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A dimensão atlântica do patrimônio

cultural: Brasil e Benin, entre fluxos


e refluxos
Começa-se com a ideia de que “as dimensões novas e
poderosas sobre as comunidades de mercadores e o comércio
envolvendo os portos brasileirosi” e suas “triangulações
de mercadorias com a Costa da Mina [Daomé], Angola e
Goa, alteram em definitivo a percepção do ‘pacto colonial’,
reafirmando a autonomia que o capital mercantil sediado
nas colônias ousou possuir ante o poder metropolitano”.ii E,
sobretudo, pela a que afirma que:

Os portos de Salvador e do Rio de Janeiro estavam


longe de ser simples escalas para as naus de carreira da
Índia, provenientes, ou navegando em direção a Goa
e Macau; os brasileiros efetivamente tomavam iniciativa
no estabelecimento de relações comerciais com a África
e com os portos localizados para além do Cabo da Boa
Esperança (grifei)iii.

Esse será o ponto de partida desse estudo para se


entender a constituição de um patrimônio cultural do
Benin a partir da intervenção e participação de afro-
brasileiros retornados do Brasil à África, saídos, mormente,
de Salvador, na construção de edifícios, em especial da
Grande Mesquita de Porto Novo, que compõe naquele país
“um sistema de representação cultural”1.iv Para se chegar a
1
Talvez esse exemplo se adeque ao que Bhabha denominou “lugar híbrido do valor
cultural” (BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2007.
p.242).
Proposições para o patrimônio cultural

esse mote, tentarei, a partir dos referenciais historiográficos


pertinentes, traçar a relação entre o antigo reino do Daomé
(Benin), importante porto no tráfico negreiro2, e o Brasil3, que
apresentavam “relacionamento tão próximo” a partir dos portos
da Bahia e do Golfo do Beninv na intensa rota dos escravos e
da diáspora africana ocorrida até o século XIX. Como noção da
abrangência da singularidade dessa edificação:

A mesquita de Porto Novo é um caso bem à parte –


único! – e que tem muito a ver com o Brasil. Para se
entender, será preciso falar sobre algo ocorrido há mais
de um século, quando milhares de africanos ou afro-
descendentes, alforriados ou deportados pela Revolta
dos Malês, saíram de Salvador ou Recife e retornaram
à costa ocidental africana, principalmente para o
Benim, para a Nigéria e para o Togo. Esses “brasileiros
retornados” haviam praticado no Brasil diversos ofícios,
tais como marcenaria, contabilidade e construção. Os
muçulmanos de Porto Novo resolveram então pedir
aos “retornados” para que estes fizessem o projeto e a
construção de uma mesquita. Os “brasileiros”, recém-
chegados e ávidos para poderem se instalar em terras
africanas, logo aceitaram o desafio de fazer a tal
mesquita. O resultado foi uma típica igreja católica
baiana. Os africanos ficaram surpresos com aquela
arquitetura diferente e gostaram muito do resultado.
Pediram apenas que fosse retirada a cruz e acrescentado
2
“[...] escravos trazidos do litoral oeste (do Benim)” inauguraram “o trato negreiro
marítimo naquelas partes africanas” (ALENCASTRO, 2000, p.30); “Os portugueses
traficarão na costa africana com marfim, ouro, escravos; [...]” (PRADO JR., 1977,
p.23).
3
“Estima-se que a população da América lusa tenha aumentado de 100.000 em 1600
para 1.500.000 habitantes em 1766. Portanto, em menos de dois séculos tal população
cresceu cerca de 15 vezes. Para o tráfico de escravos, acredita-se que ao longo dos
Quinhentos chegaram à mesma América 29.275 africanos e no século seguinte
784.457 cativos; o crescimento fora de mais de 25 vezes. O conjunto de tais números
sugere o aparecimento de uma verdadeira Babilônia, entendida como confusão, nesta
parte do Atlântico Sul, pois, entre aqueles africanos, encontramos pessoas das terras
islamizadas do Senegâmbia, do reino do Daomé, das aldeias dos Ijós do delta Níger e
das linhagens matrilineares de Angola” (FRAGOSO e GOUVÊA, 2009, p.38-39).

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o minarete. Essa pérola da arquitetura barroca brasileira


está em plena atividade, com suas centenas de fiéis
lotando suas dependências, toda santa sexta.vi

Cumpre destacar o trânsito em mão dupla, em fluxos


bilaterais, com o retorno de diversos negros ao Benin após
servirem como mão de obra escrava no Brasil, desde a segunda
metade do século XVIII.

