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FALAS NA REDE
Ensino e Pesquisa
em História e Educação
Reitor
Ricardo Lodi Ribeiro
Vice-Reitor
Mario Sérgio Alves Carneiro
Chefe de Gabinete
Domenico Mandarino
Rede:
www.revistasobreontes.site
APOIO:
CEDERJ/UAB
Pólo Cantagalo
Ficha Catalográfica
2
SUMÁRIO
PREFÁCIO, 5
3
LIBERDADES PRECARIZADAS: UM ESTUDO SOBRE AS MOVIMENTAÇÕES
INTERNACIONAIS DE FUGA DAS PESSOAS ESCRAVIZADAS NA FRONTERA
OESTE DO BRASIL [1829-1850]
Newman Di Carlo Caldeira, 110
IDEIAS DE ESCRAVIDÃO
Sheila de Castro Farias, 126
4
PREFÁCIO
Educação aqui poderia vir com letra capital, visto que a sua função social nunca foi tão
importante e, ao mesmo tempo, tão atacada. Ensinar e aprender se tornou um
exercício constante de inovação e combate às desigualdades sociais. Assim, o Iº
Simpósio Eletrônico de História e Educação, que foi sediado polo CEDERJ/UAB
Cantagalo, assegurou o seu compromisso de ensino em meio ao cenário pandêmico,
em prol da qualificação educacional de nossa comunidade estudantil.
5
6
O HOMESCHOOLING NO BRASIL PÓS-GOLPE: REPENSANDO A
EDUCAÇÃO FAMILIAR DESESCOLARIZADA
7
Para o teórico ultraliberal Auberon Herbert [1978], refletindo nos estertores do
século XIX sobre a obrigatoriedade do ensino massivo, assim como o Estado
não deve interferir na religião dos cidadãos, também não deveria ter o direito
de ditar o tipo de educação a ser dada para todos os cidadãos. Em teoria, uma
educação estatal não beneficiaria a liberdade dos homens, uma vez que se
apresenta como uma espécie de “favor político”. Tal cunho assistencialista, na
opinião do pensador britânico, criaria uma intensa e incontornável relação de
dependência de determinadas camadas sociais, já que as elites, ao pagarem
impostos convertidos para a educação pública, acreditam poder dirigir a
escolarização de toda a população, enquanto o trabalhador comum não veria
sentido ou mesmo validade na educação escolarizada de seus filhos, fadados a
repetirem seu ciclo de vida integralmente exposto à exploração trabalhista
[Herbert, 1978].
Ao tomarmos contato com tais proposições dos teóricos liberais, resta-nos uma
pergunta: como, então, oferecer um sistema nacional de educação sem a
interveniência direta do Estado? A resposta possível nos encaminha para um
confronto entre as ideias do liberalismo com aquelas experiências que revelam
maior ingerência do Estado no domínio econômico e social, calcadas no estado
de bem-estar democrático, nas políticas de proteção social e nas tentativas de
construção do socialismo, após a revolução russa de 1917. Como bem observa
Moraes [2001, p. 4],
8
liberdade como da igualdade de oportunidades entre os cidadãos. Para levá-la
a cabo, o Estado deveria prover um “mínimo” de educação geral às crianças e
aos jovens [que ele chama de “grau mínimo de alfabetização e conhecimento”],
a fim de contribuir para a aceitação de valores que considera indispensáveis
para uma sociedade estável e democrática, incluindo o make yourself at home
[Friedman, 1962].
9
Em suma, as ideias em que se baseia o homeschooling expressaram uma
orientação liberal, humanista e pedagógica, calcada nas híbridas
movimentações sociais da década de 1970. É também nesse momento que os
escritos de Ivan Illich e John Holt, ao contestarem a estrutura escolar e se
posicionarem contra ela, ganham notoriedade e passam a ser utilizados no
contexto de defesa da regulamentação da educação domiciliar, sobretudo nos
EUA. O homeschooling, portanto, se situa no contexto das mudanças das
políticas educacionais na América do Norte, mais especificamente como
consequência da reforma escolar, a partir da década de 1980 e do programa
da school choice. Não nos cabe, aqui, ignorar os méritos do liberalismo, que
evidencia o papel do mercado no desenvolvimento das forças produtivas e
salienta a necessidade de limitar o poder – ainda que para somente uma
pequena comunidade de privilegiados [Losurdo, 2005]. Mas é preciso atentar
para o fato de que os que insistem em defender que à escola cabe apenas
ensinar currículos, protocolarmente, o fazem com o intuito de destituí-la de seu
papel eminentemente político de socialização e transformação social.
10
2013 mostrava que, nos 190.706 estabelecimentos de educação básica do
país, estavam matriculados 50.042.448 alunos, sendo que 41.432.416 [82,8%]
em escolas públicas e 8.610.032 [17,2%] em escolas da rede privada. O
levantamento atual do INEP mostra, ainda, que o país tem cerca de 2 milhões
de crianças e adolescentes de 4 a 17 anos fora da escola, idade escolar
obrigatória, e que as maiores concentrações de pessoas excluídas do sistema
de ensino estão na faixa etária de 4 anos de idade – com 341.925 crianças fora
da pré-escola – e aos 17 anos – com 915.455 jovens.
11
educação básica internado para tratamento de saúde em regime hospitalar ou
domiciliar por tempo prolongado, conforme dispuser o Poder Público em
regulamento, na esfera de sua competência federativa”, dispositivo incluído
pela Lei n.o 13.716, de 24 de setembro de 2018.2 De qualquer forma, o
atendimento pedagógico domiciliar caracteriza-se por ser um serviço
educacional especializado, desenvolvido na residência do aluno que não pode
participar das aulas nos espaços escolares, por tempo determinado pelo
médico, por motivo de impedimento físico que impossibilita sua permanência e
frequência às aulas [BRASIL, 2002, p. 13]3. Os alunos precisam estar
matriculados nos sistemas de ensino e o professor, ao atendê-lo em sua
residência, disponibiliza condições para o acesso ao currículo, a igualdade de
condições para aquisição de conhecimentos e a permanência do aluno na
escola. Não se trata, portanto, de uma forma de homeschooling, como se vem
questionando inclusive nas instâncias do mundo jurídico.
2
Cf. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13716.htm#art1; acesso de
03-06-2019.
3
Cf. documento do MEC intitulado “Classe Hospitalar e atendimento pedagógico domiciliar”,
disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/livro9.pdf; acesso em 03-06-2019.
4
A esse respeito, sugerimos a leitura do artigo de Theresa Adrião e Teise Garcia, “Educação a
domicílio: O mercado bate à sua porta”, que analisa a atuação do Grupo Pearson, que
mantém um setor especificamente voltado para a educação doméstica. Cf.
http://retratosdaescola.emnuvens.com.br/rde/article/view/783/pdf; acesso em 06-06-2019.
5
Cf. https://avaliacaoeducacional.com/2019/01/25/o-mercado-por-tras-do-homeschooling/;
acesso em 05-06-2019.
12
2011 e 2018, com cerca de 7.500 famílias praticando o homeschooling,
atualmente, perfazendo um total de 15.000 estudantes entre 4 e 17 anos e com
taxa de aumento de participação na ordem de aproximadamente 55% ao ano. 6
Frente a tal quadro de coisas, é pertinente a formulação de Bruce Arai [1999, p.
9], que toma como referência a formação para a cidadania:
6
Cf. https://www.aned.org.br/conheca/ed-no-brasil; acesso em 06-06-2019.
13
Outra grande vulnerabilidade apontada por pesquisadores, no âmbito da
educação domiciliar, diz respeito à concepção basilar dos objetivos gerais e
específicos da educação básica, sugerindo um confronto sobre o seu
entendimento filosófico. Em outras palavras, de que forma o processo
educativo deveria ser tomado: como mecanismo para o bem coletivo ou
somente como validador do conhecimento no âmbito individual? É notório que,
no contexto atual, a escola é uma das principais ferramentas que mantêm
crianças em situação de risco fora do contato com o tráfico, com o trabalho
infantil e com a exploração sexual. Dessa forma, valeria a pena questionar os
porquês da defesa do homeschooling, a pretexto de uma política privada de
proteção à infância e à adolescência, num cenário tão belicoso para outras
infâncias e juventudes que o projeto, por sua natureza particular e antimassiva,
não pode contemplar.
14
os de referência, numa perspectiva quiçá colaborativa, desde que dentro das
prerrogativas constitucionais.
Referências bibliográficas:
Anabelle Loivos Considera é professora da Faculdade de Educação/UFRJ
7
Citem-se, dentre tais movimentos, a “Campanha Nacional pelo Direito à Educação”,
organizada por Daniel Cara; “Aqui Já Tem Currículo...”, campanha da ANPed [Associação
Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação]; Movimento Educação Democrática, um
desdobramento do “Professores contra o Escola sem Partido”, capitaneado pelo professor
Fernando Penna [UFF-RJ]; ou a “Frente Nacional Escola Sem Mordaça”, ligada ao ANDES
[Sindicato Nacional dos Docentes de Instituições de Ensino Superior] – Seção Nacional.
15
HERBERT, Auberon. The right and wrong of compulsion by the state, and other
essays. Indianapolis: Liberty, 1978.
LOSURDO, Domenico. Contra-História do Liberalismo. São Paulo: Ideias &
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. Relatório de estágio pós-doutoral. Relato de investigação apresentado à
Universidade do Minho para a certificação de estudos de pós-
doutoramento, Braga, Portugal, 2011.
16
TRADIÇÕES MÉDICAS CHINESAS E O DESAFIO DA ESCRITA DA
HISTÓRIA NA CONTEMPORANEIDADE
André Bueno
Selo comemorativo das cirurgias feitas com acupuntura, lançado em 1975 [apud
TSUNG, 2011]
17
A Rede Manchete de televisão [1983-1999] foi até o país realizar o
documentário China, o império do centro [1987], cobrindo aspectos diversos da
vida cotidiana, da sociedade, e dos movimentos de modernização. Na primeira
parte do documentário, a partir dos minutos 22:30, a equipe visita um hospital,
onde seria feito um procedimento tradicional de Qigong [ou, manipulação de Qi
[energia]]. O paciente, em estado de transe, é controlado a distância, através
de gestos, por um médico que trata suas pernas até então paralisadas. O
paciente consegue readquirir alguns movimentos, e apresenta melhoras, todas
registradas pela equipe televisiva. A cena é tão insólita que beira a mistificação
ou a suposição de embuste. Todavia, centenas de tratamentos desse gênero
são registrados anualmente no país. Tal como a acupuntura, o Qigong é um
método respiratório e bioenergético surgido nas priscas eras da cultura
chinesa, utilizado amplamente no cuidado físico, na prevenção e recuperação
de doenças. Em 1973-4, no sítio arqueológico de Mawangdui, foi descoberta
um tumba contendo imagens que mostravam exercícios diversos de Qigong,
revelando que esse conhecimento já estava relativamente estabelecido em
torno do século 2 aec.
18
Avançamos agora algumas décadas: em 2019, a cidade de Wuhan detecta
sinais do surgimento de uma pandemia, causada por um novo tipo de vírus,
doravante denominado COVID19. Os chineses correm para tomar as medidas
de controle e prevenção necessárias, realizando a construção de hospitais em
tempo recorde e elaborando um conjunto de orientações para evitar a
proliferação do contágio. Embora todas essas medidas encontrassem suporte
na medicina moderna [leia-se, ‘ocidental’], as ideias de isolamento social para
controle de epidemias já se encontravam prescritas desde a China antiga. No
Hou Hanshu [O ‘Livro da dinastia Han’], relata-se um episódio epidêmico em
que os pacientes são afastados do convívio social para receberem tratamento
adequado, evitando o contágio e recebendo o atendimento apropriado
[ZHENG, 2020]. O já comentado Neijing apresenta vários trechos em que se
recomenda a prevenção contra doenças, incluindo as pandêmicas. Um suporte
significativo para o tratamento de doenças como a COVID19 está na imensa
farmacopeia chinesa, que possui séculos de experiência comprovada no
tratamento das mais diversas afecções, como demonstrado pelo antiquíssimo
livro Shennong Bencaojing [‘Tratado dos Medicamentos de Shennong’]. Não foi
sem assombro que, em meio as notícias da pandemia, os chineses divulgaram
o uso de fórmulas médicas derivadas de sua medicina tradicional, algumas
testadas com bastante sucesso. Não são uma cura para a COVID19, que fique
claro: mas tiveram uma eficácia significativa contra os sintomas principais,
contribuindo para salvar milhares de vidas.
19
debatidas e exaustivamente testadas, contribuíram para a manutenção da
saúde da população, que não por acaso é hoje a maior do mundo. Obviamente,
esses conhecimentos médicos não impediram o surgimento de pestes
devastadoras na China – e o problema do acesso a um sistema de saúde, além
de mundial, é antiquíssimo, e mesmo os chineses não escaparam disso.
Todavia, o que gostaríamos de ponderar nesse breve texto, é de como os
chineses conseguiram construir um sistema de medicina capaz de prevenir
doenças e se revelar eficaz no combate os mais diversos tipos de
enfermidades que tem uma origem milenar, e cujo desenvolvimento tem sido
contínuo. Conquanto a medicina ocidental se mostre bastante eficaz, confiável,
e tenha ampliado de maneira incalculável os métodos e tratamentos
disponíveis, ela é resultado de diversos conflitos epistemológicos, com
mudanças significativas em suas teorias e perspectivas históricas.
Por outro lado, o fato de a medicina chinesa ser antiga não significa,
necessariamente, que ela seria boa – alguns poderiam afirmar que ela, de fato,
teria se tornado imóvel e estagnada no tempo. De ponto de vista de alguns
cientistas, a medicina tradicional chinesa seria uma pseudociência, ou uma
forma de filosofia religiosa. A complexidade desse debate se ampliou, na
medida em que essa medicina começou a ser abraçada e divulgada, no
ocidente, de maneira muito superficial por praticantes esotéricos. Usualmente,
a maioria desses ‘divulgadores’ era inabilitada, amadores, que misturavam
elementos de suas crenças com parcos conhecimentos as práticas científicas e
médicas chinesas. Isso reforçou atitudes orientalistas excludentes contra os
saberes chineses, estereotipados e refutados como ciência. Somente num
período recente de nossa história essa medicina tem recebido uma atenção
mais séria, e suas descobertas tem sido cientificamente testadas e avaliadas.
Mas aceitar os postulados e conquistas da Medicina chinesa significa, por outro
lado, uma revisão de nossos processos de aquisição de conhecimento e uma
releitura de nossas teorias e métodos científicos [SOUZA; LUZ, 2011;
CONTATORE et alli, 2018].
20
intelectuais, religiosas e sociais ocorridas no mundo Ocidental não teriam sido
possíveis, como bem apontou Goody.
Uma introdução histórica sobre a China pode ser feita de várias maneiras.
Usualmente, pensamos em como descrever sua trajetória cronológica,
elencando episódios e personagens que poderiam ilustrar sua milenar
durabilidade. Contudo, um trabalho sobre a Epistemologia da Medicina
Tradicional Chinesa requisita outra forma de abordagem mais específica, que
adentre o pensamento chinês em suas bases racionais e científicas
[JACQUES, 2005].
A China, de fato, merece um olhar mais atento e diferenciado. É uma das mais
antigas civilizações mundiais, que continua a se desenvolver desde a pré-
história até os dias de hoje. Possui, igualmente, a mais antiga tradição
historiográfica existente, que desde períodos ancestrais vem produzindo a
história dessa civilização em um mesmo idioma, e dentro de seu próprio
conceitual teórico.
21
profissionais de pesquisa e ensino de história: o quanto sabemos sobre a
China? Compreendemos o papel da China na história mundial? E o que a
história chinesa pode transformar a nossa própria escrita histórica? Ficamos
abertos ao debate!
Referências
André Bueno é sinólogo e prof. Adjunto de História Oriental da UERJ.
22
APRENDENDO E ENSINANDO COM AS “COISAS”. A ARQUEOLOGIA E
A SALA DE AULA
23
No quadro acadêmico brasileiro, a Arqueologia ainda constitui uma área
institucionalmente recente e incipiente em formação, principalmente na
graduação. Hoje, felizmente, discentes que almejam se formar em Arqueologia
dispõem de alguns cursos de graduação e de pós-graduação stricto sensu
[mestrado e doutorado] em Arqueologia, ou em Antropologia com concentração
em Arqueologia, em universidades públicas espelhadas pelo país, e cursos de
especialização [lato sensu] em algumas universidades privadas. Contudo, a
dificuldade e a deficiência em obter uma formação acadêmica em Arqueologia
no Brasil é somada ao caráter inexistente da disciplina na grade curricular dos
ensinos fundamental e médio.
A imagem da Figura 1 demonstra que, ainda hoje, na grande maioria dos livros
didáticos, a Arqueologia ocupa um espaço minúsculo, geralmente em um
pequeno quadro, e aparece como uma disciplina auxiliar à História. O esforço
em diferenciar as duas áreas de conhecimento “do passado”, Arqueologia e
Paleontologia, nesse exemplo de livro didático para 6º ano, deve ser louvado,
uma vez que o senso comum projeta uma imagem esterotipada completamente
equivocada sobre o objeto de estudo das mesmas. Contudo, conforme
podemos perceber na transcrição do texto com as definições de Arqueologia e
Paleontologia e a proposição de um exercício para os discentes, ainda
permanece um equívoco sobre o objeto de estudo de cada uma delas. A
24
resposta considerada como correta à pergunta colocada pelos autores do livro
que o professor deve fazer em sala de aula indica que “um esqueleto humano
pode ser estudado do ponto de vista social por um arqueólogo, ou do ponto de
vista da Biologia por um paleontólogo”. A formação em Paleontologia, que aliás
é inexistente no Brasil, não capacita o especialista na análise osteológica
humana.
25
ações humanas, e de outro, são resultantes também das ações de fatores
naturais intrínsecos aos aspectos geográficos e geológicos, como condições do
meio-ambiente [clima, umidade, temperatura, aspectos do solo, por exemplo,
acidez e intempéries em geral] que aumentam ou retardam a velocidade do
processo de decomposição dos materiais orgânicos ou inorgânicos.
Por cultura material poderíamos entender aquele segmento do meio físico que é
socialmente apropriado pelo homem. Por apropriação social convém pressupor que o
homem intervém, modela, dá forma a elementos do meio físico, segundo propósitos e
normas culturais. Essa ação, portanto, não é aleatória, casual, individual, mas se
alinha conforme padrões, entre os quais se incluem os objetivos e projetos. Assim, o
conceito pode tanto abranger artefatos, estruturas, modificações da paisagem, como
coisas animadas [uma sebe, um animal doméstico], e, também, o próprio corpo, na
medida em que ele é passível desse tipo de manipulação [deformações, mutilações,
sinalações] ou, ainda, os seus arranjos espaciais [um desfile militar, uma cerimônia
litúrgica]” [BEZERRA DE MENEZES, 1983, p. 112].
26
intencionalidade, necessidades, escolha, conhecimento tecnológico e recursos
materiais, instrumentos, para materializar uma ideia inicial, concretizando sua
existência física e tornando-a manipulável, circulável, funcional e utilizável.
