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UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ

PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO DE CIÊNCIAS


HUMANAS, SOCIAIS E DA NATUREZA
DIÁLOGOS ENTRE A LITERATURA, AS CIÊNCIAS E AS TECNOLOGIAS NO
ENSINO

JÉSSICA NEVES DE SOUZA

FICHAMENTO:
A melhor das utopias

CAMPO MOURÃO
2023
LOPES, Marcos Antônio; MOSCATELI, Renato (organizadores). A melhor das
utopias. In: Histórias de países imaginários: variedades de lugares utópicos.
Londrina: EDUEL, 2011, p. 61-77.

“Entretanto, a Europa do Renascimento foi uma civilização de contrastes:


abandonou progressivamente as visões quiméricas da Idade Média, como o antigo
ideal das cruzadas e o velho sonho de uma cristandade sem fronteiras nacionais,
expresso pelo já bastante desgastado ideal de um Sacro Império Romano, para
construir novos mitos e alegorias nas mais desencontradas direções.” (p. 61).
A necessidade de crer em algum mito, em uma espécie de algo inacessível, muito
acima da humanidade.

“Ao longo do século XVI, assistiu-se a uma forte valorização da literatura profana,
em detrimento das coisas sagradas e suas vidas de santos, exemplos de virtudes e
fontes autorizadas de imitação. Maquiavel, Rabelais, Marguerite de Valois, entre
tantos outros escritores, expressaram em seus textos a dimensão rigorosamente
humana da vida.” (p. 62).

“[...] era compreensível que sociedades assoladas também pela fome e por
epidemias buscassem formas de evasão do mundo.” (p. 62)
De certa forma, é o que a arte, de maneira geral, faz, embora tenha objetivos bem
mais profundos muitas vezes, como crítica social, por exemplo, sempre é possível
usar a arte, sobretudo a literatura, para fugir um pouco da realidade.

“[...] ‘brincadeiras sérias’, nas quais se idealizavam sociedades afortunadas, regidas


por leis muito diferentes dos rígidos preceitos que ordenavam a vida ordinária.” (p.
62).

“Segundo a historiadora Edith Sichel, as utopias estavam então em voga no século


XVI; elas eram uma ‘válvula de escape’ para as ideias dos homens acerca de
governo e conduta.” (p. 62).
Aqui podemos ver a literatura ao mesmo tempo servindo tanto como crítica social
quanto como meio de evasão de uma realidade com a qual as pessoas estavam
descontentes mas que não tinham meios para mudar.

“A literatura, bem como a pintura do século XVI, estão repletas de motivos


fantásticos, de jardins de delícias, que refletem a necessidade de fuga, o desejo de
evasão de um mundo que, na prática, se revelava cruel e infeliz.” (p. 63).

“A miragem mais interessante no universo das aspirações de artesãos e


camponeses pobres dessa época talvez seja mesmo a representação dos países da
fartura, a ‘terra de cocanha’, mundos onde não era necessário trabalhar para ganhar
a vida.” (p. 63).
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O que é o completo oposto da realidade vivida por eles, que trabalhavam muito para
ter, quando muito, o que comer.

“A terra de Cocanha foi uma miragem que representou os anseios dos homens
pobres do Renascimento, constituindo uma vigorosa recusa da precariedade da
vida.” (p. 64).

“Cocanha era, sobretudo, uma mensagem contra o trabalho e a transitoriedade da


vida.” (p. 64).

“Na idade de ouro da humanidade, dizia Hume, as estações eram tão temperadas
que os homens sequer tinham necessidade de se vestir e de se abrigar para se
protegerem contra os rigores do tempo.” (p. 64).

“O utopismo ressurgiu no Renascimento, quando as grandes navegações, as


transformações sociais e o progresso técnico passaram a questionar os
fundamentos e os valores do mundo medieval.” (p. 65).
O homem sempre sonhou com coisas impossíveis, fora de sua realidade,
evidenciando isso em maior ou menor grau em suas artes. No Renascimento,
porém, o utopismo pode ressurgir porque as pessoas ousaram imaginar mais
impulsionadas pelas novas descobertas que estavam sendo feitas, tudo o que se
tinha como verdade absoluta na Idade Média podia, agora ser posto em xeque, e
havia uma possibilidade cada vez maior de “e se…”.

“Acerca da metáfora agrária de Thomas Morus - a ideia de que os carneiros


desestruturavam o mundo camponês na Inglaterra dos inícios da Época Moderna
[...] servia como testemunho de um processo de transformação social.” (p. 66)
Apesar de ter como ponto de chegada, geralmente, um futuro onde tudo acontece
de maneira maravilhosa, as utopias partem sempre da realidade atual, são sempre
um espelho do que a sociedade vive naquele momento, assim como também o são
as distopias.

“Isso para afirmar que o horizonte histórico de elaboração da Utopia de Morus é o


das transformações da política e da economia provocadas pela expansão europeia.”
(p. 66).

