Você está na página 1de 24

Mestrado Integrado em Medicina Veterinária

Ciências Veterinárias

Dissertação de Mestrado

Acupunctura em neurologia veterinária de animais de companhia

Cristina dos Santos Rosa Caetano

W
IE
Orientador:
EV

Professor Doutor Artur Severo Proença Varejão

Co-orientador:
PR

Dr. Fernando Américo de Oliveira Ribeiro Couto

UNIVERSIDADE DE TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO


VILA REAL, 2011
Mestrado Integrado em Medicina Veterinária
Ciências Veterinárias

Dissertação de Mestrado

Acupunctura em neurologia veterinária de animais de companhia

Cristina dos Santos Rosa Caetano

W
IE
Orientador:
EV

Professor Doutor Artur Severo Proença Varejão

Co-orientador:
PR

Dr. Fernando Américo de Oliveira Ribeiro Couto

UNIVERSIDADE DE TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO


VILA REAL, 2011
PR
EV
IE
W
W
IE
EV
PR

"L'art de la médecine consiste à distraire le malade pendant que la nature le guérit."


Voltaire
PR
EV
IE
W
Resumo

A acupunctura é uma forma de terapia baseada na Medicina Tradicional Chinesa, que consiste
na introdução de agulhas finas na pele, desencadeando uma cascata de efeitos fisiológicos
locais, regionais ou sistémicos. Apesar de ser amplamente usada no controlo da dor e na
fisioterapia, ainda é pouco usada como único método de tratamento.
Nesta dissertação são abordados cinco casos clínicos de cães tratados com acupunctura,
diagnosticados com polirradiculoneurite idiopática, espondilomielopatia cervical caudal, hérnia
discal, luxação vertebral e síndrome de cauda equina.
Todos os animais recuperaram parcial ou totalmente. No cão com polirradiculoneurite
idiopática, apesar de ter havido uma melhoria temporária, o resultado foi insatisfatório. A
ineficácia da acupunctura neste caso seria previsível de acordo com a literatura consultada.
Apesar da casuística reduzida e heterogénea, concluiu-se que a acupunctura pode ser eficaz

W
como tratamento de doenças neurológicas, especialmente nas que provocam compressão da
medula espinhal e como alternativa à descompressão cirúrgica.
IE
EV

Abstract

Acupuncture is a type of therapy based on Traditional Chinese Medicine. It consists of inserting


PR

fine needles through the skin, triggering a cascade of local, regional and sistemic physiological
effects. Despite being widely used for pain control and physical therapy, it is still fairly used as
the sole treatment.
In this essay, we addressed five clinical cases of dogs treated with acupuncture. The dogs were
diagnosed with idiopathic polyrradiculoneuritis, caudal cervical spondylomielopathy,
intravertebral disc herniation, vertebral luxation and cauda equina syndrome.
All animals recovered parcially or completely. In one dog, with idiopathic polyrradiculoneuritis,
although there was a temporary recovery, the results were unsatisfying. The ineffectiveness of
acupuncture in this case was predictible according to the literature.
Even though the casuistry was small and heterogeneous, we conclude that acupuncture can be
an effective treatement for neurological diseases, especially in those causing spinal cord
compression and as an alternative to surgical decompression.

v
PR
EV
IE
W
Índice Geral

Resumo ............................................................................................................................................................ v
Abstract ............................................................................................................................................................ vi
Índice Geral ...................................................................................................................................................... vii
Índice de Figuras .............................................................................................................................................. x
Índice de Quadros ............................................................................................................................................ xi
Lista de Siglas e Abreviaturas .......................................................................................................................... xii
Código alfabético dos meridianos .................................................................................................................... xii
Agradecimentos ............................................................................................................................................... xiii

INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................. 1

REVISÃO DA LITERATURA CIENTÍFICA ....................................................................................................... 3


1. História da acupunctura ............................................................................................................................... 3

W
1.1. História da acupunctura veterinária ................................................................................................ 4
2. Princípios da Medicina Tradicional Chinesa ................................................................................................ 7
2.1. Yin e Yang ....................................................................................................................................... 7
IE
2.2. Cinco Fases ou Cinco Movimentos ................................................................................................ 8
2.3. Substâncias básicas ....................................................................................................................... 9
2.4. Órgãos Zang Fu .............................................................................................................................. 10
EV

2.5. Acupontos ....................................................................................................................................... 11


2.6. Meridianos ...................................................................................................................................... 14
2.7. Deqi ................................................................................................................................................. 14
2.8. Nomenclatura .................................................................................................................................. 15
2.9. Causas de doença .......................................................................................................................... 15
PR

2.10. Exame físico de Medicina Veterinária Tradicional Chinesa .......................................................... 16


3. Formas de acupunctura ............................................................................................................................... 18
3.1. Acupunctura com agulha seca ........................................................................................................ 18
3.2. Moxabustão .................................................................................................................................... 19
3.3. Aquapunctura e farmacopunctura ................................................................................................... 20
3.4. Pneumoacupunctura ....................................................................................................................... 20
3.5. Acupressão ..................................................................................................................................... 21
3.6. Implantes ........................................................................................................................................ 21
3.7. Auriculopunctura ............................................................................................................................. 22
3.8. Ventosa de vácuo ........................................................................................................................... 22
3.9. Hemoacupunctura ........................................................................................................................... 23
3.10. Electroacupunctura ....................................................................................................................... 23
3.11. Laser ............................................................................................................................................. 24
3.12. Outros métodos de estimulação .................................................................................................. 24

