistas chineses não
eram de fato comunistas.95
Outro indicativo de que essas relações fossem tema
acordado de desinformação sino-soviética foi a declaração
de que Mao, após a dissolução do Comintern, teria atestado
que a China não havia recebido qualquer tipo de assistência
ou aconselhamento por parte do mesmo órgão desde seu
Sétimo Congresso, em 1935.96
A aparente ignorância de Stalin quanto à situação na
China foi afetação, é claro. O PCUS e o PCC sempre
trabalharam bem de perto, de maneira que a cobertura da
inteligência soviética sobre o governo nacionalista chinês e
as suas políticas foi, no mínimo, tão boa quanto a sua
cobertura sobre as políticas americanas e britânicas.
No decorrer de seu tempo de serviço na seção do
Comitê de Informação, que cuidava das atividades de
contra-inteligência em organizações soviéticas na China, na
Coréia e na Mongólia, este autor soube que, após
negociações secretas com uma delegação enviada a
Moscou pela alta cúpula do PCC, no outono de 1946, tirou-
se uma resolução que determinava o reforço da assistência
militar soviética prestada aos revolucionários chineses. O
Estado-Maior Geral, a inteligência militar e o Ministério dos
Transportes foram instruídos a dar-lhes prioridade. Além do
arsenal japonês apreendido na Manchúria, grandes
quantidades de armas e munição soviéticas, inclusive as
recebidas dos Estados Unidos durante a guerra, foram
secretamente despachadas para a China entre 1946 e 1949.
Em palestra concedida a estudantes da Escola de Alta
Inteligência, em Balashikha, no ano de 1949, o Gen.
Roshchin, diretor de segurança e embaixador soviético na
China, afirmou que ao auxílio soviético permitira ao exército
comunista chinês desequilibrar a disputa militar, e então
lançar a sua derradeira e bem sucedida ofensiva contra o
exército nacionalista entre 1947 e 1948.
Mais assistência veio por Sinkiang. Os soviéticos tinham
perdido o controle sobre a província em 1943, quando o
governador, Sheng Shih-Tsai, que era agente soviético,
simplesmente rompeu com o regime. Fitin, de Moscou,
Pitovranov, do Cazaquistão, Ogoltsov e Byzov, do
Uzbequistão, e Langfang e Ivanov, da Mongólia Exterior,
todos generais do serviço de segurança e inteligência
soviético, organizaram uma revolta para reparar a situação.
O sucesso dessa operação culminou na proclamação da
independência da República do Turquestão Oriental,
liderada por Saifudin, que, por sua vez, era agente
soviético. Daí em diante, até que retomassem por completo
o controle de Sinkiang, os soviéticos utilizaram-se da
província como rota de abastecimento para o PCC. O
mesmo deu-se com a trilha de camelos que se estende de
Ningsia à Mongólia Exterior.
A inteligência soviética despendeu grandes esforços no
sentido de obter informações militares sobre as forças do
Kuomintang em prol do PCC, e de subverter a administração
e a polícia nacionalistas. Quando a embaixada soviética
seguiu o governo nacionalista até Cantão, não o fez, como
por vezes foi presumido, para demonstrar sua lealdade ao
Tratado de Amizade, mas, segundo telegramas trocados
entre as inteligências soviética e chinesa, para facilitar o
contato com agentes soviéticos lotados nos quadros da
administração nacionalista. Vale notar que o
reconhecimento soviético e o estabelecimento de relações
diplomáticas com o novo governo comunista chinês foram
conduzidos por intermédio do diretor de inteligência e
cônsul-geral da União Soviética em Pequim, Cel.
Tikhvinskiy.97 Foi o mesmo Tikhvinskiy que, em resposta a
acusações de que os soviéticos estivessem a ajudar o PCC,
lançou uma nota oficial, repassada em despacho da
Associated Press (Pequim, 20 de dezembro de 1947), em
que dizia: “meu governo reconhece apenas um governo
chinês — o governo nacionalista — e nada tem fornecido
aos comunistas. Isto está cem por cento desmentido”. É
claro que essa negativa era cem por cento falsa, nada mais
que um dos aspectos de uma operação conjunta de
inteligência e desinformação concebida para alçar o PCC ao
poder, enquanto encobria o apoio que lhes era fornecido
pelos soviéticos. Derrotado, Chiang Kai-shek admitiu franca
e oportunamente que o Partido Comunista Chinês
“surrupiou dados confidenciais de nosso governo e, ao
mesmo tempo, fechou todas as nossas vias de inteligência.
Isso era de se esperar. No entanto, ao fornecer às nações
ocidentais falsas informações sobre o governo chinês,
visando assim criar impressões enganosas sobre o nosso
país, eles deram um passo adiante”.98 Se não tivesse caído
na rede da desinformação comunista, e se tivesse percebido
o escopo e as proporções do auxílio prestado pelos
soviéticos ao comunismo chinês, o governo americano
poderia ter contribuído de maneira mais decisiva com os
nacionalistas. Ainda que os Estados Unidos não
conseguissem livrar a China das garras comunistas, a
opinião pública americana teria reagido de forma mais
equilibrada que na era McCarthy.

O atrito sino-soviético e o seu termo (1950-


1957)

O novo caráter das relações sino-soviéticas encontrou


expressão no Tratado de Amizade, assinado em Moscou,
durante visita de estado feita por Mao em fevereiro de
1950.99 O apoio soviético à “libertação” do Tibete e de
Taiwan tornou-se uma promessa. Mao foi informado por
Stalin de que todo o trabalho da inteligência soviética na
China fora encerrado, e que os nomes de todos os agentes
outrora lotados no país seriam entregues ao serviço de
inteligência chinês.
Apesar do sucesso da visita, ainda restavam pendências
e ajustes por fazer nas relações entre os dois países. Seria
descabido, naquele momento, considerar a China um
satélite soviético. A extensão da penetração e do controle
soviético sobre o partido e o governo chinês era pequena
em relação à que se efetivava nos satélites da Europa
Oriental, limitada, de modo geral, a Sinkiang e Manchúria.
Não se tratava, contudo, de uma relação entre iguais, de
maneira que os soviéticos continuaram a interferir
esporadicamente em assuntos internos dos chineses, em
especial na Manchúria, na Península de Liaotung, em
Sinkiang e em zonas de fronteira. Muitos agentes soviéticos,
principalmente em Sinkiang, foram entregues ao PCC,
inclusive Saifundin, um dos líderes do levante orquestrado
pelos soviéticos no Turquestão Oriental em 1945. Membro
do primeiro governo da China comunista, Saifundin
permaneceu no poder em Sinkiang por vários anos após o
desenrolar-se da ruptura sino-soviética.
A despeito das garantias de Stalin, alguns agentes
soviéticos na China — a exemplo do longevo agente em
Shanghai, um cidadão chinês de nome Kazarov — não foram
declarados. Os soviéticos também não foram totalmente
sinceros quanto às suas propriedades secretas que, em solo
chinês, tivessem relação com operações de inteligência.
Quando os chineses flagravam os soviéticos, o que às vezes
acontecia, havia atrito. O tratamento dos grupos de
emigrados russos na China foi outra fonte de tensão: ou os
soviéticos efetuavam prisões utilizando-se do pessoal de
segurança local, sem informar Pequim, ou os próprios
chineses recusavam-se a efetuar prisões na medida
requerida pelos soviéticos.
Houve sério desacordo quando os conselheiros
soviéticos, preocupados com os incomuns antecedentes
nacionalistas de Li K’u-nun, chefe da inteligência política
chinesa, exigiram que ele fosse exonerado. A resposta dos
chineses foi uma negativa categórica.
Dada a inexistência de um mecanismo formal para
regular os desacordos sino-soviéticos, esses atritos
apresentavam uma propensão à virulência.
A mais grave de todas as dissensões emergiu em torno
da Guerra da Coréia, na qual Stalin embarcou sem antes
confidenciar-se com Mao. Quando a guerra começou a
tomar feições ruins aos olhos comunistas, em decorrência
da intervenção inesperadamente ágil e efetiva da ONU, os
soviéticos sugeriram aos chineses que enviassem tropas em
auxílio aos norte-coreanos. Não surpreende que os chineses
tenham se recusado num primeiro momento. Somente após
severa pressão da parte soviética, que culminou numa carta
confidencial do próprio Stalin a Mao, os chineses
concordaram em mandar “voluntários” à Coréia.
As arestas das relações sino-soviéticas, embora
cuidadosamente ocultadas do Ocidente, permaneceram
agudas por toda a vida de Stalin. Tão logo ele faleceu, os
soviéticos tomaram medidas no sentido de apará-las. O
arrefecimento da Guerra da Coréia era prioridade dos
sucessores imediatos, e foi discutido com Chou En-lai por
ocasião do funeral de Stalin. Outro problema espinhoso,
porém rapidamente solucionado, centrava-se em Kao Kang,
o “governador” extra-oficial da Manchúria, com quem os
soviéticos mantiveram contato sigiloso mesmo durante o
conflito na Coréia. Após a prisão de Beriya, a liderança
chinesa foi confidencialmente informada de que Kao Kang
estivera entre os seus agentes. Em fevereiro de 1954, o
governo chinês exonerou-o por “manifestar tendências
separatistas e tramar a instauração de um reino próprio na
Manchúria”. Kao Kang foi condenado à prisão sem
julgamento, e terminou enforcando-se.
Em outubro de 1954, Khrushchev e Bulganin estiveram
em visita à China para discutir o que viria a resultar na
cessão voluntária de todos os direitos extraterritoriais dos
soviéticos em solo chinês. Com os velhos problemas da
Manchúria e de Sinkiang resolvidos, as fronteiras sino-
soviéticas foram finalmente demarcadas. Os soviéticos
incrementaram seus préstimos econômicos e militares aos
chineses. A 17 de janeiro de 1955, o governo soviético
anunciou que ajudaria a China a montar estabelecimentos
de pesquisa nuclear, para mais tarde comprometer-se a
construir um reator, que estaria em funcionamento até
março de 1958.
No campo da inteligência, os soviéticos abriram mão de
Li K’um-nun. Li manteve sua posição, e o conselheiro que
não se desse com ele estava fora. A decisão anterior, isto é,
de revelar aos chineses todos os agentes outrora lotados na
China, foi levada a efeito sem qualquer reserva. Entre os
agentes declarados estava Soong Ching-ling, a viúva do Dr.
Yat-sen. Essa senhora foi admitida no PCC e feita presidente
honorária da República Popular da China, logo depois de sua
morte em maio 1981. Soong Ching-ling recebeu um
impressionante funeral de Estado, prestigiado por toda a
liderança do partido. Outro desses agentes foi Kuo Mo-jo,
renomado poeta e cientista, presidente da Academia
Chinesa de Ciências e membro ativo do Conselho Mundial
da Paz. É provável que poucos ou nenhum dos nomes
revelados pelos soviéticos tenham surpreendido os líderes
chineses, mas sua evidente franqueza finalmente debelou
essa fonte potencial de atritos. Posteriormente, a pedido
dos chineses, a inteligência soviética enviou à China
diversos peritos em inteligência científica, penetração de
embaixadas ocidentais em Moscou, proteção física de
instalações nucleares e aerobalísticas, produção de escutas
e outros equipamentos de vigilância, operações de
sabotagem e assassinato, entre outras especialidades.
Durante as turbulências na Europa Oriental em 1956,
houve sinais de divergência entre as visões que soviéticos e
chineses tinham sobre Stalin. Ainda que concordassem que
Stalin tivesse cometido os seus erros, particularmente no
tocante à Iugoslávia, os chineses pareciam inclinados a ter
uma perspectiva mais equilibrada do seu lugar na história
do que aquela oferecida por Khrushchev no relatório
apresentado ao Vigésimo Congresso. Em fins de 1956, uma
delegação da alta cúpula chinesa fez uma visita secreta a
Moscou, por cuja ocasião criticou os líderes soviéticos pelo
tratamento dispensado aos satélites em geral, e
recomendou fortemente que providenciassem de imediato
uma intervenção militar na Hungria. Uma das
conseqüências dessa visita foi a condução, pelo governo
soviético, de uma campanha voltada à revisão do estatuto e
das funções dos conselheiros soviéticos em cada um dos
países do bloco.
Mao e Teng Hsiao-ping lideraram a delegação chinesa
que compareceu à conferência de líderes do bloco em
novembro de 1957. Ali, acordou-se, por unanimidade, que
se fizesse uma avaliação conjunta da obra de Stalin. Mao
disse que seus principais erros estiveram na repressão a
membros do partido e numa certa inclinação ao
“chauvinismo da grande nação”, que tivera expressão na
sua política para a Manchúria e no comportamento de
alguns dos conselheiros soviéticos na China. A única crítica
de Mao acerca da decisão de assumir os equívocos de Stalin
mirou o fato de os soviéticos não terem consultado os
demais partidos comunistas devidamente e de antemão.
Khrushchev acolheu esse ponto. Os lideres soviéticos
comprometeram-se a não repetir os erros de Stalin. Em
particular, concordaram que medidas repressivas não
fossem tomadas contra ex-membros da oposição. Estes
seriam tratados tal como Lenin os tratou. Isso explica por
que Malenkov, Molotov e Bulganin não acabaram fuzilados.
O estatuto e as funções dos conselheiros soviéticos,
inclusive nas áreas de inteligência e de segurança, foram
estabelecidos para a satisfação dos chineses. Seus papéis
restringiram-se à consultoria e coordenação. Foram banidas
quaisquer interferências na administração interna dos
serviços chineses. Os soviéticos realmente trataram os
serviços chineses de igual para igual, haja vista que, afinal,
tinham agido com franqueza ao entregar-lhes todos os seus
agentes de nacionalidade chinesa. Suas bases chinesas
para operações “ilegais” de inteligência em países não-
comunistas tornaram-se ponto pacífico. Além de novas
bases, os chineses forneceram aos serviços soviéticos o
suporte e as instalações necessárias em vários de seus
portos, inclusive o de Shanghai. Houve ainda outros
exemplos de cooperação prática. A pedido dos chineses, os
soviéticos ergueram uma fábrica para a produção de
escutas altamente sensíveis. Conselheiros soviéticos com
experiência em atividades de inteligência política contra os
Estados Unidos e a Grã-Bretanha, entre eles o Cel. Smirnov,
ex-residente em Nova York, e o Cel. Voronin, ex-diretor do
Departamento Britânico da contra-inteligência soviética,
foram colocados à sua disposição. Ao final de 1957, os
chineses pediram por um conselheiro em matéria de
assassinato e sabotagem política, ao que os soviéticos
responderam com o envio de seu melhor homem, Gen.
Vertiporokh. Ex-chefe do departamento soviético de
assassinato e sabotagem e ex-residente no Irã, Vertiporokh
serviu como conselheiro da KGB na China até a sua morte,
em janeiro de 1960.
Estabeleceu-se um fluxo regular de consultas pessoais
entre os líderes dos serviços soviéticos e chineses. Logo
depois de assumir a presidência da KGB, em dezembro de
1958, Shelepin fez uma visita à China, da qual voltou muito
impressionado com a habilidade dos chineses em lidar com
a oposição de jovens, intelectuais, líderes religiosos e
minorias nacionais, especialmente durante a aniquilação
das “ervas daninhas”, no verão de 1956. Shelepin
recomendou que a KGB estudasse e aprendesse com a
experiência chinesa. O Gen. Sakharovskiy, chefe da
inteligência soviética, visitou a China mais ou menos na
mesma época. Na primeira conferência da chefia dos
serviços de inteligência e de segurança do bloco, sediada
em Moscou, em meados de 1959, os chineses foram
representados pelo ministro da segurança pública, Lo Jui-
tsin. A conferência decidiu assentar a cooperação em
matéria de segurança e inteligência sobre bases
multilaterais, instituindo, para tanto, um centro de
coordenação conjunta.
Em inícios de 1960, o Gen. Pitovranov, um dos mais
experientes da KGB e ex-ministro adjunto de segurança do
estado, conhecido e respeitado pelos chineses em virtude
dos serviços prestados no combate aos nacionalistas em
Sinkiang, foi apontado conselheiro da KGB na China.
A virada dos anos de 1960 assistiu a um intercâmbio
regular de informações secretas entre soviéticos e chineses,
cujo foco estendia-se das perspectivas às projeções
ocidentais sobre as relações sino-soviéticas. A KGB repassou
aos chineses informações altamente sigilosas que
provinham de suas fontes na OTAN e na Europa Ocidental. O
serviço de inteligência polonês repassou à KGB um corpo
documental das discussões travadas pelo grupo Bilderberg,
num encontro realizado em 1958 ou 1959. Naquela ocasião,
os distintos estadistas e observadores ocidentais que
compunham o grupo especularam sobre as possibilidades
de um cisma sino-soviético, as prováveis conseqüências
desse evento e as vias por que se poderiam explorar tais
conseqüências em benefício do Ocidente. Esses documentos
constavam entre as peças levadas à China pelo Gen.
Sakharovskiy em pessoa. Outras peças, despachadas aos
chineses pela KGB, incluíam as estimativas do
Departamento de Estado americano sobre as diferenças
sino-soviéticas acerca das comunas, e à reação chinesa à
visita que Khrushchev fizera aos Estados Unidos em 1959.
Uma cópia de um relatório secreto entregue à OTAN no
mesmo ano de 1959, por seu então secretário-geral, Paul-
Henri Spaak, também foi encaminhada aos chineses pela
KGB.
Que os líderes soviéticos e chineses ignorem a situação
no mundo aqui fora e sejam incapazes de compreendê-la,
mesmo quando munidos de documentos e outras peças
oficiais obtidas do Ocidente por seus serviços de
inteligência, constitui, sem sombra de dúvida, um mito
deliberadamente propagado. Com efeito, o material
coletado pela inteligência é meticulosamente estudado,
absorvido e então utilizado no planejamento da estratégia
política comunista.
Além de estudar todo esse material, os estrategistas
comunistas devem ter se debruçado sobre livros como The
Prospects for Communist China, de Walt Whitman Rostow,
que, já em inícios de 1954, conjeturava abertamente sobre
as possibilidades de ruptura da aliança sino-soviética.100
Não foi por mera coincidência que Mikoyan, em discurso
proferido por ocasião do Vigésimo Primeiro Congresso do
PCUS, em fevereiro de 1959, declarou que as esperanças e
expectativas ocidentais por um cisma estivessem fadadas à
decepção,101 palavras que ressoaram nos documentos base
do período — no manifesto resultante do Congresso dos
Oitenta e Um Partidos, de novembro de 1960,102 e no
relatório estratégico de Khrushchev, datado em 6 de janeiro
de 1961.103 Por mais que se acumulassem as evidências de
uma disputa, a inabalável amizade sino-soviética também
figurava como tema em discursos e entrevistas de Chou En-
lai104e de Chen Yi, ministro chinês do Exterior.105
Passado mais de um ano desde a alegada retirada de
economistas e técnicos soviéticos do território chinês, em
meados de 1960, pelo menos alguns conselheiros da KGB
ali permaneciam em suas posições. Um antigo colega de
trabalho e amigo pessoal deste autor, que fora mandado à
China para prestar consultoria em matéria de proteção física
a instalações nucleares, ainda estava no país em novembro
de 1961, o mesmo mês em que Khrushchev investiu contra
os albaneses perante o Vigésimo Segundo Congresso do
PCUS. Em contrapartida, os conselheiros soviéticos em
matéria militar, de inteligência e de contra-inteligência
foram os primeiros a deixar a Iugoslávia na ocasião do
genuíno cisma entre Tito e Stalin, em 1948. A intimidade
entre soviéticos e chineses nos campos da segurança e da
inteligência não tinha, em fins de 1961, nenhuma
compatibilidade com uma possível deterioração do quadro
geral de suas relações.
As discrepâncias entre as evidências de uma ruptura e
as informações, assim públicas como internas, que apontam
para a estabilidade das boas relações sino-soviética, devem
ser tomadas à luz dos antecedentes de estreita colaboração
entre soviéticos e chineses em operações de
desinformação, haja vista que, de 1944 a 1949, puderam
muito bem ocultar as proporções do auxílio prestado pelos
soviéticos ao partido chinês nos últimos anos da guerra
civil, e ainda pintar o comunismo chinês como um
movimento relativamente inofensivo e pela reforma agrária.
Nesse contexto, o fato de as relações sino-soviéticas
terem seguido de perto o padrão das relações soviético-
iugoslavas e soviético-albanesas, no período entre 1959 e
1961 — justamente quando os motivos para possíveis
tensões e rupturas entre os membros do bloco já tinham
sido removidos, de modo que todos os países membros, a
China inclusive, contribuíram para a formulação da nova
política — sugere que a disputa sino-soviética, como todas
as outras, foi produto de desinformação. O fato de a China
ter continuado a enviar observadores aos encontros do
Comecon e do Comitê Consultivo Político do Pacto de
Varsóvia até fins de 1961 sustenta essa conclusão.

Evidências históricas das diferenças sino-


soviéticas

Desde que o “cisma” sino-soviético tornou-se senso


comum, virou moda — não sem algum incentivo de fontes
soviéticas e chinesas — buscar-lhe explicações em
rivalidades e disputas tradicionais que remontam até o
século VI. Tentar explicar a deterioração das relações
franco-americanas na década de 1960 à luz da colonização
francesa da Louisiana não seria mais inverossímil. Dada a
natureza da ideologia comunista, a ascensão dos partidos
comunistas ao poder, seja na União Soviética, na China ou
em qualquer outro lugar, implica, em todos os casos, um
drástico rompimento com as tradições políticas locais.106
Seria mais relevante buscar as origens do cisma atual
nas diferenças que se colocaram entre os partidos soviético
e chinês desde 1917. É certo que tais diferenças existiram.
Comunistas soviéticos e chineses divergiram em suas
abordagens táticas a operários e camponeses nos anos
1920, e Stalin opôs-se à liderança de Mao entre 1932 e
1935. Não obstante, essas foram diferenças passageiras
que não impediram os partidos de cooperarem bem de
perto entre 1935 e 1949. Tanto as alegadas divergências
sobre formar uma frente unida com o Kuomintang, como as
atitudes supostamente diversas para com o governo
nacionalista, eram diferenças falsas, deliberadamente
projetadas mediante desinformação conjunta para encobrir
o suporte dado pelos soviéticos ao PCC, moderar a
assistência prestada pelos americanos ao governo
nacionalista e permitir a soviéticos e chineses que o
subvertessem mais efetivamente, criando uma dualidade
em suas próprias políticas. O apoio militar soviético pode
muito bem ter pesado a balança em favor da vitória
comunista na China, a qual, tão logo consumou-se, ensejou
novas diferenças e pontos de atrito entre os partidos
soviético e chinês. A falta de tato com que Stalin lidava com
as relações intra-bloco, poderia ter ocasionado um
verdadeiro cisma sino-soviético, análogo à ruptura com Tito,
mas a verdade é que as medidas necessárias para corrigi-la
foram tomadas a tempo. Em fins de 1957, já não restavam
grandes diferenças entre os membros do bloco. É digno de
nota que, ao justificarem sua atitude na controvérsia com a
União Soviética, os chineses não partissem das dificuldades
reais que encontraram entre 1949 e 1953, mas das
supostas diferenças tidas com Khrushchev a partir de 1957,
diferenças, aliás, mais que resolvidas àquela altura. A parte
de Khrushchev na retificação dos enganos cometidos no
quadro das relações sino-soviéticas foi reconhecida pelo
próprio Mao em 1957.107

A forma das diferenças sino-soviéticas

Grosso modo, podem-se distinguir três períodos no


desenvolvimento do cisma: o primeiro estende-se de 1957 a
meados de 1963; o segundo, de 1963 a 1969, e o terceiro,
de 1969 em diante. Ao longo de quase todo o primeiro
período, fontes oficiais voltadas ao público comunista não
reconheceram a existência de dissensões sino-soviéticas.
Por outro lado, os registros da participação chinesa nas
conferências mundiais dos partidos comunistas (1957 e
1960), no Vigésimo Primeiro Congresso do PCUS (1959), e
também da presença de observadores chineses nos
encontros do Pacto de Varsóvia e do Comecon, indiciavam a
constante e até crescente colaboração entre as altas
esferas dos partidos e governos da União Soviética e da
China. Pode-se concluir o mesmo do intercâmbio de
delegações. Apenas em 1959, nada menos que cento e
vinte delas, vindas da União Soviética e da Europa Oriental,
passaram pela China; e mais de cem delegações chinesas
retribuíram tais visitas. As evidências de desacordos
emanavam de fontes comunistas extra-oficiais: pontos de
vista diferentes sobre assuntos variados nas imprensas
soviética e chinesa, comentários de líderes comunistas a
jornalistas e estadistas ocidentais, e retrospectivas de
polêmicas travadas a portas fechadas, por exemplo, no
congresso do partido romeno, em junho de 1960, e no
Congresso dos Oitenta e Um Partidos, em novembro de
1960. Retrospectivas em sua maioria, tais evidências
apontavam para uma deterioração da cooperação partidária
e diplomática em 1959, para o término da colaboração
militar e nuclear nesse mesmo ano, e a cessação, em 1960,
do auxílio econômico prestado à China pelos soviéticos.
Indícios de dissensões sino-soviéticas começaram a
aparecer nas fontes comunistas oficiais em fins de 1961. Os
chineses deram apoio simbólico a Stalin e à posição
albanesa quando do ataque de Khrushchev no Vigésimo
Segundo Congresso do PCUS. Os atritos e a competição
entre as delegações chinesas e soviéticas, em reuniões de
organizações de fachada, começaram a dar na vista, e o
fluxo de informações sobre essas diferenças minguou nas
fontes oficiais.
Durante o segundo período do cisma, a existência de
diferenças foi plenamente reconhecida. Fez-se uma
ostensiva tentativa de acomodá-las em julho de 1963,
quando uma delegação da alta cúpula do partido chinês
esteve em Moscou para tratativas. O diálogo foi, ao que
parece, improdutivo, e as polêmicas começaram. Cartas
secretas dos partidos foram parar nas imprensas soviética e
chinesa, que assim estamparam as diferenças existentes
entre eles. Diplomatas chineses foram expulsos da União
Soviética por panfletagem, e a China retirou-se das
organizações de fachada. Alguns partidos comunistas no
mundo não-comunista posicionaram-se abertamente a favor
de um lado e do outro. Em alguns casos, dissidências pró-
China separaram-se de partidos pró-Moscou.
No terceiro período, iniciado mais ou menos em 1969, a
aparente deterioração das relações sino-soviéticas
expressou-se tanto em ações como em palavras. A
concentração de tropas nas zonas limítrofes aumentou.
Houve incidentes de fronteira sobre um pano de fundo de
mútuas acusações de “hegemonismo”. Pública e
sistematicamente, a China passou a tomar posições
contrárias às da União Soviética no tocante à OTAN, ao
Pacto de Varsóvia, à Comunidade Européia, à détente, ao
desarmamento, à segurança da Europa e a diversas
questões relativas ao Terceiro Mundo, inclusive a
intervenção soviética no Afeganistão. Com a vitória
comunista, os vietnamitas alinharam-se mais de perto à
União Soviética. Soviéticos e chineses apoiaram lados
opostos no conflito entre facções rivais no Camboja. Em
1979, os chineses “puniram” os vietnamitas com uma breve
invasão de seu território, mas a despeito de toda a aparente
violência da hostilidade à União Soviética, e a seu íntimo
aliado, até 1980 o cisma não tinha levado ao rompimento
das relações diplomáticas, como no caso da disputa
soviético-albanesa em 1961, tampouco revogado o Tratado
de Amizade. Até 1980, cada lado manteve-se comprometido
a socorrer o outro em caso de emergência.
Com essa breve exposição esquemática, há que se
perceber que, ao longo de boa parte do primeiro período, as
evidências oriundas de fontes extra-oficiais conflitaram
absolutamente com aquelas oriundas de fontes oficiais,
corroboradas pelas informações internas em posse do autor.
Houve maior coincidência entre as fontes no segundo
período, embora restasse o conflito entre as fontes oficiais
do primeiro período e as evidências vazadas
retrospectivamente no segundo. Levando em conta o
lançamento de um programa de desinformação em fins da
década de 1960 e os precedentes históricos que o
alicerçaram, a nova metodologia dá maior crédito às
evidências oriundas de fontes oficiais comunistas e
questiona a autenticidade das cartas secretas e das
polêmicas levadas a público no segundo período do cisma.
É possível elencar diversas contradições. Primeira: as
evidências oficiais que desvelavam relações sino-soviéticas
estamparam-se nas imprensas de ambos os países. O
manifesto do Congresso dos Oitenta e Um Partidos
sublinhou especificamente que um Ocidente esperançoso
de assistir a um cisma no bloco estaria fadado a
decepcionar-se. Ao assiná-lo, os chineses endossaram a
inclusão da coexistência pacífica entre as opções táticas da
nova política de longo alcance. O presidente chinês, Liu
Shao-chi, que liderara a delegação chinesa no congresso,
logo em seguida viajou pela União Soviética em companhia
do presidente local, algo um tanto inusitado para dois
líderes que andavam em desavença. No relatório de 6 de
janeiro de 1961, amplamente divulgado na União Soviética,
Khrushchev enfatizava a estreiteza das relações sino-
soviéticas.
Segunda: embora devam ser consideradas fontes
oficiais, as imprensas soviética e chinesa devem também
ser tomadas à luz de sua subordinação a fontes oficiais, tais
como o manifesto do Congresso dos Oitenta e Um Partidos,
ou as decisões e declarações dos congressos dos partidos
soviético e chinês. Não se pode admitir que tais decisões e
declarações estejam em contradição com o que se veicula
na imprensa deste ou daquele partido, especialmente em
face de todas as evidências que apontam para a decisão de
sustentar a política de longo alcance através de um
programa de desinformação.
Terceira: nem o público russo nem o público chinês
foram informados da existência de uma disputa até fins de
1961, e mesmo então, até meados de 1963, apenas indireta
e sugestivamente. Nem o público russo nem o público
chinês estão em posição de analisar a imprensa de outros
países e perceber as divergências entre elas no que diz
respeito à política externa ou a questões doutrinais. É de
duvidar que uma redução na cobertura dos assuntos de um
país a outro, ainda que notada, tivesse lá grande
significância. Além do mais, e este autor pode muito bem
testemunhá-lo, o partido soviético não foi colocado a par
dessa disputa até fins de 1961. Por outro lado, como já se
disse, recebeu diretivas confidenciais desde o princípio no
caso do cisma Tito-Stalin, em 1948.
Quarta: por impossível que seja estimar quanto material
controverso foi disponibilizado, e quão ampla foi sua
distribuição na União Soviética e na China, pode-se ao
menos dizer que certa parte do material disponível e
dirigido ao Ocidente não teria chegado ao público russo ou
chinês. Por exemplo, muito do que a Novosti produziu
acerca das relações sino-soviéticas foi distribuído em língua
inglesa, via suplementos de revistas, que poderiam ou não
ter sido distribuídas na União Soviética. Segundo a imprensa
soviética, os chineses distribuíram material controverso,
escrito em inglês, aos comunistas locais, o que não faria o
menor sentido no caso de mirarem um público soviético, e
não ocidental.108 Somado às evidências esotéricas, isso
sustenta a conclusão de que as evidências da disputa foram
deliberadamente disponibilizadas ao Ocidente, quer
diretamente, através de estadistas e comentaristas, quer
indiretamente, de modo que os analistas ocidentais
provavelmente as captassem. Eis que surge a questão: por
que raios os líderes soviéticos e chineses chamariam a
atenção do Ocidente para a existência de uma disputa, que
eles mesmos tinham dificuldade para ocultar de seus
próprios partidos e nações, senão porque assim poderiam
servir a seus interesses comuns na promoção da recém-
acordada política de longo alcance?
Quinta: as polêmicas entre soviéticos e chineses não
tinham fluxo contínuo, mas intermitente, podendo muito
bem ter sido coordenadas, e não espontâneas. Na imprensa
soviética, começaram em julho de 1963, prosseguiram até
inícios de outubro do mesmo ano, e então foram deixadas
de lado até abril de 1964, quando reavivaram-se com
publicações sobre o encontro do Comitê Central do PCUS
em fevereiro daquele ano, supostamente porque os
chineses, a despeito dos apelos de Khrushchev e da
liderança soviética, persistiram em publicar e distribuir
material controverso.109
A nova metodologia sugere ainda que se devem
examinar as hostilidades sino-soviéticas do terceiro período,
por convincentes que pareçam, para ver se poderiam ter
sido encenadas e, caso o pudessem, quais objetivos
estratégicos teriam por detrás. Nesta etapa, cabe ressaltar
quatro pontos gerais. Primeiro: embora constituam
evidências espetaculares e convincentes de hostilidade,
incidentes de fronteira em cantos remotos do globo, como
no rio Ussuri, por exemplo, podem ser facilmente encenados
— particularmente, como será visto a seguir, se os meios de
coordenação de ambas as partes envolvidas no “entrevero”
estiverem prontos e à disposição. Segundo: tal como as
polêmicas verbalizadas, as hostilidades foram tão
intermitentes quanto despropositadas. Terceiro: a despeito
de toda a aparente violência da hostilidade chinesa contra
os soviéticos, e seus aliados vietnamitas, até 1980 o cisma
ainda não tinha provocado o rompimento das relações
diplomáticas entre União Soviética e China, como no caso
da disputa soviético-albanesa, nem revogado o seu Tratado
de Amizade. Em 1981, ambos os lados mantinham-se
comprometidos a ajudarem-se em caso de emergência.
Quarto: as hostilidades podem estar em correlação temporal
com importantes iniciativas comunistas, como a abertura
das negociações entre Ocidente e Oriente — a SALT, por
exemplo — ou com as visitas de estadistas ocidentais à
União Soviética e à China. Portanto, tal como as polêmicas
verbalizadas, hostilidades menores não podem ser tomadas
como evidências de uma disputa genuína, de modo que, à
luz da nova metodologia, devem ser examinadas em função
de sua possível relevância no quadro estratégico da
promoção de uma política comum de longo alcance. A
adoção, por soviéticos e chineses, de posições antagônicas
sobre questões internacionais deve ser vista sob a mesma
lente. Há que se perguntar se o objetivo último do
comunismo, a vitória global, não se poderia cumprir mais
diligentemente pelas duas grandes potências comunistas,
mediante a adoção de políticas exteriores duplas e em
aparente oposição, do que pela busca, em franca
solidariedade, de uma única e mesma política.

O conteúdo das diferenças sino-soviéticas

As diferenças entre soviéticos e chineses já se tinham


presumidamente manifestado desde 1958 nos campos
ideológico, econômico, político, militar e diplomático. A
muitos observadores tais diferenças pareciam emanar de
um embate entre os interesses nacionais das duas grandes
potências comunistas. Deve-se examinar os vários tipos de
diferenças para que se revele a substância de cada uma —
isso, se tiverem alguma substância para revelar.

Diferenças ideológicas

Historicamente, como já observado, um dos primeiros


indícios da disputa sino-soviética foi a aparente dissensão
quanto à intodução de comunas na China, mencionada por
Khrushchev em conversa com o senador Humphrey, em
dezembro de 1958. Segundo algumas interpretações
ocidentais da teoria comunista, as comunas constituem o
mais elevado nível de organização da agricultura socialista,
de modo que à sua introdução deveriam preceder o
processo de industrialização e a introdução de uma forma
inferior de organização da agricultura, como as fazendas
coletivas. A tentativa de introduzir comunas na Rússia
soviética entre 1918 e 1920 fracassou porque o momento
não seria o mais oportuno. Ao introduzir as comunas antes
da coletivização, os chineses, ainda segundo essa linha
raciocínio, pecaram duplamente contra a ortodoxia, não
acatando a teoria comunista, e implicitamente rejeitando a
aplicação do modelo soviético a seu próprio
desenvolvimento. Assim, argumentava-se, incorreram os
chineses no desagrado soviético. Houve também
comparações entre o “esquerdismo” dos chineses, que
instalaram as comunas, e o “direitismo” dos soviéticos que,
em 1958, permitiram às fazendas coletivas que adquirissem
maquinário do governo.
Esse raciocínio já estava ultrapassado. Em 1957, a
conferência dos partidos comunistas do bloco convergiu
sobre leis básicas do desenvolvimento comunista, em
acordos que, endossados pelo Congresso dos Oitenta e Um
Partidos em 1960, legitimavam o curso de ação dos
chineses. No tocante à agricultura, tais leis impunham a
coletivização, sem, no entanto, especificar o tipo exato de
organização. Este seria determinado pelas especificidades
das condições de cada país. A situação da China colocava
ao PCC os seguintes problemas: como romper os fortes
laços familiares da vasta massa camponesa? Como superar
a carência de maquinário agrícola e tirar proveito do
trabalho manual em larga escala? Como apropriar-se das
terras que pertenciam, não ao estado (como na União
Soviética), mas ao povo, isto é, os camponeses? As
comunas proporcionavam a melhor solução para os três.
Ademais, os líderes chineses, em acordo com seus colegas
soviéticos, teriam levado em consideração os altos custos
humanos e materiais do método stalinista de coletivização,
a infâmia que atraíra sobre o regime, e a impossibilidade de
replicar tal experiência com o número ainda maior de
camponeses na China. A opção pelas comunas não foi mais
heterodoxa do que a manutenção da agricultura privada na
Iugoslávia, na Polônia e na Hungria, admitida pelos líderes
do bloco como um fenômeno temporário, aceitável até que
as condições específicas desses países permitissem
alterações.
O Ocidente prestou pouca atenção ao discurso em que o
então embaixador soviético na China, Yudin, comunicou ao
Vigésimo Primeiro Congresso do PCUS, em fevereiro de
1959, no qual dizia que “o campesinato chinês, aliado à
classe operária sob o comando do partido comunista, tem
avançado resolutamente em direção ao socialismo e, com
efeito, já obteve grandes êxitos. O Partido Comunista da
China, esse glorioso destacamento do movimento
comunista internacional, vem guiando o povo chinês pelo
caminho socialista a despeito das tremendas dificuldades e
das constantes ameaças e intrusões do imperialismo
americano”.
Os chineses não tinham base alguma para alegar, como
alegaram, que houvesse uma restauração do capitalismo
em curso na União Soviética. A reforma empreendida pelos
soviéticos tinha por finalidade aumentar a eficiência da
economia e sofisticar o controle que o partido exercia sobre
ela. A impressão de um retorno ao capitalismo foi
deliberadamente promovida através de desinformação, em
função de propósitos táticos e estratégicos, e os chineses
deveriam estar cientes disso. De modo análogo, o PCUS
deixou de falar em “ditadura do proletariado”, não por ter
seu monopólio diluído, mas para ampliar a sua base política
e dar a entender que o regime tivesse “evoluído”. A idéia
que o regime soviético fosse menos ideológico do que o
chinês não tem fundamento. É interessante notar como os
próprios chineses, seguindo o exemplo soviético, instituíram
incentivos econômicos e outros elementos do capitalismo.

Diferenças econômicas

O agudo desnível entre os índices de desenvolvimento


econômico na China e na União Soviética — em termos mais
amplos, entre as zonas asiática e européia — apresentava
um dilema aos estrategistas comunistas. Em 1960,
sobrecarregados com o atraso da indústria, a falta de
capital, a explosão populacional e o baixo nível de comércio
com os países do mundo não-comunista, os chineses não
nutriam esperanças de efetivar medidas ambiciosas de
industrialização ou grandes programas militares sem o
auxílio da zona européia, cujo impacto sobre o
desenvolvimento industrial da China seria necessariamente
proporcional às restrições que a União Soviética concedesse
aplicar a programas próprios de desenvolvimento, de modo
que se veria obrigada a abandonar a meta de superar o
nível de produção dos Estados Unidos.
A disparidade econômica entre a União Soviética e a
China era uma potencial fonte de tensão dentro do bloco
comunista. Vale observar, no entanto, que o problema
apresentou-se à época da vitória comunista na China, nada
tendo a ver com a deflagração do cisma sino-soviético dez
anos mais tarde.
Em 1958, ano que assistiu a progressos na formulação
da política de longo prazo do bloco, T. A. Stepanyan,
proeminente teórico soviético, entendeu que os estados
socialistas da Europa e da Ásia constituíam “zonas
econômicas separadas”, e que os primeiros, mais
desenvolvidos, seriam também os primeiros a “alcançar o
comunismo”.110 Entretanto, num discurso que se poderia
considerar autoritário, Khrushchev anunciou ao Vigésimo
Primeiro Congresso do PCUS que todos os países comunistas
alcançariam o comunismo “mais ou menos
simultaneamente a partir do desenvolvimento proporcional
e planejado” da economia do bloco. Passado um mês, fez
novas referências à futura integração econômica de um
bloco comunista unificado, sem fronteiras internas.111 Os
pontos de Khrushchev foram enfatizados por Yudin,
embaixador soviético na China, que se referiu ao campo
socialista como “um único sistema econômico”. Yudin
declarou ainda que os planos econômicos dos países
socialistas seriam cada vez mais coordenados, e que “os
países mais avançados ajudarão os menos desenvolvidos, a
fim de marcharem numa frente única e cada vez mais
célere em direção ao comunismo”.112 Khrushchev referiu-se
à “unidade do campo socialista” como uma das vantagens
da União Soviética na luta para ultrapassar os Estados
Unidos em termos de poder econômico. Chou En-lai, líder da
delegação chinesa, e Mikoyan, vice-primeiro ministro
soviético, pronunciaram-se acerca da inabalável amizade
entre os seus países.
O período ao redor do Vigésimo Primeiro Congresso do
PCUS foi marcado por uma viragem nas discussões do
Comecon a respeito do planejamento econômico de longo
prazo. Dessas discussões, travadas na presença de
observadores chineses, parece ter resultado a decisão de
incrementar a assistência industrial prestada à China pelos
soviéticos. Em decorrência da visita de Khrushchev a
Pequim em agosto de 1958, a União Soviética concordou em
executar quarenta e sete novos projetos industriais no país.
A visita de Chou En-lai a Moscou, por ocasião do Vigésimo
Primeiro Congresso do PCUS, renderia aos chineses outras
setenta e oito plantas industriais. Os soviéticos
concordaram em implementá-las entre 1959 e 1967, numa
empreitada que totalizaria US$ 1,25 bilhão em
investimentos.113

Em julho de 1960, o quadro das relações sino-soviéticas,


até então íntimas, mudou abruptamente. A perspectiva
convencional entende que a União Soviética encerrou a
prestação de assistência econômica, repatriou seus
conselheiros técnicos e econômicos, e tomou medidas para
restringir de forma drástica o comércio com a China.
Corroboraram essa visão os diversos relatórios sobre a
partida dos técnicos soviéticos (ratificados durantes as
polêmicas de 1963 e 1964), a grande diferença entre o
tratamento midiático da prestação de assistência à China
nas imprensas soviética e chinesa, e os números do
comércio sino-soviético. Houve também relatórios sobre o
dano causado à China pela cessação do auxílio econômico
soviético, que se seguiu à introdução das comunas e ao
tropeço do “Grande Salto para Frente”. Cartas remetidas ao
mundo fora do bloco desde as comunas, bem como a
aquisição, pelos chineses, de grãos australianos e
canadenses, reforçaram o ponto.
À suposta retirada dos especialistas soviéticos em julho
de 1960, não se somou nem se seguiu — ao menos até o
final de 1961 — a retirada dos conselheiros de inteligência e
de segurança.
Partindo-se das evidências disponíveis, a interpretação
mais razoável do que se passou em meados de 1961 aponta
para uma troca de chave no pensamento econômico chinês,
em favor de um desenvolvimento calcado na auto-
suficiência e centrado em projetos de pequena escala. Com
a conclusão de alguns projetos e o cancelamento de outros,
parte dos técnicos e especialistas soviéticos foi retirada da
China em julho de 1961. Se alguns foram substituídos por
pares tchecoslovacos ou de outros países da Europa
Oriental, tê-lo-iam sido para reforçar a impressão de um
verdadeiro cisma. O auxílio por parte da União Soviética e
da Europa Oriental manteve-se após 1960, porém em
termos mais estreitos, e concentrado nos campos técnico e
científico. Poder-se-ia supor que essas mudanças foram
acordadas entre soviéticos e chineses, e que a extensão e
as conseqüências do enxugamento do auxílio econômico
tenham sido distorcidas por ambos os lados, de acordo com
programa comum de desinformação. À parte o ponto
estratégico mais amplo, isto é, conferir autenticidade à
suposta ruptura, a publicidade em torno da retirada dos
técnicos soviéticos, segundo os precedentes históricos,
pode ter partido da intenção de ocultar a contínua
colaboração sino-soviética em áreas sensíveis e
fundamentais — neste caso, o desenvolvimento de mísseis
balísticos e de armas nucleares na China.
Diferenças militares

A decisão soviética de restringir a prestação de


assistência em matéria de armamento nuclear é muitas
vezes considerada o epicentro do cisma sino-soviético.
Segundo uma carta secreta do partido chinês, tornada
pública pelos chineses a 15 agosto de 1963, o acordo
firmado a 15 de outubro de 1957, que previa a partilha de
informações militares e o provimento, aos chineses, do
auxílio necessário para o desenvolvimento do seu próprio
potencial nuclear, foi rompido pela parte soviética a 20 de
junho de 1959.114
A carta é equiparável a uma confissão da cumplicidade
que permeou a colaboração no campo bélico nuclear até
junho de 1959. Negá-la não seria convincente o bastante,
haja vista toda a publicidade em torno da colaboração
nuclear sino-soviética de modo geral,115 mas afirmar que
esse acordo secreto foi repudiado pelos soviéticos em 1959
implica diversas irregularidades. A mais importante é que,
apesar da tal decisão e da ira que ela possa ter suscitado
entre os chineses, estes continuaram a ser representados
nas reuniões do Pacto de Varsóvia em 1960. É difícil
acreditar que uma resolução de tamanhas implicações não
se refletisse imediatamente em todos os níveis das relações
militares sino-soviéticas. Com efeito, além de os chineses
terem continuado a enviar observadores às reuniões do
Pacto de Varsóvia, por mais de um ano após o alegado
repúdio, vários anos de escancarada colaboração sino-
soviética seguiram-se à prestação de assistência militar ao
Vietnam do Norte. Menções a cadetes que regressaram da
União Soviética entre 1964 e 1965 indicam que as forças
armadas chinesas continuaram a receber ao menos algum
treinamento depois de o cisma ter se deflagrado.
Também é mais que surpreendente que, diante do
suposto cancelamento do auxílio nuclear, os soviéticos
continuassem a fornecer, e os chineses continuassem a
aceitar, aconselhamento em matéria de proteção física de
instalações nucleares. Como já mencionado, um oficial da
KGB conhecido por este autor ainda estava na China em
novembro de 1961. Ele fora enviado como membro de um
grupo de conselheiros soviéticos especializados em
segurança nuclear, o qual, por sua vez, fora requisitado
pelos chineses.
A cooperação sino-soviética no uso nuclear pacífico
estendeu-se para além de junho de 1959. Encontra-se, na
imprensa chinesa, referências a Wang Kan-chang,
proeminente cientista chinês, do Instituto Central de
Investigações Nucleares, sediado em Dubna, próximo a
Moscou.116
Muitos observadores acreditaram na existência de
divergências estratégicas na liderança militar chinesa, as
quais estariam associadas ao cisma com a União Soviética e
à exoneração do ministro chinês da defesa, Peng Te-huai,
por suposta conspiração junto aos soviéticos contra Mao.
Parte dessa conspiração teria se dado durante a visita de
Khrushchev e Peng à Albânia, em maio de 1959, visita que
se torna muito mais explicável nos termos da preparação ao
falso cisma soviético-albanês, e da necessidade de
coordenar a substituição do arrimo albanês, ou seja, a troca
do suporte militar, político e econômico soviético pelo
chinês. A sugestão de que Peng e outros líderes chineses
tenham caído em desgraça por fazerem as vezes de
agentes soviéticos não bate com o fato de os próprios
soviéticos terem declarado aos chineses todos os seus
ativos de inteligência no país, nem com a íntima relação
mantida pelos serviços de inteligência de ambos os países
até pelo menos o final de 1961. Em todo caso, como
observa Edgar Snow, Peng não só não liderou conspiração
alguma, como também não foi detido em 1959.117 Ele ainda
era membro do Politburo chinês em 1962.
Curiosamente, parece mesmo ter havido na China, entre
os anos de 1955 e 1958, uma verdadeira discussão entre
duas escolas de pensamento militar.118 O fim dos debates
deu-se num tempo em que vários outros problemas foram
resolvidos na União Soviética e por todo o bloco, como a
eliminação da oposição anti-Khrushchev em julho de 1957,
a destituição do Mar. Zhukov em outubro do mesmo ano, e a
primeira conferência dos partidos do bloco, que, em
novembro, assistiu à normalização das relações entre os
seus membros e à tomada da decisão de formular uma nova
política comum de longo alcance. Em discurso à
conferência, Mao argumentou em favor da utilização de
todo o potencial do bloco, especialmente o bélico nuclear,
numa investida para desequilibrar a balança do poder em
favor do mundo comunista. Segundo os próprios chineses, o
acordo firmado com soviéticos pela colaboração em matéria
de armas nucleares datava do final de 1957. É, portanto,
tentador sugerir que a discussão travada entre as forças
armadas chinesas tenham sido artificialmente reavivadas
para, junto às denúncias de uma conspiração Khrushchev-
Peng, dar sustentação ao quadro que a desinformação sino-
soviético-albanesa visava pintar das relações mútuas entre
os três países. Além do mais, em virtude da extensão dos
serviços que prestara à estratégia sino-soviética, Peng teria
sido um candidato óbvio a continuar trabalhando em algum
centro secreto de coordenação estratégica. Sua “desgraça”
pode ter sido planejada para encobrir uma atribuição desse
tipo.
Em paralelo às supostas diferenças no exército chinês,
houve também supostas diferenças no exército soviético, as
quais ocasionaram, entre outras mudanças, a destituição do
Mar. Sokolovskiy da chefia do Estado-Maior, em abril de
1960 e, no mesmo ano, o afastamento do Mar. Konev do
comando das forças do Pacto de Varsóvia. Sokolovskiy foi
substituído por Zakharov. Konev, por Grechko.
Se realmente houvesse dissensões genuínas entre os
membros do estado-maior soviético, este autor decerto
teria captado alguns de seus reflexos no convívio com
Bykov e Yermolayev, dois antigos oficiais do GRU com quem
servira no Departamento de Informação da KGB, seção
OTAN. Ambos mantinham contato direto com o estado-
maior. É curioso que Sokolovskiy, supostamente em
desgraça, tenha sido escalado pelo ministro da defesa para
editar um livro-texto sobre a estratégia militar soviética dois
anos mais tarde.119

Interesses nacionais

Vários fatores têm sido elencados como causas


auxiliares do cisma. A lista compreende as diferenças raciais
e culturais entre os povos russos e chineses, a explosão
populacional na China, o declínio da influência da ideologia
comunista, a reafirmação de interesses puramente
nacionais e o hegemonismo, isto é, o anseio dos partidos
soviético e chinês por dominarem os demais.
Ninguém poderia negar a existência de diferenças
raciais — os chineses, em particular, utilizaram-se da
questão racial para fins políticos120 — mas isso não impediu
que soviéticos e chineses travassem a aliança mais íntima
possível entre 1957 e 1959, e tampouco foi fator
determinante dos atritos ocorridos entre 1949 e 1955. Se
hoje se pensa que essas diferenças tiveram importância na
materialização do cisma, é em grande parte porque a isso
levam as evidências produzidas por soviéticos e chineses no
curso de suas controvérsias em meados da década de 60.
Pela mesma razão, houve diversas tentativas de
reinterpretar a campanha de colonização das terras virgens
(1954-1956), como se estivesse inspirada pela preocupação
soviética com a explosão populacional na China, destinada,
portando, à prevenção de uma possível intrusão chinesa à
Sibéria. Como bem observado pelo professor W. A. Douglas
Jackson, os motivos por trás da campanha eram
domésticos.121
Diferenças culturais existiam, não há dúvidas, mas é
curioso que as relações culturais entre a China e os países
da zona européia tenham sobrevivido à ruptura. A
Associação da Amizade Chinesa ainda existe na União
Soviética e a Associação da Amizade Sino-soviética ainda
existe na China.122 Os dois países trocaram visitas culturais
até pelo menos novembro de 1966.123
O Ocidente enxerga na rivalidade nacional a força por
trás da aparente disputa entre soviéticos e chineses pelo
exercício de influência nos países em desenvolvimento da
Ásia, da África e da América Latina. A afirmação dos
interesses nacionais na China faz-se perceber nas suas
reivindicações de territórios taiwaneses, indianos e
mongóis, e na cobrança pela revisão de “acordos desiguais”
que, no século XIX, renderam à Rússia alguns territórios
chineses. A assertividade nacional dos soviéticos teve
expressão nas tentativas de incitar levantes em Sinkiang, e
entre grupos tribais instalados sobre a fronteira com a
China. Nesse sentido, também entram em conta as queixas
sobre violações de território perpetradas pelos chineses,
que, segundo fontes oficiais, chegaram a cinco mil só em
1962. O conflito de interesses nacionais entre soviéticos e
chineses foi visto por surtos esporádicos de hostilidade nas
fronteiras, especialmente às margens do Rio Usurri, que se
intensificaram entre 1969 e 1970. A entrechoques desse
tipo, por vezes seguiram-se manifestações estudantis em
frente às embaixadas de ambos os países, e escandalosos
sinais de protesto por parte de representantes soviéticos e
chineses em reuniões internacionais.
A solução dada aos problemas tradicionais na Manchúria
e em Sinkiang após a morte de Stalin, bem como a
normalização das relações entre os membros do bloco,
inclusive União Soviética e China, já foi descrita aqui. Mao
reconheceu a contribuição de Khrushchev em 1957,124 de
modo que meter-se em Sinkiang não faria o menor sentido
aos soviéticos. Seguros de que os soviéticos não o fariam,
os chineses demonstraram sua confiança permitindo que
um conhecido ex-agente soviético, Saifundin, continuasse a
ocupar altos postos em Sinkiang por toda década de 1960.
Longe de tentarem “libertar” territórios sob o domínio de
uma ou de outra, as duas potências cooperaram numa
guerra de libertação nacional no Terceiro Mundo, mais
precisamente no Vietnã.
Antes do advento do cisma sino-soviético, as áreas
limítrofes tinham se convertido, nas palavras do Prof.
Jackson, de uma zona de tensão numa zona de cooperação
e estabilização.125 O cisma, por conseguinte, não foi a
culminação de uma série constante de problemas nas
fronteiras, e tampouco os incidentes de fronteira podem ser
tomados como uma causa da disputa. A esse respeito, há
que se chamar atenção para os artigos que Khvostov,
acadêmico cuja conexão com a KGB era de conhecimento
deste autor, publicou entre 1964 e 1965. Do mesmo modo,
qualquer palavra de Tikhvinskiy, ex-residente da inteligência
soviética em Pequim e na Grã-Bretanha, deve ser
considerada à luz da linha comunista de desinformação.
Convencendo-se de que o nacionalismo é a força
propulsora da política soviética ou chinesa, o Ocidente
acaba por desconsiderar não só a natureza da teoria e da
política comunista, mas também a incontornável distinção
entre o que move um regime comunista e o que sente ou
pensa o povo sob o seu jugo.
O nacionalismo é um problema secundário na teoria
comunista. A força política fundamental é a luta de classes,
de caráter internacional. Uma vez conquistada a “vitória dos
proletários do mundo”, diferenças e sentimentos nacionais
irão desaparecer. Por ora, o “inimigo da classe” não é o
nacionalismo, e sim, o capitalismo com seu adjunto, o
imperialismo. Em grande parte porque invoca uma forma de
lealdade que, em vez de nacional, é internacional, o
comunismo tem conseguido manter o seu apelo e o domínio
sobre os seus acólitos. O ponto principal é, no entanto, que
a desinformação em torno do cisma sino-soviético abre uma
nova e melhor via de combate ao cobrir os partidos
comunistas com um vistoso manto nacionalista.

Diferenças táticas e estratégicas: política e


diplomacia

Soviéticos e chineses têm assumido posições


nitidamente diferentes em relação à détente, à coexistência
pacífica e à inevitabilidade da guerra, entre outros assuntos,
desde 1960. Ao longo de toda a década de 1960, a
imprensa soviética defendeu a coexistência pacífica, ao
passo que a imprensa chinesa a atacava. Em nome da
coexistência pacífica, os líderes soviéticos travaram contato
pessoal com estadistas ocidentais, procuraram expandir as
relações comerciais entre Oriente e Ocidente, e adotaram
uma abordagem profissional, em geral moderada, nas
tratativas com o mundo não-comunista. Os chineses
denunciaram essa abordagem acusando os soviéticos de
traição ao leninismo e capitulação às forças do capitalismo
imperialista. Abstendo-se de contatos mais próximos com o
Ocidente, advogavam combatê-lo por meio de políticas
revolucionárias implacáveis. A visita de Khrushchev aos
Estados Unidos em 1959, a détente com a Europa Ocidental
e o Tratado de Interdição Parcial dos Testes Nucleares,
assinado de 1963, tudo isso rendeu aos soviéticos boas
doses da virulência chinesa. Chineses e soviéticos tomaram
posições diametralmente opostas em relação ao conflito
sino-indiano em 1959, à crise cubana de 1962, entre outros
assuntos. Quanto aos países em desenvolvimento, os
soviéticos ressaltavam a importância do auxílio econômico e
diplomático, ao que passo que os chineses advogavam
guerras de libertação nacional.
Houve algo de concreto em todo esse palavrório? A tese
de que a guerra não é algo inevitável foi formulada por
Khrushchev na ocasião do Vigésimo Congresso do PCUS, em
fevereiro de 1956. Naquela época, por repetidas vezes, os
chineses expressaram a sua concordância com essa tese.126
Visões divergentes só começaram a aparecer nas imprensas
soviética e chinesa em 1960, sendo que a controvérsia
pública eclodiu em inícios de 1963. Em linhas gerais, os
soviéticos sustentavam que, embora as causas do embate
entre os dois sistemas sociais não tivessem desaparecido, a
força do bloco comunista era tamanha, que a guerra
nuclear, equivalente à destruição de ambos os lados, já não
era mais inevitável; os comunistas deveriam buscar a
vitória na coexistência e na competição pacífica. Os
chineses objetavam que a meta comunista era a revolução
total; que os comunistas não deveriam temer uma guerra
mundial, pois, ainda que às custas de milhões de vidas
humanas, ela significaria a vitória do comunismo.
O irrealismo da disputa salta aos olhos com o devido
exame dos antecedentes históricos de ambos os lados. Os
soviéticos não foram nada moderados em sua abordagem
do problema em Berlim a partir de 1958, como também não
o foram ao interromper o Encontro de Paris em 1960, ao
fornecer armamento à Indonésia e prosseguir com seus
próprios testes nucleares em 1961, provocando a crise de
Cuba em 1962 e implementando a sua política para o
Oriente Médio em 1967. Na prática, os chineses não foram
tão agressivos. Eles sequer mantinham-se coerentemente a
postos, por vezes alegando não desejarem uma guerra
mundial, dizendo que apenas lutariam quando e se
atacados.127 Com efeito, nos anos 1960, os chineses não
estavam em posição de empreender uma guerra ofensiva
sem o respaldo dos soviéticos.
Quanto a apoiar guerras de libertação nos países em
desenvolvimento, houve, na prática, pouca diferença entre
os dois lados. Por mais que os chineses tenham acusado os
soviéticos de negligência, as manifestações verbais de
Khrushchev materializaram-se pela fundação da
Universidade Patrick Lumumba e no suporte às guerrilhas
no Vietnã, no Oriente Médio e na África.128
Na verdade, as políticas da União Soviética e da China,
bem como as relações entre elas, encerravam dualidade.
Ambos os países, em campos ou em momentos diferentes,
combinaram provocação e negociação, agressividade e
moderação. Na década de 1960, a militância chinesa fez um
bom pano de fundo à détente soviética — o combate ao
“perigo amarelo” que vinha do Oriente apresentou-se como
um interesse comum entre a União Soviética e o Ocidente.
Esses papéis foram mais ou menos invertidos na década
seguinte. Com sua postura agressiva na África, sua posição
ameaçadora na Europa, seu neo-stalinismo doméstico e sua
intervenção no Afeganistão, a União Soviética ajudou a criar
um clima favorável para que os chineses ampliassem suas
relações com países desenvolvidos e em desenvolvimento,
passando por aliados em potencial na luta contra o
expansionismo soviético.

Diferenças táticas e estratégicas: países


comunistas de fora do bloco
As diferenças sino-soviéticas repercutiram em aspectos
táticos do movimento comunista internacional. A despeito
das mútuas acusações de hegemonismo e, por assim dizer,
de uma certa polarização de forças,129 a rivalidade entre
soviéticos e chineses, na prática, não foi tão longe quanto
poderia. Não houve por parte dos chineses nenhuma
tentativa séria de cindir o movimento comunista
internacional. A China retirou-se das organizações de
fachada nos anos 1960, mas não fundou nenhuma outra
para efeito de concorrência.
As acusações de hegemonismo eram falsas. Nem o
PCUS nem o PCC visam impor os seus ditames ao
movimento comunista. Nenhum dos dois precisa disso. Ao
mesmo tempo, rejeitar o hegemonismo não condiz com
reconhecer o fato inegável de que o PCUS, dentre todos os
partidos comunistas, não só tem a mais longa e ampla
experiência no poder, como é o mais bem colocado para
desempenhar um papel de liderança. Foram os próprios
chineses que insistiram nesse ponto em 1957.

A técnica do “cisma”

Haverá quem objete que, mesmo nada havendo de


substancial nas diferenças que supostamente separam
soviéticos de chineses, é inconcebível que eles possam ter
mantido um cisma fictício por mais de vinte anos sem ser
descobertos, ou causar sérios danos à própria causa. Tal
juízo estaria correto se União Soviética e China fossem
democracias. Contudo, nos estados comunistas, o controle
dos meios de comunicação, a disciplina imposta aos
membros do partido e a influência dos serviços de
inteligência e de segurança combinam-se para conformar
condições excepcionais à prática da desinformação. Não se
deve perder de vista que a proximidade das relações PCUS-
PCC entre 1935 e 1949 foi muito bem ocultada do resto do
mundo. O dualismo nas políticas de soviéticos e comunistas
chineses, em relação ao governo nacionalista e aos Estados
Unidos, viabilizou a vitória comunista na China muito mais
rapidamente do que poderia uma ostensiva solidariedade
entre os lados.
A técnica do cisma sino-soviético não se desenvolveu da
noite para o dia. Os precedentes históricos que permearam
o desenvolvimento da desinformação em torno de falsas
rupturas e de sua coordenação secreta, a exemplo da
República do Extremo Oriente, já foram mencionados neste
e em outros capítulos. Também o verdadeiro cisma entre
Tito e Stalin foi de suma importância. É interessante notar
como o que se publicou da correspondência, supostamente
secreta, dos partidos soviético e chinês remete às cartas
genuínas sobre o cisma entre Tito e Stalin, e ainda como as
alegações falsas de que Peng e Lin Piao, ambos ministros da
defesa, fossem agentes soviéticos ecoam a bem fundada
acusação de que o secretário de estado iugoslavo estivesse
trabalhando para os serviço de inteligência soviético em
1948.
Há também um paralelo entre a controvérsia acerca da
coexistência pacífica, protagonizada por Mao e Khrushchev
nos anos 1960, e o debate entre Lenin e Trotski sobre guerra
ou paz no período pós-revolução. Este pode muito bem ter
servido de modelo para as polêmicas que se travariam mais
tarde.
O manifesto resultante do Congresso dos Oitenta e Um
Partidos, com o qual o PCC admitia ter se comprometido,
falava da necessidade de que todos os partidos comunistas
demonstrassem “unidade de vontade e de ação”, e não
unidade de palavras.130 Falava também em “dar aos
problemas capitais dos tempos modernos uma nova
solução”, o que significava, na prática, que o retumbante
fracasso do modelo stalinista de articulação determinara
que a meta maior do movimento, a instauração de uma
federação mundial de estados comunistas, seria perseguida
no estágio de transição por meio de uma variedade de
estratégias e táticas em comum acordo, a serem adotadas
por diferentes partidos, dentre os quais alguns pareceriam
estar em desacordo. Vestígios do pensamento chinês sobre
essas rupturas podem ser encontrados na própria imprensa
chinesa: a analogia entre o crescimento orgânico, baseado
em divisão e germinação, e o desenvolvimento do
movimento comunista, que se efetiva mediante “rupturas
favoráveis”. A criação de dois ou mais partidos comunistas
num só país era abertamente encorajada,131 tanto que um
periódico chinês aplicou a seguinte fórmula: “unidade,
ruptura, e então uma nova unidade sobre novas bases: eis a
dialética de desenvolvimento do movimento comunista”. A
revista Problemas da paz e do socialismo escarneceu de Ai
Sy-tsi, acadêmico chinês versado em dialética que
elaborava sobre a idéia de contradição entre as pernas
direita e esquerda, as quais, mutuamente dependentes, dão
cada uma um passo ao caminharem.132 Tudo isso sugere
que os líderes comunistas tinham aprendido como amoldar
entre si uma nova forma de unidade, calcada na
colaboração prática em explorar dissensões fictícias em
termos táticos e ideológicos.
Seria um engano tentar isolar o cisma sino-soviético das
quatro operações de desinformação descritas até aqui, ou
daquelas que se apresentarão nos capítulos seguintes. O
programa de desinformação é um todo integrado, e os
chineses têm desempenhado papel relevante em cada uma
das operações que o constituem. Como será mais
detidamente explicado no Capítulo 22, o cisma sino-
soviético é fator subjacente a todas as diferentes
estratégias desenvolvidas em função da política de longo
alcance.
A troca de críticas entre os partidos deve ser encarada
como um novo meio de sustentar a credibilidade da
desinformação que cada deles quer dispor em torno de si.
Por exemplo, as críticas chinesas ao revisionismo de
soviéticos e iugoslavos, ao declínio da ideologia e à
restauração do capitalismo na União Soviética alimentaram
a ilusão de que Khrushchev era mesmo moderado, e Tito
realmente independente. As diferenças de perspectiva entre
soviéticos e chineses devem ser encaradas como as pernas
direita e esquerda de um homem, ou, melhor ainda, como
as lâminas de uma tesoura, que aumentam, uma à outra, a
capacidade de cortar.
Cuidadosa e pragmaticamente, os estrategistas
comunistas continuaram com o desenvolvimento do cisma
sino-soviético. O segundo período de polêmicas não teve
início até 1963, o que lhes deu tempo para estudar
meticulosamente as conseqüências da disputa soviético-
iugoslava, do cisma soviético-albanês e do primeiro período
do cisma sino-soviético. Ainda hoje, há precedentes para o
alargamento do cisma sino-soviético que permanecem
inexplorados: o cisma soviético-albanês foi levado ao ponto
de cindir as relações diplomáticas entre Albânia e União
Soviética, ao passo que a ruptura entre China e Vietnã
desdobrou-se numa grande incursão chinesa em território
vietnamita, levada a cabo em 1979. Qualquer um desses
casos poderia antecipar ocorrências similares no âmbito das
relações sino-soviéticas.