Esse processo constitui as etapas da cadeia operatória dos artefatos, isto é
uma “série de operações envolvidas na transformação das matérias-primas
[incluindo o nosso próprio corpo] pelos seres humanos” [LEMONNIER, 1992, p.
26], que permite reconstruir a biografia das “coisas” [HARDING, 2016].
27
de alguém], um chiclete grudado embaixo do acento, um desgaste em uma
parte específica, uma mancha de tinta ou uma quebra.
28
Algumas dessas características constitutivas da materialidade das “coisas”
podem não ser identificadas no exercício dependendo do objeto selecionado
para a descrição. Além disso, uma ficha tão técnica deve ser adaptada de
acordo com a idade dos discentes que se está sendo aplicado o exercício. Por
exemplo, o docente pode modificar a ficha proposta abaixo segundo seu
público:
29
Dessa forma, enquanto exercício, é importante mostrar também para os alunos
o que é possível ou não de ser alcançado por meio da descrição do objeto.
Dependendo do objeto selecionado, o exercício ficará restrito a uma descrição
técnica, tornando-se mais difícil alcançar interpretações sobre seus usos e
significados sem que haja comparações com outros objetos. Isto não é um
problema, pelo contrário, trata-se, em qualquer área e disciplina, do processo
dinâmico da pesquisa e de construção do conhecimento.
30
Figura 2. Print do site com as opções de quebra-cabeças e do jogo interativo com a
montagem de um dos quebra-cabeças com contagem do tempo.
Este site reúne nossas animações com informações confiáveis sobre a cultura antiga e
novas ideias e recursos para sessões de ensino sobre civilização clássica, arte e
escrita criativa. Professores, palestrantes e alunos, sintam-se à vontade para usar e
citar o site do Panoply Projeto de Animação dos Vasos [tradução nossa].
31
O Grupo de Pesquisa ARISE – Arqueologia Interativa e Simulações Eletrônicas –
surgiu no âmbito acadêmico do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, em 2017.
[...] Percebendo, então, que essa temática da cultura material digital é pouca
explorada no meio acadêmico brasileiro, resolvemos formalizar um Grupo de Pesquisa
junto ao CNPq para tornar nossas atividades oficiais dentro do MAE-USP. [...] Somos
um grupo de pesquisadoras e pesquisadores que têm por objetivo central a análise de
jogos eletrônicos a partir do viés arqueológico e, além disso, também desenvolver
aplicações interativas e eletrônicas que auxiliem nos campos da Educação e
Museologia. Mas, acima de tudo, somos apaixonados por aquilo com o que temos
contato antes mesmo de nos tornarmos arqueólogos: os jogos de videogame!
[http://www.arise.mae.usp.br/nossa-proposta/].
Concluindo este breve ensaio, esperamos ter contribuído de forma positiva com
algumas ideias e reflexões com a proposição de um exercício didático sobre a
leitura das “coisas” para a construção de conhecimento das pessoas e suas
relações socioculturais e com o mundo material que as cercam em um
determinado contexto histórico. Nossa intenção é ressaltar a importância da
Arqueologia enquanto uma área de conhecimento fundamental na construção
de memórias e identidades, inclusive de minorias e grupos sociais excluídos,
por meio da conscientização e da valorização do patrimônio
arqueológico/histórico. A prática didática da Arqueologia em sala de aula
contribui para diminuir o estereótipo da disciplina enquanto expressão
ideológica da classe média, mediada pelos interesses de grupos e
condicionada à disponibilidade de recursos financeiros [Trigger, 2004] e possui
uma contribuição efetiva no processo de conscientização social e política da
nossa própria sociedade.
Referências biográficas.
Camila Diogo de Souza possui bacharelado em História pela Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo
[FFLCH/USP], mestrado, doutorado e pós-doutorado em Arqueologia do
Mediterrâneo Antigo pelo Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade
de São Paulo [MAE–USP], pós-doutorado em Proto-histoire Égéenne na
Maison René Ginouvès [Archéologie et Ethnologie] da Université Paris-
Nanterre, França. Foi professora visitante do Centro de Antropologia e
Arqueologia Forense da Universidade Federal de São Paulo [CAAF/UNIFESP]
[2017-2019]. É pesquisadora da École Française d’Athènes [EfA] e
coordenadora do Grupo de Pesquisas em Práticas Mortuárias no Mediterrâneo
Antigo [TAPHOS-CNPq] e do Laboratório de Estudos sobre a Cerâmica Antiga
da Universidade Federal de Pelotas [LECA-UFPel]. Atualmente, é pós-
doutoranda sênior/pesquisadora visitante do Instituto de História da
Universidade Federal Fluminense [UFF].
32
Bibliografia
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TRIGGER, B. G. História do pensamento arqueológico. Trad. Ordep
Trindade Serra. São Paulo: Odysseus Editora, 2004.
33
VAINFAS, R.; FERREIRA, J.; FARIA, S. de C.; CALAINHO, D.B. História.doc.
6º ano. Ensino Fundamental. São Paulo: Editora Saraiva Didáticos, 3ª Edição,
2019.
34
FIGURAS E INSCRIÇÕES: EM TORNO A UM FAMOSO ESQUEMA MURAL
EM ÓSTIA
Quando vemos uma pintura antiga, até certo ponto estamos diante do mesmo
objeto que os contemporâneos de sua produção viram, salvo o desgaste do
material causado pela passagem dos séculos e, eventualmente, restaurações
posteriores. É certo que a análise de obras de arte remete a algum grau de
abstração geométrica, e é possível, no âmbito da abstração, interpretar uma
obra visual de qualquer tempo de modo análogo à interpretação de outras
obras de arte independentemente do seu hinc et nunc. Do mesmo modo, as
regras de figuração e de apreensão de imagens são inerentes à capacidade
perceptiva humana, o que nos permite a apreciação de obras de todo tempo e
lugar. Uma reta, por exemplo, é desenhada da mesma maneira e percebida do
mesmo modo, seja na antiguidade, seja na atualidade. Mas, isso pode ser
enganoso e gerar interpretações anacrônicas, pois há sempre o risco de
introduzirmos questões estéticas, intelectuais e modos de percepção atuais,
alheios às questões e modos de percepção do mundo antigo, pois nossa
cultura e nosso olhar são diferentes e distantes do olhar, do conhecimento e da
percepção dos artistas, patrocinadores e espectadores antigos.
35
obras visuais nos mundos helenístico e romano, sugerindo uma
correspondência estreita entre textos e obras visuais, não apenas para
confirmar um ao outro, mas também para problematizar, abortar e refutar
qualquer interpretação fácil. Nosso argumento aqui é que esse pano de fundo
helenístico-romano, que criou formas renovadas de se negociar a função quase
simultânea de textos e imagens visuais em obras de arte, pode ser uma boa
maneira de entender os modos romanos de perceber e conceitualizar imagens
e textos em outros contextos além do literário.
36
Figura 1 – Sala 5 – “Sete Sábios”, visão geral. Fotografia: Stephan Mols
Fonte: https ://www.ostia-antica.org/regio3/10/10-2.htm
Figura 2 – Sala 5 - No alto: uma ânfora com a palavra FALERNVM. Na parte central:
Chilon de Esparta. Na parte inferior: uma fileira de homens supostamente em uma
latrina comunitária. Fotografia: Jan Theo Bakker. Fonte: https://www.ostia-
antica.org/regio3/10/10-2.htm
37
Figura 3 – Sala 5 - Sólon de Atenas. Fotografia: Jan Theo Bakker.
Fonte: https://www.ostia-antica.org/regio3/10/10-2.htm
38
Esse mural está localizado em um edifício muito bem estudado, uma grande
terma com diferentes estágios de construção e uso. A discussão sobre o
edifício per se escapa aos nossos interesses, mas há um consenso de que a
chamada Sala 5, na qual o mural foi encontrado, era uma taberna, talvez
pertencendo a um edifício preexistente do final do período flaviano. O que está
em jogo aqui é que, provavelmente, essa sala era usada por um amplo
espectro de pessoas de diferentes origens, ocupações e status social. Quase
todo mundo que alguma vez visitou o edifício era virtualmente capaz de ver e
ler o mural. A parte central mostra os “Sete Sábios" do pensamento clássico
grego, cada um de acordo com uma fórmula iconográfica já bem estabelecida,
com seu nome e cidade de origem inscritos ao seu lado em um grego bastante
erudito. Eles são Sólon de Atenas, Thales de Mileto, Chilon de Esparta e [Bias]
de Priene. Com base nessas quatro figuras, supõe-se que as outras paredes
[danificadas] um dia apresentaram Cleobulos de Lindos, Pittacus de Mitilene e
Periander de Corinto, mas eles não chegaram até nós. Além disso, esses
Sábios estão majestosamente sentados sobre pedestais, o que lembra as
estátuas que podiam ser vistas em muitos espaços públicos, como a
Graecostasis no forum romarum, ou em bibliotecas e jardins particulares em
Roma e além. Em outras palavras, eles são retratados como estátuas, ou
melhor, eles são estátuas, o que nos parece mais apropriado falar sobre essas
figuras. Imagens muito nobres e distintas, pode-se pensar.
39
Para cada Sábio, um sábio adágio sobre indigestão, constipação, flatulência
etc. Infelizmente, poucas inscrições sobreviveram, mas pode-se supor que as
composições das demais paredes seguissem este modelo. Se a iconografia
dessas imagens lembra alguns dos temas mais nobres da tradição filosófica
grega, as inscrições cômicas confrontam qualquer expectativa. Mesmo assim,
os Sábios antigos continuam a ensinar, aconselhar e admoestar os mortais
comuns com “doutos” aforismos.
O público-alvo desta obra de arte era, portanto, as pessoas comuns das ruas,
fossem elas livres, libertas ou, mesmo, escravas. E este esquema mural, antes
de tudo, assume que seus espectadores o “vissem e lessem”. A composição
supõe que os espetadores conhecessem ou, pelo menos, reconhecessem as
estátuas dos Sete Sábios dispostas nas bibliotecas, no forum, nos horti ou em
jardins dos grandes nobres, que tinham estátuas como essas em suas villae,
onde seus visitantes e dependentes podiam vê-las. O mural também supõe que
os espectadores pudessem ler ou reconhecer nomes gregos e versos latinos
em senários iâmbicos. Mesmo no caso das inscrições em prosa quotidiana na
parte interior do mural, é assumido que esta era uma sociedade de um modo
ou de outro letrada. Mais relevante para nós é que, com seu viés cômico, o
40
mural mostra que “a filosofia estava nas ruas”, como J. E. Zetzel [2013]
coerentemente demonstrou.
Comentários finais
Este texto amplia uma discussão realizada pelas autoras no Colóquio Nereida-
UFF Imagens e Corpo: Representações do Mundo Antigo, realizado entre 29 e
31 de outubro de 2019. As autoras agradecem aos organizadores deste
Simpósio Eletrônico pela oportunidade de retomar o tema. Para saber mais
sobre o tópico da visualização na arte helenístico-romana, ver Goldhill [1994],
Goldhill [1996], Zanker [2004] e Tanner [2006]. Sobre as disjunções entre
imagens e textos em obras de arte romanas, ver especialmente: Koortbojian
[1995, p. 1-6] e Petersen [2006, p. 84-120] sobre sarcófagos romanos; sobre
urnas cinerárias, ver Davies [2007]; sobre as relações entre media verbais e
visuais em pedras tumulares romano-britânicas e romano-gaulesas, ver Hope
[1997] e Hope [2001]. De fato, o debate especializado sobre este tema se
concentra na arte funerária romana.
Referências
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and Non-Elite Viewers in Italy, 100 BC – AD 315. Berkeley: University of
California Press, 2003.
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viewing in the Hellenistic world. In: GOLDHILL, S.; OSBORNE, R. [ed.]. Art and
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41
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HOPE, V. Word and pictures: The interpretation of Romano-British tombstones,
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Cambridge University Press, 2006.
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Roman Reflections. Studies in Latin Philosophy. Oxford: Oxford University
Press, 2013, p. 50-82.
42
ENSINO DE HISTÓRIA ESCOLAR: SABERES, PRÁTICAS E
ESPECIFICIDADES
43
de outro saber ou até mesmo de um saber próprio. A Teoria estabelece uma
relação epistemológica com o ato de Ensinar e escrever a História. As aulas
sofrem interferências de acordo com os contextos escolares, criando uma
especificidade epistemológica em relação ao conhecimento escolar. Nesse jogo
de criação, o professor ocupa um espaço de autor neste processo. Como já
sinalizado no trabalho de Mattos [2007], o docente é o autor da aula e não um
sistematizador de conhecimentos anteriormente construídos e divulgados no
cenário acadêmico.
44
representações, muito marcadas pela forma subjetiva como o indivíduo
interpreta ou recria a narrativa que está se apropriando.
Trata-se, portanto, de uma forma de ler a história que destaca as perfurações das
vozes do público presentes no texto ou na aula de história, diante de um ideal de
interesse público, a partir do qual o historiador público, o historiador profissional ou
professor de história compartilham e interferem. [SILVA, 2016, p.13]
45
É fundamental validar a profissão docente desenvolvendo uma narrativa com
base na importância social dessa atividade. Ratificar o seu fazer e demarcar a
docência como um ato que atribui sentido e significação as questões colocadas
pelos conteúdos históricos em sala de aula. O ser professor não é uma tarefa
simples. Requer uma mobilização e uma operação complexa. O repertório de
atuação docente é formado por saberes e práticas específicas, construídas ao
longo da experiência. Nesse aspecto, Tardif [2000] enfatiza que a experiência,
o domínio da prática e a afirmação da identidade são elementos fundamentais
para entender a singularidade do magistério e os seus desdobramentos.
Possibilidade de uma prática que se renova a cada dia, a aula como texto ou o texto
de nossa aula propicia que cada um dos alunos valorize as diferenças, constitua
identidades, crie memórias e exercite a cidadania. E, assim, torne-se capaz de fazer
sua própria história. Mas, certamente, não somente assim! [MATTOS, 2007, p.15]
46
A construção do conhecimento histórico em sala de aula possui uma série de
especificidades. É importante que o professor esteja consciente do debate
teórico, da sua prática e do seu lugar de fala. O professor é o responsável por
atuar em uma realidade marcada pela responsabilidade da sua mediação e
autoria. Estabelece conexões entre Teoria da História e Educação. Opera de
forma sistematizada, a partir da interação entre o conhecimento histórico e as
experiências dos alunos. A sala de aula deve ser entendida como um espaço
público de valorização e construção do conhecimento histórico, no qual o
professor, a partir do seu repertório, faz as conexões e operações entre
saberes e práticas que envolvem o Ensino de História Escolar.
Referências
Diego Caetano Miranda é Mestre em Ensino de História [PUC-RIO], Professor
do Ensino Básico [SEEDUC-RJ] e Mediador de Disciplinas Pedagógicas –
CEDERJ.
47
TARDIF, Maurice; RAYMOND, Danielle. Saberes, tempo e aprendizagem do
trabalho no magistério. Educação & Sociedade, vol. 21, no. 73, p. 209-244,
Dez. 2000.
48
RECONSTRUÇÃO E ANÁLISE DE TRAJETÓRIAS DE SERVIÇOS COMO
POSSIBILIDADES DE ESTUDO PARA A PESQUISA COLONIAL: O CASO
DE D. VASCO DE MASCARENHAS [SÉC. XVII]
49
Uma vez reconstruídos os percursos trilhados por Mascarenhas, foi possível
identificar sua ordinariedade e singularidade ao mesmo tempo, pois embora a
circulação de nobres cujas carreiras se voltaram para a prestação de serviços à
monarquia no reino e ultramar tenha sido comum, ele foi o único sujeito
nomeado vice-rei dos Estados da Índia e do Brasil ao longo de todo o século
XVII e o acesso que teve a postos, títulos e rendas também se deu com algum
caráter de excepcionalidade.
Foi possível enquadrar Mascarenhas como quarto filho homem de uma família
de primeira grandeza, situação que, inicialmente, praticamente inviabilizaria
qualquer possibilidade de tornar-se sucessor ou fundar uma nova “casa”;
entendida como “um conjunto de bens simbólicos e materiais, a cuja
reprodução alargada estavam obrigados todos os que nela nasciam ou dela
dependiam” [MONTEIRO, 2011, p. 137]. Contudo, em razão de uma sucessão
de eventos que tiveram origem na ausência de descendência por parte de seus
tios [pela via materna], da opção pela vida religiosa empreendida por seus dois
irmãos mais velhos, por uma política de incentivo a casamentos mistos [entre
as nobrezas portuguesa e castelhana]e por sua própria escolha em prestar
serviços à monarquia, terminou por fundar uma nova Casa. [CUNHA, 2010]
50
Depois de mapeada a trajetória do personagem e uma vez identificado o capital
social fornecido por seu lugar de nascimento, o terceiro passo consiste na
reconstrução pormenorizada dessa trajetória em cada um dos lugares de sua
atuação, transcorrida em paragens diversas e distantes entre si, e, no maior
das vezes, em ambientes bastante competitivos.
51
que atuou em territórios que possuíam lógicas sociais e econômicas diversas e
também em momentos específicos.
Referências
Érica Lôpo de Araújo é Licenciada e Bacharel em História pela Universidade
Federal da Bahia, Mestre pela Universidade Federal Fluminense e Doutora em
História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atualmente é
Professora Adjunta da Universidade Federal do Piauí. Vencedora do Prêmio
Katia Mattoso de História na modalidade melhor tese em 2018. Autora de: A
52
arte de mandar: trajetória de um nobre português a serviço do Império – Bahia,
Portugal, Goa, séc. XVII. Salvador: Edufba, 2019.
Fontes Manuscritas
ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO – [Documentação digitalizada pelo
projeto Resgate] disponível no site da Biblioteca Nacional Digital, em:
http://resgate.bn.br/docreader/docmulti.aspx?bib=resgate. Acesso em 23 de
agosto de 2020.
ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO – Fundos documentais: Cartas da
Índia, Documentos Avulsos Índia e Livro das Monções, disponíveis apenas
para consulta física.
ARQUIVO NACIONAL DA TORRE DO TOMBO. Fundos: Chancelarias régias.
Disponível em: https://digitarq.arquivos.pt/. Acesso em 23 de agosto de 2020.
Fontes Impressas
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Rio de Janeiro, 1928-1955. Diversos volumes. 112 v. Disponível em:
https://bndigital.bn.gov.br/artigos/documentos-historicos/. Acesso em 23 de
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BLUTEAU, Raphael. Vocabulário Portuguez e Latino, vol. 6. Coimbra:
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CARTAS de El-rei D. João IV para diversas autoridades do Reino.
Academia Portuguesa da História. Publicadas e prefaciadas pelo acadêmico
titular fundador P. M. Laranjo Coelho. Lisboa, 1940. Para Joanne Mendes de
Vasconcelos. Lisboa, 8 de fevereiro de 1646 e Lisboa, 24 de março de 1646.
