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Desenho de capa: ROBERTO FRANCO

PRIMEIRA, PARTE - Introdução 7


Diagramação LÉA CAULLIRAUX
Direitos desta edição reservados à
EDITÕRA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S.A. Rua da Lapa, 120 - 129
andar
RIO DE JANEIRO
1971

Prefácio 1

PRIMEIRA, PARTE - Introdução 7

I - Generalidades sôbre Monismo e Dualismo 9


- Diferença entre pensamento real e especulação ou lucubração - Maneira de
os antigos perceberem as coisas - As primitivas concepções de Deus e Alma - A
DOR e o TEMOR, as molas mestras da especulação humana - Monismo natural e
inconsciente do homem primitivo - A imposição e supremacia do dualismo
devem-se às religiões organizadas - Pontos de vista dualistas e monistas com
relação à existência objetiva e real do mundo - O dualismo prevaleceu no
Ocidente e o monismo no Oriente - A Ciência e a magia dos antigos - Ciência e
naturalidade - Diferença entre Ciência e Técnica.

II - A Decadência da Filosofia Ocidental devido às Palavras 46


Ética dualista e monista - Sabedoria e ética dos mestres chineses - O
filósofo monista e o SER - O filósofo dualista e Deus - As leis sociais e judiciárias
do mundo e seu reflexo ético-dualístico-religioso - O homem realizado, monista
por excelência - O dualismo e os especuladores que dêle derivam, ou seja: o
religioso, o filósofo leigo, o relativista, o cientista, o materialista, o cético, o
niilista e o negativista - Todo materialista é um revoltado que provém do círculo
religioso - O Tudo ou a plenitude do monista e o "nada" do niilista-materialista -
Excesso de verborréia como causa do fracasso da filosofia ocidental - O silêncio
do monista confundido com niilismo - Negar a objetividade material das coisas
não significa ser niilista - A aceitação da realidade absoluta do objeto ou mundo é
que conduz ao niilismo.
SEGUNDA PARTE 117
I - Os Gregos, "O Gênesis'' do Judaísmo-Cristianismo e as Origens da
Ciência Moderna 119

Realidade Física do Mundo e das coisas - O "coma" da Ciência e os


"porquês" da Filosofia - Origens gregas e bíblicas da ciência ocidental - A
"Criação" bíblica das coisas como base da Ciência moderna -= Sócrates - Platão e
sua teoria do conhecimento - Aristóteles ou a culminância do pensamento dualista
na Grécia - A teoria aristotélica do conhecimento - Preconceitos bíblicos e gregos

1
como base da Ciência moderna atual - O cérebro-intelecto-mente, instrumento do
conhecimento deturpado e deturpante.

III - Orientalismo Filosófico e Religioso e o "não-eu" 77


TERCEIRA PARTE 163
Pensamento Oriental - Confilcio, Lao-Tsé, Chuangtsé, Mo-Ti e outros -
Budismo e correntes derivadas - Diferença entre diversas correntes do pensamento
hindu - Krishna, Buda, Sankhara, Ramanuja, etc. - Vedanta advaitista e Budismo -
O Estado - A classe sacerdotal e o Estado - O verdadeiro ego-intelecto-mente (que
difere do "ego freudiano"), o grande farsante - O egoísmo, a única e grande causa
das calamidades do mundo - A realidade subjetiva e a pretensa e indiscutível
realidade objetiva.
IV - Debates sôbre a Influência Científica na Arte em Geral 98
A Arte em relação à Verdade - A situação da Arte num mundo dominado
pela Ciência - O domínio da objetividade científica e da psicologia freudiana
sôbre a Arte
Moderna - A Arte natural e a Expressionista - O cinema como um
complemento à Arte Moderna.
I - Os Pioneiros da Ciência 165
Motivo do sucesso científico e do condicionamento hominal: método
experimental, descrição matemática do fenômeno e análise científica - Bacon,
Galileu, Descartes - "Penso, logo sou" ou "EU sou", logo posso pensar (mal) e por
causa disso me perder? - Teoria geocêntrica e teoria heliocêntrica - Primórdios da
Ciência Moderna - Impasse na busca da Verdade.
II - Os Dogmas da Física, Química e a Concepção Mecanicista do
Universo 201
Concepção mecanicista do Universo - A linguagem matemática adaptando-
se às necessidades do cientista - A gravidade é um fenômeno universal ou é um
fenômeno intelectual?

Astronomia e Astrologia - Será a Química uma ciência exata? - Os dogmas


químicos fundamentais de Lavoisier, Dalton, Proust, Richter, Gay Lussac,
Avogadro, etc. - A Química diante da Atomística moderna - A eletricidade e o
magnetismo na Natureza - A crescente complicação da "verdade" científica -
Perspectiva científica.

A origem da teoria científica de "Evolução" - Haverá mesmo uma


Evolução Filogenética das Espécies? - A célula, o bode expiatório e expiatório
das teorias biológicas - A Hereditariedade patogênica e a teoria dos genes
celulares - A Bioquímica, poderoso e retrógrado baluarte do decadente
materialismo científico.
IV - Psicologia, Psicanálise e Psiquiatria 267
A Psicologia acadêmica sem o autoconhecimento - O Inconsciente Real e o
artificial que Freud supostamente descobriu - Os muito falados, mas nunca
compreendidos, sub consciente e inconsciente humano - A Verdade e o id, o ego e
o superego de Freud - A origem dos sonhos e as pretensões de Freud - O

2
Inconsciente coletivo de Jung - A pretensa dependência cerebral da psique
humana - As safadezas e sutilezas do ego não-freudiano - Estarão a Psiquiatria, a
Psicologia e a Psicanálise realmente ajudando o homem? - Quem haverá de
predominar, o materialismo bioquímico-organicista, ou o psiquismo-dependente-
cerebral dos psicólogos e psiquiatras? - Futuras acusações contra a Medicina - A
Realidade Social e a Ciência Social - A História e o Homem - A Cibernética, a
última punhalada do materialismo científico. O poder do sexo.

QUARTA PARTE: Epílogo 325


I - Ciência e Religião, Pontos de Contatos e Aspectos Negativos 327
III - As Teorias Biológicas, a "Evolução" das Espécies e a Medicina
Moderna 248

Em que a Ciência se compara à religião - A liturgia científica - Como a


Ciência dirige o pensamento e as ações da humanidade e como nelas interfere - A
falta de um papa para o cientificismo - Por que o Cristianismo não alcançou a
hegemonia mundial, e por que o cientificismo conseguiu êsse intento - A cultura
integracionista em oposição à cultura científica restrita - Nova interpretação da
História e nôvo modêlo de Universo - A estagnação da Ciência teórica atual - A
falta de finalidade prática da sempre renovada técnica humana - Aspectos
dogmáticos da Ciência - Mas, afinal, a Ciência ampliou ou não os horizontes do
Universo? - São ou não verdadeiras as descobertas científicas sôbre o macro e
microcosmo? A validez do instrumento do conhecimento: o cérebro - Sem cérebro
é impossível o pensamento; com o cérebro também - Desaparecendo a mente, o
objeto subsiste? - O que é "Campo de Consciência Sensorial" - A "Lei do
Concatenamento das Causas" - Suposição Final - A pretensa conquista do espaço
sideral - O que foi dito e não foi dito.