Embora o impulso maior da emigração proviesse de


acontecimentos ocorrentes no Estado da Bahia durante
o século dezenove, existem, também, informações,
acerca de afro-brasileiros que retornaram para a África
Ocidental no século dezoito. Antônio Vaz Coelho, por
exemplo, nascido de pais escravos na Bahia, chegou
a Porto Novo cerca de 1775 e tornou-se, ele próprio,
traficante de negros durante os primeiros anos do
século dezenove. Este não constitui um exemplo isolado
ou único, o que fica demonstrado pelo estudo do tráfico
de negros efetuado por C. W. Newbury, e no qual se
indica que os brasileiros começaram a chegar à Costa
antes do fim do século dezoito. Existia, realmente, uma
tradição de emigração para a África Ocidental pelo
número crescente de afro-brasileiros que começaram
a sair do Brasil na segunda e terceira décadas do século
dezenove.vii

Complementa Figueiredo:

[...] muitos afro-brasileiros retornaram à África,


sobretudo para a região do Golfo do Benin (Benin,
Nigéria, Togo, Gana). Alguns foram deportados depois
da Revolta dos Malês (Bahia, 1835), mas a maioria
retornou por vontade própria. Eram pessoas livres,
dinâmicas, que se instalaram na África e aí criaram
uma comunidade de “Brasileiros”, também chamados
de “Agudás” ou “Amarôs” na Nigéria, no Benin, no Togo
e de “Tabom” em Ganaviii.
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Proposições para o patrimônio cultural

Verger4 denomina essa circulação de fluxo e refluxo.


Ele aponta a amplitude desse intercâmbio, permitindo que
se observe o volume dessa influência na formação de uma
cultura, em seus horizontes materiais e imateriais. E cita
Gilberto Freyre:

Esses africanos e descendentes de africanos, tendo


vivido no Brasil, principalmente na Bahia, voltaram
para a África com costumes, hábitos, modos de vida
que tinham adquirido em terra estrangeira aos quais
se tinham ligado para sempre [...]. Eles levaram para a
África o gosto pela farinha de mandioca, pela goiabada,
pelas comidas brasileiras, pelos hábitos brasileiros.
Perpetuaram na África devoções como a do Senhor do
Bonfim e festas, com danças e cantos, muito brasileiras,
já mestiçadas.ix

A relevância do Atlântico é marcante para a compreensão


dessa interação.

O Atlântico era, na estrutura do todo, além de um


elemento componente, também um espaço de passagem
de e para o Oriente, tendo-se mesmo tornado, em certos
momentos e em certos planos da vida, um “Espelho
do Oriente”, mas, sobretudo, um lugar de cruzamento
de culturas políticas viajantes, bem como de trocas e
vetores políticos múltiplos e multi-direcionais.x

Não buscarei as razões do retorno desses negros à África,


mas entender como esse intercâmbio marítimo, “induzido
pelos negreiros”xi, se entrelaça nas vastas redes entre Portugal
e Brasil, a partir de uma dinâmica imperial, e o Benin, e como
resultou em uma participação dos afro-brasileiros na invenção
daquilo que se tornaria, no século XX, o patrimônio cultural
4
Verger ciceroneia Bastide por Cotonu, Porto Novo, Uidá, Abomé, Lomé e arredores,
apresentando-o aos “brasileiros”, aos cultos, às matrizes das religiões afro-brasileiras
(PEIXOTO, Fernanda Arêas. Bastide e Verger entre “áfricas” e “brasis”: rotas
entrelaçadas, imagens superpostas. Revista ieb nº 51, mar./set. p. 41-66, 2010. p.51).

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de Benin. Entre outras palavras, como surgiu um patrimônio


“Agudá” em Benin, ou “a influência do Brasil no Daomé”.xii

Perspectivas e aspectos do fluxo


Para se abarcar as redes de ligação entre Portugal (Europa),
Brasil (América) e Benin (África) é preciso compreensão sobre
qual a perspectiva sobre a dicotomia metrópole – colônia, assim
como qual foi a “‘projeção brasileira’ na África”.xiii Não será
pelas linhas do “regime de subordinação colonial”,xiv nem pela
simples dicotomização “centro de decisão (metrópole) e outro
(colônia) subordinado”5,xv mas por um lado que sugira mais a
administração portuguesa sob “o mito da autoridade central”,xvi
ou que indique que “aquilo que se constitui um ‘centro’ e uma
‘perifeira’ é algo subjetivo, dependendo da perspectiva daquele
que realiza tal aferição”.xvii Pode tratar-se “de uma monarquia e
nobreza que têm na periferia a sua centralidade material”,xviii o
que mostra a variação da centralidade na América portuguesa.
Como indica Hespanha, uma “monarquia corporativa”, com
“estrutura administrativa centrífuga”.xix
A “realidade aterritorial” do exercício do poder imperial
no Atlântico “equaciona-se no âmbito do trato negreiro”,xx e
que conjectura em um refluxo, já no século XVIII.

