Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
FICHAMENTO:
A melhor das utopias
CAMPO MOURÃO
2023
LOPES, Marcos Antônio; MOSCATELI, Renato (organizadores). A melhor das
utopias. In: Histórias de países imaginários: variedades de lugares utópicos.
Londrina: EDUEL, 2011, p. 61-77.
“Ao longo do século XVI, assistiu-se a uma forte valorização da literatura profana,
em detrimento das coisas sagradas e suas vidas de santos, exemplos de virtudes e
fontes autorizadas de imitação. Maquiavel, Rabelais, Marguerite de Valois, entre
tantos outros escritores, expressaram em seus textos a dimensão rigorosamente
humana da vida.” (p. 62).
“[...] era compreensível que sociedades assoladas também pela fome e por
epidemias buscassem formas de evasão do mundo.” (p. 62)
De certa forma, é o que a arte, de maneira geral, faz, embora tenha objetivos bem
mais profundos muitas vezes, como crítica social, por exemplo, sempre é possível
usar a arte, sobretudo a literatura, para fugir um pouco da realidade.
“A terra de Cocanha foi uma miragem que representou os anseios dos homens
pobres do Renascimento, constituindo uma vigorosa recusa da precariedade da
vida.” (p. 64).
“Na idade de ouro da humanidade, dizia Hume, as estações eram tão temperadas
que os homens sequer tinham necessidade de se vestir e de se abrigar para se
protegerem contra os rigores do tempo.” (p. 64).
“E acerca da dureza inócua das penas aplicadas em seu tempo, o próprio Morus
questionava a insensatez de se formar ladrões para depois puni-los.” (p. 67).
A vida vivida por aquele povo cria a realidade de uma sociedade adoecida. É
necessário, obviamente, punir os ladrões, mas não seria, antes, uma preocupação
mais importante e mais produtiva evitar as situações que fazem com que essas
2
acabem nessa situação? Portanto a preocupação do autor é muito válida e explicita
a necessidade humana de se criar um mundo fictício onde as coisas funcionem de
maneira correta, onde a felicidade faça sentido e seja o objetivo maior da vida.
“Ele [Morus] queria eliminar a distância social existente entre as classes abastadas e
os numerosos pobres na Inglaterra de Henrique VIII. Morus teve a pretensão típica
de um humanista cristão: reduzir a pobreza fazendo a riqueza recuar a patamares
compatíveis com os de uma sociedade fraterna.” (p. 67).
“Como não haveria mais espaço para o orgulho da nobreza ociosa, o que afastaria
de uma vez por todas a possibilidade de acúmulo de riqueza, todos os bens
produzidos coletivamente seriam repartidos em igual proporção entre todos os
membros da comunidade.” (p. 68).
É justamente a existência de privilégios que torna a realidade tão hostil, tanto na
época de Morus, quanto em nossa própria época, assim como em toda a história da
humanidade. Embora a partilha igualitária pareça uma ideia muito radical, existem
segmentos da sociedade que conseguem fazê-lo, portanto, apesar de utopia, não
chega a ser algo impossível. Porém o que instiga, verdadeiramente, essa utopia nas
pessoas não é nem o vislumbre de um paraíso, mas sim, a indignação com as
condições geradas pela desigualdade advinda dos privilégios de alguns em
detrimento do básico para outros.
“Como se pode observar, uma utopia política tem como propósito prescritivo a
instauração de um Estado ideal, em franco contraste com as condições reais.” (p
3
68).
“A sua Utopia [de Morus] deve ser compreendida como uma vigorosa sátira política
aos costumes da Inglaterra de Henrique VIII.” (p. 69).
“Mais da metade do livro de Morus sintetiza as denúncias dos males sociais que
acompanharam o advento de um novo mundo. Sua Utopia é uma peça de acusação
contra uma sociedade fundada sobre o egoísmo, na qual a máxima de que o homem
é o lobo do homem tornara-se a regra mais do evidente.” (p. 69).
Percebe-se uma denúncia da realidade vivida e das condições que ela apresenta ao
se contrapor com a realidade fictícia. Para isso, é necessário mostrar como a
realidade se apresenta, para que o impacto da utopia seja ainda maior. Esse
contraponto é necessário para se mostrar o que é e o que poderia ser a realidade
para mostrar a insatisfação.
”Ao refletir sobre o ideal de sua república perfeita, Morus teria concebido o desejo de
retroceder no tempo para refundar uma ordem social primitiva, que ele imaginou
como o melhor dos mundos? Ou o regime comunitário, que vai inspirar os socialistas
de todas as extrações, representa um avanço, ao menos se comparado às
sociedades políticas da Europa no início da Era Moderna? (p. 69).
Questionamentos muito interessantes, seria a Utopia um avanço ou um retrocesso?
Nos dias atuais, ela representaria um avanço ou um retrocesso, dado nosso
contexto muito mais complexo do que o da Europa no início da Época Moderna?
“De fato, o ouro na Utopia era utilizado para fabricar urinóis, ou correntes para
escravos.” (p. 70)
Apesar de representar uma espécie de paraíso ao criar uma sociedade feliz,
governada de forma diferente da dura realidade, parece que nem todos os seres
humanos poderiam desfrutar de tal sociedade tão afortunada, já que são previstos
escravos na Utopia de Morus.
“De fato, na história das doutrinas políticas, não há registro de utopias que se
constituam em torno da construção de modelos sociais do tipo liberal e capitalista,
até porque as utopias modernas se consolidaram cerrando fileiras contra as
sociedades deste gênero.” (p. 72).
As utopias são sempre uma resposta às mazelas de seu tempo, questionando os
sistemas que originam tais mazelas, portanto, é natural que as utopias modernas
questionem o sistema capitalista, já que é o sistema econômico vigente.
“Por esse motivo, a Utopia pode ser encarada como um episódio relativamente
isolado e sem importância na filosofia política de sua época. Ilustrava antes as
últimas manifestações de um velho ideal do que uma voz autêntica da nova época
que se avizinhava.” (p. 74).
Embora seja fonte de inspiração para a literatura até hoje, a Utopia de Morus, não
conseguiu exercer influência em seu próprio tempo; foi um ideal que não encontrou
eco em uma época de intensa desordem.
“[...] não se pode deixar de refletir sobre a complexidade da obra que, certamente,
vai muito além de uma reflexão sobre a política.” (p. 75).
“Apesar de seu conteúdo fantástico, não deixa de ser obra interventora, obra de
veemente protesto contra a desestruturação dos laços comunais da sociedade
inglesa, desestruturação essa favorecida pelo incremento da indústria têxtil, pela
expansão do comércio internacional, enfim, pelo advento de uma economia
monetária na qual o dinheiro passou a ser a “mola” que movia o mundo.” (p. 76).