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- Fale baixo, Doze! Quer que sejamos presos... ainda se fosse por invadir um banco...
Já era o terceiro museu que a dupla invadira, e dessa vez em um país diferente dos dois
primeiros. A cada novo item que era adicionado à sua seleção de fósseis, Doze ficava cada
vez mais atônito com mais uma comprovação de sua hipótese, a qual certamente poderia
- Doze, eu sei que não é a melhor hora para dizer isso, mas já está mais do que na hora
de você me contar esse segredo, pois estou sendo cúmplice de um crime que nem sequer
- Ah, meu amigo fiel, está na hora de você compreender... Você deve manter a mente
aberta, pois o que vou lhe contar vai estremecer as bases de tudo que você concebe por
realidade até então. Mas antes, devemos sair daqui rápido, antes que nos descubram.
museu de história natural. Mesmo preocupado com a vigilância enquanto saiam, Doze
concomitantemente esclarecia sua recém confirmada teoria ao amigo, que não podia ficar
- Lembra da minha tese de doutorado? A qual você sempre perguntou sobre o que
tratava, e eu dizia que era sobre a construção de um aparelho portátil para classificação de
compostos químicos?
- Sim, eu lembro bem, aliás, você carregou esse cacareco em todas as nossas recentes
- Humm... Tinha que ter mentido mesmo, não iriam conceder seu doutorado com base
numa coisa que já existe há tempos, e que até eu - que não sou pesquisador - sei o nome, a tal
- Exato... - Doze fitou o amigo – porém, o que eu escondi de todo mundo é que meu
aparelho, além de fazer a tal analise que eles queriam no laboratório, também é capaz de
calcular as datas dos compostos, utilizando um novo método desenvolvido por mim que NÃO
utiliza o carbono 14, e nem qualquer outro átomo de carbono... aliás, ele usa... Deixa pra lá...
aqui não é a hora nem o lugar para eu te explicar como ele funciona... O que eu quero lhe
explicar são as consequências do que eu acabei de confirmar, mais uma vez aliás!
Os passos rápidos de ambos se dirigiam a saída de serviço do museu, por onde haviam
entrado. Nesse momento ouviu-se outro ruído de passos. Era um guarda que se aproximava.
Ambos ficaram quietos por alguns minutos, o que não diminuía a curiosidade no olhar do
amigo, o qual finalmente ia receber uma explicação justificando aquela jornada toda, que
Washington, capital.
- Eu sou físico, e você sabe que todo físico se interessa por tudo, e tem sua atenção
chamada a fenômenos estranhos, sejam eles naturais ou sociais, ou de qualquer outro gênero –
introduziu Doze, falando em voz muito baixa, sem sequer ter certeza de que o guarda da
- E daí é que eu sempre achei muito estranha as lacunas existentes em nossa história.
- Você nunca se perguntou o por que a nossa espécie existe a 50 ou 100 mil anos –
talvez mais – mas a nossa civilização existe há apenas 10 mil anos? Indo mais longe, porque a
terra tem bilhões de anos porém a vida no planeta é tão recente, comparado com a idade dele,
- Ah, Doze, não estou entendendo nada... Comece tudo outra vez.
- Ok. Na verdade vou direto ao ponto dessa vez. E se por acaso, houvessem existido
diversos ciclos de civilização, e por algum motivo muito obscuro a todos, esses ciclos foram
atribuídos a eles datas recentes e cômodas... para alguém ou alguns... ou muitos... não sei ao
- Doze, daqui a pouco você vai me dizer que os dinossauros não existiram!
- Exato! – exclamou Doze – Foi exatamente o que eu acabei de comprovar com meu
aparelho, pela terceira vez e agora num país diferente do nosso, demonstrando que essa trama
é mundial!
- Como assim? Qual a data que você mediu com essa sua geringonça nos ossos dos
dinossauros?
Doze disse, antes de passar pela portinhola que os levaria para fora:
- 1969.
...
- Onde estou? – disse Doze ao acordar em uma sala branca, muito limpa, com exceção
de vestígios de algo que parecia ser terra sobre a mesa a qual estava deitado.
- Antes de mais nada, você tem direito a apenas 3 perguntas – disse uma voz feminina
Olhou a sua volta cuidadosamente e viu apenas um quadro na parede, o qual ele
reconheceu prontamente. Era a ´Escola de Atenas´, uma das mais famosas obras do pintor
Olhava agora para si mesmo e percebeu que algo mais faltava além de suas roupas:
- É necessário que você decida se quer manter sua existência conosco ou no mundo em
que você viveu até hoje – disse a voz – e como foi dito, posso responder a 3 perguntas antes
da sua decisão.
Frente a essa situação, o quadro de Rafael fazia mais sentido do que nunca. Ele
- Não são lá 3 desejos, mas tudo bem. Vamos a primeira pergunta: “O que acontecerá
- Nesse momento sua existência é dual. Seu corpo original está dormindo e sua mente
foi gravada nesse corpo que está usando agora, clonado com base em seu corpo original,
Doze se perguntava em silêncio quais deveriam ser as tais melhorias, visto que se
consertaram as cicatrizes poderiam ter arrumado muito mais coisas em seu corpo, e até
mesmo acrescentado outras. Era tudo fascinante para ele, que sentia uma exaltação só
comparada a de uma criança de 5 anos que vai ao circo pela primeira vez. E a voz continuava
a esclarecer:
- Sua ‘essência’ no entanto está agora associada a esse corpo. Caso sua resposta seja
NÃO, nós o matamos aqui e sua ´essência´ vai retornar ao seu corpo original. Caso sua
resposta seja SIM, nós matamos seu corpo original e você viverá conosco a partir de então.
Pensava naquelas palavras. O que raios seria a tal ´essência´, e porque era tão
importante para sua vitalidade... Sabia que não tinha direito a muitas perguntas nesse
momento, e não queria perder o foco para sua tomada de decisão. Continuou ele então:
- Vejo que minhas escolhas são morrer ou ... morrer! Bom, minha segunda pergunta é: “Vocês
dinossauros?”
método de avaliação da idade. Fazemos isso o tempo todo, como por exemplo a descoberta da
tecnologia de fusão a frio para geração de energia. Como usamos exatamente essa técnica
para gerar energia para esse lugar, não queríamos que vocês a descobrissem, logo bastou
sabotar os demais experimentos no mundo todo para que a descoberta ficasse desacreditada.
- Você – continuou a voz – foi escolhido por sua pesquisa em economia internacional,
na qual desejava provar a existência de alienígenas verificando que a soma das importações e
exportações de todos os países do mundo não batiam. Suas conclusões sobre comércio com
alienígenas estavam erradas, pois na verdade esse déficit ocorre por nossa causa. Mesmo
Tinha agora apenas mais uma pergunta. Como deveria usá-la? Deveria querer saber o
paradeiro do amigo, afinal ele também estava próximo da verdade... Não, eles já haviam lhe
dito que ele foi convocado devido a outro motivo, se é que pode-se chamar de convocação
Provavelmente tinha ali a chance de passar a eternidade com eles. Também certamente
iria deixar para trás tudo no mundo até então. Parentes, amigos, amores, carreira... Pensou
bem no assunto, e chegou à conclusão de que de nada lhe valia viver toda a eternidade se não
...
- Silêncio! Pela última vez, silêncio! – pediu o mentor, e a classe finalmente atendeu.
- Tudo bem que estamos em uma sociedade assíncrona, sem relógios, mas isso não
significa que eu tenha de passar toda a eternidade para lhes ensinar os principais
- O novato não deveria esperar uma nova turma, professor?! Afinal, muita coisa foi
vista até agora, no ciclo 37 que estamos estudando. Esse calouro vai nos fazer ter que ficar
repetindo coisas dos ciclos que já estudamos – indagou um dos alunos. Todos eles tinham um
semblante que apresentava contraste entre o rosto jovial em conjunto com olhos incisivos,
- Sim, o novato está em uma situação delicada, porém, dada a nossa situação atípica do
final desse ciclo, não estamos mais admitindo novas turmas, como vocês bem sabem. Então
calem-se e prestem a atenção no que vou explicar agora sobre a grande guerra do ciclo 37... -
Doze já havia perdido a noção do tempo desde que chegou. Quando lhe foi ordenado
que participasse de aulas de História, pensou que seria uma ótima oportunidade para entender
sua situação, porém, descobriu que aulas são enfadonhas e cansativas em qualquer lugar, e se
queria aprender algo de mais interessante teria de questionar seus novos colegas de classe.
Sua maior proximidade foi com Aaron, que havia chegado há pouco tempo também.
- Ah, depois eu te passo um resumo do ciclo 37, Doze. O mentor Yadaa é muito
repetitivo. Vai falar dessa guerra indefinidamente. Ele já deve ter se esquecido que agora
existe limite de tempo para as aulas. Depois de lecionar por 4 ciclos, ele deveria se aposentar,
- Mas para você que chegou agora, deve estudar o que cai nas provas sem perder
tempo com enrolação. Como você faltou no começo, vou te dizer o que é mais importante
saber.
- Sim, provas. Enquanto não obtivermos nossa titulação, não podemos fazer parte na
tomada de decisões dessa sociedade. E como essa sociedade controla a sociedade lá fora,
consequentemente não podemos fazer parte de nada que acontece no mundo também. Então,
correto?
- Calouros. Ouvem uma parte e acham que já entenderam o todo – disse Aaron com
iniciamos outra.
Nesse momento o professor pediu silêncio no fundo da classe, e voltou sua atenção
aos 3 alunos que realmente acompanhavam a história do 37º ciclo, abandonando os demais ao
fundo.
- Embora esse lugar fique nas alturas, próximos às nuvens, e que os que vem para cá
são conhecidos por terem se dedicado em suas vidas, isso aqui está longe de ser o paraíso,
apenas com pessoas boas... temos pessoas boas e más de todos os ciclos de civilização. Aliás
todo o conceito de bem e mal que você aprendeu não se aplica aqui. Quem leu Nietzsche
- Mas respondendo a sua pergunta – continuou Aaron - já lhe adianto que muito
provavelmente não tomaremos parte na eliminação do nosso ciclo, visto que ela já começou e
para traz, mas eu conheço a nossa história, do ciclo 42, que são os últimos 10 mil anos, não é
- Foi o que eu tinha pensado também. Eu andei perguntando para alguns veteranos,
visto que o mentor Yadaa nunca chegava em nosso ciclo. Você se lembra de algo chamado
Holocausto?
- Claro. Mas o Holocausto foi a eliminação sistemática dos judeus na segunda guerra
- Sim, mas depois deles seriam os indianos e por fim... – afirmou Aaron, já antevendo
a reação de aceitação de Doze – todo o restante, afinal, a técnica mais elaborada para reinício
de ciclo envolve a contaminação da carne de porco, que os judeus e indianos não consomem.
- Está querendo dizer que Hitler ordenou o extermínio dos judeus apenas por não
- A missão de Hitler era reiniciar o ciclo e recolher as obras de arte. E sim, ele
começou com os judeus pois eles não seriam contaminados pela gripe suína, que aliás já havia
sido testada pouco antes da guerra, na Espanha. Mas logo a seguir seriam eliminados todos os
povos que não consumiam carne, e por fim, a grande contaminação aconteceria, e o ciclo seria
de Aaron.
