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Capítulo 1

Cargas Elétricas e a Interação


Coulombiana

Os fenômenos elétricos são conhecidos pela humanidade desde os tempos antigos. Por volta
de 600 a.C., o filósofo grego Tales de Mileto observou que ao esfregar um pedaço de âmbar1
a um pedaço de pele de carneiro, a resina fóssil adquiria a propriedade de atrair corpos
mais leves. Considera-se essa a primeira observação do fenômeno da eletrização de objetos
por atrito. Após algum tempo, foi constatado que a eletricidade não era exatamente uma
propriedade exclusiva do âmbar. Em 1600, o físico e médico inglês William Gilbert (1540-
1603) demonstrou através de ensaios experimentais que diversos outros materiais também
se tornavam eletrizados quando atritados e podiam atrair objetos mais leves. A eletricidade
tratava-se de um fenômeno generalizado e que podia ser observado em diversas substâncias.
Stephen Gray (1666-1736) verificou, por volta de 1729, que diferentes materiais possibilitam
a transmissão de eletricidade ao longo de grandes distâncias. Tais materiais recebem hoje
o nome de condutores elétricos. Por outro lado, existem materiais que não transmitem
eletricidade e que hoje são chamados de isolantes elétricos ou dielétricos.
O químico francês Charles Du Fay (1698-1739) descobriu, por volta de 1733, que corpos
eletrizados podiam interagir de duas formas: atrativa e repulsiva. No experimento, ele
demonstrou que dois bastões de âmbar (eletrizados por atrito com um pedaço de lã) repelem-
se mutuamente e que dois bastões de vidro (eletrizados por atrito com um pedaço de seda)
também repelem-se mutuamente. Por outro lado, os bastões de vidro e de âmbar atraem-se
mutuamente. Tal verificação levou Du Fay a designar a eletricidade produzida no âmbar de
eletricidade resinosa e o tipo de eletricidade produzida no vidro de eletricidade vítrea. Neste
contexto, tipos iguais de eletricidade se repelem e tipos diferentes se atraem.
Benjamin Franklin (1706-1790) realizou diversas experiências sobre eletricidade no século
XVIII. Por volta de 1750, ele verificou que a eletricidade não era criada pelo atrito entre
corpos e sim transferida de um corpo para outro. A teoria de Franklin estabelecia a existência
de um fluido elétrico em todos os corpos. Desse modo, quando dois corpos eram atritados
parte desse fluido era transferido de um corpo para o outro. De acordo com Franklin, o
1
O âmbar é uma resina fóssil utilizada para a confecção de objetos ornamentais. O nome grego do âmbar
é elektron que significa brilhante e foi a partir desse nome que foi introduzido o termo elétrico para se referir
a todos os objetos que desenvolviam propriedades semelhantes ao âmbar quando atritados.

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corpo que recebia esse fluido ficava positivamente carregado (eletricidade vítrea) enquanto
o corpo que cedia ficava negativamente carregado (eletricidade resinosa). Nesta abordagem,
os corpos em geral seriam neutros e esse fluido elétrico existe em quantidades normais. Nos
dias atuais, sabemos que Franklin estava parcialmente errado já que a eletrização por atrito
ocorre em virtude da transferência de elétrons (que, por convenção, possuem carga elétrica
negativa) de um corpo para outro e não por meio de um fluido elétrico.
Motivados pela existência de uma força elétrica entre corpos carregados, os físicos do
século XVIII procuraram estabelecer através de experiências a lei que descreve essa interação.
Por volta de 1767, Joseph Priestley (1733-1804) realizou ensaios experimentais com esferas
metálicas ocas carregadas e observou que qualquer corpo posicionado no interior dessas
esferas não sofrem forças elétricas. Em analogia ao modelo gravitacional newtoniano, Priestley
concluiu que a interação elétrica deve ser inversamente proporcional ao quadrado da distância
entre os corpos. A determinação experimental da lei de força elétrica entre corpos puntiformes
foi obtida por volta de 1785 pelo físico e engenheiro militar francês Charles Augustin
Coulomb (1736-1806) que dá nome à célebre Lei de Coulomb.