[...] o trato negreiro não se reduz ao comércio de


negros. De consequências decisivas, na formação
histórica brasileira, o tráfico extrapola o registro das
operações de compra, transporte e venda de africanos
para moldar o conjunto da economia, da demografia,
da sociedade e da política da América portuguesa.xxi
5
“Apesar da participação da África no circuito atlântico assumir aspectos estruturais,
Novais fala sobre a dinâmica africana desse desenvolvimento” (FRAGOSO, João,
FLORENTINO, Manolo. O arcaísmo como projeto: mercado atlântico, sociedade
agrária e elite mercantil no Rio de Janeiro, c. 1790- c.1840. Rio de Janeiro: Diadorim,
1993. p. 46). “A expressão classe política provincial ou local é usada com frequência
devido à sua inquestionável utilidade, embora por vezes com pouca correção” (PUJOL,
F. X. Gil. Centralismo e Localismo? Sobre as Relações Políticas e Culturais entre Capital
e Territórios nas Monarquias Europeias nos Séculos XVI e XVII. Penélope: Fazer e
Desfazer História, n.6: Lisboa, 1991. p.131).

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Proposições para o patrimônio cultural

Nessa linha, “a possibilidade do cativeiro [...] foi antes


construção de quadros mentais e políticos, de fundo
corporativo e religioso, possibilitadores daquela expansão,
inclusive da sua dimensão comercial”, numa “condição
naturalizada” da escravidão.xxii Essa perspectiva inversa6 7
considera “a legitimidade e a existência prévia da instituição
da escravidão no Império português como condição básica
para o processo de constituição católica e escravista no Brasil
colonial”.xxiii
A possibilidade de fluxo e refluxo de africanos, de
migração, através de redes sociais, políticas e de comércio8,
só podem ser completamente entendidas a partir de uma
perspectiva “multicontinental e multioceânica da presença
portuguesa”, em uma “dimensão cosmopolita”.xxiv A viagem
de ida Daomé - Brasil se deu por iniciativa lusa, mas a
presença portuguesa em solo brasileiro teve que se submeter
a subversões coloniais, que incluíam “negociação, resistência,
evasão ou simples desconsideração”,xxv que poderiam ter
suscitado o retorno.
Pode-se perceber “uma atlantização [...] da política ultra-
marina”.xxvi Assim:

A história da colônia apresenta-se como uma trajetória


em direção a uma crescente erosão dos princípios
sobre os quais a metrópole havia constituído um
pacto colonial, assim como à progressiva afirmação da
6
Contrária a de Novais (1979), por exemplo.
7
“[...] perspectiva mais aberta, mais holista e flexível, que seja mais sensível à
fluidez, permeabilidade e porosidade dos relacionamentos pessoais, do comércio,
da sociedade e do governo dos impérios [...]” (RUSSEL-WOOD, A. J. R. Prefácio. In:
BICALHO, Maria Fernanda; FRAGOSO, João & GOUVÊA, Maria de Fátima (orgs.). O
Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. p.14).
8
“A grande importância dos homens de negócio no comércio marítimo é também
confirmada pela análise das escrituras de compra e venda de embarcações”
(SAMPAIO, A. C. Jucá de. Os homens de negócio do Rio de Janeiro e sua atuação
nos quadros do Império português (1701-1750). In: BICALHO, Maria Fernanda;
FRAGOSO, João & GOUVÊA, Maria de Fátima (orgs.). O Antigo Regime nos trópicos:
a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2010. p.81).

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participação por parte da periferia, sem que isso fosse


necessariamente sinônimo de aquisição de ‘direitos da
periferia’.xxvii

Esses apontamentos permitem indicar que não existiu


um projeto de colonização, e sim processos de negociação.
Apesar de Novais indicar a colonização como sistema,xxviii
deve ser realçada a “inexistência de um modelo ou estratégia
gerais para a expansão portuguesa”.xxix Igualmente devem ser
observadas as estratégias internas, nos meandros da colônia:
“não podem ser vistas como um projeto predeterminado,
como um conjunto de ações coerentes e homogêneas [...]”.xxx

A monarquia pluricontinental se torna uma realidade


graças à ação cotidiana de indivíduos que viviam
espalhados pelo império em busca de oportunidades
de acrescentamento social e material; indivíduos que
não se colocam passivos diante das regras gerais e que
se utilizam das fraturas existentes no permanente
diálogo travado entre regras gerais e locais.xxxi

Isso sugere que o regresso à África tenha se dado pela


conveniência. “A monarquia pluricontinental se torna uma
realidade graças à ação cotidiana de indivíduos que viviam
espalhados pelo império em busca de oportunidades de
acrescentamento social e material”.xxxii Tanto o mero desejo
ao retorno quanto o empreendimento do próprio tráfico
ensejaram o retorno:

Um dos novos traficantes de escravos que puderam


estabelecer negócios em Uidá [Benin] [...] foi o brasileiro
José Francisco dos Santos;xxxiii
Certas ruas de Salvador eram consideradas pelos
brancos arriscadas e por isso eram evitadas. A
preocupação influenciou a legislação, e dêsse modo,
uma lei decretada em 1807, após uma rebelião de
escravos, proibia os mesmos de passearem pelas

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Proposições para o patrimônio cultural

ruas da cidade depois das nove horas da noite. [...]