- Isso eu ainda não descobri. Afinal, nosso curso de história ainda está no ciclo 37...
...
Não havia necessidade de dormir, apenas de comer. Ninguém ficava cansado, embora
isso não os livrava do tédio. Assistir aulas ininterruptamente, parando apenas para as
refeições, poderia ser muito bem a definição de algo que pudesse ocorrer dentro de um dos
círculos do inferno descritos por Dante, principalmente quando o assunto da aula estava longe
- O que? Já está na hora do intervalo novamente? como eu posso ensinar com tantos
Doze ficava ansioso com os intervalos para refeição, pois aproveitava para esclarecer
suas dúvidas mais urgentes com os amigos. Após uma quantidade infindável de intervalos, ele
já estava bem a par dos acontecimentos e aproveitava para confirmar o que os amigos haviam
lhe ensinado:
- Então, quer dizer que nosso ciclo realmente começou com a Arca de Noé?
- Já disse que nunca houve um Noé - corrigiu um aluno - mas a arca existiu sim.
Derreteram as calotas polares para terminar com a civilização do ciclo 41... Também, quem
- Sim, me lembro que o motivo para uma civilização terminar é justamente quando
dispositivo o qual lembrava em muito uma cornucópia - chifre mitológico o qual dava origem
a alimentos infindáveis - embora esse dispositivo não precisava ser soprado como no mito.
- Isso tudo é medo de que eles se tornem nossos concorrentes? – murmurou Doze
comendo uma fruta nunca antes vista por ele – Aliás, como se chama mesmo essa fruta?
- Essa é uma Klégia, fruta típica do ciclo 32, que não foi reintroduzida no nosso ciclo
- Ótimo, então agora eu sei o segredo da vida eterna! Morango com Klégia!
Sequer uma civilização tem que ser avançada para descobri-lo. Você já estudou algo sobre
genética, Doze? O problema da vida eterna consiste apenas em realizar a cópia exata do seu
DNA. Cópias com falhas causam os problemas de saúde que são definidos como velhice.
- Sim, me lembro de ter estudado isso. Mas depende de biotecnologia avançada. Não é
- Se você acha que os alquimistas da idade média eram avançados – disse Aaron rindo.
Aliás, um deles, Paracelso, se não me engano, conseguiu descobrir uma fórmula para a vida
eterna e a repassou a outros alquimistas. Isso quase nos custou o reinicio do ciclo. Ainda bem
que a contaminação por ratos não foi tão eficiente quanto a contaminação por porcos, senão
teriam matado muito mais do que um terço da Europa. Por fim perceberam que todos que
tinham aprendido o segredo dos alquimistas haviam morrido e deram mais uma chance ao
nosso ciclo.
- Não era bem uma pedra. Não sei qual combinação os alquimistas utilizaram naquela
época, pois não sobraram registros, mas eu sei algumas das combinações: manga com leite,
soda e pop rocks, coca-cola e aspirina... – Aaron tentava se lembrar de outras ainda, quando
foi interrompido.
- Manga com leite? Isso não mata? Quero dizer, essa combinação não era justamente
algo que mata a pessoa que o consome, de acordo com o boato? – disse Doze, o qual há
- Sim, exatamente. Aliás, cada cultura tem seus boatos sobre uma ou mais
combinações de ingredientes comuns, ditas mortais, porém todas são na verdade receitas para
- Muito engenhoso! Mesmo sendo boatos, as pessoas não arriscam experimentar essas
combinações ditas mortais... Mas porque nunca ninguém experimentou por acidente? Afinal,
- Bom, tem uma coisa que corta o efeito da vida eterna... o consumo de bebidas
todos os humanos. Nosso investimento na indústria do álcool é parte do segredo para mantê-
los longe da imortalidade – rebateu Aaron. Tem ainda o fato de que a pessoa só de torna
- Mesmo assim, não é improvável que não tenha existido ninguém com até 27 anos
que não tenha ingerido manga com leite, ou soda com pop-rocks, e tenha mantido abstinência
- Sim, sempre existem alguns desses casos – afirmou Aaron. Um caso antigo foi
documentado no livro de Oscar Wilde, após ele ter conhecido o Sr. Gray... Dorian Gray. Um
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- Então vocês sabem de tudo que acontece no mundo, monitorando todas as pessoas,
ainda por cima as influenciam com boatos quando vocês querem que elas acreditem, ou não,
em algum fato ou pessoa... Sempre imaginei que a Internet havia sido criada com esse
propósito – afirmou Doze, em tom de confronto em sua primeira conversa com o Sr. Fischer,
Fischer nasceu no 34º ciclo, sendo que passava a maior parte do tempo com seu
tabuleiro de xadrez (jogo inventado no 32º ciclo), ensaiando aberturas e variantes desse jogo
mantinha os olhos e as mãos concentradas em mover as peças. Após algum tempo atendendo
calouros que mal haviam completado as aulas de história dos ciclos, e sendo um ótimo
desconforto com qualquer comunicação interpessoal – o Sr. Fischer já havia se precavido para
esses encontros nada fortuitos para ele. Disse então: “B3, D4”.
Doze olhou para o tabuleiro de xadrez e viu que não havia qualquer movimento válido
um arquivo de fichários que havia na sala. Abriu o arquivo, retirou a pasta B, na seção 3. O
título do conteúdo dizia: “Internet: Criada pelos humanos para espionar os próprios
humanos”. Já a pasta D, seção 4, era intitulada: “Entonet: Criada pelos semideuses para
espionar os humanos”.
“C5, H7, B1” – retrucou Fischer, com um tom de voz carregado com o desprezo que
mistura de homens e deuses, era a forma como eles próprios se intitulavam, mas de acordo
com a definição atribuída pelo hinduísmo, na qual semideuses seriam seres que inicialmente
Porém, a definição mais chocante tratava da tal Entonet: uma rede global, distribuída
por todo o globo, para espionagem, controle e coleta de informações e amostras químicas,
Isso mesmo. Os arquivos revelavam que as moscas monitoravam tudo como sendo
câmeras. Transmitem então suas informações para baratas, que por meio de sua grande
população, constituíam uma vasta rede de comunicação através de suas longas antenas.
Até mesmo a coleta de DNA era feita por percevejos, pulgas e pernilongos. Mas Doze
exclamou de prontidão: “Se os insetos foram desenvolvidos com esse propósito, qual o intuito
das florestas e outras áreas não habitadas estarem infestados por eles?”
“G6”, disse Fischer, porém agora tendo parado com seu jogo e olhado diretamente nos
olhos de Doze.
tinham um inimigo poderoso no Planeta Terra – as árvores! Tão poderosos que no 3º ciclo foi
Sim, a separação dos continentes havia sido uma medida desesperada para evitar
perder a guerra contra as árvores. Até hoje, elas são monitoradas pelos insetos, e
Entonet reage quando uma árvore tenta se mover, sendo que os demais insetos alertam as
17 anos, justamente números primos... Agora entendo porque foram construídas dessa forma,
pois eventuais predadores naturais não poderiam diminuir a população de cigarras, já que as
“Isso me lembra muito a obra de ficção de Tolkien, com árvores em guerra...”. Para
“Não tenho fichas para isso. Não previ que alguém pudesse estabelecer essa relação
sendo um recém-chegado, mas Tolkien não escreveu nenhuma ficção. O que ele publicou foi
a história do 2º Ciclo”.
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“Se apresse, Doze!”, dizia Aaron afobado. “Vamos perder a chance de conhecer a
base”.
- É apenas um Orbitex. Usamos isso para buscar e trazer agentes. Antes eram
utilizados aviões, mas desde que Santos Dumont subiu aos céus de Paris com seus balões e
viu nossos aviões sobre as nuvens, tivemos que construir outros dispositivos para transporte.
Afinal, a humanidade conseguiu copiar nosso meio de transporte favorito criado no 5º Ciclo.
- Éramos nós, meu caro. Acostume-se com a ideia de que você é um de nós agora,
embora o que estamos por fazer em breve pode nos tornar humanos novamente, ou até mesmo
Aaron, enquanto humano, havia sido preso, julgado, e antes de sua condenação foi
morto por corporações humanas. Por sorte, havia sido marcado para se tornar um semideus, e
os humanos apenas adiantaram sua chegada. Mas essa forma de ingresso, na qual ele não teve
oportunidade de escolha como os demais, incluindo Doze, criava nele um desprezo pela
-Agora cale-se que o Sr. Fischer e o mentor Yadaa estão chegando. Eles foram
disse Aaron, se escondendo por trás da cornucópia e dos pacotes de comida miniaturizada.
informações sobre o presente, Doze. Nós estamos num centro de treinamento no Tibet. A base
dos semideuses fica na Antártida. Onde mais hoje em dia haveria espaço para todos os
semideuses? Nós somos cerca de 0,1% da população da Terra, você bem sabe...
- Inexplorado nesse ciclo, meu caro. Já foi muito bem explorado, mapeado, e com
cidades subterrâneas do tamanho de Nova York. E antes que você pergunte, água existe à
vontade; basta derreter o gelo, os dejetos são transformados em energia elétrica e térmica por
fusão nuclear e a comida vem do mundo exterior, miniaturizada. Aliás, essas caixas que
estamos levando aqui tem comida para 6 milhões de pessoas para o próximo ano. Também
nunca pensei que havia tanto espaço inútil entre o núcleo dos átomos e os elétrons.
- Já que tocou no assunto, sempre quis saber por que não encolhem pessoas?
restaurarmos o tamanho novamente, a pessoa vai se esquecer de tudo que aprendeu na vida.
Aliás, você nunca se perguntou o motivo das nossas aulas tradicionais? Não é possível alterar
os estados cerebrais para introduzir novos conhecimentos, com o risco de perder tudo que foi
aprendido. Por isso nos limitamos a colocar dispositivos para monitorar esses estados após o
- Também é minha primeira vez num Orbitex, mas ouvi dizer que eles são muito
deslocamento ultrarrápido. Parece que qualquer radar humano capta esse movimento
radar.
- Mesmo eu não tinha ideia de que seria tão rápido uma viagem do Tibet à Antártida!
Já te contei sobre as outras bases desativadas nesse ciclo, e como nós sempre ouvimos falar
-Quais?
chamavam de Olimpo. Após um tempo, a civilização humana evoluiu, e tivemos que migrar
para uma ilha no oceano atlântico. Também foi descoberta, e inclusive Platão nos denunciou,
mas ficamos lá assim mesmo, até que se iniciaram as grandes navegações. Foi então que
Atlântida foi abandonada. Depois disso, fomos para o meio da floresta, ficar de olho nos
inimigos, as árvores, e então fomos chamados de El Dorado. Porfim, nossa base no Tibet foi
apelidada de Shangri-La pelos nativos, e será desmontada em breve, restando essa base
-Algo sempre me chamou a atenção nessas histórias. Creio que foram elas que me
levaram a ser cientista e procurar pela verdade. Mas agora que estamos aqui, o que faremos?