1.1 Carga elétrica e a estrutura atômica da matéria


Para entender os fenômenos elétricos devemos introduzir um conceito fundamental que está
intimamente relacionado com tais manifestações: a carga elétrica. A carga elétrica é
uma propriedade fundamental e característica das partículas elementares que constituem a
matéria.
A matéria é constituída de átomos. Os átomos, por sua vez, são constituídos basicamente
por três partículas: o elétron, o próton e o nêutron. Atualmente já foram detectadas mais
de duzentas partículas subatômicas mas, para os nossos propósitos, o conhecimento dessas
três já é sufuciente. Os prótons e nêutrons localizam-se numa parte central muito densa
(diâmetro da ordem de 10−15 m) chamada de núcleo que é circundado por uma nuvem de
elétrons denominada de eletrosfera que se estende a uma distância aproximadamente igual
a 10−10 m para fora do núcleo. A Figura 1.1 mostra uma esquema simplificado da estrutura
de um átomo chamado de modelo de Rutherford-Bohr.

Figura 1.1: Estrutura atômica num modelo simplificado. (Merriam-Webster, 2006)

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O elétron é uma partícula elementar, ou seja, é uma partícula que não possui nenhuma
subestrutura diferentemente dos prótons e dos nêutrons. Os prótons e os nêutrons são
constituídos de partículas ainda menores chamadas de quarks como mostra a Figura 1.2.
O próton consiste de três quarks: dois quarks up (u) e um quark down (d). O nêutron é
similar, ou seja, também possui três quarks: dois quarks down (d) e um quark up (u).

Figura 1.2: Prótons e nêutron são constituídos de partículas ainda menores chamadas de
quarks. (Matt Strassler, 2013)

Inúmeros experimentos comprovam que eletricamente prótons repelem-se mutuamente,


elétrons também repelem-se mutuamente, ao passo que prótons e elétrons atraem-se mutuamente.
O nêutron não sofre atração ou repulsão, qualquer que seja a partícula da qual se aproxima.
Dessas observações, conclui-se que prótons e elétrons apresentam uma propriedade que
não é manifestada pelos nêutrons. Mais especificamente, os prótons e os elétrons são
partículas portadoras de uma propriedade denominada de carga elétrica. Por apresentarem
comportamentos opostos, convenciona-se que

• o próton possui carga elétrica positiva (+);

• o elétron possui carga elétrica negativa (−);

• o nêutron, por não possuir carga elétrica, possui carga elétrica nula.

A carga elétrica é uma propriedade mensurável. Podemos associar uma grandeza escalar
denominada quantidade de carga elétrica (ou simplesmente carga elétrica) que é representada
por q ou Q cuja unidade no S.I. é o coulomb (símbolo: C). Medidas experimentais mostram
que a carga elétrica do próton é igual em módulo à carga elétrica do elétron,

|qpróton | = |qelétron |
constituindo a menor quantidade de carga não-nula que pode ser encontrada isolada na
Natureza. Esse valor recebe o nome de carga elétrica elementar e representamos pela
letra e cujo valor experimental é

e = 1, 602176634 × 10−19 C

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Assim:
qpróton = +e
qelétron = −e
qnêutron = 0
A carga elétrica de um próton ou de um nêutron é a soma das cargas elétricas dos quarks
up (u) e down (d) que o constituem. Esses quarks possuem carga elétrica fracionária e não
são encontrados isolados na Natureza. Os experimentos revelam que
2 1
qu = + · e e qd = − · e.
3 3
Note que com os valores de carga elétrica dos quarks facilmente verificamos que a carga
elétrica de um próton é, de fato, +e e que a carga elétrica de um nêutron é zero,

• Próton (2 quarks up e 1 quark down):


2 2 1
qp = q u + qu + qd = + · e + · e − · e ⇒ qp = +e
3 3 3

• Nêutron (2 quarks down e 1 quark up):


2 1 1
qn = qu + qd + qd = + · e − · e − · e ⇒ qn = 0.
3 3 3

1.1.1 Eletrização de um átomo


Os átomos são sistemas eletricamente neutros. Isso significa que a carga elétrica total de
um átomo, dada pela soma algébrica das cargas elétricas dos prótons, elétrons e nêutrons
que o constituem, deve ser nula. Essa neutralidade elétrica é garantida desde que o número
de prótons (Nprótons ) seja igual ao número de elétrons (Nelétrons ):

Átomo Eletricamente Neutro ⇔ Nelétrons = Nprótons

Átomos apresentam a capacidade de ganhar ou perder elétrons formando novos sistemas


eletricamente carregados (eletrizados) denominados íons. Pode-se distinguir dois tipos de
íons:

• Íon Positivo (CÁTION): forma-se quando um átomo perde um ou mais elétrons


resultando num sistema eletricamente positivo,

Nelétrons < Nprótons

perde 2 elétrons 2+
Exemplo: 20 Ca −→ 20 Ca
2+
A espécie química 20 Ca é chamada cátion bivalente ou íon bivalente positivo.

