Você está na página 1de 80

O Último Ciclo

...

- Falso! Eu sabia... é falso!

- Fale baixo, Doze! Quer que sejamos presos... ainda se fosse por invadir um banco...

mas um museu?! – exclamou o amigo em sussurro voraz.

Já era o terceiro museu que a dupla invadira, e dessa vez em um país diferente dos dois

primeiros. A cada novo item que era adicionado à sua seleção de fósseis, Doze ficava cada

vez mais atônito com mais uma comprovação de sua hipótese, a qual certamente poderia

mudar a forma como o mundo moderno era organizado e entendido.

- Doze, eu sei que não é a melhor hora para dizer isso, mas já está mais do que na hora

de você me contar esse segredo, pois estou sendo cúmplice de um crime que nem sequer

entendo..., disse o outro, sussurrando.

- Ah, meu amigo fiel, está na hora de você compreender... Você deve manter a mente

aberta, pois o que vou lhe contar vai estremecer as bases de tudo que você concebe por

realidade até então. Mas antes, devemos sair daqui rápido, antes que nos descubram.

Ambos começaram os preparativos para se retirarem da sala de arquivos fósseis do

museu de história natural. Mesmo preocupado com a vigilância enquanto saiam, Doze

concomitantemente esclarecia sua recém confirmada teoria ao amigo, que não podia ficar

mais tempo apenas em sua mente, não por enquanto:

- Lembra da minha tese de doutorado? A qual você sempre perguntou sobre o que

tratava, e eu dizia que era sobre a construção de um aparelho portátil para classificação de

compostos químicos?

- Sim, eu lembro bem, aliás, você carregou esse cacareco em todas as nossas recentes

aventuras por esses museus...- respondeu o amigo.


- Então. Eu menti. Para você, para os membros da banca, para as agências que

financiaram o projeto. Na verdade, em segredo, eu construí uma máquina para descobrir a

idade das coisas...

- Humm... Tinha que ter mentido mesmo, não iriam conceder seu doutorado com base

numa coisa que já existe há tempos, e que até eu - que não sou pesquisador - sei o nome, a tal

datação pelo carbono de algum número lá...

- Exato... - Doze fitou o amigo – porém, o que eu escondi de todo mundo é que meu

aparelho, além de fazer a tal analise que eles queriam no laboratório, também é capaz de

calcular as datas dos compostos, utilizando um novo método desenvolvido por mim que NÃO

utiliza o carbono 14, e nem qualquer outro átomo de carbono... aliás, ele usa... Deixa pra lá...

aqui não é a hora nem o lugar para eu te explicar como ele funciona... O que eu quero lhe

explicar são as consequências do que eu acabei de confirmar, mais uma vez aliás!

Os passos rápidos de ambos se dirigiam a saída de serviço do museu, por onde haviam

entrado. Nesse momento ouviu-se outro ruído de passos. Era um guarda que se aproximava.

Ambos ficaram quietos por alguns minutos, o que não diminuía a curiosidade no olhar do

amigo, o qual finalmente ia receber uma explicação justificando aquela jornada toda, que

incluía até a possibilidade de irem presos por invadirem o museu Smithsonian em

Washington, capital.

- Eu sou físico, e você sabe que todo físico se interessa por tudo, e tem sua atenção

chamada a fenômenos estranhos, sejam eles naturais ou sociais, ou de qualquer outro gênero –

introduziu Doze, falando em voz muito baixa, sem sequer ter certeza de que o guarda da

ronda havia ido embora.

- E daí? – questionou o amigo.

- E daí é que eu sempre achei muito estranha as lacunas existentes em nossa história.

- Qual história? Do nosso país?


- Não, a história da humanidade, meu caro amigo. Mas deixe-me explicar em detalhes

agora que estamos finalmente saindo desse lugar.

- Você nunca se perguntou o por que a nossa espécie existe a 50 ou 100 mil anos –

talvez mais – mas a nossa civilização existe há apenas 10 mil anos? Indo mais longe, porque a

terra tem bilhões de anos porém a vida no planeta é tão recente, comparado com a idade dele,

visto que todos os elementos para gerar vida já estavam aqui?

- Ah, Doze, não estou entendendo nada... Comece tudo outra vez.

- Ok. Na verdade vou direto ao ponto dessa vez. E se por acaso, houvessem existido

diversos ciclos de civilização, e por algum motivo muito obscuro a todos, esses ciclos foram

todos escondidos dos demais habitantes do planeta?

- Como assim? E os fósseis dessas civilizações?

- É justamente aí que eu quero chegar. Fósseis de civilizações existem, porém são

atribuídos a eles datas recentes e cômodas... para alguém ou alguns... ou muitos... não sei ao

certo, mas tenho uma ideia de quem sejam.

- Doze, daqui a pouco você vai me dizer que os dinossauros não existiram!

- Exato! – exclamou Doze – Foi exatamente o que eu acabei de comprovar com meu

aparelho, pela terceira vez e agora num país diferente do nosso, demonstrando que essa trama

é mundial!

- Como assim? Qual a data que você mediu com essa sua geringonça nos ossos dos

dinossauros?

Doze disse, antes de passar pela portinhola que os levaria para fora:

- 1969.

...

- Onde estou? – disse Doze ao acordar em uma sala branca, muito limpa, com exceção

de vestígios de algo que parecia ser terra sobre a mesa a qual estava deitado.
- Antes de mais nada, você tem direito a apenas 3 perguntas – disse uma voz feminina

a qual ele não soube identificar de onde vinha.

Olhou a sua volta cuidadosamente e viu apenas um quadro na parede, o qual ele

reconheceu prontamente. Era a ´Escola de Atenas´, uma das mais famosas obras do pintor

renascentista italiano Rafael. Lembrou-se da obra imediatamente, a qual retrata Platão

apontando para cima e Aristóteles apontando para baixo.

Olhava agora para si mesmo e percebeu que algo mais faltava além de suas roupas:

todas as cicatrizes do seu corpo haviam desaparecido.

- É necessário que você decida se quer manter sua existência conosco ou no mundo em

que você viveu até hoje – disse a voz – e como foi dito, posso responder a 3 perguntas antes

da sua decisão.

Frente a essa situação, o quadro de Rafael fazia mais sentido do que nunca. Ele

simbolizava uma escolha... não, ele simbolizava ´A´ escolha.

- Não são lá 3 desejos, mas tudo bem. Vamos a primeira pergunta: “O que acontecerá

após eu dar minha resposta?”

- Nesse momento sua existência é dual. Seu corpo original está dormindo e sua mente

foi gravada nesse corpo que está usando agora, clonado com base em seu corpo original,

porém com algumas melhorias.

Doze se perguntava em silêncio quais deveriam ser as tais melhorias, visto que se

consertaram as cicatrizes poderiam ter arrumado muito mais coisas em seu corpo, e até

mesmo acrescentado outras. Era tudo fascinante para ele, que sentia uma exaltação só

comparada a de uma criança de 5 anos que vai ao circo pela primeira vez. E a voz continuava

a esclarecer:
- Sua ‘essência’ no entanto está agora associada a esse corpo. Caso sua resposta seja

NÃO, nós o matamos aqui e sua ´essência´ vai retornar ao seu corpo original. Caso sua

resposta seja SIM, nós matamos seu corpo original e você viverá conosco a partir de então.

Pensava naquelas palavras. O que raios seria a tal ´essência´, e porque era tão

importante para sua vitalidade... Sabia que não tinha direito a muitas perguntas nesse

momento, e não queria perder o foco para sua tomada de decisão. Continuou ele então:

- Vejo que minhas escolhas são morrer ou ... morrer! Bom, minha segunda pergunta é: “Vocês

me trouxeram para cá porque eu me aproximei demais da verdade sobre a farsa dos

dinossauros?”

- Não. Você seria desacreditado facilmente. Bastariam opiniões contrárias ao seu

método de avaliação da idade. Fazemos isso o tempo todo, como por exemplo a descoberta da

tecnologia de fusão a frio para geração de energia. Como usamos exatamente essa técnica

para gerar energia para esse lugar, não queríamos que vocês a descobrissem, logo bastou

sabotar os demais experimentos no mundo todo para que a descoberta ficasse desacreditada.

- Você – continuou a voz – foi escolhido por sua pesquisa em economia internacional,

na qual desejava provar a existência de alienígenas verificando que a soma das importações e

exportações de todos os países do mundo não batiam. Suas conclusões sobre comércio com

alienígenas estavam erradas, pois na verdade esse déficit ocorre por nossa causa. Mesmo

assim chamou a atenção da nossa equipe de recrutamento.

Tinha agora apenas mais uma pergunta. Como deveria usá-la? Deveria querer saber o

paradeiro do amigo, afinal ele também estava próximo da verdade... Não, eles já haviam lhe

dito que ele foi convocado devido a outro motivo, se é que pode-se chamar de convocação

essa abdução apenas de mente, deixando o corpo no lugar...

Provavelmente tinha ali a chance de passar a eternidade com eles. Também certamente

iria deixar para trás tudo no mundo até então. Parentes, amigos, amores, carreira... Pensou
bem no assunto, e chegou à conclusão de que de nada lhe valia viver toda a eternidade se não

fosse possível atender ao que considerava o principal dos desejos mundanos:

- Minha última pergunta: “Tem sashimi por aqui?”

- Sim, à vontade. – disse a voz, pura e simplesmente.

- Então minha resposta é SIM, eu fico!

...

- Silêncio! Pela última vez, silêncio! – pediu o mentor, e a classe finalmente atendeu.

- Tudo bem que estamos em uma sociedade assíncrona, sem relógios, mas isso não

significa que eu tenha de passar toda a eternidade para lhes ensinar os principais

acontecimentos dos últimos 42 ciclos! – exclamou o professor de História, reclamando da

falta de atenção dos únicos 5 alunos da classe.

- O novato não deveria esperar uma nova turma, professor?! Afinal, muita coisa foi

vista até agora, no ciclo 37 que estamos estudando. Esse calouro vai nos fazer ter que ficar

repetindo coisas dos ciclos que já estudamos – indagou um dos alunos. Todos eles tinham um

semblante que apresentava contraste entre o rosto jovial em conjunto com olhos incisivos,

geralmente adquiridos apenas com a experiência de muitos anos de vida.

- Sim, o novato está em uma situação delicada, porém, dada a nossa situação atípica do

final desse ciclo, não estamos mais admitindo novas turmas, como vocês bem sabem. Então

calem-se e prestem a atenção no que vou explicar agora sobre a grande guerra do ciclo 37... -

e continuou sua aula enquanto os alunos conversavam em paralelo ao fundo.

Doze já havia perdido a noção do tempo desde que chegou. Quando lhe foi ordenado

que participasse de aulas de História, pensou que seria uma ótima oportunidade para entender

sua situação, porém, descobriu que aulas são enfadonhas e cansativas em qualquer lugar, e se

queria aprender algo de mais interessante teria de questionar seus novos colegas de classe.

Sua maior proximidade foi com Aaron, que havia chegado há pouco tempo também.
- Ah, depois eu te passo um resumo do ciclo 37, Doze. O mentor Yadaa é muito

repetitivo. Vai falar dessa guerra indefinidamente. Ele já deve ter se esquecido que agora

existe limite de tempo para as aulas. Depois de lecionar por 4 ciclos, ele deveria se aposentar,

caso isso existisse por aqui – afirmou Aaron, e continuou:

- Mas para você que chegou agora, deve estudar o que cai nas provas sem perder

tempo com enrolação. Como você faltou no começo, vou te dizer o que é mais importante

saber.

- E o que é? Aliás, provas, aqui? Achei que estaria livre delas...

- Sim, provas. Enquanto não obtivermos nossa titulação, não podemos fazer parte na

tomada de decisões dessa sociedade. E como essa sociedade controla a sociedade lá fora,

consequentemente não podemos fazer parte de nada que acontece no mundo também. Então,

temos que passar nas provas... – afirmou Aaron.

- Bom, e o que eu tenho que saber?

- O motivo das mudanças de cada ciclo.

- Isso o professor já comentou. É quando uma civilização termina e outra se inicia,

correto?

- Calouros. Ouvem uma parte e acham que já entenderam o todo – disse Aaron com

olhar de desapontamento - Na verdade é quando NÓS eliminamos uma civilização e

iniciamos outra.

NÓS ?! – exclamou Doze - Nós cometeremos o genocídio de toda uma civilização?

Nesse momento o professor pediu silêncio no fundo da classe, e voltou sua atenção

aos 3 alunos que realmente acompanhavam a história do 37º ciclo, abandonando os demais ao

fundo.

- Embora esse lugar fique nas alturas, próximos às nuvens, e que os que vem para cá

são conhecidos por terem se dedicado em suas vidas, isso aqui está longe de ser o paraíso,
apenas com pessoas boas... temos pessoas boas e más de todos os ciclos de civilização. Aliás

todo o conceito de bem e mal que você aprendeu não se aplica aqui. Quem leu Nietzsche

antes de vir para cá sofre menos no período de adaptação.

- Mas respondendo a sua pergunta – continuou Aaron - já lhe adianto que muito

provavelmente não tomaremos parte na eliminação do nosso ciclo, visto que ela já começou e

foi abandonada uma vez – disse Aaron.

- Começou? Abandonada? Olha, Aaron, eu posso não conhecer história do ciclo 41

para traz, mas eu conheço a nossa história, do ciclo 42, que são os últimos 10 mil anos, não é

mesmo? E não me recordo de nada que tenha se aproximado de um genocídio completo.

- Foi o que eu tinha pensado também. Eu andei perguntando para alguns veteranos,

visto que o mentor Yadaa nunca chegava em nosso ciclo. Você se lembra de algo chamado

Holocausto?

- Claro. Mas o Holocausto foi a eliminação sistemática dos judeus na segunda guerra

mundial, e não de todo mundo!

- Sim, mas depois deles seriam os indianos e por fim... – afirmou Aaron, já antevendo

a reação de aceitação de Doze – todo o restante, afinal, a técnica mais elaborada para reinício

de ciclo envolve a contaminação da carne de porco, que os judeus e indianos não consomem.

- Está querendo dizer que Hitler ordenou o extermínio dos judeus apenas por não

comerem carne de porco?

- A missão de Hitler era reiniciar o ciclo e recolher as obras de arte. E sim, ele

começou com os judeus pois eles não seriam contaminados pela gripe suína, que aliás já havia

sido testada pouco antes da guerra, na Espanha. Mas logo a seguir seriam eliminados todos os

povos que não consumiam carne, e por fim, a grande contaminação aconteceria, e o ciclo seria

reiniciado. Afinal, quem não gosta de bacon, não é mesmo?


E o rosto de Doze demonstrou que existia lógica naquelas afirmações – para o deleite

de Aaron.

- Mas, algo aconteceu, e eles abordaram o reinício do ciclo – esclareceu Aaron.

- O que aconteceu? Me conte? Eu preciso saber!!! Implorou Doze.

- Isso eu ainda não descobri. Afinal, nosso curso de história ainda está no ciclo 37...

...

Não havia necessidade de dormir, apenas de comer. Ninguém ficava cansado, embora

isso não os livrava do tédio. Assistir aulas ininterruptamente, parando apenas para as

refeições, poderia ser muito bem a definição de algo que pudesse ocorrer dentro de um dos

círculos do inferno descritos por Dante, principalmente quando o assunto da aula estava longe

de ser de interesse imediato.

- O que? Já está na hora do intervalo novamente? como eu posso ensinar com tantos

intervalos. Voltem para cá assim que se alimentarem – lamentou o mentor Yadaa.

Doze ficava ansioso com os intervalos para refeição, pois aproveitava para esclarecer

suas dúvidas mais urgentes com os amigos. Após uma quantidade infindável de intervalos, ele

já estava bem a par dos acontecimentos e aproveitava para confirmar o que os amigos haviam

lhe ensinado:

- Então, quer dizer que nosso ciclo realmente começou com a Arca de Noé?

- Já disse que nunca houve um Noé - corrigiu um aluno - mas a arca existiu sim.

Derreteram as calotas polares para terminar com a civilização do ciclo 41... Também, quem

mandou eles chegarem perto da cura...

- Sim, me lembro que o motivo para uma civilização terminar é justamente quando

encontram a cura, ou seja, quando aprendem a se tornar imortais – completou Doze, já

familiarizado com essa linha de pensamento.