Objetivos estratégicos do “cisma”

A exploração estratégica do cisma será descrita no


capítulo 22. Seu objetivo geral pode ser definido
brevemente como a exploração da estratégia das tesouras
no sentido de precipitar o cumprimento das metas
comunistas de longo alcance. A dualidade na polêmica sino-
soviética serve para camuflar a natureza dessas metas e o
grau de coordenação do esforço empreendido para alcançá-
las. A desunião fingida do mundo comunista fomenta a
desunião real no mundo não-comunista. Cada lâmina da
tesoura comunista torna a outra mais eficaz. A militância de
uma nação ajuda a diplomacia da outra. A troca de
acusações de hegemonismo ajuda a criar o clima apropriado
para que uma ou outra parte negocie com o Ocidente.
Falsas alianças, firmadas com terceiros por cada um dos
lados, facilitam o cumprimento de metas específicas, tais
como a aquisição de tecnologias avançadas, a negociação
do controle de armas ou a penetração comunista em
estados árabes e africanos. Aos olhos do Ocidente, a
ameaça militar, política, econômica e ideológica do
comunismo mundial parece diminuída, donde resulta a
debilidade da sua determinação em resistir aos avanços do
comunismo. Num estágio posterior, restará aos
estrategistas comunistas a opção de terminar o cisma e
adotar a linha de “um só punho cerrado”.

Joy Homer em Dawn Watch in China (Boston: Houghton Mifflin Co., 1941,
pp.194-195): “desde que pus os pés em Yan’an, notei uma certa apatia aos
russos por parte de estudantes e jovens oficiais. Muito mais populares eram a
América e a Grã-Bretanha. Ao menos uma por dia, diziam-me com seriedade
coisas do tipo ‘você não pode confundir o nosso comunismo com o comunismo
da Rússia. No seu país, provavelmente seríamos chamados de socialistas. Nós
acreditamos no sacrifício pelo outro, no trabalho duro e no amor por todos os
homens. É quase como o seu Cristianismo’”.
Uma perspectiva sobre a entrevista de Harrimann encontra-se em The China
Tangle (Princeton, NJ: Princeton University Press, 1953, p. 140), de Herbert Fries.
McLane, C. B. Soviet Policy and the Chinese Communists: 1931-1946. Freeport,
NY: Books for Libraries Press/Columbia University Press (1958), 1972, pp. 1-2.
Em Roosevelt and Hopkins: An Intimate Story (Nova York, Harper & Bros., 1948,
pp. 902-903), de Robert E. Sherwood: “[Stalin] afirmou categoricamente que
faria todo o possível para promover a unificação da China sob a liderança de
Chan Kai-Shek [...] Ele afirmou especificamente que nenhum líder comunista era
forte o bastante para unificar a China”.
McLane, op. cit.
Payne, R. Portrait of a Revolutionary: Mao Tse-Tung. Londres/Nova York: Abelard-
Schuman, 1961, p. 175 (nota).
Ver a declaração oficial no Pravda, edição de 23 de outubro de 1949. Em artigo
para a revista Life, edição de 6 de dezembro de 1954, o ex-oficial da inteligência
soviética Rastvorov refere-se a Tikhvinskiy como um oficial de inteligência.
Ver, de Chiang Kai-Shek, Soviet Russia and China (Nova York: Farrar, Straus &
Cudahy, 1957, p. 369).
Esse tratado vigorou ao longo toda a Guerra do Vietnam. Expirado em abril de
1980, não foi renovado — por essa época, nenhuma nação ocidental oferecia
ameaças discerníveis à China.
0 The Prospects for Communist China (Cambridge, MA: Technology Press of The
Massachussets Institute of Technology, 1951, pp. 216-229): “em que cenário é
possível prever, se é que é possível, uma quebra dessa aliança? Em sentido
técnico, as evidências que apontam para uma aliança assentam na relativa
fraqueza da China perante a União Soviética. Isso significa que uma eventual
ruptura por parte dos chineses provavelmente dependeria de três condições:
1. A aguda insatisfação de um grupo efetivo de líderes chineses com as
dinâmicas da aliança sino-soviética e, provavelmente, com as
conseqüências da aplicação da técnica soviética ao problema de
crescimento econômico da China.
2. A segurança de que essa retirada renderia aos chineses melhores termos
de associação com o Ocidente.
3. A neutralização, por dificuldades internas ou pela interferência de
terceiros, de potenciais investidas soviéticas contra a China.
À luz dessa situação base, ainda há muitas outras condições para além do
horizonte da possibilidade imediata [...] O laço sino-soviético pode sofrer
alterações definitivas se o incômodo processo de adaptação [...] deflagrado na
União Soviética pela morte de Stalin vier a descambar num conflito declarado,
que resultaria num drástico enfraquecimento de Moscou no cenário mundial ou
numa drástica viragem de suas políticas internas e externas. Mesmo as atuais
autoridades comunistas chinesas podem estar preparadas para repensar a sua
relação com Moscou e tomar o rumo de uma maior independência em relação à
União Soviética, ou associarem-se ao mundo não-comunista. Seu plano de ação
dependeria de muitos fatores, notadamente o caráter e a duração provável das
mudanças na União Soviética e os termos que lhes oferecesse o Mundo Livre”.
1 Ver CSP, vol. 3, p. 129: “nos Estados Unidos, fizeram-me muitas perguntas sobre
as relações entre União Soviética e China. Devo supor que essas perguntas
derivavam da propaganda revisionista e anti-chinesa da imprensa iugoslava,
que há pouco tempo [...] ventilou insinuações sobre desacordos incipientes,
vejam só, entre a União Soviética e a China [...] Respondi dizendo que meus
argüidores estavam evidentemente perdidos em lindos sonhos, nos quais um
passe de mágica pudesse criar desacordos no campo socialista. Mas eu disse
também que esses sonhos eram irrealizáveis [...] que a amizade entre os dois
países repousa inabalável na ideologia marxista-leninista, nos objetivos comuns
do comunismo, no suporte mútuo e fraternal dos nossos povos, nas lutas contra
o imperialismo, pela paz e pelo socialismo [aplausos]. Os cumprimentos
transmitidos ao nosso congresso pelo Comitê Central do PCC, assinados pelo
camarada Mao Tse-tung [...] são a reafirmação da eterna, da indissolúvel
amizade entre os nossos partidos e países [aplausos]. Essa amizade é a menina
dos nossos olhos. É algo sagrado. Não permitamos que se estendam sobre ela
as mãos imundas daqueles que a querem profanar [aplausos]”.
2 “Imperialistas, renegados e revisionistas esperançosos de assistir a um cisma no
campo comunista guardam castelos de areia e estão fadados à decepção”
(manifesto).
3 “Quero ressaltar os nossos constantes esforços em estreitar os laços de amizade
fraterna com o PCC e com o grande povo da China [...] a amizade de nossas
grandes nações, a unidade de nossos partidos [...] são de suma excepcional
importância na luta pelo triunfo da nossa causa comum [...] O PCUS e a
sociedade soviética farão o seu melhor para fortalecer a unidade de nossos
povos e partidos, e assim não só desapontar os nossos inimigos, senão também
aturdi-los ainda mais com a nossa grande união, para que então alcancemos a
nossa meta maior, que é o triunfo do comunismo”.
4 Em discurso ao Vigésimo Primeiro Congresso do PCUS (CSP, vol. 3, pp. 77-78),
disse Chou En-lai: “União Soviética e China são irmãos socialistas [...] a íntima
amizade de nossos povos é eterna e indestrutível”. Numa entrevista publicada
em Peking Review, a 8 de novembro de 1960, disse que “a solidariedade entre
os dois grandes países, a China e a União Soviética, é o baluarte da defesa da
paz mundial. O que os imperialistas e todos os reacionários mais temem é a
solidariedade entre os países socialistas. Assim, tentam de todas as formas
semear discórdia e abalar as estruturas dessa unidade”.
5 Husdon, F.G., Lowenthal, R., McFarquhar. The Sino-Soviet Dispute (China
Quarterly, 1961, p. 35).
6 A 26 de janeiro e a 2 de fevereiro de 1961, em depoimento ao Comitê de
Segurança Interna da Comissão Judiciária do Senado Americano, o ex-lider
comunista Jay Lovestone fez uma oportuna advertência contra falsas analogias
históricas: “temos que resistir à tentação de recorrer a analogias históricas.
Como a Rússia e a China comunistas estão ligadas por esse objetivo primordial
[a conquista comunista e a transformação do mundo], equiparar suas diferenças
ou ciúmes com a hostilidade e o choque de interesses entre a Rússia czarista e a
China pré-Primeira Guerra seria perigosamente enganoso”.
7 Kommunist, nº5 (1964), p. 21.
8 Party Life, nº 10 (1964), p. 65.
9 Ibid., nº7 (1964), p. 9.
0 Problems of Philosophy, outubro de 1964.
1 Ver o discurso proferido em Leipzig a 7 de março de 1959, reimpresso em World
without Arms, World without Wars (Moscou: Editora de Línguas Estrangeiras,
1960, vol. 1, p. 198): “Vem se firmando entre as nações soberanas do campo
comunista uma ampla cooperação em todas as esferas da vida econômica,
pública, política e militar. Sobre o futuro, acredito que o desenvolvimento dos
países socialistas muito provavelmente seguirá a linha da consolidação de um
sistema econômico único. As barreiras econômicas que separaram os nossos
países sob a égide do capitalismo serão removidas uma após a outra, de modo
que a base econômica do socialismo mundial ganhará cada vez mais força,
podendo eventualmente tornar sem sentido a questão das fronteiras”.
2 CSP, vol. 3, p. 188: “A tese contida no relatório do camarada N. S. Khrushchev,
de que “do ponto de vista teórico, seria mais correto supor que os países
socialistas, valendo-se das potencialidades inerentes ao socialismo, hão de se
elevar à fase da sociedade comunista mais ou menos simultaneamente”, será
de tremendo interesse não só para aos comunistas na União Soviética como a
todos os países socialistas ou comunistas do mundo. Trata-se da primeira
formulação da nova tese de que a lei do desenvolvimento planejado e
proporcional aplica-se não só a países socialistas em particular, mas também à
economia do campo socialista como um todo. Essa é uma premissa nova na
teoria do comunismo científico, que expressa a profunda verdade leninista de
que o campo mundial do socialismo constitui um único sistema econômico. Com
o passar do tempo, os planos econômicos para esses países serão cada vez
mais coordenados, e os países mais avançados ajudarão os menos
desenvolvidos, a fim de marcharem numa frente única e cada vez mais célere
em direção ao comunismo”.
3 China and Her Shadow (Mende), pp. 175-176, 338-339.
4 O que segue é um excerto dessa carta: “Não é de hoje que os líderes soviéticos
conluiam-se com o imperialismo americano para tentar ameaçar a China. Já em
20 de junho de 1959, quando não havia o menor indício de um tratado de
interdição dos testes nucleares, o governo soviético rasgou o acordo fechado a
15 de outubro de 1957 e recusou-se a fornecer à China uma amostra de bomba
atômica e os dados técnicos referentes à sua fabricação. Isso foi feito como um
presente de cortesia à época em que o líder soviético visitou os Estados Unidos
para encontrar-se com Eisenhower em setembro”.
5 Ver, por exemplo, Trud (jornal diário soviético), edição de 31 de agosto de 1963:
a planta piloto de 10 MW e o cíclotron de 2,4 milhões de elétrons, que foram
comissionados em 1958, são outro aspecto do auxílio soviético que, de aspecto
tão multifacetado, não cabe ser tratado em todos os detalhes”.
6 Ver Peking Review, edição de 26 de abril de 1960: “uma nova partícula nuclear
— anti sigma minus hyperon — foi descoberta pelos cientistas ligados ao
Instituto Central de Investigações Nucleares, fundado em 1956 por
representantes de doze estados socialistas e sediado em Dubna, próximo a
Moscou. Além dos físicos soviéticos que lideraram essa conquista, fez grandes
contribuições o Prof. Wang Kan-chang, proeminente cientista chinês e vice-
diretor do Instituto. Ao falar do mais novo sucesso, Wang descreveu-o como a
descoberta inédita de um anti-híperon carregado, um passo adiante na busca
pela compreensão das partículas elementares do mundo microscópico. Wang
atribui esse triunfo, sobretudo, à liderança e suporte do diretor soviético do
Instituto e à estreita cooperação dos cientistas dos demais países socialistas.
‘Trata-se verdadeiramente’, disse, ‘de um gritante testemunho da superioridade
do sistema socialista’”.
7 On the Other Side of the River, p. 642.
8 China and Her Shadow (Mende), pp. 182-193.
9 Military Strategy: Soviet Doctrine and Concepts (Moscou, 1962).
0 A título de ilustração, conferir em Pravda, edição de 27 de agosto de 1963,
referências à suposta objeção dos chineses à admissão da delegação soviética
na Conferência da Solidariedade Afro-Asiática, sediada em Moshi no ano de
1963. A iniciativa teria sido motivada pelo fato de os soviéticos não serem nem
pretos nem amarelos.
1 Ver, de Douglas Jackson, Russo-Chinese Borderlands, p. 91: “Salisbury também
considera a campanha de colonização das terras virgens, que resultou na
aragem de milhões de hectares vazios e no assentamento de centenas de
milhares de russos e ucranianos na Sibéria Ocidental e no norte do Cazaquistão,
uma prova da preocupação dos soviéticos com os vastos ermos siberianos. O
programa de Khrushchev tem conotações políticas, sem sombra de dúvida, mas
a sua implementação encontra razões decerto mais contundentes na situação
doméstica da União Soviética do que no problema populacional da China”.
2 A 2 de setembro de 1980, em Moscou, a Associação da Amizade Chinesa
celebrou o aniversário da derrota japonesa na Manchúria. Tikhvinskiy, vice-
presidente da associação, fez um comunicado.
3 The New York Times, edição de 22 de novembro de 1966.
4 Kommunist, nº5 (1964), p. 21.
5 Ver, de Douglas Jackson, Russo-Chinese Borderlands, p. 110: “À medida que se
desdobraram os acontecimentos, sua função mudou com as circunstâncias. De
zonas de tensão entre Rússia e China imperiais, Rússia comunista e China
nacionalista, as áreas limítrofes converteram-se, desde a revolução na China,
em zonas de cooperação e estabilização. Seu futuro desenvolvimento
econômico certamente reforçará o domínio que sobre elas é exercido pelos
comunistas, logo contribuindo em muito para a força comunista em geral. Com
efeito, o papel das áreas limítrofes no futuro das relações sino-soviéticas pode
vir a ser tão o mais dramático que o desempenhado em séculos de competição
e desconfiança. Seja lá o que o futuro lhes reserva, as terras da Ásia, onde se
tocam a Rússia e a China, continuarão a nos fascinar. E o que é mais,
continuarão a nos demandar atenção e entendimento”.
6 Ver, por exemplo, os discursos proferidos por Mao, Liu Shaochi, Peng Te-huai e
Teng Hsiao-ping por ocasião do Oitavo Congresso do PCC, em setembro de 1956,
publicados pelo Jen-Min Jih-Pao (“Diário Popular” da China).
7 Ver, de Bernard Law Montgomery, Three Continents (Londres: Collins, 1962, p.
40): “Chou ressaltou várias vezes que a China precisa de paz, que precisa
resistir às agressões [...] O Mar. Chen Yi, ministro do exterior, compartilhara
comigo exatamente as mesmas opiniões”. Ver também o artigo de Chou En-lai
em Peking Review, edição de 8 de novembro de 1961, em que ele enfatiza a
anuência chinesa à política da coexistência pacífica.
8 Ver o discurso proferido por Khrushchev a 6 de janeiro de 1961: “(a guerra na
Argélia) é uma guerra de libertação, uma guerra de independência movida pelo
povo. É uma guerra sagrada. Nós reconhecemos tais guerras; temos ajudado e
continuaremos a ajudar os povos que lutam pela sua liberdade [...] Se existe a
possibilidade de que essas guerras tornem a eclodir? Sim, existe. Se é provável
que convulsões desse tipo se repitam? Sim, é provável. Guerras desse tipo são
levantes populares. Existe a possibilidade de que as condições em outros países
cheguem a tal ponto que a insatisfação popular acabe descambando no pegar
em armas? Sim, essa possibilidade existe. Como os marxistas respondem a tais
levantes? O mais favoravelmente possível. Essas revoltas não se equiparam a
guerras entre países, guerras locais, porque os insurgentes lutam pelo direito à
auto-determinação, pelo desenvolvimento de suas próprias sociedades e nações
independentes. Esses levantes voltam-se contra os regimes reacionários e
corruptos, contra os colonialistas. Os comunistas apóiam guerras desse tipo,
guerras justas, com todo o empenho e nenhuma reserva”.
9 Grupos extremistas alinharam-se à China, e os partidos comunistas mais
moderados, à União Soviética — NT.
0 “Os interesses envolvidos na luta pela causa da classe trabalhadora demandam
de cada partido comunista, e do grande exército dos comunistas de todo o
mundo, a mais sólida unidade de vontade e ação”.
1 Kommunist, nº13 (1964), p. 21; Jen-min Jih Pao e Iluntzi, edições de 4 de
fevereiro de 1964.
2 World Marxist Review — Problemas da paz e do socialismo, nº 6 (1964), p. 33.
CAPÍTULO 17
A QUINTA OPERAÇÃO DE DESINFORMAÇÃO: A
“INDEPENDÊNCIA” ROMENA

A CONVICÇÃO de que existem sérias diferenças entre os líderes


soviéticos e romenos, nas quais se funda a crença na
independência da Romênia, baseia-se em evidências que
variam entre o sensacionalismo e a insignificância.133
Alegava-se que as diferenças entre os partidos soviético
e romeno tinham raízes que se estendiam desde os tempos
da guerra, até antes. Essas diferenças agravaram-se entre
1962 e 1964, quando Gheorghiu-Dej ainda era vivo e tinha
destacada importância no partido comunista e no governo
da Romênia. Até então mais ou menos encobertas, vieram a
público e, a partir de 1964, tornaram-se amplamente
conhecidas no Ocidente. Acreditava-se que Gheorghiu-Dej e
Khrushchev estivessem em desacordo. Corriam boatos de
que Khrushchev tentara depor Gheorghiu-Dej, e ainda
sugestões de que Gheorghiu-Dej tivera parte na destituição
de Khrushchev em 1964. Dizia-se de suas discordâncias que
se baseavam numa diferença de perspectiva sobre a
planificação econômica de longo prazo e o proceder
soviético perante o Comecon. Também se supunha que a
insistência dos romenos em tocar o seu ágil programa de
industrialização tivesse, ainda que aos trancos e barrancos,
prevalecido à oposição dos soviéticos.
Gheorghiu-Dej faleceu em março de 1965, e Nicolae
Ceausescu, que por muito tempo fora o seu braço direito,
assumiu como primeiro-secretário do partido. Antes disso,
no Ocidente, foram detectadas manifestações públicas,
porém veladas, das diferenças soviético-romenas e da
independência dos romenos, a exemplo de seu não
alinhamento à União Soviética (altamente contrastante com
a posição de outros estados comunistas da Europa Oriental)
no conflito sino-soviético; dos esforços dos líderes romenos
em aplacar a influência soviética no país, retirando, por
exemplo, os nomes russos que batizavam vias públicas; da
publicação, pelo Comitê Central do Partido Comunista da
Romênia, de uma declaração de independência em abril de
1964; dos esforços romenos, aparentemente despendidos
sem a prévia anuência do bloco, em ampliar laços
comerciais com países ocidentais, especialmente França e
Estados Unidos, mediante o intercâmbio de delegações
especiais; e, num estágio posterior, da condução da
diplomacia romena, que em casos como a manutenção das
relações com Israel após 1967 e o envolvimento de
Ceausescu nas tratativas da visita de Sadat à Jerusalém em
1977, contrariava a postura soviética e apontava para
independência da política externa da Romênia em relação à
União Soviética e o restante do bloco. Reforçaram essa
impressão de independência as eventuais recusas por parte
dos romenos em cooperar com a União Soviética e com
bloco em projetos políticos, econômicos e militares no
âmbito do Comecon e do Pacto de Varsóvia, e também o
fato de os romenos terem adotado uma posição própria ante
a intervenção do mesmo Pacto de Varsóvia na
Tchecoslováquia em 1968.
À luz da normalização das relações intra-bloco em 1957
e da adoção, em 1958-1960, de uma política de longo
alcance e de um programa de desinformação estratégica, o
exame crítico dessas manifestações de independência
revela que as diferenças entre a Romênia e os demais
países comunistas, tal como os cismas já abordados, nada
têm de substancial. Essas diferenças podem ser explicadas
como o produto de uma operação conjunta de
desinformação.
Relações especiais entre romenos e soviéticos

Já se demonstrou que a normalização das relações intra-


bloco destituiu as bases para a ocorrência de rupturas em
geral. Contudo, segundo informações internas à disposição
do autor, a impossibilidade de um cisma sob o comando de
Gheorghiu-Dej assentava, como ainda se assenta sob o
comando de Ceausescu, em razões especiais.
Gheorghiu-Dej era um agente da inteligência soviética.
Quando a Romênia foi liberta do fascismo por tropas
soviéticas, ele respondia ao diretor da inteligência soviética
na Romênia, Cel. Fedichkin. O Partido Comunista da
Romênia era então pequeno em relação ao partido social-
democrata. Sob orientação de Fedichkin, Gheorghiu-Dej
esforçou-se para eliminar os líderes social-democratas que
não fossem confiáveis, de um ponto de vista soviético, e
tivessem chances reais de ascender a posições de influência
no novo governo da Romênia. A matança de políticos não-
comunistas e a deposição do rei, ambas perpetradas por
Gheorghiu-Dej e pelo governo soviético, criaram laços
indestrutíveis entre os dois.
O diretor da inteligência soviética entre fins da década
de 1950 e fins da década seguinte, Gen. Sakharovskiy, foi
conselheiro-chefe do serviço de segurança romeno de 1949
a 1953. Sakharovskiy mantinha contato oficial com
Gheorghiu-Dej, e foi por meio dele e de sua equipe que
Sakharovskiy levou a cabo os expurgos romenos de 1951 e
1952 e, em particular, a prisão de Anna Pauker, e de outros
comunistas de destaque, sob a acusação de serem agentes
iugoslavos e sionistas. O que se firmou entre os soviéticos,
Gheorghiu-Dej e outros líderes romenos foi um pacto de
sangue. Se Gheorgiu-Dej tivesse feito qualquer tentativa
espontânea ou não combinada de romper com os soviéticos,
este regime teria evidências suficientes, inclusive
correspondência pessoal, para destruir política e
moralmente, dentro e fora do país, tanto a sua pessoa como
todos os seus associados. Esse fato deve ser levado em
conta ao analisar a autenticidade das futuras diferenças
entre soviéticos e romenos.
Se a ocorrência de um cisma soviético-romeno já era
impossível sob o comando de Gheorghiu-Dej, havia ainda
menos razões para esperá-la sob o comando de Ceausescu,
que fora seu braço direito antes de substituí-lo após a sua
morte, em março de 1965. Como já se explicou, as práticas
do “colonialismo” stalinista em relação à Romênia e a outros
satélites foram abandonadas por Khrushchev em 1957. As
relações soviético-romenas foram normalizadas sobre as
bases leninistas da igualdade. De 1958 a 1960, líderes
romenos desempenharam papel ativo nas discussões
travadas entre os líderes soviéticos e os demais líderes do
bloco em seções realizadas na União Soviética, na Romênia
e alhures. Ceausescu, como um dos secretários do Comitê
Central do Partido Comunista da Romênia, participou de
algumas delas. Ele integrou a delegação romena enviada ao
Vigésimo Primeiro Congresso do PCUS.
Também houve colaboração secreta entre os serviços de
segurança e de inteligência da Romênia e a KGB, então
presidida por Shelepin, na preparação de operações
conjuntas em favor da política de longo alcance do bloco. Os
diretores dos serviços romenos compareceram à
conferência que reuniu os serviços de inteligência e de
segurança de todo o bloco em 1959. No ano seguinte, a
KGB enviou à Romênia um novo conselheiro-chefe. Esse era
o Cel. Skomorokhin, especialista não em Romênia, mas em
Leste Europeu e, particularmente, em França, destacado
para auxiliar os serviços romenos na implementação de
operações políticas conjuntas.
Evidências importantes de que Ceausescu continuou a
cooperar ativamente com os líderes soviéticos no quadro
geral da política de longo prazo podem ser encontradas na
cobertura da imprensa soviética sobre a sua visita oficial em
1964, quando ele já estava em processo de assumir o lugar
de Gheorghiu-Dej. Ao longo de quatro ou cinco dias,
Ceausescu esteve acompanhado de Shelepin, ele mesmo
secretário do Comitê Central do PCUS. Considerando-se que
Shelepin foi quem inaugurou o uso de desinformação a
serviço da política de longo alcance, entre 1958 e 1960, e
que a coordenação das operações de desinformação do
bloco comunista pareciam ter ficado sob a sua coordenação
a partir de 1963, é razoável concluir que essa oportunidade
tenha lhe servido para discutir com Ceausescu o seu papel
na manutenção do mito das diferenças soviético-romenas.

As “evidências” de diferenças soviético-


romenas

As chamadas evidências que apontam para diferenças


entre os líderes romenos e soviéticos no Comecon, mais
precisamente entre 1962 e 1963, não se podem levar a
sério. A insistência dos romenos sobre a sua própria e célere
industrialização era compatível com os objetivos da política
de longo alcance, não havendo, portanto, razões para
oposição soviética. À suposta objeção romena à criação do
Comitê Executivo do Comecon e seu aparato conceitual,
devem ser contrapostas as evidências oficiais que indicam
que a liderança romena, tanto sob Gheorghiu-Dej quanto
sob Ceausescu, estava comprometida com a integração
econômica do bloco sob os auspícios do Comecon e de seu
comitê executivo — no qual, a propósito, a Romênia estava
representada. Registros oficiais do período entre 1960 e
1964 refletem a proximidade das relações entre União
Soviética e Romênia e o intenso intercâmbio de delegações
entre seus partidos e governos, o que sugere coordenação
na implementação da política. O fato de basearem-se em
fontes esotéricas e confidenciais, e de estarem em conflito
com o registro oficial da cooperação entre os dois países,
sugere que as evidências sobre diferenças soviético-
romenas nesse período eram produto de desinformação. O
conflito entre evidências oficiais e esotéricas tornou-se
especialmente óbvio nos anos 1970, quando a Romênia,
junto de outros membros do bloco, engajou-se em medidas
concretas de integração econômica.
Entre as manifestações da neutralidade da Romênia na
disputa sino-soviética estavam: o retorno de um
embaixador romeno para a Albânia em 1963, em
descompasso com a União Soviética e outros estados
comunistas da Europa Oriental; a visita a Pequim do
primeiro-ministro romeno, Ion Gheorghe Maurer, na
primavera de 1964, um ano após o início das francas
polêmicas soviéticas contra China; e uma declaração do
líder do partido romeno — descrita abaixo — que foi
interpretada no Ocidente como uma “declaração da
independência de Romênia”.
Uma vez que se entendam os cismas soviético-albanês
e sino-soviético como operações conjuntas de
desinformação, preparadas e lançadas, entre 1958 e 1960,
com a aprovação de todos os líderes do bloco, fica fácil
enxergar que a neutralidade romena consiste numa postura
calculada para sustentar a autenticidade de ambos os
cismas, e que a independência romena pode muito bem ser
enganosamente retratada como uma de suas
conseqüências.
Dado que o Ocidente comprara a autenticidade do
cisma soviético-albanês, o retorno do embaixador romeno à
Albânia corroborou o mito da independência da Romênia.
Isso também tinha a vantagem prática de abrir mais um
canal no leste-europeu para consultas diplomáticas entre o
bloco e a Albânia. Pode-se presumir razoavelmente que essa
medida tenha tido o aval do bloco de antemão. A visita de
Maurer a Pequim pode ser lida como uma oportunidade para
discutir e coordenar essa conjunção de operações de
desinformação com os líderes chineses, interpretação que é
corroborada pelo fato de Maurer ter seguido de Pequim à
Coréia do Norte e então regressado à Romênia pela União
Soviética, onde é provável que também tenha tido
discussões.
Quando Maurer voltou de viagem, o Comitê Central do
Partido Comunista da Romênia teve uma semana de
reuniões secretas, ao fim da qual foi lançada uma
declaração acerca do posicionamento do partido no cenário
do movimento comunista internacional. Essa declaração
teve grande publicidade na Romênia, e suas dezesseis mil
palavras foram imediatamente traduzidas em russo,
espanhol, inglês, francês e alemão. Entre os pontos que, no
Ocidente, foram destacados e interpretados como
expressões da independência romena estavam:
• É direito soberano de cada estado socialista
arquitetar, escolher ou alterar as formas e métodos
empregados na construção do socialismo.
• A administração planificada da economia nacional é
um dos [...] atributos inalienáveis do estado socialista
soberano.
• Os países comunistas devem cooperar uns com os
outros em matéria econômica [tão-somente com base
em] plena igualdade de direitos, observância à
soberania e aos interesses nacionais, vantagem
mútua e camaradagem [principalmente] por meio de
acordos bilaterais e multilaterais.
• A idéia de se criar um único órgão de planejamento
para todos os membros do Comecon encerra as mais
sérias implicações econômicas e políticas.
• Entregar [as rédeas da vida econômica e social] a
quaisquer organizações supra ou extra-estatais seria
esvaziar por completo o conceito de soberania.
• A Romênia advoga o fortalecimento da cooperação
com todos os países “socialistas” e a conquista de
uma nova “divisão internacional do trabalho”, sob a
condição de que isso não implique a necessidade de
os países comunistas se manterem isolados no
“quadro geral das relações econômicas mundiais”; é
natural a estados comunistas que “demonstrem
iniciativa e que se manifestem ativamente na arena
internacional”.134

Comentários desse tipo despertaram grande interesse


no Ocidente, mas é preciso notar que outras partes da
declaração eram mais relevantes. Numa delas, por exemplo,
a liderança do partido romeno reafirmou o seu
comprometimento com as decisões e objetivos básicos que
se haviam formulado no Congresso dos Oitenta e Um
Partidos, em novembro de 1960, tais como o fortalecimento
da cooperação econômica entre os estados socialistas, a
ênfase na coexistência pacífica em conjunção com o apoio a
movimentos de libertação nacional, o esforço em atrair
novos membros para o Comecon, e a busca pela vitória final
e inevitável do comunismo em todo o mundo.
Os comentaristas ocidentais ignoraram o fato de que
declarações acerca da maturidade dos partidos comunistas,
de sua capacidade de tocar as próprias políticas internas e
externas, e de seu entusiasmo por tomarem as próprias
iniciativas na arena internacional, não contradizem as
decisões tiradas no Congresso dos Oitenta e Um Partidos,
que aprovou especificamente a flexibilidade tática em
políticas externas de caráter ativista. Com efeito, a
declaração romena não só é compatível com o manifesto do
congresso, como ressalta que, no desenvolvimento de suas
próprias políticas, os partidos comunistas devam proceder
sob o escopo da “comunidade socialista”.
As evidências empregadas na sustentação da idéia de
que existe uma animosidade pessoal entre Khrushchev e
Gheorghiu-Dej são frágeis e arbitrárias. Dá-se mais peso à
ausência de Gheorgiu-Dej nas celebrações oficias pelo
septuagésimo aniversário de Khrushchev do que ao fato de
o mesmo Khrushchev ter sido agraciado — na mesma
ocasião — com a mais alta condecoração romena. É difícil
argumentar, como o tenta Floyd, que a representação
soviética nas celebrações do vigésimo aniversário da vitória
comunista na Romênia tenha sido de menor peso, porque
Mikoyan, então membro do Presidium do Comitê Central e
presidente da União Soviética, compareceu em lugar de
Khrushchev, que “não foi convidado”.135 No contexto do
programa de desinformação, é curioso notar que “os
romenos não fizeram o menor esforço para negar” os
rumores de que Khrushchev tentara afastar Gheorgiu-Dej da
liderança do partido romeno.136
Do mesmo modo, a visita de Gheorgiu-Dej a Tito em
1964 e a alardeada amizade entre os dois podem ser
encaradas como uma tentativa deliberada de vestir o líder
romeno com o manto da independência, e associá-lo,
perante os olhos do Ocidente, ao líder iugoslavo.
As evidências de desacordo entre os soviéticos e os
romenos sob a liderança de Ceausescu são igualmente
inconsistentes. De modo que provêm do lado comunista sob
forma de declarações oficiais, tais evidências podem
facilmente ser confeccionadas sob medida pelo aparato do
partido e dos serviços de inteligência, segundo as
necessidades do programa de desinformação.
Têm-se interpretado como evidências da independência
romena a supressão dos nomes russos nas vias públicas e
outras tentativas de diminuir a extensão da influência
soviética no país. Tais medidas, no entanto, não eram
motivo de discórdia na atmosfera que reinava no bloco após
1957. Pelo contrário, teriam contado com a total
compreensão e aprovação dos soviéticos. As indecorosas
tentativas feitas por Stalin para impor aos satélites da
Europa Oriental um modelo soviético total tinham sido
rejeitadas, de maneira que o manifesto do Congresso dos
Oitenta e Um Partidos, respeitando a variedade de aspectos
nacionais, concedeu a cada partido comunista a liberdade
de variar suas táticas de acordo com as condições que se
lhes apresentassem. As alegações dos romenos, de que
estão a combater a interferência soviética em seu país,
eram e ainda são nada além de um pretexto adotado com a
conivência soviética, para associar ao partido e seus líderes
uma imagem nacionalista e independente aos olhos do
público interno e externo. A despeito da evolução de uma
política externa aparentemente heterodoxa, o regime
permanece, internamente, tão ortodoxo e repressivo quanto
antes.
Que a Romênia ampliou seus laços comerciais,
econômicos e políticos com o Ocidente entre as décadas de
1960 e 1970 está fora de questão. O que se pode
questionar é se isso aconteceu com ou sem o prévio
consentimento da União Soviética e de outros estados
comunistas. A conferência do Comecon, em junho de 1962,
propôs a seus participantes a necessidade de expandir o
comércio entre o bloco e o Ocidente. Diante dessa
resolução, os romenos não fizeram nada além de levá-la a
efeito. Ao fingirem atuar por conta própria, explorando sua
chamada independência enquanto, na verdade, agiam com
a conivência do bloco, os romenos contribuíram para o
cumprimento dos objetivos em questão — o aumento do
comércio com o Ocidente, a garantia de créditos de longo
prazo e a aquisição de tecnologia avançada — de maneira
mais decisiva do que poderiam procedendo como um
membro ortodoxo. A título de exemplificação, a
“independência” da Romênia permitia-lhe importar cromo
da Rodésia, quer por sua conta, quer em favor do bloco,
sem que o bloco como um todo incorresse na ignomínia de
fazê-lo.
A política externa da Romênia “independente” deve ser
encarada como um estratagema característico da
diplomacia ativista de Lenin, tão próprio quanto o uso por
ele feito da República do Extremo Oriente. Esse artifício
oferece ao bloco uma série de vantagens no campo
diplomático. Por exemplo: ao passo em que a presença
diplomática comunista têm subsistido em Israel desde 1967,
por intermédio da embaixada da Romênia em Tel Aviv, o
bloco como um todo credenciou-se perante o mundo árabe
justamente por ter rompido vínculos diplomáticos com
Israel. A íntima coordenação entre a diplomacia da Romênia
e a dos demais membros do bloco passou praticamente
desapercebida.
Os sinais mais inequívocos da desinformação atuante
revelam-se no contraste entre os alardeados desacordos da
Romênia com o Comecon e o efeito vinculante de sua
permanência na organização, e também de sua
participação, por exemplo, em projetos energéticos na
Europa Oriental. Do mesmo modo, as eventuais e
sensacionais recusas em participar de exercícios militares
não podem ofuscar o fato de que a Romênia continua a ser
um membro do Pacto de Varsóvia. A ostensiva rejeição dos
romenos à influência soviética deve ser vista ao lado da
constante troca de visitas amistosas entre os lideres de
ambos os lados, e a condecoração de Ceausescu com a
Ordem de Lenin em janeiro de 1978.
Os motivos para a projeção da “independência”
romena

Não é difícil reconstituir o pensamento econômico e


político por atrás da decisão de dar à Romênia as espúrias
feições de um membro independente do bloco comunista,
decisão talvez tomada já entre 1958 e 1960, quando da
formulação da política de longo alcance. A política de longo
alcance demandava, além de industrialização, um gradual
nivelamento das economias de todo o bloco. O esforço para
desequilibrar a balança do poder mundial em favor do
comunismo envolvia programas bélico-nucleares, forças
armadas convencionais de grandessíssimo porte, vasta
burocracia (propaganda, inteligência e segurança),
prestação de assistência militar e econômica a países em
desenvolvimento e apoio a partidos comunistas e
movimentos de libertação nacional ao redor do mundo. Ao
mesmo tempo, era necessário elevar o padrão de vida no
mundo comunista para evitar futuras convulsões populares.
A política como um todo só se poderia sustentar com o
auxílio técnico e econômico do Ocidente, mas um bloco
monolítico e aparentemente agressivo dificilmente receberia
qualquer ajuda. Era preciso algum estímulo para obter uma
mudança na atitude do Ocidente.
O argumento estratégico-político para essa
representação de um bloco desunido já foi apresentado. A
introdução de um novo estilo de comunismo, discernível das
variedades soviética, chinesa, albanesa e iugoslava, teria se
apresentado aos estrategistas comunistas não só porque
ajudaria a validar os desacordos já evidentes dentro do
bloco, mas também porque alimentaria as ilusões ocidentais
de que ânimos e interesses nacionais estavam em processo
de suplantar a ideologia como força propulsora do
movimento comunista. Essas ilusões intensificariam
esperanças e expectativas de que, por meio de cautelosa e
seletiva prestação de auxílio e estímulo político, as fissuras
no monólito comunista poderiam ser aprofundadas até a
sua desintegração.
Ao elevar o padrão de vida de suas populações sem a
supressão das liberdades políticas, o mundo ocidental unido
serve de exemplo para os povos que se encontram sob o
comunismo, criando entre eles insatisfação suficiente para
motivá-los a pressionar os seus próprios líderes. No entanto,
a experiência da NEP mostrara que é possível conter os
perigos que um estreitamento de laços com o mundo
ocidental pode acarretar — a eficácia do policiamento
secreto e da profilaxia ideológica foi capaz de neutralizar os
riscos de contaminação política e ideológica representados
pela presença de empresários e especialistas ocidentais. As
expectativas do Ocidente quanto a expandir a sua influência
nos países comunistas, por meio de vínculos econômicos,
poderiam ser mais uma vez frustradas se os ajustes
necessários ao sistema fossem devidamente calculados,
controlados e dissimulados. Evidências observáveis da
prestação de auxílio econômico por parte de países
estrangeiros passam longe de estimular oposição interna
nos regimes comunistas. Opositores em potencial pouco ou
nada podem esperar de potências ocidentais
comprometidas a ajudar o sistema estabelecido. Sabendo
disso, os estrategistas comunistas presumiam que o auxílio
técnico e econômico vindo do Ocidente poderia muito bem
ser posto a serviço da política de longo alcance. No longo
prazo, tendo aproveitado essa ajuda, esperavam
demonstrar aos seus vassalos e ao mundo inteiro a
superioridade do sistema comunista.
O cisma entre Tito e Stalin gerou mais precedentes e
lições. A provocadora rejeição à interferência soviética fez
disparar o prestígio, assim doméstico como internacional, e
ainda rendeu a seu país generosa assistência militar e
econômica por parte do Ocidente, sem que isso o obrigasse
a abandonar os princípios fundamentais do comunismo. Foi
uma Iugoslávia mais rica e estável que, após a morte de
Stalin, veio a se reconciliar com o bloco.
A criação de uma “independente” República do Extremo
Oriente, cujas políticas eram coordenadas de perto, porém
sob sigilo, com as da Rússia Soviética, demonstrara as
vantagens da diversidade de formas da “diplomacia
ativista”. Lenin também disse que era necessário formar
uma “grande orquestra” com os diferentes partidos, cada
qual, como um instrumento diferente, desempenhando um
papel diferente. Os iugoslavos, com seu histórico de
independência, eram particularmente adequados para
mediar as relações com os socialistas europeus e os países
não alinhados ou em desenvolvimento. Sua falsa disputa
com os soviéticos entre 1958 e 1960 tinha por fim prepará-
los para esse papel. No entanto, havia também argumentos
para que se atribuísse papel similar a um membro efetivo
do Pacto de Varsóvia e do Comecon.
É provável que diversos outros fatores tenham
influenciado a escolha da Romênia para esse propósito. Os
duradouros laços com a França, e as afinidades lingüísticas
e culturais com outros países latinos, possivelmente
ajudariam a garantir uma resposta favorável da Europa a
uma demonstração de independência. As raízes latinas
credenciavam a Romênia para desempenhar um papel
especial junto aos influentes partidos da Itália, da França e
da Espanha, mas é provável que o mais importante fosse o
fato de o regime romeno ser, depois do polonês e do
húngaro, o mais fraco e desprezado por sua própria
população. Dada a experiência de Tito entre 1948 e 1953,
era de se esperar que uma reprise pública de diferenças
com a União Soviética — por espúria que fosse —
aumentaria o prestígio nacional e internacional do Partido
Comunista da Romênia e de seus líderes. Esses poderiam se
apresentar não como fantoches da União Soviética, mas
como ousados líderes nacionais, prontos para desafiar a sua
autoridade. A debilidade do regime e o desdém com que ele
era tratado internamente significavam, entretanto, que as
aparências de um cisma não poderiam durar muito tempo.
Um relaxamento do controle interno poderia ter posto o
regime em grave perigo; daí a decisão de combinar, ainda
que de modo estrambótico, uma política externa
aparentemente heterodoxa e independente, com um
sistema doméstico estritamente ortodoxo e opressivo, no
melhor estilo de Brezhnev.
Baseando-se no exemplo iugoslavo, os estrategistas
comunistas teriam corretamente presumido que os
interesses comerciais e políticos do Ocidente surtiriam,
combinados, pressões por políticas comerciais mais
generosas com a Romênia, subjacente à esperança de
afastá-la cada vez mais do bloco comunista. Como a
independência romena não passava de uma lenda, tal
esperança provar-se-ia ilusória. Nesse meio tempo, políticas
econômicas mais liberais decerto beneficiariam a Romênia
e, provavelmente, o bloco como um todo.

Objetivos da operação de desinformação

No caso da Romênia, a desinformação presta-se


primariamente à evolução do seu papel no quadro geral da
política de longo prazo, estratégico, sobretudo, na
promoção, em conjunto com a Iugoslávia e os partidos
eurocomunistas, das idéias de dissolução dos pactos
militares e da criação, na Europa, de um estado socialista.
Resumidamente, os objetivos da desinformação em torno da
independência romena podem ser definidos como segue:
• Dar suporte a outras operações de desinformação em
torno da desintegração do bloco e fundar dentro dele
uma nova forma de “comunismo independente”.
• Elevar o prestígio nacional e internacional do partido
romeno e de seus líderes.
• Habilitar a Romênia a obter auxílio técnico e
econômico do Ocidente em termos mais generosos.
• Permitir-lhe que, em favor do bloco, tire proveito de
aberturas diplomáticas e comerciais que não se
apresentariam a estados comunistas mais ortodoxos.
• Prepará-la para o exercício de um papel estratégico
especial.
• Ganhar a confiança do Ocidente, enquanto aliado em
potencial ou “confidente” dentro do mundo
comunista.
• Num estágio posterior, apoiar a independência dos
partidos eurocomunistas.
• Prepará-la para uma provável viragem “liberal” do
regime doméstico na fase final da política de longo
alcance.

3 A título de ilustração, ver, de David Floyd, Rumania: Russia’s Dissident (Nova


York: Frederick A. Praeger, 1965).
4 Ibid.
5 Ibid., pp. 119-120.
6 Ibid., p. 108.
CAPÍTULO 18
A SEXTA OPERAÇÃO DE DESINFORMAÇÃO:
AS SUPOSTAS DISPUTAS DE PODER
NOS PARTIDOS SOVIÉTICO, CHINÊS, ENTRE OUTROS

DESDE INÍCIOS DA DÉCADA DE 1960, o Ocidente tem se deparado


com evidências de disputas recorrentes pelo poder nas
lideranças dos partidos soviético, chinês, iugoslavo,
tchecoslovaco, entre outros. Na União Soviética, tais indícios
compreendem a deposição de Khrushchev em 1964,
supostamente motivada pelo insucesso de suas políticas e o
seu espírito “aventureiro”; as subseqüentes disputas de
poder pretensamente travadas entre as facções moderada e
stalinista; a virada stalinista de Brezhnev em 1968; e a
oposição dos liberais na liderança soviética.
No caso da China, evidências similares foram
identificadas na suposta disputa de poder entre a radical e
militante facção maoísta (Mao, Lin Piao, Chen Po-ta) e a
moderada facção pragmática (Chou Em-lai, Teng Hsiao-ping,
Liu Shao-tsi, Lo Jui-tsin); na exoneração de Hsiao-ping, Peng
Te-huai, Liu Saochi, Peng Chen, entre outros; no alegado
culto de Mao; em fenômenos inexplicáveis, tais como a
atuação da Guarda Vermelha na Revolução Cultural; e no
ressurgimento de pragmáticos como Teng Hsiao-ping após a
morte de Mao em 1976.
Entra na lista a suposta disputa de poder entre Tito e
Rankovic, seu vice-primeiro ministro e também ministro do
interior, que resultou na exoneração deste último em 1966.
Da Tchecoslováquia, conta a disputa entre as facções
conservadora, de Novotny, e liberal, de Dubcek, cujo
desfecho foi vitória dos liberais e a suposta deposição de
Novotny em 1968.
Para demonstrar que esse cenário competitivo consiste
numa dissimulação dos fatos, primariamente direcionada a
observadores ocidentais e concebida para servir aos
objetivos estratégicos do bloco, há que se examinar o
desenvolvimento dessas disputas na União Soviética e em
outros países à luz de dados oficiais e de informações
internas.

Sucessão na liderança soviética: novos fatores


de estabilidade

O problema da sucessão na liderança da União Soviética


e de outros países comunistas é de grande importância,
pois que dele depende a solução de vários outros problemas
de ordem prática. A questão é se um sistema comunista
ditatorial e unipartidário pode ou não resolver o problema
da sucessão sem descambar, como no passado, em
disputas pelo poder. Nesse sentido, outra questão que se
apresenta é se Khrushchev foi destituído à força em 1964
ou se, pelo contrário, pôde habilmente transferir seu poder
e assim resolver o problema da sucessão sem que se
instalasse uma crise.
A maior parte dos observadores tende a considerar os
partidos comunistas como incapazes de encontrar uma
solução para esse problema, crentes de que a recorrência
de disputas de poder entre suas lideranças é inevitável. A
confirmação mais dramática desse ponto de vista foi a
suposta exoneração forçada de Khrushchev em 1964.137
Este estudo pretende distinguir entre os fatos ao redor
da saída de Khrushchev, a deliberada dissimulação desses
fatos por parte dos estrategistas soviéticos e a
interpretação, lamentavelmente equivocada, que esses
mesmos fatos receberam de respeitáveis estudiosos
ocidentais. Para esclarecer tais distinções, explicar como e
por que os fatos acabaram falseados, e elucidar por que
renomados especialistas ocidentais continuam a aceitar
prontamente informações que apontam para a existência e
a continuidade de disputas de poder, é útil comparar as
situações de sucessão em 1924 e 1953 aos eventos
decorridos entre 1960 a 1964, utilizando, para tanto,
informações oficiais, conhecimento de causa e a nova
metodologia.

Lenin, Stalin e a persistência do problema da


sucessão

Há similaridades entre as situações de 1924 e de 1953.


A morte de Lenin deixou um vácuo político. Não havia um só
sucessor reconhecido e já cercado de uma equipe de
apoiadores; em vez disso, vários líderes rivais, cada um com
a sua própria reivindicação. A situação no país ainda era
crítica. A NEP de Lenin continuava a vigorar, mas muitos
problemas práticos aguardavam solução.
A morte de Stalin em março de 1953 deixou um vácuo
político ainda maior. O ditador não nomeara um herdeiro e
também não havia um único sucessor reconhecido e com
apoiadores de prontidão. Como em 1924, o que havia era
uma série de líderes rivalizando pelo poder. A situação na
União Soviética e em outros países comunistas era
novamente crítica. Por mais que a crise no bloco
demandasse soluções de longo prazo, não se havia adotado
nenhuma política de longo alcance.
Todas essas circunstâncias ensejaram crises de
sucessão. Em ambos os casos, a rivalidade entre os novos
grupos de líderes fez das disputas pelo poder algo
inevitável. A permanência da nova geração foi, em ambos
os casos, contingente, instável e dividida, seus membros
ambiciosos de desempenhar um papel de destaque e ao
mesmo tempo impelidos a formular uma política para o
partido. A União Soviética de 1924 e o bloco de 1953
exigiram soluções novas para problemas urgentes. A
disputa pelo poder tornou-se também uma disputa pela
política, portanto, uma disputa ainda mais dura, que em
ambos os casos terminou com a aniquilação política de
todos os contendores, à exceção de apenas um deles.
Dada a longa enfermidade de Lenin, sua morte não foi
de todo inesperada. A disputa pelo poder iniciou-se
enquanto ele ainda estava vivo, de maneira que Stalin
aproveitou a oportunidade para fortalecer a sua posição. Em
1924, ainda havia uma atmosfera democrática
intrapartidária. As bases do partido, bem como o aparato do
partido e do governo, tomaram parte e, até certo ponto,
influenciaram o resultado da disputa. Isso explica o fato de
ela ter durado mais tempo do que disputa travada pós-
1953.
Lenin revelou-se preocupado com a sucessão em cartas
remetidas ao congresso do partido em dezembro de 1922 e
janeiro de 1923. Além de advertir contra a excessiva
concentração de poder nas mãos de Stalin, Lenin alertou
para a possibilidade de uma ruptura na liderança e para
necessidade de prevenir “conflitos entre pequenos
agrupamentos dentro do Comitê Central, os quais muito
severamente afetariam o destino do partido como um todo”.
Ele defendeu que seu poder fosse diluído, não entre uns
poucos líderes, mas entre os membros de um Comitê
Central ampliado e mais poderoso, cuja composição fosse
alargada de vinte e sete membros para até uma centena
deles.138
Por necessidade, houve de fato certa diluição. O
mandato pessoal de Lenin foi sucedido por alguns anos de
poder oligárquico, mas não havia meios constitucionais de
arrematar a questão da sucessão, nem planos para a
participação popular nesse processo. A solução cabia ao
próprio líder do partido, pois apenas ele tinha a autoridade
para levar a efeito as suas recomendações. Embora tivesse
o problema resolvido teoricamente, Lenin não o pôde
solucionar na prática em virtude de sua doença. Ademais,
por mais que se preocupasse com uma ruptura na
liderança, ele mesmo ensejou uma disputa de poder com o
seu testamento ambíguo, sem nenhuma indicação de quem
o deveria suceder. Não tivesse adoecido, Lenin poderia tê-lo
feito valer. Na ocasião, porém, seu testamento não foi
respeitado.
Stalin precisava de tempo para dominar o aparato do
governo, e por esta razão a disputa que se seguiu à morte
de Lenin durou pelo menos até meados da década de 1930,
quando todos os rivais e oponentes de Stalin, reais e
potenciais, e até mesmo alguns de seus apoiadores, já
tinham sido fisicamente eliminados. Não raramente, Stalin
adotava as políticas de suas vítimas.
A ênfase na eliminação física não foi algo irracional.
Como todo o aparato do partido estava envolvido na
disputa, e ainda restavam alguns vestígios de democracia
intrapartidária, Stalin foi obrigado a expulsar do partido
todos os apoiadores dos líderes removidos. Ele visava
prevenir qualquer possível oposição, e o fez por meio de
repressão em massa. Desfazendo-se da liderança coletiva,
veio a estabelecer sua própria ditadura total, um retrocesso
que enfraqueceria o sistema comunista e daria margem não
só à crise da sucessão como também a outros problemas.
Depois de aniquilar seus rivais e reprimir os dissidentes,
Stalin não podia mais confiar nem em seus colegas nem no
partido, mas tão-somente na burocracia. Seu governo
sustentou-se à base da vigilância, divisão e exploração de
rivais em potencial. Ao eliminar Zhdanov, o mais promissor
dentre os seus possíveis sucessores, Stalin abriu as portas
para mais uma crise. Ele ignorou o problema até seus
últimos dias, de modo que sua morte repentina, somada à
negligência em vida, deixou um vácuo que contribuiu ainda
mais para a intensidade da disputa subseqüente.139
A severa ditadura pessoal de Stalin e a destruição da
democracia intrapartidária determinaram que as bases do
partido não se envolvessem na disputa de poder após a sua
morte. Essa disputa deu-se apenas nas altas esferas do
partido e do governo. Em 1953, a burocracia estaria
preparada para servir a qualquer líder que fosse capaz de
tomar o controle — incapazes de apelar ao partido ou ao
povo, os burocratas tornaram-se inócuos nos anos finais de
Stalin. Por essas razões, a disputa que se seguiu à morte de
Stalin foi relativamente curta e livre de repressão em
massa, exceto no caso dos apoiadores de Beryia.
Stalin e Khrushchev guardaram similaridades e
diferenças. Com a remoção de Malenkov em 1955,
Khrushchev, tal como Stalin, começou como um ditador
comunista. Utilizando-se de táticas e meios
inconstitucionais, alcançou a hegemonia entre 1956 e 1957.
Ainda que por pouco tempo, exerceu o seu poder de forma
ditatorial, substituindo o culto à personalidade de Stalin pelo
seu próprio entre 1956 a 1959. O lado mais negro da
trajetória de Khrushchev ainda é ocultado do público pelos
líderes soviéticos.
Diferente de Stalin, Khrushchev não eliminou
fisicamente os seus rivais, pois à exceção de Beryia, que foi
aniquilado, nenhum deles tinha seguidores. Diferente de
Stalin, não obstante a manutenção de sua supremacia,
Khrushchev tratou de estabelecer uma liderança coletiva
em seus anos finais. Porém, a diferença mais importante
entre os dois foi o bom êxito de Khrushchev em transferir a
um sucessor de sua escolha o poder que ele mesmo
angariara. Imputar-lhe negligência similar à de Stalin é um
equívoco. Tal como Lenin, ele preocupava-se com o
problema da sucessão. Além do mais, segundo esta mesma
análise, Khrushchev encontrou aquilo que Lenin tentou, mas
não achou: uma solução prática. Provavelmente sob alguma
influência de Mao, ele resolveu a questão seguindo as
recomendações de Lenin e envolvendo seus seguidores
numa política de longo alcance para todo o bloco
comunista. Ao fazê-lo, Khrushchev estabeleceu o modelo a
ser seguido pelos líderes de outros países comunistas.

