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Aula 1

Educação Matemática: fundamentos


e tendências

Raquel Tavares Scarpelli


Aula 1. Educação Matemática: fundamentos e tendências

Meta(s)

Apresentar ao aluno os fundamentos da Educação Matemática como


área de pesquisa e suas principais concepções no que diz respeito ao
papel que a Matemática desempenha na formação dos cidadãos, bem
como instigá-lo a refletir sobre os diversos fatores que influenciam a
elaboração dos currı́culos.

Objetivo(s)

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:

1. descrever o contexto dentro do qual surgiu a Educação Matemática


no mundo e no Brasil;

2. refletir sobre o caráter formativo desempenhado pela matemática na


formação dos cidadãos;

3. refletir sobre as nuances da pesquisa em Educação Matemática;

4. refletir sobre os aspectos filosóficos e espistemológicos presentes nas


discussões sobre a construção e a aquisição do conhecimento ma-
temático;

5. refletir sobre os objetivos do ensino de matemática, tendo em vista


o seu caráter formativo no desenvolvimento do pensamento humano.
Em outras palavras, perceber a intrı́nseca relação entre a Matemática
e a Educação.

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Tendências em Educação Matemática

Introdução

Quando se fala em Matemática (com letra maiúscula, ou seja, como


área de estudo), a primeira coisa que vem à mente da maioria das pes-
soas são cálculos. Você já se perguntou o porquê disso? Quando você
estava no Ensino Fundamental I e seu(sua) professor(a) quis lhe ensinar
sobre o algoritmo da divisão, você compreendeu porque ao dividir 4 por
5, surgiam uma vı́rgula e um zero ”mágicos”que davam como resultado
o quociente 0,8?
Todos sabemos que a matemática (agora com letra minúscula, ou
seja, como disciplina escolar) costuma ser apresentada aos alunos como
um conjunto de regras que, sendo bem seguidas, são capazes de resol-
ver inúmeros problemas do dia a dia. Por que essas regras funcionam?
Haveria uma maneira melhor de os professores fundamentarem os algo-
ritmos?
Será que um aluno que apresenta dificuldades no aprendizado da
matemática apresenta mesmo dificuldades em compreendê-la ou sua
forma mecanizada é que a torna incompreensı́vel para ele?
Muitas são as questões que podem contribuir para a qualidade do
ensino e da aprendizagem em matemática: didática, metodologias de
ensino que motivem os alunos, uma boa formação dos professores e os
contextos de aprendizagem, entre outros. Dois fatores não menos impor-
tantes são os aspectos inerentes à comunidade escolar e a forma como
um paı́s concebe a educação de seus cidadãos. Questões dessa natu-
reza fazem parte do escopo de interesse do que chamamos de Educação
Matemática e nessa aula tentaremos apresentar algumas delas a você.
Relaxe na poltrona, comece a leitura e boa aula!

Antes de mais nada, o que é a Matemática?

Você pode estar se perguntando: Ensino de Matemática ou Educação


Matemática? Do que foi exposto na introdução deste texto, podemos
dizer que o Ensino de Matemática é uma parte de interesse da Educação
Matemática. Porém, não é o único. De fato, a Educação Matemática
se debruça sobre os contextos socioculturais de aprendizagem, sobre a
formação dos professores que ensinam matemática, sobre as polı́ticas
públicas educacionais, sobre a temática da avaliação, sobre os conheci-
mentos profissionais dos docentes, entre outros assuntos.
Mas, que contexto favoreceu o surgimento da Educação Matemática
no paı́s e como essa área de pesquisa tem se desenvolvido nos últimos
anos? Para responder essa pergunta, será necessário voltarmos no
tempo e falarmos sobre a história do ensino de matemática e o ”Movi-
mento da Matemática Moderna”, o que faremos daqui a pouco.

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Aula 1. Educação Matemática: fundamentos e tendências

As inquietações com o ensino da matemática para os jovens já exis-


tem desde a Grécia Antiga. De fato, é do nosso conhecimento que a pre-
ocupação em lhe conferir um caráter dedutivo foi algo fortemente influ-
enciado por antigos filósofos gregos. Nos livros V, VI e VII da República,
Platão formulou inúmeros conceitos sobre Matemática e Ciência. Para
Platão, a Matemática não era uma ciência (conceituada pelos gregos de
maneira diferente da que conceituamos hoje) e nesses três capı́tulos o
filósofo buscava compreender em que consistia a Matemática.
Por outro lado, embora Platão tenha se destacado como um profundo
entusiasta do estudo da Matemática e de seus objetivos e métodos dedu-
tivos, ele pouco produziu no que diz respeito ao fazer matemático. Suas
ações se davam no plano filosófico e seus relatos sobre problemas ma-
temáticos de sua época nos revelam a grande influência da própria Ma-
temática sobre o pensamento platônico. Para o filósofo, a Matemática
seria a principal ferramenta para a compreensão do universo. De fato,
para os platônicos, os objetos matemáticos existiam num mundo ideal
– ”o mundo das ideias”. Segundo tal concepção, caberia ao matemático
descobrı́-las e utilizá-las para representarem a realidade objetiva. As-
sim, não existiria dentro da Matemática nenhuma criação, somente des-
cobertas.
Para os pitagóricos, a Matemática também se relacionava a tal com-
preensão, uma vez que defendiam que ”todas as coisas são números”.
Com base no que acabamos de expor, podemos dizer que os gre-
gos foram um dos precursores da Filosofia da Matemática, ramo da
Filosofia que se dedica à compreensão dos fundamentos das estruturas
matemáticas sob o ponto de vista da metafı́sica, da epistemologia, da
lógica e da filosofia da linguagem. Uma das preocupações desse campo é
descrever a metodologia da Matemática e entender o seu papel na vida
das pessoas. Várias são e foram as correntes da Filosofia da Matemática,
sendo as mais conhecidas a logicista, a formalista, a intuicionista e a
construtivista. Para os logicistas, toda a Matemática se reduz à Lógica.
Para os formalistas, as ideias matemáticas são isentas de contradições.
Para os construtivistas, os objetos matemáticos devem ser intuitiva-
mente justificados. Deste modo, para esses últimos, a matemática é
uma construção mental e os entes matemáticos não existem por si só,
todos são construı́dos mentalmente. Dentro da corrente construtivista
estão os intuicionistas, que defendem, entre outras coisas, que existem
afirmações que não são nem verdadeiras e nem falsas. Em particular,
os intuicionistas não aceitam demonstrações por absurdo.
Pois é. Quanta filosofia por traz das práticas matemáticas e da com-
preensão desse fazer, não é mesmo? Qual seria o papel da Filosofia da
Matemática: justificar o trabalho matemático para garantir-lhe confia-
bilidade ou colocar em xeque o conhecimento matemático perante um
tribunal filosófico? Independente do julgamento que fizermos a esse

