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FADE IN:

1. INT. APARTAMENTO. SALA DE ESTAR – DIA

Três mulheres assistem à televisão. Elas estão sentadas na


sala uma em cada cadeira. Na televisão vemos imagens de um
telejornal. Na legenda da imagem “Dia I”, entra a voz off por
na imagem delas e da TV, logo após o áudio ela 1 começa a
falar, todas elas sentadas no sofá ou cadeiras. Plano
sequência.

NARRADORA (V.O.)

Existe a ideia de que no Brasil terremotos não


acontecem. Essa certeza não passa de um mito.
Tremores são registrados praticamente todas as
semanas no território nacional em uma escala menor.
Mas causa um abalo quando as placas tectônicas
entram em confronto, os tremores são sentidos em
todo país em escaladas diferentes.

MONTAGEM cria a sensação de se aproximar da televisão o


máximo possível.

Uma das mulheres desliga a TV. ELA 1 Se levanta e fica de


frente a televisão, duas caixas de papelão são vistas ao lado
dela.

ELA 1

O terremoto aconteceu.

ELA 3

E se não acontecer absolutamente nada?

ELA 2

Ah, tudo bem se não acontecer.

ELA 1

Vai acontecer e vai ser como um som de fogos de


artifício só que muito mais forte e irá balançar a
terra toda.

ELA 2

0
1

Eu estou aqui, pois todos falaram que iria


acontecer. Então, estou aqui esperando acontecer.

(CONT.)

ELA 3 mergulha a bolacha no café.

ELA 3

(Come a bolacha o barulho é ouvido por todas)


Talvez nem seja assim tão forte.

ELA 1

(Olha para a boca dela 3, pausa e fala) Temos que


tirar tudo dos armários. Pode cair sobre as nossas
cabeças.

ELA 3

(Levando a xícara para a cozinha andando


e falando)

Esta casa irá ficar um caos, uma desordem absoluta.


Por que estamos esperando este terremoto acontecer?
Terremotos acontecem, ninguém fica esperando por
eles.

ELA 2

(Permanece sentada na sala)Calma. Vamos


só ficar esperando algo acontecer.

ELA 3

(Na cozinha e meio sussurrando e faz um sinal de


louca com a mão)

Isto é uma fantasia.

2. INTER - APARTAMENTO - SALA - Tarde

(Contin)
2

MONTAGEM Ela 2 está na sala ouvindo rádio encostada na janela


,ela 3 está na sala de frente do espelho dançando e se
olhando. ELA 1 do quarto e entra na sala e aparece com um
objeto que parece ser um capacete nas mãos,o guia está em
japonês.

ELA 1
Bom... nós temos que estar preparadas para o
terremoto, então comprei esses capacetes para cada
uma de nós, também comprei um guia sobre terremoto.
(entrega o capacete a ELA 2)

ELA 3(olhando para o capacete)


Você está de brincadeira, né? Vamos usar capacete
dentro de casa? E até a gente conseguir traduzir
isto o terremoto já aconteceu e vai matar todas
nós. E o guia está em japonês.
Ela 1
Mas tem o google tradutor e a gente traduz.
Ela 2
(Parada em frente a janela na frente algumas caixas de
papelão)
Gente ouvi aqui no rádio, o exército atirou em uma carro
matou um homem com 80 tiros.
Ela 1
Então acho melhor comprar um colete a prova de balas, também.
Para a gente se proteger deste terremoto.

3.INT APARTAMENTO SALA EM FRENTE A JANELA – Tarde


MONTAGEM caixas de papelão com alguns sacos de lixo são
vistos espalhados próximo da janela e ao lado da TV.Quando
todas estão juntas na janela em um plano captar delas falando
mas não mostra a imagem do que tem em frente ao prédio na
janela. No momento em que ela 2 comenta da chuva está
chovendo e tem um leve som de chuva rápida.A câmera ela
acompanha elas, mas permanece na sala mas conseguimos
visualizar um pedaço da cozinha um pedaço do banheiro quando
3

elas falam. no momento do manual a camera não foca tanto no


guia porém conseguimos perceber que é em um idioma diferente.