vii
4. Efeitos e mecanismos de acção da acupunctura ......................................................................................... 25
4.1. Efeitos locais ................................................................................................................................... 25
4.2. Efeitos gerais e sistémicos ............................................................................................................. 26
4.3. Mecanismo somato-visceral ........................................................................................................... 27
4.4. Efeito anti-inflamatório .................................................................................................................... 29
4.5. Analgesia ........................................................................................................................................ 29
5. Utilização da acupunctura veterinária na prática clínica .............................................................................. 32
5.1. Acupunctura em neurologia veterinária .......................................................................................... 34
5.1.1. Doença vascular cerebral .................................................................................................. 34
5.1.2. Epilepsia ............................................................................................................................ 35
5.1.3. Paralisia ............................................................................................................................. 36
5.1.3.1. Paralisia como sequela da esgana ......................................................................... 37
5.1.4. Doenças do disco intervertebral e da medula espinhal ..................................................... 37
5.1.5. Regeneração nervosa periférica ........................................................................................ 39
5.1.6. Outras doenças neurológicas ............................................................................................ 40

W
5.2. Referenciação de casos clínicos para tratamento com acupunctura ............................................. 42

MATERIAIS E MÉTODOS ............................................................................................................................... 43


IE
CASOS CLÍNICOS ........................................................................................................................................... 44
1. Apresentação dos casos clínicos ................................................................................................................. 44
EV

1.1. Caso clínico nº 1 ............................................................................................................................. 44


1.2. Caso clínico nº 2 ............................................................................................................................. 47
1.3. Caso clínico nº 3 ............................................................................................................................. 49
1.4. Caso clínico nº 4 ............................................................................................................................. 51
PR

1.5. Caso clínico nº 5 ............................................................................................................................. 51


2. Discussão dos casos clínicos ...................................................................................................................... 52
2.1. Caso clínico nº 1 ............................................................................................................................. 52
2.2. Caso clínico nº 2 ............................................................................................................................. 57
2.3. Caso clínico nº 3 ............................................................................................................................. 63
2.4. Caso clínico nº 4 ............................................................................................................................. 71
2.5. Caso clínico nº 5 ............................................................................................................................. 75

CONCLUSÕES ................................................................................................................................................ 82

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................................................. 85

ANEXOS .......................................................................................................................................................... 95
Anexo I. Artigo editorial publicado no jornal The Lancet, a 9 de Novembro de 1823, intitulado
Acupuncturation ............................................................................................................................................... 95
Anexo II. Lista dos médicos veterinários ocidentais pioneiros na acupunctura veterinária e suas áreas de
investigação ..................................................................................................................................................... 97
Anexo III. Características Yang e Yin .............................................................................................................. 98
Anexo IV. Características segundo a teoria das Cinco Fases ........................................................................ 99

viii
Anexo V. Classificação dos animais segundo a teoria das Cinco Fases ....................................................... 100
Anexo VI. Funções dos órgãos Zang Fu ........................................................................................................ 102
Anexo VII. Trajecto dos doze meridianos regulares e dos dois meridianos extraordinários principais .......... 104
Anexo VIII. Ficha de exame de Medicina Veterinária Tradicional Chinesa ..................................................... 105
Anexo IX. Ficha de tratamento de acupunctura .............................................................................................. 112
Anexo X. Exame da língua na MVTC .............................................................................................................. 113
Anexo XI. Exame do pulso na MVTC .............................................................................................................. 114
Anexo XII. Reacções locais desencadeadas pela acupunctura e seus mediadores ...................................... 115
Anexo XIII. Interacções fisiológicas desencadeadas pela estimulação com agulha ....................................... 116
Anexo XIV. Localização dos principais acupontos utilizados nos casos clínicos ........................................... 117
Anexo XV. Plano de tratamento do caso clínico nº 1 ...................................................................................... 123
Anexo XVI. Plano de tratamento do caso clínico nº 2 ..................................................................................... 127
Anexo XVII. Plano de tratamento do caso clínico nº 3 .................................................................................... 130
Anexo XVIII. Plano de tratamento do caso clínico nº 4 ................................................................................... 133
Anexo XIX. Plano de tratamento do caso clínico nº 5 ..................................................................................... 135

W
IE
EV
PR

ix
Índice de Figuras

Figura 1. Símbolo Tai Ji que representa as interrelações entre Yin e Yang ................................................... 7
Figura 2. Equilíbrio e desequilíbrio entre Yin e Yang ..................................................................................... 8
Figura 3. Ciclo Sheng ou de promoção .......................................................................................................... 9
Figura 4. Ciclo Ke ou de inibição ................................................................................................................... 9
Figura 5. Diagrama das medidas em cun no cão e no homem ..................................................................... 13
Figura 6. Agulhas de acupunctura esterilizadas descartáveis de aço inoxidável .......................................... 19
Figura 7. Cilindro de moxa para moxabustão indirecta .................................................................................. 19
Figura 8. Moxabustão indirecta ...................................................................................................................... 19
Figura 9. Sedação por farmacopunctura com acepromazina no ponto Yin Tang .......................................... 20
Figura 10. Aspecto radiográfico dos implantes de ouro para tratamento de displasia da anca .................... 21
Figura 11. Materiais disponíveis comercialmente para a prática de auriculoterapia ...................................... 22
Figura 12. Aparelho de electroacupunctura portátil, com regulação da intensidade, frequência, modo e
tipo de corrente ............................................................................................................................................... 23

W
Figura 13. Ligação do aparelho de electroacupunctura à agulha através de pinça de crocodilo .................. 23
Figura 14. Dispositivo portátil de emissão laser com três modos .................................................................. 24
Figura 15. Modelo de integração víscero-somática ....................................................................................... 28
IE
Figura 16. Circuitos centrais envolvidos na mediação da analgesia por acupunctura através do sistema
endógeno de opióides ..................................................................................................................................... 31
Figura 17. Contenção com açaime durante as sessões de acupunctura ...................................................... 46
Figura 18. Aspecto da língua ......................................................................................................................... 48
EV