Nesse meio tempo os alunos experimentavam comidas exóticas que saiam de um

dispositivo o qual lembrava em muito uma cornucópia - chifre mitológico o qual dava origem

a alimentos infindáveis - embora esse dispositivo não precisava ser soprado como no mito.

- Isso tudo é medo de que eles se tornem nossos concorrentes? – murmurou Doze

comendo uma fruta nunca antes vista por ele – Aliás, como se chama mesmo essa fruta?

- Essa é uma Klégia, fruta típica do ciclo 32, que não foi reintroduzida no nosso ciclo

– Disse Aaron – pois quando combinada com morangos, gerava a cura.

- Ótimo, então agora eu sei o segredo da vida eterna! Morango com Klégia!

- Na verdade muitas combinações geram o elixir da vida eterna – afirmou Aaron.

Sequer uma civilização tem que ser avançada para descobri-lo. Você já estudou algo sobre

genética, Doze? O problema da vida eterna consiste apenas em realizar a cópia exata do seu

DNA. Cópias com falhas causam os problemas de saúde que são definidos como velhice.

- Sim, me lembro de ter estudado isso. Mas depende de biotecnologia avançada. Não é

mesmo? – perguntou Doze.

- Se você acha que os alquimistas da idade média eram avançados – disse Aaron rindo.

Aliás, um deles, Paracelso, se não me engano, conseguiu descobrir uma fórmula para a vida

eterna e a repassou a outros alquimistas. Isso quase nos custou o reinicio do ciclo. Ainda bem

que a contaminação por ratos não foi tão eficiente quanto a contaminação por porcos, senão

teriam matado muito mais do que um terço da Europa. Por fim perceberam que todos que

tinham aprendido o segredo dos alquimistas haviam morrido e deram mais uma chance ao

nosso ciclo.

- Então a pedra filosofal realmente existiu? – questionou Doze.

- Não era bem uma pedra. Não sei qual combinação os alquimistas utilizaram naquela

época, pois não sobraram registros, mas eu sei algumas das combinações: manga com leite,
soda e pop rocks, coca-cola e aspirina... – Aaron tentava se lembrar de outras ainda, quando

foi interrompido.

- Manga com leite? Isso não mata? Quero dizer, essa combinação não era justamente

algo que mata a pessoa que o consome, de acordo com o boato? – disse Doze, o qual há

tempos já não se espantava com uma nova notícia.

- Sim, exatamente. Aliás, cada cultura tem seus boatos sobre uma ou mais

combinações de ingredientes comuns, ditas mortais, porém todas são na verdade receitas para

a cura. E todos esses boatos são originados aqui... – explicou Aaron.

- Muito engenhoso! Mesmo sendo boatos, as pessoas não arriscam experimentar essas

combinações ditas mortais... Mas porque nunca ninguém experimentou por acidente? Afinal,

o mundo tem bilhões de habitantes... – retrucou Doze.

- Bom, tem uma coisa que corta o efeito da vida eterna... o consumo de bebidas

alcoólicas. Centenas de anos de engenharia social tornaram o álcool – ríspido ao paladar - em

um indicador de status, requinte, e principalmente, desinibidor sexual, indispensável a quase

todos os humanos. Nosso investimento na indústria do álcool é parte do segredo para mantê-

los longe da imortalidade – rebateu Aaron. Tem ainda o fato de que a pessoa só de torna

imortal se ingerir a cura até os 27 anos.

- Mesmo assim, não é improvável que não tenha existido ninguém com até 27 anos

que não tenha ingerido manga com leite, ou soda com pop-rocks, e tenha mantido abstinência

de álcool! – reclamou Doze.

- Sim, sempre existem alguns desses casos – afirmou Aaron. Um caso antigo foi

documentado no livro de Oscar Wilde, após ele ter conhecido o Sr. Gray... Dorian Gray. Um

caso mais recente de não envelhecimento é o do ator de Hollywood, Johnny Depp.

...
- Então vocês sabem de tudo que acontece no mundo, monitorando todas as pessoas,

ainda por cima as influenciam com boatos quando vocês querem que elas acreditem, ou não,

em algum fato ou pessoa... Sempre imaginei que a Internet havia sido criada com esse

propósito – afirmou Doze, em tom de confronto em sua primeira conversa com o Sr. Fischer,

destacado como seu supervisor de acompanhamento.

Fischer nasceu no 34º ciclo, sendo que passava a maior parte do tempo com seu

tabuleiro de xadrez (jogo inventado no 32º ciclo), ensaiando aberturas e variantes desse jogo

de estratégia e raciocínio. Mesmo enquanto ouvia as acusações de seu novo subordinado,

mantinha os olhos e as mãos concentradas em mover as peças. Após algum tempo atendendo

calouros que mal haviam completado as aulas de história dos ciclos, e sendo um ótimo

estrategista – e provavelmente portador de síndrome de Asperger, o que lhe causava extremo

desconforto com qualquer comunicação interpessoal – o Sr. Fischer já havia se precavido para

esses encontros nada fortuitos para ele. Disse então: “B3, D4”.

Doze olhou para o tabuleiro de xadrez e viu que não havia qualquer movimento válido

envolvendo as casas B3 e D4 do tabuleiro. Percebeu um rápido olhar de Fischer na direção de

um arquivo de fichários que havia na sala. Abriu o arquivo, retirou a pasta B, na seção 3. O

título do conteúdo dizia: “Internet: Criada pelos humanos para espionar os próprios

humanos”. Já a pasta D, seção 4, era intitulada: “Entonet: Criada pelos semideuses para

espionar os humanos”.

Semideuses? Entonet? Que diabos é tudo isso?

“C5, H7, B1” – retrucou Fischer, com um tom de voz carregado com o desprezo que

alguém já com centenas de anos na instituição dirige-se a um recém chegado.

Os fichários explicavam tudo: Semideuses, que ao contrário da definição grega da

mistura de homens e deuses, era a forma como eles próprios se intitulavam, mas de acordo
com a definição atribuída pelo hinduísmo, na qual semideuses seriam seres que inicialmente

eram homens e depois se tornaram deuses.

Porém, a definição mais chocante tratava da tal Entonet: uma rede global, distribuída

por todo o globo, para espionagem, controle e coleta de informações e amostras químicas,

constituída apenas de: Insetos!

Isso mesmo. Os arquivos revelavam que as moscas monitoravam tudo como sendo

câmeras. Transmitem então suas informações para baratas, que por meio de sua grande

população, constituíam uma vasta rede de comunicação através de suas longas antenas.

Até mesmo a coleta de DNA era feita por percevejos, pulgas e pernilongos. Mas Doze

exclamou de prontidão: “Se os insetos foram desenvolvidos com esse propósito, qual o intuito

das florestas e outras áreas não habitadas estarem infestados por eles?”

“G6”, disse Fischer, porém agora tendo parado com seu jogo e olhado diretamente nos

olhos de Doze.

A pasta do G seção 6 trazia uma informação aterradora para Doze: Os semideuses

tinham um inimigo poderoso no Planeta Terra – as árvores! Tão poderosos que no 3º ciclo foi

necessário a separação dos continentes, causada pelos semideuses, a fim de isolar os

principais exércitos de arvores pelo globo.

Sim, a separação dos continentes havia sido uma medida desesperada para evitar

perder a guerra contra as árvores. Até hoje, elas são monitoradas pelos insetos, e

sistematicamente eliminadas pelos humanos sob a influência dos semideuses.

- Como exatamente uma sequóia pode me fazer mal?

“H5”. H5 informava como o canto das cigarras paralisava as árvores, e como a

Entonet reage quando uma árvore tenta se mover, sendo que os demais insetos alertam as

cigarras para iniciarem a emissão da frequência sonora de paralisação das árvores.


“Sempre achei suspeito demais o fato das cigarras terem ciclos de incubação de 13 ou

17 anos, justamente números primos... Agora entendo porque foram construídas dessa forma,

pois eventuais predadores naturais não poderiam diminuir a população de cigarras, já que as

árvores poderiam se rebelar...”

E continuando sua exposição:

“Isso me lembra muito a obra de ficção de Tolkien, com árvores em guerra...”. Para

sua surpresa, Fischer levantou e se dirigiu a ele:

“Não tenho fichas para isso. Não previ que alguém pudesse estabelecer essa relação

sendo um recém-chegado, mas Tolkien não escreveu nenhuma ficção. O que ele publicou foi

a história do 2º Ciclo”.

...

“Se apresse, Doze!”, dizia Aaron afobado. “Vamos perder a chance de conhecer a

base”.

- Que diabos é essa coisa? Um disco voador?

- É apenas um Orbitex. Usamos isso para buscar e trazer agentes. Antes eram

utilizados aviões, mas desde que Santos Dumont subiu aos céus de Paris com seus balões e

viu nossos aviões sobre as nuvens, tivemos que construir outros dispositivos para transporte.

Afinal, a humanidade conseguiu copiar nosso meio de transporte favorito criado no 5º Ciclo.

- Então todos os relatos de OVNIs, sequestros alienígenas, eram vocês?

- Éramos nós, meu caro. Acostume-se com a ideia de que você é um de nós agora,

embora o que estamos por fazer em breve pode nos tornar humanos novamente, ou até mesmo

nos levar a um destino pior... - Temia Aaron.

Aaron, enquanto humano, havia sido preso, julgado, e antes de sua condenação foi

morto por corporações humanas. Por sorte, havia sido marcado para se tornar um semideus, e

os humanos apenas adiantaram sua chegada. Mas essa forma de ingresso, na qual ele não teve
oportunidade de escolha como os demais, incluindo Doze, criava nele um desprezo pela

humanidade maior do que o esperado para um iniciante.

-Agora cale-se que o Sr. Fischer e o mentor Yadaa estão chegando. Eles foram

convocados urgentemente para a Base, e eu não vou perder a oportunidade de conhece-la –

disse Aaron, se escondendo por trás da cornucópia e dos pacotes de comida miniaturizada.

- Mas nós não estamos na base? Digo, existe outro lugar?

- Você me fez tantas perguntas sobreo passado que se esqueceu de levantar

informações sobre o presente, Doze. Nós estamos num centro de treinamento no Tibet. A base

dos semideuses fica na Antártida. Onde mais hoje em dia haveria espaço para todos os

semideuses? Nós somos cerca de 0,1% da população da Terra, você bem sabe...

- Mas Antártida é um continente inexplorado...

- Inexplorado nesse ciclo, meu caro. Já foi muito bem explorado, mapeado, e com

cidades subterrâneas do tamanho de Nova York. E antes que você pergunte, água existe à

vontade; basta derreter o gelo, os dejetos são transformados em energia elétrica e térmica por

fusão nuclear e a comida vem do mundo exterior, miniaturizada. Aliás, essas caixas que

estamos levando aqui tem comida para 6 milhões de pessoas para o próximo ano. Também

nunca pensei que havia tanto espaço inútil entre o núcleo dos átomos e os elétrons.

- Já que tocou no assunto, sempre quis saber por que não encolhem pessoas?

- Cérebros contém mais do que apenas átomos. Contém informação. Podemos

encolher os cérebros, claro, mas isso ocasiona a perda de informação codificada. Ao

restaurarmos o tamanho novamente, a pessoa vai se esquecer de tudo que aprendeu na vida.

Aliás, você nunca se perguntou o motivo das nossas aulas tradicionais? Não é possível alterar

os estados cerebrais para introduzir novos conhecimentos, com o risco de perder tudo que foi

aprendido. Por isso nos limitamos a colocar dispositivos para monitorar esses estados após o

aprendizado, a fim de restaurar um determinado momento cerebral, o qual define ao mesmo


tempo quem você é e todo seu aprendizado, emoções e impulsos. Esse back-up cerebral é o

que nos torna verdadeiramente imortais.

- Aaron, estamos voando muito rápido! – disse Doze assustado.

- Também é minha primeira vez num Orbitex, mas ouvi dizer que eles são muito

rápidos mesmo, aproveitando distorções espaço-tempo ao redor do planeta para o

deslocamento ultrarrápido. Parece que qualquer radar humano capta esse movimento

ultrarrápido e os operadores associam a pequenas falhas momentâneas nos equipamentos de

radar.

- E parece que já estamos chegando, Aaron!

- Mesmo eu não tinha ideia de que seria tão rápido uma viagem do Tibet à Antártida!

Já te contei sobre as outras bases desativadas nesse ciclo, e como nós sempre ouvimos falar

delas desde crianças?

-Quais?

- A primeira instalação foi em uma montanha na Grécia. Os habitantes locais a

chamavam de Olimpo. Após um tempo, a civilização humana evoluiu, e tivemos que migrar

para uma ilha no oceano atlântico. Também foi descoberta, e inclusive Platão nos denunciou,

mas ficamos lá assim mesmo, até que se iniciaram as grandes navegações. Foi então que

Atlântida foi abandonada. Depois disso, fomos para o meio da floresta, ficar de olho nos

inimigos, as árvores, e então fomos chamados de El Dorado. Porfim, nossa base no Tibet foi

apelidada de Shangri-La pelos nativos, e será desmontada em breve, restando essa base

principal aqui na Antártida.

-Algo sempre me chamou a atenção nessas histórias. Creio que foram elas que me

levaram a ser cientista e procurar pela verdade. Mas agora que estamos aqui, o que faremos?

- Tentaremos não ser pegos. O castigo é a formatação. Tome muito cuidado, pois a

partir de agora somos meros intrusos!


...

Seres de diversas raças, humanóides em geral, habitavam a cidade subterrânea

Antártida conhecida como Xanadu. Elas haviam movido a mesma desde a Ásia até sua

posição original, apenas isso explicaria as gigantescas construções em pedra que mais

pareciam palácios chineses. Certamente o dispositivo de miniaturização ajudou em muito

nessa tarefa.

Doze e Aaron se impressionavam a cada olhar. Embora eles já haviam visitado

inúmeros sítios arqueológicos, aquela cidade estava vívida, imensa e populosa, sendo que

aparentemente todos se dedicavam a apreciação de arte e cultura.

Toda e qualquer tarefa de trabalho era executada por autômatos, espécie de robôs

miniaturizados. Cornucópias estavam espalhadas por todos os locais, e os habitantes

simplesmente restauravam o tamanho do que desejavam, desde pratos exóticos até

refrigerantes calóricos.

Haviam artistas em cada esquina, algo só comparável com o dia da festa da música em

Paris. Instrumentos musicais nunca antes ouvidos pelos dois intrusos criavam melodias

angelicais no ambiente próximo, sendo que mal a melodia terminava outro artista já era

possível ser ouvido, conforme eles passeavam pelo local.

Inúmeros teatros fariam da Broadway amadores. Um deles anunciava: ‘Nova peça de

Shakespeare, inédita nesse ciclo!’

- Shakespeare está aqui? - se espantou Doze.

- Eu não duvidaria, pois afinal ele escreveu suas peças há vários ciclos atrás. Todos

gostam tanto dele que suas peças são reintroduzidas ciclo após ciclo, pois seria muito cruel

condenar a humanidade a viver sem elas... – explicou Aaron.

- Quem mais está aqui? Hitler, Kennedy, Einstein, Jesus?

- Pelo que eu ouvi desde que cheguei, Hitler se suicidou.


- Sim, ao perder a guerra...

- Não, ele formatou o backup de seu próprio cérebro após obrigarem ele a desistir da

eliminação do nosso ciclo. Ficou tão deprimido em não ter destruído mais uma civilização

que resolveu se matar.

Aaron explicou em detalhes a Doze que as mentes são armazenadas em memórias

especiais fabricadas com um material semicondutor chamado Astato. Porém, todo o Astato já

havia sido garimpado pelos semideuses em ciclos passados, restando aos humanos apenas 32

gramas desse material. Praticamente a população de semideuses não pode crescer mais sem

mais Astato.

- Já o Kennedy – continuou – foi enviado para criar o programa espacial. Os

semideuses ficaram muito interessados na Lua após a guerra, embora eu ainda não consegui

descobrir o porquê. Logo é possível que a gente encontre o Kennedy por aqui. Mas Einstein

não, ele não quis vir. Foi convocado, mas preferiu voltar, pois queria se casar novamente com

a prima dele. Uma pena mesmo.

- E Jesus? – perguntou Doze com receio do que iria ouvir.

