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DOSSIÊ - Nas Asas da Sustentabilidade

Nas Asas da
Sustentabilidade
Numa cooperação entre Brasil e Alemanha, Projeto
ProQR desenvolve combustível de aviação sintético e
menos poluente, visando reduzir custos logísticos e gerar
empregos e oportunidades em regiões remotas do país

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DOSSIÊ - Nas Asas da Sustentabilidade

Por uma aviação


mais sustentável
O objetivo do Projeto ProQR é a criação de um modelo de
referência internacional para a aplicação de combustíveis
alternativos, sem impactos climáticos no transporte aéreo

A
falta de competitividade tuados no interior da Ama- Proteção da Natureza e Segu-
impede o Brasil de alçar zônia, por exemplo. Lugares rança Nuclear da Alemanha
voos mais altos. Os custos onde o QAV somente chega (BMU), em conjunto com a
do combustível de aviação de barco ou avião. Para se ter Deutsche Gesellschaft für In-
(QAV) no país está entre os uma ideia, chega-se a gastar de ternationale Zusammenarbeit
mais caros do mundo. Problema que che- 4 a 5 litros de combustível para (GIZ, ou Agência Alemã de
gou a um patamar alarmante em agosto levar um litro de combustível Cooperação Técnica, em por-
desde ano, quando o valor do preço deste para lugares remotos. Ou seja, tuguês), o projeto teve início
tipo de combustível atingiu recorde: ba- o transporte é um dilema para em agosto de 2017.
teu R$ 3,30 o litro. Responsável por cerca se abastecer aeronaves nestas O objetivo do ProQR é a
de um terço do preço do bilhete aéreo, regiões, colocando em risco criação de um modelo de re-
o querosene alcançou seu maior valor o acesso às localidades isola- ferência internacional para a
desde 2002. Mais um peso à competiti- das, a integração regional e a aplicação de combustíveis al-
vidade brasileira. Os impostos incidentes própria soberania nacional. ternativos, sem impactos cli-
sobre o produto e os gastos logísticos de Uma problemática que tem máticos no transporte aéreo ou
transporte do QAV estão entre os vilões. impulsionado pesquisadores e segmentos de transporte sem
Para se ter uma ideia da diferença en- empresas a buscarem soluções potencial de eletromobilidade.
tre os custos do combustível de aviação e novas tecnologias. Preferen- Neste âmbito são considera-
no Brasil e no mercado externo, o QAV cialmente renováveis, com dos combustíveis alternativos
custa US$ 1,02 no aeroporto internacio- menor grau de emissão de ga- os combustíveis sintéticos,
nal Heathrow, de Londres, na Inglater- ses poluentes. cujo insumo principal seja
ra, um dos mais maiores do mundo. Já o Há pouco mais de um ano a energia elétrica renovável.
valor cobrado no aeroporto do Galeão, autoridades e cientistas do Bra- Esse projeto poderá contribuir
no Rio de Janeiro - um dos mais movi- sil e da Alemanha se debruça- para o aumento da produção
mentados do país -, é 27% mais elevado, ram sobre o problema, criando de combustíveis alternativos
segundo dados da Associação Brasileira o projeto ProQR (Combustí- – inclusive nas próprias regi-
de Empresas Aéreas. veis Alternativos sem Impac- ões remotas do país - e para
Se no Rio de Janeiro, um dos maiores tos Climáticos). De iniciativa a diminuição das emissões de
centros urbanos do Brasil, os combustí- do Ministério da Ciência, Tec- gases de efeito estufa.
veis de aviação são um problema, pior nologia, Inovações e Comuni- Segundo o engenheiro Edu-
ainda é nas regiões remotas do país, cações (MCTIC) do Brasil e do ardo Soriano, coordenador
como nos aeroportos e aeródromos si- Ministério de Meio Ambiente, geral de Tecnologias Setoriais

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(Energia, Combustíveis, Petró-
leo & Gás, Recursos Minerais e
Transportes) do MCTIC, todas Mapeamento retrata os desafios do
as atividades do projeto são feitas
de forma conjunta: as articula-
QAV no Brasil
ções institucionais, a promoção Estudo foi realizado pela EPE e pela GIZ
de estudos, o estabelecimento
de parcerias tecnológicas e in-
dustriais etc. Cabe citar que, no Com o intuito de verificar a viabilidade do projeto Pro-
Brasil, a execução é da GIZ e da QR no Brasil, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) do
DLR (Agência Espacial Alemã). Ministério de Minas e Energia do governo brasileiro e a
“A partir desse pequeno grupo Agência Alemã de Cooperação Técnica (GIZ) desenvol-
são estabelecidas parcerias com veram uma metodologia de mapeamento de custos de
instituições de ciência e tecno- combustíveis e cenários comparativos. Na ocasião, foi
logia, empresas e órgão públicos realizado um estudo que é apresentado aqui na Revista
(agências de fomento, ministé- Full Energy.
rios, agências reguladoras etc)”,
diz Soriano, destacando que, O objetivo do trabalho era basicamente responder a três
pelo lado brasileiro, estão parti- questões principais:
cipando do projeto: ANP, ANE-
EL, SAC, ANAC, MMA, MME,
1- Quais são as zonas do Brasil mais apropriadas para
Ministério da Defesa etc.
Segundo ele, o MCTIC criou iniciar a produção de combustíveis alternativos?
uma rede de pesquisa para con-
gregar todo o esforço de pesquisa 2- Onde a produção e a distribuição de combustíveis al-
nacional criado em 2017: a Rede ternativos é mais viável comercialmente?
Brasileira de Bioquerosene e Hi-
drocarbonetos Renováveis para a 3- Qual é o custo real de 1 litro de combustível de aviação
Aviação (RBQAV), que atualmente considerando todo o ciclo de vida “dowstream” da produção?
está sendo coordenada pela Uni-
versidade Federal do Rio Grande Para responder à primeira questão foi feito um mape-
do Norte (UFRN) e pelo MCTIC. amento de todas as refinarias e de todos os locais de
Soriano relata que o governo ale- estocagem e distribuição no Brasil. Constatou-se que a
mão está investindo cerca de 5 mi-
produção de combustíveis de aviação (QAV) no Brasil
lhões de euros no projeto e o Brasil
está concentrada na região Sudeste, corresponde a 82%
ainda está definindo sua contra-
partida, “mas certamente assumirá do volume produzido no país e que 100% da produção
aporte bem maior que o alemão”. de gasolina de aviação (AVGAS) ocorre na Refinaria RPBC,
Mas a parceria entre Brasil e também na região Sudeste (figura 1).
Alemanha é anterior ao surgi-
mento do ProQR. Segundo Lutz
Morgenstern, da área de Assun-
tos Ambientais da Embaixada da
Alemanha em Brasília, durante o
projeto de Energia Heliotérmica
estabelecido entre os dois países