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Tendências em Educação Matemática

respeito, você há de convergir comigo em um ponto, pelo menos: essa


filosofia influencia a forma como concebemos a Matemática e, conse-
quentemente, como a ensinamos.

Atividade 1

No Google Acadêmico pesquise mais a respeito das correntes da Fi-


losofia da Matemática e elabore um texto discorrendo sobre suas prin-
cipais caracterı́sticas. Em seguida, utilize-o para um debate com seus
colegas, em uma roda de conversa na qual você deve dizer como concebe
a Matemática e como você imagina que seus professores a concebem,
de acordo com a sua vivência na escola e na universidade.

Aspectos epistemológicos do ensino de Matemática

Ao longo da história, vimos emergir diferentes compreensões sobre a


gênese e a forma do conhecimento matemático. De fato, como aborda-
mos na seção anterior, existiram e ainda existem inúmeras divergências
entre matemáticos (e professores de matemática) e filósofos no que diz
respeito à constituição desse conhecimento.
Não é incomum a Matemática, mesmo a escolar, ser trabalhada em
sala de aula sob uma ótica absolutamente formal. O aspecto da cons-
trução mental dos entes matemáticos, tão defendida pela corrente cons-
trutivista, nem sempre é a opinião geral dos professores e educadores.
Além disso, os próprios documentos oficiais que orientam o ensino da
matemática no paı́s colocam nas ementas temas que, muitas das ve-
zes, são de um grau de complexidade considerável para o entendimento
do aluno, se tomarmos a Matemática sob o viés dos construtivistas.
A tı́tulo de ilustração, poderı́amos citar um exemplo simples: expli-
car para um aluno do Ensino Fundamental II o significado de a−n , com
n, a ∈ N ∗ . Ora, dado que a operação de potenciação an , com a, n ∈ N ∗ ,
é ensinada nas escolas como o produto de a por a uma quantidade n
de vezes, o aluno entende que n deve ser, necessariamente, um número
natural. Nem mesmo n = 0 é bem compreendido por um aluno. É
perfeitamente razoável que um estudante, baseando-se nessa definição
de potenciação, imagine que a0 = a, uma vez que compreenderia que a
foi multiplicado por a zero vezes, ou seja, não foi multiplicado por a vez
alguma. Assim, o aluno poderia deduzir que nada aconteceu, ou seja,
que nenhuma operação agiu sobre a. Outros poderiam acreditar que o
resultado seria 0. Mas, quem imaginaria, com base apenas na definição
de potenciação mencionada acima, que a0 = 1? Sabemos perfeitamente
que am .an = am+n , pois isso é uma consequência imediata da definição
usual de potenciação ensinada nas escolas. Consequentemente, resulta
da simplificação de frações que:

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am
1. se m = n, então an = 1;
am
2. se m > n, então an = am−n .
m
Porém, se m < n, é imediato que aan = an−m 1
mas, não é imediato que
1
= a −(n−m) . Para perceber isso, o aluno precisaria antes compre-
an−m
−1 1
ender que a = a . E antes de você me dizer que essa última igualdade
ele perceberia pelo fato de a1 .a−1 = a0 = 1, é bom se indagar se é óbvio
para o aluno que aa = a0 , quando ele sequer compreende o significado
de elevar um número a zero. Para ele, seria natural a não existência
de a0 assim como a não existência de a−1 . E, se para ele não existem,
não seria legı́timo usá-los em uma demonstração. Temos, portanto, um
problema aqui: mostrar a existência desses elementos. Eles existiriam
por construção ou por definição?
O construtivismo surgiu a partir de pesquisas sobre Epistemologia
Genética, realizadas por Jean Piaget, e influenciou bastante os mode-
los de ensino de matemática no mundo. Para essa corrente filosófica,
o conhecimento matemático não resulta diretamente do mundo fı́sico
nem da Matemática em si mesma, mas sim da ação interativa/reflexiva
do homem com o meio social através de atividades. Para os constru-
tivistas, mais importante que aprender isso ou aquilo é desenvolver o
pensamento lógico e formal. Em outras palavras, interessa-lhes mais
as teorias sobre a aprendizagem, o aprender a aprender. Em particu-
lar, o aprendizado da matemática também dependeria dessas interações,
sendo um processo de construção interna realizado pelos indivı́duos, os
quais agem sobre os objetos de aprendizagem.
Já para os formalistas, a Matemática não é uma construção social e,
sim, linguı́stica. Ela é desenvolvida simbolicamente através de relações
lógicas rigorosas entre os objetos.Tudo é construı́do com rigor formal.
Todos os objetos são definidos e todos os resultados são demonstrados,
deduzidos, a partir de axiomas, proposições, teoremas. Deste modo, o
conhecimento matemático não poderia ser jamais contestado.

A filosofia base para o formalismo é o nominalismo, segundo o


qual as entidades da Matemática não existem, nem como objetos
reais e nem como objetos mentais. No formalismo “as deduções
são cadeias de transformações de expressões simbólicas segundo
regras explı́citas de manipulação de sı́mbolos” (SILVA, 2007, p.
184). As deduções e as transformações da Matemática, ao mesmo
tempo em que eram passı́veis de interpretação por quem as mani-
pulava, tinham um significado explicitado em um sistema formal
que estava se constituindo. (MONDINI, 2008, p. 6-7).