Prefácio
Como poderia traduzir em palavras o sentimento que me levou a escrever
um livro sôbre tema tão delicado como o da verdade científica? Como ousei
levantar-me contra a Ciên cia, deusa tôda-poderosa do mundo moderno? E que
autoridade tenho para pretender denunciar aquilo que todos aceitam como
absolutamente verdadeiro? Terei sido impulsado por um sentimento de vaidade,
que me levou a pretender desmascarar certas obras humanas, definitivamente
consagradas? Serei um paranóico, como costumam dizer os desonestos
petrificados de todos os tempos, num linguajar moderno? Serei um ateu, um
apóstata, um pagão, um anticristo, como diriam em outros tempos os mesmos
desonestos, mas em linguajar antigo? Como neste livro só falo de Ciência,
humanismo e, por vêzes, de religião, seriam aquêles os epítetos que me caberiam.
Se falasse de Sociologia e política, possivelmente os mesmos desonestos me
batizariam com os têrmos de comunista, anarquista, fascista, nazista, burguês,
reacionário, etc.
Bem, em verdade nada disso interessa, porque, por mais que quisesse, não
saberia explicar as razões que me levaram

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01
a ousar tanto. Não sei dizer se se trata de um sentimento de simpatia e amor para
com os homens, ou de uma tentativa de auto-engrandecimento. Também não
saberia dizer se com minhas palavras alguém se irá beneficiar ou prejudicar.
Agora, quanto às perguntas que eu próprio me formulo e que outros,
fatalmente, também o farão, tanto faz que obtenham ou não resposta. Quem sou
eu? Sou um sonho, uma. quimera, um nome apenas. Se sòmente digo "Eu sou",
que mais é preciso saber? E se me levantei contra a deusa tôda-poderosa do
mundo moderno, é porque essa mesma deusa, ou organização humana, como já
tantas outras houve, está esmagando e aniquilando tudo aquilo que o homem tem
de melhor em si próprio: o "EU sou" de sua Consciência Suprema.
E que autoridade tenho para escrever o que escrevi? Em verdade, nenhuma.
Um dia, contudo, também eu confiei na Ciência, supondo fôsse ela um
empreendimento humano sin cero e desapaixonado, que iria finalmente trazer a
paz de espírito e a prosperidade. No entanto, aquela nunca estêve tão afastada e
esta é apenas uma aparência, uma ilusão. Quando me apercebi de que a Ciência,
pouco a pouco, ia esmagando e sufocando o que de melhor havia em mim - uma
intuição íntima e espontânea, que a todo momento me alertava de que nem tudo
aquilo que a Ciência dizia era verdadeiro - então, para não sucumbir, reagi e
obriguei-me a buscar. Busquei desesperadamente no intuito de comprovar, por
mim mesmo, se minha insatisfação não era infundada. Valendo-me de intuição
(para certos cientistas, mera imaginação exaltada) e de bom senso, passei em
revista serenamente as pretensas provas objetivas, supostamente irrefutáveis,
apresentadas pela Ciência. Quantos anos perdi buscando e rebuscando, em tôdas
as fontes do conhecimento científico,. aquilo que o homem chama de
VERDADE. Quanto sofrimento, angústia, vacilação, confusão e contradição?;
quanto tive de lutar contra mim mesmo, até convencer-me do contrário, de que o
movimento científico, iniciado na Renascença, não era apenas mais uma tentativa
de sufocar no homem aquilo que êle tinha e tem de bom e verdadeiro: seu próprio
SER. Não pensem que, antes de intentar qualquer crítica contra a Ciência, não
avaliei o gigantesco esfôrço de certos homens sinceros que, ingênuamente,
pretenderam libertar

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a humanidade das trevas, do fanatismo e do ignorante obscurantismo, a qual se


encontrava sob o jugo de alguns outros homens, pertencentes a determinadas
organizações clericais. No entanto, em minha busca, surpreendi também e
compreendi que essas trevas, êsse fanatismo, êsse obscurantismo não eram de-
vidos ao exagêro de religiosidade, que tanto caracteriza a Idade Média, mas sim a
algo mais sutil, mais profundo, mais íntimo: o ego-mente (não comparar êste com
qualquer tolice psicanalítica ou psiquiátrica) e que todo homem traz na própria
essência. Também compreendi que assim como houve religiosos bem
intencionados, da mesma forma houve cientistas que, com as mesmas boas
intenções, queriam fazer algo pelo homem. Mas o êrro de ambos era não se
conhecerem suficientemente a si próprios. Infelizmente, como já acontecera antes,

4
no momento em que a obra do cientista se transformava em Ciência, as boas
intenções desapareciam para dar lugar ao sectarismo, à tacanhice, às sufocações
da mente. Os mesmos erros que a humanidade extraviada cometia sob o tacão da
organização religiosa - isto é, não pensar ou concluir por si própria - o mesmo êrro
se repetia agora, sob o domínio da organização científica. Como vêem, portanto,
nestes escritos, é o homem que, mais uma vez, sòzinho se levanta contra a
organização. É a parcela a levantar-se contra o pretenso todo. Mas quem, como
eu, já procurou aprofundar-se no Real Conhecimento, terá constatado também que
a organização não tem importância alguma; o que importa é o homem. O que
interessa é o Ser Integral no homem, não a Ciência (coletânea de opiniões de
vários homens, acumuladas por outros). O que importa é a VERDADE intrínseca
a todo homem, e não as opiniões que esta ou aquela organização humana dita e
difunde. Éste é um livro que se preocupa mais com o conhecedor que com o
conhecido. Sôbre êste todos opinam com facilidade, mas como conhecedor ou
opinador todos se desconhecem completamente.
Certos homens, criando a organização científica, acreditaram que,
finalmente, estavam fundando algo que, daí por diante, jamais iria enganar a
humanidade novamente. Destarte, con forme determinados métodos prèviamente
elaborados, acharam que a Ciência estava fundada sôbre a verdade mais pura e
mais sagrada. Ésses mesmos homens só não perceberam que quanto

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mais a Ciência se enriquecia de opiniões gratuitas e aberrantes, provadas apenas


num nível superficial, sutil, intelectual, mais o próprio homem ia-se tornando
impotente e escravo das próprias elaborações. Isto a ponto de acabar
transformando a própria vida atual noutro íncubo ou pesadelo, semelhante a tantos
outros pelos quais a human" íc ãde já várias vêzes passou, em diferentes épocas. E
o pior de tudo é que, atualmente, a coletânea de opiniões científicas nos domina a
ponto de, sem qualquer influência, não sermos mais capazes de pensar
corretamente.
Em outros tempos, sob outras tiranias intelectuais, que sufocavam a livre
expressão do pensamento humano, certos homens esclarecidos ainda tinham a
convicção de que um dia a Verdade voltaria a brilhar em tôda a sua pujança.
Depois, surgiu a Ciência, que tentou libertar o homem de certos condicionamentos
anteriores, intitulando-se ela mesma a única fonte e dona da Verdade,
demonstrando e provando que, fora dela, não havia outra interpretação da verdade
natural, mundial, universal, a não ser aquela que ela apresentava. E o homem, o
eterno incauto, saindo de um círculo vicioso, caía em outro muito pior. Seu
extravio atual é tão grande que perdeu tôda a capacidade de vislumbrar algo nôvo,
algo diferente, algo que lhe possa acalmar a grande e nunca satisfeita sêde de
saber que traz na alma. Em verdade, o homem nunca pensou por si mesmo, apenas
repetiu sempre tudo aquilo que lhe ensinavam, numa espécie de ridículo
condicionamento.
O homem escapou da tirania religiosa, política e até mesmo filosófica, e
caiu numa das mais tremendas tiranias de todos os 'tempos: a tirania do

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absolutismo científico moderno, que não só o escravizou, mas também, e
principalmente, torceu e deturpou a simplicidade e a beleza espontânea que
existiam e ainda existem em seu meio ambiente, simplicidade e beleza sempre
prontas a se revelarem a quem as saiba- ver e sentir. A Ciência, a partir de suas
nem sempre verdadeiras doutrinas e "provas", elaborou outra vida artificial,
pràticamente infernal, chegando ao cúmulo de "provar por a+b" que essa é a única
e verdadeira vida, fora da qual não existe uma segunda. Não só "provou", mas
induziu a que o homem de tôdas as partes pensasse única e exclusivamente pelo
prisma científico, numa percepção mono