CARTAS dos governadores da província do Alentejo a el-rei D. João IV e a
el-rey D. Afonso VI”. Vol 2. Publicadas e prefaciadas pelo acadêmico titular
fundador P. M. Laranjo Coelho. Academia Portuguesa da História: publicações
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Lisboa, 1940.
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SOUSA, Antônio Caetano de. Memórias históricas, e genealógicas dos
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até o anno de 1754. Lisboa: Na Regia Officina Sylviana, e da Academia Real,
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PISSURLENCAR, P. S. S. [coord.]. Assentos do Conselho de Estado, vol. III
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53
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YUN CASALLILA, Bartolomé [coord.]. Las redes del império: elites sociales en
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nome. In: MATTOSO, José [dir.]. História da vida privada em Portugal: A
idade moderna. Lisboa: Círculo de Leitores & Temas e Debates, 2011, p. 130-
158.
54
EDUCAÇÃO E CIDADANIA NA ATENAS CLÁSSICA
55
Podemos defender que o propósito máximo da paideía era a formação do kalòs
kagathós [os “bem-nascidos”], do modelo de homem virtuoso pertencente ao
grupo abastado da sociedade, portador da skholé – o tempo livre destinado aos
exercícios das atividades em prol da pólis. Henri-Irénée Marrou [1990, p. 77-78]
sintetiza tal ideia no conceito de kalokagathia, “o fato de ser um homem belo e
bom”. O bom [agathós], corresponde ao aspecto ético, já o belo [kalós], à
beleza física. Ressalta-se que o ideal da kalokagathia é de suma importante
para a vida cívica na pólis [SPIVEY, 2005, p. 56-57].
56
Figura 1A [medalhão]
57
Outros signos que evidenciam ser o personagem um atleta é a presença da
esponja e do aríbalo, aliados ao louterion, recepiente vinculado ao universo do
banho. Logo, esponja, aríbalo e o louterion são indícios de que o atleta está no
ritual da higiene pessoal; ou o banho antes do treino e/ou da competição, ou no
momento após aas atividade realizadas.
Segundo Peter Jones [1997, p. 177], o treinamento físico não visava apenas
objetivo militares, isto porque, a excelência atlética era um dos campos mais
importantes em que os helenos expressavam seu sistema sistema de valores
agonísticos, de competição. Platão [Protágoras, 326c] afirma que a ginástica
propicia um “corpo em melhores condições de servir o espírito virtuoso, sem
virem a ser forçados, por fraqueza de constituição, a revelar covardia,...”
58
O manto do professor é empurrado para baixo para liberar seus braços e
ombros. Um terceiro personagem barbudo está sentado à direita, voltado para
a frente, com as pernas cruzadas na altura dos tornozelos e com a cabeça
voltada para observar as atividades escolares. Ele segura um cajado em sua
mão direita e veste seu manto da maneira usual, cobrindo um ombro. Na
próxima cena um personagem semelhante também estará presente. De acordo
com Calame [2005, p. 98], trata-se do paidagogos, comumente identificado
como o escravo que acompanhava uma criança [pais] à escola. O cajado que
ele porta pode ser entendido, nessa situação, também como um símbolo de
autoridade sobre a criança.
Figura 1B [Face A]
59
baixo até a cintura. Seu jovem aluno está de frente para ele, envolto em seu
manto. O professor, no centro, sentado em um banquinho almofadado voltado
para a direita, segura uma prancheta no colo, com um instrumento para escrita
na mão direita erguida. Seu aluno também está de frente para ele, envolto em
seu manto. Um personagem barbudo está sentado em um banquinho
almofadado à direita, com a parte superior do corpo e a cabeça voltadas para
os outros. Ele segura um bastão em uma das mãos. Mais uma vez temos uma
referência à exterioridade e ao poder masculino. Um pergaminho, uma tábua
de escrever, uma lira, um objeto em forma de cruz e um saco estão
pendurados na parede. Todos signos de interioridade da cena. Há uma
inscrição ao longo da borda superior da cena. Novamente a mesma inscrição
presente na face A da taça, a saber: Hippodamas kalós [Hippodamas é lindo].
Figura 1C [Face B]
[...] quando o aluno aprende a ler e começa a compreender o que está escrito, tal
como faziam antes com os sons, dão-lhe em seu banquinho a ler as obras de bons
poetas, que eles são obrigados a decorar [...].
60
Um signo que também oferece unidade ao enunciado presente nas três
imagens pintadas na taça de Douris é a presença da fita vermelha nas cabeças
dos personagens. Tal signo informa que os personagens foram vitoriosos em
alguma competição atlética, atingindo o objetivo máximo das disputas
esportivas que é vencer. A vitória permitia uma posição privilegiada no interior
da estrutura social da pólis. Não nos esqueçamos de que a pólis era uma
sociedade de honra e vergonha.
Para além das fitas vermelhas, dos signos que remetem ao processo
pedagógico ateniense, das posições simétricas e homólogas dos cinco
personagens, em especial nas figuras 1 B e C, outro elemento que une as três
imagens é o fato de passarem em um ambiente externo. Podemos pensar
nesse espaço como sendo a palestra, campo de exercício cercado de
edificações diversas, e do estádio, pista para corrida a pé [MARROU, 1990, p.
202-203]. Vale ressaltar que as escolas funcionavam em casas ou cômodos
particulares ligados a um campo de treinamento, a palestra [JONES, 1997, p.
174], que poderia ser usado para a ginástica.
61
saberes distante do oficial: regras de boa conduta para falar e agir, ética,
técnicas corporais...
Documentação escrita
ARISTÓTELES. Política. Trad. A.C. Amaral e C. Gomes. Porto: Vega, 1998.
PLATÃO. Protágoras. Trad. Carlos Alberto Nunes. Pará: Editora da UFPA,
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PLATON. Les Lois. Trad. A. Diès. Paris: Les Belles Lettres, 1976.
Documentação material
www.beazley..ox.ac.uk/index.htm
http://www.perseus.tufts.edu/hopper/artifact?name=berlin%20f%202285&object
=vase
Bibliografia
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Vol. 52 [3], p. 336-340, 1948. https://www.jstor.org/stable/500415 [consultado em
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VERNANT, J-P. O universo, os deuses, os homens. São Paulo: Companhia
das Letras, 2000.
62
ENSINO DE HISTÓRIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL E NOS ANOS INICIAIS
DO ENSINO FUNDAMENTAL – BREVES CONSIDERAÇÕES
Elison Paim [2007] declarou que a ditadura cívico-militar e os sujeitos que nela
se formaram consideram a História uma disciplina de segunda categoria – o
primeiro por uma questão estratégica e o segundo por falta de conhecimento,
somada ao comodismo. Beatriz dos Santos [2011] apontou que, após o golpe
de 1964, havia a preocupação do governo militar com a veiculação de
informações e à maneira como o ensino era realizado no Brasil. Essa postura
fomentava uma escolarização que legitimasse a postura do governo, o que
63
levou a promulgação da lei 5.692/71. Esta medida legal instituiu o ensino de
Estudos Sociais em substituição de História e Geografia no primeiro grau. Em
certa medida, existe um legado dessa formação mesmo nos dias de hoje, pois
muitos responsáveis exigem questionários e provas simplificadas, capazes de
serem realizadas por meio da memorização do material didático.
64
espacialidades. Logo, não podemos esperar que essa complexidade seja
facilmente compreendida por alunos mais jovens. Com isso, Liliane Miranda e
Dirlei Schier [2016] destacaram que o professor deve se preocupar com a fase
em que se encontra o aluno ao ensinar qualquer conteúdo, respeitando-se a
capacidade, as limitações e a especificidade cultural, social e histórica do
discente.
Nesse sentido, Vanda Santos e Joila de Lima [2011] sugeriram que o ensino
fosse norteado pelo método dialógico, tendo como uma de suas
fundamentações básicas os pressupostos pedagógicos desenvolvidos por
Paulo Freire em sua “Pedagogia do Oprimido” [2005]. A perspectiva dialógica é
instrumento para que o aluno perceba o seu papel na produção do saber
histórico, além de desmistificar a ideia de que o professor e o material didático
são a matriz são os referenciais para se conhecer a História. Para que os
alunos se percebam como agentes ativos do conhecimento e se compreendam
como parte integrante da produção do conhecimento histórico, o método
dialógico se mostra fundamental. Em virtude dessa especificidade, as autoras
afirmam que a História nos anos iniciais deve aproximar os conteúdos da
realidade particular dos alunos, isto é, a História Local.
65
Maria Aparecida Pereira e Clarice Bianchezzi [2015] expuseram que mesmo
diante dessas possibilidades e em virtude do cenário tecnológico em que
vivemos, dotado novas expectativas para o processo de ensino-aprendizagem,
a História no ensino infantil e nos anos iniciais do fundamental não é ministrada
por professores especialistas desta disciplina. As autoras afirmam que não
existe uma separação precisa entre as disciplinas, pois todas são ministradas
para uma turma inteira por um único professor. Pereira e Bianchezzi pontuam
que, nas décadas de 1980 e 1990, os profissionais da educação responsáveis
por estas etapas do ensino se utilizavam da História para cumprir a carga
horária esperada pelo calendário letivo, sem se preocuparem com o
desenvolvimento do potencial criativo dos alunos.
Se tomarmos o caso dos indígenas, por exemplo, o modo como são tratados
no ensino infantil está longe de ser crítico e problematizado. As crianças são
levadas a acreditar que os membros das sociedades indígenas são todos
daquele modo e saem as ruas de tanga e muitas penas. Os indígenas são
tratados como fósseis vivos, cuja cultura tenta sobreviver em um mundo
incapaz de absorvê-los em virtude dos avanços tecnológicos. Circe Bittencourt
[2014], bem como Pedro Paulo Funari e Ana Piñón [2016] enfatizaram que a
cultura indígena deve ser pensada pela lógica da transformação, afinal,
nenhuma sociedade e as suas práticas se mantêm idênticas ao longo do
tempo. Ao contrário, a relação das sociedades indígenas brasileiras entre si e
destas com os europeus e africanos fomentou a hibridização cultural. Portanto,
inúmeras práticas tidas como indígenas, africanas ou europeias são
estritamente brasileiras e incapazes de se pensarem como dotada de uma
cultura unilateral e/ou predominante.
Ainda nesse sentido, notamos a questão do dia do soldado que não somente
valoriza em demasia a função desta atividade, como também celebra a data de
nascimento de Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias. O elogio aos
feitos de Caxias deve ser problematizado com os alunos dos primeiros anos do
ensino fundamental, assim como as ações dos Bandeirantes do período
colonial. Isso porque aquilo que é visto como heroico é encoberto pelo
maniqueísmo social oriundo da influência do cristianismo católico no Brasil.
Portanto, se existe um herói deverá existir um vilão/malfeitor a ser combatido e
66
dizimado, servindo exemplo moral aos alunos que interioriza essas ideias de
modo inquestionável.
67
ao professor um posicionamento efetivo para assegurar que os seus jovens
alunos sejam percebam esse cenário de modo mais ativo e crítico. Para que
isso ocorra, sugere as autoras, o Estado deve investir na formação continuada
dos professores do ensino infantil e dos anos iniciais do fundamental, pois
raramente são especializados em História. Os professores pedagogos, como
denominaram Pereira e Bianchezzi, precisam de um aprimoramento constante
para romper com os paradigmas de um ensino tradicionalista da História.
Sendo assim, dialogando com Vera Candau [2013], concluímos que o ensino
de História é tanto uma arma contra as demandas de um mundo globalizado
que tende a uniformizar pensamento e práticas, submetendo-as ao
pensamento político-econômico das elites; quanto pode ser um instrumento da
mudança que esperamos da sociedade em que vivemos. No entanto, para que
o conhecimento histórico alcance o potencial esperado, cabe aos professores
fomentarem a capacidade crítica dos alunos, já na educação infantil. Longe de
querermos que os alunos mais jovens pensem em conformidade à múltiplas
temporalidades, relacionando conceitos e contextos históricos variados,
devemos partir do sujeito, da família e do local para que os educandos
percebam como a sua atuação social integra a construção do conhecimento
histórico de sua sociedade, porém, em uma microescala.
68
professores devem buscar aquilo que lhes falta de modo que possamos
promover a mudança no cenário político-social que vivenciamos.
Referências
Luis Filipe de Assumpção é doutor pelo PPGHC-UFRJ e mestre pelo PPGH-
UERJ, com pesquisas voltadas para a Antiguidade clássica grega. O autor
também desenvolve pesquisa sobre Ensino de História e o uso de mídias
alternativas. Atualmente, Assumpção realiza o pós-doutorado no PPGLC-UFRJ
sob a supervisão do Prof. Rainer Guggenberger e atua como professor-
mediador do curso de História pelo consórcio CEDERJ/UAB, polo Cantagalo.
69
PEREIRA, M. A. B.; BIANCHEZZI, C. O Ensino de História nos Anos Iniciais do
Ensino Fundamental: desafios e possibilidades em uma escola municipal de
Parintins/Amazonas. FRONTEIRAS – Revista Catarinense de História, v. 1, p.
87-102, 2015.
70
A DITADURA MILITAR BRASILEIRA NA PERSPECTIVA DAS HISTÓRIAS
EM QUADRINHOS: UM INVENTÁRIO SOBRE AS FORMAS DE NARRAR NA
CULTURA HISTÓRICA DO BRASIL
Marcelo Fronza
Introdução
Este texto pretende inventariar como as histórias em quadrinhos que abordam
a Ditadura Militar Brasileira de 1964-1985 permitem compreender as
dimensões estéticas, políticas e cognitivas da cultura histórica no Brasil que
expressa as estruturas de sentimento que os sujeitos têm sobre aquela época.
O trabalho é produzido a partir do grupo de professores historiadores
vinculados à Associação Ibero-americana de Pesquisadores da Educação
Histórica [AIPEHD], ao Laboratório de Pesquisa em História da Educação
[LAPEDUH/UFPR] e ao Grupo Pesquisador Educação Histórica: consciência
histórica e narrativas visuais [GPEDUH/UFMT], que fazem parte do Projeto de
pesquisa Por uma aprendizagem histórica humanista dos jovens estudantes de
ensino médio a partir das narrativas históricas visuais, que investiga a cognição
histórica situada a partir da Epistemologia da História [SCHMIDT, 2009].
Para Bodo von Borries [2018], existem formas de se lidar com histórias difíceis.
Em suas investigações construiu uma tipologia das formas narrativas dos
fardos da história: 1] histórias hostis em um modelo de vingança e “rivalidade
de sangue” [inimizade herdada] vinculadas a estudos empíricos da cultura
histórica [autobiografias, romances, entrevistas, narrativas históricas]; 2] a
história dos vencedores e da perda/esquecimento dos perdedores [cinismo do
poder]; 3] a história oculta e subalterna dos perdedores e a esperança por uma
71
rememoração histórica [heroísmo da rememoração]; 4] o abandono e
esquecimento da história hostil devido à irrelevância para a vida prática
[prioridade pela sobrevivência em momentos violentos]. Essas histórias foram
geradas pelo sofrimento e não permitem alcançar uma reconciliação histórica.
Alcançar uma reconciliação entre antigos inimigos [vítimas e algozes] é uma
experiência histórica de um movimento em direção de uns em relação aos
outros e na busca por continuar a seguir o mesmo caminho juntos. O caminho
de tornar os humanos mais humanos [BORRIES, 2018, p. 33-34].
72
pelas histórias em quadrinhos sobre a Ditadura Militar Brasileira. Isso,
inventariando como a experiência histórica da ditadura militar está demarcada
na cultura histórica brasileira a partir desses artefatos culturais.
73
FIGURA 1 — Repressão Militar e Guerrilha Urbana. Fonte: PILAGALLO; ROCHA,
2014, p. 108.
As imagens dos requadros da Figura 1 não apresentam uma história dos
sujeitos em ação, mas as ações dos sujeitos estão representadas em uma
história determinista baseada em causas e consequências inexoráveis, e
conforme apresentado nos requadros, desconexas.
74
A estética usada para narrar nessas duas páginas [Figuras 1 e 2], seja por
meio da tortura, da ação dos grupos guerrilheiros urbanos, seja pela
apresentação canônica da imagem do assassinado de Carlos Lamarca, é
acompanhada pela relativização histórica ao apresentar a vitória da seleção
brasileira na Copa do Mundo do México de 1970. Percebe-se, uma
espetacularização da narrativa histórica por meio da explicitação da violência
da cultura do espetáculo que se expressa por uma forma narrativa pautada em
histórias hostis em um modelo de vingança [BORRIES, 2018]. Essa forma
narrativa de história hostil voltada para a vingança expressa uma estrutrura de
sentimento vinculada a uma memória de sofrimento pautada na brutalidade da
repressão do Estado autoritário brasileiro. É também reforçada pelo uso das
estratégias estéticas próprias aos quadrinhos de horror da década de 1970.
Essa espetacularização estética da violência do Estado representada em
imagens desconexas e aterrorizantes do sofrimento de suas vítimas
enfraquece o teor denunciatório que essa narrativa gráfica pretendia
comunicar.
75
Esquina, os quadrinistas Laudo Ferreira e Osmar Viñole [2011] apresentam
como se dava a relação dos músicos no enfrentamento da censura.
76
FIGURA 4 — A Transformação da Obra Musical Em Resistência. Fonte: FERREIRA;
VIÑOLE, 2011, p. 40.
77
um guerrilheiro bem integrado com as comunidades camponesas da região do
Araguaia, como é representado na figura 6 por meio das imagens da história
em quadrinhos.
78
FIGURA 6 — Osvaldão, o Inquebrável: Um Guerrilheiro Negro do Araguaia. Fonte:
VILALBA, 2015, p. 49.
79
Uma das autoras, ao narrar o momento da infância em que perguntou para a
sua mãe onde estava o pai, apresenta, nas imagens, sua mãe contando a
história de lutas que tiveram contra a ditadura. Rememora os diversos
momentos em que ela e seu marido lutaram contra os poderes constituídos.
FIGURA 6 — A Menina Pergunta à Mãe onde está seu Pai. Fonte: FERRAZ;
BORTONE; HELENE, 2012, p. 4.
Um dos momentos mais marcantes foi quando seu pai e sua mãe se
vincularam aos movimentos guerrilheiros de resistência à ditadura, pois
optaram pela luta armada ao invés das formas pacíficas de resistência. Foi
nesse momento da luta que seu pai desapareceu durante um processo violento
de repressão militar.
80
Como forma de resistência, como é evidenciado na figura 8, a filha que narra a
história de sua mãe, representa-se lutando em favor da lei dos desaparecidos
políticos que tem o objetivo de recuperar informações sobre as pessoas
assassinadas pela ditadura militar brasileira.
Considerações finais
Nessa investigação inventariei dois tipos estruturais nas narrativas históricas
gráficas sobre a Ditadura Militar Brasileira. Por um lado, as histórias em
81
quadrinhos que despersonalizam as narrativas históricas sobre a Ditadura
Militar Brasileira a partir da perspectiva da transposição didática, por outro, as
histórias em quadrinhos que personalizam as narrativas históricas sobre a
Ditadura Militar Brasileira a partir de uma geração de sentido histórico.