Figura 19. Palpação dos pontos Shu na região paravertebral ....................................................................... 48


Figura 20. Pormenor do exame mielográfico na projecção ventrodorsal ....................................................... 50
Figura 21. Pormenor do exame mielográfico na projecção lateral ................................................................. 50
Figura 22. Pormenor do exame radiográfico na projecção lateral ................................................................. 52
PR

Figura 23. Pormenor do exame radiográfico na projecção ventrodorsal ....................................................... 52


Figura 24. Possíveis efeitos da electroacupunctura no tratamento do traumatismo da medula espinhal ..... 79
Figura 25. Aspecto da língua nos padrões de doença mais frequentes ........................................................ 113
Figura 26. Avaliação do pulso por palpação digital da artéria femoral .......................................................... 114
Figura 27. Interacções fisiológicas desencadeadas pela acupunctura .......................................................... 116
Figura 28. Medição de cun na extremidade do membro torácico .................................................................. 117
Figura 29. Vista dorsal da coluna vertebral .................................................................................................... 117
Figura 30. Vista dorsal da coluna vertebral .................................................................................................... 118
Figura 31. Vista lateral de corpo inteiro ........................................................................................................ 118
Figura 32. Pormenor da região nasal ............................................................................................................. 119
Figura 33. Pormenor da região anal .............................................................................................................. 119
Figura 34. Região umbilical no abdómen ventral ........................................................................................... 119
Figura 35. Face lateral do membro torácico esquerdo .................................................................................. 120
Figura 36. Face medial do membro torácico esquerdo .................................................................................. 120
Figura 37. Face lateral do membro pélvico direito ......................................................................................... 121
Figura 38. Face lateral do membro pélvico direito ......................................................................................... 121
Figura 39. Superfície plantar do membro pélvico .......................................................................................... 122
Figura 40. Face medial do membro pélvico esquerdo ................................................................................... 122

x
Índice de Quadros

Quadro 1. Código alfabético dos doze meridianos regulares e dos dois meridianos extraordinários
principais, segundo a nomenclatura internacional da OMS ............................................................................ 15
Quadro 2. Influência dos fármacos na resposta à acupunctura ..................................................................... 26
Quadro 3. Conteúdo de uma cápsula de NEURO® (ANIMO Complexe) ...................................................... 45
Quadro 4. Escala de classificação neurológica nas DDIV e terapias alternativa .......................................... 67
Quadro 5. Áreas de investigação dos primeiros acupuncturistas veterinários ocidentais ............................. 97
Quadro 6. Comparação das características Yang e Yin ................................................................................ 98
Quadro 7. Características segundo a teoria das Cinco Fases ....................................................................... 99
Quadro 8. Função dos órgãos Zang na fisiologia da MTC ........................................................................... 102
Quadro 9. Função dos órgãos Fu na fisiologia da MTC ............................................................................... 103
Quadro 10. Alterações do aspecto da língua e respectiva interpretação pela MVTC ................................... 113
Quadro 11. Características do pulso e sua interpretação pela MVTC ........................................................... 114
Quadro 12. Reacções locais desencadeadas pela acupunctura e mediadores envolvidos .......................... 115

W
Quadro 13. Localização da colocação dos eléctrodos de electroacupunctura no tratamento do caso
clínico nº 1 ...................................................................................................................................................... 124
Quadro 14. Acupontos utilizados com maior frequência no tratamento do caso clínico nº 1 ........................ 125
IE
Quadro 15. Localização da colocação dos eléctrodos de electroacupunctura no tratamento do caso
clínico nº 2 ...................................................................................................................................................... 127
Quadro 16. Acupontos utilizados com maior frequência no tratamento do caso clínico nº 2 ........................ 128
EV

Quadro 17. Localização da colocação dos eléctrodos de electroacupunctura no tratamento do caso


clínico nº 3 ...................................................................................................................................................... 131
Quadro 18. Acupontos utilizados com maior frequência no tratamento do caso clínico nº 3 ........................ 131
Quadro 19. Localização da colocação dos eléctrodos de electroacupunctura no tratamento do caso
clínico nº 4 ...................................................................................................................................................... 133
PR

Quadro 20. Acupontos utilizados com maior frequência no tratamento do caso clínico nº 4 ........................ 133
Quadro 21. Localização da colocação dos eléctrodos de electroacupunctura no tratamento do caso
clínico nº 5 ...................................................................................................................................................... 135
Quadro 22. Acupontos utilizados com maior frequência no tratamento do caso clínico nº 5 ........................ 135

xi
Lista de Siglas e Abreviaturas

ACTH Hormona adrenocorticotrófica mV Milivolt


AVC Acidente vascular cerebral MVCA Medicina veterinária complementar e
CGRP Péptido relacionado com o gene da alternativa
calcitonina MVTC Medicina veterinária tradicional chinesa
COPD Doença pulmonar obstructiva crónica mW Miliwatt
COX-2 Ciclooxigenase-2 NAVA National Association of Veterinary
DDIV Doença de disco intervertebral Acupuncture
EA Electroacupunctura NGF Factor de crescimento neural
GABA Acido gama-aminobutírico nm Nanómetro
GBS Síndrome de Landry-Guillain-Barré NT Neurotrofina
HLC Hormona libertadora da corticotrofina OMS Organização Mundial de Saúde
Hz Hertz PGE2 Prostaglandina E2
IL Interleucina RM Ressonância Magnética