Em 1807 os incitadores da revolta parecem ter sido
escravos da Nigéria setentrional. O fator principal da
rebelião fracassada foi o desejo de retornar à África
(grifei).xxxiv

Afirmam Fragoso, Gouvêa e Bicalho que as “conexões


comerciais eram, sem dúvida, atravessadas pela política”.xxxv
E completam: “o Império não era tão somente uma colcha
de retalhos comerciais; ele dava vida, em graus distintos,
às diversas sociedades que o constituíam”.xxxvi Logo, das
circulações comerciais, do tráfico negreiro, ou da simples
aspiração pelo regresso, nasceram trocas culturais advindas
do retorno ao continente africano. “Ponto de partida dos
escravos para o Novo Mundo, Uidá [Benin] foi também o
porto de chegada [...]”.xxxvii Esse refluxo foi a gênese para
aquilo que se tornou seu sincretismo cultural, marcadamente
pela presença dos retornados, e que formatou aquilo que, no
século XX, convencionou-se chamar patrimônio cultural do
Benin.

Patrimônio e dinamismo cultural: implicações


do refluxo
Na segunda metade do século XVIII e durante o
século XIX, inúmeros afro-brasileiros retornaram ao
Benin, sendo denominados, a partir da chegada, “Agudás”.
Carregaram consigo toda bagagem de uma experiência
vivida do outro lado do Atlântico até o continente africano,
participando de um hibridismo cultural ímpar. “A cultura
agudá, primeiramente uma cultura à europeia, foi então
se enriquecendo de aspectos de uma verdadeira cultura
brasileira, tal como ela ia se construindo no próprio
Brasil”.xxxviii
Ensina Figueiredo:

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Yussef Daibert Salomão de Campos

Os retornados do Brasil (às vezes até os de Cuba) eram


denominados Brasileiros ou Agudás, termo derivado
do nome do forte português São João d’Ajuda (ou Ajudá
ou Agudá), em Uidá (antigo Daomé, atual Benin). Como
Agudá significava ao mesmo tempo católico e como a
religião católica era identificada com os brancos, os
Brasileiros eram “brancos” de uma nova espécie, em que
a cor da pele não interferia na classificação. Aos olhos
dos africanos que lá permaneceram e desprezavam
os antigos escravos, o orgulho dos brasileiros parecia
incompatível com o estatuto de escravos que eles
tinham tido no Brasil.xxxix

Guran vai mais longe:

A antiga Costa dos Escravos, sobretudo o Benin, parece


constituir o único exemplo no mundo de implantação
de uma cultura de origem realmente brasileira que
conseguiu levar uma vida própria e independente. De
fato, a presença brasileira foi tão forte nesta região
entre os séculos XVIII e XIX que poderíamos falar
de uma colonização informal. Foi principalmente por
intermédio dos brasileiros – em consequência direta
do tráfico de escravos – que esta região teve acesso,
de forma sistemática, a bens manufaturados, como as
armas de fogo, e a uma língua de expressão universal,
para citarmos alguns exemplos. É, aliás, bastante
sintomático que a capital do Benin guarde, até hoje,
a denominação de origem portuguesa de Porto Novo,
em detrimento de seus dois nomes tradicionais. Sede
do antigo reino Adja de Arde, chamava-se Hogbonou,
ou ainda Adjacê, nome dado pelos iorubás, muito
numerosos na cidade. Foi em 1745 que Echaristis
Campos, português estabelecido no Brasil, “descobriu”
esta cidade que oferecia então novas possibilidades
para o comércio de escravos com a Bahia, chamando-a
simplesmente de “porto novo”. Este nome agradou ao
rei, que o adotou. Alguns anos mais tarde, o “brasileiro”
João de Oliveira, escravo liberto no Brasil, estabeleceu-

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Proposições para o patrimônio cultural

se na cidade para fazer o tráfego (sic) de escravos,


colocando o reino Adja em ligação permanente com a
Bahia (Verger, 1968:194). Os “brasileiros” começaram
então a se instalar na cidade, e durante mais de um
século desempenharam um papel de primeira grandeza
na vida política, econômica e religiosa do reino. Foi
assim que Porto Novo, também conhecida como o
“Sonho Brasileiro” (Tidjani-Serpos & Caffe, 1993), se
transformou no exemplo atual mais marcante da
contribuição cultural do antigos escravos retornados,
uma vez que ali está o mais importante patrimônio da
arquitetura “brasileira” no Benin.xl

Para Soumanni:

Vale também ressaltar que a costa do Benim esteve


aberta às influências brasileiras desde o início do
tráfico negreiro e alguns escravos foram mais ou
menos expostos a elas antes de serem forçados a
emigrar para o Novo Mundo. A influência brasileira
em inúmeras áreas, como a alimentação, a religião, as
festas populares ou a arquitetura, foi produto desse
longo e complexo processo de troca e interação.xli

A cultura brasileira foi utilizada como meio de inserção


social dos antigos escravos retornados. A partir do século
XIX, os “brasileiros” passaram a ocupar algumas posições de
certo destaque em território africano.