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visual e absurda. Êste livro, portanto, procura também desmascarar o tão


decantado provador de "provas".
O pensamento mágico, próprio a todos os sêres e coisas e correspondente
ao natural agir do Universo, foi sufocado e aparentemente suplantado pelo
pensamento lógico, restrito, mate mático e artificial dos fazedores de ciência. Na
Natureza tudo é livre e espontâneo, independente dos "como" e "porques" inte-
lectuais do homem. Primeiro vieram alguns inimigos da humanidade, que, não
satisfeitos com isso, começaram a elaborar dogmas monolíticos, do tipo
religioso, numa absurda tentativa de dar um sentido unidirecional àquilo que não
aceita direções fixas. Serviram-se, portanto, de argumentos infantis e fantasiosos
e de pretensas revelações, que muito favoreciam às más intenções de certas
organizações religiosas. Outros vieram depois, começando a combater a
dogmatização do pensamento mágico e o próprio pensamento mágico natural,
enaltecendo a lógica como sendo a única que conduzirá o homem à Verdade,
desconhecendo, contudo, quem era êsse pretenso lógico que tanta questão fazia
de que a lógica prevalecesse sôbre a liberdade das coisas. Todavia, resultou que
a lógica também, por sua vez, acabou num dos mais irremovíveis e
intransigentes dogmatismos de todos os tempos. A partir do pensamento mágico,
livre e espontâneo, certos religiosos elaboraram sem provas o dogma gratuito.
Mais tarde, o mesmo pensamento mágico, livre e espontâneo, acabou substituído
pelo pensamento lógico, que pretendia estabilizar, dentro de um esquema, aquilo
que não aceita estabilização, nem esquemas; elaborou-se outro dogma, também
gratuito como os anteriores, mas desta vez com "provas", que, se analisadas a
fundo, resultam não serem provas. E assim o homem enveredou mais uma vez
pela senda do caos e do obscurantismo, num verdadeiro retrocesso mental,
apesar do aparente progresso material.
Quem passa a fazer parte apenas do círculo racional do pensamento
científico, é como se entrasse no inferno de Dante, em cujo pórtico o poeta dizia
que estava escrito: "Abandonai tôda esperança, vós que entrais. . . "
E a propósito dessa inscrição Mortimer Taube, em seu livro Computers and
Common Sense, também disse muito apropriadamente:

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"Você conhecerá a verdade, e a verdade o tornará livre"; é uma fé inabalável


que me faz crer que o processo de investigação racional e o aumento da difusão do
conhe cimento são os objetivos mais nobres do homem. É como conseqüência
desta fé que julgamos necessário denunciar o grau de corrupção que reveste
atualmente as palavras "Ciência" e "cientistas". Pode ser que essas palavras sejam
um dia reabilitadas e recuperem seu significado tradicional, mas esta possibilidade
é duvidosa...

Assim, tendo surpreendido mais êsse lôgro em que o homem caíra, e tendo
feito uma tentativa de revisão crítica do conhecimento científico, como
aconselhava Whitehead, decidi resumir aqui minhas conclusões em palavras. Para
êsse fim, recorri à ajuda muito oportuna de um amigo, colega, humanista e bus-
cador, também êle, à sua moda.
Êsse amigo sentira também a necessidade de se fazer algo em prol do
homem e da humanidade. Fôra também mordido pela cobra venenosa da dúvida e
do ceticismo. Já compreendera também que a Ciência estava sufocando tôda e
qualquer outra manifestação humana que não fôsse a própria Ciência. Agradeço
ainda, a determinado outro amigo e colega de de estudo a preciosa ajuda na
correção e coordenação dos dados.
31 Outubro de 1966.
ERNESTO BONO

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Primeira Parte
Introdução

... Se a Ciência não quiser degenerar numa mistura de hipóteses ad hoc,


deverá tornar-se filosófica e deverá empreender uma crítica completa de suas
próprias bases...
Science and the Modern World A. N. Whitehead
... Criticar a Ciência do século XX é um crime de lesa-majestade
semelhante a criticar a Igreja Católica do século XII. A Ciência é o único
empreendimento intelectual que não dispõe nem de executantes, nem de críticos
informados...
Computers and Common Sense
Mortimer Taube
... O físico tem consciência de não estar cometendo qualquer deslealdade
para com a Verdade, quando em certas ocasiões seu sentido de proporção lhe diz
que deve considerar certa mesa como matéria contínua, ainda que êle saiba bem

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que essa mesma mesa é realmente espaço vazio, que contém apenas cargas
elétricas espalhadas...
Reality, Causation, Science and Mysticism
Sir Arthur S. Eddington
... Não podemos oferecer provas... A prova é um ídolo diante do qual o
matemático puro (o grande endeusador das provas) atormenta-se a si mesmo...
Reality, Causation, Science and Mysticism Sir Arthur S. Eddington

... As antigas bases do pensamento científico estão se tornando


ininteligíveis. O tempo, o espaço, a matéria, o material, o éter, a eletricidade,
mecanicismo, organicismo, configuração, estrutura, modêlo, função, etc., tudo
exige uma nova interpretação.
Para que falar de uma explicação mecanicista das coisas, quando não
sabemos o que é que se entende por Mecânica? ...
Science and the Modem World
A.N. Whitehead

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Generalidades sóbre Monismo e Dualismo


M Eu amigo e eu estávamos conversando, como de costume, sôbre os mais
diferentes assuntos, quando, sem que o tivéssemos percebido, meu sobrinho,
criança de seis anos de idade, curioso por natureza, entrando na sala onde
dialogávamos, mexendo daqui e dali, ligou um gravador que estava sôbre a mesa
de trabalho, de modo que, com o aparelho ligado, continuamos a trocar idéias.
Enquanto havia fita, o aparelho gravava. Só mais tarde é que percebi que grande
parte de nossa palestra havia sido gravada. Muitos dos assuntos tratados eram o
que se poderia chamar de uma conversa séria. O conteúdo da gravação não era de
todo mau. Desde então fiquei pensando na possibilidade de gravarmos nossas
palestras algumas vêzes mais, no intuito de ver no que ia resultar e sôbre o que
costumávamos falar tanto. Insistimos inúmeras vêzes até desinibir, até que nossa
palestra assumisse o tom espontâneo e natural da conversa comum, como se não
houvesse qualquer gravador de permeio.
Já há muito tempo pensara na possibilidade de escrever um livro,
pretendendo denunciar uma série de arbitrariedades que ambos tínhamos
constatado sôbre as tão faladas verdades cien tíficas, valendo-me do precioso
auxílio dêsse amigo, nunca pen
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sando na possibilidade de gravarmos um diálogo natural, espontâneo, sem prévia


elaboração.
Antes de pensar em escrever algo definitivo, pessoalmente, já efetuara
profunda pesquisa sôbre o conhecimento humanístico em geral e extenuante
revisão daquilo que constituía as verdades últimas, definitivas e universais da
Ciência.

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Várias vêzes, nas escolas que freqüentei, percebera a pouca -validez e a
fragilidade dos enunciados científicos e filosóficos, psicológicos, etc., mas nunca
ousara discutir com meus professôres porque, como todos sabem, era tentativa
inútil... As palavras dos mestres e as pretensas práticas, que me apresentavam,
falavam demasiadamente alto para tentar qualquer refutação ou opinião em
contrário. Contudo, eu sentia que atrás das "esmagadoras provas", algo havia que
não estava certo. Assim, em busca da Verdade, empreendi a mais esforçada das
pesquisas. E, por ironia, tanto busquei a verdade que acabei por encontrar a
mentira, disfarçada em Verdade.
Bem, diante do resultado parcial de minhas buscas, datilografado em mais
de mil páginas, pensei na melhor forma de tornar público o que julgo também de
algum valor para o homem, em geral.
Então, depois daquela gravação involuntária, achei que o melhor mesmo
seria continuar com nossos diálogos, mas com um propósito determinado,
gravando-os e elaborando um livro na base da pergunta e da resposta.
Para elaborar as perguntas, ou melhor, para apresentar certos pontos de vista
pessoais, não havia ninguém mais indicado que êsse amigo, pois êle também já se
desgostara, em parte, com as verdades científicas, escolásticas e ortodoxas; e pró-
curando compensar essa insatisfação, essa espécie de sufocação do pensamento,
muito buscara naquilo que hoje chamamos de cultura humanista integral, ou seja,
conhecia um pouco de tudo, e diria que até mais que um pouco só, porque não
havia assunto que não conhecesse ou que já não tivesse vasculhado de qualquer
maneira. Assim sendo, após vários ensaios, achamos que já podíamos tentar um
diálogo mais sério, em que êle, sob o pseudônimo de Bombastus, faria as
perguntas e as devidas explanações, que achasse de importância capital, conforme
a inspiração do momento. De minha parte, eu também, sob o pseudô

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nimo de Teofrastus, a elas responderia dentro de minhas possibilidades.