W
iNOS Enzima óxido nítrico sintase induzida SNA Sistema nervoso autónomo
IV Intervertebral SNC Sistema nervoso central
IVAS International Veterinary Acupuncture Society SNP Sistema nervoso periférico
IE
Kg Quilograma SSMP Succinato sódico de metilprednisolona
ON Óxido nítrico TC Tomografia axial computadorizada
ME Medula espinhal TENS Neuroestimulação eléctrica transcutânea
mg Miligrama TGF-! Factor beta de transformação do
EV

mm Milímetro crescimento
MMM Miosite dos músculos mastigadores TNF Factor de necrose tumoral
MP Membro pélvico TrK Receptor tropomiosina cinase
MT Membro torácico VIP Péptido intestinal vasoactivo
PR

MTC Medicina tradicional chinesa

Código alfabético dos meridianos

BL Bexiga LR Fígado
CV Vaso da Concepção LU Pulmão
GB Vesícula Biliar PC Pericárdio
GV Vaso Governador SI Intestino Delgado
HT Coração SP Baço
KI Rim ST Estômago
LI Intestino Grosso TE Triplo Aquecedor

xii
Agradecimentos

Ao Professor Doutor Artur Varejão pelo privilégio de ter aceite ser o Orientador desta
dissertação. Agradeço o seu apoio, os conhecimentos, a simpatia e a confiança que depositou
nesta minha aventura pelo mundo desconhecido da acupunctura.

Ao Dr. Fernando Couto, pela disponibilidade em me receber e em partilhar comigo a sua vasta
experiência e conhecimento na área da Medicina Veterinária Tradicional Chinesa. Agradeço a
simpatia, a amizade, a informação que disponibilizou e todo o conhecimento que, como diz um
provérbio chinês, "lhe roubei".

À Dra. Isabel Leite e à Dra. Ana Paula Domingues por me terem recebido na clínica Oficina dos
Animais, pela disponibilidade, apoio e pela simpatia. Agradeço a amizade, a confiança, os

W
conhecimentos que me transmitiram e acima de tudo a possibilidade que me proporcionaram
de adquirir uma experiência prática riquíssima.
IE
À Júlia e à Milena pela enorme simpatia e amizade. Agradeço a ajuda e a boa disposição com
que tornaram a minha passagem pela clínica uma experiência tão agradável.
EV

À Dra. Ana Neves e à Dra. Susana Sampaio, por me terem recebido na clínica Cliniczoo.
Agradeço a simpatia e a disponibilidade.
PR

Aos meus amigos por me aturarem ao longo destes anos, sempre com amizade, boa
disposição e palavras sábias e menos sábias.

Aos meus pais, por tudo! Agradeço o apoio incondicional que sempre me deram, os valores
que me transmitiram, o incentivo, a ajuda, os mimos e os sonhos que me permitiram realizar.
Agradeço ao meu mano, que mesmo a quilómetros de distância, ajudou a construir a pessoa
em que me tornei.

Ao Tobias, por ter sido um modelo exemplar de cão rafeiro, velhote e gordo.

A todos, Muito Obrigada!

xiii
PR
EV
IE
W
INTRODUÇÃO

A escolha deste tema para dissertação, justifica-se por se considerar que a acupunctura pode
ser uma boa alternativa à Medicina Veterinária convencional.
A acupunctura é uma forma de terapia reflexa, na qual o estímulo de um ponto de acupunctura
pela introdução de agulhas finas, produz efeitos fisiológicos locais, regionais ou sistémicos. Em
Medicina Veterinária, a acupunctura tem sido amplamente utilizada no alívio da dor crónica,
reabilitação motora e na redução da atrofia muscular como complemento à fisioterapia. Em
Neurologia, a sua utilização está descrita no tratamento de diversos tipos de paresia e
paralisia, doença do disco intervertebral, traumatismo medular, síndrome de Wobbler, síndrome
da cauda equina, epilepsia e sequelas da esgana. Está também indicada no tratamento de
distúrbios de comportamento, como alternativa ao uso de sedativos e de tranquilizantes.
Com frequência, as principais limitações ao tratamento convencional, principalmente ao

W
tratamento cirúrgico, são os custos associados e a possibilidade de falha do tratamento ou
mesmo de agravamento do estado clínico. A paralisia e a incontinência urinária e/ou fecal são
sinais clínicos frequentes em certas doenças neurológicas e estes sintomas têm grande
IE
impacto no proprietário, de tal modo que muitos optam pela eutanásia dos animais. Um bom
profissional proporá ao proprietário todos os meios possíveis para tratar o seu animal. Para tal
EV

é essencial que o clínico conheça as opções de tratamento disponíveis, e no caso concreto da


acupunctura, que conheça as possíveis indicações e as limitações desta terapia.
A aplicação de acupunctura por um profissional treinado não tem contra-indicações e é pouco
provável que cause efeitos adversos. Na medicina humana os relatos de complicações com
PR

acupunctura são extremamente raros e a incidência de efeitos adversos é substancialmente


inferior à relatada por utilização de fármacos ou outros procedimentos aprovados para as
mesmas doenças.
Na elaboração desta dissertação foi feito o acompanhamento e análise retrospectiva de vários
animais com doenças neurológicas tratados com acupunctura. Foi analisado o processo de
tratamento por acupunctura e a resposta ao mesmo foi comparada com a resposta esperada
aos tratamentos convencionais. Teve como principal objectivo a análise crítica da utilidade da
acupunctura na prática clínica de neurologia veterinária, como alternativa ou como
complemento terapêutico. São levemente abordados os princípios fundamentais da Medicina
Tradicional Chinesa de modo a enquadrar a acupunctura e apresentados os mecanismos de
acção e os efeitos fisiológicos desencadeados pela acupunctura cientificamente comprovados.
É feita uma abordagem sucinta à aplicação da acupunctura em medicina veterinária e mais
pormenorizada à sua utilização em neurologia veterinária de animais de companhia.
O estágio curricular do qual resultou esta dissertação consistiu no acompanhamento da
actividade de um médico veterinário acupuncturista que desenvolve a sua actividade nos

