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Santo 

Eliseu, os meninos e os ursos


Um episódio da vida de  Santo Eliseu nos traz importantes ensinamentos a respeito do perfil moral
de um verdadeiro católico.

Em 14 de junho se comemora a festa de Santo Eliseu, profeta e pai da Ordem do Carmo, sucessor


de Santo Elias.

Luta contra a “heresia branca”


Não posso ouvir falar desse Santo sem me lembrar do livrinho onde aprendi História Sagrada, no
qual havia uma ilustração a respeito do episódio e da atitude de Santo Eliseu em face de uns tantos
meninos. O Santo Profeta já havia recebido o manto de Elias e, certa vez, estava andando e uns
meninos começaram a caçoar dele porque era calvo. Tendo o Santo pronunciado uma maldição
contra os meninos, vieram uns ursos e os devoraram (cf. 2Rs 2, 23-24). Lembro-me de que, à
primeira leitura, fiquei chocado com a ferocidade de Santo Eliseu. Porém, essa impressão passou e
esqueci a questão.

Mais tarde, entrei para o colégio e conheci meus colegas. Quando comecei a ver aquela meninada,
refleti que Santo Eliseu tinha razão de fazer o que fez… Mas depois pensava: “Seriam aqueles
meninos tão canalhas quanto estes? Enfim, pelo menos pode-se conceber que eram. Para estes aqui,
ursos!”

Contudo, depois eu cogitava que se alguém mandasse vir os ursos para comerem os meninos,
encontraria a oposição daquilo que, mais tarde, chamaria de “heresia branca”(1). Então o
Profeta Eliseu começou a ser um advogado no meu debate interno. Em minha primeira grande briga
da vida, que foi contra a “heresia branca”, Santo Eliseu era meu defensor. Pelo menos ele amava as
coisas direitas como eu amo. E é assim mesmo: atacou uma coisa boa, urso em cima! Se não for isso,
não compreendo a Religião Católica. Ora, eu a entendo, graças a Deus. Logo, na concepção da
“heresia branca” há qualquer coisa de errado.

De acordo com a “heresia branca”, o “Santo” deve ser uma pessoa sem segundas intenções, sem
astúcia. As recomendações de Nosso Senhor de que se deve unir a simplicidade da pomba à astúcia
da serpente, para a “heresia branca” não valem nada. Ela pensa apenas na pomba, realizando com
isso aquilo de que fala o Profeta Oseias: “…como pomba imbecil e sem inteligência” (cf. Os 7, 11).
Ora, os adeptos da “heresia branca” são precisamente pombas imbecis e sem inteligência.

É, portanto, muito formativo sabermos que um grande Santo, como São Vicente de Paula –
merecidamente tido como o Santo da caridade –, fundou uma sociedade que atuava na corte de Luís
XIV, e que reunia várias figuras importantes do clero e da nobreza, as quais, sem o conhecimento do
restante da corte, combinavam atividades para desenvolver na própria corte e na sociedade francesa
a influência da verdadeira Religião.

Vigilância em relação aos efeitos do pecado original


Essa minha reminiscência infantil a respeito do Profeta Eliseu nos recorda também o ensinamento, o
qual sempre convém lembrar, de que criança também pode ser ruim. Há um mito da criança
boazinha, inocente por definição, e uma condescendência humanitária estúpida com relação às
crianças.

É preciso abrir os olhos e ver bem: o pecado original vem a partir de pequeno e infecta a criança
desde muito cedo, e ela é capaz de ações muito censuráveis. No caso da calvície de Santo Eliseu, é
evidente que aqueles meninos tomaram esse pretexto para caçoar de outra coisa, a fim de agredir e
debicar dele enquanto homem de Deus. Por causa disso é que foram punidos dessa maneira.

A punição dos inimigos da Igreja é inevitável


Daí tiro uma dedução inesperada, mas verdadeira: se era legítimo que os ursos viessem comer as
crianças porque estavam caçoando de um homem de Deus, pergunto se não é legítimo que venham
os castigos previstos por Nossa Senhora em Fátima e em muitas outras revelações privadas. Tais
castigos não são, exatamente, a vinda dos ursos? Os ursos não estão vindo das estepes para acabar
justamente com aqueles que tomam em relação à Religião uma posição errada, transformando-se em
inimigos internos ou externos da Igreja?

Então, à força de pensar, chega-se à conclusão de que a punição é inteiramente inevitável. Vem do
fundo do Antigo Testamento um episódio a mais para nos convencer disso.

Importância da fidelidade a um espírito transmitido


Há em Santo Eliseu também outro aspecto muito alto que é sua sucessão com relação
ao Santo Profeta Elias. Todos se lembram de que Elias, no momento de abandonar a Terra, passou
a Eliseu um manto e, com este, também seu espírito. Assumido então pelo espírito de
Elias, Eliseu ficou em condições de dirigir a nascente Ordem do Carmo.

Essa transmissão do espírito mostra bem qual é a importância da graça que se chama um “espírito”.
Ao falarmos em espírito jesuítico, espírito carmelitano, espírito beneditino, tomadas essas palavras
em seu bom e verdadeiro sentido, elas não indicam apenas noções doutrinárias, mas são graças que
se comunicam depois, de pessoa a pessoa, para formar as grandes famílias de almas existentes na
Igreja Católica. Portanto, graças susceptíveis de uma transmissão de uma pessoa para outra, e é essa
transmissão que constitui propriamente a família de almas.

Então, devemos pedir a Nossa Senhora que nos ponha debaixo do mesmo manto e faça com que, sob
esse manto, todos nós recebamos o mesmo espírito, e o nosso Movimento seja sempre uno, com a
fidelidade ao espírito que tem. A respeito dessa fidelidade e dessa unidade é preciso que não
tenhamos a menor dúvida.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 14/6/1964)

1) Expressão metafórica criada por Dr. Plinio para designar a mentalidade sentimental que se
manifesta na piedade, na cultura, na arte, etc. As pessoas por ela afetadas se tornam moles,
medíocres, pouco propensas à fortaleza, assim como a tudo que signifique esplendor.

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