- Tentaremos não ser pegos. O castigo é a formatação. Tome muito cuidado, pois a
Antártida conhecida como Xanadu. Elas haviam movido a mesma desde a Ásia até sua
posição original, apenas isso explicaria as gigantescas construções em pedra que mais
nessa tarefa.
inúmeros sítios arqueológicos, aquela cidade estava vívida, imensa e populosa, sendo que
Toda e qualquer tarefa de trabalho era executada por autômatos, espécie de robôs
refrigerantes calóricos.
Haviam artistas em cada esquina, algo só comparável com o dia da festa da música em
Paris. Instrumentos musicais nunca antes ouvidos pelos dois intrusos criavam melodias
angelicais no ambiente próximo, sendo que mal a melodia terminava outro artista já era
- Eu não duvidaria, pois afinal ele escreveu suas peças há vários ciclos atrás. Todos
gostam tanto dele que suas peças são reintroduzidas ciclo após ciclo, pois seria muito cruel
- Não, ele formatou o backup de seu próprio cérebro após obrigarem ele a desistir da
eliminação do nosso ciclo. Ficou tão deprimido em não ter destruído mais uma civilização
especiais fabricadas com um material semicondutor chamado Astato. Porém, todo o Astato já
havia sido garimpado pelos semideuses em ciclos passados, restando aos humanos apenas 32
gramas desse material. Praticamente a população de semideuses não pode crescer mais sem
mais Astato.
semideuses ficaram muito interessados na Lua após a guerra, embora eu ainda não consegui
descobrir o porquê. Logo é possível que a gente encontre o Kennedy por aqui. Mas Einstein
não, ele não quis vir. Foi convocado, mas preferiu voltar, pois queria se casar novamente com
- Ele foi aluno do mentor Yadaa. Talvez o encontremos por aqui. Dizem que ele deu
muito trabalho para o mentor: levou uma cornucópia para a Galiléia e distribuiu o estoque de
comida miniaturizada para todo mundo – Yadaa disse que ele levou todo o estoque de pão e
peixe do centro de treinamento... ele também restaurou a memória de outro semideus, Lázaro,
em um novo corpo, e deixou muita gente intrigada com a tal ressuscitação... Por fim, disse
que iria embora pesquisar um novo material para substituir o Astato, e assim que voltasse para
a humanidade iria salvar a todos. Mas já se passaram dois mil anos e até agora ele não
anunciou nada.
- Isso ninguém sabe. Vai ver que ele era mesmo divino.
Nesse momento Yadaa e Fischer entraram em um prédio mais parecido com um
grande teatro.
- Agora vamos seguir o Sr. Fischer e o mentor Yadaa e ver para onde estão indo...
...
- Não acredito Doze! Essa reunião é um concílio! Sabe desde quando os semideuses
- Isso talvez explique o trabalho que tivemos para conseguir entrar. Mas você se refere
centro de treinamento que eles iriam realizar um novo concílio justamente para debater os
equipada com o que parecia ser um grande espelho de água no chão, porém tal espelho
momento. Outra coisa interessante eram os relógios de água por todos os cantos do lugar,
sendo que em nenhum outro local de Xanadu eles haviam visto relógios de qualquer tipo.
- Comum em nossa antiga sociedade, onde o tempo era escasso. Aqui, o tempo é
praticamente infinito, e se estão controlando, é porque deve estar próximo de se tornar escasso
projeções do espelho de água informações sobre uma rota de colisão. Pena que nenhum de
nós aprendeu ainda a linguagem sânscrito utilizada pelos semideuses, por isso não
- Tem uma data ali: 18 de dezembro de 1940, do 42º ciclo. Isso faz algum sentido para
invadiram a união soviética. Então assim que tomaram conhecimento da vinda desse cometa
ou asteróide eles viraram a casaca com os russos, certamente já tendo cancelado o plano de
reiniciar nosso ciclo de civilização e sabotando a própria máquina de extermínio que eles
sobre o gigantesco espelho de água apresentava agora o que pareciam ser um grande
- Não, Doze, suspeito que aquelas milhares de lápides são na verdade nossas mentes!
- Mas como podem manter os backups atualizados... digo, o que eu estou pensando
- Não. O que você está pensando, não... nem mesmo o que eu estou pensando. Olhe
aquela data: Dezembro de 1972. E se o pouco que entendo de sânscrito está correto, o nome
que estou lendo ali é Apolo e do outro lado, transporte. Meu caro, creio que todos que fomos
“recrutados” após 1972 não temos direito ao backup de mentes, visto que todo o Astato do
frenesi das missões à Lua tanto de americanos quanto de soviéticos, e também explica o
- É meu amigo – disse Aaron - nós dois já morremos uma vez, então temos que tomar
cuidado para não morrermos de novo, pois como cantava Nancy Sinatra: You Only Live
Twice!
...
- Muito malandros esse semideuses! Fizeram uma cópia de segurança do cérebro deles
na Lua porque a Terra está para ser destruída. Mas mesmo assim, como é que eles vão se
safar, visto que sem planetas todos vão ficar sem corpos também? As mentes no Astato não
podem pensar, pelo que você me disse, são apenas uma cópia de segurança – lamentou Doze.
- Pelo restante que vimos na conferência, alguém virá salvá-los. Alguém de fora do
planeta.
- Não creio que seja isso. Pelo pouco que entendi, aparentemente uma expedição foi
enviada no 32º ciclo para fora do sistema solar, e eles estão prestes a retornar. Levaram
planetas favoráveis.
formação. Mas eles preferiram procurar mais longe, visto que em alguns bilhões de anos
nosso Sol vai se expandir e destruir a Terra e também Marte – disse Aaron pensativo.
- Então graças ao cometa, asteroide ou sei lá o que, descoberto durante a segunda
guerra, deram ordens para essa nave voltar. Mas pelo jeito ela não vai conseguir chegar antes
- É o que eu penso. Creio que eles vão fazer o resgate das memórias em Astato na Lua,
e depois seguir para terra-formação de Marte, restaurando lá corpos e mentes de todo mundo
- O que me intriga é porque a humanidade não conseguiu prever o tal cometa também,
- Lembra das falhas no telescópio Hubble? Aposto que não foram erros de engenharia,
e aposto que ainda existem pontos cegos após a manutenção que realizaram. E o que você
- Mas ainda assim comunicações no espaço utilizam ondas de rádio. Se eles têm se
comunicado recentemente com essa nave, todo mundo no planeta deve ter recebido qualquer
- Claro, mas essa comunicação já é tão antiga - afinal essa nave partiu ciclos atrás –e
desde que a humanidade, em nosso ciclo, passou a ouvir o universo por ondas de rádio, no
- Sim, me lembro que Tesla interceptou sinais extraterrestres em 1899, que diziam 1, 2
vindo de fora do planeta, e com muita informação em meio ao ruído, o qual só poderia ter
sido criado por vida inteligente. Esse sinal foi recebido em 1977 e foi chamado de “Uau!”
pois foi essa a expressão escrita em caneta ao lado do sinal. Ninguém o decodificou, mas
acredito que se tentassem decodificá-lo em sânscrito, algo me diz que estaria escrito: “Ok,
- Sabendo que vamos morrer e que a vida é curta novamente, vamos aproveitar
Xanadu, Aaron. Eu não volto mais nem um segundo para as aulas intermináveis do Yadaa –
disse Doze olhando para todas as mulheres na praça abaixo da estátua onde conversavam.
- Estou de pleno acordo, Doze. Mas acredito que é uma boa ocasião para lhe dizer que
os semideuses não se importam muito com relações interpessoais ou mesmo com sexo.
Afinal, quantas crianças você está vendo por aqui? – disse isso ansioso pela reação de Doze.
- Não me diga! E eu que me preocupei mais com o sashimi do que com sexo quando
decidi vir pra cá – lamentou Doze como quem perdera um bilhete premiado de loteria.
- Não digo que não o fazem sexo, só disse que é extremamente raro. Algo assim como
o que ocorre na cultura japonesa, só que muito pior! Além do mais, o processo que restaura a
- Em outras palavras você quer dizer que por terem me tornado imortal, eu tive de
-Não.
...
- Aaron, venha cá! Você precisa conhecer essa garota! – gritou Doze para o amigo,
que estava sentado numa mesa mais distante com outras mulheres.
Ter optado por adentrar num mundo de cientistas e artistas foi realmente uma bela
escolha para Doze, afinal os semideuses convocavam cientistas para auxiliarem em seus
avanços tecnológicos e artistas para divertirem os cientistas. Os atletas não eram convocados
uma vez que todos lá podiam ser reconstruídos com corpos perfeitos, com músculos torneados
e sem qualquer traço de gordura adicional ao mínimo necessário para atender aos padrões
estéticos e metabólicos. Em suma, o paraíso de qualquer nerd, cheio de mulheres bonitas, sem
qualquer valentão do rugby, ainda por cima, até mesmo os nerds tinham corpos atraentes visto
que agora não necessitam mais de óculos ou qualquer tipo de aparelho dental ou ortopédico.
Não havia bebidas alcoólicas, é claro, para não cancelar o efeito da imortalidade, mas
bebidas açucaradas podem tornar um grupo quase tão animado quanto uma rodada de tequila:
- Essa é minha nova amiga, Yelika! Ela é de Atlântida, acredita? – exclamou Doze,
- Acredito Doze. Que tal diminuir um pouco o consumo de açúcar? – disse Aaron.
- Deixe o Doze-ton se divertir, Aaron-ton, afinal, se ele ficar diabético basta trocar de
Nesse momento Aaron olhou com reprovação para Doze, o qual entendeu prontamente
que esse era seu último corpo. Sua única chance de sobreviver seria uma transferência direta
de sua mente daquele corpo para outro corpo, visto não haver mais Astato no planeta, mas
uma vez que estavam foragidos do centro de treinamento, nem mesmo isso seria possível.
- Como dizia, sabia que foi ela quem projetou o Kraken? Ela é especialista em nano-
biologia.
- Ele era tão bonitinho, mas então usaram um inversor de encolhimento sobre ele para
torná-lo um monstro a fim de proteger a base de Atlântida das grandes navegações do século
16 do ciclo 42.
vezes os sonares dos humanos ainda captam alguns sons do meu bichinho no fundo do mar.
- Claro, são nomes de sons misteriosos captados por microfones submarinos, mas tão
intensos que ninguém achava que fossem gerados por seres vivos. Foram captados
Oceano Pacífico. Platão viu o mapa de cabeça para baixo em seu relato de Atlântida. Mas eu
gosto mais desse nome. Não cai bem com minha personalidade ser uma cidadã Pacífica”.
completo silêncio. Após um desagradável período de uma dezena de segundos, ela disse:
- Ainda não foi a última vez... – e alguns riram e mudaram rapidamente de assunto.