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• Íon Negativo (ÂNION): forma-se quando um átomo ganha um ou mais elétrons


resultando num sistema eletricamente negativo,

Nelétrons > Nprótons

ganha 1 elétron −
Exemplo: 17 Cl −→ 17 Cl

A espécie química 17 Cl− é chamada ânion monovalente ou íon monovalente negativo.

1.1.2 Eletrização de um corpo


Um corpo pode ser definido como uma quantidade limitada de matéria. Como toda matéria
é formada por átomos (que por sua vez são constituídos basicamente de elétrons, prótons
e nêutrons) podemos afirmar que em um corpo eletricamente neutro o número total
de elétrons é igual ao número total de prótons. Dizemos que um corpo estará eletrizado
quando essa igualdade for violada. Nos processos usuais de eletrização, apenas o número
total de elétrons é variado (no sentido de aumentar ou diminuir a população eletrônica)
enquanto o número de prótons nos núcleos atômicos parmanece completamente inalterado.

Um corpo inicialmente neutro torna-se eletrizado (ou eletricamente


carregado) se ele ganhar ou perder elétrons, ou seja, o mecanismo
de eletrização de um corpo é por transferência de elétrons.

• Se um corpo ganhar elétrons ele se tornará negativamente carregado (excesso de


elétrons). Adicionar elétrons em um corpo inicialmente neutro significa depositar
cargas negativas nesse corpo.

• Se um corpo perder elétrons ele se tornará positivamente carregado (falta de elétrons).


Remover elétrons de um corpo inicialmente neutro significa depositar cargas positivas
nesse corpo. Dizer, por exemplo, que cargas positivas estão concentradas na extremidade
de um bastão de vidro significa que uma falta de elétrons está concentrada nessa
extremidade.

Quando eletrizamos um corpo (pela adição ou remoção de elétrons), dependendo do


tipo de material que constitui o corpo, as cargas elétricas depositadas podem se espalhar
ao longo de toda a superfície externa do corpo ou podem ficar concentradas no local onde
ocorreu a eletrização. Mais especificamente, as cargas elétricas depositadas podem ou não ter
mobilidade ao longo do corpo eletrizado. Com base nesses dois comportamentos distintos,
podemos basicamente classificar os materiais constitutivos em duas grandes categorias2 :
condutores elétricos e isolantes elétricos (ou dielétricos).
2
Existem outras categorias tais como os semicondutores (germânio, silício) e os supercondutores que
serão discutidos em Eletrodinâmica.

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Condutores Elétricos
Isolantes Elétricos (ou dielétricos)
Quando atritamos um pedaço de lã
Quando atritamos um pedaço de lã num
em uma barra de cobre, a barra
bastão de plástico, o bastão se torna
se torna negativamente carregada e o
negativamente carregado. Esse excesso
excesso de elétrons recebido espalha-se
de elétrons recebido pelo bastão não se
imediatamente ao longo de toda a sua
espalha ao longo dele, ou seja, esses
superfície externa da barra. Esse tipo
elétrons ficam localizados na região onde
de material no qual as cargas elétricas
houve o atrito com o pedaço de lã. Esse
se deslocam com relativa facilidade
tipo de material no qual não há facilidade
recebe o nome de condutores elétricos.
para o movimento de cargas elétricas
Exemplos: metais, a Terra entre outros.
recebe o nome de isolantes elétricos ou
Nos condutores metálicos, os elétrons
dielétricos. Exemplos: vidro, borracha,
mais afastados do núcleo atômico estão
ar, porcelana, plásticos, algodão, seda,
fracamente ligados a ele e, dessa maneira,
resinas, água pura, enxofre, ebonite, entre
qualquer força de pequena intensidade
outros. Materiais isolantes não possuem
é capaz de fazê-los abandonar o átomo
elétrons livres uma vez que todos os
passando a ser livres. Esses elétrons
elétrons são fortemente ligados aos seus
livres são responsáveis pela condução de
respectivos núcleos.
eletricidade nos metais.
Os métodos de eletrização mais comuns são: por atrito, por contato e por indução
eletrostática.

(a) Eletrização por atrito (ou triboeletrização): Quando dois corpos inicialmente
neutros são atritados um contra o outro ocorre uma transferência de elétrons no qual um
cede elétrons (tornando-se positivamente carregado) e outro recebe elétrons (tornando-
se negativamente carregado). Desse modo, esse processo gera duas cargas de sinais
opostos, veja Figura 1.3.

Figura 1.3: Eletrização por atrito da lã e do vidro: antes, durante e depois.