Muitos “brasileiros”, além da formação profissional,


eram naquela época as únicas pessoas alfabetizadas
na região, o que constituía uma razão a mais para que
fossem aproveitados pela administração francesa,
quando de sua implantação no país. Os “brasileiros”
desempenhavam então uma importante função
enquanto intermediários entre o poder colonial e os
autóctones.xlii

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Yussef Daibert Salomão de Campos

Essa inserção suscitou em uma dinâmica cultural que


foi fonte para diversos aspectos da vida social do Benin,
marcadamente o arquitetônico, resultante de uma atividade
profícua que criou o que, a partir do século XX, se reconhece
como patrimônio cultural:

A ideia de que existe uma memória coletiva agudá


relativa a um patrimônio cultural comum a preservar
está presente em diversos níveis, tanto no discurso
quanto na vida cotidiana dos “brasileiros”. À memória
do tempo passado no Brasil, tão cara aos antigos
escravos retornados (e que aliás lhes serviu de matéria
prima para a construção da nova identidade social)
se acrescenta atualmente a memória da própria
construção desta identidade.xliii

Um exemplo que pode ser utilizado é a Grande Mesquita


de Porto Novo. Essa edificação religiosa é a metonímia da
dimensão atlântica do intercâmbio iniciado pela colonização
portuguesa no Brasil. Templo do Islã, a edificação traz traços
de igrejas barrocas brasileiras, dos séculos XVII e XVIII, cujo
ofício de construção viajou na bagagem dos afro-brasileiros
que desembarcaram no Benin a partir dos setecentos.
Construída no início do século XX, a mesquita traz marcas
da herança agudá, ao mesclar traços portugueses e afro-
brasileiros. Afirma Gonodou:

Situé dans la partie Est de la zone historique, le


tissu vernaculaire est le plus ancien. S’y trouvent
concentrés: les palais royaux, les grands temples
vodun, les paysages sacrés ainsi que l’habitat lignager
des grandes familles. Le quartier afro-brésilien au
Centre-Nord de la ville correspond à l’implantation
originaire des familles afro-brésiliennes, à l’époque où
elles jouaient un rôle économique et social essentiel.
L’élément central et représentatif est la mosquée, qui serait
la réplique de la cathédrale catholique de San Salvador de
Bahia (grifei)xliv.
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Proposições para o patrimônio cultural

De Benedetti e Hallen destacam a similitude com as


igrejas “ancestrais” da Mesquita, encontradas na Bahia,
mostrando o que há de comum entre Porto Novo e Salvador.
Em estudo sobre mesquitas afro-brasileiras encontradas
na África Ocidental, numa descrição arquitetônica do bem,
apontam as características de uma igreja na mesquita como
um “equívoco” em sua tipologia:

These mosques are scattered, roughly, over a


triangular-shaped area having its apex just south of
the city of llorin and its base along the Bight or Gulf
of Benin, from Porto Novo (Republic of Benin) in the
west to Lagos in the east. At first glance they are often
mistaken for churches because of a front elevation
composed of a central pediment flanked by two towers.
This mistake has a basis in fact, for their ancestors are
the 17th- and 18th-century ‘Baroque’ churches of the
city of Bahia (also called Salvador) on the northwest
Atlantic coast of Brazil.xlv
The Central Mosque in Porto Novo, Benin, was begun
in 1912 by African repatriates from South America.
It towers over the relatively low horizontal urban
fabric of the city much like the cathedrals of medieval
Europe. This mosque represents most typically
perhaps the crossfertilisation of Bahian and African
traditions, spatially and decoratively. The diversity
of pastel colours on the exteriors are one important
example of this link. Vegetal motifs for decoration are
stylised to a degree of abstraction that makes them
barely recognisable. Nonetheless, taken as a whole,
the relationship between the two cultures is quite
evidentxlvi.

A semelhança nas tipologias, destacadas pela descrição de


De Benedetti e Hallen, assim como pelas descrições anteriores,
podem ser notadas na comparação entre a Grande Mesquita,
de Porto Novo, Benin, e as igrejas de Salvador, Bahia: Igreja de
S. Francisco e Igreja N. S. Rosário dos Pretos, por exemplo.