A “destituição” de Khrushchev

Entender a destituição de Khrushchev como resultante


de uma espécie de motim ou revolta palaciana é
provavelmente um engano. Tal visão não se sustenta nas
evidências disponíveis. Em 1964, a situação diferia
radicalmente do que houvera em 1924 ou em 1953.
Não restou vácuo após a saída de Khrushchev. A mesma
equipe que o apoiara ativamente seguiu em frente. A crise
interna do regime e os problemas nas relações intrabloco
haviam sido solucionados, e a política de longo alcance para
o bloco como um todo já estava em andamento. Não havia
o que justificasse expectativas de crise política ou disputa
de poder.
As trágicas conseqüências das crises em torno das duas
sucessões anteriores não estavam frescas na memória de
Khrushchev e de outros líderes soviéticos. A morte de Lenin
foi acompanha pela liquidação de uma geração de líderes
do partido, pela repressão em massa e por rupturas na
Internacional Comunista e suas afiliadas. A disputa que se
seguiu à morte de Stalin atrasara a formulação de uma
política de longo alcance e ameaçara a existência mesma
do bloco comunista. Era vital que esses desastres não se
repetissem.
Em 1964, havia condições favoráveis a uma
transferência premeditada do poder de Khrushchev a um
líder ou grupo de líderes de sua escolha: a existência da
liderança coletiva no partido soviético, investida de poderes
pelo próprio Khrushchev desde 1959; o aumento da
influência do aparato do Comitê Central e do partido; a
ausência de oposição na liderança; uma maior estabilidade
do regime; melhores relações com os líderes de outros
países comunistas; a instalação, por Mao, da liderança
coletiva no partido chinês; e, acima de tudo, a adoção da
política de longo alcance. Khrushchev tinha interesse
pessoal na continuidade da implementação dessa política
pelas mãos de seus sucessores, visto que adotou-a durante
o seu governo com sua ativa participação. Seu papel de
iniciador prometia-lhe mais prestígio póstumo do que então
se conferia a Stalin com todo o poder e a glória de seu
reinado.
Em consideração à política de longo alcance,
Khrushchev naturalmente teria levado em conta a sua
sucessão. Ele estava numa posição perfeita para organizá-
la, uma vez que controlava a situação no partido e no
governo, e teve tempo para agir. Khrushchev enchera o
Presidium e o Comitê Central com os seus homens; tinha
apadrinhados na KGB, no exército e em posições-chave no
aparato do partido e do governo; manteve sua própria
posição de liderança no secretariado do partido, no
Presidium e no governo. À luz do que dissera sobre ser um
novo Lenin, parece provável que Khrushchev, tal como o
Lenin de 1922-1923, tenha pensado seriamente sobre o
assunto. Seguindo o exemplo de Lenin, decerto fez
recomendações ao Comitê Central por meio de cartas
secretas ou discursos às vésperas do Vigésimo Segundo
Congresso.
Tais indícios sustentam a conclusão de que Khrushchev
estava a pensar e a agir em função do problema da
sucessão às vésperas de ser “destituído”. Podem-se
detectar sinais dessa conduta a partir de outubro de 1961.
Remontando às palavras de Lenin sobre o culto à
personalidade, Khrushchev exortou os membros do partido
a segui-las com o respeito que o venerado líder merecia.140
Ratificou os equívocos de Stalin, advertindo para as
conseqüências do culto à personalidade para os líderes que
se esquecerem de seus deveres para com o partido.141
Segundo a sua definição, o grande mal dessa prática reside
justamente em que coloca a atuação do líder para além da
alçada do partido.142 Também afirmou que a instalação da
liderança coletiva fora uma conquista, a qual não deveria
ter menos destaque do que o seu papel pessoal.143
Os novos estatutos adotados no congresso previam que,
a cada eleição regular do Comitê Central e do Presidium do
PCUS, ao menos um quarto dos membros fosse reciclado.
No caso dos comitês centrais dos partidos das repúblicas
soviéticas, não menos que um terço. E no caso dos comitês
de outras organizações partidárias, não menos que a
metade. O alegado propósito dessas reformas era promover
a “democracia intrapartidária”. Os novos regulamentos e
outras decisões firmadas no Congresso, todas acatadas dali
em diante, foram definidas por Khrushchev como garantias
contra a recorrência do culto à personalidade.144 Ao mesmo
tempo, a imprensa do partido soviético evocava Lenin ao
afirmar que “o movimento revolucionário não pode ser
estável sem uma organização que assegure a sucessão dos
líderes”.
Duas outras decisões significativas do Vigésimo
Segundo Congresso modelavam-se nas recomendações de
Lenin, nomeadamente o aumento da composição do Comitê
Central em relação à registrada até o congresso anterior,
isto é, de 125 para 175 membros, e a substituição de
Ignatov, Furtseva, Mukhitdinov, Belyayev e Aristov, então
membros do Presidium, por novos ativistas do partido, em
observância aos estatutos.145
Na visão do autor, a ditadura pessoal de Khurshchev foi
algo provisório que acabou sábia e oportunamente
substituído pela liderança coletiva com o intuito de evitar
uma crise sucessória e subseqüentes disputas pelo poder.
Várias outras circunstâncias contribuíram para a
organização do sistema e, com efeito, condicionaram-nas:
• A condenação do culto à personalidade e da
eliminação física de rivais, tais como praticados por
Stalin.
• A incompatibilidade entre ditaduras pessoais e a
colaboração ativa, construtiva e harmoniosa de um
bloco formado por países comunistas em busca de
uma política comum e de longo alcance.
• A voluntária e exemplar renúncia de Mao a todas as
suas posições de poder, à exceção da liderança do
partido, para concentrar-se nos problemas relativos à
política de longo alcance e à estratégia comunista em
1959.
• A preocupação dos líderes do bloco em evitar uma
repetição dos aflitivos eventos que se seguiram a
1924 e 1953.
• O interesse pessoal de Khrushchev e de Mao em
evitar a subseqüente condenação de suas atuações
em decorrência de eventuais disputas de poder; logo,
sua prontidão em delegar voluntariamente os seus
poderes ao aparato do partido e à burocracia.
• O efeito estabilizante da política de longo alcance.
Em face da experiência pregressa, da instauração da
liderança coletiva e ainda dessas novas circunstâncias, já
por volta de 1960 os líderes do bloco deram início a
tratativas junto a seus comitês centrais para garantir
transferências de poder suaves, oportunas e pacíficas, tal
como foi, segundo a análise do autor, o caso da sucessão de
Khrushchev em 1964.
A versão ocidental sobre a destituição de Khrushchev
baseou-se em evidências inadequadas e nada confiáveis. Os
principais itens considerados foram a ausência de qualquer
reconhecimento pelos serviços prestados por Khrushchev; o
desaparecimento de seus retratos em Moscou; a
exoneração de Adzhubey, seu genro e associado político
(soube-se mais tarde que ele fora rebaixado a um cargo
menor num jornal soviético) e as referências ao culto à
personalidade na imprensa soviética, as quais, embora não
mencionassem Khrushchev, foram interpretadas no
Ocidente como uma campanha de
“deskhrushchevinização”. Ademais, alegava-se que
Khrushchev vivesse em humilde obscuridade, cercado por
pequeno séquito; que, segundo relatos não confirmados,
fora destituído por nepotismo ao final das oito horas de uma
reunião do Presidium, por força de um relatório de Suslov;
que era o responsável por diversos erros e fracassos
políticos, tais como a retirada de Cuba, as súplicas pelo
trigo americano, a rixa com a China, a atabalhoada
descentralização da economia soviética, sua proposta de
visita à Berlim Ocidental e seu mal sucedido estilo pessoal
de diplomacia, uma mistura de insultos e adulação ao
Ocidente.
Essas evidências são frágeis e contraditórias. O primeiro
argumento contra a compulsoriedade da saída de
Khrushchev está no fato de a sua própria equipe ter
continuado a dominar a liderança soviética praticamente
sem sofrer alterações. Brezhnev, que o substituiu na
liderança do partido, era seu assistente mais obediente e
experimentado, além de amigo da maior confiança. Ele
devia sua carreira à Khrushchev e era um elo entre os
grupos da Ucrânia e de Moscou. Kirilenko e o ex-presidente
Podgorny eram quase tão íntimos de Khrushchev quanto
ele. Outros fiéis assistentes e designados de Khrushchev, a
exemplo de Shelepin, Biryuzov, Malinovskiy, Semichastny e
Patolichev, mantiveram suas posições-chave no partido e no
governo.
Ainda mais importante é o fato de que dois parentes de
Khrushchev continuaram a ter poder na liderança e no
governo, sendo que um deles chegou a ser promovido.
Esses eram Polyanskiy, que se preservou como membro do
Presidium e primeiro-ministro da República Russa, e o Mar.
Grechko, que permaneceu no cargo de assistente do
ministro da defesa e na chefia das forças do Pacto de
Varsóvia, vindo ser promovido a ministro da defesa poucos
anos mais tarde.146 O fato de parentes de Khrushchev
terem conservado tais posições-chave após a sua saída não
combina com a crença ocidental em uma destituição
abrupta. Pelo contrário, sustenta a conclusão de que se
tratou de uma transferência de poder suave e combinada.
Ademais, descarta a história de que Khrushchev fora
destituído por nepotismo, pois, à exceção de Adzhubey,
nenhum de seus parentes foi afetado pela sua saída. Aqui
vale observar que as relações de Grechko e Polyanskiy com
Khrushchev nunca foram levadas a público por Brezhnev ou
por outros líderes do partido. Trata-se de um tipo de
informação que normalmente se mantém sob sigilo, restrito
ao conhecimento de pouquíssimos.
Tivesse Khrushchev realmente caído em razão de seu
culto à personalidade ou de seus erros de cálculo político,
críticas abertas por parte da imprensa comunista seriam
mais que esperadas. O fato é que houve poucas, e ainda
assim veladas ou indiretas. Não houve revelações acerca de
sua cumplicidade com os crimes de Stalin ou de sua falta de
escrúpulos na disputa pelo poder entre 1955 e 1957. Não
houve críticas ao espírito “aventureiro” de sua política
externa quando das crises de Berlim e de Cuba, nem à sua
exploração de escritores soviéticos. O que se viu foram
algumas críticas vagas na imprensa soviética em relação ao
culto à personalidade e a alguns aspectos um tanto
menores da política, recebidas por jornalistas ocidentais
como referências a Khrushchev. Talvez essa interpretação
tenha sido corroborada por revelações de altos funcionários
comunistas a seus contatos no Ocidente, mas não é do
feitio de comunistas dar a diplomatas ou jornalistas
ocidentais os fatos reais sobre caso algum. Houve certa
especulação acerca da vida privada de Khrushchev — suas
caçadas, seus apartamentos, suas casas de campo e
também sua sensacional aparição diante de jornalistas
ocidentais. Ocorre que tais manifestações não deveriam ser
aceitas pelo que aparentam: elas podem ser mais bem
compreendidas no contexto das operações de
desinformação. Naturalmente, não houve reconhecimento
oficial dos serviços prestados por Khrushchev, pois isso teria
perturbado a desinformação em torno da recorrência de
disputas de poder.
Em resumo, não houve grande comoção, nem antes
nem depois do afastamento de Khrushchev. Com raras
exceções, houve continuidade na liderança. Houve
continuidade, sobretudo, na implementação da política de
longo alcance que Khrushchev iniciara. A explicação mais
provável é, portanto, que sua destituição tenha sido um
espetáculo montado com o seu pleno consentimento. Além
do mais, é provável que esse espetáculo tenha sido
encenado com conhecimento prévio e anuência dos líderes
comunistas de outros países. Isso explicaria as alardeadas
visitas a Moscou de líderes comunistas do Ocidente que,
logo após a suposta destituição, exigiram “explicações” e
expressaram a mais alta consideração por Khrushchev e
suas políticas, ostentando assim para todo o Ocidente a sua
recém-conquistada independência em relação à União
Soviética.
Pelo rádio, pelos jornais e por documentos oficiais, o
povo russo foi informado de que Khrushchev renunciara em
decorrência da idade e do declínio de sua saúde (ele
nascera em 1894). A versão oficial podia muito bem estar
próxima da verdade, haja vista que Lenin instituíra um
precedente para afastamento por motivos de saúde.
Khrushchev queria entrar para a história como um novo
Lenin. Tal como o primeiro, ele chegou a sair em caçada
pelos arredores de Moscou depois de aposentar-se. A
despeito de seu passado stalinista, Khrushchev fizera uma
grande contribuição à causa comunista, a qual, por razões
táticas, não pôde ser reconhecida publicamente de
imediato. No momento certo, provavelmente após a
conclusão da política de longo alcance, todos os líderes
responsáveis, entre eles Khrushchev, Mao, Novotny,
Ulbricht, Tito, Brezhnev e Teng Hsiao-ping, receberão as
devidas homenagens. Khrushchev não teria sido um
verdadeiro comunista se não tivesse concordado com tal
arranjo, o que certamente fez, com sua ironia característica.
É interessante que as autoridades soviéticas tenham
permitido a Neizvestny, o polêmico escultor a quem o
próprio Khrushchev criticara por abstracionismo, que
concebesse o simbólico monumento preto e branco que
orna a sepultura de Khrushchev. E não tardou que o nome
de Khrushchev ressurgisse na Grande Enciclopédia
Soviética.
De acordo com a nova interpretação, o afastamento de
Khrushchev, que incidentalmente o dotou de liberdade para
escrever suas memórias, partiu da intenção de resolver o
problema da sucessão na União Soviética, ensaiar a troca
de guarda segundo os seus desejos e prevenir convulsões e
outras dificuldades para o partido, para o regime e até para
ele mesmo. O que possibilitou uma transferência suave e
combinada de poder foi a mesma causa para a qual esta
transferência estava dedicada: a continuidade da política de
longo alcance. Como todos os líderes do bloco comunista
estavam e estão igualmente comprometidos com essa
política, nenhum deles pode alterá-la arbitrariamente, seja
na União Soviética, na China, na Romênia ou em qualquer
outro país, sem enfrentar séria oposição do aparato do seu
próprio partido ou dos demais partidos comunistas. Como o
afastamento de Khrushchev foi provavelmente acordado
com os líderes dos outros partidos, pode-se ainda sugerir
que o seu exemplo tenha sido seguido, com variações
locais, nas transições de Gheorghiu-Dej a Ceausescu, na
Romênia; de Novotny a Dubcek e de Dubcek a Husak, na
Tchecoslováquia; de Gomulka a Gierek e de Gierek a Kania,
na Polônia; de Ulbricht a Hockener na Alemanha Oriental; e
nas transições efetuadas na China e na Iugoslávia após os
falecimentos de Mao e de Tito.
Segundo a presente análise, o afastamento de
Khrushchev cumpriu com sucesso as idéias de Lenin sobre a
transferência de poder entre líderes. Sem nada de concreto
que justifique a crença de que Khrushchev caiu em virtude
de uma disputa de poder, pode-se concluir que esse
afastamento foi, em parte para os habitantes do mundo
comunista, mas principalmente para o Ocidente,
deliberadamente retratado como parte de uma crise de
sucessão análoga às que se seguiram às mortes de Lenin e
de Stalin. O mesmo pode-se concluir das chamadas disputas
de poder nos partidos iugoslavo, chinês e polonês. Com
efeito, todas elas devem ser encaradas como operações
integradas no quadro geral do programa de desinformação
do bloco comunista.
Objetivos da desinformação em torno de
disputas de poder

O esforço de desinformação despendido para manter


acesa a crença ocidental na existência e inevitabilidade das
disputas de poder na liderança dos partidos comunistas
serve a vários propósitos. Existe uma relação óbvia e íntima
entre disputas de poder e sectarismo: não há este sem
aquelas, e vice-versa. A desinformação em torno de
disputas de poder dá, portanto, sustentação a operações de
desinformação baseadas em falso sectarismo, a exemplo
daquelas em torno da desestalinização, dos cismas
soviético-albanês e sino-soviético, e da democratização da
Tchecoslováquia em 1968. Serve também para obscurecer a
unidade, a coordenação e a continuidade da busca por uma
política comum e de longo alcance dentro do bloco. Ao criar
falsas associações entre diferentes líderes comunistas e
diferentes aspectos ou fases da política comunista —
Khrushchev e “revisionismo”, Mao e “dogmatismo”, Hsiao-
ping e “pragmatismo”, Dubcek e a “democratização”,
Brezhnev e seu “neo-stalinismo” — o Ocidente pode ser
induzido a tirar falsas conclusões sobre as forças motrizes
dessa política, a fazer prognósticos imprecisos sobre seus
futuros desdobramentos e a reagir de forma equivocada à
situação que se lhe apresenta. É mais provável que o
Ocidente faça concessões em negociações da SALT, por
exemplo, ou ainda no tocante ao fornecimento de alta
tecnologia para a União Soviética ou para China, caso
acredite que assim vá fomentar alguma tendência “liberal”
ou “pragmática” dentro da liderança do partido. Por outro
lado, o Ocidente pode ser levado a atribuir aspectos
agressivos da política comunista à influência dos linhas-
duras. O sair de cena dos líderes que tenham levado essa
pecha pode ser usado para promover o mito da
liberalização, como ocorrido no caso de Novotny em 1968. A
terceira parte deste livro discutirá a possibilidade de
desdobramentos similares na União Soviética e em outros
países do Leste Europeu na fase final da política de longo
alcance, e que a sucessão de Brezhnev pode muito bem ser
explorada para o mesmo fim.
É possível sugerir ainda outro propósito por trás da
orquestração de falsas disputas de poder: que o “expurgo”
ou a “desgraça” de comunistas de destaque, como Hsiao-
ping na China ou Barak na Tchecoslováquia, tirados de cena
por tempos variados porque supostamente vitimados em
disputas de poder, possa encobrir a transferência
temporária desses mesmos agentes para outros centros
secretos de coordenação política.

7 Na opinião do autor, tanto Robert Conquest como Myron Rush, respectivamente


em Russia After Khrushchev (Nova York: Frederick A. Praeger, 1965) e Political
Succession in the USSR (Nova York: Columbia University Press/New York
Research Institute on Communist Affairs, 1965), interpretaram de maneira
equivocada a mudança na liderança soviética de Khrushchev para Brezhnev.
Na visão Conquest, Khrushchev foi afastado num golpe secreto e repentino que,
em função de seus erros em política doméstica e exterior, uniu “conservadores”,
“moderados modernos” e “desertores da facção Khrushchev” (Brezhnev). As
razões para tanto consistiam em objeções a seus esquemas mal preparados. É
notável que as queixas mais prementes fossem, de longe, que ele tivesse agido
sem consultá-los, que ele tivesse feito das reuniões do Comitê Central um
auditório para avançar suas propostas por aclamação, que ele tivesse usado seu
genro (Alex Adzhubey) como um agente pessoal em relações internacionais sem
informar o Presidium, e assim por diante. Mas a gota d’água foi quando
Khrushchev lhes propôs abertamente a instalação de Adzhubey na máquina do
poder: “Tratava-se de uma ameaça tanto aos antigos khruschevistas como aos
não-khruschevistas. Os primeiros devem ter se lembrado de como Stalin
também substituíra seus antigos seguidores por homens de sua própria
entourage”.
Conquest baseia sua interpretação no paralelo com a disputa de poder que se
seguiu à morte de Stalin. “A situação atual difere em muitos aspectos
importantes daquela criada pela morte de Stalin em março de 1953. No entanto,
os eventos sucedidos naquele tempo são o único paralelo à nossa disposição, de
modo que o seu exame aprofundado certamente trará frutos, pois quanto mais
a estrutura de poder depende de um homem, tanto mais é provável que se
abale com o seu afastamento. A saída de Khrushchev, tal como a de Stalin,
deixou um vácuo de poder [...] Havia então, prontas para agir, uma série de
figuras do segundo escalão com longa experiência nas altas esferas e alto
prestígio no aparato do partido”.
Segundo a interpretação de Rush, as disputas de poder na União Soviética
seguem tal como após as mortes de Lenin e de Stalin, pois o problema da
sucessão não foi resolvido. Rush também entende que a destituição de
Khrushchev foi resultado de uma conspiração: “a renúncia de Khrushchev aos
postos que o tornavam líder efetivo da União Soviética, anunciada a 15 de
outubro de 1964, surpreendeu o Ocidente tanto quanto a ele próprio. O golpe de
estado impediu-o de comparecer a uma celebração em honra dos astronautas
soviéticos que ele acabara de anunciar pelo rádio e pela televisão. A derrubada
de Khrushchev foi resultado de uma conspiração, e não a culminação de uma
série de manobras destinadas a reduzir o seu poder”. Rush vê Khrushchev como
um ditador: “Foi necessário uma conspiração para removê-lo, pois a soberania
não residia em coletivo algum, mas em sua pessoa”.
Ainda segundo Rush, é impossível organizar uma sucessão política na União
Soviética, de modo que o falecimento ou a destituição do líder é o início da crise
sucessória: “na União Soviética, o governante evidentemente não tem como
herdar a autoridade. Ele tem que conquistá-la, e é difícil entender como alguém
pode tomar poderes tão vastos contra a pronta oposição dos rivais sem que isso
produza uma crise política. Sua profundidade e seus efeitos, no entanto, variam
conforme o escopo e a intensidade da disputa e maneira por que se lhe venham
a resolver. A sucessão começa com a morte política ou física do governante.
Ainda que as circunstâncias desse evento possam afetar substancialmente o
curso do processo, nem mesmo o governante que tente arranjar a própria
sucessão pode realmente antecipá-las. A morte do governante pode ser um
evento político, e não físico, como uma revolta palaciana (o que houve com
Khrushchev, na verdade). Nesse caso, sua pessoa e suas políticas tornam-se
imediatamente um ponto central na sucessão [...] Seja como for, a crise
sucessória é, de início, em grande parte matizada pela rivalidade pessoal entre
os herdeiros mais ambiciosos. Em seus esforços para assumir o poder deixado
pelo antigo governante, impelem-se a fazer manobras e compromissos,
formando facções nas altas esferas de acordo com os constantes cálculos de
interesse pessoal e princípio político”.
Rush reconhece a preocupação de Khrushchev quanto ao problema da sucessão:
“se Khrushchev tentou lidar com o problema da sucessão, seus arranjos não
perderam importância porque ele foi removido da liderança antes que pudesse
atingir o seu propósito. Pelo contrário, tais arranjos moldaram a situação que
resultou da sua queda, e talvez tenham ajudado a ocasioná-la. Khrushchev tinha
profunda consciência do problema sucessório na União Soviética, embora o
atribuísse muito pouco ao marxismo. Preocupado com a transferência do poder
de uma classe para a outra, o marxismo tem relativamente pouco a dizer sobre
a transferência do poder entre líderes. Khrushchev conhecia o problema da
sucessão por experiência, e não por teoria. Ele já tinha seus trinta anos quando
da sucessão de Lenin, e, em alguma medida, reviveu aquela experiência em sua
campanha contra a memória de Stalin”.
8 Ver a carta de Lenin (1923) publicada em Kommunist nº 9, 1956, pp. 11-17: “o
camarada Stalin, uma vez empossado secretário geral, tem concentrado
enormes poderes em suas próprias mãos, e não estou certo de ele seja capaz de
sempre utilizá-los com cautela o bastante”.
9 A análise de Rush sobre os problemas sucessórios em torno das mortes de Lenin
e de Stalin está, em linhas gerais, adequada. Ver Political Succession in the
USSR, pp. 39-43: “o esforço de Lenin para influenciar o processo de sucessão no
que diz respeito a personalidades, política e organização falhou miseravelmente.
Seus conselhos, oferecidos após séria reflexão e com a devida gravidade, foram
desconsiderados, mesmo em vida, por homens que professavam servi-lo. Esses
homens não apenas não seguiram as recomendações de Lenin como também
não puderam apreciar os argumentos em que elas se baseavam. Stalin,
contudo, pode ter sido uma exceção — o testamento de Lenin pode lhe ter
ensinado a ser mais cauteloso e dissimulado do que já lhe era de feitio. Os
últimos escritos de Lenin não se tinham exaurido de significância histórica em
1930. Um terço de século mais tarde, foram finalmente repassados ao
Congresso do partido por um novo pretendente ao manto de Lenin, cujas
ambições, bem sabia, poderia promover atacando a Stalin. O uso que
Khrushchev deu ao testamento de Lenin em 1956 indica que o documento
conservava sua importância na cena política soviética mesmo depois de o
Décimo Terceiro Congresso tê-lo decidido suprimir [...] seguramente, sua maior
preocupação [de Stalin] foi a constância de sua própria autoridade, sendo que a
necessidade de manter intactos os seus vastos poderes restringiram muito os
arranjos para a sua sucessão”.
0 Ver suas colocações finais ao Vigésimo Segundo Congresso do PCUS (CSP, vol. 4,
p. 200): “É um erro, camaradas, é simplesmente impossível permitir o despontar
e desenrolar de casos em que o merecido prestígio de um indivíduo possa tomar
feições que lhe digam ser-lhe tudo permitido, em que ele julgue não mais
precisar do coletivo. Esse indivíduo pode deixar de ouvir as vozes de outros
camaradas que, assim como ele, foram alçados à liderança, e pode começar a
suprimi-las. Nosso grande mestre, V. I. Lenin, opunha-se a isso de maneira
categórica, e o partido pagou caro por não lhe dar ouvidos em tempo. Sejamos,
pois, discípulos à altura de Lenin”.
1 Ibid.: “mas todo líder deve também enxergar o outro lado: jamais envaidecer-se
em sua posição, e lembrar-se de que, ao ocupar este ou aquele posto, está
apenas fazendo a vontade do partido e o desejo do povo, que podem ter-lhe
investido do maior dos poderes, mas nunca lhe deixado escapar ao controle. O
líder que se esquecer disso pagará muito caro pelo engano. Diria ainda que o
pagará em vida, ou, mesmo depois da morte, o povo não o perdoará, como no
caso da condenação do culto a Stalin. Quem se esquece de sua obrigação para
com a vontade do partido e o desejo do povo não pode ser propriamente
chamado de um verdadeiro líder; não pode haver tais “líderes” nem no partido
nem no aparato do estado”.
2 Ibid., p.198: “Sob as condições do culto ao indivíduo, o Partido foi privado de sua
vida normal. Usurpadores do poder deixam de ser imputáveis pelo Partido,
escapando-lhe ao controle. Eis o maior perigo do culto à personalidade. A
situação deve sempre ser tal que todo e qualquer líder responda diretamente ao
partido e às suas agências, de maneira que o partido possa, sempre que julgar
necessário, substituir todo e qualquer líder”.
3 Ibid., p. 200: “Gostaria de dizer algumas palavras sobre a questão. Em muitos
discursos no Congresso, e não raro em nossa imprensa, quando se faz menção à
atuação do Comitê Central do nosso partido, dá-se uma certa ênfase a mim
pessoalmente, de modo que meu papel, que é levar a efeito as grandes medidas
do partido do governo, fica sob os holofotes. Vejo boas intenções por trás das
ações desses camaradas, mas permitam-me ressaltar que tudo quanto se diz
sobre mim deveria ser dito do Comitê Central do nosso partido leninista e do
Presidium desse mesmo comitê. Nenhuma grande medida, nenhuma declaração
oficial partiu das diretivas pessoais de quem quer que seja; tudo isso são
resultantes de deliberação e determinação coletivas. Esse mesmo discurso
também foi apreciado e aprovado pelo coletivo executivo. Nossa maior força,
camaradas, reside na liderança coletiva, nas decisões colegiadas acerca de
todas as questões de princípio”.
4 Ibid., pp. 199-200: “O Vigésimo Segundo Congresso está reafirmando-se nessa
direção benéfica. O programa e os estatutos do partido, bem como as
resoluções do Congresso, estabelecem garantias contra recaídas no culto ao
indivíduo. O papel do partido, que é a grande força inspiradora e organizadora
na construção do comunismo, há de crescer ainda mais”.
5 Registros taquigráficos do Vigésimo Segundo Congresso (Moscou, 1962), vol. 3,
pp. 356-360.
6 As informações sobre as relações entre esses líderes e Khrushchev foram
obtidas de funcionários da KGB na Ucrânia e em Moscou — Kolesnikov e
Kochurov — e parcialmente confirmadas pelo ataque de Zhukov a Khrushchev
em reunião do Politburo no outono de 1957.
CAPÍTULO 19
A SÉTIMA OPERAÇÃO DE DESINFORMAÇÃO:
A “DEMOCRATIZAÇÃO” DA TCHECOSLOVÁQUIA (1968)

A interpretação ocidental

Ao longo de 1968, como noticiado pelas imprensas


comunistas e ocidentais, os líderes do partido comunista
introduziram certas reformas econômicas e políticas na
Tchecoslováquia. No âmbito econômico concederam mais
independência aos administradores das fábricas e a
reintroduziram parcialmente práticas de mercado, inclusive
a adoção de fins lucrativos. No âmbito político, o que se viu
foram desdobramentos sensacionais. Fontes comunistas
revelaram que uma intensa disputa tinha se travado no seio
da liderança do partido: de um lado os conservadores (ou
stalinistas) liderados pelo secretário-geral do partido,
presidente Novotny; do outro, os liberais (ou progressistas)
liderados por Dubcek, secretário do Partido Comunista da
Eslováquia. Os liberais venceram em janeiro de 1968, e
Dubcek veio a substituir Novotny na liderança do país.
O novo regime trouxe à tona alguns crimes cometidos
pela liderança anterior, denunciou a prática do culto à
personalidade, supostamente reduziu em alguma medida o
papel dos serviços de segurança e ampliou os direitos
políticos da população. A censura foi abolida. Intelectuais
passaram a gozar de mais liberdade, e as oportunidades de
viagem ao exterior melhoraram. Chegou-se ao ponto de
discutir a possibilidade de se permitir a formação de
partidos não-comunistas.
Alarmada por esses acontecimentos, a União Soviética
denunciou-os sob a acusão de contra-revolucionários.
Tropas do Pacto de Varsóvia invadiram a Tchecoslováquia
em agosto, sem encontrar qualquer resistência por parte do
exército local. A situação invertia-se: Dubcek e os liberais
foram substituídos por títeres soviéticos.
Baseando-se em relatos oriundos de fontes comunistas,
jornalistas, acadêmicos e oficiais ocidentais interpretaram a
crise tchecoslovaca como uma tentativa espontânea e
pacífica de revolução democrática. Tomaram a disputa de
poder entre progressistas e conservadores como genuína, e
as reformas de Dubcek como um socialismo “com uma face
humana”. A indignação causada pela ocupação da
Tchecoslováquia suscitou profundas simpatias por Dubcek,
seu regime e seu novo estilo de socialismo.
Quatro fatores adicionais contribuíram para que o
Ocidente comprasse a liberalização do regime
tchecoslovaco. Primeiro, o fato de tal liberalização suceder
num país que guardara forte tradição democrática até o
golpe comunista em fevereiro de 1948, de maneira que
parecia tratar-se de um reavivamento dessa tradição.
Segundo, os líderes tchecoslovacos pareciam ter ido mais
longe em suas críticas à União Soviética, em sua aceitação
de partidos não-comunistas e em suas denúncias de crimes
cometidos por ex-oficiais dos serviços de segurança tcheco
e soviético contra membros não-comunistas da classe
política, como o ex-Ministro do Exterior Jan Masaryk.
Terceiro, a extrema pressão exercida pelos soviéticos sobre
o regime Dubcek através da imprensa soviética e da
ostensiva movimentação de tropas do Pacto da Varsóvia na
fronteira com a Polônia. E quarto, a existência de um
paralelismo aparentemente estreito entre a Tchecoslováquia
de 1968 e a Hungria de 1956.147
De acordo com a interpretação ocidental dos
acontecimentos, a derrubada do regime de Novotny foi
ocasionada pela aliança entre alguns economistas de
orientação liberal, meia dúzia de intelectuais dissidentes e
mais uns poucos líderes comunistas de orientação
progressista, como Dubcek. Por frágil que fosse, essa
aliança pôde levar a cabo uma revolução democrática
contra um regime totalitário que tinha a seu favor as forças
armadas e os serviços de segurança — tudo isso sem
disparar um único tiro.

Erros ocidentais

Um grande erro nas análises ocidentais da


Tchecoslováquia em 1968 foi tomar os acontecimentos
daquele ano como se isolados do passado recente. A
incapacidade de captar as mudanças nas relações internas
do bloco e a adoção da política de longo alcance entre 1958
e 1960 implicou, infelizmente, a utilização de uma
metodologia ultrapassada na interpretação dos eventos.
Ignorando a disseminação sistemática de informações
falseadas por meio de fontes sob controle comunista,
inclusive intelectuais e altos funcionários, além da própria
imprensa, essas análises acabaram por depositar confiança
demais nessas mesmas fontes.

Uma reinterpretação da “democratização” da


Tchecoslováquia

A nova metodologia dita uma nova interpretação da


“democratização” tchecoslovaca. Em sentido totalmente
oposto à interpretação anterior, encara-a não como um
evento espontâneo, mas como uma manobra planejada e
combinada, o ensaio de um desenvolvimento similar a ser
efetivado no quadro da política de longo alcance. O principal
argumento em favor dessa visão está no encaixe e na
harmonia da “democratização” tchecoslovaca com a
estratégia comunista para a Europa Ocidental. Um segundo
argumento advém do fato de a Tchecoslováquia ter se
conservado como membro ativo do Comecon e do Pacto de
Varsóvia no decorrer de todos os levantes de 1968.
Entre 1958 e 1960, os líderes do partido tchecoslovaco,
seus serviços de segurança e de inteligência, e o regime
como um todo, participaram ativamente da formulação,
adoção e implementação da política de longo alcance do
bloco comunista. Novotny freqüentemente consultava-se
com os líderes soviéticos, em especial com Khrushchev, e
junto de seus colegas — notavelmente Hendrych, que era
responsável pelos tratos ideológicos e pelo trabalho com
intelectuais — desempenhou um papel fundamental na
formulação de tudo quanto diz respeito à Tchecoslováquia
no contexto da política de longo alcance. Sob a sua
liderança, uma delegação do partido tchecoslovaco tomou
parte no Congresso dos Oitenta e Um Partidos, sediado em
Moscou no ano de 1960, onde se definiram a adoção da
política para todo o bloco e a estratégia do movimento
comunista internacional.
Há indícios de que o papel estratégico da
Tchecoslováquia já estivesse articulado, ao menos em linhas
gerais, desde 1960, e que os preparativos para a respectiva
manobra tenham se iniciado logo em seguida. Em maio de
1961, Dubcek foi recebido na União Soviética por Suslov.148
Em junho e julho do mesmo ano, uma delegação de
servidores do partido tchecoslovaco, liderada por Lenart, foi
à União Soviética para estudar o trabalho do PCUS.149 Em
junho de 1962, foi a vez de Novotny liderar outra delegação
em visita ao país.150
A coordenação entre os serviços de segurança e de
inteligência da Tchecoslováquia, da União Soviética e de
outros países do bloco em torno de seu papel estratégico na
implementação da política de longo alcance iniciou-se em
1959. O ministro do interior, Barak, e outros membros de
seu ministério participaram da conferência que reuniu em
Moscou, naquele mesmo ano, todos os serviços de
segurança e de inteligência do bloco comunista. Desde
então, os serviços tchecoslovacos integraram-se ao seu
centro de coordenação de inteligência e segurança.
De 1959 a 1968, Novotny e seu ministro do interior —
Barak, até 1961 — trabalharam ativamente pela dissolução
da verdadeira oposição política na Tchecoslováquia, visando
criar uma oposição falsa e manejável nas mesmas linhas
inauguradas e seguidas por Shelepin na União Soviética.
A dissolução da oposição foi, em grande medida,
resolvida à base de reabilitação e anistia. O regime de
Novotny concedeu anistias em 1960, 1962, 1964 e 1965,
sendo que a mais abrangente foi a 1960. A última, em 1968,
foi concedida sob Dubcek, que assim dava continuidade a
uma política já estabelecida por Novotny e Barak.

O papel de historiadores e economistas na


“democratização”

Estabeleceu-se entre 1959 e 1968 um estreito paralelo


entre a abordagem adotada por Khrushchev e Shelepin e
aquela adotada pelos líderes tchecoslovacos para utilização
de escritores, economistas, historiadores, outros intelectuais
e membros reabilitados do partido em trabalhos de política
ativista. Os indícios consistem na criação de uma falsa
oposição na Tchecoslováquia e no fato de a suposta disputa
de poder entre liberais e conservadores ter sido encenada
segundo o padrão estabelecido por Khrushchev e Shelepin
na União Soviética.
Em 1963, o Comitê Central do Partido Comunista da
Tchecoslováquia criou duas comissões de especialistas. Uma
delas reunia trinta e seis historiadores sob o comando de
Gustav Husak, então vice-presidente do conselho de
ministros; a outra consistia de um grupo de economistas
sob o comando de Ota Sik, que mais tarde viria a se tornar
vice-primeiro ministro sob Dubcek. O Comitê Central
disponibilizou às duas comissões os arquivos secretos do
partido, inclusive levantamentos estatísticos.
O ano de 1963 é significativo, pois sucedia em três anos
a adoção da política de longo prazo e precedia em cinco a
chamada “democratização”. As tais comissões instalaram-
se nos tempos de Novotny; Husak e Sik figuraram com
destaque no processo de democratização e em sua
subseqüente reversão. Juntando esses fatos todos, pode-se
concluir que as comissões tenham se formado sob a
liderança de Novotny para lançar, no escopo da política de
longo alcance, as bases para os eventos de 1968. O fato de
Novotny ter criado a comissão econômica a partir de
sugestão de Khrushchev é um indicador ainda mais forte da
colaboração entre soviéticos e tchecoslovacos.151
Historiadores soviéticos foram mobilizados em apoio à
política de longo alcance bem no mesmo período, mas de
forma diferente — Khvostov, o acadêmico, desempenhou
um importante papel na condução dessas atividades.

Os papéis de Barak e de Sik

O papel de Barak, sua exoneração em fevereiro de 1962


e a sua reabilitação em 1968 podem ser totalmente
reinterpretadas.
Barak foi ministro do interior entre 1953 e 1961 e
membro do Presidium do partido de 1954 a fevereiro de
1962. Como ministro do interior, teve participação relevante
na formulação da política de longo alcance e manteve
relações próximas com Shelepin, então presidente da KGB.
Ao voltar de uma viagem que fizera à Tchecoslováquia
enquanto membro de uma delegação da KGB, o chefe do
Instituto KGB, Gen. Kurenkov, informou a equipe e os
estudantes do instituto de que a KGB tinha relações mais
íntimas com o serviço de segurança da Tchecoslováquia do
que com qualquer outro serviço de segurança do bloco —
isso entre 1959 e 1960.
É significativo que os jovens tecnocratas que integraram
a Comissão Econômica em 1963, e desempenharam papéis
chave na introdução das reformas econômicas cinco anos
mais tarde, entre eles Ota Sik, fossem próximos de Barak na
virada dos anos 1960.152 Dada a conexão de Barak com o
planejamento da política de longo alcance e do novo papel
dos serviços de segurança e de inteligência, é provável que
eles estivessem sendo preparados para tomar parte na
introdução da “democratização” controlada.
A 9 de fevereiro de 1962, anunciou-se pela imprensa
tchecoslovaca que Barak fora detido e sentenciado a quinze
anos de prisão por desvio de verbas públicas. Ele foi solto
em maio de 1968 sob a alegação de que as tais verbas, em
vez de ser embolsadas, tinham se destinado ao serviço de
inteligência tchecoslovaco. O próprio Barak deu a entender
que sua destituição deveu-se ao medo que Novotny tinha
de ser vitimado pelos jovens tecnocratas por quem ele,
Barak, gostava de estar cercado.153
Dado o seu envolvimento na formulação da política de
longo alcance entre 1959 e 1961, é provável que sua prisão
tenha sido mera ficção utilizada para despistar os analistas
ocidentais quanto à verdadeira natureza das relações que
mantinha com tecnocratas como Sik. Poderia também ter
prestado para vestir esse importante policial secreto com
um manto de reformador liberal e vítima de Novotny, a
melhor explicação para a sua reaparição sob o novo regime,
em 1968. Havia ainda mais um possível motivo para
encenar a prisão de Barak: ao fazer o levantamento dos
danos causados pela deserção do autor, sucedida em
dezembro de 1961, a KGB teria descoberto que ele sabia da
íntima cooperação entre os seus lideres e os líderes do
serviço secreto tchecoslovaco, então sob o comando de
Barak.
É admissível especular que, em vez de ficar na cadeia
de 1962 a 1968, Barak tenha sido enviado a Moscou em
segredo para representar o governo tchecoslovaco no
centro de coordenação de inteligência e de segurança do
bloco. Ele teria reaparecido na Tchecoslováquia em maio de
1968 para atuar como um coordenador de bastidores. Como
homem decisivo no estágio de planejamento daqueles
eventos, sua presença in loco teria sido necessária durante
o período crucial de seu desdobramento.
Considerando-se as suas relações com Barak e a sua
nomeação, pelo Comitê Central, para a direção da Comissão
Econômica em 1963, o papel de Sik na introdução das
reformas econômicas, seu apoio a Dubcek em 1968 e a sua
participação no governo de Dubcek devem ser encarados
como o cumprimento de uma atribuição no quadro geral da
política de longo alcance, e não como sua atividade
espontânea. Não por acaso, a nomeação de 1963 coincidiu
com a emergência, na União Soviética, de um economista
liberal: o Prof. Liberman. Com efeito, Sik ficou conhecido
como o “Liberman tchecoslovaco”.

O papel dos escritores na “democratização”


Compreender o papel de Sik na introdução das reformas
econômicas na Tchecoslováquia, e os papéis de Tvardovskiy
e Kochetov à frente das facções “liberal” e “conservadora”
dos escritores soviéticos, ajuda a compreender o papel dos
escritores tchecoslovacos na “democratização” de 1968.
Dado que Khrushchev recomendou ao partido tchecoslovaco
que montasse a tal Comissão Econômica em 1963, não
espantaria que ele ou Shelepin tivessem recomendado ao
partido e ao serviço de segurança tchecoslovacos que se
utilizassem de seus escritores para uma “liberalização”
controlada, do mesmo modo como eles mesmos haviam se
utilizado de Tvardovskiy e Kochetov.
Os escritores tchecoslovacos desempenharam um papel
importante na suposta destituição de Novotny e no
subseqüente empossamento de Dubcek. No Congresso de
Escritores de 1967, por exemplo, o “liberal” Ludvik Vaculik,
que era membro do Comitê Central, membro da equipe da
revista Literárne Listy e confidente de Dubcek, fez diversas
conferências em defesa de mais liberdade criativa. Num
apelo ao “socialismo democrático”, conclamou todos os
presentes para uma batalha contra os “neo-stalinistas”. O
eslovaco Mnacko desferiu ataques a Novotny. Anton Liehm,
um dos fundadores de Literárne Listy, posicionou-se contra
a censura e o nepotismo policial. Outro escritor leu em voz
alta a “carta secreta” de Solzhenitsyn contra a censura.
As críticas ao neo-stalinismo foram convincentes, mas
Vaculik, Klima e Liehm, que tomaram parte nessas críticas e
advogaram a democratização, eram então todos membros
do Comitê Central do partido tchecoslovaco. Isso levanta ao
menos a possibilidade de que, tal como Tvardovskiy e
Kochetov, estivessem agindo sob as instruções do partido. É
digno de nota que, três meses mais tarde, em setembro de
1967, esses escritores tenham sido expulsos do partido por
“disseminarem propaganda anticomunista no Congresso
dos Escritores”. Uma vez que se conheçam os métodos de
provocação utilizados pelos serviços de segurança
comunistas, tais expulsões podem ser interpretadas como
medidas destinadas a construir para esses escritores a
imagem de autores independentes, críticos espontâneos do
regime e expoentes genuínos do socialismo democrático ao
mesmo tempo em que serviriam para encobrir suas
atribuições secretas junto ao partido.
Alguns dos atos e discursos dos escritores
tchecoslovacos — o discurso de Vaculik, por exemplo —
remontavam a atos e discursos de escritores húngaros em
1956. A questão a ser levantada é se os atos e discursos
dos escritores tchecoslovacos foram verdadeiramente
espontâneos ou modelados de antemão pelo Comitê Central
e seu Departamento Ideológico, no que seriam preparativos
para a introdução de um programa de reformas controladas
destinado a estabilizar o regime tchecoslovaco e a servir
aos propósitos da estratégica do bloco para a Europa.
É interessante que, em seu discurso, depois de
condenar “a primeira fase stalinista” no regime
tchecoslovaco, Vaculik fizesse menção à “segunda fase”, a
que assistiria à realização do socialismo democrático. Dão-
se a perceber aqui vestígios de planejamento prévio. Esses
discursos poderiam muito bem ter sido preparados em
parceria com a Comissão de Historiadores, montada em
1963. O próprio Vaculik revelou em março de 1967, dois
meses antes do Congresso de Escritores, ter participado de
uma reunião do Departamento Ideológico do Comitê
Central, por cuja ocasião discutiram-se questões relativas à
liberdade criativa.
Vaculik e outros escritores publicaram um manifesto
intitulado Duas mil palavras na revista semanal Literárne
Listy, edição de 27 de junho de 1968.154 O texto tornou-se
mais tarde o credo dos “progressistas” do partido, e foi
usado pelos soviéticos e por outros comunistas “ortodoxos”
para denunciá-los por contra-revolução. Algumas de suas
declarações revelam o tipo de “democratização” que os
autores tinham em mente: ao passo que se identificavam
com os “progressistas” do partido, invocavam apoio dos
funcionários e órgãos de segurança do partido e “respeito
aos tratados de amizade firmados pela Tchecoslováquia com
os seus aliados” — a União Soviética e outros países do
Pacto de Varsóvia, por exemplo. O que segue são algumas
citações do manifesto:
“Em primeiro lugar, caso se manifeste, oporemo-nos à opinião de
que um renascimento democrático pode vir a suceder sem os
comunistas ou mesmo contra eles. Seria não apenas injusto, mas
também insensato [...] Os comunistas dispõem de organizações bem
estabelecidas, e essas são necessárias para a sustentação das
tendências do progresso. Eles têm funcionários experientes, e detêm
ainda as chaves de comando. Eles prepararam um programa de ação
que foi proposto ao público, programa esse voltado à reparação das
maiores injustiças, e são os únicos que têm um programa com tal
concretude [...] Tragamos a Frente Nacional de volta à vida [...]
Apoiemos as agências de segurança quando em perseguição a
delinqüentes no âmbito do direito comum ou penal. Não temos a
intenção de provocar anarquia ou de instalar um estado geral de
insegurança [...] Asseguremos aos nossos aliados que respeitaremos
nossas alianças, nossos tratados de amizade e de comércio”.

À luz do interesse do partido e dos serviços de


segurança em introduzir e controlar um processo de
“democratização”, essas expressões de apoio revelam
claramente a orientação do partido que subjaz ao
manifesto.

A “disputa” entre os “conservadores” de


Novotny e os “progressistas” de Dubcek

Se os economistas e escritores “liberais” são


considerados como as duas primeiras forças por trás da
“democratização” de 1968, a terceira teria sido a tal disputa
entre os “progressistas” e “conservadores” na liderança do
partido, a qual veio a termo com a vitória dos primeiros.
Conquanto pertencesse à geração stalinista, criado sob
o pano de fundo das lideranças de Stalin e de Gottwald,
Novotny não assumiu a liderança do partido tchecoslovaco
até depois da morte de Stalin. Foi sob a sua liderança que o
partido, tal como seu correspondente soviético, sob a
liderança de Khrushchev, passou por uma verdadeira
desestalinização entre 1956 e 1960, período de reabilitação
de muitos presos políticos. É questionável, portanto, se
eram bem fundamentadas as acusações de neo-stalinismo
que lhe dirigiram os “progressistas”. Seus ares de
artificialismo sustentam a tese de que foram inventadas
para, no quadro geral da política de longo alcance e do
programa de desinformação, representar uma espécie de
levante liberal espontâneo o que se tratava, na verdade, de
uma transferência de poder para uma nova geração de
líderes, uma sucessão ordenada, planejada e controlada.
Do mesmo modo, há razões para sugerir que Dubcek
tenha sido escolhido e adestrado para ser o antagonista de
Novotny numa exibição calculada de diferenças internas do
partido. Tal como Novotny, embora mais jovem e
hierarquicamente inferior, Dubcek era um produto da
máquina stalinista no partido. Eslovaco de origem, tinha
conexões íntimas com a União Soviética, onde vivera de
1922 e 1938. Integrou-se ao Partido Comunista da
Tchecoslováquia em 1939, ascendendo continuamente no
decorrer dos últimos quatorze anos de Stalin. Em 1953, ano
da morte de Stalin, Dubcek tornou-se secretário do partido
numa cidade da Eslováquia.
De acordo com Salomon, Dubcek adorava e respeitava a
União Soviética.155 Entre 1955 e 1958, freqüentou a Alta
Escola do Partido, ligada ao Comitê Central do PCUS, em
Moscou. Essa escola seleciona e treina futuros líderes para o
PCUS e outros partidos comunistas, e Dubcek ainda estava
por lá em 1958, o ano em que se deu o início da formulação
da política de longo alcance. Sua experiência na Rússia, e
mais precisamente nessa instituição, podem muito bem ter
determinado que Dubcek fosse escolhido e adestrado pelo
Comitê Central para estar à frente dos “progressistas”.
Dubcek foi nomeado secretário do Partido Comunista da
Eslováquia e membro do Presidium em 1963, o mesmo ano
em que Sik foi apontado como diretor da Comissão
Econômica, e Husak como diretor da Comissão de
Historiadores. Pode-se, então, presumir que ele tenha sido
escolhido para exercer o referido papel nesse mesmo ano.
Há uma série de anomalias na história da “revolução
silenciosa”, incoerências que levantam sérias dúvidas
acerca de sua natureza espontânea. Algumas perguntas
ainda sem resposta são:
• Por que a maioria “conservadora” no Presidium votou
em Dubcek? E por que o próprio Novotny não se opôs
à sua candidatura?
• Por que o Comitê Central e a máquina do partido,
ambos controlados pelos “conservadores” de
Novotny, não impediram a sua substituição por
Dubcek?
• Por que nem os líderes “conservadores” entre
militares e agentes de segurança (a exemplo de
Lomsky, ministro da defesa, e de Mamula, chefe da
segurança militar), nem os líderes das tropas de
choque e da milícia de Praga (perpetradores do golpe
de estado em 1948) agiram contra Dubcek se havia
um risco real de ele se tornar um Imre Nagy
tchecoslovaco e então ameaçar os alicerces do
regime?
• Por que Hendrych, apoiador “ultraconservador” de
Novotny, assíduo visitante de Moscou, chefe do
departamento ideológico do partido, controlador dos
intelectuais do país desde 1958 — em suma, o
equivalente tchecoslovaco de Ilichev — encerrou-se
com Dubcek na sessão secreta do Comitê Central que
o nomeou secretário-geral em janeiro de 1968?
• Por que todos esses “conservadores” aceitaram
Dubcek sem oferecer resistência quando, admitindo-
se a espontaneidade da revolução, deveriam ter
batido o pé até que perdessem suas cabeças?
• Por que Dubcek não afastou altos funcionários como
Lomsky ou Mamula logo no início de março de 1968?
• Por que os censores da imprensa apoiaram a
“democratização” e votaram contra a censura?
• Por que Novotny permaneceu intocado depois de
destituído se era mesmo o vilão que se dizia?
• Por que a política externa de Dubcek seguiu a velha e
ortodoxa linha anti-OTAN, anti-EUA, anti-Israel?
• Por que os líderes “progressistas” receberam tão bem
as tropas da ocupação?

Tivesse o regime de Dubcek sido autenticamente


democrático, teria afastado os funcionários ortodoxos do
partido e dos serviços de segurança que, no passado, foram
responsáveis pela repressão. Na verdade, apenas trezentos
indivíduos no Ministério do Interior foram supostamente
exonerados ou rebaixados — uma gota no oceano. De modo
geral, a velha guarda passou incólume. “Conservadores” e
“ortodoxos”, além de “novos progressistas” — alguns deles
ex-vítimas da repressão “conservadora” —, serviram todos
juntos sob o novo regime do “socialismo democrático”.
Com efeito, a maior mudança foi o retorno, às altas
esferas do governo, de certos membros reabilitados do
partido, cuja reabilitação foi explorada para projetar uma
nova imagem do regime comunista. Entre eles estavam
Husak, vice-primeiro ministro, solto em 1960; Smrkovsky,
presidente da Assembléia Nacional, solto em 1955; e Pavel,
ministro do interior, também solto em 1955. É bem possível
que o seu retorno tenha sido a concretização de uma
política de reabilitação levada a cabo nos moldes soviéticos.
Nesse contexto, vale lembrar que tanto Gomulka como
Kadar, que ascenderam, respectivamente, à liderança dos
partidos polonês e húngaro, também eram membros
reabilitados.
Um traço distintivo da reabilitação na Tchecoslováquia
era que os antigos comunistas fossem totalmente
reabilitados, o que não se dava com alguns dos presos
políticos não-comunistas. A Lei da Reabilitação, baixada em
junho de 1968, aprovou a revisão de casos individuais, mas
não anulou as decisões da corte. Isso para evitar a soltura
de “elementos contra-revolucionários justamente
sentenciados”.
Talvez a evidência mais contundente da continuidade
essencial entre o velho e o novo regime seja o fato de que
Gottwald, responsável pelo terror que imperou de 1948 em
diante (aí compreendido, segundo estatísticas oficiais, o
encarceramento de centro e trinta mil pessoas), não foi
denunciado como criminoso pelo novo regime. Muito pelo
contrário, Dubcek condecorava as viúvas e os órfãos de
mártires comunistas com a Ordem de Gottwald, sob cuja
liderança seus maridos e pais tinham sido executados.
Estranhamente, os familiares das vítimas aceitavam essas
honrarias.156
A natureza controlada da “democratização” na
Tchecoslováquia revela-se claramente em comparações com
a Hungria de 1956. A revolução húngara foi um movimento
popular. Enquanto durou, desmantelou o sistema, a
máquina do partido e os serviços de segurança. Substituiu
os líderes apontados pelo partido por líderes não-
partidários. Alguns líderes do partido, como Imre Nagy,
romperam com a organização para aliarem-se ao povo. Na
Tchecoslováquia, por outro lado, a “democratização” foi
levada a cabo pelo partido, donde o nome “revolução
silenciosa”. A máquina do partido, o exército e os serviços
de segurança passaram basicamente ilesos. Houve
continuidade, e não ruptura, com o regime anterior. Líderes
comunistas mais velhos foram substituídos por outros mais
jovens, de modo que o monopólio do partido sobre a força e
a ideologia não se quebrou. A revolução húngara aconteceu
durante a crise do bloco comunista, e foi propriamente uma
expressão dessa crise. A revolução tchecoslovaca aconteceu
enquanto o bloco retomava o fôlego, e assim ilustrou a
implementação da política de longo alcance em pleno curso.
Alguns aspectos da reação soviética a esses eventos
foram um tanto estranhos. Apesar de trocarem críticas,
líderes soviéticos e tchecoslovacos continuaram a visitar os
países uns dos outros. Surgiram até fotografias de Dubcek e
Brezhnev abraçando-se calorosamente. A não ser por um ou
outro palpite inspirado pelos próprios regimes, nada se sabe
sobre as conversas que realmente tiveram. No Ocidente,
tais evidências das boas relações entre os dois líderes foram
ignoradas ou interpretadas como uma tentativa grosseira de
encobrir a profundidade das dissensões entre eles. A
interpretação revisada da “revolução silenciosa”, baseada
na nova metodologia, sugere que esses encontros foram
ocasiões para discussão e coordenação dos passos
seguintes para cada um dos lados.
A movimentação das tropas do Pacto de Varsóvia na
fronteira da Polônia com a Tchecoslováquia,
indubitavelmente destinada a evocar os eventos de 1956,
foi conspícua demais para ter verossimilhança. A incursão
na Tchecoslováquia foi, sob essa lente, uma medida
acordada de assistência ao regime, como de fato afirmou à
época o partido tchecoslovaco.157 Foi também uma
oportunidade para sazonar e ensaiar tropas de países do
bloco com uma intervenção “punitiva” e estabilizadora em
outro país comunista. É significativo que tropas dos países
com maior histórico de rebeldia (Polônia, Hungria e
Alemanha Oriental) tenham sido mobilizadas para a
intervenção na Tchecoslováquia. No entanto, o propósito a
que mais fundamentalmente serviu essa intervenção foi
ensinar de uma vez por todas à Europa Oriental e a todo o
bloco comunista que os Estados Unidos e a OTAN não
tinham como se meter naquilo e que a oposição interna na
Tchecoslováquia ou em qualquer outro país comunista seria
simplesmente esmagada.

Conclusões

Considerando-se que os líderes tchecoslovacos


participaram da formulação da nova política de longo
alcance para o bloco e que seus serviços de segurança e de
inteligência envolveram-se no planejamento e na
preparação das operações de desinformação destinadas a
apoiá-la; considerando-se os indícios de que as reformas
econômicas de Sik e outros foram planejadas a partir de
1963, ainda sob Novotny, e de que os escritores
tchecoslovacos não exigiram a “democratização” por livre e
espontânea vontade, mas segundo o seu papel no partido e
sob a orientação de Hendrych; considerando-se, por fim,
todas as inconsistências no processo de “democratização” e
na suposta disputa entre “progressistas” e “conservadores”,
liderados respectivamente por Dubcek e Novotny, a
conclusão inescapável é que a “revolução silenciosa” foi
uma operação planejada e conduzida pelo próprio aparato
do partido, beneficiado pelo então recente paralelo soviético
no que diz respeito a azeitar um falso movimento de
oposição. Não se pode negar que algumas reformas
políticas e econômicas tenham se efetivado em 1968, é
claro, mas seria um erro tomá-las como espontâneas,
abrangentes ou democráticas, como os líderes comunistas
quiseram-nas fazer parecer. Foram reajustes calculados,
feitos por iniciativa e sob controle do partido, que
“detinham as chaves de controle”.158 Goldstuecker, umas
das figuras centrais na “democratização”, declarou a
Salomon sem fazer cerimônia: “nós tentamos desenvolver
um controle efetivo do poder desde dentro do nosso próprio
sistema”.159
A “revolução silenciosa” foi uma demonstração efetiva
da nova atuação criativa do partido, a conjunção do
trabalho realizado por seus economistas, historiadores,
escritores, membros reabilitados e supostos “progressistas”
e a aplicação das técnicas de ação e desinformação política.
Radicalmente distinta da espontânea revolução húngara,
representou um passo além na expansão das operações de
desinformação por todo o bloco, e a serviço da política de
longo alcance. Teve alguns elementos puramente locais,
entre eles, por exemplo, a revelação do caso de Jan Masaryk
(cuja história completa ainda não se contou) e a alegada
“destituição” de Novotny (que está mais para uma
aposentaria convencional, motivada, como a de
Khrushchev, pela idade avançada ou por questões de
saúde).

Perdas e ganhos dos comunistas

Sem sombra de dúvida, o governo soviético e o bloco


como um todo perderam em prestígio com a chamada
intervenção na Tchecoslováquia, mas, nos termos da política
de longo alcance e de sua estratégia, as vantagens
imediatas e futuras definitivamente superaram as perdas.
Antes de 1968, havia sérios problemas na
Tchecoslováquia, problemas esses que exigiam soluções. O
partido comunista, o regime e suas instituições estavam
desacreditados. A liderança do partido carecia de
mudanças. O regime enfrentava oposição interna e externa.
O descontentamento pairava sobre os intelectuais e os
membros do partido que já tinham passado pela prisão. Os
eslovacos ressentiam-se da dominação tcheca. A
aniquilação da democracia em 1948 ainda estigmatizava os
comunistas perante a Europa Ocidental, e assim dificultava
a sua colaboração eleitoral com liberais e socialistas.
Com o apoio dos líderes dos outros regimes do bloco, os
tchecoslovacos chegaram a soluções comunistas por meio
da “democratização” controlada. Foram bem sucedidos em
revitalizar o partido, o regime e as instituições, dando-lhes
uma cara nova, mais democrática. Resolveram o problema
sucessório sem que isso gerasse convulsões sociais ou
disputas de poder. Conseguiram o comprometimento da
geração mais nova com a continuação da política de longo
alcance e o fortalecimento da coordenação estratégica no
contexto do Pacto de Varsóvia.160 Na “revolução silenciosa”,
demonstraram sua abordagem de longo prazo na seleção e
preparação de futuros líderes e na rotação de candidatos
para criar um fundo de experiência. Desenvolveram sua
própria versão de desinformação em torno da
desestalinização e das disputas de poder a partir dos
moldes fornecidos pela experiência dos partidos soviético,
chinês e iugoslavo. Tiveram bom êxito em confundir e, em
certa medida, neutralizar a oposição interna e externa.161
Neutralizaram a insatisfação entre os intelectuais ao
envolvê-los em sua política como colaboradores.
Neutralizaram a insatisfação entre os membros do partido
que se encontravam presos ao reabilitá-los e investi-los de
posições destacadas. Neutralizaram o descontentamento
eslovaco ao trazer eslovacos (Dubcek e Husak) à liderança
do partido na Tchecoslováquia e fomentar a economia do
país.
Em resumo, os líderes comunistas tchecoslovacos foram
bem sucedidos em preservar e, com efeito, fortalecer o
regime ao mesmo tempo em que lhe construíam uma nova
imagem. Dubcek ficou fortemente identificado, tanto em
casa como no exterior, com o novo “socialismo com uma
face humana”, aceitável aos social-democratas e liberais
ocidentais.

Possíveis implicações da “democratização”


para o Ocidente

Os líderes e estrategistas soviéticos, tchecoslovacos e


de todo o bloco adquiriram valorosa experiência e
compreensão das reações ocidentais à “democratização” na
Tchecoslováquia. O governo de Dubcek, comunista como
era, tomou novas feições radicalmente novas no Ocidente.
Em vez de um regime opressor, totalitário, manchado pelo
fevereiro de 1948, e por isso merecedor de desprezo ou
indiferença, era tido como o arauto de uma nova era do
socialismo, digno ser encorajado e apoiado por todas as
correntes de opinião. O estilo dubcekiano de socialismo
impediu a conservadores e esquerdistas moderados de
argumentar que a aquisição de poder por parte dos partidos
comunistas na Europa Ocidental e em outros lugares levaria
automaticamente à extinção da democracia, como ocorrido
na Tchecoslováquia em 1948. Concomitantemente, forneceu
aos partidos comunistas da Europa Ocidental uma poderosa
arma de propaganda e uma nova base sobre a qual
estabelecer frentes unidas com partidos socialistas contra o
capitalismo e o conservadorismo, seus adversários em
comum. Nesse contexto, há que se lembrar que a revista
World Marxist Review — Problemas da Paz e do Socialismo,
órgão internacional dos partidos comunistas, é sediada e
publicada na capital tchecoslovaca.
No curto prazo, o afastamento de Dubcek foi um
contratempo para os partidos comunistas da Europa
Ocidental. Sob Husak, o regime pareceu pender de volta a
um tipo mais ortodoxo e tradicional de comunismo. Não
obstante, o governo de Dubcek despertou no Ocidente
grandes expectativas pela futura evolução política da
Europa Oriental e da União Soviética, e também para a
emergência de novos tipos de socialismo. Com efeito, pode-
se esperar tranqüilamente que o experimento seja repetido
tanto na Tchecoslováquia (com ou sem Dubcek) como, em
escala ampliada, na fase final da política de longo alcance.
Futuras “primaveras de Praga” poderiam muito bem trazer
a vitória eleitoral a um ou mais partidos comunistas na
Europa Ocidental. Uma vez que esses partidos amoldem-se
ao tipo dubcekiano de comunismo, haverá sérios riscos de
que socialistas, moderados e conservadores, por não
compreenderem a verdadeira natureza e os motivos
estratégicos do comunismo de Dubcek, aceitem a situação
com todos os perigos associados e suas potenciais
conseqüências.
Seria de grande valor para o Ocidente estudar o roteiro
e as técnicas do experimento tchecoslovaco, de modo que
não fosse novamente tapeado como em 1968. Ainda que
com variações locais, o roteiro pode mesmo repetir-se na
essência. Seus principais componentes são, portanto,
recapitulados abaixo:
• Um reavivamento da desestalinização, ao que se
conjuga a publicação, no exterior, das memórias de
ex-líderes do partido e outros presos políticos.
• Em seguida, a publicação doméstica dessas memórias
e de novas revelações sobre o antigo regime,
especialmente através da “literatura de cárcere”.
• Reabilitação de ex-líderes do partido.
• Rumores sobre uma disputa de poder nos bastidores
da liderança do partido e a emergência de líderes
“progressistas” e “liberais”.
• Um congresso de escritores e suas demandas por
mais liberdade e pela abolição da censura.
• A produção de programas de televisão, filmes e
romances polêmicos.
• Ênfase sobre “legalidade” e “democracia socialista”;
em federalismo em vez de centralismo (relativo à
Eslováquia).
• Expansão da liberdade comercial e ascensão de
conselhos econômicos e trabalhistas, além dos
sindicatos.
• Supressão da censura na imprensa escrita, no rádio e
na televisão; mais liberdade para o exercício de
atividades culturais e artísticas.
• Formação de partidos não-comunistas e agremiações
políticas controladas, tais como o Club 231.
• Encontros de presos políticos.
• Adoção de novas leis de reabilitação.
• Manifestações estudantis controladas.
• Reuniões secretas do Comitê Central e a seleção de
novos líderes “progressistas”.

Objetivos da “revolução silenciosa”


A montagem da “revolução silenciosa” e sua reversão
serviram a uma ampla variedade de objetivos táticos e
estratégicos, que podem ser resumidos da seguinte forma:
• Dar ao partido, a suas instituições e a seus líderes
uma nova imagem, democrática, e assim elevar a sua
influência, prestígio e apelo popular.
• Revitalizar o partido, o regime e as instituições — a
exemplo da Frente Nacional, dos sindicatos, da
imprensa e do parlamento — e convertê-las em
órgãos efetivos de poder a de controle na vida
econômica e política do país.
• Evitar uma crise real e a revolta popular, provocando
uma crise artificial e controlada mediante a ação
coordenada do partido, dos serviços de segurança,
dos intelectuais, dos sindicatos e de outras
organizações de massa.
• Impedir que a crise estabilizada saísse do controle
pela introdução de tropas do bloco na
Tchecoslováquia, por meio de uma ação planejada e
consentida anteriormente pelos líderes tchecos.
• Demonstrar a inutilidade da oposição e a impotência
da OTAN e dos Estados Unidos no que se refere a
possíveis intervenções.
• Levar a verdadeira oposição, tanto interna como
externa, a expor-se, e assim neutralizá-la ou liquidá-la
(o regime pode ter achado conveniente livrar-se de
um certo número de anticomunistas genuínos ao
instituir temporariamente o livre trânsito).
• Ensaiar a utilização das tropas do Pacto de Varsóvia
na “estabilização” de um país signatário, para o caso
de elas se fazerem necessárias em outro estado
comunista “independente”, a exemplo da Romênia, da
Albânia ou da Iugoslávia.
• Garantir uma sucessão tranqüila da uma geração
mais velha por uma geração mais nova de líderes
comunistas.
• Assegurar que os líderes mais jovens do partido
identifiquem-se e comprometam-se com a política de
longo alcance iniciada pela geração mais velha.
• Proporcionar aos líderes mais jovens experiência em
administrar desdobramentos políticos controlados.
• Elevar o seu prestígio, tanto interno como externo,
enquanto líderes nacionais democráticos e
independentes.
• Preencher a lacuna entre as duas gerações e apelar
aos ânimos nacionais, particularmente, os da geração
mais jovem.
• Apoiar e amplificar a desinformação estratégica em
torno da evolução política, do declínio da ideologia, da
emergência de novos estilos de comunismo e da
desintegração do bloco em regimes nacionais
independentes.
• Dar aos regimes romeno e iugoslavo uma
oportunidade de demonstrarem a sua independência
por meio de críticas à ocupação da Tchecoslováquia.
• Fazer o mesmo por certos partidos comunistas da
Europa Ocidental.
• Permitir a esses partidos que incrementem seu apelo
eleitoral identificando-se com o “socialismo com uma
face humana”.
• Instigar sentimentos negativos com relação a pactos
militares na Europa.
• Intensificar as pressões ocidentais pela convocação de
uma conferência sobre a segurança na Europa, que
aos comunistas interessaria, no sentido de promover a
dissolução de pactos militares, a criação de uma
Europa neutra e socialista, e a retirada da presença
militar americana.
• Deitar as bases para o futuro descrédito de estadistas
(especialmente conservadores) e dos serviços de
segurança e de inteligência ocidentais confundindo-os
com a “democratização” e falseando suas análises
com a inesperada invasão da Tchecoslováquia.
• Ensaiar e ganhar experiência para repetir a
“democratização” na União Soviética ou em outros
cantos da Europa Oriental durante a fase final da
política de longo alcance.