Essas visões epistemológicas sobre a Matemática, ou seja, relativas à


construção do conhecimento matemático, determinam diretamente a

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Tendências em Educação Matemática

maneira como ela é ensinada nas escolas e nas universidades. O enfoque


pedagógico dado ao seu ensino reflete, naturalmente, uma concepção fi-
losófica sobre a natureza de tal conhecimento. Concepções filosóficas
distintas acarretam em posturas educacionais diferentes. Deste modo,
para um adepto da corrente construtivista, talvez não fizesse muito sen-
tido ensinar potência de um número natural com expoentes negativos
para um aluno do Ensino Fundamental II. Por que não ensinar apenas os
casos em que o expoente é positivo? Tais conceitos, se ensinados, esta-
riam mesmo sendo ensinados ou impostos aos alunos? Assim, percebe-se
que as constantes formulação e reformulação dos currı́culos também são
influenciadas por questões relacionadas à Filosofia da Educação.
Na visão formalista, a ênfase dada ao ensino estaria na linguagem, na
representação lógica interna dos conteúdos matemáticos, na aplicação
do método axiomático. Para tal, a matemática se apresentaria ao aluno
de maneira abstrata desde o inı́cio de sua escolarização, sem levar muito
em conta se o seu nı́vel de desenvolvimento intelectual estaria com-
patı́vel com o que lhe seria ensinado.
Na próxima seção veremos como as crı́ticas ao ensino de matemática
propiciaram o surgimento da Educação Matemática.

Atividade 2

Em uma roda de conversa, debata com seu(sua) professor(a) e seus


colegas sobre os aspectos positivos e negativos tanto da visão constru-
tivista da Matemática quanto da visão formalista. Em particular, a
eficácia de ambos estaria também associada aos perı́odos escolares dos
indivı́duos? Em algum momento da vida do(da) estudante, uma con-
cepção poderia ser mais apropriada para ele(ela) que a outra?

Um breve histórico do ensino de matemática e o sur-


gimento da Educação Matemática como uma área
de pesquisa

No final do século XVIII, ocorreram três revoluções muito impor-


tantes na história da modernidade: a Revolução Industrial (1767), a
Revolução Americana (1776) e a Revolução Francesa (1789). Com o
advento da Revolução Industrial, a produção em massa ganhava desta-
que e dispor de homens preparados para o trabalho - em particular, os
de natureza técnica - tornava-se um assunto de primordial interesse de
muitos paı́ses. Obviamente, tais interesses influenciariam a forma como
o homem moderno encararia a educação e isso acarretaria em polı́ticas
públicas educacionais que favorecessem o desenvolvimento econômico
dos estados.

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Aula 1. Educação Matemática: fundamentos e tendências

Não menos relevante seria observar que, com a Revolução Americana,


formava-se uma nação que se despontaria como uma potência bélica
com forte interesse em explorar o espaço. Deste modo, também se
fazia necessário garantir um ensino que propiciasse o desenvolvimento
cientı́fico daquele paı́s.
Antes da Revolução Francesa, o estudo das Letras predominava sobre
o estudo da Matemática na França. Após a revolução, os ideais ilumi-
nistas de liberdade, igualdade e fraternidade ocuparam um papel subs-
tancial no desenvolvimento de polı́ticas públicas que consideravam que
a educação era uma assunto de estado. Em particular, o da educação
matemática. O iluminismo defendia, entre outras coisas: a estatização
da educação escolar e a necessidade de reformular os conteúdos a se-
rem ensinados nas escolas, com uma abertura maior para o ensino da
matemática. É sabido que na França do século XVIII apenas a no-
breza e a alta burguesia obtinham instrução escolar secundária. Dentro
desse cenário, que Diderot e Condorcet defendiam que todos tinham
direito à educação e que o ensino da matemática apresentava um pa-
pel relevante. No segundo capı́tulo de Quatro visões iluministas sobre
a educação matemática: Diderot, D’Alembert, Condillac e Condorcet,
Gomes (2008) aponta que, para Diderot, a educação era um assunto de
agenda polı́tica. Em particular, também o era a educação matemática
dos indivı́duos.

Diderot, defensor incansável da instrução pública, laica, gratuita


e para todos os filhos de uma nação, afirmou a necessidade de
começar o ensino pela matemática no Plano de uma universidade.
D’Alembert, no Discurso preliminar da Enciclopédia, iniciou pela
matemática a abordagem dos conhecimentos humanos, e insistiu
na necessidade de que os livros elementares fossem escritos pelos
cientistas mais eminentes. Condillac sublinhou em seus trabalhos
o valor cognitivo da matemática, propôs reformas terminológicas
sobre os nomes dos números de modo a evidenciar a analogia,
fez o elogio da linguagem matemática, praticamente confundiu
a álgebra com o método filosófico da análise.[ ] Condorcet, o
último representante da filosofia iluminista francesa, pertenceu
a um tempo que lhe possibilitou, como matemático e polı́tico,
empreender ações concretas no sentido da realização dos ideais
cientı́ficos e pedagógicos de seus antecessores (GOMES, 2008, p.
297).

Naturalmente, a educação e a concepção que o homem faz dela modificam-


se de acordo com o contexto histórico. Somos seres essencialmente cul-
turais e nos diferenciamos dos demais seres vivos por nossa capacidade
de planejarmos o mundo em que habitamos (não, necessariamente, para
melhor). Consequentemente, o modo de se ensinar matemática sofre
influência, não apenas dos valores e das finalidades que professores lhe