82
Por conta disso, novas possibilidades se abrem: a investigação de histórias em
quadrinhos sobre a ditadura militar brasileira produzidas por estudantes de
escolas públicas neste em Mato Grosso e em outras regiões do Brasil e a
construção de uma narrativa histórica gráfica a partir dessas formas de narrar a
história desse período conflitivo.
Chegará o dia em que haverá um templo de mármore branco, quando doces incensos
e hinos surgirão na memória de todo homem e mulher que teve um profundo Ahnung,
um pressentimento, um anseio ou uma visão clara da época em que este miserável
reinado de Mammon terminará — quando os homens deixarem de ser “como peixes
do mar” — a sociedade não mais será como uma face onde metade da qual — o lado
da crença, de uma fé insincera — é justa e divina, e a outra metade — o lado dos
feitos e das instituições — com uma pele enrugada, dura e velha, franzida no desdém
de um Mefistófeles.
83
ilegais de maconha com esse tipo de bombas quando, na verdade, ocorriam
massacres militarizados contra jovens resistentes e indígenas. As histórias em
quadrinhos de Henfil são apresentadas, como era o estilo desse quadrinista,
enquanto uma forma narrativa voltada a um modelo de vingança direcionado à
rememoração das lutas dos subalternizados, no entanto, expressa uma
estrutura de sentimento pautada numa dissidência humana radical
fundamentada na solidariedade de uma humanidade igualitária.
Referências
Marcelo Fronza é coordenador do Grupo Pesquisador Educação Histórica:
Consciência histórica e narrativas visuais [GPEDUH-UFMT], Universidade
Federal do Mato Grosso, Cuiabá, Brasil e professor pesquisador no Laboratório
de Pesquisa em Educação Histórica [LAPEDUH-UFPR], Universidade Federal
do Paraná, Curitiba, Brasil.
BORRIES, Bodo von. Lidando com histórias difíceis. In: SCHMIDT, Maria
Auxiliadora; FRONZA, Marcelo; NECHI, Lucas Pydd. [orgs]. Jovens e
consciência histórica. Curitiba: W.A. Editores, 2018, p. 33-54.
FERRAZ, Joana D’Arc Fernandes; BORTONE, Elaine de Almeida; HELENE,
Diana. Brasil: ditadura militar: um livro para os que nasceram bem depois... Rio
de Janeiro: Hama/FAPERJ, 2012.
FERREIRA, Laudo; VIÑOLE, Omar. Histórias do Clube da Esquina. São
Paulo: Devir, 2011.
HENFIL. “Napalm” contra plantação de maconha. Pública: Agência de
reportagem e jornalismo investigativa.1970. Disponível em:
<http://apublica.org/2014/08/napalm-no-vale-do-ribeira/ >Acesso em: 29 out.
2018
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64. São Paulo: Três Estrelas, 2014.
RÜSEN, Jörn. História viva: Teoria da História III: formas e funções do
conhecimento histórico. Brasília: UnB, 2007.
. Cultura faz sentido: orientações entre o ontem e o amanhã. Petrópolis:
Vozes, 2014.
. O que é a cultura histórica? Reflexões sobre uma nova maneira de
abordar a História. In: SCHMIDT, Maria Auxiliadora; MARTINS, Estevão
Chaves de Rezende [Orgs.]. Contribuição para uma Teoria da Didática da
História. Curitiba: W. A. Editores, 2016, p. 53-91.
SALIBA, Elias Thomé. As imagens canônicas e o Ensino de História. In:
SCHMIDT, Maria Auxiliadora; CAINELLI, Marlene Rosa. III Encontro
Perspectivas do Ensino de História. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1999, p.
434-452.
SCHMIDT, Maria Auxiliadora. Cognição histórica situada: que aprendizagem
histórica é essa? In: SCHMIDT, Maria Auxiliadora; BARCA, Isabel. [Orgs.].
Aprender história: perspectivas da educação histórica. Ijuí: Editora UNIJUÍ,
2009, p. 21-51.
VILALBA, Robson. Herói de guerra. In: Notas de um tempo silenciado. Porto
Alegre: Besouro Box, 2015.
WILLIAMS, Raymond. La larga revolución. Buenos Aires: Nueva Visión, 2003.
84
A HISTÓRIA ANTIGA GREGA NA CONTEMPORANEIDADE: O ABISMO
ENTRE A PESQUISA E O LIVRO DIDÁTICO
85
livros e artigos de toda sorte. Cito aqui também a iniciativa louvável do
Laboratório de Estudos sobre a Cidade Antiga, o Labeca, situado no Museu de
Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo. O Laboratório criou um
banco de dados, o Nausitoo, com o objetivo de divulgar maior conhecimento
sobre a pólis grega, destinado tanto a professores da Educação Básica quanto
a pesquisadores, e outros interessados. A partir do mapa do Mediterrâneo, o
visitante pode clicar sobre cada um dos balões, que representam cidades
gregas antigas. Até agora foram catalogadas cerca de duzentas cidades, mas o
trabalho continua. Ao clicar abre-se um verbete que dá acesso a informações e
imagens sobre a cidade. Na parte inferior do lado direito avista-se um
bonequinho, é possível levá-lo a qualquer das cidades e ele mostrará o sítio
arqueológico nos dias de hoje. [http://labeca.mae.usp.br/pt-br/city/].
86
livros, variando entre publicações de 1988 a 1993, dos Ensinos Fundamental e
Médio. Destaco que tais livros eram amplamente utilizados em todo o País.
• O eixo discursivo sobre o mundo grego é a cidade. Alguns autores optam por
utilizar o termo pólis ou cidade-estado. Em apenas uma obra vemos o tópico
‘pólis ou cidade-estado’. Nenhum autor conceitua qualquer dos termos, mas
observa-se em alguns a preocupação em situar o nascimento da pólis ‘a partir
da desagregação do genos, como um lugar de refúgio em momento de perigo’.
• A maioria das cidades evoluiu lentamente para governos democráticos. Apenas
Esparta e algumas outras não mudaram, continuando a possuir governos
oligárquicos.
• As cidades eram autônomas, e passaram, no geral por três fases da evolução
política: monarquia, oligarquia e democracia; depois chega-se ao Período
Helenístico e ao ocaso [‘fim dos gregos’?].
• Muitos autores repetiram a fórmula: a Grécia teve diversas cidades-Estado,
porém as mais importantes foram Esparta e Atenas.
• Um dos autores chega a afirmar que em certo sentido todas as cidades gregas
foram democráticas, se levada em consideração a noção de cidadania que elas
desenvolveram.
87
A representação da cidade grega nos livros didáticos hoje
O livro que tomamos para análise é o principal manual didático utilizado pelas
escolas do município de Caetité, Bahia. Faz parte da coleção voltada para o
Ensino Médio “Contato história”, de autoria de Marco César Pellegrini, Adriana,
Machado Dias e Keila Grinberg, primeira edição de 2016 [PELLEGRINI et al,
2016]. Nosso foco é apenas o primeiro volume, que trata ao longo de doze
unidades da ‘origem do ser humano’ aos ‘Reinos e impérios da África’,
abrangendo, portanto, até o período que convencionamos chamar de Idade
Média.
88
A despeito de no Guia do Livro Didático os pareceristas afirmarem que o
Manual do Professor assessora “na condução da leitura das imagens,
oferecendo comentários e respostas, situando-as historicamente” [BRASIL.
Ministério da Educação. PNLD 2018, p. 74], não há qualquer menção sobre as
moedas ou alguma indicação de como elas podem ser utilizadas como fonte
histórica, na perspectiva esboçada pelo próprio Guia. Apesar de os avaliadores
afirmarem que “A utilização de imagens é um diferencial da obra, pois elas
podem ser discutidas enquanto fonte, permitindo a aproximação com o
cotidiano do estudante do Ensino Médio” [BRASIL. Ministério da Educação.
PNLD 2018, p. 76], não é possível discutir a moeda enquanto fonte histórica
apenas a partir da mera inserção das suas imagens no texto, carecendo,
portanto, de informações adicionais.
89
atenocentrismo [Vide FRANCISCO; MORALES, 2016], suas implicações, e
como sua perspectiva mudou com o passar do tempo, aqui nos atemos ao
papel da historiografia ao eleger Atenas como padrão de cidade grega. Ao
fazê-lo, Esparta passa a ser a escolhida como o antimodelo, o elemento
negativo e necessário de comparação ao modelo positivo ateniense. Frisemos
que a História Antiga está, e sempre esteve, em constante processo de
renovação, que de modo geral ainda não chegou aos livros didáticos da
Educação Básica.
90
característica é consequência da conquista do território pelos espartanos e da
consequente subjugação dos hilotas e periecos, o que representava constante
ameaça, sendo necessário um rigoroso sistema de segurança para
manutenção da ordem. Ressaltam que os hilotas muitas vezes se revoltaram
contra os espartanos [p.120].
Os periecos, que no livro são colocados no mesmo nível dos hilotas, eram
populações livres, assentadas no território de Esparta sob graus de sujeição e
liberdades muito diversificados. Eles faziam parte do exército espartano,
lutando ao lado dos esparciatas [cidadãos de Esparta]. Tenho defendido que
uma identidade comum entre periecos e esparciatas em torno do culto a Apolo,
divindade patrona de Esparta, e de cunho fortemente militar, tenha contribuído
para uma dominação esparciata sem maiores turbulências entre os dois grupos
[RIBEIRO, 2019].
91
nada auxilia na compreensão da democracia ateniense, e muito menos em
uma comparação com as democracias atuais. A versão consultada pelos
autores, conforme nota 9, é de 1998. Não tivemos acesso a essa edição,
consultamos a edição de 1992. Nesta, o capítulo 13, “A democracia”, não visa
discutir a democracia ateniense, mas a moderna. A democracia ateniense é
apenas mencionada. O texto informa que se trata da mais antiga democracia,
direta, onde os cidadãos, apenas dez por cento da sociedade, eram chamados
a participar da vida da pólis, exercendo, portanto, um direito e cumprindo um
dever perante a comunidade. Ressalta que escravos, mulheres e estrangeiros
não tinham direitos civis, estavam excluídos da vida pública, e concluem: “O
que importa, no entanto, é o surgimento do ideal democrático como um valor
novo que se contrapõe à concepção aristocrática de poder” [ARANHA;
MARTINS, 1992, p. 169].
Nas “orientações para o professor”, os autores mais uma vez são excessivos:
“Na segunda metade do século V a.C., Atenas, após a vitória contra os persas
e o estabelecimento da democracia, assumiu uma posição de liderança entre
as outras cidades-Estado do mundo antigo” [p. 341, grifos nossos]. Após as
guerras greco-pérsicas, os atenienses transferem a sede da Liga de Delos para
92
Atenas, começam a utilizar os recursos comuns sem mais prestar contas aos
seus aliados, transformam muitos deles em súditos, todavia estavam longe de
exercer a hegemonia sobre a totalidade das cidades gregas. A outra ponta
coube a Esparta e seus aliados, e muitas cidades simplesmente se mantiveram
neutras, fora das disputas. No mapa “A Guerra do Peloponeso [431 – 404
a.C.]” [p.131], que não é mencionado no texto principal ou nas “Orientações
para o professor”, mas que soa como mera ilustração, vemos em sua legenda
uma área pintada “Estados neutros”. Sem dúvida há uma contradição entre a
afirmação acima e a informação do mapa.
Referência
Márcia Cristina Lacerda Ribeiro é doutora em História Antiga [FFLCH/USP],
Pós-doutora em Arqueologia Clássica [MAE/USP]; Professora de História
Antiga da Universidade do Estado da Bahia; Pesquisadora do Laboratório de
Estudos sobre a Cidade Antiga [Labeca/MAE/USP]. mclribeiro@uneb.br
93
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Temas de
Filosofia. 2ed. São Paulo: Moderna, 1998. P. 176-178.
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PELLEGRINI, Marco César [et al]. Contato história. 1ª ed. São Paulo:
Quinteto Editorial, 2016.
94
O CARRO FALA. UM OLHAR SOBRE A SOCIEDADE OITOCENTISTA POR
INTERMÉDIO DOS MEIOS DE TRANSPORTE [C.1850-1890]
95
convenções que ditavam o comportamento e o gosto, o nosso objeto de análise
oferece camadas de temporalidade [APPADURAI, 1991]. O que proporciona
aos historiadores, a capacidade observar permanências e rupturas de práticas
sociais no cotidiano.
Este cenário pode ser observado por intermédio da literatura inglesa moderna.
Alan James Hogarth oferece ao leitor um estudo interessante relacionando as
mulheres e os meios de transporte, em especial, os veículos de tração animal.
96
A visão preconceituosa contida na obra de John Taylor não ficou restringida ao
mundo das letras e ao período apontado acima. Próximo da passagem do
século XIX para o XX, só que agora no campo das artes plásticas, é possível
encontrar exemplos sutis da representação feminina junto ao veículo em uma
possível transgressão social. É o que podemos verificar, por exemplo, em uma
imagem que faz parte da obra Paris à Cheval, editada em 1883, é que está
disponibilizada em formato digital. Vejamos a imagem abaixo.
Fonte: http://www.cheval.culture.fr/en/page/women_and_carriages
Um primeiro olhar pode fazer com que a cena pareça despretensiosa para o
leitor. Todavia, quando recorremos ao fragmento citado anteriormente e
retemos nossos olhos por mais tempo na pintura, o bucólico e o ingênuo
encontro pode ganhar novas conotações.
Em primeiro lugar, a busca pela intimidade oferecida pela floresta não pode ser
entendida como uma escolha puramente estética. Ao contrário dos grandes
centros urbanos, onde os olhares vigilantes eram múltiplos e, por
consequência, as chances para driblar as convenções sociais instituídas eram
mais escassas, nada mais apropriado do que o silêncio proporcionado pela
natureza para confidenciar os sentimentos sem grandes receios. Em segundo
lugar estão os protagonistas, neste caso, o casal e o choffeur. No que diz
respeito aos apaixonados, não é possível saber se estamos diante de uma
traição conjugal ou de um encontro, no qual o pretendente talvez não possua
as qualificações exigidas pelo pai da moça para uma união matrimonial digna
de suas condições sociais. Não menos importante no enredo é o choffeur.
Responsável pelo manejo do carro, o empregado torna-se cúmplice na ação
amorosa representada, devendo guardar o segredo a sete chaves. Afinal, o seu
silêncio é, ao mesmo tempo, garantia da continuidade dos encontros e, claro, a
manutenção do próprio emprego.
97
amorosas; suas janelas e cortinas contribuíam para assegurar o anonimato de
quem viajava em seu interior.
Uma possibilidade para desfazermos nossa dúvida é olhar com mais atenção
para o modelo de veículo utilizado na obra. Assim como o espaço urbano, os
carros também sofreram significativas modificações no decorrer do seu uso. Os
avanços tecnológicos e as mudanças estéticas foram fatores que contribuíram
para o surgimento de novos exemplares. Logo, estes dois elementos permitem
a construção de um olhar mais acurado para situarmos a cronologia da cena.
Fonte: http://museudoscoches.gov.pt/pt/explore/colecao/
A utilização dos carros como parte integrante do mundo artístico não foi uma
exclusividade circunscrita à Europa. Este importante componente da paisagem
urbana pode ser verificado inúmeras vezes na obra do maior escrito brasileiro
de todos os tempos: Joaquim Maria Machado de Assis. Sabemos desta relação
98
graças à obra Machado de Assis: a pirâmide e o trapézio, publicada por
Raymundo Faoro em 1974.
Outro objeto que pode ser incluído na lista de itens acima são, obviamente, os
carros de tração animal. E, em mais uma passagem de Quincas Borba, obra
lançada em 1892, percebemos que este detalhe não passou em branco para o
nosso escritor. O trecho a seguir é fruto da imaginação de Rubião, após ser
convencido pelo Major Siqueira de que o casamento lhe faria muito bem para o
espírito:
99
quatro ou cinco parelhas guiadas por um cocheiro grave e digno! Outros vinham,
menores em grandeza, mas ainda assim tão grandes que enchiam os olhos. Um
desses outros, ou ainda algum menor, podia servir-lhe às bodas, se toda a sociedade
não estivesse já nivelada pelo vulgar coupé. Mas, enfim, iria de coupé; imaginava-o
forrado magnificamente, de quê? [ASSIS, 1994. Grifo nosso].
É claro que nem todos aproveitaram a nova fase que despontava, muitos
ficaram para trás, foram esquecidos ou ignorados pelos afortunados do novo
momento. Afinal de contas, uma boa herança, um bom casamento ou possuir
economias suficientes para custear uma faculdade, nem sempre estiveram à
mão de grande parte da população. Como diz a sabedoria popular: o sol não
nasce para todos!
Este cenário foi capturado pelo olhar machadiano que vai descrever o
momento por intermédio de uma mulher e do seu veículo. A cena, encontrada
novamente nas páginas de Quincas Borba, revela o sentimento de inveja
despertado por Sofia e o coupé. Sobre a passagem, diz o autor: “A Sofia de
coupé! Fingiu que me não via, mas arranjou os olhos de modo que percebesse
se eu a via, se a admirava. Vaidades desta vida! Quem nunca comeu azeite,
quando come se lambuza” [MACHADO, 1994].
100
A curiosa troca de olhares descrita por Machado de Assis ocupa uma função
importante na trama. O que está em jogo entre os polos em questão,
observador e observado, é o acesso ao bem material, ao privilégio de possuir
um carro que não apenas promovia o deslocamento pelas cercanias, mas que,
igualmente, conferia prestígio ao seu proprietário por onde fizesse caminho.
Traçar comparações entre cidades, por exemplo, pode ser uma de suas
possibilidades. Se os carros foram elementos que viabilizaram o deslocamento
de pessoas e mercadorias, podemos dizer que quanto mais desenvolvido o
centro urbano, mais numerosa foi a sua frota. Por intermédio de anúncios
encontrados nos almanaques publicados pelas províncias, é possível
observarmos esta relação. Na década de 1850, por exemplo, a cidade de
Salvador possuía um número ínfimo de anúncios de cocheiras quando
comparada com a capital imperial [KELLI, 2018]. O motivo para a diferença não
estava apenas na centralidade política exercida pelo Rio de Janeiro, mas
também, pelo fato desta ser o principal centro de consumo do Brasil no
desenrolar do século XIX.
Referências
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[Org.]. História da vida privada no Brasil: Império – a corte e a
modernidade nacional. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
APPADURAI, Arjun. Introducción: Las mercanciás y la política del valor. In
APPADURAI, Arjun et. ali. La vida social de las cosas. Perspectiva cultural de
las mercancías. México [DF]: Editorial Grijalbo, 1991.
101
ASSIS, Machado de. Quincas Borba. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar,
1994. Disponível em <http://machado.mec.gov.br/obra-completa-
lista/itemlist/category/23-romance>. Acesso em 23 jul. 2020.
COSTA, Emília Viotti da. Da monarquia à república: momentos decisivos. São
Paulo: Fundação Editora UNESP, 2007.
FAORO, Raymundo. Machado de Assis: a pirâmide e o trapézio. Rio de
Janeiro: Editora Nacional, 1974.