Ao usarmos os pseudônimos de Bombastus e Teofrastus não quisemos
desabonar, de forma alguma, o célebre médico e alquimista da Renascença
Teofrastus Bombastus Paracelsus. Escolhemos os dois primeiros porque um
diálogo entre dois personagens com nomes tão bombásticos ficaria indubitàtvel-
mente melhor.
Imaginem que graça poderia haver em uma conversa ultraséria como a
nossa e que tivesse sido travada entre um tal de Ernesto e outro tal de Mário
Baiocchi, ilustres desconhecidos. . .
Bombastus, isto é, Mário, de certa forma, não que quisesse, se encarregava
de defender o conhecimento normal, a filosofia comum, a verdade científica, etc.,
ou seja, faria o papel de porta-voz da cultura moderna atual, se bem que nem
sempre concordasse com a mesma; portanto melhor nome não caberia a êle que o
de Bombastus, o suposto defensor do bombástico conhecimento moderno.
A mim, como herege, contrário às verdades modernas consagradas, cabia
bem o pseudônimo de Teofrastus, que sugere alguém muito importante. Um sábio
e místico, por exemplo. Mas quem é Teofrastus, perguntarão? Que importa.
Teofrastus é apenas Teofrastus, nada mais, uma palavra-fantasma que tentará

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eliminar a enorme quantidade de outras bombásticas e fantasmagóricas palavras,
que só servem para macular a Verdade silenciosa.
Daqui por diante, portanto, passaremos a palavra a Bombastus e Teofrastus,
e o leitor perdoe se as respostas e perguntas forem, às vêzes, um tanto longas; a
culpa não é nossa, e sim das próprias palavras. Se alguém fala pouco, não o
entendem e, ainda por cima, deturpam o que êle diz; e se fala muito, alguns se
perdem no emaranhado das palavras e se confundem. Não sei se aqui irá ocorrer o
mesmo. Em todo o caso, dar-me-ei por satisfeito se o que disser consiga conduzir
o leitor diretamente à VERDADE VIVA, dentro do próprio Coração.
BOMBASTUS: Bem, como poderíamos começar o nosso diálogo? Creio
que, de início, o melhor seria discorrer sôbre isso que chamam "pensamento".
Todavia, espero que êsse nosso início de conversa não descambe para a aridez
filosófica e metafísica.

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De qualquer forma, acho muito importante que, segundo o teu ponto de


vista, me digas como o homem constatou que era dotado de pensamento. Dito de
outro modo: como crês que o homem se apercebeu de que podia pensar.
TEOFRASTUS: Antes de responder a esta tua pergunta, quero salientar que
para mim PENSAMENTO é muito mais que simples especular, filosofar, lucubrar
(ou pensamento discursivo) etc., e estas últimas qualidades da mente são apenas
faculdades do intelecto, a terrível faca de dois gumes, como veremos adiante, e
que de maneira alguma podem e devem ser confundidas com a MENTE-
PENSAMENTO. Mas, deixemos isso de lado, por enquanto, pois sôbre a
MENTE-PENSAMENTO muito teremos de falar mais adiante.
Bem, segundo o meu ponto de vista, o pensamento, como dizes, ou a
especulação ou elucubração (pensamento discursivo), como eu digo, surgiu à
mente do homem devido à DOR e ao TEMOR, intrínsecos a todo homem e a
tôdas as coisas vivas que existem. A dor e o temor não são duas calamidades que
costumam acicatar o consciente do ego ou eu humano, e mesmo animal; elas são o
próprio ego.
A dor e o temor foram a grande mola ou a origem da especulação ou
elucubração da mente humana.
BOMBASTUS: Então, acreditas que a dor e o temor tenham sido a causa do
pensamento ou da intelectualização, como tu dizes?
TEOFRASTUS: Sim, isto eu declaro, conforme determinadas vivências
profundas, algo semelhante à intuição, porém não afirmo, porquanto cada um terá
de confirmar ou não esta declaração por si mesmo, pelo autoconhecimento.
BOMBASTUS: Sem complicar demasiadamente a tua explanação, até que
ponto poderias me esclarecer que a dor e o temor foram a origem do pensamento
humano, ou melhor, da especulação ou elucubração, ou mesmo da
intelectualização, como tu dizes? TEOFRASTUS: E difícil traduzir vivências em
palavras, e quando o fizer, a verdade viva passa ao rol das mentiras mortas, carac-
terizadas pelas próprias palavras. De qualquer forma, apenas a título de
esclarecimento e sem qualquer valor definitivo, exemplifico-te da seguinte

10
maneira: a mente verdadeira, que nada tem que ver com o que os filósofos,
metafísicos, psicólogos, psicana

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listas e mesmo psiquiatras descrevem, mas a mente primeira, viva, dinâmica,


mutável, indecifrável e inalcançável pelo intelecto (que melhor deveria ser
chamada de DEUS-PENSAMENTO Ou DEUS-MANIFESTAÇÃO), é como um
rio que nunca pára de fluir. Em sua superfície e percurso tudo parece sempre o
mesmo, mas na sua profundidade ou essência é mutável, como a corrente de água
de que é constituído. Pois bem, nesse PENSAMENTO-MANIFESTAÇÃO Ou
Mente Verdadeira é que surge um centro estranho e espúrio com pretensões de
permanência e estabilidade (não perguntes por que surge, pois o porquê aqui não
vale), fruto da ignorância-mãe, bem mais insidiosa do que supões. Este centro ou
ego-mente, no caso, passa a conhecer a impermanência e a mutabilidade de si
mesmo e do que o cerca, e busca sobreviver inalterável, a todo custo, surgindo
assim o desejo; com o desejo aparecem também o mêdo e a dor, que vão dar
origem ao pensamento discursivo ou especulação do ego, com seus intermináveis
"como" e "porquês".
Repito o que disse. Há um fluxo de VIDA, espontâneo, impermanente,
descontínuo, mas que se renova sempre, e neste fluxo surge um centro estranho,
que deseja permanecer idêntico, chamado ego; o desejo de permanência e
sobrevivência (como se algo nesse fluxo pudesse morrer) origina a dor e o temor
de aniquilamento. Esta mesma dor e temor dão origem ao pensamento
especulativo, que daí por diante passará a funcionar apenas para reforçar o eu ou
ego em cada um de nós. A dor, no caso, é a própria resistência oferecida por êsse
centro estranho ÀQUILO que é livre e espontâneo.
Como vês é um exemplo bastante sutil, tão a gôsto da Metafísica, que não
aprecio nem um pouquinho por achá-la inútil. A culpa não é minha, meu caro, e
sim das palavras. Peço-te apenas que fiques por enquanto com essa explanação.
No desenvolvimento de nossas palestras, essas declarações talvez se tornem mais
claras e compreensíveis (se não mais confusas). Tem paciência. Deixa que a
exposição flua, para ver aonde vamos parar.
BOMBASTUS: Não poderias tornar mais acessível a tua declaração de que
o pensamento discursivo do homem é devido à dor e ao temor?
13

TEOFRASTUS: Olha aí o "como" armando a teia do intelecto. Todavia,


vamos ver se consigo: o homem, em verdade, sempre foi e ainda é um SER
essencialmente UNO (ou unido) tanto ao seu mundo interno ou mental quanto ao
seu mundo externo ou supostamente material. Êste homem estava e está rodeado
de uma série de coisas (vivas ou inertes) supostamente objetivas, na realidade
verdadeiros enigmas. Essa série de coisas ou enigmas (tudo o que dizemos
conhecer, no fundo, é um enigma ou um símbolo, malgrado a vaidade dos
cientistas que julgam tudo explicar) ora lhe proporcionavam prazer, ora cau-
savam-lhe dor, sem que o homem ligasse muito a isso. Mas, lá pelas tantas, algo
veio à tona neste homem: o ego-mente ou a faculdade de discernir o bem do mal,
o agradável do desagradável. Com a capacidade de discernimento (pensamento