7 Os líderes soviéticos contribuíram para a promoção dessa analogia. Por


exemplo, em visita à Suécia no verão de 1968, Kosygin por três vezes cometeu
o ato falho de confundir Tchecoslováquia com Hungria.
8 GES (1962), p. 458.
9 GES (1962), p. 16.
0 GES (1963), p. 18.
1 Ver Prague Notebook: The Strangled Revolution (Boston: Little, Brown & Co.,
1971, p. 30). Michael Salomon, porém, interpretou equivocadamente essa
evidência, atribuindo a proposta de Khrushchev ao exemplo do “brain trust” do
Pres. Kennedy, e não à política de longo alcance.
2 Ibid., p. 30, nota 1. Salomon não captou a significância da proximidade entre
Barak e Sik.
3 Ibid.
4 Ibid., pp. 101-110.
5 Ibid., p. 69.
6 Ibid., p. 299.
7 Ver o seguinte excerto da carta remetida pelo partido comunista tchecoslovaco
às cinco potências do Pacto de Varsóvia, datada em 20 de junho de 1968, e
citada por Salomon em Prague Notebook (p. 121): “as manobras das forças
armadas do Pacto de Varsóvia em território tchecoslovaco constituem um prova
concreta de que cumprimos fielmente os compromissos dessa aliança. Para
assegurar o sucesso dessas manobras, temos tomado, do nosso lado, todas as
medidas necessárias. Nosso povo, e também os membros de nosso exército,
recebemos amistosamente o exército soviético e as forças aliadas. Os líderes
supremos do partido e do governo testemunharam a importância que atribuímos
a essas manobras e o interesse que por elas nutrimos. A confusão e algumas
dúvidas expressas em nossa opinião pública só apareceram depois das
reiteradas investidas na data da partida dos exércitos aliados, ao final das
manobras”.
8 Ver a carta do partido tchecoslovaco reproduzida em Prague Notebook (pp. 120-
121): “nunca aceitaremos que as conquistas históricas do socialismo e a
segurança das nações do nosso país sejam ameaçadas, ou que o imperialismo,
quer pacífica, quer violentamente, estilhace o sistema comunista e desequilibre
a balança do poder na Europa para o seu benefício. O conteúdo principal de
nossa evolução desde janeiro é precisamente essa tendência ao fortalecimento
interno e à estabilidade do regime, e, portanto, de nossas alianças”.
9 Ver Prague Notebook, p. 243.
0 Ver a carta do partido tchecoslovaco reproduzida em Prague Notebook (pp. 118-
119): “nossa aliança e nossa amizade com a União Soviética e os demais países
socialistas estão profundamente arraigadas no regime social, nas tradições e
nas experiências históricas das nossas nações, em seus interesses, sentimentos
e idéias [...] Nós nos portamos de tal maneira que as relações amistosas com os
nossos aliados, os países da comunidade socialista internacional, hão de se
aprofundar nas bases do respeito mútuo, da soberania e igualdade de direitos, e
da solidariedade internacional. Nesse sentido, contribuímos mais ativamente
com as atividades comuns [do Comecon] e com o Pacto de Varsóvia”.
1 Ainda que se sustente que a “democratização” tenha sido inteiramente
controlada, admite-se a existência, tanto dentro como fora do país, de
indivíduos legitimamente anti-regime que, sem perceber o que realmente se
passava, tenham agido de modo completamente independente durante os
últimos meses da crise e, portanto, revelando-se ao regime como elementos
contra-revolucionários. Não há dúvida de que tenham sido registrados dessa
forma.
CAPÍTULO 20
A SEGUNDA OPERAÇÃO DE DESINFORMAÇÃO:
A “EVOLUÇÃO” DO REGIME SOVIÉTICO —
PARTE II: O MOVIMENTO “DISSIDENTE”

AS EXPECTATIVAS OCIDENTAIS pela liberalização na União


Soviética, despertadas pela desinformação de inícios dos
anos 1960, foram em grande parte frustradas pela
intervenção na Tchecoslováquia, que marcou a retomada de
uma forma de neo-stalinismo associada à liderança de
Brezhnev. Ocorre que essa nova estirpe de stalinismo
parecia incapaz de encobrir ou mesmo controlar as forças
da oposição interna. O Ocidente testemunhou a emergência
não só de indivíduos como também de todo um movimento
“dissidente”, liderado extra-oficialmente pelo acadêmico
Andrey Sakharov, e dotado de uma notável capacidade de
resistir à perseguição do regime e manter-se em
comunicação com o Ocidente. O fenômeno só pode ser
compreendido à luz da história pregressa e da nova
metodologia.
Entre 1958 e 1960, quando a nova política de longo
alcance e o novo papel político da KGB estavam sendo
arquitetados, a verdadeira oposição ao sistema comunista
na União Soviética era intensa e profundamente enraizada.
A insatisfação era generalizada entre operários, agricultores
coletivizados, religiosos e intelectuais, e particularmente
acentuada entre nacionalistas ucranianos, letões, lituanos e
judeus. A oposição rejeitava o regime soviético na essência;
seus membros descrentes da possibilidade de “evolução”.
Criam firmemente que a liberdade só viria com uma nova
revolução, isto é, a derrubada do regime e a dissolução do
partido comunista. Não se denominavam dissidentes nem
eram assim categorizados pelo regime. Em documentos da
KGB e do partido, figuravam como “inimigos do povo”.
A KGB era capaz de prevenir e neutralizar contatos
entre o Ocidente e os genuínos oponentes do regime — a
publicação de material considerado hostil aos interesses
soviéticos foi efetivamente suprimida. Dois exemplos,
conhecidos pelo autor em 1961, ilustram esse ponto.
Naquele ano, um proeminente autor e jornalista soviético, V.
Grossman, compôs um livro anti-soviético e tentou publicá-
lo no estrangeiro. A idéia transmitida pelo livro era que o
principal erro da liderança soviética não fosse o culto a
Stalin, mas o culto a Lenin e às suas obras. Grossman
entregou o manuscrito a Sulman, ex-embaixador sueco e
decano do corpo diplomático de Moscou. A KGB descobriu o
que se passara, e então mobilizou um grupo operacional
que, sob as instruções de Shelepin, valer-se-ia de todos os
meios disponíveis para recuperar o manuscrito. O Politburo
preocupava-se com os efeitos que a sua publicação poderia
surtir sobre os partidos comunistas no exterior,
especialmente em se tratando de uma época em que a
adoção da política de longo alcance era ainda fato recente.
Dentro de dias, o manuscrito foi-lhe entregue por Shelepin,
e o Ocidente, à época, nada soube do ocorrido.
No mesmo ano, um destacado cientista de nome
Zargomister, ex-ministro adjunto da geologia que tinha
acesso a dados sigilosos sobre o andamento da questão
nuclear na União Soviética, pediu asilo político à embaixada
de Israel em Helsinki durante uma visita à Finlândia.
Zargomister teve seu pedido recusado, e foi encaminhado à
polícia finlandesa. Através de suas fontes secretas no país, a
residência da KGB em Helsinki recebeu um relatório que
dava conta de que um proeminente servidor soviético
tentara desertar para o Ocidente pedindo ajuda às
autoridades finlandesas. A KGB interveio. Zargomister foi
entregue a Sergeyev, cônsul soviético e oficial da KGB, que
o mandou de volta para a União Soviética num carro da
embaixada. Zargomister foi interrogado pela KGB em
Moscou, e morreu do coração quando confrontado com uma
cópia de sua conversa com a polícia finlandesa. Mais uma
vez, nada sobre esse trágico incidente chegou às páginas
ou ao conhecimento da imprensa ocidental.
O sério desafio que a verdadeira oposição impunha ao
regime exigia medidas especiais. Nesse sentido, os
preparativos do Comitê Central e da KGB já foram aqui
descritos: basearam-se nas técnicas de provocação e
profilaxia política aplicadas com sucesso por Dzerzhinskiy
na década de 1920.
Resumidamente, o GPU de Dzerzhinskiy, diante de uma
forte oposição interna, apoiada e explorada por movimentos
emigrantes e governos ocidentais, criou um falso
movimento de oposição conhecido como Trust, que foi
usado para expor, confundir e neutralizar a oposição
genuína, assim interna como externa. Induzindo emigrados
e serviços de inteligência ocidentais a apoiar o Trust, o GPU
pôde efetivamente isolar a verdadeira oposição interna do
mundo lá fora. Ademais, a bem sucedida projeção, via Trust,
da falsa imagem de uma evolução do regime soviético — no
sentido de tornar-se um sistema nacional convencional —
ajudou os líderes soviéticos a alcançarem suas metas
diplomáticas, tais como o reconhecimento e a melhoria das
relações diplomáticas com as potências européias e com a
China, a aquisição de expertise econômica européia e,
mediante o Tratado de Rapallo, a prestação de assistência
militar pela Alemanha.
Aplicar a nova metodologia à emergência do atual
movimento dissidente significa levar em consideração:
• Todas as evidências de um retorno às técnicas
dzerzhinskianas de provocação e desinformação
política segundo o padrão declínio-evolução e, em
particular, a notória adesão de Mironov e Shelepin.
• As instruções específicas que Mironov e Shelepin
deram à KGB em 1959, isto é, que se utilizasse do
potencial de inteligência expandido entre cientistas,
escritores e outros intelectuais para propósitos
políticos, e preparasse operações e experimentos
políticos a fim de dissolver a oposição interna na
União Soviética.
• O papel estratégico desempenhado por agentes de
influência da KGB entre os cientistas soviéticos na
década de 1960, mais especificamente na promoção
da idéia de que existiam interesses em comum entre
a União Soviética e os Estados Unidos.
• O debate entre escritores “liberais” e “conservadores”
nos anos de 1960, inspirado e controlado pela KGB
por intermédio de Tvardovskiy e Kochetov, que eram
seus agentes.
• Os conhecidos ativos que a KGB possuía entre
cientistas, escritores e outros intelectuais nos anos de
1960, e a probabilidade de que os tenha expandido
desde então.
• A proeminência de cientistas e escritores no
movimento dissidente.

Tendo-se em mente todos esses fatores, não pode haver


dúvida razoável de que o movimento dissidente como um
todo era algo análogo ao Trust, isto é, um movimento de
opinião controlado, cujas figuras principais são
colaboradores ativos e engajados do Comitê Central e da
KGB. Apenas sob essa lente é possível explicar por que um
regime totalitário neo-stalinista permitiria a proeminentes
figuras de “oposição” qualquer grau de contato ou liberdade
de trânsito em relação ao Ocidente. Com certeza é mais que
provável que alguns dos indivíduos nas bases da dissidência
sejam pessoas honestas envolvidas no movimento sem ter
noção de como seriam exploradas e, por fim, vitimadas,
mas o movimento não cumpriria sua função interna se não
pudesse atrair os inocentes.
O principal propósito aparente do movimento é lutar por
democratização, pelos direitos humanos e pelo
cumprimento dos acordos de Helsinki. A impressão geral
criada no Ocidente é a de uma disputa espontânea e
fundamental entre os conservadores que apóiam o regime e
cientistas, escritores e intelectuais liberais. Naturalmente,
notícias sobre a perseguição, prisão e exílio forçado de
“dissidentes” como Sakharov suscitam intensa indignação,
simpatia e apoio por parte do Ocidente. Os ânimos exaltam-
se ainda mais com a conexão deliberadamente fabricada
entre os problemas dos dissidentes e os problemas dos
judeus soviéticos. Talvez seja a emotividade do Ocidente o
que lhe borra a visão para o fato de que boa parte do que
sabe a respeito do movimento dissidente foi cortesia das
autoridades soviéticas.
O crescimento do movimento dissidente é
freqüentemente visto como um dos frutos da détente
Oriente-Ocidente dos anos de 1960. A despeito da atual e
aparente perseguição dos dissidentes, o Ocidente acabou
por depositar suas esperanças na liberalização do regime
soviético, a longo prazo, graças a uma possível vitória final
dos dissidentes nessa “batalha heróica”. Na verdade, tanto
o conspícuo assédio perpetrado pelas autoridades soviéticas
como o próprio movimento dissidente são em grande parte
artificiais. Ambos participam da montagem de palco para a
fase final da política de longo alcance, cujo início pode se
esperar para pouco depois de Brezhnev desaparecer do
cenário político. É provável que compreenda também uma
liberalização escusa do regime, possibilitada pela
“reabilitação” dos atuais líderes da dissidência.
O paralelo entre o movimento dissidente e a Trust não é
exato. O mundo mudou profundamente ao longo dos
cinqüenta anos que os separam. Na década de 1920, Lenin,
Dzerzhinskiy e o GPU lutavam pela sobrevivência do
comunismo num só país. Nas décadas de 1960 e 1970,
diversos tipos de dissidência foram explorados por todo o
bloco, notoriamente na Tchecoslováquia em 1968. É
possível discernir movimentos dissidentes por toda a Europa
Oriental e até mesmo na China.
Este capítulo irá deter-se no exame do líder extra-oficial
da dissidência, Sakharov, que hoje vive em exílio interno na
cidade de Gorkiy.162

Sakharov

Sakharov é um cientista renomado, cujos serviços


prestados ao regime soviético no desenvolvimento de
armas nucleares são oficialmente reconhecidos. Como um
dos principais conselheiros científicos do governo, teria tido
perspectiva privilegiada da estratégia e das relações
soviéticas com outros estados comunistas, entre eles a
China, e acesso às informações mais delicadas e sigilosas
no campo nuclear. É inconcebível que ele pudesse gozar das
oportunidades que teve para manter contato com colegas e
amigos no Ocidente se realmente estivesse em desacordo
com o regime e fosse, portanto, considerado um risco de
segurança. Mesmo de seu exílio em Gorkiy, Sakharov é
capaz de comunicar-se com o Ocidente através de
intermediários e de correspondência. A única conclusão
coerente com esses fatos é que ele continua a ser um fiel
servidor do regime, cujo papel é agora o de porta-voz sênior
dos estrategistas soviéticos.
Desenvolvido por agentes soviéticos na década de
1960, o tema dos “interesses comuns” entre Oriente e
Ocidente expandiu-se no conceito de “convergência” entre
os sistemas comunista e não-comunista.
Antes de examinar as posições de Sakharov, faz-se
necessária breve menção do já abordado movimento Novos
Marcos. Os adeptos desse movimento afirmavam que o
regime soviético estava evoluindo de um estado ideológico
para outro estágio convencional, nacional e capitalista. Por
conseguinte, argumentavam, os brancos163 emigrados não
deveriam combatê-lo, mas com ele cooperar no sentido de
estimular o desenvolvimento desses tendências. O
movimento teve um efeito significativo não apenas sobre os
emigrados como também sobre os governos ocidentais com
os quais eles mantinham contato, de modo que se criaram
as condições favoráveis para que o regime conseguisse
reconhecimento diplomático e auxílio econômico por parte
do Ocidente. Ocorre que os adeptos dos Novos Marcos
estavam enganados. O reconhecimento diplomático e a
prestação de assistência econômica não fomentaram a tal
evolução. Pelo contrário, a União Soviética saiu da década
de 1920 mais forte, agressiva e ideológica do que nunca, e
os adeptos do movimento foram retratados como profetas
mal fadados.
Os inocentes teóricos ocidentais da convergência
engolem basicamente a mesma carga de desinformação, a
saber, que a influência da ideologia comunista está em
declínio, que os regimes comunistas estão cada vez mais
próximos do modelo ocidental, e que há sérias
possibilidades de que esses regimes sofram mudanças
favoráveis aos interesses do Ocidente.
Na década de 1920, essas mensagens foram
transmitidas pelo regime por meio do movimento
emigrante. Na década de 1960, na verdade já a partir de
1958, entraram em cena os cientistas soviéticos. Nos anos
de 1920, essas mensagens enfatizavam que a tendência
natural do regime soviético era afastar-se da ideologia e
aproximar-se do capitalismo. Nos anos de 1960, os
argumentos foram bem distintos. Expoentes da
convergência argumentavam que, sob a influência da
revolução tecnológica, a União Soviética estava
desenvolvendo similaridades estruturais com o Ocidente, e
que tais similaridades atestavam a existência de interesses
comuns entre os dois sistemas. O desenvolvimento de
armas nucleares e a necessidade de evitar um conflito
dessa ordem entre o Oriente e o Ocidente geravam ainda
outros argumentos. Ademais, argumentou-se nos anos de
1960, a existência de diferenças sino-soviéticas e a relativa
moderação dos soviéticos tornavam a resistência ao “perigo
amarelo” que vinha do Oriente um interesse comum entre a
União Soviética e o Ocidente.
Dada a ausência de fundamentos para concepção de
uma evolução genuína no mundo comunista, não há
argumentos que sustentem a sua alegada convergência
com o Ocidente. E considerando-se que as supostas
diferenças sino-soviéticas também são produto de
desinformação conjunta, não há como atestar a existência
de interesses comuns entre o Ocidente e a União Soviética
contra a China ou entre o Ocidente e a China contra a União
Soviética. As noções de convergência e de interesses
comuns foram ambas moldadas pela desinformação
comunista segundo os interesses da política de longo
alcance. As teorias ocidentais da convergência assentam,
em grande parte, sobre a aceitação irrefletida de
informações igualmente falseadas.
O anseio do Ocidente pela convergência entre os
sistema comunista e não-comunista é, de modo geral,
sincero. Nota-se intensa e legítima preocupação quanto à
prevenção de um conflito nuclear entre Oriente e Ocidente.
Existe, portanto, uma predisposição ocidental a aceitar a
autenticidade da discordância de Sakharov, que se
expressa, por exemplo, em seu tratado (supostamente
distribuído com discrição na União Soviética e publicado
extra-oficialmente no Ocidente sob o título Progress,
Coexistence and Intellectual Freedom) e em seu livro
Sakharov Speaks.164 Na verdade, noções espúrias de
convergência têm sido amplamente aceitas no Ocidente, ao
passo que a autenticidade nominal das dissensões sino-
soviéticas tem sido quase que universalmente aceita. Os
equívocos inspirados por essas fraudes despertaram, entre
políticos ocidentais e a opinião pública em geral, sérias
expectativas pela melhoria das relações entre a União
Soviética e o Ocidente na década de 1960 e entre o
Ocidente e a China na década de 1970. Quer percebessem,
quer não percebessem, os expoentes ocidentais da
convergência tiveram suas atitudes amoldadas pelo bloco e
por seu empreendimento de desinformação, cujo principal
objetivo era criar condições favoráveis ao cumprimento das
metas estratégicas da política de longo prazo.
As linhas fundamentais do pensamento de Sakharov no
que diz respeito à convergência estão expostas em
Convergence of Communism and Capitalism: The Soviet
View e em Sakharov Speaks.165 Preocupado com a
aniquilação da humanidade, Sakharov oferece uma
“alternativa melhor”. Ele divide os atuais e os futuros
eventos mundiais em estágios que se sobrepõem uns aos
outros. No primeiro, “uma crescente disputa nos países
socialistas — de um lado as forças stalinistas e maoístas, do
outro as forças realistas do comunismo leninista,
compreendidos os esquerdistas ocidentais — causará uma
profunda ruptura ideológica em escala internacional,
nacional e intrapartidária”. Segundo Sakharov, “na União
Soviética e em outros países socialistas, este processo
levará à configuração de um sistema multipartidário e a
acirradas disputas e debates ideológicos que, ao resultarem
na vitória dos realistas, farão valer a política de coexistência
pacífica, o fortalecimento da democracia e a expansão das
reformas econômicas (1960-1980)”.166 As datas refletem “a
visão mais otimista possível do encadeamento dos
eventos”.
“No segundo estágio”, continua, “as persistentes
demandas por progresso social e coexistência pacífica nos
Estados Unidos e em outros países capitalistas, somadas à
pressão exercida pelo exemplo dos países socialistas e pelas
forças progressistas internas (classe trabalhadora e
intelligentsia), levarão à vitória da ala reformista da
burguesia, que dará início à implementação de um
programa de reaproximação (convergência) com o
socialismo — progresso social, coexistência pacífica e
colaboração com o socialismo em escala mundial, incluindo
mudanças na estrutura da propriedade, por exemplo. Essa
fase compreende uma expansão do papel da intelligentsia e
um ataque às forças do racismo e do militarismo (1972-
1985).
No terceiro estágio, uma vez que tenham superado a
sua alienação, União Soviética e Estados Unidos darão cabo
do problema que aflige a metade mais pobre do mundo [...]
Ao mesmo tempo, prosseguirão com o desarmamento
(1972-1990).
No quarto estágio, a convergência socialista reduzirá
diferenças de estrutura social, promoverá a liberdade
intelectual, a ciência e o progresso econômico, e levará à
criação de um governo mundial, portanto à amenização das
contradições nacionais (1980-2000)”.167
A preocupação de Sakharov quanto à possibilidade de
um conflito nuclear é mais que justificável. O perturbador é
que o seu raciocínio acerca da convergência vá além das
teorias ocidentais. Ele a prevê em termos comunistas e às
custas do Ocidente. Sua argumentação deixa claro que ele
parte da genuinidade do cisma sino-soviético, tomando-o
como um legítimo catalisador do realinhamento das
potências mundiais.
Para compreender o verdadeiro sentido das afirmações
de Sakharov, sua atuação deve ser examinada à luz do
relatório Shelepin e da política de longo alcance adotada em
fins da década de 1960, período em que Sakharov começou
a emergir como figura pública na União Soviética. Na
condição de porta-voz do chamado movimento dissidente,
ele era o próprio provocador político. Caso fosse um
dissidente genuíno, não teria tido as oportunidades que
teve para travar contato com amigos ocidentais e outros
colegas. Além do mais, na condição de acadêmico atuante
no campo nuclear, teria tido acesso aos debates em torno
da estratégia nuclear à época do lançamento da nova
política de longo alcance e da respectiva prática de
desinformação. Teria conhecido o verdadeiro estado das
relações sino-soviéticas não apenas no campo nuclear, mas
também em outros campos. Dada a abrangência do
programa de desinformação, todo e qualquer
pronunciamento de um cientista soviético sobre questões
estratégicas deve ser tratado como se feito sob instruções
do regime.
Sakharov devia saber que a liberalização na União
Soviética acabaria por desenvolver-se nos termos de um
plano meticulosamente elaborado de antemão pelo regime,
e não de maneira espontânea, como ele mesmo sugere. Se
fosse um dissidente genuíno, Sakharov teria exposto a
verdade. Que ele não o tenha feito leva à conclusão de que
ele está agindo secretamente como porta-voz do regime,
escolhido para tanto em virtude de seu apelo natural frente
a cientistas e liberais do ocidente.
Sakharov prevê mudanças na União Soviética e em
outros países socialistas. Essas mudanças hão de revelar-se
com o surgimento, “aqui e acolá”, de um “sistema
multipartidário” e nas discussões ideológicas entre
“stalinistas” e “realistas”, ou “leninistas”. Nessa disputa,
Sakharov prevê a vitória dos realistas, que, segundo ele,
“farão valer a política de coexistência pacífica, o
fortalecimento da democracia e a expansão das reformas
econômicas”. Essas mudanças futuras se lhe apresentam
como uma continuação dos eventos políticos do presente e
das reformas econômicas.
Lendo-se as predições de Sakharov como produtos de
desinformação, pode-se concluir que alguns de seus
pronunciamentos refletem o possível curso futuro das ações
comunistas, bem como seu encadeamento temporal. É de
esperar, portanto, que haja novas reformas políticas e
econômicas no bloco, e que essas reformas sejam
novamente usadas para fins de desinformação. Elas
deverão exibir, entre outras semelhanças superficiais com o
Ocidente, uma suposta “expansão da democracia”,
acompanhada por novas manifestações do alegado conflito
sino-soviético. Além dessa tal “expansão”, pode-se esperar
para 1980 e adiante o surgimento, na União Soviética e em
outros países do bloco, de um assim chamado sistema
multipartidário. Seria a continuação lógica e a culminação
da desinformação perpetrada no decorrer das duas décadas
anteriores. No perímetro do bloco, representaria a
implementação da fase final da política de longo alcance, na
qual se pode esperar que os atuais “dissidentes” e
“liberais”, a exemplo do próprio Sakharov e também de
Dubcek (líderes supostamente perseguidos pelo regime),
tornem-se líderes de novos “partidos democráticos” em
seus países. Naturalmente, eles permanecerão sob
orientação e controle sigiloso de seus partidos comunistas,
e sua emergência à liderança de novos partidos será
tomada pelo Ocidente como evidência sensacional de uma
verdadeira liberalização dos regimes. Tais evidências, como
previsto por Sakharov, devem deitar novas bases para a
realização prática da convergência entre os dois sistemas.
Lendo-se os escritos de Sakharov como desinformação,
decodificando as suas mensagens sob essa lente, pode-se
antever que o bloco comunista avançará na exploração do
cisma fictício entre China e União Soviética, levando a efeito
uma ruptura formal (embora fictícia) das relações
diplomáticas e intensificando as hostilidades na fronteira
sino-soviética. Isso pode muito bem engendrar o
realinhamento de forças internacionais em detrimento dos
interesses do Ocidente e a favor da política de longo
alcance.
Sakharov prevê a ocorrência de mudanças no Ocidente,
especialmente nos Estados Unidos, “sob a pressão dos
estados socialistas e das forças progressistas internas” dos
países ocidentais. “A ala esquerdista e reformista da
burguesia” prevalecerá, e “dará início à implementação de
um programa de reaproximação (convergência)” com o
socialismo. Terão lugar o progresso social e mudanças na
estrutura da propriedade privada. Será um elemento
“esquerdista e reformista” a base para o início da
colaboração com o socialismo em escala mundial, e haverá
mudanças forçadas também na estrutura política e militar.
No decorrer da segunda fase (1972-1985), o papel da
intelligentsia será expandido, e dar-se-á um “ataque às
forças do racismo e do militarismo”.
Mais uma vez submetendo as predições de Sakharov à
lente da desinformação, pode-se deduzir que o bloco
comunista e seus aliados planejam ações futuras para
assegurar, no Ocidente, mudanças reais, tais como as
previstas por Sakharov. O propósito dessas ações consiste
em fazer com que os sistemas políticos do Ocidente
aproximem-se do modelo comunista. As mudanças previstas
para o sistema comunista são ilusórias e fictícias; as
previstas para o Ocidente, reais e efetivas. Esse é o
significado de convergência em linguagem comunista.
É notável e perturbador que, ao tratar do “racismo e
militarismo” dos EUA, Sakharov, dito dissidente, não só
disponha da linguagem comum dos propagandistas
comunistas para referir-se ao atual sistema americano,
como também se identifica com a essência das projeções de
longo prazo para a exploração comunista desses mesmos
temas: parece estar trabalhando para levá-la a cabo.
O ponto mais surpreendente sobre o argumento de
Sakharov é a sua escolha de datas: 1960-1980, para a
expansão da democracia política e das reformas
econômicas nos países socialistas; e 1972-1985, para
mudanças forçadas na estrutura política e militar dos
EUA.168 Em outras palavras, suas datas coincidem com as
datas da adoção da nova política do bloco, entre 1958
e1960, e da deflagração de sua fase final, por volta de
1980. Não se trata de mera coincidência, uma vez que
Sakharov, porta-voz secreto dos estrategistas comunistas e
obscuro defensor de sua política de longo alcance, busca
inspirar e promover, no debate ocidental sobre a
convergência, tendências que coincidam com as suas
intenções. Lidas como desinformação e devidamente
decodificadas, suas previsões de convergência revelam-se
previsões de vitórias da política de longo alcance e da dócil
rendição do Ocidente. Isso é o que “a visão mais otimista
possível do encadeamento dos eventos” realmente significa
em linguagem comunista.
Em essência, o conceito de convergência de Sakharov
antecipa o mesmo desenlace que o autor deste livro quer
denunciar. Sakharov enxerga-o como o resultado “otimista”
de desdobramentos espontâneos, tais como o cisma sino-
soviético e as “reformas políticas e econômicas” nos países
comunistas — esse é desenlace que ele deseja. O propósito
deste livro é esclarecer os perigos que isso representa para
o Ocidente, haja vista que nada teria de espontâneo. Seria o
resultado da implementação da política de longo alcance,
marcada pelo manejo de cismas fictícios e evoluções
fraudulentas, por uma reforma promovida com o auxílio
voluntário ou involuntário de cientistas e intelectuais
soviéticos como Sakharov, entre outros.
A atitude oficial do comunismo em relação às teorias da
convergência é descrita em Convergente of Communism
and Capitalism: The Soviet View. Os líderes soviéticos
descrevem a convergência como uma “forma insidiosa de
subversão ocidental”, “nova forma ‘positiva’ de
anticomunismo”. Dizem os soviéticos que a disseminação
de idéias de convergência é elevada, pelos países
ocidentais, “ao nível da política de governo”. Na sua visão,
as teorias da convergência têm duas metas: uma é
“renovar” o capitalismo; a outra, retratar o “amansamento
ou enfraquecimento do comunismo”. Em outras palavras, os
soviéticos entendem a primeira meta como a defesa do
capitalismo e a segunda como um esforço para subverter o
comunismo, e criticam especialmente as teorias da
“construção de pontes” ou da sociedade “industrial” e “pós-
industrial”, bem como seus proponentes — entre eles
Fourastie, Aron, Galbraith, Marcuse, Kahn, Brzezinski,
Leonhard e Bell. Bell destaca-se por suas teorias a respeito
das similaridades entre as mudanças que as forças armadas
dos sistemas adversários sofrem sob a influência da
revolução científico-tecnológica. Os soviéticos demonstram
preocupação quanto aos efeitos das teorias da convergência
sobre a juventude soviética, cientistas e outros intelectuais.
Sakharov é usado como um exemplo de alguém que se
deixara encantar pelas teorias ocidentais para depois
“defender suas próprias teorias da reaproximação entre os
dois sistemas”. Outro físico, Kapitsa, é mencionado como
alguém que “subscreveu diversas perspectivas propostas
por Sakharov”.169
Há um capítulo em Convergente of Communism and
Capitalism curiosamente intitulado Moscow’s Use of
Converge for Its Own Ends. Segundo os autores, os líderes
soviéticos vêem no conceito de convergência um proveitoso
ponto de partida para a “renovação da educação ideológica
na União Soviética”. Trabalhadores do partido que se
interessam por aspectos doutrinais e ideológicos são
incitados a refutar “os novos mitos da propaganda
imperialista” e a “compreender em níveis mais elevados a
‘riqueza, a validade perene’ do marxismo-leninismo”. Os
autores dizem que as teorias da convergência oferecem um
“quadro contra o qual estimular e adicionar [...] entusiasmo”
às campanhas ideológicas soviéticas e, o que é mais
importante, aguçam a convicção de que “a União Soviética
continua sitiada por um inimigo perigoso e implacável, a
despeito de os soviéticos falarem que o ‘cerco capitalista’ é
coisa do passado [...] que o equilíbrio das forças mundiais
foi irrevogavelmente alterado em benefício da União
Soviética”.
As agências americanas de propaganda e de
inteligência, bem como a embaixada dos Estados Unidos em
Moscou, têm sido atacadas pela KGB via imprensa soviética
por disseminarem idéias sobre a convergência e por
valerem-se do turismo e do intercâmbio científico-
tecnológico para subverter os cidadãos soviéticos,
especialmente os cientistas e a juventude. Essa “ameaça” à
segurança do sistema soviético tem sido explorada para
justificar o endurecimento do controle exercido pelo regime
sobre a sociedade soviética. Os ataques à convergência têm
se associado a investidas contra nacionalistas ucranianos,
sionistas e grupos religiosos dentro e fora da União
Soviética. Segundo os autores, os analistas soviéticos
distinguem os proponentes de teorias da convergência
entre “inimigos”, que se utilizam do conceito para fins de
subversão, e “idealistas”, que incluem cientistas
proeminentes, militantes da paz e “oponentes do
militarismo”. Os “idealistas”, entre os quais figura com
destaque o Prof. Galbraith, são vistos pelos soviéticos como
“alvos promissores” para o exercício de influência.
Dado que os autores de Convergente of Communism
and Capitalism não levam em conta o uso pregresso de
desinformação, nem a adoção da política de longo alcance
ou o novo papel tático e político dos cientistas soviéticos no
quadro do programa de desinformação, sua explicação para
o uso das teorias da convergência na atual política soviética
está incompleta. O real significado dos ataques dirigidos às
teorias da convergência pelos líderes soviéticos pode ser
mais bem compreendido à luz dos antecedentes históricos,
da análise acima oferecida sobre as afirmações de Sakharov
e da resultante conclusão de que ele age como canal de
desinformação e influência soviética.
A partir de meados da década de 1960, os regimes
comunistas reforçaram a doutrinação ideológica de suas
populações para preparar a entrada da fase final da política
até 1980. Uma campanha renovada de doutrinação
ideológica e militarista teve lugar na União Soviética entre
1966 e 1967, coincidente em tempo e conteúdo com a
Revolução Cultural na China e o ataque à “contra-
revolução” na Tchecoslováquia. Enquanto intensificavam
seu próprio programa de doutrinação, os líderes comunistas
procuraram proteger suas populações da influência negativa
das idéias ocidentais e do transbordamento de sua própria
desinformação. Ao contribuírem para a forja das teorias
ocidentais da convergência, eles atiraram um bumerangue
contra o Ocidente e tomaram as medidas necessárias para
evitar que ele aos atingisse na volta. Isso também lhes
proporcionou boas oportunidades para “expor e atacar a
subversão ideológica e os truques da propaganda
ocidental”. Não havia novidade nessa técnica. Tratava-se de
um caso típico de provocação política. Ao mesmo passo em
que foram moldadas pela desinformação soviética, as idéias
do movimento Novos Marcos foram alvo dos propagandistas
soviéticos nos 1920, que as categorizavam como subversão
ideológica ocidental, e o movimento foi ativamente
explorado para a supressão da oposição interna. A diferença
entre aquele momento e o atual reside no fato de que tais
provocações ampliaram-se em escopo e sofisticação, sendo
agora praticadas por todo o bloco comunista.
Os ataques soviéticos à convergência têm,
primeiramente, um propósito defensivo, doméstico. Em
segundo lugar, servem aos objetivos estratégicos da política
externa, ajudando a fortalecer a crença de que essas teorias
são uma arma segura e eficaz para lidar com o desafio
comunista. Os estrategistas comunistas esperam que suas
críticas sejam recebidas pelo Ocidente como evidências de
sua própria preocupação quanto à eficácia e o impacto
dessas teorias sobre os seus regimes e, particularmente,
sobre os seus cientistas. Sua intenção é fazer com que
essas críticas levem os propagandistas ocidentais a
prolongar e intensificar os seus esforços em promover
teorias da convergência, e não a desviá-los para temas
menos irracionais e potencialmente mais perigosos.
Ademais, as críticas soviéticas a Sakharov e à
convergência podem ser tomadas como um esforço para,
perante o Ocidente, investir da credibilidade dos mártires e
dos genuínos opositores não apenas Sakharov, como ainda
outros. Disfarçando a convergência de doutrina “da
oposição”, isto é, colocando-a nos seus próprios termos, os
soviéticos podem alcançar maior impacto estratégico no
Ocidente.
À luz da política formulada em 1958 e 1960 e do uso
constante da desinformação em seu benefício, pode-se ver
que as noções de interesses comuns e de convergência não
se desenvolveram no Ocidente de forma espontânea, mas
como reflexo e resultado de operações de desinformação
cuja influência foi involuntariamente absorvida por
expoentes dessas idéias. O irrealismo das teorias da
convergência advém da falta de fundamentos. O declínio da
influência ideológica, a evolução do sistema soviético na
direção de um estado nacional convencional, a existência
de uma disputa entre a União Soviética e a China
comunista, a desintegração do bloco em curso — tudo isso
são impressões falsas. Essas impressões são o produto das
operações de desinformação do bloco comunista, as quais
têm obtido bom êxito em ocultar a situação real. Desde a
época da formulação da política de longo alcance, entre
1958 e 1960, a ideologia comunista foi reavivada,
restaurada e intensificada; a burocracia, investida de um
novo propósito construtivo; sobre as bases da política de
longo alcance, uma coordenação real e efetiva, porém
secreta, tem vicejado entre os países comunistas, em
especial a União Soviética e a China. Intencionalmente ou
não, as teorias ocidentais da convergência de fato
contribuem para o sucesso dessa política. Promovem a
détente, o que ajuda os comunistas a adquirirem tecnologia
avançada do Ocidente. Fornecem ao Ocidente uma base
deficiente para respostas racionais à crescente ameaça
política e militar do comunismo. Promovem o
desarmamento político e ideológico do Ocidente. Desviam-
lhe os esforços diplomáticos, do reforço de alianças
anticomunistas para realinhamentos ilusórios com este ou
aquele estado comunista, e criam expectativas exageradas
sobre as possibilidades de acomodação com o mundo
comunista. Essas teorias estão deitando as bases para a
destruição da moral ocidental e da confiança pública nos
estadistas, diplomatas e acadêmicos que, por terem
exposto certas teorias, serão enquadrados como profetas
mal fadados quando a noção de convergência for pelos
ares. Tal tem sido o sucesso dessa noção espúria, que se
pode muito bem esperar o surgimento de novos Sakharoves
e de novas variações da teoria da convergência na terceira
e última fase da política de longo alcance.

Objetivos da desinformação em torno da


“dissidência”

A criação de um movimento de oposição falso e


controlado serve a propósitos estratégicos internos e
externos. Internamente, fornece um veículo para a eventual
“liberalização” de um regime comunista, levando alguns
elementos de oposição em potencial a se exporem à
repressão, conformarem-se às condições do regime ou
simplesmente caírem em desespero. Externamente, os
“dissidentes” podem atuar como veículos de todo um
espectro de desinformação em torno da evolução do
sistema comunista. Com a devida publicidade, uma onda de
perseguição a dissidentes, em parte verdadeira, em parte
falsa, gera no Ocidente uma simpatia que enseja
alinhamentos vulneráveis com aqueles que, na verdade, são
criaturas secretas do regime e, ao aguçar o contraste entre
o neo-stalinismo e o futuro “socialismo com uma face
humana”, arruma o cenário para uma dramática
“liberalização” do sistema. Cria também um quadro de
figuras bem conhecidas no Ocidente, que podem, no futuro,
ser usadas como lideranças e apoiadores de um “sistema
multipartidário” ainda sob o comunismo. Sindicatos e
intelectuais “dissidentes” podem ser usados para promover
a solidariedade com seus pares ocidentais e para engajá-los
em campanhas conjuntas pelo desarmamento e pela
reforma dos “complexos militar-industriais” do Ocidente. No
longo prazo, restará aos indivíduos e grupos ocidentais
envolvidos admitir que seu apoio aos dissidentes foi um
engano ou aceitar que o comunismo transformou-se
radicalmente, de modo que a perspectiva da
“convergência” tenha se tornado aceitável, talvez
desejável.

2 Hoje chamada Nizhny Novgorod — NT.


3 Referência a membros e simpatizantes do Exército Branco, adversário do
Exército Vermelho na guerra civil que se seguiu à revolução de 1917 — NT.
4 Sakharov, A. D., Salisbury, H. E. (ed). Sakharov Speaks. Londres: Collins & Harvill
Press, 1974.
5 Goure, L., Kohler, F. D., Soll, R., Stiefbold, A. Convergence of Communism and
Capitalism: The Soviet View. Miami: Florida Center for Advanced Research on
International Studies — University of Miami: 1973, pp. 44-46). Sakharov Speaks,
pp. 107 e segs.
6 Sakharov Speaks, p. 108.
7 Sakharov Speaks, pp. 107 e segs.
8 Ibid. (ver nota 3).
9 Não está claro por que Sakharov e Kapitsa, que eram ambos tão francos, não
foram expulsos da Academia Soviética de Ciências, muito embora Sakharov,
pelo menos, tenha supostamente perdido seus prêmios e honrarias. Por alguma
razão desconhecida, isso não se deu até janeiro de 1980.
CAPÍTULO 21
A OITAVA OPERAÇÃO DE DESINFORMAÇÃO:
CONTATOS EUROCOMUNISTAS COM OS
SOVIÉTICOS — A NOVA INTERPRETAÇÃO
DO EUROCOMUNISMO

EM MEADOS DA DÉCADA DE 1970, uma série de polêmicas que


opuseram o PCUS e os partidos comunistas francês, italiano,
espanhol e, em menor grau, o britânico parecia indicar a
emergência de um novo tipo de comunismo na Europa
Ocidental, cujo traço mais saliente era justamente a
independência em relação à União Soviética. Essa nova
tendência veio a se tornar conhecida como eurocomunismo.
A idéia de que o eurocomunismo consiste num
estratagema adotado pelos principais partidos comunistas
da Europa Ocidental para incrementar as suas fortunas
eleitorais já encontrou expressão no Ocidente,
notavelmente no artigo The Soviet Union and the
“Eurocommunism”, do distinto estudioso britânico Prof.
Leonard Schapiro.170 O artigo de Schapiro também
argumenta que o eurocomunismo, à medida em que ajuda
esses partidos comunistas, serve aos interesses da política
de longo prazo da União Soviética. Ao chamar a atenção
para esse fato, o artigo faz valorosa contribuição aos
estudos ocidentais. Contudo, uma vez que se baseia na
velha metodologia, admite a genuinidade das diferenças
entre o PCUS e os partidos eurocomunistas, e continua a
enxergar no primeiro uma insistência frívola em reafirmar a
sua hegemonia sobre os últimos. A análise do
eurocomunismo à luz da nova metodologia sugere
fortemente que este não é o caso. Sugere que o fenômeno
representa uma nova extensão do programa de
desinformação estratégica — dos partidos do bloco para os
partido de fora do bloco — e segue um padrão similar ao de
operações anteriores com ênfase na independência nacional
de certos partidos do bloco. Se isso procede, então os
líderes de vários dos partidos comunistas de fora do bloco
tornaram-se parceiros numa operação de desinformação
que vem em auxílio da política de longo alcance e da
estratégia internacional do comunismo. A nova análise, ao
contrário da antiga, esclarece a atuação que se espera do
eurocomunismo na fase final da política, quando é provável
que a “democratização”, aqui entendida segundo o padrão
da Tchecoslováquia, seja introduzida em escala ampliada na
Europa Oriental.

As manifestações do eurocomunismo

As principais manifestações do eurocomunismo são


tratadas com algum detalhamento no artigo de Schapiro. As
tendências características dos partidos eurocomunistas
podem ser sintetizadas nos seguintes tópicos:
• Um desejo de demonstrarem-se emancipados do
domínio soviético.
• Uma abordagem crítica de certas políticas repressivas
da União Soviética, particularmente violações dos
direitos humanos e o assédio a dissidentes no país e
por toda Europa Oriental.
• Rejeição à visão de que o “internacionalismo
proletário” implica a prioridade dos interesses de
estado da União Soviética sobre os interesses do
movimento comunista internacional.
• A afirmação do direito de cada partido comunista de
seguir suas próprias políticas revolucionárias mesmo
quando em oposição à busca soviética pela détente
com os Estados Unidos e a Europa Ocidental.
• Rejeição à visão, atribuída ao PCUS, de que a união de
comunistas e socialistas só será possível se os últimos
renunciarem à “colaboração de classe”, ou seja, se
eles se tornarem, na prática, comunistas.
• Recusa a acolher as demandas soviéticas para que
denunciem a China.
• Sugestões de que uma vitória eleitoral de um partido
comunista na Europa Ocidental seria contrária aos
interesses soviéticos.
• O abandono da busca por estabelecer uma “ditadura
do proletariado”.
• A aparente evolução em partidos nacionais que, em
contraste com o PCUS, aceitam a existência de
instituições parlamentares e esposam princípios
humanísticos e democráticos, inclusive a preservação
das “liberdades burguesas” no contexto de uma
sociedade pluralista.
• Repúdio à prática do terrorismo pela esquerda radical.
• A ausência ou não participação de seus líderes em
encontros internacionais organizados pelo PCUS.
• Restrições à participação de representantes soviéticos
em encontros eurocomunistas.
• Rejeição à existência de blocos militares e a adesão
ao conceito de uma Europa socialista e neutra.
• O desenvolvimento de vínculos com os partidos
iugoslavo e romeno.
• A formação de grupos ortodoxos leais a Moscou no
seio de alguns partidos eurocomunistas.
Dado que os partidos em questão têm exibido essas
características gerais com certo grau de variação, cabe
mencionar brevemente alguns dos seus principais pontos.

O partido francês

Em maio de 1975, o partido desferiu um ataque velado


às restrições soviéticas às liberdades civis com uma
“Declaração de Liberdades”. A 4 de setembro do mesmo
ano, o jornal L’Humanité reiterou que o partido estava
comprometido com a democracia de tipo ocidental. Em
janeiro seguinte, o líder comunista Marchais disse que as
divergências entre o seu partido e o PCUS no que dizia
respeito à “democracia socialista” eram tão profundas que
ele não podia sequer encontrar-se com Brezhnev. Embora
seu partido estivesse representado, Marchais não
compareceu ao congresso do PCUS, realizado no mês
seguinte. Kirilenko, que logo em seguida participou do
congresso do partido francês representando o PCUS, foi
privado do habitual direito a se pronunciar. Em abril de
1976, Kanapa, destacado comunista francês, criticou a
União Soviética por elogiar a atuação política do presidente
Giscard quando o partido francês a estava combatendo. Em
maio, quando questionado sobre o que faria com relação
aos submarinos atômicos da França, Marchais recusou-se a
tecer comentários, sendo que, pelos vinte e dois anos
anteriores, seu partido defendera o conceito de dissuasão
nuclear. Em 1977, o periódico soviético Novoye Vremya
investiu contra Jean Ellenstein, vice-diretor do centro de
pesquisa do partido. Ellenstein, que escrevera uma história
anti-stalinista da União Soviética, publicou em Paris, no ano
de 1976, um novo livro, intitulado Le P.C., no qual dizia que
a liberdade deixara a União Soviética em 1922. Ele
lamentava que seu próprio partido não tivesse seguido o
exemplo iugoslavo, demorando-se para criticar a falta de
liberdade na União Soviética. Marchais não compareceu às
celebrações do sexagésimo aniversário da revolução, em
novembro de 1977, mas mandou um representante.

O partido italiano

Em maio de 1975, Berlinguer criticou o Partido


Comunista Português, que era pró-Moscou, por sua linha
não democrática à época do contragolpe abortivo da direita,
ocorrido em março de 1975. Em resposta a um artigo em
que editor da World Marxist Review, Konstantin Zarodov,
insinuou críticas ao partido italiano por procurar alianças
políticas em vez de mobilizar a insurreição, o jornal L’Unità
afirmou que a situação italiana pedia um entrelaçamento de
democracia, socialismo e liberdade. Em fevereiro de 1976,
Berlinguer disse aspirar a uma sociedade socialista que
garantisse, na mesma medida, direitos individuais e
coletivos. Disse também que seu partido estava
comprometido com a corrente da “aliança internacional” da
Itália. Quatro meses depois, disse mais especificamente que
a Itália tinha de permanecer na Aliança do Atlântico, que era
a garantia de “um socialismo em liberdade, de tipo
pluralista”.

O partido espanhol

Em fevereiro de 1976, o líder espanhol Carillo ausentou-


se do Vigésimo Quinto Congresso do PCUS. Em janeiro
seguinte, o periódico Mundo Obrero, do partido espanhol,
desferiu ataques aos governos da Europa Oriental por sua
repressão aos “dissidentes”. Em abril de 1977, Carillo
publicou Eurocomunismo y Estado, livro em que afirmou
que a União Soviética, após sessenta anos de existência,
ainda não era uma “democracia dos trabalhadores”. Carillo
defendia uma sociedade pluralista, dotada de “liberdades
burguesas”, e uma Europa neutra, independente de ambos
os blocos militares. Há também registros de que ele disse
que as bases americanas na Espanha deveriam por lá
permanecer enquanto as tropas soviéticas continuassem
pela Europa Oriental. O livrou foi execrado por Novoye
Vremya em junho e julho de 1977. Em resposta, Dolores
Ibarruri (“La Pasionaria”), veterana do partido espanhol que,
junto de outros sete líderes comunistas, mal regressara de
anos de exílio na União Soviética, propôs uma resolução que
rejeitava as críticas soviéticas ao partido. Aprovada por
unanimidade numa grande sessão plenária do comitê
central, a resolução apoiava o eurocomunismo como o único
caminho a seguir nos países desenvolvidos. Carillo
prestigiou as comemorações pelo sexagésimo aniversário
da revolução em Moscou, mas não foi convidado a falar,
sobre o que se queixou a correspondentes ocidentais. Em
abril de 1978, o partido espanhol tirou do seu nome o termo
“leninista”, sendo alvo de críticas no Pravda.

O partido britânico

Em março de 1976, o líder do britânico McLennan disse


ao Vigésimo Quinto Congresso do PCUS que o seu partido
estava trabalhando por um tipo de socialismo que
“garantiria a liberdade individual, a pluralidade partidária, a
independência dos sindicatos, a liberdade religiosa, e a
liberdade de pesquisa em atividades culturais, artísticas e
científicas”. Em artigo publicado quatro meses mais tarde
no jornal diário Morning Star, McLennan alinhou-se aos
partidos eurocomunistas na medida em que negou a
preeminência de qualquer um dos partidos, e declarou que
cada um deles deveria desenvolver suas próprias políticas
em seu próprio país, pois ninguém o poderia fazer por eles.
Em novembro, a edição revisada de British Road to
Socialism, que advogava a cooperação entre os partidos
comunista e trabalhista, foi adotada como o programa do
partido. Em 1976, um grupo de oponentes linha-dura,
liderados por Sid French, rompeu com o partido para formar
o “Novo Partido Comunista”.

Declarações conjuntas

As idéias do eurocomunismo foram, até certo ponto,


desenvolvidas em franca coordenação entre os partidos
envolvidos. Em novembro de 1975, por exemplo, ao término
de uma série de encontros, sediados em Roma, os partidos
francês e italiano lançaram uma declaração conjunta em
prol das “liberdades burguesas, da pluralidade de partidos
políticos, do direito à existência e atividade dos partidos de
oposição e da alternância de poder entre maioria e
minoria”. Houve ainda outras declarações conjuntas que, no
âmbito dos programas partidários, revogaram o
compromisso com a “ditadura do proletariado”: uma de
italianos e espanhóis, outra de espanhóis e franceses. O
partido francês considerava necessário rever essa posição,
ainda que já não se utilizasse do termo de 1966. Em março
de 1977, Marchais, Berlinguer e Carillo realizaram em Madri
uma conferência eurocomunista que, embora apoiasse os
objetivos da política externa soviética, comprometeu-se
junto aos participantes a “atuar nos limites das forças
políticas e sociais, respeitando, protegendo e fomentando
todas as liberdades individuais e coletivas”.

A atitude soviética

Entre 1974 e 1977, diversos artigos de Ponomarev


(diretor do Departamento Internacional do PCUS), Zagladin
(adjunto de Ponomarev) e Zarodov (editor da World Marxist
Review), entre outros, trouxeram críticas veladas e
escancaradas aos “negociantes modernos” ou “ideólogos
burgueses”, em outras palavras, aos eurocomunistas.171
Um texto publicado por um órgão do partido (Partiynaya
Zhizn, nº 4, 1974), descrito no artigo de Schapiro como
provavelmente o primeiro ataque direto dos soviéticos a um
partido comunista da Europa Ocidental, teceu críticas a
Azcarate, o principal ideólogo do partido espanhol, por
alegar que havia contradições entre os interesses de estado
dos países socialistas e os interesses do movimento
revolucionário. Ele também foi denunciado por alegar que a
coexistência pacífica ajuda a perpetuar o status quo, por
recusar-se a admitir que ela serve melhor do que a guerra
fria o propósito de criar as condições favoráveis à revolução,
por criticar a União Soviética, por opor-se à então já
programada conferência internacional sob a alegação de
que ela poderia ensejar a criação de um novo centro
organizacional, e por ressaltar a independência de cada
partido comunista em vez da importância primordial do
“internacionalismo proletário”.
A 26 de janeiro de 1977, a TASS rejeitou como
propaganda anticomunista as críticas de Ellenstein sobre as
violações dos direitos humanos na União Soviética. O
conceito eurocomunista de uma Europa neutra e socialista
era implicitamente repelido pelo jornal soviético Novoye
Vremya. Em 1975 e 1976, os soviéticos insistiram que os
partidos comunistas caracterizassem a OTAN como
agressiva e o Pacto de Varsóvia como defensivo.

Iugoslavos e romenos

Em certa medida, iugoslavos e romenos identificaram-


se com os eurocomunistas. Alega-se, por exemplo, que os
iugoslavos, seguidos por vários partidos da Europa
Ocidental, levantaram uma série de questões sobre o
“internacionalismo proletário” durante as discussões, em
1974 e 1975, acerca da convocação de uma assembléia
comunista internacional. No mesmo período, a Romênia
defendeu abertamente o direito dos partidos comunistas à
independência. Em 1975, tanto iugoslavos como romenos
endossavam o projeto para uma Europa neutra e socialista,
opunham-se a blocos militares em geral e recusavam-se a
adotar as caracterizações prescritas para a OTAN e o Pacto
de Varsóvia. Os partidos romeno e espanhol, em particular,
travaram relações bastante próximas.

A nova análise

Há várias similaridades entre o eurocomunismo e as


operações de desinformação já abordadas, o que sustenta a
conclusão de que se trata de uma extensão lógica do
programa de desinformação, destinada a cumprir os
requisitos da estratégia comunista para a Europa. Essas
similaridades dão-se a perceber:
• No modo como as supostas diferenças entre o partido
soviético e os partidos eurocomunistas vieram ao
conhecimento do Ocidente.
• No fato de que tais diferenças, baseadas no
reavivamento artificial de questões liquidadas entre
os líderes comunistas desde 1957-1960, não batem
com as evidências da adoção de uma política e de
uma estratégia de longo alcance.
• Na exploração dessas questões para projetar uma
imagem falsa da evolução dos partidos
eurocomunistas no sentido de sua independência
nacional a fim de promover o bom êxito de suas
táticas, ou seja, a formação de frentes unidas com
partidos socialistas e de outras denominações.
• Nas numerosas incoerências em argumentos e
polêmicas trazidas à baila pelos líderes
eurocomunistas, e nos contrastes entre as suas
palavras e as suas ações — especialmente seus
contatos persistentes com os líderes soviéticos e de
outros países do bloco, que evidenciam, em vez de
disputas, sua colaboração numa estratégia conjunta.

A emergência do eurocomunismo

A evolução dos partidos eurocomunistas em direção à


independência seguiu-se à adoção da política de longo
alcance. Eles estavam entre os oitenta e um partidos que
assinaram o manifesto de novembro de 1960. Quando o
cisma sino-soviético veio definitivamente a público em
1963, alinharam-se informalmente a Moscou, identificando-
se, portanto, com o ramo moderado do comunismo
soviético e não com o tipo chinês, militante e doutrinário. Ao
fazê-lo, impulsionaram a imagem moderada de que
precisavam para desempenhar o papel que lhes cabia na
estratégia comunista para a Europa, o qual compreendia a
formação de frentes unidas com os partidos socialistas. Em
1965 e 1967, os partidos eurocomunistas participaram das
conferências internacionais em Praga e em Karlovy Vary, na
Tchecoslováquia. Em 1968, contrastando a sua apatia pela
intervenção soviética na Hungria em 1956, reprovaram
publicamente a intervenção do Pacto de Varsóvia na
Tchecoslováquia, demonstrando sua independência em
relação à União Soviética. Considerando-se a presença dos
eurocomunistas nas conferências de Praga e Karlovy Vary, é
provável que o seu alinhamento ao regime Dubcek tenha
sido planejado e antecipadamente acordado como parte da
estratégia comunista para a Europa. Alega-se que as
diferenças entre o partido soviético e os partidos
eurocomunistas foram discutidas por ocasião da conferência
mundial dos partidos comunistas, em 1969, quando se viu
“o primeiro indicativo claro de que o PCUS não podia mais
afirmar a sua hegemonia sobre o movimento comunista
internacional”.172
Tal como as supostas diferenças entre os partidos
comunistas do bloco, esse e ainda outros “indicativos”
surgidos até 1973 advinham de críticas mútuas nos jornais
dos partidos, assim veladas como indiretas, ou de
revelações retrospectivas sobre debates travados a portas
fechadas entre os partidos. Em inícios de 1974, deu-se o
ataque direto do PCUS a Azcarate, a que se seguiram
controvérsias virulentas nas imprensas do PCUS e dos
partidos eurocomunistas, e o surgimento de evidências
retrospectivas sobre desacordos nos encontros
internacionais de Varsóvia (1974), Budapeste (1975) e, em
menor escala, Tihany (1976). Por fim, no encontro dos
partidos comunistas europeus, sediado em Berlim Oriental
em junho de 1976, “veio à tona a extensão total do conflito
entre o PCUS e os partidos ‘eurocomunistas’”,173 e a
validade das evidências precedentes foi confirmada. Como
nas operações de desinformação anteriores, as evidências
originais e a comprovação das respectivas dissensões
partiram de fontes comunistas.

Reavivamento de questões liquidadas

Entre as questões que supostamente separaram os


partidos eurocomunistas do PCUS estavam as contínuas
tentativas soviéticas de dominar os demais partidos
comunistas, o modo insistente de como o PCUS
conclamava-os a copiar fielmente o seu modelo e a
exigência de que, em nome da solidariedade internacional
dos proletários, todos os partidos comunistas priorizassem a
defesa dos interesses da União Soviética. Na verdade, essas
questões foram resolvidas em 1957, em grande parte por
iniciativa soviética. Tentativas stalinistas de dominação
foram condenadas, e as relações entre os partidos, assim
dentro como fora do bloco, restabelecidas sobre as bases
leninistas de igualdade, confiança, cooperação e co-
participação no esforço pela obtenção dos objetivos
comunistas.
Os partidos eurocomunistas compareceram aos
encontros internacionais entre 1957 e 1960, nos quais essas
questões foram discutidas a fundo e acomodadas. Ao
assinarem o Manifesto dos Oitenta e Um Partidos, todos
comprometeram-se com a política e a estratégia de longo
alcance que se havia concebido com sua ativa participação.
Nesse cenário, é fácil ver que a questão concernente à
concepção stalinista das relações entre os partidos
comunistas foi retomada nos anos de 1970 pelos
eurocomunistas de forma artificial, calculada, forçada e
combinada com os soviéticos, exatamente como sucedido
em outras operações de desinformação com outras
questões previamente liquidadas.

Exploração da imagem “independente” dos


partidos eurocomunistas

O reavivamento de questões dessa natureza ajudaram a


promover a idéia de que os partidos eurocomunistas eram
independentes do PCUS. Serviram o mesmo propósito
sugestões de que houvesse desentendimentos com a União
Soviética no tocante à formação de frentes unidas (da parte
especialmente do partido italiano) e ainda um conflito de
interesses entre a diplomacia soviética e os partidos
comunistas, isto é, entre a melhoria das relações com os
governos ocidentais e a aquisição de poder por vias legais.
Ambas as sugestões eram falsas, mas ajudaram a enfatizar
a independência do eurocomunismo em relação à União
Soviética.
As frentes unidas figuravam entre uma variedade de
táticas aprovadas pelo Congresso dos Oitenta e Um Partidos
em novembro de 1960. Em seu relatório de 6 de janeiro de
1961, Khrushchev pediu aos partidos comunistas que
“acertassem os seus relógios”. Três meses mais tarde,
Suslov, um dos principais estrategistas comunistas, chefiou
a delegação soviética enviada ao Sexto Congresso do
Partido Comunista Italiano, onde insistiu na adoção de uma
política moderada para a formação de uma frente nacional
ampla e democrática. Nada de novo ou heterodoxo havia
nisso, é claro. O Comintern aprovara especificamente a
tática das frentes unidas já em 1935.
Do mesmo modo, não houve nem há conflito entre a
diplomacia da détente e as atividades do partido comunista.
Relações amistosas entre a União Soviética e os governos
ocidentais favorecem o crescimento de partidos comunistas
no Ocidente. A diplomacia da détente e a tática das frentes
unidas complementam-se numa só estratégia: a primeira
cria condições favoráveis à execução da segunda.
Ponomarev, diretor do Departamento Internacional do PCUS,
deixou isso bem claro quando, em 1974, escreveu que a
détente tinha o efeito de neutralizar o anticomunismo
dentro dos partidos social-democratas, de erodir os
preparativos militares das potências imperialistas e de
fortalecer os “elementos de orientação realista no campo
burguês”.174
Tanto a perseguição aos dissidentes na União Soviética
como as denúncias feitas pelos eurocomunistas são
movimentos táticos. Como já discutido, o assédio ostensivo
aos dissidentes tem sua própria razão estratégica. As
críticas tecidas a essa prática pelos eurocomunistas têm a
função de dar-lhes o devido credenciamento como
convertidos aos princípios democráticos.

Incoerências no eurocomunismo

Há numerosas contradições e incoerências nas palavras


e ações dos líderes “eurocomunistas”. Observadores como
Schapiro têm apontado que a sua suposta conversão aos
princípios democráticos é inconsistente com os programas
revolucionários que continuam a defender e com os meios
pelos quais buscam implementá-los. O artigo de Schapiro
cita algumas declarações reveladoras sobre o uso da força.
Por exemplo, o delegado espanhol na conferência de Tihany,
em maio de 1976, quando questionado se a classe
trabalhadora de seu país teria de recorrer à violência
revolucionária, disse que “a abolição de um regime implica,
ainda que por meios democráticos, o uso da força”. Carrillo
escreveu que “as novas idéias também significam que o
partido não é um exército, embora ele seja capaz de se
tornar um exército no caso de as condições históricas e a
violência da classe dominante não lhe deixar alternativa”.
No mesmo livro, menciona que o controle do partido sobre
os meios de comunicação é um requisito fundamental, o
que dá alguma idéia do tipo de democracia que ele tinha
em mente. O artigo de Schapiro também cita uma
reportagem do londrino The Daily Telegraph, edição de 26
de janeiro de 1976, segundo a qual comunistas espanhóis
tinham recebido treinamento em táticas de guerrilha urbana
na União Soviética e encontravam-se então na Romênia
para a mesma finalidade.
Mesmo na Grã-Bretanha, a “transição revolucionária ao
socialismo” deve ser atingida pela combinação de um
programa legislativo com “disputas de massa
extraparlamentares” e do uso da força contra qualquer
elemento de direita que venha a esboçar um golpe de
estado.
O tema talvez possa desenvolver-se ainda mais no caso
da Itália a partir da sugestão de que as denúncias do
partido italiano contra a violência da esquerda radical
constituem mais uma tática de embuste. Em artigo
intitulado Terrorism: International Dimensions, Paul
Wilkinson chama a atenção para o interesse soviético em
apoiar movimentos terroristas, seja direta ou
indiretamente. 175 Há uma grande possibilidade de que o
terrorismo na Itália seja sustentado e apoiado pelo
comunismo internacional em paralelo e de maneira
coordenada com o uso de táticas legais, eleitorais e
parlamentares do Partido Comunista Italiano. Os objetivos
por trás da violência são gerar caos e anarquia, impor aos
partidos democráticos da situação ainda mais pressões,
eliminar os seus líderes mais capacitados, forçá-los a
recorrer a medidas não democráticas e demonstrar
publicamente a sua incapacidade para manter a lei e a
ordem, abrindo o caminho para que o partido comunista se
apresente como a única força efetiva.
A justificativa doutrinal para o uso do terror encontra-se
em Esquerdismo: doença infantil do comunismo: “todos
esses campos da vida social [...] estão repletos de material
inflamável e oferecem [...] várias desculpas para [iniciar]
conflitos e crises, para agravar a luta de classes. Não
sabemos nem temos como saber que fagulha dessa
vastidão de fagulhas que se espalham por todos os países
na esteira da crise econômica e política mundial irá se
provar capaz de acender o fogo, no sentido de [...] levantar
as massas, e temos, portanto, a obrigação de atacar todos
os campos de ação possíveis, mesmo os mais antigos e
aparentemente perdidos, pois que, de outra forma, não
estaremos à altura da tarefa, não seremos precisos, não
teremos à mão todos os tipos de arma [...]”. Mais
específicas foram as instruções dadas por Shelepin ao
serviço de inteligência soviético em 1959, para que o
efetivo desses mesmos serviços, bem como seus braços
“ilegais”, preparassem e executassem operações
desestabilizadoras nos principais países ocidentais, criando
neles um caos que os partidos comunistas locais poderiam
explorar em benefício próprio.
O artigo de Schapiro conclui corretamente que nenhuma
ruptura houve nem há de haver entre Moscou e qualquer
partido eurocomunista. Apesar das polêmicas, os partidos
eurocomunistas têm, em geral, apoiado os objetivos da
política externa soviética. Do mesmo modo, a União
Soviética e o bloco comunista têm, em geral, apoiado o
movimento comunista internacional — inclusive os partidos
eurocomunistas — de um sem número de formas práticas.
Como observa Schapiro, não há evidências que sustentem
ter havido qualquer interrupção nas vias bancárias e
comerciais pelas quais os partidos eurocomunistas têm sido
tradicionalmente financiados por Moscou. Dado que a troca
de críticas entre soviéticos e eurocomunistas é mutuamente
acordada entre os seus líderes, não há por que os soviéticos
fecharem esses canais, e tampouco há qualquer
necessidade de restrição à prestação de auxílio financeiro
ou de qualquer outra ordem, pois que os oitenta e um
partidos signatários do manifesto de 1960 estão
comprometidos com uma política comum e de longo
alcance.
As anomalias que permeiam a adoção do
eurocomunismo por líderes espanhóis da geração stalinista,
a exemplo de Carrillo e Ibarruri, são impressionantes. Na
sessão plenária ampliada de 1977, a resolução favorável ao
eurocomunismo foi proposta por ninguém menos que
Ibarruri, que passara boa parte da vida na União Soviética,
perdera um filho em Stalingrado, fora louvada pelo Novoye
Vremya em maio de 1977 e descrevia o eurocomunismo
como “nonsense”. Poucos meses antes da plenária, ela
esteve em Moscou para as comemorações do sexagésimo
aniversário. A anomalia pode ter explicação se se trouxer à
baila que Ibarruri participara ativamente da formulação da
política de longo alcance, entre 1957 e 1960.
O apoio entusiasmado dos romenos não é menos
intrigante, haja vista a adesão dos eurocomunistas a
“liberdades democráticas” e às práticas repressivas do
regime romeno. Não menos estranhos, em termos
convencionais, foram o encontro aparentemente cordial de
Tito e Brezhnev às vésperas da conferência de junho de
1976 e a condecoração de Tito com uma honraria soviética
durante visita a Moscou no ano seguinte, a despeito de ele
apoiar o eurocomunismo.176 Tais anomalias evaporam-se
quando se encara o eurocomunismo como mais uma
operação de desinformação. Sob essa lente, as declarações
de Carrillo sobre a independência do partido espanhol
revelam-se tão espúrias quanto as declarações dos romenos
sobre a sua própria independência em relação à União
Soviética, ou mesmo moldadas sobre elas. Tanto os líderes
romenos como os líderes iugoslavos tiveram um papel
importante no suporte e na coordenação do movimento
eurocomunista. Caso tenha procedência, o relato sobre o
treinamento de comunistas espanhóis na Romênia ilustra
mais uma vez o papel desse país num esforço coordenado
para assistir os partidos eurocomunistas.

Contatos persistentes com os soviéticos

À exceção de uns poucos casos amplamente noticiados,


o desenvolvimento de “diferenças” entre o PCUS e os
partidos eurocomunistas não impediu a habitual troca de
visitas entre as delegações de ambos os lados. Berlinguer
compareceu ao Vigésimo Quinto Congresso do PCUS em
março de 1976. Retornou a Moscou em novembro de 1977
por ocasião das comemorações do sexagésimo aniversário,
quando, apesar de comprometido com a democracia
pluralista e a permanência italiana na OTAN, foi recebido
por Brezhnev em audiência privada.
Carrillo faltou ao Vigésimo Quinto Congresso, mas
Ibarruri compareceu. Posteriormente à publicação do seu
livro, em 1977, Carrillo foi visitado por uma delegação do
PCUS que, liderada pelo editor do Pravda, alegava estar em
busca de uma trégua. Carrillo não teve medo de voltar a
Moscou para as comemorações do sexagésimo aniversário.
Sua presença nas celebrações do partido do qual se
pretendia crítico tem muito mais peso do que suas
alardeadas queixas, dirigidas a jornalistas ocidentais, sobre
a impossibilidade de falar. Ibarruri passou férias na União
Soviética em fevereiro de 1979.
Marchais, líder do partido francês, passou longe tanto
do Vigésimo Quinto Congresso como das comemorações do
sexagésimo aniversário, mas seu partido esteve
representado em ambas as ocasiões. Além disso, ele esteve
em pessoa na conferência dos partidos comunistas
europeus, realizada em junho de 1976. A aliança entre os
líderes comunistas e socialistas na França afundou ao longo
de 1977 por conta da intransigência comunista. A 2 de
outubro, o Pravda publicou um artigo que era, no fundo, um
elogio extravagante à política de Marchais. Daí em diante
Marchais afastou-se cada vez mais do campo
eurocomunista, chegando ao ponto de alinhar o partido
francês com o PCUS no que dizia respeito à intervenção
soviética no Afeganistão, em fins de 1979.
A tranqüilidade e impunidade com que Marchais pôde
levar o partido francês para fora ou para dentro do
eurocomunismo é uma das incongruências mais
surpreendentes a apontar a natureza artificial do
movimento. Várias explicações têm se apresentado: uma
delas é que o PCUS tenha se oposto desde o princípio à
aliança eleitoral entre o partido francês e os socialistas, de
modo que, quando Marchais, agindo supostamente por
conta própria, achou por bem romper essa aliança, os
soviéticos estavam prontos para recebê-lo de volta ao
barco. Outras explicações sugerem que, a partir do final de
1977, os soviéticos tenham recorrido a pressões financeiras
ou a chantagens para subjugar Marchais. Ambas as
explicações baseiam-se num modelo ultrapassado das
relações entre os líderes do PCUS e de outros partidos
comunistas. Ambas implicam a existência de forças
centrífugas que desapareceram com a adoção da política de
longo alcance entre 1957 e 1960. Isso deitou sólidas bases
ideológicas para um movimento revolucionário disciplinado
e com experiência o bastante para saber aproveitar as
vantagens táticas e estratégicas que se podem esperar da
exibição de falsas diferenças. A nova metodologia vê o
término da aliança com os socialistas na França como uma
medida provisória, decidida em conjunto por líderes
comunistas franceses e soviéticos em observância aos
interesses da estratégia comunista para a Europa como um
todo. Tal decisão pode muito bem estar relacionada ao
começo da fase final da política de longo alcance, em que
todos os elementos previstos na estratégia comunista serão
mobilizados. A presente interpretação talvez forneça uma
explicação para o fato de que o governo formado após as
eleições de 1981 incluísse ministros comunistas.

