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Saloios: A Origem, um Pouco de História e Alguns Conceitos

Estudo realizado por Fernando Silva


A Origem, um pouco de História e alguns Conceitos.

Tendo sido sempre os arrabaldes de Lisboa considerados


como zona saloia, o consenso quanto à sua extensão e limites
nunca foi alcançado, porém podemos aceitar, na generalidade,
como verdadeiramente saloio o território que hoje compõe os
municípios de Sintra, Mafra, Loures, Amadora, e zonas rurais de
Cascais e Oeiras, e até as freguesias de Benfica, Carnide, Lumiar,
Olivais., Charneca, e Ameixoeira. Alguns estudiosos afirmaram que
o Concelho de Loures seria a autêntica terra de saloios outros que
seria Sintra. Por isso é comum considerarem-se os distritos de
Loures, Sintra e Mafra os mais vincadamente saloios.

Também, consensualmente , podemos afirmar que o termo


designaria os habitantes dos arrabaldes (arrabalde do árabe
arabáD. De ar-rabD, quer dizer, subúrbio, arredores de umas
povoação) da cidade de Lisboa, que se dedicavam aos trabalhos
agrícolas , e por conseguinte eram, na sua maioria, de origem
mourisca. Terá sido no ano de 714 que se deu chegada dos
muçulmanos a Lisboa.

Como refere Maria Micaela Soares: «Desde o começo de


segundo quartel de Seiscentos até aos nossos dias se reconhece
porfiado interesse dos etimologistas, historiadores e analistas em
desfibrar o étimo de saloio, fornecendo as suas distintas versões
dessa porfia. Perfilhando todos a inegável origem arábica da
palavra, (…) Não importando distinguir quais teriam sido uns e
outros nem tão-pouco as vozes arábicas de que se socorreram,
porquanto a questão está hoje ultrapassada, é, todavia, grande a
lista desses eruditos, cuja doutrina moldou a de outros dicionaristas
e enciclopedistas posteriores: (…) A partir do início do presente
século, com raras excepções, os autores limitaram-se
prudentemente a rememorar os vários pontos de vista dos
teorizadores precedentes sobre a questão da etimologia,».
Maria Micaela Soares sintetiza, que como arabismo étnico, o
saloio é pois a confirmação geográfica de uma região agrícola,
pré–-existente à conquista de Lisboa.

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Já em 1629, referia Miguel Leitão de Andrada na obra
“Miscellanea”, os Mouros que D. Afonso Henriques deixou ficar por
todo o termo de Lisboa, e dos quais precedem, segundo ele, os
Saloios.

No “Elucidário das Palavras, termos e frases que em Portugal


antigamente se usaram e que hoje regularmente se ignoram”, 1798,
de Fr. Joaquim de Santa Rosa de Viterbo, podemos ler: « Çalaio:
Tributo que se pagava do pão na cidade e patriarcado de Lisboa.
Se os Çaloyos ou Salayos, que el-rei D. Afonso Henriques deixou
ficar nos contornos de Lisboa (…) ou do salame dos Mouros, de
que descendem: então deram çaloyos o nome ao çalaio, sendo
certo que desde a conquista de Lisboa até ao presente, eles se
ocupam em fornecer o corte de pão cozido. Porém, se antes da dita
já este tributo se chamava Çalayo, é bem de crer que ele daria o
nome de saloyo e saloya àquele ou àquela que nisto se ocupasse.»

O prof. David Lopes, nas “Coisas Arábico-Portuguesas”, 1917,


explica que o significado da palavra saloio é a evolução do vocábulo
arábico Çahrui (çahroi) e que significa habitante do campo por
oposição ao da cidade. Outros estudiosos avançaram com outras e
variadas explicações como a de que o termo derivaria duma reza
muçulmana a “Çalá”, ou mesmo que a origem do vocábulo, seria a
cidade de Çalé por daí terem vindo muitos mouros., ou até ser
Salama, que era uma saudação entre os maometano. Também
outra hipótese seria a de que derivava de um tributo que se pagava
sobre o pão cozido, o Çalaio. E Pedro Machado reafirma que :
“saloio. Do árabe Çahraui, no árabe vulgar Çahroi, ‘homem do
deserto, do campo’ ”.

Aparecer o conceito de saloio associado à ideia de campónio,


de cultivador de produtos agrícolas, faz sentido, tendo em conta que
não se consideram saloios os habitantes da Ericeira, apesar de esta
vila estar integrada em território saloio. Afirmando J. Leite de
Vasconcelos a este propósito que «ninguém em Mafra considera
saloios os da Ericeira e tratam-nos por jagozes (…). Os da Ericeira
muito menos se consideram saloios, e chamam assim, com
desprezo, aos Mafrenses».