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Tendências em Educação Matemática

atribuem, mas também da maneira como concebem a relação professor-


aluno e da visão que têm do mundo, da sociedade e do homem. Deste
modo, questões como ”preparar o indivı́duo para o trabalho”e ”garantir
uma formação intelectual mı́nima e geral”para ele são assuntos sempre
presentes nas pautas dos polı́ticos e dos educadores que se focam em
pesquisas sobre o currı́culo.
Foi na transição do século XIX para o século XX que a Educação
Matemática ganhou maior notoriedade dentro da Educação. Um dos
primeiros a mencionar explicitamente o termo foi John Dewey, que, em
seu livro Psicologia do número (1895), criticou frontalmente o forma-
lismo do ensino da matemática e propôs uma relação mais cooperativa
entre alunos e professores, além de uma maior integração da matemática
com as outras disciplinas.
Mesmo entre os matemáticos, que eram as pessoas que costumavam
formular os currı́culos acerca do que (e de como) a matemática deve-
ria ser ensinada, houve aqueles que se dispuseram a propor trabalhos
manuais que utilizassem material concreto como auxı́lio para o ensino
da geometria abstrata. Este foi o caso do casal de matemáticos Grace
Young e William Young, quando escreveram o livro Begginer’s book of
Geometry (1904).
Em 1902, foi a vez do conceituado matemático Eliakim H. Moore
escrever um artigo propondo um novo programa de ensino, que incluı́sse
um sistema de instrução que integrasse a Matemática à Fı́sica, com base
em um laboratório permanente. Seu objetivo era fomentar nos jovens
o espı́rito de pesquisa, conduzindo-os à apreciação, tanto prática como
teórica, dos métodos cientı́ficos.
Entre os matemáticos que mais sinalizaram para a importância da
Educação Matemática como um campo de estudos, destaca-se o alemão
Felix Klein. Em 1908, Klein publicou o livro Matemática elementar de
um ponto de vista avançado, no qual defendia que a matemática escolar
deveria se debruçar mais sobre bases psicológicas do que sobre bases
sistemáticas. Para ele, os professores deveriam levar em consideração
os processos psı́quicos de aprendizagem dos alunos e, portanto, deveriam
apresentar-lhes os conteúdos de maneira intuitivamente compreensı́vel.
Foi a partir do Congresso Internacional de Matemáticos, realizado
em 1908, em Roma, que a Educação Matemática se consolidou como
uma subárea da Matemática e da Educação, mantendo o seu caráter
interdisciplinar. Neste evento foi montada a Comissão Internacional
de Instrução Matemática, a famosa IMUK/ICMI, sob a liderança de
Felix Klein. Logo em seguida, a revista L’Enseignement Mathématique,
que havia sido fundada em 1900, em Genebra, tornou-se um vı́nculo de
divulgação das atividades do ICMI.
Influenciada pelos movimentos sociais que surgiam e pelos novos co-

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Aula 1. Educação Matemática: fundamentos e tendências

nhecimentos em Psicologia e em Estatı́stica, um outro estilo de pesquisa


em Educação começou a ganhar corpo: a pesquisa quantitativa. As in-
vestigações em Educação procuravam se tornar sistemáticas e rigorosas,
delegando ao tratamento estatı́stico o rigor que tanto almejavam. Só
era considerada qualificada a pesquisa que apresentasse um rigoroso
tratamento estatı́stico dos dados.
Embora a American Mathematical Society (AMS) e a Mathematical
Association of America (MAA), fundadas respectivamente em 1894 e
1915, tivessem alguma preocupação com o ensino da matemática, suas
preocupações se distinguiam das apresentadas por professores de ma-
temática envolvidos com a educação pré-universitária. A busca por um
espaço no qual se pudesse refletir sobre as propostas e os interesses des-
ses professores levou alguns matemáticos a criarem, em 1920, o National
Council of Teachers of Mathematics (NCTM).
O grande desenvolvimento da Educação Matemática deu-se após a
Segunda Guerra Mundial. Nessa época, propostas de reformulação cur-
ricular ganharam visibilidade em vários paı́ses europeus e nos Estados
Unidos. Foi um momento em que as preocupações curriculares ganha-
ram um notável destaque. Psicólogos como Jean Piaget e Burrhus Fre-
deric Skinner, entre outros, davam a base teórica da aprendizagem que
suportava as propostas curriculares. De certo modo, como se pode ver,
o desenvolvimento curricular representava um certo conflito com o tipo
de pesquisa dominante na época, de cunho fortemente quantitativo. Es-
tudos de casos e o método clı́nico surgiam nos cenários de pesquisa em
educação, sob a forte influência de Piaget nessa mudança de perspecti-
vas com relação à validação de uma pesquisa. Isso acabou acarretando
na fundação do International Clearinghouse on Science and Mathema-
tics Curricular Development, em 1963, sob a direção de J. David Loc-
kard. Em 1969, realizou-se em Lyons, na França, o Primeiro Congresso
Internacional de Educação Matemática (ICME) e, desde então, de qua-
tro em quatro anos, realiza-se um ICME com a presença de pesquisado-
res em Educação Matemática de todo o mundo e organizado sob a res-
ponsabilidade da International Comission of Mathematics Instruction
(ICMI), uma das comissões especializadas da International Mathema-
tics Union (IMU).
O interesse crescente em Educação Matemática repercutiu no NCTM
e seu comite consultivo de pesquisa propôs, em 1960, a criação do Jour-
nal of Research in Mathematics Education, o JRME.
Na próxima seção discorreremos sobre o Movimento da Matemática
Moderna e a Educação Matemática no Brasil.

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Tendências em Educação Matemática

Atividade 3

Considerando a leitura desta seção, reflita sobre os conteúdos esco-


lares que considera mal ensinados a você nos ensinos fundamental e
médio. Reflita também sobre os principais aspectos que lhe parecem
determinantes para a ineficiência de seu ensino e busque debater, em
uma roda de conversa com seus colegas, se você os considera realmente
necessários nos currı́culos de matemática para os ensinos fundamental
e médio.