- Ele foi aluno do mentor Yadaa. Talvez o encontremos por aqui. Dizem que ele deu

muito trabalho para o mentor: levou uma cornucópia para a Galiléia e distribuiu o estoque de

comida miniaturizada para todo mundo – Yadaa disse que ele levou todo o estoque de pão e

peixe do centro de treinamento... ele também restaurou a memória de outro semideus, Lázaro,

em um novo corpo, e deixou muita gente intrigada com a tal ressuscitação... Por fim, disse

que iria embora pesquisar um novo material para substituir o Astato, e assim que voltasse para

a humanidade iria salvar a todos. Mas já se passaram dois mil anos e até agora ele não

anunciou nada.

- E como é que ele andava sobre a água?

- Isso ninguém sabe. Vai ver que ele era mesmo divino.
Nesse momento Yadaa e Fischer entraram em um prédio mais parecido com um

grande teatro.

- Agora vamos seguir o Sr. Fischer e o mentor Yadaa e ver para onde estão indo...

...

- Não acredito Doze! Essa reunião é um concílio! Sabe desde quando os semideuses

não fazem um concílio? Desde o Concílio de Tebas! – espantou-se Aaron.

- Isso talvez explique o trabalho que tivemos para conseguir entrar. Mas você se refere

à Tebas na Grécia ou à Tebas no Egito? – indagou Doze.

- Nenhuma das duas, me refiro à Tebas de Atlântida. Eu havia ouvido rumores no

centro de treinamento que eles iriam realizar um novo concílio justamente para debater os

motivos do cancelamento da eliminação do nosso ciclo.

- Ah, então finalmente eu vou saber o que aconteceu! – exclamou Doze.

O local estava repleto de pessoas, organizadas ao redor de uma imensa tribuna,

equipada com o que parecia ser um grande espelho de água no chão, porém tal espelho

apresentava imagens provenientes das memórias do palestrante que ocupava a tribuna no

momento. Outra coisa interessante eram os relógios de água por todos os cantos do lugar,

sendo que em nenhum outro local de Xanadu eles haviam visto relógios de qualquer tipo.

- Estão cronometrando as apresentações! Isso é um sinal muito ruim. – disse Aaron.

- Qual o problema? Eu acho isso perfeitamente comum...

- Comum em nossa antiga sociedade, onde o tempo era escasso. Aqui, o tempo é

praticamente infinito, e se estão controlando, é porque deve estar próximo de se tornar escasso

– disse Aaron, e continuou: “Olhe aquelas projeções. O que lhe parecem?”

- Parecem trajetórias orbitais. Sim, e aqueles números também parecem elementos

orbitais, utilizados para rastrear corpos celestes como planetas, estrelas...


- E cometas e asteróides também – completou Aaron. Suspeito que estamos vendo nas

projeções do espelho de água informações sobre uma rota de colisão. Pena que nenhum de

nós aprendeu ainda a linguagem sânscrito utilizada pelos semideuses, por isso não

entendemos nada do que está escrito.

- Tem uma data ali: 18 de dezembro de 1940, do 42º ciclo. Isso faz algum sentido para

você? – informou Doze.

- Essa é a data do início do planejamento da operação Barbarossa, quando os alemães

invadiram a união soviética. Então assim que tomaram conhecimento da vinda desse cometa

ou asteróide eles viraram a casaca com os russos, certamente já tendo cancelado o plano de

reiniciar nosso ciclo de civilização e sabotando a própria máquina de extermínio que eles

haviam criado – concluiu Aaron.

- E porque estão exibindo a Lua agora?

- Não tenho idéia... – disse Aaron.

- Aquilo é um... cemitério, Aaron? Na Lua? - O sistema de projeção de memórias

sobre o gigantesco espelho de água apresentava agora o que pareciam ser um grande

cemitério no lado oculto da Lua.

- Não, Doze, suspeito que aquelas milhares de lápides são na verdade nossas mentes!

Ou para ser mais específico, o lugar onde elas estão armazenadas...

- Mas como podem manter os backups atualizados... digo, o que eu estou pensando

nesse momento está armazenado naqueles blocos de pedra lá na Lua agora?

- Não. O que você está pensando, não... nem mesmo o que eu estou pensando. Olhe

aquela data: Dezembro de 1972. E se o pouco que entendo de sânscrito está correto, o nome

que estou lendo ali é Apolo e do outro lado, transporte. Meu caro, creio que todos que fomos

“recrutados” após 1972 não temos direito ao backup de mentes, visto que todo o Astato do

nosso planeta foi levado para o lado oculto da Lua!


- Porque eu sempre estou atrasado nas últimas modas – lamentou Doze – mas isso

explica o final da guerra, o cancelamento do extermínio da nossa civilização e inclusive o

frenesi das missões à Lua tanto de americanos quanto de soviéticos, e também explica o

motivo de ninguém mais querer ir pra Lua – concluiu Doze.

- É meu amigo – disse Aaron - nós dois já morremos uma vez, então temos que tomar

cuidado para não morrermos de novo, pois como cantava Nancy Sinatra: You Only Live

Twice!

...

- Muito malandros esse semideuses! Fizeram uma cópia de segurança do cérebro deles

na Lua porque a Terra está para ser destruída. Mas mesmo assim, como é que eles vão se

safar, visto que sem planetas todos vão ficar sem corpos também? As mentes no Astato não

podem pensar, pelo que você me disse, são apenas uma cópia de segurança – lamentou Doze.

- Pelo restante que vimos na conferência, alguém virá salvá-los. Alguém de fora do

planeta.

- Alienígenas? Você me disse que nunca foram contatados, em nenhum ciclo!

- Não creio que seja isso. Pelo pouco que entendi, aparentemente uma expedição foi

enviada no 32º ciclo para fora do sistema solar, e eles estão prestes a retornar. Levaram

consigo equipamento para terra-formação, ou seja, construção de espaços habitáveis em

planetas favoráveis.

- E eles conseguiram encontrar planetas habitáveis?

- Aparentemente não. Apenas Marte é habitável o suficiente para realizar terra-

formação. Mas eles preferiram procurar mais longe, visto que em alguns bilhões de anos

nosso Sol vai se expandir e destruir a Terra e também Marte – disse Aaron pensativo.
- Então graças ao cometa, asteroide ou sei lá o que, descoberto durante a segunda

guerra, deram ordens para essa nave voltar. Mas pelo jeito ela não vai conseguir chegar antes

da destruição do nosso planeta?

- É o que eu penso. Creio que eles vão fazer o resgate das memórias em Astato na Lua,

e depois seguir para terra-formação de Marte, restaurando lá corpos e mentes de todo mundo

que se tornou semideus até 1972 – afirmou Aaron.

- O que me intriga é porque a humanidade não conseguiu prever o tal cometa também,

afinal tínhamos tecnologia para isso...

- Lembra das falhas no telescópio Hubble? Aposto que não foram erros de engenharia,

e aposto que ainda existem pontos cegos após a manutenção que realizaram. E o que você

acha que esses pontos cegos deixam de ver?

- Nosso cometa ou asteroide apocalíptico – concordou Doze.

- Mas ainda assim comunicações no espaço utilizam ondas de rádio. Se eles têm se

comunicado recentemente com essa nave, todo mundo no planeta deve ter recebido qualquer

sinal transmitido por ela...

- Claro, mas essa comunicação já é tão antiga - afinal essa nave partiu ciclos atrás –e

desde que a humanidade, em nosso ciclo, passou a ouvir o universo por ondas de rádio, no

século 20, poucos trechos devem ter sido interceptados.

- Sim, me lembro que Tesla interceptou sinais extraterrestres em 1899, que diziam 1, 2

e 3, provavelmente indicando início de comunicação. Devia ser a nave pedindo contato –

Doze conjecturou a respeito.

- Mais recentemente um pesquisador de Ohio detectou um sinal claramente inteligente

vindo de fora do planeta, e com muita informação em meio ao ruído, o qual só poderia ter

sido criado por vida inteligente. Esse sinal foi recebido em 1977 e foi chamado de “Uau!”

pois foi essa a expressão escrita em caneta ao lado do sinal. Ninguém o decodificou, mas
acredito que se tentassem decodificá-lo em sânscrito, algo me diz que estaria escrito: “Ok,

estamos voltando!” – completou Aaron.

- Sabendo que vamos morrer e que a vida é curta novamente, vamos aproveitar

Xanadu, Aaron. Eu não volto mais nem um segundo para as aulas intermináveis do Yadaa –

disse Doze olhando para todas as mulheres na praça abaixo da estátua onde conversavam.

- Estou de pleno acordo, Doze. Mas acredito que é uma boa ocasião para lhe dizer que

os semideuses não se importam muito com relações interpessoais ou mesmo com sexo.

Afinal, quantas crianças você está vendo por aqui? – disse isso ansioso pela reação de Doze.

- Não me diga! E eu que me preocupei mais com o sashimi do que com sexo quando

decidi vir pra cá – lamentou Doze como quem perdera um bilhete premiado de loteria.

- Não digo que não o fazem sexo, só disse que é extremamente raro. Algo assim como

o que ocorre na cultura japonesa, só que muito pior! Além do mais, o processo que restaura a

cópia perfeita na divisão celular mitótica prejudica totalmente a divisão meiótica...

- Em outras palavras você quer dizer que por terem me tornado imortal, eu tive de

ficar estéril? – indagou Doze.

Exatamente – confirmou Aaron.

- Mas e quanto ao amor? – perguntou Doze.

- Você conheceu isso? – questionou Aaron.

-Não.

-Eu também não.

E ambos saíram a passeio por Xanadu.

...

- Aaron, venha cá! Você precisa conhecer essa garota! – gritou Doze para o amigo,

que estava sentado numa mesa mais distante com outras mulheres.
Ter optado por adentrar num mundo de cientistas e artistas foi realmente uma bela

escolha para Doze, afinal os semideuses convocavam cientistas para auxiliarem em seus

avanços tecnológicos e artistas para divertirem os cientistas. Os atletas não eram convocados

uma vez que todos lá podiam ser reconstruídos com corpos perfeitos, com músculos torneados

e sem qualquer traço de gordura adicional ao mínimo necessário para atender aos padrões

estéticos e metabólicos. Em suma, o paraíso de qualquer nerd, cheio de mulheres bonitas, sem

qualquer valentão do rugby, ainda por cima, até mesmo os nerds tinham corpos atraentes visto

que agora não necessitam mais de óculos ou qualquer tipo de aparelho dental ou ortopédico.

Não havia bebidas alcoólicas, é claro, para não cancelar o efeito da imortalidade, mas

bebidas açucaradas podem tornar um grupo quase tão animado quanto uma rodada de tequila:

- Essa é minha nova amiga, Yelika! Ela é de Atlântida, acredita? – exclamou Doze,

quase bêbado sob o efeito de tanta glicose em seu sangue.

- Acredito Doze. Que tal diminuir um pouco o consumo de açúcar? – disse Aaron.

- Deixe o Doze-ton se divertir, Aaron-ton, afinal, se ele ficar diabético basta trocar de

corpo – disse a anfitriã da mesa, Yelika.

Nesse momento Aaron olhou com reprovação para Doze, o qual entendeu prontamente

que esse era seu último corpo. Sua única chance de sobreviver seria uma transferência direta

de sua mente daquele corpo para outro corpo, visto não haver mais Astato no planeta, mas

uma vez que estavam foragidos do centro de treinamento, nem mesmo isso seria possível.

Diminuiu o ritmo das doses a partir de então.

- Como dizia,Yelika aqui nasceu na Atlântida...

- Nasci em Mikonos, mas fui iniciada em Atlântida – corrigiu ela.

- Como dizia, sabia que foi ela quem projetou o Kraken? Ela é especialista em nano-

biologia.
- Ele era tão bonitinho, mas então usaram um inversor de encolhimento sobre ele para

torná-lo um monstro a fim de proteger a base de Atlântida das grandes navegações do século

16 do ciclo 42.

- O Kraken, terror dos mares, inicialmente um bicho de estimação. E como o mataram

final? – indagou Aaron.

- Não o mataram. Eu o fiz imortal também. Só o afundamos junto com Atlântida. Às

vezes os sonares dos humanos ainda captam alguns sons do meu bichinho no fundo do mar.

- Julia, Bloop, Upsweep... conhece esses nomes, Doze? – perguntou Aaron.

- Claro, são nomes de sons misteriosos captados por microfones submarinos, mas tão

intensos que ninguém achava que fossem gerados por seres vivos. Foram captados

basicamente em metade do Oceano Pacífico. Não deveria estar no oceano atlântico?

Nesse momento Yelika deu gargalhadas e completou: “Mas Atlântida ficava no

Oceano Pacífico. Platão viu o mapa de cabeça para baixo em seu relato de Atlântida. Mas eu

gosto mais desse nome. Não cai bem com minha personalidade ser uma cidadã Pacífica”.

Aproveitando o momento de descontração, Doze perguntou: “Mas então, Yelika,

quando foi a última vez que você fez sexo?”

Instalou-se um silêncio profundo no ambiente, onde todos da mesa ficaram em

completo silêncio. Após um desagradável período de uma dezena de segundos, ela disse:

- Ainda não foi a última vez... – e alguns riram e mudaram rapidamente de assunto.

Uma das amigas da mesa completou: “Tecnicamente somos todas virgens, visto que

quando nossos corpos foram reconstruídos, restauraram tudo que era geneticamente original,

se é que vocês me entendem. E aqui em Xanadu ninguém se preocupa muito com isso, logo

mantemos nossas virgindades”.

Nesse momento Doze e Aaron pensaram, concomitantemente, que foram para o

paraíso, com muito mais do que 72 virgens, e nem precisaram ter sido homens-bomba na vida
passada. Porém, haviam bebido de tudo, menos a água de Xanadu, a qual lhes reservara uma

surpresa.

...

Sendo Xanadu uma cidade subterrânea, a sensação era de estar em uma noite eterna.

Juntando ao fato de que as pessoas não se cansavam e nem ao menos tinham de trabalhar, a

única mudança efetiva que ocorria eram quais pessoas se encontravam e onde.

Em uma das muitas noites de boemia entre Doze, Aaron, Yelika e suas amigas, surgiu

a pergunta:

- Há quanto tempo vocês chegaram do centro de treinamento? – quis saber Yelika.

- Creio que 10 ou 12 dias. Não estou contando, mesmo porque não é nada fácil

encontrar relógios aqui em Xanadu, fora aqueles do teatro principal. Por que pergunta? –

questionou Doze.

- Notei que o comportamento libidinoso inicial de vocês caiu bastante, como esperado.

– disse Yelika.

- Como esperado? Como assim? Espere, que comportamento libidinoso? Minha

pergunta sobre sexo foi uma brincadeira quando nos conhecemos...

- Meus queridos novatos, aqui em Xanadu, a água que vocês consomem é pura, sem

iodo, vindo diretamente das geleiras. No centro de treinamento, a água que vocês consumiam

era a mesma água fornecida aos humanos, carregada de iodo – esclareceu Yelika.

- Mas iodo é para tratamento de bócio, uma doença que afeta a tireóide, por isso é

colocado em todo o abastecimento de água – destacou Aaron, e continuou – Não tem nada a

ver com libido!

- Seu povo lá fora avançou em alguns ramos da biotecnologia – começou a explicar

Yelika - mas desprezam outros, como a homeopatia, apenas pelo fato de que não conseguem

mensurar o efeito de uma parte em um milhão de uma substância no organismo. Esse mesmo
desprezo os torna cegos ao fato de que uma parte pequena do Iodo causa efeito interessante

em outros órgãos, no caso, órgãos sexuais...

- Você quer dizer que naturalmente os homens e mulheres não têm propensão aos

impulsos sexuais e que isso é manipulado por vocês com o acréscimo de Iodo na água de todo

mundo? – espantou-se Doze.

- Exatamente. Para conseguirmos uma variedade genética bem variada de cientistas e

artistas, é necessário que as pessoas se reproduzam muito. Lógico que mutações são

necessárias no processo... - disse Yelika.

-Vocês causam câncer propositalmente? – gritou Aaron.

- Não. O câncer é produto do meio e da genética de cada indivíduo, embora não vou

dizer que não melhora a variabilidade genética – afirmou Yelika.