J. Leite de Vasconcelos, refere-se aos habitantes do antigo


termo de Lisboa, designando-os por saloios, por ser uma “alcunha”
imposta a estas populações, primeiro pelos árabes e posteriormente
adoptada pelos cristãos. Quanto ao étimo de saloio, que este «

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justifica, em parte, a menção que todos, ou quase todos, os que têm
falado dos saloios fazem, de que eles provêm dos Mouros que D.
Afonso Henriques, após a conquista de Lisboa (1147), deixou ficar
em seus lugares e fazendas, mediante certo tributo que lhe
pagariam (Mouros forros)». «Digo em parte porque há-de entender-
se que em Lisboa e arredores não havia então somente Mouros,
Havia ao mesmo tempo cristãos, isto é, Moçárabes, que constituíam
a população autóctone».

Fernando Castelo Branco, concluiu que « 1- O conceito de


saloio terá resultado do contraste entre a população de Lisboa e a
dos seus arredores no período muçulmano, contraste que não seria
apenas o do citadino para o rural, do homem da cidade para o
campónio, mas derivaria também da circunstância de, na vida social
e económica e em termos de mentalidade e de cultura, serem
marcadamente distintos os habitantes de Lisboa e os dos arredores.
2- Depois de 1147, na Lisboa Cristã e portuguesa, persistem esses
factores de diferenciação e devem mesmo ter-se acentuado. A
expulsão dos muçulmanos da capital e a sua fixação, ao que tudo
indica, nas cercanias, terá tornado a população dos arredores mais
fortemente islamizada, não tanto no aspecto religioso, mas
especialmente nos costumes e mentalidade, em suma, na sua
feição social, enquanto em Lisboa se deve ter verificado um
acentuado e rápido decréscimo de islamização, não apenas pela
saída de grande parte da população muçulmana, mas também pela
afluência de povos cristãos peninsulares e até extrapeninsulares.
3- Esta diferenciação entre a população de Lisboa e a dos
arredores leva a um choque, em virtude de esta última se deslocar
continuamente à cidade para vender os seus produtos agrícolas e
até alguns manufacturados – pão, queijo fresco, etc. - de que se
alimentavam em parte os Lisboetas. Esse choque terá sido a causa
da forte implantação de termo ‘saloio’. Não apenas para caracterizar
uma população, mas com um sentido genérico e depreciativo.»

O Saloio , pelo contraste que apresentava, tanto nos modos,


linguagem e trajo, em relação ao lisboeta levou a que se
promovessem dissemelhanças com as restantes populações
agrícolas. Em ‘Physiologia do Saloio’ A. Da Cunha de Sotto Mayor
apresenta de forma mordaz uma leitura desta gente. Pressupostos
estes, que segue Leite Vasconcelos, e em 1894, afirma «No nosso
país há vários grupos étnicos. Nos arredores de Lisboa temos os
çaloios que se estendem até Cascais, Sintra, Mafra, Oeiras,
acabando antes de Torres Vedras.»

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Como refere Maria Teresa Caetano, esta individualização do
saloio, no contexto da população portuguesa, radicará na
presumível integração do rústico arrabaldino num grupo étnico
específico, teorização que foi abandonada ao constatar-se as
inúmeras afinidades do saloio com a restante população
estremenha.

Após feito o exame bioantropológico elementar do espólio


ósseo exumado de parte escavada na necrópole do adro da igreja
de Santa Maria em Sintra, não se verificou que a população saloia
constituísse um grupo populacional com características biofísicas
que o diferencie dos outros habitantes, antigos e recentes, do
território português. Facto que levará J. Caria Mendes a afirmar em
“Nota breve acerca das características bioantrpológicas da
população saloia”que: «Deste modo, e como nota prévia do nosso
estudo, admitimos, com muita probabilidade, que a população
‘saloia’ não representa um grupo populacional que,
bioantropológicamente, se tenha individualizado das características
gerais do povo português, cuja raiz biológica é indiscutivelmente
mediterrânica. Pensamos que o ‘saloio’ se isolou e se distinguiu, em
virtude dos aspectos regionais do solo, da terra, do clima e,
sobretudo, em consequência de causas históricas e culturais,
próprias e particulares, que acabaram por dominar e por definir o
quadro humano local, pelos seus hábitos, pelos seus costumes e
pelo seu comportamento, sem que a isso corresponda uma
particularização bioantropológica.»

