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Reflexões sobre o estágio

Supervisionado e a ação docente


4ª edição
Revista e ampliada

Maria Socorro Lucena Lima

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Neste livro A hora da prática – reflexões sobre o estágio
supervisionado e a ação docente, autora e colaboradores fazem
uma incursão teórica sobre a importância e o significado da
prática de ensino/estágio supervisionado/ação docente. Tal
esforço reflexivo visa a contribuir para o movimento nacional
sobre formação do educador.
Os textos de especialistas procuraram fomentar a discussão
acerca dos compromissos políticos, sociais, culturais e históricos
da universidade, dos cursos de formação, dos professores e dos
alunos. O esforço em demarcar um novo paradigma para a
prática de ensino/estágio supervisionado/ação docente mostra-
se provocativo e profundamente enriquecedor.

A reflexão teórica trazida por esses textos está voltada para o


Estágio Curricular, fenômeno educativo de crescente
complexidade da pesquisa no campo educacional.
As idéias trabalhadas apóiam-se em estudos que indicam o
“processo reflexivo” como um dos caminhos para a formação
docente. Dessa forma, contribuem também para o nosso
processo de autoformação enquanto professor.
Compreendemos que o intercâmbio de idéias e a troca de
experiências pedagógicas, fundamentados nessa teoria têm
estabelecido, direta ou indiretamente, um elo entre os
professores de Prática de Ensino em diferentes Licenciaturas ou
Programas de Formação de Educadores.

Maria de Jesus de Oliveira


Maria Marina Dias Cavalcante
Rosilmar Alves
(Professores de prática de Ensino na UECE)

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APRESENTAÇÃO

Essa coletânea de reflexões retrata diferentes momentos pedagógicos da minha


trajetória, na condição de professora orientadora do Estágio Superior e Prática de Ensino
nos cursos de formação de professores. São elaborações construídas na relação entre teoria
e prática, nas várias aprendizagens que o trabalho de professorar me propicia.
É um tecido composto do entrelace de ensinante-aprendiz, em que a teoria ilumina a
prática e esta ressignifica a teoria. É um artesanato elaborado pela relação estabelecida
entre mim e meus alunos no decorrer dos anos, numa trajetória docente, que vem da região
do Cariri ao litoral. A construção desse conhecimento carrega também as marcas do tempo
e das condições objetivas em que esse trabalho se realizou e se realiza. Tento, dessa forma,
discutir o argumento tão comum nos cursos de formação do magistério; na minha prática, a
teoria é outra. Por outro lado, trago para leitura e debate com os professores do ensino
fundamental e médio as reflexões dos estudos e pesquisas que venho realizando no campo
de formação de professores contrariando, assim, a premissa de que as dissertações e teses
dos pesquisadores são das prateleiras.
Esse caminho, não o faço sozinho. Outros professores companheiros no sentido
mais profundo da palavra companheiro (aquele que come junto o mesmo pão), participam
dessas reflexões e dessa caminhada. É uma grande alegria estar nesse debate com Patrícia
Holanda, da Universidade Estadual do Vale Acaraú; Maria de Lourdes Brandão, da
Universidade Federal do Ceará, Meirecele Calíope, da UECE/UFC, e com os amigos Pérsio
Nakamoto e Zuleide Ferraz, que estiveram participando comigo de elaborações teóricas e
projetos em São Paulo, na época do doutorado.
O fato de estarmos com o pe no chão da sala de aula, de conviver com os mesmos
problemas, medo, ousadias e desafios, nos une e nos fortalece. Nossa história poderia ser a
história de cada professor que tenha a oportunidade de fazer das nossas idéias e dos nossos
textos pretextos para a reflexão.
O lançamento da quarta edição de A hora da prática é para nós motivo de grande
alegria. Esse livro tem um caminho próprio para dialogar com as pessoas não apenas os
professores e alunos dos Cursos de Licenciatura em vivência de Estágio Supervisionado.
Essa aceitação tem ensinado-me uma lição: somos estagiários da vida e aprendizes da
prática docente.
Os textos foram escritos em realidades e tempos históricos diferentes. Pense que
seria importante contar um pouco sobre a história de cada um, em notas de rodapé, para
marcar esta nova edição.
A cada reedição do livro A hora da prática volto a surpreender-me pelo caminho
próprio que ele tomou em relação ao público. E me encanto com o movimento que se fez a
partir daquela idéia de juntar alguns textos mimeografados e depois digitados, notas, relatos
de experiências, reflexões que foram crescendo comigo na trajetória docente em um livro.
Não posso deixar de expressar minha gratidão aos colegas professores, meus
companheiros de estrada, que conversam comigo por meio de texto e nas palavras escritas
estabelecem o milagre do diálogo pedagógico.
Para esta edição, acrescento mais um texto: “O estágio que tem como fundamento o
trabalho como princípio educativo. É outro pretexto para continuarmos nossa conversa em
busca de alternativa que possam contribuir para uma formação de professores da melhor
qualidade”.

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PREFÁCIO

Querida Socorro,
Ao prefaciar o seu livro A hora da prática: reflexões sobre o estágio supervisionado
e a ação docente, que trata sobre ação docente do ponto de vista dos formadores e dos
formandos, traduzindo suas idéias, práticas, estudos, trocas e reflexões, dei-me conta de que
esse público é histórico por vários aspectos: ela é a primeira da parceria de co-edição entre
a Universidade Estadual do Ceará - UECE, no seu jubileu de prata, e a Fundação
Demócrito Rocha e por estar voltada para programas de formação de professores,
consolidando a política do Centro de Educação de incentivar a produção acadêmico no
âmbito da educação.
O lançamento da quarta edição constitui-se, portanto, em um incentivo e
encorajamento a todo o corpo docente do Centro à criação, produção, pesquisa e publicação
de obras.
Refletindo sobre seu trabalho reportei-me a Rubem Alves em conversas com quem
gosta de ensinar quando faz referência às “profissões extintas ou em extinção” (1985, p. 11)
como os tropeiros, os médicos de antigamente, os boticários, os caixeiros-viajantes e os
educadores. Vi em você aquela figura do educador “como fundador de mundo, mediador de
esperança, pastor de projetos” (1985, p. 26), na analogia feira do educador com as árvores,
que revelam o seu habitat, têm cidadania, seu mundo específico, mistério, personalidade e
até alma como acreditavam os antigos.
Podemos encontrar nesta publicação reflexão sobre diversas questões, distribuídas
ao longo dos seguintes textos:
No texto “Nosso jeito de caminhar pelo estágio supervisionado”, recorrendo à
afirmativa de Pimenta (1994, p. 21) segundo a qual “atividade docente é práxis”, você
explica que o estágio é uma espécie de teoria e prática juntas visando à reflexão docente. A
seguir, “por que Estágio Supervisionado para quem já exerce o magistério?” evidencia que
os profissionais em formação podem ter o estágio, como um lócus de estudo de suas
práticas e troca de experiências continuadamente.
O “estágio supervisionado, como mediador entre a formação inicial do professor e a
educação continuada”, sabiamente extraído de sua dissertação de mestrado, tem como base
teórica o trabalho como categoria fundante de ser social. Valendo-se de revisão
bibliográfica sobre formação de professores e de experiências de sala de aula com alunos
estagiários, foi trabalhada concepção de estágio que explica a práxis docente na mediação
entre a formação inicial do professor e educação continuada. “O professor e o trabalho
coletivo” fala da importância do professor sentir-se co-autor da vida da escola para a
construção de práticas coletivas, para melhor desempenho da função da escola. Nele você
expressa sua rica experiência de educadora que é.
Seguindo “O bom professor nos filmes”, você mostra-nos películas que têm o
professor como foco principal e faz uma profícua reflexão sobre o bom professor, valendo-
se dos ensinamentos de Maria Isabel Cunha e do grande mestre Paulo Freire.
“O estágio como investigação da prática” é um repasse do estágio em três
momentos: a hora da prática, aproximação da realidade e investigação da prática docente.
Com maestria, você convida-nos a um passeio pedagógico. “As coisas comuns nem sempre
são banais” conduzem-nos a reflexões sobre uma experiência de estágio. Abordam
problemas corriqueiros que podem ser transformados em grandes lições pedagógicas e
humanas.

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Finalizando com o “estágio supervisionado como estratégia de integração entre a
universidade e a comunidade: uma reflexão sobre a experiência de minicursos”, você
trabalha a importância das atividades do estágio dentro da comunidade, a partir de uma
experiência realizada com os alunos da UECE em Quixadá, por meio de minicursos em
diferentes localidades e sobre diferentes temáticas. Dessa forma, o estágio não é o único,
mas é o espaço por excelência onde o ensino, a pesquisa e a extensão concretizam-se.
Como contribuições ao elenco de reflexões aqui disponibilizadas vamos ainda
encontrar as das professoras Meirecelle Calíope Leitinho, Patrícia Helena Holanda e Maria
de Lourdes Brandão sobre a temática abordada. O leitor está, pois, convidado a conhecer
em profundidade essa obra e acompanhar os olhares sobre um tema de tanta significação
para a formação de educadores – o estágio. Tantas e quantas perguntas e dúvidas são
levantadas sobre o tema. Concluindo com o pensamento de Rubem Alves que será
necessário acordá-los do seu sono por um ato de amor e coragem, pois “acordados
certamente repetirão o milagre da instauração dos novos mundos”.
Lúcia Helena Fonseca Grangeiro
DIRETORA DO CENTRO DE EDUCAÇÃO

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Parte I
Pelos caminhos do estágio supervisionado
Não, não tenho caminho novo.
O que tenho de novo é o jeito de caminhar
(Thiago de Mello)

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Nosso jeito de caminhar
Pelo estágio supervisionado
Maria socorro Lucena Lima
Caminheiro, não existe caminho
O caminho se faz ao caminhar
(Antônio Machado)

Quando recordamos os nossos professores, dizemos que muitos sabiam apenas para
eles mesmos, ou seja, não conseguiam transmitir o seu conhecimento (muitas vezes,
profundo) para os seus alunos. Fica, assim, a memória de um professor que não deu certo,
mesmo nas suas melhores intenções. Assim percebemos que o ato de ensinar não é tão
simples. Ele requer um trabalho específico e reflexões mais amplas sobre o fazer
pedagógico.
A profissão do professor está situada exatamente no intercâmbio entre o
conhecimento sistematizado que a escola oferece e o aluno. Portanto, desenvolve-se nessa
ponte representada na mediação entre o aluno e o saber, o ensino e a aprendizagem.
No intuito de refletir sobre a profissão docente, sugiro que façamos algumas paradas
para acompanharmos esse percurso.
A primeira série na dimensão individual do trabalho do professor (NÓVOA, 1992).
Quem realiza a tarefa de ensinar? A pessoa do professor é quem faz dessa ação o seu
próprio trabalho. No seu desempenho ao planejar, executar e avaliar seus alunos está a sua
visão de mundo, sua história de vida, os conhecimentos que adquiriu historicamente, a
maneira de conceber a realidade e a educação.É uma prática tecida com o saber científico
(os conhecimentos sobre a disciplina que leciona), o saber pedagógico (elementos de
formação do docente), o saber da experiência (elaborados dentro de seu cotidiano) e o saber
político, social, dentre tantos outros. Mesmo que o docente não tenha consciência disso,
esses saberes serão postos em sua prática e dirão da sua visão de mundo e, dessa forma,
diferentes maneiras de pensar e de agir poderão ser evidenciadas. Uma delas seria aquela
que vê o mundo de forma dicotomizada, em que o professor, isolado em sua sala de aula
passa os ensinamentos.
A escola é vista como uma ilha isolada do contexto, e, a sala de aula, um espaço,
onde de forma supostamente neutra os alunos que forem esforçados ou inteligentes poderão
aprender, enquanto os outros ficam à margem do processo. É a valorização da ciência,
indiferente ao condicionamento histórico e social do conhecimento, o que ainda hoje é
muito comum nas práticas escolares. Esta visão caracteriza-se como linear, que não vê no
ato de ensinar perspectivas de transformação, nem para os alunos, nem para o professor,
nem para a sociedade.
A outra maneira de tratar a ação docente é a que adota uma concepção de educação
mais abrangente. Segundo Mendes (1983: 60), a educação é um projeto simultaneamente
político e filosófico, cuja compreensão não cabe exclusivamente no âmbito da
racionalidade científica. Nessa abordagem, o trabalho pedagógico tem uma dimensão maior
que vai somar-se às outras influências, ou seja, é contextualizado. O homem pode interferir,
ser o agente da história. A escola é um microsistema de um sistema maior que é a
sociedade, como se fosse a fatia de um bolo. O professor - enquanto sujeito que não
reproduz apenas, por ser também sujeito do conhecimento – pode, por meio de uma
reflexão crítica, fazer do seu trabalho em sala de aula um espaço de transformação. Isso é o
que chamamos de práxis docente. É na ação refletida e no redimensionamento de sua

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prática que o professor pode ser agente de mudança, na escola e na sociedade. Por isso é
necessário que este procure se situar como pesquisador da sua própria prática, fazendo
assim a práxis, que é a unidade teórica e prática de forma refletida e redimensionada.
Segundo Pimenta (1994: 93),
Atividade docente é práxis...,
É sistemática e científica à medida em que tenta objetivamente
(conhecer) o seu objeto (ensinar e aprender) e é intencional, não casuística.

A segunda parada na ponte do processo ensino-aprendizagem é a compreensão de


que o trabalho é um princípio educativo. Ao realizar a sua ação docente, o professor
aprende também e vai construindo o seu conhecimento. O trabalho, como principio
educativo, está situado no movimento de articulação entre a teoria e a prática pedagógica,
que é a profissão do professor e constitui a sua identidade como tal. Sendo o trabalho o eixo
articulador entre a teoria e a prática, a indissociabilidade entre esses dois termos realiza-se
por meio das atividades do professor, na ação-reflexão refletida. Nessa perspectiva, a
formação do docente se faz pelo repensar sobre a prática, sobre a realidade, bem como pela
construção permanente da identidade pessoal.
O terceiro ponto de reflexão é sobre a ética e a competência quando nos propomos a
lecionar. O saber – o saber fazer bem – remete-nos aos bons professores que nos
convenceram por suas práticas, na escola e fora dela. Leva ainda a dimensão política do
docente enquanto cidadão. Concordamos com Rios (1994: 50) quando lembra que é
importante falar em competência e nela apontar seus componentes – interligados
indissolúveis, essenciais – o técnico e o político.
Assim, a competência estaria ligando o técnico ao político mediado pela ética.
Entendemos ética, como o sentido que se dá à profissão, à atitude de respeito e de
compromisso com o aluno e com aprendizagem, indiferente de quem ele seja, onde more, a
escola que freqüente, principalmente se aquele aluno não tem acesso à infra-estrutura
cultural com jornais, internet e outros. Muitas vezes, o professor é a única via de
conhecimento sistematizado que o aluno tem e este boicota esse conhecimento ou não, o
conduz com a seriedade devida. O professor é “bonzinho”; mas não contribui para o
conhecimento dos alunos. O coletivo envolve ainda os companheiros que caminham
conosco neste processo e que nos leve a mais uma dimensão da competência: ela se faz no
coletivo (RIOS, 1994).
Compreendemos que o estágio supervisionado é o lugar por excelência para
trazermos à tona estas questões e aprofundar os nossos conhecimentos e discussões sobre
elas. É o momento de revermos os nossos conceitos sobre o que é ser professor, para
compreendermos o seu verdadeiro papel e o papel da escola na sociedade.
O estágio não é a hora da prática! É a hora de começar a pensar na condição de
professor na perspectiva de eterno aprendiz. É a hora de começar a vislumbrar a formação
contínua, como elemento de realimentação dessa reflexão.
O fato de intervir na vida concreta da escola, fundamentados pela teoria sobre a
formação docente, poderá ser a grande contribuição da prática de ensino no direcionamento
ou redirecionamento profissional do futuro professor ou do professor que já está em sala de
aula. Dessa forma, o estágio será trabalhado na perspectiva de Schön (1992:80): o
conhecimento na ação e a reflexão na e sobre a ação.
O estágio supervisionado, visto como atividade teórica instrumentalizadora da
práxis do futuro professor (PIMENTA, 1994:121), é o lócus dessas reflexões sobre o
professor e seu trabalho. É fazendo do estágio esse espaço de reflexão sobre a docência,

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que esperamos contribuir na formação de professores crítico-reflexivos, competentes,
comprometidos e cientes da sua função social.
Essa maneira de conduzir as atividades do estágio é o nosso jeito de caminhar na
educação, diz dos projetos e utopias do nosso momento histórico.

Bibliografia
CUNHA, M. L. O bom professor e sua prática. Campinas: Papirus, 1989.
MENDES, D. T. Existe filosofia na educação brasileira? Filosofia da educação brasileira.
Rio de Janeiro: Civil Brasileiro, 1983.
PIMENTA, S. G. O estágio na formação de professores: unidade, teoria e prática? São
Paulo: Cortez, 1994.
RIOS, T. A Ética e competência. São Paulo: Cortez, 1994. (coleção Questões de nossa
época)
SCHÖN, D. A. (Org). O professor e sua formação. Lisboa: D. Quixote, 1992.

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Atividades para reflexão

1. Ler, cantar e relacionar a música de Gonzaguinha com o momento que estamos


vivenciando.

O que é, que é
Eu fico com a pureza da resposta das crianças,
é a vida, é bonita e é bonita.
Viver e não ter a vergonha de ser feliz.
Cantar e cantar e cantar a beleza de ser um eterno aprendiz.
Eu sei que a vida devia ser bem melhor e será, mas isso não
impede que eu repita, é bonita é bonita e é bonita.
E a vida? E a vida o que é diga lá meu irmão?
Ela é a batida de um coração? Ela é uma doce ilusão?
E a vida, ela é maravilha ou é sofrimento?
Ela é alegria ou lamento? O que é, o que é meu irmão?
Há quem fale que a vida da gente é um nada no mundo.
É uma gota, é um tempo que nem dá um segundo.
Há quem fale que é um divino mistério profundo.
É o sopro do criador numa atitude repleta de amor;
Você diz é luta é prazer, ela diz que a vida é viver,
ela diz que melhor é morrer, pois amada não é e o verbo é sofrer.
Eu só sei que confio na moça e na moça eu ponho a força e a
Fé... Somos nós que fazemos a vida como der ou puder ou quiser.
Sempre desejada, por mais que esteja errada. Ninguém quer
a morte, só saúde e sorte;
E a pergunta roda, e a cabeça agita. Eu fico com a pureza da
resposta das crianças, e a vida, é bonita e é bonita!
(Gonzaguinha)

2. Destaque pontos comuns entre a vida do grupo e a letra da música.


3. Para você, o estágio pode ser um dos momentos de alegria e “beleza de ser um eterno
aprendiz”?

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Por que estágio supervisionado
para quem já exerce o magistério?
Maria Socorro Lucena Lima

Os discursos de quem não viu, são discursos;


os discursos de quem viu, são profecias
(Pe. Antônio Vieira)

É possível que se questione o porquê do estágio supervisionado quando o aluno já


exerce a profissão de professor. Realmente, se pensarmos este componente curricular
apenas como o momento da prática, a questão faz sentido. Temos conhecimento de
modalidades de estágio que não têm sido trabalhadas com a devida clareza quanto aos seus
objetivos e finalidades. Muitas têm recebido interpretações equivocadas quanto ao seu
desenvolvimento e realizadas de forma burocratizada, quando os estagiários são
submetidos, algumas vezes, a situação tecnicista, reduzidas a um mero preenchimento de
fichas que pouco auxiliam na sua formação. Existem ainda os estágios cheios de boas
intenções, mas vazios de ações sistemáticas de planejamento e de avaliação, inclusive
conhecemos casos de algumas escolas. Por outro lado, mesmo os cursos de formação
preocupados com a questão, em muitos casos, vêm tentando siderar a caminhada dos
professores. Prevalece a lógica da racionalidade técnica ou a leitura de textos acadêmicos,
fazendo oposição à formação de professores a partir da realidade que estão inseridos.
Compreendemos o profissional do magistério como um intelectual em processo
contínuo de formação, que tem na teoria o elemento básico para realizar uma ação coerente
e transformadora, ou seja, sua práxis docente. Essa formação, que envolve além dos
saberes adquiridos na prática cotidiana e na história da sua vida, ainda necessita da
fundamentação teórica necessária para a reelaboração deste saberes e a melhoria da
qualidade docente. É um processo continuo que vai sendo construído no trabalho, é
enriquecido pela aquisição da teoria que realimenta a prática, como elemento indispensável
para o desenvolvimento profissional.
Muitas das pesquisas atuais sobre formação docente insistem na necessidade de a
partir de uma reflexão fundamental sobre a profissão docente para além do campo
estritamente acadêmico, como explica Nóvoa (1992: 25) ao afirmar que:

Urge por isso (re) encontrar espaço de interação entre as dimensões pessoais e
profissionais permitindo aos professores apropriar-se dos seus processos de formação e
dar-lhe um sentido no quadro das suas histórias de vida .

Daí ser preciso pensar sobre as próprias experiências pessoais e profissionais de


maneira coletiva para que possamos construir juntos uma nova identidade docente.
GOMEZ (1992) é um defensor do professor prático, autônomo, que reflete, toma decisões e
cria durante a sua própria ação, ao que chama de diálogo reflexivo, capacidade que é
considerada por Schön (1992), como reflexão na ação.
É válido descobrir espaços em que o professor possa enunciar suas vivências em
sala de aula partilhar os saberes que lhe possibilitem desempenhar os papéis de formadores
e formandos. Nas aulas de prática de ensino é importante encontrar caminhos nesse sentido,
pois os problemas nessa aérea extrapolam os muros da Universidade e vão somar-se a

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tantos outros do ensino fundamental e médio. Dentro da abordagem de que o estágio é a
atividade teórica instrumentalizadora da práxis (PIMENTA, 1994:121), é que pretendemos
fundamentar e justificar a dinâmica desta disciplina que tem o trabalho docente como eixo
articulador entre a teoria e a prática.
O fato de professores buscarem na universidade seu desenvolvimento profissional é
indicativo de que, juntos, podemos realizar um estágio que possibilite maior conhecimento
para nós e para a comunidade onde atuamos. As reflexões sobre a nossa prática pedagógica
certamente se constituirão um processo dialético, juntamente com os novos conhecimentos
teóricos, como a nossa realidade e as experiências adquiridas ao longo do tempo.
Propomos que o estágio seja este espaço de unidade teórica-prática e que tenhamos
como ponto de partida e de chegada as nossas atividades docentes. A mobilização do saber
da experiência, aliada ao saber pedagógico e a fundamentação teórica poderão nos oferecer
os elementos necessários para compreender e analisarmos o nosso próprio desempenho
profissional. Não a prática pela prática e sim a prática fundamental na teórica em confronto
com a realidade para um redimensionamento do nosso trabalho. Que tal fazermos da nossa
sala de aula, da relação com os nossos alunos, dos avanços e dificuldades docentes e dos
entornos ao nosso trabalho, um campo de estágio e pesquisa?