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aconteceram discussões téc-


nicas sobre a possibilidade de
utilização da energia solar para
sintetizar combustíveis.
“A ideia foi aprofundada e en-
trou nas conversas técnicas que
acompanharam as consultas
de alto nível entre o Brasil e a
Alemanha em 2015. Na época,
a chanceler Angela Merkel e a
então presidente Dilma Rous-
seff assinaram uma ‘Declaração
Conjunta sobre Mudança do
Clima’ que, por sua vez, definiu
a descarbonização da economia
como visão de longo prazo. Sob
esse lema, o ProQR é um dos
esforços conjuntos em nível téc-
nico”, explica Lutz. “A proposta
é de criar um modelo que possa
servir de referência internacio- Figura 1- Fonte: Ferreira Gonçalves, Universidade de Coimbra (2015) /EPE /ANP (2017)
nal para a produção de QAV
neutro ao clima e, além disso,
o mais limpo possível na hora
Em relação ao QAV, os maiores volumes de estocagem e de ter-
da queima nos motores dos avi-
minais de distribuição estão concentrados nas regiões Sul e Su-
ões”, acrescenta.
deste. As regiões Norte e Centro-Oeste são as mais deficitárias
no abastecimento (figura 2).
Corrida internacional

O projeto, de acordo com


Soriano, consiste em criar
um novo modelo de produ-
ção de combustíveis aero-
náuticos com reduzido im-
pacto climático, utilizando
energias renováveis, CO2 e
água, com tecnologias que
possam ser produzidas, caso
necessário, de forma des-
centralizada.
Muitos países perseguem
o desenvolvimento de no-
vas rotas para a produção de
combustíveis aeronáuticos. Figura 2 - Fonte: EPE - WEBMAP (2017)
Estudam diversas vias tec-

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nológicas e utilizam diferen-
tes matérias-primas, inclusive Para verificar os nichos promissores para o combustível alternati-
algumas derivadas da biomas- vo, isto é, saber onde a produção e a distribuição de combustíveis
sa. “Assim, está havendo uma alternativos é mais viável comercialmente, foi verificada a distribui-
grande corrida mundial para ção dos aeroportos públicos, privados e militares pelo território
viabilizar a produção desses
nacional (figura 3).
combustíveis. Algumas rotas
que utilizam biomassa estão
sendo produzidas em escala
comercial, mas têm o problema
da dependência de matérias-
-primas, que têm variabilidade
e podem alterar a qualidade
dos combustíveis, o que ofere-
ce riscos. A grande vantagem
da rota do ProQR é que ela
independe de matéria-prima”,
explica Soriano.
Existem projetos semelhan-
tes na Europa, que na maioria
terminam com a produção do
petróleo sintético bruto. Um
exemplo é uma iniciativa da Figura 3 - Fonte: IBGE / ANAC 2017
empresa Nordic Blue Crude,
que prevê a construção de uma Com o mesmo objetivo, também foi projetado o custo para levar os
planta piloto no parque indus- combustíveis de aviação por transporte rodoviário e hidroviário para
trial de Heroya, na Noruega, as localidades a partir da produção desses combustíveis nas refina-
relata Torsten Schwab, diretor rias. Na figura 4 está representado o custo do transporte unitário
do Projeto ProQR. (1 Litro) de QAV em frequências de 200 km - transporte rodoviário.
O foco da iniciativa entre os
governos brasileiro e alemão é a
produção descentralizada de pe-
quenas quantidades de combus-
tíveis para aviões (QAV devida-
mente certificado). “Isso porque
nos lugares mais afastados, com
aeródromos de baixa demanda
de combustível, o combustível é
muito caro e, às vezes, o acesso é
absurdamente difícil quanto à lo-
gística. A proposta do ProQR é de
produzir um QAV qualificado, a
partir do ar ambiente e de energia
renovável, em máquinas de escala
pequena, que possam ser coloca-
das em lugares afastados. Isso é Figura 4 - Fonte: Pioneiro Combustíveis (2017) / EPL (2017)

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A partir do preço final do distribuidor e considerando o trans-


inédito”, salienta Torsten. porte rodoviário, foi feita uma composição de preço e geradores
A expectativa é que o Pro-
de custos de um litro de combustível de aviação (LCCA), chegan-
jeto ProQR tenha um impac-
do-se ao preço final de QAV ao consumidor por UF (Figura 5).
to potencial no mundo todo.
“Os protótipo desenvolvidos
serão desenhados para fun-
cionarem em qualquer lugar
do mundo, até nos mais ex-
tremos. Além disso, vamos
trabalhar em rotas alterna-
tivas que prometem ser mais
competitivas em prazo mais
curto. Por exemplo, é possí-
vel utilizar CO2 residual de
qualquer indústria emissora
e isso não é somente um alí-
vio na pegada de carbono da
indústria; é também gratui-
to”, diz Torsten.
José Mauro Coelho, diretor
de Estudos de Petróleo, Gás e
Biocombustíveis da Empresa
de Pesquisa Energética (EPE), Figura 5 - Fonte: Cálculo LCCA
concorda que o projeto Pro-
QR é inédito e coloca o Bra-
sil na vanguarda da inovação Conclusões do estudo
tecnológica em matéria de
combustíveis sintéticas para • O QAV é uma carga de alto custo para as companhias aé-
aviação. “Não existe nada reas brasileiras (30% dos custos totais do QAV correspon-
igual no mundo”, frisa. Tanto
dem ao transporte).
que, no final de abril de 2018,
• Distribuição desigual de produção de QAV (concentração
uma missão brasileira forma-
da por autoridades, pesquisa- na região Sudeste e redistribuição dispendiosa para as áreas
dores e empresários visitou a remotas).
Alemanha. Na ocasião, a co- • Os maiores geradores de custo são os impostos e os cus-
mitiva participou de uma das tos de transporte (30%-50% do custo maior para transportar
maiores feiras de aviação do o QAV para o Amazonas).
mundo em Berlim. “Tivemos • Os nichos seriam os municípios remotos, como os situados no
a oportunidade de apresentar território de Roraima, e nos estados do Acre e Amazonas (custo
o projeto ProQR, que chamou de transporte de R$ 1,20/l por transporte rodoviário + ICMS).
bastante atenção, mostrando • O preço do combustível chega a ser maior que R$6,50 nos mu-
que o Brasil e a Alemanha es- nicípios sem acesso direto pelos modais hidroviário e rodoviário.
tão na dianteira deste conhe-
cimento”, comenta Coelho.