11
discursivo) veio a capacidade de qualificar, e com isso estava montada a
armadilha do ego, que a Filosofia, a Teologia, a Metafísica, a Psicologia sempre
tanto decantaram.
Daí por diante, quando algo proporcionava prazer ao homem, êle não se
dava absolutamente o trabalho de elucubrar ou especular; todavia, quando lhe
causava dor, ficava abismado e acabrunhado, e era tomado pelo temor de
aniquilamento, como aliás ainda ocorre.
A dor e o temor "por quês" obrigaram-no a forjar uma série de
Explicando de outro modo, digamos que tenha havido uma época na qual a
maneira de atuar do homem muito se assemelhasse à dos animais, atualmente
conhecidos, isto é, apenas no aspecto intelectual. Era uma época em que o homem
vivia sem perguntar a si mesmo pelos "como" e nem pelos "porquês" das coisas;
vivia simplesmente; . jamais elucubração ou especulando, jamais filosofando
sôbre si mesmo e sôbre o meio ambiente. Tampouco era atormentado pela
exploração do homem pelo homem, conseqüente de egos em busca de refôrço e
segurança.
BOMBASTUS: Viviam numa espécie de inconsciência?
TEOFRASTUS: Não exatamente neste sentido, como querendo dizer tais
quais as pedras e as árvores. Numa inconsciência especulativa, tipo intelectual. O
homem tornava-se cônscio do viver. Vivia, atuava e sentia; só não se preocupava
em dis

14
cernir e especular. Os "porquês" e os "como" não tinham qualquer valor.
Assemelhava-se a uma criança que vive intensamente sem qualquer preocupação,
sem ligar-se a coisa alguma. Sem a memória-pensamento, a grande criadora dos
inúteis "como" e "porquês".
O homem limitado ao ego, sendo a própria dor, não podia evitar essa mesma
dor, que em certas ocasiões intensificava-se por ocorrências externas
desagradáveis quaisquer, corresponden tes à reação de determinados atos seus
anteriores. Aceitando o agradável e fugindo do desagradável, que mesmo assim
não o largava, via-se obrigado a explicar o "porquê" disso, esquecendo-se contudo
de unir certos atos seus anteriores à reação do meio ambiente, ou até de seu
mundo psíquico.
Ainda que escravizado ao ego, centro da memória e do pensamento
discursivo, na natureza interna dêsse homem havia algo que intuitivamente lhe
dizia que agir de determinada ma neira era bom, mas de outra era mau para êle.
Apesar disso, êle agia bem e mal. Quando atuava bem, a felicidade e a alegria
relativas (em verdade, dor atenuada) o acompanhavam; mas, quando atuava em
prejuízo próprio ou contra algo ou alguém, no sentido destrutivo, mais cedo ou
mais tarde, a dor natural se intensificava e o atingia sob a forma de um mal-estar
interno, ou mesmo como uma ocorrência externa desagradável qualquer. Assim
sendo, teve de inquirir a si próprio, perguntando: "Por que sofro?". . . "Por que me
fazem sofrer?". . . "O que é o sofrimento?". . . "Por que aquêles que amo e desejo
morrem e não voltam mais?". . . "O que é a morte, e por que morremos?". E assim
por diante.
A dor e o desespêro sentidos pela morte dos entes queridos, e o temor que
essa morte nêle próprio suscitava, constituíram outro motivo primordial para que

12
o homem acabasse pensando no sentido da especulação, da elucubração e inda-
gação, que caracterizam bem a Filosofia, a Religião e mais tarde a Ciência.
O desagradável intensificou a consciência-memória (ou ego, ou eu) do
homem, como se estivesse constatando uma espécie de desequilibrio. Até aí, êle
não percebera ou não se dera conta do perfeito entrosamento que havia, e que há,
entre o seu pensamento real (ou não discursivo) e aquilo que estava vendo
15

e sentindo. (O fluxo normal ou o que é natural não suscita o apercebimento. É


vivido apenas.) Antes que o desagradável se tornasse um elemento de memória,
um aspecto do qual sempre se deveria fugir, o homem só sabia que pensando
(espontâneamente, sem premeditação ou esfôrço) em tal coisa, ela vinha a êle. Se
pensava em outra, também vinha. Todavia, houve uma ocasião em que êle desejou
determinada coisa e não a alcançou, provocando-lhe um sentimento de desgôsto e
decepção. A partir daqui o homem foi levado, mais uma vez, a devanear, a
elucubrar. O devaneio ou a especulação causa a separação entre o sujeito e o
objeto, mesmo que seja o objeto encarado como material. Portanto, a especulação
dissociou o perfeito entrosamento primitivo (ainda que inconsciente) que existia
entre "pensamento de desejo e obtenção do objeto desejado".
Além dessa, outras elucubrações ou especulações (encaradas como
perguntas fundamentais) surgiram, tais como: "Afinal de contas, quem sou
eu?". . . "O que é isso que me circunda?". . . "Quem foi que fêz tudo isso?". . . etc.
Quem sabe se naquela época, além dos primitivos especuladores, já não
existiam outros homens mais vividos e avisados, que em vez de formular
perguntas vazias, intuíram que a res posta não tinha qualquer valor, porquanto era
apenas urna oportunidade para o ego se reforçar?
BOMBASTUS: Disseste que o homem, por causa da dor e do temor,
começou a tomar consciência de que podia especular com a mente; pois segundo o
teu entendimento, o homem sempre pensou, não de forma discursiva, ou melhor,
sempre atuou com o pensamento, elaborando espontâneamente imagens e formas.
Teria sido, então, a partir da dor e do temor, que o homem começou a especular,
percebendo daí que tinha uma capacidade que desconhecia: tagarelar com a
mente.
Dessa forma teria começado a especular, perguntando a si mesmo, por
exemplo: "Por que ocorre isso?.. ." "Por que tal coisa não vem ao encontro de meu
pensamento (ou desejo), ou não vem ao encontro do que me é prazeroso, do que
me é favorável"... etc.
Agora gostaria de perguntar como o homem compreendeu que essa sua
especulação valia como descrição exata das coisas
16

que chamamos reais e objetivas. Por exemplo, ver uma árvore viva e verdejante;
conscientizá-la e reter uma imagem mental da mesma. No outro dia, constatar que
essa mesma árvore fôra derrubada por um raio e concluir daí a diferença.
Como é que o homem distinguiu essa diferenciação entre a árvore viva e
verdejante de sua memória e a que agora estava derrubada, queimada e morta pelo
raio? Terá sido devido à capacidade de elucubrar que êle tem? Em outras palavras,