A nova interpretação do eurocomunismo

Pode-se rastrear uma série de conferências regionais


que, desde a adoção da política de longo prazo em 1960,
trataram da estratégia comunista na Europa. De particular
importância foram aquelas realizadas em Praga e Moscou
no ano 1965 e, dois anos mais tarde (um ano antes da
primavera de Praga), em Karlovy Vary. Os partidos
eurocomunistas foram representados nessas conferências,
que discutiram o apelo dos partidos entre forças socialistas,
católicas e de outras denominações cristãs, e a criação de
uma Europa livre de blocos militares.177 Em outras palavras,
os partidos procuravam ampliar as bases de suas frentes
unidas ao mesmo tempo em que ecoavam a convocação
feita pela reunião de cúpula no ano anterior, em Bucareste.
A meticulosa preparação da “primavera de Praga”, a
deliberada associação dos partidos comunistas da Europa
Ocidental ao evento e as críticas desses partidos à
intervenção do Pacto de Varsóvia ajudaram-nos a se livrar
do estigma que carregavam por causa dos eventos na
Tchecoslováquia de 1948 e na Hungria de 1956, dando-os
um impulso vigoroso para buscarem as suas frentes unidas.
A novidade nessa situação não estava em dispor das
frentes unidas — a conferência de Praga, em 1965, foi
realizada em celebração ao trigésimo aniversário da adoção
das táticas de frentes unidas pelo Comintern —, mas no
suporte coordenado que lhes dava a desinformação
estratégica em torno da “democratização” tchecoslovaca.
Uma vez que se desnude a desinformação sistemática
em torno das diferenças entre os líderes de diferentes
partidos comunistas, revela-se o padrão de costura dos fios
que se coordenam numa só malha estratégica para a
Europa. Houve uma série de conferências preparatórias
antes do encontro dos partidos comunistas da Europa,
sediado em Berlim Oriental em junho 1976. A série incluiu
uma sessão preliminar em Budapeste (dezembro de 1974) e
uma conferência em Tihany (maio de 1976). Devlin notou
que “uma cortina de sigilo oficial baixou sobre os
procedimentos”178 após o encontro em Budapeste, mas um
relato sobre o encontro em Tihany apareceu publicado em
Problemas da Paz e do Socialismo quatro meses mais tarde.
A peça refletia muito pouca discussão a respeito de
questões “eurocomunistas”. O discurso final de
encerramento foi proferido por Zarodov, que “arrazoou
fartamente a força que deriva da unidade e coordenação da
ação revolucionária — visão com a qual a esmagadora
maioria dos partidos ali representados concordou”.179 A
velha metodologia pressupõe (e tem pressuposto desde
1960) que as diferenças entre os partidos comunistas são
reais e que toda essa conversa sobre coordenação não
passa de bravatas destinadas a encobri-las. A nova
metodologia sustenta que essas diferenças são uma fraude
concebida para encobrir a coordenação, que é real e
compreende um acordo sobre “discordar” quando
necessário, por propósitos táticos e estratégicos.
Como observado por Tito e Kardelj, o que conta são
ações, e não palavras; ou ainda como escreveu Rumyantsev
em Problemas da Paz e do Socialismo, declarações devem
ser avaliadas nos termos da “análise de classes”.180 As
polêmicas entre os líderes soviéticos e eurocomunistas
devem ser lidas, portanto, não como propaganda, mas
como desinformação. Isso pode ser ilustrado pela
declaração de Berlinguer à televisão, transmitida a cinco
dias das eleições de junho de 1976, em favor da
permanência da Itália na Aliança do Atlântico. O padrão
também se revela claramente no caso espanhol. A
conferência eurocomunista que reuniu as lideranças dos
partidos francês, italiano e espanhol foi sediada em Madri
em março de 1977. A legalização do partido espanhol foi
decidida um mês mais tarde, o mesmo em que Carillo
publicou seu Eurcomunismo y Estado, e, dois meses depois,
realizaram-se as eleições para a nova câmara de deputados.
Se os espanhóis foram mais longe que os demais partidos
eurocomunistas no que se refere a seu “anti-sovietismo”, foi
porque tinham se comprometido gravemente em função do
tratamento que dispensaram a socialistas, anarquistas e
outros grupos durante a Guerra Civil Espanhola. Ademais, se
era para adquirir status legal, ganhar representação no
parlamento e conquistar uma boa aliança com os
socialistas, precisavam urgentemente remodelar a sua
imagem.
A natureza tática das profissões de fé dos
eurocomunistas acerca da sua própria conversão à
democracia encontra confirmação num discurso proferido
por Dorofeyev, desatacado perito soviético em questões
italianas, em fevereiro de 1976. Ele justificou que o partido
italiano defendesse certas liberdades em particular sob a
alegação de que o faziam tão-somente para angariar poder
sobre a burguesia italiana. Explicou que a interpretação que
o proletariado fazia da liberdade era um bocado diferente
daquela feita por seus aliados temporários e que, por
conseguinte, não havia por que se alarmar com a ocorrência
de mudanças desse tipo nos programas dos partidos
comunistas, que mantinham uma posição coerente com a
revolução.181
Lenin recomendou o uso de linguagem moderada para
evitar que a burguesia se amedrontasse. Foi a partir de
considerações dessa ordem que os partidos eurocomunistas
deixaram de lado a “ditadura do proletariado” — o partido
espanhol chegou a retirar do próprio nome o adjetivo
“leninista”. Eles estavam seguindo o exemplo do PCUS, que
abandonara a “ditadura do proletariado” já em 1961,
também para o benefício de sua imagem.

Os possíveis efeitos adversos sobre o


comunismo internacional
Disputas reais entre os líderes de partidos do bloco e de
fora dele causariam dano ao movimento comunista
internacional. A colaboração ativa no contexto de uma
operação de desinformação baseada em falsas disputas
serve para cimentar as suas dinâmicas de trabalho. Resta-
lhes gozar do bom êxito em tapear a quem observa de fora.
Dado que os movimentos dissidentes no bloco
comunista estão sob o controle dos serviços de segurança,
nem eles mesmos nem o apoio que lhes emprestam os
eurocomunistas representam qualquer tipo de ameaça à
segurança dos regimes comunistas. Os efeitos
possivelmente adversos das idéias eurocomunistas sobre os
partidos do bloco que não estejam a par das operações de
desinformação são decerto neutralizados por cartas e
instruções secretas do partido. No diz respeito ao público
geral do Leste Europeu, essa prevenção pode ser feita
mediante uma combinação de censura da imprensa,
intensificação do trabalho ideológico e rejeição de
alegações sobre violação de direitos humanos como
propaganda burguesa ocidental. Em todo caso, o
surgimento de efeitos adversos em qualquer um dos lados
da Cortina de Ferro pode ser prontamente rebatido com o
abrandamento ou o abandono completo da disputa
eurocomunista, visto que se trata de uma disputa planejada
e controlada.
Os decanos dos partidos eurocomunistas certamente
apreciam os dividendos táticos e estratégicos que se podem
derivar da troca de críticas com a União Soviética, e
entendem não estar em jogo nenhum sacrifício dos
princípios comunistas. A formação de uma ou outra
dissidência pró-Moscou poderia, entretanto, ser tomada
como prejudicial aos partidos eurocomunistas. Pensando em
longo prazo, isso não é necessariamente certo, e os
argumentos a seguir aplicam-se igualmente à formação de
dissidências pró-China na esteira do cisma sino-soviético.
Em alguns casos, a formação de grupos dissidentes
pode ter sido controlada. Por exemplo, a expulsão de um
grupo stalinista do seio do partido espanhol em 1970 —
grupo que veio a formar o Partido Comunista Operário
Espanhol sob a liderança de Enrique Lister — poderia ter
sido parte das prospecções do eurocomunismo. Em outros
casos, a formação de grupos dissidentes pode ter resultado
espontaneamente das reações de elementos mais radicais
nas bases dos partidos, isto é, não iniciados na estratégia
dos altos níveis hierárquicos. Tais grupos geralmente
acolhem a estirpe mais militante de revolucionários. Ainda
que possam envolver-se em disputas mais ou menos
violentas com outro grupo ou com o partido comunista
principal, permanecem sob a influência de algum outro
membro do bloco comunista, e não de um partido pró-
Ocidente ou social-democrata qualquer. Constituem uma
reserva de militantes organizados cujo momento pode
chegar com uma futura mudança política e o abandono das
frentes parlamentares unidas.
Para os líderes soviéticos, despreocupados que estão
com problemas eleitorais, a baixa temporária do prestígio
internacional do regime, resultante das críticas tecidas pelos
eurocomunistas, é um pequeno preço a pagar pelos ganhos
táticos e estratégicos, reais e potenciais, que decorrem do
aprimoramento da imagem e da ampliação da influência
dos partidos comunistas europeus.

Implicações à propaganda ocidental

Identificar o eurocomunismo como uma operação de


desinformação traz implicações óbvias às políticas e à
propaganda ocidentais no que diz respeito ao comunismo.
Idéias sobre a exacerbação dos atritos entre os líderes do
bloco e dos partidos eurocomunistas são
contraproducentes, uma vez que não há quaisquer atritos
reais. Os anticomunistas ocidentais que se alinham aos
eurocomunistas em apoio aos “dissidentes” da Europa
Oriental estão fazendo o jogo do inimigo, caindo numa
provocação comunista. A vulnerabilidade desses
alinhamentos será exposta quando, já na fase final da
política de longo alcance, ocorrer a “liberalização” na
Europa Oriental; nesse meio tempo, eles apenas conferem
mais respeitabilidade aos eurocomunistas. As políticas e a
propaganda anticomunista do Ocidente só recuperarão sua
eficácia se tomarem como base uma compreensão
adequada das origens, da natureza e dos objetivos da
política e da estratégia de longo alcance, bem como das
técnicas de desinformação aplicadas em sua
implementação.

Conclusão

Em 1969, os estrategistas do bloco já contavam com


uma década de experiência em controlar e explorar
disputas artificiais entre os líderes de certos partidos e com
a experiência adquirida na condução da “democratização”
na Tchecoslováquia. Tinham visto o Ocidente cair em cada
uma de suas operações de desinformação. Tinham visto a
imagem dos partidos comunistas da Europa Ocidental
melhorar a partir da associação com o tipo dubcekiano de
comunismo e de seu posicionamento “independente”
quanto à intervenção da Pacto de Varsóvia na
Tchecoslováquia. Ainda que se tivesse dado um ponto final
ao experimento de Dubcek, houvera tempo para uma
análise de seu potencial enquanto meio para influenciar as
atitudes ocidentais em relação ao comunismo. Seu efeito
fora profundo. Daí que, nos 1970, fizesse sentido explorar o
potencial de disputas artificiais com partidos
eurocomunistas para incrementar as suas perspectivas
futuras. Sob a forma do eurocomunismo, tais disputas
poderiam enquadrar-se ao padrão das demais operações de
desinformação. O eurocomunismo poderia ser apoiado por
Romênia e Iugoslávia, os estados comunistas
“independentes”, e atacado tanto pelos soviéticos como
pelos chineses. A troca de críticas entre soviéticos e
eurocomunistas ajudaria a dissipar os temores quanto à
introdução de um sistema de tipo soviético na Europa
Ocidental e atestar a sinceridade da conversão
eurocomunista aos princípios democráticos. Acusando os
eurocomunistas de cederem a influências social-
democratas, os chineses poderiam fomentar a ilusão de que
esse fosse mesmo o caso. Com suas credenciais
aprimoradas, os partidos eurocomunistas estariam prontos
para fazer novos aliados entre as classes trabalhadoras, os
social-democratas, os pequenos burgueses, a intelligentsia,
as igrejas e as forças armadas, de modo que poderiam
desempenhar um papel mais influente no quadro geral da
estratégia comunista para a Europa. Tal como a
democratização tchecoslovaca, o eurocomunismo deve ser
encarado como um experimento, um ensaio para a fase
final da política de longo alcance. Seu potencial ainda não
foi plenamente atualizado.

Objetivos do eurocomunismo

A penetração no Ocidente de técnicas de


desinformação, já testadas em sua eficácia, para sugerir a
evolução dos partidos eurocomunistas em partidos
nacionais independentes e liberalizados destinava-se a:
• Encobrir a coordenação entre os partidos
eurocomunistas e o bloco em uma estratégia comum
para a Europa.
• Sugerir o avanço da desintegração do movimento
comunista internacional e, por conseguinte, uma
diminuição da ameaça por ele imposta ao Ocidente.
• Capacitar os partidos eurocomunistas para a
conquista de influência e poder no âmbito legal
mediante a formação de frentes unidas.

• Preparar o terreno para uma eventual “liberalização”


na União Soviética e na Europa Oriental e para a
promoção massiva da dissolução da OTAN, do Pacto
de Varsóvia e da presença militar americana numa
Europa neutra e socialista.

0 Conflict Study, nº 99. Londres: Institute for The Study of Conflict, 1978. Alguns
socialistas espanhóis também parecem considerar o eurocomunismo como um
truque.
1 Ver, por exemplo, World Marxist Review, nº6 (1974); Pravda, edição de 6 de
agosto de 1975; e Novoye Vremya, nº 9 (1976).
2 Schapiro
3 Ibid., p. 5.
4 Em The World Situation and the Revolutionary Process (World Marxist Review,
nº6, 1974): “a détente fortalece os elementos de orientação realista no campo
burguês e ajuda a isolar os mais reacionários, as forças imperialistas, os
‘partidos de guerra’ e os complexos militar-industriais”.
5 Wilkinson, P. Terrorism: International Dimensions — Conflict Studies, nº 113.
Londres: Institute for the Study of Conflicf, 1979.
6 Ver, de Kevin Devlin, The Challenge of Eurocommunism (Washington DC,
janeiro/fevereiro de 1977).
7 GES (1968), pp. 480-481.
8 Ver, de Kevin Devlin, The Challenge of Eurocommunism (Washington DC,
janeiro/fevereiro de 1977).
9 Soviet Union and Eurocommunism, p. 8.
0 World Marxist Review, nº7 (1964), pp. 1-2.
1 Rabochiy klass i sovremennyy mir, nº. 4 (1976), conforme citada por Schapiro
em Soviet Union and Eurocommunism.
CAPÍTULO 22
O PAPEL DA DESINFORMAÇÃO E O POTENCIAL
DA INTELIGÊNCIA NA REALIZAÇÃO
DAS ESTRATÉGIAS COMUNISTAS

O PROGRAMA DE DESINFORMAÇÃO tem desempenhado um papel


significativo na bem sucedida realização das estratégias
comunistas. Um estudo das evidências comunistas e
ocidentais à disposição revela a existência de ao menos seis
estratégias interligadas para o avanço do comunismo nas
linhas ditadas pela política de longo alcance. A primeira diz
respeito às atividades de partidos comunistas em países
altamente desenvolvidos. Sua essência está no uso de uma
série de táticas, a exemplo do eurocomunismo, na exibição
deliberada de uma imagem responsável e independente,
que se destina a promover a unidade de ação com social-
democratas e católicos e assim criar uma Europa neutra,
socialista e inclinada para o lado comunista. Essa estratégia
prevê três períodos. No primeiro, os comunistas procuram
aliados temporários entre social-democratas, sindicalistas e
católicos, assim moderados como conservadores, que
possam ser acionados contra qualquer aliança com os
Estados Unidos. No segundo, eliminam-se os conservadores,
e os social-democratas passam a ser os aliados principais
no contexto de uma Europa neutra e socialista. No terceiro e
último período, os comunistas tomam as medidas
necessárias para a tomada definitiva do poder.
A segunda estratégia lida com o esforço comunista em
firmar uma unidade de ação com os países em
desenvolvimento da Ásia, da África e da América Latina. Sua
essência reside na utilização de várias táticas, entre elas a
prestação de apoio a movimentos de libertação nacional,
praticada pela União Soviética e por outros países do bloco,
e da capitalização da influência póstuma de Tito sobre o
movimento não alinhado, que tem prestado para reduzir a
influência ocidental nessas áreas.
A terceira estratégia volta-se para a balança do poder
militar, que nos anos de 1960 pendia resolutamente em
favor do Ocidente. A essência dessa estratégia revela-se em
várias ações comunistas, entre elas negociações
diplomáticas (a exemplo da SALT), o esforço dos chineses
para forjar uma aliança militar com os Estados Unidos, os
esforços para aumentar o potencial militar soviético
(envolvendo os Estados Unidos numa guerra impopular
como a do Vietnã, por exemplo), campanhas antimilitares
no Ocidente e atos terroristas contra oficiais americanos.
A quarta estratégia lida com a erosão da resistência
ideológica do mundo não-comunista a fim de fazer avançar
o comunismo. Sua essência não reside na propaganda ou na
pregação ideológica, mas em feitos e ações concretas,
inclusive o anti-sovietismo calculado.
Subjacente a todas essas estratégias está a quinta
delas, a saber, a do próprio programa de desinformação.
Seu elemento mais fundamental é o cisma sino-soviético,
que tem permitido às duas potências um engajamento bem
sucedido na estratégia das tesouras, isto é, a manutenção
de políticas externas duplas e complementares, cuja íntima
coordenação ainda escapa aos radares ocidentais. Essa
estratégia das tesouras tem contribuído de maneira
significativa com todas as outras estratégias.
Embora tenham estabelecido unidade de ação com
alguns estados árabes e africanos e ainda originado
campanhas antimilitares na Europa Ocidental, os
comunistas não conseguiram alcançar a maioria dos social-
democratas, dos sindicalistas e dos católicos europeus.
Tampouco tiveram sucesso nos Estados Unidos, em grande
parte por causa do forte anticomunismo do movimento
trabalhista americano sob a liderança de George Meany. A
formação de frentes unidas na América Latina como um
todo tem sido inibida pela influência militar no continente.

A estratégia principal

A sexta estratégia é, no entanto, a mais significativa.


Preparada pelo bloco no curso dos últimos vinte anos, diz
respeito às soluções dos problemas que persistem sobre a
unidade de ação, tendo assim um papel crucial na fase final
da política de longo alcance. Essa última estratégia está
relacionada ao esforço constante em promover a
consolidação política e econômica de regimes comunistas
em particular, a construção de sociedades comunistas
supostamente maduras e a preparação de uma cena de
democratização para, nas palavras de Togliatti, dar suporte
aos comunistas de dentro e de fora do bloco na realização
das grandes estratégias. Em essência, essa estratégia
envolve a interação dos seguintes fatores:
1. O desenvolvimento de uma infraestrutura política,
econômica, diplomática e militar efetiva, sob a qual os
comunistas possam continuar a coordenar suas
políticas e ações de forma bilateral por meio de um
sistema de tratados de amizade. Essa infraestrutura
não seria afetada pela dissolução formal do Pacto de
Varsóvia. O aparato dos partidos, especialmente os
departamentos responsáveis pelas relações com os
países do bloco, terão um papel significativo nesse
contexto.
2. Reajustes ideológicos criativos e a revitalização dos
partidos comunistas e das organizações de massa,
inclusive os sindicatos e as agremiações de jovens e
de intelectuais. Somem-se a isso a ampliação das
bases dos partidos e a conversão das organizações de
massa em infraestruturas efetivas dos partidos. Essas
mudanças tornarão possível a introdução de uma
oposição política controlada, que cobrirá os regimes
de natureza totalitária com o manto da mudança e
lhes dará feições democráticas. Num período de vinte
anos, os partidos comunistas da União Soviética e da
China praticamente dobraram os seus quadros para
dezessete e trinta seis milhões, respectivamente. No
caso da China, isso aconteceu durante a Revolução
Cultural. As comissões ideológicas e os
departamentos culturais de cada partido tiveram um
papel fundamental nesse processo de revitalização.
3. A preparação de uma falsa oposição,
concomitantemente à introdução da democratização
controlada nos regimes comunistas, para criar uma
situação favorável à unidade de ação junto a social-
democratas, sindicatos livres e católicos para
combater a OTAN e o complexo militar-industrial dos
EUA. Essa preparação foi revelada pela reorganização
e reorientação da KGB e dos serviços de segurança
dos países do bloco, executadas conforme as ordens
de Shelepin. Coordenar os seus esforços conjuntos e
introduzir uma oposição falsa e controlada valendo-se
da experiência adquirida com a Trust nos tempos da
NEP de Lenin eram suas razões fundamentais.
Shelepin especificou que se mobilizassem agentes de
influência entre escritores, cientistas, sindicalistas,
nacionalistas e líderes religiosos de primeiro plano, e
enfatizou a necessidade de utilizar agentes do mesmo
tipo entre os chefes das várias religiões, inclusive o
patriarca da Igreja Ortodoxa Russa e os líderes
muçulmanos na Ásia Central. Os departamentos
administrativos dos partidos comunistas, que
supervisionam as atividades dos serviços de
segurança, desempenham um papel ativo e
significativo nesses preparativos.
4. O desenvolvimento de uma estratégia efetiva de
coordenação entre ministros de relações exteriores,
embaixadores, partidos comunistas e organizações de
massa dos países do bloco e dos partidos comunistas
de fora dele. Nesse processo, destacam-se os papéis
atribuídos aos departamentos de relações
internacionais dos partidos e aos diplomatas
comunistas. Isso explica por que alguns ministros
comunistas — da Romênia, da Hungria e da Bulgária,
por exemplo — foram, antes, chefes de tais
departamentos. Um papel significativo nessa
coordenação, especialmente no que toca a realização
da estratégia comunista para a Europa Ocidental, é o
do Comitê Soviético para a Segurança da Europa,
chefiado por V. Shitikov, que é funcionário do partido.
Esse comitê foi criado em junho de 1971 para
aprimorar a coordenação entre as organizações de
massa soviéticas em sua luta pela materialização de
uma segurança européia coletiva. O desenvolvimento
e a realização dessa estratégia revelam-se nas
numerosas conferências dos partidos comunistas, em
especial as de Moscou e de Praga, em 1965, e nas
reuniões de cúpula com Brezhnev na Criméia, durante
os anos 1970.

O estudo das evidências disponíveis leva à conclusão de


que a democratização tchecoslovaca foi, na verdade, um
ensaio. Naquela ocasião, o importante era ver como esse
cenário funcionaria na prática e testar as reações do
Ocidente.
A desinformação e o papel estratégico da
Iugoslávia

A nova metodologia torna possível ver como a chamada


independência da Iugoslávia tem-lhe permitido
desempenhar um papel de destaque na promoção da bem
sucedida estratégia comunista para o Terceiro Mundo. A
Iugoslávia estava em boa posição para organizá-lo, orientá-
lo na direção do socialismo e convertê-lo numa arma a ser
usada contra o Ocidente. Foi Tito quem chamou a atenção
de Khrushchev para as potencialidades de amizade e
cooperação com líderes como Nasser, Nehru e Sukarno. Tal
como a reconciliação entre a Iugoslávia e os demais países
comunistas, a contribuição e o comprometimento da
Iugoslávia com a política de longo alcance foram
devidamente encobertos por desinformação. Ambos
permaneceram escondidos ao longo dos últimos vinte anos,
apesar das abundantes evidências que se podem interpretar
como indícios de que a Iugoslávia tenha cumprido um papel
estratégico na coordenação com outros membros do bloco
comunista, sobretudo na África, na Ásia e nas Nações
Unidas.
A influência iugoslava no âmbito do movimento não
alinhado, mas também fora dele, parecia aceitável aos
líderes neutros ou nacionalistas do Terceiro Mundo, em
grande parte porque eles viam na Iugoslávia, tal como em si
mesmos, um país independente e, diferentemente das
grandes potências, desinteressado em dominá-los e
controlá-los. O tipo iugoslavo de comunismo parecia mais
flexível e adaptável do que as versões soviéticas e chinesas.
Além do mais, a penetração das idéias iugoslavas no
Terceiro Mundo não sucedeu mediante as atividades
tradicionais de um partido comunista coeso e engajado,
mas por meio de influências pessoais e de organizações de
massa, como a Aliança Socialista dos Trabalhadores da
Iugoslávia e sindicatos iugoslavos.
No tocante a questões fundamentais, a linha de Tito era
regularmente anti-ocidental e prestável à política de longo
alcance. Ele posicionou-se contra os EUA na crise cubana de
1962. Seguiu a orientação pró-árabe do movimento
comunista e rompeu relações diplomáticas com Israel em
1967, para depois cortar um dobrado tentando convencer
as nações não alinhadas a fazer o mesmo — dezoito países
africanos cortaram relações com Israel em 1973. Tito seguiu
o movimento ao reconhecer a Alemanha Oriental e
influenciou diversos estados árabes e africanos a tomarem a
mesma direção. Ele mobilizou as nações não alinhadas para
condenar a intervenção americana no Vietnã. Criticou a
postura dos EUA perante a guerra civil angolana em 1975,
de tal modo que a administração Ford chegou a
reconsiderar suas tentativas de depurar as relações com a
Iugoslávia.
Embora criticasse a intrusão cubana na África e a
intervenção soviética no Afeganistão, Tito geralmente fazia-
o de forma bastante contida, tanto que nenhuma de suas
críticas jamais desencadeou ações efetivas. Ele e seus
colegas iugoslavos merecem uma boa parte dos créditos
pela mudança de posição das Nações Unidas, que colocou-
se contra o Ocidente e a favor do bloco comunista; uma
mudança que já tem lá seus vinte anos. Outro ponto
decisivo para a fase final da política de longo alcance é o
fato de Tito ter conquistado o apoio e a solidariedade de
muitos socialistas europeus e japoneses para os
movimentos de libertação nacional no Terceiro Mundo.
Resumindo, os empreendimentos iugoslavos de 1958 a
1980 estiveram intimamente coordenados com as ações da
União Soviética e, mais recentemente, da China. Por meio
da desinformação em torno da sua independência,
igualmente aceita pelo Terceiro Mundo e pelas nações
ocidentais altamente desenvolvidas, a Iugoslávia pôde
desempenhar um papel estratégico da mais alta relevância
ao promover a ação unificada com países do Terceiro
Mundo, reorientá-los na direção do socialismo e finalmente
convertê-los em aliados do comunismo contra o Ocidente.
Tito fez por merecer a Ordem de Lenin com que foi
agraciado em 1979. Ele é falecido, mas suas políticas
continuam.
Por sua incapacidade de penetrar a desinformação —
compreendidas aqui as violentas investidas de chineses e
albaneses contra Tito, que eles acusaram de ser um agente
do imperialismo americano na África — os Estados Unidos e
seus aliados continuaram a ver na Iugoslávia um trunfo
valioso, uma força moderadora nos novos países
independentes, e continuaram, portanto, a dispensar-lhe
bons tratamentos. Mas a influência iugoslava é perigosa. As
bases para a ação coordenada entre o bloco comunista, o
Terceiro Mundo e muitos socialistas no Japão e na Europa
Ocidental já foram deitadas. Sem perceber como isso afeta
a sua sorte, boa parte do Terceiro Mundo está pronta para
agir como o mais efetivo aliado dos estrategistas
comunistas em sua ofensiva contra os países desenvolvidos
na fase final da política de longo alcance.

Desinformação sino-soviética e a Revolução


Cultural: uma nova interpretação

As denúncias soviéticas sobre o caráter antimarxista e


anti-socialista da Revolução Cultural ajudaram a encobrir o
seu verdadeiro significado no processo de reconstrução
comunista na China. Ao mesmo tempo, os líderes chineses
foram capazes de explorar suas supostas diferenças com os
soviéticos para reunir atrás de si o partido e as massas. No
período de maior vulnerabilidade de sua história, fizeram-no
hasteando a bandeira do nacionalismo chinês, portanto
repetindo a manobra a que Stalin recorrera nos anos 1920 e
1930 para unir o povo russo em torno do regime soviético,
ou seja, a exploração do “cerco capitalista”. A diferença
entre os dois casos está na postura dos líderes chinses, que
incluíram a União Soviética entre as ditas “potências
imperialistas” que ameaçavam sitiar a China, enganando
deliberadamente toda a população de seu país e o mundo.
Desse modo, serviram todos os seus próprios interesses em
fortalecer e estabilizar os seus regimes e, ao mesmo tempo,
serviram os interesses estratégicos da política de longo
alcance do bloco comunista.
É certo que houve confusão durante a Revolução
Cultural, mas, à luz da nova metodologia, os fatos se
apresentam passíveis de uma nova interpretação. A
Revolução Cultural foi uma parte — muito significativa, por
sinal — de um processo mais amplo de reconstrução da
sociedade chinesa. Seguiu-se, como conseqüência lógica, à
reconstrução da agricultura chinesa. As recém-
estabelecidas bases materiais da sociedade chinesa
requeriam uma superestrutura política e ideológica
apropriada, e é por isso que Mao a chamava de “a grande
revolução cultural proletária”.
Além de causarem transtorno econômico generalizado,
a criação das comunas e a transferência da prioridade da
indústria para a agricultura expuseram a inadequação de
estrutura e de caráter no partido e em suas organizações de
massa. Sediavam-se principalmente nas cidades, ao passo
que as verdadeiras massas chinesas encontravam-se no
campo — daí a necessidade de enviar intelectuais às vilas.
O nível ideológico do partido estava demasiado baixo, e a
tendência estafante à inércia burocrática era inaceitável.
Tomou-se então a decisão de reagrupar os elementos mais
bem doutrinados do antigo partido e da antiga juventude
numa estrutura alternativa, o que dependeria de que o
exército e o Ministério de Segurança Pública fornecessem o
elemento de controle e prevenissem que a situação
descambasse para qualquer coisa incontrolável. O
surgimento de “departamentos políticos”, destacamentos
da Guarda Vermelha e “comitês revolucionários” não foi
espontâneo, mas instigado pelo Comitê Central. A
Revolução Cultural não foi lançada até que os preparativos
essenciais para a introdução de uma estrutura alternativa
de poder estivessem todos feitos. Com uma força
alternativa no páreo, foi possível abolir grandes parcelas da
estrutura organizacional do partido ao mesmo tempo em
que enormes contingentes de funcionários estavam sendo
novamente doutrinados. Enquanto isso, a organização
alternativa, que se compunha em grande parte pela
geração mais nova, deu início à missão de estender os
vínculos e a sua influência sobre as massas, para
incandescê-las com o ardor revolucionário e engajá-las na
reconstrução comunista. A Revolução Cultural começou no
plenário do Comitê Central em agosto de 1966, e foi, do
começo ao fim, encabeçada pelo mesmo Comitê. O fato que
se tratava de uma revolução controlada desde cima foi
atestado por sua interrupção temporária em virtude do
período de sementeira de primavera em 1967 e pela
simultânea retomada das aulas nas escolas, determinada
pelo Comitê Central. Ideológica, a revolução foi
naturalmente dirigida pelos ideólogos do Comitê Central,
liderados por Chen Po-ta e pelo próprio Mao. Por volta de
abril de 1969, já se tinha feito progresso suficiente para que
a Revolução Cultural propriamente dita fosse refreada pelo
Nono Congresso do PCC.
Embora os tumultos tivessem se dissolvido, muitos dos
processos iniciados anteriormente à Revolução Cultural, e
também no curso de seu desenvolvimento, tiveram
continuidade. Se o período entre 1966 e 1969 foi marcado
pela criação de novos órgãos de poder e pelos ataques de
“esquerdistas” a “direitistas”, o que marcou os três anos
seguintes foi a reabsorção dos quadros mais antigos do
partido, agora reeducados, por esses novos órgãos de
poder, e a investida contra os esquerdistas, iniciada com o
apoio do exército, que, por sua vez, acabou ainda mais
firmemente controlado pelo partido. Os primeiros sinais da
détente com o Ocidente começaram a surgir. Pelos três anos
seguintes, de 1973 a 1976, o processo de reeducação
continuou sob a suposta orientação da “Camarilha dos
Quatro”. Tratava-se agora de um processo mais específico
de preparação ideológica e política do partido, do aparato
do governo e das organizações de massa para a nova
situação, que se estabelecia a partir de uma mudança para
uma diplomacia ativista da détente. Com a morte de Mao e
o retorno dos “pragmáticos”, foi lançado um
empreendimento diplomático na linha soviética com o
objetivo de colocar o auxilio econômico, financeiro e
tecnológico recebido do mundo não-comunista em função
do desenvolvimento econômico e militar da China. O país
estava pronto para realmente entrar em cena no contexto
da política de longo alcance. Procurou alinhar-se
especialmente com conservadores nos países desenvolvidos
e com regimes islâmicos no Terceiro Mundo, de modo que
pudesse levar a cabo o mais efetivamente possível a
estratégia das tesouras sino-soviéticas.
Tal como em outros países comunistas, o processo de
reconstrução na China foi acompanhado pela introdução de
novas técnicas e pela retomada de técnicas antigas. No
caso da China, as metas eram a revitalização do partido
comunista, a ampliação de sua base política, o engajamento
da geração mais jovem, a reeducação dos quadros mais
antigos do partido, o controle e a neutralização da oposição
interna, a revitalização do aparato de estado e das forças
armadas, e a preparação da China como um todo para o
exercício do seu papel de implementação interna e externa
da política comum do bloco comunista. As técnicas de
ativismo político, provocação, desinformação e profilaxia
política — descritas em detalhe no caso da União Soviética
— têm sido aplicadas com bom êxito na China. As supostas
disputas de poder entre esquerdistas e direitistas,
dogmáticos e pragmáticos, são tão irreais quanto as
disputas de poder entre stalinistas e anti-stalinistas na
União Soviética.
A cooperação entre membros da liderança na criação da
ilusão de disputas de poder entre eles mesmos, ou entre o
partido e o exército, ajuda a prevenir a ameaça de disputas
reais no seio da liderança ou de inclinações golpistas no
exército; dá aos ideólogos o material com o qual treinar os
funcionários do partido para o combate a tendências
indesejáveis e, ao mesmo tempo, prepará-los para
mudanças radicais na política. A violência dessas mudanças
de orientação é uma técnica emprestada de Stalin. Ao final
da vigência da NEP, Stalin utilizou-se de suas idas e vindas,
da esquerda para a direita e da direita para esquerda, para
dar ao partido a têmpera e a forma de um instrumento
obediente à sua vontade. A diferença está no fato de que
Stalin aplicou essa técnica para estabelecer a sua ditadura
pessoal numa época de sectarismo real, ao passo que a
liderança chinesa o fez para incrementar a eficiência do
partido como um todo, dado que o sectarismo na liderança
era fingido. A recente reavaliação e desvalorização da obra
Mao na China apresenta paralelos com a desestalinização
na União Soviética e destina-se, em parte, a prevenir a
emergência de quaisquer inclinações para ditaduras
pessoais no PCC.
A formação da Guarda Vermelha remonta ao uso feito
por Stalin de ativistas da Komsomol durante a coletivização
da agricultura soviética na década de 1930. A técnica dos
murais pode ter sido emprestada da oposição de 1956-
1957.
A Revolução Cultural e todo o processo da reconstrução
comunista na China seguiram os preceitos de Lenin no que
diz respeito a superar a “doença infantil” e o isolamento do
partido em relação às massas. Tanto a reeducação dos
quadros como a reestruturação do partido, da sua juventude
e de suas organizações sindicais fizeram-se necessárias ao
cumprimento desses objetivos e à preparação do sistema
chinês para o exercício da détente ativista com o Ocidente,
conforme os desdobramentos da política de longo alcance.
Apesar da suposta destruição do partido no curso da
Revolução Cultural, o fato é que ele acabou se fortalecendo.
Os sindicatos chineses, bem com as organizações da
juventude e das mulheres, retomaram as suas atividades.
Em decorrência da estabilização e do reforço do partido
e de suas organizações de massa, a China, tal como outros
estados comunistas a partir de 1960, pôde introduzir, além
de algumas medidas à la NEP, certos apetrechos da
democracia — cartazes nas ruas, julgamentos, a liberação
das forças do mercado e o relaxamento do controle sobre a
religião, a vida intelectual, as condições de trabalho nas
fábricas e a propriedade privada, por exemplo. Começaram
a surgir os “dissidentes”, exatamente como no caso
soviético. Ampliaram-se os contatos com o Ocidente e
redobraram-se as atenções sobre os chineses do exterior,
cujos familiares no país, dizia-se, somavam doze milhões de
pessoas.

Dualidade sino-soviética e estratégia


comunista no Terceiro Mundo
À luz da nova metodologia, os esforços chineses no
Terceiro Mundo são complementares ao dos demais estados
comunistas e constitui um elemento fundamental na
estratégia comunista como um todo.
O caráter dos esforços despendidos pelos chineses no
Terceiro Mundo de 1958 em diante foi ditado pelos
antecedentes históricos e pelas capacidades da China. O
país libertara-se da opressão colonial depois de uma
extensa luta contra o Japão. O partido chinês aprendera
como explorar as condições geradas por conflitos militares
para aprofundar sua influência e conquistar o poder. Via de
regra, os esforços chineses e soviéticos podem ser
encarados, não em termos de rivalidade, mas como uma
divisão de trabalho cuja coordenação tem rendido
dividendos no âmbito da estratégia comum.
Onde quer que exista um conflito sério entre dois países
do Terceiro Mundo, será possível discernir um padrão nas
políticas soviéticas e chinesas: tomando cada uma um dos
lados, União Soviética e China adotam uma inequívoca
dualidade. Enquanto a primeira tenta aumentar sua
influência sobre um dos envolvidos, a segunda faz o mesmo
com o outro. O exemplo clássico é o caso de Índia e
Paquistão.
O conflito sino-indiano de 1962 foi provocado pelos
chineses. Na ocasião, os soviéticos tomaram uma posição
abertamente anti-chinesa, o que lhes rendeu grande
consideração por parte dos indianos. Uma missão do
exército e da aeronáutica indianas visitou a União Soviética
à época do surto polêmico entre os partidos indiano e
soviético em 1963. No ano seguinte, o ministro da defesa
indiano foi a Moscou para discutir a cooperação militar entre
os dois países, que trocaram ainda outras visitas de
delegações militares em 1967 e 1968. Em meados dos anos
de 1960, os ministros de relações exteriores da União
Soviética e da Índia instituíram a prática regular de
consultas sobre problemas de interesse mútuo.182 Os
Estados Unidos responsabilizaram os indianos pelo conflito
indo-paquistanês em 1971, e encerraram a prestação de
auxílio militar. Por mais que pedissem o fim do conflito, os
soviéticos deram apoio moral aos indianos, apoios pelo qual
a Sra. Gandhi expressou sua gratidão. Um tratado de
amizade foi assinado por União Soviética e Índia em agosto
de 1971, e o que se seguiu foi um influxo de visitantes
soviéticos. Firyubin foi à Índia em outubro, o mesmo mês da
visita de Tito, curiosamente. Seguiram-no Kutakhov, chefe
da aviação soviética, e V. V. Kuznetsov, ministro adjunto de
relações exteriores, no decorrer dos três meses seguintes.
Em dezembro, a Sra. Gandhi condenou a política americana
no Vietnã.183 Em 1973, foi assinado um acordo de
cooperação entre a Gosplan, a agência soviética de
planejamento, e a comissão indiana correspondente.184
Em meados dos anos de 1970, a tendência ao
estreitamento das relações soviético-indianas tornara-se
virtualmente irreversível, em grande parte por causa da
habilidosa exploração soviética do conflito entre Índia e
Paquistão. O governo de Desai não pôde conter a maré, e as
relações consolidaram-se ainda mais com a visita e as
conversas de Brezhnev com Sra. Gandhi em 1981.
Enquanto os soviéticos fortaleciam o seu domínio sobre
a Índia, os chineses faziam o mesmo com o Paquistão,
valendo-se para tanto das mesmas técnicas — trocas de
visitas e intercâmbio de delegações militares —
especialmente entre 1962 e 1967. Quando os Estados
Unidos suspenderam a prestação de auxílio militar ao
Paquistão, em 1967, os chineses cobriram-nos prontamente.
Em 1968, o presidente Yahya Khan e o seu ministro de
relações exteriores visitaram a China, e a cooperação
desenvolveu-se. Em 1970, Kuo Mo-jo visitou o Paquistão. O
país estava próximo o bastante para servir de intermediário
nos arranjos para a visita de Kissinger à China, em 1971.
Bhutto foi recebido por Mao em 1972, passados mais
conflitos com a Índia e a formação de Bangladesh. Em
decorrência desses conflitos, o Paquistão retirou-se da
Commonwealth e da SEATO. Paquistão e China continuaram
a trocar visitas de alto escalão, a despeito de mudanças no
governo paquistanês.
Tal como a influência soviética na Índia, a influência
chinesa no Paquistão está criando condições para uma
aliança entre os dois países e para uma ascensão final do
comunismo. Já se apresenta uma situação que ainda pode
ser explorada por manobras calculadas e coordenadas, por
exemplo, em conexão com a intervenção soviética no
Afeganistão.
A recente moderação chinesa destina-se a ajudar na
construção da nova imagem de respeitabilidade de que os
chineses necessitam para ao exercício de sua détente com
os países desenvolvidos e com o Terceiro Mundo. Também é
coerente com o padrão de dualidade sino-soviética:
enquanto a União Soviética cria frentes unidas com
nacionalistas e contra os Estados Unidos, a China procura
enredar, consigo mesma e com seus associados, os Estados
Unidos e outros países conservadores, entre eles estados
asiáticos e africanos, em alianças artificiais, traiçoeiras e
ostensivamente anti-soviéticas. Desse modo, a China
procura adentrar o campo de seus inimigos não apenas sem
enfrentar oposição, mas sendo bem recebida como um
aliado contra o expansionismo soviético e devidamente
equipada com armamento ocidental.
Na atual fase da política de longo alcance, nem a União
Soviética nem a China colocam os partidos comunistas
locais na linha de frente. Quando se consumar o isolamento
dos Estados Unidos em relação ao Terceiro Mundo, esses
partidos virão por conta própria e acertarão as suas contas
com os nacionalistas que os suprimiram no passado.

Dualidade sino-soviética e estratégica militar

A nova metodologia esclarece como a divisão de


trabalho entre soviéticos e chineses e a dualidade
coordenada de suas políticas contribuem para o sucesso das
estratégias comunistas.
Nos primeiros anos da détente, e aqui parafraseamos
Lenin, os chineses executaram um “contrabaixo sinistro”, ao
passo que os soviéticos tocaram o seu “violino sentimental”.
Enquanto os soviéticos enfatizavam a détente e a
coexistência pacífica, dedicando-se a contatos com líderes
americanos e europeus de alto escalão, os chineses
defenderam a revolução violenta e engajada. A visita de
Khrushchev aos Estados Unidos em 1959 recebeu
tratamentos acentuadamente distintos nas imprensas
soviética e chinesa. Em fevereiro de 1960, passados três
meses desde o mal fadado Encontro de Paris, a delegação
chinesa na conferência do Pacto de Varsóvia criticou os
soviéticos pela sua reaproximação aos “imperialistas”, que
haviam se recusado a fazer concessões no caso de Berlim.
Às vésperas do encontro de Khrushchev com o presidente
francês em abril de 1960, a imprensa chinesa voltou a
criticar os “revisionistas” iugoslavos e publicou artigos que
clamavam por uma abordagem engajada e revolucionária
dos problemas do mundo. Enquanto isso, a imprensa
soviética continuava a enfatizar a moderação e a
coexistência pacífica.
Mais divergências apareceram no tratamento dado por
soviéticos e chineses às crises cubana e sino-indianas em
1962, mas o caso mais surpreendente de dualidade no início
da década de 1960 talvez tenha sucedido durante as
negociações do Tratado de Interdição Parcial dos Testes
Nucleares, em 1963. A chegada a Moscou da delegação
anglo-americana que deveria conduzir as negociações foi
imediatamente seguida da chegada de uma delegação
chinesa que deveria conduzir outras negociações com o
PCUS. O calor com que soviéticos receberam as delegações
ocidentais contrastavam vivamente com a frieza dispensada
à delegação chinesa. O progresso das conversas sobre o
tratado foi acompanhado pelo aparente fracasso das
tratativas sino-soviéticas. À assinatura do acordo seguiram
a interrupção das conversas sino-soviéticas, ataques da
imprensa chinesa à política soviética nas negociações do
tratado e ainda franca controvérsia entre os partidos
soviético e chinês. Mais polêmicas eclodiram quando das
negociações do Tratado de Não Proliferação de Armas
Nucleares, entre 1966 e 1967.
Eventos subseqüentes têm mostrado quão frágeis eram
as acusações chinesas de que os soviéticos tivessem
capitulado perante o imperialismo ocidental na década de
1960 ou sacrificado a “solidariedade socialista” e o apoio à
luta revolucionária no altar da coexistência pacífica.185 O
efeito dessas acusações foi então a promoção de ilusões
ocidentais sobre a moderação soviética, logo a criação de
condições favoráveis para o sucesso da diplomacia ativista
perante os Estados Unidos e as potências européias da
OTAN. Pareados com os implacáveis dogmáticos chineses,
os soviéticos pareciam comunistas cautelosos, razoáveis,
imparciais e pragmáticos, com os quais era possível entrar
em um acordo. Além do mais, pareciam sinceros ao dizer
que tinham em comum com o Ocidente o interesse em
restringir a influência chinesa.
A dualidade sino-soviética surtiu sobre o Ocidente o
efeito que os estrategistas comunistas esperavam. Na
verdade, parece seguro dizer que ainda gerou dividendos
consideráveis. Não fosse por sua crença na sinceridade do
interesse soviético pela détente e por sua confiança na
autenticidade do cisma sino-soviético, é pouquíssimo
provável que o Gen. De Gaulle tivesse ido tão longe em
suas negociações com a União Soviética, reconhecido a
China comunista ou retirado os compromissos militares da
França para com a OTAN.
De 1958 a 1969, apesar de todo o escarcéu, a China foi,
se comparada à União Soviética, diplomaticamente passiva
em relação às potências ocidentais. O contraste era natural.
A União Soviética já era uma superpotência militar em
competição estratégica com os Estados Unidos e com a
OTAN. Os soviéticos tinham uma experiência sólida em lidar
com as potências ocidentais e dispunham de um estado-
maior bem treinado para executar as suas políticas. A China
era insignificante em termos militares, não contava com
reconhecimento diplomático dos Estados Unidos e de
muitos países, e carecia de um corpo diplomático bem
treinado e doutrinado. A deflagração da Revolução Cultural
só agravou esse isolamento.
Tudo isso começou a mudar em 1969. Com o desfecho
da Revolução Cultural, a China ressurgiu no cenário
internacional, e lançou a sua própria diplomacia de détente.
O comércio e especialmente a aquisição de tecnologia
avançada preponderavam entre os motivos mais óbvios dos
chineses. Em janeiro de 1969, um embaixador especial da
Alemanha Ocidental, Egos Bahr, foi convidado a conduzir as
negociações em Xangai, e a troca de visitas entre estadistas
chineses e ocidentais tornou-se lugar comum. O esforço
para obter reconhecimento diplomático deu resultados: por
volta de 1970, cinqüenta e cinco países já o tinham
concedido. A 25 de outubro de 1971, a China tinha relações
diplomáticas com noventa e nove países. Em fevereiro de
1972, depois de duas visitas preparatórias de Kissinger
(inicialmente sob grande sigilo e sem consulta prévia aos
japoneses, o mais preocupado dentre os aliados mais
íntimos dos EUA), foi a vez do presidente Nixon visitar o
país. À sua visita seguiram-se as de Douglas-Home,
secretário de negócios estrangeiros do governo britânico, do
presidente francês Georges Pompidou (1973) e do chanceler
da Alemanha Ocidental, Schmidt (1975). Os líderes da
oposição conservadora na Alemanha e na Grã-Bretanha,
Strauss e Thatcher, visitaram o país em 1975 e 1977,
respectivamente, o secretário britânico de assuntos
estrangeiros, Crosland, em 1976. Os chineses retribuíram
com visitas ministeriais, que em 1979 culminaram com as
visitas de Teng Hsiao-ping aos Estados Unidos e ao Japão, e
com a turnê do presidente do partido, Hua, pela Europa. No
mesmo ano, o conselheiro de segurança nacional da
presidência dos EUA, Brzezinski, visitou a China, seguido, no
rescaldo da intervenção soviética no Afeganistão, pelo
secretário da defesa, Brown. A troca de visitas entre a China
e os Estados Unidos, as potências européias e o Japão
refletiam não só o desenvolvimento das relações comerciais
e de crédito, mas também a transferência de tecnologia
avançada do Ocidente para a modernização industrial e o
rearmamento da China.
Em se tratando da diplomacia ativista dos chineses, três
pontos merecem ser isolados, para maior destaque.
Primeiro: a despeito da morte de Mao em 1976, ela se
manteve contínua e regular ao longo de toda a década de
1970. Hua disse-o ele mesmo em dezembro de 1976,
afirmando que a China levaria a cabo as diretivas deixadas
pelo presidente Mao.186 Segundo: Teng Hsiao-ping, um dos
principais arquitetos da política de longo alcance sob a
orientação de Mao entre 1958 e 1960, tem desempenhado
um papel fundamental. Terceiro: a proporção de
conservadores entre os líderes ocidentais escolhidos pelos
chineses como objetos de reaproximação tem sido um traço
notável. Alguns deles — Strauss, Brzezinski e Thatcher, por
exemplo — foram atacados pessoalmente pelos soviéticos,
o que em nada comprometeu suas relações com os
chineses.
Ao mesmo tempo em que os chineses embarcavam
numa política de détente, os soviéticos davam seguimento
aos sucessos de sua própria diplomacia ativista em inícios
da década 1960. Seus esforços tomaram três direções
principais: as conversas da SALT com os Estados Unidos, a
Conferência de Segurança e Cooperação na Europa e o
estreitamento de relações bilaterais com determinadas
potências européias. Ao mesmo tempo, também o Ocidente
começou a se dar conta de que a União Soviética tirara
vantagem da détente para avultar seu poderio militar.
À luz da nova metodologia, a escalada das hostilidades
na fronteira sino-soviética em 1969 e 1970 não foi algo
casual, e tampouco o foi a adoção de posições
diametralmente opostas por soviéticos e chineses em
diversas ocasiões. A dualidade nas políticas sino-soviéticas
serviu para criar um contexto favorável tanto ao
lançamento e condução das negociações da SALT como à
diplomacia ativista chinesa. No que diz respeito à CSEC, era
evidente que os chineses, ao passo que condenavam os
soviéticos por tomar parte na organização das conferências
de Helsinki, apoiavam a idéia de uma Europa Ocidental
“independente das duas superpotências”, em outras
palavras, a própria meta intermediária da estratégia
comunista para a Europa.
Conforme os anos de 1970 se arrastavam e a
agressividade soviética tornava-se cada vez mais aparente
na Europa, na África e, finalmente, no Afeganistão, a China
começou a tomar, aos olhos do Ocidente, as feições
atraentes de um possível aliado. O interesse comum em
resistir à militância chinesa nos anos de 1960, partilhado
pelos soviéticos, deu lugar ao interesse comum em resistir
ao expansionismo soviético nos anos de 1970, partilhado
pelos chineses. Capitalistas da Europa Ocidental e do Japão
amontoavam-se para investir no potencial econômico e
militar da China, encorajados por conservadores anti-
soviéticos e por especialistas em defesa. A aliança com a
China parecia oferecer a melhor chance para remediar o
crescente desequilíbrio militar entre a União Soviética e o
Ocidente, especialmente a Europa. Os Estados Unidos
estavam cada vez mais propensos a “jogar a carta chinesa”.
A relação com a China comunista, iniciada sob Nixon e
Kissinger e desenvolvida sob Carter e Brzezinski, foi elevada
a cooperação militar, sob Reagan e Haig, com a intenção de
fazer do país um contrapeso à União Soviética. Tanto em
relação aos soviéticos nos anos de 1960 como em relação
aos chineses nas duas décadas seguintes, o Ocidente
esqueceu-se do erro cometido pelo Estado-Maior da
Alemanha ao ajudar no rearmamento da União Soviética
conforme o Tratado de Rapallo, assinado em 1922. A
estratégia das tesouras sino-soviéticas ainda não foi
reconhecida pelo que ela é.
Em poucas palavras, primeiro a União Soviética e então
a China levaram a efeito o clássico preceito estratégico de
procurar adentrar o campo do inimigo sem enfrentar
resistência e, se possível, sendo bem recebido. Já dizia Sun
Tzu: “subjugar o inimigo sem combatê-lo é o ápice da
destreza”.187
O combate entre estados comunistas é geralmente
aceito como evidência conclusiva de uma ruptura entre
eles. Há que se recordar, porém, que os conflitos nas
fronteiras sino-soviéticas e sino-vietnamitas sucederam na
presença de uns poucos observadores ocidentais, quando
muito. Incidentes de fronteira são fáceis de encenar, e o que
quer que se transmita sobre eles pelo rádio não codificado
pode servir para atestar a sua autenticidade. Exercícios
militares podem se parecer muito com batalhas, e ainda
que haja danos e óbitos reais, esses incidentes estão
abertos a mais do que apenas uma interpretação. O
aparente combate entre estados comunistas pode contribuir
com objetivos estratégicos específicos, como a promoção de
acordos e alinhamentos espúrios entre estados comunistas
e não comunistas. A “guerra” sino-vietnamita, por exemplo,
intensificou as pressões para que os Estados Unidos
fechassem com a União Soviética o segundo acordo da SALT
II, e ainda ajudou a dar à China as feições atraentes de um
possível aliado ocidental contra os soviéticos.

Dualidade sino-soviética e o movimento


revolucionário

De um modo geral, o cisma sino-soviético não dividiu os


partidos comunistas de fora do bloco nem reduziu a sua
influência, como até se poderia ter esperado. A maior parte
dos partidos europeus tornou-se mais ativa, conservando-se
abertamente alinhada aos soviéticos. A associação com a
“moderação” soviética melhorou a sua imagem e aumentou
as suas chances de sucesso com as frentes unidas. O
Partido Comunista Italiano era muito mais influente em
1980 do que fora em 1960. Na França, a aliança de
socialistas e comunistas passou mais perto da uma vitória
eleitoral em 1974 do que em qualquer outro momento
desde a Segunda Guerra. Na medida em que as facções pró-
chinesas rompiam com o corpo principal do partido, como
na Bélgica, a situação corria, de modo geral, favorável à
estratégia de longo alcance. Um transbordamento calculado
dos elementos revolucionários mais radicais e violentos
ajudou os partidos comunistas a reforçarem a sua imagem
de respeitáveis partidos democráticos, aliados potenciais de
socialistas, cristãos e outros grupos progressistas.
O partido japonês tentou tirar vantagem do cisma sino-
soviético para ampliar a sua influência política.
A militância chinesa e a dualidade sino-soviética
abriram possibilidades de ação conjunta entre facções pró-
chineses e outros grupos de extrema esquerda, como os
trotskistas. Em junho de 1963, enquanto estouravam as
polêmicas entre os partidos soviético e chinês, a Quarta
Internacional Trotskista aprovou, em resolução especial, “a
missão história de unir forças com a China e de lutar pela
criação de uma frente unida com os camaradas chineses”.
Em 1967, a Quarta Internacional declarou-se a favor de
precipitar a revolução armada das massas nas bases
principais do capitalismo. A maioria estava com Mao. Uma
minoria, crítica de algumas idéias do líder chinês, propôs
uma linha mais flexível de combate para os partidos
comunistas.
O Nono Congresso da Quarta Internacional teve lugar
em Rimini, Itália, em abril de 1969. Lá foram discutidas as
táticas para a América Latina. O setor europeu da maioria
realizou uma conferência em outubro do mesmo ano, na
qual se decidiu por encerrar as tentativas de penetrar
partidos comunistas, e apoiou-se a criação de “partidos
revolucionários independentes”. No mesmo mês, um
congresso da minoria, sediado em Viena, aprovou as ações
de facções separatistas no movimento comunista e, ao
mesmo tempo, condenou a sua recusa em cooperar com a
União Soviética pela luta de libertação do Vietnã. Ainda em
1969, enquanto o movimento pela CSCE ganhava fôlego,
encontros trotskistas em protesto à OTAN foram realizados
na Inglaterra, na Dinamarca, no Japão e na Austrália.
As informações disponíveis ao público não bastam para
determinar até que ponto as atividades de grupos radicais
da extrema esquerda têm sido coordenadas sob influência
chinesa ou soviética, mas não se deve permitir que a
rivalidade entre esses grupos e os partidos comunistas da
corrente principal, não raro traduzida em violência,
obscureça a amplitude em que as atividades de todos esses
grupos têm servido e ainda podem servir os objetivos da
estratégia de longo alcance. Em 1971, após tachar de
“aventureiros” alguns dos elementos da Nova Esquerda,
Ponomarev concluiu que “negligenciar esse segmento dos
movimentos de massa seria aliviar a pressão da luta anti-
imperialista e dificultar a criação de uma frente unida contra
o capitalismo monopolista”.188 De modo geral, desde a
adoção da política de longo alcance e do desenvolvimento
da dualidade sino-soviética, tanto os partidos comunistas
moderados como os grupos radicais, revolucionários e
terroristas têm conseguido reunir forças, freqüentemente às
custas de movimentos genuínos da esquerda e do
socialismo democrático.
Em inícios da década de 1960, as organizações
internacionais de fachada propiciaram um espaço oportuno
para a ventilação experimental de “diferenças” sino-
soviéticas. O repúdio dessas organizações ao radicalismo
dos chineses ajudou a torná-las menos suspeitas e, ao
mesmo tempo, pareceu confirmar a autenticidade da
disputa sino-soviética. Quando, em meados dos anos 1960,
os chineses finalmente desligaram-se dessas organizações,
não fizeram qualquer tentativa de corrompê-las ou de
formar entidades rivais. A retirada dos chineses parecer ter
sido inteiramente lógica — pode ter sido, em parte, ditada
pela Revolução Cultural. Não há dúvidas de que tenha sido
motivada também por um desejo de não desfazer nem
desmoralizar por completo das organizações de fachada,
uma vez que elas mesmas estavam se preparando para
desempenhar o seu papel estratégico. Ademais, os chineses
ficaram livres para prosseguir em táticas nada ortodoxas,
inclusive as relações amistosas com governos
conservadores, sem riscos de comprometer e confundir os
crentes nos quadros dessas organizações.
As vantagens da dualidade sino-soviética

Em suma, a dualidade coordenada das políticas


soviéticas e chinesas oferece uma série de vantagens à
estratégia comunista. Permite ao bloco comunista que
mantenha a iniciativa, abra novas possibilidades de
manobra e arranque respostas equivocadas de seus
oponentes. Onde há conflitos no mundo além-bloco, permite
aos dois parceiros que fortaleçam a influência comunista
sobre ambos os lados da disputa. Permite a um dos
parceiros operar efetivamente em áreas das quais o outro
esteja excluído ou queira excluir-se por razões táticas.
Também facilita uma divisão de trabalho entre os dois,
permitindo a um que aja de modo não convencional ou
provocativo sem comprometer o outro. Por permitir à China
que expresse hostilidade à União Soviética, enfatizando sua
preocupação com interesses nacionais, pode muito bem, a
longo prazo, ajudá-la a apelar mais efetivamente aos
chineses no estrangeiro. Por fim, abre possibilidades para
induzir conservadores nos países desenvolvidos e do
Terceiro Mundo a se comprometerem de boa fé com alianças
traiçoeiras e alinhamentos espúrios pelos quais possam ser
desacreditados na fase final da política de longo alcance.
Enquanto arma estratégica, a dualidade pode provar-se
mais eficaz do que a guerra ou a exportação da revolução.

