Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
(a SHORT film)
Screenplay by
Mikael Simões
Story by
Eduardo Alberton and Ryan Ribeiro
21 de fevereiro,
2021.
“Battle not with monsters,
lest ye become a monster,
and if you gaze into the abyss,
the abyss gaze also into you.”
— Friedrich Nietzsche
INT./EXT. ??? - NOITE
O barulho de um microfone fora de sincronia vai se iniciando baixo e aos poucos aumentando
até um nível insuportável. O conteúdo é um aglomerado de situações desconexas, recheado
pelas cenas das fitas fora de contexto e entrecortadas com elas próprias junto ao som. Dessa
forma, com a música e a cena sincronizada, mas destoante, se tornam uma exquisitez. Quando
a música vai chegar ao seu ápice, ao grito do vocalista, temos um corte abrupto. Não ouvimos
o grito.
TRANSIÇÃO PARA
Não estamos vendo nada, o personagem está com sua mão na frente da câmera. Ele está
conferindo se está realmente gravando e, assim que o confirma, a gravação gira ao seu rosto e
finalmente vemos — mais para menos do que para mais — com quem estamos nos
relacionando indiretamente senão pelas fitas.
A filmagem por inteiro se é vista como se fosse amadora, ela irá para seus pés, para seu
caminho, para transeuntes nas ruas e por ai vai. Nós somos seus olhos a partir de agora.
Entre esses cortes de caminhadas e rostos que nunca mais veremos há outras cenas
intervindas, lentamente, ao meio dessas.
Ele ousa falar algo a mais e espera, interrompido por si mesmo. Por algum motivo. Talvez tenha
se sentido um tremendo idiota, talvez alguém tenha entrado no quarto. Talvez.
O posicionamento dessa outra gravação é inclinado, por isso não conseguimos ver muita coisa.
Há um espelho em nossa frente, mas mesmo assim não conseguimos ver o rosto daquele que
está lá, apenas suas mãos que se erguem como se tivessem levantando água de um riacho,
porém, diferente de água. Vemos suas mãos sujas de vermelho. Sangue. A mão se ergue
lentamente.
Respiro. Não sabemos quem.
As variações de cenas param e fixam apenas na gravação do cemitério.
Enquanto caminha ele (a) encontra uma bolsa com agenda e alguns livros religiosos, a bíblia
inclusa. Entre as folhas da agenda há duas fitas de funções diferentes. Escondido entre os livros
há um gravador, perdido. Enquanto se olha, a música está se encerrando.
Entrecortes com a chegada e, vemos a cena da volta como se fizesse parte de uma sequência
inicial. A bolsa está na parte de trás do carro que nosso protagonista está usando como forma
de locomoção.
LETHARGY OF PHOBOS
(para mantermos o vídeo com cores padronizadas, os vídeos das fitas vão ser preto e branco
enquanto as gravações do telespectador coloridas.)
(o vídeo inteiro será com aspect ratio para manter uma identidade de fita vhs gravada nas
antiguidades do audiovisual, talvez com poucas exceções em relação as cenas que se passam
na casa.)
FADE-IN
FORA DE CENA havia aparecido o barulho d’um objeto pesado sendo posto no chão.
Somos espectadores de um filme de 1911. Estamos vendo a cena de dança do filme L’Infern.
Começamos a desaproximar e percebemos que, diferente do comum, essa cena está passando
na televisão. Nós estamos vendo-a do lado de fora. Nós somos a terceira visão. Porém nada
vemos ao redor das bordas, afinal está tudo escuro.
Um braço se ergue em meio a televisão e a escuridão que cerca a sala. Na sua mão há o
controle remoto, apenas aguardando o momento certo para tirar do filme.
Se aperta o botão do controle e a TV desliga. Estamos no escuro. Viveremos bastante por aqui.
A TV liga novamente e conseguimos ouvir a fita ser inserida. Ao mesmo tempo, o trago de um
cigarro. Apenas o ruído, o que se dá para escutar. Se fecha o caderno.
Ouvimos três vozes em cada lado do ouvido. A primeira é suave enquanto a segunda é gritante
e agressiva, a terceira tem seu próprio tom e é a única que intermedia, mesmo que
imperceptivelmente, entre a esquerda e à direita dos sons. A terceira voz é como um sussurro,
escutamos mas entendemos muito pouco sobre o que fala.
ALESS ALESS
Não é culpa dele, você sabe disso. Ele não Isn’t he’s fault, you know it. He cannot
pode viver à sua misericórdia.. Ele é vivido. live at your… Our mercy. He’s lively.
VOZ #2 VOICE #2
Eu não ligo para o que ele pode ou não I don’t give a shit what he can or not
pode fazer. Se eu digo sim, ele tem que to do. If I say yes, he has to say yes.
dizer sim.