13
como essa alteração das coisas influiu em seu pensamento? TEOFRASTUS: Olha
aí o "como" fazendo o seu jôgo.
Nesta tua pergunta final existe uma série de vícios próprios da lógica e do
raciocínio comum.
Para um homem livre, não centralizado a um ponto mental espúrio,
estranho, chamado eu ou ego, ou mesmo consciênciamemória, uma árvore nunca
é a mesma. Não importa esteja sempre no mesmo lugar, que para êle também não
é o mesmo. Para êsse homem tal árvore ou tal lugar, embora vistos inúmeras
vêzes, são sempre diferentes e encerram sempre alguma surprêsa vivida no
momento da percepção. Ele passa pela árvore, é impressionado, tem uma vivência
completa da mesma e passa adiante, sem lembrar. Noutra ocasião, poderá passar
pelo mesmo lugar (que para êle não é), voltará a observar a mesma árvore (que
para êle não é) e ter outra vivência integral, mas completamente diferente, e seguir
adiante, sem nada reter como elemento de memória. Como nesse caso não existe
ego (ou consciência-memória), a árvore, que no fundo é uma projeção do próprio
indivíduo que passa, difere tôdas as vêzes que é exteriorizada como algo objetivo.
Por isso é que não há significado em dizer que a árvore é sempre a mesma. É
sempre igual para o homem limitado ao ego, cuja memória obriga a esta árvore ser
sempre a mesma. Para o homem isento de ego, tôda vez que êle vê a árvore,
naquele mesmo instante ela nasce; e tôda vez que êle passa adiante, sem nada reter
na memória, ela morre, para renascer na próxima ocasião (por incrível que
pareça).
Para êste homem não existe a dramática e imaginária diferença qualitativa, e
mesmo quantitativa, de árvore viva e árvore morta. Até uma planta caída,
queimada e morta, como dizes, para êle não o é. b que êste homem percebe, no
momento
17

de perceber, é sempre vivo e surpreendente. Para êle não existem qualificações: a


coisa era assim e ficou assada. Esta percepção de desagradáveis diferenciações é
coisa do ego-memória que tenta reter aquilo que normalmente deveria fluir
sempre.
O pensamento dêste homem é como uma observação passiva, apenas
tornada consciente, não retida nem intelectualizada. É como se algo se projetasse
no seu espelho mental, nada mais. As observações que fazemos e a mente
observadora são uma e a mesma coisa. Assim, se uma pessoa apenas observa algo,
passivamente e com interêsse impessoal, sem indagar, especular a respeito, digo
que ela está pensando; e isto para mim é pensamento. Agora, a especulação, a
indagação, a elucubração é como se fôsse o "vestido ou a fantasia do
pensamento". É algo espúrio e inútil que vem alterar o pensamento primeiro. São
imagens mentais comprometidas, originadas do ego-memória, e que alteram o
QUE É.
Não sei se entendeste o primeiro exemplo. Temo estar me aprofundando
demais.
Agora percebo a diferença que existe, quando da observação de uma simples
árvore, para um homem escravizado ao ego, ou melhor dito, identificado e

14
limitado a um centro estranho, discernente, qualificador e ligador de projeções
mentais ou fatos mortos que já não existem. Numa frase: ladrão de pensamentos.
Êste homem passa por uma árvore, que não sabe ser êle mesmo. Se ela o
impressiona favoràvelmente, de forma agradável, conscientizá-la-á; procurará
retê-la e a transformará em dado de memória, após o que passará adiante. A
árvore que deveria desaparecer com o seu afastamento, para êle permanecerá no
mesmo lugar, com as mesmas qualidades, graças à sua mente-memória. No dia
seguinte, lá está ela de nôvo, idêntica, ou com alguma pequena modificação. No
terceiro dia, encontra-a morta e queimada pelo raio. Esta diferença perceptual é
devida ao fato de que êle formara uma imagem fixa da árvore na mente-memória.
A sua própria memória mantinha a árvore permanentemente a mesma tanto quanto
possível (isto é, tentou dar permanência a um enigma, que podia nascer e morrer
infinitas vêzes, de instante a instante), após o que, o aspecto permanente do
enigma ou árvore teve de sucumbir, conforme o
18
teu exemplo, porquanto a memória-ego, com suas pretensões de permanência,
segurança e imutabilidade, não consegue sustentar indefinida e permanentemente
algo que é por natureza impermanente.
Para o primeiro homem a árvore morria tôda vez que êle se afastava; em
compensação, depois ressurgia. Para êste último, a pretensão de permanência
preteriu o desaparecimento da ár vore, e esta foi morrer mais tarde, de uma vez só
e definitivamente, acarretando a percepção de um fato desagradável no
observador, obrigando-o a especular ou a indagar ainda mais. Constatar um fato
diferente do outro (reter mentalmente um, reter outro, compará-los e chegar a uma
conclusão) supõe estarmos dotados de inteligência, quando, em verdade, é uma
simples elucubração, um refôrço do ego-memória. Sem dúvida alguma, a
constatação de um desequilíbrio desagradável externo obriga qualquer um a
especular, indagar, ato que todos chamam de pensar.
Deixando de lado êsses exemplos, ainda quanto ao supostamente observado,
restaria saber se o indivíduo do teu exemplo estaria realmente constatando uma
ocorrência externa verda deira, independente dêle, ou se aquilo que via
correspondia apenas à projeção de um estado mental seu. Isto pôsto, teríamos de
dar dois sentidos à explicação. Uma a elucubração obrigando o homem a buscar a
solução fora de si mesmo, enquanto que para outro a intuição levá-lo-ia a
compreender o fato global: sujeito observando, coisa observada e a relação entre
um e outro, que é o ato de observar.
Voltando ao que disseste: num dia a árvore era viva e verdejante. No dia
seguinte o teu personagem percebe que a mesma fôra derrubada. Pois bem, o
interessante na consta tação dêsses dois estados da árvore, que originaram, entre
outros fenômenos, as indagações na mente do suposto observador, era saber se
ambas as constatações eram uma realidade externa, correspondente a situações
que ocorreram naturalmente, de per si ou se êle, o suposto observador, influíra
duas vêzes naquilo que estava vendo: primeiro projetando a árvore normal, de ma-
neira contínua, depois a derrubada e queimada.
Com certeza entre os primitivos alguns houve que aceitaram a sugestão
intelectual (própria do ego-mente), e portanto

19

15
mais cômoda, de que tal fenômeno ocorrera independentemente da vontade de
suas mentes. Isto é, acreditaram que os aspectos vivos e mortos da árvore eram
devidos a um poder ou vontade eterna, misteriosa, que por enquanto não
precisamos nomear Que atuava independente da vontade dêles.
Bem, se houve homens que assim elucubraram ou raciocinaram, outros
também houve que, na mesma situação e condições, reagiram diferentemente.
Nestes últimos, o mesmo desequilíbrio deve ter provocado uma desconfiança,
com a seguinte pergunta: "Mas afinal de contas, terá isso acontecido
espontâneamente, devido a um poder externo, ou terei eu contribuído, _não sei
como, para a efetivação dêsse fenômeno?
BOMBASTUS: Não estaria êste último valendo-se da insatisfação (própria
da juventude não condicionada) e da dúvida, que se não libertam o homem de seu
ego ou eu, pelo menos impedem que se torne um dos tantos condicionados que
constituem a humanidade?
TEOFRASTUS: Sem dúvida. A insatisfação nos mantém sempre alerta,
mesmo contra aquilo que julgamos óbvio, enquanto que o intelecto e a lógica dão
um sentido unidirecional às especulações mentais, isto é, sempre ao redor do
mesmo círculo.
Para subsistir, o ego necessita de segurança, de certeza e, para tal fim, mata
o que tem vida, que se move e flui espontâneamente.
Mas, voltando ao que estávamos tratando, digamos que diante de uma
ocorrência tivessem aparecido três indivíduos, cada um especulando
diferentemente. Um dêles, diante da suposta magnitude do aparente fato externo,
sentiu pânico, e o temor, que é êle próprio, se agigantou por causa da pretensa
magnitude decorrente de uma avaliação errada, o que, sem que o soubesse,
acarretou uma diminuição das possibilidades de sua natureza interna. Se
ignorantemente hipervalorizamos algo que constatamos fora, seja lá o que fôr, nós
subjetivamente diminuímos de valor, pois todo o pretenso objeto externo cresce
em possibilidades e podéres às custas do sujeito, e vice-versa.
O segundo indivíduo, sem cair no exagêro de diminuir-se, supervalorizando
o suposto fato externo, limitou-se apenas a estranhar o ocorrido, surgindo em seu
íntimo perguntas e mais
20
perguntas do tipo "Por quê?". . . "Mas como?". . . e assim por diante, pondo
assim em movimento o disco mental das intermináveis perguntas (ou problema e
solução) que bem caracterizam a filosofia acadêmica e a Ciência, que de tanto in-
quirir nunca chegam a uma conclusão definitiva e satisfatória; nem haverão de
chegar.
O terceiro indivíduo, diante do estranho fato supostamente externo, limitou-
se a duvidar do que estava vendo e duvidou até de si próprio. Buscou também a
solução, de alguma ma neira, até que abandonando êste propósito intuiu que
aquêle fenômeno, que parecia tão real e tão externo, correspondia a um estado
mental seu, a uma coisa interna sua, projetada adiante.
BOMBASTUS: Achas, então, que êsse terceiro indivíduo foi aquêle que,
antes de todos, surpreendeu a capacidade engendradora da mente, já que
relacionou um suposto fato externo com um, vamos assim dizer, mecanismo
interno, talvez próprio da mente?