_________________________________
1 Em 1995 começava se intensificar a presença de professores que já eram profissionais do magistério nos
cursos de formação docente. Pensei nesse texto para sensibilizá-lo para o Estágio Curricular dentro da
realidade em que estavam inseridos.

Bibliografia
GOMZ, A P. O pensamento prático do professor: a formação do professor como
profissional refletivo.
NÓVOA, a (COORD). Os professores e sua formação. Lisboa: Dom Quixote 1992
LIMA, M. S. L. O estágio supervisionado como elemento mediador entre a formação
inicial do professor e a educação continuada. Fortaleza (mimeo) Dissertação de
Mestrado Universidade Federal do Ceará - Faculdade de Educação, 1995.
______.O estágio supervisionado como estratégia de integração entre a universidade e a
comunidade. Uma reflexão sobre a experiência de minicursos. CADERNOS UECE, Nº 1.
Fortaleza: Editora UECE, 1994. p. 45-52.
PIMENTA, S. G. O estágio na formação de professores unidade, teoria e prática? São
Paulo: Cortez, 1994.
SCHON, D. A. Formar professores como profissionais reflexivos. NÓVOA, Antônio
(coord.) Os professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992.

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Atividades para reflexão

1. Relate um dia da sua vida de professor


2. Quem foi um “bom professor” em sua memória?
3. Preencha

O bom professor
O que já tenho O que me falta

4. Em que o estágio pode auxiliar na sua condição de “eterno aprendiz” e de “bom


professor”?

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O estágio supervisionado como estratégia de integração entre a
universidade e a comunidade uma reflexão de minicursos
Maria Socorro Lucena Lima

Quero não o que está feito mas o que tortuosamente


ainda se faz...Sigo o tortuoso caminho das raízes
recebendo a terra, tenho por dom a paixão, na queimada do
tronco seco contorço-me às labaredas.
(Clarice Lispector)

O aluno estagiário, agindo sobre o meio e recebendo a influência deste, pode, assim
elaborar o seu conhecimento, trabalhando com conteúdos concretos, indissociáveis da
realidade social através da reflexão, troca de experiências e interferir de alguma forma,
nesta mesma realidade. O ponto central da proposta é estabelecer um processo de
integração que envolva o professor de prática de ensino, os demais professores do curso, os
alunos estagiários e os grupos onde vamos atuar.
Diante das limitações do estágio convencional pensamos os minicursos como uma
maneira diferente de viver o processo de observação, participação e regência de um modo
mais abrangente. Podemos atingir tanto a educação formal, como a informal, trabalhando
com o pessoal da escola ou de maneira aberta, com a comunidade.
Queremos, aqui analisar a nossa experiência de estágio, questionar a sua validade,
dissecá-la nos seus avanços e obstáculos, ver o que ela representou e venha a representar
para a vida da comunidade, dos estagiários, da universidade das escolas de ensino
fundamental e médio e para o nosso trabalho, na área de formação de professores.
Não temos a pretensão de lançar um modelo de estágio, nem defendê-lo como o
melhor e o mais completo. Queremos apenas ir fazendo e refazendo a nossa prática,
perspectiva de responder ao movimento histórico que vivenciamos; errando, acertando,
“fazendo o caminho ao caminhar”, como diz o poeta Antônio Machado. Acreditamos na
validade dessa forma alternativa de estágio, pela alegria de um trabalho gestado e realizado
de maneira conjunta, oferecendo a grupos da comunidade exatamente o debate daqueles
assuntos dos seus interesses e dando oportunidades ao estagiário de trabalhar em
conformidade com as habilidades.

Questionando a prática de ensino


Ao estudarmos a prática de ensino em sua multidimensionalidade lembramos que
esta disciplina é obrigatória nos cursos de licenciatura, segundo determinações do MEC.
No panorama de profunda crise conjuntural e estrutural que a educação vivencia,
questionamos até que ponto o estágio estaria sendo uma prática válida, um trabalho
produtivo, tanto para o aluno estagiário como para a escola que receba. Pelo momento do
estágio vão passar todos os problemas do sistema escolar, todas as deficiências do estágio,
da universidade que a envia, da escola recebedora e do aluno. É aí que se tornam evidentes
e até públicas as questões mal resolvidas de ensino-aprendizagem, falta de preparo e de
métodos, de criatividade, dificuldade de comunicação e tanto outra. De um lado temos uma
escola de ensino fundamental, estadual ou municipal, com vários problemas, com
professores muitas vezes movidos pela falta de estímulo, pelo descompromisso, ou
superatarefados em subempregos e ocupações para assegurarem à sobrevivência. Do outro
lado, estagiários que vêm passando pela evidente queda da qualidade de ensino, pela
dificuldade de fontes de pesquisa, pela falta de fundamentação teórico-metodológica e
tantos outros problemas de ordem econômico social. Dessa forma, o estágio é transformado

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num “faz-de-conta” em que se é professor, ou por um momento sacrificado e doloroso, que
se tem que passar, para a aquisição do diploma.
Não se pode negar a face da escola noturna, mesmo que seja na universidade. Em
nossa realidade, a grande maioria dos alunos assegura a sua sobrevivência, com emprego e
subempregos, desvinculados do que fazem na universidade, de onde, nem sempre é
possível se ausentar sistematicamente para a realização de tarefas durante o expediente. E
como operacionalizar o estágio neste contexto?
Geralmente, a estrutura convencional do estágio como disciplina profissionalizante
é desenvolvida em três etapas: observação, participação e regência. Resolvemos colocar
questões sobre estas práticas:
a) Como se pode ter a visão do processo educativo, da vida dos alunos e do
currículo, se o calendário letivo das escolas não corresponde totalmente com o da
universidade?
b) Que “visão da realidade” os estagiários podem ter se entram no processo letivo ,
depois que a escola está em pleno funcionamento?
c) Diga, o que ter-se-ia de acrescentar, se, por um curto espaço de tempo,
interrompemos a sistemática de comunicação, a metodologia e o relacionamento
do professor com o aluno, para logo depois, retornamos à universidade?
d) Quais as condições das nossas escolas para receberem os estagiários?
e) Diante do desemprego do futuro profissional e do desestimulo dos profissionais
efetivos, pergunta-se finalmente: o que é o estágio? Para quem serve este
estágio?
Todos estes questionamentos nos levam a uma reflexão muito mais séria: que tipo
de profissional estamos querendo formar: um professor? Um educador? Um continuador?
Um reformador? Foi precisamente na tentativa de responder a esses questionamentos que
pensamos os minicursos, como modalidade de estágio supervisionado no 8º semestre.

O que são minicursos?


Entre outras experiências de estágio vivenciadas por professores de outras
universidades, o minicurso trabalhado por nós, evidencia características bem peculiares. Os
alunos das licenciaturas, após terem passado pelo estágio convencional no 7º semestre, vão
estruturar e operacionalizar um “encontro” de 30 ou 40 horas, que poderá ter como
clientela, tanto os profissionais da educação, como pessoas da comunidade em geral. A
finalidade do minicurso é o aprofundamento, a discussão e a troca de experiências sobre
temas sugeridos pelo público.
De acordo com as habilidades e experiências, os estagiários são agrupados em
equipe de 4 ou 5 elementos. Digamos que uma equipe escolha trabalhar sobre a educação
infantil. No Primeiro momento, procura um grupo de professores da Febemce ou
professorandos, e este grupo é quem vai sugerir um tema do seu interesse. Os estagiários
retornam à universidade, preparam o projeto dos minicursos, organizam todo o material e
voltam ao local para a operacionalização. Assim, tivemos alunos de cursos de História
discutindo “Modos de Produção”, com os líderes comunitários, “História do Quixadá”, para
pessoas interessadas no assunto e tantos outros. Trabalhamos de maneira especial com
professores leigos na zona rural, nos sítios e distritos. O raio de ação dos minicursos atingiu
a maioria dos municípios circunvizinhos. Fomos, aos poucos, redimensionando,
melhorando, consertando e, principalmente, tentando formas que mais se ajustassem à
nossa realidade. Fizemos convênio com departamentos de educação dos municípios,
escolas e entidades e passamos a receber solicitações de estágios, que adotaram a seguinte
estrutura:

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a) levantamento das habilidades e preferências dos estagiários por determinados
temas:
b) levantamento de interesses pedagógicos e político-sociais, junto aos grupos que
queiram fazer uma discussão, aprofundamento ou troca de experiência com a
universidade;
c) realização de cursos para a comunidade (minicursos), dentro dos temas
sugeridos.

INTEGRAÇÃO
UNIVERSIDADE-COMUNIDADE

ES CO
T MU
A E NID
GI S AD
Á E
RI Habilidade T Expectativas
O Experiências Á Interesses
Tendências G Necessidades
I
O

REFLEXÃO-TROCA DE EXPERIÊNCIAS
APROFUNDAMENTO

A nossa proposta de estágio minicurso para a comunidade não é um treinamento


comum, verticalizado, burocratizado, mas um curso com características próprias,
identificado com a nossa maneira de conceber a educação, com os nossos idéias e utopias,
em consonância com a realidade na qual estamos inseridos, com as reais possibilidades dos
estagiários e as aspirações da comunidade.

16
Quanto à organização funcional:
a) O local: escolhido pela equipe, podendo ser na sede, nos distritos ou nos
municípios circunvizinhos;
b) Duração: 30 h/a para equipe de três estagiários e 40 h/a para equipe de quatro
estagiários;
c) Período de realização: após a conclusão das fases preparatórias, geralmente
nos finais de semana;
d) Produção: os textos a serem utilizados deverão ser produzidos ou adaptados
pelos alunos estagiários;
e) Desenvolvimento do projeto: será totalmente operacionalizado pelos
estagiários, inclusive as negociações quanto à clientela, local, financiamento e as
demais providências.

1ª Fase
Organização inicial

2ª Fase
Fundamentação

3ª Fase
Organização do material

4ª Fase
Operacionalização das
Atividades Previstas

5ª Fase
Avaliação (Continuação)

17
“No meio do caminho tinha uma pedra”
Enfrentamos muitas dificuldades sendo a principal delas a questão dos recursos
financeiros. Aos estagiários e dado todo poder de decisão e a eles compete, também,
providenciar o orçamento do minicurso: pastas, apostilas, folder, crachás, deslocamentos e
outros. As equipes poderão solicitar financiamento de firmas comerciais, indústrias, ou
instituições; do contrário terão que arcar com todas as despesas.
Outros problemas identificados durante a implementação do projeto foram;
 a falta de continuidade no debate dos temas;
 questões pessoais que envolvem maturidade, criticidade e coesão dos grupos;
 desnível entre os membros das equipes;
 o pouco envolvimento dos professores da graduação;
 a carga horária de prática de ensino insuficiente para o projeto;
 falta de infra-estrutura da universidade, para o deslocamento do professor de
prática de ensino;
 dificuldade de locação do professor de prática de ensino, prioritariamente, nas
atividades do estágio;
 dificuldade de assessoramento, ao estagiário no tocante à parte da datilografia.

Reflexões e sugestões (recado final)


O minicurso é uma atividade coletiva, gestada e construída passo a passo, etapa por
etapa, junto aos alunos, e hoje essa experiência passa por uma fase melhor, elabora
graduação, colegas de outras universidades, bem como no surgimento de novos
projetos. Sugerimos, no entanto, que sua continuidade seja repensada a partir de alguns
pontos, entre eles:
 um projeto pedagógico em que o estágio seja um processo que venha a permear
o curso de graduação, concluindo com a experiência do minicurso (o que não
invalida o estágio convencional, feito em outro momento);
 que os cursos para a comunidade, conveniados ou não, mantenham suas raízes:
ampla a visão crítica e consciente dos participantes e ser um espaço do
cotidiano, onde as pessoas (principalmente os professores) sejam respeitadas em
sua vivencias e valores, para a troca de experiências e aprofundamento de
questões;
 que a universidade se engaje nesse projeto, principalmente a Pró-Reitoria de
extensão;
 que os minicursos dêem margem a outros projetos pedagógicos afins.

Nossa história de vida está ai para ser debatida, aberta a críticas e sugestões que
venham a enriquecê-la. É a tentativa de um trabalho participativo, dentro das nossas
limitações, dos nossos erros, das nossas utopias pedagógicas. Não é um trabalho pronto. É
uma caminhada. A busca de práxis educativas: ação, reflexão, ação. Um repensar sobre a
prática de ensino nos cursos de literatura e, principalmente, o desafio de abrir mão das
posturas tradicionais. Uma busca.
Queremos reiterar que vale a pena tentar, não para realizar grandes mudanças, mas
dentro desta conotação; “aprendendo com a própria história”, como ensina Paulo Freire.

_____________________________
1 Este foi um texto pedagógico que escrevi em 1990 a partir da minha monografia do Curso de especialização
Lato Sensu.

18
Bibliografia

ALVES, R. A Conversas com quem gosta de ensinar. 20ª edição, São Paulo: Cortez
Autores associados, 1985. (Coleção polêmicas do nosso tempo).
BORNHEIM, A G. Introdução ao filosofar 7ª edição Rio de Janeiro: Globo, 1969.
CABRINI, C e outros. O ensino de História. Revista Urgente 3ª edição, São Paulo:
Brasiliense, 1987.
CARDENOS CEDES. A prática do ensino de História Nº 10, São Paulo: Cortez, 1984.
FREIRE, P. e outros. Vivendo e aprendendo – Experiências do IDAC em educação
popular 4ª edição. São Paulo: Brasiliense, 1985.
GUIMARÃES, S. Aprendendo com a própria história. Rio de Janeiro: Paz na Terra,
1987.
Conscientizado, teoria e prática da liberdade uma introdução ao pensamento de Paulo
Freire. São Paulo: Moraes, 1980.
HARPER, B. e outros. Cuidado escola. São Paulo: Brasiliense, 1980.
LUCKESI, C. e outros. Fazer universidade: uma proposta metodológica 4ª edição São
Paulo, 1887.
MIZIKAMI, M. DAS G. N. Ensino as abordagens do processo. São Paulo: EPU, 1986.
PILETTI, N. A formação do educador. Revista Educação Municipal. São Paulo: Cortez,
nº 04.
RODRIGUES, M. DA C. A prática de ensino em questão nº 07. Florianópolis:
Universidade Federal de Santa Catarina – Centro de Ciências da Educação, 1986.
SAVIANI, D. Educação, do senso comum à consciência filosófica. São Paulo: Cortez
Autores Associados, 1980.

19
Atividades para reflexão

1. Leia, cante e reflita sobre a canção de Almir Sater e Renato Teixeira.


2. Relacione o conteúdo da canção com o texto.
3. Dentro da sua realidade, que sugestões você pode dar para o nosso estágio?

Tocante em frente
(Almir Sater/Renato Teixeira)

Ando devagar
Porque já tive pressa
E levo esse sorriso
Porque já chorei demais
Hoje me sinto mais forte,
Mais feliz, quem sabe,
Eu só levo a certeza de que muito pouco sei
Ou nada sei
Conhecer as manhas
E as manhãs

O sabor das massas


e das maçãs
É preciso amar
Pra poder pulsar
É preciso paz pra poder sorrir
É preciso chuva para florir
Penso que cumprir a vida seja
simplesmente
Compreender a marcha e ir
tocando em frente
Como um velho boiadeiro
Tocando a boiada

Eu vou tocando os dias pela


Longa estrada, eu sou
Estrada eu vou
todo mundo ama um dia,
todo mundo chora
e no outro vai embora
Cada um de nós compõe
A sua própria história
E cada um ser em si
Carrega o dom de ser capaz
De ser feliz.

20
Conversando sobre práxis docente¹
Maria do Socorro Lucena Lima

No estágio de ser essa árvore


um irmão aprendeu de sol, de céu
e de lua mais do que na escola.
No estágio de ser árvore meu irmão aprendeu para santo mais
do que os padres lhes ensinavam no internato.
Aprendeu com a natureza o perfume de Deus.
Seu olho no estágio de ser árvore aprendeu melhor o azul.
No estágio de ser árvore meu irmão descobriu que as árvores
são vaidosas
(Manoel de Barros)

Guimarães Rosa nos diz que “mestre não é quem sempre ensina, mas quem, de
repente, aprende”. É exatamente esta postura de “eterno aprendiz” o princípio norteador do
que chamamos a práxis educativa do professor, que consiste em aprender com a vida, com
os livros, com as pessoas, com a própria história. Assim é possível ir construindo a prática
docente na perspectiva da ação refletida e transformadora, mediada pelo conhecimento.
Concordo com Frigotto (1994:81) quando nos esclarece que:

A práxis expressa, justamente, a unidade indissolúvel, solúvel de duas dimensões


distintas no processo de conhecimento: teoria e ação. A reflexão teórica sobre a
realidade não é uma reflexão diletante, mas uma reflexão em função da ação.

Todos os conhecimentos sistematizados que adquirimos na Sociologia, na


Psicologia, na Filosofia, na Economia, nas diferentes metodologias, devem ser canalizados
para o nosso fazer pedagógico, como forma diferente de lançar luzes sobre a nossa prática e
melhor compreendê-la e desenvolvê-la. Somamos a esses, os conhecimentos advindos da
prática, do dia-a-dia do nosso trabalho e todos os outros adquiridos nas diferentes instâncias
da nossa vida (família, agremiações, associações, igreja). Sempre que refletimos sobre
esses saberes vários e redimensionamos a nossa prática, estamos vivenciados a práxis.
Dentro do movimento: ação, reflexão e ação refletida é que atividade docente é
práxis. Apenas na articulação entre a teoria e a prática pedagógica é que isso acontece.
Quando vamos ensinando, vendo o que não dá certo e tentando acertar, quando voltamos a
estudar e procuramos levar esses ensinamentos para a nossa realidade estamos fazendo a
práxis educativa. Para isso é preciso que reconheçamos a importância do conhecimento
tanto da matéria que nos propomos lecionar, como das questões pedagógicas da sala de
aula. O sentido da transformação na educação estará acontecendo a partir do conhecimento
que promove a crítica à sociedade e está voltado para a emancipação humana, como no
dizer de Pimenta (1994: 106), quando explica que o professor, como agente de uma práxis
transformadora precisa, pois de sólida formação teórica e de uma reflexão crítica sobre o
seu fazer pedagógico.
Concordamos com Rios (1993), quando diz que a práxis de professor tem lugar
numa postura que requer uma perspectiva utópica, entendida como Paulo Freire ensinava:
aquilo que ainda não é, mas pode vir a ser. Assim o educador se faz competente, apontando
alternativas para os caminhos que se fazem “no agora”. Trata-se de uma atitude crítico-
filosófica que o educador faz da própria atuação e na redefinição dos seus objetivos. Rios
(1993) apresenta duas dimensões distintas e, ao mesmo tempo, profundamente articuladas,

21
na construção da competência do professor: a técnica e a política, que longe de serem
dicotômicas, interpenetram-se e complementam-se. Há nesse caso, um compromisso ético
articulado à dimensão política, mediatizado pela técnica e segundo o mesmo autor, assim.

Vamos nos tornando competentes, realizando o ideal que atende às exigências


histórica do contexto em que atuamos. A idéia de relação, presente na vida
humana, aponta-nos uma competência que, além de ser construída é também
compartilhada (1993:79).

Compreendemos que a construção da práxis do profissional do magistério tem como


base a ética (reflexão crítica sobre a dimensão moral do comportamento do homem e o
sentido social que se dá à profissão) e a competência (qualidade profissional construída no
coletivo). Dessa forma é necessário que seja contínua e constantemente ressignificada a
formação do professor e vivenciada na perspectiva de Schön (1992:80) "o conhecimento na
ação e a reflexão na ação”.
A vaga atual das reformas educativas oferece uma oportunidade única para
reexaminarmos estas questões, pois o que está a acontecer na educação reflete o que está
acontecendo noutras áreas: uma crise de confiança no conhecimento profissional. Na
educação, esta crise centra-se no conflito entre o saber escolar e a reflexão na ação dos
professores e alunos.
Assim, o professor tem com a sua profissão, o compromisso ético de estar atento às
modificações que se fazem e a partir do seu trabalho docente, tanto com os seus alunos,
como na sua própria atividade. Englobam-se aqui, o papel social da escola, o trabalho de
todos os professores, dos alunos, pais, comunidade dentro de sociedade em contínuo
processo de transformação histórica.

____________________
¹Esse é um texto que foi escrito para esclarecer o conceito de práxis para uma das turmas do Programa
Especial de Formação Pedagógica no ano de 2000 em Fortaleza-CE

Bibliografia

RIOS, T. A Ética e competência. São Paulo: Cortez, 1994. (Coleção Questões de nossa
época, vol. 16).
SCHÖN, D. A Formar professores como profissionais reflexivos NÓVOA (ORG). Os
professores e sua formação. Lisboa: D. Quixote, 1994.
PIMENTA, S, G. O estágio na formação dos professores unidade-teorica e prática? São
Paulo: Cortez, 1994.
FRIGOTTO, G. O enfoque da dialética materialista histórica na pesquisa educacional.
FAZENDA, Ivani (org.) Metodologia da pesquisa educacional. São Paulo: Cortez, 1994.

22
ATIVIDADES PARA REFLEXÃO

1. Veja esse conto Os cegos e o elefante do rei. Em que a sua mensagem pode auxiliar em
nossa prática docente?

Os cegos e o elefante do rei

Há muitas centenas de anos, um rei e seu exército viajaram pelas altas


montanhas da Índia para mostrar à gente simples sua riqueza e onipotência.
De tudo, o mais impressionante era o pujante elefante do rei, cujo tamanho
e força atemorizaram a ralé.
Um dia o séqüito do rei montou acampamento nos arredores de uma pequena
aldeia onde todos os habitantes eram cegos. À noite vários homens cegos
penetraram às escondidas no acampamento, esperando descobrir a verdade
sobre aquela extraordinária criatura, de maneira que pudessem partilhar a
descoberta com os vizinhos cegos. Quando voltaram para a aldeia, relataram
com grande entusiasmo os fatos que haviam reunido.
__É grande e áspero – disse o cego que havia tocado na orelha do elefante -,
se move na brisa como uma pesada tela de tapeçaria.
__Não, não, realmente não é nada disso – interrompeu o cego que havia
passado as mãos na tromba do elefante. Na verdade é como uma
poderosíssima cobra de pele áspera que se enrosca e se desenrosca, mas não
dá o bote.
__Permita-me discordar – disse o homem que havia tocado nas pernas do
animal -, pois é sólido e firme como uma árvore com um tronco áspero e
enrugado.
Cada um dos cegos havia tocado apenas uma parte do animal, mas cada um
deles acreditava que compreendia o todo. Porque tinha moldado a realidade
de acordo com suas percepções limitadas, a verdade permaneceu
desconhecida. (ELIAS, Jansen; Ketcham. Na casa da lua resgatando o
espírito feminino da cura. Rio de Janeiro: Objetiva, 1998).