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O início da
aviação verde
O processo de produção do combustível
desenvolvido no Projeto ProQR tem como

A
insumos a energia elétrica, a água e o CO²

s grandes vantagens do desenvolvimento de combustíveis


alternativos seriam a redução de emissões e a possibilidade
de produção descentralizada. Além disso, a eletromobili-
dade ainda é um sonho para voo comerciais. “Esse é um
movimento internacional e a aviação não poderia ficar de
fora desse esforço mundial de redução de emissão de gases de efeito es-
tufa”, destaca Eduardo Soriano, do Ministério de Ciência e Tecnologia.
Esses combustíveis têm potencial de redução de poluição em regiões
aeroportuárias. “Seria o início da aviação verde. Cabe citar que os custos
ainda não são competitivos, mas certamente nos próximos anos passa-
rão por uma curva de aprendizagem como a energia solar fotovoltaica
e a eólica”, diz Soriano, que salienta outra questão importante: “o com-
bustível é uma parte sensível nos custos da aviação tendo como base
que, em geral, esse item representa algo como 40% a 50% dos custos
operacionais de uma aeronave”.
O processo de produção do combustível desenvolvido no Projeto
ProQR tem como insumos a energia elétrica, a água e o CO2. Segundo
Soriano, o uso de água é pequeno quando comparado a qualquer outra
aplicação humana. Quanto ao CO2, quanto mais o processo consumir,
maior importância ambiental ele apresenta, uma vez que reduz a quan-
tidade de CO2 por utilizar no combustível. “Por outro lado, o uso de
eletricidade é bastante alto, mas a ideia seria usar tais sistemas como ar-
mazenador de energia sob a forma de combustíveis. Ou seja, poderia ter
aplicações em que, nas horas de menor uso de energias intermitentes,
pode-se produzir combustíveis aeronáuticos. É um conceito diferente,
que normalmente é chamado Power-to-Gas ou Power-to-Liquids, ou
Power-to-Fuels”, revela Soriano.

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O processo consiste em
produzir um gás de síntese, a
partir de água, CO2 e eletri-

+ + =
cidade. Depois de passar por
um processo denominado Electricity Water CO2 PtL Jet Fuel
Fischer-Tropsch e outras re-
ações químicas, produz uma
gama de combustíveis reno-
váveis, entre eles o querosene Fonte: German Environment Agency (2016), Power-to-Liquids: Potentials and
perspectives for the future Supply of Renewable Aviation Fuel
de aviação.

Benefícios ambientais
O grande diferencial é que
esse combustível oferece,
segundo Soriano, oportu-
nidades para reduções con-
cretas de emissões de gases
de efeito estufa, por utili-
zar energia elétrica (desde
que gerada de uma matriz
com altos percentuais de
energias renováveis), água
e CO2. Além disso, utiliza
o CO2 emitido por outras
cadeias, como, por exemplo,
das dornas de fermentação,
ou o CO2 capturado do ar,
ou o CO2 existente em gases
de combustão.
“Cita-se que os biocom-
bustíveis aeronáuticos e os
eletrocombustíveis serão,
em curto e médio prazos, as
únicas soluções para a re- “Brincar de lego”
dução drástica de emissões
de gases de efeito estufa,
lembrando que, a partir de
2020, haverá necessidade de
reduzir emissões conforme Torsten Schwab,
novas normas internacio- diretor do
nais”, salienta Soriano. Projeto ProQR

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Fontes renováveis
O mundo todo passa por
uma transição para uma eco-
nomia de baixo carbono, que
implica em utilizar cada vez
menos os combustíveis fósseis.
“Há uma transição, da qual o
setor de aviação não pode ficar
à parte. Porém, de forma geral,
já há soluções neste sentido nos
segmentos de veículos leves,
ônibus, caminhões, por meio
de eletrificação e gás natural,
por exemplo, mas que não são
soluções para o setor aéreo”,
observa José Mauro Coelho,
diretor de Estudos de Petróleo,
Gás e Biocombustíveis da EPE.
Deste cenário surge a impor-
tância de se buscar alternati-
vas viáveis para a produção de
combustíveis de aviação, sem
nunca perder o foco na susten-
tabilidade - pedra fundamen-
tal do projeto ProQR. “Todo
combustível alternativo gerado
dentro deste projeto será pro-
duzido apenas por fontes reno-
váveis”, frisa. Segundo ele, em
cada localidade em que for co-
locada uma planta industrial
do ProQR, é necessário um
estudo de qual a melhor fon-
te de energia renovável a ser
utilizada. “Se estiver próxima
a um rio, é possível utilizar a
Eduardo Soriano,
fonte hidráulica; se estiver em coordenador-
regiões com bom regime de geral de
ventos, pode-se utilizar a eóli- Tecnologias
ca; e temos a solar que, de uma Setoriais
forma geral, tende a ser alter- (Energia,
Combustíveis,
nativa em todo o território Petróleo &
brasileiro”, enumera Coelho, Gas, Recursos
que assegura: “só produzire- Minerais e
mos combustível sintético a Transportes) do
partir de fontes renováveis”. MCTIC