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Yussef Daibert Salomão de Campos

Conclusão
O fluxo intercontinental marcou a dimensão do Império
português e sua “original globalidade”,xlvii e propiciou o
intercâmbio de culturas e saberes. O retorno dos afro-
brasileiros à África, a constituição de uma comunidade
“brasileira” no antigo Daomé e a transferência de saberes às
seguintes gerações marcaram a paisagem cultural do Benin.
A mesquita de Porto Novo se apresenta como exemplo da
abrangência das redes sociais, políticas, comerciais e culturais,
bem como da ressonância daquilo que se convencionou
chamar Antigo Regime nos trópicos.
A interação entre os portos do Brasil e do Benin foi porta
para a construção de parte de um patrimônio cultural único,
que nasceu dos açoites do tráfico negreiro e do retorno à
pátria mãe. Tal dimensão atlântica “[...] não seria mais uma
questão da história da África ou do Brasil, ou das relações
Brasil-África, mas da história de um espaço que articulava
estes lugares e sociedades”.xlviii Afirma Law:

This separation of African and American data, it


should be stressed, is adopted only for convenience
of exposition, since it is very likely that ethnic
terminology on the two sides of the Atlantic in fact
evolved in a process of mutual interaction. In particular,
the settlement of large numbers of returned ex-
slaves from Brazil on the Slave Coast from the 1830s
onwards very probably fed Brazilian usage back into
West Africa, as I have argued earlier with respect to
the use of the name “Nago” as a generic term for the
Yoruba-speaking peoplesxlix.l

Em tempo! Antes de deixar o Daomé e atravessar a


“Porta do não retorno9” rumo ao trabalho forçado em outro
9
O portão simboliza “o lugar onde os cativos eram embarcados em direção às
Américas” (ARAÚJO, 2009 p.146). “The slaves and other commodities exported
through Ouidah had therefore to be taken overland and across the lagoon to
the beach, rather than being embarked directly into European ships” (LAW apud
ARAÚJO, Ana Lúcia. Caminhos atlânticos memória, patrimônio e representações da

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Proposições para o patrimônio cultural

continente, havia um ritual ao qual eram submetidos os


escravos: exigia-se que o cativo desse voltas em torno de uma
árvore para que se esquecesse de suas raízes e não carregasse
para a travessia do Atlântico “maus agouros”. Séculos depois,
esse local de esquecimento foi alvo das políticas públicas de
patrimonialização, tornando-se lugar de memória. Onde
se encontrava a “árvore do esquecimento, ritual de perda
da memória, para não amaldiçoar os traficantes, hoje é um
monumento histórico”.li

O lugar onde se acredita ter existido a Árvore do


Esquecimento é marcado por uma escultura do artista
Dominique Kouas representando uma Mami Wata,
divindade das águas, bastante popular na África
Ocidental e na África Central. As representações de
Mami Wata fazem alusão à figura da sereia e tomam
de empréstimo certos elementos do panteão hindu,
entre os quais as três cabeças visíveis na deusa
Dattatreya. Na base da estátua, pode-se ler: ‘nesse
lugar se encontrava a “Árvore do Esquecimento”. Os
homens escravos deviam dar, em torno dela, nove
voltas e as mulheres, sete voltas. Depois de darem
essas voltas, os escravos deviam ficar amnésicos.
Eles esqueciam completamente seu passado, suas
origens e suas identidades culturais para se tornarem
seres sem vontade de reagir ou de se rebelar’. Esse
monumento é um dos únicos a evocar a memória do
cativo, que, em teoria, devia esquecer suas origens.
Colocando em evidência uma representação do
escravo como indivíduo sem vontade, sem identidade
e sem capacidade de reagir diante de sua condição
de cativo. O texto que acompanha o monumento
vai contra grande parte dos estudos recentes, que
mostram o escravo africano trazido para as Américas
escravidão na Rota dos Escravos, Varia hist. vol.25 no.41 Belo Horizonte Jan./June
2009, p.146). Os escravos e outras mercadorias exportadas através de Ouidah tinham,
portanto, de serem tomados por terra e através da lagoa para a praia, ao invés de ser
embarcado diretamente para os navios europeus.

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Yussef Daibert Salomão de Campos

como organizador de rebeliões, como gente que


lutou pela liberdade e que soube criar novos laços
identitários e familiares.lii

Mas os retornados não só não olvidaram suas raízes nem


perderam “seus valores e neurônios na travessia do Atlântico”,liii
como volveram e foram instrumentos da reconstrução da
memória e da invenção de um patrimônio cultural ímpar.