1
distritos de Aveiro e Coimbra. Com ele dei os primeiros passos na Medicina Veterinária
Tradicional Chinesa, tendo aprendido os conceitos básicos, as particularidades do exame e os
princípios de diagnóstico e tratamento empregues nesta modalidade. Nesse contexto, aprendi
as técnicas usadas em acupunctura veterinária, os tipos de acupontos, a sua localização e os
métodos de estimulação. Acompanhei as consultas de MVTC, as sessões de tratamento de
acupunctura e a evolução do estado clínico dos animais tratados. Assisti ao uso de técnicas de
acupunctura com agulha seca, electroacupunctura, laser, moxabustão, farmacopunctura e
administração de fitoterapia e tive a oportunidade de aplicar, sob supervisão, algumas destas
técnicas em cães.
Como o estágio decorreu numa clínica veterinária de pequenos animais, a Clínica Veterinária
Oficina dos Animais em Mira, acompanhei e participei activamente nas actividades normais de
uma clínica veterinária, nomeadamente nas consultas, vacinações, tratamentos, partos e
eutanásias, assim como nos cuidados de higiene, enfermagem, alimentação e tratamento dos

W
animais internados. Acompanhei e participei na realização dos diversos tipos de exames
complementares e efectuei tarefas como a preparação e administração de vacinas e fármacos,
IE
colocação de micro-chips, colocação de catéteres endovenosos e algaliações. Acompanhei e
auxiliei cirurgias de diversas especialidades, desde a preparação pré-cirúrgica do doente e do
material cirúrgico, à anestesia e analgesia, monitorização e participação activa na cirurgia
EV

propriamente dita. As cirurgias realizadas foram maioritariamente ovariohisterectomias,


orquiectomias, laparotomias, remoção de tumores, mastectomias, cesarianas e cirurgias de
ortopedia (principalmente resolução de fracturas de ossos longos). Tive também a
oportunidade de realizar, sob supervisão, orquiectomias de felinos e ovariohisterectomias de
PR

felinos e canídeos.

2
REVISÃO DA LITERATURA CIENTÍFICA

1. História da Acupunctura

A origem da acupunctura não é consensual. Os documentos históricos sugerem que a


acupunctura e os outros métodos de estimulação semelhantes se desenvolveram por todo o
mundo, em diferentes culturas e sem cruzamento cultural (Lindley e Cummings, 2006).
Independentemente da sua verdadeira origem, foi na China que esta técnica terapêutica foi
incorporada num sistema complexo de medicina, formalizada e descrita detalhadamente. O
sistema de sincretismo adoptado pelos chineses evitou a formação de ramos divergentes
segundo diferentes crenças ou práticas. Nesse contexto, ideias e técnicas provenientes da
Índia, como a teoria das Cinco Fases, foram incorporadas nas teorias da Medicina Tradicional
Chinesa (MTC) e o sistema difundiu-se a outras culturas (Lindley e Cummings, 2006).

W
Na literatura chinesa há referências à utilização de pedras polidas e afiadas (Bian Shi), no
período Neolítico, para puncionar certas partes do corpo (Jaggar e Robinson, 2001), e foram
descobertas agulhas feitas de osso em túmulos neolíticos (Baldry, 2005). No entanto, pensa-se
IE
que estes objectos eram utilizados apenas para abrir e drenar abcessos, e não numa forma
primitiva de acupunctura como foi especulado (Jaggar e Robinson, 2001).
EV

A prática de acupunctura na China aparece ligada ao Taoísmo ou Daoísmo (300 a.C.), vertente
filosófica e religiosa que substituiu a crença de que as doenças eram provocadas por
demónios, trazendo uma visão mais antropocêntrica sobre as doenças e a interacção
Homem-Universo (VanderPloeg e Yi, 2009). O "pai" do Taoísmo, Laotse (circa 500 a.C.)
PR

descreveu a natureza essencial do Tao como uma força abstracta responsável pela criação,
mudança e desenvolvimento de todas as coisas na Natureza. O Tao reúne a polaridade entre
Yin e Yang, conceitos com origem na filosofia do Naturalismo, que representam a dualidade
fundamental existente no mundo natural (Lindley e Cummings, 2006).
A acupunctura foi formalmente reconhecida como prática terapêutica no primeiro texto de
medicina chinesa, "Nei Jing" (O Livro do Imperador Amarelo), datado de 305-204 a.C. (Ma,
1992). Em 259 d.C., foi publicado o "Zhen Jiu Jia Jing" (Clássico de Acupunctura), que continha
o nome e a função de cada ponto de acupunctura (Kayne, 2009). Com o desenvolvimento da
metalurgia, as agulhas de pedra, osso, espinha de peixe e bambu, foram sendo substituídas
por agulhas de metal (bronze, ferro, ouro e prata) de formas variadas, o que permitiu
desenvolver os métodos de acupunctura, potenciar o seu efeito terapêutico e ampliar o
espectro de utilizações (Ma, 1992).
Na Europa, foram os missionários Jesuítas que, no século XVI, introduziram estas práticas
terapêuticas trazidas da China e criaram o termo acupunctura. Willem Ten Rhijne, médico na
Companhia da Índia, foi o primeiro médico ocidental a descrever a acupunctura em 1680,