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“Brincar de Lego”
Para atingir as metas firmadas no Acordo de Pa- ou seja, evita que uma grande sch, desenvolvida décadas
ris, os países signatários precisam diminuir a quase parte de CO2 seja liberada na atrás na Alemanha para sin-
zero as emissões de GEE na maioria dos setores, in- atmosfera. Segundo, o quero- tetizar combustíveis líquidos,
clusive no setor de transporte. Em veículos terres- sene sintético é mais puro por tais como gasolina ou diesel, a
tres, isso é possível imediatamente através da eletri- não conter contaminantes, partir do carvão mineral. Mas
ficação, como destaca Coelho. “Já a aviação, por sua como enxofre. Além disso, o não é o carvão em si que é
parte, vai continuar dependendo de combustíveis combustível sintético pode ser preciso para a síntese Fischer-
líquidos ainda por um bom tempo, até porque todo adaptado às características- -Tropsch. É o assim chamado
planejamento e a operação de aeronaves tem hori- desejadas por ser um produto gás de síntese (CO+H2), o
zontes de vida útil de aproximadamente 30 anos, engenhado do zero e não ex- qual pode ser obtido usando
ou seja, até 2050 contando a partir de hoje”, explica traído de um produto natural. o CO2 e a água (H2O) conti-
Lutz Morgenstern, da área de Assuntos Ambientais Para mergulhar um pouco dos no ar ambiente. Para fa-
da Embaixada da Alemanha em Brasília. mais na parte tecnológica, zer isso é necessária energia
“Frente a esta realidade, combustíveis de avia- Torsten lembra que o com- elétrica, que até recentemente
ção alternativos e sem impactos climáticos po- bustível sintético é um con- era gerada com carvão, gás,
dem ter papel decisivo para que o setor de avia- junto de moléculas engenha- petróleo, ou energia nuclear.
ção contribua no combate à mudança climática. das – como se fosse brincar de “Nesse cenário, o processo
Assim sendo, é evidente que iniciativas como o Lego em tamanho molecular. não fez muito sentido. Mas
ProQR têm alta relevância política também na Isso resulta num combustível hoje, com energias renováveis
Alemanha”, sublinha Lutz. de caraterísticas bem exatas e como eólica e solar cada vez
Ele destaca que esta tecnologia tem várias van- de uma qualidade alta e sem- mais baratas e fáceis de se ins-
tagens do ponto de vista ambiental. Para come- pre replicável igualmente. talar, obter gás de síntese do
çar, diferente do querosene de origem fóssil, seu Explica que o coração do ar se torna algo possível e até
equivalente sintético, quando feito com insumos processo de produção é a cha- bem sensato em certos nichos
renováveis, já é quase neutro quanto ao clima, mada síntese Fischer-Trop- de mercado”, sublinha.

Processo de produção
Ar ambiente C1 ..C4
Gases
C5 ..C6 Gasolina
C7 ..C14
CO2
H2O

Sequestro
Fischer Tropsch C15 ..C20 Diesel
calor
Separação
(alta pressão)
H2O

CO2

CO-H2

Isomerização

H2 Querosene
Geração de de Aviação
Energia Elétrica Hidrocraque
Oxigênio
CoSOEC
Fonte: GIZ

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A que as renováveis, ou seu excedente, podem levar?

Rede

Armazenamento
em baterias
-

H2 O2
Produção
Eletrolítica de
Hidrogênio

O que pode ser feito com o Hidrogênio?


Reconverter H2
em energia

H2 em
Veículos Elétricos
H2 O2 melhores autonomias
Produção de
Hidrogênio

Transformar
em e-Fuel
Fischer Tropsch

Tecnologias atuais e
com maiores eficiências

O que é o e-Fuel?

Pode ser transformado em


H2 + CO = e-Fuel qualquer tipo de combustível
Fischer Tropsch

Como obter o CO?

CO2 da Atmosfera Reforma Pirólise

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Outros insumos também podem servir como


Meta internacional
fontes renováveis para gás de síntese. Entre as
mais promissoras são a glicerina - que sobra na
produção do biodiesel -, os resíduos gasosos da de mitigação
produção de etanol, e o biogás. “Mas não im-
porta qual insumo é utilizado para obter o gás De acordo com Aurélio Amaral, da ANP, o
de síntese: o processo que segue (Fischer-Trop- desenvolvimento desses combustíveis alter-
sch) renderá sempre o mesmo produto, na mes- nativos, sobretudo daqueles produzidos a
ma composição, com a mesma alta qualidade”, partir de fontes renováveis, tem grande im-
pontua o diretor do projeto ProQR.
portância na redução da pegada de carbono
O processo de produção na rota Fischer-
e no alcance de metas ambiciosas globais e
-Tropsch produz um petróleo sintético. A
princípio, este sistema pode transformar qua- nacionais de redução das emissões de gases
se tudo que hoje é feito de petróleo: combus- de efeito estufa.
tíveis, lubrificantes, plásticos, cosméticos, fár- O transporte aéreo é responsável por
macos etc. “No caso do ProQR, vamos focar aproximadamente 2% das emissões globais
exclusivamente em combustíveis para avia- de gases de efeito estufa (GEE) e o cresci-
ção. Isso porque queremos colocar o holofote mento exponencial do setor pode tornar
onde ainda falta solução técnica”, diz. esse percentual ainda mais significativo.
Segundo o engenheiro Daniel Lopes, dire- Conforme levantamento publicado pela In-
tor Comercial da Hytron (empresa parceira do ternational Air Transport Association (IATA),
projeto), no âmbito do projeto ProQR está in- a receita de passageiros por quilômetros
serido ainda o projeto e-Fuel, que pode ser en- aumentou cerca de 67% nos últimos 10
tendido como uma iniciativa industrial com-
anos. Esse crescimento provoca o aumento
plementar ao ProQR. “A ideia é de construir os
no consumo de combustível fóssil e, con-
protótipos para a utilização de fontes renová-
veis de energia, como a fotovoltaica e a eólica, sequentemente, das emissões de gases de
para a produção de hidrogênio, e na utilização efeito estufa.
de fontes de CO2, como o ar atmosférico ou Para mitigar essas emissões, em 2009, a
biomassas. “De forma simplificada, será de- Organização Internacional de Aviação Civil
senvolvido um sistema integrado e autônomo (ICAO) estabeleceu a meta de reduzir as emis-
de produção de produtos sintéticos, onde se sões líquidas pela metade até 2050, em rela-
enquadram os combustíveis de aviação, a par- ção a 2005. No Brasil, o compromisso assumi-
tir de fontes renováveis de eletricidade, água e do, no âmbito do Acordo de Paris, é de reduzir
uma fonte de CO2”, afirma Lopes. as emissões em 37% até 2030, e em 43% até
Aurélio Amaral, diretor da Agência Nacio- 2050, com base nas emissões de 2005.
nal de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP), “O uso de combustíveis sustentáveis para
lembra que a rota de obtenção de querosene de
aviação terá papel chave no alcance das me-
aviação alternativo a partir do processo Fis-
tas de redução de emissões, contribuindo
cher-Tropsch já é aceita internacionalmente
para misturas em até 50% com o querosene também para o desenvolvimento ambiental,
fóssil. “Assim, o fato de o projeto em questão econômico e social, a partir da redução das
pretender retirar gás carbônico da atmosfera, emissões de carbono, geração de riquezas,
além de usar pouca quantidade de água e ener- empregos, renda e oportunidades”, subli-
gia elétrica de fontes renováveis, faz desse um nha Amaral.
combustível de enorme potencial sustentável.”