Ela 2
(Olhando a janela)
Deus, Ele criou tudo tão perfeito.
Ela 1
(Comendo algo vem até a janela)
E se não for Deus e se foi um meteoro que caiu sobre a terra
e “pum”, nasceu o mundo.
Ela 2
Engraçado pensar como cada lugar do mundo e cada pessoa vê o
céu de uma forma. Será que chove em todo lugar do mundo no
mesmo momento em que chove aqui?
(Elas riem. )
Ela 3
(Vem até a janela)
A senhora é engraçada. Eu me perguntava isso, mas quando eu
era criança.
Ela 2
Quando eu era criança, eu achava que o mundo inteiro falava a
mesma língua.
Ela 3
Pelo menos não achou que a terra era plana.
(Elas riem. )
Ela 2
Mas a gente pode ser criança ainda. as pessoas que acham que
porque uma pessoa é mais velha ou quando as pessoas fazem 18
anos, elas têm que ser adultas e lidar com as
responsabilidades da vida e enfim. Eu amo chuva me faz ficar
nostálgica.
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Ela 1
Quando olho a chuva, a única imagem que vejo é a de um
guarda-chuva transparente, que dá para ver todas as gotinhas
caindo. Pra cair as lágrimas que estão dentro da gente e que
nenhum guarda chuva consegue esconder.
Ela 3
( Sai da janela e caminha até a cozinha )
Será que vai esfriar?

Ela 2

Não vai esfriar porque meu pé ele anuncia um dia


antes quando vai esfriar. Ele fica gelado antes

Ela 3

(Aparece com a cabeça na sala)

Nossa, poderia avisar quando a gente ganhar na


mega sena também.

Ela 2

(Falando para ela 1)

Você não acredita em nada?

Ela 1

Não tenho preceito nenhum. Não acredito em


absolutamente nada. Não tenho esperança em
absolutamente nada, absolutamente significa de modo
nenhum e de jeito nenhum. Um amigo meu disse que
quando não sabemos quem é nossa família fica
difícil saber quem nós somos, concordo. Sei que
faço parte de algo enorme, mas não sei qual o nome
dar para isto. Não me vejo fazendo parte disto.
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4.INTER - APARTAMENTO SALA - NOITE

Ela 3

(Volta para a sala Falando o texto tocando suas


guias no pescoço)

Ixi parou! Baixo astral total, tome aqui seu


capacete e vamos ler o manual em japonês, vamos
traduzir aqui o guia sobre terremoto, vamos
conversar, nos abraçar, nos amar. Relaxar, esperar
aqui ó, sentadinhas. Vamos na paz e no amor de
Deus.

Ela 2

(Fala para ela3 e caminha até o banheiro)

Olha tenho nada contra, mas eu acho feio usar esses


trecos. E esse povo fica fazendo macumba para os
outros, ai credo, acho uma pouca vergonha, de
verdade, ficar aí na rua andando com essas roupas
brancas, esses colares com esses dentes.

Montagem de cena na sala ela 3 e ela 1 e ela 2, ela 3 fala


sobre sua mãe camera foca apenas no rosto de ela 3 e em mais
algumas caixas atrás dela. A Camera foca na ela 3 no momento
da fala.

Ela 3

Feio é fazer o que fizeram com a minha mãe. Minha


mãe foi morta com apenas uma facada no coração, a
roupa branca dela ficou machada de sangue. Eu não
sabia o que fazer. Ninguém sabia. Ninguém esperava
que um homem que nem a conhecia iria vir em direção
a ela e iria enfiar uma faca em seu tórax. Eu tinha
8 anos. Era tanto sangue. Eu só chorava. Eu não
consegui fazer absolutamente nada, só ficar ali
parada olhando. Olhando aquela mancha de sangue que
cada vez ficava maior e maior. Foi muito mais
difícil crescer sem mãe. Não ter uma mulher ao seu
lado para conversar e orientar nos momentos
difíceis, mas o que me dói mais é que essas pessoas
nem sabem que ela existiu. Ninguém sabe quem ela
foi. Eu sei, mas não convivi, às vezes quando penso
nela, penso o que ela 12 falaria pra mim, por
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exemplo, quando eu abrisse a porta sabe, se ela


iria sorrir ou como seria o Oi dela ou o Boa noite.
A minha mãe foi morta só por estar dentro de um
terreiro.