23
O professor e o trabalho coletivo¹
Maria Socorro Lucena Lima
Zuleide Ferraz Garcia
.
É impossível ser feliz sozinho
(Tom Jobim)

I – O verso da canção de Tom Jobim: “é impossível ser feliz sozinho”, diz do objetivo deste
texto, que consiste em fazer uma reflexão sobre o trabalho coletivo na escola. Partimos de
questionamento que permitem fazer articulação entre a prática individual e a coletiva do
professor. Qual seria a relação existente entre a ação docente e trabalho coletivo? Qual é o
papel do professor nesse sentido? Em que consiste o trabalho coletivo na escola? Como os
cursos de formação para o magistério e o estágio supervisionado podem trabalhar essa
questão? Colocaremos, no primeiro momento, a escola como um espaço de construção
coletiva, onde todos aqueles que dela participam são co-responsáveis por seu
funcionamento e organização. Em seguida abordaremos a relação existente entre trabalho
coletivo e competência docente, destacando ações que possam contribuir para construção
deste coletivo na escola, mesmo nas dificuldades e contradições. O texto termina apontando
para o processo de humanização e de transformação que a escola pode fazer das atividades
cotidianas.

II – Sendo a escola ponto de encontro dos vários sujeitos envolvidos com o ato de ensinar,
o construir juntos precisa contar com a participação dos alunos, dos professores, dos pais,
dos funcionários, da direção, da coordenação e da comunidade. Dessa forma, a organização
de um projeto coletivo é condição indispensável na concretização de uma escola
participativa, capaz de enfrentar a descentralização dos serviços, a questão do
planejamento, da organização do ensino, a busca da autonomia e do exercício da cidadania.
Considera ainda os limites e as possibilidades de contexto escolar, para que seja possível
compreender e trabalhar os pontos de maior dificuldade e os que precisam ser corrigidos e
assim, estabelecer os caminhos, as etapas e definir as tarefas de cada pessoa dentro do
contexto. Pensando dessa maneira, é possível entender que esta articulação não se faz
apenas pelo fato de estarmos cotidianamente com as outras pessoas no ambiente escolar,
mas na busca de caminhos e na descoberta da maneira de percorrê-la. Sobre esta questão
esclarece Fusari (1994:70)

A realização do trabalho coletivo não supõe apenas a existência de profissionais que


atuem lado a lado numa mesma escola, mas exige Educadores que tenham pontos de
partida (princípios) e pontos de chegada (objetivos) comuns.

III – Outro ponto que merece uma reflexão é que o trabalho coletivo está ligado à
competência docente. Haverá possibilidade de realização de um trabalho de melhor
qualidade, quando um grupo for articulado no sentido de estar coeso para realizá-lo. Assim
a competência somente estará sendo concretizada no trabalho coletivo. Neste sentido
estamos de acordo com Rios (1994:79) quando nos ensina que uma pessoa não pode ser
competente sozinha. A qualidade de seu trabalho não depende apenas dela - defini-se na
relação com os outros. As condições para a realização de um trabalho competente estão na
competência do profissional e na articulação dessa competência com os outros e com as
circunstâncias.

24
Destacamos algumas atividades que podem fazer parte do cotidiano escolar e dessa
forma ensejar práticas escolares que apontem para o desenvolvimento de hábitos de
formação contínua, em serviço, realizadas no coletivo:
a) ações operacionais para que a interação grupal aconteça no espaço e no
tempo escolar (atividades ligadas ao conteúdo das disciplinas e
interdisciplinaridade, além de outras como organização de horários,
calendários, eventos e outras tarefas);
b) estudo contínuo de texto e debate de assuntos ligados à docência e à troca de
experiências sobre a prática cotidiana escolar;
c) planejamento, acompanhamento e avaliação das atividades da escola como
um todo;
d) desenvolvimento da prática de registro dos trabalhos realizados;
e) operacionalização do projeto político Pedagógico da escola como
possibilidade de um trabalho conjunto;
Lembramos que esse processo não se faz sem conflitos. Ele é feito em meio de
divergências e contradições. Faz-se ainda na troca de experiências e na partilha de
saberes, como nos explica Nóvoa (1992:26):

A troca de experiências e a partilha dos saberes consolidam espaço de formação


mútua, nos quais cada professor é chamado a desempenhar simultaneamente, o papel
de formador e de formando. O diálogo entre os professores é fundamental para
consolidar saberes emergentes da prática docente.

IV – Pensar a Escola como um espaço de construção coletiva significa ressignificar sobre


sua função social que, de acordo com Pimenta (1994:80), pretende contribuir para o
processo de humanização do aluno-cidadão, consciência de si mesmo no mundo, capaz de
ler e interpretar o mundo no qual ele está a inserir-se criticamente para transformá-lo. A
partir da consciência dos objetivos e das reais finalidades da escola, há maiores
possibilidades de que os docentes, os alunos e as demais pessoas envolvidas nesse processo
sintam-se como parte integrante do contexto. É preciso que sejam criados espaços de
reflexão, estudo e investigação para que tal engajamento aconteça, porque o ativismo e
outros esquemas não reflexivos têm transformado os educadores em tarefeiros, deixando-os
cada vez mais distantes as propostas de trabalho coletivo.
No decorrer dos cursos de formação para o magistério ou especificamente nas
atividades do estágio supervisionado, os estudos concretos com a realidade da escola, o seu
funcionamento, o seu projeto político-pedagógico tem-se constituído um dos espaços de
compreensão e análise pedagógica. É ainda um exercício de articulação, uma prática de
integração entre a sala de aula e o coletivo escolar. Lembramos aqui a fala de uma das
alunas do curso de formação do magistério, na apresentação das conclusões do seu grupo
de trabalho:

Eu nunca tinha me interessado pela vida da escola, apesar de já ser professora naquele
local há muitos anos. O estágio supervisionado foi a oportunidade de conhecer melhor
a escola, de estudar de perto o seu projeto político-pedagógico e isso foi muito
proveitoso para mim, para o meu trabalho e para a compreensão da escola como um
todo.

Compreendemos assim a importância de trazer estas questões para o espaço do


estágio supervisionado, buscando possibilidades de autoformação e de reflexão sobre o
trabalho docente. Indagamos ainda qual seria o papel do professor nesse movimento em

25
busca do trabalho coletivo na escola? Até que ponto a escola viabiliza ações conjuntas
como forma de enfrentamento para a complexidade e problemas da atualidade? Existe
realmente aquele tempo para se estar junto, para dialogar e conviver com os conflitos e
contradições.
Buscar o coletivo significa muito mais do que estarmos indo na mesma direção, sem
compromisso com quem vai ao nosso lado, como se viajássemos em um ônibus, onde cada
um está ali com um propósito diferente. Significa o estabelecimento de uma parceria em
que todos possam pensar, realizar, avaliar e redefinir juntos o processo. É o estabelecimento
de metas e objetivos comuns, a divisão das tarefas e das dificuldades, a comum-união dos
mesmos ideais, utopias por uma escola mais justa e menos excludente.

_____________________

Eu estava em São Paulo cursando o Doutorado na USP, quando fui convidada para elaborar um projeto de
Estágio para os cursos de professores da Faculdade Tereza Martan. Trabalhei com Zuelide Ferraz e juntas
desenvolvemos o projeto e produzimos esse texto para os alunos.

Bibliografia
FUSARI, J. C. A Construção da proposta Educacional e do Trabalho Coletivo na Unidade Escolar.
Idéias No. 16, FDE 1993.
NÓVOA, A, A Formação de professores e profissão docente. Os professores e sua formação.
Lisboa:Quixote, 1992.
PIMENTA, S. G. O estágio na formação de professores: Unidade-teoria e prática? São Paulo:
Cortez, 1994.
RIOS, T. A Ética e competência 2ª ed. São Paulo: Cortez, 1994

26
ATIVIDADES PARA REFLEXÃO

1. É impossível ser feliz sozinho?

2. O que é “ser feliz” para você?

3. O que é “trabalho coletivo” para você?

4. Na sua opinião, quais os requisitos para um bom trabalho coletivo?

5. Cite momentos de trabalho coletivo em sua comunidade.

6. Cite um bom trabalho coletivo realizado em sua escola.

7. Dê sugestões de trabalho coletivo no estágio.

27
Estágio supervisionado enquanto
Mediação entre a formação inicial do
Professor e a formação contínua¹
Maria Socorro Lucena Lima

Por favor, estou rogando, não me ofenda perguntando se


esta história aconteceu. Escrever o que se vive é coisa de
pouca ou nenhuma graça. O desafio está em viver o que se
escreve...
(Eduardo Galeano)

As indagações lançadas desde 1990, quando fizemos um trabalho monográfico


sobre o estágio supervisionado, em um curso de especialização lato sensu, continuam
sendo a base para essa reflexão: O que é o estágio? Um rito de iniciação profissional? Uma
estratégia de profissionalização? Conhecimento da realidade? Momento de pôr em prática
os conhecimentos recebidos? Um treinamento? Tais perguntas, sempre novas, lembram a
necessidade de estarmos atentos para a perspectiva formadora desta disciplina e apontar
para a meditação que ela realiza entre a formação inicial e a contínua nos cursos de
formação de professores.
O Estágio Supervisionado/Prática de Ensino/Ação Docente Supervisionada, ou
outra denominação que atualmente esteja recebendo na nomenclatura pedagógica, tem
dimensão limitadas para as expectativas que nela são depositadas. Por esse componente
curricular vão passar muitas mazelas, conflitos e contradições acumuladas na educação
escolar, tanto do ensino fundamental e médio, como da universidade. Passam, ainda, as
relações e nexos que se estabelecem entre os diferentes níveis e instâncias de ensino. Dessa
forma, o estágio supervisionado prosseguirá sendo espaço de questionamento e de debate,
continuando a merecer sempre novos olhares.
Este trabalho se propõe a ser um pretexto para a discussão sobre a formação de
professores. Para isso, faremos um percurso sobre alguns estudos nesta área, integrando a
estes a análise da nossa experiência pedagógica com uma das modalidades de estágio: os
minicursos. A seguir refletimos sobre os fundamentos teóricos e práticos do Estágio
Supervisionado, apontando caminhos mediadores entre a formação inicial e continua de
docentes.
A questão do trabalho docente tem sido estudada particularmente nos Encontros de
Didática e Prática de Ensino (ENDIPE) e em diferentes pesquisas da área. Tais estudos não
são neutros e desligados da realidade histórico-social que os sustenta, mas acompanham a
compreensão do estágio no tempo, nos acontecimentos, nas diferentes tendências
pedagógicas da história da educação brasileira. Importante observar que a prática sempre
esteve presente na formação do professor. Primeiramente, como imitação de bons modelos
em observação de docentes bem-sucedidos. Mais tarde, em forma de participação e
tentativa de reprodução de práticas e novas técnicas. Por último, a unidade teoria e prática,
no didático-pedagógico, quando são considerados o que ensinar e como ensinar na sua
articulação com o para quem, para que e em quais circunstâncias.
A questão de como fazer na disciplina Prática de Ensino não pode ser vista, apenas,
como questão metodológica ou como uma modalidade de estágio. A postura do professor e
a sua interação com os alunos ultrapassam esses limites e envolvem outras dimensões de
maior profundidade, como a maneira de o docente pensar a realidade, seu contexto, suas
concepções sobre a vida, o mundo, a educação, o modo de encarar tais relações, sua história

28
de vida, os elementos de construção do seu saber pedagógico. Em NÓVOA (1992: 17),
podemos confirmar nossas reflexões:

Aqui estamos. Nós e a profissão. E as opções que cada um de nós tem de fazer como
professor, as quais cruzam a nossa maneira de ser, com a nossa maneira de ensinar e se
desven dam na nossa maneira de ensinar a nossa maneira de ser. É importante
separar o eu profissional do eu pessoal.

Consultando PIMENTA (1994:105), é possível verificar que o saber pedagógico e


as experiências do professor poderão ser entendidos a partir da compreensão de que: “a
atividade docente é uma atividade de educação como prática social, então a atividade
docente é uma prática social (práxis)”.
Dessa forma trabalhamos o conceito de práxis, segundo VASQUEZ (1977). Entre
outras, o autor apresenta a prática criadora como fundamental, porque abre as
possibilidades para que o ser humano, no seu trabalho, ao enfrentar novas situações e
satisfazer novas necessidades, possa nele intervir, de acordo com o grau de conscientização
de cada um. A práxis criadora apresenta traços revolucionários, pois entre o planejamento e
o concretizado há a realidade social que modifica e ajusta as transformações. Isto não
acontece de maneira isolada, pois faz parte de um contexto maior, qual seja a práxis total
humana, na qual, criação, inovação e tradição cruzam-se e intercompletam-se.
Achamos importante fazer esta introdução que explica sobre a práxis para que
possamos compreender melhor nossa própria atuação pedagógica e a dos outros professores
de estágio, uma vez que não fazemos essa caminhada isoladamente.

Diferentes olhares e diferentes práticas


Consideramos a troca de experiências um momento valioso de crescimento
profissional. A necessária integração do docente que tem os mesmos interesses e as mesmas
preocupações pedagógicas pode se constituir de um espaço de construção coletiva, onde
cada um aprende com o outro e procura compreender a experiência do seu companheiro,
dentro do seu contexto e da sua realidade. Além de abrir o debate, na troca de experiências,
no caso específico da prática de ensino e estágio supervisionado, tem sido um recurso
muito utilizado nos ENDIPEs, o que tem contribuído para as atividades docentes dos
professores que trabalham esta disciplina com diferentes olhares. Dessa forma, algumas
publicações pedagógicas, a respeito do desenvolvimento de vivências e reflexões,
acontecidas no decorrer do estágio supervisionado, serão percorridas neste trabalho:
PICONEZ (1991), KENSKI (1991), FAZENDA(1991), FREITAS (1993) E CARVALHO
(1994). PICONEZ (1991:26) fala da sua experiência de estágio na USP, destacando como
primordial a aproximação com relação dialético: prática, teoria e prática recriada, elaborada
no cotidiano: “tem aberto espaço para o imprevisível e o improvável, mais que soluções,
uma vez que o planejamento e a execução nem sempre se identificam”.
Segundo a professora, seu trabalho parte de uma ação conjunta e da avaliação
contínua, realizando sua prática a partir de pequenos projetos de investigação da realidade.
Desenvolve, também, projetos de exercícios da ação docente e da tarefa pedagógica
refletida e continuada. Nas diferentes formas de conduzir a prática do ensino, de acordo
com a disponibilidade dos alunos, realiza atividades, tais como projetos de alfabetização de
adultos ou participação nos minicursos para os alunos da habilitação nos magistérios da
rede estadual. Dessa trajetória, Piconez (1991:31) considera que: “O estágio precisa ampliar
sua característica política, epistemológica e profissional, uma vez que sendo uma atividade
teórica-prática envolve a totalidade das ações do currículo do curso do magistério”.

29
Kenski (1991:39) apresenta outra abordagem para a condição do Estágio. “O estágio
supervisionado na habilitação do magistério dos cursos de Pedagogia já é por si só, um
desafio”. A autora trabalha na dimensão pessoal, na perspectiva do auto conhecimento e
construção da identidade do aluno estagiário, enquanto busca com seus alunos uma
concepção de professor. Assim KENSKI (1991:41) esclarece que o objetivo principal dessa
modalidade é a “formação de um professor que esteja consciente de que sua prática envolve
um comportamento de observação, reflexão crítica e reorganização das suas ações”. Dessa
forma, o estágio é conduzido em dois sentidos: o político-social e o da consciência interior,
por meio da história de vida, que se inicia pela memória das vivências escolares da
infância, bem como dos professores que marcaram o inicio do período escolar dos
estagiários. Baseia-se nas idéias do pesquisador alemão Wolfgang F. Haug sobre a tese da
reprodução dos comportamentos aprendidos na infância e reproduzidos na idade adulta.
Em Kulcsar (199:64), encontramos mais um viés no enfoque para os estágios
supervisionados, considerando-os “parte importante da relação trabalho-escola, teoria-
prática e eles podem representar, em certa medida, o elo de articulação orgânica com a
própria realidade”. O papel da universidade e o seu supervisionado, constituem-se numa
necessidade, assim como na atuação crítica do profissional de Educação no decorrer do
cotidiano escolar. Tal comportamento curricular é ao mesmo tempo, considerado um
instrumento fundamental na formação do professor, a partir do momento em que é o
elemento capaz de preparar o aluno estagiário para o mundo do trabalho, tendo a escola
como espaço de formação de consciência e união entre teoria e prática. Para isso, o estágio
não deve ser burocratizado, mas abrir possibilidade de mudança. Juntamente com a
comunidade escolar, os estagiários fazem leitura da realidade, à luz de elementos teóricos e,
finalmente, apresentam propostas de atuação, para fazerem do estágio um processo
contínuo de investigação.
O estágio-pesquisa é resultado de uma construção que vem sendo elaborada passo a
passo e se encontra documentada por Fazenda (1991), quando discorre sobre a prática
pedagógica nos oito anos como professora da USP. A partir de sua vivência como
pesquisadora, a professora investiga o fenômeno situado na sala de aula da qual emergiram
os questionamentos: quem eram aqueles alunos, o que pretendiam? Nesse mister foram
aplicadas técnicas de auto conhecimento, resgate da memória e da história de vida,
utilizando trabalhos escritos. A trajetória pode ser detalhada em dois momentos: a pesquisa
do eu e a pesquisa do nós, em busca da identidade do educador, que vai do individual ao
coletivo. Assim, foram investigadas as práticas dos ex-professores da Didática da
Habilitação Magistério das escolas visitadas. Elaborados os relatórios das pesquisas, houve
a organização de livros, tais como: Uma escola chamada magistério e Tá pronto, seu
Lobo? Didática-prática na Pré-escola. O importante dessa caminhada é observar a
dimensão coletiva dentro do envolvimento teórico-prático “Pensar o estágio como pesquisa
de nada valeria se pudéssemos pensá-lo numa dimensão maior: a de um projeto coletivo de
formação do educador” (FAZENDA, 1991:61).
Freitas (1993) investiga as possibilidades, problemas, contradições e elaborações
teórica das alunas estagiárias, apresentando as dificuldades de articular teoria e prática, no
currículo do curso e pedagógica. Sua principal preocupação é apontar o trabalho como eixo
articulador da relação teórica-prática no interior do curso, proporcionando ao aluno a
oportunidade de vivenciar o processo de trabalho pedagógico da escola, desde o início de
sua formação, e introduzindo-o no universo da pesquisa pela sua atividade prática. Sugere
o aprofundamento dos estudos sobre a relação educação-trabalho na formação do educador,
bem como o fortalecimento da educação contínua desta profissional. Considera também os
limites concretos postos pelo momento histórico, ao mesmo tempo refletindo e abrindo

30
caminhos coletivos e sociais para que possa avançar na busca das possibilidades de
melhoria dos cursos de formação de professores.
A experiência de Carvalho (1994) apresentada no ENDIPE de Goiana, trabalha o
esforço de unificar teoria e prática no decorrer do estágio realizado no Departamento de
Educação do Instituto de Biociência- UNESP – Rio Claro – SP. O referencial teórico que
direciona este trabalho baseia-se nas concepções de teoria e de prática, no pressuposto de
que o caminho para a articulação teórica e prática é o da construção do conhecimento
científico. O autor defende a operacionalização dos estágios supervisionados a partir da
problematização das experiências de ensino a serem vivenciadas pelos alunos da
licenciatura, utilizando, para isso, o desenvolvimento de trabalhos de iniciação científica.

Nossa caminhada pelo estágio supervisionado


Nossa trajetória docente esteve ligada historicamente às disciplinas Didáticas e
Práticas de Ensino e tem seu início no curso de Habilitação do Magistério (antiga Escola
Normal), da rede pública estadual, em Juazeiro do Norte, cidade localizada no sul do Ceará.
Mais tarde, como professora de universidade, novamente o trabalho com esta disciplina foi,
e ainda é a nossa atividade básica. Nessa caminhada da profissão docente, que vai do sertão
ao litoral do estado do Ceará, ingressamos em um curso de Pós-Graduação lato sensu –
Metodologia do Ensino Superior, na cidade de Limoeiro do Norte-CE. Com a Pós-
Graduação, a pesquisa passa a fazer parte das nossas atividades. Iniciamos com a reflexão
sobre nossa própria prática docente, destacando a experiência de Estágio Supervisionado,
na modalidade de minicursos, realizada na Universidade Estadual do Ceará (UECE), na
cidade de Quixadá. No decorrer de cinco anos (1987-1991), procuramos dar ao estágio uma
conotação de processo, que tentava estabelecer a integração entre a universidade e a
comunidade. A preocupação deste trabalho estava em realizar atividades que chegassem a
se constituir espaços de socialização do saber. Dessa forma, a Prática de Ensino não seria o
único, mas seria, por excelência, o lugar onde ensino, pesquisa e extensão se
concretizariam.

O aluno estagiário recebendo a influência do estágio pode, assim elaborar o seu


conhecimento, trabalhando com conteúdos concretos indissociáveis da realidade
social; através da reflexão e da troca de experiências, interferir de alguma forma nesta
mesma realidade. É um estágio com a nossa maneira de conceber a educação, com a
realidade em que estamos inseridos, com as reais possibilidades dos estagiários e as
aspirações da comunidade (LIMA 1990:24).