“Essa realidade econômica em rápida transformação pôs em movimento estratos


sociais novos, gente desgarrada de suas antigas comunidades rurais.” (p. 66).

“E acerca da dureza inócua das penas aplicadas em seu tempo, o próprio Morus
questionava a insensatez de se formar ladrões para depois puni-los.” (p. 67).
A vida vivida por aquele povo cria a realidade de uma sociedade adoecida. É
necessário, obviamente, punir os ladrões, mas não seria, antes, uma preocupação
mais importante e mais produtiva evitar as situações que fazem com que essas
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acabem nessa situação? Portanto a preocupação do autor é muito válida e explicita
a necessidade humana de se criar um mundo fictício onde as coisas funcionem de
maneira correta, onde a felicidade faça sentido e seja o objetivo maior da vida.

“No decurso dos séculos, a palavra [utopia] tornou-se alvo de diversas


interpretações, não ficando somente em construções similares à de Morus, mas
traduzindo, em geral, tanto no passado como no futuro, todo ideal político, social ou
religioso de difícil ou impossível realização.” (p. 67).

“Ele [Morus] queria eliminar a distância social existente entre as classes abastadas e
os numerosos pobres na Inglaterra de Henrique VIII. Morus teve a pretensão típica
de um humanista cristão: reduzir a pobreza fazendo a riqueza recuar a patamares
compatíveis com os de uma sociedade fraterna.” (p. 67).

“Como não haveria mais espaço para o orgulho da nobreza ociosa, o que afastaria
de uma vez por todas a possibilidade de acúmulo de riqueza, todos os bens
produzidos coletivamente seriam repartidos em igual proporção entre todos os
membros da comunidade.” (p. 68).
É justamente a existência de privilégios que torna a realidade tão hostil, tanto na
época de Morus, quanto em nossa própria época, assim como em toda a história da
humanidade. Embora a partilha igualitária pareça uma ideia muito radical, existem
segmentos da sociedade que conseguem fazê-lo, portanto, apesar de utopia, não
chega a ser algo impossível. Porém o que instiga, verdadeiramente, essa utopia nas
pessoas não é nem o vislumbre de um paraíso, mas sim, a indignação com as
condições geradas pela desigualdade advinda dos privilégios de alguns em
detrimento do básico para outros.

“Para o fim da abastança de alguns e da carestia de muitos, bastaria que todos os


homens se aplicassem a uma jornada de trabalho de seis horas diárias. Isso seria
suficiente para sustentar as condições materiais de vida num patamar adequado às
satisfações dos utopianos.” (p. 68).
Quando se fala de utopia logo nos vem à mente, geralmente, uma ideia grandiosa
de mundo perfeito. É interessante notar, porém, que a utopia está relacionada com
um mundo perfeito comparado com a realidade que se vive; para uma pessoa com
uma jornada de trabalho exaustiva - um professor que precisa lecionar 60 horas-aula
semanais para ter uma remuneração adequada às suas necessidades, por exemplo
- uma jornada de trabalho de 6 horas diárias seria algo digno de uma utopia, pois
permite que esse trabalhador viva sua vida em função de outras atividades a sua
escolha, e não praticamente somente em função do trabalho. Para algumas
pessoas, por vários motivos, além da carga horária de trabalho, porém sendo este
um dos principais, o lazer, por exemplo, já é uma utopia.

“Como se pode observar, uma utopia política tem como propósito prescritivo a
instauração de um Estado ideal, em franco contraste com as condições reais.” (p
3
68).

“A sua Utopia [de Morus] deve ser compreendida como uma vigorosa sátira política
aos costumes da Inglaterra de Henrique VIII.” (p. 69).

“Mais da metade do livro de Morus sintetiza as denúncias dos males sociais que
acompanharam o advento de um novo mundo. Sua Utopia é uma peça de acusação
contra uma sociedade fundada sobre o egoísmo, na qual a máxima de que o homem
é o lobo do homem tornara-se a regra mais do evidente.” (p. 69).
Percebe-se uma denúncia da realidade vivida e das condições que ela apresenta ao
se contrapor com a realidade fictícia. Para isso, é necessário mostrar como a
realidade se apresenta, para que o impacto da utopia seja ainda maior. Esse
contraponto é necessário para se mostrar o que é e o que poderia ser a realidade
para mostrar a insatisfação.

”Ao refletir sobre o ideal de sua república perfeita, Morus teria concebido o desejo de
retroceder no tempo para refundar uma ordem social primitiva, que ele imaginou
como o melhor dos mundos? Ou o regime comunitário, que vai inspirar os socialistas
de todas as extrações, representa um avanço, ao menos se comparado às
sociedades políticas da Europa no início da Era Moderna? (p. 69).
Questionamentos muito interessantes, seria a Utopia um avanço ou um retrocesso?
Nos dias atuais, ela representaria um avanço ou um retrocesso, dado nosso
contexto muito mais complexo do que o da Europa no início da Época Moderna?