- Ei, vocês estão desviando do assunto. Como assim eu vim parar numa sociedade sem

sexo, pior, uma sociedade onde eu não vou ter mais vontade de fazer sexo? – reclamou Doze.

Nesse mesmo momento um alarme foi soado. Todos olharam espantados. Há centenas

de anos nenhum alarme era soado.

Yelika pressentiu que o alarme poderia ter algo haver com seus novos amigos. Deu

ordens a eles: “Venham comigo” – a seguiram adentrando uma passagem secreta atrás do

balcão.

- Vocês não terminaram o treinamento antes de virem para cá, não é mesmo? Eles dão

suprimento de água sem iodo nos últimos meses antes de enviarem gente nova para cá.

- Sim, você nos descobriu, Yelika. Mas o que pode nos acontecer? -perguntou Doze.

- Nada tão grave. Apenas destroem seus corpos aqui sumariamente e depois os

reconstroem em seu centro de treinamento novamente. – disse Yelika.

Doze olhou assustado para Aaron, e se voltaram para Yelika.

“Yelika, nós invadimos o concílio e...” – disse Aaron


- Vocês o quê? Vocês estão loucos? Por essa infração esses destroem seus corpos e

apagam seus backups no Astato...” - dizia ela quando foi interrompida.

-Nós não temos cópias mentais no Astato, Yelika – disse Doze. Aliás, todas as

memórias de Astato sequer estão na Terra, pois o planeta está condenado.

Yelika estremeceu, e se sentiu como um milionário que teve todos os seus cartões de

crédito cancelados, exclamando: “Como assim? Venham comigo e me expliquem tudo em

detalhes. Estarão seguros no local onde vou levá-los.”

...

- Vocês precisam procurar o Gyatso. Apenas o chefe pode resolver isso agora. Aqui

não existem tribunais, advogados, ou coisa parecida. Serão mortos assim que encontrados –

afirmou Yelika.

- Tudo bem então. Nos leve até ele e tudo estará resolvido – Disse Doze, com Aaron

acenando a cabeça em sinal de concordância.

- O único problema é que ele não mora em Xanadu – disse Yelika, para desgosto de

seus amigos - Ele vive no meio dos humanos há 700 anos.

- Espere um pouco, não me diga que o chefe dos semideuses é o ... – começou Aaron

- Dalai Lama! – completou Doze – Tenzin Gyatso! Em sua 14º encarnação desde

1300, embora eu nunca tivesse acreditado que ele realmente renascia a cada geração!

- Sim, o chefe optou por usar corpos mortais, embora sua mente seja transferida de

corpo para corpo quando envelhece e morre. Os céticos podem simplesmente duvidar de

alguém que diz ter reencarnado, mas não duvidariam de alguém cujo corpo não envelhece –

esclareceu Yelika.

- Mas como ele pode ser um ícone da bondade mundial se ele dá a última palavra

sobre a destruição das civilizações? – perguntou Doze.


- O chefe faz de tudo para as civilizações prosperarem ao máximo e mantém todos

longe do segredo da imortalidade do corpo, pregando a imortalidade da essência, ou como

vocês a chamam, da alma – afirmou Yelika - mas uma vez que é descoberto o segredo da

imortalidade, nada nos resta a fazer, senão recolher as obras de arte, e reiniciar tudo, pois de

qualquer forma vocês destruiriam uns aos outros quando os recursos se tornassem escassos.

- Mas como vamos sair de Xanadu? Não podemos nos arriscar sendo clandestinos

novamente em um disco voador Orbitex – disse Aaron.

- Claro que não, confirmou Yelika. Vocês terão que sair daqui a pé, caminhando pelo

gelo antártico, até a base de Scott, e de lá conseguirem transporte clandestino para a Nova

Zelândia. Bebam esse preparado que estou lhe dando, pois ele vai ajustar seu metabolismo

para evitar a hipotermia, embora isso vai deixá-los bem mais lentos na caminhada.

- Não me diga que também é homeopatia? - perguntou Doze.

- Não, esse é um floral - riu Yelika - Vou levá-los até o portão de Xanadu e tentar

distrair os guardas para vocês.

- Não! É muito perigoso! – disse Doze

- Ora, o que eles vão fazer comigo, me matar? Eu seria restaurada e interrogada, mas

vocês estariam longe nesse momento. – Aaron fez sinal para Doze que devia concordar com

ela.

Foram todos para o portão que levava a saída de Xanadu. Tratava-se de uma réplica do

portão do inferno de Rodin (ou seria um original), relativamente pequeno, no qual poucas

pessoas podiam passar de uma única vez. Afinal, quantas pessoas ao mesmo tempo deixariam

um paraíso daqueles?

Yelika tratou de começar uma conversa com o único guarda que ali estava. Os guardas

não eram seres vivos, e sim autômatos programados para executar funções, que iam desde

servir, ou naquele caso, matar.


Enquanto o autômato tentava entender como poderia servir a sua ama, Doze e Aaron

se deslizavam sorrateiramente através do portão. Porém, o que eles não imaginavam, era que

as figuras esculpidas no portão também eram autômatos de identificação, e emitiram um

alarme.

Nesse momento, o autômato o qual Yelika tentava distrair se virou para os dois,

reconhecendo suas faces e preparou seu braço robótico de pedra para o disparo do que parecia

ser um projétil de alta pressão, altamente fatal.

Yelika se atirou na frente e recebeu o disparo, diretamente no coração, morrendo de

forma instantânea. Doze gritou seu nome e tentou socorrê-la, mas Aaron o puxou para fora do

portão. Lá fora os autômatos não iriam persegui-los, pois não estavam programados para isso.

- Nós ainda podemos revê-la, Doze. Basta encontrarmos o Gyatso e explicar tudo.

Mesmo sabendo que ela seria restaurada, ver Yelika morrer tinha sido uma experiência

desagradável para eles, que iniciaram sua jornada pelo gelo, a pé.

...

Eles andaram por dezenas de horas seguindo 15 graus à esquerda do Sol, assim como

tinha lhes instruído Yelika.

- Você sabe o quanto vamos nos distanciar da base de Scott se errarmos 1 grau apenas,

Doze?

- Muitos quilômetros com certeza. Mas temos comida à vontade, afinal você trouxe

sua cornucópia e está com os bolsos cheios de comida miniaturizada que pegamos no Orbitex,

não é mesmo? Além do mais, não passaremos frio graças ao floral da Yelika.

- Claro, só não sabemos quando é que o planeta vai ser atingido pelo cometa...

- Ou meteoro... – relembrou Doze.

- Sim, ou mesmo se não vamos morrer nesse terreno traiçoeiro da Antártida. Afinal,

pode haver tampões de neve sobre sumidouros, galerias naturais causadas por fissuras no
gelo. E a chance de cairmos em algum desses aumenta ao longo do tempo que

permanecermos aqui.

- Você é sempre negativista, meu caro...

- Sou realista, diria – contestou Aaron.

Avistaram então uma estátua ao longe, e se dirigiram até ela.

- Viu só, se tem uma estátua é porque devemos estar no caminho certo – se alegrou

Doze.

Mas porque os semideuses deixariam uma estátua no caminho entre uma base humana

e a cidade principal deles? Não faz sentido. Tenhamos cuidado.

Ao se aproximarem, a estátua que lembrava um hominídeo gigantesco, com quase 2

metros de altura e coberta de neve, exibia suas feições e detalhes.

- Eu já vi isso antes. É a estátua de um Sasquatch ou de um Yeti? – perguntou Doze.

- Isso não é um bom sinal. Vamos embora daqui o mais rápido possível – se assustou

Aaron.

- Calma, Aaron, é só uma estátua!

- Pelo jeito você nunca ouviu falar do trabalho do naturalista Girolamo Segato, não é

mesmo? O italiano que desenvolveu uma técnica de petrificação dos seres vivos...

- Sim, ouvi falar, ele criava múmias petrificadas de animais e seres humanos. Também

ouvi dizer que ele levou esse segredo para o túmulo – contestou Doze.

- Lá no centro de treinamento eu perguntei por que não havia alpinistas curiosos que

chegavam até o local. Me disseram que os Yetis os afastavam... Talvez essa estátua não seja

apenas uma estátua.

Nesse momento a estátua se movimentou em direção a eles abruptamente, causando

rangidos e barulhos inimagináveis a tudo que os ouvidos humanos já tinham captado na

natureza. Ficaram os dois paralisados, aguardando a morte iminente. Porém, a estátua se


posicionou à frente deles e para espanto, começou a falar, com timbre rouco na voz já muito

grossa:

- Saaiinnddoo ??

- S-sim! - respondeu Aaron, tremendo frente à criatura. Doze estava petrificado como

a própria estátua estava momentos antes.

- Seeemmii-deeeuseees?? Disse a criatura apontando para as roupas não adequadas

deles, percebendo que humanos normais não resistiriam àquela temperatura com aquelas

vestes.

- Exatamente. Você sabe onde fica a base dos humanos? – perguntou Doze, agora com

coragem de interagir com a criatura.

- Ssiimm. Pooucoo teemmpoo aquuii – disse a criatura.

- Pouco tempo? – Aaron resmungou para Doze – Em 1961 o governo do Nepal

assumiu a existência de Yetis. Deve ter sido nessa época que os semideuses os transferiram

para proteger o portão de Xanadu.

- De qualquer forma não vamos reclamar da sorte e seguir logo a criatura, mas

confesso que vou ficar mais confortável quando nos separarmos dele e seguirmos em busca

do Dalai Lama – desabafou Doze, sendo que a criatura tropeçou ao ouvir o nome do Dalai

Lama.

Todos seguiram viagem em direção ao Sol da meia noite.

...

beep... bep... bep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep...

beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep...

beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep...

bep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep...

beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep...
bep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep...

beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep...

beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep...

beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep...

beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... bep...

beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep...

beep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep...

beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep...

beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep...

beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep...

bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep...

beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep...

bep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... beep...

beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep...

beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep...

beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep...

beep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep...

beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep...

beep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... bep...

beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep...

beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep...

beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep...

bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... beep...

beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep...

bep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep...
beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep...

beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... bep...

beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep...

bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... bep...

bep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep...

beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep...

bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... bep...

beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep...

beep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep...

beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep...

beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep...

beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep...

bep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... beep...

beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep...

beep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... beep...

beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep...

beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep...

beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep...

beep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... bep...

beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep...

bep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... bep...

beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep...

beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep...

beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep...

bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep...
beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep...

beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep...

beep... beep... beep... beep... bep... bep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep...

bep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... bep...

beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep...

bep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... beep...

beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep...

beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep...

beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep...

bep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... bep...

beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep...

beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... bep...

beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep...

beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep...

beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep...

bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep...

beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep...

bep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... beep...

beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep...

beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep...

beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep...

beep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep...

beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep...

bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... bep...

beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep...
beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... bep... beep... bep...

beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep...

bep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... bep...

beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep...

beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep...

beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep...

bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... bep...

beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep...

bep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... bep...

beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep...

beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep...

beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep...

bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep...

beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep...

beep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... beep...

beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep...

beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep...

beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep...

bep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep...

beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep...

beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep...

beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep...

beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep...

beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep...

beep... bep... bep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep...
beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep...

beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep...

bep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep...

beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep...

bep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep...

beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep...

beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep...

beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep...

beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... bep...

beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep...

beep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep...

beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep...

beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep...

beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep...

bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep...

beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep...

bep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... beep...

beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep...

beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep...

beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep...

beep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep...

beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep...

beep... beep... beep... beep... beep... bep... bep... beep... bep... beep... bep... beep... beep...

beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep...

bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep...
beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep...

beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... bep...

beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep...

beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep...

beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep...

bep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... bep...

beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep...

bep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... bep...

beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep...

beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep...

beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep...

bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... bep...

beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep...

beep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... beep...

beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep...

beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep...

beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep...

bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep...

beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep...

bep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep...

beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... bep... beep...

bep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... bep...

beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep...

bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... bep...

beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep...
beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep...

beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep...

bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... beep...

beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep...

bep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep...

beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep...

beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep...

beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep...

beep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep...

beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep...

beep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... bep...

beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep...

beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep...

beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep...

bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... bep...

beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep...

beep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep...

beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep...

beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep...

beep... beep... bep... bep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... bep...

beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep...

beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep...

beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep...

bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep...

beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep...
bep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep...

beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep...

beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep...

beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep...

bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep...

beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep...

bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... beep...

beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep...

beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep...

beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep...

beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep...

beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep...

beep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... beep...

beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep...

beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep...

beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep...

beep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... beep...

beep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... bep... beep... bep... beep... bep... beep...

beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep...

beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep...

beep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... bep...

beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep...

bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... bep...

beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep...

beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep...
beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep...

bep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep...

beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep...

bep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... bep...

beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep...

beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep...

beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep...

bep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep...

beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep...

beep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... bep... beep... bep...

beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... bep... beep...

beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep...

beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep...

bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... bep...

beep... bep... beep... beep...

...

- Subam! – disse Fischer, sem qualquer hesitação – Subam todos!

Eles haviam sido interceptados pelo veículo de transporte Orbitex no meio de sua

empreitada até a base de Scott.

- O que vocês estavam pensando em dizer quando chegassem lá?

‘Olá! Nós somos... ahn... náufragos, e, bem, estamos com muito frio mesmo. Teria

como dar carona até a civilização?’ – conjecturou Fischer, continuando:

´- Náufragos? Isso é incrível! Bom, podem ficar alojados aqui, o próximo C-130 deve

passar daqui a 12 dias. O Yeti vai com vocês?´


- Confesso que não era um bom plano, mas ainda assim era melhor do que voltar a

Xanadu e sermos mortos por aqueles autômatos. Aliás, como nos encontrou? – disse Doze.

- Os peões sempre avançam para a frente – respondeu ele.

- Bom, agora não importa mais, pois seremos eliminados assim que o Sr. Fischer

pousar em Xanadu... – alertou Aaron.

Os segundos pareciam horas, pois os fugitivos conheciam seu destino iminente, e

assim como um condenado à morte valoriza cada momento antes de sua execução, eles

pensavam em suas vidas durante essa viagem, a qual seria sua última jornada.

Após alguns minutos, Aaron comentou em voz baixa: “Estamos demorando muito!”

- Você está com pressa de morrer, é? – disse Doze.

- Não, mas um Orbitex pode viajar extremamente rápido, se lembra? Desde que

entramos aqui daria para ter viajado meio mundo...

- Chegamos! – exclamou Fischer.

A porta do Orbitex se abriu, e eles se viram em um clima tão desolador quanto o da

Antártida, porém certamente não estavam mais no continente gelado.

Aaron olhou para cima, viu a configuração das estrelas. “Esse céu não é austral!” –

exclamou – “Estamos no hemisfério norte!”.

- Latitude 56,4º e longitude 37,5º - disse Fischer – mais precisamente num local onde

hoje fica a ‘mãe Rússia’, terra dos meus rivais nas competições de xadrez – quando eu ainda

tinha esperanças de encontrar um adversário a minha altura no seu ciclo.

- Rússia? Reclamou Doze – achei que nos levaria para Xanadu ou para a Índia, onde

fica o Dalai Lama...

- Vistam essas roupas antes de sair – ordenou Fischer lhes entregando uniformes anti-

radioatividade.

- Vamos a Chernobyl? – disseram Doze e Aaron em coro.


- Não! Vamos até o interior da UVB-76.

- O quê? Como assim? – reclamaram os jovens...

Fischer certamente sentia muita falta de seu arquivo com respostas prontas nesse

momento. Mas como ele já havia percebido, dependeria daqueles novatos para realizar seus

movimentos, uma vez que o jogo tinha finalmente começado.

- Já se esqueceram da Entonet? Você, novato, soube dela há poucos dias... logo... –

indagou Fischer.