Essa experiência de minicursos está registrada na monografia, intitulada O estágio


supervisionado com estratégia de integração entre a comunidade e é passada a
limpo à luz do referencial teórico, que trata do professor reflexivo em continuum na
Dissertação de Mestrado que leva o título O estágio supervisionado como elemento
mediador entre a formação inicial do professor e a educação continuada
(LIMA). Neste último, atualizamos as questões principalmente tentando dar um salto de
superação de uma teoria crítica para uma perspectiva prático-crítica, assentada na práxis
social e sedimentada nas transformações feitas para além das ações especificamente
educativas e culturais. É como se as leituras realizadas, juntamente com as reflexões sobre a
prática, provocassem um impulso de rasgar os contornos daquela perspectiva teórica
anterior. A mudança do enfoque de primado da metodologia para o primado dos
fundamentos que embasam não apenas o como fazer, mas todo o fazer pedagógico, pode se

31
constituir no grande salto qualitativo dessa análise. É o salto para a reflexão na ação e sobre
a ação de que fala SCHÖN (1992).

O estágio supervisionado enquanto componente curricular em seus


fundamentos teórico-práticos
Compreendemos a prática de Ensino/Estágio supervisionado de acordo com
Gonçalves e Pimenta (1990:129), quando consideram que: “a finalidade do Estágio
Supervisionado é propiciar ao aluno uma aproximação à realidade, na qual irá atuar”.
Definindo o Estágio dessa forma, sua finalidade se afasta da compreensão corrente e “que o
mesmo seria simplesmente a parte prática do curso. Os autores defendem uma nova
postura, uma redefinição quanto à finalidade do Estágio, que deve caminhar para a reflexão
sobre e a partir da realidade. Quando mais tarde Pimenta (1994:121) afirma que: “o estágio
não é uma práxis, é uma atividade instrumentalizadora de uma práxis”, faz uma revisão
conceitual da proposta anterior, de Gonçalves e Pimenta 1990.
Ao exercer sua profissão, o professor exerce uma prática sócioeducativa, entendo
educação como um processo dialético, que ocorre no próprio movimento de mudanças
sociais. O professor vai necessitar da ciência que estuda tal fenômeno (a Pedagogia) e da
área deste estudo que versa sobre as questões de ensino-aprendizagem (a Didática), a fim
de compreender e adquiri o devido preparo, que fará de sua atividade docente a práxis
educativa. Neste sentido de transformação da realidade que a práxis requer, a pesquisa
enquanto compreensão teórica da prática, apresenta-se como um requisito básico. A
reflexão na ação e sobre a ação possibilitará postura de redimensionamento da proposta de
trabalho, tanto no âmbito pedagógico, quanto social do professor.
Para que possamos compreender o estágio supervisionado em seus componentes
teóricos e práticos, precisamos situá-lo no contexto curricular do curso de formação de
professores (junto com as outras disciplinas), na realidade social e organizacional em que
está inserido e na rede de relações que vão tecendo no decorrer do seu desenvolvimento.
O trabalho direcionado para um estágio reflexivo não se faz de maneira isolada. Ele
é preparado pelas outras disciplinas, na mesma linha crítico-reflexiva. Vieira (1992:6)
aborda a importância da didática quando pensa a educação de modo autônomo e
responsável:

A relação entre a teoria e a prática, investigação e ação, observação e intervenção, é


essencial a uma disciplina como Didática. Enquanto disciplina curricular nos cursos
universitários de formação, a didática deve proporcionar um espaço de reflexão, onde
os alunos, futuros professores, possam interrogar-se sobre componentes essenciais do
processo de ensino-aprendizado.

O estágio, enquanto componente curricular, configura-se mais como atividade


fundamental na Didática e junto tem uma abrangência que está além de seus próprios
limites disciplinares, pois abarcam todas as disciplinas de forma articuladora no fazer
docente.
Como instrumentalizador da elaboração de um pensamento reflexivo, o Estágio
requer uma atitude filosófica. Concordamos com Rios (1993) quando diz que, a práxis de
professor da universidade tem lugar na perspectiva de ajudar na construção da práxis do seu
aluno (futuro educador). Essa postura docente tem uma perspectiva utópica, integradora e
de atuação competente, que se manifesta na elaboração de projetos e dá um novo
significado à esperança, apontando para caminhos que se fazem no agora. Trata-se de uma
atitude crítico-filosófico que o educador faz da sua própria atuação, o que, certamente, irá
auxiliá-lo a ter maior segurança na busca dos seus objetivos. Rios (1993:79) apresenta duas

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dimensões distintas e, ao mesmo tempo, profundamente articuladas, na composição da
competência do professor: a técnica e a política que, longe de serem dicotômicas,
interpenetram-se e completam-se. Neste caso há um compromisso ético articulado à
dimensão política, mediatizado pela técnica:

Assim, vamos nos tornando competentes, realizando o ideal que atende às exigências
– históricas, sempre – do contexto em que atuamos. A idéia de relação, presente na
vida humana, aponta-nos uma competência que, além de ser construída é também
compartilhada.

Compreendemos que a ajuda na construção da práxis do futuro profissional do


Magistério, tendo como base a ética, a competência e os ensinamentos que conduzam à
reflexão, é um dos caminhos que podem ser trilhados pelos professores de Prática de
Ensino. Dessa forma, o Estagiário seria trabalhado na perspectiva do conhecimento na ação
e a reflexão na ação, ou seja, formação inicial, mais educação continuada.
Dentro de uma perspectiva dialética é que a atividade docente é práxis, que acontece
no movimento de articulação entre a teoria e a prática. “A atividade docente é práxis (...) é
sistemática e científica, na medida em que torna objetivamente (conhecer) o seu objetivo
(ensinar e aprender) e é intencional, não casuística”. Com este esclarecimento Pimenta
(1994:83) indica o sentido dialético da ação docente, enquanto prática transformadora, que
estará acontecendo a partir do conhecimento que promove a crítica à sociedade e está
voltado para a emancipação humana. “O professor como agente da práxis (uma práxis
transformadora) precisa, pois, de sólida formação teórica (pedagogia), da Pedagogia
dialeticamente considerada”. Assim, o estudo sobre a fundamentação teórica na área
pedagógica, na perspectiva de oferecer elementos para a reflexão específica do trabalho e
desenvolvimento docente, é igualmente importante nas atividades do estágio.
Schön (1992:80 reitera a necessidade de os docentes, exemplo das outras áreas, enfrentam a
crise da confiança no conhecimento profissional, procurando caminhos para superá-la, a
partir da prática. “Na educação, esta crise centra-se no conflito entre o saber escolar e a
reflexão na ação dos professores e alunos”.
Ao comungamos o conceito de estágio como instrumentalizador da práxis docente e
discente, concluímos também que ele está situado entre a formação inicial (nos limites da
universidade) e a educação contínua (no exercício da profissão), como fator de
realimentação e redimensionando do trabalho docente. Vendo a educação enquanto
processo formador e o professor como agente deste processo, é possível situar o estágio
nesta passagem entre a licenciatura e o exercício da profissão. Sendo assim, é um espaço de
reflexão sobre as contradições e problemas vivenciados no decorrer da sua realização.
O que preocupa é a compartimentação dos cursos de formação de professores e a
falta de articulação entre as disciplinas, o que nos leva a novos questionamentos: quais as
possibilidades do estabelecimento de linhas de ação que conduzam ao professor reflexivo?
A idéia da formação em continuum estaria colocada na pauta e nos objetivos dos docentes
que fazem os cursos de formação de professores? Os nossos Estágios estariam sendo
colocados na condição de pontapé inicial para um prosseguimento de estudo?
Estas perguntas são muito mais para contextualizar o debate do que para serem
respondidas aqui e agora. Espero que elas sirvam de reflexão e contribuam para o
compromisso ético de um trabalho competente sobre a formação de professores.

33
Sobre o professor reflexivo
Consideramos importante esclarecer o que entendemos sobre reflexão-na-ação e
sobre a ação docente, trabalhada nos estudos desenvolvidos.
O professor é um intelectual em processo contínuo de formação. O homem pode
interferir, ser agente da história; o professor enquanto sujeito que não reproduz apenas o
conhecimento, pode por meio da reflexão crítica, fazer do seu trabalho de sala um espaço
de transformação, que é práxis docente. É na ação refletida e na redimensão da sua prática
que o professor pode ser agente de mudanças na escola e na sociedade. Nessa perspectiva
formação docente faz-se pelo trabalho de reflexão crítica sobre a prática pedagógica, a
realidade, a fundamentação teórica estudada, bem como pela reconstrução permanente da
idade pessoal e profissional. A partilha de saberes e a educação continuada possibilitam ao
professor a postura de eterno aprendiz que é uma conquista crítica e está no horizonte da
utopia, do vir-a-ser. Para nós, a reflexão vincula-se à atitude crítica e está ligada à
emancipação humana, extrapolando os limites estritamente técnicos dos problemas que
surgem na sala de aula.
A idéia de professor reflexivo, desenvolvido por Schön, deu a muitos educadores
que trabalham com a formação de professores um redimensionamento de suas reflexões e
estudos no sentido de valorizar a epistemologia da prática nos processos de
desenvolvimento profissional do professor. No entanto, as múltiplas interpretações sobre
reflexão-na-ação mereceram estudos de aprofundamento do assunto e o esclarecimento de
pesquisadores como Alarcão (1996) e Contreras (1997).
Alarcão (1996:31), ao fazer uma análise contextualizada sobre a preferencial dos
professores formadores pelas idéias do professor reflexivos de Schön, coloca-o no
movimento que valoriza a epistemologia da prática nos processos de desenvolvimento
profissional do professor; no entanto levanta algumas questões importantes para o debate
dando, assim, um salto de qualidade no aprofundamento do assunto nos seguintes aspectos:
 o papel formador da universidade, quanto às exigências de uma formação
profissional;
 quanto ao “estágio pedagógico, o parente pobre de todas as disciplinas,
atividades que os docentes não vêem reconhecida, nem nas horas que lhe
dispensam, nem no prestígios que essa atividade é vista”.
 O receio de que a partir das idéias de Schön, as universidades cometam o
equívoco de priorizar a racionalidade técnica e a ênfase no paradigma da ciência
aplicada;
 Quanto à abordagem reflexiva, uma importante indagação: “a questão que por
vezes se coloca e que eu gostaria de fazer aqui é a que diz respeito ao objetivo
da reflexão. Schön é claro: reflexão na ação e sobre a ação. Mas o que é a ação
do professor? Em que domínio se manifesta?”.
 Quanto à relação existente entre a reflexão e o conhecimento que é gerado e
sustentado para reflexão. Até que ponto os professores iniciantes entram nesse
processo?
 Quanto às estratégias formativas de Schön e a exigência de que o formador
tenha uma extraordinária capacidade de interpretação e compreensão do outro.
“Será que nós supervisores temos essa competência?”

Contreras (1997) apresenta as contradições da prática docente, pois explica que a


reflexão não encerra uma concepção concreta sobre si mesma e tem seu uso adaptável e
obrigatório em qualquer corrente pedagógica, daí a confusão sobre esse tema . Com o
objetivo de relacionar a prática reflexiva com o compromisso crítico o autor baseia-se em

34
Kemmis (1985) para chamar a tenção sobre elementos que se configuram nesse processo,
em cinco itens:

 a reflexão tem a ver com o pensamento e ação, nas situações históricas e reais
em que nos encontramos;

 a reflexão não é um trabalho individual, pressupõe relações sociais;

 a reflexão não é indiferente e passiva em relação aos problemas de ordem social;

 a reflexão não é indiferente e passiva em relação aos problemas de ordem social;

 a reflexão não é um processo, nem tampouco um processo puramente criativo à


construção de novas idéias; é uma prática que expressa nosso ´poder de
reconstruir a vida social em que estamos inseridos.
Juntando os estudos realizados anteriores com esse novo elemento, para o debate
sobre a formação do professor reflexivo e, decorrência, sobre o Estágio Supervisionado,
esperamos contribuir com outros olhares e outras luzes sobre a questão.

Esboço de uma conclusão para o momento


Os fundamentos teóricos e demais estudos e pesquisas na área de formação de
professores, aliados ao trabalho que estivemos desenvolvendo nestes últimos anos, permite-
nos chegar a algumas conclusões, aproximações e questionamentos:
 Nenhuma experiência de Prática de Ensino visa a resolver as questões da
unidade teórica-prática, no entanto as experiências por si podem nos levar a
uma práxis criadora e a uma postura metodológica do compromisso com o fazer
docente, abrindo, assim, possibilidades de dar o salto de como fazer para a
compreensão e intervenção no todo fazer pedagógico;
 o trabalho com o Estágio Supervisionado não pode ser pensado de forma
isolada. Ele faz parte de um projeto coletivo dos cursos de formação de
professores. Em consonância com docentes de outras disciplinas e com os
professores de Prática de Ensino, é possível fazer grupos de estudos e mobilizar
um projeto de Estágio para a universidade. Nesse caso, é fundamental a troca de
experiências e pesquisas sobre o assunto. A rede de relação se estende ainda
para os locais onde os estagiários atuarão, de forma que não seja apenas o
professor que oriente o Estágio o responsável pelo trabalho de unidade entre
teoria e prática;
 a luta por um Estágio melhor elaborado não está desvinculada da luta pela
melhoria dos cursos de formação de professores, pela valorização do magistério
e por uma escola fundamental e média mais democrática e eficiente;
 a luta por uma sociedade mais humana, mais justa e inclusive é o desafio de
ética, competência e compromisso do educador de hoje e dos cursos de
formação.

Guimarães Rosa nos diz que “mestre não é quem sempre ensina, mas quem, de
repente, aprende”. Exatamente esta postura de “eterno aprendiz” é o princípio norteador da
nossa práxis educativa que consiste em aprender com a vida, com os livros, com o
trabalho, com as pessoas, com a própria história.

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_____________________________
¹ Texto resumo da minha dissertação de Mestrado. Estágio Supervisionado como elemento de mediação
entre a formação inicial do professor e a educação continua – UFC, 1995. Para publicá-lo nesse livro
incorporei alguns estudos feitos posteriormente sobre professor reflexivo.

Bibliografia
ALARCÃO, I Reflexão crítica sobre o pensamento de D. Schön e os programas de
formação de professores. Revista da Faculdade de Educação. São Paulo vol. 22 nº 2
1996.
CARVALHO, L. M. de trabalho: relação teórica e prática nos estágios supervisionados
7º Encontro Nacional de Didático e Prática de Ensino. Anais Goiânia: Cegraf/UFG
1994.
CONTRERAS, J. La autonomia del professorado. Madrid: Morata, 1997.
FAZENDA, I. C. A. O papel do estágio nos cursos de formação dos professores
PICONEZ, S. C. Bertholo. A prática de ensino e o estágio supervisionado. Campinas:
Papirus, 1991.
FREITAS, H. C. L. Trabalho e relação teoria-prática nos estágios supervisionados de 1º
Grau no Curso de pedagogia. 16ª Reunião da ANPED – 1993 (mimeo).
________O trabalho como princípio articulador da teoria prática. Campinas, 1994.
Tese (Doutorado) – Faculdade de Educação de Campinas, UNICAMP.
GONÇALVES, C. L. e PIMENTA, S G. Revendo o ensino de 2º Grau, propondo a
formação do professor. São Paulo: Cortez, 1990.
KENSKI V. M. A vivência escolar dos estagiários e a prática de pesquisa em estágios
Supervisionados.
PICONEZ, S.B.C. (coord.). A prática de Ensino e o Estágio supervisionado.
Campinas: Papirus, 1991.
KULCSAR, R. O estágio supervisionado como atividade integrada. PICONEZ. S.B.C.
(coord.). A prática de ensino e o estágio supervisionado. Campinas Papirus, 1991.
_________ O estágio supervisionado como estratégia de integração entre a
universidade e a comunidade. Universidade Estadual do Ceará, 1990.(mimeo).
LIMA, M. S. L. O estágio supervisionado como elemento mediador entre a
formação inicial do professor e a educação continua. Dissertação (Mestrado).
Fortaleza. UFC – Faculdade de Educação 1995 (mimeo).
LIMA, M. S. L. O estágio supervisionado como estratégia de integração entre a
universidade e a comunidade: uma reflexão sobre a experiência de minicursos.
Monografia. Limoeiro do Norte. UECE. 1990 (mimeo).
NÓVOA, A (org.) O professor e sua formação. Lisboa D. Quixote, 1992.
PICONEZ, S.C.B. A prática de ensino e o estágio supervisionado: a aproximação
da realidade escolar e a prática de reflexão. Campinas: Papirus, 191.
PIMENTA, S.G. Formação de professores. São Paulo: 1995 (mimeo).
_______O pedagogo na escola pública. 2ª, Ed. São Paulo Loyola, 1991. (coleção
Educar).
SCHÖN, D. A Formar professores como profissionais reflexivos. NÓVOA (org.). Os
professores e sua formação. Lisboa: D. Quixote, 1992.
RIOS, T. A Ética e competência. São Paulo: Cortez, 1994. (Coleção Questões da nossa
época Vol. 16).a)
VASQUEZ, A. S. Filosofia da práxis. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
VIEIRA, F. Fatores de constrangimento de uma abordagem reflexiva na formação
didática de professores. Revista O professor. Lisboa, número, 29, 1992.

36
ATIVIDADES PARA REFLEXÃO

1. Este texto aprofunda o conceito e analisa a prática do estágio. Desejo que ele sirva
para a gente “mergulhar” um pouco mais no sentido do Estágio que estamos
realizando neste curso. Podemos retirar das suas idéias e reflexões:
a) Os conceitos de estágio, professor, professor reflexivo e outros mais.
b) Os autores utilizados.
c) A idéia básica e a conclusão.
d) Algumas reflexões sobre a nossa vida de professores.

2. Faça uma reflexão sobre o poema de Victor Hugo.

Desejo
Desejo primeiro que você ame.
Que amando, também seja amado.
E que se não for, seja breve em esquecer.
E que esquecendo, não guarde mágoa
Desejo, pois, que não seja assim,
Mas se for, saiba ser sem se desesperar.
Desejo também que tenha amigos,
Que mesmo maus e inconseqüentes,
Sejam corajosos e fiéis,
E que em pelo menos um deles
Você possa confiar sem duvidar.
E porque a vida é assim,
Desejo ainda que você tenha inimigos,
Nem muitos, nem poucos
Mas na medida exata para que, algumas vezes,
Você se interpele a respeito de suas próprias certezas.
E que entre eles, haja pelo menos um que seja justo,
Para que você não se sinta demasiado seguro.
(...)
desejo também que você plante uma semente,
Por mais minúscula que seja,
E acompanhe o seu crescimento,
Para que você saiba de quantas
Muitas vidas é feita uma árvore,
(...)
Desejo também que nenhum de seus afetos morra,
Por ele e por você,
Mas que se morrer, você possa chorar
Sem se lamentar e sofrer sem se culpar.
Victor Hugo

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ESTÁGIO E PESQUISA:
CONTRIBUIÇÕES PARA O DEBATE!¹
Maria Socorro Lucena Lima

1. Pensar organizadamente o estágio


Essa convocação permite resgatar e refletir sobre a própria prática e teoria: o
lugar de onde falo; quais as contribuições que recebi e recebo na construção do pensamento
sobre o estágio supervisionado e na busca de sua organização no currículo.
Diz Tom Jobim em uma de suas poesias, “é impossível ser feliz sozinho” e eu
acrescentaria que essa alegria de falar sobre o estágio, vem de uma caminhada que não foi
feita sozinha. Contou com a experiência vivenciada ao longo da vida profissional, enquanto
de professora prática de Ensino nos cursos de Magistério desde 1974, todas as lições que
aprendi com os alunos e colegas, com as leituras e estudos acadêmicos realizados. Somam-
se a essas vivências a troca de experiências e o exercício da prática reflexiva, a busca de
uma política de estágio supervisionado para a universidade em que trabalho, com os
colegas do grupo interdisciplinar de estudos sobre a prática de ensino e com os colegas da
Universidade Estadual do Ceará. Contou ainda com as pesquisas especificas dessa área,
bem como a influência das professoras orientadoras dos Mestrados e Doutorado – Susana
Vasconcelos Jimenez – na UFC, área de Trabalho e Educação, e de Selma Garrido
Pimenta- da área da Didática, na USP.
2. Responsabilidade política de contribuirmos na superação de
dificuldades
Tenho repetido muitas vezes que o estágio é o meu espaço de militância e
paixão compreendido aqui como atitude política de práxis docente. O estágio permite a
análise da realidade, das marcas do tempo histórico que estão na escola, nos estagiários, nas
relações que se estabelecem nele, e a partir dele. Uma das maneiras que tenho encontrado
para contribuir nas superações problemas do estágio supervisionado é tentar o
aprofundamento teórico, ou seja, tratar o estágio como campo de conhecimento.
Dessa forma, pretendo, nesse texto, dar uma pequena contribuição para o debate,
repartindo algumas reflexões feitas durante essa caminhada.
a) A hora da prática
Lembrando a canção do Belchior que diz “Não quero te falar, meu grande amor, das coisas
que aprendi nos discos; quero lhe contar como vivi e tudo que aconteceu comigo”, faço o
enfoque sobre o conceito, tão comum, do estágio como a hora da prática, a parte prática do
curso. Essa compreensão tem sido traduzida muitas vezes em postura dicotômicas em que a
teoria e a prática são tratadas isoladamente, o que tem trazido equívocos graves nos
processos de formação profissional.
A prática pela prática e o emprego de técnica sem a devida reflexão pode reforçar a
ilusão de que há uma prática sem teoria ou uma teoria desvinculada da prática. Tanto é que
ainda hoje é muito comum a abordagem dos alunos: “Na minha prática, a teórica é outra”
ou ainda, a propaganda de uma Faculdade em outdoor que dizia “A Faculdade, onde a
prática não é apenas teórica”. Isso teria sentido se a prática aqui fosse vista como práxis.
Práxis é a atitude (teórica-prática) humana de transformação da natureza e da
sociedade. Não basta conhecer e interpretar o mundo (teórico), é preciso transformá-lo
(práxis). De acordo com VASQUE (1977) a relação teórica e práxis é para Marx – teórica e
prática – na medida em que a teoria, como guia de ação, molda a atividade do homem,
particularmente a atividade revolucionária, teórica, a medida em que essa relação é
consciente. A práxis seria, então, a prática impregnada e dinamizada pela reflexão.