HOGARTH, Alan James. ‘Hide and be Hidden, Ride and be Ridden’: The coach
as transgressive space in the Literature of Early Modern London. Early Modern
Literary Studies, Vol 17, N°2, 2014, p. 1-20. Disponível em
<https://extra.shu.ac.uk/emls/journal/index.php/emls/article/view/98>. Acesso
em 24 jul. 2020.
KELLI, Marcus Vinicius. Circulando pelo Rio de Janeiro: infraestrutura,
consumo e produção de veículos de tração animal [1808-c.1880]. Tese
[doutorado – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de História,
Programa de Pós-Graduação em História Social, 2018.
SANTOS, Francisco Agenor de Noronha. Meios de transportes no Rio de
Janeiro: história e legislação. Rio de Janeiro: Secretária Municipal de Cultura,
Departamento Geral de Doc. e Inf. Cultural, Divisão de Editoração, 1996.
102
ENSINAR HISTÓRIA COMO CONDIÇÃO E SENTIDO PARA AÇÃO DOS
SUJEITOS EM TEMPOS TRAUMÁTICOS: DESAFIOS DA EDUCAÇÃO
HISTÓRICA
Quem acredita poder deduzir suas expectativas apenas da experiência, está errado.
Quando as coisas acontecem diferentemente do que se espera, recebe-se uma lição.
Mas quem não baseia suas expectativas na experiência também se equivoca. Poderia
ter-se informado melhor. Estamos diante de uma aporia que só pode ser resolvida com
o passar do tempo. Assim, a diferença entre as duas categorias nos remete a uma
categoria estrutural da história. [...] é a tensão entre experiência e expectativa que, de
uma forma sempre diferente, suscita novas soluções, fazendo surgir o tempo histórico.
[KOSELLECK, 2006, p. 312]
Peter Lee [2011] e Joaquim Prats [2015] concordam que a disciplina de História
está sempre numa posição vulnerável. Quando se pretende reduzir o tempo de
currículo, ela é sempre uma das candidatas a cortes ou a integração noutras
disciplinas. No entanto, e paradoxalmente, sempre que o currículo está em
discussão, é invariavelmente a História que é o foco de controvérsia. Há
sempre uma cobrança que o conteúdo histórico não se adequa às demandas
sociais de nosso tempo presente. Segundo Lee
A razão para o ensino de História em escolas não é para que os estudantes possam
usá-la para fazer outras coisas, ou para mudar ou preservar uma forma particular de
sociedade, ou até mesmo expandir a economia. A razão para ensinar História não se
deve ao fato dela mudar o mundo, mas sim que muda os estudantes, muda a maneira
que eles veem o mundo. [LEE, 2001, p.43]
103
ensino escolar da História como é perspectivado hoje nas escolas não se
articula entre o conhecimento da prática e o conhecimento científico. Se
ensinar história tem que partir das carências de orientação da vida prática
como conseguir isto com a organização engessada e tradicional dos livros
didáticos de História? Algumas pesquisas já concluíram que os jovens tendem
a explicar o mundo e suas escolhas a partir de experiências do presente,
porém a formação que estão tendo sobre História não reflete na constituição do
pensamento histórico. Bem como as relações que os jovens organizam como
orientação temporal é o presente que os orienta, pois o lugar onde vivem e o
tempo que estudam são destituídos de História e o passado não os motiva nas
suas tomadas de decisões. [PYDD NECHI,2017].
104
foi na turma do 3º ano do curso de História matutino]. O estudo exploratório
focalizava o conceito de “História controversa”, Histórias difíceis ou dolorosas”
e sua relação com a História do Brasil. Segundo Barca [2004], o levantamento
sistemático das ideias prévias dos alunos no início de um curso é fundamental
para ser delinear o percurso entre o momento inicial e o momento final da
intervenção educativa.
105
são os pontos iniciais para os conceitos de valores humanos na natureza
humana. Eles nos levam à necessidade de educação, auto cultivação e
solidariedade social. [PYDD NECHI, p.70]
Um outro estudante optou por entender que seu compromisso é com a História
ciência e sua forma de ensinar:
106
quais o tempo se coloca às pessoas. Inicialmente, o tempo se apresenta de
forma natural, ou seja, todos nós nos deparamos com o fluxo contínuo do
tempo, o qual atua como impeditivo dos projetos que concebemos. O “tempo
natural” é o tempo da vida, da mortalidade. Assim, sua passagem se constitui
como obstáculo para a satisfação de nossos interesses à medida que
apresenta as mudanças ocorridas no mundo e em nós mesmos, sejam as
marcadas pelas alterações tecnológicas, culturais, econômicas, políticas e
sociais, sejam as reveladas pelas rugas do rosto ou pela lentidão do nosso
caminhar.
107
modo que este componha nosso repertório analítico, ou seja, desenvolver
literacia histórica [SCHMIDT, 2009] para o exercício no espaço de experiência
com vistas a prospectar o horizonte de expectativa. Em resumidas palavras, ter
consciência histórica implica conhecer o passado com o fim de se direcionar-se
no presente numa orientação com sentido próprio, construído racionalmente
para uma ação intencional futura, mesmo que está não possa efetivamente ser
realizada no tempo natural, mas adentrar a transcendência do tempo humano.
A lide dos seres humanos com o tempo sempre existiu. É condição histórica.
Coube, cabe e caberá a todos nós o envidar de esforços para conscientizarmo-
nos perante sua passagem, gerando sentido para a vida.
[...] “História” é exatamente o passado sobre o qual os homens têm de voltar o olhar, a
fim de poderem ir à frente em seu agir, de poderem conquistar o futuro. Ela precisa ser
concebida como um conjunto, ordenado temporalmente, de ações humanas, no qual a
experiência do tempo passado e a intenção com respeito ao tempo futuro são
unificadas no tempo presente. [RÜSEN, 2001, p.74]
Destarte, a História, para ser compreendida como tal, deve se relacionar com a
vida. A consciência histórica é o que torna aparente essa relação na forma de
experiências vitais orientadas que revelam identidade. Consciência que se
constitui por meio do pensamento histórico que reflete a respeito das
experiências de si e da sociedade, revelando-se em forma de narrativas
organizadas para darem sentido à vida, em quaisquer tempos, sobretudo em
tempos traumáticos, desafio constante de uma Educação Histórica que objetive
contribuir para a luta constante pela dignidade humana a todos.
Referências
Marlene Cainelli é Pesquisadora dos Programas de Pós-Graduação Mestrado e
Doutorado em Educação e História da Universidade Estadual de Londrina.
Investigadora do CITCEM- Centro de Investigação Transdisciplinar: Cultura,
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didática da história: reflexões a partir da consciência histórica de jovens
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Ensino de História. Centro de Letras e Ciências Humanas, Universidade
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parecidas. Proposta de atividade do livro. Jerusalém: YadVashem, s/d.
109
LIBERDADES PRECARIZADAS: UM ESTUDO SOBRE AS
MOVIMENTAÇÕES INTERNACIONAIS DE FUGA DAS PESSOAS
ESCRAVIZADAS NA FRONTERA OESTE DO BRASIL [1829-1850]
110
autoridades envolvidas e fora das definições legais dos Estados que os
acolhiam, nos casos internacionais. Ao migrarem, os fugitivos passavam a se
sujeitar a um conjunto de leis e práticas sociais até então provavelmente
desconhecidos da maioria dos prófugos, mas que, de todo modo, passariam a
regular suas vidas e suas possibilidades. Mesmo sem conhecer os meandros
jurídicos em relação à situação que enfrentariam ou de possuírem garantias
legais de que melhorariam suas condições de vida e de trabalho, muitos
escravizados que habitavam o lado brasileiro escolheram essa modalidade de
fuga. As oportunidades oferecidas pela mobilidade espacial certamente
motivaram muitos escravizados a fugir.
111
Bolívia um ponto de inflexão, que serve para analisarmos as movimentações
internacionais. A opção dos fugitivos de migrarem para o território de outro
Estado serve, por si só, para problematizar a associação entre as fugas e a
reunião de quilombolas. Outro ponto a ser considerado refere-se à natureza
dos próprios quilombos, que representariam nas palavras de Carlos Magno
Guimarães, uma espécie de “negação da ordem escravista” [GUIMARÃES,
1988, p. 45-53]. No entanto, consideramos que as ilações entre as fugas, a
formação de quilombos e as passagens internacionais ficariam mais bem
contempladas se partirmos da premissa de que os quilombos não
representavam uma negação da ordem, em função da possibilidade de haver
uma convivência pacífica com os parâmetros legais e sociais que regulavam as
sociedades circundantes, como no caso das complexas malhas de interesse e
das relações comerciais que mantinham com diversos agentes sociais
[VOLPATO, 1996p. 231].
112
Os desdobramentos militares das disputas políticas entre os diversos
segmentos da elite, assim como os conflitos sociais decorrentes das
disparidades econômicas existentes no interior das províncias fomentaram a
elevação do número de evasões. Em meio ao Período Regencial [1831-1840],
um movimento político e social de cunho popular que ficou conhecido como
Cabanagem, ocorrido na província do Grão-Pará entre 1835 e 1840, ilustra a
forma como os enfrentamentos entre as elites políticas nacionais ou centrais e
aquelas mais identificadas com os interesses regionais ou locais puderam ser
instrumentalizadas pelas pessoas escravizadas. Em meio aos primeiros
reveses nas lutas contra os cabanos, as tropas oficiais desferiram uma violenta
repressão contra os mesmos, promovendo milhares de assassinatos e
concorrendo para um sem-número de mortes [RICCI, 2007, p. 5-8].
113
função do desconhecimento das autoridades em relação aos limites legais de
suas atuações.
114
momento em que os governantes bolivianos adotaram a primeira carta
constitucional. A carta, apesar de ter proibido a introdução de novos
escravizados e ter previsto a abolição da vigência do trabalho escravizado,
serviu, ao mesmo tempo, para criar um regime jurídico misto ao legitimar a
perpetuação da propriedade escravizada, nos casos em que as transações
comerciais tivessem ocorrido antes da entrada em vigor da carta [JORDAN DE
ALBARRACIN, 1978, p. 33-44].
REFERÊNCIAS
Newman Di Carlo Caldeira é Pós-doutor em História pelo Departamento de
História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo – FFLCH/USP. Professor do curso de História do
Instituto de Ciências Humanas do Pontal [ICHPO], da Universidade Federal de
Uberlândia, Ituiutaba, Minas Gerais, Brasil. Agradeço ao Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico [CNPq] pelo apoio financeiro
prestado à pesquisa. O mesmo destaca que o presente texto é um extrato de
um artigo aprovado para publicação pela Revista de História da Universidade
de São Paulo [USP].
115
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116
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117
GENEALOGIA FLUMINENSE NA PRIMEIRA REPÚBLICA: OS ARNOLDI
BOSISIO
I
Desde 2006, quando eu e meu irmão, Fabio Bosisio, iniciamos uma grande
pesquisa genealógica sobre nossa família, com enfoque na linhagem dos
Bosisios, encontramos muitos desafios e caminhos tortuosos que a própria
família se sentia incomodada em percorrer por inúmeros motivos.
Além dos desafios comuns a qualquer pesquisa – busca por fontes primárias,
compreensão dessas fontes entre outras questões –, a pesquisa genealógica
traz um desafio adicional, pois ela revolve memórias afetivas das famílias, que
nem sempre desejam lembrá-las. Esse tipo de pesquisa também desmistifica
ou corrobora algumas tradições familiares repassadas oralmente por gerações.
Ela reconstrói antigos laços, revivendo memórias outrora adormecidas pelo
tempo e traz à luz histórias ainda não contadas de gerações passadas.
II
Com cerca de quatorze anos de pesquisas, percorrendo instituições como
Arquivo Nacional, Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro, Colégio Brasileiro de
Genealogia, inúmeros cartórios e sítios de busca na Internet, como Family
Search, foram localizadas dezessete certidões – entre nascimentos,
118
casamentos e óbitos –, com as quais foi possível construir a árvore
genealógica.
Com base nesse método apresentado, a árvore foi construída a partir de uma
genealogia ascendente paterna, chegando até ao antenato italiano da família,
que migrou para o Brasil na segunda metade do século XIX, e alcançando até
os avós de 5ª ascendência, segundo a linhagem paterna, tendo uma base de
quatorze indivíduos, sem contar com os filhos. A partir do antenato, isto é, o
último antepassado italiano na linhagem familiar, construiu-se uma árvore
genealógica paterna de 16 costados.
O casamento, entre o século XIX e início do XX, dividia a vida das pessoas em
duas etapas diferentes. Entendido como um acontecimento social, o
casamento estabelecia a continuidade social e familiar daquele grupo, e dava
origem a um novo núcleo que entrelaçaria dois troncos familiares anteriormente
distintos. A união era, muitas vezes, planejada pelas famílias interessadas no
intuito de proporcionar a manutenção dessas famílias como parte de um grupo
específico, seleto e privilegiado [MUAZE, 2008, p. 54]. Portanto, um casamento
entre primos, ambos pertencentes à comunidade italiana do Rio de Janeiro,
não seria algo fora do comum sob essa perspectiva, visto que fortalecia e
119
consolidava ainda mais o núcleo familiar e, num âmbito maior, mantinha a
comunidade mais fechada em si, proporcionando o fortalecimento dos laços
comunitários. De certa forma, reproduzia-se uma dinâmica comum dentro das
comunidades de estrangeiros que viviam na cidade do Rio de Janeiro nessa
época.
Giuseppe e Maria Carolina tiveram oito filhos dessa união: seis meninas e dois
meninos, tendo uma das filhas falecido ainda recém-nascida. A chamada
primeira infância – fase que se iniciava com o nascimento até os três anos –
era uma fase extremamente perigosa, na qual a criança inspirava muitos
cuidados, pois o número de óbitos era muito grande em todas as camadas
sociais – os próprios príncipes imperiais do Brasil, Afonso Pedro e Pedro
Afonso, haviam falecido nessa fase da vida, mesmo cercados com o melhor
que a medicina podia oferecer na segunda metade do século XIX. O cuidado
com a alimentação e a parte física da criança era intenso; da amamentação
aos primeiros passos, o medo da morte súbita era constante.
120
Em consonância com a época, a família Arnoldi Bosisio se voltou a dar uma
profissão e carreira para seus filhos homens. Em abril de 1910, Pedro Arnoldi
Bosisio – indivíduo que o presente trabalho põe em foco – ingressou na
Repartição de Águas e Obras Públicas da cidade do Rio de Janeiro, então
Distrito Federal, como praticante de 1ª classe. Enquanto, João Baptista Arnoldi
Bosisio, em 1913, ingressou como escriturário na Repartição Geral dos
Telégrafos. Ambos órgãos vinculados ao Ministério da Viação e Obras
Públicas.
121
quem gostava do convívio com a natureza e conseguia extrair dela benefícios
para o desenvolvimento da sua cidade. Talvez a atenção com a casa não fosse
tão importante, dado o volume das demandas exigidas pelo cargo. Todavia,
essa vida de isolamento numa região florestal cobrou seu preço.
III
Corria o ano de 1913; Pedro Arnoldi Bosisio já tinha três anos de serviço
público e passaria por uma grande mudança pessoal: o casamento. Aos 31 de
julho de 1913, às 17h15, na Igreja de São José, no Rio de Janeiro, Pedro
contraiu núpcias com Dolores Mendes Ferreira, sob o testemunho de Antônio
Jacinto de Faria e Américo Coda, seu colega de repartição – amanuense na
mesma divisão da Repartição de Águas e Obras Públicas.
Ambos estavam na casa dos vinte anos – Pedro com 27 e Dolores com 24 – e,
pelos relatos familiares, realmente gostavam um do outro. Não era um
casamento arranjado. Todavia, as famílias concordavam e viam com bons
olhos a união, já que, numa sociedade patriarcal, o casamento representava
segurança e estabilidade, principalmente quando o noivo era funcionário
público.
Com o casamento, foram residir no bairro de São Cristóvão. Mas o cargo que
Pedro Arnoldi ocupava demandava grandes temporadas nas matas da
Mantiqueira. Em três anos de casamento, tiveram dois filhos, Nadir [em 1914] e
Waldir [em 1916]. O matrimônio se consolidara.
122
Vivendo há algum tempo nessa região, responsável pela fiscalização e
manutenção da represa e da floresta ao redor dela, Pedro e sua família
estavam distantes de regiões com atendimento médico mais eficiente. Talvez
essa distância e dificuldade de atendimento possam ter custado a vida de
Dolores, mas isso não é possível determinar, pois a doença tinha um alto
índice de mortalidade. Com dois filhos pequenos que presenciaram o
traumático falecimento da mãe, viúvo, com 32 anos, Pedro Arnoldi sentia
grande responsabilidade em suas costas.
IV
A análise de documentos à luz da micro-história possibilita a reconstrução de
trajetórias individuais a partir de uma escala menor e, ao mesmo tempo, ao
afastar o foco, é possível reconstruir o contexto histórico social e cultural em
que aqueles indivíduos estavam inseridos – suas alegrias, tristezas,
dificuldades, enfim, a reconstrução do seu cotidiano.
Pedro Arnoldi Bosisio reconstruiu a sua vida pessoal com um novo casamento,
em 1922, que gerou mais três filhos – um homem e duas mulheres. Sua nova
esposa “adotou” os filhos do casamento com Dolores como se fossem seus.
Continuou como administrador de florestas na região da Mantiqueira, mas, no
início da década de 1930, fixou residência em Inhaúma – uma das estações do
ramal da Estrada de Ferro Rio D’Ouro, da qual Pedro fazia uso para ir e voltar
do trabalho para casa. O segundo casamento durou quase 39 anos, até o seu
falecimento, em 29 de abril de 1951.
Referências
Rafael de Almeida Daltro Bosisio é doutor em História Social pelo
PPGHIS/UFRJ. Servidor da SEEDUC/RJ, SME/RJ e da rede privada de ensino.
123
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77042005000200007&lng=en&nrm=iso. Acesso em 30 ago. 2020.
124
IDEIAS DE ESCRAVIDÃO
Escravidão: definição
É muito comum a interpretação sobre uma relação direta entre escravidão e
exploração do trabalho na produção, para se conseguir rendimento ou lucro. A
escravidão, entretanto, não se relacionou necessariamente à exploração da
força de trabalho de um ser humano sobre outro. Relacionou-se, em suas
primeiras acepções, com a dominação de um grupo sobre outro grupo, em
particular através da guerra. Foi a guerra que produziu pessoas escravizadas,
que podiam, ou não, ter sua mão de obra utilizada para os mais variados fins,
inclusive produtivos. Tornar-se escravo passava primeiro por ser um cativo, um
prisioneiro de guerra, para depois se transformar em escravo.
125
A definição estrutural de escravizar é privar a pessoa do poder, da propriedade
sobre si mesma, ao transferir esse poder a outro. O escravo não detém o
controle sobre sua própria força produtiva. Mas, todos, sejam filósofos,
historiadores, antropólogos ou sociólogos, consideram que a escravidão não
existe como um dado em si: é um processo, que precisa ser devidamente
identificado no tempo e no espaço, inclusive porque pode existir uma esfera
escravista em uma sociedade que não tem um sistema escravista. Portanto, os
estudos sobre a escravidão estão inseridos em uma categoria mais ampla, a de
trabalho compulsório.