O Movimento da Matemática Moderna e a Educação


Matemática no Brasil

Como vimos na seção anterior, a Educação Matemática enquanto


campo profissional e cientı́fico surgiu a partir da preocupação de ma-
temáticos e de professores de matemática com a qualidade do ensino
dessa disciplina nas escolas. Desde o inı́cio do século XX já se via uma
mobilização na direção da modernização de seu ensino.
Nos primeiros anos do século XX, buscou-se elaborar reformas que
conciliassem o ensino das escolas secundárias com as necessidades técnicas
mais recentes. A fim de uniformizar tais reformas, instituiu-se, em 1908,
um comitê internacional com a função de estudar questões relativas ao
ensino de matemática. Dentro desse cenário, durante o - já mencio-
nado - IV Congresso Internacional de Matemática, realizado na cidade
de Roma, foi criada a Commission Internationale de L’Enseignement
Mathématique (CIEM), também conhecida pela sigla IMUK, de Inter-
nationalen Mathematischen Unterrichtskommission.
A primeira tarefa do comitê era preparar relatórios sobre a situação
do ensino de matemática nos paı́ses mais desenvolvidos. Entretanto,
outros paı́ses foram convidados a também participar do movimento,
mas sem direito a voto. Um desses paı́ses foi o Brasil, que apresentou
Eugênio de Barros Raja Gabaglia, professor do Colégio Pedro II (do
Rio de Janeiro), como o delegado do paı́s no V Congresso Internacional
de Matemática (Cambridge, 1912). Nesse evento, Raja Gabaglia aderiu
o Brasil às idéias de modernização do ensino de Matemática propostas
inicialmente por Felix Klein.
As atividades do IMUK foram interrompidas no perı́odo das guer-
ras mundiais, mas contribuı́ram para o surgimento do Movimento da
Matemática Moderna (MMM).

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Aula 1. Educação Matemática: fundamentos e tendências

As questões propostas pelo IMUK eram amplas e revelavam pre-


ocupação com a integração da Matemática com outras discipli-
nas; quais tópicos de Matemática deveriam ser ensinados ou não;
e ainda com o futuro dos estudantes. Em Milão, em uma das
reuniões do IMUK, as discussões estavam concentradas em três
questões fundamentais: “Que Matemática deve ser ensinada aos
estudantes de fı́sica e ciências naturais? Qual é o lugar do rigor
no ensino de Matemática? Como pode o ensino dos diferentes ra-
mos da Matemática ser mais bem integrado?”(HOWSON, 1984,
p. 77).

Após 1950, ressurgiram iniciativas que defendiam uma melhoria do


currı́culo e do ensino de matemática. Em outras palavras, pretendia-
se ”modernizar”seu currı́culo e seu ensino, adequando-os ao desenvol-
vimento cientı́fico e tecnológico das nações ocidentais. A criação da
Unesco (United Nations Educational, Social and Cultural Organiza-
tion) e da OEEC (Organization for European Economic Cooperation)
– hoje OECD (Organization for European Economic Cooperation and
Development) - determinaram uma época de maior colaboração e inte-
gração entre os paı́ses, após a segunda grande guerra.
Em 1959, com o apoio da OEEC, realizou-se na França a Conferência
de Royaumont, que tinha como foco discutir a reforma curricular e o
ensino da matemática no secundário.
Entre os objetivos da conferência, destacavam-se:

(a) Esclarecer e resumir os principais pensamentos em Ma-


temática e o currı́culo de Matemática na escola elementar e no
ensino secundário, recrutar e treinar professores de Matemática
para as necessidades de pesquisa em Educação Matemática; (b)
Especificar (i) os propósitos da Educação Matemática; (ii) quais
as mudanças desejáveis a serem feitas quanto ao conteúdo a ser
ensinado; (iii) novos objetivos, novos materiais e novos métodos
de ensino e (iv) dar treinamento adicional adequado aos profes-
sores de Matemática em vista das novas mudanças; (c) indicar
procedimentos e métodos especı́ficos que devem ser levados em
consideração em qualquer paı́s visando obter uma reserva - tanto
em número quanto em qualidade - de matemáticos para o ensino
e pesquisa e pessoas matematicamente competentes na ciência,
na indústria e no governo; (d) sugerir uma ação de acompanha-
mento das atividades propostas tanto a nı́vel nacional quanto
internacional.(MOON, 1986, p. 49)

Segundo Moon (1986), cada membro ou paı́s participante tinha a res-


ponsabilidade de enviar à conferência três delegados: um matemático,
um educador da área de Matemática ou uma pessoa encarregada de

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Tendências em Educação Matemática

Matemática no Ministério da Educação, e um professor de Matemática


do ensino secundário.
Durante a conferência, o matemático francês Dieudonné sugeriu al-
guns tópicos que, para ele, deveriam constar em um currı́culo de Ma-
temática. Segundo Soares (2008), entre as sugestões estavam o estudo
de matrizes e determinantes, funções de uma variável, a construção de
gráficos de funções (usando derivadas), números complexos e coordena-
das polares.
Ao fim da conferência, o grupo concluiu que:

(a) o que se necessita não é um programa de álgebra separado dos


outros de aritmética, de geometria, de trigonometria e de análise,
e sim um programa que combine os conteúdos daqueles dando
unidade a Matemática. Os conceitos fundamentais são os de con-
junto, relação, função e operação; as estruturas fundamentais são
as de grupo, anel, corpo e espaço vetorial; (b) o simbolismo mo-
derno para conjuntos, relações e aplicações deve adotar-se tão
logo seja possı́vel, e sua aplicação deve ser feita de um modo coe-
rente e contı́nuo; (c) grande parte da álgebra tradicional, de pouca
ou nenhuma aplicação no estudo posterior de Matemática, deve
ser eliminada. (d) a geometria euclidiana tradicional ou sintética
deve ser modificada em grande parte, e até eliminada, em favor
de outros métodos de estudo do espaço; (e) deve-se eliminar o
curso separado de trigonometria, e seu conteúdo deve incorporar-
se aos programas de álgebra, de geometria e de análise. Oferecida
desta maneira passa a ser uma parte da Matemática unificada;
(f) em análise, o estudo das desigualdades, limites, diferenciação,
integração e funções, deve ser parte da Matemática do ensino se-
cundário. A maneira de abordar este estudo não tem porque ser
rigorosa ao extremo, pode fazer-se intuitiva e correta. A ênfase
deve estar nas técnicas de cálculo, apoiadas na compreensão da
teoria em que se baseia; (g) a probabilidade e a inferência es-
tatı́stica, juntamente com a análise combinatória do ponto de
vista dos conjuntos, de funções de conjuntos e espaços amostrais
constitui um novo campo muito apropriado para ser tratado na
escola secundária. (FEHR, 1971, p. 9-10).