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b) Aproximação da realidade
Um segundo enfoque mostra o conceito de estágio trabalho por GONÇALVES e
PIMENTA (1990) EM QUE DEFENDEM O estágio como aproximação da realidade. Esse
conceito sugere algumas indagações: aproxima-se de quem? Para quê? Que sentido está
sendo dado a essa aproximação?
Aproximar-se da realidade tem sentido quando tem a conotação de
“envolvimento” com intencionalidade, de ver, com o olho pedagógico de que fala
Madalena freire, e de ver fundo, ver largo e ver claro, em profundidade e abrangente como
diz a educadora Terezinha Rios, para poder fazer uma intervenção reflexiva, um olhar ético,
que a reflexão crítica sobre um jeito de ser. A maioria dos estagiários burocratizados,
carregados de fichas de observação que mais parecem uma enquête estão numa visão míope
de aproximação da realidade.
Tem-se defendido muito a escola pública como lócus do estágio
supervisionado. Eu também defendo essa questão, mas essa bandeira apenas não basta, é
preciso ter claros os conceitos que estão embutidos na prática docente, quais os objetivos
da mesma e qual a fundamentação teórico-metodológica que sustenta. Que sentido estamos
dando ao estágio enquanto componente curricular relevante na mediação entre a formação
inicial e continua?
Faz-se necessário um aprofundamento conceitual das práticas que se realizam no
estágio. É preciso que o professor da universidade faça, no coletivo, junto a seus pares e
seus alunos, essa aproximação maior, a partir da própria realidade conceitual de que se
apropria. Para falar de estágio supervisionado na licenciatura ou no bacharelado, vale a
pena verificar qual o sentido, qual o significado, o que representa para instituição e o
professor: o que é estágio?, o que é o bacharelado? Essa caminhada conceitual certamente
será uma trilha de novas experiências.

c) Atividade teórica, instrumentalizadora da práxis


Em terceiro lugar, pretendo abordar sobre o estágio supervisionado enquanto
atividade teórica instrumentalizadora da práxis (PIMENTA, 1994:121). Nessa concepção, o
professor (ou futuro professor) é visto como um intelectual em processo de formação, e a
educação como um processo dialético de desenvolvimento do homem historicamente
situado. São as reflexões realizadas nas atividades do Estágio e a partir delas que propiciam
a busca de reflexão na ação e sobre a ação (SCHÖN, 1992).
A idéia do professor reflexivo, desenvolvida por SCHÖN (1992) quando fala
sobre a reflexão-na-ação, tem contribuído no sentido de valorizar a epistemologia da
prática, tendo como luz a teoria que poderá redimensionar a prática. Os esclarecimentos
feitos por CONTRERAS (1997) explicam de qual reflexão estamos falando. Trata-se
daquela que não encerra uma concepção concreta sobre si mesma e tem seu uso adaptável a
qualquer corrente pedagógica: é crítica, intencional e específica. Não é um trabalho
individual, pressupõe relações sociais; não é neutra, serve a interesses humanos, sociais,
culturais e políticos; não é um processo puramente criativo na construção de novas idéias, é
uma prática que expressa nosso poder para reconstruir a vida social em que estamos
inseridos. É uma postura que consiste em articular o conhecimento e as ações nas situações
práticas e na elaboração de novas teorias. Autores como ALARCÃO (1996), CHAVES
(1999) E PERRENOUD (1998), entre outros, têm contribuído nessa discussão.
Desses fundamentos, flui a postura metodológica que supera um modelo de estágio.
Acredito que a questão do como fazer vai-se delineando a partir da clareza do perfil de
professor ou de profissional que se pretende formar.

39
Encaminhando uma conclusão
Os procedimentos de pesquisa etnográfica como vivência dos estagiários tem aberto
a perspectiva para o estágio investigativo da prática docente. A utilização de histórias de
vidas, memoriais, memórias de bons professores, tem caminhado como elemento de
autoformação nessa mesma perspectiva. Assim, o estágio pode ser um espaço de
autoconhecimento, reflexão e ética.

A viabilização de ambientes favoráveis à formação os movimentos pedagógicos,


reconhecimentos como lugares de formação e a prática de pesquisas coletivas são caminhos
que podem representar o entendimento e a prática do estágio como pesquisa. Para que isso
aconteça é preciso reconhecer o estágio como um campo de conhecimento a ser
investigado, e não como prática apenas, mas com sensibilidade pedagógica capaz de ver a
aparte e nela assumir a postura e o compromisso de compreender o todo. Trata-se da
aprendizagem pedagógico de ler nas entrelinhas da sala de aula, do estágio, da escola, da
realidade da vida, como o poema “O Fotógrafo” de Manoel de Barros.

Difícil fotografar o silêncio


Entretanto tentei (...)
Tinha um perfume de jasmim
no beiral de um sobrado.
Fotografei o perfume.
Vi uma lesma pregada
na existência mais do que na pedra.
Fotografei o perfume.
Vi uma lesma pregada
na existência mais do que na pedra.
Fotografei a existência dela.
Vi ainda um azul-perdão
no olho de mendigo.
Fotografei o perdão
Olhei uma paisagem velha
a desabar sobre uma casa.
Fotografei o sobre.
Foi difícil fotografar o sobre (...)

___________________
¹ Texto produzido para o II encontro Interinstitucional de Estágio Curricular-Fortaleza-CE 2001

40
Bibliografia

ALARCÃO, I Reflexão crítica sobre o pensamento de D. Schön e os programas de


formação de professores.
Revista de Faculdade Educação. Vol 22, nº 02 p. 11-42, São Paulo, 1996.
CHAVES, I. S. Supervisão: concepções e práticas. Conferência de Abertura da Semana
da Prática de Pedagogia das Licenciaturas de Ensino. Universidade de Aveiro, Portugal,
1999.
FAZENDA, I. C. A O papel do estágio nos cursos de formação de professor PICONEZ,.
C. Bertholo. A prática de Ensino e o Estágio Supervisionado. Campinas: papirus, 1991.
FREITAS, H. C. L. E PIMENTA, S. G. Revendo o ensino de 2º Grau, propondo a
formação do professor. São Paulo: Cortez, 1990
LIMA, M. S. L. O Estágio Supervisionado como elemento mediador entre a formação
inicial do professor e a educação continuada. Fortaleza, 1995. Dissertação de Mestrado,
Faculdade de Educação, (Mimeo)
NÓVOA, A (org). O professor e a sua formação. Lisboa: D. Quixote, 1992.
PERRENOUD, P. Saber refletir sobre a própria prática, objetivo central de formação
de professores? Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, Universidade de
Genebra, 1998.
PIMENTA, S. G. O estágio na formação de professores: unidade-teórica e prática? São
Paulo: Cortez, 1994.
RIOS, T. A Ética e competência. São Paulo: Cortez, 1994 (Coleção Questões de nossa
época, vol 16).
SCHÖN, D. A Formação professores como profissionais reflexivos. NÓVOA, Antônio
(org). Os professores e a sua formação. Liboa: D. Quixote, 1992.
VASQUEZ, A S. Filosofia da práxis. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra 1977.
CONTRERAS, J. La autonomia del professorado Madrid: Ed. Morata, 1977.

41
Atividades para Reflexão

1. O texto e a vida. Em que momentos o nosso estágio corresponde à teoria escrita


no texto?
2. Veja o poema Árvore, de Manoel de Barros.

Árvore
Um passarinho pediu a meu irmão para ser a sua árvore.
Meu irmão aceitou de ser a árvore daquele passarinho.
No estágio de ser árvore, meu irmão aprendeu de sol, de
céu e de lua mais do que na escola.
No estágio de ser essa árvore, meu irmão aprendeu para
santo mais do que os padres lhes ensinaram no internato.
Aprendeu com a natureza o perfume de Deus.
Seu olho no estágio de ser arvore aprendeu melhor o azul.
E descobriu que uma casca vazia de cigarra esquecida no
tronco das árvores só presta para poesia.
No estágio de ser árvore meu irmão descobriu que as árvores
são vaidosas
Que justamente aquele árvore no meu irmão
se transformara, envaidecia-se quando era nomeada para o
entardecer dos pássaros.
E tinha ciúmes da brancura que os lírios deixavam nos
brejos. Meu irmão agradeceu a Deus aquela permanência em
árvore porque fez amizade com muitas borboletas.
(Barros, Manoel de Ensaios fotográficos. Rio de Janeiro: Record, 2000.).

3. Que aprendizagens outras podemos elencar em nossos estágio, a exemplo do


menino da poesia citada?

42
O bom professor nos filmes¹
Maria Socorro Lucena lima
Pérsio Nakamoto
Sou mais autêntico quanto mais
Me aproximo do meu sonho
(Filme: Tudo sobre minha mãe)

Quando se assiste a um filme cujo personagem principal é um mestre, é muito


comum o enredo transmitir uma mensagem de otimismo, uma lição de vida, uma
capacidade inata de perseverança e, principalmente, muito cuidado e dedicação. Muitas
vezes, no entanto todo esse esforço é infrutífero deixando transparecer a decepção e a
impotência.
Nesse texto, gostaríamos de estar refletindo sobre:
I. o conceito de bom professor;
II. a maneira como esse conceito se apresenta nas películas e
III. a utilização desta como recurso pedagógico na formação docente.

O uso de filmes como ponto de partida para a reflexão pode ser de grande
importância na formação inicial e contínua dos docentes. No entanto, requer um estudo
prévio da fundamentação teórica sobre os conceitos, sobre a realidade apresentada no
enredo e a articulação que é possível fazer entre o contexto do filme e a realidade
vivenciada pelos educadores.
A maioria dos espectadores desse tipo de filme acaba refletindo se seria capaz de ser
um professor nos mesmos moldes ou pelo menos ter o mesmo sucesso. Outros ainda se
lembram daqueles professores que marcaram suas vidas profundamente. Nem todos, no
entanto, percebem o real papel do professor na escola, na sociedade, na vida e o valor
pedagógico do debate que o filme pode suscitar. Questionamos para isso: o que ser um bom
professor no filme que fora dele? Que conceito e valores levam as pessoas a considerar esse
personagem como bom? Bom para quem? Em quais circunstancias?
O conceito de bom professor não pode ser elaborado a partir da dicotomia entre
“bom” e “ruim”. Essa compreensão é muito mais complexa, pois envolve circunstâncias
históricas materiais, expectativas sociais e contexto estrutural de diversos grupos. Não se
trata de uma lista de requisitos que juntos resultariam no perfil de bom professor, mas uma
análise do processo como um todo e das relações que se estabelecem entre eles. Nesse
sentido, CUNHA (1989) nos fornece algumas reflexões sobre o bom professor, mostrando
que o conceito”(...) é valorativo, com referência a um tempo e a um lugar. Como tal é
também ideológico, isto é, representa a idéia que socialmente é construída sobre o professor
de hoje, com certeza, é diferente do de outrora; e o bom professor de um lugar é diferente
do de outro lugar. O bom professor de Matemática para os alunos da 3º ano de ensino
médio de uma escola de elite pode ser “o rígido” e para aluno do curso noturno de uma
escola de periferia pode ser “o compreensivo”.
Devido ao papel social, criam-se muitas expectativas em relação ao professor, pois
os atributos que a sociedade espera dele, no exercício de sua função (e muitas vezes, além
desse limite), estão intrinsecamente ligados aos valores produzidos por essa mesma
sociedade. Ao estudarmos o bom professor nos filmes, convém questionar como a temática
é tratada na complexidade e na totalidade social e quais qualidades do mestre são
evidenciadas, sem perder de vista a totalidade e as condições objetivas em que se
desenvolve. É preciso ter cuidado de observar que o professor sozinho não vai dar conta de
todas adversidades.

43
O segundo ponto a ser refletido é sobre a ideologia que se faz presente nas
entrelinhas da história. Como é apresentado o professor na perspectiva individual, coletiva
e organizacional? Até que ponto a afetividade poderia resolver de forma objetiva todos os
problemas? Não estaria o professor assumindo a postura do herói romântico que tudo pode
e, ao deixar de fazê-lo, as circunstâncias continuariam como sempre estiveram.
Em estudo realizado por nós na disciplina de Didática, com a professora Selma
Garrido Pimenta, na FEUSP, por ocasião do Seminário: O bom professor nos filmes,
verificamos que a maioria dos filmes que trabalhamos mostra as dificuldades do professor,
ressaltando pontos comuns que podem ser destacados:
 o professor, dentro do contexto e da realidade da sala de aula, pode encontrar
mecanismo de sensibilização para que os alunos se mostrem motivados para
uma possível mudança de atitude;
 o professor consegue, com paciência e habilidade aproxima-se dos alunos,
mesmo os mais resistentes e arredios;
 o professor foge à regra geral e sua atuação tem uma originalidade que o faz
amado e respeitado por seus alunos e, muitas vezes, admirado pelos colegas.
 a questão afetiva se alia à competência teórica e metodológica;
 o professor termina fazendo o papel de herói, ensinando aos alunos a
encontrarem seus caminhos mesmo que eles próprios tenham momentos de
crise e fraqueza.

A seguir, uma lista de alguns filmes e suas respectivas fichas técnicas com sinopses.
A maioria deles pode ser encontrada em locadoras de vídeo. Perceber-se-á que em algumas
dessas películas, a ênfase é dada ao aluno ou ao produto final, Isto é, ao ensino, mas a
figura central do professor ainda aparece, em circunstância diversas.
1. Ao mestre com carinho - (To sir with love, 67 Inglaterra). Direção James
Clavell. Com Sidney Poitier, Judy Geesen, Lulu, Suzy Kendall, Christian Robert, Faith
Brook, Geoffrey Baydon. Drama sobre o cotidiano das escolas públicas na Inglaterra dos
anos 60, em que um professor recém-contratado tenta transformar seus alunos rebeldes em
jovens adultos.
2. Ao mestre com carinho – parte 2 (to sir wiht love II, 95 Inglaterra)
Direção: Peter Bogdanovich. Com: Sidney Poitier, Christian Payton, Dana Eskelson,
Fernando Lopez, Judy Geeson, Lulu. Aposentado, o professor assume aulas em uma escola
da periferia de Chicago para, novamente, tentar mudar a vida de seus alunos.
3. Conrack - (Conrack 74 EUA). Direção: Martin Ritt, com John Voight, Paul
Winfield, Hume Cronin, Madge Sinclair, Tina Andrews, Antônio Fargas. Numa
empobrecida escola da Carolina do Sul, um criativo professor se utiliza de inusitado
método de ensino.
4. Lições de infância - ( The elementary shool, 91 Respcheca). Direção Jan
Sverák. Com Vaclav Jakoubec, Tadoslav Budac, Marek Endel, Michal Skrabal, Jan Triska.
No interior da República da Checoslováquia, durante a II Guerra Mundial, garotos têm, na
figura de professor, um modelo diferente de conduta.
5. Mentes perigosas - (Dangerous mind, 95, EUA). Direção: John N. Smith.
Com : Michelle Pfeiffer, Robin Barlett, George Dzundza, John neville, Revnold Santiago.
Ex-oficial da marinha abandona sua carreira militar para se tornar uma professora de Inglês,
cujo desafio maior será ensinar literatura a um grupo de estudantes rebeldes.

44
6. Meu mestre minha vida - (Lean on me 89, EUA). Direção: John Avildesn.
Com: Morg Freeman, Beverly Todd, Robert Guillaume, Alan North, Robin Barlett,
Michael Beach. Professor retorna à escola de nova Jersey, onde lecionou vinte anos atrás,
para livrá-la dos alunos violentos e viciados em drogas
7. Mr. Holland – Adorável professor (Mr. Holland’s opus, 95, EUA).Stephen
Herek. Com Richard Dreyfuss, Glessa Headly, Jay Thomas, Olympia Dukakis, Alicia Witt.
Mr. Holland ensina música em uma escola enquanto tenta compor uma peça sinfônica. No
entanto, seu maior desafio é vencer a barreira que o separa de seu filho que é surdo.
8. Mudança de hábito 2 – (Sister Act 2, 93, EUA). Direção: Bill Duke. Com
Whoopi Goldberg, Maggie Smith, Kahty Nadjimy. Disfarçada de freira, a cantora dá aula
de música em escola religiosa freqüentada por alunos problemáticos. Com isso ela tenta
transformá-los em adultos responsáveis
9. Nenhum a menos (Yi ge dou bu neng shao, 99 China). Direção Yimou Zhag.
Com Minzh Weihuike Zhang Zhenda Tian, Enman Gao, Zhimei Sun. Em uma pequena vila
montanhosa, uma menina de 13 anos se torna professora ao substituir o único professor
durante um mês. Seu dever é fazer com que nenhum dos alunos desista da escola.
10. O preço do desafio (Stand and deliver, 88 EUA). Direção: Romon
Menezes. Com Edward James Olmos, Lou Diamond Phillips, Andy Garcia, Rosana de
Soto, Will Gotay. Numa escola pública, professor sul americano tenta lecionar Matemática
para alunos marginalizados, ao mesmo tempo em que lhe proporciona uma nova postura
frente à realidade que enfrentam.
11. O substituto (The substitute, 96 EUA). Direção Robert Mendel.
Com tom Berenger, Ernie Huudson, Dian Venora, Glenn Plummer, William Forsythe.
Numa escola pública, professor é enviado pelo governo para que imponha a ordem, pois é
um local onde impera a violência e as drogas.
12. Onde tudo começa ( Ça commence aujourd’hui, 99 França). Direção
Bertrand Tavernier. Com : Philippe Torreton, Maria Pitarresi, Nadia Kaci, Véronique
Ataly, Nathalie Bécue, Emmanuelle Bercot. Daniel é um professor de uma escola infantil
em uma pequena cidade francesa, cuja economia local, baseada na extração de carvão, sofre
com a depressão econômica e com o descaso político governamental. No entanto, ele tenta
educar as crianças da melhor forma possível.
13. Sociedade dos poetas mortos (Dead Poets Society 89, EUA). Direção:
Peter Weir. Com: Robin Willian Robert Sean Leonard, Ethan Hawke, Josh Charles, Gale
Hansen, Dylan Kassman, Allelon Ruggieri, James Waterson. Drama em que alunos de uma
escola conservadora dos anos 50 são influenciados pelo professor de literatura que os
estimula a refletir por meio de poesias e com isso criar conflitos com a direção do colégio.
14. Um novo homem (Renaissance man, 94, EUA). Direção: Penny Marshall.
Com: Danny DeVito, Gregory Hines, James Rimar, Cliff Roberston, Lillo Brancatto. Um
homem, que não é professor, é contratado pelo exército americano para dar aulas para
recrutas considerados “menos” inteligentes.
15. Um olhar para a vida (Une semaine de vacance, 80 França). Direção
Bertrand Tavernier. Com Nathalie Baye, Gerard Lanvin, Michel Calabru, Philippe Noiaret,
Philippe Lotard. Professor questiona os valores da profissão ao ficar esgotado nervoso por
causa da sua relação com os alunos.

45
Ainda existem muitos filmes sobre o tema, no entanto, a lista continuará inacabada,
uma vez que muitas películas ainda serão produzidas com certeza.
Tais filmes constituem um excelente recurso didático desde que se possa fazer uma
reflexão crítica sobre os mesmos ao relacioná-los com a realidade em que estamos
inseridos bem como o registro e troca de experiências. Por isso, após a projeção de algum
desses filmes, sugerimos algumas reflexões. Essa tarefa poderá vir acompanhada da leitura
de um texto pedagógico.
 Levando em conta a postura do professor no filme, o que é preciso ser,
sentir e fazer para se ensinar algo a alguém?
 De acordo com o pensamento do educador Paulo Freire, “testemunhar a
abertura aos outros, a disponibilidade curiosa à vida, a seus desafios são
saberes necessários à pratica educativa”, como esse processo acontece no
filme?
 Diz o educador Paulo Freire que “(...) o que importa é que o professor e
alunos se assumam epistemologicamente curiosos”. Dessa forma poderia
acrescentar à sua prática docente ou a sua vida pessoal?
 Se você pudesse interferir, o que mudaria ou acrescentaria no filme?

Assim como não há pessoas iguais nesse mundo, os professores também são todos
diferentes. O filme, como instrumento de reflexão pedagógica, pode representar um
excelente mecanismo de formação de docente. A internacionalidade da atividade na sala de
aula, a clareza dos objetivos, o debate a partir dos problemas e das possibilidades
apresentadas, o estudo crítico do enredo do filme, bem como a articulação com a realidade
dos professores, tempo histórico e no espaço, constituirão uma oportunidade de diálogo e
ressignificação do trabalho do professor.

__________________________
¹Na época do doutorado fui monitora da Profª Selma Garrido Pimentel no curso de Didática da
licenciatura na USP em 1998. aluno dessa disciplina, Pérsio Nakamoto preparou comigo um
Seminário sobre O Bom Professor nos Filmes e elaboramos este texto.

Bibliografia
CUNHA, M. I. O bom professor e sua prática. São Paulo: Papirus, 1989.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra 1996.

As coisas comuns nem sempre são banais ¹

46
Maria Socorro Lucena Lima

Lembro-me com bastante clareza como tudo começou


Até poderia dizer que começou do jeito muito normal (...)
As coisas mais comuns nem sempre são tão
banais como nós pensamos.
(Jostein Gaarder)

Preparei minha máquina de novo.


Tinha um perfume de jasmim no beiral de um sobrado
Fotografei o perfume
(Manoel de Barros)

Introdução
Essa reflexão convoca-nos a estar atentos para as questões da nossa prática
cotidiana, que parecem comuns corriqueiras, no entanto podem conter grandes lições para a
nossa formação pedagógica. Esperamos que ela possa abrir o debate e, assim constituir-se
uma troca de experiências de grande importância para o desenvolvimento de uma postura
reflexiva no dia-a-dia do nosso trabalho de formadores.
Trabalhar com alunos que já são profissionais do magistério requer desafios, por
tratar-se de professores muitos deles, com experiências e conhecimentos acumulados.
Nossa preocupação vai no sentido de questionar as possibilidades e limites do professor
reflexivo que desejamos ser e quais são os caminhos dessa busca.