BRAM BRAM
Eu sinto sua voz entre cada nota que toco. I feel your voice between every note I
Por favor, me perdoe, eu não queria--- play. Please, forgive me. I didn’t---
Eu não quero pecar novamente. I don’t want to sin again. No more.
Nunca mais.
VOZ #2 VOICE #2
Toda noite ele me faz querer enforcá-lo -- Every night he makes me want to
esse bastardo, com seu travesseiro! fuckin’ hang him-- this bastard, with
his own pillow!
CORTE
FADE-IN
Estamos vendo uma cena desfocada que, num tempo de dois ou três segundos, vai tendo seu
foco recomposto. As cenas em questão são um tanto quanto acolhedoras e pacíficas, diferentes
do que veremos ao decorrer. O som ambiente é essencial.
(FAIXA: IT’S OVER AGAIN)
A sequência de filmagens gravadas por uma super 8 de paisagens e crianças brincando.
Conforme a música for seguindo iremos vendo essas imagens apaziguadoras ficando cada vez
mais escassas e sendo substituídas por imagens de agressões e animais mortos.
Como última parte dessa sequência, temos em frente a câmera um desenho feito, claramente,
por uma criança. Nele, vemos três figuras: uma que aparenta ser uma mulher, com um x onde
deveriam ser seus olhos, indicando sua morte, outra, dessa vez com traços mais grossos e
totalmente preta, sem rosto. Ao lado, o que parece ser uma criança.
Como as outras filmagens, essa aqui também parece ser de gravações pessoais de uma família
qualquer. Enquanto a pessoa que segura a câmera se desaproxima do desenho, como se
estivéssemos em um curto plano sequência, uma mão infantil destrói o desenho e a câmera
abaixa no exato instante, como um susto. Não vemos o rosto da criança.
FADE-OUT
O som, abafado pelo zumbido anteriormente, começa a reaparecer enquanto mais distorcido.
A risada da garota no vídeo em questão se torna algo irreconhecível.
CORTE
O som de um projetor de filmes super oito acompanha até o final, onde a garota cai ao chão e
a mão se aproxima dela.
O som cessa.
CORTE
CENA DOIS
Estamos percorrendo pelos corredores escuros de uma casa, vultos emergem dos pequenos
pontos de luz e desaparecem antes que pudéssemos ter uma imagem clara do que eles são.
A música vai ficando mais acelerada. No minuto 01:04 ela para de ser tocada na rádio e passa a
ser tocada diretamente a nós como se, de alguma forma, estivesse em nossas cabeças junto
aos gritos da mulher sendo exorcizada. A movimentação da câmera torna-se mais dinâmica e
tremida, acompanhando o ritmo da música.
CORTE
Play.
Ele ri, naturalmente. Nada exagerado, apenas irônico. Ouvimos afinar o violão. Ele tosse e
enfim começa.
O click do gravador para parar e outro click para dar play. Os cortes nas falas, sem resposta para
a possível pessoa com quem Bram/Charles está conversando é intencional.
Quando o novo play se dá, ouvimos-lo tocar piano por algum tempo. DRAKULYA. As notas
musicais que mais tarde irão reverberar na música DER PIANISTE.
A gravação para.
Play, de novo.
BRAM (V.O.) (cont’d) BRAM (V.O.) (cont’d)
Eu NÃO os escuto. Nem pensam em I don’t hear them. They don’t even
me procurar mais. Já se passou dias, look for me anymore. It’s been days,
se prestassem um pouco mais de if only they paid a little more
atenção, não estaria tudo assim. attention, it wouldn’t be like that.
O click da pausa.
CENA TRÊS
Além da música conseguimos ouvir sussurros que, pelo menos no início, não são claros. Eles
soam como grunhidos.
Conforme as falas forem seguindo, a rádio com a música vai aumentando e se distorcendo cada
vez mais. A imagem que vemos é a do vídeo STALKER VÍDEO 2 (youtu.be/G4894vGNOfU). No
minuto em que a faca é mostrada o violão começa a desafinar e outros vídeos variam com
diversos cortes. Entre eles: CONTROL (youtu.be/L13qKTGfrUS) e MY DEAD GREAT GRANDMA’S
COFFIN IN MY OWN BACKYARD! (youtu.be/V5BruGgWfS4).
A música novamente é tocada e ouvimos o silêncio.
O que está rodando enquanto o som não existe é WITCH FOUND IN SAUDI ARABIA
(youtu.be/QJ5SR-r4jhA). Quando ela começa a correr...