- ...logo, qualquer inseto pode nos detectar, entendo. Isso explica as roupas anti-

radiação... – completou Doze – “Esperem um pouco!” – exclamou ele, continuando –

“Radiação realmente existe ou toda vez que um suposto acidente radioativo acontecia era

somente um grupo de pessoas querendo burlar a Entonet?”

- Ele realmente não sabe, garoto? – perguntou Fischer ao Aaron.

- Não senhor, não tive tempo de contar a ele sobre isso ainda... – confirmou Aaron.

- Arrgh! Não sei se vale a pena viver para descobrir o quanto fui enganado minha vida

toda! – lamentou Doze – Ei, o que você está fazendo? Me solte!!!” – gritou par ao Yeti.

बन्द – Gritou Aaron, em Nepalês, e a criatura parou imediatamente.


- O que foi isso, Aaron? – perguntou Doze aliviado.

- Eu dei um comando para ele em língua nativa.

- E quando foi que você aprendeu isso?

- Ora, eu cheguei antes do que você, se lembra. Como não tinha amigos, passei meu

tempo estudando línguas. De qualquer forma, tenha cuidado com o que disser, lembre-se que

essa criatura foi construída para obedecer ordens de semideuses, ou seja, nossas ordens

diretas.

- Chega de perde tempo. O relógio está correndo contra nós agora. Vistam-se de

encontrem o transmissor principal da radio UVB-76, e reproduzam lá essa fita cassete.


- Fita cassete? Não teria um Ipod? Brincou Doze.

- Não existiam Ipods quando a UVB foi implementada, em 1982. É ela que transmite

as ordens aos insetos de todo o mundo. Assim que transmitirem esses dados, suas assinaturas

de feromônios serão retiradas da lista de procurados pelos insetos... E não demorem!

- Feromônios em humanos? Mas isso não foi provado até hoje...

- Doze, poupe-me. Vamos! – Disse Aaron puxando-o pelo braço, ambos seguindo em

direção ao poço subterrâneo.

...

- Não entendo a pressa do Sr. Fischer. Aliás, ele deve saber quanto tempo falta para o

cataclisma cósmico acontecer. Esquecemos de perguntar isso a ele lá em cima. Será que a data

está próxima, e por isso ele nos pediu para sermos rápidos nesse serviço de DJ de baratas? –

argumentou Doze.

- Também não sei ao certo, mas o homem é um estrategista nato. Vamos fazer

exatamente como ele nos manda. Ele bem que poderia ter nos deixado trazer o Yeti. Acho que

já está na hora de darmos um nome para ele, você não acha, Doze?

Ambos desciam as escadas infinitesimais com aquela roupa que não facilitava o

serviço. Todas as anotações pelo caminho eram em alfabeto cirílico, e por sorte Aaron havia

aprendido russo dentre as primeiras línguas que havia estudado e sabia exatamente para onde

ir. Não haviam guardas, apenas insetos por toda a parte, além de estátuas estranhas, pequenas,

representando humanoides de um metro e meio de altura, com cabelos encaracolados, barbas

e braceletes.

- Aaron, não me diga que essas estátuas...

- Sim, são autômatos. Ao menor alerta por parte dos insetos, estamos mortos! –

respondeu Aaron – mas o que eu não entendo é essa névoa que está por toda a parte.
Finalmente chegaram lá embaixo e se depararam com uma quantidade impressionante

de ossadas humanas, em meio onde se encontravam antigos equipamentos de transmissão de

rádio em ondas curtas, incrivelmente potentes, a julgar pelos circuitos de alimentação elétrica,

e tudo em meio a tal névoa fina.

- Olha ali naquele canto! - disse Aaron – Um gerador de fusão nuclear, assim como os

que usamos no centro de treinamento e em Xanadu.

- Mas aqui, assim, onde qualquer pessoa poderia encontrar? – preocupou-se Doze –

digo, qualquer um que não esteja na lista negra dos insetos como nós.

- É realmente preocupante isso, ainda mais somado a todas essas ossadas. Doze, dê

uma olhada aqui, tem um cadáver que é bem recente.

O cadáver estava bem próximo ao que parecia ser o módulo principal de transmissão,

e realmente a única parte não empoeirada era justamente uma fita cassete nova sendo

reproduzida ali.

- Aposto que esse foi o semideus que colocou as nossas cabeças a prêmio, trazendo

nessa fita nossas assinaturas de feromônio! – disse Aaron.

- Bom, vamos logo trocar a fita e mandar novas ordens para esses besouros – disse

Doze colocando a fita que trouxeram consigo e iniciando a reprodução.

Eles começaram então a ouvir sons como os de campainha em meio a um chiado

irritante.

- Só tem chiados e buzinas aqui! O Fischer nos enganou! – disse Doze furioso!

- Não, de forma alguma! As campainhas apenas separam as ordens, são como uma

pausa para os insetos. A verdadeira informação está no som que você acha ser um chiado.

Afinal, nunca ouviu um grilo cantando? – afirmou Aaron.

Começaram a subida de volta, lentamente. Porém, ao quinto lance de escadas, Doze

escorregou e caiu sobre uma plataforma.


- Você está bem? – perguntou Aaron?

- Sim, o chão amorteceu a queda... - brincou Doze.

- Não foi o chão, senão você teria morrido. Você caiu sobre uma das plataformas e... –

Aaron fez uma cara de espanto – ... rasgou seu traje de proteção!

Ambos fizeram silêncio olhando fixamente para as estátuas ao redor, durante alguns

minutos.

- É, parece que as novas instruções foram bem aceitas pelos insetos, inclusive os daqui

de dentro da estação. Nenhum alarme foi disparado – aliviou-se Aaron.

- Se eles não dispararam alarmes aos autômatos, porque estão me atacando aqui dentro

do traje de proteção? – disse Doze, começando a se debater.

- Ah, entendi aquela névoa, então. Temos que chegar ao Orbitex o mais rápido

possível, senão você estará morto em breve. Você está começando a sofrer os efeitos da

Síndrome de Ekbom! – atestou Aaron.

- Sim, me parece bem isso mesmo, mas pelo que sei essa síndrome causa apenas

alucinações táteis, onde as pessoas sob o efeito têm a sensação de que insetos estão sobre seu

corpo, e mesmo saindo por debaixo da pele... logo se eu não me desesperar, não existe forma

de eu me machucar... ou existe?

- Nunca te contei tudo, mas a Entonet está em todo o lugar, fora e dentro do nosso

corpo! – disse Aaron.

- O que? Está dizendo que temos insetos dentro de nossos corpos o tempo todo? Disso

você não me convence – disse Doze, já se debatendo por conta dos insetos, que até então ele

achava serem apenas alucinações – Nós os veríamos nos exames de ressonância magnética,

tomografia, cirurgias? Não é mesmo?

- Nos exames de ressonância apenas são captados sinais que contém muita água, e nos

exames de tomografia, coisas muito densas, como ossos. Os insetos são transparentes a tudo
isso. E por, fim, todos os médicos do planeta sabem disso, ou você nunca ouviu falar do

juramento de Hipócrates?

- Mas não tem essa cláusula no juramento de Hipócrates!

- Parte do juramento é não divulgar todas as cláusulas! E quando o médico

neurologista Karl Ekbom divulgou sua síndrome, teve que associar ao efeito de alucinógenos,

para não contrariar o juramento de Hipócrates verdadeiro.

Capítulo 17 – A viagem

Doze estava em choque: fisicamente estava sendo atacado e consumido por larvas de

insetos que viveram dentro de seu próprio corpo durante toda sua vida, porém só agora e, por

ocasião do contato com a aquela névoa estranha, resolveram sair e atacar seu hospedeiro; e

ainda havia o impacto da descoberta de ter sido enganado por toda a classe de pesquisadores

médicos do mundo.

A perda de sangue já o tinha feito perder a consciência, e seu destino agora estava nas

mãos do amigo, o quão rápido ele o levaria até o veículo no exterior, e ainda sua vida

dependeria de quais elementos de primeiros socorros estariam disponíveis na ocasião.

Porém, aquela névoa que instigou os insetos e larvas causou certo efeito na mente de

Doze também. Ele saia agora do mundo em que estava, desligando completamente sua

percepção com o mundo exterior, e libertando sua mente para uma experiência alucinógena

intrigante, curiosa o bastante para fazê-lo esquecer-se de sua morte iminente.

Provavelmente aquele gás continha LSD, e isso explicaria também o fato de que

usuários desse produto relatavam com frequência experiências com síndrome de Eckbom. Em

geral, sempre acreditamos nos médicos que diziam que seus ferimentos eram auto-infligidos,

em função do desespero causado pelas alucinações.


Mas afinal, o que os médicos ganhavam de vantagem em uma parceria com os

semideuses? Será que isso explicava seus salários avantajados em todo o mundo, se

comparados as classes comuns de trabalhadores? Ou será que eles tinham mais a ganhar?

Talvez por essas preocupações é que justamente as alucinações de Doze passavam nesse

momento à sua frente, como se ele não tivesse mais um corpo, como se ele fosse um deus,

viajando por sobre construções de cristal transparente, onde ele podia finalmente observar o

que acontecia dentro delas... hospitais, cultos religiosos, sociedades secretas, repartições

públicas, casas de massagens, festas de aniversário, enfim, tudo se passava abaixo dele e de

forma realmente transparente, como se seu âmago por transparência na sociedade fosse

finalmente atendido.

Agora tudo parou. As construções sumiram. Podia ver a sua banda preferida, Jethro

Tull, tocando Locomotive Breath, estando todos os músicos com uma textura de ouro sobre

uma pirâmide de cristal. Olhou para cima, viu a Lua, cheia, como se estivesse num plano bem

próximo. Resolveu estender sua mão e tocar a Lua. Para seu espanto, conseguiu tocá-la, sendo

que sob a mesma se reverberaram ondas a partir de seu toque.

Novamente sentia os insetos sobre seu corpo, mas agora calmamente os retirava um a

um com as mãos e os comia. Tinham gosto de sashimi fresco.

Essas alucinações se passaram por vários dias e dias, ao ponto de Doze realmente

achar que havia morrido e agora o que seria sua alma estaria num paraíso da percepção. Foi

quando ouviu uma voz ao longe.

- Acorde! Acorde! Vamos lá, acorde seu miserável!

A voz insistia nesses argumentos, e ficava cada vez mais alta, e seu mundo

psicodélico, cada vez mais turvo, até que finalmente recobrou seus sentidos.
Ainda dentro da roupa de proteção, sentiu muita dor por seus ferimentos, percebeu que

se encontrava dentro do Orbitex, ao lado de um kit de remédios, e perguntou aos

companheiros:

- Por quantos dias eu fiquei desacordado?

- Dias? Foram apenas uns treze minutos, disseram.

...

Após alguns dias de descanso em uma cabana próxima, Doze estava aproveitando para

aprender com Aaron tudo que ele sabia sobre os semideuses, tudo que ele havia aprendido por

ter iniciado seu treinamento anos antes dele.

Desejava Aaron poder fazer o mesmo com o Sr. Fischer, descobrir tudo que ele sabia,

mas ele certamente os tratava como peões em algum tipo de jogo, e jamais iria revelar o que

não fosse estritamente necessário eles saberem para realizar suas tarefas imediatas. Mesmo

que ele não tivesse viajado repentinamente, pouco descobririam por sua própria vontade.

Mas ambos se perguntavam qual seria o interesse dele nisso tudo, e o porquê

simplesmente não os entregava às autoridades de Xanadu?

Certamente concordavam que o Sr. Fischer tinha algum plano para evitar o cataclisma

cósmico que se aproximava, seja ele o que for, cometa, asteroide, eles ainda não sabiam do

que se tratava.

- Podemos prendê-lo quando ele voltar e força-lo a falar tudo que sabe – disse Doze.

- Não acho que ele tenha medo de tortura ou sequer da morte, Doze. Afinal, o homem

é um semideus com cópias do cérebro, ao contrário de nós, que não temos direito de

substituição. Além disso, não podemos arriscar perder nossa única parceria até o momento... –

disse Aaron, interrompido por um grunhido do Yeti – além de você, Poff, é claro!

- Ei, desde quando decidimos que o nome dele seria Poff? – reclamou Doze.
- Eu decidi enquanto ele ajudava a salvar você, ou você pensa que eu teria conseguido

carregar você para cima tão rapidamente sem a ajuda do Poff aqui? E Poff é o som que os pés

dele fazem quando ele corre pelo chão, já que tem pés duros como pedra.

- Tudo bem, que fique Poff o nome dele então. Temos mais com o que nos preocupar,

temos que tentar ser mais espertos do que o Sr. Fischer, pois não quero nunca mais ter larvas

de insetos saíndo do meu corpo... – lamentou Doze.

- Esse é um mecanismo que era para ser acionado quando a pessoa morre. Os insetos

no interior do corpo devem sair e comunicar aos insetos nas proximidades que a pessoa

morreu, pois se for algum indivíduo de interesse dos semideuses, eles devem ter tempo hábil

de replicar o conteúdo cerebral. Afinal, o cérebro ainda suporta por alguns minutos após a

morte do corpo. – explicou Aaron.

Ok. Chega de surpresas, Aaron! Tem algo extremamente importante que você ainda

não me disse? Preciso saber agora!

-Tudo é extremamente importante. Vou lhe contar conforme for me lembrando. Mas

de início, é melhor te contar tudo o que sei a respeito do nosso amigo jogador de xadrez, Sr.

Fischer.

- Ótimo começo! Disse Doze.

- Como você bem sabe, ele é um aficionado jogador de xadrez. Mas além disso, ele faz

parte do alto escalão dos semideuses.

- Alto escalão? Então o que ele fazia no num centro de treinamento, aquilo é

praticamente uma escola, e pessoas que lidam com poder não costumam se instalar em escolar

e instituições de ensino... – afirmou Doze.

- Exatamente! – disse Aaron – ele chegou lá há pouco tempo, um pouco antes de mim.

Tinha especial interesse nos novatos, assim como eu e você, sob o pretexto de supervisionar

os treinamentos.
- Bem, vejo que esse interesse continua, até mesmo pelo fato dele estar nos ajudando.

Mas o que nós temos de especial ou de diferente dos demais?

- Acho que já descobrimos isso, Doze! Nós não temos cópia atualizada de nossas

atividades cerebrais – afirmou Doze.

Ambos concordaram com o fato acenando suas cabeças.

- Não sabemos muito sobre a hierarquia na sociedade dos semideuses. E se por algum

acaso eles não respeitassem a intimidade das classes mais baixas e monitorassem seus

pensamentos o tempo todo? – conjecturou Aaron.

- Não seria um problema ético tão grave vindo de uma sociedade que acomete

genocídios em massa e extermínio de civilizações – completou Doze.

- Sim. Por isso acho que o Sr. Fischer não tem seus pensamentos monitorados, e nós

também não, e por isso ele precisa de nós para investigar se alguma conspiração está

ocorrendo – completou Aaron - e por falar no diabo, ai vêm ele.

Perto dali aterrissava o Orbitex trazendo Fischer, o qual não desceu do veículo com

uma cara muito contente.

...

- Vamos ver o Gyatso agora mesmo! Vamos para Pradesh, na Índia! – exclamou

Fischer.

Ambos os rapazes ficaram alegres e, mesmo atônitos, embarcaram imediatamente no

veículo. Sabiam que seriam apenas alguns minutos até encontrarem o Dalai Lama.

- Como vocês já devem saber, existe um meteoro... – começou a explicar Fischer,

interrompido por Doze:

- Eu sabia! Devia ter apostado que era um meteoro e não um cometa! – alarmou ele.

- Como eu dizia, esse meteoro vai nos atingir em breve, e ninguém estava fazendo

nada a respeito porque seria um evento inevitável à extinção de toda a vida em nosso planeta,
inclusive dos semideuses. Para tanto, resolveram investir mais em um projeto de posicionar os

cristais de Astato em um local seguro, aguardando uma nova terra-formação em Marte...

- Sim, nós ficamos sabendo de tudo isso na reunião do concílio em Xanadu – afirmou

Aaron – O que nós não sabemos é quando isso vai acontecer?

- Muito em breve – disse Fischer – por isso estamos indo nos reunir com o Gyatso.

Porque eu acabo de receber informações novas que dizem que o meteoro se fragmentou, o que

aliás era uma suspeita minha, dado a análise dos elementos orbitais de sua trajetória nos

últimos meses.