126
Aristóteles, então, explica a escravidão pela “natureza”, enquanto que, para os
sofistas, a escravidão é uma convenção, uma lei dos homens.
Para eles, o homem grego não podia ser naturalmente um escravo, a não ser
por “lei”, ou seja, vencido e escravizado em uma guerra, pela violência, em
suma. Já os bárbaros, esses, sim, poderiam ser considerados escravos
naturais, pois não tinham as características necessárias de alma, como tinham
os gregos, naturalmente dominadores.
A influência não foi diferente nas regiões da península itálica, onde a cultura
grega predominou e se consolidou, de forma que até hoje se denomina de
cultura greco-romana. Foi sob a liderança de Roma que se consolidou o
Império, o império romano, no qual a cultura greco-romana conheceu seu
apogeu. A escravidão, já comum na Grécia clássica, se transformou em
estrutural sob o império romano. Na cidade de Roma já não havia espaço para
o trabalho livre. As conquistas se multiplicavam, dominando povos
considerados bárbaros, passíveis política e culturalmente de serem
escravizados.
Roma e cristianismo
A expansão do Império romano se deu até o século I, com o fim das guerras de
conquista, na mesma época em que o cristianismo se difundia aceleradamente.
Deve-se ressaltar que a religião greco-romana era politeísta e o panteão de
deuses greco-romanos, extenso. Contrastava, assim, com os judeus,
monoteístas, de onde surgiu Jesus de Nazaré, cujo nascimento é considerado
o ano 1 do calendário cristão atualmente em uso em nossa sociedade. Durante
127
os três séculos seguintes a conversão de povos ao cristianismo em sociedades
dominadas por romanos foi enorme. A perseguição aos cristãos foi constante,
mas seu auge se deu no tempo do imperador Diocleciano, no início do século
IV, devastadora, com a proibição de culto, torturas, mortes na cruz e cristãos
jogados em circos para serem devorados por tigres e leões.
O islã e a escravidão
Judeus e cristãos eram as duas únicas religiões monoteístas no mundo. A
partir do século VII, outra religião entrou para o rol do que se convencionou
chamar de “religião do livro”, o islamismo. Islã significa “submissão a Deus”. A
religião foi criada pelo profeta Maomé, nascido na cidade de Meca, na
península arábica. Maomé recebeu uma mensagem de Alá, considerado o
criador do Universo e o único Deus, através do anjo Gabriel. Maomé deveria
escrever os versos recitados pelo anjo e transmiti-los ao povo. O conjunto
128
desses versos foi escrito e o livro sagrado chamou-se Corão ou Alcorão. Em
622 d.C., o profeta e os seguidores migraram para Medina, criando a
comunidade religiosa que marcou o princípio de uma nova religião, baseada na
palavra escrita, assim como são livros sagrados o Antigo Testamento para os
judeus e o Antigo e o Novo Testamento para os cristãos.
Por conta dessa ética escravista, o islã foi responsável pela ampliação
exacebada do comércio de escravos, sendo um dos componentes do
sistema econômico islâmico.
129
antiga, no Império romano, entre os árabes, em suma, em quase todas as
sociedades em que havia escravidão.
Alguns estudiosos defendem que, na África, em geral, não teria existido uma
escravidão como a do Império romano ou a do islã, nas quais o escravo era
também uma mercadoria, mas uma escravidão de linhagem. Essa tipologia
está relacionada a situações em que a sociedade tinha escravos, mas não era
economicamente deles dependente. Também não haveria compra e venda de
escravizados. O escravo colocava-se em uma relação de dependência, na qual
ele representava o aumento do número de pessoas nas mesmas funções,
inclusive trabalhando lado a lado com seus senhores. Isso significava
consolidar ou ampliar o poder de um grupo, de um clã ou de uma linhagem.
Nesses casos, o escravo e seus descendentes se incorporavam, via de regra,
à família do senhor, embora em uma situação subalterna.
Abordagem divergente
Alguns pesquisadores, entretanto, como o africanista John Thornton [A África e
os africanos na formação do Mundo Atlântico – 1400-1800, ed. Campus, 2004],
por exemplo, chegam a outras conclusões sobre a participação da África no
comércio de escravizados. Criticam os que consideram que a África era uma
região passiva frente à voracidade de outros povos. Para eles, é uma
interpretação vitimizadora, pelo menos desde a Segunda Guerra Mundial, e foi
130
muito utilizada como estratégia para o fortalecimento dos nacionalismos
africanos após a descolonização. Nas décadas de 1960 e 1970, argumentos
defendiam a ideia de que o eurocentrismo e o poder ocidental prejudicaram a
África, atrasando seu processo de desenvolvimento, desde muito antes da
colonização imperialista do final do século XIX, portanto, ainda no período de
tráfico de escravizados pelo oceano Atlântico.
131
A partir do século XV, portanto, Portugal, principalmente, investiu no
conhecimento da costa da África ocidental, recebendo de lá ouro, pimenta e
escravizados. A reutilização da obra de Aristóteles A Política foi fundamental
para a justificativa da escravização de negros africanos entre os séculos XV e
XVIII. Ela foi o eixo moral e ético apropriada por teólogos, religiosos e
estadistas para a dominação. Espelhando-se na escravidão natural de
Aristóteles, os letrados cristãos consideraram que a escravidão seria permitida
por Deus como consequência do pecado original.
Mas foi com Santo Tomás de Aquino [1225-1274], considerado o maior teólogo
cristão medieval, ao lado de Santo Agostinho, que se desenvolveu a
concepção com base aristotélica sobre a escravidão: alguns nasceram
potencialmente escravos. Tomás de Aquino [Suma Teológica] cristianizou a
filosofia aristotélica e chegou quase a contradizer a tradição cristã, segundo a
qual a escravidão era oposta à natureza fraterna dos homens.
132
Entre os séculos XV e XVIII, letrados e teólogos se debruçaram sobre as
teorias desses pensadores cristãos, influenciados pela ideia de escravidão
natural aristotélica, para justificar a escravidão: a troca da liberação do pecado
original através do batismo por serviços compulsórios terrenos.
133
trabalho. Algumas características representam a eficácia da dominação: era
estrangeiro, coagido ao trabalho pela violência; era uma propriedade, podendo
ser comprado e vendido; a condição de escravo era herdada da mãe, do
ventre; foram totalmente explorados como força de trabalho, para enriquecer
proprietários e comerciantes.
Tudo mudou a partir do século XVIII. A escravidão como sistema foi duramente
criticada, e perdeu sua legitimidade teórica, porque teológica. Para começar, o
Iluminismo, ou Ilustração, foi um movimento eminentemente anticlerical. A
razão passou a explicar os fenômenos, quer naturais ou humanos, em
substituição aos argumentos religiosos.
Iluminismo e escravidão
Um dos principais expoentes do pensamento ilustrado foi o filósofo genebrino
Jean Jacque Rousseau [1712-1778], que escreveu sobre a liberdade, em
oposição à escravidão, em dois estados, o da natureza e o da sociedade. Em
Do Contrato Social [1757], Rousseau dedica um item inteiro a tratar da
escravidão, para afirmar sua realidade, mas a explica pela coerção física, não
pela natureza desigual da humanidade. Nesse ponto, discorda inteiramente de
Aristóteles, a quem cita, e discorre sobre a escravização, que poderia ser
explicada da seguinte forma: em uma guerra, o vencedor tem o direito de matar
o vencido, mas pode optar por não o fazer em troca de sua escravização. Mas,
ressalta, é um direito estipulado por lei, não é natural, é a lei do mais forte,
violenta. Volta-se, assim, aos debates da filosofia grega do século IV a. C., que
divergiam sobre ser o escravo um ser natural ou resultado das leis humanas. A
Ilustração apostou na segunda alternativa.
134
A conclusão que podemos chegar é a de que a escravidão moderna, atlântica,
da África para a América, foi um sistema que enriqueceu ou aumentou o poder
de chefias locais africanas e comerciantes ocidentais. Os penalizados foram as
sociedades menos militarizadas, compostas por camponeses distantes das
decisões políticas e religiosas. Foi um massacre de certos grupos sociais sobre
outros. Nada tinha a ver com cor da pele.
Referências
Sheila de Castro Faria é professora aposentada do Departamento de História
da UFF
135
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Transformações. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
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VAINFAS, Ronaldo. Ideologia e escravidão. Os letrados e a sociedade
escravista no Brasil colonial. Petrópolis: Vozes, 1986.
136
REFLEXÕES SOBRE A DINÂMICA COLONIAL NA EDUCAÇÃO
BRASILEIRA
137
invisibilizando outras formas de pensar a educação, outras culturas, num
processo permanente de apagamento das diferenças, como também estruturar
a dominação europeia [ARANHA, 2006, p. 139].
138
jovens e adultos, as reflexões realizadas aqui podem ser assumidas como uma
problemática da educação brasileira.
139
Desse modo, essa reflexão, que se constitui a partir da perspectiva dos povos
colonizados, do antagonismo colonizado/a e colonizador/a, para fora do eixo
eurocêntrico e se inicia com Aimé Fernand David Césaire [1913-2008],
defensor das raízes africana, crítico da opressão cultural do sistema colonial
francês, poeta, político e jornalista martinicano; Franz Fanon [1925-1961],
psiquiatra, ensaísta e filósofo, também martinicano e Albert Memmi [1920],
professor e escritor tunisiano, de origem judaica [BALLESTRIN, 2013, p. 92].
140
Para o enfrentamento daquela alienação Fanon [2008] propõe, a desalienação,
que implicaria na conscientização daquele/a subalternizado/a das realidades
econômicas e sociais. Saber o porquê da sua fixação no lugar de inferior, saber
quais as causas econômicas e sociais que o/a levaram a estar neste lugar,
implicando em tomar consciência de si e das estruturas sociais, políticas e
econômicas o/a levam a permanecer nesse lugar de subalternização.
141
Nos escritos de Freire [1987, p. 44-45] encontramos a concepção de que o
diálogo possibilita a transformação da realidade, porque se funda em uma
relação horizontal, simétrica, onde educador[a] e educando/a precisam desejar
a troca, a conversa, o diálogo que, segundo o autor permite o encontro entre o
“refletir e o agir dos sujeitos”. A sua impossibilidade reside “entre os que negam
aos demais o direito de dizer a palavra e os que se acham negados deste
direito” [FREIRE, 1987, p. 44-45]. O diálogo permite o desenvolvimento do
pensar crítico, que significa perceber "a realidade como processo" [FREIRE,
1987, p. 47], um constante devir e não como algo estático. Para tal, é preciso
acreditar na transformação, na permanente humanização do ser humano. No
entanto, não podemos ser ingênuos e acreditar no sucesso do programa
educativo, se não respeitarmos a visão particular do mundo do outro, pois isso
se constituiria em uma invasão cultural, mesmo que seja feita com a melhor
das intenções. [FREIRE, 1987, p. 49]. E é a partir desta proposta de respeitar a
visão particular do mundo do outro e de ir à direção contrária à invasão cultural
é que podemos inserir Freire no rol dos autores pós-coloniais.
142
dos sujeitos inventados como diferentes facilmente localizados nos espaços
onde dinamizamos projetos de educação em todos os níveis.
Podemos afirmar que quando se trata, por exemplo, da relação entre mulheres
negras, trabalhadoras domésticas e suas subjetividades – inventadas ao longo
das suas existências e marcadas pela desconstrução histórica de duas
identidades, ou identidades negativas - e suas/seus patroas e patrões -
também estes com suas subjetividades construídas historicamente - o que está
em manifesto é a colonialidade do poder que está implícita em “todas e cada
uma das áreas de existência social e constituem a mais profunda e eficaz
forma de dominação social, material e intersubjetiva” [QUIJANO, 2002, p. 4].
143
indivíduos não pertencentes à cultura hegemônica ou que [talvez] não a
dominem, são alijados. Nesse padrão de poder, as relações sociais, a
educação se estabelecem de forma assimétrica, onde determinados grupos
não têm direito a educação, de viver a experiência de ser cidadã ou cidadão, e
sim o dever de trabalhar em atividades desprestigiadas, porque não
escolarizados/as e marcados/as pela cor da pele, só lhes resta servir.
A busca por outras formas de atuar é contribuir para a reflexão acerca dos
processos de alfabetização/educação de jovens, adultos e idosos, mulheres e
homens negros. É a partir da compreensão de que é preciso pedagogias
outras, tendo como base a reflexão sobre nossas práticas educacionais. Se
quisermos contribuir para a mudança desse processo permanente de
desigualdade que atinge a população negra, homens e mulheres é
precisaremos refletir sobre a alfabetização/educação como processo
colonizador, que invisibiliza, desempodera e aliena; e como possibilidade
decolonial, na medida em que valoriza saberes, empodera, desaliena.
Referências
Sonia Maria Vieira da Silva é Mestre em Educação, pela Universidade Federal do
Estado do Rio de Janeiro [UNIRIO].
144
FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Salvador, Bahia: EDUFBA,
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37, 2002.
145
A PRIMEIRA MISSÃO DIPLOMÁTICA DO PADRE ANTÔNIO VIEIRA AOS
PAÍSES BAIXOS [1646]
Thiago Groh
A ida de Vieira ao reino era motivada pelo temor de ser declarado inimigo do
novo rei, à medida que havia proferido no primeiro dia do ano um sermão
elogioso ao rei Filipe III de Portugal. Isso ocorrera por que as notícias sobre a
aclamação de D. João IV chegaram ao Brasil apenas em fevereiro de 1641,
pouco mais de 1 mês da ruptura com Espanha [GROH, 2015 p.151]. Apesar
das suspeitas de lealdade ao novo monarca, o jesuíta logo cai em suas graças
e passa a ocupar posições de prestígios junto aos serviços religiosos da corte e
também se tornando pessoa de confiança do rei. Figura complexa, que viveu
por quase 90 anos, Vieira passou por altos e baixos junto aos monarcas
portugueses. Era como bem coloca Ronaldo Vainfas, uma fênix. Sempre
ressurgia após um fracasso político [VAINFAS, 2011]. E é assim, que o jesuíta
convence ao rei para ser enviado em missão diplomática no ano de 1646 para
Paris e Haia e parte para sua primeira aventura com diplomata em um contexto
complicado para Portugal, principalmente na relação com os holandeses que
de parceiros comerciais passaram a inimigos.
146
diagnósticos de Filipe IV, e para tanto uma rede articulada e eficiente de
diplomatas foi necessária. D. João IV não ousou então em enviar
representantes as principais cortes [França, Inglaterra, Suécia, Holanda e
Roma] logo nos primeiros meses de seu governo.
De Paris seguiu para os Países Baixos com uma parada na cidade de Rouen
onde havia outra importante comunidade sefardita portuguesa. O jesuíta tinha
consciência da importância desses homens para o reino, tanto
economicamente como socialmente, desde 1644 já os defendia em público,
conclamando pela volta desses homens e o relaxamento das perseguições
inquisitoriais. O Sermão de São Roque de 1644, pregado na capela real diante
de toda a corte, é o marco inicial das ideias do jesuíta sofre os judeus, ao
menos publicamente. Nesse mesmo sermão ele defende a criação de uma
companhia comercial [VIEIRA. 1858]. Sobre a passagem de Vieira por Rouen
podemos inferir um pouco do que lá fez e dos favores que obteve por meio de
sua carta remetida a comunidade local, logo que chegou a Haia [VIEIRA,
1925].
147
embaixada e ouviu ainda de Sousa Coutinho reclamações sobre as demoras
no envio de notícias de Lisboa e de orientações para o estabelecimento de um
acordo com os holandeses.
148
Referencias
Thiago Groh é graduado em licenciatura e bacharelado em História pela
Universidade Estadual de Londrina no Paraná [UEL], onde também obteve o
título de Especialista em História Social. Mestre em História pela Universidade
Federal Fluminense [UFF] e doutor pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Atualmente é professor adjunto na Universidade Federal do Tocantins,
campus de Araguaína. É autor da obra O Embaixador Oculto: O Padre Antônio
Vieira e as negociações entre Portugal e os Países Baixos. Editora Prisma:
Curitiba, 2015
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149
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VAINFAS, Ronaldo. Traição: um jesuíta a serviço do Brasil holandês
processado pela inquisição. São Paulo: Companhia das Letras, 2008
. Antônio Vieira e o “negócio do Brasil”: derrotismo pragmático e
estratégia política. In: AZEVEDO, Silvia Maria; RIBEIRO, Vanessa Costa [org.].
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. Guerra declarada e paz fingida na Restauração Portuguesa. Tempo
[online]. 2009, vol.14, n.27, pp. 82-100
. Jerusalém Colonial: judeus portugueses no Brasil Holandês. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2010
. Antonio Vieira: jesuíta do rei. São Paulo: Companhia das Letras,2011
150
A TRANSMISSÃO DO CONHECIMENTO CLÁSSICO COMO ALTERNATIVA
PARA PENSARMOS A EDUCAÇÃO NA PERSPECTIVA DA BNCC
151
ativa do conhecimento: será que os professores do ensino básico, formados
como historiadores, compreendem a quantidade de ferramentas que o mundo
pré-industrial pode proporcionar à emancipação do estudante como sujeito
autônomo dos seus interesses? A princípio, percebo que o problema talvez
seja uma questão de desconhecimento. Ou, ao contrário, nos falte maior
empenho metodológico para pensar como o conhecimento clássico pode
oferecer aos docentes exemplos diretos, vinculados aos dilemas atuais acerca
da diversidade e do multiculturalismo.
Entretanto, creio que há matizes ainda mais próximos que nos una aos antigos.
E aqui me refiro à forma com a qual eles idealizavam, obtinham e exercitavam
o conhecimento em suas práticas sociopolíticas e educacionais. Ao invés de
percorrer a trajetória do conhecimento pela via do conteúdo, das práticas
políticas, sociais, econômicas ou religiosas, penso que seja interessante
investigarmos o vínculo que temos com a cultura clássica por meio dos estilos,
das composições... ou seja, praticarmos um exercício de forma.
152
longo de todo o documento. Em primeiro lugar, a retórica é uma ciência
clássica [tekné, para os gregos, ars para os romanos] que desenvolveu
estruturas, fórmulas e padrões utilizados até hoje na escrita e na oratória do
Ocidente, sem a qual teria sido impossível produzir todo o arcabouço cultural
que chegou até os nossos dias. Acerca desta problemática trataremos mais a
frente.