Uma das amigas da mesa completou: “Tecnicamente somos todas virgens, visto que
quando nossos corpos foram reconstruídos, restauraram tudo que era geneticamente original,
se é que vocês me entendem. E aqui em Xanadu ninguém se preocupa muito com isso, logo
paraíso, com muito mais do que 72 virgens, e nem precisaram ter sido homens-bomba na vida
passada. Porém, haviam bebido de tudo, menos a água de Xanadu, a qual lhes reservara uma
surpresa.
...
Sendo Xanadu uma cidade subterrânea, a sensação era de estar em uma noite eterna.
Juntando ao fato de que as pessoas não se cansavam e nem ao menos tinham de trabalhar, a
única mudança efetiva que ocorria eram quais pessoas se encontravam e onde.
Em uma das muitas noites de boemia entre Doze, Aaron, Yelika e suas amigas, surgiu
a pergunta:
- Creio que 10 ou 12 dias. Não estou contando, mesmo porque não é nada fácil
encontrar relógios aqui em Xanadu, fora aqueles do teatro principal. Por que pergunta? –
questionou Doze.
- Notei que o comportamento libidinoso inicial de vocês caiu bastante, como esperado.
– disse Yelika.
- Meus queridos novatos, aqui em Xanadu, a água que vocês consomem é pura, sem
iodo, vindo diretamente das geleiras. No centro de treinamento, a água que vocês consumiam
era a mesma água fornecida aos humanos, carregada de iodo – esclareceu Yelika.
- Mas iodo é para tratamento de bócio, uma doença que afeta a tireóide, por isso é
colocado em todo o abastecimento de água – destacou Aaron, e continuou – Não tem nada a
Yelika - mas desprezam outros, como a homeopatia, apenas pelo fato de que não conseguem
mensurar o efeito de uma parte em um milhão de uma substância no organismo. Esse mesmo
desprezo os torna cegos ao fato de que uma parte pequena do Iodo causa efeito interessante
- Você quer dizer que naturalmente os homens e mulheres não têm propensão aos
impulsos sexuais e que isso é manipulado por vocês com o acréscimo de Iodo na água de todo
artistas, é necessário que as pessoas se reproduzam muito. Lógico que mutações são
- Não. O câncer é produto do meio e da genética de cada indivíduo, embora não vou
- Ei, vocês estão desviando do assunto. Como assim eu vim parar numa sociedade sem
sexo, pior, uma sociedade onde eu não vou ter mais vontade de fazer sexo? – reclamou Doze.
Nesse mesmo momento um alarme foi soado. Todos olharam espantados. Há centenas
Yelika pressentiu que o alarme poderia ter algo haver com seus novos amigos. Deu
ordens a eles: “Venham comigo” – a seguiram adentrando uma passagem secreta atrás do
balcão.
- Vocês não terminaram o treinamento antes de virem para cá, não é mesmo? Eles dão
suprimento de água sem iodo nos últimos meses antes de enviarem gente nova para cá.
- Sim, você nos descobriu, Yelika. Mas o que pode nos acontecer? -perguntou Doze.
- Nada tão grave. Apenas destroem seus corpos aqui sumariamente e depois os
-Nós não temos cópias mentais no Astato, Yelika – disse Doze. Aliás, todas as
Yelika estremeceu, e se sentiu como um milionário que teve todos os seus cartões de
...
- Vocês precisam procurar o Gyatso. Apenas o chefe pode resolver isso agora. Aqui
não existem tribunais, advogados, ou coisa parecida. Serão mortos assim que encontrados –
afirmou Yelika.
- Tudo bem então. Nos leve até ele e tudo estará resolvido – Disse Doze, com Aaron
- O único problema é que ele não mora em Xanadu – disse Yelika, para desgosto de
- Espere um pouco, não me diga que o chefe dos semideuses é o ... – começou Aaron
- Dalai Lama! – completou Doze – Tenzin Gyatso! Em sua 14º encarnação desde
1300, embora eu nunca tivesse acreditado que ele realmente renascia a cada geração!
- Sim, o chefe optou por usar corpos mortais, embora sua mente seja transferida de
corpo para corpo quando envelhece e morre. Os céticos podem simplesmente duvidar de
alguém que diz ter reencarnado, mas não duvidariam de alguém cujo corpo não envelhece –
esclareceu Yelika.
- Mas como ele pode ser um ícone da bondade mundial se ele dá a última palavra
vocês a chamam, da alma – afirmou Yelika - mas uma vez que é descoberto o segredo da
imortalidade, nada nos resta a fazer, senão recolher as obras de arte, e reiniciar tudo, pois de
qualquer forma vocês destruiriam uns aos outros quando os recursos se tornassem escassos.
- Mas como vamos sair de Xanadu? Não podemos nos arriscar sendo clandestinos
- Claro que não, confirmou Yelika. Vocês terão que sair daqui a pé, caminhando pelo
gelo antártico, até a base de Scott, e de lá conseguirem transporte clandestino para a Nova
Zelândia. Bebam esse preparado que estou lhe dando, pois ele vai ajustar seu metabolismo
para evitar a hipotermia, embora isso vai deixá-los bem mais lentos na caminhada.
- Não, esse é um floral - riu Yelika - Vou levá-los até o portão de Xanadu e tentar
- Ora, o que eles vão fazer comigo, me matar? Eu seria restaurada e interrogada, mas
vocês estariam longe nesse momento. – Aaron fez sinal para Doze que devia concordar com
ela.
Foram todos para o portão que levava a saída de Xanadu. Tratava-se de uma réplica do
portão do inferno de Rodin (ou seria um original), relativamente pequeno, no qual poucas
pessoas podiam passar de uma única vez. Afinal, quantas pessoas ao mesmo tempo deixariam
um paraíso daqueles?
Yelika tratou de começar uma conversa com o único guarda que ali estava. Os guardas
não eram seres vivos, e sim autômatos programados para executar funções, que iam desde
se deslizavam sorrateiramente através do portão. Porém, o que eles não imaginavam, era que
alarme.
Nesse momento, o autômato o qual Yelika tentava distrair se virou para os dois,
reconhecendo suas faces e preparou seu braço robótico de pedra para o disparo do que parecia
forma instantânea. Doze gritou seu nome e tentou socorrê-la, mas Aaron o puxou para fora do
portão. Lá fora os autômatos não iriam persegui-los, pois não estavam programados para isso.
- Nós ainda podemos revê-la, Doze. Basta encontrarmos o Gyatso e explicar tudo.
Mesmo sabendo que ela seria restaurada, ver Yelika morrer tinha sido uma experiência
desagradável para eles, que iniciaram sua jornada pelo gelo, a pé.
...
Eles andaram por dezenas de horas seguindo 15 graus à esquerda do Sol, assim como
- Você sabe o quanto vamos nos distanciar da base de Scott se errarmos 1 grau apenas,
Doze?
- Muitos quilômetros com certeza. Mas temos comida à vontade, afinal você trouxe
sua cornucópia e está com os bolsos cheios de comida miniaturizada que pegamos no Orbitex,
não é mesmo? Além do mais, não passaremos frio graças ao floral da Yelika.
- Claro, só não sabemos quando é que o planeta vai ser atingido pelo cometa...
- Sim, ou mesmo se não vamos morrer nesse terreno traiçoeiro da Antártida. Afinal,
pode haver tampões de neve sobre sumidouros, galerias naturais causadas por fissuras no
gelo. E a chance de cairmos em algum desses aumenta ao longo do tempo que
permanecermos aqui.
- Viu só, se tem uma estátua é porque devemos estar no caminho certo – se alegrou
Doze.
Mas porque os semideuses deixariam uma estátua no caminho entre uma base humana
- Isso não é um bom sinal. Vamos embora daqui o mais rápido possível – se assustou
Aaron.
- Pelo jeito você nunca ouviu falar do trabalho do naturalista Girolamo Segato, não é
mesmo? O italiano que desenvolveu uma técnica de petrificação dos seres vivos...
- Sim, ouvi falar, ele criava múmias petrificadas de animais e seres humanos. Também
ouvi dizer que ele levou esse segredo para o túmulo – contestou Doze.
- Lá no centro de treinamento eu perguntei por que não havia alpinistas curiosos que
chegavam até o local. Me disseram que os Yetis os afastavam... Talvez essa estátua não seja
grossa:
- Saaiinnddoo ??
- S-sim! - respondeu Aaron, tremendo frente à criatura. Doze estava petrificado como
deles, percebendo que humanos normais não resistiriam àquela temperatura com aquelas
vestes.
- Exatamente. Você sabe onde fica a base dos humanos? – perguntou Doze, agora com
assumiu a existência de Yetis. Deve ter sido nessa época que os semideuses os transferiram
- De qualquer forma não vamos reclamar da sorte e seguir logo a criatura, mas
confesso que vou ficar mais confortável quando nos separarmos dele e seguirmos em busca
do Dalai Lama – desabafou Doze, sendo que a criatura tropeçou ao ouvir o nome do Dalai
Lama.
...
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bep... beep... bep... beep... beep... beep... beep... beep... bep... beep... beep... beep... bep...
...
Eles haviam sido interceptados pelo veículo de transporte Orbitex no meio de sua
‘Olá! Nós somos... ahn... náufragos, e, bem, estamos com muito frio mesmo. Teria
´- Náufragos? Isso é incrível! Bom, podem ficar alojados aqui, o próximo C-130 deve
Xanadu e sermos mortos por aqueles autômatos. Aliás, como nos encontrou? – disse Doze.
- Bom, agora não importa mais, pois seremos eliminados assim que o Sr. Fischer
assim como um condenado à morte valoriza cada momento antes de sua execução, eles
pensavam em suas vidas durante essa viagem, a qual seria sua última jornada.
Após alguns minutos, Aaron comentou em voz baixa: “Estamos demorando muito!”
- Não, mas um Orbitex pode viajar extremamente rápido, se lembra? Desde que
Aaron olhou para cima, viu a configuração das estrelas. “Esse céu não é austral!” –
- Latitude 56,4º e longitude 37,5º - disse Fischer – mais precisamente num local onde
hoje fica a ‘mãe Rússia’, terra dos meus rivais nas competições de xadrez – quando eu ainda
- Rússia? Reclamou Doze – achei que nos levaria para Xanadu ou para a Índia, onde
- Vistam essas roupas antes de sair – ordenou Fischer lhes entregando uniformes anti-
radioatividade.
Fischer certamente sentia muita falta de seu arquivo com respostas prontas nesse
momento. Mas como ele já havia percebido, dependeria daqueles novatos para realizar seus
indagou Fischer.
- ...logo, qualquer inseto pode nos detectar, entendo. Isso explica as roupas anti-
“Radiação realmente existe ou toda vez que um suposto acidente radioativo acontecia era
- Não senhor, não tive tempo de contar a ele sobre isso ainda... – confirmou Aaron.
- Arrgh! Não sei se vale a pena viver para descobrir o quanto fui enganado minha vida
toda! – lamentou Doze – Ei, o que você está fazendo? Me solte!!!” – gritou par ao Yeti.
- Ora, eu cheguei antes do que você, se lembra. Como não tinha amigos, passei meu
tempo estudando línguas. De qualquer forma, tenha cuidado com o que disser, lembre-se que
essa criatura foi construída para obedecer ordens de semideuses, ou seja, nossas ordens
diretas.