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Estágio do
projeto
As pesquisas priorizaram até o momento
o desenvolvimento dos equipamentos
que comporão o sistema integrado de
produção do combustível de aviação

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A
s pesquisas do Pro- presa brasileira envolvida no
jeto ProQR ainda projeto -, destaca que o foco, “SERÃO NECESSÁRIOS
estão num estágio até o momento, está no desen- MUITOS TESTES PORQUE
muito inicial, se- volvimento do equipamento OS RISCOS INICIAIS SÃO
gundo Eduardo piloto, que será instalado no
Soriano. No entanto, se prevê Centro de Pesquisas e Análi-
ALTOS. MAS A EQUIPE
os primeiros resultados para o ses Tecnológicas da ANP, no DA SECRETARIA DE
final de 2019, quando devem es- desenvolvimento do equipa- DESENVOLVIMENTO
tar prontas duas plantas de pro- mento de demonstração, em TECNOLÓGICO E
dução de combustíveis: porte comercial, e na fabrica- INOVAÇÃO DO MCTIC TEM
(i) uma planta de pesqui- ção de um lote pioneiro. ALTA EXPERIÊNCIA DE
sa na ANP, em Brasília (DF), “As pesquisas priorizaram
GESTÃO DE PESQUISA E
com capacidade de gerar 10 até o momento o desenvol-
litros por dia com a finalidade vimento de todos os equipa- DESENVOLVIMENTO DE
de produzir tecnologia e técni- mentos que comporão o siste- NOVOS COMBUSTÍVEIS”
cas de certificação; ma integrado de produção do Eduardo Soriano, coordenador
(ii) outra com capacidade e-Fuel, ou seja, o desenvolvi- geral de Tecnologias Setoriais
de produzir entre 400 e 500 mento de todos os subsistemas
litros/dia, que será implantada que o constituem. Atualmente (Energia, Combustíveis, Petróleo
em Porto Primavera (SP), im- o desenvolvimento está foca- & Gás, Recursos Minerais e
plementada por um consórcio do na integração, na redução Transportes) do MCTIC
empresarial com empresas bra- do porte dos equipamentos
sileiras e alemãs. e, principalmente, na certifi-
A partir de 2020 poderão ser cação dos combustíveis que
feitos testes em aeronaves com serão produzidos”, diz Lopes.
diversos percentuais e testes Por isso, segundo ele, é impor- “Prevemos ver no Brasil – e
em turbinas aeronáuticas es- tante a participação da ANP consequentemente no mun-
tacionárias. “Serão necessá- no projeto, como responsável do, por ser a primeira planta
rios muitos testes porque os por validar que o combustí- desse tipo – uma instalação
riscos iniciais são altos. Mas vel produzido atenderá aos piloto em escala laboratorial
a equipe da Secretaria de De- pré-requisitos técnicos inter- em 2020”, reforça Torsten.
senvolvimento Tecnológico e nacionais. “O prazo estimado “Essa planta trará experi-
Inovação do MCTIC tem alta para a realização de todas as ência valiosa para construir
experiência de gestão de pes- fases do projeto é de 4 anos uma planta de demonstra-
quisa e desenvolvimento de (até 2022).” ção então com capacidade
novos combustíveis, uma vez Diretor do projeto, Torsten de atender os típicos aeró-
que foi responsável pela coor- lembra que, atualmente, exis- dromos rurais. Só então que
denação do processo de desen- tem protótipos de partes do teremos ideia sobre custos e
volvimento tecnológico para processo de desenvolvimento outros dados comerciais.”
implantação do biodiesel no que comprovaram que a ideia Porém, os primeiros estudos
Brasil, entre outros projetos de do ProQR é factível. Porém, indicam que há várias regiões
relevante impacto nacional”, os tamanhos dos protótipos no Brasil onde o transporte do
afirma Soriano. existentes ainda não são ajus- combustível é tão custoso, pe-
Ao falar sobre o cronograma tados um ao outro, ou seja, rigoso e complicado, que pro-
do ProQR, Daniel Lopes, dire- ainda falta a integração do vavelmente vai valer a pena
tor Comercial da Hytron – em- processo completo. produzir o combustível em

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Protagonismo da ANP
O combustível a ser produzido vai se-
guir as normas já existentes do setor de
aviação. Para ser mais específico, o pro-
cesso vai seguir a norma ASTM 7566,
Anexo I ou IV. “Como o ProQR conta com
a Agência Nacional de Petróleo, Gás Na-
tural e Biocombustíveis (ANP) como um
dos parceiros, o controle da conformida-
de do combustível vai atender a todas as
normas e especificações desde o início.”
Segundo Aurélio Amaral, diretor da
ANP, o Centro de Pesquisas e Análises
Tecnológicas (CPT) da Agência é um la-
boratório de excelência, com acreditação
conforme a norma ISO 17025 e com re-
conhecida experiência na realização de
ensaios em amostras de gasolina, diesel,
etanol, biodiesel e óleos lubrificantes
para atendimento, principalmente, à fis-
calização da ANP.
No contexto do projeto ProQR, o CPT
receberá uma planta piloto de produção
de combustível de aviação renovável Aurélio Amaral, diretor da Agência
e será o laboratório de referência para Nacional de Petróleo, Gás e
certificação dos combustíveis que vie-
Biocombustíveis (ANP)
rem a ser obtidos. “Ao final do processo,
a ANP deverá fazer ajustes regulatórios
de modo a abrigar a produção, a comer-
cialização e o uso do novo combustível.”
pequenas unidades no próprio local. “Aeroportos co-
À semelhança de outros países, no Brasil
muns, com sua demanda alta e logística já estabele-
a especificação de um novo querosene cida, não estão no foco do ProQR. Nesses casos o sis-
de aviação alternativo é precedida ne- tema existente é mais econômico – e provavelmente
cessariamente da aprovação pela Ame- será por várias décadas ainda”, sublinha Torsten.
rican Society for Testing and Materials Para José Mauro Coelho, diretor de Estudos de Pe-
(ASTM), segundo protocolo de testes tróleo, Gás e Biocombustíveis da EPE, ainda é pre-
que garanta que o produto atenda aos maturo para se afirmar quantas plantas de produção
mesmos padrões de desempenho, quali- de combustíveis de aviação, no modelo do Projeto
dade e segurança dos combustíveis con- ProQR, o Brasil comportaria. “Acreditamos que há
vencionais de aviação. potencial de termos inúmeras plantas espalhadas
pelo território brasileiro.”

