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Caminhar pelos trajetos da Sessão de Abertura da 1ª Edição da Semana de Cinema Negro de Belo
Horizonte é posicionar o compasso entre e o deslumbramento e estranhamento. O trio de curtas da
Filmes de Plástico se conversam nesse meio tempo e envolve a espectatorialidade na consciência da
memória, na nossa fuga e na nossa permanência do espaço (in) comum e de um lampejo que convida a
abraçar o diálogo, ao registro do espaço íntimo da memória.
Falei respectivamente de Alzheimer (2009), Quintal (2015) e Rua Ataléia (2021). Todos singulares
cuja semelhança mais concreta é a da presença da atriz homenageada, Maria José Novais Oliveira.
Mais conhecida como Dona Zézé, ela é mãe de André Novais Oliveira, que divide a direção dos curtas
com Gabriel Martins e Maurílio Martins em Alzheimer, e Renato Novais Oliveira, que participa no
elenco de Rua Ataléia e também na realização do documentário Nossa Mãe Era Atriz, teaser exibido
na Sessão, que não precisa de explicações.
Busca essa que acaba sendo própria do encontro com os filmes. Não que esse exercício não se repita
em outras obras, mas nesse conjunto é valorizada a permanência desse gesto. Alzheimer não se reduz
exatamente a essa busca, mas vai de encontro ao seu próprio trajeto e se posiciona como ferramenta
primordial do cinema. Zézé aqui me enganou. Me fez acreditar que era um documentário. Ledo
engano, mais uma artimanha da performance tão natural, que é aliada do minuto e da cumplicidade do
local. A rapidez da feitura, das imagens e a complexidade com que se entrega o texto – sobre o registro
do que se vê, para não esquecer – e a sua intenção marcam e energizam o seu título: Alzheimer, que
finaliza tão rapidamente, mas que não nos permite esquecer.
A situação que recai ao esquecimento e a “mágica” (parafraseando a atriz no teaser de “Nossa mãe era
atriz”) de capturar essas imagens. O movimento dos retratos na paisagem da casa se voltando para a
fala, a marcação e a repetição. O que deixamos de registrar com o tempo, agora em outra dimensão,
outro regime. Compreendemos daqui a função, pelo título, mas Zézé vai além, finaliza o dia 2 na sua
repetição e cabe a nós estendermos o primeiro minuto do encontro.
Esse dia 2 de Zézé recai em Quintal, que intitula um dos seus estrelatos. Zézé, agora com Norberto, é
total nossa captura. Se o estranhamento é parte do curta, é porque ele divide espaço com a dinâmica
tão cotidiana e amorosa dos protagonistas, onde um portal se abre no quintal e Norberto vira nossa
chave e vai e volta da onde quer que foi a tempo de assistir televisão com sua companheira depois da
mesma fechar um contrato para virar sócia de uma academia. A chave é viver nessas investidas de
expectativas, nos acontecimentos que só acontecem e mais nada, na imagem que é ficção científica e é
amadurecimento, descoberta, é comédia e drama. E quando nos lembramos? Como retratamos os
espaços tão estranhos de longe e tão presentes no cotidiano? São pequenas reviravoltas que vibram
com a gente e desafiam o olhar acostumado, sempre à espera de algo ou da fagulha que vai cristalizar
“o nada” ou da ação que vai transformar todo o espaço-tempo. É o que também persegue e rasteja
pelos outros filmes da seleção. E, nisso, em Quintal, André, Zézé e Norberto, transformam a
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18/05/2023, 09:31 "Alzheimer", "Quintal" e "Rua Ataléia" - Plano Aberto
experiência e julgam o olhar estranho a cada sequência marcante, dignas de “entrar para a história do
cinema brasileiro contemporâneo” – a espreitada do quintal e a resistência contra a ventania.
Voltar nelas, seja como for, é sempre um exercício de deslumbramento, um divertido choque e
admiração. Da seleção curatorial, é o fôlego, é o salto. E a chegada, no fim, é com um respiro e mais
um engano no decifrar das imagens, atentando cada vez mais para escuta e para a consciência da
memória. Nas imagens de Rua Ataléia, é o modo de produção que contorna sua forma, um vai
indicando o outro desde o início da produção: do clarão da tela preta, para um plano do bairro noturno
escurecido, de repente, há luz; que vão se deformando, ampliando como pontos brancos desconhecidos
na tela preta, as vozes familiares vão aparecendo e temos a noção da falta de energia pelos objetos
transmissores da luzes deformando parados na casa, servindo como a própria iluminação dos
cômodos. Zézé aqui vem de longe, de início, fora de plano, com a voz distante do cuidado com
Norberto. Algumas sequências depois, quando novamente somos capturados, é ela que tem o controle,
ela exerce sua vontade e nos leva pelos atos da casa. Mesmo se suas primeiras falas em Alzheimer
eram sobre a família não ter mais o hábito de tirar fotos, e sendo assim, ela resiste filmando, por conta
da doença – aqui é parte do meu engano – e do filme. É em Rua Ataléia que as imagens voltam para o
seu olhar, enquanto a mesma tenta recordar dos personagens das fotografias. Nós temos dificuldades.
Tudo escuro. Mas ela está iluminada. No pequeno espaço, entre as descrições, lembranças, cuidados
de Norberto e André, reside a magia. Zézé vive.
Egberto Nunes
24 anos, formado em jornalismo pela Unesp e procurando descarregar minha experiência com filmes em
alguns parágrafos.
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