3
depois de testemunhar tratamentos realizados no Japão (White et al., 2008).
Na primeira metade do século XIX aumentou o interesse nesta terapia, principalmente nos EUA
e Inglaterra e surgiram várias publicações na literatura científica, incluindo um artigo editorial no
The Lancet em 1823 (Anexo I). Berlioz, em 1816, desenvolveu ensaios clínicos em acupunctura
e publicou alguns artigos sobre o tema (White et al., 2008). Em 1863 foi publicado o livro "A
Medicina na China" em Paris, por Pierre Dabry, que incluía uma secção sobre acupunctura
veterinária (Rogers, 1991).
George Soulier de Morant (1878-1955), um diplomata francês que passou vários anos na
China, foi responsável pela reintrodução da acupunctura em França. Ele influenciou
profundamente o estilo de acupunctura ocidental, tendo sido o primeiro a traduzir os textos
chineses sobre acupunctura e publicado a partir de 1939 uma série de tratados sobre o tema
(White et al., 2008). A sua terminologia é ainda hoje utilizada, ainda que com alguma polémica
na escolha dos termos adoptados na tradução (Cassidy, 2002).

W
Nos EUA, a acupunctura tornou-se extremamente popular depois da visita do Presidente Nixon
à China, em 1972, quando um dos jornalistas na comitiva foi tratado com acupunctura no pós-
IE
operatório de uma apendicectomia. O relato da sua experiência suscitou o interesse da
comunidade médica americana (Ceniceros e Brown, 1998). A subsequente publicidade
internacional dada à medicina chinesa, incluindo à acupunctura, despoletou o interesse dos
EV

clínicos e investigadores ocidentais nesta técnica terapêutica.

1.1. História da acupunctura veterinária


PR

Na China, a domesticação de animais data do século XVI a XVII a.C., época em que os
praticantes de medicina tratavam pessoas e animais (Lindley e Cummings, 2006). Os primeiros
tratamentos estavam a cargo dos "sacerdotes de cavalos", que se julgava terem poderes
curativos por apaziguarem os espíritos maléficos que causavam doenças (Klide e Kung, 1977).
O primeiro médico veterinário de que há registo foi Chao Fu, durante o Império de Mu Huang
(947 a 928 a.C.), considerado um perito em doenças dos animais e uma lenda nos livros
clássicos de história e da medicina veterinária (Rogers, 1991). A abordagem distinta à medicina
veterinária surge com a publicação da "Norma de Medicina Veterinária" de Bai-Le (650 a.C.) e
desde então as duas áreas de medicina seguiriam vias separadas (Lindley e Cummings, 2006).
A publicação dos livros "Nei Jing" e "Nan Ching" (Tratado dos Conceitos Difíceis), viria a
influenciar não só a MTC, mas também a medicina veterinária. Pensa-se que estas
publicações, assim como alguns textos sobre doenças dos animais, tenham sido utilizadas
pelos sacerdotes dos cavalos. Nos séculos seguintes houve uma ampla publicação de textos
sobre veterinária e foi formalizada a educação veterinária (Rogers, 1991).
Durante a Dinastia Sung (960 a 1279 d.C.), foi criado o Gabinete de Colecção e Edição, uma

4
entidade governamental responsável pela revisão e correcção dos livros antigos de medicina
publicados até à data. Este governo foi o primeiro a formalizar o armazenamento de fármacos,
que eram fornecidos aos veterinários por funcionários do estado (Klide e Kung, 1977).
Nos anos seguintes, a publicação de textos sobre equinos, bovinos, camelídeos, suínos,
nutrição e lavoura tornou-se frequente. No entanto, apesar de existirem várias escolas ao estilo
ocidental, não existia ainda uma formação nacional de médicos veterinários (Rogers, 1991).
A Escola de Medicina Veterinária de Shangai, privada, surgiu em 1917 e foi pioneira na
educação veterinária formal (Rogers, 1991). Só em 1947 foram fundados os departamentos de
medicina veterinária nas escolas públicas de agricultura, marcando o início da medicina
veterinária moderna na China (Klide e Kung, 1977).
Em 1955 foram reeditados os clássicos sobre equinos e bovinos com terminologia médica
moderna, incluindo o livro "Hsing Yue Ma Ching" (Novo tratado de cavalos e bovinos) por Kim
Chung-Tze, baseado no antigo Tratado do Cavalo. No ano seguinte seriam fundados dois

W
jornais de veterinária, o "Chung-kuo Shou-i-hsueh Tsa-chih" (Jornal Chinês de Medicina
Veterinária) e o "Hsu-mu Shou-i" (Pastores e Medicina Veterinária) (Klide e Kung, 1977).
IE
Três anos depois, a Academia Chinesa de Agricultura patrocinou a primeira Conferência
Nacional de Investigação de Medicina Veterinária Chinesa em Lanchow. Esta iniciativa foi
marcada pela fundação do Instituto de Investigação de Medicina Veterinária Chinesa
EV

(Lanchow) e pela nomeação de um comité responsável pela revisão dos clássicos de


veterinária chineses, japoneses e coreanos. Este foi um período de padronização e de
modificação da prática de medicina veterinária. Os métodos antigos foram reunidos, editados,
aplicados e a sua eficácia foi avaliada. Os métodos com bons resultados eram então usados na
PR