O potencial da inteligência e os agentes de


influência

Só é possível compreender plenamente a


implementação do programa de desinformação levando-se
em conta o uso dado pelos comunistas ao seu potencial de
inteligência, especialmente agentes de influência no
Ocidente e no próprio bloco comunista. Por falta de
informações precisas, sondagens sobre a influência
comunista em países ou áreas em particular dificilmente
consideram os ativos dos serviços de inteligência
comunistas. Em função de seu tempo de serviço na
Finlândia à época do lançamento da política de longo
alcance, este autor sabe que esses ativos podem se revelar
fator decisivo na política interna de um país não-comunista.
Nos anos 1950 e 1960, o governo soviético,
principalmente por intermédio do serviço de inteligência,
exerceu grande pressão sobre os líderes social-democratas
da antiga geração anticomunista da Finlândia,
especialmente Tanner, um verdadeiro socialista e bravo
anticomunista, que resistiu firmemente.
Segundo Zhenikhov, residente da KGB em Helsinki no
ano de 1960, a inteligência soviética, com o empenho de
Khrushchev e de outros membros do Presidium, teve bom
êxito em recrutar um importante social-democrata
finlandês. Seu criptônimo na KGB era “Líder”. Zhenikhov foi
um dos funcionários da KGB que mantiveram contato com
ele. Por sugestão da KGB, “Líder” defendeu uma mudança
na atitude dos social-democratas quanto à cooperação com
a União Soviética. Finalmente, em 1959, ele acabou
rompendo com o partido social-democrata para formar o
seu próprio partido, para cujas políticas a KGB concedeu-lhe
orientação.
Houve mais recrutamentos importantes na liderança
social-democrata. Os agentes responsáveis foram usados
em intrigas contra Tanner e Leskinen, mas suas identidades
são desconhecidas pelo autor. Houve também esforços bem
sucedidos em recrutar líderes sindicais.
No ano de 1960, em conversa com este autor sobre a
remoção de anticomunistas da liderança social-democrata,
Zhenikhov disse que a eliminação física de Leskinen, por
envenenamento, poderia tornar-se necessária. Zhenikhov
disse dispor de um agente na liderança do partido
conservador que, por estar próximo de Leskinen, poderia
viabilizar o assassinato.
Até o final da década de 1950, a inteligência soviética
utilizou-se de agentes no Partido Comunista Finlandês, entre
eles Pessi e Herta Kuusinen, membro do Partido Comunista
do parlamento. Entre 1957 e 1960, o período em que se
formulava a política de longo alcance, a KGB deixou de usar
agentes lotados em partidos comunistas locais. Ao mesmo
tempo, a cooperação secreta entre membros do PCUS e os
mesmos partidos locais fortaleceu-se, e a KGB agia, sob
orientação do Comitê Central, apenas quando necessário
para facilitar essa cooperação. No caso finlandês, formaram-
se grupos especiais nos comitês centrais dos partidos
soviético e finlandês para a administração dos aspectos
práticos dessa coordenação. O residente da KGB em
Helsinki atuou como o elo entre os dois grupos. Quando
Khrushchev visitou o país, Herta Kuusinen foi convidada
pela KGB à embaixada soviética, onde Khrushchev tratou
com ela das linhas que deveriam seguir os seus
pronunciamentos no parlamento.
A KGB e os seus residentes na Finlândia, Kotov e
Zhenikhov, desempenharam um papel significativo nas
eleições e na composição de uma série de governos
finlandeses por meio de seus agentes. A KGB coordenou
secretamente os esforços conjuntos dos seus agentes e do
Partido Comunista Finlandês em angariar apoio aos
candidatos estimados pela União Soviética e em lançar
campanhas contra aqueles que não o fossem. Entre os
agentes soviéticos mobilizados estava o líder do Partido
Popular Sueco da Finlândia, que era controlado por Zegal e
Zhenikhov. O objetivo primeiro dessas atividades era
garantir e eleição de um ilustre líder finlandês, agente da
KGB já havia muito, cujo criptônimo era “Timo”.
Timo foi recrutado pela inteligência soviética em 1948,
quando era ministro. O recrutamento deu-se por intermédio
de um agente de base, um finlandês natural da Carélia que
servia sob o disfarce de segundo secretário da embaixada
soviética em Helsinki. Esse oficial travou algumas relações
íntimas com Timo, relações que envolviam bebedeiras e
saunas. Ele conseguiu convencer Timo de que, em troca de
sua colaboração com a inteligência, os soviéticos se
esqueceriam das medidas repressivas que ele tomara
contra os comunistas e disporiam de toda a sua influência
para elevá-lo a uma grande figura política.
O então residente da KGB, Mikhail Kotov, mandou o
recrutador de Timo de volta à Carélia e tomou para si todo o
crédito por esse sucesso espetacular. A partir do final de
1948, talvez inícios de 1949, foi ele mesmo que manteve
contato com Timo. A inteligência soviética manteve a sua
palavra, apoiando a carreira de Timo com todo o seu peso e
influência. Timo finalmente alçou-se a um alto cargo, e nele
permaneceu até pouco tempo atrás.
Os soviéticos ajudaram-no de diversas formas, inclusive
com apoio diplomático às suas políticas, financiamento
indireto de campanhas eleitorais, aconselhamento político e
auxílio na sabotagem de candidatos rivais. Em 1961, o
agente Líder, instruído pela KGB, declarou-se candidato a
um alto posto para, num estágio seguinte, transferir a Timo
os votos dos seus apoiadores.
Timo, por sua vez, foi o clássico agente de influência.
Em seu partido, promoveu aqueles que os soviéticos
queriam promovidos e, quando possível, discutia
previamente seus compromissos e decisões com a
inteligência soviética. Por exemplo, o governo soviético foi
consultado de antemão, por intermédio da KGB, sobre a sua
visita aos Estados Unidos em 1961. Timo manteve a KGB
por dentro de suas discussões com outros líderes
escandinavos. Aconselhado pela KGB, criou seu próprio
serviço secreto de inteligência, que foi comandado por
Vilkuna, outro agente soviético. Timo utilizou-se desse
serviço para sustentar o seu próprio poder, mas repartiu os
resultados com a KGB, que recebia todos os relatórios de
embaixadores e adidos militares no exterior e informações
sigilosas de outros departamentos do governo finlandês.
Sob instruções da KGB, recomendou a nomeação de outros
agentes para a embaixada em Moscou e para outros cargos
de alta relevância. Em 1960 e 1961, Zhenokhov discutiu
com Timo a possibilidade de a Finlândia sediar o Oitavo
Festival da Juventude em 1962. Timo prometeu ajudar nos
preparativos, a despeito da feroz oposição de grandes
setores da opinião pública.
As reuniões entre Zhenikhov e Timo tinham lugar na
fazenda do seu irmão ou na embaixada soviética. Quando
havia recepções oficiais na embaixada, arrumava-se uma
sala especial para as conversas. Os líderes do governo
soviético, entre ele Khrushchev e Brezhnev, estavam tão
cientes das relações de Timo com a KGB que quando suas
visitas a Moscou coincidiam com conversas e negociações
com líderes soviéticos, Kotov e Zhenikhov faziam-lhe as
vezes de intérpretes e conselheiros. Zhenikhov costumava
gabar-se de que Timo ainda receberia, em segredo, a Ordem
de Lenin.189
Os entrechoques de Zhenikhov e Zakharov, embaixador
na Finlândia, sobre quem deveria ser o responsável pela
manutenção e direção das relações com Timo acaloraram-se
de tal forma que ambos foram intimados a comparecer
perante o Comitê Central. Decidiu-se afinal que Zhenikhov
continuaria a ser o contato principal, mas que o embaixador
tinha o direito de ser consultado e de participar de reuniões
em que se discutissem determinadas questões políticas.
Zhenikhov e Zakharov foram advertidos de que a
reincidência em qualquer sorte de bate-boca implicaria no
regresso de ambos a Moscou.
Em 1961, estipulou-se que Vladimirov assumiria a
residência da KGB e que Zhenikhov passaria a coordenar as
relações com Timo e as atividades da inteligência nos
partidos finlandeses em geral.
Kotov fez carreira de sucesso na inteligência soviética
devido a força de seu trabalho na Finlândia. De especialista
em Escandinávia, alçou-se aos altos escalões da KGB.
Passado não muito tempo desde a grande nomeação de
Timo, Kotov foi promovido a vice-diretor da inteligência
soviética e designado responsável pelas atividades na
Áustria e na Alemanha Ocidental. Em 1959 ou 1960, foi
convocado a um encontro do Presidium, onde Khrushchev
felicitou-o por seu bom trabalho na Finlândia e instruiu-o a
se valer da experiência adquirida para influenciar os líderes
da Áustria e da Alemanha no sentido de estreitarem
relações e, finalmente, uma aliança com a União Soviética.
Essa ilustração mostra que o papel da KGB no que
agora se conhece por finlandização pode muito bem ser
significativo. Por ora, é mais pertinente ver como os
soviéticos têm conseguido, por meio de agentes de
influência como Timo, promover a estratégia para a Europa
desde fins da década de 1950.
Herta Kuusinen desempenhou um papel importante no
órgão consultivo conhecido por Conselho Nórdico ao
promover a idéia de fazer da Escandinávia uma zona
desnuclearizada. Nos anos 1960, atuou também na
Federação Democrática Internacional de Mulheres (FDIM),
da qual chegou a tornar-se presidente.
Em junho de 1963, a influência pró-soviética no partido
social-democrata chegara a tal ponto que Tanner, fiel às
suas convicções anticomunistas, sentiu-se incapaz de
aceitar a cadeira de presidente do partido. Segundo a
imprensa, Passio e Koivisto, seus sucessores, travaram
relações próximas com o governo e com o partido
soviéticos. No ano seguinte, Simonen assumiu a liderança
da Liga Social-Democrata dos Trabalhadores e Pequenos
Proprietários (SDS). Houve negociações em torno da
reconciliação dessa facção separatista com o corpo central
do partido social-democrata em junho daquele ano. Em
setembro, Simonen liderou uma delegação em visita à
União Soviética, onde foi recebido por Brezhnev e
Andropov.190
Em 1967, tanto Passio, presidente dos social-
democratas, como Simonen, presidente da SDS, apoiaram a
indicação de Timo para um alto cargo do governo. Passio
também veio a público para declarar-se contrário ao
bombardeio americano no Vietnã do Norte.
Em 1968, Timo foi novamente nomeado ao seu cargo.
Em maio daquele ano, uma delegação liderada por Passio
visitou a União Soviética para negociações com o PCUS, e lá
se encontrou com Brezhnev, Suslov e Ponomarev. A
delegação “tinha em grande estima a política externa
levada a efeito pelo PCUS”.
Representantes do partido social-democrata e da SDS
demandaram a interrupção do bombardeio americano no
Vietnã do Norte e concordaram em convocar uma
conferência européia sobre segurança. Em junho de 1968,
delegações de quinze países reuniram-se em Helsinki. Em
pauta estavam a concessão de reconhecimento diplomático
à Alemanha Oriental e suas possíveis conseqüências para a
segurança do continente. Timo esteve em visita oficial à
União Soviética naquele mesmo mês. Em outubro de 1968,
Koivisto, que se fizera primeiro-ministro, prestou outra visita
a Moscou. Em relação à possível expansão da OTAN no
sentido de cobrir as “zonas cinzentas”, Koivisto observou
em novembro de 1968 que a Finlândia “não tinha inimigos
de quem pudesse esperar uma invasão”. A Grande
Enciclopédia Soviética registrou em 1969 que, no tocante à
política externa, o partido social-democrata da Finlândia
cooperava amplamente com a União Soviética.191
Talvez o maior serviço prestado por Timo à estratégia
comunista seja o auxílio dado na convocação da CSCE em
Helsinki. Em 1969, o governo finlandês concordou em sediar
o evento. Em 1970, um embaixador finlandês foi
especialmente designado para fazer visitas aos Estados
Unidos e a países da Europa. Em novembro, o governo
finlandês propôs uma reunião preliminar sobre a segurança
na Europa em nota emitida a trinta a cinco países. A União
Soviética aceitou a proposta em dezembro, e o mesmo
fizeram todos os estados da Europa Oriental, inclusive a
Iugoslávia, à exceção da Albânia.
É de particular interesse que Timo tenha visitado os
Estados Unidos duas vezes em 1970. No intervalo entre as
suas duas visitas à União Soviética, ele esteve nos Estados
para discutir a segurança na Europa e a questão do Oriente
Médio. Em sua segunda visita à União Soviética, disse que o
Tratado da Amizade Soviético-Finlandesa, assinado em
1948, era de extrema importância para o seu país, de modo
que acordava em contribuir para a sua prorrogação em mais
vinte anos.
O papel estratégico do potencial de inteligência
soviético na Finlândia é conhecido por este autor em algum
detalhe, no período que se estende até o final de 1961, pois
ele trabalhou lá. Ele também sabe, em linhas gerais, que
atividades similares foram conduzidas em outros países
europeus por residentes como Krokhin e Rogov (cujo nome
verdadeiro é Tsimbal) na França; Fedichkin, Orlov e
Gorshkov na Itália; e Korovin (codinome do Gen. Rodin) na
Grã-Bretanha. Na Alemanha Ocidental, a KGB foi
particularmente ativa e bem sucedida em chantagear e
recrutar duas categorias de políticos e altos funcionários:
aqueles que tinham um passado negro desde a época do
nazismo e aqueles de que se sabia, em decorrência da
penetração em outros serviços de inteligência ocidentais,
que estavam trabalhando como agentes para alguma das
potências ocidentais. Em 1974, a exposição de Gunther
Guillaume, que servira como agente da Alemanha Oriental,
levou à renúncia do chanceler Willy Brandt, mostrando quão
longe a inteligência soviética penetrara a Alemanha
Ocidental. Este autor reportou em 1962 que, em setembro
daquele ano, enquanto servia na residência da KGB em
Helsinki, lera uma circular altamente confidencial, remetida
desde a central da KGB aos residentes no estrangeiro, que
descrevia recrutamentos bem sucedidos de novos agentes
importantes, os quais se deveriam emular. Um desses
casos, dado como “um exemplo de recrutamento bem
conduzido”, ilustra a técnica da “bandeira falsa”.
A circular dizia que, em alguma de suas residências, a
KGB tinha um certo agente. Tratava-se de um agente muito
confiável e ativo, que trabalhara para a KGB por muito
tempo e que chegara a ser ministro em seu país. Ele ainda
penetrava os círculos políticos de lá, sendo próximo o
bastante dos embaixadores americano e britânico para que
ambos visitassem-no em sua casa. Seu controlador
perguntou-lhe se não conhecia alguém que se pudesse
recrutar no gabinete do primeiro-ministro. O agente
respondeu que tinha um amigo por lá, mas que abordá-lo
seria difícil, pois se tratava de um sujeito de visões pró-
ocidentais. Como o sujeito sabia das boas relações que o
agente mantinha com os referidos embaixadores, decidiu-se
que o agente, ostensivamente em nome de um deles,
pediria ao sujeito informações sobre as conversas do
primeiro-ministro. O agente assim o fez. O sujeito, seu
amigo, aquiesceu e, oportunamente, aceitava dinheiro em
retorno. Assim, dizia a circular, a residência ganhara um
novo agente, que passou a fornecer informações sobre o
primeiro-ministro e a sua gestão de maneira sistemática.
Num caso como esse, a prática usual seria a KGB
assumir contato direto com o agente recrutado tão logo ele
fosse “sugado”, mas a circular não especificava se isso
tinha ocorrido. Até onde é de conhecimento do autor, nem o
agente nem o seu amigo jamais foram identificados.
No final de 1961, a KGB fazia planos para o uso ainda
mais ativo de agentes de influência de alto escalão para
manipular a opinião pública mundial e as políticas de
governos em particular. Os residentes da KGB no exterior
foram instruídos a encorajar os seus agentes a comparecer
à Conferência Mundial do Desarmamento, que teria lugar
em Moscou no ano seguinte. É certo que essas instruções
foram repetidas por ocasião de outros congressos mundiais
pela paz nos anos 1960 e 1970.
Aos serviços de segurança ocidentais, preocupados, de
um modo geral, com espionagem convencional, subversão e
a aplicação da lei, os agentes de influência nas altas esferas
apresentam problemas novos e mais complexos. Entretanto,
um melhor entendimento acerca da estratégia comunista
pode lançar uma nova luz sobre a importância dos contatos
feitos por embaixadas comunistas no Ocidente e das visitas
feitas por cidadãos ocidentais ao bloco comunista.
Não há dúvidas quanto aos países do bloco terem
colocado o seu potencial de inteligência a serviço da
estratégia comunista no Terceiro Mundo como em qualquer
outro lugar. As informações de que o autor dispõe a esse
respeito são fragmentárias, visto que o desenvolvimento
desse potencial ainda encontrava-se em estágios iniciais
quando da sua ruptura com o regime soviético.
Alguns indícios gerais de como andavam as coisas
foram, por exemplo, a criação de dois novos departamentos
na KGB, o Departamento Africano e o Departamento Latino-
americano; a instrução da contra-inteligência soviética a
estabelecer contato direto e pessoal com todos os
embaixadores do Terceiro Mundo em Moscou; a
intensificação do uso de agentes de influência para fins
políticos conforme a instrução de Shelepin; e o uso do
sentimento anti-imperialista como base para os
recrutamentos. Vale notar também que residentes adjuntos
da KGB que cuidavam de detalhes operacionais no Terceiro
Mundo foram nomeados residentes em países
desenvolvidos, ocupando residências importantes como as
de Washington e de Nova York.
Um manual da KGB, lido pelo o autor em fins da década
de 1950, mencionava, sem grandes detalhes, três casos
específicos. O primeiro tinha a ver com o presidnete de um
país em desenvolvimento que fora recrutado em visita à
União Soviética. Excepcionalmente, esse recrutamento
baseou-se, em parte, numa forma indireta de chantagem. O
presidente em questão era homossexual. Ao abordá-lo, a
KGB afirmou possuir informações sobre uma organização
criminosa internacional que tinha planos para chantageá-lo.
A KGB ofereceu-lhe ajuda para escapar dessa cilada em
troca de sua cooperação contra as potências imperialistas, e
o presidente aceitou a proposta. O segundo caso dizia
respeito a um embaixador indiano em Moscou que prestara
grandes serviços à KGB influenciando a outros
embaixadores na União Soviética. O terceiro caso envolvia
um embaixador indonésio que acabara recrutado.
O manual descrevia dois modos pelos quais seria
possível explorar as informações obtidas pela penetração
nos serviços de inteligência ocidentais. Um deles era a
duplicação de agentes ocidentais que a KGB pudera
identificar. O manual mencionava um ministro ou ministro
adjunto de relações internacionais de determinado país
africano que fora revelado agente britânico e, então,
chantageado e recrutado pela KGB. O outro modo consistia
em fornecer a líderes do Terceiro Mundo que fossem mais
íntimos dos soviéticos em troca de informações sobre a
identidade de agentes ocidentais lotados em seus países.
Informações desse tipo chegaram até a Nasser em fins da
década de 1950.
O autor soube de dois casos específicos de
recrutamento por intermédio de um antigo colega, Sergey
Antonov. Em 1958 ou 1959, Antonov, que era então
residente adjunto em Nova York, recrutou uma importante
personalidade africana. Na esteira desse recrutamento, ele
foi nomeado diretor do novo Departamento Africano em
1960. Vladimir Grusha, funcionário do Departamento
Americano, recrutou, por volta de 1957, um alto diplomata
da Indonésia nos EUA. Por conta disso, e a despeito de
integrar o Departamento Americano, Grusha foi mandado à
Indonésia como residente adjunto em 1958 ou 1959.
Viktor Zegal, funcionário da residência em Helsinki,
contou ao autor que, em 1961, recrutara um diplomata
brasileiro na Finlândia. O criptônimo do agente era “Pedro”.
À época em que este autor trabalhava no Departamento
de Informação, seção OTAN, a KGB obteve um memorando
remetido à OTAN por um renomado arabista ocidental, que
alertava para a utilização do nacionalismo em tentativas de
dividir o mundo árabe. Esse documento foi repassado à
liderança soviética.
Nos anos 1960, o serviço de criptografia da KGB
quebrou o código utilizado pelo embaixador da Turquia em
Moscou e apreciou sistematicamente todas as mensagens
trocadas entre ele e o seu ministério do exterior. Essa via de
mão dupla era conhecida como “o caderno turco”.
Mikhail Tkrach era um ex-oficial da inteligência militar
que falava bom persa e bom inglês. Tkrach trabalhara sob
as vestes de cônsul-geral no Irã, onde era conhecido por sua
habilidade em recrutar altos funcionários do governo, e
juntou-se à KGB em 1956. Em 1960, sob instruções de
Shelepin, foi nomeado diretor do departamento
internacional da central sindical soviética, incumbido de
reorientá-la para finalidades políticas, especialmente contra
o Terceiro Mundo. Tkrach contou ao autor que todos os
funcionários desse departamento eram agentes da KGB.
Isso dá alguma idéia da importância atribuída ao
recrutamento de sindicalistas estrangeiros, especialmente
do Terceiro Mundo.
Que o potencial de inteligência e de segurança das
repúblicas nacionais soviéticas foi posto a serviço dos
interesses da política de longo alcance, isso se manifesta na
nomeação de Aliyev a primeiro secretário do Comitê Central
no Azerbaijão.192 Ele chegou a ser chefe do departamento
de contra-inteligência do escritório da KGB no país, o qual
passou a dirigir em 1961. Sua promoção só se explica pelo
sucesso desse braço da KGB em cumprir, sob o seu
comando, as tarefas designadas pelo partido. Empossado,
Aliyev tornou-se ativo no Terceiro Mundo, tanto que visitou
diversos países árabes e africanos.
Há evidências de que os soviéticos e os demais
membros do bloco comunista têm prestado aconselhamento
e auxílio a países cordiais e a movimentos de libertação
nacional em matéria de inteligência, segurança e táticas de
guerrilha. Entre os beneficiários, desde a década de 1960,
estão Cuba, Ghana (até 1966) e outros estados africanos.

A exploração estratégica de agentes da KGB


entre intelectuais soviéticos e líderes religiosos
A KGB e os seus departamentos responsáveis por
operar entre cientistas e escritores soviéticos, ou ainda
entre delegações e visitantes estrangeiros, estão
empenhados em exercer sobre visitantes ilustres influências
que se coadunem com linhas desejáveis de estratégia
exterior. Especialmente exploradas são as personalidades
que integram o Comitê da Paz Soviética, o Comitê da
Solidariedade com os Países Africanos e Asiáticos, as
sociedades da Amizade Soviética, o Comitê Estatal de
Ciência e Tecnologia, o Comitê Estatal para o Estreitamento
de Laços Culturais, e o Instituto de Estudos dos Estados
Unidos e Canadá, liderado por G. Arbatov.
A exploração da religião e de clérigos importantes para
finalidades estratégicas no mundo comunista exige uma
palavra especial.
Entre novembro e dezembro de 1960, o patriarca de
toda a Rússia, Alekiy, antigo agente da KGB, acompanhado
do metropolita Nikodim, chefe do Departamento
Internacional da Igreja Ortodoxa Russa, e do Prof. Uspenskiy,
membro da Faculdade de Teologia de Leningrado e membro
ativo do Comitê da Paz Soviética, fizeram uma turnê pelo
Oriente Médio numa aeronave cedida pelo governo
soviético.193 No curso da viagem, o patriarca Alesky e o
patriarca sírio emitiram um comunicado oficial que dizia:
“nossa perspectiva do amor cristão compele-nos a condenar
tudo o que incita o ódio entre os povos e empurra a
humanidade em direção a uma nova guerra mundial, e a
[...] abençoar quaisquer tentativas no sentido de criar a paz
entre os povos e nações [...] Nós condenamos
resolutamente qualquer manifestação de colonialismo,
porque estranhas ao espírito e à letra da lei de Deus”.194
A verdadeira identidade do metropolita Nikodim é uma
questão interessante. De acordo com fontes oficiais, ele foi
nomeado chefe do Departamento Internacional da Igreja
Ortodoxa Russa em 1960, tendo servido como sacerdote na
Igreja Ortodoxa Russa em Jerusalém entre 1957 e 1959. Um
colega do autor no Instituto KGB, de nome Lapshin, na
mesma época se graduou para a seção religiosa do
Departamento de Emigração, onde ele trabalhava em 1960.
Lapshin contou ao autor que a KGB conseguira alçar o vice-
diretor do Departamento de Emigração, que era responsável
por assuntos religiosos, à diretoria do Departamento
Internacional da Igreja Ortodoxa Russa. O oficial em
questão, que usava na KGB o nome Viryukin, servira como
sacerdote em Jerusalém entre 1957 e 1958. Antes disso,
contribuíra significativamente na penetração da igreja e na
perseguição aos padres pela KGB. Fora mandado ao exterior
para que se especializasse em outras igrejas utilizando-se
de suas conexões e facilidades. O mesmo Lapshin estava
sendo preparado para servir nos Estados Unidos disfarçado
de editor de uma publicação religiosa. É provável que sua
missão tenha sido cancelada, pois sua relação com o autor
devia ser conhecida pela KGB. Embora fosse realmente um
sacerdote, o metropolita Nikolay Krutitskiy, a quem Nikodim
substituiu na diretoria do Departamento Internacional, era
também um antigo agente da KGB. Sua substituição pode
ter se devido ao fato de que a sua associação com a KGB
fora exposta por Deryabin, ex-oficial da inteligência
soviética, no ano de 1957.
A Conferência da Paz Cristã, composta por líderes
religiosos da Europa Oriental, data do período de
formulação da política de longo alcance e, com efeito,
influenciou ativamente as igrejas ocidentais em benefício
dos seus interesses.
O Segundo Congresso dos Cristãos em Defesa da Paz,
sediado em Praga entre junho e julho de 1964, atraiu cerca
de mil delegados. Entre eles estavam representantes
budistas e muçulmanos, além, é claro, de membros das
igrejas ortodoxa, católica, anglicana e de outras
denominações protestantes. O discurso de abertura foi
proferido por Gromadka, da Tchecoslováquia, que presidia a
Conferência Cristã pela Paz. Os oradores do Terceiro Mundo
incluíram um de Madagascar e outro do Uruguai. O
congresso apelou aos cristãos do mundo em favor do
desarmamento, da independência e da erradicação da
fome.
Entre novembro e dezembro de 1964, o Sétimo
Congresso Geral da Irmandade Budista Internacional,
sediado na Índia, foi prestigiada por religiosos da União
Soviética. Budistas da Mongólia e da União Soviética
estiveram em outra conferência, no Ceilão, em 1969.
Decidiu-se pela organização de um fórum de budistas
asiáticos em junho de 1970, para que se discutisse a “luta
pela paz” e o apoio ao Vietnã do Norte.195 O evento teve
lugar na Mongólia.196 Dois meses mais tarde, o Monastério
Central e o Instituto Budista foram inaugurados em Ulan
Bator.
Em março de 1965, realizou-se em Bandung a Primeira
Conferência dos Muçulmanos da Ásia e da África. Trinta e
cinco países foram representados. O mufti da Ásia Central e
do Cazaquistão, Babakhanov, liderou a delegação soviética.
A conferência discutiu o uso de sociedades confessionais
islâmicas como armas contra o imperialismo. Em face da
experiência soviética na Ásia Central, esse problema é
considerado difícil, mas solucionável.197
Em junho de 1976, a Conferência Cristã pela Paz
organizou um seminário em Sofia para discutir os resultados
da CSCE e a sua significância para o Terceiro Mundo. Os
relatórios principais foram apresentados pelo Prof. Bognar,
diretor do Instituto de Pesquisa em Economia Mundial da
Universidade de Budapeste, pelo Prof. Kutsenkov, vice-
diretor do Instituto de Movimentos Trabalhistas da Academia
Soviética de Ciências, e por professores da Índia e de Porto
Rico. O tema do seminário era que o Terceiro Mundo, que
fora explorado pelo imperialismo no passado, deveria
agradecer à conferência de Helsinki e reconhecer a
necessidade de cooperação na dinâmica de segurança
coletiva da Europa. Medidas ágeis deveriam ser tomadas
para assegurar a détente militar e o desarmamento, que
permitiriam à Europa contribuir para a nova ordem
econômica. Helsinki não destruíra as forças opostas à
détente nem frustrara os seus propósitos anticomunistas.
Mais esforços faziam-se necessários para prevenir a
emergência de novas formas de guerra psicológica no lado
dos “inimigos da paz”.198
Ao seminário seguiram-se discussões, em Moscou, entre
o metropolita Nikodim e as delegações da Pax Christi e de
igrejas da Itália, da Holanda, da Bélgica e da Alemanha
Ocidental. O tema era o seguinte: “O Oriente e o Ocidente,
hoje e amanhã, do ponto de vista cristão”. O encontro
acolhera os acordos de Helsinki e ressaltou a importância do
Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares e das
negociações, em Viena, sobre a redução de tropas na
Europa Central. O secretário do Departamento Internacional
da Igreja Russa, Buyevskiy, traçou um paralelo entre o
auxílio prestado ao Terceiro Mundo pelos comunistas e o
auxílio prestado pelos ocidentais, sustentando que o
primeiro mirava o desenvolvimento dos beneficiários na
direção da independência. O Prof. Osipov, soviético, disse
que a colaboração Oriente-Ocidente, que começara em
Helsinki, permitiria a realocação de verbas militares para o
desenvolvimento dos países subdesenvolvidos. Ele chamou
a atenção para a importância do apelo da Assembléia Geral
da ONU (1974) por uma nova ordem econômica.
A Grande Enciclopédia Soviética registrou que, em
1972, o Conselho Mundial de Igrejas já se tinha convertido
de “pró-ocidental” a “progressista” no tocante às suas
políticas sobre a paz, o desarmamento, entre outros
assuntos. A constante defesa de uma perspectiva em que
cristianismo e comunismo se apresentam como aliados
naturais e em favor dos movimentos de libertação nacional,
feita pela Conferência Cristã pela Paz e por outras
associações, levou o Conselho Mundial de Igrejas a
dispensar fundos para movimentos de guerrilha na África,
inclusive a Frente Patriótica da Rodésia, à qual se credita a
responsabilidade por um massacre de missionários
britânicos em 1978.
A Quinta Conferência Geral dos Budistas pela Paz teve
lugar em Ulan Bator em julho de 1979. Pimen, o patriarca de
toda a Rússia, fez transmitir votos de sucesso aos seus
“queridos semelhantes e amigos da paz”. No mês anterior,
ele recebera o Dalai Lama, que passava por Moscou a
caminho de Ulan Bator e decerto compartilhou a sua
experiência em conferências de paz. A mensagem do
patriarca foi levada ao congresso pelo sucessor de Nikodim,
o metropolita Yuvenaliy, que presidira uma conferência
mundial, sediada em Moscou dois anos antes, sob a chave
“líderes religiosos pela paz, pelo desarmamento e pela
justiça entre os povos”. Yuvenaliy defendeu a assinatura do
segundo SALT II e a abertura das negociações do SALT III,
argumentando que apenas a détente poderia trazer paz ao
mundo inteiro, inclusive a Ásia.199

2 GES (1969), p. 52.


3 GES (1972), p. 269.
4 GES (1974), p. 278.
5 Ver, por exemplo, Diário Popular da China, edição de 6 de setembro de 1963: “a
liderança do PCUS tem se mostrado cada vez mais ansiosa por fechar negócios
com o imperialismo americano e mesmo inclinada a formar uma aliança
reacionária com Kennedy em detrimento dos interesses do campo socialistas e
do movimento comunista internacional”.
6 GES, (1977), p. 294.
7 A arte da guerra, p. 77.
8 Ponomarev, B. Problemas atuais na teoria do processo revolucionário mundial.
Kommunist, nº 15 (outubro de 1971).
9 Timo receberia a Ordem de Lenin, mas só depois de ter recebido uma Ordem de
Amizade.
0 GES (1965), p. 374.
1 GES (1969), pp. 388-389.
2 Aliyev tornou-se premier soviético sob Andropov.
3 Informações de Kirilin, vice-diretor do Departamento de Religião da KGB, e de
Lapshin, oficial da seção religiosa do Departamento de Emigração. Ver Izvestiya,
edição de 26 de novembro de 1960.
4 Izvestiya, edição de 16 de dezembro de 1960.
5 GES (1970), p. 318.
6 GES (1971), p. 323.
7 Ver Political Shifts in the Middle East: Roots, Facts, Trends (World Marxist
Review, nº 2, 1980). O artigo resume uma discussão sobre acontecimentos no
Irã e no Afeganistão. Um dos participantes era um estudioso afegão. Diz o texto:
“embora difícil, é plenamente realista — e a experiência da Ásia Central
Soviética é altamente esclarecedora nesse sentido — que, de algum modo, o
Islã seja engajado na luta pela revolução e na construção de uma nova vida”.
8 Jornal do Patriarcado de Moscou, nº 9 (1976).
9 Yuvenaliy foi substituído em abril de 1981, supostamente em razão de
problemas de saúde.
CAPÍTULO 23
EVIDÊNCIAS DA COOPERAÇÃO INTEGRAL
ENTRE PARTIDOS E GOVERNOS COMUNISTAS

Coordenação dentro do bloco

O restabelecimento, após 1958, de um corpo central


perceptível, análogo ao Comintern ou Cominform, para
coordenar o movimento e o bloco comunista seria
incompatível às políticas e estratégias de longo alcance. Há,
entretanto, uma quantidade significativa de informações —
tanto de testemunhas internas quanto de fontes públicas —
sobre o fortalecimento, a partir de 1959, de uma estrutura
de coordenação do bloco. O estabelecimento, no mesmo
ano, de um centro secreto de controle para os serviços de
inteligência e segurança do bloco já foram aqui descritos.
Além disso, como disse Khrushchev em outubro de 1961,
tornara-se “usual manter, entre os líderes de partidos e
governos, um constante intercâmbio de idéias quanto aos
grandes problemas políticos e econômicos. As agências
coletivas dos estados socialistas — a Organização do
Tratado de Varsóvia e o Conselho para a Assistência
Econômica Mútua (Comecon) —fortaleceram-se”.200 O
Comitê Político Consultivo do Pacto de Varsóvia foi ativado
nesse período. Em 1969, foi adicionada uma comissão de
ministros da defesa, e em 1976 uma comissão de ministros
estrangeiros. Na Comecon, estabeleceu-se uma Comissão
Executiva Permanente do alto escalão em 1963.
Não menos importante do que essa estrutura de
coordenação supranacional e governamental é o imenso
alcance de contatos multilaterais e bilaterais, em vários
níveis, entre os líderes do bloco e partidos fora dele,
juntamente a todo o seu aparato. Uma leitura sistemática
de fontes comunistas oficiais, especialmente da Grande
Enciclopédia Soviética, mostra o escopo e a extensão de
ambos os contatos do governo e dos partidos. Essa ampla
gama de contatos dá oportunidade aos líderes comunistas,
bem como a seus especialistas em diversas áreas, para a
troca de informações, opiniões e resultados quanto às
experiências de implementação de políticas, estratégias,
discussões e decisões sobre novas iniciativas.
Discute-se, abaixo, a possibilidade de que, somando-se
às formas de contato já conhecidas, haja um centro da
polícia secreta para a coordenação do bloco.
Antes de considerarmos as principais formas de
coordenação, deve chamar-nos a atenção um ponto geral
colocado na Enciclopédia sobre as múltiplas formas de
contato. De acordo com essa fonte, o 22º Congresso do
PCUS em outubro de 1961 determinou as “formas de
contato mais apropriadas entre partidos nas condições
atuais”.201 Chou En-Lai estava presente nesse congresso. Se
sua saída dramática é desconsiderada por ser parte de uma
operação de desinformação, daí decorre que os chineses
participaram ativamente da escolha de como seriam no
futuro o contato entre os partidos. No ano seguinte, a
Enciclopédia afirmava:
“Nas condições atuais, a cooperação dos partidos comunistas
encontra expressão em contatos bilaterais e multilaterais (…) em
reuniões entre os líderes dos partidos, e na participação de delegações
do partido comunista na elaboração de congressos partidários”.202

É significativo que a Enciclopédia reconheça as formas de


contato bilaterais e a assistência em congressos, já que,
assim, legitima o prosseguimento dos contatos bilaterais
entre os soviéticos (e outros parceiros) e chineses, após a
retirada chinesa das organizações multilaterais do bloco. Em
outra passagem, a Enciclopédia enfatiza a importância das
conferências para a “consecução de acordos sobre ações
conjuntas, para a implementação da linha estratégica
geral”. O uso da expressão “linha estratégica geral” é o
mais próximo a que chega a Enciclopédia de admitir a
existência de uma ampla estratégia comum.

Reuniões da cúpula

Em maio de 1958, foi realizada, em Moscou, a primeira


de uma série de reuniões entre os primeiros secretários dos
partidos e líderes dos governos do bloco, dedicada à
integração econômica dos países comunistas europeus. As
reuniões sobre o mesmo assunto, em 1961, 62 e 63,
ocorreram sob os auspícios da Comecon.
A reunião de agosto de 1961, em Moscou — a qual
tratou da conclusão do tratado alemão — foi realizada sob a
forma de uma reunião do Comitê Político Consultivo do
Pacto de Varsóvia. Subseqüentemente, tornou-se normal,
ainda que variável, manter reuniões do Comitê Político
Consultivo do Pacto de Varsóvia no nível dos primeiros
secretários, ou próximo destes. Por exemplo: a delegação
soviética para a reunião do Comitê, em janeiro de 1965,
incluía Brezhnev, Kosygin, Gromyko, Malinovskiy e
Andropov. Lá trataram da questão da segurança na Europa
e discutiram a convocação de uma conferência européia
sobre segurança, além de uma conferência mundial sobre
desarmamento.203 As grandes lideranças participaram da
reunião de julho de 1966, sediada em Bucareste. Tratou-se
do tema da segurança na Europa e pediu-se a retirada das
tropas e a dissolução da OTAN e do Pacto de Varsóvia.204
Reuniões subseqüentes do mesmo nível incluíram aquelas
sediadas em Sofia (março de 1968), na qual emitiu-se uma
declaração sobre o Vietnã; na União Soviética (agosto de
1970); em Praga (janeiro de 1972), em Varsóvia (abril de
1974) e em Moscou (novembro de 1978).205 A reunião de
1970 em Moscou contou com a participação
particularmente forte da delegação romena, que incluía
Ceausescu, Maurer, Niculescu-Mizil e Manescu. Aquelas
sediadas em Praga e Varsóvia discutiram problemas
europeus. A Enciclopédia apontava que, em 1970, a questão
de se elevar o nível de efetividade da cooperação entre
partidos comunistas era central para o sistema comunista.
Seus esforços em política econômica, ideologias e no
fortalecimento da defesa eram rigorosamente
coordenados.206 Outras reuniões formaram-se
independentemente das organizações da Comecon ou do
Pacto de Varsóvia; por exemplo, ocorreu uma reunião em
Moscou em junho de 1967 e, no mês seguinte, Bucareste
sediou um novo encontro. Essas duas reuniões trataram da
guerra árabe-israelense, expressando solidariedade ao
mundo árabe e exigindo a retirada das tropas israelenses.
Tal como é declarado pela Enciclopédia: “Essas reuniões
fornecem uma oportunidade para o desenvolvimento de
uma posição unificada e de ações políticas e diplomáticas
conjuntas”. Duas reuniões trataram de questões ideológicas
internacionais: uma em Moscou (dezembro de 1973), e uma
em Praga (Março de 1975). Ali discutiram a direção que
deveria ser tomada quanto à cooperação ideológica “num
contexto de aprofundamento da détente”.207 Os líderes
políticos e militares dos países pertencentes ao Pacto de
Varsóvia encontraram-se, em Varsóvia, em maio de 1980.
Somando-se às reuniões formais da cúpula, uma série
de encontros informais entre líderes comunistas manteve-se
na Criméia. Podem ser encontradas referências a tais
encontros em ١٩٧٧ ,١٩٧٦ ,١٩٧٣ ,١٩٧٢ ,١٩٧١ e ١٩٧٨ e,
provavelmente, um deles ocorreu em 1974, como declara a
Enciclopédia, sobre o ano de 1974: “Os encontros na
Criméia tornaram-se uma tradição. Os líderes mantêm uns
aos outros bem informados e estreitam relações nos
campos políticos, econômicos e ideológicos”.208 Em 1975, a
Enciclopédia disse que as reuniões haviam se tornado o
fórum no qual a situação internacional é compreendida,
tarefas comuns são discutidas e a estratégia de ações
conjuntas é desenvolvida. Graças às reuniões da Criméia, a
cooperação entre países comunistas tornou-se mais
próxima.209
De acordo com Pravda (20 de março de 1981), notou-se,
durante o 26º Congresso do PCUS que, ao longo dos últimos
anos, 37 reuniões amigáveis entre membros da cúpula
ocorreram na Criméia. Nessas reuniões foram discutidos o
futuro desenvolvimento das relações entre os partidos e os
países próximos ao bloco, problemas de geopolítica e
tarefas para o futuro.
Um outro tipo de reunião de alto escalão apareceu nos
anos de 1970. Em setembro e outubro de 1975, em janeiro
de 1976 e em março de 1977, conferências de segundos
secretários das comissões centrais ocorreram em Moscou,
Varsóvia e Sofia, respectivamente. Altos representantes do
governo foram inclusos na primeira dessas conferências,
que tratou de cooperação econômica.210 A segunda e
terceira conferência trataram de questões ideológicas em
um período de détente. A reunião de Varsóvia referiu-se
particularmente à Europa.211 Menciona-se Cuba, assim
como a Romênia e a Tchecoslováquia, como exemplos de
nações representadas nas reuniões de Varsóvia e Sofia.
Contudo, uma reunião da Comissão Política Consultiva
do Pacto de Varsóvia, que não parece ter sido constituída
por membros do alto escalão, é digna de nota. Ocorreu em
Bucareste, capital da Romênia — supostamente
independente — em novembro de 1976. A pauta cobriu o
aprofundamento da cooperação política e militar entre
membros do Pacto. A fim de aperfeiçoar o mecanismo de
cooperação política dentro da estrutura do Pacto de
Varsóvia, uma comissão de ministros de assuntos
exteriores, junto a um secretariado reunido, foi estabelecida
como um órgão do Comitê Político Consultivo.212

Coordenação por vias diplomáticas

Com a adoção de políticas a longo prazo, a


representação diplomática dentro do bloco tornou-se uma
forma permanente de coordenação política entre seus
membros. Essa afirmação é sustentada pelo fato de que
uma quantidade anormal de novos embaixadores foi
nomeada entre países do bloco nos período de 1960-62.
Novos embaixadores soviéticos foram nomeados em 1960
para a Bulgária, Tchecoslováquia e Albânia; em 1962, para
Cuba, Iugoslávia e Alemanha Oriental. Os romenos,
húngaros, mongóis e cubanos nomearam novos
embaixadores para a União Soviética em 1960; os
iugoslavos em 1961, os chineses em 1962 e os
tchecoslovacos em 1963.
Ao mesmo tempo, mudava a posição dos embaixadores
soviéticos. Há indícios213 de que os embaixadores soviéticos
enviados a outros países do bloco tornavam-se responsáveis
pela coordenação de todos os aspectos de uma política de
longo alcance nos limites dos países em que operavam. Os
embaixadores eram escolhidos com cautela e critério, de
modo a garantir que seus conhecimentos e experiências
confluíssem no cumprimento das tarefas específicas que
seriam chamados a realizar. Devido à função de
coordenação, quase todos os embaixadores soviéticos
dentro do bloco desde 1960 haviam sido membros do
comitê central do PCUS. Nesse contexto, vale lembrar a
objeção de Tito, em 1948, de que não se podia esperar que
os iugoslavos revelassem informações secretas do partido a
embaixadores soviéticos que não apresentassem essa
condição. É interessante notar, também, que nenhuma
distinção parece ter sido feita entre a posição de
embaixadores soviéticos em países “dissidentes” do bloco,
como a China e a Romênia, e países “ortodoxos” como a
Hungria e a Bulgária. Por exemplo, o embaixador soviético
na Romênia entre 1965 e 1971 foi Basov, um membro do
Comitê Central. A imprensa soviética mencionou, em julho
de 1966, que ele fora um membro da delegação soviética
para a reunião da Comecon em Bucareste; a delegação
incluía Brezhnev e Kosygin.
Um interesse especial recai sobre os embaixadores
soviéticos na China. De 1959 a 1965 o posto foi ocupado
por Chervonenko. É digno de nota que Chevonenko,
nomeado durante o período no qual a China participava
ativamente da formulação da política de longo alcance,
deveria ter sido mantido em Pequim durante os primeiros 5
anos do rompimento. O fato é ainda mais notável à luz de
seu histórico. A partir de 1951, ele foi teórico sênior do
partido e oficial na Ucrânia; de 1956 a 1959, atuou como
secretário do Comitê Central do partido ucraniano. Como
tal, foi amigo íntimo e confidente de Khrushchev. Ele foi a
Pequim e lá permaneceu como líder político e homem do
partido, e não como diplomata de carreira; sua posição
indicava as estreitas relações políticas e partidárias entre a
União Soviética e a China. Sua carreira subseqüente é
igualmente interessante. Em 1965 ele foi transferido de
Pequim a Praga, onde permaneceu até 1973, período que
compreende tanto a preparação quanto os efeitos da
“Primavera de Praga”. Em 1973, mudou-se para Paris, na
época do desenvolvimento do Eurocomunismo, entre outros
elementos da estratégia do bloco quanto a Europa. Foi
condecorado com duas Ordens de Lenin.
Em Pequim, foi sucedido por Lapin, que lá serviu entre
os anos 1965 e 1970. Lapin foi eleito membro do Comitê
Central durante o 23º Congresso do PCUS, em 1966. Como
editor-chefe de transmissões entre 1944 e 1953, tornou-se
especialista em censura e manipulação de notícias.
Prosseguiu até tornar-se ministro das relações exteriores
pela República da Rússia entre 1960 e 1962 e representante
de Gromyko entre 1962 e 1965.214
O sucessor de Lapin foi Tolstikov, um proeminente oficial
do partido. A partir de 1952, esteve ativo no partido em
Leningrado e ascendeu a primeiro secretário do comitê
provincial de Leningrado, um dos postos mais importantes
do partido na União Soviética, que um dia fora ocupado por
Zhdanov. Tolstikov era membro do Comitê Central do PCUS
desde 1961.
Shcherbakov, que assumiu o posto em Pequim após
Tolstikov, em 1978, trabalhara no aparato do Comitê Central
entre 1949 e 1963 e entre 1974 e 1978. Era membro do
Comitê Central de Revisão do PCUS desde 1966. Era
ministro na embaixada soviética em Pequim em 1963-64,
anos cruciais no desenrolar da ruptura sino-soviética. Entre
1964 e 1974, ele foi embaixador no Vietnã.
A sucessiva nomeação destes 4 antigos oficiais do
Partido na China é incompatível com a deterioração das
relações partidárias sino-soviéticas, da forma como são
divulgadas.
A continuidade das relações internacionais entre a
China e a União Soviética é simbolizada pela manutenção
de seus ministros de relações exteriores em seus
respectivos países, Cromyko a partir de 1957 até os dias de
hoje e Chen Yi entre 1958 e 1971.

Coordenação bilateral dentro do Bloco


Mesmo que se considere a coordenação bilateral uma
forma menos perfeita de coordenação dentro do mundo
comunista em comparação à multilateral, ela é, ainda
assim, oficialmente reconhecida. Há abundantes evidências
disponíveis sobre a continuidade — a partir de 1958 até os
dias atuais — dos encontros de intercâmbio bilaterais entre
líderes do partido e do governo da União Soviética e outros
países comunistas, incluindo a China, a Romênia, a
Tchecoslováquia, a Iugoslávia e Cuba, países que, vez ou
outra, alegaram um distanciamento, em algum nível, dos
soviéticos.215
Enquanto durou o genuíno rompimento entre Tito e
Stalin, custaria a Tito mais do que a própria vida uma
tentativa de visitar a União Soviética; porém, desde 1961,
Tito — até a sua morte — e outros líderes iugoslavos seriam
visitantes assíduos, praticamente anuais. Khrushchev,
Brezhnev, Kosygin e Gromyko, todos a seu tempo, iriam à
Iugoslávia. Tito e seus subalternos viajaram diversas vezes
a outros países comunistas, inclusive, a partir de 1970, à
China. A morte de Tito não derruba a teoria; em abril de
1982 Gromyko visitou a Iugoslávia e o ministro da defesa
iugoslavo visitou Moscou, apesar das alegadas divergências
quanto ao Afeganistão e a Polônia.
No caso da Romênia, algumas das muitas visitas
realizadas por Ceausescu à União Soviética haviam sido
devidamente divulgadas. Analistas do Ocidente, sob
influência de desinformação, quase sempre presumiam que
essas visitas eram realizadas na tentativa de solucionar as
diferenças entre os líderes romenos e soviéticos. Contudo,
as evidências da participação da Romênia no Pacto de
Varsóvia, na Comecon, na Criméia e em outras reuniões
bilaterais e multilaterais dentro do bloco, supera, e muito,
as evidências ocasionais de sua ausência, além de ser
incoerente com a existência de sérias divergências. A
conclusão aponta para o fato que o encontro de Ceausescu
com Brezhnev não ocorreu para que este último
repreendesse duramente o primeiro, mas sim, para que
ambos tratassem, em termos práticos, sobre como a farsa
da independência romena poderia, da melhor forma
possível, ser sustentada e explorada segundo os interesses
da política de longo alcance.
Da mesma forma, a escala de evidências quanto aos
contatos entre a Tchecoslováquia e a União Soviética, tanto
bilaterais quanto multilaterais, em reuniões de cúpula, do
Pacto de Varsóvia e do Comecon antes, durante e após os
eventos de 1968 sustentam a conclusão de que a crise na
Tchecoslováquia foi uma operação planejada e coordenada.
Por exemplo, em março de 1968 representantes da
Tchecoslováquia anunciaram uma reunião da cúpula de
diversos países do bloco em Dresden, convocada para
discutir a unidade política e econômica por meio da
Comecon ou através de contatos bilaterais; anunciaram
também que as decisões da reunião de janeiro
direcionavam-se para a “realização do alinhamento do 13º
Congresso do Partido” e que eles estavam seguros de que a
liderança do partido asseguraria o subseqüente
desenvolvimento do “socialismo”. 216

Os líderes do governo e do partido chinês


desempenharam um importante papel na formulação das
políticas de longo alcance entre 1958 e 1960. Como
observadores, participaram das reuniões da Comecon até
idos de 1961, participando também das primeiras reuniões
do Comitê Político Consultivo do Pacto de Varsóvia.217
Nessas reuniões as bases de uma futura coordenação do
bloco foram construídas. Mesmo em 1961, uma participação
contínua da China em reuniões multilaterais dessa natureza
era anormal, posto que a continuidade de sua participação
em tais encontros colocaria em sério risco a operação de
desinformação sino-soviética. Contatos bilaterais sino-
soviéticos menos explícitos continuaram ocorrendo quase
ininterruptamente durante a ruptura. Há duas
interpretações para explicá-los: por um lado, a metodologia
convencional vê as reuniões da comissão da fronteira sino-
soviética como vãs tentativas de solucionar disputas de
fronteira. Por outro, a nova metodologia as vê como
provedoras do disfarce ideal para o planejamento de
políticas coordenadas, para a encenação e a exploração de
incidentes fictícios na fronteira ou outras formas de pseudo-
conflitos sino-soviéticos. O mesmo argumento se aplica à
comissão conjunta sino-soviética para a navegação. O
intercâmbio de delegações de comércio poderia, da mesma
forma, servir de disfarce a contatos de natureza política.
Alguns excertos sugestivos podem ser colhidos da Grande
Enciclopédia Soviética, como, por exemplo:
• Em abril de 1961 uma delegação chinesa de comércio
foi a Moscou, sendo recebida por Khruschev.
• Em 1962 delegações do partido chinês compareceram
a congressos partidários na Europa Oriental.
• Em janeiro de 1963, uma delegação do Supremo
Soviético, liderada por Andropov , na época secretário
do comitê central responsável pelo bloco, visitou a
China.
• Entre 5 e 20 de julho de 1963, ocorreram reuniões em
Moscou entre os principais estrategistas do PCUS e do
PCC. A delegação chinesa era liderada pelo secretário
geral, Teng Hsiao-p’ing, e a delegação do PCUS incluía
Suslov, V. Grishin, Andropov, Il’ichev, Ponomarev,
Satyukov e Chervonenko. A delegação chinesa foi
recebida pelo comitê central do PCUS. A presença da
delegação chinesa em Moscou coincidiu com a
negociação do Tratado de interdição de Ensaios
Nucleares. As reuniões entre as delegações foram
interrompidas, mas houve um acordo para concluí-las
mais tarde.218
• Em outubro de 1964 houve uma reunião da comissão
ferroviária sino-soviética em Khabarovsk.
• No mesmo mês, soviéticos, romenos, cubanos e
outras delegações participaram das celebrações da
Revolução Chinesa: a delegação soviética era liderada
por V. Grishin, candidato membro do Presidium e
presidente da organização sindical soviética.219
• Entre 5 e 14 de novembro de 1964, uma delegação
partidária governamental liderada por Chou En-lai
esteve na União Soviética; reuniu-se com Brezhnev,
Andropov, Kosygin, Podgornyy, Gromyko e outros, e
assinou um acordo.220 A referência à presença de
Gromyko indica que a reunião tratou da coordenação
da política externa.
• Em fevereiro, durante os dias 5-6 e 10-11 do ano de
1965, uma delegação soviética liderada por Kosygin
fez uma parada na China durante a viagem de ida e
volta ao Vietnã, em que negociaram com diversos
líderes chineses, entre eles o próprio Mao.221
• Em 7 e em 13-14 de janeiro de 1966 Shelepin visitou
a China quando de sua ida e volta do Vietnã. O fato de
Brezhnev estar na Mongólia entre os dias 11 e 17 de
janeiro pode ou não ser uma coincidência.222
• Em junho de 1966 Chou En-lai visitou a Albânia e
chefiou uma delegação na Romênia com o propósito
de conversar com os líderes romenos.
• Entre 19 de junho e 8 de agosto de 1969, a comissão
unificada sino-soviética sobre a navegação no rio
Amur realizou sua 15ª sessão e chegou a um acordo.
Não foram liberadas as datas das quatorze reuniões
anteriores.
• Em setembro de 1969, líderes romenos visitaram
Pequim; em 11 de setembro, Kosygin encontrou-se
com Chou En-lai em Pequim; em 20 de outubro,
negociações sino-soviéticas deram-se em Pequim,
tratando de problemas de interesse mútuo.223 A
delegação soviética era chefiada pelo primeiro vice-
ministro das relações exteriores, V. V. Kuznetsov.224
Kuznetsov permaneceu na China até 13 de junho de
1970.225
• Em 15 de agosto de 1970, o vice-ministro das relações
exteriores, ll’ichev, chegou em Pequim, como líder de
uma delegação do governo soviético, para negociar
com os chineses.226
• Entre julho e dezembro de 1970 dezesseis sessões
sino-soviéticas de negociações ocorreram para
solucionar questões de fronteira.
• Em agosto e setembro de 1970, ocorreram
negociações sobre o comércio nas fronteiras sino-
soviéticas, em Khabarovsk.227
• Em 18 de novembro de 1970, o novo embaixador
soviético, Tolstikov, encontrou-se com Chou En-lai.
• Em 1971 continuaram as negociações sobre assuntos
de fronteira; entre junho e agosto, um vice-ministro
chinês esteve na União Soviética liderando uma
delegação de negócios para tratar de entregas; um
acordo de comércio foi assinado em Moscou.
• Em 1972 as negociações sino-soviéticas sobre as
fronteiras não avançaram, “devido à postura negativa
da China”; em junho uma delegação de comércio
soviética liderada por I. Grishin visitou a China.
• Em 1973 as negociações quanto às fronteiras
prosseguiram no nível dos ministros de relações
exteriores.
• Em fevereiro e março ocorreu uma sessão da
comissão unificada sino-soviética.228
• Em 1974 as negociações sobre assuntos de fronteira
pelos nomeados ministros de relações exteriores
prosseguiram.
• Em fevereiro de 1974 começaram os vôos diretos de
Moscou para a China.
• Em fevereiro-março de 1974 ocorreu uma sessão da
comissão unificada sino-soviética sobre a navegação.
• Em 25 de junho de 1974, uma delegação soviética
liderada pelo vice-ministro Il’ichev chegou à China
para negociações sobre fronteiras.229
• Em 12 de novembro de 1975, o vice-ministro Il’ichev
chegou em Pequim para negociações sobre a
fronteira.230
• Em setembro de 1976, o Comitê Central do PCUS
enviou seus pêsames pela morte de Mao; Gromyko e
Mazurov, ambos membros do Politburo, contactaram a
embaixada chinesa.
• Em 29 de novembro de 1976, o vice-ministro Il’ichev
chegou à China; as negociações sobre a fronteira
seguiram, em Pequim, até fevereiro de 1977.231
• Entre julho e outubro de 1977, comissão unificada
sino-soviética sobre a navegação encerrou suas
sessões depois de uma interrupção de dois anos.
• De 20 a 28 de julho de 1977, uma delegação de
comércio do governo chinês, liderada pelo vice-
ministro do comércio exterior, visitou a União
Soviética, sendo recebida por Patolichev.232
• Em abril de 1978, Il’ichev chegou a Pequim para
retomar as negociações. Entre 29 e 30 de setembro
de 1979, conversas entre Il’ichev e o representante do
ministério das relações exteriores chinês, Wang You-
ping, ocorreram em Moscou. Eles trataram mais de
“questões fundamentais sobre relações políticas e
econômicas”, do que propriamente disputas de
fronteira. De acordo com a TASS, havia um acordo
para que as conversas continuassem em Pequim.
Gromyko encontrou-se com Wang em dezembro.233
• No início de 1981 a China e a União Soviética
renovaram um acordo sobre direitos de navegação no
rio Amur; isto ocorreu na 23ª sessão de uma série de
negociações iniciadas em 1951.
• Em março de 1982 três especialistas chineses
visitaram Moscou para estudar as técnicas de
gerenciamento soviéticas e foram recebidos pelo
representante do Comitê de Planejamento do Estado
Soviético.234

Essa lista de contatos bilaterais está incompleta,


obviamente. Mesmo assim, nenhuma lista similar de
contatos bilaterais entre a União Soviética e a Iugoslávia
pôde ser desenterrada durante o período da genuína
ruptura entre Tito e Stalin. Durante uma parcela substancial
do período considerado, a União Soviética era representada
na China por um vice-ministro, assim como por um
proeminente oficial do partido no posto de embaixador. Por
mais fragmentado que seja, o quadro que se forma a partir
dos contatos bilaterais sino-soviéticos é mais coerente com
o alinhamento e coordenação de políticas e táticas do que
com tentativas abortadas de resolver pequenas disputas.
Uma atenção especial deveria ser dada à proeminência de
dois grandes estrategistas soviéticos nas conversas com os
chineses: Kuznetsov, um grande especialista em política
externa; e Il’ichev, especialista em ideologia e em assuntos
exteriores, incluindo a segurança européia.235 Note também
a presença de Andropov, um especialista sobre o bloco,
mais tarde presidente da KGB, e por ora líder do partido.
Tikhvinsky, especialista em desinformação, constava nas
delegações soviéticas. Do lado chinês, oficiais proeminentes
do ministério de relações exteriores também participaram
dessas discussões, o que sugere que os assuntos tratados
eram mais amplos do que meros problemas nas fronteiras.
O número de delegações comerciais enviadas pelos
chineses à União Soviética também é impressionante. É
notável que aquelas em 1971, 1973 e 1977 chegaram à
União Soviética em julho ou agosto, exatamente a época em
que as reuniões da cúpula na Criméia ocorrem; a
possibilidade de uma participação chinesa secreta nessas
reuniões não deve ser descartada.
Um padrão similar de contatos bilaterais de alto escalão
entre os soviéticos e os vietnamitas e entre chineses e
vietnamitas também poderia ser documentado.
Antes de deixar o assunto da coordenação dentro do
bloco, uma breve referência deve ser feita às estreitas
relações de trabalho entre os departamentos especializados
dos comitês centrais dos partidos do bloco. Contatos
intensos são mantidos entre departamentos
administrativos, internacionais, ideológicos, etc., dentro do
bloco, e, no caso daqueles partidos fora do bloco, contatos
intensos o bastante para comportarem, por si mesmos,
departamentos similares.

Coordenação entre partidos do bloco e partidos


fora dele
Os preparativos para a coordenação dos partidos do
bloco e fora dele, para obter o que Khrushchev chamou de
sincronicidade de políticas e atividades, foram tão extensos
que só poderemos apresentar um delineamento da questão.
As conferências internacionais entre os partidos de
dentro e fora do bloco são de fundamental importância. O
Congresso dos Sessenta e Quatro Partidos de novembro de
1957 decidiu planejar uma nova estratégia e política de
longo alcance para o bloco e para o movimento comunista
internacional. O Congresso dos Oitenta e Um Partidos de
novembro de 1960 assumiu formalmente a nova política e
estratégia. Os partidos chinês, albanês, romeno,
tchecoslovaco, francês, italiano e espanhol dele
participaram. O próximo congresso dessa natureza ocorreu
em Moscou, em junho de 1969, no qual 75 partidos
compareceram, sendo 9 deles pertencentes ao bloco e 66
vindos de fora. A presença de 5 membros do Politburo
soviético mostra a importância que lhe atribuía o PCUS. O
congresso reexaminou os últimos 10 anos e adotou um
programa de ações para o futuro. Os partidos da França,
Itália e Espanha aderiram.236 As preparações para a
conferência de 1969 se estenderam por mais de 4 anos.
Durante o mesmo período outras conferências
internacionais se dedicaram a aspectos específicos das
políticas. Por exemplo, em outubro de 1965 foram realizadas
algumas conferências em Moscou e na Tchecoslováquia (em
Praga) para celebrar o trigésimo aniversário do 7º
congresso do Comintern, o qual adotou uma política de
frente unificada. Representantes de 40 partidos
compareceram à reunião de Moscou, que produziu um
relatório sobre o significado histórico do 7º congresso do
Comintern para o movimento comunista moderno. De
acordo com a Grande Enciclopédia Soviética, ali foram
formulados “novos métodos e formas táticas e estratégicas”
para o movimento comunista.237 Em janeiro de 1970, em
Moscou, uma conferência reunindo 28 partidos europeus
discutiu questões de segurança na Europa. Em setembro,
em Budapeste, 45 partidos debateram questões comuns
contra o imperialismo.238
Conferências regionais sistemáticas foram realizadas
por partidos comunistas na Europa Ocidental, Escandinávia,
América Latina, América Central, no Mediterrâneo e em
países árabes e africanos. Entre aquelas organizadas na
Europa estavam as conferências de Tihany e Berlim, em
1976, na qual os partidos eurocomunistas participaram
ativamente. As conferências podiam ser indefinidamente
prorrogadas.
Os congressos do PCUS fornecem oportunidades
importantes para a consulta e a coordenação. Os
congressos de outros partidos comunistas do bloco atraem
delegações simpatizantes em quantidades substanciais.
Seria supérfluo enumerá-las todas, alguns exemplos
ilustrarão a questão: ao 12º congresso tchecoslovaco, em
1962, compareceram 68 delegações; ao 18º congresso
iugoslavo, em 1964, 30 delegações; ao congresso romeno
em 1965, foram 57. Sempre que as condições permitissem,
delegações de dentro do bloco compareciam aos congressos
de partidos comunistas de fora do bloco. Há inumeráveis
contatos — oficiais e extraoficiais — entre partidos
comunistas e organizações internacionais comunistas de
fachada, como a Federação Sindical Mundial e o Conselho
Mundial da Paz.
Há um vínculo permanente entre partidos do bloco e
partidos fora dele, através do Departamento Internacional
do Comitê Central do PCUS, sob direção de Ponomarev (esse
departamento tem representantes locados no exterior), e
através da sede do World Marxist Review, em Praga, onde
um bom número de representantes de partidos de dentro e
fora do bloco trabalham juntos como membros permanentes
da equipe. A World Marxist Review mantém conferências
regulares sobre as grandes questões políticas.
Um grande número de visitas bilaterais à União
Soviética e outros países comunistas é feito por líderes e
funcionários de partidos comunistas de fora do bloco, os
quais viajam sempre a serviço do partido.

Conclusões

Entre 1958 e 1980, a série de contatos entre os partidos


comunistas dentro e fora do bloco não encontra paralelos
em nenhum outro lugar do mundo. A imensa maioria das
reuniões comunistas ocorrem a portas fechadas, e delas não
sabemos mais do que o divulgado por seus organizadores.
Desprovidos de fontes autênticas e hipnotizados por
“revelações” — vindas das mesmas fontes comunistas —
sobre um esfacelamento do bloco, os analistas do Ocidente
tenderam a minimizar ou ignorar a enorme quantidade de
evidências de uma coordenação sistemática e contínua do
bloco, desde 1958 até os dias atuais. A extensão, o escopo
e o modo pelo qual a coordenação é conduzida refuta a
noção de que o movimento comunista internacional perdeu
o seu momentum, sua direção e mesmo seu sentido
ideológico último devido à desunião. Ademais, o movimento
não perdeu seu caráter de controle, organização e
disciplina. Uma verdadeira e sistemática dissidência da
parte de qualquer um dos países comunistas levaria
somente à sua expulsão do bloco comunista e ao
ostracismo perante todos os demais países do bloco, como
foi o caso da Iugoslávia em 1948. O que mudou a partir de
1957-60 não foi a natureza do comunismo, mas a
consciência dos líderes comunistas quanto ao valor, para
fins estratégicos e táticos, de uma pseudo-ruptura dentro do
movimento, somada à experiência que ganharam ao usar
dessa aparência conforme os interesses de uma política de
longo alcance. A antiga metodologia resolve a contradição
entre a evidência de uma coordenação e a evidência de
uma desunião ignorando grande parte da evidência de
coordenação. A nova metodologia resolve a contradição
mostrando a natureza superficial e forjada da suposta
desunião. A extensão dos contatos reconhecidos entre os
soviéticos e chineses, iugoslavos e romenos, bem como
eurocomunistas, revela a natureza das “rupturas” e
“diferenças” entre eles e confirma que estas não são mais
do que manifestações de desinformação estratégica, posta
em ação para sustentar uma política de longo alcance.