A Conferência de Royaumont mobilizou a criação de um movimento


de cunho educacional denominado Movimento da Matemática Moderna
(MMM). Na verdade, esse movimento já havia se pronunciado no inı́cio
do século XX com a IMUK, uma vez que as preocupações com as mu-
danças no ensino de matemática já se mostravam presentes no Con-
gresso Internacional de Matemáticos ocorrido em Roma, em 1908. Deste
modo, poderı́amos dizer que o MMM teve duas fases.
A primeira foi marcada pelas discussões iniciadas no final do século
XIX e durou até o inı́cio da I Guerra Mundial. Nela se deu a fundação
da IMUK, composta por professores de matemática que defendiam as

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Aula 1. Educação Matemática: fundamentos e tendências

idéias de modernização dessa disciplina e que tinha como meta principal


estruturar as idéias discutidas pelos seus membros.
Na segunda fase, as discussões foram retomadas. Porém, devido às
duas guerras mundiais, apenas a partir de 1960 que o movimento se
disseminou com mais intensidade.
No Brasil, o MMM teve inı́cio em 1960. Vários grupos de profes-
sores se formaram nesse perı́odo em diversas regiões do Brasil com o
objetivo de conhecer, estudar e aplicar a nova proposta. Alguns, como
o GEEM (Grupo de Estudo do Ensino de Matemática), de São Paulo, e
o NEDEM (Núcleo de Estudo e Difusão do Ensino da Matemática), do
Paraná, deram aulas e treinamentos a outros professores e publicaram
coleções de livros didáticos de ”Matemática Moderna”.
Antes que você se pergunte em que essa matemática era tão moderna,
vale mencionar que para Osvaldo Sangiorgi, um dos expoentes do MMM
no Brasil, esse termo lhe parecia indevido.

Aliás, o nome Matemática Moderna apresenta-se, a rigor, indevi-


damente, pois, na realidade, não se objetiva ensinar um programa
completamente diferente daqueles tradicionalmente conhecidos.
O que se deseja essencialmente com modernos programas de Ma-
temática (e esta seria a expressão mais aconselhada) é moder-
nizar a linguagem dos assuntos considerados imprescindı́veis na
formação do jovem estudante, usando os conceitos de conjunto e
estruturas (SANGIORGI, 1962, p. 2 apud PINTO, FISCHER e
MONTEIRO, 2011, p. 104).

Muitos pesquisadores acreditam que o lançamento do satélite soviético


Sputnik, em 1957, tenha sido o fator desencadeador do surgimento do
MMM (MIORIM, 1998). Entretanto, há outros que discordam desse
ponto de vista. No Brasil, vivia-se um perı́odo de transição das bases
econômica e polı́tica. O paı́s passava de uma economia de base agro-
pecuária para uma economia de base industrial com uma polı́tica de
abertura ao capital estrangeiro. Dentro desse cenário, todos os discursos
polı́ticos estavam voltados para a ideia de modernização e de desenvol-
vimentismo, mesmo com o paı́s apresentando muitos problemas sociais
graves, em plena ditadura. Como havia pouquı́ssimos profissionais ha-
bilitados para o ensino de matemática atuando em sala de aula (LIMA,
2006), é fácil compreender a abrangência do MMM naquele momento.

14
Tendências em Educação Matemática

A nova preocupação em modernizar o ensino de Matemática, en-


tretanto, teria sido originalmente motivada por acontecimentos
ocorridos fora do campo cientı́fico-tecnológico, mas a ele total-
mente vinculados. [...] Durante os primeiros anos da década de
50, vários projetos começaram a ser desenvolvidos, tendo em vista
a melhoria do ensino secundário, especialmente por meio da ade-
quação à realidade da universidade e aos avanços tecnológicos.
Mas foi um fato não ligado diretamente à situação escolar dos
Estados Unidos que acabou acelerando as propostas pedagógicas
americanas e desencadeando um movimento internacional de mo-
dernização. O lançamento, em 1957, do primeiro foguete soviético
– o Sputnik – levou o governo americano a tomar consciência de
que, para resolver o problema da clara desvantagem tecnológica
existente em relação aos russos, era necessário repensar o ensino
de matemática e o de ciências (MIORIM, 1998, p. 108).

Se por um lado, a matemática ensinada antes nas escolas carecia de


ser melhor fundamentada, na proposta do MMM ela era abstrata demais
comparada ao grau de maturidade dos alunos. Em outras palavras, não
era fácil acompanhar o que os professores ensinavam. Assim, não é de
se estranhar que o MMM tenha tido curta duração no paı́s. Seu apogeu
se deu entre os anos de 1960 e 1980, sendo que, já na década de 1970,
o movimento começou a perder apoio tanto internacionalmente, quanto
no Brasil. Um dos fatores que contribuı́ram para a intensificação das
crı́ticas nacionais ao MMM foi a publicação, em 1976, do livro O fracasso
da Matemática Moderna, uma tradução de Why Johnny can´t add: The
Failure of the New Math, originalmente lançado, em 1973, pelo professor
estadunidense Morris Kline, um dos maiores combatentes dos exageros
existentes nas propostas do MMM, desde o inı́cio dos anos 70.

Atividade 4
Nessa seção você pôde acompanhar o quanto a reforma curricu-
lar da matemática ocupou espaço nas discussões organizadas por ma-
temáticos e professores dessa área nas duas metades do século XX. Você
também deve ter notado que os currı́culos não são isentos de interesses
econômicos. Na sua opinião, o currı́culo é também um assunto polı́tico?
Discurse a esse respeito em uma roda de conversa com seu(sua) profes-
sor(a) e colegas. Aproveite esse momento para também debater so-
bre o que você considera mais relevante e menos relevante nos atuais
currı́culos de matemática para os ensinos fundamental e médio.

Tendências em Educação Matemática

Antes de darmos inı́cio a esta seção, tentemos elucidar o signifi-


cado da palavra ”tendência”dentro do escopo da Educação Matemática.