MONTAGEM camera capta a sala toda e elas juntas

Ela 2

Qual o problema das pessoas? Será que sempre foi


assim? Não dá vontade de viver em um mundo em que
as pessoas acham que podem cometer atrocidades em
nome de Deus.

Ela 3

Existir é uma escolha. Lutar contra as injustiças


é um dever.

Ela 1

O problema é que conforme as coisas foram


acontecendo a gente achou que a gente tinha
direitos como cidadão, que as pessoas estavam
conformadas, mesmo com muita luta a gente estava
conseguindo ter direito e que as pessoas estavam se
acostumando a entender isso: que o pobre, o preto,
o gay, que nós estávamos conquistando nosso espaço.
Mas, não, na verdade, nunca ocupamos, só parecia
que sim.

Ela 2

Você está falando de política ou de sobrevivência?

Ela 1

Política é sobrevivência e pela sobrevivência vale


tudo.

3 INT. APARTAMENTO. SALA DE ESTAR

MONTAGEM Em cena aparece escrito 1 semana, a câmera foca em


uma quantidade excessiva de caixas, restos de embalagens em
cima da mesa. Na cadeira na sala ela 1 e ela 3 no banheiro
olhando para o espelho
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3.INT APARTAMENTO NA SALA – tarde/noite

Ela 3

(saindo do banheiro)

Olha aí, não sai do celular. (Indireta para Ela 1)

Oi, tudo bem? Estamos aqui conversando, dá para você falar e


olhar para a gente. Vai lavar umas roupas, a pia está cheia
de louça, fica aí só no celular...

Ela 2

Oxi, deixa a menina! Larga de ser implicante. No meu tempo


não era como hoje. A gente olhava as pessoas nos olhos! Hoje
o celular faz isso com a cabeça dos jovens (faz com as mãos
aquele símbolo de loucos) No meu tempo tínhamos que ir atrás
das coisas, hoje de alguma forma vocês tem tudo.

Ela 1

A internet não funciona há dias. A nossa geração vive um


momento difícil, queremos tudo na hora, mas sabemos que
temos que correr atrás, mesmo que tenhamos que nos
sacrificar, inclusive uns aos outros.

Ela 3

Que momento difícil? Vocês têm tudo! Informação de sobra,


pega onde e como quiser, tem cursos gratuitos, faculdade de
graça, podem escolher o que querem ser, só não estuda hoje em
dia quem não quer, é só ir atrás.

Ela 1

Vocês acham que só o tempo e a época de vocês eram difíceis.


A minha também é, vocês jogam um peso em cima das pessoas,
desumano, acham que temos a obrigação de conseguir o que
vocês não conseguiram. Acha que é fácil porque “nascemos” no
mundo digital. Não. A competição é gigantesca. Tem muita
gente boa no mercado. Eu vim para cá para estudar. E
trabalhar. Vocês sabem quantas pessoas são formadas nesta
cidade? Muitas, muitas mesmo e faculdade não significada nada
aqui. Não fala o que você não sabe.
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MONTAGEM Se passam mais alguns dias, há pilha de lixo e de


resto 15 de comida pelo chão e mais caixas de papelão pela
casa, na sala somente Ela 1 e ela 2, ela 2 olhando para a
janela.

Ela 2

Eu acho lindíssimo este prédio ( faz um gesto com a mão) se


eu pudesse eu moraria ali.

Ela 1

Qual prédio? ( aponta com o dedo) o da frente?

Ela 3

(Sai do banheiro com a escova de cabelo na mão) você sabe


quanto custa um apartamento neste prédio? É mais de 1 milhão
e meio de reais. Só rico mora ali não é para o nosso bico
não.(caminha até a cozinha)

Ela 2

Estamos olhando uma verdadeira obra de arte. Somente uma obra


de arte custa isto. Até moradia agora é para ser admirada.

Ela 3

(Vai até a sala) Gente, cadê o pedaço de bolo que guardei


aqui?

Ela 1

Comi há alguns dias.

Ela 3

Você não consegue pensar em ninguém, né? Só pensa em você.

Ela 1

Estava aí há alguns dias, eu achei que você nem queria mais.

Ela 3

Claro que eu queria, só guardei para comer depois.


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Ela 1

(Se levanta da cadeira e fica de frente a ela 3)Depois mesmo.