CENA QUARTO
A imagem entra em chiado intensamente até que voltamos as gravações tremulas, com cortes
destoando cada cena. Em nenhum momento conseguimos ver o rosto de quem está gravando
mas a sequência de gravações se intermediam entre: Gravações nas ruas, em um espécie de
floresta, casas, tocando o violão no ritmo da música, sua cabeça batendo na parede, as velas
novamente até que imagens violentas aparecem como uma contra medida das anteriores, uma
indecisão de pensamentos. As imagens violentas são impertinentes, dolorosas e
desconfortáveis a tal ponto que sua visualização se torna antiquadas e o vídeo se encerra com
a câmera caindo, não sabemos onde.
Transição em forma de glitch.
Quando a música atinge a minutagem 01:25, vemos o vídeo MY DAD’S TAPE (9)
youtu.be/u_KXB75mobl). Na minutagem 01:44 da música a gravação é retirada e vemos o nada
de novo. A música se encerra.
CENA CINCO
CENA SEIS
O vídeo se inicia com duas mãos trêmulas cobertas de sangue. Em seguida, num corte abrupto,
vemos uma fotografia cujos rostos nela estão censurados, embora seja claramente visível que
se trate de um retrato familiar, pai e filho. Passamos por um corredor sujo e bagunçado, onde
vemos um corpo caído, sem vida, se debatendo.
Em 01:10 as mãos, antes tremulas, agora tocando a música que estamos ouvindo no violão.
Imagens de cadáveres intercalam e ficamos próximos do fim ao choro do músico. Quando a
variação de cenas se encerra, nos focamos em apenas uma imagem.
Conseguimos ver apenas escuridão, até que a luz da porta se abrindo invade todo o cômodo e
conseguimos ver, embora pouco, pés entrando por ela, caminhando para dentro.
CENA SETE
Voltamos a ver a vela, dessa vez parada no escuro e não sendo carregada. Ela está quase ao seu
fim. Atrás dela, quase imperceptível, há uma mão de um corpo caído a qual só se é possível ver
devido a luminosidade da vela que é pouco eficaz.
Ouvimos um coral de áudio modificado com um extremo chiado, alguns segundos após o inicio
do coral enfim somos apresentados a música.
SUSSURROS (V.O.)
What do you think? The hopeless claim,
the next end. And the great, powerful
(DESESPERATIVE) ability to feel nothing.
Ouvimos algum botão da fita cassete ser apertado várias vezes até que o chiado acabe e,
surpreendentemente, o vídeo CLIP095.mp4 (youtu.be/VeU1Xu2qXDk) inicia.
INT. GRAVADOR
Outra vez, mesmo botão. Não sabemos onde nem quando, muito menos o por que.
Porém, diferente de antes, iniciamos com uma música no piano. Uma composição própria de
Bram.
(FAIXA: MIRCALLA)
CORTE PARA
BRAM BRAM
É-me estranho falar se é que estou. It’s weird for me talk, if I am.
Penso que errei, aonde? I think I made a mistake, where?
CORTA PARA
Galhos, folhas... Restos do que uma árvore já foi. Essas partes queimam num fogo claro e forte.
A gravação está colorida, mas às vezes, como uma falha de transmissão, se torna preta e
branca por alguns segundos ao mesmo tempo que não consegue se manter numa única
qualidade. Como se a má qualidade do VHS a corrompesse por poucos milésimos.
O barulho como se fosse de uma arma destravando mata o silêncio e, junto a ele, uma palavra.
E então mais barulhos de disparos ou de uma faca sendo amolada vão fazendo aparecer mais e
mais palavras, formando uma frase. Uma simples frase.
CORTE
É uma sequência curta que servirá como conexão. Se firmará em vozes, disparos e texto,
embora não exclua a imagem. Não há música porque o silêncio dessa vez é essencial, para que
o cru e seco seja exibido da forma mais fidedigna possível.
As imagem do rolo de filme estragado rodando e o texto se intermediam por uma contagem
regressiva, já perto do final. Em flashes nós vemos fotografias distintas. A contagem é para
ADI&DIRK.
A cada pausa para as falas se vê uma pintura se aproximando lentamente ou um close bastante
específico em partes dos rostos de uma mulher.
ALESS ALESS
Com quem você está falando? Who are you talking to?
ALESS ALESS
O que você está fazendo? What are you doing?
ALESS ALESS
O que são essas partituras? What are these scores?
ALESS ALESS
Aquelas bebidas… Those drinks...
ALESS ALESS
Esse sangue. These blood.
ALESS ALESS
Não contarei a ele. I won’t tell him.
HE. SHE.
ALESS ALESS
Não contarei a ninguém. I won’t tell anyone.
ALESS ALESS
Mas você terá que me dizer. But you have to tell me.
ALESS ALESS
Por que tudo isso? Why all this?