15
Aula 1. Educação Matemática: fundamentos e tendências

Uma tendência pode ser entendida como uma inclinação ou preferência


por determinadas questões ou ações. Como o conhecimento é um ente
histórico, as inclinações humanas podem sofrer alterações com o tempo.
Em particular, as que se relacionam com a temática da educação. Por
exemplo, na seção anterior vimos que o Movimento da Matemática Mo-
derna apresentava inclinações pautadas na corrente formalista da Ma-
temática. Dentro dessa inclinação, as questões culturais são deixadas
de lado e a ênfase do ensino é colocada na linguagem. Mas, será que
uma mesma linguagem pode fazer sentido dentro de diferentes culturas?
Para ilustrarmos bem a complexidade dessa pergunta, poderı́amos citar
o ensino de Matemática Financeira numa escola indı́gena. Sabendo-se
que em muitas dessas culturas, a economia se baseia muito mais em
troca do que em lucro, como você imagina que um indı́gena entenderia
o conceito de lucro? Você crê que isso lhe seria muito óbvio? Parece
claro que, se a construção do conhecimento matemático se faz por meio
de uma linguagem simbólica e formal bem aceita por todos, o mesmo
não se pode dizer sobre o seu ensino. Uma coisa é a disciplina que se
ensina. Outra é o ensino dela. É preciso saber diferenciá-los.
Fiorentini (1995) categorizou, por meio de uma análise histórica do
ensino de matemática ao longo dos anos, as seguintes tendências na
Educação Matemática: empı́rico-ativista, formalista-moderna, tecni-
cista e suas variações, construtivista, histórico-crı́tica e socioetnocultura-
lista. Para identificar cada uma delas, o pesquisador utilizou como
critérios a concepção sobre o ensino-aprendizagem da Matemática, as
finalidades e os valores atribuı́dos ao seu ensino e a relação professor-
aluno. Falemos brevemente sobre cada uma delas.
Na tendência empı́rico-ativista (década de 30), a matemática é ensi-
nada pelos seus valores utilitários, suas relações com as outras ciências
e suas aplicações para resolver problemas do cotidiano. Utilizam-se ati-
vidades experimentais baseadas na resolução de problemas e no método
cientı́fico, acreditando-se que um aluno só aprende ”fazendo”.
Já na tendência formalista-moderna (décadas de 60 e 70), a ênfase se
concentra no uso da linguagem, do rigor e das justificativas. O ensino é
centrado no professor e não há interesse nas aplicações práticas daquilo
que se aprende.
Na tendência tecnicista, os conteúdos são apresentados como uma
instrução programada. Os recursos e as técnicas de ensino são o centro
do processo de ensino-aprendizagem, no qual alunos e professores são
meros executores de planos de aulas desenvolvidos por ”especialistas”.
Por outro lado, na tendência construtivista o conhecimento ma-
temático é considerado um produto da ação interativa-reflexiva dos in-
divı́duos com o meio social em que vivem. O foco está no ”aprender a
aprender”, isto é, no desenvolvimento do pensamento lógico-formal.

16
Tendências em Educação Matemática

A tendência histórico-crı́tica é aquela que se foca numa aprendi-


zagem em que o aluno deva atribuir sentidos e significados às idéias
matemáticas e sobre elas seja capaz de refletir crı́tica e analiticamente.
A tendência socioetnocultural tem como ênfase as questões de or-
dem antropológica, social e polı́tica da Matemática e da Educação Ma-
temática. Há um maior interesse por problemas da realidade, inseridos
dentro das diversidades cultural e social dos alunos.
Além de Fiorentini (1995), outros autores também apresentaram
classificações quanto às tendências em Educação Matemática. Carvalho
(1994) as considera como linhas de pesquisa em Educação Matemática,
tais como: resolução de problemas, informática e Educação Matemática
(de forma mais ampla: tecnologias) e etnomatemática. Já para Bicudo,
Viana e Penteado (2001), as tendências seriam diretrizes de pesquisa
como a visão histórica da Matemática, a ideologia presente nos discursos
matemáticos (linguagem matemática) e a etnomatemática. Para Lopes
e Borba (1994), tendências são formas de se trabalhar o ensino para so-
lucionar as questões colocados pela Educação Matemática. Como exem-
plos de tendências, eles apresentam a Educação Matemática Crı́tica, a
etnomatemática, a modelagem matemática, o uso de computadores e a
escrita na matemática.
Ao longo do curso, estudaremos com mais detalhes essas e outras
tendências em Educação Matemática.

Atividade Final

No ensino fundamental você ”aprendeu”que o gráfico de uma função


quadrática f era uma parábola. De um modo geral, um(a) professor(a)
lhe pedia para determinar alguns pares ordenados (x, f (x) e automatca-
mente você era conduzido a ligá-los no plano cartesiano formando uma
parábola. Entretanto, pense bem: por que tais pontos não poderiam
se ligar seguindo uma outra curva? Reflita sobre isso e, usando o Ge-
ogebra, construa o gráfico de alguma função quadrática. Debata com
seu(sua) professor(a) e colegas sobre as vantagens do uso de tecnologias
no ensino da matemática. Ah, e sinta-se à vontade para dar outros
exemplos, viu?

Conclusão

O ensino, seja em que área for, envolve questões:

1. filosóficas (Quais os objetivos do ensino para a formação do ho-


mem? Qual a necessidade do conhecimento para o homem? Existe
algum conhecimento que seja necessário a todos os homens?);

17
Aula 1. Educação Matemática: fundamentos e tendências

2. epistemológicas (Como se dá a construção do conhecimento e em


que ela se baseia?);
3. psicológicas (relação aluno-professor, teorias de aprendizagem, neu-
rociência);
4. pedagógicas (currı́culo, avaliação, metodologias, didática, gerência
e estrutura escolares);
5. culturais (Para quem se ensina?);
6. históricas (O conhecimento não é estático: pode ser aprimorado
com o tempo, modificado com o tempo e até descartado por meio
de novas descobertas - o homem age sobre o mundo e tanto o
homem quanto o mundo modificam-se ao longo do tempo);
7. econômicas (Em que se pode aplicar o conhecimento?);
8. éticas (Como aplicar um conhecimento de maneira sustentável?
Deve o conhecimento ser aplicado na produção de armas quı́micas?);
9. polı́ticas (Como o conhecimento modifica a postura do homem
diante da sociedade e de si mesmo? No campo do Direito: deve-
ria o acesso ao conhecimento ser um dever exclusivo do estado?
Como evitar interferências de grupos empresariais na autonomia
das instituições de ensino?).