- Chega de perde tempo. O relógio está correndo contra nós agora. Vistam-se de
- Não existiam Ipods quando a UVB foi implementada, em 1982. É ela que transmite
as ordens aos insetos de todo o mundo. Assim que transmitirem esses dados, suas assinaturas
- Doze, poupe-me. Vamos! – Disse Aaron puxando-o pelo braço, ambos seguindo em
...
- Não entendo a pressa do Sr. Fischer. Aliás, ele deve saber quanto tempo falta para o
cataclisma cósmico acontecer. Esquecemos de perguntar isso a ele lá em cima. Será que a data
está próxima, e por isso ele nos pediu para sermos rápidos nesse serviço de DJ de baratas? –
argumentou Doze.
- Também não sei ao certo, mas o homem é um estrategista nato. Vamos fazer
exatamente como ele nos manda. Ele bem que poderia ter nos deixado trazer o Yeti. Acho que
já está na hora de darmos um nome para ele, você não acha, Doze?
Ambos desciam as escadas infinitesimais com aquela roupa que não facilitava o
serviço. Todas as anotações pelo caminho eram em alfabeto cirílico, e por sorte Aaron havia
aprendido russo dentre as primeiras línguas que havia estudado e sabia exatamente para onde
ir. Não haviam guardas, apenas insetos por toda a parte, além de estátuas estranhas, pequenas,
e braceletes.
- Sim, são autômatos. Ao menor alerta por parte dos insetos, estamos mortos! –
respondeu Aaron – mas o que eu não entendo é essa névoa que está por toda a parte.
Finalmente chegaram lá embaixo e se depararam com uma quantidade impressionante
rádio em ondas curtas, incrivelmente potentes, a julgar pelos circuitos de alimentação elétrica,
- Olha ali naquele canto! - disse Aaron – Um gerador de fusão nuclear, assim como os
- Mas aqui, assim, onde qualquer pessoa poderia encontrar? – preocupou-se Doze –
digo, qualquer um que não esteja na lista negra dos insetos como nós.
- É realmente preocupante isso, ainda mais somado a todas essas ossadas. Doze, dê
O cadáver estava bem próximo ao que parecia ser o módulo principal de transmissão,
e realmente a única parte não empoeirada era justamente uma fita cassete nova sendo
reproduzida ali.
- Aposto que esse foi o semideus que colocou as nossas cabeças a prêmio, trazendo
- Bom, vamos logo trocar a fita e mandar novas ordens para esses besouros – disse
irritante.
- Só tem chiados e buzinas aqui! O Fischer nos enganou! – disse Doze furioso!
- Não, de forma alguma! As campainhas apenas separam as ordens, são como uma
pausa para os insetos. A verdadeira informação está no som que você acha ser um chiado.
- Não foi o chão, senão você teria morrido. Você caiu sobre uma das plataformas e... –
Aaron fez uma cara de espanto – ... rasgou seu traje de proteção!
Ambos fizeram silêncio olhando fixamente para as estátuas ao redor, durante alguns
minutos.
- É, parece que as novas instruções foram bem aceitas pelos insetos, inclusive os daqui
- Se eles não dispararam alarmes aos autômatos, porque estão me atacando aqui dentro
- Ah, entendi aquela névoa, então. Temos que chegar ao Orbitex o mais rápido
possível, senão você estará morto em breve. Você está começando a sofrer os efeitos da
- Sim, me parece bem isso mesmo, mas pelo que sei essa síndrome causa apenas
alucinações táteis, onde as pessoas sob o efeito têm a sensação de que insetos estão sobre seu
corpo, e mesmo saindo por debaixo da pele... logo se eu não me desesperar, não existe forma
de eu me machucar... ou existe?
- Nunca te contei tudo, mas a Entonet está em todo o lugar, fora e dentro do nosso
- O que? Está dizendo que temos insetos dentro de nossos corpos o tempo todo? Disso
você não me convence – disse Doze, já se debatendo por conta dos insetos, que até então ele
achava serem apenas alucinações – Nós os veríamos nos exames de ressonância magnética,
- Nos exames de ressonância apenas são captados sinais que contém muita água, e nos
exames de tomografia, coisas muito densas, como ossos. Os insetos são transparentes a tudo
isso. E por, fim, todos os médicos do planeta sabem disso, ou você nunca ouviu falar do
juramento de Hipócrates?
neurologista Karl Ekbom divulgou sua síndrome, teve que associar ao efeito de alucinógenos,
Capítulo 17 – A viagem
Doze estava em choque: fisicamente estava sendo atacado e consumido por larvas de
insetos que viveram dentro de seu próprio corpo durante toda sua vida, porém só agora e, por
ocasião do contato com a aquela névoa estranha, resolveram sair e atacar seu hospedeiro; e
ainda havia o impacto da descoberta de ter sido enganado por toda a classe de pesquisadores
médicos do mundo.
A perda de sangue já o tinha feito perder a consciência, e seu destino agora estava nas
mãos do amigo, o quão rápido ele o levaria até o veículo no exterior, e ainda sua vida
Porém, aquela névoa que instigou os insetos e larvas causou certo efeito na mente de
Doze também. Ele saia agora do mundo em que estava, desligando completamente sua
percepção com o mundo exterior, e libertando sua mente para uma experiência alucinógena
Provavelmente aquele gás continha LSD, e isso explicaria também o fato de que
usuários desse produto relatavam com frequência experiências com síndrome de Eckbom. Em
geral, sempre acreditamos nos médicos que diziam que seus ferimentos eram auto-infligidos,
semideuses? Será que isso explicava seus salários avantajados em todo o mundo, se
comparados as classes comuns de trabalhadores? Ou será que eles tinham mais a ganhar?
Talvez por essas preocupações é que justamente as alucinações de Doze passavam nesse
momento à sua frente, como se ele não tivesse mais um corpo, como se ele fosse um deus,
viajando por sobre construções de cristal transparente, onde ele podia finalmente observar o
que acontecia dentro delas... hospitais, cultos religiosos, sociedades secretas, repartições
públicas, casas de massagens, festas de aniversário, enfim, tudo se passava abaixo dele e de
forma realmente transparente, como se seu âmago por transparência na sociedade fosse
finalmente atendido.
Agora tudo parou. As construções sumiram. Podia ver a sua banda preferida, Jethro
Tull, tocando Locomotive Breath, estando todos os músicos com uma textura de ouro sobre
uma pirâmide de cristal. Olhou para cima, viu a Lua, cheia, como se estivesse num plano bem
próximo. Resolveu estender sua mão e tocar a Lua. Para seu espanto, conseguiu tocá-la, sendo
Novamente sentia os insetos sobre seu corpo, mas agora calmamente os retirava um a
Essas alucinações se passaram por vários dias e dias, ao ponto de Doze realmente
achar que havia morrido e agora o que seria sua alma estaria num paraíso da percepção. Foi
A voz insistia nesses argumentos, e ficava cada vez mais alta, e seu mundo
psicodélico, cada vez mais turvo, até que finalmente recobrou seus sentidos.
Ainda dentro da roupa de proteção, sentiu muita dor por seus ferimentos, percebeu que
companheiros:
...
Após alguns dias de descanso em uma cabana próxima, Doze estava aproveitando para
aprender com Aaron tudo que ele sabia sobre os semideuses, tudo que ele havia aprendido por
Desejava Aaron poder fazer o mesmo com o Sr. Fischer, descobrir tudo que ele sabia,
mas ele certamente os tratava como peões em algum tipo de jogo, e jamais iria revelar o que
não fosse estritamente necessário eles saberem para realizar suas tarefas imediatas. Mesmo
que ele não tivesse viajado repentinamente, pouco descobririam por sua própria vontade.
Mas ambos se perguntavam qual seria o interesse dele nisso tudo, e o porquê
Certamente concordavam que o Sr. Fischer tinha algum plano para evitar o cataclisma
cósmico que se aproximava, seja ele o que for, cometa, asteroide, eles ainda não sabiam do
que se tratava.
- Podemos prendê-lo quando ele voltar e força-lo a falar tudo que sabe – disse Doze.
- Não acho que ele tenha medo de tortura ou sequer da morte, Doze. Afinal, o homem
é um semideus com cópias do cérebro, ao contrário de nós, que não temos direito de
substituição. Além disso, não podemos arriscar perder nossa única parceria até o momento... –
disse Aaron, interrompido por um grunhido do Yeti – além de você, Poff, é claro!
- Ei, desde quando decidimos que o nome dele seria Poff? – reclamou Doze.
- Eu decidi enquanto ele ajudava a salvar você, ou você pensa que eu teria conseguido
carregar você para cima tão rapidamente sem a ajuda do Poff aqui? E Poff é o som que os pés
dele fazem quando ele corre pelo chão, já que tem pés duros como pedra.
- Tudo bem, que fique Poff o nome dele então. Temos mais com o que nos preocupar,
temos que tentar ser mais espertos do que o Sr. Fischer, pois não quero nunca mais ter larvas
- Esse é um mecanismo que era para ser acionado quando a pessoa morre. Os insetos
no interior do corpo devem sair e comunicar aos insetos nas proximidades que a pessoa
morreu, pois se for algum indivíduo de interesse dos semideuses, eles devem ter tempo hábil
de replicar o conteúdo cerebral. Afinal, o cérebro ainda suporta por alguns minutos após a
Ok. Chega de surpresas, Aaron! Tem algo extremamente importante que você ainda
-Tudo é extremamente importante. Vou lhe contar conforme for me lembrando. Mas
de início, é melhor te contar tudo o que sei a respeito do nosso amigo jogador de xadrez, Sr.
Fischer.
- Como você bem sabe, ele é um aficionado jogador de xadrez. Mas além disso, ele faz
- Alto escalão? Então o que ele fazia no num centro de treinamento, aquilo é
praticamente uma escola, e pessoas que lidam com poder não costumam se instalar em escolar
- Exatamente! – disse Aaron – ele chegou lá há pouco tempo, um pouco antes de mim.
Tinha especial interesse nos novatos, assim como eu e você, sob o pretexto de supervisionar
os treinamentos.
- Bem, vejo que esse interesse continua, até mesmo pelo fato dele estar nos ajudando.
- Acho que já descobrimos isso, Doze! Nós não temos cópia atualizada de nossas
- Não sabemos muito sobre a hierarquia na sociedade dos semideuses. E se por algum
acaso eles não respeitassem a intimidade das classes mais baixas e monitorassem seus
- Não seria um problema ético tão grave vindo de uma sociedade que acomete
- Sim. Por isso acho que o Sr. Fischer não tem seus pensamentos monitorados, e nós
também não, e por isso ele precisa de nós para investigar se alguma conspiração está
Perto dali aterrissava o Orbitex trazendo Fischer, o qual não desceu do veículo com
...
- Vamos ver o Gyatso agora mesmo! Vamos para Pradesh, na Índia! – exclamou
Fischer.
veículo. Sabiam que seriam apenas alguns minutos até encontrarem o Dalai Lama.