A Figura 1.3 mostra que ao atritar uma barra de vidro e um pedaço de lã, inicialmente
neutros, a lã retira elétrons do vidro. Logo, após o processo, a barra de vidro estará
positivamente carregada enquanto a lã estará negativamente carregada.
As substâncias podem ser ordenadas numa sequência baseada no sinal da carga elétrica
adquirida ao serem atritadas umas com as outras. Esse ordenamento recebe o nome de
série triboelétrica3 e é mostrada na Figura 1.4.
3
A palavra tribo advém do grego tribein que significa “atritar”, “esfregar”. Por esta razão, o processo de
eletrização por atrito é chamado de triboeletrização.

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Figura 1.4: Série Triboelétrica.

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O ordenamento da série triboelétrica é feito de modo que o atrito entre duas substâncias
quaisquer eletriza positivamente a substância que estiver ocupando a posição superior
e negativamente a substância que estiver ocupando a posição inferior. Por exemplo,
considere a eletrização por atrito entre lã e alumínio. Como a lã ocupa uma posição
superior e o alumínio uma posição inferior na série, após o atrito a lã fica positivamente
carregada e o alumínio fica negativamente carregado. Outros exemplos:
(
o âmbar eletriza-se positivamente
âmbar e poliéster
o poliéster eletriza-se negativamente
(
o couro eletriza-se positivamente
couro e âmbar
o âmbar eletriza-se negativamente

(b) Eletrização por contato: É um método apropriado para eletrizar metais e outros
materiais condutores. Nesse processo, o um corpo inicialmente neutro é colocado em
contato físico com um corpo eletrizado. Após o contato, o corpo (que antes estava
neutro) é eletrizado com uma carga de mesmo sinal (não necessariamente o mesmo
valor) do outro corpo que estava inicialmente eletrizado. Vamos analisar duas situações:

i) Condutor A positivamente carregado e condutor B neutro:

Ao estabelecer um contato entre os condutores, o corpo A atrai parte dos elétrons


livres de B. Desse modo, o condutor B fica com falta de elétrons, ou seja, torna-se
positivamente carregado.
ii) Condutor A negativamente carregado e condutor B neutro:
Ao estabelecer um contato entre os condutores, o excesso de elétrons de A passa
em parte para o corpo B. Desse modo, o condutor B fica com excesso de elétrons,
ou seja, torna-se negativamente carregado.

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Nota-se que no processo de eletrização por contato, os corpos ficam eletrizados com
cargas de mesmo sinal. Um fato particular ocorre quando os condutores A e B são
geometricamente idênticos (mesma forma e mesmas dimensões). A transferência eletrônica
ocorre de tal modo que, após o contato, os corpos terão cargas iguais.
Vale destacar que se B for um isolante, a carga não se espalha por sua superfície,
permanecendo na região do contato.

(c) Eletrização por indução eletrostática: A indução eletrostática é o fenômeno da


separação de cargas elétricas de sinais contrários em um mesmo corpo. Para induzir
cargas num corpo neutro, devemos aproximar dele (sem estabelecer contato físico) um
corpo eletrizado, veja Figura 1.5. Neste cenário, o corpo que sofre a indução recebe o
nome de induzido enquanto que o corpo eletrizado que é aproximado (que provocou a
indução) é chamado de indutor. Se o indutor for afastado, o induzido volta à situação
inicial desfazendo a indução eletrostática.

Figura 1.5: Indução eletrostática num corpo B (induzido) pela aproximação do corpo
eletrizado A (indutor).

Então como é possível eletrizar um condutor neutro por indução? Para responder essa
questão, devemos discutir antes o papel da Terra em fenômenos elétricos. A Terra
pode ser considerada um grande condutor neutro. Desse modo, quando um condutor
eletrizado é colocado em contato com a Terra ou ligado a ela por outro condutor, ocorre
uma redistribuição de cargas proporcional às dimensões do condutor eletrizado e da
Terra, ficando, na realidade, ambos eletrizados. Entretanto, como as dimensões espaciais
do condutor eletrizado são desprezíveis em comparação com as dimensões terrestres, a
carga que nele permanece, após o contato, é praticamente nula.

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Quando ligamos um condutor eletrizado à Terra, dizemos que ele se


descarrega, isto é, fica eletricamente neutro..