Bem depois, afinal de contas se passou uma semana.

Ela 2

(Se levanta da cadeira) Calma meninas, eu faço outro bolo.

Ela 3

Eu como na hora que me dá vontade e não na hora que você


quer. Não dá, acabaram os ingredientes e não temos como
descer para comprar, não podemos sair de casa

Ela 2

Em algum momento vamos ter que sair, está acabando tudo e


temos que descer o lixo que está começando a dar mau cheiro.
(Dizendo para ela 1)

Ela 3

Vamos ficar aqui até quando? Não podemos sair. Eu quero o meu
pedaço de bolo aqui e agora.

Ela 1 –

Até alguma coisa acontecer.

MONTAGEM a tensão entre ela1 e ela 3 está altíssima

Ela 3

Que coisa? Não está acontecendo nada. Na verdade, está


acontecendo que essa palhaçada está boa para terminar.

Ela 2

(Sobe em cima da cadeira) Ok, vamos respirar e se


acalmar.Todas queremos sair de casa.

Ela 1

A culpa não é minha que está acontecendo um terremoto no


mundo inteiro.
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Ela 3

E a culpa não é minha se você é uma garota mimada.

Ela 1 quê?

Ela 3

Mimada, chata, mesquinha, metida a depressiva, cheia de


mimimi

MONTAGEM tensão no limite maximo, uma visão maior do lixo


acomulado na sala fica maior.

Ela 1

(Pega uma caixa e começa a rasgar) Você está brava, porque


comi um bolo que 17 estava a mais de uma semana jogado pela
casa?

Ela 2

CHEGA !!

Ela 3

(Puxa a caixa da mão da ela1) Sim e aquele bolo lembra o da


minha mãe, estou brigando também porque eu não aguento mais
ficar aqui nesta casa com duas loucas.

Ela 3

Eu vou embora desta casa

Ela 1

Então vai embora. Por que você não vai? Vai lá, abre a porta
e sai. A gente não ouve vizinhos andando e nem falando no
prédio há dias.

Ela 3

É fácil para você. Só fica reclamando, fingindo.

Ela 1

Eu não finjo, eu não preciso fingir.


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Ela 2

(Dá cozinha com um rolo de bolo começa a socar alguma coisa


muito forte)

4 INT. APARTAMENTO. SALA DE ESTAR/ COZINHA – TARDE/NOITE

MONTAGEM ela 1 e ela 3 vão até a cozinha

Ela 2

Chega. Caralho, Chega. Vocês não percebem? Estamos cansadas


exaustas. Eu não aluguei a minha casa para viver um inferno
desse novamente não. Eu vivi isto durante anos, brigas coisas
quebradas pela casa. Meu ex marido me chamava de louro o
tempo todo.

Ela 1

O seu marido. Nos somos mulheres tudo bem chamarmos umas as


outras de loucas de vez em quando.

Ela 3

Cadê ele? Cadê seu ex marido.

Ela 2
(Caminha em direcação a sala) Morto .

Ela 3
E seu filho?
Ela 2
Morto. Foi morto. O matarão. Filho de peixe peixinho é.
Ela 3
Quem matou ele e porquê?
Ela 2
Não (pausa) Sim ( Faz um sinal de dúvida) , foi um policial.
Ele estava em um baile funk com os amigos dele e pegou a moto
de um amigo e foi dar uma volta, dai a polícia o viu, mandou
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ele parar e deram 13 tiros no rosto dele. Ele foi velado de