- Eu sabia! Devia ter apostado que era um meteoro e não um cometa! – alarmou ele.
- Como eu dizia, esse meteoro vai nos atingir em breve, e ninguém estava fazendo
nada a respeito porque seria um evento inevitável à extinção de toda a vida em nosso planeta,
inclusive dos semideuses. Para tanto, resolveram investir mais em um projeto de posicionar os
- Sim, nós ficamos sabendo de tudo isso na reunião do concílio em Xanadu – afirmou
- Muito em breve – disse Fischer – por isso estamos indo nos reunir com o Gyatso.
Porque eu acabo de receber informações novas que dizem que o meteoro se fragmentou, o que
aliás era uma suspeita minha, dado a análise dos elementos orbitais de sua trajetória nos
últimos meses.
Doze.
- Justamente. E eu ainda não entendi porque meu alerta sobre isso não teve relevância
por parte do alto escalão dos semideuses. Por isso estamos indo ver o Gyatso em pessoa.
Chegando lá havia uma cerimônia em andamento. Fischer notou que vários membros
do alto escalão estavam presentes, inclusive Henry Ford, um semideus que não aparecia em
público desde o final de segunda guerra mundial. Todos foram recebidos em uma audiência
fechada com o Dalai Lama, assim como foi requerido por Fischer:
- Deve ser esse o nome que estão dando para a projeto de terra-formação de Marte –
- Entendo sua preocupação, Fischer, afinal mudar de planeta é algo tão perigoso
quanto inédito – observou o Dalai Lama – continuando - e sequer tínhamos planos de mudar
- O que ele quis dizer com situação semelhante? Perguntou Doze à Aaron.
- Não tão semelhante meu caro, meu corpo atual não possui a destreza que tivera
- Deve ter sido ele que fez o quê? – Doze ficava cada vez mais intrigado.
XX, causando uma explosão 1000 vezes mais forte do que a bomba de Hiroshima. Alguma
coisa colidiu com ele e impediu que o planeta fosse destruído. Provavelmente o 13º Dalai
Lama pilotou um Orbitex contra o meteoro, pois eles já haviam sido criados nessa época.
- Não tão suicida assim. Ele perdeu seu 13º corpo e teve que regravar sua mente em
- Ora, basta então qualquer semideus pilotar um Orbitex contra esse novo meteoro! –
exclamou Doze.
- Não é tão simples assim. Você se esqueceu de que os semideuses prezam apenas ao
talento dos artistas e ao intelecto dos cientistas? Logo, não temos entre nós pessoas com
voo, pois pequenas alterações de rota devem ser realizadas de forma quase instantânea, o que
demandou a ele crescer, se desenvolver e se fortalecer como qualquer humano normal. Logo,
em sua juventude, ele possuía a destreza para pilotar o equipamento e realizar tal feito. Mas
hoje, nessa nova encarnação, está muito velho para repetir essa proeza – explanou Aaron.
- Sr. Gyatso, quanto tempo ainda temos? – Gritou Aaron, interrompendo a audiência.
- Cerca de 18 minutos, meu filho – respondeu o Dalai Lama – que todos descansem
em paz.
Sem pensar duas vezes, Aaron saiu correndo em direção ao Orbitex, seguido por Doze
e por Fischer. Alcançou o veículo primeiro, se trancando dentro dele, acenando um rápido
Uma explosão gigantesca aconteceu pouco depois, só que na superfície da Lua. Doze
...
- Como eu deixei isso acontecer! Está até parecendo o primeiro jogo que fiz com
Spassky em 1972! Só fiz besteira naquele jogo... e nesse também! – argumentava Fischer.
Faziam apenas algumas horas que Aaron os havia deixado. Fischer ficou concentrado,
pensando o ocorrido, desde então. Doze estava em choque pela perda do amigo. Os
aconteceu. Embora a explosão sobre a superfície da Lua tenha sido visível inclusive a olho
nu, a imprensa internacional tratou o fato como corriqueiro, mal sabendo o verdadeiro
- Yelika! Agora ela jamais poderá ser restaurada! – lamentava Doze, tendo perdido
- Meus amigos estão mortos, mas agora tudo acabou, não existe mais divisão ente
- Não. Provavelmente o que vai acontecer é que estamos prestes a adentrar na maior
- Ditadura?
- Não tenho tempo nem paciência para lhe explicar agora. Eu lhe explicarei o que deve
saber no caminho. Agora que perdemos nosso Orbitex temos que pegar um avião para a
Eslováquia – disse Fischer, lamentando mais a perda do veículo do que a do novato Aaron.
- Eslováquia?
Ambos seguiram para a Eslováquia, mas agora sem a agilidade tradicional e com todas
as inconveniências a que tinham direito, como as equipes de Raios-X insistindo com o Fischer
Doze estava quieto, em luto pelo amigo. Fischer, pensava como se estivesse em meio a
Finalmente chegaram ao seu destino final, o Castelo de Čachtice. Lá, Fischer fez sinais
secretos com as mãos para os guardas, demonstrando sua identidade como membro do alto
Algumas paredes secretas foram movidas, e eles finalmente chegaram a uma câmara
principal, onde prontamente um dos guardas respondeu: “Ela está detida e em segurança,
Senhor! A última inspeção foi em 1964, como manda o protocolo, a cada 50 anos.”.
- Eu quero vê-la! – exclamou Fischer.
Fischer então retirou seu anel, indicador de membro do alto escalão, e ele transmitiu as
A cela se abriu, movendo as paredes de lugar, e para o espanto de todos, estava vazia.
Os guardas se indignaram:
retrato dela foi roubada do museu há 20 anos atrás meu instinto me fez suspeitar dela! Uma
- Vamos, novato, vamos buscar seu amigo peludo, pois agora só me restam um peão e
- Não, estou falando do jogo do destino, aliás, do destino de todos nós. Só me restou
um peão, você, seu animal de estimação, uma torre, para enfrentarmos uma rainha, a qual
- Rainha emparedada? Não me lembro de ter ouvido falar sobre nenhuma rainha
- Ela é forte como uma rainha, mas tecnicamente seu título de nobreza foi o de uma
banhava no sangue de virgens para manter a juventude? E foi condenada por mais de 600
assassinatos?
- Exatamente. Ela não gostava de manga com leite, e sua frieza a fazia se manter
jovem usando a receita mais abominável de todas: se banhar em sangue – explicou Fischer.
- Seus métodos chamavam muito a atenção, mas o alto escalão decidiu que uma
pessoa fria como ela poderia ser útil durante o extermínio do ciclo, então ela foi transformada
em semideusa e mantida encarcerada aqui até hoje. Ou pelo menos era onde nós
- Eu ainda não tenho certeza de quem seja nosso adversário, mas definitivamente ele é
um ótimo estrategista.
...
- Sr. Fischer, acha mesmo uma boa ideia nós termos encolhido o Poff? – perguntou
Doze.
- Se está preocupado com o intelecto dele, duvido que fosse ficar ainda menor – disse
Fischer – Algumas criaturas podem ser encolhidas sem maiores problemas, e além do mais,
sem nosso veículo de transporte, como você queria que nós ficássemos passeando com ele de
- Afinal, o que viemos fazer aqui no Canadá? E porque saímos tão rápido daquela
usina nuclear?
- Eu encontrei o que precisava na usina. Agora estamos indo investigar a agência
espacial canadense. Estou com receio de que alguma coisa fora do comum acontece na
- Mas por que os canadenses? Afinal, a estação é um projeto conjunto dos Estados
- Não. O país todo. Ou você nunca se questionou sobre o fato de um país inteiro no
continente americano possuir índices tão baixos de mortalidade por violência urbana? Na
verdade eles morrem por assaltantes de outros países, mas nós os restauramos, e isso mantém
- E como estamos procurando por pistas de uma conspiração feita pelos semideuses,
queriam destruir os cristais de Astato na Lua desde o começo, estariam dando um tiro no
próprio pé, pois suas respectivas cópias cerebrais também estavam por lá... logo, para se
garantirem, teriam que transferir suas cópias de segurança para outro lugar seguro, que não
fosse nem a Terra e nem a Lua... Ah, é claro, teriam que movê-los para a estação espacial
internacional!
Fischer olhou com aprovação para seu pupilo, e contestou seu raciocínio:
- Estaria correto, porém TODO o Astato da terra foi devidamente movido para a Lua
até 1972, e com o término das missões Apolo, ninguém nunca mais foi à Lua. Aliás, qualquer
um, mesmo um semideus, que desejasse ir à Lua novamente iria inspirar desconfiança por
parte do conselho superior do alto escalão. E eu como sempre fiz parte desse conselho, posso
lhe garantir que não houve nenhuma missão à Lua desde as missões Apolo.
- Então, se não buscaram seus cristais de Astato na Lua, para esconder em um lugar
seguro como a estação espacial internacional, o que estamos fazendo aqui exatamente? – quis
saber Doze – Não existe mais Astato no planeta para eles terem construído um novo cristal.
- Realmente não, mas o urânio em sua meia vida pode se transformar em Astato –
disse Fischer, enquanto abria alguns arquivos secretos no computador da agência espacial
canadense.
Existe um volume secreto a bordo à estação espacial internacional, o qual não está catalogado
em lugar algum sobre o que se trata. Mas olhando para a foto da embalagem, o que lhe
parece?
- Uma lápide! Parece uma lápide... assim como as que eu vi no painel da reunião em
Xanadu... Oh, não, é um cristal de Astato, certamente! Mas onde conseguiram tanto Astato
- Mas isso não faz sentido. Se havia um gerador de fusão secretamente instalado, o que
faziam com toda aquela reserva de urânio radioativo? Não me diga que estavam apenas
criando Astato? Mesmo que poluíssem todo o planeta com lixo radioativo, mal daria para
gerar um único cristal de Astato, para uma única pessoa... – afirmou Doze.
que ele fosse o beneficiado por esse último cristal. Ele seria então o último imortal do planeta.
- Esse sujeito realmente é maquiavélico. Agora que descobrimos seu plano, qual será
- Muito simples essa pergunta. Ele precisa apenas eliminar todos os semideuses do
mundo, a começar pelo alto escalão. Para isso ele libertou a rainha, ou melhor, a condessa
sangrenta. Assim seu reinado eterno vai ter início, sem qualquer interferência, visto que os
- E como vamos eliminá-lo, mesmo que o encontremos, visto que em algum lugar, ou
mesmo em muitos lugares, ele deve ter autômatos prontos a reconstruir seu corpo em caso de
- Essa é uma outra estória, novato. Só temos que descobrir como um mortal pode
vencer um deus. Vamos para uma base de apoio que temos em Quebec para pensar numa
solução.
...
