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SEPARATA

SHANAKDAKHETE –
Fábio Amorim Vieira

VIEIRA, F. A. Shanakdakhete. In: SILVA, S. C.;


BRUNHARA, R. & VIEIRA NETO, I. Compêndio
Histórico de Mulheres da Antiguidade: a presença das
mulheres na Literatura e na História. Goiânia: Tempestiva,
2021. pp. 393-397.

***
Esta separata é uma cortesia da Editora Tempestiva.
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Editora Tempestiva, 2021
© Todos os direitos reservados.

Capa: Ivan Vieira Neto.


Revisão: Semíramis Corsi Silva.
Edição/diagramação: Ivan Vieira Neto / Wemerson Romualdo.
Imagem de Capa: A Greek Woman. Sir Lawrence Alma-Tadema (1869).
Óleo sobre tela. Imagem de domínio público (Wikimedia Commons).

Conselho Editorial

Profa. Dra. Aline Dias da Silveira UFSC


Profa. Dra. Arlete José Mota UFRJ
Profa. Dra. Camila da Silva Condilo UnB
Prof. Dr. Carlile Lanzieri Júnior UFMT
Profa. Dra. Cláudia Beltrão da Rosa UNIRIO
Prof. Dr. Fábio Augusto Morales Soares UFSC
Prof. Dr. Fernando Mattiolli Vieira UPE/Petrolina
Prof. Dr. Leonardo B. Antunes UFRGS
Profa. Dra. Liliane Barros de Almeida PUC Goiás
Prof. Dr. Uiran Gebara da Silva UFRPE

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


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SE471

Compêndio Histórico de Mulheres da Antiguidade: a presença das mulheres na


Literatura e na História / Semíramis Corsi Silva, Rafael de C. Matiello Brunhara
& Ivan Vieira Neto (org.). - Goiânia: Tempestiva, 2021.

ISBN 978-65-992343-5-4

1. Enciclopédia. 2. Compêndio. 3. Antiguidade. 4. Gênero. 5. História das Mulheres.


I. Silva, Semíramis Corsi. II. Brunhara, Rafael de C. Matiello. III. Vieira Neto, Ivan.

CDD: 930.09[.11]
CDU: 936(093)-055.2
Organizadores

Semíramis Corsi Silva,


Rafael Brunhara & Ivan Vieira Neto

COMPÊNDIO HISTÓRICO DE
MULHERES DA ANTIGUIDADE
Vol. 1: A Presença das Mulheres
na Literatura e na História

Prefácio de Pedro Paulo A. Funari

Tempestiva
Goiânia, 2021.
𐦚𐦁𐦑𐦝𐦖𐦊𐦓 › Shanakdakhete
por Fábio Amorim Vieira

Shanakdakhete/Shanakdakheto (Šnkdkḫete) foi uma gover-


nante de Kush no século II aEC, sendo considerada a primeira
rainha a ocupar o governo kushita em Meroé. Seu papel polí-
tico em Kush atesta-se a partir de representações iconográ-
ficas e epigráficas meroítas remanescentes em sua pirâmide no
cemitério real ao Norte de Begarawya, bem como no templo
F em Naqa.
Após a ascensão da XXV dinastia kushita de Napata ao
trono egípcio no século VII aEC e posterior retirada a partir de
ataques assírios no Egito, pontuais transformações marcaram
o estado de Kush, cujos domínios e áreas de influência esten-
deram-se gradativamente por todo o vale do Nilo médio
(Edwards 2004, 143). Talvez a mais expressiva destas transfor-
mações tenha sido a transferência do centro político de Napata
para Meroé, mais a Sul em relação ao Egito, entre a quinta
e a sexta cataratas do Nilo, a prevenir ataques pela fronteira
egípcia, como os empreendidos por Psamético II contra Kush
em 591 aEC. Napata permaneceu como centro religioso e
sua necrópole real, Nuri, manteve-se como espaço de sepul-
tamento dos reis kushitas até o fim do século IV aEC, quando
se iniciou a realização de enterramentos dos governantes em
cemitérios reais meroítas, bem como a edificação de templos
na região (Leclant 2011, 282).
É neste contexto de contínuas transições que Shanak-
dakhete ascende ao poder de Meroé no século II aEC, iniciando
um novo período de reinados dirigidos por rainhas meroítas
e co-regências masculinas e femininas com prováveis raízes
Compêndio Histórico de Mulheres da Antiguidade

