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O ESPÍRITO FUNDAMENTAL

João 6:60-65 Não é estranho que as palavras de Jesus tenham parecido duras aos discípulos. A
palavra grega é skleros, que não significa difícil de entender, e sim difícil de aceitar, de tolerar.
Os discípulos sabiam muito bem o que Jesus tinha dito. Sabiam que tinha afirmado que era a
própria vida de Deus que desceu do céu, e que ninguém podia viver esta vida ou enfrentar a
eternidade se antes não o aceitava e se submetia a Ele. Aqui nos deparamos com uma
verdade que volta a aparecer em todas as épocas. Com freqüência o que impede homens de
converter-se em cristãos não é a dificuldade intelectual para aceitar a Cristo, e sim o

João (William Barclay) 247 elevado de suas exigências morais. Quando nos pomos a pensar
com sinceridade sobre o assunto, vemo-nos obrigados a comprovar que no fundo de toda
religião deve haver um mistério, pela simples razão de que no fundo de toda religião está
Deus. Pela mesma natureza das coisas, o finito jamais pode compreender o infinito, a mente
humana nunca pode terminar de entender os atos de Deus, o homem jamais pode entender
por completo a Deus. Qualquer pensador honesto se vê obrigado a aceitar esta realidade. Se
pudéssemos entender a Deus por completo deixaria de ser Deus para não ser mais que uma
espécie de homem gigantesco, fora de série. Qualquer pensador honesto estará disposto a
aceitar o mistério. A verdadeira dificuldade do cristianismo é dupla. Exige um ato de entrega a
Cristo; uma aceitação de Cristo como a autoridade suprema; e exige um nível moral no qual só
os puros de coração podem ver a Deus. Os discípulos tinham entendido muito bem que Jesus
havia dito que Ele era a mente e a própria vida de Deus que veio à Terra: o que era difícil era
reconhecer que isso era verdade e aceitar tudo o que isso implicava. E até o dia de hoje o
rechaço de Cristo por parte de muitos homens obedece não a que Cristo intrigue e surpreenda
a seu intelecto, mas sim a que apresenta um desafio e uma condenação a suas vidas. E Jesus
continua, não para provar sua afirmação e sim para assegurar que algum dia os
acontecimentos darão prova dela. Diz o seguinte: "É difícil para vocês crerem que eu sou o
pão, o essencial da vida, que desceu do céu. Muito bem, não será difícil aceitar quando um dia
me verem subir ao céu". Em outras palavras, trata-se de um preanuncio da Ascensão. Jesus
diz: "Quando chegar o momento de Eu voltar ao céu e à minha glória, verão que minhas
afirmações são verdadeiras". Isto é importante. Quer dizer que a Ressurreição é a garantia de
todas as afirmações de Jesus sobre si mesmo. Não foi alguém que viveu com nobreza e morreu
generosamente por uma causa perdida: foi alguém cujas afirmações ficaram provadas pelo
fato de que morreu e ressuscitou.

João (William Barclay) 248 Não chegou ao final vencido, e sim triunfante. A ressurreição é a
prova do caráter indestrutível das afirmações de Cristo. Logo Jesus diz que o fundamental é o
poder vivificador do Espírito; que a carne não aproveita para nada. Podemos expressar isto em
forma muito simples de maneira que manifeste ao menos parte de seu sentido — o mais
importante é o espírito em que se leva a cabo qualquer ação. Alguém o expressou nestas
palavras: "Todas as coisas humanas são corriqueiras se não existirem absolutamente fora de si
mesmas". O valor de algo depende de sua finalidade. Se comermos por comer, convertemonos
em glutões e é muito provável que a comida nos faça mais mal que bem; se comermos para
manter a vida, para fazer melhor nosso trabalho, para conservar nosso corpo na melhor
condição possível, então a comida tem sentido. Se alguém passar grande parte de seu tempo
fazendo esportes pelo esporte em si, está em certa medida perdendo seu tempo. Mas se
dedicar tempo ao esporte para manter seu corpo em forma de maneira que possa servir
melhor a Deus e aos homens, o esporte deixa de ser algo corriqueiro e se converte em um
elemento muito importante. As coisas da carne obtêm seu valor pelo espírito com que são
feitas. Jesus, pois, continua: "Minhas palavras são espírito e vida". Cristo é o único que nos
pode dizer o que é a vida, que pode insuflar em nós o espírito em que devemos viver a vida, e
que nos pode dar a fortaleza e o poder para vivê-la desse modo. A vida é como qualquer outra
atividade. Seu valor depende de seu propósito e de sua finalidade. Cristo é o único que nos
pode dar uma meta para a vida, o espírito da vida e o propósito que deve ter. E Cristo é o
único que nos pode dar a vida, a fortaleza e o poder para alcançar esse espírito, essa meta e
esse propósito, contra a oposição constante que nos vem tanto do exterior como de nosso
interior. Em suas palavras está o espírito da vida e a fortaleza para vivê-la. Mas Jesus sabia
muito bem que havia aqueles que não só rejeitariam seu oferecimento, mas também o fariam
em forma hostil. Jesus via a natureza humana e a conhecia muito bem; podia ler o coração

João (William Barclay) 249 dos homens; e a grande responsabilidade do coração humano é que
em seu centro há algo que só nós podemos controlar. Nenhum homem pode aceitar a Jesus a
menos que o espírito de Deus o mova a fazê-lo, mas qualquer homem pode rechaçar esse
espírito até o fim de seus dias, e esse homem não foi deixado de lado por Deus, mas sim por si
mesmo.

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