ALESS ALESS
Por favor, Bram, me diga. Please, Charles, tell me.
WITHOUT FEAR.
A cena se encerra com o barulho da arma, antes ocorrido no fim da pós-cena (oito?). No
barulho, a imagem some. Imagens de conexão da gravadora passam tão rapidamente quanto
no início.
Um milésimo de:
CORTE
DIRK
Was ist los, Adi? Ich sehe dein Gesicht trauriger als
gestern.
ADI
Ich habe heute Morgen keine schönen Blumen im Garten
gefunden, Dirk.
DIRK
Die Blumen werden morgen schöner geboren als heute.
ADI
Aber du hast gestern dasselbe gesagt und nichts anderes
ist passiert.
DIRK
Die Blumen wurden heute früher schöner geboren.
ADI
Jeden Tag steche ich mit Dornen in meine Hände und
blute aus meinen Augen. Ist nicht wahr
DIRK
Es ist wahr, sage ich. Die Blumen wurden heute früher
schöner geboren.
ADI
Was ist dann los?
DIRK
Sie infizieren Blumen mit Ihrem Dreck.
ADI
Aber ich bin sauber. Warum sagst du das?
DIRK
Ist es oder versucht es zu sein?
ADI
Aber...
DIRK
Es ist einfach, Adi.
ADI
Wie einfach?
DIRK
Stecke deine Hände tiefer und tiefer in die dornigen
Blüten und wenn die faule Rinde trockener wird und du
das am weitesten verbreitete Rot unter den Zweigen
siehst, wird alles schöner geboren. Es wird genug für Sie
sein, sie mit Ihren Augen herauszuzupfen.
ADI se aproxima de DIRK enquanto uma sombra vai cobrindo a luz. Ninguém está aplaudindo.
LETREIRO
Tais quais espinhos nas borboletas que
pousam tão belas quanto mármore, está
aqui o imaginar que está.
LETREIRO
Quais seriam as sombras de flores e rosas
se não os espinhos? A que ponto o gramado
está tão alto que não podemos ver o escorpião
e a mosca a procura do assassinato do beija-flor?
CORTE
Escuridão, apenas vemos escuridão. O ranger da porta abrindo quebra o silêncio tal qual a luz
no abrir invade a escuridão e ilumina o que é possível. Do lado de fora, se é possível ver dois
pés. Eles entram no cômodo.
Se imerge as mãos dentro da bolsa novamente e de lá se pega, como em uma fileira, as duas
fitas e o caderno de anotações. O HOMEM VITRUVIANO estampa a capa. É notável o fato do
objeto ser um caderno.
Mantemo-nos no silêncio por uns poucos segundos, uma longa tomada de nenhum som.
Se liga a televisão e começa o som do filme L’infern (1911), Não o vemos dessa vez. O
personagem não identificado se aconchega no chão e começa a ler as páginas daquilo,
colocando as fitas do seu lado. Sua leitura é superficial, ele apenas folheia.
A câmera gira, em sentido de transição utilizando da escuridão como meio, e, ao virarmos para
a escuridão, a TV desliga. A escutamos desligar.
A TV liga novamente e conseguimos ouvir a fita ser inserida. Ao mesmo tempo, o trago de um
cigarro. Apenas o ruído, o que se dá para escutar. Se fecha o caderno.
Se coloca a fita e toca no play do vídeo cassete, não vemos acontecer. Ouvimo-la — a pessoa
ou ser em questão — sentar- se no chão e, novamente, a câmera gira de volta e nos focamos
na televisão. Quando bastante próxima, há um corte.
CORTE PARA
O que se teria nessas fotos seriam alguns rostos de mulheres e homens. As mulheres sendo
sodomizadas com a mão em seu pescoço, os rostos dos homens em um possível orgasmo e
focos em partes dos corpos no meio dos atos. Nada expressivo, muito menos explicito.
Dessa vez as palavras aparecem em constância muito mais lenta e mal enganam a música.
When at a time
I believe I’m tied in
remains to cannibalize
What if i die
Before call to mind?
;
A cada variação mínima na música, as palavras se intermediam com fotos horrendas e cenas
de L’Inferno (1911).
Imagens com senso de perseguição variando dolorosamente com as antes vistas, nos cortes do
ínicio, que impediam de ver a cena por inteiro, conseguimos ver outra cena, acontecendo em
paralelo as correrias e balanços.
O enquadramento é das costas a cima, assim conseguimos ver a televisão mas pouco do rosto
do personagem não-identificado.
A fita VHS não se inicia com nada que tenhamos visto antes senão pela cena inicial desse filme,
nosso filme, sendo assistida de forma exteriora. Por ele, pelo ser e por nós.
O grito.
FIM.