- Ele se partiu? Então o resultado do impacto será completamente diferente! – disse

Doze.

- Justamente. E eu ainda não entendi porque meu alerta sobre isso não teve relevância

por parte do alto escalão dos semideuses. Por isso estamos indo ver o Gyatso em pessoa.

Chegando lá havia uma cerimônia em andamento. Fischer notou que vários membros

do alto escalão estavam presentes, inclusive Henry Ford, um semideus que não aparecia em

público desde o final de segunda guerra mundial. Todos foram recebidos em uma audiência

fechada com o Dalai Lama, assim como foi requerido por Fischer:

- Gyatso-sama, gostaria de alertá-los de que o meteoro se partiu e que temos outras

alternativas além da operação de migrar para a Kya-Terra!

- Kya-Terra? – sussurrou Doze

- Deve ser esse o nome que estão dando para a projeto de terra-formação de Marte –

sussurrou Aaron em retorno.

- Entendo sua preocupação, Fischer, afinal mudar de planeta é algo tão perigoso

quanto inédito – observou o Dalai Lama – continuando - e sequer tínhamos planos de mudar

para tão perto – acrescentou.


- Sim, meu Senhor, sendo que agora nos encontramos em situação semelhante a de sua

última encarnação – disse Fischer.

- O que ele quis dizer com situação semelhante? Perguntou Doze à Aaron.

- Não tenho ideia! – respondeu Aaron em tom baixo.

- Não tão semelhante meu caro, meu corpo atual não possui a destreza que tivera

outrora, quando fui o astronauta de Tunguska – lamentou o Dalai Lama.

- Tunguska, é claro. Então deve ter sido ele. – comentou Aaron.

- Deve ter sido ele que fez o quê? – Doze ficava cada vez mais intrigado.

- Um meteoro explodiu misteriosamente na atmosfera da Sibéria no início do século

XX, causando uma explosão 1000 vezes mais forte do que a bomba de Hiroshima. Alguma

coisa colidiu com ele e impediu que o planeta fosse destruído. Provavelmente o 13º Dalai

Lama pilotou um Orbitex contra o meteoro, pois eles já haviam sido criados nessa época.

- Como um kamikaze suicida? - perguntou Doze.

- Não tão suicida assim. Ele perdeu seu 13º corpo e teve que regravar sua mente em

um novo corpo, o qual estamos presenciando agora. – disse Aaron.

- Ora, basta então qualquer semideus pilotar um Orbitex contra esse novo meteoro! –

exclamou Doze.

- Não é tão simples assim. Você se esqueceu de que os semideuses prezam apenas ao

talento dos artistas e ao intelecto dos cientistas? Logo, não temos entre nós pessoas com

destreza manual ou habilidade de pilotagem nesse nível. Tampouco podemos automatizar o

voo, pois pequenas alterações de rota devem ser realizadas de forma quase instantânea, o que

é mais compatível com o condicionamento ato-reflexo de um bom piloto.

- Então como ele conseguiu na primeira vez?


- O Dalai Lama sempre optou por uma vida normal, entre os humanos, o que

demandou a ele crescer, se desenvolver e se fortalecer como qualquer humano normal. Logo,

em sua juventude, ele possuía a destreza para pilotar o equipamento e realizar tal feito. Mas

hoje, nessa nova encarnação, está muito velho para repetir essa proeza – explanou Aaron.

- Sr. Gyatso, quanto tempo ainda temos? – Gritou Aaron, interrompendo a audiência.

- Cerca de 18 minutos, meu filho – respondeu o Dalai Lama – que todos descansem

em paz.

Sem pensar duas vezes, Aaron saiu correndo em direção ao Orbitex, seguido por Doze

e por Fischer. Alcançou o veículo primeiro, se trancando dentro dele, acenando um rápido

adeus para os amigos do lado de fora, saindo em partida com o veículo.

- Ele sabia pilotar aquilo? – perguntou Doze.

- Sim, foi um de nossos melhores alunos no centro de treinamento – esclareceu.

Uma explosão gigantesca aconteceu pouco depois, só que na superfície da Lua. Doze

sabia que Aaron estava morto.

...

- Como eu deixei isso acontecer! Está até parecendo o primeiro jogo que fiz com

Spassky em 1972! Só fiz besteira naquele jogo... e nesse também! – argumentava Fischer.

Faziam apenas algumas horas que Aaron os havia deixado. Fischer ficou concentrado,

pensando o ocorrido, desde então. Doze estava em choque pela perda do amigo. Os

semideuses na cerimônia estavam em festa, e o restante do mundo mal percebeu o que

aconteceu. Embora a explosão sobre a superfície da Lua tenha sido visível inclusive a olho

nu, a imprensa internacional tratou o fato como corriqueiro, mal sabendo o verdadeiro

impacto desse acontecimento.


- Todos os cristais de Astato na Lua foram destruídos! – Exclamou um semideus que

fazia parte da cerimônia.

- Yelika! Agora ela jamais poderá ser restaurada! – lamentava Doze, tendo perdido

para sempre e ao mesmo tempo dois de seus melhores amigos.

- Meus amigos estão mortos, mas agora tudo acabou, não existe mais divisão ente

semideuses e humanos no mundo! Todos são finalmente iguais! – exclamou Doze.

- Não. Provavelmente o que vai acontecer é que estamos prestes a adentrar na maior

ditadura de história de todos os ciclos – preocupou-se Fischer.

- Ditadura?

- Não tenho tempo nem paciência para lhe explicar agora. Eu lhe explicarei o que deve

saber no caminho. Agora que perdemos nosso Orbitex temos que pegar um avião para a

Eslováquia – disse Fischer, lamentando mais a perda do veículo do que a do novato Aaron.

- Eslováquia?

-Sim, preciso verificar uma coisa.

Ambos seguiram para a Eslováquia, mas agora sem a agilidade tradicional e com todas

as inconveniências a que tinham direito, como as equipes de Raios-X insistindo com o Fischer

para tirar seu chapéu ao passar pelo scanner.

Doze estava quieto, em luto pelo amigo. Fischer, pensava como se estivesse em meio a

uma partida decisiva do campeonato mundial de xadrez.

Finalmente chegaram ao seu destino final, o Castelo de Čachtice. Lá, Fischer fez sinais

secretos com as mãos para os guardas, demonstrando sua identidade como membro do alto

escalão dos semideuses.

Algumas paredes secretas foram movidas, e eles finalmente chegaram a uma câmara

principal, onde prontamente um dos guardas respondeu: “Ela está detida e em segurança,

Senhor! A última inspeção foi em 1964, como manda o protocolo, a cada 50 anos.”.
- Eu quero vê-la! – exclamou Fischer.

- Mas senhor, o procedimento de abertura é demorado, e necessitamos de mais guardas

para evitar que ela tente escapar... – contestava o guarda.

- Eu quero vê-la agora! – gritou Fischer.

Todos os guardas do castelo foram chamados para aquela área.

- O anel Senhor – pediu o guarda.

Fischer então retirou seu anel, indicador de membro do alto escalão, e ele transmitiu as

chaves nanométricas para o dispositivo que controlava a fechadura.

A cela se abriu, movendo as paredes de lugar, e para o espanto de todos, estava vazia.

Os guardas se indignaram:

- Mas como é possível? - Diziam eles.

- Hummpf! - esbravejou Fischer – Eu sabia! Eu sabia! Desde quando a pintura com o

retrato dela foi roubada do museu há 20 anos atrás meu instinto me fez suspeitar dela! Uma

pena eu não ter vindo verificar antes.

Doze não estava entendo nada em meio a tudo aquilo.

- Vamos, novato, vamos buscar seu amigo peludo, pois agora só me restam um peão e

uma torre, enquanto ele já promoveu uma rainha.

- Peão, rainha, torre? Do que está falando? De xadrez?

- Não, estou falando do jogo do destino, aliás, do destino de todos nós. Só me restou

um peão, você, seu animal de estimação, uma torre, para enfrentarmos uma rainha, a qual

estava emparedada naquela cela. – disse Fischer.

- Rainha emparedada? Não me lembro de ter ouvido falar sobre nenhuma rainha

emparedada! – questionou Doze.

- Ela é forte como uma rainha, mas tecnicamente seu título de nobreza foi o de uma

condessa – explicou Fischer.


- Você quer dizer A Condessa? A Condessa Sangrenta? Isabel Bathory? Que se

banhava no sangue de virgens para manter a juventude? E foi condenada por mais de 600

assassinatos?

- Exatamente. Ela não gostava de manga com leite, e sua frieza a fazia se manter

jovem usando a receita mais abominável de todas: se banhar em sangue – explicou Fischer.

- Mas por que ela estava presa até hoje?

- Seus métodos chamavam muito a atenção, mas o alto escalão decidiu que uma

pessoa fria como ela poderia ser útil durante o extermínio do ciclo, então ela foi transformada

em semideusa e mantida encarcerada aqui até hoje. Ou pelo menos era onde nós

imaginávamos que ela estivesse.

- Se isso é um jogo, contra quem estamos jogando? – perguntou Doze.

- Eu ainda não tenho certeza de quem seja nosso adversário, mas definitivamente ele é

um ótimo estrategista.

...

- Sr. Fischer, acha mesmo uma boa ideia nós termos encolhido o Poff? – perguntou

Doze.

- Se está preocupado com o intelecto dele, duvido que fosse ficar ainda menor – disse

Fischer – Algumas criaturas podem ser encolhidas sem maiores problemas, e além do mais,

sem nosso veículo de transporte, como você queria que nós ficássemos passeando com ele de

aeroporto em aeroporto, novato?

Doze acenou com a cabeça mostrando que concordava com o ele.

- Afinal, o que viemos fazer aqui no Canadá? E porque saímos tão rápido daquela

usina nuclear?
- Eu encontrei o que precisava na usina. Agora estamos indo investigar a agência

espacial canadense. Estou com receio de que alguma coisa fora do comum acontece na

estação espacial internacional.

- Mas por que os canadenses? Afinal, a estação é um projeto conjunto dos Estados

Unidos, Rússia, Japão, União Europeia e Canadá.

- Porque apenas o Canadá é composto exclusivamente de semideuses.

- Como assim? A agência toda?

- Não. O país todo. Ou você nunca se questionou sobre o fato de um país inteiro no

continente americano possuir índices tão baixos de mortalidade por violência urbana? Na

verdade eles morrem por assaltantes de outros países, mas nós os restauramos, e isso mantém

os índices de mortalidade baixos.

- Não imaginava! Mas já estou deixando de me espantar com novas informações –

declarou Doze sem muita empolgação com o novo fato.

- E como estamos procurando por pistas de uma conspiração feita pelos semideuses,

esse é o melhor ponto de partida – finalizou Fischer.

- Mas por que esse interesse na estação espacial internacional?

- Eu pensei que você fosse mais esperto, novato... – zombou Fischer.

- Vejamos – começou a indagar Doze, devidamente desafiado – se os conspiradores

queriam destruir os cristais de Astato na Lua desde o começo, estariam dando um tiro no

próprio pé, pois suas respectivas cópias cerebrais também estavam por lá... logo, para se

garantirem, teriam que transferir suas cópias de segurança para outro lugar seguro, que não

fosse nem a Terra e nem a Lua... Ah, é claro, teriam que movê-los para a estação espacial

internacional!

Fischer olhou com aprovação para seu pupilo, e contestou seu raciocínio:
- Estaria correto, porém TODO o Astato da terra foi devidamente movido para a Lua

até 1972, e com o término das missões Apolo, ninguém nunca mais foi à Lua. Aliás, qualquer

um, mesmo um semideus, que desejasse ir à Lua novamente iria inspirar desconfiança por

parte do conselho superior do alto escalão. E eu como sempre fiz parte desse conselho, posso

lhe garantir que não houve nenhuma missão à Lua desde as missões Apolo.

- Então, se não buscaram seus cristais de Astato na Lua, para esconder em um lugar

seguro como a estação espacial internacional, o que estamos fazendo aqui exatamente? – quis

saber Doze – Não existe mais Astato no planeta para eles terem construído um novo cristal.

- Realmente não, mas o urânio em sua meia vida pode se transformar em Astato –

disse Fischer, enquanto abria alguns arquivos secretos no computador da agência espacial

canadense.

Doze fez algumas contas de cabeça e se pronunciou: “Seriam necessárias toneladas de

urânio radioativo para se conseguir apenas algumas gramas de Astato.”

Exatamente! – concordou Fischer – Acabei de encontrar o que estava procurando.

Existe um volume secreto a bordo à estação espacial internacional, o qual não está catalogado

em lugar algum sobre o que se trata. Mas olhando para a foto da embalagem, o que lhe

parece?

- Uma lápide! Parece uma lápide... assim como as que eu vi no painel da reunião em

Xanadu... Oh, não, é um cristal de Astato, certamente! Mas onde conseguiram tanto Astato

assim? – questionava Doze.

- Lembra-se da usina que visitamos? Encontrei lá um gerador de fusão nuclear para

gerar efetivamente a energia que era distribuída.

- Mas isso não faz sentido. Se havia um gerador de fusão secretamente instalado, o que

faziam com toda aquela reserva de urânio radioativo? Não me diga que estavam apenas
criando Astato? Mesmo que poluíssem todo o planeta com lixo radioativo, mal daria para

gerar um único cristal de Astato, para uma única pessoa... – afirmou Doze.

- Para um candidato a ditador mundial, a poluição do planeta pouco importaria, desde

que ele fosse o beneficiado por esse último cristal. Ele seria então o último imortal do planeta.

- Esse sujeito realmente é maquiavélico. Agora que descobrimos seu plano, qual será

seu próximo passo?

- Muito simples essa pergunta. Ele precisa apenas eliminar todos os semideuses do

mundo, a começar pelo alto escalão. Para isso ele libertou a rainha, ou melhor, a condessa

sangrenta. Assim seu reinado eterno vai ter início, sem qualquer interferência, visto que os

humanos não têm ideia do que acontece no mundo.

- E como vamos eliminá-lo, mesmo que o encontremos, visto que em algum lugar, ou

mesmo em muitos lugares, ele deve ter autômatos prontos a reconstruir seu corpo em caso de

morte? – indagou Doze.

- Essa é uma outra estória, novato. Só temos que descobrir como um mortal pode

vencer um deus. Vamos para uma base de apoio que temos em Quebec para pensar numa

solução.

...

- Almirante Fischer, que bom que o senhor chegou. Pensávamos que havia morrido

junto com os outros membros do alto escalão! – dizia o tenente que os recebeu na entrada da

base militar de Quebec.

- Está louco, tenente! Existem centenas de membros do alto escalão em Xanadu, fora

todos os demais que estão na conferência em Pradesh na Índia!!! – exclamou Fischer

impaciente por uma pronta resposta.


- Almirante, todos os participantes da conferência na Índia foram mortos pelo exército

chinês, incluindo o Dalai Lama, e Xanadu foi bombardeada por mísseis nucleares franceses

num suposto teste balístico nuclear! – afirmou o tenente com ar de desespero.

- Quando isso tudo aconteceu? – quis saber Fischer.

- Simultaneamente, nos últimos 20 minutos, Senhor! – replicou o tenente.

Doze acompanhava atônito a situação.

- Eles fizeram seu movimento. Agora é a nossa vez de mexer as peças. Tenente, ligue

me com a ONU imediatamente! – ordenou Fischer.

Doze percebia no semblante do Sr. Fischer um misto de surpresa e conformismo,

como se uma parte dele soubesse o que estava para acontecer. Afinal, ele já havia se

antecipado e declarado que o objetivo do inimigo seria acabar com os semideuses do alto

escalão, e posteriormente com os demais semideuses no mundo. Finalmente chegava o

tenente de volta com o telefone já em contato com dirigentes da ONU, com os quais Fischer

iniciou uma conversa curta e direta:

- Coronel Suarez, apenas confirme minhas suposições – iniciou Fischer.

- Sim, pode dizer – respondia o tal coronel Suarez do outro lado da linha.

- O DGSE alertou o governo chinês sobre uma conspiração para libertação do Tibet

que estava acontecendo na Índia?

- Sim, mas essa notícia é extremamente confidencial. Como você soube que foi a

agência secreta francesa que fez a denúncia? – perguntou o coronel da ONU.

- Porque ela sempre gostou de moda.

- O quê? – espantou-se o Coronel, sem entender nada.