Contando a história
A disciplina Prática de Ensino previa encontros destinados à fundamentação teórica
na área de formação de professores, orientação e acompanhamento do estágio
Supervisionado. Tema da aula: prática docente. A professora tinha previsto, como
embasamento teórico, o livro Pedagogia da autonomia de Paulo Freire, os alunos
deveriam trazer o texto lido para discussão em classe.
A metodologia da aula consiste em uma divisão dos alunos em equipe, que
trabalhariam o texto a eles destinado e, ao final um representante do grupo apresentaria o
trabalho para o debate em sala de aula.
Uma das equipes tentava explicar o pensamento do autor: “ensinar é uma prática
essencialmente humana” quando um dos colegas fez a seguinte provocação (mas é claro
que apenas os humanos ensinam! Já viram algum animal ensinando alguma coisa a
alguém?” a inesperada intervenção fez o debate parar, inclusive a professora, mesmo já
sendo acostumada a trabalhar com o livro de Paulo Freire, nos cursos de formação de
professores, tentava pensar rapidamente para conseguir bons argumentos e desfazer o
impasse provocado.
Às vezes, as coisas que parecem tão óbvias e comuns, não são tão banais, como diz
o autor em epígrafe desse texto: “As coisas comuns nem sempre são tão como nós
pensamos “(GAARDER, 1997). Requerem uma abrangência, aprofundamento e uma
contextualização para que possamos entendê-las.
Aquela provocação, que inicialmente soava como limitação do colega, deixava a
classe, por um momento, sem resposta. A professora até pensou em sugerir uma outra
pesquisa, em transformar aquele problema em investigação.
No entanto, foi caminhando no conceito das palavras de Paulo Freire que a questão
pôde ser trabalhada ali mesmo. O que é conceito? É uma forma de pensar a realidade

47
(LUKESI, 1990). A partir daí, todos foram convocados a pensar sobre o sentido de cada
palavra.
 O que é ensinar? Dentro da pedagogia, que é a ciência da educação,
enquanto prática social, temos uma área chamada Didática, cuja preocupação concentra-se
nas questões do ensinar e do aprender. Esse processo situado histórica e concretamente
envolve tanto os alunos como os professores. O que é ensinar e o que é aprender? Em que
circunstâncias? A que classe social pertencem? Quais as marcas da sociedade moderna
globalizada que estão batendo na porta da escola e da sala de aula, onde o professor exerce
sua profissão e os alunos estudam? Para que serve a educação?
 O que é educação? Foram abertos novos questionamentos sobre a
educação. Para que serve a educação? Serve principalmente para humanizar o homem. Para
resgatar dele a sua genuína essência: ser gente e, como tal, realizar-se na comunhão com os
outros homens. Essência foi entendida como sendo aquilo que se retirarmos, a coisa deixa
de ser o que é. Entendendo assim, foram adiante para ver a educação como uma das
instâncias da vida humana. Ela precisa de um contexto em que as necessidades humanas
básicas, como comer, vestir, morar entre outras, estejam acontecendo assim como a
liberdade e a dignidade. A falácia do discurso da educação como suas necessidades básicas
são negadas. Dessa forma, concordamos com CORTELLA (1999) quando diz que:

Ser humano é ser junto. É necessário negar a afirmação Libertária de que “a minha
liberdade acaba quando começa a do outro”. A minha liberdade acaba quando acaba a
do outro; se algum humano ou humana não é ninguém é livre.

 Ser profissional da educação É preciso compreender o sentido de ser


“profissional da educação”, de ser “educador”, de ser “professor”, cujo trabalho é ensinar.
Ensinar aqui estava sendo entendido como construir com os alunos, o conhecimento, de
forma crítica, emancipatória, transformadora. Essa prática precisa ser considerada como
uma construção, tecida pelos professores, os alunos e o conhecimento, considerando-se as
condições objetivas, junto da realidade em que estão inseridos.
Ao mesmo tempo, o saber do conhecimento e o saber da experiência juntamente
com o saber pedagógico, entre outros, precisam estar evidenciados na competência do
trabalho do professor, que faz bem sua sala e sente-se bem em fazê-la, como diz Terezinha
Rios em sua tese de doutorado. Com a consciência de que a essência do ato de educar,
realizada também, através do ato de ensinar é a humanização do homem, fazê-lo crescer
como pessoa que vive junto com todas as outras do seu tempo em um determinado lugar
ficava mais fácil compreender a sentença do Paulo Freire: “ensinar é uma prática
essencialmente humana” não apenas para dar de pronto um esclarecimento, mas para
provocar novos debates e novas perguntas.

Ensinando e aprendendo
Esta aprendizagem de sala de aula tanto pode servir de pretexto para conversar
com os professores, quanto para os colegas que trabalham com formação contínua de
professores e dela levantamos alguns pontos para reflexão:

 Quantos dos nossos alunos, pelo fato de já serem profissionais do


magistério, não têm a coragem de expressar-se em colocações dessa natureza?
 Será que muitos deles, mesmos não acompanhando o debate, fica calado
para não se expor diante dos colegas?

48
 Será que os alunos-professores não estariam priorizando a verbalização de
idéias publicamente aceitas pelo professor formador e pela classe?
 Será que não estamos sendo engolidos pela pressa com que os cursos de
formação estão sendo concebidos e realizados, o que muitas vezes, impede ou dificulta o
aprofundamento e a reflexão?

Talvez, na pressa de concluir as atividades pedagógicas, estaríamos passando por cima


de lições fundamentais para a formação docente como de uma reflexão dessas, por exemplo.
Uma das lições mais fortes que ficaram dessa aula seria a sugestão de estarmos atentos
para a importância de trabalhar os conceitos, para a necessidade de penetrar no sentido das palavras
que dizemos e até defendemos. Nesse momento histórico que estamos vivenciando, esta postura
metodológica poderia ser também uma forma de resistência ao discurso da política neoliberal, que
vem utilizando e distorcendo os conceitos utilizados pelos educadores e pelos trabalhadores.
Que este texto possa cumprir sua função social de ser uma troca de experiências com os
professores, com colegas formadores em formação contínua. Esse diálogo é um desafio a ser
enfrentado. Fica para nós o recado da Gaarder.

__________________________
¹ A partir de uma aula dada em janeiro de 2000, no Programa Especial de Formação Pedagógica
elaborei este texto. Sou grata aos alunos daquela turma pelas lições que no momento deixou para
formador e formandos.

Bibliografia

CORTELLA, M. S. A escola e o conhecimento: fundamentos epistemológicos e políticos: São


Paulo: Cortez 1998.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e
Terra, 1996a (Coleção Leitura).
GAARDER, J, Ei! Tem alguém ai? São Paulo Companhia das Letrinhas, 1997.
LUKESI, C. C. Encontro de formação de professores. Belo Horizonte, 1990
RIOS, T. A Por uma docência da melhor qualidade. São Paulo: 2000. Tese de doutorado.
Faculdade de educação USP.

Atividades para Reflexão

49
Ele se inclinou bem para frente fazendo uma reverência. (...)
- Por que você está se inclinando desse jeito?(...)
- Lá de onde eu venho, explicou ele, nós sempre fazemos uma reverência quando
alguém faz uma pergunta fascinante. E quanto mais fascinante for a pergunta, mais
profundamente a gente se inclina. Nesse caso, perguntei, o que vocês fazem quando
querem se cumprimentar? – Temos que fazer uma pergunta inteligente. Essa resposta
me impressionou tanto, que fiz uma profunda reverência, me inclinando o máximo.
- Porque você fez uma reverência? Perguntou ele num tom quase ofendido.
- Porque me deu uma resposta superinteligente para minha pergunta, - respondi. “Daí
numa voz bem alta e clara, ele me disse algo que eu haveria de me lembrar pelo resto
da vida – Uma resposta nunca merece uma reverência. Mesmo quando for inteligente e
correta, nem assim você deve se curvar para ela. Quando você se inclina, você dá
passagem para uma resposta. (...) A resposta é sempre um trecho do caminho que está
atrás de você. Só a pergunta pode apontar o caminho para a frente”.
(Gaarder,Jostein. Ei! Tem alguém ai? São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1997)

1. Relacione o texto com atividades de estágio e ação docente que você está
desenvolvendo.
2. Que perguntas sobre o estágio e a ação docente você lançaria para “apontar o
caminho para frente”.

Parte II
Contribuições para o debate

50
Aprendi a caminhar cantando
Como convém a mim e aos que vão comigo
(Thiago de Mello)

51
Ação docente supervisionada
E as contribuições da Psicologia da Educação
Meirecele Calíope Leitinho
Patrícia Helena Carvalho Holanda

Introdução
Este texto discute a fase do desenvolvimento curricular do curso de formação de
professores para o ensino fundamental (1ª a 4ª série) intitulada ação docente
supervisionada, promovido pela Universidade Estadual do Ceará nos municípios do Estado,
analisando a metodologia empregada por essa fase curricular, que se propõe ir além dos
conteúdos e metodologia propostas no ensino tradicional, o qual na maioria das vezes se
limita a transmitir os conhecimentos de forma fragmentada e descontextualizada. Em outras
palavras, essa etapa do desenvolvimento curricular entre a Pedagogia e a Psicologia, à
medida que a psicologia educacional, também explica o fenômeno educativo, possibilita a
criação de estratégia de planejamento e fornecimento técnicas e instrumentos para a
intervenção na prática docente (GUERRA, 2000: 74).
A discussão será feita numa perspectiva psicológica, considerando-se os aspectos
subjetivos do processo de aprendizagem, explicitando a concepção de aprendizagem,
significativa definida nos documentos prescritivos do curso e a questão da relação
professor-orientador à luz de teorias psicológicas da atualidade, privilegiando a importância
da interdisciplinaridade na relação com outras áreas do conhecimento, sobretudo com as
metodologias e práticas.
Para realizar este estudo, optamos pela análise documental, consultando os
documentos oficias do curso de formação de professores para o ensino fundamental (1ª a 4ª
série) e os relatórios dos professores-alunos. Algumas observações e interpretações sobre a
prática da ação docente supervisionada serão decorrente das nossas vivências como
participantes do processo.
Pretendemos, com a nossa análise contribuir para a discussão de processos de
supervisão reflexiva presentes nos cursos de formação de professores na atualidade.

A ação docente supervisionada


No documento prescrito intitulado Sistema de Ação Docente Supervisionada
(redação preliminar 1997 – 1999), ela é conceituada da seguinte forma:

...ação da orientação, acompanhamento e aconselhamento do aluno, efetivada por


professores orientadores com o objetivo de integrar formação acadêmica com
formação em serviço, fato que deverá ocorrer no espaço da escola, onde o aluno
exerce sua atividade docente (p.5.).

É um processo que tem como objetivo:


 desenvolver procedimentos, que permitem a organização e acompanhamento, avaliação
e reorientação das atividades pelos alunos nos cursos, sistematizando as ações
necessárias ao desenvolvimento de aprendizagens significativas;
 cria mecanismos que possibilitam aos professores-orientadores uma supervisão da ação
docente do aluno na escola, visando à transformação qualitativa de sua prática
pedagógica;

52
 estabelecer uma relação direta entre o cotidiano da sala de aula e os temas de estudos
definidos no currículo, visando ao desenvolvimento de competência a ser adquirida
pelos alunos ao longo dos cursos (p.7.).
Como se pode observar no primeiro objetivo, as aprendizagens significativas são colocadas
como ponto culminante do processo. Mas o que é uma aprendizagem significativa? Por que ela é a
meta da ação docente supervisionada? Alguns aspectos devem ser considerados:
a) a aprendizagem se torna significativa quando o aprendiz percebe que ela se relaciona
com seus objetivos, uma vez que o professor-aluno é considerado sujeito que está num processo de
desenvolvimento pessoal e profissional. Esse fato vai ao encontro da proposta da ação docente
supervisionada, que oferece ao professor aluno a oportunidade de relacionar seus interesses com a
ação pedagógica do curso;
b) por intermédio da articulação teoria/prática os sujeitos adquirem aprendizagens mais
significativa, as quais se constituem como um princípio presente na ação docente supervisionada,
por oportunizar ao professor-aluno o confronto permanente com os problemas de sua atuação
profissional no cotidiano escolar, levando-o a pesquisar e refletir sobre sua prática pedagógica;
c) a aprendizagem significativa envolve todas as dimensões do ser, tanto a cognição como
a subjetividade e é mais duradoura e envolvente. No caso em estudo, as situações de aprendizagem
têm dimensões cognitivas, afetivas e, em algumas situações específicas, psicomotoras;
d) a aprendizagem é mais significativa quando o aluno escolhe seus próprios caminhos,
juntamente com o professor discute quais os recursos de aprendizagem mais produtivos, formula
problemas relacionados ao cotidiano da sua sala de aula, estuda as direções que devem ser dadas ao
trabalho e as conseqüências de suas escolhas. Essa é a prática da ação docente supervisionada.
No segundo objetivo, está explicitada a idéia de uma prática pedagógica transformadora,
que somente será concretizada se a aprendizagem for significativa para o aluno. Portanto, ao criar
mecanismo que estimulam transformações na prática pedagógica do aluno, a ação docente
supervisionada favorece a superação de aprendizagens mecânicas, trabalhando a idéia de
aprendizagem em processo.
Já no terceiro objetivo, está evidenciado o desenvolvimento de competência a serem
adquiridas ao longo do processo, fato que ocorrerá se houver uma internalização de aprendizagens
significativas elaboradas na ação/ reflexão/ação do professor-aluno sobre a teoria/prática do seu
processo de formação. A ação docente supervisionada possibilita essa internalização.
Nessa dimensão, ação docente supervisionada é o instrumento fundamental da formação do
professor reflexivo, que é o objeto do curso de formação de professores para o ensino fundamental
(1ª a 4ª série). Ela tem como esquema operacional:

Representação Gráfica do Sistema

E M
Reunião de N E Reunião de
Planejamento C D Planejamento
e Avaliação O D I
N E T e Avaliação
(Início de Sistema) T A (Mensal)
R Ç
O A
O

E M
E
N Inserção
Reunião de C D
Da Escola
O D I
Planejamento E T (Mensal)
N
e Avaliação T A
(Início do Semestral) R Ç
O A
O 53
De acordo com o sistema apresentado, o professor orientador assume um
relacionamento com o grupo de professores-alunos sob sua responsabilidade.
Nos encontros de mediação e de inserção na escola (ver gráfico), ocorre uma relação
direta do professor orientador com o professor-aluno. O professor-orientador age baseado
no modelo interacionanista, isto é, o professor que interage com os seus alunos, produzindo
um terreno fértil para criação e desenvolvimento de aprendizagens significativas.
A interação professor-orientador com o professor-aluno se concretiza através das
tarefas atribuídas ao primeiro, descritas assim no documento da ação docente
supervisionada:

 orientar os alunos nas suas atividades acadêmicas;


 sugerir atividades de complementação de estudos;
 replanejar atividades dos alunos em todos os níveis do ensino-aprendizagem;
 orientar a auto-avaliação dos alunos (1997, p. 14-15).

Essas tarefas contribuem para que o processo de aprendizagem do professor-aluno se


efetua satisfatoriamente, através do acompanhamento da ação docente supervisionada
(registro da coordenação e relato dos professores envolvidos). Para melhor compreensão do
processo de construção do conhecimento pautado num modelo interacionista, alguns
comportamento do professor-orientador serão explicitados a seguir.

 Estabelecer uma relação básica de confiança com o grupo de professores-alunos.


Para cumprir esse propósito, nos encontros de mediação, o grupo de professores-
orientadores tem a preocupação de comunicar ao professor-aluno a disposição de
criar um clima de confiança, onde ele busca ajuda sempre que desejar. Para tanto, os
professores-orientadores planejam dinâmicas de grupo de forma a promover uma
maior integração entre os participantes, como também para explicar o seu papel,
procurando dissipar a visão que o professor-aluno possui de supervisão como
controle, para colocá-lo como ponto de apoio ao professor-aluno na construção do
conhecimento.
 Dialogar com o professor-aluno a fim de despertá-lo para o desejo de aprender,
incentivando-o a alcançar seus objetivos, uma vez que essa é uma das principais
condições para que se efetive a aprendizagem significativa;
 Estimular o professor-aluno a manifestar seus sentimentos e aptidões. O
professor-orientador procura compreendê-lo, fazendo críticas à sua atitude,
conversando sobre a responsabilidade de seu papel como professor e sobre as
repercussões dessa escolha profissional na sua vida pessoal;
 Colocar-se numa posição onde ele deva ser considerado um recurso de
aprendizagem juntamente com o professor-aluno de demais professores do curso,
buscando solucioná-los.

De acordo com o exposto, percebe-se que a ação docente supervisionada cria um


espaço para que a relação do professor-orientador com o professor-aluno ocorra através de
um individual de aprendizagem, no qual o primeiro deverá acompanhar o professor-aluno
para tornar a sua aprendizagem a mais exitosa possível. No entanto, tal atitude não significa
que a aprendizagem fique centralizada, exclusivamente, no processo individual. A ação

54
docente supervisionada propicia momentos tanto individuais como grupais no sentido de
favorecer o intercâmbio entre o professor-aluno, o trabalho de grupo e autonomia.

A proposta da ação docente supervisionada: aprendizagem como processo ou


produto?
Se consultarmos a proposta prescrita do curso de formação de professores para o
ensino fundamental (1ª a 4ª série), vamos perceber que o seu currículo está fundamentado
na teoria crítica da educação, que se propõe a desenvolver uma consciência crítica do
professor-aluno diante da realidade educacional e de sua prática pedagógica. Dessa forma, a
proposta supera a fragmentação e a hierarquização do trabalho pedagógico à medida que
individual. A ação docente supervisionada propicia momentos tanto individuais como
grupais no sentido de favorecer o intercâmbio entre o professor-aluno, o trabalho de grupo
e a autonomia.

A proposta da ação docente supervisionada: aprendizagem como processo ou


como produto?
À medida que integra o pensar, o ser e o fazer da prática docente, rompendo com os
modelos normativos, que são dominantes na formação de professores. ESTEVE (1995) nos
alerta contra os modelos de formação de professores que continuam sendo normativos;

Apesar de se exigir que os professores cumpram todas as tarefas, é interessante


observar que não houve mudança significativa nas formações de professores de ensino
primário. Continuam a ser formada de acordo com velhos modelos normativos, aos
quais se juntaram, em muitos casos, a descoberta da psicologia da aprendizagem dos
últimos vinte anos...(p. 100)

Pode-se afirmar que a ação docente supervisionada está fundamentada no modelo


interacionista. Esse modelo propõe uma relação cognitiva na qual não há proeminência nem
do professor nem do aluno. O interacionismo contrapõe-se ao mecanismo, que compreende
o conhecimento como uma ação mecânica do professor sobre o aluno, e ao modelo
idealista-ativista, onde a atenção está centrada no estudante que é o criador da realidade,
essa posição que pode ser comprovada através do conceito de mediação contido no
documento prescrito da ação docente supervisionada:

Ato de mediar a relação entre o sujeito e o objeto do conhecimento através de processo


dialógico, onde/reflexão/ação ocorrem de forma contínua. (1997, p. 8).

Dessa forma, a ação docente supervisionada contrapõe-se à idéia de


aprendizagem/produto baseada nas teorias comportamentalista da aprendizagem
privilegiando a idéias de processo, fundamentado nas teorias cognitivista. Por fundamentar-
se numa concepção dialógica, oportuniza condições para que a construção do conhecimento
se estabeleça através da ação/reflexão/ação, utilizando como estratégia para atingir essa
finalidade a elaboração de um memorial dos alunos, a ser apresentado no final do curso.
(Documento da Ação Docente Supervisionada, 1997).
A proposta rejeita a passividade do aluno no processo de ensino-aprendizagem. Ao
adotar uma articulação da teoria com a prática, ela leva o professor-aluno a refletir sobre a
sua formação e sua práxis profissional. No âmbito da psicologia da aprendizagem o que
ocorre é uma reorganização da percepção que tem o aluno sobre a realidade e sobre sua
personalidade, à medida que trabalha a sua identidade profissional, que por via de
conseqüência influencia sua personalidade como um todo.

55
CÓRIA-SABINI (1986) definiu bem esse tipo de aprendizagem.

É uma mudança no mundo psicológico do ser que se comporta e, como tal, um


fenômeno que envolve a personalidade total do indivíduo (p. 14).

Na ação docente supervisionada, através do relatório da realidade pedagógica do


professor-aluno na escola, é possível perceber reflexão crítica sobre a sua prática docente,
situação estimulada pelo professor-orientador. Vejamos um exemplo:

P-A: - A minha ação docente tem contribuído na formação de jovens cidadãos críticos e
atuantes na sociedade, despertando neles a criatividade, levando-os a se interessar por
problemas da comunidade em que vivem e encontrar alternativas para solucioná-los. Enfim,
tento despertá-los para a vida.
É importante ressaltar que no desenvolvimento desse tipo de relatório o professor-
aluno procura refletir sobre a estrutura física e administrativa da escola na qual leciona,
bem como sobre o histórico da sua criação, a sua filosofia, o seu regimento e a proposta
curricular no sentido de perceber como estes aspectos podem vir a influenciar na sua práxis;
ele faz também, nesse estudo, o registro da sua prática pedagógica, realizando uma reflexão
sobre o trabalho da escola do ponto de vista.
Assim, através de atividades dessa natureza, o professor-aluno via descobrindo as
relações teórico-práticas existentes no seu processo de formação através de atividades
investigativas que propiciam um terreno fecundado para a indissociação dessa relação no
processo de aprendizagem. Isso se concretiza, à medida que o professor-aluno realiza a
organização das relações descobertas, interpretando-as nas suas estruturas cognitivas. para
ilustrar, citaremos a passagem do relatório de uma professora-aluna, em que é feita uma
reflexão sobre os fatores que interferem na sua prática pedagógica.

P –A: - A maior dificuldade encontrada na sala de aula é o sistema de multisseriado com


o qual trabalho, pois, devido a esse sistema, a minha prática pedagógica deixa muito a desejar,
como também a carência de matérias adequados para atender às necessidades do educando,
dificulta muito a aprendizagem dos alunos.
Diante da posição da professora-aluna percebe-se claramente que a organização
didático-pedagógica do curso oferece condições para que ela participe ativamente de sua
própria aprendizagem, instrumentalizando-a para refletir sobre as suas condições de
trabalho, por exemplo. Nesse caso, o professor-orientador, através da ação docente
supervisionada, assume um papel de mediador do conhecimento, que parte da concepção de
ensino-aprendizagem como processo.

Considerações finais
O processo da ação docente supervisionada do curso de formação de professores
para o ensino fundamental (1ª a 4ª série) evidencia que a aprendizagem ocorre de forma
mais eficaz quando o professor-aluno participa diretamente do seu processo de
aprendizagem, envolvendo-se ativamente através da experimentação, da pesquisa,
participação em seminários e levantamento de problemáticas e dúvida; são situações que
favorecem o desenvolvimento de aprendizagens significativas.
Nesse caso, a aprendizagem é dinamizada por uma relação interacionista do
professor-orientador com o professor-aluno que rompe com a concepção de currículo
produto, assumindo a de currículo-formação, ou currículo em processo.