A seguir são apresentadas duas situações de descarga de um condutor eletrizado conectado


à Terra. Em ambos os casos, os condutores eletrizados foram ligados à Terra através de
um fio condutor:

i) Descarga de um corpo negativamente carregado: os elétrons em excesso do condutor


escoam para a terra devido à repulsão entre eles, veja Figura 1.6(a).
ii) Descarga de um corpo positivamente carregado: devido à atração, os elétrons da
terra fluem para o condutor, veja Figura 1.6(b).

Figura 1.6: Descarga de condutores conectados à Terra através de um fio condutor.

Agora podemos descrever o procedimento de eletrização de um corpo B inicialmente


neutro por indução. Na Figura 1.7 são ilustrados os três passos da eletrização por
indução de um condutor B utilizando um indutor A positivamente carregado.

P1 Após estabelecida a indução eletrostática em B pela aproximação (sem contato)


de A, liga-se o condutor B à Terra ainda na presença do indutor A. Com essa
operação, elétrons escoam da Terra para B e neutralizam a carga positiva induzida
de B, veja Figura 1.7(a).
P2 Ainda mantendo a presença do indutor A, desfaz-se a ligação de B com a Terra,
veja Figura 1.7(b).
P3 Afasta-se o indutor A e com isto os elétrons em excesso no induzido espalha-se
imediatamente por ele. Logo, B eletriza-se negativamente, veja Figura 1.7(c).

Nota-se que na eletrização por indução, o induzido eletriza-se com carga de sinal contrário
à do indutor. A carga do indutor não se altera. Na Figura 1.8 são ilustrados os três passos
da eletrização por indução de um condutor B utilizando um indutor A negativamente
carregado.

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Figura 1.7: Eletrização por indução de um condutor B inicialmente neutro utilizando um


indutor A positivamente carregado.

Figura 1.8: Eletrização por indução de um condutor B inicialmente neutro utilizando um


indutor A negativamente carregado.

O fenômeno da indução eletrostática pode ser utilizada para explicar por que um corpo
eletrizado atrai um corpo neutro. Suponha o seguinte experimento: um condutor neutro
B suspenso por um fio isolante. Quando aproximamos (sem estabelecer contato) um
indutor A positivamente carregado do condutor neutro suspenso ocorre uma indução
eletrostática em B, ou seja, cargas negativas são atraídas para a extremidade de B mais
próxima de A e cargas positivas são repelidas para a extremidade mais afastada de B.
Como a carga positiva do indutor está mais próxima da carga negativa do induzido, a
força de atração é mais intensa do que a repulsão e o efeito resultante é a atração, veja
Figura 1.9.

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Figura 1.9: Corpos eletrizados podem atrair corpos neutros.

1.2 Princípios Fundamentais


1.2.1 Princípio da Atração e Repulsão (Lei das Cargas Elétricas)
Cargas elétricas de mesmo sinal se repelem e cargas de sinais contrários
se atraem.

Figura 1.10: Ilustração da ação atrativa e repulsiva entre cargas elétricas.

1.2.2 Princípio da Quantização da Carga Elétrica


A carga elétrica q de qualquer corpo eletrizado é sempre um múltiplo
inteiro da carga elementar, ou seja,

q = ±N · e

onde o sinal ± diferencia as cargas positiva e negativa, N é o número de


elétrons em falta ou excesso e e = 1, 6 × 10−19 C é a carga elementar.

Tal fato é imediato já que num processo de eletrização um corpo recebe ou perde sempre
um número inteiro de elétrons.

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Exemplo 1 Calcule a carga elétrica do cátion tetravalente Pb4+ .


Solução: O cátion tetravalente Pb4+ resulta de um átomo de Pb que perdeu N = 4 elétrons e tornou-se
positivamente carregado. Logo, utilizando o princípio da quantização da carga, temos:

qPb4+ = +N · e = +4 · (1, 6 × 10−19 C) ∴ qPb4+ = 6, 4 × 10−19 C

Exemplo 2 (1 C é muita carga?) Quantos elétrons um corpo deve perder para que
adquira uma carga positiva de 1 C?
Solução: Queremos saber quantos elétrons em falta um corpo com carga q = 1 C possui. Aplicando o
Princípio da Quantização:
q 1C
q = +N · e ⇒ N= = ∴ N = 6 × 1018 elétrons,
e 1, 6 × 10−19 C
ou seja, o corpo precisa perder 6 quintilhões de elétrons!!!! Isso revela que 1 C é uma quantidade de carga
elétrica muito grande. Em geral, nos problemas utilizaremos os submúltiplos do coulomb como mostra a
Tabela 5.1.

Tabela 1.1: Principais submúltiplos do coulomb.