caixão fechado.
Ela 1
Quem avisou que ele tinha morrido?
Ela 2
Uma vizinha, a do 420. O filho dela também estava no baile,
ele viu tudo. Quando cheguei os policiais estavam rindo,
dizendo que ele era um bandido e que deram pouco tiro, porque
bandido bom é bandido morto.
Ela 1
Por que a senhora não foi na corregedoria denunciar?
Ela 2
Você já viu pobre e esposa de um usuario de droga, cujo quem
a policia matou e ser mãe de um filho que foi morto em uma
perseguição, que era usado como aviãozinho dos caras, ter
razão? Eu sei que ele não era um santo, mas ele fazia tudo
para mim, tudo sem nem precisar pedir. A dor que eu sinto não
é por ele ter morrido, mas foi por ele ter morrido na mão de
um policial que não teve a menor compaixão. Treze tiros não é
para matar. é para exterminar. Ele não tinha ninguém para
fazer uma oração, uma prece, eu não pude ver o rosto do meu
filho porque tiraram até o direito dele ter um rosto, uma
identidade, ele só não foi enterrado como indigente porque me
avisaram e eu fui lá, eu fiquei lá até o IML chegar, abraçada
com meu filho, ao lado dele. Meu filho tinha onze anos. Era
uma criança. E eu uma irresponsável Por não ter cuidado.
MONTAGEM um silencio absluto e elas começam a limpar ás
caixas que foram rasgadas
Ela 3
como você consegue não sentir ódio deles, raiva, sei lá,
qualquer sentimento que seja ?
Ela 2
Vocês são novas ainda, não adianta nada ter a raiva ou o ódio
como fio condutor. Eu prefiro deixar tudo nas mãos de Deus,
ele sabe o que é melhor.
Ela 3 –
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Até parece... na minha terra a gente resolve isto de outro


jeito. Lá é assim você matou uma pessoa, a pessoa da outra
família vai lá e se vinga e assim vai... até que fique uma
família vencedora. Mas vivo, aquele que matou primeiro não
fica.
MONTAGEM Filma a sala toda mostrando a dimensão da sujeira,
do lixo na tela uma frase “ 1 mês”, no meio da sena ela 2
segura uma larva na mão.
Voz off ela 2
Às vezes, surgem uns sentimentos estranhos que não sabemos de
onde vêm. Só sabemos que eles chegam aqui do nada e parece
que vão dominando todos os cantos da nossa alma, vão se
apoderando, construindo teias e o sentimento de vazio e
desesperança vão domindo tudo a nossa volta, como ás larvas
eles nascem no lixo

Ela 1
a gente tinha que fazer alguma coisa, chega de impunidade! A
gente está cansado.
5 INT. APARTAMENTO. SALA DE ESTAR

MONTAGEM todas riem da fala da ela 1 .


Ela 2
Vou ver se dá para fazer outro bolo com o que temos. ( Vai em
direção a cozinha, quando ouve e decide voltar para a sala)

Ela 2

Há lixo e vermes pela casa inteira, está um caos absoluto

Ela 3

Estou há alguns dias pensando, acho que vou embora. Não dá


mais para eu continuar aqui.

Ela 2

Por quê? Lá fora é perigoso.


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Ela 3

Olha essa casa! Já tem bicho por todos os lados, faz semanas
que não tomamos banho, só podemos tomar 3 copos de água por
dia para economizar, 18 ninguém desce o lixo há pelo menos um
mês. A gente quase não anda na sala, nem sala temos mais uma
sala.

Ela 1

- Não podemos sair estamos esperando o terremoto chegar.

Ela 2

(Olhando para ela 1 )Talvez só você esteja esperando o


terremoto chegar.

Ela 1 - Talvez este terremoto seja diferente dos outros.

Ela 3

Não faz sentindo continuarmos aqui esperando um terremoto em


um prédio. Dentro de um apartamento em um prédio! Não ouvimos
nenhum vizinho há dias. Um terremoto vai fazer o prédio cair
e vai matar todos nós. Parece que só nós estamos aqui
esperando este terremoto acontecer.

Ela 1 - Talvez este terremoto seja diferente dos outros.

Ela 3 - Terremotos são todos iguais. A terra balança por


conta das placas tectônicas e pum! As coisas caem. Até agora
não caiu nada. Na verdade, caiu a minha paciência.

Ela 1 –

É diferente porque estamos nele.

Ela 3

Eu vivo este terremoto a anos, já estou nele, Todos os dias


algo estremece dentro e fora. Olha para mim? Você acha que é
facil ser eu? Ser um homem homossexual dentro de uma
sociedade como a nossa? Machista, preconceituoso, Saio todos
os dias e não sei se volto; nao sei se um dia terei uma
familia se terei o direito. Tiram sempre o meu direito de ser
quem eu sou.
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6 INT. APARTAMENTO. SALA DE ESTAR

MONTAGEM Ela 2 Alguém tenta sintonizar o rádio e a televisão,


por algumas vezes conseguem, mas sai do ar rapidamente.