“Ao que parece, a proposta de Morus é um misto de conservadorismo e de


inovação. Sua obra é conservadora na medida em que propõe um retorno a certos
ideais do passado, e inovadora no sentido de que representa um avanço sem
precedentes, pelas situações inéditas que visualiza na história efetiva da Europa.
Em qualidade, é inegavelmente mais inovadora, dentre muitas outras coisas, devido
à sua ideia mestra: a abolição da propriedade privada, que vai além do fim da
propriedade dos meios de produção, entrando mesmo porta adentro dos cidadãos -
recorde-se que na ilha da Utopia a economia monetária foi extinta e até as moradias
eram trocadas de tempos em tempos.” (p. 70).

“De fato, o ouro na Utopia era utilizado para fabricar urinóis, ou correntes para
escravos.” (p. 70)
Apesar de representar uma espécie de paraíso ao criar uma sociedade feliz,
governada de forma diferente da dura realidade, parece que nem todos os seres
humanos poderiam desfrutar de tal sociedade tão afortunada, já que são previstos
escravos na Utopia de Morus.

“Segundo o filósofo italiano Nicola Abbagnano, o tipo de abordagem do humanista


inglês foi muito divulgado e continua a ser, transformando-se, em sua última
encarnação nos livros de ficção científica. “ (p. 70).
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A ficção científica muitas vezes se baseia em conceitos especulativos e imagina
uma realidade futura ou alternativa, explorando questões sociais, políticas e
tecnológicas. Além disso, a ficção científica muitas vezes busca criar um mundo
idealizado, onde os problemas da sociedade contemporânea são questionados. A
literatura de ficção científica continua a desenvolver essa tradição utópica ao
imaginar sociedades futuras ou realidades alternativas, muitas vezes com o intuito
de oferecer uma crítica ou reflexão sobre a condição humana e as possibilidades de
progresso.

“É evidente que os problemas de seu tempo [de Morus] definiram os elementos de


singularidade em relação ao seu modelo de inspiração.” (p. 72).

“O livro de Morus é paradigmático do gênero utópico moderno porque lançou as


bases sobre as quais muitos dos demais modelos se constituiriam.” (p. 72).

“De fato, na história das doutrinas políticas, não há registro de utopias que se
constituam em torno da construção de modelos sociais do tipo liberal e capitalista,
até porque as utopias modernas se consolidaram cerrando fileiras contra as
sociedades deste gênero.” (p. 72).
As utopias são sempre uma resposta às mazelas de seu tempo, questionando os
sistemas que originam tais mazelas, portanto, é natural que as utopias modernas
questionem o sistema capitalista, já que é o sistema econômico vigente.

“Entretanto, ficam as evidências de que a utopia ou é fruto, muitas vezes, de


elaborações fantasiosas que ignoram realidades históricas concretas, ou pode ser
também um ideal triunfante, desde que realizado por meios materiais e pelo firme
desejo de transformação.” (p. 74).

“Por esse motivo, a Utopia pode ser encarada como um episódio relativamente
isolado e sem importância na filosofia política de sua época. Ilustrava antes as
últimas manifestações de um velho ideal do que uma voz autêntica da nova época
que se avizinhava.” (p. 74).
Embora seja fonte de inspiração para a literatura até hoje, a Utopia de Morus, não
conseguiu exercer influência em seu próprio tempo; foi um ideal que não encontrou
eco em uma época de intensa desordem.

“O ideal de Morus naufragou em meio a um tempo de fanatismo, de desordem e de


guerras intermináveis entre as monarquias nacionais em busca de satisfazer os
novos interesses econômicos emergentes do mercantilismo.” (p. 75).

“[...] não se pode deixar de refletir sobre a complexidade da obra que, certamente,
vai muito além de uma reflexão sobre a política.” (p. 75).

“A Utopia é uma imaginativa recriação da obra de Platão, mas sob a influência de


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um mundo muito mais complexo do que o quadro das antigas sociedades gregas.”
(p. 76).

“Essa corrente de pensamento [humanismo cristão] esforçou-se por criar as bases


de uma sociedade que se pautasse nos princípios evangélicos, ou seja, naqueles
valores mais autênticos da tradição cristã.” (p. 76).

“Apesar de seu conteúdo fantástico, não deixa de ser obra interventora, obra de
veemente protesto contra a desestruturação dos laços comunais da sociedade
inglesa, desestruturação essa favorecida pelo incremento da indústria têxtil, pela
expansão do comércio internacional, enfim, pelo advento de uma economia
monetária na qual o dinheiro passou a ser a “mola” que movia o mundo.” (p. 76).

“O livro de Morus é o mais importante capítulo na história das ilusões políticas, ou


seja, trata-se do mais influente ideal de república imaginária. “ (p. 77).

“O pensamento político de Morus possui em comum com as demais utopias o desejo


de refundar uma ordem social perdida pela corrupção dos valores tradicionais.” (p.
77).

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