- Deixa pra lá. O mais importante, informe a todos que o governo francês pretende

bombardear o Canadá, provavelmente Montreal e Vancouver, ao mesmo tempo, e nos

próximos minutos. Faça tudo ao seu alcance para impedir isso – ordenou Fischer.
- Mas como você soube... Ok, vou dar início às investigações imediatamente, e

convocar os cônsules desses países para uma reunião extraordinária do conselho de segurança

da ONU! – concordou o Coronel, desligando.

Doze acompanhava tudo e perguntou na sequência:

- Não me diga que você acha que a condessa se infiltrou no serviço secreto francês?

- Infiltrar, não. Ela fugiu há mais de 20 anos, nesse momento ela certamente já o

administra totalmente! – afirmou Fischer – De que outra maneira a França estaria tão

envolvida em ambos os incidentes? Só resta a eles agora bombardearem o Canadá para se

livrarem do último reduto de semideuses do mundo, e a destruição de Xanadu foi

OFICIALMENTE apenas um teste das armas de destruição em massa, que nesse momento

devem estar apontando sob nossas cabeças.

Não havia sequer tempo para que eles lamentassem a perda colossal que era a

destruição de Xanadu. Mais de 40 ciclos de civilização preservados com obras de artes,

artistas e cientistas, agora tudo reduzido a poeira e gelo. Nesse momento o tenente trouxe o

telefone novamente para Fischer, que o atendeu prontamente

-Aqui é o Coronel Suarez novamente.

- Sim, Coronel, qual é a situação? – perguntou Fischer.

- Você tinha razão – disse o Coronel - O exército Francês iria bombardear o Canadá

primeiro e dar explicações depois. Mas nós embargamos toda a situação, que agora virou um

problema diplomático. O governo Francês acusa a sua própria agência de inteligência de agir

por conta própria, e está tomando medidas internas acreditando em se tratar de um golpe de

estado.

- Muito bom, Suarez. Avise ao governo Francês que eu estou indo para lá nesse

momento – completou Fischer.


Doze finalmente sentiu que estavam tomando a frente na estratégia, e que

definitivamente era dado início ao movimento de contra-ataque.

- Sr. Fischer, com o governo francês atrás dela, conseguimos alguma vantagem

finalmente? – quis saber Doze.

- Sim, novato, finalmente temos uma vantagem mínima, mas não se esqueça que eles

quase conseguiram um xeque-mate. Vamos atrás da rainha, pois acredito que assim estaremos

chegando próximo ao nosso rei, visto que durante a defesa, a rainha sempre volta para

proteger seu rei – concluiu Fischer.

...

Fischer e Doze estavam a bordo de um caça a caminho de Paris. Doze estava

inconformado com as turbulências criticando a forma de pilotar do companheiro.

- Sr. Fischer, o senhor pilotava de forma exemplar o Orbitex, então por que pilota tão

mal esse caça?

- Estou desacostumado com caças, além do fato de que os Orbitex possuíam um

sistema muito mais avançado de controle de navegação – relatou Fischer – mas preocupe-se

em verificar seu assento ejetor, pois se tem uma coisa da qual eu realmente não me recordo é

de como pousar essa coisa!

- O quê? Assento ejetor... minha nossa! – conformou-se Doze.

- De qualquer forma, não podemos perder a trilha da rainha. – afirmou Fischer.

- Condessa! Quando o Senhor vai aprender afinal?

- Os nomes que vocês são as peças não me importa, e sim o nome como eu as vejo –

contestou.

Estavam sobrevoando nesse momento a avenida Champ Elysee.


- Vou ajustar o piloto automático para essa nave seguir até o canal da mancha. Nós

pulamos aqui – disse Fischer, acionando o dispositivo de assento ejetor dos pilotos, sem dar

qualquer chance de retórica a Doze.

Ambos foram lançados ao ar, e os paraquedas foram acionados. Porém, Doze não

tinha qualquer treinamento em conduzir um paraquedas, aterrissando sobre o Obelisco de

Luxor, ficando preso a este como um El Balero, brinquedo mexicano onde uma bola fica

presa a um bastão de madeira.

Assim que as autoridades locais o retiraram de lá, Fischer interviu em sua iminente

prisão e ambos foram encaminhados ao Palácio do Eliseu, sede do governo Francês.

Em reunião secreta com dirigentes, Fischer foi direto:

- Quero uma lista dos pseudônimos dos ex-agentes de espionagem francesa suspeitos

de envolvimento com a situação da crise com o Canadá.

Após alguns minutos, a lista com pseudônimos chegou e Fischer começou a ler alguns

nomes de destaque para ele:

- Adrienne significa sombria, Angelique significa mensageira de deus, Austine

significa majestosa, Maree significa mar de amargura e Veronique, aquela que traz a vitória.

Verifiquem quais dessas agentes tiveram participação na investigação do conselho em

Pradish.

Nesse momento Doze imaginava que tipo de critérios o Sr. Fischer estaria utilizando.

Enquanto isso os secretários de estado cruzavam a lista com os nomes apontados por Fischer.

- Maree... Maree... - dizia Fischer em voz baixa, audível somente para Doze sentado

ao seu lado.

- Maree, nome verdadeiro Irene Adler, coordenadora pró-tempore do DGSE, senhor,

apenas ela – disse o secretário.

Fischer demonstrou certo espanto ao ouvir o nome verdadeiro da agente Maree:


- Nome verdadeiro uma vírgula, secretário. Entendo que vocês não gostem dos

vizinhos ingleses, mas aceitar no serviço de inteligência uma agente que usa o mesmo nome

de uma personagem de ficção dos contos de Sherlock Holmes foi uma brutal falta de

inteligência. E me tragam alguns objetos pessoas da mesa dela, canetas, lápis, o teclado de seu

computador.

Doze ficou impressionado com tudo aquilo, e indagou:

- Ele teve a audácia de fazer algo tão obvio?

- Sim, mas agora temos um nome para esse indivíduo. Pelo menos um pseudônimo.

Vamos nos referir a ele como Moriarty daqui para a frente.

...

Doze imaginava o motivo de ainda ser necessário ao Sr. Fischer, uma vez que ele

claramente possuía conexões fortes com governos internacionais de todo o mundo. Dentro a

limusine que agora estavam, devidamente isolados acusticamente do motorista, podiam

conversar abertamente.

- Sr. Fischer, mesmo que sabemos o nome dela, trata-se de uma agente de espionagem

internacional, sem falar no gosto sanguinário. Ela tem capacidade de fugir de um país para

outro, afinal, ela fugiu estando até mesmo emparedada!

- Novato, se esquece com quem está lidando? Eu não tenho apenas a minha disposição

os recursos dos humanos, mas também dos semideuses. Ou você já se esqueceu da Entonet?

- Ah, isso explica você ter pedido por objetos pessoais dela! – entendeu Doze.

- Sim, e vocês vão ter que fazer uma nova visita a estação UVB-76 e tocar essa fita

que eu preparei com as assinaturas dela. Assim que a Entonet reagir aos feromônios dela, eu

vou saber a localização dela através do acionamento dos autômatos mais próximos – explicou

Fischer.
- Vocês? – questionou Doze, percebendo que nesse momento a limusine estacionava

ao lado da catedral de Notre-Dame e um casal vinha na direção deles. Ao entrarem na

limusine, Doze teve o maior espanto de sua vida.

- Vocês estão muito elegantes, hein? Disse a garota.

- E nós aqui, tendo que andar a pé – disse o rapaz.

- Está andando à pé porque quase destruiu um Orbitex, novato! – retrucou Fischer!

- Yelika! Aaron! Mas como? Eu pensei que estavam mortos? – espantou-se Doze, com

um alívio incomensurável por ter reencontrado seus amigos.

- Sr. Fischer, você sabia e não me contou? – irritou-se Doze.

- Você não precisava saber... até esse momento – retrucou novamente.

- Desde quando você sabia sobre o Aaron? E quando conheceu Yelika? – perguntou

Doze.

- Yelika é o que posso chamar de minha rainha nesse jogo. E vocês quase me fizeram

perde-la. Tomei as providências para reconstruí-la imediatamente, assim que vocês deixaram

Xanadu. Já o novato aqui eu percebi que estava vivo pelo fato de que o objeto que colidiu

com o fragmento do cometa partiu bem antes dele ao seu encontro, caso contrário a rota

desviada não acertaria a Lua. E por fim, quais as chances de atingir exatamente o campo de

cristais de Astato? Isso foi uma obra extremamente bem calculada. – explicou Fischer –

Nosso golpe de sorte foi que pedi a Yelika para se encontrar com o novato e aguardarem em

Paris, assim que descobri sobre a fuga da condessa. Tive o pressentimento que ela viria para

cá, mesmo antes da França iniciar os ataques. Caso contrário, Yelika teria morrido junto com

o resto dos habitantes de Xanadu.

- Então é verdade – disse Yelika – Destruíram mesmo a civilização das civilizações! –

esbravejou ela – Fischer, e quanto ao nosso escudo anti-mísseis?


- Foi desativado, provavelmente pelo mesmo traidor que estamos procurando, um

semideus de alto escalão o qual demos o pseudônimo de Moriarty. E ele não está sozinho,

ELA fugiu, provavelmente com a ajuda dele, e agora estão juntos nisso tudo – explicou

Fischer.

- ELA? Não me diga que se trata DELA? - indagou Yelika.

- ELA mesma. Eu a chamo de rainha, mas vocês todos a conhecem como condessa –

respondeu Fischer, continuando – Aliás, ELA já causou todo esse estrago, induzindo o

exército chinês a atacar a cerimônia na Índia, enviando mísseis franceses para Xanadu e por

pouco não bombardeou o Canadá.

- Mas desde quando eles têm planejado isso? – questionou Yelika.

- Moriarty provavelmente começou a planejar isso bem antes, mas ela deve ter se

juntado a ele há cerca de vinte anos – detalhou Fischer.

- Vinte anos é um bom tempo para planejamento de estratégias – disse Aaron.

- E nós temos pouquíssimo tempo para preparar um contra-ataque – completou Doze.

- Exatamente, meus caros. Por isso tenho uma missão diferente para vocês – afirmou

Fischer, continuando – Os novatos vão até a estação UVB-76 tocar essa fita cassete com

assinaturas de feromônios da condessa, e Yelika vai levar o bicho de estimação dos novatos

para algumas análises mais apuradas.

- O Poff? Vocês não vão machucá-lo, não é mesmo? Aliás, o coitado está no meu

bolso até agora – disse Doze.

- Você sabe que eu adoro criaturas bioconstruídas! Vou tratar bem dele – disse Yelika

– Mas o que exatamente você quer saber, Sr. Fischer?

- Quero que você aprenda a como reproduzir o processo de marmorização em seres

vivos, pois esse conhecimento se perdeu até mesmo para nós há algum tempo. Estamos todos

entendidos?
- Sim! – exclamaram em conjunto.

- Nos encontraremos aqui novamente em 6 horas – finalizou Fischer e todos seguiram

seus novos caminhos.

...

- Esse lugar me dá arrepios! – reclamou Doze. Ambos já estavam com os trajes

protetores descendo a caminho da estação de transmissão subterrânea.

- Dessa vez tome cuidado redobrado para não rasgar suas roupas, Doze, há menos que

queira curtir outra viagem alucinógena enquanto seu corpo é devorado por insetos!

- Nem me lembre disso, Aaron. Aliás, nunca tive oportunidade de agradecer pelo

resgate.

- Sem problemas, afinal boa parte do trabalho foi você mesmo que executou – disse

Aaron.

- Como assim? Eu estava inconsciente!

- Sim, mas era mais para um estado de transe. Ou você não se lembra de ter comido

boa parte dos insetos que infestavam seu corpo? – contou Aaron.

- Arghhh, que nojo! Pensei que isso tinha sido apenas um sonho!

- Não foi sonho não, aliás, foi isso que o salvou. Mas não se preocupe, pense que

foram apenas proteínas. Mas dizem que as larvas têm gosto do que eles comem. Como foi

sentir o seu próprio gosto?

- Cale a boca, Aaron! Estamos quase chegando. Não vejo a hora de sair desse lugar

maldito!

Ambos caminharam em direção à central de transmissão e inseriram o cassete no

painel.

- Pronto, está reproduzindo. Vamos embora desse lugar – se aliviou Doze.


- Eu tenho me perguntado uma coisa, Doze. Se esse nosso inimigo é tão bom

estrategista assim, a essa altura já deve ter percebido que alguém impediu o ataque ao Canadá,

e também deve saber que estão à procura da condessa – divagou Aaron.

- E daí? - perguntou Doze.

- E daí que não vai demorar muito para ter a mesma ideia que o Sr. Fischer de que usar

a UVB-76 seria a melhor forma de localizá-la – completou Aaron.

- O que significa que estamos correndo muito mais perigo do que imaginamos aqui

embaixo! – entendeu Doze.

Nesse momento uma grande explosão foi ouvida acima deles, e quase todo o lugar

desabou. Ambos sobreviveram, mas seus trajes de proteção se rasgaram, para o desespero de

Doze.

A névoa alucinógena adentrava em suas roupas, e Doze se desesperava por completo.

- Não, de novo não! - Gritava Doze.

- Acalme-se! Fora o traje rasgado, está tudo bem com você? – questionava Aaron.

- Sim, estou bem, não quebrei nada, mas não vou ficar bem por muito tempo!

- Tenha calma! Praticamente todos os insetos e larvas do seu corpo já saíram na

primeira vez que foi exposto – Aaron tentava acalma-lo.

- Mas e você, sua roupa também se rasgou! – dizia Doze.

- Não se preocupe comigo, eu pedi que reconstruíssem meu corpo novamente, mas

sem as larvas e insetos, assim que cheguei no centro de treinamento e descobri sobre isso.

- Então por que você usa roupas de proteção aqui? – quis saber Doze.

- Apenas para ficar livre dos efeitos do alucinógeno. Mas agora não há o que fazer,

devemos procurar uma nova saída e tentar ignorar ao máximo os efeitos das alucinações.

- Se eu começar a comer insetos novamente, eu juro que eu te bato! – ameaçou Doze.

- Pode ficar tranquilo. Vamos seguir naquela direção – apontou Aaron com as mãos.
- E por que suas mãos estão tão grandes?

- “Oh, já começaram os efeitos. Já vi que vai ser um Déjà vu” – pensou Aaron.

Ambos seguiram pelos intermináveis túneis, tentando encontrar uma saída.

...

Os dois amigos buscam desesperadamente uma saída daquela rede intrincada de

túneis, certamente com algum propósito em tempos de guerra fria, mas que agora nada mais

representava a eles do que um mortal labirinto.

Embora estivessem livres da armadilha de insetos, o ar era rarefeito, e com seus tubos

de oxigênio do traje de proteção vazando sem controle, certamente iriam morrer sufocados em

breve. Havia ainda o terrível incômodo das alucinações, que tornavam o trajeto pelas

instalações ainda mais perigoso.

- Aaron, vamos seguir em direção àquela luz no final do corredor! - balbuciava Doze.

- Não há luz alguma lá, Doze. Não podemos confiar em nossos sentidos isoladamente.

Temos sempre que consultar um ao outro sobre o que achamos estar percebendo, e só então

tomar uma decisão.

- Concordo. Então não tem luz no fim do corredor? – completou Doze.

- Não.

- Realmente. Ela acaba de desaparecer. Parece que minha alucinação é altamente

susceptível a sugestões – brincou Doze.

- Não se esqueça de que não podemos confiar nos outros sentidos também. Tato,

audição e olfato – lembrou Aaron.

- Sim, ótima situação nós fomos nos meter – complementou Doze – eu sinto cheiro de

bacon por falar nisso, e vem daquele lado.


- Curioso. Eu também estava sentindo cheiro de bacon, e isso foi antes de você me

dizer que sentia também, então eu não devo ter sido sugestionado. Mas quais as chances de

alguém realmente estar fritando bacon nas proximidades? – questionou Aaron.

- A regra foi sua! Sentidos iguais, sem sugestionamento, vamos seguir – lembrou

Doze.

Ambos seguiram o cheiro atenuado de bacon que podia ser percebido no local.

Primeiro seguiram por um corredor comprido, e depois foram subindo por diversas

plataformas, e realmente parecia que o cheiro de bacon ficava mais forte a cada passo.