E digo mais, as experiências passadas até que são revisitadas, mas chegam
até nós vazias de significado e faltam referências que indiquem elos com os
antigos. O encadeamento de referências facilitaria que nossa sociedade
compreendesse os nuances de dois episódios recentes da política brasileira: a
carta enviada pelo Vice-Presidente Michel Temer ao Planalto Federal em 7 de
dezembro de 2015, endereçada à Presidenta Dilma Rousseff, que iniciava a
missiva com o provérbio latino: Verba volant, scripta manent, traduzido como
“as palavras voam, a escrita permanece”; e a ação da Polícia Federal em 2016
contra o esquema de corrupção que envolvia o PMDB e importantes nomes da
política brasileira, como Eduardo Cunha, incluindo lavagem de dinheiro público,
intitulada “Operação Catilinárias”, em referência aos discursos de Cícero no
senado romano contra a corrupção de Catilina [séc. I a.C.]. Em ambos os
casos, a reação pública e o posicionamento de grupos mais populares seriam
diferentes se a carga de significados que os títulos latinos mencionam pudesse
ser decifrada com maior facilidade. Por isso, proponho como alternativa que a
retórica, grega e romana, se torne mais funcional para o nosso ensino,
153
propiciando aos estudantes formas de escrever, de argumentar. Por este viés,
seria a História a disciplina que poderia viabilizar o contato, a mediação, os
recursos basilares para que as experiências do passado fossem vivenciadas e
problematizadas pelas classes dos Ensinos Fundamental e Médio.
154
Exatamente por isso abundam ensaios e manuais sobre a arte de discursar, de
escrever e de ensinar. Desde o Fedro, de Platão à Ética a Nicômaco, de
Aristóteles; diversos tratados romanos como a Retórica a Herênio, além de
inúmeros escritos de Cícero, como o Sobre o Orador; destacam-se também o
Dialogo sobre os Oradores, de Tácito, e a monumental obra de Quintiliano, a
Instituição Oratória.
O que traduzimos hoje como “todo conhecimento” ou Literatura, pela ótica dos
antigos, não limita a retórica ao campo teórico ou restrito ao espaço dos
discursos políticos. O conhecimento de todos os assuntos precisa ser expresso
na vida prática; nas relações humanas, de cunho privado ou público; precisa
estar estampado nas vestes, nos adereços; e percebidos na postura, nos
gestos, nas estratégias e movimento do corpo. Esta reflexão está
metaforicamente reproduzida por Tácito, no Dialogo sobre os Oradores [V, 5]:
“Não há couraça nem espada que sirva de proteção durante a batalha como a
eloquência serve para o réu que está em perigo; arma simultânea de defesa e
ataque, com a qual se pode evitar um combate ou contra-atacar, seja no
tribunal, no senado, ou junto ao príncipe”.
155
É curioso, desse modo, que a BNCC considere a Educação Física um
expediente da Linguagem, mas ignore que a retórica clássica também
corresponde a este tipo de formação, encaixando perfeitamente no seguimento
que presa pelo uso de “diferentes linguagens – verbal [oral ou visual-motora,
como Libras, e escrita], corporal, visual e sonora –, para se expressar e
partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes
contextos e produzir sentidos que levem ao diálogo, à resolução de conflitos e
à cooperação” [BNCC, 2015, p. 65].
Referências
Thiago Brandão Zardini possui graduação em História pela Universidade Federal
do Espírito Santo [2005], com experiência na área de História de Roma. É
mestre em História, na área de pesquisa de História Social das relações
políticas, pela Universidade Federal do Espírito Santo [2008]. É doutor pelo
Programa de Pós-Graduação em Letras / UFES [2015], na área de pesquisa de
Estudos Literários, orientado pelo professor Doutor Gilvan Ventura da Silva, com
bolsa da CAPES. Atualmente é integrante do “Atrium - Espaço interdisciplinar de
estudos da Antiguidade” [Letras Clássicas/UFRJ] e professor dos cursos de
História, Letras e Pedagogia da Faculdade Saberes/ES, onde coordena o Grupo
de Pesquisa "CVLIMVCLAT – Cultura e Literatura no Mundo Clássico e na
Antiguidade Tardia" [NUPES/Saberes].
156
Medieval Studies. Cambridge, Medieval Academy of America, v. 32, p. 48-61,
1957.
FUNARI, Pedro Paulo A. Parecer para o MEC sobre a Base Nacional
Comum Curricular: a história em sua integridade. 17/02/2016. 2016.
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157
SER PROFESSOR NO SÉCULO XXI: UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA E
CULTURAL ATRAVÉS DE HARRY DANIELS
158
na vida docente é vital para se repensar o magistério. Logo, mais do que fazer
uma adaptação de conteúdos faz-se necessário que o professor se aproprie
dos objetos tecnológicos para construir uma lógica mais complexa, mais
dialógica, mais profunda de comunicação e interlocução com seus alunos, de
modo a estabelecer um “novo” relacionamento com essas tecnologias de
informação e comunicação, que satisfaça e atenda as suas necessidades e de
seus alunos, como é possível ser visto no uso das plataformas digitais e
podcasts, por exemplo. Lembrando que as TICs são recursos para o processo
de ensino-aprendizagem e que não substituem a relação professor e aluno.
159
precisa organizar os espaços educativos almejando a aprendizagem dos
alunos, uma vez que segundo o autor “o que poderia ser uma solução
individual de problema pode ainda ser pensado como uma atividade
colaborativa, visto que a “voz” do “outro” pode ainda servir para guiar ações
individuais” [DANIELS, 2003 p. 96].
Outra abordagem que também traz a implicação de sua teoria e que merece
ser destacada é a “aprendizagem cognitiva” de Collins [1991] e Collins et al.
[1989a] referenciada por Daniels [2003] que considera a aprendizagem do
jovem aprendiz mediada pelo mestre artesão no espaço das oficinas
artesanais da sociedade feudal, um modelo de aprendizagem que se realiza no
espaço social de sua época. Pela aprendizagem cognitiva os alunos resolvem
problemas reais, dando-lhe o caráter de aprendizagem significativa. É
significativa, porque segundo seus defensores, o aluno trabalha com problemas
reais, autênticos.
Daniels cita Tharp [1993, p.271-272], que apresenta sete meios auxiliares para
que o professor facilite a aprendizagem dos alunos, que são os seguintes:
modelação, feedback, administração da dependência; instrução;
questionamento, estruturação cognitiva e estruturação da tarefa. E ainda se
apoia em Moll e Grenberg [1990, p. 154] por argumentarem “que as escolas
devem recorrer às contribuições sociais e cognitivas que pais e outros
160
membros da comunidade podem dar ao desenvolvimento da criança”. São
formas de a comunidade participar na vida da escola e vice-versa.
[...] atividade situada tem como característica definidora central um processo que
denominamos participação periférica legítima. Com isso pretendemos chamar a
atenção para a idéia de que os aprendizes participam inevitavelmente de comunidades
de profissionais e que o domínio do conhecimento e da prática exige dos recém-
chegados que se encaminhem para a plena participação nas práticas socioculturais de
uma comunidade. A “participação periférica legítima” oferece uma maneira de falar
sobre atividades, identidades, artefatos e comunidades de conhecimento e prática. Diz
respeito ao processo pelo qual recém-chegados tornam-se parte de uma comunidade
de prática. As intenções de uma pessoa de aprender são engajadas, e o significado da
aprendizagem é configurado pelo processo de tornar-se um participante pleno de uma
prática sócio-cultural. Esse processo social inclui, de fato subsume, a aprendizagem
de habilidades especializadas [LAVE; WENGER, 1991, p. 29]
A ideia central dos autores é que a aprendizagem situada é não formal, não
intencional. As atividades são compartilhadas visando a garantia de
sobrevivência do grupo. Sob essa ótica, a cognição não é separada em corpo x
mente; atividade x cenários culturais organizados; mas inerente a todos os
membros da comunidade e é por definição localizada, situada naquele contexto
específico. Discutem também a aprendizagem como “produção colaborativa”,
oriunda de diversas atividades práticas, intimamente ligadas a uma forma
específica de ser no mundo social e não apenas saber sobre esse mundo.
Nesse processo, a linguagem é parte integrante da atividade prática. As
pessoas se comunicam e aprendem na prática e pela prática.
161
[...]diferem no grau com que os objetivos moldam as ações. Para os teóricos da
cognição distribuída, há muito mais ênfase na consciência humana ou nos objetivos
sistêmicos, enquanto os teóricos da aprendizagem situada afirmam que os objetivos
não são anteriores à ação. [...] uma abordagem da cognição distribuída, presta-se
mais a estudos comparativos, ao passo que a natureza radicalmente situada da outra
torna a comparação, na melhor das hipóteses, problemática ou, em certa medida,
irrelevante [DANIELS, 2003, p. 102]
Para Daniels [2003] a cognição distribuída está mais para a teoria da atividade
que envolve a prática do sujeito e a aprendizagem situada mais para a teoria
sociocultural, que valoriza o processo de abstração do sujeito.
Para essa discussão Daniels [2003] traz as ideias de Wells [1999] que defende
a necessidade de assumirmos o nosso entendimento do que seja o
conhecimento, para podermos compreender sob quais condições as crianças
podem construir seus próprios conhecimentos; como podem aprender na e
para a vida, pois considera que a tarefa do ensino escolarizado é
instrumentalizar os alunos para que estes possam transpor o aprendizado do
ambiente escolar para outros contextos sociais.
Sua proposta para uma intervenção pedagógica eficaz traz a tona a abordagem
de Vygotsky a respeito de fala interior e fala exterior e de sentido e significado,
como alternativa de um ensino que enfatize os diferentes modos de conhecer
[procedimental, substantivo, estético, teórico, meta-cognitivo] em relação às
diversas situações para produção de sentido [experiência, informação,
construção e conhecimento, compreensão].
162
massificado, inspirado no trabalho fabril, serial e fragmentado que resultou em
uma educação escolarizada organizada didaticamente em séries anuais com
conteúdos também fracionados.
163
Sacristán [1999, p. 31], observa que o professor é um agente pedagógico e é
também um ser humano. Ao exercer a sua função age e esse agir não pode
ser entendido à margem da condição humana “por mais técnico que se queira,
que seja esse ofício” [...] por meio das ações que realizam em educação, os
professores manifestam-se e transformam o que acontece no mundo[...].
Kenski [2001] define o professor como um agente de memória, de valores e de
inovações, portanto, pode e deve proporcionar ao aluno o contato com novas
formas de linguagem e de comunicação.
Em suma, o Ser Professor neste século XXI que lida com transformações
tecnológicas, sociais e uma pandemia provocada pelo COVID-19, ultrapassa
aos desafios que eram encontrados em um espaço físico da sala de aula que
ficava localizada no interior de uma escola concreta e erigida em moldes do
início da modernidade. Esse novo contexto de ensino entrelaça, tensiona,
aperfeiçoa e modifica um conjunto de práticas do magistério, assim convidando
o professor a relacionar com sabedoria os artefatos culturais e tecnológicos
disponíveis no espaço social onde realiza a sua ação docente.
Referências
Vivina Dias Sol Queiroz é Graduada em História e Pedagogia, Mestra e
Doutora em Educação, pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Na
Educação Básica foi professora na Educação Infantil, nos anos iniciais e finais
do Ensino Fundamental, no Ensino Médio, na Educação de Jovens e Adultos,
na Coordenação do Ensino Supletivo e Direção de Escolas da 74 Educação
Básica. Também foi diretora do Centro de Informática Educacional de Mato
Grosso do Sul e do Núcleo de Tecnologia Educacional de Campo Grande-MS.
No Ensino Superior foi professora da Universidade Anhanguera-UNIDERP,
onde trabalhou como docente nos cursos de Administração, Educação Física,
Serviço Social, Pedagogia e Turismo, na Coordenação Adjunta do Curso de
Pedagogia na Modalidade Presencial e como Coordenadora do Curso de
Pedagogia na modalidade EaD. Atualmente é professora associada da
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, diretora da Faculdade de
Ciências Humanas [2017-2021] membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em
Educação [GEPPE.]
164
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CARVALHO, A.M.P. [Org.] Ensinar a Ensinar: Didática para a escola
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Artmed, 1999.
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errâncias, conquistas e perdas. Revista Brasileira de História. São Paulo, v.
31, nº 60, 2010, p. 13-33.
165
A DEFESA DA EDUCAÇÃO COMO PRÁTICA SOCIAL E OS PERIGOS DA
IDEOLOGIA DA APRENDIZAGEM
Desde que os filósofos da linguagem nos ensinaram que os discursos não são
transparentes, posto que imersos no que Michel Foucault denominou de ordem
discursiva [FOUCAULT, 2006], não devemos encará-los como neutros ou
frutos do mero acaso. Desta maneira, não me parece desprezível apontar que
o artigo constitucional mencionado acima e retirado de nossa Constituição
Cidadã, inicie com a afirmação de que a educação, e não apenas a
aprendizagem quero já ressaltar, é um “direito de todos” e um dever,
primeiramente, do Estado, depois da família, e deve ocorrer com o auxílio da
sociedade. Acerca dos seus objetivos, em primeiro lugar a educação deveria
privilegiar o “pleno desenvolvimento da pessoa”, o que certamente possibilita o
“exercício da cidadania” e é somente depois disso que a preocupação dos
processos educacionais deveria ser a “qualificação para o trabalho”.
É partindo desses pressupostos que este ensaio propõe uma reflexão sobre as
características da educação, entendida como processo social, ao diferenciá-la
das práticas que a querem resumida à aprendizagem.
166
comum a um grande número de grupamentos humanos, a saber, a diferença
geracional entre jovens e velhos, entre pais e filhos e a diferença entre pessoas
baseadas no que nós contemporaneamente chamamos de gênero e sexo.
Durante a Idade Média foi no contexto dos Reinos Germânicos que buscavam
estabilidade política, assim como no âmbito da experiência imperial dos
francos, que surgiram as escolas catedralícias, responsáveis por capacitar
homens a participar de tais governos; Durante os séculos X e XIII do mesmo
período, chamado por nós medievalistas de Idade Média Central, momento no
qual a Igreja, a instituição dinamizadora da sociedade medieval, alcançou o
acme do seu poder político, surgiram as universidades.
167
Acerca deste tema não se pode deixar de mencionar as reflexões de Michel
Foucault ao classificar as escolas, sob o período de afirmação da burguesia,
como instituições que, assim como as prisões, objetivam sequestrar as
subjetividades e criar corpos dóceis e domesticados que fossem produtivos do
ponto de vista do capital [FOUCAULT, 2010].
Sendo assim, não parece exagero caracterizar o Brasil atual como ultraliberal e
ultrareacionário. O ultrarreacinarismo pode ser entendido como uma visão de
mundo moralizante profundamente ancorada em princípios cristãos
fundamentalistas, embora se antagonize a alguns princípios telógicos do
próprio cristianismo, e uma ideologia política acusatória que advoga estar se
defendendo de um ataque aos valores supostamente tradicionais ao negar a
ciência e os direitos civis e políticos das denominadas minorias sociais. Já o
ultraliberalismo é uma ideologia política e econômica marcada pela
“radicalização da agenda liberal” e cujo objetivo é a diminuição do Estado sem
168
se importar mesmo com condições de miséria as quais a população vulnerável
está sujeita. Em suma, são freios à democracia e se expressam em discursos
classistas, racistas, misóginos, lgbtfóbicos, machistas e inimigos da laicidade
do Estado [CARA, 2019, p. 27].
169
detalhado de habilidades e competências que devem ser desenvolvidas a partir
dos conteúdos elencados.
Por exemplo, uma rápida análise da BNCC, cujo documento oficial se encontra
disponível online no portal do Ministério da Educação, MEC, revela uma lista de
conteúdos pretendidos como naturais, posto que todos desconectados de suas
ordens discursivas, de modo que acabam por anular alguns dos elementos
propostos nas próprias competências gerais, tais como, ênfase na análise de
dados e na diversidade de saberes, embora a diversidade cultural em si possa
ser criticada [VELOSO, 2020] e no uso do ensino para a democracia, a qual é
entendida como natural e resultado do aprendizado de um determinado
conteúdo. Depreende-se, portanto, a defesa, a qual não pode ser entendida
como inocente, de que qualquer ensino pode servir à democracia. Bastaria
aprender os conteúdos.
170
Considerações Finais
Insisto que a redução dos processos educativos à ideologia da aprendizagem
contribui para o apagamento da educação e do ensino como um processo
social, o que, por sua vez, enfraquece o meio social ou a sociedade, assim
como o destino dos homens e das mulheres que estão sendo educados
[BRANDÃO, 2006, p. 65].
De maneira geral em toda a sua obra, mais aqui eu faço referências diretas aos
textos da coletânea Política e Educação, Paulo Freire afirma que é papel da
educação garantir o desenvolvimento do condicionamento do ser humano para
o ser mais [FREIRE, 2003, p. 14], seres humanos conscientes, livres, com
possibilidades de escolha e interventores da realidade [FREIRE, 2003, p. 15].
Este condicionamento, entretanto, há que se frisar, não se apresenta de
maneira determinista, somente se desenvolve a partir de uma prática
pedagógica moral, a qual se caracteriza pela conscientização e posicionamento
político voltado para a superação da opressão, discriminação, passividade ou
pura rebelião que resultam das diferenças interculturais. E aí puxando um
pouco a sardinha para a minha brasa, Paulo Freire afirma que nada disso é
possível sem uma compreensão crítica da História [FREIRE, 2003, p. 33].
171
Concluindo, a defesa liberal de que a educação é a chave para a
transformação do país, transformação esta confundida com uma melhora,
apresenta-se como uma meia verdade, posto que a educação reduzida à
ideologia de aprendizagem não tem nenhum compromisso com a probletização
da realidade. Desta forma, a superação do ultrareacionarismo e do
ultraliberalismo, os quais insistem na redução do papel do Estado para os mais
vulneráveis em termos sociais, somente é possível a partir de uma educação,
se não revolucionária, no mínimo progressista, comprometida com princípios
democráticos e ideais de amizade, solidariedade e fraternidade na esperança
de uma educação que permita aos nossos alunos serem aquilo para o qual
eles estão condicionados, mas não determinados. Para isto temos que insistir
na educação e no ensino como uma prática social refletida, uma práxis que se
oponha ao mero aprendizado de conteúdos despolitizados, pois só assim
honraremos a máxima constitucional aludida no início deste ensaio.
Referências
Wendell dos Reis Veloso é Licenciado e Bacharel em História pela
Universidade Gama Filho; Mestre e Doutor em História pela Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro; atua como professor tutor presencial/mediador
pedagógico de História Antiga e de História Medieval do Consórcio
UNIRIO/CEDERJ/UAB – Polo Resende; atua também como professor do
ensino básico na rede privada; é pesquisador do NEPHis – Núcleo de Estudo e
Pesquisa em História do Consórcio UNIRIO/CEDERJ/UAB – Polo Resende e
pesquisador associado ao ATRIVM/UFMS e ao LabQueer/UFRRJ.
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Barbárie: por escolas democráticas e pelo direito de ensinar. São Paulo:
Boitempo, 2019, p. 41-46.
172
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. Microfísica do Poder. São Paulo: Edições Graal, 2007.
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FREIRE, Paulo. Política e Educação. São Paulo: Cortez, 2003.
VELOSO, Wendell dos Reis. Ensino de História, Ciência e Sociedade: A Sala
de Aula como Local de Conhecimento Científico e Transformação Social. In:
BUENO, André; CAMPOS, Carlos Eduardo; PORTO, Dilza. [Org.]. Ensino de
História: Teorias e Metodologias. 1ed. Rio de Janeiro: Sobre Ontens/UFMS,
2020, p. 456-464.