Embora a Matemática e o seu ensino sejam assuntos interligados,


eles não correspondem às mesmas áreas de pesquisa. A Educação Ma-
temática faz seu corpo de estudo pautada nas questões do ensino e,
portanto, consitui-se em uma área de pesquisa bastante abrangente e
dinâmica, além de multifacetada. Não obstante, inúmeras foram e são
as suas tendências, uma vez que a Educação é uma área fortemente
influenciada por pautas também inerentes a outras ciências.

Resumo da aula

Começamos esta aula apresentando-lhe implicitamente a seguinte


pergunta: o que está havendo com o ensino da matemática, que em
vez de ensinar as pessoas a pensarem criticamente, mais as tem en-
sinado a obedecer a regras que, quase sempre, não lhes são justifica-
das? Por que se aprende Matemática?, eis uma importante questão
que merece ser bem respondida. E a resposta para essa pergunta é,
na verdade, bastante simples: aprende-se matemática para se apren-
der a pensar! Em Matemática, conjecturam-se afirmações, formulam-
se hipóteses, organizam-se dados, criam-se estratégias para a solução
de problemas, testam-se essas estratégias, verificam-se os erros come-
tidos, busca-se compreender a causa dos erros e o que deve ser feito

18
Tendências em Educação Matemática

ou construı́do para que se resolva o problema desejado. A Matemática


é, essencialmente, uma disciplina que desafia a mente e a obriga a ser
mais criativa na elaboração de soluções. Mas, você acha que o ensino
da matemática tem contribuı́do para o desenvolvimento de tais habili-
dades, indispensáveis à vida de todo ser humano? Eu imagino que sua
resposta seja não. Deste modo, devemos concluir que é preciso repensar
o seu ensino no Brasil e no mundo. A partir disso, buscamos no texto
elucidar que concepções poderı́amos ter acerca da Matemática. Assim,
almejamos mostrar-lhe que as visões epistemológicas a respeito do co-
nhecimento matemático influenciaram e influenciam a maneira como ela
é ensinada. Em seguida, fizemos um breve relato sobre o sugimento da
Educação Matemática como uma área de pesquisa e em que contexto
isso se deu. Apresentamos, por fim, as principais preocupações dos ma-
temáticos e professores de matemática do século XX no que tange ao
seu currı́culo no ensino básico e uma sı́ntese das principais tendências
que têm surgido na área da Educação Matemática.

Informações sobre a próxima aula

Dando prosseguimento às questões relativas ao ensino-aprendizagem


de matemática, na próxima aula debateremos sobre a formação dos
professores que a ensinam. Em particular, discorreremos acerca dos
saberes docentes. Aguardo você e até breve!

Leituras recomendadas

PLATÃO. A República. 7. ed. Trad. Maria Helena da Rocha Pereira.


Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993.
RUSSELL, B.. Introdução à filosofia matemática. Trad. Maria Luiza
X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 2007.
SILVA, J. J..Filosofias da matemática. São Paulo: Editora Unesp/Fapesp,
2007.

Referências

ALVES, A. M. M; SILVEIRA, D. N.. Uma leitura sobre as origens do


Movimento da Matemática Moderna (MMM) no Brasil.Tópicos Educa-
cionais, nº 2, 2016, p. 6-17.
ARAÚJO, J. L.; BORBA, M. C. (orgs). Pesquisa qualitativa em Educação
Matemática. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

19
Aula 1. Educação Matemática: fundamentos e tendências

BICUDO, M. A. V.; VIANA, C.C.S.; PENTEADO, M.G.. Consi-


derações sobre o Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática
da Universidade Estadual Paulista (UNESP, Rio Claro).Bolema, Rio
Claro, n. 15, 2001, p. 104-137.
CARVALHO, J. P.. Avaliação e perspectiva na área de ensino de ma-
temática no Brasil. Em Aberto, Brası́lia, n. 62, 1994, p. 74-88.
FEHR, H. F.; CAMP, J.; KELLOG, H. (Org.). La revolution en las
matemáticas escolares (segunda fase). Buenos Aires: OEA, 1971.
FIORENTINI, D.. Alguns modos de ver e conceber o ensino da ma-
temática no Brasil. Zetetike, ano 3, nº 4, 1995, p. 1-37.
GOMES, M. L. M.. Quatro visões iluministas sobre a educação ma-
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Editora da Unicamp, 2008.
HOWSON, A. G.. Seventy-five years of the international commission
on mathematical instruction. Educational Studies in Mathematics, Dor-
drecht, v. 15, n. 1, p. 75-93, 1984.
LIMA, F. R.. Grupo de Estudo do Ensino de Matemática – GEEM:
Formação de Professores e o Movimento da Matemática Moderna no
Brasil. Dissertação de Mestrado. Pontifı́cia Universidade Católica de
São Paulo, 2006.
LOPES, A. R. L. V.; BORBA, M. C.. Tendências em educação ma-
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MCLELLAN, J.A.; DEWEY, John.. The psychology of number and its
application to methods of teaching arithmetic. International education
series. Vol XXXIII. New York: D. Appleton and Company, 1895.
MIORIM, M. A.. Introdução a História da Matemática. São Paulo, SP:
Atual, 1998.
MONDINI, F.. O logicismo, o formalismo e o intuicionismo e seus
diferentes modos de pensar a Matemática. XII EBRABEM, 2008.
MOON, B.. The ‘New Maths’ curriculum controversy: an international
story.London: Falmer Press, 1986.
PINTO, N. B.; FISCHER, M. C. B.; MONTEIRO, C.. A formação de
professores em tempos de uma revolução curricular. In: OLIVEIRA,
Maria Cristina de Araújo; LEME DA SILVA, Maria Célia e VALENTE,
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SOARES, F.. Ensino de Matemática e Matemática Moderna em con-
gressos no Brasil e no mundo. Revista Diálogo Educacional, vol. 8, nº
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