56
Outro aspecto que merece destaque, nessa disciplina, é explicitação na sua proposta
e no desenvolvimento curricular do professor, o qual ela pretende formar.
Com esse procedimento a ação docente supervisionada ao estabelecer suas relações
com a Psicologia possibilitou o estabelecimento de relações com prática docente,
revalorizando os seus fundamentos, superando os reducionismos e aplicação utilitarista da
Psicologia na prática docente, ao considerar a dinâmica entre a teoria e a prática.
Dessa forma, pode-se afirma que a ação docente supervisionada, discutida neste
trabalho sob o ponto de vista psicológico, favorece a aquisição de aprendizagens
significativas, desenvolve situação interacionistas, buscando sempre a internalização de
competência específica, ou seja, a ação docente na escola. É uma proposta que valoriza a
ação humana e a linguagem das possibilidades de transformação dos processos
educacionais. É a concretização de uma relação teoria/prática dialetizada.

Bibliografia

CÓRIA-SABINI, M. A Psicologia aplicada à educação. São Paulo: EPU, 1986.


ESTEVE, J. M. Mudanças sociais e mudanças na educação: da educação de elite à
educação de massa. NÓVOA, Antônio. Profissão Professor. Portugal: Porto, 1995.
GUERRA, T. C. Conhecimento psicológico e formação de professores.AZZI, R. G.,
NATISTA, S. H. S. e SADALLA, ª M. F. de A Formação de professores: discutindo o
ensino de psicologia. Campinas: alínea, 2000.
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ Sistema de ação docente supervisionada.
(Redação preliminar) Maracanaú e Jucás. 1997/1999.

57
Atividades para Reflexão

1. Compreendendo o texto:
a) nome do autor;
b) nome do texto;
c) outras informações.

2. preencha a ficha a seguir:

Idéia básica do texto


Conceitos utilizados Autores trabalhados Conclusões e reflexão

58
O cotidiano da formação e da prática
do professor: demarcando o cenário
da ação docente supervisionada
Meirecele Calíope Leitinho
Maria de Lourdes P. Brandão

No presente texto, faz-se uma reflexão sobre a vida cotidiana como referência
importante para o entendimento da ação docente instituída nos espaços escolares e
universitários. Em qualquer local de formação educacional – Mestrado, Doutorado,
Especialização, Graduação, fala-se do cotidiano. No entanto, pouca gente sabe como
trabalhar essa dimensão da vida diária, aceitando as rotinas, sem questionamentos, agindo
sempre da mesma maneira, com as mesmas perspectivas, sem qualquer forma de
invocação, razões pelas quais torna-se necessário discuti-lo do ponto de vista teórico,
metodológico e cientifico, situando o cotidiano como espaço da Ação Docente
Supervisionada (ADS).
Nosso modo de pensar, de ver o mundo e de entendê-lo, assim como de transmitir
tal visão e tal compreensão passa pelo entendimento do espaço, do tempo e da linguagem
assumida no cotidiano da relação pedagógica, ou seja, em nossas vivências e representações
das mesmas. Vislumbra-se, assim, o uso e a distribuição dos saberes de formação no espaço
da docência observada em busca de sua transformação em lugar educativo-formativo-
cultural.
Esta dimensão reflexiva nos conduz a uma leitura sobre a história social do espaço
educativo – campo da ação supervisionada, suas intervenções e enfrentamentos diante das
regulações e estatais, possibilitando uma análise das instituições educacionais como centro
de decisão e poder (dimensão organizacional) e, portanto, de conflitos, realizações pessoais
e/ ou intergrupais. Estejamos alerta para os riscos trazidos por aproximações mal-
construídas e autoritárias que favorecem a construção de relações e ambientes necessitados
de funcionalidade pedagógica.
Nesses termos, nossa reflexão passa a ser orientada pela dimensão antropológica de
uma etnografia em que o cotidiano passa a ser desvelado como realidade social e material-
cultura específica redimensionada e que nos permite definir o campo pedagógico como (...)
um contexto gelatinoso, escorregadio e moldado em sentidos múltiplos de códigos, regras e
elementos normatizadores (53); um cotidiano complexo, invisível ou silencioso, cheio de
símbolos e significados ditos universalizados instituidores de saberes e poderes
diagramados e emitidos sob diferentes linguagens/ rituais, que permite reconstruir os
processos e as relações que configuram a experiência escolar diária – documentando o não
documentado, isto é, descobrindo encontros e desencontros que permeiam o dia-a-dia da
prática escolar, descrevendo as ações e representações dos seus atores sócias.
Nesse cenário, como pensar esta estrutura curricular e, nela, a ação supervisionada
que prevê cenário a redesenhar uma nova ordem disciplinar para a escola pública, nascida
das relações e construções cotidiana – realidades estudadas? Eis a questão que trazemos
para iniciar a reflexão!

O ponto de partida... O estudo da vida cotidiana


O cotidiano é a vida dos homens; como eles vivem, trabalham, pensam, se
relacionam e se imaginam como cidadãos. O ponto de partida nesta análise é o
entendimento dessa idéia no ritual da formação-ação docente para que discutamos um

59
cotidiano vivo, alegre, dinâmico, transformador, mutável, que apesar de suas rotinas, nunca
deveria ficar estagnado.
Uma primeira característica desse cotidiano vivo, dinâmico é a heterogeneidade. A
vida diária é heterogênea em todas as suas manifestações-crença, valores, idéias,
comportamentos. Nele existem as diferenças e os diferentes. Trabalhar esses elementos é
complicado. Assim, quando surgem as diferenças, os conflitos, as contradições e os
questionamentos, tudo se torna difícil e, se não adotarmos um comportamento dialético,
ficaremos extremamente constrangidos, tendo de recorre ao expediente do autoritarismo.
Tornamos-nos autoritários ditamos regras, normas, e achamos que, com isso, vamos
resolver os conflitos e as contradições, sem estarmos preparados intelectualmente para o
embate de idéias.
Isso não pode acontecer com o orientador da Ação Docente Supervisionada (ADS)
porque ele é um intelectual, faz parte de uma classe privilegiada da sociedade, teve acesso a
todos os graus de instrução e trabalha no nível superior. Faz parte, portanto, de uma minoria
privilegiada, teoricamente formada para exercer o ato educativo de maneira consciente e
com fundamentação cientifica.
Outra característica da vida cotidiana é a sistematização das normas e das regras,
sem elas, o cotidiano torna-se um caos. As normas e regras deverão ser discutidas sempre,
no sentido da democracia, da autogestão, da participação, da colaboração, e definidas
coletivamente, valorizando-se os sujeitos genéricos. Predominam no cotidiano das escolas
os sujeitos individualistas, o mesmo individualismo que encontramos na sociedade, que em
nada ajuda ao processo educacional, pelo contrário, traz a ele inúmeros prejuízos.
O cotidiano também é manipulativo, até porque ele é dinâmico. Sendo, assim, pode-
se traça regras, reformulá-las; posso dar ordens e revogá-las, se enfim, manipular o
cotidiano para que ele seja dinâmico ou estático.
Há sempre uma tendência de manipulação para torná-lo estático, até porque a
palavra manipulação é sempre entendida no sentido pejorativo, não interpretado
dialeticamente. Devemos manipulá-lo para objetivos comuns, para bem coletivo, para um
dinamismo constante.
Outra característica do cotidiano é a Historia. O cotidiano é histórico. Os fatos
históricos surgem da vida cotidiana, não aparecem nas cúpulas político representativas do
País. Portanto, trabalhar com o cotidiano é percebê-lo na sua historicidade, compreendendo
seus determinantes políticos, sociais, econômicos.
Podemos afirmar que o cotidiano é carregado de opções. Nós é que estamos
burocratizando. Traçamos normas, implantamo-las e elas tornam-se inquestionáveis. É
como se não pudéssemos dialogar sobre outras opções.
A mensagem que estamos trazendo ao debate nesse momento é que o cotidiano não
é positivista, no sentido de que tudo está objetivamente organizado; tudo tem que ser
seguido à risca. O cotidiano é dialético, ou seja, o que fizemos hoje podemos desconstruir e
construir amanhã, porque queremos uma coisa melhor. E, quando fazemos essa
desconstrução, podemos chegar à conclusão de que o que foi feito foi muito bom, e que não
vamos reconstruir nada. Vamos reaplicar aquilo que fizemos. Mas, se não fazemos esse
exercício dialético, negamos a possibilidade de reconstrução.
É preciso analisar o cotidiano como hábito, mas também como arte. Não temos
tempo de viver a arte. Essa é a grande verdade. Há muitas programações culturais
interessantes nos espaços em que trabalhamos, mas o trabalho é tão intenso que não temos
tempo para viver a arte, como um dos seus componentes. Um cotidiano para ser rico,
alegra, dinâmico, tem que estar em estado de arte. Observando as nossas professoras-
alunas, notamos que nelas existe ainda o convívio com a arte, porque elas cantam, recitam

60
fazem versos de cordel, coisas que talvez sua criatividade totalmente cerceada em nome do
acadêmico, dissociado dos valores humanos.
Podemos afirmar que não há pessoas aprisionadas nas escolas, sem espaço para
criar; pessoas que estão sufocadas e que, apesar de tudo, criam. É preciso então que, na
ação docente supervisionada, a arte seja elemento integrador do processo.
Nesse contexto, a pesquisa do cotidiano é o centro do processo da ação docente
supervisionada; ela não se dá por autodidaxia.
Há professores que não sabem pesquisar. Pensam que pesquisar o cotidiano é fazer
apenas um relato dos fatos, mas não analisam suas relações, conseqüências, origens, suas
divergências. As pessoas em geral começam e terminam com os fatos.
O estudo do cotidiano é, portanto, o elemento básico da análise da prática
pedagógico do professor e que, no caso da ação docente supervisionada, exige um
tratamento cientifico, considerando-se todas as características citadas anteriormente.
Essa ação-reflexiva põe em cena o desafio de se repensar o processo de formação
inicial e contínua do educador. Permite, pois, que se chegue bem perto da ação docente para
tentar como operam no seu dia-a-dia os mecanismos de dominação e de resistência, de
opressão e de contestação, ao mesmo tempo em que são veiculados conhecimentos,
atitudes, valores, crenças, modos de ver e de sentir a realidade e o mundo vivido.
Com arrimo em NÓVOA (1992), reafirmamos ser necessária a inter-relação teórica
e prática no decorrer de todo o exercício da “profissão-professor”, sobretudo porque,
constantemente, este se vê compelido a tomar decisões com base nos saberes adquiridos e
nos dados observáveis – que nada mais são do que a essência da investigação.
Portanto, a reflexão sobre a prática feita pelo docente no exercício da docência
favorece um olhar introspectivo, para pensar, decidir e agir e, assim, compreender a
dinâmica curricular na formação docente, as relações – ida e vindas dos tutores
pedagógicos – seus compromissos e notações sobre a dinâmica das relações e interações
que constituem o seu dia-a-dia. Este ritual mensal permite as forças que impulsionam ou
que retêm a ação docente, identificando as estruturas de poder e os modos de organização
do trabalho escolar, compreendendo o papel e a atuação de cada sujeito nesse complexo
internacional, cujas ações, relações e conteúdos são construídos, negados, reconstruídos ou
modificados.
Nessa relação, a escola é vista como espaço da formação – em que ocorrem
movimentos de aproximação e de afastamento, nos quais se criam e recriam
conhecimentos, valores e significados. Isto vai exigir o rompimento com uma visão de
cotidiano estático, repetitivo, disforme, para considerá-lo, como diria GIROUX (1986) um
terreno cultural caracterizado por vários graus de acomodação, contestação e resistência,
uma pluralidade de linguagens e objetivos conflitantes.
Delineia-se uma ação didática supervisionada que não se pode restringir a um mero
retrato do que se passa no cotidiano da professora observada, mas deve envolver uma
reconstrução dessa prática, cobrindo suas múltiplas dimensões, refazendo seu movimento,
apontando suas contradições, recuperando a força viva nela presente.
Para que se possa apreender o dinamismo próprio da vida escolar, é preciso estudá-
la em suas dimensões instrucionais/ pedagógicas/ culturais.
A dimensão instrucional ou pedagógica abrange as situações de ensino nas quais se
dá o encontro professor-aluno-conhecimento e sua inter-relação com o ambiente em que se
processa o ensino. Por outro lado, significa analisar os conteúdos e as formas de trabalhos
na sala de aula, pois só assim, se poderá compreender como a escola vem concretizando a
sua função socializadora.

61
Já a dimensão sociopolítica inclui uma reflexão sobre o momento histórico, acerca
das forças políticas e sociais, concepções e valores presentes na sociedade. É um nível mais
profundo de explicação da ação docente com base nas situações do cotidiano escolar, haja
vista que a descrição dos significados culturais dos sujeitos requer sensibilidade...
abertura... flexibilidade para descobertas e interpretações.
Assim, a questão do espaço e do tempo adquire importância na presente reflexão,
pois permite explicitar e traduzir os códigos instituídos por esta convivência que se
diferencia dos rituais presentes nos demais processos formativos, marcados pelo jogo de
poder quanto ao uso/ desuso de saberes de formação diante dos saberes oficiais, reguladores
da cultura escolar. Assim, indaga-se: quais os significados da ação docente supervisionada
na formação docente? E, neste caso, qual o papel desses atores no que se instala como
redimensionamento da ação didática-formação?
Em conexão com as dimensões da ação docente supervisionada, instituída pelo
NECAD, parte-se do princípio de que as vivências escolares constituem uma construção
cultural , daí a razão de situamos a trama urbana-rural circundante ao espaço escolar e as
manifestações orais e escritas presentes nas relações tecidas pelos docentes, dentro e fora
do cotidiano escolar, durante a sua formação, dada a sua condição reguladora da amplitude
curricular.
Portanto, a relação do professor-orientador (tutor) com o espaço vivido não é um
episódio isolado, mas um referencial de essência que se acrescenta ao mundo da construção
didática da ação instituída na ação supervisionada.
Nessa perspectiva, o registro da história cotidiana do trabalho docente permite
configurar quadros do imobilismo das salas de aula, conseqüentemente, do tradicionalismo
didático e do economicismo da cultura mediada pela política educacional endereçada à
formação docente para as escolas públicas de nosso Estado, ameaçada por traços e signos
que expressam o discurso oficial homogeneizador, bem como ensaios emancipatórios.
Portanto, para que a ação docente supervisionada ocorre em um cotidiano dinâmico,
ela terá que definir um estatuto que determine a natureza de suas ações. Vamos fazer um
estatuto da ADS, mas um estatuto diferente, para que possamos construir ações dinâmicas
considerando que todo processo da ação docente supervisionada é dialogal; todas as
relações são de natureza democrática; os sujeitos (quer iguais ou diferente) que participam
do processo, têm voz e voto; o professor-orientador é um facilitador da aprendizagem;
todos os rituais, normas e regulamentos são de domínio público, discutidos e
compreendidos por todos, nada sendo definitivo.
Será, portanto, no espaço político-cultural, que se encontrará o significado do
cotidiano como instrumento de reflexão para compreender a dinâmica curricular e,
conseqüentemente, as relações e compromissos a serem firmados entre a universidade –
agência formadora – e as escolas – instituições educativas – tradicionalmente denominadas
campo – locais de estágios, no caso específico em análise campo real da docência.
Nesse contexto, a inserção do ato de pesquisar na ação pedagógica é uma das vias
que possibilita a ultrapassagem de dicotomia do tipo produção/reprodução de conhecimento
no ato de ensinar e aprender, desmitificando o isolamento estabelecido entre professor e
pesquisadores haja vista que estes são atores de um mesmo cenário – sala de aula.
A ação docente delineia-se, rompendo com o modelo cultural dominante de
formação. O ponto de destaque centra-se no rompimento com as noções disciplinares
reguladoras que reafirmam interesses manifestos pela sociedade capitalista e nega projetos
formativos propostos pelas instituições educativas como uma política cultural.
Portanto, é na intimidade da práxis educacional educativa (sala de aula) que
ressurgem as possibilidades de se fazer uma leitura dos movimentos pedagógicos de

62
apreensão, ruptura e visão simplistas da abordagem do conhecimento, transformado-os em
atos criativos e críticos.
A sala de aula é concebida neste caso como o espaço concreto para o exercício da
crítica e reflexão – um espaço que permite articular e assegurar saberes de formação
(curriculares) e de experiência (construídos na práxis social/ interfaces do cotidiano da
formação/ ação).
Esta abordagem, segundo GARCIA (1998), alicerça nossa ação política e (...) nos
faz considerar a escola como um espaço de teoria em movimento permanente de
construção, “desconstrução e reconstrução”.
Centralizando a questão no âmbito da formação do educador, indaga-se: aonde vai a
formação, e onde começa a pesquisa?
No âmbito dessa conjunção de problemas, prescreve-se e oficializa-se uma
formação regida pelos rituais de uma tradição cientifica de domínio dos “intelectuais”,
quais sejam, aqueles que produzem saberes e que delegam poderes redesenhados em teorias
a serem transmitidas por quem ensina, definindo e oficializando, “criticamente ou não,
pressupostos teórico-metodológicos delineados a partir de dados de uma prática não
exercida e, assim sendo reproduzindo uma visão unilateral e incompleta da escolarização.
É, portanto, na desconstrução/ reconstrução e na quebra da linearidade e da rotina
do ato de pesquisar que ocorrerá o exercício do ato de pesquisar-ensinando.
Com efeito, na esteira dessa idéia, CUNHA (1996) indica, como elementos
fundantes para construção dessa nova ordem, a negação da neutralidade no ato pedagógico;
a superação da idéia de um método único; o destaque do cotidiano escolar como ponto de
partida para planejar ação que permitam transformá-la recuperando a história dos alunos e
suas representações reconhecidos a apropriação de saberes docentes/ discentes no contexto
da sala de aula como resultado de práticas e saberes sócio-históricos; a direção de esforços
para construir um ensino com pesquisa, em que a capacidade de fazer perguntas é mais
valorizada do que a de dar resposta. Alerta, ainda, para a realidade de que este percurso é
orientado para uma construção de conhecimentos provisórios, fonte principal para a
renovação cientifica.

Um novo posicionamento sócio-político-científico que evidencie as propostas de


integração do saber fazer inerente às atividades de ensino-pesquisa - extensão –
serviços;... uma nova postura do aluno frente a os desafios a serem enfrentados no
campo de trabalho, onde se dá a confrontação entre conhecimentos teóricos adquiridos
no ensino–aprendizagem e o exercício da prática profissional.

Esse percurso permite reafirmar que, através do ensino, se faz a produção do


conhecimento, possibilitando, assim a emergência de outras gerações de profissionais
conscientes, sujeitos da própria história, capaz de resistir aos desafios contemporâneos.
Nessa direção, alguns exercícios podem ser vislumbrados na prática pedagógica,
quando se procura transmitir aos alunos a certeza de que o que está sendo proposto pode ser
questionado, portanto, comprovado ou não através da pesquisa, que no caso do cotidiano
da ação docente, se amplia com o estudo bibliográfico complementar.
Deve-se encorajar professores-alunos para que participem das discussões, elaborem
suas conclusões e busquem soluções originais. Esta compreensão do ato pesquisar na
docência eleva a ação pedagógica para uma dimensão crítica e transformadora do ato de
ensinar-aprender.
Eis alguns anúncios teórico-práticos concretizados via ação docente supervisionada,
em busca da construção de espaços-tempos para discussão do fazer pedagógico crítico e
comprometido com a perspectiva democrática da educação pública.

63
Por conseguinte, deve-se considerar o conhecimento do professor-aluno e sua
dimensão transformadora... não impondo soluções-regra, delineando uma relação de
orientação que promove a autonomia.
O encaminhamento dos trabalhos até aqui relatados anuncia possibilidades de
recriar o fazer-universitário referente às práticas docentes, recuperando o espaço-tempo
coletivos e interdisciplinar, onde linguagem e poder reeditam toda a dimensão da formação-
ação.
Este prisma de análise sugere que os alunos e respectivos professores-orientadores
produzam conhecimentos, fundados numa pedagogia do engajamento, nascida da
investigação de sua prática. Não apenas isso! Indicamos, ainda, que se socialize esse
conhecimento junto à comunidade envolvida para promover a legitimidade, o valor da
investigação. É um ato emancipador que envolve não apenas uma formação teórica, mas,
sobretudo, vontade política, cuja produção acadêmica deve articular a universidade, como
espaço oficial da formação, e a escola, como lócus da ação-reflexão/ transformação, ou
seja: do currículo como uma política de cultura.
Conclui-se dizendo que tudo isso tem que estar articulado a três elementos: a ética, a
profissionalização e a cidadania do professor, objetos permanentes do processo de ação
docente supervisionada. Sem ética, não há consciência da cidadania. Sem nos
preocuparmos com a profissionalização do professor, não faremos a ação docente
supervisionada de qualidade.
Essas perspectivas permitem sonhar com um processo de ação docente
supervisionado, no, qual o cotidiano seja vivenciado de forma dinâmica e dialética; onde
possamos contribuir para que as pessoas sejam seres humanos melhores. Se conseguirmos
esses objetivos, eles serão também profissionais capazes de agir de forma consciente e
comprometida com as demandas educacionais da sociedade.

Referências bibliográficas
ANDRÉ, M. E. D. E Etnografia da prática Escolar. São Paulo: 1998 43-44.
BRANDÃO, M. de L. P. As Práticas de Ensino na Universidade Federal do Ceará (UFC)
no contexto das discussões nacionais. Anais do XIII Endipe, Florianópolis: CED/UFSC,
nº 1 (Série Documentos), maio de 1996.
CUNHA, M. I. da. A pesquisa qualitativa e a didática.
OLIVEIRA, M. R. N. S. (Org) didático: ruptura, compromisso e pesquisa. São Paulo:
Papirus Editora, 1995.
GARCIA, R. L. A professora investigadora e o processo de produção de novos
instrumentos sobre a prática pedagógica. Anais do IX Endipe. São Paulo, Água de
Lindóia1998, 285-302.
GIROUX, H. teoria crítica e resistência em educação, trad. ª M. Biaggio, Petrópolis:
Vozes 1986.
LEFEBRE, H. A vida cotidiana no mundo moderno. São Paulo: Ed. Ática, 1991.
NÓVOA, A Vida de professores. Lisboa: Porto Editora, 1992.
HELLER, A O cotidiano e a história. Trad. Carlos Nelson Coutinho e Leandro Konder
(4ª Ed.) São Paulo: Paz e Terra, 1992.
Projeto Seduc – Universidade Formação de Professore de Nível Médio da Rede
Estadual do ceará. Proposta da Universidade Federal do Ceará (notas preliminares para
um currículo profissional), dez/ 1999(mimeo).
SPINK, M. J. O conhecimento no cotidiano. São Paulo Ed. Brasiliense, 1993. UECE –
Necad – pró-reitoria de Graduação. Documento Básico sobre Didática Supervisionada, 1999. (mimeo).