173
AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM EM EAD:
A IMPORTÂNCIA DA TUTORIA PRESENCIAL
Introdução
Este trabalho tem como objetivo analisar a importância da tutoria presencial
como ferramenta pedagógica e motivacional na Educação a Distância, bem
como descrever os impactos da tutoria presencial na constituição do saber
neste processo de ensino-aprendizagem, destacando sua contribuição para as
avaliações. Ao longo do texto, pretende-se observar a importância social do
tutor presencial, no que tange à motivação, mas, sobretudo, à adaptação do
aluno à nova modalidade, haja vista que a maioria provém da modalidade
presencial.
174
desempenho do aluno na EAD, permite-nos compreender, à luz dos
fundamentos teóricos, aproximando teoria e prática, como a atuação ativa do
tutor contribui nas avaliações durante o desenvolvimento do curso. Ampliando,
dessa forma, reflexões e interligando assuntos, tais como: fatores,
recursos/ferramentas e interações indispensáveis neste processo.
A visão do tutor sobre o seu trabalho e sua interação com os alunos, reflete no
desempenho da EAD. São os tutores que motivam e ao mesmo tempo avaliam
os alunos. São eles que fazem a ponte do conhecimento até os alunos,
ajudando-os a encontrar os caminhos com os recursos tecnológicos
disponíveis. Analisando o seu desempenho podemos contribuir para a
qualidade do ensino.
Desenvolvimento
A Educação a Distância [EaD] é uma modalidade educacional, como alternativa
pedagógica, com legislação específica e que tem avançado historicamente,
graças à evolução dos diversos recursos tecnológicos. A internet, encurtando
tempo/espaço, mediando ações e interações e superando preconceitos,
oferece inúmeras vantagens ao atendimento às demandas educacionais da
sociedade moderna. A Educação a Distância acontece por meio de uma
grande rede, onde se compartilha: materiais, experiências, ideias, dúvidas,
opiniões, descobertas. Essa rede propicia um ambiente favorável à construção
do conhecimento de forma mais autônoma, mesmo que orientado virtualmente.
175
Uma “aprendizagem assistida por avaliação” segundo Hadji, [1992, p. 9] toma a
avaliação como indicador de rumo ao êxito e à evolução formativa do aluno
sem oprimi-lo e/ou recriminá-lo. Ou seja, um processo avaliativo que
acompanhe o crescimento e o desenvolvimento do estudante, numa
perspectiva inclusiva, solidária e integrada às demais práticas sociais, poderá
possibilitar sua atuação como agente transformador.
176
tem o tutor como peça fundamental nos processos de aprendizagem, avaliação
e interação. Este referencial estabelece que:
O tutor deve ser compreendido como um dos sujeitos que participa ativamente da
prática pedagógica. Suas atividades desenvolvidas a distância e/ou presencialmente
devem contribuir para o desenvolvimento dos processos de ensino e de aprendizagem
e para o acompanhamento e avaliação do projeto pedagógico. [MEC, 2010, p. 21]
Para Wallon [1938] “A emoção estabelece uma relação imediata dos indivíduos
entre si, independentemente de toda relação intelectual.”. Vygotsky também
nos conduz a reflexões ao afirmar que cognição e afetividade, razão e emoção,
são dimensões indissociáveis no funcionamento psíquico humano. E por fim
Piaget, que fala da afetividade e sentimentos em suas relações com a evolução
cognitiva:
177
tom amigável, estreitar relações, organização, contextualização do conteúdo,
ritmo, frequência, tempo de retorno, estratégias, abordagem sugestiva, facilitar
o processo, etc., atendendo a um aluno que, por vezes, não chegará a
conhecê-lo pessoalmente.
Por isso, segundo White [2003], “o feedback é muito valorizado pelo aluno de
ensino a distância e é o alicerce do diálogo entre o professor e o aprendiz,
provocando motivação, encorajamento e suporte para a realização das
tarefas”, uma vez que ele supre a “ausência física”, ou seja, a atuação do
professor presencial que pode complementar suas falas, fazendo uso de
recursos como movimentos, expressões faciais, gestos, etc. Nesta linha de
raciocino:
O professor virtual precisa ter em mente que para além das máquinas, no outro lado
da tela há um sujeito carregado de subjetividade, com uma história de vida única,
recebendo e interpretando as suas mensagens. O respeito às normas, bem como o
bom senso devem estar sempre presentes e de forma equilibrada em seus feedbacks.
[FLORES, 2009, p. 9]
Oliveira e Santos [2013] observaram que muitos tutores da EaD não possuem
formação e experiências nesta modalidade de ensino, sendo um caminho de
descobertas e desafios para estes tutores, mas ao mesmo tempo é uma via um
tanto arriscada para a os envolvidos e que dependem destes profissionais.
Neste sentido, Machado e Machado [2004], citando Carmem Maia [Guia
Brasileiro de Educação a Distância], nos descrevem habilidades e
competências sociais e profissionais que os tutores devem possuir para o bom
andamento da EaD:
178
ter capacidade de gerenciar equipes e administrar talentos, habilidade de criar e
manter o interesse do grupo pelo tema, ser motivador e empenhado. É provável que o
grupo seja bastante heterogêneo, formado por pessoas de regiões distintas, com
vivências bastante diferenciadas, com culturas e interesses diversos, o que exigirá do
tutor uma habilidade gerencial de pessoas extremamente eficiente. Deve ter domínio
sobre o conteúdo do texto e do assunto, a fim de ser capaz de esclarecer possíveis
dúvidas referentes ao tema abordado pelo autor, conhecer os sites internos e
externos, a bibliografia recomendada, as atividades e eventos relacionados ao
assunto. A tutoria deve agregar valor ao curso. [MAIA, 2002, p.13]
Sendo assim, o tutor deve ser este gestor, que está temporal e espacialmente
longe do seu campo de ação, e deve “empregar as competências
comportamentais para lidar com a subjetividade de cada aluno, estabelecer
interações continuamente e romper com a padronização do ensino” [TENÓRIO
et al, 2015] e, ainda “possuir um perfil profissional com certo número de
capacidades, habilidades e competências inerentes à função” [SOUZA et al.,
2004]. Tudo, claro, mediado pelas novas tecnologias.
179
Os tutores de EaD apresentam características distintas, definidas a partir da
concepção da instituição de educação ao qual está inserido. Preti [1996, p. 40],
afirma que “cada instituição busca construir seu modelo tutorial que atenda às
6164 especificidades regionais e aos programas e cursos propostos”. O tutor é
apenas um dos elementos primordiais nesse processo de ensino-
aprendizagem, pois temos o professor que elabora e prepara o material
didático, enquanto o tutor é aquele que acolhe e acompanha o processo,
mediando as relações para que o processo aconteça de fato. E para que tudo
isso ocorra com êxito, outra formação necessária e intrínseca a tutoria é o
domínio dos recursos a serem utilizados. Por meio desses, serão viabilizados
os conteúdos e as atividades onde intercorrerão as interações. Para Preti
[1996, p. 27], é necessário o tutor ter conhecimento das “técnicas específicas
do modelo a distância”, visando à sua aplicabilidade. Ou seja, é necessário
saber utilizar de forma competente as tecnologias de informação e
comunicação, para uma escolha pedagógica que contribua com o processo de
aprendizagem, desenvolvendo assim competências que gerem
colaboratividade entre o grupo e o entendimento do conteúdo disponibilizado
no material de apoio auxiliando nas possíveis dificuldades encontradas pelos
discentes. A escolha do recurso tecnológico adequado é que vai garantir
alcançar os objetivos traçados e o sucesso da aprendizagem e interação do
aluno.
cada instituição educacional que atua na modalidade de EAD, busca construir o seu
modelo tutorial, baseando-se no levantamento de informações que demonstram as
características de cada região, população atendida e curso desenvolvido. [SANTOS,
2009, p. 4]
180
A participação do tutor presencial como agente mediador dos processos de
aprendizagem, incentivando o aluno em seu caminhar acadêmico se faz muito
importante tanto para a prática pedagógica deste profissional quanto para os
alunos. Além disso, a presença do tutor presencial humaniza o curso de EAD,
uma vez que a ideia de que um curso a distância é algo solitário cai por terra, e
juntamente com a interação entre tutor e alunos, bem como entre os próprios
alunos, seja via plataforma ou polo, descobre-se que a EAD deve ser um
ensino solidário, em que trocas devem ocorrer o tempo todo.
Deste modo, o tutor presencial deve ser um grande incentivador dos alunos
para que haja a formação de grupos de estudo no polo, bem como a realização
das atividades presenciais agendadas. Para isso é preciso que a comunicação
se estabeleça de modo harmonioso. Em certa medida, o tutor presencial
também contribui com as partes administrativas do curso, estando em contato
tanto com a gestão presente no polo, bem como a coordenação do curso, que
não necessariamente está no polo.
Considerações finais
Levando em conta a importância da tutoria presencial na formação dos
estudantes, a ideia que se tem de um curso a distância, segundo o senso
comum, de que é um ensino solitário, é refutada, uma vez que é a partir da
interação que o conhecimento se constrói e o tutor presencial simboliza a
humanização neste processo, pois o aluno para de dialogar com a “máquina” e
181
com os instrumentos que possui num Ambiente Virtual de Aprendizagem e
passa a vivenciar o que já está familiarizado, conforme afirma Santos [2009]:
Com isso, verifica-se que quando existe no ambiente educacional o tutor que
instiga, impõe um ritmo diferenciado e que, simultaneamente, tem a
capacidade de orientar a construção do conhecimento, aliado a um AVA
inovador e de fácil compreensão, a aprendizagem passa a ser colaborativa,
demonstrando o potencial da EAD como um ensino solidário, em que há o
compartilhamento de um objetivo comum.
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184
NAVEGANDO DIGITALMENTE PELO IMPÉRIO PORTUGUÊS NO ALÉM-MAR:
REINVENÇÕES, NEGOCIAÇÕES E ALIANÇAS NA AMÉRICA PORTUGUESA.
Considerações iniciais
Pensar o Império Português e o governo colonial além-mar traz a tona muitas
questões intrigantes e nos faz a refletir sobre a enorme distância que separava
metrópole e colônia, distância que hoje se supera facilmente com o
desenvolvimento da tecnologia de transportes e comunicação, mas em época de
caravelas e cartas, era algo bem mais complexo.
História Digital
Conforme Oliveira [2014], o surgimento da Digital History pode ser localizada na
década de 90 no Center For Historyand New Media [CHNM] da Universidade
George Mason [Virgínia], onde se desenvolveram projetos na área das novas
mídias com propostas de preservação do passado, usava-se tecnologias da
informática em busca de democratizar o acesso e a manipulação de conteúdos
históricos na internet.
A História Digital pode ser compreendida, a partir de Anitta Lucchesi [2013], como
apropriação da Internet e suas novas ferramentas digitais pela História, de várias
formas, sejam com ferramenta de pesquisa e escrita da história, para criação e
acesso ao repositório de fontes ou mais um meio de divulgação de trabalhos
científicos e um espaço de História Pública compartilhada.
Lucchesi [2013], dialogando com John B. Thompson [1998], afirmam que há uma
grande mudança em curso em relação à comunicação na contemporaneidade,
emergindo novas formas de ação e interação na sociedade, com as novas
tecnologias de informação e comunicação. Nas últimas décadas presenciamos
uma maior democratização dessas tecnologias, cenário que promoveu grandes
mudanças em nosso cotidiano, e as ferramentas digitais se tornaram importantes
também ao fazer histórico.
185
O virtual apresenta as inúmeras possibilidades como preservação de acervos
digitais, compartilhamento de memórias, grande acesso a materiais históricos
variados, rompimento de longas distâncias geográficas, diálogos transoceânicos
entre pesquisadores, ampla comunicação a diversos públicos, facilidade de busca
de informações por palavras, recortes cronológicos e geográficos, entre outros,
impactando a teoria e a prática historiográfica.
186
"Práticas de pesquisa em história digital: diálogos historiográficos sobre o
Império Português Ultramarino"
Os estudos dos três primeiros séculos da História do Brasil, tem como principais
expoentes os trabalhos clássicos de Caio Prado Júnior e Fernando Novais dos
anos 40 aos 70, que caracterizam-se por valorizar a subordinação da economia
colonial brasileira à Europa e também seus críticos, como João Fragoso e outros,
a partir da década de 90.
Neste contexto, para Caio Prado Jr. [1981], a política colonial empreendida pelo
governo português teria provocado desordem, acúmulo de funções, privilégios, e
deixado pouco espaço para a liberdade econômica e política na colônia, os
objetos de fiscalização tinham brechas, sendo naturalmente, inviável, rígido e
violento, o sistema gerava desconfianças mútuas e apego aos cargos públicos. O
autor orienta que no estudo e análise da administração colonial não devemos
procurar encontrar ordem ou harmonia nas instituições de um passado
caracterizado como caótico.
O Governo Geral foi instituído por D. João III por causa da necessidade uma
forma de governo mais enérgica, firme e centralizadora no Brasil. Como fato que
contribuiu sua criação, pode-se apontar a morte de Francisco Pereira Coutinho,
capitão donatário da Bahia devorado por indígenas tupinambás numa festa
antropofágica, após ser imobilizado e executado em 1548. As capitanias
hereditárias que vigoravam desde 1532, não seriam extintas, mas justapostas ao
novo governo que formava um centro para administração e governo colonial
promovendo uma maior ligação das diversas partes da América portuguesa.
Em relação aos governadores, Caio Prado Jr. [2000] aponta que eram “figuras
híbridas”, não se caracterizando nitidamente suas competências e jurisdição,
variavam com o tempo e de um governador para o outro, e também em relação a
personalidade, caráter e tendências dos indivíduos revestidos nos cargos.
Ressalta que a extensão territorial da colônia, a dispersão do povoamento e a
deficiência de recursos tornam difícil a solução do problema de fazer chegar a
administração de forma eficiente a todos os cantos do império colonial português.
187
colonial.
Nos últimos anos vem surgindo uma nova perspectiva historiográfica sobre os
antigos temas da História do Brasil Colonial em trabalhos de historiadores como
Fragoso, Bicalho e Gouveia [2000], Souza [2009], entre outros, que formam o
grupo Antigo Regime nos Trópicos. Rompendo com as análises anteriores de
estruturas econômicas, contestam a visão política dicotômica de oposição entre
metrópole e colônia e a contradição de interesses entre colonizadores e
colonizados. Apresentam um novo ponto de vista para as práticas e instituições
presentes na sociedade colonial, seguindo uma vertente que dá grande valor às
formas de representação social dos agentes históricos.
Segue também esta linha, Santos [2007] ao discutir o conceito de Antigo Regime
o relacionando com honra e poder, percebendo-os, como dois elementos
inseparáveis em se tratando nesta sociedade europeia. Para a autora, a
sociedade portuguesa da Época Moderna guarda traços que as diferenciam das
demais, traços mais perceptíveis na nobreza. Descreve que a principal
característica da nobreza portuguesa está assentada no binômio
recrutamento/remuneração honra e privilégio] e ao analisar a luz dessas questões
as trajetórias administrativas homens que partiram de Lisboa a serviço do rei
numa longa viagem rumo ao ultramar português, com o intuito de iniciar uma
estratégia de ascensão na rígida hierarquia social, elucida como esses indivíduos
lançaram mão de variados recursos de modo a atingir seus objetivos.
188
Esta interpretação, alinha-se a historiografia Antigo Regime nos Trópicos, com os
trabalhos de João Fragoso, Maria Fernanda Bicalho e Maria de Fátima Gouveia,
que criticam as noções do Antigo Sistema Colonial de dicotômica na relação
Metrópole/Colônia e marxismo de Novais. Tentaremos compreender a estrutura
administrativa do Império português na colônia americana e a reinvenção pelas
negociações e alianças, focando na trajetória política do Governador Pedro
António de Meneses Noronha de Albuquerque, através da análise de sua
correspondência política.
189
particularidades do governador e seu importante papel na engrenagem
administrativa.
Descrito como um dos "Grandes do Reino" por Salles [2012], o Marquês em seu
governo tomou medidas como reativar a cunhagem de moedas na Bahia, depois
no Rio de Janeiro e Minas Gerais, através da reabertura das Casas da Moeda
que já haviam sido criadas nas cidades da Bahia e Rio de Janeiro, sobre artigos
importados o Marquês determinou um imposto conhecido como a dízima da
Alfândega.
As cartas apresentam em geral não são muito extensas, vão direto aos assuntos
sem muitos rodeios, provavelmente por causa da quantidade de cartas que eram
escritas por dia, visto que se tratava de um meio muito utilizado na comunicação
política; seguem um padrão de cumprimento e despedida, na despedida
geralmente é utilizada a expressão “Deus Guarde a Vossa Mercê” isso reflete um
Império que tinha o Catolicismo como religião oficial.
As cartas analisadas aqui são apenas alguns exemplos de análises que podem
ser feitas, a correspondência produzida pelo vice-rei é vasta e merece maior
atenção, pois conforme Santos [2007], o bom governador, além de respeitar as
jurisdições deveria também governar tendo sempre a pena à mão, de forma a
190
conjugar os diversos interesses em jogo, e disso sempre informar ao rei. Tal
análise pode nos permitir reavaliar as interpretações consagradas sobre as
monarquias modernas e também nos permite construir novos estudos sobre a
complexa administração portuguesa.
Apontamentos finais
As correspondências do governador-geral Pedro de Noronha, remetidas a outras
autoridades do Estado do Brasil servem para sustentar a ideia proposta pela
historiografia do Antigo Regime nos Tópicos que dá ênfase às formas de
representação social dos agentes históricos. As cartas analisadas fazem parte de
um conjunto documental extenso e de extrema importância para análise de temas
como governo geral, relações de poder entre colônia e metrópole e das
reinvenções cotidianas.
Referências
Rosiane de Oliveira da Fonseca Santos é pós-graduada em Planejamento,
Implementação e Gestão da Educação a Distância (UFF), Tecnologias e
Educação a Distância (Barão de Mauá), Gestão Pública e de Pessoas (UCAM) e
Gestão Pública Municipal (UFF). Graduou-se em História pela Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e Processos Gerenciais (UCAM),
191
atualmente cursa Licenciatura em Pedagogia (UniFAVENI). Atua como
Articuladora Acadêmica do Curso de História (UNIRIO), na modalidade
semipresencial no polo CEDERJ-UAB Cantagalo-RJ e como Mediadora
Pedagógica Presencial nos cursos de História e Pedagogia, nas disciplinas Teoria
da História, Patrimônio Cultural e História da Educação. É Professora na
Secretaria do Estado de Educação. Atuou como Bolsista de Iniciação Científica da
UNIRIO, no Centro de Memória, Pesquisa e Documentação de Cantagalo
(CMPD-CAN). Tem experiência na área de Educação a Distância, História e
Administração Pública.
Documentos Digitais
Biblioteca Nacional Digital (BND)
http://bndigital.bn.gov.br/acervodigital/
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