Ela 2

Eu ouvi no rádio alguma coisa sobre terem descoberto quem


matou uma mulher no RJ.

Ela 3

Descobriram quem matou ela?

Ela 1

O que mais a senhora ouviu? Eu falei que está acontecendo.


Agora realmente está acontecendo

MONTAGEM ouve se fogos de artificio muito alto, ás pessoas


gritam nos prédios, parece final de copo do mundo.

Ela 2

Não sei. Foi rápido, dá interferência não fica sintonizado.


Prenderam os assassinos e não quem mandou matar.

Ela 3 - Quem manda matar nunca aparece. E nem vai, é coisa de


peixe grande.

Ela 1

A senhora tem medo do quê?

Ela 2

Como assim? O que isto tem a ver com o rádio?

Ela 3

Parece que a senhora tem medo de algo, parece querer que a


gente fique aqui.

MONTAGEM Talvez a gente só tome uma atitude quando a gente


estiver no limite. Todas ouvem tiros e fogos de artificio e
há uma mistura dos dois, parece que alguém ganhou algum jogo.
Há comemorações, mas há um vazio, uma tristeza profunda
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instaurada no ar, como uma sensação de fim do mundo, algo


antigo que está acabando para algo novo se anunciar. Elas
estão olhando através do vidro sujo e embaçado da janela.
Ela 2 entra no banheiro e tranca a porta

Ela 1

Ela tem medo de ficar só. (Pega um café para ela e para ela
3)

Ela 3

Cada um lida de um jeito .

Ela 2

Você já sentiu medo? E o medo foi tanto que você se achou


pequena e parece que ele iria engolir você? Sua respiração
parece não caber dentro do seu pulmão e sua espinha arrepia
inteira, vem uma sensação de frio, você não sabe o que fazer,
fica completamente perdida.

Ela 3

Você está ficando aqui por causa dela? Está se sacrificando


por ela por quê?

Ela 1

Não sei, talvez ela esteja se sacrificando por mim. Não vejo
como sacrifício.

Ela 3

(Coloca uma música no rádio )

Ela 1

( coloca a musica mais alta ainda)

Ela 3

(Pega um saco de lixo e começa a tentar arrumar a casa)

Ela 1

(Tenta tirar o saco da mão dela)


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Ela 3

(continua recolhendo o lixo)

Ela 1

( pega o lixo da mao dela)

Ela 3

(pega o lixo de volta)

Ela 1

Para!

MONTAGEM (Enquanto uma coloca, a outra tira ás coisas de


dentro do saco, ficam neste jogo por um tempo) Ela 1 e ela 2
pega cada o saco de lixo de um lado e estouram o saco Elas
gritam tão alto, que suas veias quase saltam de seus pescoços
Param, se olham e cada uma vai para uma direção dentro do
apartamento

Ela 3

Você não vê? (Falando para Ela 2) Ela quer nos manter aqui,
você dando corda para você que terremotos existem, que é
melhor ficar aqui presa, sabendo que lá fora é onde acontece
os verdadeiros terremotos, onde todos os dias pessoas morrem
e eles tem que continuar lutando pela sobrevivência, pelo pão
de cada dia e nós estamos lutando pelo quê? A vida sem luta
não significa nada, ela é sem sentido, vazia e eu estou
cansada, cansada real de ficar aqui, parece que estou
carregando trinta sacos de areia nas minhas costas! Eu tentei
ficar nesta fantasia de terremoto com vocês, mas não dá,
simplesmente não dá! É desumano quando olho vocês nesta
situação pelo simples fato de ter medo, medo de tentar
descobrir coisas novas, me dá raiva, ódio, ódio de mim, eu
queria fazer algo por vocês, mas não posso. E sinto um vazio
e me sinto egoísta quando penso.

7 INT. APARTAMENTO.BANHEIRO

MONTAGEM a cena corta para a ela 2 tomando banho, ela 2 vê


uma sombra e alguém abrindo a porta, parece ser um homem, a
respiração de ela 2 fica tensa e ofegante, alguém abre a
porta de uma vez.
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Ela 1

Ela foi embora e não levou nada, ela está só com a roupa do
corpo, queria ter esta coragem, as minhas vontades são
sufocadas o tempo todo, na minha cabeça eu saio correndo com
uma roupa leve como seda e eu danço na rua sozinha, apenas
com o som de um piano e nesta dança eu me liberto e deixo
para trás tudo que eu sou hoje e depois disso eu poderei
encarar quem eu sou agora.