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DOSSIÊ - Nas Asas da Sustentabilidade

Sintonia entre
tecnologias
do Brasil
e da
Alemanha
Primeiro desafio é projetar e implementar
uma planta piloto para produção de 500
litros do combustível por dia

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P
ara o desenvolvimento do ProQR, foram estabelecidas
parcerias com empresas brasileiras e alemãs no sentido de
projetar e implementar uma planta piloto para produção de
500 litros do combustível por dia. Pelo lado brasileiro, são
as empresas Hytron e RTB.
Segundo Eduardo Soriano, do Ministério de Ciência e Tecno-
logia, a Hytron é uma empresa de base tecnológica, surgida na
Unicamp e que tem grande expertise no desenvolvimento de tec-
nologias associadas a células combustíveis, hidrogênio, gases in-
dustriais e automação. “Tais tecnologias são básicas para a produ-
ção de eletrocombustíveis. A Hytron será a empresa que fornecerá
tecnologias que serão integradas à tecnologia das empresas alemãs
Ineratec e Sunfire, entre outras.”
O engenheiro Daniel Lopes, diretor Comercial da Hytron, re-
lata que a empresa que dirige tem um time técnico qualificado na
fabricação de equipamentos nacionais para a produção de hidro-
gênio a partir da água, etanol, biogás e do gás natural. Também é
pioneira na geração fotovoltaica no país, tendo coordenado todo
o projeto da primeira usina fotovoltaica do Sudeste do Brasil, a
Usina de Tanquinho, em Campinas (SP).

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DOSSIÊ - Nas Asas da Sustentabilidade

“A Hytron é um player capaz de prover


soluções completas para o fornecimento Daniel Lopes,
diretor Comercial
de combustíveis sintéticos, como querose- da Hytron
ne e gasolina para aviação. Esta capacidade
se amplia com o convênio entre a Hytron
e empresas da Alemanha, que agregam os
seus conhecimentos e tecnologias nos pro-
cessos de captura do CO2 do ar, eletrólise
do CO2, síntese Fischer-Tropsch e refino da
corrente de processo que levará aos com-
bustíveis para aviação”, relata o executivo.
Para Lopes, o principal pilar deste pro-
jeto é o desenvolvimento da tecnologia e
da solução integrada no Brasil. “O projeto
não se trata apenas de uma tropicalização
de equipamentos já existentes, mas sim de
um desenvolvimento conjunto entre a in-
dústria brasileira e a alemã”, conclui.

Combustível de aviação: em busca de rotas alternativas


Ao longo dos últimos anos, o setor de aviação evoluiu diferentemente dos demais modais
de mobilidade. Isto se deve, segundo Daniel Lopes, da Hytron, às suas próprias peculiarida-
des, tais como riscos gerenciados, autonomias demandadas e requisitos intrínsecos aos sis-
temas de potência embarcados, com destaque para a relação peso-potência das soluções
de propulsão. Esta é uma das razões que dificultam a eletrificação deste setor.
Desta forma, o segmento ainda é dependente das tecnologias atualmente em uso, e dos
combustíveis a elas associados. “Não estamos falando, necessariamente, de combustíveis
alternativos, e sim de rotas alternativas para a obtenção de combustíveis que atendam às
especificações impostas pelos sistemas de propulsão existentes. Esta percepção é funda-
mental, uma vez que a abordagem proposta à problemática de descarbonização do setor
de aviação utiliza a infraestrutura existente.”
Portanto, o desenvolvimento de rotas alternativas para obtenção de combustíveis para
o setor de aviação tem a importância de reduzir o balanço das emissões causadas atual-
mente pela utilização dos combustíveis fósseis. “Os eletrocombustíveis sintéticos (e-Fuel)
acrescentam as vantagens de produzir, de forma renovável, o mesmo combustível utilizado
atualmente, aproveitando a infraestrutura e as aeronaves existentes, melhorando o acesso
aos combustíveis em regiões remotas, com resultados locais diretos no desenvolvimento
social, econômico e ambiental”, conclui Lopes.

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DOSSIÊ - Nas Asas da Sustentabilidade

No “Brasil
remoto”,
inovação
energética
pode gerar
emprego e
renda
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DOSSIÊ - Nas Asas da Sustentabilidade

O projeto ProQR tende a abrir


oportunidade de desenvolvimento,
gerando emprego, renda e aumentando
a arrecadação de impostos