- Almirante Fischer, que bom que o senhor chegou. Pensávamos que havia morrido
junto com os outros membros do alto escalão! – dizia o tenente que os recebeu na entrada da
- Está louco, tenente! Existem centenas de membros do alto escalão em Xanadu, fora
chinês, incluindo o Dalai Lama, e Xanadu foi bombardeada por mísseis nucleares franceses
- Eles fizeram seu movimento. Agora é a nossa vez de mexer as peças. Tenente, ligue
como se uma parte dele soubesse o que estava para acontecer. Afinal, ele já havia se
antecipado e declarado que o objetivo do inimigo seria acabar com os semideuses do alto
tenente de volta com o telefone já em contato com dirigentes da ONU, com os quais Fischer
- Sim, pode dizer – respondia o tal coronel Suarez do outro lado da linha.
- O DGSE alertou o governo chinês sobre uma conspiração para libertação do Tibet
- Sim, mas essa notícia é extremamente confidencial. Como você soube que foi a
- Deixa pra lá. O mais importante, informe a todos que o governo francês pretende
próximos minutos. Faça tudo ao seu alcance para impedir isso – ordenou Fischer.
- Mas como você soube... Ok, vou dar início às investigações imediatamente, e
convocar os cônsules desses países para uma reunião extraordinária do conselho de segurança
- Não me diga que você acha que a condessa se infiltrou no serviço secreto francês?
- Infiltrar, não. Ela fugiu há mais de 20 anos, nesse momento ela certamente já o
administra totalmente! – afirmou Fischer – De que outra maneira a França estaria tão
OFICIALMENTE apenas um teste das armas de destruição em massa, que nesse momento
Não havia sequer tempo para que eles lamentassem a perda colossal que era a
artistas e cientistas, agora tudo reduzido a poeira e gelo. Nesse momento o tenente trouxe o
- Você tinha razão – disse o Coronel - O exército Francês iria bombardear o Canadá
primeiro e dar explicações depois. Mas nós embargamos toda a situação, que agora virou um
problema diplomático. O governo Francês acusa a sua própria agência de inteligência de agir
por conta própria, e está tomando medidas internas acreditando em se tratar de um golpe de
estado.
- Muito bom, Suarez. Avise ao governo Francês que eu estou indo para lá nesse
- Sr. Fischer, com o governo francês atrás dela, conseguimos alguma vantagem
- Sim, novato, finalmente temos uma vantagem mínima, mas não se esqueça que eles
quase conseguiram um xeque-mate. Vamos atrás da rainha, pois acredito que assim estaremos
chegando próximo ao nosso rei, visto que durante a defesa, a rainha sempre volta para
...
- Sr. Fischer, o senhor pilotava de forma exemplar o Orbitex, então por que pilota tão
sistema muito mais avançado de controle de navegação – relatou Fischer – mas preocupe-se
em verificar seu assento ejetor, pois se tem uma coisa da qual eu realmente não me recordo é
- Os nomes que vocês são as peças não me importa, e sim o nome como eu as vejo –
contestou.
pulamos aqui – disse Fischer, acionando o dispositivo de assento ejetor dos pilotos, sem dar
Ambos foram lançados ao ar, e os paraquedas foram acionados. Porém, Doze não
Luxor, ficando preso a este como um El Balero, brinquedo mexicano onde uma bola fica
Assim que as autoridades locais o retiraram de lá, Fischer interviu em sua iminente
- Quero uma lista dos pseudônimos dos ex-agentes de espionagem francesa suspeitos
Após alguns minutos, a lista com pseudônimos chegou e Fischer começou a ler alguns
significa majestosa, Maree significa mar de amargura e Veronique, aquela que traz a vitória.
Pradish.
Nesse momento Doze imaginava que tipo de critérios o Sr. Fischer estaria utilizando.
Enquanto isso os secretários de estado cruzavam a lista com os nomes apontados por Fischer.
- Maree... Maree... - dizia Fischer em voz baixa, audível somente para Doze sentado
ao seu lado.
vizinhos ingleses, mas aceitar no serviço de inteligência uma agente que usa o mesmo nome
de uma personagem de ficção dos contos de Sherlock Holmes foi uma brutal falta de
inteligência. E me tragam alguns objetos pessoas da mesa dela, canetas, lápis, o teclado de seu
computador.
- Sim, mas agora temos um nome para esse indivíduo. Pelo menos um pseudônimo.
...
Doze imaginava o motivo de ainda ser necessário ao Sr. Fischer, uma vez que ele
claramente possuía conexões fortes com governos internacionais de todo o mundo. Dentro a
conversar abertamente.
- Sr. Fischer, mesmo que sabemos o nome dela, trata-se de uma agente de espionagem
internacional, sem falar no gosto sanguinário. Ela tem capacidade de fugir de um país para
- Novato, se esquece com quem está lidando? Eu não tenho apenas a minha disposição
os recursos dos humanos, mas também dos semideuses. Ou você já se esqueceu da Entonet?
- Ah, isso explica você ter pedido por objetos pessoais dela! – entendeu Doze.
- Sim, e vocês vão ter que fazer uma nova visita a estação UVB-76 e tocar essa fita
que eu preparei com as assinaturas dela. Assim que a Entonet reagir aos feromônios dela, eu
vou saber a localização dela através do acionamento dos autômatos mais próximos – explicou
Fischer.
- Vocês? – questionou Doze, percebendo que nesse momento a limusine estacionava
- Yelika! Aaron! Mas como? Eu pensei que estavam mortos? – espantou-se Doze, com
- Desde quando você sabia sobre o Aaron? E quando conheceu Yelika? – perguntou
Doze.
- Yelika é o que posso chamar de minha rainha nesse jogo. E vocês quase me fizeram
perde-la. Tomei as providências para reconstruí-la imediatamente, assim que vocês deixaram
Xanadu. Já o novato aqui eu percebi que estava vivo pelo fato de que o objeto que colidiu
com o fragmento do cometa partiu bem antes dele ao seu encontro, caso contrário a rota
desviada não acertaria a Lua. E por fim, quais as chances de atingir exatamente o campo de
cristais de Astato? Isso foi uma obra extremamente bem calculada. – explicou Fischer –
Nosso golpe de sorte foi que pedi a Yelika para se encontrar com o novato e aguardarem em
Paris, assim que descobri sobre a fuga da condessa. Tive o pressentimento que ela viria para
cá, mesmo antes da França iniciar os ataques. Caso contrário, Yelika teria morrido junto com
semideus de alto escalão o qual demos o pseudônimo de Moriarty. E ele não está sozinho,
ELA fugiu, provavelmente com a ajuda dele, e agora estão juntos nisso tudo – explicou
Fischer.
- ELA mesma. Eu a chamo de rainha, mas vocês todos a conhecem como condessa –
respondeu Fischer, continuando – Aliás, ELA já causou todo esse estrago, induzindo o
exército chinês a atacar a cerimônia na Índia, enviando mísseis franceses para Xanadu e por
- Moriarty provavelmente começou a planejar isso bem antes, mas ela deve ter se
- Exatamente, meus caros. Por isso tenho uma missão diferente para vocês – afirmou
Fischer, continuando – Os novatos vão até a estação UVB-76 tocar essa fita cassete com
assinaturas de feromônios da condessa, e Yelika vai levar o bicho de estimação dos novatos
- O Poff? Vocês não vão machucá-lo, não é mesmo? Aliás, o coitado está no meu
- Você sabe que eu adoro criaturas bioconstruídas! Vou tratar bem dele – disse Yelika
vivos, pois esse conhecimento se perdeu até mesmo para nós há algum tempo. Estamos todos
entendidos?
- Sim! – exclamaram em conjunto.
...
- Dessa vez tome cuidado redobrado para não rasgar suas roupas, Doze, há menos que
queira curtir outra viagem alucinógena enquanto seu corpo é devorado por insetos!
- Nem me lembre disso, Aaron. Aliás, nunca tive oportunidade de agradecer pelo
resgate.
- Sem problemas, afinal boa parte do trabalho foi você mesmo que executou – disse
Aaron.
- Sim, mas era mais para um estado de transe. Ou você não se lembra de ter comido
boa parte dos insetos que infestavam seu corpo? – contou Aaron.
- Arghhh, que nojo! Pensei que isso tinha sido apenas um sonho!
- Não foi sonho não, aliás, foi isso que o salvou. Mas não se preocupe, pense que
foram apenas proteínas. Mas dizem que as larvas têm gosto do que eles comem. Como foi
- Cale a boca, Aaron! Estamos quase chegando. Não vejo a hora de sair desse lugar
maldito!
painel.
estrategista assim, a essa altura já deve ter percebido que alguém impediu o ataque ao Canadá,
- E daí que não vai demorar muito para ter a mesma ideia que o Sr. Fischer de que usar
- O que significa que estamos correndo muito mais perigo do que imaginamos aqui
Nesse momento uma grande explosão foi ouvida acima deles, e quase todo o lugar
desabou. Ambos sobreviveram, mas seus trajes de proteção se rasgaram, para o desespero de
Doze.
- Acalme-se! Fora o traje rasgado, está tudo bem com você? – questionava Aaron.
- Sim, estou bem, não quebrei nada, mas não vou ficar bem por muito tempo!
- Não se preocupe comigo, eu pedi que reconstruíssem meu corpo novamente, mas
sem as larvas e insetos, assim que cheguei no centro de treinamento e descobri sobre isso.
- Então por que você usa roupas de proteção aqui? – quis saber Doze.
- Apenas para ficar livre dos efeitos do alucinógeno. Mas agora não há o que fazer,
devemos procurar uma nova saída e tentar ignorar ao máximo os efeitos das alucinações.
- Pode ficar tranquilo. Vamos seguir naquela direção – apontou Aaron com as mãos.
- E por que suas mãos estão tão grandes?
- “Oh, já começaram os efeitos. Já vi que vai ser um Déjà vu” – pensou Aaron.
...
túneis, certamente com algum propósito em tempos de guerra fria, mas que agora nada mais
Embora estivessem livres da armadilha de insetos, o ar era rarefeito, e com seus tubos
de oxigênio do traje de proteção vazando sem controle, certamente iriam morrer sufocados em
breve. Havia ainda o terrível incômodo das alucinações, que tornavam o trajeto pelas
- Aaron, vamos seguir em direção àquela luz no final do corredor! - balbuciava Doze.
- Não há luz alguma lá, Doze. Não podemos confiar em nossos sentidos isoladamente.
Temos sempre que consultar um ao outro sobre o que achamos estar percebendo, e só então
- Não.
- Não se esqueça de que não podemos confiar nos outros sentidos também. Tato,
- Sim, ótima situação nós fomos nos meter – complementou Doze – eu sinto cheiro de
dizer que sentia também, então eu não devo ter sido sugestionado. Mas quais as chances de
- A regra foi sua! Sentidos iguais, sem sugestionamento, vamos seguir – lembrou
Doze.
Ambos seguiram o cheiro atenuado de bacon que podia ser percebido no local.
Primeiro seguiram por um corredor comprido, e depois foram subindo por diversas
plataformas, e realmente parecia que o cheiro de bacon ficava mais forte a cada passo.
odores foram tomando forma, como batata fria e hambúrgueres. Por fim, levantaram uma
tampa de bueiro e acreditaram estar finalmente delirando: havia um McDonalds instalado ali.
- Aaron, eu estou tendo uma alucinação visual agora, vejo um McDonalds aqui fora!