0 Ver CSP vol. 4, p. 44.


1 GES (1962), p. 460.
2 GES (1963), p. 451.
3 GES (1966), p. 52.
4 GES (1967), pp. 447, 472-73.
5 Para Praga, GES (1973), p. 491, para Varsóvia, GES (1975), pp. 502-503.
6 GES (1971), p. 55.
7 GES (1976), p. 487.
8 GES (1974), p. 6.
9 GES (1975), p. 502.
0 GES (1976), p. 42.
1 GES (1977), pp. 18, 44.
2 GES (1977), p. 454.
3 Ver, por exemplo, GES (1967), p. 35.
4 GES (1966), p. 598.
5 Ver a seção sobre o desenvolvimento de contatos comunistas na GES a cada
ano a partir de 1958.
6 GES (1969), p. 468.
7 GES (1962), p. 283.
8 GES (1964), p. 15.
9 GES (1965), p. 285.
0 GES (1965), pp. 47, 69, 75, 459; também em GES (1970), p. 63.
1 GES (1966), pp. 26, 51.
2 GES (1967), pp. 473, 475.
3 GES (1970), pp. 53, 62.
4 GES (1970), p. 53.
5 GES (1971), p. 80.
6 Ibid.
7 GES (1971), p. 66.
8 GES (1974), p. 310.
9 GES (1975), p. 64.
0 GES (1976), p. 59.
1 GES (1977), pp. 65, 295.
2 GES (1978), p. 56.
3 GES (1980), p. 64.
4 New York Times, 25 de março de 1982.
5 Em 1980-81 ele liderou a delegação soviética à conferência da CSCE em Madri.
6 GES (1970), p. 9-22.
7 GES (1966), p. 466-67.
8 GES (1971), p. 34.
Capítulo 24
O IMPACTO DO PROGRAMA DE DESINFORMAÇÃO

A modelagem da visão ocidental sobre o mundo


comunista

O lançamento de um programa estratégico de


desinformação em 1958 invalidou a metodologia
convencional dos estudantes ocidentais de assuntos
comunistas. Um fluxo de informações cuidadosamente
controlado foi liberado pela extensa rede de fontes sob o
controle comunista. Tal como no período da NEP nos anos
de 1920, essa veia de informações confundiu e distorceu a
visão ocidental sobre a situação no mundo comunista. Os
analistas ocidentais, na falta da habilidade para adquirir
informações internas sobre as idéias estratégicas, o
planejamento ou os métodos de operação comunistas,
aceitaram gratuitamente a nova fonte de informações por
seu valor nominal. Sem que soubessem, seus métodos
convencionais de análise foram invalidados e usados contra
eles mesmos pelos estrategistas comunistas. Devido à
projeção deliberada de uma falsa imagem da dissolução da
unidade comunista por esses estrategistas, o mundo não-
comunista ignorou ou minimizou evidências claras e
significativas que apontavam para a cooperação do bloco a
partir de 1957; uma cooperação dirigida a um novo passo
rumo à igualdade e ao comprometimento perante princípios
ideológicos fundamentais e objetivos políticos de longo
prazo. Este novo estado de coisas dá margem à mudança
de táticas domésticas e internacionais, e fornece
oportunidades ilimitadas para que esforços conjuntos entre
países do bloco falseiem o verdadeiro estado de suas
relações exteriores sempre que isto lhes trouxer alguma
vantagem. Despercebida pelo Ocidente, a ideologia
comunista se libertou da camisa de força stalinista para
ressurgir sob a linha leninista. A mudança foi, com sucesso,
maquiada como uma substituição espontânea da ideologia
pelo nacionalismo, a nova força motriz por trás do mundo
comunista.
Crescia o número de estudos não-comunistas baseados
em informações provenientes de fontes comunistas.
Enquanto observadores no mundo fora do bloco mostravam,
vez ou outra, certa consciência de que as informações lhes
chegavam por canais sob o controle comunista, não havia
efetivamente o reconhecimento do fato que a informação
havia sido especialmente preparada por trás da Cortina de
Ferro para benefício próprio. O papel político dos serviços de
inteligência era ignorado, e posto que a evidência de um
planejamento e coordenação nas atividades do bloco
também era negligenciada, o crescimento de movimentos
internos de oposição e a erupção de disputas entre estados
e partidos comunistas eram erroneamente encarados como
acontecimentos espontâneos.
Até 1960, e apesar da ruptura entre Tito e Stalin em
1948 e as revoltas polonesa e húngara em 1956, o mundo
não-comunista estava disposto a aceitar como fato o
crescimento de um bloco comunista e de um movimento
internacional coesos. Alguns analistas do Ocidente, como o
Professor Possony, consideraram as decisões tomadas no
Congresso dos Oitenta e Um Partidos, em novembro de
1960, como indicadoras da adoção de uma política de longo
alcance. Porém, a aceitação pelo valor nominal, por parte de
homens de estado, diplomatas, serviços de inteligência,
acadêmicos, jornalistas e do público geral, das
subseqüentes evidências de disputas e desuniões no mundo
comunista acarretou em uma nova postura que, há pouco,
seria impensável, e que faria com que as opiniões de
Possony e outros fossem consideradas anacrônicas ou
mesmo antediluvianas. O Manifesto dos Oitenta e Um
Partidos veio a ser considerado como um compromisso
temporário e improvisado entre os partidos, que
representava seu fracasso em adotar uma política comum.
E assim foi pintado ao mundo. O volume de evidências das
evoluções e rupturas no mundo comunista era tão
acachapante, e tão convincentes as suas razões, que
ninguém poderia mais questionar a sua validade. Em
particular, a aceitação da ruptura sino-soviética como uma
realidade tornou-se a base comum a partir da qual foram
feitas todas as tentativas ocidentais de analisar as políticas
— presentes e futuras — bem como os rumos do mundo
comunista. Isso resultou em um embotamento da percepção
ocidental quanto às intenções ofensivas do mundo
comunista, e as evidências de uma coordenação para a
execução de estratégias comunistas globais foram
minimizadas ou desconsideradas.
Uma vez que a desinformação estratégica não fora
reconhecida como tal, a visão ocidental sobre os
desenvolvimentos internos no mundo comunista tornou-se,
cada vez mais, moldada e determinada pelos estrategistas
do bloco, seguindo os interesses de sua própria política de
longo alcance. Na União Soviética, o abandono da “ditadura
do proletariado”, e a introdução de empresas reguladas pelo
mercado — entre outras medidas de reforma econômica —
pareceram um presságio de uma reversão rumo ao
capitalismo. O aumento gradual da qualidade de vida
parecia estar suplantando o apetite soviético por mudanças
revolucionárias, gerando novas pressões sobre o governo
para que permitisse uma maior liberdade e aumentasse o
fornecimento de bens de consumo. Divergências aparentes
na liderança soviética — entre reformadores liberais e
ideólogos conservadores — sobre como acabar com essas
pressões e reconciliar a necessidade de progresso e o
proselitismo ideológico confirmam a crença ocidental na
recorrência de lutas de poder, travadas normalmente nos
bastidores, mas às vezes em público, como no caso da
demissão de Khruschev. Quando parecia que os liberais
levavam vantagem, cresceram as expectativas de uma
crescente cooperação entre a União Soviética e o Ocidente.
A moderação da propaganda soviética e os sinais de
interesse em uma coexistência pacífica e em negociações
eficazes pareciam genuínos, especialmente se comparados
à hostilidade implacável dos chineses. Agressões soviéticas
ocasionais eram atribuídas à sobrevivência, dentro da
liderança, de um grupo de stalinistas obstinados que tinham
de ser apaziguados, de tempos em tempos, pelos
reformadores liberais. Se os stalinistas estivessem para
recuperar o comando, a détente seria revertida e poderia
haver uma reconciliação sino-soviética. O Ocidente, então,
tinha interesse em fortalecer o braço dos reformadores
liberais. Garantida a sua sobrevivência, havia a expectativa
de um aperfeiçoamento nas relações, devido à existência de
interesses comuns entre os soviéticos e o Ocidente em
evitar um conflito nuclear e confrontar a militância chinesa.
A longo prazo, a revolução tecnológica oferecia perspectivas
de um gradual estreitamento entre os sistemas comunista e
não-comunista.
Tais eram as discussões na década de 1960. Apesar do
renascimento do neo-stalinismo próximo ao fim da década,
tais controvérsias sobreviveram e ganharam peso até os
idos dos anos de 1970.
A aparente abertura de rachaduras entre os estados
comunistas era avaliada como um desenvolvimento
encorajador. A iminência de uma série de ramificações do
comunismo parecia mostrar o quanto a ideologia havia
perdido sua força unificadora. As rivalidades entre os
estados comunistas pareciam enraizadas em sentimentos
nacionalistas tradicionais.
O impacto da disputa sino-soviética no pensamento
ocidental pode ser ilustrado pela mudança na postura de
Allen Dulles, antigo diretor da CIA e homem de
inquestionável integridade — além de ser anti-comunista
convicto — e que tinha acesso integral a todo o tipo de
informação disponível, fosse aberta ou secreta. Em um
discurso proferido em 8 de abril de 1959, o Sr. Dulles disse:
“Enquanto os princípios do comunismo internacional
fundamentarem os regimes em Moscou e em Pequim, devemos esperar
que seu único propósito será a erradicação de nossa forma de sociedade
livre e a emergência de uma ordem mundial sovietizada, comunizada.
Eles mudam suas técnicas conforme ditam as circunstâncias, e nunca
nos deram a menor razão para esperar que tenham abandonado seus
objetivos gerais. Nós, vez ou outra, gostamos de nos iludir, pensando
que encaramos, novamente, um problema nacional de luta por poder
como tantos que o mundo já viu. O fato é que as intenções da
Internacional Comunista, com sua sede em Moscou, não são
nacionalistas; seus objetivos não são limitados. Acreditam piamente, e o
pregam com eloqüência, que o comunismo é o sistema que
eventualmente governará o mundo, e cada um de seus movimentos
está ordenado a este fim. O comunismo, como a eletricidade, procura
tornar-se uma força revolucionária onipresente”.239

Apenas 3 anos mais tarde, falando sobre o mesmo assunto


na Convenção da Associação Americana de Bares, em
agosto de 1962, em São Francisco, Dulles, ao se referir à
manifesta disputa sino-soviética, sustentou que o sistema
comunista mostrava múltiplas fraquezas e
vulnerabilidades.240

A confirmação dessa opinião era visível pela crescente


“independência” da Romênia. Seguindo o exemplo de Tito,
Ceausescu parecia estar defendendo a causa de seu povo
contra a interferência soviética em seu país. Assim sendo,
ele tornava-se digno de apoio em termos concretos.
Pensava-se que aspirações similares e tendências à
independência da União Soviética estavam em curso em
toda a Europa Oriental, especialmente na Polônia. Mas foi
na Tchecoslováquia que o mais novo e excitante ramo do
comunismo irrompeu no mercado, na “Primavera de Praga”
de 1968. Parecia mais do que apenas uma afirmação do
nacionalismo tcheco e eslovaco; era uma reformulação de
alguns dos conceitos básicos sobre as relações entre o
indivíduo e o estado comunista; era “socialismo com rosto
humano”, abrindo novas possibilidades de cooperação entre
o Ocidente e o Oriente. Porém, uma vez que ele ameaçava
os alicerces do sistema comunista, foi reprimido por uma
brutal intervenção militar soviética.
Aparentemente abalados pela rebelião além de suas
fronteiras e pelo aumento dos dissidentes internos, os
líderes soviéticos sob Brezhnev retrocederam a uma
repressão nos cruéis moldes stalinistas. Assim sendo, foi
com certas reservas que o Ocidente recebeu a proposta
comunista de uma conferência sobre a segurança européia.
Não obstante, a experiência tchecoslovaca havia
demonstrado — ou assim pareceu — a existência de
tendências liberalizantes no mundo comunista, ponto
sublinhado pelos ditos “dissidentes” soviéticos. Valeu a
pena, então, para o Ocidente, entrar em debates sobre
segurança européia e direitos humanos, ainda que apenas
com olhos voltados para o futuro.
Tito e seu regime iugoslavo foram instruídos a ajudarem
na promoção de tendências liberalizantes dentro do bloco. A
influência iugoslava no movimento não alinhado era bem-
vinda como um obstáculo à extensão do poder soviético e
chinês sobre os países em desenvolvimento.
A tendência rumo à desintegração parecia alastrar-se do
bloco para o movimento comunista internacional. A ruptura
sino-soviética havia sido um estopim de um processo de
rompimento em muitos partidos comunistas. A intervenção
soviética na Tchecoslováquia fora repudiada por muito
partidos importantes, inclusos aí o francês e o italiano, os
mais poderosos na Europa. Em meados dos anos de 1970
ambos os partidos expressaram sua independência da
União Soviética e uniram suas vozes ao grito por
democracia, direitos humanos e por uma Europa livre de
pactos militares. Mesmo se o partido italiano chegasse ao
poder, parecia que tal evento não seria incompatível com a
sobrevivência da democracia ou mesmo com a continuidade
da participação italiana no Tratado do Atlântico Norte.
Resumindo: a aparente perda do ardor revolucionário, a
aparente desunião do bloco e do movimento, a aparente
preocupação dos estados comunistas com conflitos
fratricidas e o advento da détente, todos apontam à mesma
conclusão: a Guerra Fria terminara. A nova situação parecia
exigir uma acomodação, uma resposta positiva ao
comunismo, ao invés das velhas formas de resistência e
contenção.

O efeito sobre a formação das políticas


ocidentais

Durante a Guerra Fria, quando a ameaça do comunismo


parecia perigosamente aguda, as diferenças nacionais
tradicionais entre os poderes do Ocidente eram, em algum
nível, subordinadas ao interesse comum de autodefesa.
Entre 1945 e 1949 a Europa Ocidental recuperava-se da
devastação da guerra. A superioridade americana era
inquestionável. A Europa dependia dos Estados Unidos para
restaurar sua vitalidade econômica e para proteger-se do
ataque soviético. Em meados da década de 1950, a situação
já estava mudando. A Europa seguia o caminho da
recuperação e começava a enxergar-se a si mesma como
uma comunidade de poderes econômicos em franco
desenvolvimento. Crescia o ressentimento diante da
influência americana. Na França, especialmente, havia uma
exigência por uma parceria mais igualitária com os Estados
Unidos. Em outubro de 1958 o General de Gaulle enviou um
memorandum aos governos americano e inglês pedindo,
efetivamente, a criação de um triunvirato de poderes com
responsabilidades mundiais. O memorandum refletia a
mudança das realidades econômicas na Europa. Se um
quadro claro e realista quanto ao problema comunista a
longo prazo fosse dado, o ajuste entre as relações exigido
dentro da aliança ocidental baseado no princípio de uma
parceria igualitária poderia ter sido atingido. Da maneira
como ocorreu, a aliança ficou à deriva. Ao mesmo tempo, no
mundo comunista, começaram a aparecer mudanças que,
distorcidas e exageradas pela desinformação, indicavam
uma redução na atualidade e intensidade da ameaça do
comunismo. O argumento para que se sacrificassem os
interesses nacionais pelo bem da unidade de defesa do
Ocidente enfraqueceu-se. Ora, se o monolito comunista
estava se desintegrando em uma série de regimes — rivais
entre si — cujos interesses nacionais estão superando cada
vez mais sua suposta ideologia comum, as nações do
Ocidente poderiam permitir-se voltar à busca de seus
interesses nacionais tradicionais em suas esferas de
influência particulares. Já não era necessário fortalecer a
unidade do Ocidente sob a liderança americana; era mais
importante examinar novas possíveis alianças. Os países em
desenvolvimento não estavam mais aterrorizados a ponto
de formar alianças militares sustentadas pelo Ocidente;
poderiam perseguir sua independência de modo mais
efetivo fora delas, ou em ativa oposição a elas, enquanto
buscavam cooperação junto aos países comunistas.
Se a ideologia comunista era uma força em declínio, a
ideologia ocidental anti-comunista da Guerra Fria estava
desatualizada. Agora, ela serviria apenas para atravancar o
crescimento do nacionalismo no mundo comunista e
direcionar os regimes comunistas — cada vez mais
independentes — a uma nova união. A nova aparência do
mundo comunista exigia um reexame dos conceitos
tradicionais do Ocidente. O mundo não podia mais ser
dividido em dois blocos antagônicos nitidamente distintos
por meio de linhas ideológicas. Dado o comprometimento
soviético para com a détente e a coexistência pacífica, e
dada a existência da ruptura sino-soviética, a idéia de uma
competição ideológica entre Ocidente e Oriente e de uma
contenção global do comunismo parecia obsoleta; esta idéia
poderia arriscar a paz ou provocar uma reconciliação sino-
soviética. A unidade militar, política e econômica do
Ocidente frente ao bloco comunista tornara-se supérflua
antes mesmo de ter sido atingida. A nova situação clamava
por flexibilidade e liberdade de iniciativa.
Diferentes escolas de pensamento desenvolveram
maneiras de tirar vantagens da nova situação no mundo
comunista. Se as nascentes diferenças entre os estudos
comunistas haviam de ser encorajadas, era necessário
estimular diversas abordagens. A construção de pontes com
aqueles estados europeus mostrava tendências liberais ou
estímulo à independência, fatores que ajudariam a afastá-
los da União Soviética.
Ao mesmo tempo, pareceu necessário estimular
relações mais próximas entre o Ocidente e a União
Soviética, a fim de estimular o processo de evolução interna
e explorar suas diferenças com a China — em outras
palavras, “usar a carta soviética”. “A História” — assim foi
dito — “não nos perdoará se perdermos essa chance”.
Nos Estados Unidos, alguns argumentavam que a
emergência dos Estados Unidos e da União Soviética como
superpotências nucleares tornava menos importante a
aliança ocidental. Uma abordagem unilateral frente à União
Soviética era preferível, como saída menos complicada e
menos propensa a provocar uma reconciliação sino-
soviética. Era necessário um simpático acolhimento da
posição dos líderes soviéticos liberais. Sua influência seria
fortalecida se eles pudessem receber ajuda para resolver a
crise na agricultura, as falências industriais, o atraso
tecnológico e a escassez de bens de consumo. Comunistas
bem alojados e bem alimentados se tornariam mais
satisfeitos e menos revolucionários.
A facilidade com a qual Khrushchev foi aceito como um
liberal pelo Ocidente é explicada pelo crescente medo
ocidental de uma reversão soviética às antigas políticas
linha-dura, provocada pela notícia de sua “demissão” em
1964, e pelo alívio que se seguiu quando tornou-se nítido
que a détente e a coexistência pacífica continuariam.
Outra escola de pensamento nos Estados Unidos
defendia que o Ocidente não deveria buscar ativamente a
exploração da contenda sino-soviética, por medo de obter
efeito oposto ao desejado; melhor seria deixar os dois
gigantes comunistas brigarem entre si. Uma política passiva
sobre a ruptura sino-soviética poderia, de qualquer modo,
ser acompanhada por uma política ativa quanto ao Leste
Europeu. A independência contínua da Iugoslávia
demonstrava o sucesso da política ocidental sobre ela desde
1948. Uma política ativa de negociações no Leste Europeu,
a despeito de ser lucrativa, oferecia esperanças na
conquista de outros satélites da União Soviética no Leste
Europeu.
Na França, a visão gaullista de uma grande Europa
estendendo-se do Atlântico aos Urais tornou-se tópico de
uma séria discussão.
Divergências sobre a política em relação à China
pululavam. Os Estados Unidos agarraram-se à idéia de que
não se deveria fazer concessão alguma enquanto o regime
persistisse em sua linha de militância radical. Outros países,
especialmente a França, argumentaram que a China estava
amargurada pelo isolamento diplomático. Garantido o
reconhecimento diplomático, uma cadeira nas Nações
Unidas e aberturas mais favoráveis ao comércio com o
Ocidente, a China evoluiria, como a União Soviética, para
linhas mais moderadas.
Nos anos de 1970, a óbvia ameaça militar soviética
sobre a Europa e sua escancarada agressividade na África e
no Afeganistão, em contraste com a recém-estabelecida
moderação chinesa, gerou uma nova escola de pensamento
que defendia relações estreitas com a China, ou o “uso da
carta chinesa”.
De maneira bastante simplificada, esses eram alguns
dos argumentos e considerações levados em conta pelos
arquitetos das políticas ocidentais no decorrer dos anos de
1960 e 1970. A principal crítica sobre essas políticas não é
que fossem influenciadas por criptocomunistas ou
companheiros de viagem — ainda que este fato não deva
ser descartado. Tais políticas eram, em essência,
desenvolvidas honestamente a partir de algumas premissas
básicas, a saber: que o sistema soviético estava evoluindo,
que a ruptura sino-soviética era genuína e que o monolito
comunista estava em processo de desintegração. As
políticas estavam erradas porque as premissas eram falsas:
eram um produto da desinformação comunista.

Os efeitos práticos sobre as políticas ocidentais

A aparente desunião no Oriente provocou uma desunião


real no Ocidente. Disputas e antagonismos entre aliados
ocidentais ocorriam abertamente e, por algum tempo,
acabaram nas manchetes. Porém, logo seriam consideradas
normais.
A tendência pela busca dos interesses nacionais era
mais evidente na França. Isso ocasionou um agudo
enfraquecimento na cooperação com os Estados Unidos, a
adoção de uma nova política de defesa nacional, a
revogação dos compromissos do exército francês para com
a OTAN em 1966, a concentração do papel principal da
França no Mercado Comum e o ressurgimento do interesse
em seus aliados tradicionais no Leste Europeu: Rússia,
Polônia e Romênia. Havia um agudo enfraquecimento das
relações com alguns aliados da OTAN. Ouviam-se gritos de
“França para os franceses!”, “Europa para os europeus!”,
“América para os americanos!” Circulava a suspeita de que
a defesa da Europa não era um interesse vital para os
Estados Unidos. A reação americana diante da reafirmação
da identidade e dos interesses franceses não foi sempre
cautelosa e prudente. Os Estados Unidos recusavam-se a
compartilhar sua tecnologia nuclear com a França; os
americanos não consultaram os franceses adequadamente
quanto à crise cubana; a França não participara do Tratado
de Proibição Total de Testes Nucleares, assinado pelos
Estados Unidos, pela Grã-Bretanha e pela União Soviética
em 1963. Os franceses zombaram publicamente da política
americana sobre o reconhecimento da China comunista. Ao
passo que se estabelecia o compromisso do exército
americano no Vietnã, aumentava a intensidade das críticas
da Europa Ocidental, especialmente suecas, quanto à
política americana na região.
A hostilidade franco-americana respingou nas relações
anglo-francesas. Por causa das “relações especiais”, foi
dada à Inglaterra a pecha de agente americano na Europa.
A solicitação da Inglaterra para juntar-se ao Mercado
Comum foi vetada pela França. A Inglaterra focou-se nas
relações com a AELC (EFTA), na Comunidade das Nações e
nos seus compromissos ultramarinos.
Esses desenvolvimentos eram acompanhados pelo
ressurgimento do medo injustificado de uma ressurreição da
ameaça alemã na Europa, e pela dúvida quanto à prudência
de uma reaproximação franco-germânica, a qual, ainda que
desejável para os interesses de uma união da Europa
Ocidental, não poderia substituí-la por si mesma.
Em outros lugares, as querelas multiplicavam-se.
Austríacos e italianos brigavam pelo Tirol; franceses e
canadenses, por Quebec; Grécia e Turquia, por Chipre; Grã-
Bretanha e Islândia, por peixe; Paquistão e Índia, por
Kashmir e por outros assuntos. A hostilidade árabe-israelita
chegava a novos graus de intensidade. Esses conflitos
tinham raízes que remontavam a problemas históricos que
tinham pouca ou nenhuma relação com comunismo. Mesmo
assim, o aparente enfraquecimento da ameaça comunista
permitira um certo grau de leniência em emotivas disputas
nacionalistas que poderiam ter sido silenciadas em face do
perigo comum percebido por todos. Na atmosfera da
détente, a OTAN, que havia sido criada para conter a óbvia
ameaça militar soviética sobre a Europa Ocidental no pós-
guerra, perdera o fôlego. Não apenas havia conflitos entre
seus membros, mas o esforço para estabelecer uma
padronização no armamento esmoreceu. Os programas
conjuntos da OTAN, ou eram embriões, ou já oscilavam. Em
1974 a Grécia seguiu a França e revogou seus
compromissos militares. A tensão com a Turquia
enfraqueceu gravemente o flanco sul da OTAN.
Em 1965, um observador ocidental que, como toda a
população, aceitara como autêntica a ruptura sino-soviética,
comentou o seguinte sobre a OTAN:
“A estratégia soviética básica, na última década, foi a de dividir a
OTAN. Esse era o propósito por trás da crise de Berlim. Caso o rumo da
OTAN não seja revertido, pode ser que atinjam esse objetivo, não por
meio de uma estratégia de militância soviética, mas pela redução
temporária da militância, encorajando assim uma desordem interna na
aliança. Quão verdadeiro é o fato de que o uso da força nem sempre é a
melhor estratégia! Em retrospectiva, os soviéticos podem afirmar que a
ruptura sino-soviética foi mais do que compensada por uma ruptura da
OTAN. Já para o Ocidente, qualquer ruptura da OTAN em pequenos
grupos, ou uma balcanização da Europa Ocidental, poderiam produzir
erros de cálculo ou reconciliações”.241

O abandono ocidental das políticas coordenadas


voltadas ao mundo comunista levou a mudanças na prática
diplomática do Ocidente. Negociações particulares —
incluindo conversas confidenciais —, e acordos entre
importantes homens de estado comunistas e não-
comunistas, mesmo que iniciados pelo lado comunista,
eram bem recebidos no Ocidente. Uma abordagem
unilateral às relações com países comunistas tornou-se
normal. A visita do General De Gaulle a Moscou, em 1966,
trouxe à tona o diálogo sobre a aliança franco-russa dos
anos de 1890 e o pacto franco-soviético dos anos de 1930.
Os Estados Unidos concordaram em conduzir as
negociações da SALT com a União Soviética de forma
bilateral. Consultas políticas bilaterais regulares entre os
governos soviético, francês e italiano tornaram-se uma
prática aceita. Na Alemanha Ocidental, o argumento para
uma abertura ao Leste fortaleceu-se e encontrou expressão
através da Ostpolitik do Chanceler Brandt, no início da
década de 1970. A resposta do Ocidente à diplomacia
chinesa de détente não parecia coordenada. Havia múltiplos
e visíveis exemplos do fracasso; por exemplo, os japoneses
não foram avisados pelos americanos da iniciativa de Nixon-
Kissinger na China, em 1971; o Presidente Giscard d’Estaing
deu a seus aliados, quando muito, uma pequena notícia de
sua reunião com Brezhnev em Varsóvia, em maio de 1980.
A extensa gama de contatos entre diplomatas
comunistas e políticos do mundo não-comunista era
calorosamente recebida como uma ampliação dos contatos
do Ocidente com o mundo do bloco.
Com o advento da détente, os interesses comerciais do
Ocidente pressionaram uma expansão do comércio com os
países comunistas. Normalmente, sem consultar ou
considerar quaisquer políticas ou interesses comuns do
Ocidente, os países independentes não-comunistas
tomaram suas próprias iniciativas. A justificativa, se
necessária, havia de ser encontrada nos argumentos de que
os negócios eram lucrativos e beneficiavam as economias
do mundo não-comunista, além de promover boas relações
entre o Ocidente e o Oriente e estimular tendências pró-
Ocidentais, liberais, nacionalistas e separatistas no mundo
comunista, contribuindo, portanto, para a estabilidade e paz
mundial, e, talvez, a longo prazo, para a formação de um
mercado mundial comum.
Muitas firmas ocidentais, atraídas pela aparente
oportunidade de ouro, enviaram seus representantes para
explorar o mercado comunista. Os ingleses, tendo a maior
experiência no comércio mundial, tomaram a liderança,
seguidos de perto por franceses, alemães ocidentais,
italianos e japoneses. Os alemães, em particular, concediam
créditos a longo prazo para o Leste Europeu, na esperança
de, lucros à parte, promover a independência da União
Soviética. Os europeus e os japoneses aumentaram seu
comércio com a China, na esperança de ao mesmo tempo
minimizar a militância chinesa.
Havia, nos anos de 1960, uma tendência a afrouxar as
restrições comerciais com países comunistas. A política de
limitar o comércio Ocidente-Oriente, sublinhada nos acordos
de Roma de 1958-59, foi abandonada em favor da
expansão; o controle sobre exportações estratégicas do
Ocidente foi abrandado, e grandes plantas industriais foram
construídas em território comunista pelas empresas do
Ocidente. Foram oferecidos créditos a longo prazo. O
estatuto de “nação mais favorecida” foi concedido a outros
países comunistas, incluindo a Romênia e, mais tarde, a
China. Os Estados Unidos, que há muito se opunham à
expansão do comércio entre Ocidente e Oriente,
começaram a mudar de posição. Em 1977, como mostra o
“Discurso sobre o Estado da União” deste ano, o
encorajamento do comércio com a União Soviética e o Leste
Europeu havia se tornado uma política americana oficial. A
cooperação tecnológica e técnica floresceu, e a exportação
de bens de alta tecnologia, incluindo computadores, era
permitida até mesmo pelos Estados Unidos. Todos estes
passos foram dados pelas nações ocidentais, que agiam
individualmente, com pouca ou nenhuma consideração às
possíveis conseqüências a longo prazo.
Mostrava-se um particular favorecimento aos
iugoslavos, fundamentado no fato de que, após romper com
a União Soviética em 1948, eles haviam aberto um
precedente para a independência do Leste Europeu.
Os próximos da fila eram os romenos, pela razão
mesma de que aparentavam ter seguido o curso da
independência da Iugoslávia. O ministro romeno do
comércio exterior foi recebido na França, na Alemanha
Ocidental e nos Estados Unidos. A Romênia recebeu o status
de nação mais favorecida. O crédito foi disponibilizado na
Romênia mais livremente do que em qualquer outro país
comunista, com exceção da Iugoslávia e da Polônia.
Ao fim da década de 1970, a expansão do comércio e do
crédito havia permitido que o endividamento comunista
junto ao mundo ocidental chegasse à casa de 70 bilhões de
dólares. O crescimento do comércio entre o Oriente e o
Ocidente teve um efeito protuberante sobre a relação geral
do Ocidente com o mundo comunista, uma vez que ergueu
poderosos interesses de investimento na continuação da
détente, apesar do crescente poderio militar comunista e de
outros indícios de suas intenções agressivas.
A détente e a desinformação sobre a “evolução”
comunista forneceram as bases para que os partidos
socialistas encarassem com mais simpatia a formação de
alianças com partidos comunistas. Independentemente de
melhorar as chances de aumentar o poder dos socialistas,
uma aliança parecia uma forma promissora de influenciar os
partidos comunistas a aproximarem-se da social-
democracia, para longe da União Soviética. Tais idéias eram
fortes nos partidos socialistas da Itália, da Alemanha
Ocidental, da França e da Finlândia. Em geral, os partidos
socialistas pareciam mais desfavoráveis a coalizões ou
alianças eleitorais com partidos de centro. Isso ampliou as
possibilidades entre partidos conservadores e progressistas
e entre as alas reformadoras e revolucionárias dos partidos
socialistas. Mais do que nunca, o centro moderado sofreu. A
relação pragmática entre as tendências conservadoras
americanas e socialistas européias pareciam ter esgotado
sua utilidade.
Em princípio, a oposição ao comunismo tornou-se
antiquada. As diferenças básicas entre a democracia e o
comunismo perderam-se de vista. Considerava-se mais
recompensador buscar interesses comuns através de um
intercâmbio entre Leste e Oeste, nas áreas da ciência, da
cultura e dos esportes, o que, pensava-se, contribuiria para
a liberalização dos regimes comunistas. Na década de 1960,
os escritores anti-comunistas foram praticamente banidos
dos meios de comunicação; sua atitude era condenada
como hostil à détente.242 As organizações de rádio e
televisão da Europa negociavam os seus próprios acordos
com as respectivas contrapartes do governo soviético. A
necessidade de transmissões anti-comunistas foi posta em
questão. O conteúdo diretamente anti-comunista foi
drasticamente reduzido.243 A atenção foi dirigida para a
ruptura sino-soviética, para outras rachaduras no bloco e
para o crescimento de movimentos dissidentes.
Financiamentos oficiais ou semi-oficiais com o propósito de
combater a frente comunista foram amplamente
abandonados.
O expansionismo soviético na África e a intervenção no
Afeganistão no fim do ano de 1979 chamou a atenção para
a oculta agressividade soviética. Algumas das mais
ingênuas ilusões ocidentais sobre a détente foram abaladas.
Ao mesmo tempo, as reações do Ocidente à ação soviética
demonstravam a extensão da construção, no Ocidente, de
interesses financeiros sobre a détente, igualmente na
Alemanha Ocidental e na França. Apesar da oposição
americana, os alemães ocidentais e os franceses haviam se
mostrado determinados a prosseguir a construção de um
gasoduto da União Soviética até a Europa Ocidental. É
pouco provável que a situação afegã alterasse a postura
ocidental a longo prazo mais do que o fez a crise de Cuba
de 1962. Não dissipou as expectativas ocidentais a longo
prazo, fomentadas ao longo de 20 anos de desinformação
comunista, de que a decadência da ideologia e o
crescimento de uma oposição interna levaria,
eventualmente, à liberalização do regime soviético.
Enquanto isso, a China expressou uma hostilidade
vigorosa às ofertas da União Soviética, indicando aparentes
perspectivas de uma aliança com o Ocidente baseadas no
interesse comum de conter o expansionismo soviético. Por
não haver uma compreensão no Ocidente do que seja a
desinformação e as políticas comunistas de longo alcance,
ou a “estratégia das tesouras”, “usar a carta chinesa” é,
hoje, considerada uma séria opção estratégica para os
Estados Unidos.

Conclusão

A desinformação estratégica comunista teve uma


profunda influência nas relações internacionais. Os governos
ocidentais e seus conselheiros profissionais permaneceram
inconscientes do problema. O propósito fundamental do
programa de desinformação havia sido criar condições
favoráveis para a execução da política de longo alcance
comunista. Os estrategistas comunistas haviam atingido
seu propósito até então enganando o Ocidente sobre os
desenvolvimentos no mundo intrabloco, tendo em vista três
objetivos principais: afrouxar a pressão ocidental sobre os
regimes comunistas enquanto estiverem “construindo o
socialismo” e fazendo o trabalho de base para uma eventual
federação mundial de estados comunistas; provocar as
respostas ocidentais desejadas para sua diplomacia ativista
e para a estratégia comunista internacional; preparar o
terreno para uma mudança radical nas táticas comunistas
na fase final da estratégia, nos anos de 1980.
O sucesso do programa de desinformação comunista
havia gerado um estado de crise na avaliação ocidental
sobre as questões comunistas e, portanto, uma crise nas
políticas ocidentais voltadas àquele mundo. O significado
dos desenvolvimentos no bloco comunista é mal
compreendido e as intenções por trás das de suas ações são
mal interpretadas. Inimigos são aceitos e tratados como se
fossem aliados do Ocidente. Reconhece-se a ameaça militar
soviética, mas a ameaça de uma política estratégica não é
assimilada, sendo, portanto, subestimada. As ofensivas
políticas comunistas, na forma de uma diplomacia de
détente e de negociações sobre o desarmamento, são vistas
como indícios de uma moderação comunista. A estratégia
comunista, ao invés de bloqueada, é involuntariamente
favorecida pelas políticas ocidentais.
A primeira estratégia comunista para fortalecer e
estabilizar o bloco, política e economicamente, foi
amparada pela ajuda econômica ocidental, pela aceitação
da détente e pela cooperação com governos comunistas. Ao
responder favoravelmente às iniciativas comunistas sobre a
SALT e a segurança coletiva na Europa, o Ocidente ajudara
os estrategistas comunistas a preparar o terreno para a
dissolução da OTAN e para a retirada das tropas americanas
da Europa. Ao aceitar a independência da Iugoslávia, o
Ocidente lhe dava a oportunidade para organizar boa parte
do Terceiro Mundo em um bloco de orientação socialista
com claro viés pró-comunista e anti-ocidental. Ao aceitar a
rivalidade sino-soviética como genuína e considerar a China
uma possível aliada contra o expansionismo soviético, o
Ocidente está criando oportunidades para a construção de
novos alinhamentos que irão repercutir, a longo prazo, em
seu próprio desfavor. Ao empreender as discussões e
acordos da SALT com uma consciência deficiente das
políticas e estratégias comunistas de longo alcance, e ao
fornecer tecnologia avançada primeiro à União Soviética,
depois à China, o Ocidente ajudou a virar a balança do
poderio militar contra si mesmo. Fracassando em avaliar o
controle sobre as figuras intelectuais e religiosas do
comunismo e tomando a détente por seu valor publicitário,
o Ocidente estava pronto a aceitar a noção de uma
evolução do comunismo, a longo prazo, que por fim se
converteria no sistema democrático. O Ocidente auxiliou a
estratégia ideológica comunista por seu próprio
desarmamento ideológico unilateral.
A espúria noção de um interesse comum entre os
Estados Unidos e a União Soviética contra a China nos anos
de 1960 foi deliberadamente forjada e explorada com
sucesso segundo os interesses da estratégia comunista. O
mesmo pode-se dizer do interesse comum entre a Europa
Ocidental e Oriental pela buscar de uma segurança coletiva
contra o “revanchismo” da Alemanha Ocidental e a
“interferência” americana; ou o interesse comum entre
países em desenvolvimento e países comunistas em sua
luta contra o “imperialismo”; ou o interesse comum entre a
China, o Japão e o Ocidente em resistir ao expansionismo
soviético. Mesmo o interesse comum genuíno entre a União
Soviética e os Estados Unidos em evitar um confronto
nuclear havia sido explorado com sucesso na intenção de
favorecer a balança militar em prol do bloco comunista.
A estratégia ocidental de uma abordagem levemente
ativista para com o Leste Europeu, enfatizando os direitos
humanos, está condenada ao fracasso porque se baseia em
equívocos, e desembocará, por fim, em uma armadilha,
quando outra espúria liberalização ocorrer no Leste
Europeu, na fase final da política de longo alcance
comunista. O aspecto mais perturbador da presente crise
nas avaliações e políticas do Ocidente está no fato de que
se as causas da crise fossem reconhecidas, seriam mal
compreendidas. Na situação atual, o Ocidente está
gravemente vulnerável a uma mudança radical nas táticas
comunistas, durante a fase final de sua estratégia.

9 Citado em Alvin Z. Rubinstein, The Foreign Policy of the Soviet Union (New York:
Random House, 1960), p. 405.
0 New York Times, 10 de agosto de 1962.
1 David M. Abshire, Grand Strategy Reconstructed: an American View, em
Detente: Cold War Strategies in Transition, (Macroestratégia reconstituída: Uma
visão americana em Détente: Estratégias da Guerra Fria em Transição) ed.
Eleanor Lansing Dulles and Robert Dickson Crane (New York: Frederick A.
Praeger, 1965), p. 269.
2 The New Drive Against the Anti-Communist Program, audiência perante o
subcomitê para investigar a administração do Ato de Segurança Interna e outras
leis sobre segurança interna do comitê do Senado sobre o Judiciário,
Washington, D. C. 11/07/1961, p. 10.
3 R. Strausz-Hupe, W. R. Kintner, J. E. Dougherty, and A. J. Cotrell, Protracted
Conflict, (Conflito prolongado) (New York: Harper Brothers, 1959) pp. 115-16:
“Não é exagero dizer que nos últimos anos os governos ocidentais não
mostraram entusiasmo nem competência para conduzir os “programas de
informação” oficiais, que são pobres substitutos de uma panfletagem político-
ideológica. Os povos ocidentais, de uma maneira geral, pouco consideram o
futuro do estilo de vida livre. O ocidente ficou tão acuado mentalmente que
muitos intelectuais dispendem a maior parte de seu tempo em desculpar-se
pelas instituições e processos da sociedade liberal. Paradoxalmente, mesmo
aqueles intelectuais que mais se dedicam à causa da liberdade individual em
suas próprias nações não manifestam uma preocupação profunda a respeito da
ameaça que a expansão comunista apresenta à liberdade humana”.
PARTE III
A FASE FINAL E
A CONTRA-ESTRATÉGIA OCIDENTAL
Capítulo 25
A FASE FINAL

O OBJETIVO DESTE LIVRO tem sido o de mostrar como, durante as


últimas duas décadas, o bloco comunista conseguiu cumprir
grande parte dos objetivos das duas primeiras fases de sua
política de longo alcance. Os regimes comunistas individuais
foram consolidados. Os partidos do bloco comunista, com
ajuda dos serviços de segurança, construíram suas forças
ativas dentro de organizações revitalizadas de frente
nacional e internacional, especialmente nas organizações
sindicais, de intelectuais e de jovens. A indicação de
Shelepin para chefe da organização sindical soviética de
1967 a 1975 atesta a importância dessas ações. A
credibilidade dada à “dissidência” nos outros países tornou-
se um fator sério de política interna. Um certo grau de
acomodação com a religião organizada foi alcançado. Um
elo de relações interpartidárias que transcendia a estrutura
formal do Comecon e do Pacto de Varsóvia foi construído.
Depois de tudo isso, os estrategistas comunistas agora
estão preparados para iniciar a fase final e ofensiva da
política de longo alcance, empreendendo uma luta conjunta
para o triunfo completo do comunismo. Graças à
multiplicidade de partidos no poder, sua íntima relação uns
com os outros e às muitas oportunidades de expandir suas
bases e construir grupos experimentados, os estrategistas
comunistas se equiparam, na busca por realizar suas
políticas, para realizar manobras e estratagemas
inimagináveis para Marx, impraticáveis para Lênin e
impensáveis para Stalin. Entre esses estratagemas estão o
início de uma falsa liberalização no Leste Europeu —
possivelmente também na União Soviética — e a encenação
de uma independência de fachada nos regimes da Romênia,
Tchecoslováquia e Polônia.

Más interpretações ocidentais dos


acontecimentos na Polônia

Devido à incapacidade ocidental de compreender a


estratégia e a desinformação comunista ou de dar devido
valor aos recursos dos serviços de inteligência e segurança
do bloco dedicados a esses segmentos, como também a
seus agentes de alto nível de influência política, o
surgimento do Solidariedade na Polônia foi interpretado
como um acontecimento espontâneo similar à revolta
húngara de 1956 e como que um prenúncio da queda do
comunismo na Polônia. O fato dos partidos comunistas na
Itália, França e Espanha tomarem posições pró-
Solidariedade dão base para desconfiarmos dessa
interpretação.
A má intepretação ocidental desses acontecimentos
culminou nas previsões de uma intervenção soviética na
Polônia em 1981, que depois foi considerada injustificável. E
ainda pode gerar erros mais graves no futuro.

Uma nova análise

Existem fortes indícios de que a versão polonesa da


“democratização”, baseada em parte no modelo
tchecoslovaco, foi preparada e controlada desde seu início
dentro da moldura política e estratégica do bloco. Durante
vinte anos, o partido comunista polonês esteve trabalhando
na construção de uma “sociedade socialista madura” na
qual o partido e suas organizações de massa realizariam um
papel mais ativo e politicamente efetivo. Em 1963 a
comissão ideológica do partido foi montada. Em 1973,
novos meios de coordenação das atividades das
organizações de jovens foram estabelecidos. Em 1976, o
partido adotou uma nova lei para ter um papel central na
construção do comunismo — a interação do partido com os
partidos camponeses e democráticos. No mesmo ano, todas
as organizações de jovens, incluindo as militares, fundiram-
se em uma só União da Juventude Socialista Polonesa.
O número de membros do partido aumentou de 1
milhão em 1960 para 3 milhões em 1980. No mesmo
período, os sindicatos poloneses aumentaram seu número
de membros de 5 milhões para 13 milhões. A União da
Juventude Socialista Polonesa possuía 2 milhões de
membros em 1980. Ao final do mesmo ano, 85% dos oficiais
das forças armadas eram membros do partido. Todos os
poloneses de descendência judia tinham sido eliminados do
exército.
Ao longo desses vinte anos, os líderes poloneses
estiveram totalmente envolvidos na coordenação dos
mecanismos do bloco, tais como o Comecon e o Pacto de
Varsóvia, assim como em encontros bilaterais com outros
partidos comunistas. O serviço de segurança polonês
participou da conferência dos serviços de segurança do
bloco em Moscou, no ano de 1959, onde foi discutido seu
novo papel político e os meios de coordenação foram
atualizados. A Polônia foi um dos países visitados por
Mironov, o criador deste novo papel político, na época chefe
do Departamento Administrativo do PCUS.

Desenvolvimentos na década de 70

Curiosamente, duas das figuras-chave nos


acontecimentos recentes na Polônia, a dita “renovação”,
assumiram cargos de importância logo após a “primavera
de Praga” em 1968: Jaruzelski tornou-se Ministro da Defesa,
e Kania tornou-se chefe do departamento administrativo do
partido comunista, responsável pelos assuntos do serviço de
segurança polonês. Em 1971 Gierek sucedeu Gomulka e o
futuro líder do Solidariedade, Walesa, deu início à sua
atividade política. Gierek e membros de outros
departamentos importantes, incluindo o departamento
administrativo de Kama, consultaram-se com seus
equivalentes soviéticos em Moscou. No mesmo ano, líderes
poloneses e tchecos realizaram uma série de reuniões. Em
1973 os dois países assinaram um acordo de cooperação
ideológica mútua. Em 1977, uma delegação conduzida por
Gierek assinou um acordo para fortalecer a cooperação
entre as duas partes. Gierek também participou dos
encontros na reunião da Criméia na década de 1970, onde
foram discutidas questões estratégicas.
Ainda na década de 1970, Kania foi promovido a
Ministro do Interior e membro do Politburo responsável pela
supervisão do exército e da polícia de segurança. Ele
também atuou como elo principal entre o governo e a parte
politicamente ativa da Igreja Católica. Depois do início da
“renovação”, Kania foi promovido a líder do partido. Dois
outros chefes de segurança também foram promovidos,
Moczar para membro do Politburo e Kowalczyk para vice-
primeiro ministro. Essas promoções traçam os indícios mais
evidentes do envolvimento de Kania e dos serviços de
segurança na preparação da “renovação” polonesa.

Preparativos finais para a “renovação”

Nos dois últimos anos antes da “renovação”, os líderes


poloneses e soviéticos tiveram um período de intensa
consultoria. Entre os itens mais significativos, além das
reuniões do Comecon e do Pacto de Varsóvia, estavam a
indicação de um novo embaixador soviético para a Polônia
em 1978 (Aristov, um oficial sênior do partido de
Leningrado); uma conferência dos oficiais do bloco em
Moscou (incluindo os poloneses) com pautas de gestão e de
organização de massas; a visita de Jaruzelski a Moscou em
1978; o encontro de Jaruzelski com o primeiro comandante
das forças do Pacto de Varsóvia em 1979; duas reuniões em
1978 e 1979 entre oficiais dos partidos soviético e polonês
responsáveis pela estratégia e coordenação do movimento
comunista, nas quais foram discutidas questões nacionais e
internacionais; visitas a Moscou realizadas por Cruchek,
presidente da organização sindical da Polônia, e de
Shidlyak, chefe da Associação de Amizade Polonesa-
Soviética, que discutiu o fortalecimento da cooperação
soviética-polonesa com seu correspondente soviético,
Shytikov. Esta última visita é particularmente interessante,
já que entre fevereiro e agosto de 1980 — logo antes da
“renovação” — Shidlyak era o chefe dos sindicatos
poloneses.
Em 1979 Gierek teve duas reuniões com Brezhnev e
reuniões separadas na Tchecoslováquia, Alemanha Oriental,
Alemanha Ocidental, e com os líderes do Partido Comunista
Francês. Na reunião com Brezhnev na Criméia em 1979, a
discussão teve foco em “novas condições favoráveis para
uma ação conjunta na Europa”. Em fevereiro de 1980 uma
publicação soviética referia-se ao fortalecimento das
relações fraternais entre os dois países — resultado dos
acordos realizados nessas reuniões.
Uma delegação do partido polonês realizou uma
conferência que reuniu 29 partidos na Hungria em
dezembro de 1979, onde se discutiram as relações entre os
comunistas e os social-democratas e perspectivas para a
segurança em todo o continente europeu. Suslov, o mais
jovem ideólogo e estrategista soviético, representou a
delegação soviética no congresso do partido polonês em
fevereiro de 1980. No congresso, Gierek atacou a OTAN e o
desenvolvimento de mísseis nucleares no Leste Europeu e
ofereceu-se como anfitrião para uma conferência sobre o
desarmamento do Leste Europeu em Varsóvia. Em maio de
1980, Brezhnev, Gromyko e outros oficiais soviéticos de alta
patente participaram de uma conferência com os líderes do
bloco em Varsóvia. Em seu discurso de abertura, Gierek,
disse que aquela conferência abriria novas perspectivas
para a paz e segurança na Europa e no mundo. Seu discurso
foi a única parte da conferência a ser publicada.
Nesse ínterim, foram realizadas uma série de conversas
e consultas entre os oficiais do partido polonês responsáveis
pela imprensa, TV e rádios e seu colegas soviéticos, o que
indica que as mídias soviética e polonesa preparavam-se
para um evento de grande importância.
Brezhnev conferiu títulos honorários a Gierek e
Jaruzelski em 1978. Gierek também deu honras a Rusakov,
chefe do departamento do PCUS responsável pelos assuntos
do bloco, em fevereiro de 1980. Esses prêmios podem ser
vistos como um reconhecimento pelas contribuições de
algumas figuras-chave na preparação da “renovação” da
Polônia. Também pode indicar que a futura saída de Gierek
já estava prevista nesse estágio. Sem dúvida, ele tinha boas
razões para dizer, logo após sua demissão, que “os
desenvolvimentos poloneses na década de 70 só poderiam
ser bem avaliados depois de um certo tempo”.
Todas essas evidências mencionadas acima nos levam a
concluir que um desenvolvimento de imensa importância na
Polônia, a “renovação”, havia sido planejado de cabo a rabo,
e com muita antecedência, pelo partido comunista polonês
em cooperação com seus aliados comunistas com o objetivo
de aprimorar a estratégia comunista na Europa. Evidências
do envolvimento do partido comunista polonês na formação
e viabilização do movimento Solidariedade dão ainda mais
suporte a essa conclusão.

O Partido Comunista Polonês no centro do


Solidariedade

Kania revelou pessoalmente que havia 1 milhão de


membros do partido comunista polonês no Solidariedade;
42 dos 200 membros do comitê central do partido em 1981
eram membros do Solidariedade. Bogdan Lis, vice de
Walesa, era membro do comitê central. Zofia Gryzb, outra
líder do Solidariedade, era integrante do Politburo.
Esses líderes não foram expulsos do partido por
participarem do Solidariedade. Pelo contrário, o
Solidariedade reconhecia o protagonismo do partido e o
partido reconhecia a existência do Solidariedade. Kania e
Moczar fizeram declarações que contribuem para essa
interpretação. O Solidariedade desfrutava de acesso aos
veículos de mídia controlados pelo estado. Walesa não tinha
nenhum obstáculo às suas extensivas viagens ao exterior;
de fato, o embaixador polonês no Japão, que desertou após
o decreto de lei marcial, ajudou a firmar contatos de Walesa
com os sindicatos japoneses.
Filtrando, como já fizemos antes, a desinformação, fica
claro que as mudanças na liderança do partido polonês —
de Gierek para Kania e deste para Jaruelski —, não
resultavam de lutas por poder entre facções da liderança,
mas de reflexões sobre diferentes estágios do processo de
“renovação”, no qual todos os líderes estavam igualmente
envolvidos.
As visitas de Kania e outros líderes poloneses a Moscou
e as visitas de Suslov e Gromyko à Polônia em abril e julho
de 1981 faziam parte do processo de alto nível de
coordenação, acompanhado do reajuste de um plano
estratégico acordado entre todos, e não sem evidências de
uma coerção soviética dos líderes poloneses.
Ao passo que a “renovação” continuava, manobras
soviéticas nos campos militar e naval estariam sendo
planejadas e acertadas nas vizinhanças entre os governos
da Polônia e da Alemanha Oriental como um aviso aos
cidadãos de que um sentimento anticomunista legítimo não
deveria passar dos limites.

Motivos para a criação do Solidariedade

Assim como na “primavera de Praga” de 1968, os


motivos para a “renovação” polonesa eram uma
combinação de fatores internos e externos. Internamente,
ela foi concebida para expandir a base política do partido
nos sindicatos e para converter a ditadura de uma elite do
partido em uma ditadura leninista da classe trabalhadora,
que revitalizaria o sistema econômico e político polonês. A
“renovação” seguiu as linhas do discurso de Lênin
promovido no congresso da Comitern em julho de 1921.
“Nossa única estratégia no momento”, disse Lênin, “é a de nos
tornarmos mais fortes, mais sábios, mais sensatos, mais oportunistas.
Quanto mais oportunistas forem, mais cedo conseguirão reunir
novamente as massas à sua volta. E quando tivermos conquistado as
massas com nossa conduta sensata, poderemos aplicar táticas
ofensivas no sentido mais estrito do termo”.

Antes da “renovação”, os sindicatos poloneses estavam


sofrendo os males do controle do partido. Se tentassem
aplicar os princípios leninistas, criando uma nova
organização sindical através do governo, não conseguiriam
qualquer apoio. A nova organização tinha de parecer criada
de baixo para cima. Sua independência tinha de
estabelecer-se por uma confrontação com o governo
cuidadosamente calculada e controlada. A origem do
movimento Solidariedade num estaleiro com o nome de
Lênin, os cantos da “Internacional”, o uso do antigo slogan
“trabalhadores do mundo, uni-vos”, e a constante presença
do retrato de Lênin, tudo isso é coerente com a direção
oculta da organização pelo partido. Sem essa direção e
auxílio, a disciplina do Solidariedade e seu histórico de
negociações bem-sucedidas com o governo polonês teria
sido impossível. A influência velada do partido na Igreja
Católica polonesa garantiu que esta atuasse como força de
moderação e harmonia entre o Solidariedade e o governo.
Externamente, os objetivos estratégicos por trás da
criação do Solidariedade assemelham-se aos da “primavera
de Praga”. Em resumo, seu objetivo era esconder dos
governos, líderes políticos e da opinião pública ocidental a
real natureza do comunismo contemporâneo na Polônia
seguindo o padrão de declínio-evolução da desinformação.
Mais especificamente, a intenção era usar o Solidariedade
para promover a ação conjunta dos sindicatos, dos social-
democratas, dos católicos e de outros grupos religiosos para
favorecer os objetivos da estratégia comunista nos países
desenvolvidos e também, em menor dimensão, no Terceiro
Mundo. O próprio nome Solidariedade simboliza essa
intenção, revelada nas visitas patrocinadas pelo estado de
Walesa aos sindicatos na França, Itália, Japão e à Santa Sé.
O esforço do Solidariedade para fortalecer seus laços
internacionais fazia parte de um esforço maior do
movimento internacional comunista para acelerar sua
estratégia. Em fevereiro de 1981 Brezhnev falou sobre as
novas e favoráveis condições para a unidade de ação no
movimento sindical internacional. A Federação Sindical
Mundial e as regionais da Europa, América Latina e da
Arábia começaram suas campanhas contra os monopólios e
a favor do desarmamento. Encontros realizados em Moscou
em outubro de 1980 e em Berlim em março de 1981
discutiram a solidariedade entre a classe trabalhadora e
novas formas de cooperação com sindicatos de orientações
políticas diferentes. Uma delegação sindical soviética fez
uma visita à Itália para conversas com três das maiores
federações sindicais italianas. A influência do Solidariedade
atingiu todo o movimento trabalhista, até mesmo nos
Estados Unidos, onde a esquerda mostrou interesse na
experiência do Solidariedade. A intenção comunista era, e
continuou a ser, explorar essa influência para fins
estratégicos.
A criação do Solidariedade e o período inicial de sua
atividade como sindicato pode ser considerada uma
primeira fase experimental da “renovação” polonesa. A
indicação de Jaruzelski, a imposição da lei marcial e a
suspensão do Solidariedade representam a segunda fase,
que tinha o objetivo de tomar firme controle do movimento
e criar um período de consolidação política. Da terceira fase,
poderíamos esperar a formação de um governo unificado,
reunindo representantes do partido comunista, de um
movimento Solidariedade renovado e da Igreja. Poderíamos
incluir também alguns membros aparentemente liberais.
Um governo desse novo estilo no Leste Europeu estaria
muito bem equipado para promover a estratégia comunista
numa campanha pelo desarmamento, por zonas livres de
atividade nuclear, talvez por uma retomada do Plano
Rapacki, pela dissolução simultânea da OTAN e do Pacto de
Varsóvia, e em primeiro lugar pelo estabelecimento de uma
Europa socialista e neutra. A retomada de outros elementos
da estratégia comunista para a Europa — o eurocomunismo
e as negociações da CSCE, por exemplo — seria orquestrada
no devido tempo para coincidir com o surgimento de um
novo governo desse tipo.
Poderíamos esperar por uma intensificação nas
campanhas de solidariedade entre os sindicatos do oeste e
do leste da Europa e também movimentos pela paz; Essas
preparações já estão, na realidade, em vigor. Em outubro de
1980, uma nova estrutura para a organização da juventude
de toda a Europa foi formada numa conferência que reuniu
500 organizações de jovens em Budapeste. Uma reunião do
Parlamento Mundial foi sediada em Sofia em setembro de
1980, na qual participaram autoridades da liderança
comunista. O Comitê Soviético e do Leste Europeu para a
Segurança Européia foi reativado. Uma reunião dos
parlamentares de estados comunistas foi realizada em
Moscou em março de 1981, na qual Shytikov teve grande
visibilidade.
Há uma série de sinais crescentes da preparação para
uma iniciativa comunista na Alemanha, a chave para o
progresso em direção a uma Europa neutra e socialista.
Entre elas, houve o encontro de Brezhnev com o líder da
Alemanha Oriental, Honecker, na Criméia em 1980, onde foi
realizada uma conferência européia para discutir
possibilidades para uma campanha de desarmamento.
Conversas similares ocorreram entre os comitês de paz da
União Soviética e da Alemanha Ocidental em fevereiro de
1980. Um especialista em Alemanha, Czyrek, foi indicado
para o cargo de ministro estrangeiro da Polônia. Outro
especialista em Alemanha, Kvitsinskiy, foi indicado no fim
de 1981 como chefe das negociações para a redução de
armas nucleares em Genebra.244 Winkelman, antigo chefe
do Departamento Internacional do Partido Comunista da
Alemanha Oriental, foi indicado para embaixador na União
Soviética em março de 1981. Falin, oficial sênior do PCUS e
antigo embaixador na Alemanha Ocidental, foi apontado
como vice-presidente da Associação URSS-Alemanha
Ocidental, e Zamyatin, um oficial do Comitê Central do
PCUS, foi apontado chefe da seção dos parlamentares
soviéticos em contato com a Alemanha Oriental.
Poderíamos esperar que um movimento Solidariedade
renovado estendesse sua influência à América Latina,
reunindo social-democratas, católicos e progressistas contra
as ditaduras militares. Eis aqui novamente os sinais de uma
preparação. Em 1981, houve uma reunião em Moscou dos
líderes sindicais soviéticos e latino-americanos e outras
reuniões preparatórias — também patrocinadas pela FSM —,
para um Congresso Mundial dos Sindicatos de Diferentes
Orientações, sediado em Cuba.

A “Renovação” polonesa e sua ameaça ao


ocidente

Um governo de coalizão na Polônia seria de fato uma


nova forma mais oculta e perigosa de totalitarismo. Aceito
como surgimento espontâneo de uma nova forma de regime
multipartidário e semi-democrático, ele serviria para minar
a resistência ao comunismo dentro e fora dos países do
bloco. A necessidade de gastos tão massivos para defesa
seria cada vez mais questionada no Ocidente. Surgiriam
novas possibilidades de separar a Alemanha Ocidental dos
Estados Unidos, de neutralizar a Alemanha e de destruir a
OTAN. Com a influência norte-americana na América Latina
também prejudicada, o palco estaria pronto para a
realização de verdadeiras mudanças revolucionárias no
mundo ocidental através de falsas mudanças no sistema
comunista.
Se a “liberalização” for alcançada na Polônia e em
outros lugares num prazo razoável, ela servirá para
revitalizar os regimes comunistas consolidados. As
atividades da falsa oposição irão confundir e prejudicar a
oposição legítima no mundo comunista. Externamente, o
papel dos dissidentes será o de persuadir o Ocidente de que
a “liberalização” é um movimento espontâneo e não
controlado. A “liberalização” criará condições para
estabelecer o movimento Solidariedade entre os sindicatos
e os intelectuais nos mundos comunista e não-comunista.
No devido tempo, tais alianças gerarão novas formas de
pressão contra o “militarismo”, “racismo” e contra os
“complexos militar-industriais” ocidentais, e serão
favoráveis ao desarmamento e ao tipo de mudanças
estruturais no Ocidente previstas nos escritos de Sakharov.
Se a “liberalização” for bem-sucedida e aceita pelo
Ocidente como legítima, poderá ser também seguida pela
aparente retirada de um ou mais países comunistas do
Pacto de Varsóvia para servir como modelo de estado
socialista “neutro”; um modelo a ser seguido por toda a
Europa. Alguns “dissidentes” já falam usando esses termos.
A Iugoslávia terá provavelmente um papel muito visível
nesse novo cenário. Podemos também esperar uma disputa
sino-soviética de fachada por influência na Europa, nas
linhas da “luta pela hegemonia”, que já é testemunhada no
Sudeste Asiático. Sua finalidade será ajudar na criação de
falsos alinhamentos entre poderes comunistas e não-
comunistas, romper a estrutura existente da OTAN e
substituí-la por um sistema europeu de segurança coletiva
— gerando a retirada definitiva da presença militar
americana na Europa Ocidental e o florescimento da
influência comunista em seu lugar.
É através de manobras flexíveis como essas que os
partidos comunistas no poder, em oposição à rigidez de
suas atuações no período stalinista, dotarão o movimento
comunista internacional com o tipo de apoio estratégico que
Togliatti tinha em mente.
As viagens recentes do presidente Hua à Iugoslávia e à
Romênia e o fortalecimento dos laços entre os partidos
comunistas italiano, francês e chinês são sinais de que algo
relevante acontecerá. De fato, usando a nova metodologia,
podemos detectar cada vez mais sinais de que início da fase
final da política de longo alcance é iminente. A “prisão” e
“exílio” de Sakharov, a ocupação do Afeganistão, os
desenvolvimentos na Polônia, o ataque do Iraque ao Irã no
outono de 1980 estão entre esses sinais.
Os dois últimos são de importância estratégica especial.
Os desenvolvimentos na Polônia parecem ser uma
movimentação de suma importância para a fase final da
estratégia comunista para a Europa. O ataque do Iraque ao
Irã parece ser um esforço conjunto de estados radicais
árabes — todos eles unidos à União Soviética numa relação
de frente contra o “imperialismo” —, para usar táticas
duplas (hostilidade do Iraque, assistência da Síria e da Líbia)
com o mesmo objetivo comum de forçar o Irã a criar uma
aliança anti-ocidental com eles. O objetivo da aliança seria
ganhar controle sobre uma área estratégica vital do Oriente
Médio. Seu sucesso poderia servir aos interesses
estratégicos do bloco comunista. Apesar das aparentes
expulsões de comunistas realizadas por Saddam Hussein no
Iraque e sua atitude moderada perante os Estados Unidos,
ele continua a receber suprimentos militares de fontes
comunistas, assim como seus oponentes iranianos.
Sem sombra de dúvida, os próximos cinco anos serão
um período de muitos esforços. Ele será marcado por uma
ofensiva comunista coordenada de grande magnitude com a
finalidade explorar o sucesso do programa de
desinformação estratégica dos últimos vinte anos e tomar
vantagem das crises e enganos que engendrara nas
políticas relativas ao bloco comunista. O objetivo principal
será realizar uma mudança irreversível e ostensiva na
balança do poder global em favor do bloco como ação
preliminar para o seu principal objetivo ideológico —
estabelecer uma federação mundial de estados comunistas.
Há uma série de opções estratégicas à disposição dos
estrategistas comunistas que podem ser usadas em várias
combinações para alcançar seus objetivos principais. Seria
impossível listar todas elas, mas seguem aqui cinco opções
possíveis, todas elas com grande capacidade de
interconexão.
• O alinhamento mais estreito entre uma Europa
socialista independente e o bloco soviético e um
alinhamento paralelo dos Estados Unidos com a
China. O Japão, a depender se continua como
conservador ou caminha em direção ao socialismo,
poderá unir-se a uma ou outra combinação.
• Um esforço conjunto do bloco soviético e de uma
Europa socialista para buscar aliados no Terceiro
Mundo contra os Estados Unidos e a China.
• No campo militar, um esforço intensivo para alcançar
o desarmamento nuclear dos EUA.
• Nos campos ideológico e político, convergência
Ocidente-Oriente nos termos comunistas.
• A criação de uma federação mundial de estados
comunistas.
A estratégia das tesouras fará sua parte em cada um
desses itens; provavelmente, como golpe final, as lâminas
da tesoura se fecharão. O elemento de dualidade aparente
entre as políticas soviéticas e chinesas desaparecerá. Sua
coordenação até agora oculta tornar-se-ia visível e
predominante. Os soviéticos e chineses seriam oficialmente
reconciliados. Então a estratégica das tesouras se
transformará logicamente na “estratégia de um só punho
fechado”, para fornecer a fundação e força motora de uma
federação comunista mundial.
A opção européia sugerida seria promovida por um
renascimento da “democratização” nos padrões
tchecoslovacos no Leste Europeu, incluindo provavelmente
a Tchecoslováquia e a União Soviética. A intensificação de
políticas e métodos linha-dura na União Soviética,
exemplificada pela prisão de Sakharov e a ocupação do
Afeganistão, pressagia uma mudança para a
“democratização” seguida, talvez, à saída de Brezhnev da
cena política.245 O sucessor de Brezhnev poderá ter um
aspecto de Dubcek soviético. A sucessão só terá
importância no nível público. A realidade da liderança
coletiva e do comprometimento comum dos líderes à
política de longo alcance continuarão intocados.
Provavelmente será feito um anúncio público para gerar a
impressão de que as fundações políticas e econômicas do
comunismo na União Soviética caíram e que uma
“democratização” é agora possível. Isso forneceria a
moldura para a introdução de um novo conjunto de
“reformas”.
O regime de Brezhnev, com suas ações neo-stalinísticas
contra os “dissidentes” e sua atuação no Afeganistão, seria
condenado, do mesmo modo que o regime de Novotny foi
condenado em 1968. No campo econômico, as reformas
tenderão a aproximar a prática soviética à prática iugoslava,
ou até mesmo, ao que parece, aos modelos socialistas
ocidentais. Alguns ministérios econômicos poderão ser
dissolvidos; o controle seria menos centralizado; empresas
individuais de autogestão seriam criadas em cima de
plantas e fábricas existentes; aumentariam os incentivos
materiais; o papel independente dos tecnocratas, dos
conselhos de trabalhadores e dos sindicatos seria
aprimorado; o controle do partido sobre a economia seria
aparentemente reduzido. Tais reformas teriam como base a
experiência soviética nas décadas de 1920 e 1960, e
também a experiência iugoslava. O partido seria menos
oculto, mas continuaria a controlar a economia pelos
bastidores, como fazia antes. O retrato de estagnação e
deficiência que agora é deliberadamente pintado deve ser
visto como uma parte da preparação para inovações de
fachada; tem o objetivo de gerar maior impacto no Ocidente
quando elas tiverem início.
A “liberalização” e a “democratização” seguiriam as
linhas gerais do ensaio tchecoslovaco de 1968. Esse ensaio
pode ter sido exatamente aquele tipo de experimento
político que Mironov tinha em mente no início dos anos de
1960. A “liberalização” teria de ser espetacular e
impressionante. Possivelmente, serão feitos
pronunciamentos formais sobre a redução da atuação do
partido comunista; seu monopólio seria aparentemente
podado. Teria início uma separação ostensiva dos poderes
legislativo, executivo e judiciário. O Supremo Soviete
receberia maior poder aparente, o presidente e os
deputados maior independência aparente. Os postos de
presidente da União Soviética e primeiro secretário do
partido poderão também ser separados. A KGB seria
“reformada”. Dissidentes seriam anistiados em seus países;
os que estivessem eLivross seriam autorizados a retornar, e
alguns tomariam posições de liderança no governo.
Sakharov poderá ser incluído em algum cargo do governo
ou autorizado a lecionar no exterior. As organizações de
artes, culturais e científicas, como a união dos escritores e a
Academia de Ciências, tornariam-se aparentemente mais
independentes, assim como os sindicatos. Clubes políticos
seriam abertos para não-membros do partido comunista.
Líderes dissidentes poderiam formar um ou mais partidos
políticos alternativos. A censura abrandaria-se; livros, peças,
filmes e obras de arte controversos seriam publicados,
encenados e exibidos. Muitos artistas proeminentes
atualmente fora da União Soviética retornariam e
retomariam suas carreiras. Emendas constitucionais seriam
adotadas para garantir o cumprimento das provisões dos
acordos de Helsinque, e manteria-se um semblante de
observância da lei. Os cidadãos soviéticos teriam maior
liberdade para viajar. Observadores do Ocidente e das
Nações Unidas seriam convidados pela União Soviética para
testemunhar as reformas em ação.
Mas, como no caso tchecoslovaco, a “liberalização”
seria calculada e esconderia de todos que fora introduzida
de cima para baixo. Seria executada pelo partido através de
suas células e membros no governo, no Supremo Soviete,
nas cortes, na máquina eleitoral e também pela KGB, por
meio de seus agentes entre os intelectuais e cientistas.
Seria o apogeu dos planos de Shelepin. Isso contribuiria
para a estabilização do regime doméstico e para o
cumprimento de seus objetivos no exterior.
A prisão de Sakharov em janeiro de 1980 levanta a
seguinte questão: por que a KGB, que foi tão bem sucedida
no passado protegendo segredos de estado e suprimindo a
oposição enquanto escondia os delitos do regime, é tão
ineficaz agora? Por que ela deu ao Ocidente particular
acesso a Sakharov e por que sua prisão e exílio interno
foram tão gratuitamente levadas a público? A resposta mais
provável é de que sua prisão e os abusos a outros
dissidentes têm o objetivo de dar mais credibilidade e
veracidade a uma futura anistia. Nesse caso, o movimento
dissidente está sendo preparado para o aspecto mais
importante de seu papel estratégico, que será o de
persuadir o Ocidente da autenticidade da “liberalização”
quando esta for realizada. Mais tarde, desertores de alto
escalão, ou “imigrantes oficiais”, poderão fazer suas
aparições no Ocidente antes de ocorrerem as mudanças de
políticas.
A previsão da observância soviética aos acordos de
Helsinque é baseada no fato de que foram os países do
Pacto de Varsóvia e o agente soviético Timo que deram
início e forçaram o processo da CSCE. Já que os soviéticos
assinaram os acordos da CSCE, pode-se esperar que eles, a
certa altura, pelo menos, ajam para observá-los. Sua
ostensiva insubordinação presente, percebida nas
conferências de acompanhamento em Belgrado e Madrid,
têm a finalidade de aumentar o efeito de sua mudança para
a aparente subordinação na fase final da política.
A “liberalização” no Leste Europeu envolveria
provavelmente o retorno de Dubcek e seus associados ao
poder na Tchecoslováquia. Se fosse estendida até a
Alemanha Oriental, poderíamos considerar até mesmo a
derrubada do Muro de Berlim.
A aceitação ocidental da nova “liberalização” como
legítima criaria condições favoráveis para o cumprimento da
estratégia comunista para os Estados Unidos, Europa
Ocidental e talvez até mesmo para o Japão. A “primavera de
Praga” foi aceita pelo Ocidente, e não só pela esquerda,
como uma evolução espontânea e genuína de um regime
comunista para uma forma de socialismo democrático e
humanista, apesar do fato de que basicamente o regime, a
estrutura do partido e seus objetivos continuaram os
mesmos. O impacto disso já foi descrito. Uma
“liberalização” de maior escala na União Soviética e em
outros países teria um efeito mais profundo ainda. O
eurocomunismo poderia ser retomado. Aumentaria a
pressão para a criação de frentes unidas entre partidos
comunistas e socialistas e sindicatos em nível nacional e
internacional. Desta vez os socialistas poderão finalmente
cair na armadilha. Governos de frente unida sob forte
influência comunista poderão chegar ao poder na França, na
Itália e possivelmente em outros países. As fortunas e
influência dos partidos comunistas ressurgiriam com força.
Todo o cerne da Europa poderá virar-se para um socialismo
de esquerda, deixando apenas alguns bolsões de resistência
conservadora.
Aumentaria a pressão para uma solução do problema
alemão. Alguma forma de confederação entre as Alemanhas
seria combinada com a neutralização de ambas e um
tratado de amizade com a União Soviética. A França e a
Itália, sob governos de frente unida, dariam seus braços à
Alemanha e à União Soviética. A Grã-Bretanha teria de
escolher entre uma aliança com uma Europa neutra ou com
os Estados Unidos.
Seria muito difícil para a OTAN sobreviver a esse
processo. Os tchecoslovacos, diferentemente de sua
performance em 1968, também poderão tomar a iniciativa,
junto aos romenos e iugoslavos, e propor (no contexto da
CSCE) a dissolução do Pacto de Varsóvia como moeda de
troca pela dissolução da OTAN. O desaparecimento do Pacto
de Varsóvia teria pouco efeito na coordenação do bloco
comunista, mas a dissolução da OTAN significaria a retirada
das forças americanas do continente europeu e um maior
alinhamento deste com o bloco soviético “liberalizado”.
Talvez, a longo prazo, um processo similar possa afetar a
relação entre os Estados Unidos e o Japão, resultando na
revogação do pacto de segurança entre os dois.
A CEE atualmente, e até mesmo expandida, não
representaria uma barreira para a neutralização da Europa e
para a retirada das tropas americanas. Poderia até mesmo
acelerar o processo. A aceitação da CEE pelos partidos
eurocomunistas nos anos de 1970, seguida a um período de
oposição nos anos de 1960, sugere que os estrategistas
comunistas compartilham desse ponto de vista. Os esforços
dos romenos e iugoslavos para criar relações mais fortes
com a CEE devem ser vistos não como um obstáculo aos
interesses soviéticos, mas como os primeiros passos para a
fundação de uma fusão da CEE à Comecon. O Parlamento
Europeu poderá tornar-se um parlamento socialista para
toda a Europa com representantes da União Soviética e do
Leste Europeu. A “Europa do Atlântico aos Urais” viraria
uma Europa neutra e socialista.
Os Estados Unidos, traídos por seus antigos aliados
europeus, tenderiam a retirar-se para a fortaleza América
ou, junto aos poucos países conservadores que restaram,
incluindo talvez o Japão, buscar uma aliança com a China
como única força de contrapeso ao poder soviético. Quanto
maior o medo de uma coalização soviético-socialista
européia, mais forte o argumento para “usar o coringa
chinês” sob a falsa noção de que a China é uma verdadeira
inimiga da União Soviética.
Uma “liberalização” no Leste Europeu na escala
sugerida acima teria provavelmente um impacto social e
político nos próprios Estados Unidos, especialmente se
coincidisse com uma depressão econômica severa. Os
estrategistas comunistas soviéticos estão em busca de uma
oportunidade como essa. Economistas soviéticos e de
outros países comunistas estão de olhos atentos na situação
econômica americana. Desde a adoção da política de longo
alcance, o Instituto de Economia Mundial e Relações
Internacionais, originalmente sob a direção de Arzumanyan
e agora sob Inozemtsev, tem analisado e feito previsões dos
sistemas econômicos não comunistas, especialmente do
americano, para o Comitê Central. Inozemtsev faz visitas
freqüentes aos Estados Unidos foi membro de uma
delegação soviética recebida pelo congresso americano em
janeiro de 1978. Desta vez, o bloco comunista não perderá
a oportunidade de explorar uma crise econômica como fez
em 1929-32. Naquele tempo, a União Soviética era fraca
política e economicamente; agora a situação seria diferente.
O bloco estaria mais equilibrado para explorar a crise
econômica como prova do fracasso do sistema capitalista.
Certas informações de fontes comunistas, de que o
bloco enfrenta uma escassez de petróleo e cereais, devem
ser tratadas com muita cautela, já que podem ter o objetivo
de esconder a preparação para a fase final da política e
fazer com que o Ocidente subestime a potência das armas
econômicas do bloco. Certamente, seria de grande interesse
para o bloco fazer reservas de petróleo e cereais que
pudessem ser usadas para fins políticos, dando suporte a
governos pró-comunistas recentemente estabelecidos na
Europa e em outros continentes que passassem por uma
crise. Vale a pena notar que a quantidade de petróleo
soviético exportado à Índia já está gerando dividendos
políticos para a União Soviética.