8.INT. APARTAMENTO. SALA DE ESTAR

MONTAGEM ela 2 pega a toalha e vai até a janela para ver se


encontra ela 3. Olha para ela 1 e a abraça

Ela 2

(Olhando para ela 1) Eu lembro quando você chegou aqui, tinha


tantos sonhos, eu achava lindo ver uma menina de 19 anos
saindo do interior, mas com tanta força, com um vigor que
dava inveja. Depois de um tempo eu não te reconhecia mais,
parece que você se perdeu.

Ela 1

Eu cansei de correr atrás. Então, agora eu só me sento,


espero e vejo os dias passarem. Quando saí da casa da minha
mãe, eu tinha medo de casar e ter filhos e ser infeliz. Agora
estou em uma cidade grande com medo de ter perdido tempo e
de ter uma falsa esperança pelas coisas, medo de ter lutado
com este vigor que você diz que eu tinha e no fundo ele foi
ilusório, pois eu posso nunca ter conquistado nada e esse
tempo todo que eu corri atrás foi uma mentira. Então penso:
melhor morrer antes. Parece que quanto mais corro atrás mais
este algo escapa pelas minhas mãos, eu estudo e falo com as
pessoas, mas elas se escondem mas elas não escutam o que
falo. O apartamento está um caos, elas estão sujas, sem água,
sem comida, elas estão em silencio absoluto há pelo menos
três dias. Há resto de comidas pelo chão, as duas estão
sentadas no meio do lixo e dos móveis

Ela 2

Ei, você está ai?

MONTAGEM ela 1 Em silêncio caminha até o quarto dela. Olha


para ela 2 ouve o que ela tem a dizer.
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Ela 2

Esta noite sonhei com borboletas. Sonhei que a éramos dois


casulos e depois de uma longa tempestade a gente saia dos
casulos e nos tornávamos duas borboletas e nós estávamos
voando no meio das nuvens, as nuvens eram feitas de algodão
doce, era um rosinha claro misturado com um azul bebê
clarinhooo.

Ela 1

estiveram em um ambiente em que as paredes parecem falar? Em


que todos estão calados, mas que tem um peso nas coisas, na
respiração como de alguém que quisesse sair por essas paredes
e se comunicar? Há uma voz tentando falar, mas ninguém
consegue traduzir ou falar, é um vazio misturado com angústia
e medo.

Ela 2

O sentimento de medo (Falando para ela 1) O sentimento de


medo prepara o corpo para duas reações, confronto ou fuga.

Ela 1

O seu corpo diz o que?

Ela 2

A Fuga. Fugir. Nós podemos fugir para qualquer lugar.

Ela 1

Então por que você não foge?

Ela 2

Aqui já é meu lugar de fuga, esta casa, este quarto, as


minhas lembranças. E sabe o que é bom para se curar de dias
ruins? Um cházinho de mel, laranja para dar um quentinho na
barriga, senta aqui e espera

MONTAGEM ela 2 cobre ela 1 coloca a sentada na cadeira ou


sofá e vai para a cozinha preparar um chá

Ela 1
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Estou sentada apenas esperando. Como fiz durante toda a minha


vida. Esperando algo acontecer. Tentando criar fantasias para
assim os dias e as horas se passarem logo. Esperando ter
coragem. Eu não tenho uma tragédia pessoal. E mesmo assim
parece que não superei um monte de coisas que aconteceram na
minha vida. E ainda eu sinto um vazio enorme e um medo que
parece que vai me consumir. Medo de ir tentando tanto e que
minhas fantasias, as fantasias da minha cabeça serem maiores
que as coisas que eu fiz, que eu dei mais ouvidos para elas
do que para o meu coração. Parece que onde eu entro eu acabo,
eu destruo com tudo. Eu levo todos para o buraco. Eu não
quero ser vítima, eu não sou vítima. Eu tento ser uma
sobrevivente, mas o vazio, ele vem e ele vem com tudo, ele
vai entrando e destruindo todas as lembranças boas. Eu não
sou realizada em nada na minha vida, nem na minha vida
profissional e nem na minha vida sentimental. Eu não consigo
controlar os meus pensamentos, eles vêm em um fluxo intenso e
eu caio num buraco que fica cada vez maior e mais profundo,
com larvas comendo tudo em volta. Me sinto um lixo, um verme.
Eu queria morrer, ir embora, me afogar em um rio profundo.
Mas a morte não chega para pessoas como eu.