16
TEOFRASTUS: sim, porque êste terceiro indivíduo soube distinguir a voz
da intuição, que lhe sugeria a identidade entre êle e o fenômeno, da tagarelice
egolátrico-mental, sempre pronta a expandir-se e a reforçar-se, malgrado as
intuições instantâneas e alertadoras, emanadas do SER, fonte da vida e do livre
fluxo, da paz, do amor e da felicidade.
Ao suspeitar essa identidade, êsse indivíduo reintegrou-se, tornando-se uma
espécie de monista.
BOMBASTUS: Do que acabamos de ver, podemos concluir que até êste
ponto, o homem tinha uma inteligência do tipo reacional. Ou seja, reage porque
tem diante de si um quê, supostamente real, panorâmico, fatos que acontecem e
que o obrigam a elucubrar, em busca de explicação e solução, mesmo que,
segundo a tua maneira de ver, estas duas últimas atitudes visam apenas a reforçar
o ego.
Agora, eu perguntaria como começou a imaginação? Isto é, quando o
homem começou a se desprender das coisas (supostamente) reais, das coisas que
êle vê, que percebe, e pôs-se a imaginar outras que não pertencem a seu mundo
real, pelo menos, ao seu real físico? Porque, de certa forma, êsse real físico era
concomitante e simultâneo com a sua suposta existência, pelo menos para o
homem primitivo, porque o está vendo
21
e sôbre ele especula. Contudo, houve um momento em que ele começou a pensar
ou a especular sôbre o que não via, e que, aparentemente, não se encontrava no
seu mundo real e físico.
TEOFRASTUS: A imaginação ou é fruto da memória, com pretensão
a se concretizar no futuro (o passado se projetando no futuro, passando por cima
do instante presente), ou da intuição morta, transformada em palavras mentais
(impulsos ou atos que deixamos de cumprir), ou de vivências internas, como o
sono com sonhos. Tal como o de hoje, o homem primitivo também deveria
sonhar. Quem não vive a vida, sonha-a.
É bem provável que tivesse havido um tempo em que ele vivesse em
perfeita comunhão e identidade com o meio, numa espécie de monismo natural,
entre ele e o meio ambiente, em que o sujeito era também o próprio objeto.
Todavia, a partir do momento em que algum desejo ou pensamento seu não che-
gou a se consubstanciar, o nosso personagem sentiu-se frustrado, impedido, o
que é sinônimo de dor . A dor pôs em movimento os "porquês" mentais, ao
mesmo tempo em que deixava gravada em sua mente a esperança de que tal
desejo ou pensamento viesse a se concretizar. Isto, muitas vêzes, realmente se
consubstanciava, mas em outras situações e condições, que não as do nosso
suposto plano físico, objetivo. Então, o homem, aparentemente, frustrado neste
nosso nível de consciência objetivo, ao dormir, sonhava. Dito de outra forma, a
mente procurou viver condições ou estados que não puderam ser vividos no
plano físico. Às experiências vivenciadas nestes sonhos vinham também, de
alguma maneira, reforçar a memória. Destarte, a memória do ontem, aliada ao
desejo e esperança do amanhã, acabaram ativando o mecanismo mental da
imaginação.
Com relação aos sonhos, não vamos generalizar, como fez Freud, que
afirmava que todos os desejos sexuais frustrados ativavam os mecanismos do

17
sonho. Situações oníricas há, e muitas, que nada têm que ver com os desejos
frustrados, mesmo os de fundo sexual.
Dito de outro modo, o que vem a ser a imaginação? São experiências,
ocorrências, vivências, anseios, devaneios que, aparentemente, não ocorrem no
tão decantado plano físico. Mas o fato de não ocorrerem nesse plano, não exclui
a. possibilidade
22
de que deixem de suceder em qualquer outro, ou em qualquer outra condição.
O estado psíquico, com seus vários aspectos, é tão real, e até mais real que o
plano físico. Não foi o plano físico, do qual proviria o corpo, que criou a mente; e
sim foi esta a criar aquêles, espontâneamente. É claro que aqui não me refiro à
mente-ego. O plano físico é apenas uma limitação da Mente Primeira (do SER);
uma face elementar dessa mesma mente.
BOMBASTUS: Então, segundo o teu parecer, a imaginação seria uma
espécie de fuga à dor e à frustração. Não tendo satisfeito seus desejos, o homem
transfere a satisfação procurada a outro plano mental, na ânsia de efetivação, na
pretensão de transformar a imaginação em algo que o satisfaça, ainda que par-
cialmente.
TEOFRASTUS: Sim, exatamente para outro plano, tentando a todo custo e
de qualquer maneira consubstanciar ou concretizar êsse mecanismo natural, que é
o pensamento engendrador. Não importa à mente do homem o plano em que se
encontre, ele tem de engendrar.
Os antigos já diziam muito sàbiamente: "Dor é sinônimo de impedimento".
Onde há impedimento, a dor se fortalece. Ego e impedimento também são
sinônimos. O homem limitado ao seu não se conformou com os impedimentos
surgidos no plano físico; queria consubstanciar seus pensamentos e desejos a todo
custo, e acabou, quando pôde, concretizando o desejado em outros planos de
existência, como é o dos sonhos, que para o sonhador é tão verdadeiro quanto o
plano físico, pretensamente real e objetivo.
BOMBASTUS: Já estabelecemos, mais ou menos, que o homem, mesmo
que limitado, graças à especulação', julgou concluir que vivia num mundo
dualista, de certa forma adverso a ele, e que às vezes lhe ocorriam situações que
não lhe eram favoráveis. Posta a questão nestes termos, cabe perguntar agora
como nossos antepassados engendraram a idéia de Deus; isto é, como é que êles
acharam que deveria haver um ser poderoso, acima e fora da Natureza, dirigindo
êsses acontecimentos tanto favoráveis quanto desfavoráveis ao homem?
TEOFRASTUS: Antes de responder diretamente esta tua pergunta, tenho de
deixar bem claro que o DEUS sôbre o qual
23
se fala e racionaliza não é DEUS, e sim criação do homem ou do ego-mente, em
busca de reforços.
AQUÊLE QUE É indecifrável à mente palradora e é o sustentáculo de tudo,
mesmo do trevoso e mentiroso ego-mente em nós. Sendo eternamente desconhecido
ao ego vaidoso, mes mo assim o SER manifesta-se de instante a instante, fora do
tempo (ontem e amanhã) e do espaço, criados pelo ego humano. AQUÊLE QUE É,
antes de tudo, é AçÃo silenciosa e espontânea. Com boas razões já dizia o iluminado
salmista: "SILÊNCIO, EGO-MENTE, E SAIBAS QUE EU sou DEUS!"