Relações sino-soviéticas

A “liberalização” na União Soviética poderia ser seguida


por um aprofundamento da separação sino-soviética. Isso
talvez inclua uma ruptura nas relações comerciais e
diplomáticas, um aumento de incidentes espetaculares nas
fronteiras e talvez incursões mais profundas nos territórios
das duas nações, nas linhas da “invasão” chinesa do Vietnã
em 1979 — uma invasão que poderia muito bem ter servido
como ensaio para a futura operação sino-soviética.
Esse aprofundamento da separação afiaria a estratégia
das tesouras. Encorajaria os Estados Unidos e outras nações
ainda conservadoras a alinhar-se ainda mais com a China
contra uma coalizão soviético-socialista européia. A
cooperação militar seria incluída nesse alinhamento e a
China poderá chegar até mesmo ao ponto de oferecer bases
em troca de ajuda para alavancar seu potencial militar. Os
acordos entre os Estados Unidos, Somália e Egito podem ser
sinais dessa conexão.
Uma ruptura nas relações diplomáticas entre a União
Soviética e a China poderia atrapalhar, mas não
interromperia o processo de coordenação política entre os
dois. Ambos passaram vinte anos construindo experiência e
confiança mútua para poder lidar com uma separação de
fachada. Canais exclusivos de relação sino-soviética —
política, diplomática e econômica — poderiam ter sido
usados para coordenar a atividade de desinformação
relacionada à separação. Sua interrupção seria
desvantajosa, mas ambos tiveram tempo para preparar
soluções alternativas para o problema de coordenação. A
ruptura nas relações diplomáticas entre a União Soviética e
a Albânia em 1960 não gerou uma ruptura nas relações
entre a Albânia e todos os outros países comunistas no
Leste europeu. Seguindo esse exemplo, podemos esperar
que pelo menos a Romênia e a Iugoslávia mantenham seus
representantes em Pequim se os soviéticos se retirarem ou
forem “expulsos”. A coordenação sino-soviética poderia
continuar, até uma certa medida, por meio de
intermediários romenos e iugoslavos. Outra possibilidade é
a de que existam veículos de comunicação diretos e
secretos entre a União Soviética e a China inacessíveis ao
Ocidente. Além disso, há a possível existência de um
escritório secreto do bloco administrado por representantes
de alto escalão dos principais estados comunistas, que
foram aludidos acima.

O terceiro mundo

Um alinhamento da União Soviética e dos países do


Leste Europeu com uma Alemanha Ocidental socialista
exerceria uma influência poderosa sobre os sindicatos e
partidos socialistas do terceiro mundo. Algumas das nações
ainda conservadoras do terceiro mundo seriam arrastadas
impetuosamente em direção a uma orientação socialista. A
resistência da Internacional Socialista ao comunismo seria
substituída por uma manobra conjunta de comunistas e
socialistas para obter influência no terceiro mundo apoiada
em auxílios econômicos. Isso teria conseqüências de longo
alcance, especialmente se o auxílio americano precisasse
ser podado por causa de uma crise econômica severa. As
reservas de petróleo e cereais soviéticas poderiam então
ser usadas por uma boa causa.
Arismendi, o principal estrategista comunista para a
América Latina, em seu artigo sobre a Nicarágua, previu
uma solidariedade internacional entre comunistas e
socialistas para apoiar a luta pela “libertação nacional” na
América Latina.246 Cuba, que poderá seguir o exemplo
soviético de “liberalização” (a imigração cubana de 1980
pode ser uma parte da preparação para tal manobra) teria
um papel ativo na luta pela libertação. Esses líderes do
movimento não-alinhado que possuíam relações próximas
com países comunistas tentariam envolver o resto do
movimento não-alinhado em ações conjuntas com
comunistas e social-democratas para promover os objetivos
comuns de alcançar o desarmamento dos Estados Unidos e
a redução de seu papel como poder global; de isolar Israel,
África do Sul e Chile; e de ajudar os movimentos de
libertação na América Latina, na África Setentrional e no
Oriente Médio, especialmente a OLP.247 Uma variedade de
fóruns — a ONU, a OUA, e a comissão de Brandt sobre o
problema Norte-Sul — seriam usados para exercer pressão
política e econômica, incluindo, se possível, a negação do
petróleo.
Em aparente competição com a União Soviética, a China
daria início à sua atividade no terceiro mundo. Os Estados
Unidos poderiam ficar tentados a encorajar o crescimento
da influência da China e seus associados, tais com o Egito, a
Somália e o Sudão, para formar uma barreira à expansão
soviética. O apoio americano abriria muitas portas para
falsas alianças entre a China e a Tailândia, e também com
países islâmicos como o Paquistão, Irã, Egito, Arábia Saudita
e outros países conservadores árabes. Também abriria
portas para a penetração chinesa na América Latina.
A ocupação soviética do Afeganistão foi usada pelos
chineses para melhorar sua posição no Paquistão. Podemos
esperar maior interferência chinesa e soviética, neste
mesmo padrão, nos assuntos de seus países vizinhos. A
“rivalidade” não impediu a vitória comunista no Vietnã; ela
não impediria sua penetração no terceiro mundo. Se o
terceiro mundo tivesse de ser dividido em campos pró-
soviético e pró-chinês, seria por conta dos interesses dos
Estados Unidos e das outras nações conservadoras
sobreviventes no Ocidente. O resultado final do suporte à
influência chinesa no terceiro mundo seria o surgimento de
mais regimes hostis ao Ocidente.

Desarmamento

Uma coalizão soviético-socialista, agindo em conjunto


com o movimento não-alinhado e as Nações Unidas, criaria
condições favoráveis para a estratégia de desarmamento
comunista. O complexo industrial-militar americano
receberia fogo pesado. A “liberalização” na União Soviética
e no Leste Europeu daria maior estímulo ao desarmamento.
Um orçamento de defesa tão grande como o americano não
seria mais justificável. O argumento para a acomodação
ficaria mais forte. Até mesmo a China poderia pesar em
favor de uma linha soviético-socialista de desarmamento e
controle de armas.

Convergência

Depois do sucesso da estratégia das tesouras nos


primeiros estágios da fase final de políticas do bloco — de
auxílio à estratégia comunista na Europa e no terceiro
mundo e de fomento ao desarmamento —, é possível que
haja uma reconciliação sino-soviética. Ela pode ser prevista
na política de longo alcance e na desinformação estratégica
da separação.
O bloco comunista, com seus acréscimos recentes na
África e no Sudeste Asiático, já é muito forte. A influência
soviética apoiada pela Europa e a influência chinesa
apoiada pelos Estados Unidos poderiam gerar novas
aquisições em ritmo acelerado no terceiro mundo. Em pouco
tempo, os estrategistas comunistas poderão chegar à
conclusão de que a balança já pesou irreversivelmente para
o seu lado. Quando isso acontecer, é possível que eles
decidam por uma “reconciliação” sino-soviética. A
estratégia das tesouras cederia lugar para a estratégia de
“um só punho fechado”. Neste ponto, a mudança na
balança política e militar poderá ser vista por todos. Não
existiria mais uma convergência entre partidos políticos
iguais, mais ela seria dada nos termos do bloco comunista.
O argumento para uma acomodação perante a força
esmagadora do comunismo seria virtualmente
incontestável. Cresceria a pressão para mudanças nos
sistemas político e econômico americano nas linhas do
tratado de Sakharov. Conservadores tradicionais ficariam
isolados e seriam impelidos ao extremismo. E poderão se
tornar as novas vítimas do macarthismo da esquerda. Os
dissidentes soviéticos, agora exaltados como heróis da
resistência ao comunismo soviético, terão um papel ativo na
argumentação pela convergência. Seus apoiadores atuais
terão de escolher entre abandonar seus ídolos ou
reconhecer a legitimidade do novo regime soviético.

A Federação Comunista Mundial


A integração do bloco comunista seguiria as linhas
previstas por Lênin na fundação da Terceira Internacional
Comunista. Ou seja, de que a União Soviética e a China não
absorveriam uma à outra ou outros estados comunistas.
Todos os países das zonas comunistas européias e asiáticas,
junto com novos estados comunistas na Europa e no
terceiro mundo, integrariam uma federação política e
econômica comunista supranacional. As disputas e
diferenças entre a União Soviética e a Albânia, a Iugoslávia
e a Romênia seriam resolvidas na véspera — ou quanto
antes for possível — de uma reconciliação sino-soviética. A
cooperação política, econômica, militar, diplomática e
ideológica entre todos os estados comunistas, atualmente
semi-oculta, tornaria-se claramente visível. Poderá até
mesmo haver um reconhecimento público de que as
separações e disputas consistiam em operações de
desinformação de longo prazo para o sucesso na luta contra
os poderes “imperialistas”. Podemos imaginar o efeito disso
na auto-estima ocidental.
Nessa nova federação comunista global, as diferentes
modalidades de comunismo atuais desaparecerão e serão
substituídas por uma modalidade rigorosa e uniforme de
leninismo. O processo será doloroso. As concessões feitas
em nome da reforma política e econômica serão retiradas.
Dissidentes religiosos e intelectuais serão suprimidos. O
nacionalismo e todas as outras formas de verdadeira
oposição serão suprimidas. Aqueles que aproveitaram o
período de paz para estabelecer amizades no ocidente
serão censurados e perseguidos como aqueles oficiais
soviéticos que trabalharam com os aliados durante a
Segunda Guerra Mundial. Em novos estados comunistas —
por exemplo, na França, na Itália e no terceiro mundo — as
“classes alienadas” seriam reeducadas. Julgamentos
públicos de “agentes imperialistas” seriam realizados.
Ações contra líderes democráticos, militantes políticos, ex-
servidores públicos, oficiais e sacerdotes seriam realizadas.
Os últimos vestígios de iniciativa e propriedade privada
seriam extintos. A nacionalização da indústria, do mercado
financeiro e da agricultura seria concluída. Todos os
aspectos totalitários familiares aos primeiros estágios da
revolução soviética e do período stalinista pós-guerra no
Leste Europeu possivelmente ressurgiriam, especialmente
nos países recentemente conquistados pelo comunismo.
Obstinado e invencível, um verdadeiro monolito comunista
dominaria o mundo.

Comentários à indicação de Andropov e outros


desenvolvimentos posteriores à morte de
Brezhnev

Essas previsões e análises foram feitas durante o


mandato de Brezhnev, antecipando sua saída. A sucessão
de Brezhnev e outros desenvolvimentos confirmam, em
teoria, a validade da visão deste autor. Por exemplo, a data
de expedição do apontamento de Andropov com sucessor
de Brezhnev confirmou uma das principais teses deste livro;
a de que o problema da sucessão na liderança soviética
havia sido resolvido. A consideração prática das estratégias
de longo prazo tornou-se o principal fator estabilizante
dessa solução. A promoção do antigo chefe da KGB, que era
responsável pela preparação da estratégia de falsa
liberalização na URSS, indica que esse fator foi decisivo para
sua escolha e também aponta para o advento iminente de
tal “liberalização” num futuro próximo.
A subida de Andropov ao poder encaixa-se num padrão
já conhecido, no qual o antigo chefe de segurança vira líder
do partido para assegurar a importante mudança na
realização da estratégia. Kadar, que introduziu a dita
“liberalização” na Hungria; Hua Guofeng, sob quem a China
mudou para o “capitalismo pragmático”; e Kania, que
iniciou a “renovação” polonesa e reconheceu a legitimidade
do movimento Solidariedade — todos eram antigos chefes
de segurança. Esse padrão reflete o papel crucial dos
serviços de segurança na “liberalização” dos regimes
comunistas. O apontamento de Andropov também indica
que Shelepin teria sido o sucessor de Brezhnev, por ter
iniciado os preparativos da “liberalização” na URSS, não
fosse Stashinskiy, que expôs a participação de Shelepin no
assassinato do líder de imigrantes Bandera, e mais tarde
este autor, que expôs o papel de Shelepin na reorientação
estratégica da KGB.
Outro fator importante na seleção de Andropov foi seu
papel de liderança na preparação para as “liberalizações”
tchecoslovaca (1967-68) e húngara — realizada enquanto
presidia o departamento do Comitê Central responsável
pelas relações com países comunistas (em meados de
1967). Sendo assim, a soltura do líder do Solidariedade e as
publicações do apontamento de Andropov confirmam outro
ponto no livro: o de que a “liberalização” não se limitará
apenas à URSS, mas será expandida para o Leste Europeu e
especialmente para a Polônia. O experimento de
“renovação” na Polônia será repetido novamente. Desta vez,
entretanto, será com iniciativas e implicações voltadas
completamente contra a OTAN e a Europa Ocidental. O
apontamento de Andropov, a soltura do líder do
Solidariedade e o convite do Papa para ir à Polônia em junho
de 1983 feito pelo governo polonês, tudo isso indica que os
estrategistas comunistas estão provavelmente planejando o
ressurgimento do movimento Solidariedade, a criação de
um governo quase social-democrático na Polônia (uma
coalizão do partido comunista, dos sindicatos e das igrejas)
e reformas políticas e econômicas na URSS de 1984 em
diante.
A próxima ofensiva dos estrategistas comunistas
buscará os seguintes objetivos:
• O estabelecimento de um governo modelo para a
Europa Ocidental, que facilitará a inclusão dos ditos
partidos eurocomunistas em coalizões com governos
socialistas e sindicatos.
• A dissolução da OTAN e do Pacto de Varsóvia, a
neutralização da Europa Ocidental e a finlandização
da Europa Ocidental em geral por meio do veículo de
segurança coletivo europeu.
• A criação de uma base maior e de maior ímpeto para
a expansão do movimento anti-militar através de um
envolvimento mais ativo dos católicos e outros fiéis no
Ocidente, pressionando os Estados Unidos a realizar
um desarmamento desvantajoso.
• Influenciar a eleição presidencial americana em favor
dos candidatos mais inclinados a dialogar com os
líderes dos regimes “liberalizados” na URSS e no Leste
Europeu e sacrificar a postura militarizada americana.
A dialética desta ofensiva consiste numa mudança
calculada da antiga e descreditada prática soviética para
um modelo novo e “liberalizado”, com uma fachada social-
democrática, para realizar os planos dos estrategistas
comunistas e estabelecer uma Europa Unida. No início do
processo, eles introduziram uma variação da
“democratização” tchecoslovaca. Nas fases posteriores, eles
mudarão para uma variação do golpe tchecoslovaco de
1948.
Os desenvolvimentos confirmaram com precisão a
previsão de que os estrategistas comunistas
empreenderiam uma iniciativa política de desarmamento,
particularmente na Alemanha Ocidental. A viagem de
Gromyko à Bonn, o convite de Moscou aos líderes social-
democratas da oposição e as declarações de Andropov
relativas a concessões de mísseis (publicadas para
influenciar as eleições na Alemanha Ocidental) são todas
indicações claras de tal iniciativa política. Como esperado, a
iniciativa comunista revelou que os partidos socialistas
eram seu principal alvo. Também mostrou que existem
elementos em sua liderança vulneráveis a tal iniciativa,
especialmente os membros do partido social-democrata da
Alemanha Ocidental com visões anti-OTAN e anti-EUA, ou
que figuras como Brandt e também Palme, social-democrata
da Suécia, estão prontos para acatar a idéia de Rapacki de
uma zona livre de armas nucleares na Europa central. A
iniciativa também fez aumentar a pressão nos EUA para
concessões à URSS. Na opinião do autor, entretanto, a
iniciativa comunista ainda não atingiu seu auge. Como
responderão os social-democratas da Alemanha Ocidental
quando os regimes comunistas iniciarem sua
“liberalização”, fazendo concessões a direitos humanos —
facilitando a imigração, anistiando os dissidentes, ou
derrubando o Muro de Berlim? Podemos esperar que os
agentes de influência soviéticos na Alemanha Ocidental,
aproveitando-se desses desenvolvimentos, se tornarão
ativos. É mais do que provável que essas ações de
maquiagem serão tomadas como legítimas pelo Ocidente e
provocarão uma reunificação e neutralização da Alemanha
Ocidental e o futuro colapso da OTAN. A pressão movida aos
Estados Unidos para concessões desarmamentistas e para
uma acomodação com os soviéticos aumentará. Durante
esse período, é possível que haja uma grande encenação da
luta ficcional por poder na liderança soviética. Não se pode
deixar de lado o fato de que no congresso do partido, ou até
mesmo antes, Andropov será substituído por um líder mais
novo, com uma imagem mais liberal, que continuará a
“liberalização” com mais intensidade.
Desenvolvimentos sino-soviéticos

Também se faz necessário comentar os


desenvolvimentos e ações nas relações sino-soviéticas. A
presença de uma delegação de alto escalão chinesa no
funeral do presidente Brezhnev, liderada pelo Ministro das
Relações Exteriores Huang Hua; as conversas de Huang Hua
com Gromyko; a declaração incomum de Huang Hua,
descrevendo Brezhnev como “um excelente estadista da
União Soviética” — tudo isso é significativo. Especialmente
significativa e contraditória é a referência à “perda de
Brezhnev, um grande estadista”. Essa caracterização ignora
o fato de que as piores hostilidades promovidas contra a
China — se aceitarmos o ponto de vista convencional —
aconteceram sob o governo de Brezhnev. Tal avaliação dos
feitos de Brezhnev parecerá precisa e adequada, entretanto,
se compreendermos as hostilidades sino-soviéticas como
desinformação estratégica. De acordo com a análise
desenvolvida neste livro, esses acontecimentos acrescem e
fortalecem a validade do argumento do autor, de que a
separação sino-soviética foi uma máscara de desinformação
colocada sobre a coordenação secreta para a realização de
suas estratégias comuns. Por causa desta cooperação sino-
soviética secreta, ainda de acordo com esta análise, o
objetivo primeiro da ocupação soviética do Afeganistão,
além de realizar sua sovietização, não era o de cercar a
China, mas forçar os Estados Unidos e o Paquistão a uma
cooperação política e militar maior com a China. Não é
inconcebível que os soviéticos fizessem concessões no
Afeganistão para ganhar novas vantagens estratégicas.
As propostas de Andropov para melhorar as relações
com a China não pretendem minar a relação da China com
os Estados Unidos, mas estimular uma retomada do
interesse americano em criar laços mais profundos com a
China, que atualmente estão, ou parecem estar,
enfraquecidos depois da saída de proponentes tão vigorosos
de uma cooperação militar EUA-China, como Brzezinski e
outros. Seu principal objetivo é facilitar a aquisição de
tecnologia militar e armamento dos EUA para a China. A
ocupação soviética do Afeganistão também pode ter sido
projetada para criar condições mais favoráveis para a
penetração da China em países muçulmanos, levando em
conta o sucesso chinês no Paquistão. A viagem recente do
primeiro-ministro chinês à África, que incluiu visitas ao
Egito, Argélia e Marrocos, confirma outro ponto no livro
sobre a divisão de trabalho entre a União Soviética e a
China. Parece que a influência sobre países muçulmanos foi
dada à China pelos estrategistas soviéticos. Quanto ao
papel da China na realização da estratégia comunista na
Europa, a rivalidade sino-soviética poderá ser explorada
através de intervenções chinesas nas políticas europeias,
sob o pretexto de resistência à “hegemonia soviética”.
Neste caso, os estrategistas chineses poderão tentar
conseguir algum tipo de arranjo nas linhas de Rapallo com
alguns governos conservadores na Europa Ocidental.

A tentativa de assassinato ao Papa

Também é preciso comentar sobre a tentativa de


assassinato ao Papa. O autor não é nada ingênuo no tocante
à atitude, envolvimento e prática de terrorismo político da
KGB. Anteriormente neste livro, ele expressou a opinião de
que o serviço soviético e outros serviços comunistas
estavam por trás do terrorismo político da Brigada Vermelha
na Itália e do terrorismo na Alemanha Ocidental. A questão
aqui, entretanto, não é se os soviéticos controlam os
serviços búlgaros do mesmo modo que controlam outros
serviços comunistas, ou se os soviéticos e búlgaros estão
envolvidos em atividades terroristas na Europa Ocidental,
mas se a KGB e os serviços búlgaros estão envolvidos nessa
tentativa de assassinato em particular. Para avaliar a
tentativa de assassinato ao Papa, não basta apenas
mencionar o controle soviético sobre o serviço búlgaro.
Deve-se primeiro examinar a lógica soviética para
assassinatos políticos, e então fazer a pergunta básica: os
estrategistas soviéticos possuem interesse político e real
necessidade de se envolver em tal questão? O autor não
compartilha da idéia de que a KGB e o serviço búlgaro
estejam envolvidos na tentativa de assassinato contra o
papa promovida por Agca, um assassino turco. Essa
conclusão baseia-se nos seguintes motivos:
1. Esta tentativa de assassinato não se enquadra na
base lógica dos assassinatos praticados pela KGB.
Segundo o entendimento do autor, o governo
soviético e a KGB só recorreriam ao assassinato
político de um líder ocidental sob as seguintes
condições.
A.Se um líder ocidental, que é um agente soviético
recrutado, é ameaçado em exercício de seu
mandato por um inimigo político. Isso tem base
numa declaração de Zenikhob, um ex-residente da
KGB na Finlândia. Ele declarou que se esse agente,
exercendo um cargo político de importância, fosse
ameaçado por um social-democrata anti-comunista
durante as eleições, este seria envenenado por um
agente de confiança da KGB.
B.Se um líder ocidental se tornasse um sério
obstáculo à estratégia comunista e à desinformação
estratégica, ele seria silenciosamente envenenado
durante negociações numa reunião de cúpula ou
enquanto visitasse um país comunista, já que
momentos de trégua fornecem oportunidades em
abundância. A lição prática que tiramos disso é que
um líder ocidental que esteja envolvido na
realização de uma contra-estratégia efetiva contra
os comunistas não deve visitar países comunistas
ou participar de nenhuma reunião de cúpula com
seus líderes. O método de envenenamento foi
descrito numa declaração de um general da KGB,
Zheleznyakov, feita em uma reunião operacional
dedicada à proposta de assassinato contra Tito em
1953 em Moscou. Zheleznyakov declarou que o
principal requerimento para o sucesso é o mero
contato físico com o alvo, já que o serviço soviético
possui meios técnicos (venenos especiais) para
infligir doenças mortais sem deixar traços do
veneno, para que a morte seja atribuída a causas
naturais.
C.Se o assassinato de um líder dá oportunidade para
um agente soviético controlado tomar a posição em
questão. De acordo com Levinov, um conselheiro da
KGB na Tchecoslováquia, essa base lógica foi
utilizada pelos serviços soviético e tchecoslovaco no
assassinato do presidente Benes, que deixou a vaga
livre para um líder comunista, Gottwald.
D.Se um líder comunista decidir eliminar seu rival
também comunista. É fato conhecido que, com base
nessa lógica, Stalin livrou-se de muitos dos seus
rivais, incluindo Trotski no México. Segundo o autor,
essa base lógica não é mais usada por causa da
trégua na luta por poder entre a liderança do
partido soviético.
2. Com vista nos argumentos e considerações sobre os
desenvolvimentos poloneses feitos neste livro,
particularmente os relativos ao movimento
Solidariedade como um produto do “socialismo
maduro”, fica claro que não há motivo para tal
assassinato (do Papa) pela KGB e seus outros
parceiros comunistas.
3. O autor considera equivocada a noção de que a KGB é
um serviço primitivo e ineficiente que recorreria ao
serviço búlgaro para recrutar um matador de aluguel,
especialmente um homem culpado pelo assassinato
de um editor progressista na Turquia, que acabara de
escapar da prisão e que de alguma forma conseguiu
fazer uma estranha visita à Bulgária. Segundo o
entendimento do autor, a KGB é sempre muito
cautelosa ao usar fugitivos, suspeitando da
possibilidade de serem agentes provocadores da
polícia. A KGB não levaria em consideração tal
candidato, desconhecido a eles e sobre quem não
possuíam nenhum controle, para uma operação de
tanta importância e delicadeza.
4. Se os estrategistas soviéticos tinham motivos para
tais assassinatos, eles não tentariam agir por meio do
serviço búlgaro. É de conhecimento de todos que o
Papa mantém um vasto número de funcionários,
secretários e cozinheiros, quase todos poloneses. Ele
sempre recebe visitantes da Polônia. O serviço de
segurança polonês, através de seu departamento
anti-religioso, estudaria os parentes dos funcionários
do Papa e os usaria como reféns na preparação de
uma operação como essa. Seria uma operação
silenciosa e secreta.
5. O autor também possui a opinião de que os serviços
italianos, seriamente enfraquecidos pelas
investigações e escândalos recentes, são muito
inexperientes para avaliar a complexidade estratégica
e as implicações de uma operação como essa. Esse
assunto só pode ser avaliado e compreendido nos
termos das estratégias comunistas (liberalização
comunista, desarmamento do Ocidente e suas
implicações).
6. O autor está mais inclinado a concordar com as
interpretações dos serviços de Israel e da Alemanha
Ocidental, manifestadas num artigo do New York
Times publicado em 17 de dezembro de 1982, escrito
por Henry Kamm, no qual ele declara que implicar
uma participação da KGB no caso do assassinato é um
ato de completa desinformação. O autor, entretanto,
não concorda com o artigo no tocante à finalidade
dessa desinformação. Em sua opinião, o objetivo não
era enfraquecer ou descreditar Andropov, mas
confundir as implicações estratégicas.
7. Existe também uma enorme contradição nas ações
dos governos polonês e soviético relativas a esse
assunto. Se o governo soviético considerasse o Papa
um anticomunista envolvido em atividades
subversivas contra a Polônia e outros países
comunistas, como implicado numa declaração da
TASS, é ilógico que o governo comunista convidasse o
Papa a visitar a Polônia em junho de 1983, já que
esses assuntos são coordenados com os soviéticos.

Talvez seja necessário adicionar outro comentário


relevante aqui. Em vista das ardentes declarações públicas
de alguns ministros socialistas italianos relativas à sua
aquiescência do envolvimento comunista nesse caso, uma
posição como essa aumenta sua vulnerabilidade a uma
resposta errônea no caso de futuros desenvolvimentos na
Polônia. Apesar de seu genuíno anticomunismo, eles seriam
pressionados a aceitar a “liberalização” polonesa como
atividade livre e espontânea.

4 New York Times, 1º de dezembro de 1981.


5 As observações seguintes foram feitas antes da morte de Brezhnev. Elas são
seguidas por comentários sobre os desenvolvimentos posteriores a esse evento,
começando na página 347 — NE.
6 Questions of History, nº 2 (1980).
7 A participação de socialistas em movimentos de “libertação nacional” já pode
ser testemunhada, por exemplo, no que diz respeito a El Salvador e à reunião
entre Arafat, da OLP, e o líder socialista austríaco Kreisky, em 1979.
Capítulo 26
PARA ONDE AGORA?

ESTE LIVRO TEM BUSCADO apresentar uma avaliação objetiva da


atual política de longo alcance comunista e da ameaça que
ela representa ao Ocidente. Esta avaliação tem se baseado
em parte em informações secretas disponíveis apenas a um
homem que esteve lá dentro; em parte, no conhecimento
de como pensa e age um estrategista comunista; em parte,
no conhecimento dos reajustes políticos, do uso da
desinformação estratégica, do alcance da penetração e
influência da KGB nos governos ocidentais; e em parte em
pesquisas e análises, utilizando a nova metodologia, dos
arquivos abertos dos desenvolvimentos soviéticos e
comunistas dos últimos vinte anos. Não há dúvidas, na
mente do autor, de que essa ameaça é mais séria, seu
alcance mais vasto e sua precipitação mais iminente do que
todos os especialistas e políticos no Ocidente o levaram a
crer.
Isso não ocorreu por que eles decidiram dar pouca
importância à ameaça. É conseqüência de uma verdadeira
e, em certa medida, desculpável falta de conhecimento.
Eles simplesmente aceitaram sem ressalvas aquilo que os
comunistas lhes mostraram e disseram. Eles aceitaram a
existência da desinformação tática comunista na forma de
ações políticas encobertas e falsificações de documentos de
governos ocidentais, mas não enxergaram o problema da
desinformação estratégica na forma de diferenças,
separações e movimentos de independência forjados no
bloco comunista. As formas táticas de desinformação têm a
finalidade de desviar a atenção do início da ofensiva na fase
final da política comunista. A desinformação estratégica é a
raiz da atual crise nas políticas exteriores ocidentais. Mesmo
aqueles que reconhecem os perigos da desinformação não
podem conceber que ela pode ser praticada em tão grande
escala e com uma sutileza tão inofensiva. Eles esquecem —
ou talvez nunca tenham percebido completamente — que
seus predecessores foram similarmente enganados nos
anos de 1920, e não levam em conta que a penetração
comunista nos governos e serviços de inteligência
ocidentais fornecem ao bloco um serviço de monitoramento
e previsão das reações ocidentais à desinformação.
Não é fácil, vivendo numa democracia, aceitar que o
comprometimento total e obsessivo à revolução mundial
poderia sobreviver por sessenta anos e depois ser
ressuscitado com tamanho zelo. O Ocidente, baseando-se
em suas próprias referências, espera que apareçam
separações e rachaduras no bloco comunista. Qualquer
suspeita de desavença entre estados ou partidos
comunistas é avidamente apreendida, enquanto as
evidências de cooperação são ignoradas ou mal
interpretadas. Aberturas diplomáticas baseadas no que o
Ocidente enxerga como interesses em comum são buscadas
a todo custo; a paz e o desarmamento são discutidos com
toda a seriedade possível.
O Ocidente reconhece a ameaça militar comunista, mas
interpreta mal a ameaça política. Com a melhor das
intenções, a política dos Estados Unidos tem trabalhado
duro para alcançar a liberalização na URSS e no Leste
Europeu por meio de sua política de direitos humanos e
encorajamento do movimento dissidente interno; mas não
percebeu que o movimento dissidente foi moldado e
controlado pelo aparato do partido e pela KGB, e que a farsa
da “liberalização” poderá ser o próximo grande passo do
programa de desinformação.
A busca americana por uma política exterior realista foi
ainda mais prejudicada pela desmoralização de seus
serviços de inteligência e contra-inteligência que decorreu
dos escândalos de Watergate, com uma exagerada
campanha para restringir as funções da CIA e do FBI. A
capacidade de ação política da CIA foi reduzida, e dois mil
oficiais experientes foram aposentados. Os serviços de
contra-inteligência, cuja tarefa deveria ser analisar as
táticas e políticas comunistas, prever intenções comunistas
e assim ajudar a proteger a nação e seus serviços de
inteligência da penetração, subversão, desinformação e dos
agentes de influência comunistas, também sofreram danos.
E agora que estamos já na última hora, o que pode ser
feito? Com toda a modéstia, o autor sente que este livro não
estaria completo sem que ele traçasse uma direção para
qual acredita que o Ocidente deva caminhar. Em nome da
brevidade, as dificuldades de realização foram varridas para
o lado. Os alvos serão mencionados de modo cru e
inflexível.
Por mais que estejamos quase sem tempo, a balança de
forças entre o Ocidente e o Oriente ainda não pesou
irrevogavelmente para o lado comunista. Ainda é possível
para o Ocidente recuperar a iniciativa e frustrar a estratégia
comunista de isolar a Europa Ocidental, o Japão e o terceiro
mundo dos Estados Unidos, mas será um caminho árido a
se percorrer. A liderança inicial deve ser positiva, e deve vir
dos Estados Unidos.

Reavaliação

A conseqüência lógica do argumento deste livro, e da


nova metodologia que ele introduz, é a de que um grupo de
especialistas americanos reconhecidos deve reexaminar e
reavaliar a política, as táticas e a estratégia comunista dos
últimos vinte anos. Eles devem ser recrutados dos serviços
de inteligência, contra-inteligência, militares, diplomáticos e
do mundo acadêmico. Devem receber suporte dos chefes
dos serviços ou instituições, que os fornecerão instalações
para pesquisa e total acesso a todos os registros e
informações relativos ao estado comunista e aos assuntos
do partido desde os anos 50. Seu relatório deverá definir a
estratégia de longo alcance comunista, predizer seu curso
de ação, estimar o tempo de cada movimento, avaliar a
força política do bloco comunista e do potencial subversivo
do movimento, expor a desinformação comunista e estimar
a extensão e o impacto da sua penetração e de seus
agentes de influência nos Estados Unidos e em outros
governos.
Depois de pôr nos trilhos o exercício de busca dos fatos
e limpeza mental, os Estados Unidos deverão procurar
exortar as nações para um renascimento da unidade aliada
nessa nova base. Visto que a provocação da divisão e
fricção entre nações da aliança ocidental é um dos
principais objetivos da estratégia de longo alcance
comunista, é fundamental que todos os governos ocidentais
e suas equipes tenham um claro entendimento dessa
estratégia e da desinformação que lhe auxilia para que as
próximas medidas reparadoras se tornem efetivas. É por
isso que a reavaliação da ameaça é a primeira coisa a ser
feita. Idealmente, todos os principais países ocidentais
deveriam, como os Estados Unidos, montar sua própria
comissão para investigar as políticas, táticas e estratégias
comunistas a partir de seus próprios registros dos serviços
de inteligência, contra-inteligência, militares e diplomáticos
dos últimos vinte anos.
Para contra-atacar a estratégia comunista e retomar a
vantagem para o lado ocidental, é preciso uma nova
estratégia baseada num verdadeiro entendimento da
situação, das políticas e da desinformação estratégica do
bloco comunista. Sem uma visão clara da natureza
enganosa da rivalidade sino-soviética, da “liberalização” e
das separações no mundo comunista, os governos
ocidentais, independente de qual seja o seu status político,
não conseguirão recuperar-se da crise em sua política
externa e correm o risco de escorregar em falsas alianças
com países comunistas contra outros países comunistas. Se
possível, deve-se impor um adiamento a qualquer forma de
reaproximação com qualquer braço do bloco comunista
enquanto a reavaliação ainda estiver em curso. Sua
publicação poderia então ser seguida de um documento de
defesa dos países aliados, que delimitasse com muita calma
e clareza a avaliação unânime do ocidente das atuais
políticas do bloco comunista e dos meios que estão sendo
utilizados para implementá-la. As discussões públicas
dessas descobertas seriam encorajadas por conferências
dos governos ocidentais, de agrupamentos políticos,
semelhantes à Internacional Socialista, e dos líderes das
nações moderadas e pró-ocidente do terceiro mundo; em
paralelo, os serviços de inteligência e contra-inteligência
trocariam informações.
O efeito de uma exposição de tão grande escala não
deverá ser subestimado. Os líderes e estrategistas
comunistas do bloco perceberiam, se as avaliações
ocidentais estivessem corretas, que as próximas ofensivas e
manobras estratégicas de seu plano falsário tinham sido
antecipadas. A vantagem teria saído de suas mãos. Suas
complicadas operações políticas, diplomáticas e de
desinformação que ainda estavam no forno confirmariam,
se fossem continuadas, a veracidade da avaliação ocidental.
A grande maioria da população dos países do bloco
comunista, descobrindo pela primeira vez a fraude sobre a
qual seu país baseava suas políticas, perceberia —
quaisquer que fossem seus sentimentos sobre o valor moral
disso — que elas não funcionariam no futuro e que seus
líderes tinham falhado. Enquanto um regime comunista
continuar bem-sucedido, as pessoas poderão ser
convencidas a se conformar com a situação. Uma vez que
este fracassar — ou ao menos não conseguir mais obter
sucesso — por certo, como foi visto na Hungria e na Polônia
em 1956, mudanças reais e radicais poderão ocorrer. A
exposição de uma política corrupta iria desencadear
pressões políticas poderosas sobre os líderes comunistas e
sobre seus regimes, partidos e governos, talvez forçando-os
a mudar sua conduta nas relações internacionais.
Os fracos de coração no ocidente dirão que proclamar
publicamente que a ameaça comunista foi completamente
descoberta em todos os seus aspectos e que uma resposta
realista a isso já está em curso levará os líderes comunistas
a uma atitude descaradamente rígida e até mesmo a uma
guerra. Mas esse argumento é realmente válido? Se a
ameaça foi corretamente avaliada e adequadamente
explicada, ficará claro para a opinião pública que, embora a
desinformação tivesse ocultado a política comunista, suas
linhas não poderiam ser muito mais violentas. De fato, se a
exposição ocidental gerasse o ressurgimento do monolito
comunista — a China e a URSS “reconciliadas”, a Romênia e
a Iugoslávia abertamente de volta ao grupo — isso não seria
nenhum motivo de alerta. Para o Ocidente, seria o mais
vantajoso de todos os resultados, porque significaria que o
bloco comunista teve de bater em retirada; e que todos os
erros de cálculo ocidentais, que o bloco trabalhou tanto para
criar, seriam deixados de lado, inexplorados, enquanto a
força inata do ocidente permaneceria intacta. Além do mais,
teria um efeito salutar nos povos das nações ocidentais. Um
bloco comunista, com toda a sua força, todas as ilusões,
separações e desavenças removidas, os inspiraria a dar as
mãos e enfrentar a dura realidade. Provaria que seus
governos tinham feito uma avaliação correta. Daria a eles
tempo para respirar e corrigir os erros do passado.
Forneceria solidariedade à aliança e valentia a todo o
mundo não-comunista, para que eles pudessem dizer aos
líderes comunistas: “Nós vimos o que está por trás de sua
desinformação e de seu faz-de-conta; nós podemos decifrar
sua fala ambígua; e agora podemos dar um basta nisso”.
Os cínicos do Ocidente dirão que é ilusório pensar que,
tão em cima da hora, a ameaça comunista pode ser
impedida por exortações à união das nações. Os povos do
Ocidente detestam a uniformidade; as nações ocidentais
nunca abrirão mão de suas tradições e de sua
independência. Uma causa comum poderá uní-los, mas
nenhuma causa conseguiu mantê-los unidos por muito
tempo. Mas como o professor Goodmman aponta em seu
livro The Soviet Design for a World State (p. 487):
“Os comunistas sempre agiram cautelosamente quando
confrontados por poderes fortes, e agressivamente quando tentados
pela fraqueza. [...] Se uma das principais fontes de fraqueza do mundo
não-comunista contemporâneo é a sua desunião, então o meio mais
garantido de precipitar uma guerra é fornecer alvos aparentemente
fáceis para a conquista soviética por meio da discórdia ou negligência
do mundo não-comunista, para depois ocasionar políticas
inconfundivelmente afirmativas [...]”.

Para alguém que, como este autor, foi criado no mundo


comunista, que na juventude trabalhou para a causa
comunista para depois rejeitar seu código ético na
maturidade, é difícil de acreditar que, perante a iminente
submissão ao modo de vida comunista, as nações
ocidentais não encontrem um mínimo de solidariedade
ideológica e política. Solidariedade não significa
conformidade. A força espiritual do Ocidente reside em sua
liberdade e diversidade, mas liberdade e diversidade não
devem ser cultivadas até o ponto de se tornarem um
obstáculo à sobrevivência.
Para alcançar uma solidariedade duradoura que possa
resistir ao desafio comunista, o Ocidente deve fazer uma
série de mudanças fundamentais de atitude, direção e
contra-estratégia. Essas mudanças emergem logicamente
de uma compreensão da política comunista de longo
alcance; elas buscam frustrar o que os estrategistas
comunistas desejam realizar. Acima de tudo, a aliança
ocidental deve revigorar seu senso de causa comum, de
interesse comum e de responsabilidade comum. As causa
principais de uma discórdia interna devem ser removidas ou
aplacadas. São elas: rivalidades nacionais, originadas há
muito tempo na história; a desconfiança mútua entre o
conservadorismo americano e o socialismo democrático
europeu; a hostilidade crescente entre conservadores e
socialistas na Europa Ocidental.

Um fim às rivalidades nacionais

As profundas rivalidades e desconfianças nacionais


entre nações da Europa Ocidental, entre a Europa Ocidental
e a América e entre a América e o Japão devem ser
controladas. Apesar dos trágicos conflitos do passado,
apesar da atual desconfiança mútua, todas as nações
avançadas do mundo não-comunista possuem atualmente o
mesmo processo democrático de governo, a mesma
liberdade de oposição e dissidência e um sistema
econômico que se apóia, pelo menos em parte, na
concorrência do livre mercado. Se os povos dessas nações
percebessem que a ameaça comunista ao seu modo de
vida, longe de retroceder como haviam pensado, já está em
seus calcanhares; se percebessem que se eles não
apresentarem uma força coesa face ao desafio comunista,
serão capturados, um por um, certamente eles insistiriam
para que seus governos deixassem de lado suas diferenças.
Os interesses nacionais não podem mais ser protegidos
somente por esforços nacionais. A ameaça comunista é tão
imensa agora que qualquer nação que fique em cima do
muro, seja ela a França ou os Estados Unidos, é irracional e
potencialmente suicida. Os próprios aliados deverão
estabelecer, e depois observar, alguma forma de autoridade
supranacional para a coordenação de políticas. Talvez o
passo inicial mais eficaz consistiria no oferecimento por
parte dos Estados Unidos de uma parcela de sua soberania
em favor desse corpo político, em troca do mesmo sacrifício
das nações européias ocidentais.

Solidariedade ideológica

As diferenças entre os conservadores americanos e os


social-democratas europeus perante o capitalismo não
poderão enfraquecer a aliança do Atlântico. O socialismo
democrático já está profundamente arraigado na Europa
Ocidental. Seus ideais econômicos revelam alguns aspectos
em comum com o sistema comunista e diferem fortemente
dos ideais econômicos americanos. Mas, como os
americanos, os social-democratas europeus consideram as
liberdades democráticas sacrossantas; quando enfrentados
por comunistas, os dois são aliados naturais. Eles se uniram
para enfrentar o “socialismo policial” de Stalin; agora eles
devem juntar forças novamente para enfrentar a enganação
mais pérfida do “comunismo com uma face humana”. Seus
interesses em comum são muitos, pois tanto a Europa
quanto a América são alvos de uma ofensiva política que
busca abraçá-los hoje para estrangulá-los amanhã.
Dentro da própria Europa, conservadores e social-
democratas devem se aproximar uns dos outros, porque
ambos precisam se proteger contra o radicalismo crescente
da extrema esquerda do socialismo europeu que, se não for
parado o quanto antes, arrastará os países para uma frente
unida junto dos comunistas. Tanto os conservadores quanto
os social-democratas devem compreender e, juntos,
combater a estratégia de longo prazo comunista; a
sobrevivência de ambos depende disso.

Uma busca interior

O Ocidente deve dedicar o esforço que agora dedica a


tréguas no exterior, à CLAE e ao serviço de segurança
coletivo europeu (de estilo comunista) para concentrar-se
em seus próprios assuntos. Os países avançados são
assolados por um mal-estar que nasce da desilusão. As
críticas aos valores tradicionais e às instituições nacionais é
constante. As forças militares e a máquina industrial-militar
sofrem de baixa auto-estima; os serviços de inteligência e
segurança foram ferozmente atacados; a iniciativa privada,
como é representada pelos interesses multinacionais, é
tachada de gananciosa e faminta por poder; nos Estados
Unidos, até mesmo o presidente é menosprezado. Cada
nação deve encontrar sua maneira de recuperar o amor-
próprio para que a aliança ocidental possa retomar a
vantagem para o seu lado. Já será um início se homens e
mulheres de pensamento — de partidos políticos, do
movimento trabalhista, das universidades, da mídia —
formassem alianças políticas pluripartidárias em defesa das
instituições democráticas.

Ampliando as alianças de defesa

Como objetivo estratégico principal, o Ocidente deve


procurar ampliar sua organização defensiva convidando
outros países ameaçados a dividir a segurança e as
responsabilidades da OTAN. Japão, Austrália, Brasil,
Indonésia, Singapura, Nigéria, Paquistão, Arábia Saudita e
Israel são exemplos, tomados a esmo, de países passíveis
de incentivo para ingressar na aliança não-comunista de
defesa; fazendo isso, eles elevariam o planejamento de
defesa do âmbito regional para o global. Os benefícios
seriam mútuos, garantindo suprimentos de petróleo para o
Ocidente — considerando aqui outras vantagens além das
de defesa. As condições para a unidade das nações não-
comunistas foram levantadas por H.C. Allen em seu livro
The Anglo-American Predicament. Ele ainda é valido para os
dias de hoje.
Para complementar a expansão das alianças formais,
relações mais próximas devem ser criadas com as nações
em desenvolvimento. A exposição pública da política de
longo prazo do bloco comunista e do papel de cavalo de
Tróia da Iugoslávia, da Romênia e de Cuba, deveriam ser por
si só um alerta de perigo a essas nações. Mas o objetivo
ocidental não deve ser apenas o de frustar as intenções
comunistas, mas fortalecer a base política e econômica para
seu desenvolvimento independente. Rivalidades nacionais,
círculos de influência e patrocínios seriam substituídos por
esforços conjuntos para auxiliar, iniciar relações comerciais
e dar crédito a novas nações — não só para o futuro ganho
comercial, mas para moldar suas tradições nacionais em
linhas democráticas e contrárias à subversão comunista.
A aliança militar ocidental deve manter a superioridade
em armas nucleares, e não apenas a mera igualdade.

Reorientação dos serviços de inteligência

Os serviços de inteligência, contra-inteligência e


segurança das nações ocidentais devem ser fortalecidos e
reorientados para corresponderem à mudança de curso da
ameaça comunista. Contra-atacar a espionagem e a reunião
de informações tradicional da KGB não deve ser mais seu
principal objetivo; a primeira tarefa deverá ser a de
neutralizar os danos políticos causados pelos agentes de
influência comunistas e pela desinformação. A avaliação do
problema da desinformação deve ser elevada do nível tático
para o estratégico.
Os serviços ocidentais devem utilizar a nova
metodologia para interpretar as ações comunistas e
detectar seus agentes de influência. Uma equipe de
coordenação central, trabalhando para os serviços de
segurança e diplomacia de toda a aliança ocidental, deve
ser formada para trocar experiências, coordenar operações
e fornecer pesquisas sobre os padrões de desinformação.
Deve-se buscar os documentos de triagem de
segurança de todos os imigrantes recentes importantes,
incluindo os “dissidentes”. Seu histórico e suas atividades
pregressas devem ser revisados sob a luz da política de
longo alcance e desinformação comunista.

Separações diplomáticas

Para proteger-se da desinformação estratégica e da


diplomacia ativista comunista, os poderes ocidentais devem
procurar o verdadeiro motivo pro trás de qualquer ação
política. Discussões de paz, negociações da CLAE e de
propostas comunistas para a criação de um serviço de
segurança coletivo europeu devem ser interrompidas ou
declinadas. Não devem haver consultas independentes
entre líderes comunistas e de nações da aliança.
O número de missões ocidentais em território comunista
deve ser reduzido ao mínimo possível — preferivelmente
não mais do que duas ou três — e o mesmo número deve
ser permitido a missões e delegações comunistas no
Ocidente.
Impedimentos comerciais e tecnológicos

O bloco comunista ainda está lutando para aumentar a


força econômica e industrial nos seus membros mais
atrasados — entre eles a China — e para alavancar ainda
mais seu poderio militar. A negação de relações comerciais,
concessões de crédito e de conhecimento tecnológico
atrasa a conclusão desses programas; esgarça a economia
dos membros mais avançados, como a URSS e a
Tchecoslováquia; e a longo prazo, gera a insatisfação
popular. A negação de concessões de crédito possui uma
vantagem maior porque limita as oportunidades de danos à
economia ocidental. A ação econômica bate no ponto mais
vulnerável do bloco comunista, que inclui a Iugoslávia, a
Romênia e a Polônia. Uma equipe de coordenação central e
planejamento deve ser montada para conduzir a ofensiva
econômica.

Isolando os partidos comunistas

A estratégia de longo alcance do movimento comunista


consiste em alargar sua base política em países não-
comunistas formando uma frente unida com partidos
socialistas e nacionalistas; depois de alcançar uma maioria
parlamentar, os comunistas buscarão, através do
desenvolvimento de ações extra-parlamentares de massa,
realizar mudanças fundamentais no sistema democrático. O
estratagema só funcionará se os partidos democráticos
deixados de lado forem ou ignorantes das intenções
comunistas ou imaginarem que poderão controlar suas
conseqüências. A exposição da política de longo alcance, da
estratégia e das táticas comunistas, da futura liberalização
de fachada no Leste Europeu com suas implicações no
Ocidente — em particular nos países com partidos
eurocomunistas — deverá alertar os desatentos e destacar
os mentirosos.

Falando aos povos do bloco comunista

Não é sobre os líderes ou dissidentes comunistas (filhos


intelectuais da KGB) que o Ocidente deve colocar suas
esperanças de mudanças verdadeiras no império
comunista. São os povos — os russos, os chineses e os
povos do Leste Europeu — que, apesar dos enganos e erros
de cálculo ocidentais, ainda representam possíveis aliados.
É aos povos do bloco comunista que a política externa
ocidental deve se dirigir.
Eles deverão ser distinguidos de seus governantes e da
falsa oposição criada por seus líderes. Eles esperam ser
reconhecidos como iguais e aliados. Eles querem ouvir toda
a verdade, sem nenhum tipo de verniz terminológico, sobre
as políticas, os sucessos e os fracassos ocidentais e
comunistas. Eles respeitarão um retrato verdadeiro,
incluindo as manchas, da moral e dos princípios políticos e
econômicos que guiaram o Ocidente. Eles ouvirão a
exposições das políticas e malfeitos de seus próprios países;
visto que são realistas e imparciais, mais desejarão ouvir,
com a mesma sinceridade, as implicações das ações que o
Ocidente está realizando para combatê-las. Dentro de
alguns anos, os povos do bloco comunista poderão manter-
se informados, de maneira objetiva e escrupulosamente
justa, do que está acontecendo no mundo à sua volta, e um
dia serão capazes de encontrar uma maneira de
transformar seus pensamentos em ações.

Nos próximos cinqüenta anos


Suponhamos que tudo o que foi sugerido aqui fosse
realizado. Suponhamos que a aliança ocidental tenha
proclamado publicamente a descoberta de que fora
enganada pela desinformação comunista, que suas políticas
de paz e de limitações bélicas estavam equivocadas, e de
que agora tinha se determinado a enfrentar o desafio. E
agora? É óbvio que não há nenhuma solução rápida para
um esforço ideológico imbatível desde 1917. Talvez nunca
exista uma solução. Talvez os dois lados, cada um
representando um modo de vida repugnante ao outro,
deverão opor-se até o fim dos tempos. Mas isso é tão ruim
assim? É impensável que uma competição ideológica e
política torne-se permanente? Não poderia a competição
aberta entre dois sistemas fundamentalmente opostos ser a
melhor maneira de resolver as coisas? Não poderiam os dois
sistemas, competindo entre si, melhorarem um ao outro?
Podemos traçar três cenários possíveis sobre os quais a
história dos próximos cinqüenta anos será escrita:
No primeiro, o comunismo, não encontrando resistência
política e ideológica do Ocidente, continua seu curso atual
para o desarmamento, depois para a convergência com o
Ocidente nos seus próprios termos, e então para a
dominação mundial.
No segundo, o Ocidente percebe em tempo a natureza
da ameaça comunista, resolve seus próprios problemas
nacionais, une o mundo não-comunista e adota uma política
de competição aberta entre os dois sistemas; como
resultado disso, os povos do bloco comunista repudiam seus
líderes e o império comunista se desintegra.
O terceiro cenário assemelha-se ao segundo, exceto
pelo fato dos dois sistemas permanecerem intactos e
competirem entre si por muito tempo.
E quem dirá que uma competição implacável entre dois
sistemas de governo opostos, cada um protegido por meios
de intimidação nucleares, não se provará frutífero? No
entanto, onde estão os chefes de estado que reconhecerão
esse caminho como uma possível segurança e conduzirão
seu povo por ele?
GLOSSÁRIO

CHEKA: O serviço de segurança soviético nos primeiros


tempos pós-revolução. Comandado por Dzerzhinskiy. Ver
VCHEKA.
Chekist: Membro do VCHEKA. O nome também designa
uma revista secreta da KGB.
Comecon: Conselho de Mútua Assistência Econômica
dos Estados Comunistas.
Cominform: Informatsionnoye Byuro
Kommunisticheskikh Partiy. Departamento de Informação
dos Partidos Comunistas (1947-1956).
Comintern: Kommunisticheskiy Internatsional.
Internacional Comunista, também conhecida como Terceira
Internacional. Abolida em 1943.
PCUS: Partido Comunista da União Soviética.
CSCE: Comissão de Segurança e Cooperação na Europa.
DVR: Dal’ne-Vostoch’naya Respublika. República do
Extremo Oriente, fundada em 1920 e incorporada à União
Soviética em 1922.
FDIM: Federação Democrática Internacional de
Mulheres.
GPU: Ver OGPU.
GRU: Glavnoye Razvedyvatel’noye Upravleniye.
Administração Central de Inteligência, o serviço soviético de
inteligência militar.
GES: Bol’shaya Sovetskaya Entsiklopediya. Grande
Enciclopédia Soviética.
Izvestiya: Jornal diário, órgão do Soviete Supremo.
KGB: Komitet Gosudarstvennoy Bezopastnosti. Comitê
de Segurança de Estado, o serviço soviético de inteligência
exterior e segurança interna, fundado em 1954.
KI: Komitet Informatsii. Comitê de Informação, serviço
de inteligência militar e política subordinado ao Conselho de
Ministros de 1947 a 1949. De 1949 a 1951, serviço de
inteligência política subordinado ao Ministério de Relações
Exteriores. De 1951 a 1957, serviço de pesquisa e de
desinformação subordinado ao mesmo ministério. De 1958
em diante, serviço de pesquisa, desinformação e operações
especiais subordinado ao Comitê Central do PCUS,
provavelmente disfarçado de Comitê Estatal de Relações
Culturais.
Komsomol: Kommunisticheskiy Soyuz Molodezhi.
Juventude Comunista.
LCI: Liga dos Comunistas da Iugoslávia, o partido
comunista iugoslavo.
MGB: Ministerstvo Gosuparstvennoy Bezopastnosti.
Ministério de Segurança de Estado, incluindo de outubro de
1946 a março de 1953 o serviço de inteligência e segurança
soviético.
MID: Ministerstvo Inostrannykh Del. Ministério de
Relações Exteriores.
MVD: Ministerstvo Vnutrennikh Del. Ministério de
Relações Interiores, responsável por toda a segurança
interna. Por um ano, de março de ١٩٥٣ a março de ١٩٥٤, foi
também responsável pela inteligência exterior e pela
segurança de estado.
NEP: Novaya Ekonomicheskaya Politika. A Nova Política
Econômica, iniciada por Lênin em 1921 e conduzida até
1929.
Novosti: Agência soviética de imprensa, abreviada APN.
Novyy Mir: periódico literário e político publicado
mensalmente em Moscou.
NTS: Natsional’nyy Trudovoy Soyuz. União Nacional
Trabalhista, organização anticomunista de emigrados no
Ocidente.
OGPU: Ob’yedenennoye Gosudarstvennoye
Politicheskoye Upravleniye. Diretório Político Unificado de
Segurança de Estado, o serviço de segurança e inteligência
soviético de fevereiro de 1922 a julho de 1934.
Oktyabr’: periódico literário e político publicado
mensalmente em Moscou.
OSPAA: Organização de Solidariedade dos Povos Afro-
Asiáticos.
PDG: Primeiro Diretório Geral da KGB, o serviço de
inteligência soviético.
Politburo: Politicheskoye Byuro. XX. O principal órgão do
Comitê Central do PCUS. Foi renomeado Presidium após a
morte de Stalin, o que se reverteu sob Brezhnev.
Pravda: Jornal diário, órgão do PCUS.
Residência: Aparato secreto de inteligência da KGB num
país não-comunista. A própria KGB chama-a Rezidentura.
Residente: Chefe do aparato de inteligência da KGB
num país não-comunista. A KGB usa o terma Rezident.
Residente ilegal: representante de inteligência operante
no estrangeiro sob disfarce extra-oficial.
RSFSR: Federação Russa ou República da Rússia.
SDG: Segundo Diretório Geral da KGB, o serviço de
segurança e contra-inteligência soviético.
TASS: Telegrafnoye Agentstvo Sovetskogo Soyuza.
Agência de Telégrafos da União Soviética, agência soviética
de notícias.
VCHEKA: Vsesoyuznaya Chrezvychaynaya Kommissiya
po Bor’be s Kontrrevolyutsyyey, Spekulyatsi-yey i
Sabotazhem. Comissão Extraordinária Unificada para o
Combate à Contra-revolução, Especulação e Sabotagem, o
serviço de segurança soviético de dezembro de 1917 a
fevereiro de 1922.

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