64
ATIVIDADES PARA REFLEXÃO

1. Compreendendo o texto:
a) nome do autor;
b) nome do texto;
c) outras informações sobre o autor e o texto.

2. Preencha a ficha a seguir:

Conceitos utilizados Autores trabalhados Conclusão e reflexão

65
Uma proposta conceitual e metodológica para
Formação contínua de professore
Maria Socorro Lucena Lima
Selma Garrido Pimenta

Só o homem tem ação, só ele tem objetivo, finalidade... As


Ações resultam de necessidades, naturais ou criadas. Essas
Necessidades: materiais, imateriais, econômicas, sociais,
Culturais, morais, efetivas, e conduzem a agir.
(Milton Santos)

Essa reflexão constitui parte do último capítulo da tese de doutorado intitulada “A


formação contínua do professor nos caminhos e descaminhos do desenvolvimento
profissional”. As experiências vivenciadas, os estudos e as aprendizagens dele decorrentes
me permitiram chegar a uma proposta para formação contínua de professores em duas
dimensões: conceitual, metodológica. Essas questões, embora estejam analisadas
separadamente, se cruzam e formam em sua totalidade indicativos que se propõem a
contribuir para o desenvolvimento da produção teórica no campo da formação contínua.

Uma proposta conceitual para formação contínua


A compreensão de que a formação contínua pode ser entendida como “o processo
de articulação entre trabalho docente, o conhecimento e o desenvolvimento profissional do
professor, como possibilidade de uma postura reflexiva dinamizada pela práxis” (LIMA,
2001:30) remete à necessidade de explicar a natureza da reflexão de que estou falando.
A proposta de professor reflexivo baseada nos estudos de SCHÖN (1992) ofereceu
pista de redimensionamento para a formação de professores, que foi e ainda é muito aceita
no meio educacional. Partindo dos conceitos fundamentais da prática pedagógica, tais como
conhecimento na ação e reflexão na ação e sobre a ação, o autor defende uma epistemologia
da prática e o desenvolvimento de profissionais reflexivos. No entanto, os estudos de
autores como ALARCÃO (1996) e CONTRERAS (1996) fazem uma análise das idéias de
SCHÖN, questionando-as e aprofundando o conceito de professor reflexivo.
ALARCÃO (1996) diz que o homem no final do século precisa reaprender a pensar.
Entretanto, o simples exercício da reflexão não é garantia de salvação dos cursos de
formação de professores, pois a reflexão não é um processo mecânico. Deve ser
compreendida numa perspectiva histórica e de maneira coletiva, a partir da análise e
explicitação dos interesses e valores que possam auxiliar o professor na formação da
identidade profissional; portanto, dentro de um processo permanente, voltado para as
questões do cotidiano, através de sua análise e implicações sócio-econômicas, culturais e
ideológicas.
A concepção de professor reflexivo aqui abordada está em consonância com as
reflexões feitas por CONTRERAS (1996). De acordo com este autor, um profissional que
reflete na ação deverá refletir também sobre a estrutura organizacional, sobre os
pressupostos, valores, e as condições de trabalho docente. Deverá compreender como o
modo de organização e controle do trabalho do professor interfere na prática educativa e na
sua autonomia profissional. Assim, a reflexão não encerra uma concepção concreta sobre si
mesma, nem tem seu uso adaptável a qualquer corrente pedagógica.
A reflexão guarda estreita vinculação com pensamento e ação, nas situações reais e
históricas em que os professores se encontram. Não é uma atividade individual, pois

66
pressupõe relações sociais que servem a interesses humanos, sociais, culturais e políticos e,
dessa forma, não é neutra. Para CONTRERAS (1996), reflexão não é um processo
puramente criativo para a elaboração de idéias; é prática que expressa o poder de
reconstruir a vida social e, sendo vista a partir dos condicionantes que determinam os
contextos sociais dos docentes, exige uma opção. Não se trata apenas de desenvolver a
prática reflexiva, mas compreender a base das relações sócias e de trabalho em que ela se
realiza e a que interesses ela poderá servir. É preciso que a reflexão esteja a serviço da
emancipação e da autonomia profissional do professorado. Diferente do individualismo
competitivo pode ser um processo de democratização da educação, com o objetivo de
construir a autonomia profissional junto com autonomia social.
A reflexão é compreendida como elemento de emancipação, desde que seja um
processo situado e datado, dentro de uma intencionalidade definida. Trata-se de dar um
sentido social à própria prática, mediando-a com o conhecimento, a realidade vivida e
analisando-a criticamente. É uma postura de constante investigação, análise crítica e
questionamento, assumida como atitude de vida e profissão.
O professor como sujeito que não reproduz apenas o conhecimento pode fazer de
seu próprio trabalho de sala de aula um espaço de práxis docente e de transformação
humana. É na ação refletida e no redimensionamento da sua prática que o professor pode
ser agente de mudança na escola e na sociedade. Daí ser o trabalho docente entendido como
práxis, o ponto central dessa proposta que ora apresento.

Uma proposta metodológica para formação contínua


Quando se fala metodologia em sala de aula, a maioria das pessoas pensa em “como
fazer”, em como elaborar e aplicar técnicas de ensino. Compreendo que na metodologia
estão presentes os conceitos, a compreensão do mundo, os valores e a ética profissional do
professor, entendida aqui como o sentido que se dá à profissão. Portanto, trata-se de uma
conduta que relata não apenas o “como fazer”, mas o “todo fazer” pedagógico, que não se
limita apenas ao espaço, à superação de dificuldades na sala de aula e ao desempenho
docente. Uma proposta metodológica para formação contínua precisa dar o salto de
superação dos recursos metodológicos para uma postura metodológica fundamentada em
três pilares: a análise de prática docente, a relação teórica e prática e o trabalho como
categoria principal dessa atividade. Em suma, prática, reflexão teórica e prática refletida,
analisando e contextualizada estariam justificando o conceito de PIMENTA (1994) de que
a atividade docente é práxis.
As narrativas sobre a vida dos professores, seu trabalho, suas dificuldades, dores,
ousadias e resistências no momento histórico em que vivem, as políticas que determinam
profissão estariam compondo esta proposta metodológica de formação contínua. Entram
ainda nessa proposta os relatos sobre os agentes que interferem no fazer docente que podem
ser trabalhados no coletivo da sala de aula. A troca de experiências, estudos de casos,
intercâmbio da universidade com as escolas de ensino fundamental e médio, assim como
outras atividades poderiam estar sendo trabalhados à luz dos conhecimentos pedagógicos,
numa perspectivas histórico-crítica. Tudo isso, no entanto, precisa ser assumido
considerando-se o professor como um intelectual em contínua construção de sua identidade
profissional. A universidade tem uma importância e um papel fundamental no
desenvolvimento profissional desse docente e na construção da sua identidade. É preciso
estar alerta para verificar, até que ponto os cursos guardam a natureza crítico-reflexivo nos
seus pontos de chegada.
Sem prejuízo de outras modalidades e de outras metodologias, a contribuição desse
trabalho para área de formação contínua é mostrar que essa relação direta entre a escola e a

67
universidade pode ser mais um caminho a ser explorado; um caminho que precisa de
ressignificação, teorização e reconhecimento tanto por parte dos intelectuais, quanto pelas
políticas de educação.

Indicativos de conclusão
A formação contínua e desenvolvimento profissional fazem parte da mesma luta
projeto político-pedagógico de escola e de educação, e que sugere algumas reflexões para
aqueles educadores, que trabalham nesta área.

 Qualquer processo de formação contínua deve considerar as condições de vida, de


trabalho e de tempo livre que o professor precisa ter, para o acesso ao
enriquecimento de experiências e bens culturais. O problema consiste em que a
qualificação exigida pelo sistema de ensino é feita em condições precárias e às
custas do trabalhador.
 A formação contínua precisa realizar-se nas condições e possibilidades de acesso
aos espaços formais de conhecimento, nas diferentes modalidades e níveis de
ensino, para o docente, além de ascender profissionalmente, tenha a fundamentação
teórica necessária à reflexão e à análise da realidade, indispensáveis à construção de
sua práxis docente. A contradição está na exigência do certificado que, muitas
vezes, leva os profissionais a adotar uma postura individual, competitiva e cartorial.
Tem que ser negociada numa relação individual + profissional + instituição
escola + universidade.
 A natureza do trabalho docente requer que ele tenha uma permanente e constante
revisão das suas práticas. O professor precisa ser um sujeito que constrói
conhecimento e tem que ser habilitado na capacidade de fazer análise da sua prática,
fundamentado em um referencial teórico que lhe permita, como resultado, a
incessante busca de uma educação de qualidade.
 A formação contínua deve ter a escola como lócus de referência ou ressonância.
Trata-se da análise das práticas com a mediação da teoria, que pode ser feita na
escola ou a partir dela, porque é aí que o professor trabalha e pode realizar o seu
desenvolvimento profissional. Deve fazer parte do Projeto Político-Pedagógico da
escola e refletir, ainda, o entorno da escola, que é o contexto institucional,
organização, histórico e social no qual a ação do docente está inserida.

Em suma, é no trabalho do professor como práxis que está o germe da


transformação e que pode encontrar na formação contínua um espaço desenvolvimento
humano e profissional.
Falar em formação do educador, portanto, é apontar para seu desenvolvimento
profissional a partir de uma concepção de homem que se organiza formal e
sistematicamente, na perspectiva da inteireza e não da fragmentação. A dinâmica de
formação contínua pressupõe um movimento dialético, de criação constante do
conhecimento, do novo, a partir da superação (negação e incorporação) do já conhecido.
Além do mais, ele permite que se leve em conta a vasta gama de experiências que o
professor vivenciou e vivencia historicamente, em seu cotidiano.
No horizonte da utopia, está a formação contínua como a vida do professor a serviço
da emancipação e como mediadora da função crítica, na luta por uma sociedade mais justa.
Oferece essa contribuição ao debate sobre formação contínua concretiza a busca da
inteireza, de ser um eterno aprendiz nas alegrias, dores e ousadias. É um processo de

68
plenitude, de satisfação, de encontro. É uma tal aleluia, como diz Clarice Lispector. A
alegria do pão partilhado. Que este seja um começo de conversa.

___________________________
1 parte da tese de autoria de Maria Socorro Lucena orientada por Selma Garrido Pimenta, defendida em
abril/2001 na Faculdade de educação da USP.

Bibliografia
ALARCÃO, I. Dimensão de Formação. Formação contínua de professores: realidade e
perspectivas. Aveiro-Portugal: Universidade de Aveiro, 1991.
CONTRERAS, J. La autonomía del profesorado. Madrid: Morata, 1996.
FASURI, J. C. Formação contínua de professores: o papel do estado da universidade e do
sindicato.
Encontro Nacional de didática e Prática de Ensino Endipe IX, Anais II. São Paulo:
1998.
LIBÂNEO, J. C. Adeus professor, adeus professora? Novas exigências educacionais e
profissão docente. Coleção Questões da nossa época v. 67. São Paulo: Cortez 1998.
PIMENTA, S. G. (Coord.) Pedagogia ciência da educação? São Paulo: Cortez, 1996.
SCHÖN, D. The reflective practioneer: how professional think in action? New York:
Basic Books, 1983.

69
Atividades Para Reflexão

1. A epígrafe do capítulo “Uma proposta conceitual e metodológica para formação


contínua de professores” é de autoria do professor Milton Santos (pesquisador e
geógrafo, considerado “cidadão do mundo”) que nos convida a refletir sobre a ação.
Relacione esse pensamento com as idéias do texto e a realidade do professor.
2. “Contínuo não é o curso, é o homem”. Interprete essa frase do Professor José Cerchi
Fusari (pedagogo da USP), colocando-o em sua vida profissional.

70
Estágio que se fundamenta no trabalho como princípio educativo:
discutindo a concepção e o papel do professor orientador1

Maria do Socorro Lucena Lima2

Introdução:
Conversar sobre o estágio supervisionado é para mim sempre um motivo de alegria
e crescimento. Em primeiro lugar porque me descubro sempre estagiária dos novos
desafios, das idéias que surgem e da própria vida. Quando me preparava para essa fala
desejei ficar velhinha como aquela avó que conta histórias e seus netos repetem: “vovó,
conta de novo!” E Assim, poder repetir para os novos estagiários e os novos professores as
experiências de estágio e ouvir deles suas vivências.
O tema sugerido, “o estágio”, que tem como fundamento o trabalho como princípio
educativo, vai ser dividido em três momentos de reflexão:
- O trabalho como princípio educativo.
- O estágio que se fundamenta no trabalho como princípio educativo.
- O trabalho do professor orientador do estágio.
Na minha dissertação de mestrado3, defendo o estágio como mediação entre a
formação inicial e a educação continuada. Dessa forma, o estágio supera a dimensão do
“como fazer” para o “todo fazer” pedagógico, tendo o trabalho docente como categoria
fundante.
O trabalho é o fundamento ontológico das diferentes formas de práxis social, a
mediação básica nas relações da totalidade do ser, na busca de uma vida plena de sentido,
como interpreta Lessa (1996:45), quando afirma que o trabalho, pela sua própria essência,
conduz o homem para além do próprio trabalho, pois atende às necessidades sociais que
não mais pertencem diretamente à troca orgânica entre o homem e a natureza. O trabalho é
a expressão do seu criador, o elemento fundamental de realização humana e uma
possibilidade de conquista da felicidade social.
E esse salto para além da produção material seria a relação entre um conhecimento
já existente e outro desconhecido, que passa a ser incorporado ao já existente. Isso perfaz a
totalidade social em que o trabalho se funda. Nesse caso a perspectiva da educação seria
forma um novo homem para uma nova sociedade, com capacidade de entender o sentido da
atividade humana, materializada no trabalho. Jimenez (1977:11).
O trabalho como princípio educativo só pode ser compreendido como elemento de
humanização, promoção e de realização humana e não como produtor de mercadoria, como
explica Jimenez (1998:2):

O trabalho tomado como princípio educativo significa tomar o trabalho como


pressuposto de dever humano, o criador da realidade propriamente humana. Significa
defender uma formação omnilateral, coerente com as possibilidades do
desenvolvimento humano, contrapondo-se a uma formação dentro dos interesses
1
Texto elaborado para a palestra proferida no III Encontro Interinstitucional de Estágio Regular – Novas
Práticas no Cenário das Diretrizes Curriculares, organizado pelas universidades cearenses e realizado em
Fortaleza, em 27 e 28de março de 2003.
2
Doutora em Educação pela USP e professora do Centro de Educação da UECE.
3
O estágio supervisionado como elemento mediador entre formação inicial do professor e a educação
continuada. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Ceará, 1995.

71
unidimensionais do capital. (...) demarca uma clara contra-posição às teses do
neoconservadorismo e do neoliberalismo que definem o mercado como sujeito
regulador.
Compreender o trabalho nessa perspectiva significa negar ao mercado a condição de
princípio regulador da organização e da prática social, a partir da qual a educação está
prioritariamente a serviço do capital.
O Estágio que se fundamenta no trabalho como princípio educativo, não contempla
a prática pela prática, o ativismo pedagógico sem o compromisso com a totalidade, o
coletivo, o projeto dos cursos de formação. Digo da prática docente, pensada, repensada,
comprometida com a transformação e a humanização do homem. Da prática que está
também vinculada ao coletivo de todos os professores que fazem a profissão docente em
um determinado tempo, localidade e tipo de sociedade. Da prática comprometida com o
ensinar e o aprender. Sobre essa questão, Pimenta (1994:105) explica que a “atividade
docente é uma prática social (práxis)”.
A atuação conflituosa – relação entre teoria e prática, o choque cultural entre a
academia e a escola etc. – do estágio no interior dos currículos dos cursos de formação
docente tem sido uma das preocupações das Universidades, que vêm procurando minimizar
os problemas dela decorrente. Ao estágio tem sido reservado, muitas vezes, um plano
secundário e desacreditado, uma atividade menor no conjunto das disciplinas ditas
“teóricas”, devido, principalmente, à complexidade dos problemas que envolvem o curso e
nele se reflete. É necessário, portanto, que o estágio seja pensado por todos os professores e
alunos e compreendido como uma atividade teórica-prática, em constante processo de
ação / reflexão e fonte inspiradora da seleção dos conteúdos das disciplinas de formação do
professor.
O estágio como um dos componentes curriculares do curso de magistério faz parte
do projeto pedagógico, e precisa ser compreendido nesse contexto, acompanhando as
tendências educacionais do seu tempo.
Fazendo uma retrospectiva nas tendências dos estágios supervisionados, de acordo
com Cunha (2003: 30 a 40), década de 60 contemplou a trilogia ver, julgar e agir, nos anos
70 predominou a preocupação com a utilização dos conhecimentos teóricos. Nos 80, a ação
deu lugar a denuncia e na década de 90 a preocupação foi com a melhoria do ensino.
No início deste século, as tendências vigorantes são aquelas que põem o
estágio dentro de um projeto de curso, o estágio-pesquisa, as narrativas sobre histórias de
vida, estudos sobre cultura docente e o estágio desenvolvido dentro de uma pesquisa
colaborativa.
Esse estágio de que estou falando está sendo desenvolvido na Universidade, nos
cursos de formação de professores. É importante fazer uma comparação entre o percurso do
estágio e o da |Universidade, para verificar o contexto em que eles foram desenvolvidos.
Até os anos 60 a Universidade cumpre sua função social de produção de conhecimento,
reflexão e crítica. Na década de 70, a Universidade era funcional, ou seja, de formação de
mão de obra. Nos anos 80, acontecia a Universidade de resultados, em parceria com as
empresas e na década de 90 ela é vista como uma entidade administrativa, voltada para o
mercado e com as seguintes características: reproduzir para não criar, consumir para não
refletir, desenvolver programas rápidos nos quais o conhecimento é reduzido a saberes.
(Chauí, citado por Pimenta e Anastasiou, 2002:167-164).
Para mim o estágio é um espaço de resistência que tem procurado encontrar
mecanismo de análise e de crítica dentro da Universidade.
Ressalto, aqui, o papel do professor orientador de estágio que precisa, cada vez
mais, assumir a postura de pesquisador situando o estágio dentro de um projeto de

72
sociedade, de homem e de curso e capaz de realizar seu trabalho numa perspectiva de
acompanhamento de orientação e de mediação.
Dessa forma o estágio pode ser considerado como um ponto de encontro onde vão
defrontar diferentes experiências e culturais. É preciso que o professor encontre seu lugar e
reconheça sua própria presença nesse espaço. De acordo com Pinto e Fontana (2002:13).

A participação é o primeiro passo na ruptura do não-lugar. (...) Mais do que olhar sobre
a escolar, o fazer na escola que envolve o corpo todo. O trabalho é gesto, é voz, é
movimento, é preparação, é exposição.

É, portanto, o caminho da participação que vai possibilitar o encontro, a troca de


experiências e a compreensão do processo.
O fato de estarmos aqui reunidos conversando sobre estágio é sinal de esperança.
Aparentemente uma questão muito simples: uma disciplina situada no currículo de um
curso de licenciatura, que entre tantas outras e junto aos bacharelados fazem a
Universidade, determinada por uma política educacional de um Estado e de um país do
mundo.
Termino lembrando o livro Tratado geral das grandezas do ínfimo, do poeta
Manoel de Barros
.
Meu fado é o de não saber quase tudo
Sobre o nada eu tenho profundidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim, poderoso é aquele que descobre as insignificâncias
(do mundo e as nossas).

Nosso poder de descobrir nas insignificâncias da nossa prática as grandezas e


possibilidades educativas do estágio e daí partir para buscas de uma formação docente de
qualidade, nos irmaniza e nos une.

Referência:
CUNHA, Luci Ana dos Santos. Formação inicial do professor da educação básica:
contribuição da teoria sobre o professor reflexivo no estágio supervisionado. São Paulo,
2003. dissertação (mestrado) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo.
JIMENEZ, Suzana Vasconcelos. O trabalho como princípio educativo. 1998. (Texto
elaborando a partir de notas para conferência proferida aos bolsistas de estudo e trabalho da
Pró-Reitoria de Extensão da UECE).
LESSA, Sérgio. A antologia de Lukács.Maceió EDUFAL, 1997.
Lima, Maria Socorro Lucena. O estágio Supervisionado como elemento mediador entre
a formação inicial do professor e a educação contínua. Fortaleza, 1995.
Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Educação, Universidade Federal do Ceará.
PIMENTA, Selma Garrido; Anastasiou, Lea das Graças Camargo. Docência no ensino
superior. São Paulo: Cortez, 2002 (Coleção docência em formação).

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Atividades Para Reflexão

1. Faça uma lista de fatos sociais encontrados na mídia, que mostrem as tendências
do mercado como regulador das atividades humanas.
2. Faça uma reflexão sobre as posturas assumidas pelo professor diante dessa
situação.

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Sobre a autoria e colaboradores

Maria Socorro Lucena Lima é professora de Didática e prática de Ensino da


Universidade Estadual do Ceará e doutora em Educação pela Faculdade de Educação da
USP. Pertence ao GT de Educação Continuada do congresso Estadual Paulista sobre
Formação de Educadores.

Zuleide Ferraz Garcia é mestra em Educação e professora de Filosofia da


Educação e Prática de Ensino. Pertence ao GT de Educação Continuada do Congresso
Estadual Paulista sobre Formação de Educadores.

Pérsio Nakamoto é mestre em Educação na Faculdade de Educação da USP.

Meirecele Calíope Leitinho é mestra e doutora em Educação e Currículo


professora de Programa de Pós-Graduação em educação da Universidade Federal do Ceará,
coordenadora técnico-pedagógico da PROGRAD – UECE e Programa Licenciatura Breves
da Universidade Estadual do Ceará.

Patrícia Helena Carvalho Holanda é doutora em Educação, professora-assistente


da Universidade Estadual Vale do Acaraú e aluna do Programa de Doutorado em Educação
da Universidade Federal do ceará.

Maria de Lourdes P. Brandão é doutora em Educação Brasileira e professora


adjunta de Departamento de Teoria e Prática do Ensino da Faculdade de Educação da
Universidade Federal da Ceará, doutora em Educação Brasileira.

Selma Garrido Pimenta é professora-titular na Faculdade de Educação da


Universidade de São Paulo.

O fato de estarmos com o pé no chão da sala de aula, de conviver


com os mesmos problemas, medo, ousadia e desafio, nos une e nos
fortalece. Nossa história pode ser a história de casa professor que teve a
oportunidade de fazer das nossas idéias e dos nossos textos pretexto para
a reflexão.

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