Na obra “Portugal – O Sabor da Terra – Lisboa, autoria de


José Mattoso, Suzanne Daveau e Duarte Belo podemos ler: “Sem
querer atribuir ao ‘termo’ um sentido étnico, não se deve esquecer o
fenómeno ‘saloio’. Com efeito, os habitantes do termo de Lisboa
são dos poucos portugueses designados por um nome com
ressonâncias étnicas. A palavra é de origem árabe e significa o
‘campónio’, por oposição ao citadino. Admite-se que descendam
dos camponeses que já viviam em redor de Lisboa quando a cidade
foi conquistada em 1147. (…) Apesar de raros, ainda se encontram
saloios de barrete preto, e mulheres de lenço atado na cabeça, com
os seus burros. Dedicam-se à horticultura e vendem para a cidade.
Adaptaram-se às técnicas modernas na rega, nos adubos e aos
transportes. Mas nos últimos anos, tendo muitos deles vendido as
suas terras aos lisboetas que aí constroem moradias de recreio,
vão-se diluindo no meio deles, perdendo a sua identidade. Não
passam de uma população residual. À cidade de ‘desvairadas

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gentes’ do tempo dos Descobrimentos e do comércio das
especiarias, sucedeu actualmente uma mistura não menos
complexa, feita de pessoas cujos ascendentes já viviam na cidade
há muitas gerações, ao lado daqueles que vieram há pouco do
campo e que ainda não se libertaram das suas raízes rurais.”

Não podemos deixar de nos questionar quanto à


contemporaneidade do saloio.
De certa forma podemos afirmar que hoje já não existem saloios, ou
praticamente desapareceram, pelo menos da forma como o
entendemos, como afirma Francisco Sousa em “Maneiras de ser
Saloio”: ”Há, no entanto, pessoas que continuam a fazer
exactamente aquilo que os ‘nossos’ saloios faziam há 100 anos
atrás. O que aconteceu foi uma grande e profunda alteração nos
hábitos, nas maneiras de trabalhar, nos produtos, na maquinaria,
nas habitações, nos costumes, em suma na forma de encarar a
vida, o quotidiano. (…) Tudo isto provocou profundas alterações nos
mais variados aspectos da vida da região saloia.(…) Por outro lado,
muitos locais, anteriormente ocupados por férteis terrenos
hortícolas, transformaram-se rápida e inalteravelmente em novas
localidades, cidades-dormitórios, que, sem conseguirem criar uma
vida própria, criaram uma nova filosofia de vida, comum às grandes
urbes, o suburbanismo. (…) Estas pessoas que agora se dedicam
ao trabalho da terra, serão elas os actuais saloios? Cremos que
sim. Se hoje se pode falar em saloios, estes são, com certeza, os
mais legítimos representantes da ‘raça’. São naturais da região,
continuam a trabalhar a terra, a vender os seus produtos para os
(super)mercados de Lisboa e, aspecto importante, eles próprios se
auto-intitulam saloios. E este aspecto é de suma importância, já que
este termo –saloio - ganha, nos nossos dias, contornos de
positividade, depois de, durante muitos anos, o seu entendimento
ter sido, eminentemente, pejorativo..Saloio equivalia a um insulto, a
ser menos considerado, e este entendimento institucionalizou-se
até na imprensa, passando a ser voz corrente. Hoje está a verificar-
se um fenómeno de tendência contrária, sobretudo no que respeita
a produtos de origem agrícola ou similares. Neste momento, para
marcar a qualidade de um produto dá-se-lhe a designação de
saloio, e fala-se no pão saloio, no queijo saloio, nas hortaliças
saloias.”
Aliás, citando Yves Gilbert, “ O rural vende-se bem hoje. Está
na moda…”.

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Bibliografia

Assunção, Ana Paula – Lisboa e Loures, as imagens que se fixaram


- Somos Saloios, procura de um conceito, ed. Câmara Municipal de
Loures, 1998.
Baptista, Luís Vicente – Território e Cultura Saloia: A Construção de
(uma) identidade local? , Observatório das Actividades Culturais ,
Obs. nº 6 ,1999.
Branco, Fernando Castelo - A Problemática do Conceito de Saloio,
Etnografia da Região Saloia, A Terra e o Homem, 1993, Instituto de
Sintra, Sintra.
Gaspar, Jorge – Territórios dos Saloios, Etnografia da Região
Saloia, A Terra e o Homem, 1993, Instituto de Sintra, Sintra.
Mayor, A. Da Cunha Sotto – Physiologia do Saloio, Lisboa, 1858.
Mendes, J. Caria – Nota Breve Acerca das Características
bioantrpológicas da População Saloia, Etnografia da Região Saloia,
A Terra e o Homem, 1993, Instituto de Sintra, Sintra.
Soares, Maria Micaela – Saloios, Boletim Cultural, Assembleia
Distrital de Lisboa, 1989.
Sousa, Francisco – Maneiras de Ser Saloio - Somos Saloios,
procura de um conceito, ed. Câmara Municipal de Loures, 1998.
Vasconcellos, J. Leite de– Etnografia Portuguesa, vol. III, Imprensa
Nacional, 1492, Lisboa.
Vasconcellos, J. Leite de – Os Saloios (na Estremadura Cistagana),
Revista Lusitana, vol. 37, 1939.

Fotografia da capa: Acervo do Arquivo Municipal de Sintra / Arquivo


Histórico

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