O ar parecia menos rarefeito também, conforme seguiam a direção do bacon. Outros

odores foram tomando forma, como batata fria e hambúrgueres. Por fim, levantaram uma

tampa de bueiro e acreditaram estar finalmente delirando: havia um McDonalds instalado ali.

- Aaron, eu estou tendo uma alucinação visual agora, vejo um McDonalds aqui fora!

- Não é alucinação, Doze, é a unidade de Povarovo do McDonalds. Estamos em uma

pequena cidade a trinta quilômetros de Moscow.

- Normalmente eu não como esse tipo de comida, mas vou abrir uma exceção para

nossos hambúrgueres salvadores! – disse Doze.

- Não temos muito tempo, mas vai ser bom beber refrigerantes pois o açúcar corta o

efeito alucinógeno – lembrou Aaron.

- Pena que vamos ter que esperar a girafa, o elefante e a zebra que estão na fila do

drive thru. É normal esses animais serem cor-de-rosa aqui na Rússia? – perguntou Doze.

- Entre logo e tome sua soda, Doze. Depois vamos procurar o Orbitex, que por sorte eu

havia estacionado bem longe da entrada da estação, e voltar logo para o encontro com o Sr.

Fischer.

...
- Por que demoraram tanto? – criticou Fischer, que esperava ao lado da Yelika dentro

da limousine em frente a catedral de Notre-Dame.

- Desculpe, Sr. Fischer, mas é muito difícil estacionar em Paris, ainda mais um

Orbitex, e em segredo – justificou Doze – Ei, Poff, como você está? Cuidaram bem de você?

- Siiiimmm... – afirmou a criatura, agora em tamanho real ocupando quase um lado

inteiro da limousine.

- Afinal, o Senhor conseguiu descobrir a localização da condessa? – perguntou Aaron.

- Sim, os gárgulas autômatos confirmaram a presença dela há muito tempo, assim que

ela foi detectada pela Entonet. Mas eu não pude dar o comando de captura, apenas estou com

o controle para monitoramento. Moriarty deve ter desativado os gárgulas para não matarem a

condessa.

- E onde exatamente ela está agora? – perguntou Doze.

Yelika apontou para cima discretamente.

- Gárgulas. Ela está aqui em Notre-Dame? E você me fez voltar àquela estação russa

por nada! - gritou Doze.

- Não foi por nada, Doze. Não tínhamos ideia de onde ela poderia estar. Foi um golpe

de sorte ela estar tão próxima a nós – disse Aaron.

- Porém, meus caros, eles agora sabem que alguém os está procurando, e o pior, que

esse alguém vai aparecer em breve, então eles devem estar preparados para nosso encontro –

afirmou Fischer.

- Mas nós também estamos preparados, não é mesmo, Sr. Fischer? – disse Yelika.

- Sim. E a sorte favorece aos audaciosos, porém nesse caso, eles têm sido tão

audaciosos quanto nós, logo não quero deixar nada a cargo da sorte – explicou Fischer.
- Novato, pegue seu animal de estimação e entre na catedral. Nós iremos logo atrás.

Lembre-se, ele é praticamente feito de pedra, logo use-o para se proteger – ordenou Fischer a

Doze.

- Mas e quanto a inocentes lá dentro, Sr. Fischer? - questionou Aaron.

- Já contatei o clero e nessa semana a catedral foi fechada para dedetização, embora eu

não esteja vendo nenhum sinal de trabalhadores desse ramo, o que me faz acreditar que

nossos inimigos se encontram sozinhos lá dentro – disse Fischer.

- Não deveríamos traçar um plano mais detalhado? – perguntou Doze.

- Não sabemos se existem tuneis de fuga, ou mesmo um Orbitex os aguardando em

outro local. Também não sabemos realmente se Moriarty está junto com a condessa. Não

temos tempo a perder. Nosso plano é entrar, explorar, enfrentar e sobreviver – resumiu

Fischer – além do mais, o sinal da condessa tem desaparecido e reaparecido diversas vezes e

ainda não entendemos o porque.

- Bom plano – concordou Doze – principalmente no quesito sobreviver.

- Meus camaradas, ao longo de milênios, sempre pude confortar minhas equipes de

operação de que nada iria acontecer a elas, pois eu poderia simplesmente reconstruir seus

corpos e regravar suas mentes no caso do pior acontecer... – discursou Fischer – Mas agora,

eu realmente peço que estejam prontos a se sacrificar para proteger o mundo de uma nova

ordem, a qual tudo parece ser sinistra e avassaladora. Para se associar com alguém como a

condessa, esse semideus certamente partilha secretamente dos mesmos ideais nefastos dela, e

eu tenho certeza de que todos os recursos utilizados pelos semideuses para outrora monitor os

humanos, será agora concentrado em um esforço para escravizá-los.

- Em prol do direito à liberdade e de morrer apenas no reinício do ciclo, aqui vamos

nós! – disse Doze descendo da limousine junto com seu amigo peludo.

...
Assim que entrou até a metade do salão principal de Notre-Dame, Doze se deparou

com uma cena horrorizante. A condessa se banhava em sangue no meio do altar, além do fato

da catedral toda estar repleta de sangue pelas paredes.

- Pelo menos ela tem um belo corpo - pensou Doze – logo em seguida imaginando de

onde teria vindo tanto sangue.

- Peça para seus comparsas entrarem! – uma voz misteriosa anunciou. Dado a acústica

da catedral, não era possível determinar sua localização exatamente.

- Não será preciso – anunciou Fischer e os demais, já entrando na Catedral.

- Com medo do ataque dos gárgulas, Fischer? Por isso enviou o garoto e o Yeti

primeiro?

- Já vi que você não pode acionar o ataque deles, assim como eu não posso. Esse foi o

custo para você salvar sua rainha, não é mesmo! – falou Fischer em voz alta.

Doze não estava nada contente em saber que tinha sido usado como um mero boi de

piranhas... novamente aliás.

- Porque não desce aqui e terminamos logo com isso, Moriarty!

- Moriarty? Então ainda não sabe quem eu sou. Você me desaponta, Fischer. Esperava

mais de você. Afinal, foi o último sobrevivente do alto escalão – dizia a voz.

Yelika e Aaron olhavam com desprezo para a condessa, que não interrompia seu

banho de sangue e parecia sequer se importar com os convidados. E a voz continuava:

- Devido ao seu atraso, tive que dispor de algumas dezenas de ciganos a fim de

preparar o banho semanal da condessa, sendo que eu havia planejado em usar o sangue de

vocês!

- E eu pensei que todos aqueles ciganos haviam sido deportados – disse Aaron.

- Ela toma banho uma vez por semana apenas? – brincou Doze, em meio aquele caos.
- Um bom jogador sempre sabe quando derrubar seu rei e desistir do jogo, Fischer. No

entanto, você ao invés de fugir, veio ao meu encontro, apenas para morrer e ver seus pupilos

morrerem junto. Afinal, você sabe que não pode me matar, pelo menos não definitivamente –

disse a voz em tom ameaçador.

- Não tenho intenção de entregar esse jogo, visto que eu tenho uma rainha, um

cavaleiro, uma torre e um peão, e você, apena suma rainha, meu caro. A vantagem está

nitidamente ao meu lado! – afirmou Fischer.

- Ei, desde quando eu continuo como peão e o Aaron foi promovido a cavaleiro? –

reclamou Doze.

- Cale a boca, Doze – completou Yelika – vai começar em breve.

- Começar o quê? Perguntou Doze, e nesse momento os gárgulas que olhavam para

fora da catedral se voltaram para dentro da igreja, produzindo um som reverberante de rocha

se arrastando sobre rocha.

- Então é assim que ele vai começar. Atenção todos, escondam-se atrás dos pilares e

evitem ser atingidos. Os gárgulas lançam uma quantidade limitada de projéteis de pedra, mas

se os acertarem, estarão mortos – gritou Fischer – Novato, peça para o seu animal destruís as

estátuas uma a uma.

- E ele não vai se machucar? Perguntou Doze.

- Claro que não – respondeu Aaron. E Doze ordenou a ação.

Uma chuva de projéteis de pedra era disparada contra eles, que se protegiam por detrás

dos pilares da igreja. Saber o ângulo exato era uma tarefa empírica a se determinar, sendo que

cada vez que um tiro de pedra passava de raspão pelo corpo e causando ferimentos leves, eles

sabiam que deviam se encolher mais um pouco.

Enquanto isso o Yeti destruía estátua por estátua, assim como uma torre captura todos

os peões de defesa inimiga quando esta está desprotegida.


- Quando o animal terminar de destruir a todas as estátuas, nós avançaremos –

comentou Fischer.

Enquanto isso a voz misteriosa cessou, e a condessa parecia não se importar com nada

a sua volta, apenas com seu reconfortante banho de sangue. Finalmente o Yeti destruiu a

última estátua.

- Novato, vá até a condessa – ordenou Fischer.

- O que? E o que eu faço quando chegar lá? – indagou ele.

- Nada. Apenas se aproxime dela – ordenou Fischer.

- “Nunca imaginei que teria medo de me aproximar de uma mulher nua” – pensou

Doze.

- Ande logo, novato! – ordenou Fischer mais uma vez.

Doze então se aproximou lentamente da condessa, observando se o amigo peludo

havia realmente dado um jeito em todos os gárgulas.

Ao se aproximar do altar, chegou perto o suficiente para contemplar sua beleza

legendária. A condessa tinha olhos vitrificados, mas um rosto com linhas perfeitas, pela clara

como papel, lábios avermelhados, cabelos sedosos e um corpo escultural. Doze foi ficando

tomado por uma sensação estranha. Aos poucos percebeu o que estava acontecendo. Estava

completamente apaixonado pela condessa, e não iria permitir que ninguém lhe fizesse mal

algum. Ordenou então ao Yeti:

- Poff, ataque eles!

- O quê! Exclamaram juntos Yelika e Aaron.

Fischer não parecia surpreso. Apenas disse:

- Tive que sacrificar um peão e uma torre, mas agora sabemos o verdadeiro poder da

rainha deles!

...
- Agora eu entendo o motivo do emparedamento – disse Fischer – Antes de tudo, a

nossa condessa sangrenta é na verdade a lendária Psiqué, há muitos ciclos perdida na história.

- Psiqué? Eu pensei que era apenas uma lenda de Atlântida – disse Yelika

- Atlântida? Não era uma lenda grega? – perguntou Aaron.

- Platão levou a lenda para a Grécia, explicou Yelika.

Psiqué era a filha de um rei, que de tão bela, conquistava a admiração de todos, e teve

que ser levada pelo vento. A lenda conta que até mesmo o cupido em pessoa se apaixonou por

ela.

- Fiz muito bem em trazer você, Yelika, Como anda sua atração por mulheres

ultimamente? – perguntou Fischer.

- Senhor, o senhor sabe muito bem que não tenho atração por homens nem mulheres.

Sou de Atlântida, e lá cultivávamos as pessoas em tubos de ensaio – lembrou Yelika.

- Estamos em suas mãos, Yelika – disse Fischer - Vá até lá e teste o composto que eu

pedi para você elaborar. Enquanto isso nós vamos deter seu amigo e o animal de estimação

dele. Vamos de volta ao Orbitex, cavaleiro.

- Fugindo e deixando as mulheres para trás, Fischer. Quanta nobreza da sua parte –

dizia a voz misteriosa.

Enquanto isso Yelika se aproximava da banheira da condessa, empurrando para traz

Doze que tentava impedi-la. O Yeti não sabia o que fazer, mas certamente não iriar atirar

pedras neles. Fora da catedral, Aaron questionava o Sr. Fischer, ambos já dentro do Orbitex:

- Senhor, vamos mesmo destruir o teto da catedral de Notre-Dame?

- É realmente uma pena, mas muito mais já foi destruído em Xanadu, e muito mais

poderá ser destruído se não fizermos nada agora. Dispare!

...
Foi um show à parte! Um disco-voador emerge em Paris e destrói o teto da catedral de

Notre-Dame! Um esforço de milênios para ficarem incógnitos, repentinamente esses dois

semideuses exerciam seus devidos poderes aos olhos de todos. Nada mais era segredo ou

sagrado na relação deles com a humanidade.

- Devo atirar na condessa? – perguntou Aaron.

- Não. Podemos precisar dela algum dia no futuro. E a Yelika sabe como lidar com

ela. Apenas derrube algumas pedras sobre o Yeti, e por fim, dispare sobre a sacristia que eu

quero ver a cara do nosso amigo misterioso – ordenou Fischer.

As pessoas começavam a se aglomerar para ver tudo aquilo, ainda que há uma

distância aparentemente segura. A verdade finalmente estava vindo à tona.

Dentro da catedral, os efeitos dos disparos do Orbitex foram avassaladores, mas os

objetivos do Sr. Fischer foram cumpridos. O Yeti estava preso nos escombros e Doze

desmaiou atingido por uma das pedras que caiu do teto.

Atrás, na sacristia recém demolida, era possível ver a figura de um homem. Fischer

olhava atentamente lá de cima, mas foi a Yelika quem o identificou primeiro, dada sua

proximidade.

- Ford! Henry Ford! - gritou Yelika – Pensei que você havia morrido na cerimônia em

na Índia. Então foi você o destruidor de Xanadu! Seu miserável! – demonstrava toda sua ira.

- O que você pode fazer, plebéia? - zombou Ford.

Imediatamente Yelika borrifou sobre Ford e sobre a condessa um spray denso, o qual

cobriu quase que na totalidade o corpo de ambos. Imediatamente agarrou Doze e saiu às

pressas do local.

Estava feito.

...
Yelika levou Doze, ainda inconsciente para dentro do Orbitex, e Aaron e Fischer

recolheram o Yeti.

Também recolheram o que agora eram duas estátuas, de Ford e da condessa.

- Funcionou como o senhor previu – disse Yelika ao Fischer – eu isolei os compostos

que mantinham a marmorização nos tecidos vitais do Yeti, e depois os concentrei, mas a

ponto de não matarem o indivíduo!

- Brilhante – disse Aaron – assim os autômatos que o Ford possui pelo mundo não vão

construir um novo corpo para ele, porque afinal, ele não morreu. Ele pode ter muitas linhas de

produção para um corpo de reserva, mas enquanto sua mente está presa ativamente nesse

corpo petrificado, ele não pode dividir sua essência!

- Ao invés de se tornar o único imortal do planeta, agora ele é o único condenado

eterno a cumprir pena no planeta – completou Yelika – uma pena justa por ter acabado com a

maior de todas as civilizações.

- E aparentemente a nossa condessa psique não hipnotiza mais ninguém nessa forma

de estátua – analisou Aaron.

- Será a Vênus de Doze! – gritou Doze ao fundo, recobrando de uma dor de cabeça

terrível.

- Ah, você está bem afinal? – perguntou Yelika.

- Sim. É preciso mais do que uma catedral gótica e uma beleza mitológica para acabar

comigo.

- Vamos para a casa. Mas onde é nossa casa agora? – perguntou Yelika.

- Desde que estejamos juntos em algum lugar, esse lugar será nossa casa – completou

Doze.

...
Após tudo ter terminado, Doze, Yelika e Aaron passeavam pela avenida dos Campos

Elíseos, em Paris:

- Não acham que nós merecemos estar nesse lugar, meus queridos? – Afirmou Yelika.

- Paris? – perguntou Doze.

- Não, ela certamente está se referindo à Campos Elíseos, o nome da avenida, e por

acaso, na mitologia grega, o lugar onde os virtuosos descansavam após morrer – disse Aaron.

- Sim, por isso eu pretendo ficar aqui um bom tempo, agora que não tenho mais

Xanadu, Paris é o meu segundo reduto cultural preferido no mundo – disse Yelika.

- Você vai para onde, Aaron?

- Eu vou aceitar o convite do Sr. Fischer e fazer parte do novo conselho do alto escalão

dos semideuses e humanos que vai se formar.

- Vai virar um burocrata?! – atestou Doze, rindo junto com Yelika.

- E você vai fazer o que agora, Doze? – indagou Yelika.

- Vou esperar aqui com você.

- Esperar, esperar o que exatamente? – perguntou ela.

- Apenas esperar. Afinal de contas, a água de Paris contém Iodo, não? – finalizou

Doze.

FIM

Você também pode gostar