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Em Niterói, no estado do Rio de Janeiro, o bairro Fonseca é popularmente conhecido pelos niteroienses
como “Bronx”. Acredita-se que a apropriação do nome do bairro nova-iorquino – que já foi símbolo da
degradação urbana dos Estados Unidos – deu-se por características sociais, como a criminalidade. O
bairro é uma das regiões mais antigas de Niterói, situado em um vale cortado pelo canal do rio Vicência
e circundado por morros e bairros como Caramujo, Cubango, Viçoso Jardim, Engenhoca, Tenente Jardim
e o município de São Gonçalo. Segundo a Secretaria de Cultura e Fundação de Artes de Niterói, o bairro
possuía vegetação exuberante, com fazendas e chácaras, e sua ocupação ditada pelo crescimento
econômico do Estado, pela necessidade de abrir novas vias de comunicação e por sua localização
geográfica. E, assim – vistas como mais impactantes – foram construídas a Alameda São Boaventura, a
canalização do Rio Vicência e mais tarde a Ponte Rio-Niterói, que juntas coadjuvaram para a obstrução
do canal, gerando para o bairro um crônico problema de enchentes, que aliado ao intenso tráfego de
veículos contribuíram para o movimento migratório para outros bairros.[1] Por conseguinte, o
decorrente processo de degradação – falta de investimento em melhorias urbanas, segurança, educação,
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moradia – reduziu a qualidade de vida no bairro, e, o Fonseca, ao longo dos anos, tornou-se símbolo de
violência e precariedade. Surgindo então uma analogia com o bairro nova-iorquino. Fonseca é o novo
“Bronx”.
Em 2014 é aprovado um projeto de revitalização do Horto do Fonseca – que previa uma nova área de
lazer e cultura – compreendendo, entre outros, o Skate Park Duda Neves e atividades culturais.[6] O
Skate Park foi inaugurado em 2016, e o espaço e o esporte, podem ter fomentado mais o
desenvolvimento do rap como expressão sócio-político-cultural.
“O Bronx tá hostil” é uma cypher – música gravada com 3 ou mais MC’s, podendo ter megaprodução
audiovisual – filmada no Skate Park Duda Neves do Horto Fonseca e realizada em parceria com as
gravadoras Família Bronx e Hostil Records, com produção de Santa Rosa Beats. Os rappers NO Palha,
Weedson Gel, Tigrão Big Tiger, Vulgo Thai, Doisk e Reynier Rato representam a Hostil Records e a Familia
Bronx. Um dos produtores da filmagem – Felipe Seixas – explicou que “a ideia era usar a rebeldia do
skate e a hostilidade do Bronx [...] juntamos duas grandes referências da cultura undergrond numa coisa
só”[7]. O single “Fonsequistão” é do Grupo Alamídia com participação dos rappers Dois K Bronx e Thai, e
produção também da Família Bronx, que é uma analogia ao bairro, o comparando com as guerras no
Afeganistão.
Roberto da Matta, antropólogo niteroiense, definiu cultura como – “[...] um mapa , um receituário, um
código através do qual as pessoas de um dado grupo pensam, classificam, estudam e modificam o
mundo e a si mesmas”[8] – que permite“[...] traduzir melhor a diferença entre nós e os outros e, assim
fazendo, resgatar a nossa humanidade no outro e a do outro em nós mesmos.”[9] E esse foi o código
que encontrei para falar de arte no meu bairro.
– É a rua ao lado da penitenciária, no final tem uma ladeira, o senhor sobe e ao lado direito tem uma vila de
casas. É onde eu moro.
– Não é perigoso?
– Não, é só piscar o farol que o olheiro sabe que é morador.
Era uma vila de casas portuguesas. Família da Dona Margarida. Casas iguais, paredes coladas, cisterna única.
Felicidade maior era quando chegava uma pipa d’agua. A subida que a fazia faltar. Diziam. Seu Evaldo era o
guardião do portão e da bomba. Dona Marilena, Dona Eva e Dona Margarida vigiavam. Ela que implicava com
o barulho dos piques, mais tarde com carinho, só queria conversar. E assim foi. A localização foi definindo os
destinos, entre a Vila Ipiranga e Santo Cristo. Detalhes novos a cada ano. A janela que antes ficava aberta
depois já não podia, nem cortina. A garagem. O varal ao sol. Uma nova porta nos fundos minha mãe pediu. A
anterior se tornou fortaleza. Fechadura. Escada. Chaves. Tranca de madeira. Pois um dia um homem entrou e
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a vila não era mais aquela. Ser do bronx é saber muitas coisas. Uma delas é identificar o que é tiro. Quando
criança, as lembranças foram boas. Na adolescência já não muito. Morador ou não, não importava mais. Vem
uma tristeza, pensar que poderia ter tido outro rumo. Pois era bom, era bonito, era acolhedor.
Até que um dia apareceram 32 cápsulas de fuzil. Ali. Onde era pique, bola, conversa e risada. “Ser” do Fonseca
te deixa diferente. Mas ainda sorrio quando escuto a frase:
– Ah, você é do Bronx!
Sim, eu sou do Bronx.
REFERÊNCIAS
DA MATTA, Roberto. “Você tem cultura?”. In: Explorações. Ensaios de Sociologia Interpretativa. Rio de
Janeiro Rocco, 1986.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário da língua portuguesa. Curitiba. Positivo, 2010.
GOMES, José Carlos da Silva. Arte e Educação: A experiência do Movimento Hip Hop Paulistano. In: “Rap e
educação, Rap é educação”. Org. Elaine Nunes de Andrade. São Paulo: Selo Negro Edições, 1999.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.
MARTINS, Rosana. Hip hop, arte e cultura política: expressões culturais e representações da diáspora
africana. Revista da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS v. 19, n.2 – Jul./Dez. 2013.
ROCHA, Everardo. O que é Etnocentrismo. São Paulo: Editora Braziliense, 1988.
SEEGER, Anthony.” Por que os índios Suya cantam para as suas irmãs? “ In: Arte e sociedade – ensaios de
sociologia da arte”. Org. Gilberto Velho. Rio de Janeiro: Zahar Ed., 1977.
[2] GOMES, José Carlos da Silva. Arte e Educação: A experiência do Movimento Hip Hop Paulistano. In:
“Rap e educação, Rap é educação”. Org. Elaine Nunes de Andrade. São Paulo: Selo Negro Edições, 1999.
p.26.
[4] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário da língua portuguesa. Curitiba. Positivo, 2010.
p.213.
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[5] SEEGER, Anthony.” Por que os índios Suya cantam para as suas irmãs? “ In: Arte e sociedade – ensaios
de sociologia da arte”. Org. Gilberto Velho. Rio de Janeiro: Zahar Ed., 1977. p.39.
[6]http://niteroi.rj.gov.br/index.php?
option=com_content&view=article&id=2298&Itemid=53&hc_location=ufi. Último acesso em: 10 de junho
2019.
[8] DA MATTA, Roberto. “Você tem cultura?”. In: Explorações. Ensaios de Sociologia Interpretativa. Rio de
Janeiro Rocco, 1986. p. 122.
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