prática clínica e nas escolas de Medicina Veterinária dos Institutos de Agricultura. Aos
estudantes, eram leccionados os métodos chineses e ocidentais (Klide e Kung, 1977).
Entre 1958 e 1972 houve um grande aumento de ensaios clínicos e experimentais sobre a
acupunctura e os seus mecanismos e investigação de novas aplicações desta técnica. Neste
contexto, a acupunctura foi utilizada em analgesia pela primeira vez em 1958 em humanos e,
em 1969, em burros e cavalos (Rogers, 1991).
Em 1972 o Instituto de Medicina Veterinária de Lanchow publicou o "Shou-i Shou-chai" (Manual
de Medicina Veterinária), que combinava os métodos de Medicina Veterinária Tradicional
Chinesa e os ocidentais. Este livro viria a tornar-se o manual de referência para os estudantes
de Medicina Veterinária na China (Klide e Kung, 1977).
Após os trabalhos de Soulier de Morant no início do século XX, alguns veterinários começaram
a utilizar acupunctura durante as décadas de 30 e 40 em França, Alemanha e Áustria, mas
pouco foi publicado acerca dos seus resultados. Na década de 50 surgiram os pioneiros da
acupunctura veterinária no ocidente: Kothbauer (Áustria), Milin (França), Westermayer
(Alemanha) e nos EUA: Altman, Bressler, Cain, Jaggar, Klide, Grady Young, cujas principais
5
áreas de investigação podem ser consultadas no Anexo II. Em 1954 foi publicada a primeira
tese ocidental sobre acupunctura veterinária, por Benard na Escola de Veterinária de Alfort
(Paris) (Rogers, 1991). Na década de 70, foram publicados uma série de ensaios básicos e
clínicos em acupunctura veterinária, desenvolvidos por clínicos, alunos de pós-graduação e
docentes de universidades europeias e americanas (Klide e Kung, 1977).
Nos EUA a acupunctura veterinária foi liderada por duas grandes associações, ambas
fundadas em 1974. Os bons resultados clínicos obtidos no Projecto de Investigação em
Acupunctura Veterinária na Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) em 1973,
contribuíram para a fundação da National Association of Veterinary Acupuncture (NAVA). No
mesmo ano seria fundada a International Veterinary Acupuncture Society (IVAS). Devido à
dificuldade de gerir duas organizações de uma especialidade minoritária, muitos membros da
NAVA juntaram-se à IVAS e a NAVA foi extinta (Rogers, 1991).
Actualmente a IVAS é a maior organização de acupunctura veterinária fora do Oriente, com

W
membros e contactos informais em 38 países. Os seus objectivos incluem a integração plena
da acupunctura nas ciências veterinárias e a padronização da formação internacional. A
IE
associação ministra cursos básicos, nos países que o solicitem, que incluem um exame final
para acreditação pela IVAS como acupuncturistas veterinários. Apenas os médicos veterinários
ou os estudantes finalistas podem frequentar estes cursos e realizar o exame final.
EV

Em Portugal, a acupunctura é abrangida pela Lei do enquadramento base das terapêuticas não
convencionais (Lei 45/2003, de 22 de Agosto), que estabelece o enquadramento da actividade
e do exercício dos profissionais que aplicam as terapêuticas não convencionais, tal como
definidas pela Organização Mundial de Saúde (OMS). No entanto, a lei ainda não foi aplicada e
PR

continuam por definir os parâmetros de creditação, formação e certificação dos profissionais,


assim como a regulamentação do exercício da actividade. Esta lei não especifica os critérios de
regulamentação para a acupunctura veterinária. Nos países da União Europeia com legislação
e regulamentação da acupunctura veterinária, esta é considerada um acto exclusivamente
médico-veterinário. Nos restantes países, a creditação pela IVAS, apesar de ser uma opção
pessoal, contribui para a credibilidade dos profissionais que praticam acupunctura veterinária.

2. Princípios da Medicina Tradicional Chinesa

Acupunctura é a introdução de agulhas finas na pele, em pontos específicos da superfície


corporal. O termo deriva do latim acus (agulha) e pungere (picar). Após a colocação das
agulhas, estas são manipuladas de modo a reequilibrar as energias vitais do organismo
(VanderPloeg e Yi, 2009). Esta prática ancestral é uma componente importante da MTC.
O livro de referência da MTC, "Nei Jing", refere que para dominar a medicina, é preciso
dominar o uso de metáforas, pois estas aplicam-se tanto à medicina como ao corpo (Wynn e

6
Marsden, 2003). A MTC baseia-se em filosofias, lógicas e crenças de uma civilização diferente
da ocidental, com uma percepção de saúde e de doença completamente distinta. A sua base
teórica e de diagnóstico não pode ser explicada em termos de fisiologia e anatomia ocidentais,
o que dificulta a aceitação por parte dos médicos com formação técnica ocidental. Tal como a
medicina ocidental, ela envolve uma série de práticas com o propósito de curar a doença e
manter a saúde e o bem-estar, que na MTC representam uma intervenção energética
destinada a restabelecer a harmonia e o equilíbrio de cada paciente (Kayne, 2009).

2.1. Yin e Yang

A teoria de Yin e Yang é um enquadramento conceptual que permite interpretar todos os


fenómenos complementares e inseparáveis. Yin e Yang representam dois fenómenos de
natureza oposta e também dois aspectos diferentes e opostos presentes no mesmo fenómeno.

W
Na MTC, considera-se que tudo no Universo pode ser comparado segundo as suas
propriedades Yin ou Yang (Anexo III). A natureza Yin ou Yang de qualquer fenómeno é relativa,
pois o Yin pode transformar-se em Yang e vice-versa, e tudo pode ser dividido infinitamente
IE
nos seus aspectos Yin ou Yang (Chonghuo et al., 1988). O símbolo Tai Ji (Figura 1) é usado
tradicionalmente para representar as inter-relações entre Yin e Yang (Xie e Preast, 2002).
EV

!Oposição: todas as coisas na Natureza têm dois aspectos


e podem ser divididas em Yin (negro) ou Yang (branco).
! Relatividade: nada é absolutamente Yin e absolutamente
PR

Yang. Por exemplo, uma noite de Verão é o Yin no Yang


(círculo negro no fundo branco) e um dia de Inverno é o
Yang no Yin (círculo branco no fundo negro).
! Interdependência: nenhum pólo existe sozinho, ou seja,
um conceito não existe sem o outro. Representada pela
divisão do símbolo em duas metades que parecem
encaixar uma na outra.
! Interconsumo e intertransfomação: Yin e Yang controlam-
se mutuamente mantendo o equilíbrio. Enquanto um lado
aumenta de tamanho, o lado oposto diminui formando um
círculo perfeito. Os dois lados fundem-se formando um
ciclo contínuo em que cada metade se vai transformando
na oposta.