–––––––––––––––
i
RUSSEL-WOOD, A. J. R. Prefácio. In: BICALHO, Maria Fernanda;
FRAGOSO, João & GOUVÊA, Maria de Fátima (orgs.). O Antigo
Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-
XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. p.15.
ii
GRAÇA FILHO, Afonso de Alencastro. Resenha. BICALHO, Maria
Fernanda; FRAGOSO, João & GOUVÊA, Maria de Fátima (orgs.). O
Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos
XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. In: Rev.
Bras. Hist. vol.22 no.44 São Paulo, 2002. s/p.
iii
RUSSEL-WOOD, idem, p.17.
iv
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11. Ed. –
Rio de Janeiro: DP&A, 2006. p.49.
v
RUSSEL-WOOD, A. J. R. Centros e Periferias no Mundo Luso-
Brasileiro,1500-1808. In: Revista Brasileira de História. Vol 18, nº 36,
p. 187-249, 1988. p.205.
vi
BARBIERI, Renato. Mesquitas na África. Vitruvius, ano 01,
mai 2007. Disponível em: http://vitruvius.es/revistas/read/
arquiteturismo/01.003/1325. s/p.
vii
TURNER, J. Michael. Escravos brasileiros no Daomé. Afro Ásia.
UFBA, nº10-11, p. 05-23, 1970. p.05.
viii
FIGUEIREDO, Eurídice. Os brasileiros retornados à África.
Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Diálogos Interamericanos, nº
38, p. 51-70, 2009. p.51.
ix
FREYRE apud VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo do tráfico de
escravos entre o Golfo do Benin e a Bahia de Todos os Santos dos
séculos XVII a XIX. Tradução de Tasso Gadzanis. Salvador: Corrupio,
2002. p.632.
x
HESPANHA, A. Manuel. Porque é que foi “portuguesa” a expansão
portuguesa? ou O revisionismo nos trópicos. Conferência proferida

49
Proposições para o patrimônio cultural

na sessão de abertura do Colóquio “O espaço atlântico de Antigo


Regime: poderes e sociedades”, org. pelo CHAM-FCSH-UNL/IICT,
Lisboa, 2 a 5 de Novembro de 2005. p.02.
xi
ALENCASTRO, Luís Felipe de. O trato dos viventes: formação do
Brasil no Atlântico Sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p.15.
xii
VERGER, Pierre. As múltiplas atividades de Roger Bastide na
África [1958]. In: LÜHNING, Ângela (Org). Verger-Bastide: dimensões
de uma amizade. Tradução: Rejane Janovitzer. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2002. p.39.
xiii
RUSSEL-WOOD, 2010, p.15.
xiv
PRADO JR, 1977, p.09.
xv
NOVAIS, Fernando. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema
colonial (1777-1808). São Paulo: Hucites, 1979. p.62.
xvi
DIAS, Maria Odila Leite da Silva. A interiorização da metrópole.
In: A interiorização da metrópole e outros estudos. São Paulo: Alameda,
2005. p.25.
xvii
RUSSEL-WOOD, 1998, p.188.
xviii
FRAGOSO, João, GOUVÊA, Maria de Fátima. Monarquia
pluricontinetal e república: algumas reflexões sobre a América lusa
nos séculos XVI-XVIII. In: Tempo, vol. 14, nº 27, Niterói, jul/dez.
2009. p.43.
xix
HESPANHA, A. Manuel. A constituição do império português.
Revisão de alguns enviesamentos correntes. In: BICALHO, Maria
Fernanda; FRAGOSO, João & GOUVÊA, Maria de Fátima (orgs.). O
Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos
XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. p.166;
p.174.
xx
ALENCASTRO, 2000, p.20, p.28.
xxi
Idem, p.29.
xxii
MATTOS, Hebe Maria. A escravidão moderna nos quadros
do Império português: o antigo regime em perspectiva atlântica.
In: BICALHO, Maria Fernanda; FRAGOSO, João & GOUVÊA,
Maria de Fátima (orgs.). O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica
imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2010. p.147; p.146.
xxiii
Idem, p.143.
xxiv
RUSSEL-WOOD, 1998, p.200; 2010, p.11.
xxv
RUSSEL-WOOD, 1998, p.217.
xxvi
FRAGOSO, João. A formação da economia colonial no Rio de
Janeiro e de sua primeira elite senhorial (séculos XVI e XVII).

50
Yussef Daibert Salomão de Campos

In: BICALHO, Maria Fernanda; FRAGOSO, João & GOUVÊA,


Maria de Fátima (orgs.). O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica
imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2010. p.35.
xxvii
RUSSEL-WOOD, 1998, p.217.
xxviii
NOVAIS, 1979, p.57.
xxix
HESPANHA, 2010, p.169.
xxx
MARTINS, Maria Fernanda. Os tempos de mudança: elites, poder
e redes familiares no Brasil, séculos XVIII e XIX. In: Conquistadores
e Negociantes: histórias das elites no Antigo Regime nos trópicos.
América Lusa, Séculos XVI a XVIII. Civilização Brasileira: Rio de
Janeiro, 2007. p.430.
xxxi
FRAGOSO e GOUVÊA, 2009, p.43.
xxxii
Idem, Ibidem.
xxxiii
LAW, Robin. A comunidade brasileira de Uidá e os últimos anos
do tráfico atlântico de escravos, 1850-66. Afro Ásia, 27, p.41-47,
2002. p.41.
xxxiv
TURNER, 1970, p.07.
xxxv
FRAGOSO, J., GOUVÊA, M. F., BICALHO, M. F.. Introdução.
In: BICALHO, Maria Fernanda; FRAGOSO, João & GOUVÊA,
Maria de Fátima (orgs.). O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica
imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2010. p.23.
xxxvi
Idem, Ibidem.
xxxvii
SOUMONNI, Elisée. Daomé e o mundo atlântico. Comunicação
apresentada em “Re-thinking the African Diaspora: The Making of
the Black Atlantic World in the Bight of Benin and Brazil”. Emory
University, Atlanta, 17-18 de abril de 1998. Tradução: Vera Ribeiro.
Revisão da tradução e aspectos históricos: Dr. Valdemir Zamparoni,
UFBa, 2001. p.11.
xxxviii
GURAN, Milton. Agudás – os “brasileiros” do Benin. In: 22ª
Reunião Brasileira de Antropologia, da Associação Brasileira
de Antropologia Brasília, julho de 2000. Disponível em: http://
biblioteca.clacso.edu.ar/ar/libros/aladaa/guran.rtf. s/p.
xxxix
FIGUEIREDO, 2009, p.53.
xl
GURAN, 2000, s/p.
xli
SOUMANNI, 2001, p.15.
xlii
GURAN, Milton. Da bricolagem da memória à construção da própria
imagem entre os agudás do Benim. Afro Ásia, 28 (2002), 45-76. p.53.
xliii
Idem, p.69-70.