Submúltiplo Fator multiplicador Exemplo
−3
mili (m) 10 1 mC = 1 × 10−3 C
micro (µ) 10−6 1 µC = 1 × 10−6 C
nano (n) 10−9 1 nC = 1 × 10−9 C
−12
pico (p) 10 1 pC = 1 × 10−12 C

1.2.3 Princípio da Conservação da Carga Elétrica


Num sistema eletricamente isolado (aquele na qual o sistema não troca
cargas com o ambiente exterior),
P a soma algébrica das cargas (carga
total), que denotamos por q, é conservada, ou seja
X
q = constante .

Considere um conjunto isolado de corpos eletricamente carregados. Se após algum


processo essas cargas se redistribuem, devemos ter, pelo Princípio da Conservação da Carga
Elétrica,
X  X 
q = q
antes depois

onde os índices antes e depois se referem aos instantes anterior e posterior, respectivamente,
ao processo de redistribuição de cargas.

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Exemplo 3 Quando dois condutores (estando pelo menos um deles eletrizado) são colocados
em contato, observa-se uma redistribuição de cargas elétricas pelas superfícies externas
desses condutores. Quando os condutores são geometricamente idênticos, a redistribuição de
cargas ocorre de tal forma que, após o contato, cada condutor possui a mesma quantidade
de carga elétrica. Considere duas esferas metálicas A e B eletrizadas com uma quantidade
de carga qA = −3, 0 µC e qB = +12 µC. Determine a carga elétrica adquirida pelas duas
esferas após o contato físico.
0 0
Solução: Vamos denotar por qA e qB as quantidades de carga elétrica das esferas A e B depois do contato.
Aplicando o Princípio da Conservação da Carga Elétrica,
X  X 
0 0
q = q ⇒ qA + qB = qA + qB
antes do contato depois do contato

0 0
Como as esferas são geometricamente idênticas então qA = qB ≡ q 0 de modo que

qA + qB −3, 0 µC + 12 µC
qA + qB = q 0 + q 0 ⇒ qA + qB = 2q 0 ⇒ q0 = = ⇒ q 0 = 4, 5 µC
2 2
Logo:
0 0
qA = qB = 4, 5 µC

Exemplo 4 (Desintegração de um nêutron livre ou desintegração β − ) Um nêutron


livre (n) decai em um próton (p), um elétron (e− ) e um antineutrino (ν̄e ),

n → p + e− + ν̄e .

Utilizando o Princípio da Conservação da Carga Elétrica, determine a carga do antineutrino.


Solução: Queremos obter qν̄e . Aplicando o Princípio da Conservação da Carga Elétrica,
X  X 
q = q ⇒ qn = qp + qe− + qν̄e ⇒ qν̄e = qn − qp − qe− .
antes da desintegração depois da desintegração

Lembrando que qn = 0, qp = +e e qe− = −e segue que

qν̄e = 0 − e − (−e) ∴ qν̄e = 0.

1.3 Interação Coulombiana


Vimos anteriormente que cargas elétricas interagem de forma repulsiva ou atrativa, ou seja,
uma carga exerce sobre outra uma força que denominamos de força elétrica. Através de
experiências utilizando uma balança de torção, Coulomb identificou os fatores que influenciam
a intensidade da interação elétrica entre cargas elétricas puntiformes (partículas carregadas).

Um corpo eletrizado é dito ser uma carga elétrica puntiforme se suas


dimensões forem desprezíveis quando comparadas com as distâncias que
o separam de outros corpos eletrizados.

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1.3.1 Lei de Coulomb


Considere duas cargas elétricas puntiformes qA e qB , respectivamente, localizadas no vácuo
e separadas por uma distância r, veja Figura 1.11.

Figura 1.11: Interação coulombiana. (Sears)

A interação elétrica (ou coulombiana) entre tais cargas é caracterizada pela manifestação
de duas forças
(
F~AB sendo a força elétrica em A devido à B
(F~AB , F~BA ) com
F~BA sendo a força elétrica em B devido à A

cada uma delas agindo em uma das cargas elétricas. Tais forças formam um par ação-reação
satisfazendo, portanto,
F~AB = −F~BA (vetores opostos)
|F~AB | = |F~BA | ≡ F (vetores de mesma intensidade)
A interação elétrica satisfaz as seguintes propriedades:

i) Direção: direção da reta suporte que liga as duas cargas elétricas puntiformes;

ii) Sentido: definido pelo Princípio da Atração e Repulsão, ou seja,

• Cargas de mesmo sinal se repelem, veja Figura 1.11(a);


• Cargas de sinais contrários se atraem, veja Figura 1.11(b).

iii) Módulo ou intensidade: Sendo |F~AB | = |F~BA | ≡ F então4

• F ∝ |qA | · |qB |
1
• F ∝ 2
r
4
O símbolo matemático ∝ significa diretamente proporcional.