C
om a greve dos veitando a vocação histórica Novo modelo de
caminhonei- do país no uso de biocom- negócios
ros, em maio de bustíveis, exemplificada
2018, todos os pelo etanol e biodiesel. “O projeto já tem projeção
aeroportos do Mas outro impacto do internacional e já foi citado
país sofreram com a falta ProQR não diz respeito exa- em diversos fóruns no exte-
de combustíveis. E não ape- tamente à revolução ener- rior”, sublinha Eduardo Soria-
nas os maiores, com grande gética que a iniciativa pro- no, do Ministério de Ciência
vaivém de aeronaves. Mas moverá: o projeto tende a e Tecnologia. “O grande di-
também os pequenos, loca- beneficiar a vida de milha- ferencial do ProQR é que ele
lizados em regiões remotas res de brasileiros, uma vez pretende criar um novo mo-
do país, e que são altamen- que visa também levar de- delo de produção de combus-
te impactados por qualquer senvolvimento às localida- tíveis aeronáuticos. A ideia se-
problema que ocorra ao lon- des, muitas vezes carentes, ria produzir combustíveis de
go da logística de transporte em que as plantas de gera- forma distribuída como hoje é
do combustível. ção do combustível de avia- feito em todo o mundo”, tam-
“O país precisa de ofertas ção forem instaladas. “Se- bém destaca Soriano.
descentralizadas de com- rão negócios que irão gerar O ProQR criará um novo
bustíveis. É importante para emprego, renda, aumentar o modelo de negócios. “Imagi-
o Brasil gerar localmente, recolhimento de impostos. ne uma ilha onde não é pro-
diminuindo o custo logís- Uma arrecadação que muda duzido combustível aeronáu-
tico e também aumentan- completamente a realidade tico. Nesse caso a aeronave
do a segurança energética”, de um município pequeno”, precisa ir com o combustível
dispara José Mauro Coelho, sublinha Coelho. para a volta, o que aumenta
diretor de Estudos de Petró- Na visão de Daniel Lopes, os custos operacionais. Uma
leo, Gás e Biocombustíveis da Hytron, o ProQR proverá das ideias, por exemplo, se-
da EPE. Aurélio Amaral, uma maior acessibilidade e ria vender as aeronaves para
diretor da Agência Nacional autonomia para comunida- uma companhia junto com
de Petróleo, Gás e Biocom- des, cidades e propriedades uma unidade de produção
bustíveis (ANP), acrescenta rurais, com o abastecimento local de combustível aero-
que o desenvolvimento dos local de aviões em pequenos náutico. Outra ideia seria
combustíveis de aviação aeroportos. Esta facilidade distribuir unidades em aero-
contribuirão ainda para a poderá colaborar para o de- portos, como, por exemplo,
diversificação da matriz senvolvimento local, social em locais remotos como na
energética brasileira, apro- e econômico. Amazônia. “O projeto pode

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ser um divisor de águas, em
termos de modelo de produ-
ção descentralizada de com-
bustíveis, assim como hoje
representa a tecnologia de
painéis solares em residên-
cias”, diz Soriano.
Torsten, da GIZ, concorda:
“a princípio, com a concreti-
zação do ProQR, cada pista
pequena, que muitas vezes
também não é economica-
mente interessante para as
empresas fornecedoras de
combustível, pode ter sua
produção própria. Existem
muitas dessas pistas no Brasil
e mundo afora”, afirma o di-
retor do projeto.
Cada unidade de produção
precisa de pessoal de operação
e de limpeza, especialmente
das placas fotovoltaicas que,
normalmente, alimentarão
a planta com energia elétri-
ca. Além disso, a perspecti-
va é que pistas que passam
a ter combustível disponível
sirvam como pontos de cris-
talização para outros inves-
timentos no local. “Mas isso não só o querosene de aviação. “O PAÍS PRECISA
é somente a hipótese, é cedo Pode-se produzir, por exemplo, DE OFERTAS
para falar em números exa- diesel, gasolina, enfim, qual- DESCENTRALIZADAS DE
tos. O que dá para dizer é que quer outro tipo de combustível,
a tendência de criação de em- abrindo um leque de oportuni-
COMBUSTÍVEIS”
pregos e descentralização da dades locais. “É claro que esse José Mauro Coelho, diretor
produção andam juntas, como projeto tem um objetivo espe- de Estudos de Petróleo, Gás e
aconteceu, por exemplo, com cial, que é a produção do quero- Biocombustíveis da EPE.
a descentralização da geração sene de aviação, mas seria tam-
elétrica”, revela Torsten. bém uma solução, por exemplo,
Ao analisar os objetivos do produzir diesel em locais remo-
Projeto ProQR, José Mauro tos do país, uma vez que estas
Coelho, diretor da EPE, vai localidades têm os mesmos pro-
além: pela síntese de Fischer- blemas logísticos e de altos cus-
-Tropsch, é possível produzir tos para serem abastecidas por
qualquer tipo de combustível, este combustível.”

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DOSSIÊ - Nas Asas da Sustentabilidade

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Uma nova
indústria, limpa
e sustentável,
está a caminho
Inovador, projeto ProQR coloca o Brasil na
vanguarda mundial do desenvolvimento
de combustíveis alternativos de aviação

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DOSSIÊ - Nas Asas da Sustentabilidade

O
desenvolvimento do
Projeto ProQR é acom-
panhado de perto por
diferentes especialistas
da sociedade civil. Se-
gundo Pedro Rodrigo Scorza, coman-
dante e assessor Técnico para Com-
bustíveis Renováveis da Gol, o projeto
tem uma raiz de inovação muito forte,
que é colocar tecnologias conhecidas e
testadas em escala laboratorial (poucas
em escala piloto) em operação con-
junta, de forma compacta e modular,
permitindo a geração de energia lim-
pa em regiões remotas ou em volumes
menores que os atuais, capazes de, de
forma eficiente, atender mercados pe-
quenos. “Exemplo é o grande número
de pequenos aeroportos que temos no
Brasil. O projeto é inovador, nos colo- Pedro Rodrigo Scorza,
cando na vanguarda”, sublinha. comandante e assessor
Ele explica que os combustíveis al- Técnico para Combustíveis
Renováveis da Gol
ternativos de aviação, hoje definidos
pela ICAO (Organização Interna-
cional de Aviação Civil) como SAF Uma nova indústria
(Sustainable Aviation Fuels, ou com-
bustíveis sustentáveis de aviação, em Além da externalidade barril de petróleo e da taxa de
português), ou bioquerosene, como é principal, que são as reduções câmbio, acrescida de custos e
comumente referido no Brasil, são a de emissões, o desenvolvi- margem de refino, além dos
única alternativa factível de neutra- mento destes combustíveis custos logísticos. “A carga tri-
lização ou redução das emissões da criará uma nova indústria no butária média no querosene
indústria de aviação. Mesmo com to- Brasil, gerando empregos e fóssil é muito alta, comparada
dos os esforços dispendidos pelas em- principalmente inclusão so- a outros países, tirando nossa
presas aéreas em ganhos de eficiência cioeconômica, pelo desenvol- competitividade.”
operacional, melhoras de infraestru- vimento de atividades ligadas Ana Helena Mandelli, dire-
tura e avanços tecnológicos nas aero- à agricultura e à indústria, na tora de Aviação da Associação
naves, este conjunto de ações é inca- projeção de Scorza. Nacional das Distribuidoras
paz de neutralizar o crescimento das Da visão das empresas aére- de Combustíveis, Lubrifican-
emissões totais da indústria. “Desta as, também será uma proteção tes, Logística e Conveniência
forma, os combustíveis sustentáveis às oscilações do custo do que- (Plural), reforça que o custo
de aviação são um futuro certo de rosene fóssil, em uma dinâ- logístico tem grande peso no
nossa indústria, oferecendo a capaci- mica econômica distinta, que preço final do produto. Os
dade real de redução de emissões de pode oferecer proteção e head- combustíveis de aviação no
gases de efeito estufa e contribuindo ge às empresas aéreas. A preci- país são produzidos em pou-
para as metas da COP-21 e de descar- ficação do querosene fóssil no cas refinarias, concentradas
bonização da economia mundial.” Brasil está atrelada ao custo na região Sudeste, e precisam