51
Proposições para o patrimônio cultural

xliv
Localizado na parte leste da área histórica, o tecido vernacular
é o mais antigo. Estão nele concentrados: os palácios reais, os
grandes templos vodu, paisagens sagradas nas quais habitaram
grandes famílias. O bairro afro-brasileiro no centro-norte da cidade
corresponde à implantação originária das famílias afro-brasileiras,
no momento em que desempenharam um papel econômico e social.
O elemento central e representativo é a mesquita, que seria uma
réplica da Catedral Católica Romana de São Salvador. GONODOU,
Alain. Le projet de réhabilitation de Porto-Novo (Bénin): objectifs en
termes de conservation et de développement durable. In: Limites
disciplinaires Repenser les limites: l’architecture à travers l’espace,
le temps et les disciplines.Disponível em: http://www.inha.fr/
colloques/document.php?id=1653. s/p, s/d.
xlv
Estas mesquitas estão espalhadas, grosso modo, em uma área
triangular que tem seu ápice ao sul da cidade de Llorin e sua base ao
longo do Golfo de Benin, Porto Novo (República do Benin), a oeste,
e Lagos a leste . À primeira vista, elas são muitas vezes confundidas
com as igrejas, por conta de uma elevação frontal composta por um
frontão central, ladeada por duas torres. Este erro tem uma base de
fato: para os antepassados são as igrejas barrocas dos séculos 17 e
18 da cidade da Bahia (Salvador), na costa do Brasil, no Noroeste do
Atlântico.
xlvi
A Mesquita Central em Porto Novo, Benin, foi iniciada em 1912 por
africanos repatriados da América do Sul. Ela domina o tecido urba-
no horizontal relativamente baixo da cidade, bem como as catedrais
da Europa medieval. Esta mesquita representa, talvez, o sincretismo
entre as tradições baianas e africanas, espacial e decorativamente. A
diversidade de cores pastel sobre os exteriores são um exemplo im-
portante desta ligação. Motivos vegetais para decoração são estiliza-
dos com um grau de abstração que os torna quase irreconhecíveis. No
entanto, como um todo, a relação entre as duas culturas é bastante
evidente. DE BENEDETTI, Carla, and HALLEN, Barry. Afro-Brazilian
Mosques in West Africa. In MIMAR 29: Architecture in Development.
Singapore: Concept Media Ltd. 1988. p.21.
xlvii
RUSSEL-WOOD, 2010, p.13.
xlviii
SOUMONNI apud SOUZA, Mônica Lima e. Entre margens: o
retorno à África de libertos no Brasil (1830-1870). Tese de doutorado
apresentada à Universidade Federal Fluminense. 2008. p.89.
xlix
Esta separação de dados africanos e americanos, que deve ser
salientada, é adotada por conveniência da exposição, uma vez que é

52
Yussef Daibert Salomão de Campos

muito provável que a terminologia étnica nos dois lados do Atlântico


tenha evoluído de num processo de interação mútua. Em particular,
o assentamento de um grande número de ex-escravos retornados
do Brasil sobre a Costa dos Escravos, a partir dos anos 1830, muito
provavelmente advindos da África Ocidental, relacionam o uso
do nome “Nago”, como um termo genérico para os povos de língua
ioruba. (DE BENEDETTI and HALLEN, 1988, p.21).
l
LAW, Robin. Ethnicities of Enslaved Africans in the Diaspora: On the
Meanings of “Mina” (Again). History in Africa, Volume 32, pp. 247-
267. 2005. p.248.
li
SOUZA, 2008, p.104.
lii
ARAÚJO, Ana Lúcia. Caminhos atlânticos memória, patrimônio e
representações da escravidão na Rota dos Escravos, Varia hist. vol.25
no.41 Belo Horizonte Jan./June 2009, p.143.
liii
FRAGOSO e GOUVÊA, 2009, p.40.

53

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