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Matematicamente:
k · |qA | · |qB |
F =
r2
onde a constante de proporcionalidade k é a constante eletrostática (ou constante de
Coulomb) característica do meio (vácuo) no qual estão localizadas as cargas puntiformes.
A constante k está relacionada com uma outra constante importante denominada permissividade
elétrica que para o vácuo simbolizamos como 0 . A relação entre k e 0 é dada por
1
k= com 0 = 8, 85 × 10−12 C2 /Nm2 .
4π0
Com dois algarismos significativos, verificamos que

Nm2
k ≈ 9, 0 × 109 .
C2

Exemplo 5 Duas esferas puntiformes idênticas de massa m carregadas com carga q > 0
estão separadas por uma distância d, veja Figura 1. Dobram-se as cargas nas esferas e, para
que as esferas não saiam de suas posições, prende-se uma mola entre elas, como mostra a
Figura 2. A mola distende-se sofrendo uma deformação elástica linear de comprimento x.
Determine a constante elástica K da mola em termos da constante eletrostática do vácuo k,
da carga q, da distância d e do comprimento de deformação x, ou seja, K(k, q, d, x).

Solução: Para resolver esse problema vamos aplicar as condições de equilíbrio nas duas situações
esquematizadas nas Figuras 1 e 2. Como as esferas são idênticas, em cada situação podemos analisar o
equilíbrio de apenas uma delas. Vamos iniciar aplicando as condições de equilíbrio na situação onde há a
mola já que a constante elástica (grandeza que estamos interessados em obter) está contida na força elástica
da mola |F~m | = K · x. Na situação da Figura 2, atuam na esfera a força de tração T~ , a força peso P~ , a força
de repulsão elétrica F~e e a força elástica da mola F~m de modo que o DCL da esfera fica:

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Capítulo 1 – Cargas Elétricas e a Interação Coulombiana Prof. Dr. Eduardo T. Matsushita
Aplicando as condições de equilíbrio:
(P
X Fx = 0 ⇔ Tx + Fm = Fe
F~ = ~0 ⇒ P
Fy = 0 ⇔ Ty = P

Sendo Tx = T · sen(θ), Ty = T · cos(θ), P = m · g,


4k · q 2
Fm = K · x e Fe = temos:
d2
4k · q 2

T · sen(θ) + K · x =

d2
T · cos(θ) = m · g

Eliminando a tração T por divisão

4k · |q|2
T · sen(θ) −K ·x
= d2
T · cos(θ) m·g
e isolando K:

4k · q 2
2
− m · g · tg(θ)
K= d
x
Notamos que a expressão da constante elástica K obtida anteriormente carrega uma dependência com
m · g · tg(θ). Para eliminar essa dependência utilizaremos as condições de equilíbrio para a situação da
Figura 1 cujo DCL segue abaixo:

Aplicando as condições de equilíbrio:


(P
X Fx = 0 ⇔ Tx = Fe
F~ = ~0 ⇒ P
Fy = 0 ⇔ Ty = P

de modo que

k · q2

T · sen(θ) =

d2
T · cos(θ) = m · g

Eliminando a tração T por divisão

k · q2
T · sen(θ) 2 k · q2
= d ⇒ m · g · tg(θ) =
T · cos(θ) m·g d2
Substituindo o resultado acima na expressão da constante elástica K temos

4k · q 2 4k · q 2 k · q2 3k · q 2
2
− m · g · tg(θ) 2
− 3k · q 2
K= d = d d2 = d2 ∴ K=
x x x d2 · x

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1.3.2 Princípio da superposição para forças elétricas


Na maioria dos casos de interesse, nos deparamos com sistemas compostos por muitas
partículas eletrizadas. Suponha que uma carga elétrica puntiforme qA seja colocada na
presença de um conjunto discreto formado por N cargas elétricas puntiformes {q1 , q2 , q3 , . . . , qN }
como mostra a Figura 1.12.

Figura 1.12: A força elétrica resultante em qA gerada pelo conjunto discreto de cargas
puntiformes {q1 , q2 , q3 , . . . , qN } é obtida pelo princípio da superposição.

A experiência revela que a força elétrica resultante sobre qA (que denotamos por F~A )
é a soma vetorial das forças elétricas que atuam em qA devidas às outras cargas, ou seja,

N
X
F~A = F~A1 + F~A2 + F~A3 + · · · + F~AN = F~Ai
i=1

Esse resultado importante recebe o nome de princípio da superposição de forças elétricas.