MONTAGEM entrega o chá para ela 1, e ela 1 permanece na sala,


ela 2 entra no quarto.

Ela 2

Você não vem dormir?

Ela 1

Não.

Ela 2

Vai esperar o terremoto?

Ela 1

Hoje ele chega. O mito se torna verdade.

8 INT. APARTAMENTO. SALA DE ESTAR


21

MONTAGEM ela 3 volta, na porta retira o sapato, passa alcool


em gel tira a mascara do rosto e coloca em um saquinho, passa
alcool em gel nas maõs e entra na casa

9 INT. APARTAMENTO.COZINHA – DIA

Ela 3

(Entra olha a casa e vai até a cozinha ) Posso tomar um gole.

Ela 2

(Apenas sorri e entrega um xicara para ela 3)

Ela 3

Precisamos limpar esta casa, ela está uma bagunça.

Ela 2

Você conseguiu voltar para o seu trabalho?

Ela 3

Sim. Falei que estava resolvendo problemas familiares e eles


entenderam. Ela já aceitou que estamos começando 2019 em um
momento difícil e que vai durar até final de 2022.

Ela 2

Acho que não. Ela ainda espera um terremoto.

Ela 3

Cadê ela?

Ela 2

No quarto, trancada.

MONTAGEM caminham em direção a sala

Ela 3

Então tudo normal por aqui.


22

Ela 2

Você não sentiu nada com este terremoto?

Ela 3

Senti. E muito mais eu, nós temos que seguir firme. Não
adianta ficar desesperadas, talvez isto serviu para a gente
amadurecer como ser humano. A gente precisava disso.

Ela 2

Você ficou com medo quando saiu daqui?

Ela 3

Fiquei. Mas as pessoas estão normais, seguindo suas vidas,


indo trabalhar, conversando. Rindo.

Ela 2

As pessoas conseguem rir?

Ela 3

Conseguem. E muito. Ninguém tem tempo para ficar esperando


nada. A gente tem que se levantar e erguer a cabeça.

Ela 2

Pelo menos essa vergonha a gente não passou. (elas riem)

10.INT. APARTAMENTO. SALA DE ESTAR

MONTAGEM Ouvem um estrondo de algo estremecendo o chão, Ela 2


e Ela 3 olham pela janela e veem, lá embaixo, um corpo
estendido no chão. As duas ficam em silêncio.Ela olham pela
janela vê um corpo se olham com um olhar desesperado, na tela
6 meses se passaram, ela 2 e ela 3 na sala sentada em frente
a tv. Como no começo só que sem ela 1.

Ela 2

Me sinto culpada. Não sei o que pensar, porque eu não


percebi, não fiz nada. Dei voz as fantasias dela.

Ela 3
23

Me sinto culpada também. É um tremor dentro da gente, um


choque. Você não espera. Quando alguém se vai assim a gente
volta a vida como?

Ela 2

A gente só sente os terremotos quando acontecem com a gente.


Quando eles atingem a gente.O Mundo está acabando e ela não
teve tempo de virar borboleta. O Mito se torna verdade.

MONTAGEM Ela 2 e Ela 3 junta o lixo, descem o lixo, levantam


os móveis, arrumam os armários, limpam a casa.

(Voz off na voz de ela 2 e ela 3)

O mito nunca acontece na vida real. E quando acontece se


torna uma metáfora. /E metáfora é apenas história. E
histórias servem para serem contadas. Para que nada do que
aconteceu, nada, se repita novamente.

MONTAGEM termina com as duas deixando a sala arrumada, a


camera corta para a janela, com o drone sobrevoando são
paulo, mostrando como a pandemia atinge cenas do metro, ruas,
bairros com uma música até que na tela escrito FIM

CRÉDITOS FINAIS

FADE OUT / FIM.

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