Figura 1. Símbolo Tai Ji que representa as inter-relações entre Yin e Yang (Adaptado de Xie e Preast, 2002).

Em condições normais, Yin e Yang existem no organismo num equilíbrio, de modo que as
actividades fisiológicas sejam normais. A MTC considera que a doença é um estado de
desarmonia resultante do desequilíbrio entre Yin e Yang, provocado pelo aumento (Excesso)
ou pela diminuição (Deficiência) de uma das partes (Figura 2).

7
A C

Excesso de Yin Deficiência de Yin

Yin Yang
B D
Equilíbrio: Yin = Yang

Excesso de Yang Deficiência de Yang

Figura 2. Equilíbrio e desequilíbrio entre Yin e Yang. Existe um desequilíbrio quando um dos componentes
se encontra dentro dos limites normais e o outro está aumentado (Excesso) ou diminuído (Deficiência).

Na Figura 2 pode observar-se que há um predomínio de Yin em A e em D. No primeiro, o Yang

W
encontra-se dentro dos limites normais e existe um excesso (absoluto) de Yin. Para repôr o
equilíbrio é necessário sedar o Yin, reduzindo a sua influência sobre o Yang. No segundo,
IE
apesar do predomínio de Yin, este encontra-se dentro dos limites normais (é um excesso
relativo) e o Yang está diminuído. Neste caso, o tratamento consistirá na tonificação do Yang.
EV

2.2. Cinco Fases ou Cinco Movimentos

Enquanto o conceito de dualidade definido por Yin e Yang é útil para compreender processos
polares, a introdução do sistema das Cinco Fases ou Cinco Movimentos permite classificar
PR

processos que cursam por fases. Pensa-se que a teoria das Cinco Fases tenha tido origem na
Índia. Com a difusão do Budismo (entre 100 a.C. e 600 d.C.) pode ter chegado à China e sido
incorporada nas teorias da MTC (Lindley e Cummings, 2006).
O sistema de Cinco Fases é utilizado para descrever a natureza dos órgãos Zang Fu, as
inter-relações entre órgãos e a relação do animal com o mundo natural. Da mesma forma, é
usado para classificar e agrupar uma série de características na MTC (Anexo IV). Por exemplo,
a cada Fase corresponde um orifício corporal que constitui a abertura de um órgão Zang Fu e
um tecido que manifesta o estado funcional do órgão correspondente.
As Cinco Fases são: madeira, fogo, terra, metal e água, representando o ciclo da vida. A teoria
das Cinco Fases explica, por analogia, as funções fisiológicas dos órgãos internos segundo
dois ciclos: promoção (ciclo Sheng) e inibição (ciclo Ke), representados respectivamente na
Figura 3 e na Figura 4. No ciclo de promoção cada fase promove, alimenta e gera a fase
seguinte numa ordem circular. Neste ciclo, a fase que promove chama-se "mãe" e a fase
seguinte chama-se "filho". O ciclo de inibição tem uma forma alternada em que, cada fase inibe
a seguinte não consecutiva, formando um pentagrama. Neste ciclo a fase inibitória é o "avô" e

8
a fase inibida é o "neto". Em conjunto, os ciclos de promoção e inibição formam um sistema de
feedback que mantém os órgãos em funcionamento no nível adequado, evitando que algum se
torne excessivo ou deficiente (Xie e Preast, 2002).
Os princípios das Cinco Fases podem ser aplicados na classificação dos animais quanto às
suas características individuais. Esta classificação permite associar a fisionomia e a
personalidade do animal à predisposição a determinadas doenças e desequilíbrios (Xie e
Preast, 2002). A classificação dos animais segundo a teoria das Cinco Fases pode ser
consultada no Anexo V.

W
IE
EV

Figura 3. Ciclo Sheng ou de promoção. Figura 4. Ciclo Ke ou de inibição.


PR

2.3. Substâncias básicas

O Qi, Xue, Jing, Shen e Jin Ye constituem as substâncias fundamentais do organismo na MTC.
Elas são a base para as actividades fisiológicas dos órgãos Zang Fu (órgãos internos), tecidos
e meridianos. O termo substância é relativo, pois não implica necessariamente matéria ou
energia e frequentemente representa uma forma intermédia. As cinco substâncias são
formadas e armazenadas nos órgãos Zang Fu e transportadas, especialmente via Jing Luo
(sistema de meridianos), para todos os tecidos do organismo (Ross, 1985).
O conceito de Jing é traduzido como Essência, que é herdada dos progenitores e determina a
constituição e a vitalidade do indivíduo (à semelhança do ADN), sendo responsável pelo
crescimento, desenvolvimento, reprodução, produção de medula óssea e promoção do Qi do
Rim. Shen é a Mente ou Espírito, governado pelo Coração. O Shen é responsável pela
consciência, saúde mental e emocional e o seu desequilíbrio pode traduzir-se em insónias,
alterações do comportamento ou distúrbios psiquiátricos. Na MTC, o Xue ou Sangue é mais do
que um sistema de transporte. Xue e Qi são duas substâncias complementares e

Reproduced with permission of copyright owner. Further reproduction prohibited without permission.

Você também pode gostar