- Normalmente eu não como esse tipo de comida, mas vou abrir uma exceção para
- Não temos muito tempo, mas vai ser bom beber refrigerantes pois o açúcar corta o
- Pena que vamos ter que esperar a girafa, o elefante e a zebra que estão na fila do
drive thru. É normal esses animais serem cor-de-rosa aqui na Rússia? – perguntou Doze.
- Entre logo e tome sua soda, Doze. Depois vamos procurar o Orbitex, que por sorte eu
havia estacionado bem longe da entrada da estação, e voltar logo para o encontro com o Sr.
Fischer.
...
- Por que demoraram tanto? – criticou Fischer, que esperava ao lado da Yelika dentro
- Desculpe, Sr. Fischer, mas é muito difícil estacionar em Paris, ainda mais um
Orbitex, e em segredo – justificou Doze – Ei, Poff, como você está? Cuidaram bem de você?
inteiro da limousine.
- Sim, os gárgulas autômatos confirmaram a presença dela há muito tempo, assim que
ela foi detectada pela Entonet. Mas eu não pude dar o comando de captura, apenas estou com
o controle para monitoramento. Moriarty deve ter desativado os gárgulas para não matarem a
condessa.
- Gárgulas. Ela está aqui em Notre-Dame? E você me fez voltar àquela estação russa
- Não foi por nada, Doze. Não tínhamos ideia de onde ela poderia estar. Foi um golpe
- Porém, meus caros, eles agora sabem que alguém os está procurando, e o pior, que
esse alguém vai aparecer em breve, então eles devem estar preparados para nosso encontro –
afirmou Fischer.
- Mas nós também estamos preparados, não é mesmo, Sr. Fischer? – disse Yelika.
- Sim. E a sorte favorece aos audaciosos, porém nesse caso, eles têm sido tão
audaciosos quanto nós, logo não quero deixar nada a cargo da sorte – explicou Fischer.
- Novato, pegue seu animal de estimação e entre na catedral. Nós iremos logo atrás.
Lembre-se, ele é praticamente feito de pedra, logo use-o para se proteger – ordenou Fischer a
Doze.
- Já contatei o clero e nessa semana a catedral foi fechada para dedetização, embora eu
não esteja vendo nenhum sinal de trabalhadores desse ramo, o que me faz acreditar que
outro local. Também não sabemos realmente se Moriarty está junto com a condessa. Não
temos tempo a perder. Nosso plano é entrar, explorar, enfrentar e sobreviver – resumiu
Fischer – além do mais, o sinal da condessa tem desaparecido e reaparecido diversas vezes e
operação de que nada iria acontecer a elas, pois eu poderia simplesmente reconstruir seus
corpos e regravar suas mentes no caso do pior acontecer... – discursou Fischer – Mas agora,
eu realmente peço que estejam prontos a se sacrificar para proteger o mundo de uma nova
ordem, a qual tudo parece ser sinistra e avassaladora. Para se associar com alguém como a
condessa, esse semideus certamente partilha secretamente dos mesmos ideais nefastos dela, e
eu tenho certeza de que todos os recursos utilizados pelos semideuses para outrora monitor os
nós! – disse Doze descendo da limousine junto com seu amigo peludo.
...
Assim que entrou até a metade do salão principal de Notre-Dame, Doze se deparou
com uma cena horrorizante. A condessa se banhava em sangue no meio do altar, além do fato
- Pelo menos ela tem um belo corpo - pensou Doze – logo em seguida imaginando de
- Peça para seus comparsas entrarem! – uma voz misteriosa anunciou. Dado a acústica
- Com medo do ataque dos gárgulas, Fischer? Por isso enviou o garoto e o Yeti
primeiro?
- Já vi que você não pode acionar o ataque deles, assim como eu não posso. Esse foi o
custo para você salvar sua rainha, não é mesmo! – falou Fischer em voz alta.
Doze não estava nada contente em saber que tinha sido usado como um mero boi de
- Moriarty? Então ainda não sabe quem eu sou. Você me desaponta, Fischer. Esperava
mais de você. Afinal, foi o último sobrevivente do alto escalão – dizia a voz.
Yelika e Aaron olhavam com desprezo para a condessa, que não interrompia seu
- Devido ao seu atraso, tive que dispor de algumas dezenas de ciganos a fim de
preparar o banho semanal da condessa, sendo que eu havia planejado em usar o sangue de
vocês!
- E eu pensei que todos aqueles ciganos haviam sido deportados – disse Aaron.
- Ela toma banho uma vez por semana apenas? – brincou Doze, em meio aquele caos.
- Um bom jogador sempre sabe quando derrubar seu rei e desistir do jogo, Fischer. No
entanto, você ao invés de fugir, veio ao meu encontro, apenas para morrer e ver seus pupilos
morrerem junto. Afinal, você sabe que não pode me matar, pelo menos não definitivamente –
- Não tenho intenção de entregar esse jogo, visto que eu tenho uma rainha, um
cavaleiro, uma torre e um peão, e você, apena suma rainha, meu caro. A vantagem está
- Ei, desde quando eu continuo como peão e o Aaron foi promovido a cavaleiro? –
reclamou Doze.
- Começar o quê? Perguntou Doze, e nesse momento os gárgulas que olhavam para
fora da catedral se voltaram para dentro da igreja, produzindo um som reverberante de rocha
- Então é assim que ele vai começar. Atenção todos, escondam-se atrás dos pilares e
evitem ser atingidos. Os gárgulas lançam uma quantidade limitada de projéteis de pedra, mas
se os acertarem, estarão mortos – gritou Fischer – Novato, peça para o seu animal destruís as
Uma chuva de projéteis de pedra era disparada contra eles, que se protegiam por detrás
dos pilares da igreja. Saber o ângulo exato era uma tarefa empírica a se determinar, sendo que
cada vez que um tiro de pedra passava de raspão pelo corpo e causando ferimentos leves, eles
Enquanto isso o Yeti destruía estátua por estátua, assim como uma torre captura todos
comentou Fischer.
Enquanto isso a voz misteriosa cessou, e a condessa parecia não se importar com nada
a sua volta, apenas com seu reconfortante banho de sangue. Finalmente o Yeti destruiu a
última estátua.
- “Nunca imaginei que teria medo de me aproximar de uma mulher nua” – pensou
Doze.
legendária. A condessa tinha olhos vitrificados, mas um rosto com linhas perfeitas, pela clara
como papel, lábios avermelhados, cabelos sedosos e um corpo escultural. Doze foi ficando
tomado por uma sensação estranha. Aos poucos percebeu o que estava acontecendo. Estava
completamente apaixonado pela condessa, e não iria permitir que ninguém lhe fizesse mal
- Tive que sacrificar um peão e uma torre, mas agora sabemos o verdadeiro poder da
rainha deles!
...
- Agora eu entendo o motivo do emparedamento – disse Fischer – Antes de tudo, a
nossa condessa sangrenta é na verdade a lendária Psiqué, há muitos ciclos perdida na história.
- Psiqué? Eu pensei que era apenas uma lenda de Atlântida – disse Yelika
Psiqué era a filha de um rei, que de tão bela, conquistava a admiração de todos, e teve
que ser levada pelo vento. A lenda conta que até mesmo o cupido em pessoa se apaixonou por
ela.
- Fiz muito bem em trazer você, Yelika, Como anda sua atração por mulheres
- Senhor, o senhor sabe muito bem que não tenho atração por homens nem mulheres.
- Estamos em suas mãos, Yelika – disse Fischer - Vá até lá e teste o composto que eu
pedi para você elaborar. Enquanto isso nós vamos deter seu amigo e o animal de estimação
- Fugindo e deixando as mulheres para trás, Fischer. Quanta nobreza da sua parte –
Doze que tentava impedi-la. O Yeti não sabia o que fazer, mas certamente não iriar atirar
pedras neles. Fora da catedral, Aaron questionava o Sr. Fischer, ambos já dentro do Orbitex:
- É realmente uma pena, mas muito mais já foi destruído em Xanadu, e muito mais
...
Foi um show à parte! Um disco-voador emerge em Paris e destrói o teto da catedral de
semideuses exerciam seus devidos poderes aos olhos de todos. Nada mais era segredo ou
- Não. Podemos precisar dela algum dia no futuro. E a Yelika sabe como lidar com
ela. Apenas derrube algumas pedras sobre o Yeti, e por fim, dispare sobre a sacristia que eu
As pessoas começavam a se aglomerar para ver tudo aquilo, ainda que há uma
objetivos do Sr. Fischer foram cumpridos. O Yeti estava preso nos escombros e Doze
Atrás, na sacristia recém demolida, era possível ver a figura de um homem. Fischer
olhava atentamente lá de cima, mas foi a Yelika quem o identificou primeiro, dada sua
proximidade.
- Ford! Henry Ford! - gritou Yelika – Pensei que você havia morrido na cerimônia em
na Índia. Então foi você o destruidor de Xanadu! Seu miserável! – demonstrava toda sua ira.
Imediatamente Yelika borrifou sobre Ford e sobre a condessa um spray denso, o qual
cobriu quase que na totalidade o corpo de ambos. Imediatamente agarrou Doze e saiu às
pressas do local.
Estava feito.
...
Yelika levou Doze, ainda inconsciente para dentro do Orbitex, e Aaron e Fischer
recolheram o Yeti.
que mantinham a marmorização nos tecidos vitais do Yeti, e depois os concentrei, mas a
- Brilhante – disse Aaron – assim os autômatos que o Ford possui pelo mundo não vão
construir um novo corpo para ele, porque afinal, ele não morreu. Ele pode ter muitas linhas de
produção para um corpo de reserva, mas enquanto sua mente está presa ativamente nesse
eterno a cumprir pena no planeta – completou Yelika – uma pena justa por ter acabado com a
- E aparentemente a nossa condessa psique não hipnotiza mais ninguém nessa forma
- Será a Vênus de Doze! – gritou Doze ao fundo, recobrando de uma dor de cabeça
terrível.
- Sim. É preciso mais do que uma catedral gótica e uma beleza mitológica para acabar
comigo.
- Vamos para a casa. Mas onde é nossa casa agora? – perguntou Yelika.
- Desde que estejamos juntos em algum lugar, esse lugar será nossa casa – completou
Doze.
...
Após tudo ter terminado, Doze, Yelika e Aaron passeavam pela avenida dos Campos
Elíseos, em Paris:
- Não acham que nós merecemos estar nesse lugar, meus queridos? – Afirmou Yelika.
- Não, ela certamente está se referindo à Campos Elíseos, o nome da avenida, e por
acaso, na mitologia grega, o lugar onde os virtuosos descansavam após morrer – disse Aaron.
- Sim, por isso eu pretendo ficar aqui um bom tempo, agora que não tenho mais
Xanadu, Paris é o meu segundo reduto cultural preferido no mundo – disse Yelika.
- Eu vou aceitar o convite do Sr. Fischer e fazer parte do novo conselho do alto escalão
- Apenas esperar. Afinal de contas, a água de Paris contém Iodo, não? – finalizou
Doze.
FIM