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JOÃO PESSOA/PB
2023
JOSÉ MICAEL SIMÕES CORDEIRO
JOÃO PESSOA/PB
2023
I. PROPOSIÇÃO DO TRABALHO
2. Contextualização
Como Robert McKee se refere, o diálogo não se define como um processo de dois
lados somente, mas como ação através da fala. O diálogo concerne, portanto, ao papel de
1
Mutarelli, Lourenço. Nada me faltará. SÃO PAULO, Companhia das Letras, 2010.
2
McKee, Robert. Dialogue: The Art of Verbal Action for Page, Stage, and Screen. NOVA IORQUE, Grand
Central Publishing, 2016.
cumprir ativamente, seja de maneira narrativa ou dramática, funções para incorporar
dinâmica à forma como a história está sendo expressa. É o que ele aborda na seguinte
passagem do livro:
The etymology of the word “dialogue” traces back to two Greek terms: dia-,
meaning “through,” and legein, referring to “speech.” These two terms translated directly
into English become the compound noun “through-speech” — an action taken through
words as opposed to deeds. Every line a character speaks, whether spoken aloud to others
or silently in the mind, is, in J. L. Austin’s term, a performative: words that perform a
task.3
Tendo suas três funções - exposição, caracterização e ação - esclarecidas por meio
do que fora dito por Robert McKee, é notório seu hábil uso na obra de Lourenço
Mutarelli, Nada Me Faltará. No texto original, Paulo está desaparecido por um ano junto
a sua mulher (Luci) e filha (Ingrid) e, ao aparecer sozinho sem memória alguma, gera
uma grande comoção em seus familiares e conhecidos. Quando o autor decide utilizar-se
exclusivamente do diálogo para sintetizar a prosa, torna-se nítida a substituição do papel
narrativo ao situar o leitor no acontecimento informado:
3
A etimologia da palavra “diálogo” traça até dois termos gregos: dia-, significando “através,” e legein,
referindo-se à “fala”. Esses dois termos traduzidos diretamente para o inglês-português se tornam “através
da fala”—uma ação tida através de palavras em oposição aos atos. Cada coisa que um personagem fala,
seja em voz alta para os outros ou em silêncio na sua mente, é, na concepção de J.L. Austin, performativo:
palavras que performam uma tarefa.
4
Autores concentram significado ao eliminar banalidades, minúcias, e repetitivas conversas do cotidiano.
Eles então constroem suas narrativas para um complexo de crises, conflitando interesses. Sob pressão,
palavras se preenchem com nuance e conotação. O que uma personagem diz em frente ao conflito
demonstra os significados escondidos sob suas palavras. Diálogos expressivos se tornam translúcidos ao
leitores e a audiência compreende pensamentos e sentimentos nublados no silêncio por trás dos olhos de
um personagem.
(…) Ele apareceu.
Mas onde? Onde o encontraram? Como ele está?
Ele apareceu do nada.
Meu Deus! E como ele está?
Ele está bem.
Você já viu ele?
Não. Quem me ligou foi a Fernanda. Ele apareceu na casa da dona Inês.
Ele apareceu… O que foi que ele disse? Por onde ele andou durante todo esse
tempo? E como está a Luci, e a menina?
Ele não lembra de nada.
Não lembra? Como assim, não lembra? Minha Nossa! E a Luci e a Ingrid?
Ele não sabe.
Então elas continuam desaparecidas? E ele não se lembra de nada?
É. Parece que a polícia está lá, investigando.
E onde ele está?
Ele está no hospital.
Hospital? Em que hospital? Mas ele está bem?
Está. Está na Beneficência Portuguesa. Parece que ia fazer uns exames. (...)
(NMF, p. 6)
Prose translates conflicts from the private, personal, social, and physical realms
into word-pictures, often colored by the inner lives of characters, before projecting them
onto the reader’s imagination. Consequently, prose writers pour their most vivid,
high-intensity language into first-or third-person narration rather than exchanges of
dialogue. Indeed, free indirect dialogue turns speech itself into narration.5
5
A prosa traduz conflitos privados, pessoais, sociais, e reinos físicos em imagens de palavras, muitas vezes
coloridas pela vida interior dos personagens, antes de projetá-los para a imaginação do leitor.
Consequentemente, escritores de prosa colocam sua mais vívida e altamente intensa linguagem na narração
de primeira ou terceira pessoa invés de trocas de diálogo. De fato, o diálogo livre e indireto torna a própria
fala em narração.
uma possível descrição. Isso acontece quando, por conta da amnésia de Paulo, se tem um
momento de possível recuperação da memória do que poderia ter ocorrido com sua
família, presente no seguinte trecho:
Backstory is (...) an excerption of past, usually secret, events that the writer
exposes at key moments to propel his story to climax. Because revelations from the
backstory often inflict more impact than straightforward actions, they are reserved for
major turning points.6
6
A história de fundo são trechos de eventos, normalmente secretos, passados que o escritor
expõe em momentos chave para levar sua história ao clímax. Devido às revelações causadas
pela história de fundo causarem mais impacto do que ações diretas, elas são reservadas para
grandes momentos decisivos.
(...) O pior é que, no fundo, eu realmente não sinto a menor falta delas.
Acho que estamos chegando num lugar importante.
Continue, Paulo. Deixe seu pensamento fluir.
Eu não me importo com o que possa ter acontecido.
Entendo… continue…
Eu não sinto nada em relação a elas. (NMF, p. 62)
On the level of outer behavior, a character’s dialogue style melds with his other
traits to create his surface characterization, but at the inner level of true character, the
actions he takes into the world reveal his humanity or lack of it.7
7
No nível do comportamento externo, o estilo de diálogo de um personagem se funde com seus outros
traços para criar sua caracterização superficial, mas no nível interno de seu verdadeiro caráter, as ações que
ele realiza no mundo revelam sua humanidade ou a falta dela.