núbias locais. Seu antecessor, anônimo nas inscrições, deixou


na necrópole de Begarawya uma pirâmide inacabada (Beg. N.
10) e provavelmente não utilizada em seu funeral real, a sina-
lizar prováveis conturbações e descontinuidades na transição
de poder e posterior ascensão de Shanakdakhete.
Assim como seu predecessor, sua filiação permanece
oculta nas documentações. Shanakdakhete, todavia, legou sua
presença régia em registros pictóricos e epigráficos emble-
máticos para a compreensão de seu reinado, cujo destaque
apresenta-se desde o nome real escolhido pela rainha, isento de
menções a Amani/Amon, divindade comumente referenciada
na nomenclatura de reis kushitas anteriores. Atribui-se à sua
época a pontual ascensão da escrita meroíta, variante ao egípcio
hieroglífico e executada a partir de 23 sinais hieroglíficos ou
cursivos aplicados à fonética local (Eide et al 1996, 359).
No templo F em Naqa, situado entre os rios Nilo, Atbara
e Nilo Azul e dedicado aos deuses tebanos Amon, Mut e
Khonsu, além das divindades núbias Apedemak e Amesemi,
estão presentes as inscrições meroítas mais antigas que se tem
notícia, compostas por citações nominais a Shanakdakhete em
meroíta hieroglífico. Nelas, a governante é reverenciada com
os títulos faraônicos de Filho de Rá/SꜢ-RꜤ e Senhor das Duas
Terras/Nb-TꜢwy (Eide et al 1996, 660–1), demonstrando a
permanência parcial das titulaturas egípcias utilizadas por reis
egípcios e kushitas anteriores, em um contexto de legitimação
de poder por meio de apropriações. Nos variados relevos do
templo, Shanakdakhete é apresentada junto às divindades,
seguida por uma figura masculina de proporção menor à dela,
cujo tamanho e proximidade à rainha e aos deuses indicam
possivelmente ser um jovem integrante da realeza.
Relevos semelhantes de Shanakdakhete puderam ser
observados na capela de sua pirâmide (Beg. N. 11) no cemi-
tério Norte de Begarawya, a maior dentre as demais e com
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singular decoração e arquitetura, a mesclar elementos de


matrizes egípcias, helenísticas e núbias. Coincidentes à mescla
artística cosmopolita, chamam a atenção na parede Leste da
capela os relevos de guerreiros de origem estrangeira a serviço
de Shanakdakhete, possivelmente mercenários mediterrânicos,
expressando a abertura das relações exteriores de Meroé com o
Egito e a região do Mediterrâneo no período (Zach 1998, 458).
Nas imagens régias da capela, Shanakdakhete apresenta-se
com coroa e indumentária típicas dos reis kushitas, seguida pela
mesma figura masculina de tamanho inferior a portar diadema
e vestes simples, cuja mão direita, a variar entre os relevos, toca
as serpentinas da coroa da rainha, ou a própria coroa, suge-
rindo ser, a partir de iconografias egípcias e kushitas prévias,
um membro real pretendente ao trono possivelmente já fale-
cido a conferir legitimação de poder à governante (Eide et al
1996, 661–2). O mesmo gesto pode ser visto em um grupo
de estátuas (CG 684) atualmente exibidas no Museu Núbio
de Aswan e com provável procedência na capela funerária
de Shanakdakhete em Begarawya. Nelas, a rainha é retratada
junto a um homem sem insígnias reais a tocar sua coroa.
No relevo presente na parede Norte da capela, destaca-se
a representação de Shanakdakhete entronizada sob um balda-
quino mortuário a usar uma coroa com chifres encimada por
um adorno com a forma da deusa Ísis-Selket, simbolizando a
maternidade. O jovem membro real acompanha-a novamente
sob o mesmo baldaquino, possibilitando interpretá-lo como
um filho seu previamente falecido (Zach 1998, 452–3).
A frequente presença desta jovem figura masculina real a
legitimar o poder de Shanakdakhete atesta a urgência de vali-
dação de um reinado marcado por transformações e rupturas.
Há também a sugestão de que o jovem príncipe retratado
não dispusesse de idade suficiente para governar, cabendo à
rainha o papel de ascender ao trono como regente. Diante da
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incógnita em torno do papel do jovem ao longo do reinado


de Shanakdakhete, é inegável a importância dele nas represen-
tações e legitimações de seu destacado poder na monumenta-
lidade religiosa e funerária.
Pontua-se emblematicamente a contemporaneidade do
reinado de Shanakdakhete à regência da primeira governante
feminina do Egito ptolomaico, Cleópatra II Filómetor Soter, de
forma a conjecturar eventuais influências ptolomaicas à ascensão
de governos femininos meroítas a partir dos pontuais reflexos
da abertura kushita a elementos mediterrânicos. Tal hipótese
contrapõe-se, ou pelo menos equipara-se, à suposição do poder
feminino em Kush fundado em tradições núbias locais. De um
jeito ou de outro, é irrevogável que Shanakdakhete adquiriu
o status de primeira governante feminina em Meroé em um
contexto de expressivas transformações baseadas na continui-
dade como legitimação e na ruptura como realidade.

Fontes históricas
EIDE, T. et. al (Eds.). 1996. Fontes Historiae Nubiorum: Textual
Sources for the History of the Middle Nile Region between
the Eighth Century BC and the Sixth Century AD. Vol II –
From the mid-fifth to the first century BC. Bergen: University
of Bergen.

Bibliografia geral
EDWARDS, D. 2004. The Nubian Past: An Archaeology of
Sudan. London: Routledge.
LECLANT, J. 2011. O Império de Kush: Napata e Méroe. In:
MOKHTAR, G. (Ed.). História Geral da África: A África antiga.
São Paulo: Cortez, p. 273–295.
TÖRÖK, L. 1997. The Kingdom of Kush. Handbook of the
Napatan-Meroitic Civilization. London: Brill.
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ZACH, M. 1998. Sanakdaḫete. In: KENDALL, T. (Ed.).


Proceedings of the Ninth Conference of the International Society of
Nubian Studies. Boston: Northeastern University, p. 449–464.

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