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ser distribuídos aos aeropor-
Distâncias pesam sobre o
tos espalhados por um país
com dimensões continentais.
“Esta distribuição é feita, prio- custo do querosene
ritariamente, por caminhões
tanque. Deve-se considerar os Somente dois aeroportos no Brasil são aten-
problemas enfrentados pelo didos por querodutos: Guarulhos (SP) e Galeão
Brasil quanto a qualidade das (RJ). Todos os demais aeroportos são via cami-
estradas, aos altos valores co- nhão, muitas vezes cumprindo distâncias lon-
brados pelo ICMS, e aos tribu- gas (até 2.000 km) e agregando custo logístico
tos que impactam os princi-
alto ao combustível. O Brasil tem um dos cus-
pais insumos deste transporte,
tos de querosene mais altos do mundo, seja
e ainda à falta de segurança
nessas rodovias.” pelas particularidades logísticas, como pela
E Scorza apresenta números carga tributária aplicada.
que atestam a necessidade de
preocupação com o tema. No
ano de 2017, de acordo com
dados da Agência Nacional de
Petróleo, Gás e Biocombustí-
veis (ANP), 6,7 bilhões de litros Envolvimento da Gol
foi o consumo de combustível
para aviação no país. “Hoje as Ana lembra que a indústria A GOL tem se posicionado
emissões da indústria da avia- de aviação é engajada em au- como apoiadora de diver-
ção representam 2% das emis- xiliar nas questões climáticas sos projetos, incluindo o
sões totais de GEF mundiais, que envolvem o planeta. “E ProQR, buscando o desen-
sendo 1,3% emitida pelos voos os combustíveis alternativos volvimento destes de forma
internacionais e 0,7% por voos trazem avanços significativos que as condições sejam atin-
domésticos. No Brasil esta pro- quando falamos em redução gidas”, diz o comandante
porção é um pouco menor, pois de emissões de carbono.” da companhia aérea. Para
o Brasil tem condições conti- Segundo Scorza, a Gol tem ele, trata-se de um investi-
nentais e a 3ª maior aviação um posicionamento muito mento de longo prazo, em
doméstica do mundo.” transparente com todos os que se propõe a estrutura-
Entre 70% e 90% do querose- projetos de combustíveis sus- ção de uma nova indústria,
ne fóssil é refinado pela Petro- tentáveis de aviação no Bra- uma cadeia de suprimentos
bras no Brasil, e a parcela res- sil, baseado em três pilares: e políticas públicas asso-
tante é importada diretamente deve atender os requisitos de ciadas. “Apoiamos as ini-
pelas distribuidoras. Esta varia- sustentabilidade vigentes, ter ciativas identificadas com
ção está relacionada ao aqueci- qualidade (certificação) e cus- potencial por nossa análise,
mento do mercado de aviação e to compatível com o fóssil. independente da biomas-
a questões mercadológicas. As “Com estas condições sa ou processo industrial: a
importações já representam, em atendidas, nos postamos nossa busca é a real redução
pico, USD 1,5 bi da balança co- como off-taker da produ- de emissões”, complementa
mercial brasileira, o que poderia ção do combustível. Porém, Scorza, lembrando que a Gol
estar sendo produzido no Brasil sabemos que o último pilar participa do projeto desde
de forma renovável. é o grande desafio, o custo. as discussões iniciais.

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DOSSIÊ - Nas Asas da Sustentabilidade

“OS COMBUSTÍVEIS
ALTERNATIVOS TRAZEM
AVANÇOS SIGNIFICATIVOS
QUANDO FALAMOS EM
REDUÇÃO DE EMISSÕES DE
CARBONO”
Ana Helena Mandelli, diretora de
Aviação da Associação Nacional das
Distribuidoras de Combustíveis,
Lubrificantes, Logística e
Conveniência (Plural)

Inovação

Na opinião de Ana Mandelli, da


Plural, o ProQR começa com produ-
tos de aviação, mas rapidamente pode
ser expandido para soluções comple-
tas para o abastecimento de pequenas
cidades, sistemas de segurança públi-
ca ou mesmo complementando outras
indústrias hoje estabelecidas e que
têm resíduos facilmente convertidos
em matéria-prima para o sistema do
ProQR.
Apesar disso, desafios devem ser
Combustíveis de aviação
enfrentados para que o projeto seja
concretizado. “O primeiro é que pre- Segundo Ana Mandelli, diretora de Aviação
cisamos de investidores que acredi- da Associação Plural, a gasolina de aviação -
tem que o projeto será um avanço combustível usado em aviões menores, com
absurdo na forma de abastecer regiões motores a pistão - é um produto com tempo
remotas e fronteiras. Avanços tecno- de vida útil muito pequeno, consumo muito
lógicos precisam de tempo para que se pulverizado e um único ponto de produção
‘provem’”, pontua Ana. nacional. Desta forma, o preço final do pro-
Um segundo desafio é adequar a duto também é muito impactado pela escala.
regulação e a legislação vigentes para “No caso do querosene de aviação, com-
que o produto possa ser comercia- bustível usado nos grandes aviões, com tur-
lizado em larga escala. “E, por fim,
binas, temos também o fato de ser um pro-
trazer o sistema a valores viáveis, que
duto de fácil contaminação, portanto requer
possam proporcionar resultados fi-
nanceiros positivos ao consumidor”, transporte com características especiais.”
conclui a diretora da Plural.

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