Exemplo 6 Três cargas puntiformes


estão localizadas nos vértices de um
triângulo retângulo como mostra a figura
abaixo, onde qA = 50 µC, qB = −80 µC
e qC = 70 µC, distância rCA = 30
cm, distância rAB = 40 cm. Calcule o
vetor força elétrica resultante sobre a
carga qC devida às cargas qA e qB e sua
intensidade (ou módulo).

Solução: Queremos determinar a força elétrica resultante (que chamaremos de F~C ) que atua em qC
devida às cargas qA e qB . O primeiro passo é desenhar as as forças elétricas que atuam em qC . A primeira

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Capítulo 1 – Cargas Elétricas e a Interação Coulombiana Prof. Dr. Eduardo T. Matsushita

força é uma repulsão elétrica que qC sente devida à carga qA (pois possuem o mesmo sinal). Representamos
essa repulsão elétrica pelo vetor F~CA . A segunda força é uma atração elétrica que qC sente devida à carga qB
(pois possuem sinais contrários). Representamos essa atração elétrica pelo vetor F~CB , veja figura a seguir.

O segundo passo é utilizar a Lei de Coulomb para determinar as intensidades dessas forças elétricas
(para utilizar o valor padrão da constante eletrostática devemos garantir que as grandezas estão expressas
em unidades do SI):

k · |qC | · |qA | (9, 0 × 109 ) · (70 × 10−6 ) · (50 × 10−6 )


|F~CA | = 2 = ⇒ |F~CA | = 3, 5 × 102 N
rCA 0, 302

k · |qC | · |qB | (9, 0 × 109 ) · (70 × 10−6 ) · (80 × 10−6 )


|F~CB | = 2 = ⇒ |F~CB | = 2, 0 × 102 N
rCB 0, 502
A distância rCB é a medida da hipotenusa do triângulo retângulo de catetos rCA e rAB .
O terceiro passo é realizar a soma vetorial das forças F~CA e F~CB para obter o vetor força elétrica
resultante F~C em qC (princípio da superposição), ou seja,

F~C = F~CA + F~CB .


Para realizar algebricamente essa soma vetorial, utilizamos o formalismo das componentes (ou coordenadas)
cartesianas. Começamos obtendo as componentes (ou coordenadas)5 dos vetores F~CA e F~CB . Como
o problema é bidimensional (os vetores estão definidos no mesmo plano), vamos lidar apenas com as
componentes x e y. Com auxílio do DCL de qC , facilmente as componentes dos vetores F~CA e F~CB :
(
FCAx = 0
F~CA ⇒ F~CA = h0; 3, 5 × 102 Ni
FCAy = |F~CA | = 3, 5 × 102 N

5
Posicionado o vetor num sistema cartesiano de modo que sua origem coincida com a origem do sistema,
as componentes (ou coordenadas) do vetor serão as coordenadas cartesianas de sua extremidade.

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(
FCBx = |F~CB | · cos(θ) = (2, 0 × 102 ) · (0, 80) = 1, 6 × 102 N
F~CB ⇒ F~CB = h1, 6×102 N; −1, 2×102 Ni
FCBy = −|F~CB | · sen(θ) = −(2, 0 × 102 ) · (0, 60) = −1, 2 × 102 N

Assim, realizando a soma vetorial em termos das componentes cartesianas6

F~C = hFCAx , FCAy i + hFCBx , FCBy i


= h0; 3, 5 × 102 Ni + h1, 6 × 102 N; −1, 2 × 102 Ni
= h0 + 1, 6 × 102 N; 3, 5 × 102 N − 1, 2 × 102 Ni
= h1, 6 × 102 N; 2, 3 × 102 Ni

Logo,
F~C = h1, 6 × 102 N; 2, 3 × 102 Ni = (1, 6 × 102 ~i + 2, 3 × 102 ~j) N

A partir das componentes do vetor F~C podemos calcular a sua intensidade 7


(módulo) |F~C |:
q
|F~C | = ~C | = 2, 8 × 102 N
2 + F 2 ⇒ |F
FCx Cy

6
Como visto em G.A. a soma vetorial em termos das componentes cartesianas é feita como ~a + ~b =
hax , ay i + hbx , by i = hax + bx , ay + by i. q
7
Dado um vetor ~a = hax , ay i sua intensidade (módulo) é calculada através da expressão |~a| = a2x + a2y .

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