18
Assim, Deus não pode ser afirmado, como fazem os religiosos, que querem
impor suas crenças aos desavisados, nem negado, como fazem os céticos
materialistas, porquanto aquêle que afirma e nega é vazio e não tem valor algum, e é
exatamente o ego humano, o ladrão de pensamentos, a consciência morta, que sempre
roubando e acumulando o que não deve está sempre pronta a se reforçar e a se
expandir, na ânsia de imortalidade e permanência. A vida e a morte, tais como as
julgamos conhecer, são situações ilusórias que o ego sustenta por não poder
acompanhar o fluir das coisas.
AQUÊLE QUE É só pode ser vivido. Nunca transformado em palavras, fruto
da memória. Quando isto é feito, a VERDADE escapa e é suplantada pela ilusão; só
ficam as mentiras do ego. No instante presente, atemporal, há vida e silêncio. No
tempo e no espaço, existe a tagarelice filosófica e teológica que afirma um deus
criado pelo próprio homem, atribuindo-lhe qualidades e possibilidades puramente
imaginárias. E é esta mesma tagarelice mental, como a do cientista materialista que
nega o Deus inventado pelos homens e aceita o deus-acaso, com atributos físicos-
químicos-matemáticos que êle próprio (o cientista) criou. Ou seja, no lugar do deus
antropomorfo, coloca o deus máquina, o deus robô, o deus cérebro eletrônico,
pretendendo assim fazer sombra ao deus das religiões. Adora-o e e admira-o como se
sua criação fôsse algo superior a êle próprio, o criador.
Como disse antes, só a título de conversa fiada, repito que NAQUILO QUE É
uNo, é possível que pareça surgir uma mancha, um centro espúrio (o eu ou ego),
origem de tôda dualidade, que vai dividir-se em infinitas ocasiões e situações, como o
ho

24

mem e o mundo, sujeito e objeto, mente e pensamento, alegria e tristeza, dor e prazer,
bondade e maldade, sensação e pessoa que sente, Deus e homem, criador e criatura e
assim sucessivamente, com o propósito de se reforçar sempre. Dêsse modo, quando
um ego-mente parece surgir, logo se dicotomiza ou divide; a finalidade disso é o
refôrço. Divide-se para imperar, suplantar, ofuscar AQUILO QUE É. Todavia, tal e
qual ocorre com 'os pratos de uma balança, um dos elementos da divisão sobe e o
outro desce; se um diminui, o outro cresce. Malgrado as infinitas divisões e
subdivisões, ou mesmo facêtas, que o ego-mente adota, em suas origens (se é que
podemos falar disso) também é uno, condição que esconde ciosamente por causa de
suas tendências hipócritas e miméticas.
Bem, acho que agora posso responder à tua pergunta, de acôrdo com o teor da
mesma, ou seja: De que maneira teria surgido a primitiva idéia de Deus? Ela,
òbviamente, dependeu do primitivo observador já limitado ao ego, digamos, um dos
três tipos que citei antes. Dependeu, principalmente, daquele que diminuindo a si
mesmo, engrandeceu o valor de determinada ocorrência externa.
Enquanto o homem vivia feliz, numa perfeita comunhão com a Natureza, ou
seja, numa espécie de perfeito monismo primitivo, nunca lhe passou pela mente a
necessidade de evo car um deus. Aliás, isto é bem evidenciável nas narrativas ligadas
a certos paraísos primitivos, descritos em alguns livros, considerados sagrados.
Vimos que nem todos os fatos que ocorriam ao homem eram agradáveis; entre
os desagradáveis, o mais comum era a morte. Ora, por ser esta um fato doloroso e que
suscita temor, obrigava o nosso primitivo personagem, como ainda hoje obriga, a

19
tecer elucubrações sôbre tão triste ocorrência. Houve indivíduos que procuraram a
resposta em si mesmos, pelo autoconhecimento. Êste levou-os a compreender que
havia uma espécie de comunhão entre o mundo externo e o interno. Perceberam que
se na alegria havia certa identificação entre êles e o mundo circundante essa mesma
identificação tinha de subsistir também na dor.
Entretanto, outros menos avisados e capazes, menos amadurecidos, acharam
muito mais cômodo atribuir a causa do de

25

sequilíbrio externo ou do desagradável a um ser muitíssimo poderoso e terrível


que, de alguma forma, lembrava o pai e os antepassados dêsse primitivo
observador. Ésse super-homem tinha de ser dotado de podêres tais, capazes de
desencadear qualquer fenômeno externo, agradável e desagradável. A imagem
tinha de corresponder a de um homem ciclópico, porquanto o ego dêsse primitivo
observador convencera-se de que, ao seu redor, nada havia, nem plantas, nem
animais, nem coisa alguma, que fôsse superior ao homem. Em inteligência e
astúcia nada se comparava a êle. Portanto, segundo suas invencionices e
raciocínio, êsse poderoso e imaginário indivíduo tinha de ser um homem muito
grande. Se não homem, alguém muito semelhante a um homem, dotado de
podêres e possibilidades superiores a êste primitivo observador. Assim sendo, tal
indivíduo, a partir de sua imaginação, criou êsse ser antropomórfico que chamou
Deus, ou seja qual fôr o nome, servindo-se para isso da essência de seu substrato
mental. A partir dêsse momento e dessa criação mental, para êsse primitivo pen-
sador e para todos aquêles que como êle pensassem, êsse Deus, aparentemente
antropomórfico, passou a existir. Mas, passou a existir graças à diminuição da
essência mental de seu criador, que foi o próprio homem. E a coisa não parou aí.
Ésses indivíduos, essa espécie de religiosos primitivos, não sòmente se limitaram
a criar o seu deus, mas, inclusive, depois de atribuirlhe podêres, chegaram a
avaliar as possibilidades e a capacidade dêsse homem poderoso, concluindo que
êsse Deus havia criado várias coisas e que podia fazer ainda isto ou aquilo, e
muito mais. A partir do momento que assim imaginaram, o Deus por êles criado
passou realmente a ter êsses atributos, essa capacidade. Mas graças a quê? De
nôvo graças à diminuição da essência mental egolátrica dos próprios
engendradores dêsse primitivo Deus. É como se tivessem criado um fantasma
externo, que passou a crescer, a agigantar-se por meio das ações sacrificiais, dos
holocaustos, do culto, e graças ao alimento mental fornecido pelos próprios
criadores. Já se vê que êste alimento mental dependia da ignorância dêsse
primitivo observador que, como ainda hoje ocorre, tudo desconhecia sôbre sua
essência, origem, possibilidades e fim.
BOMBASTUS: Bem, a gênese do deus antropomórfico, segundo o
que disseste, já foi mais ou menos estabelecida. Agora, gostaria de perguntar
sôbre a imortalidade da alma. Ou melhor, como o homem primitivo concebeu a
idéia de alma, que é tão fundamental para a filosofia, a religião e diria mesmo para
a Ciência?
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20
Como o homem imaginou ou constatou que, em si, havia algo que
sobrevivia à dissolução de sua parte física, o corpo, dissolução essa que sempre o
aterrorizou enormemente?
TEOFRASTUS: Antes de responder à tua pergunta, devo salientar que o
problema da alma parece ser mais um problema das religiões, da Filosofia e
mesmo da ética, que pròpriamente um problema da Ciência. A atual Ciência
moderna, bem diferente do que se propõe o têrmo CIÊNCIA, nunca se preocupou
com a alma. E as qualidades que poderiam pertencer à alma (ou psique),
restringiu-as ao cérebro, como sendo meras reações físico-químicas. E até certo
ponto, alguns cientistas combatem e ridicularizam quem, de alguma forma, tenta
provar a existência da alma. Mas deixemos isso de lado, por enquanto.
Como deve ter nascido a idéia de alma? De que mais, senão da primitiva e
desagradável constatação da morte? A partir dessa antiga e tão atual ocorrência, a
partir dêsse do loroso impedimento, que truncava a possibilidade de continuar
com os entes queridos. A dor exarcebada e o temor obrigaram o homem a
elucubrar, especular, filosofar a respeito do que acontecia com os que, momentos
antes, estavam vivos, animando um corpo e, agora, jaziam mortos diante déle. O
primitivo pensador, naturalmente limitado ao ego, associando talvez uma
condição comum e normal ao homem vivo, que é o sono, no qual a pessoa parece
ficar inanimada como um defunto, despertando, contudo, depois de algum tempo,
concluiu que, semelhantemente, no caso da morte, algo havia que se despreendia
do corpo, sobrevivendo à decomposição do mesmo. Esta é uma conclusão
completamente dualista e algo lógica. Depois havia também a constatação
esporádica do aparecimento de fantasmas, em que a forma etérea daquele que
falecera parecia voltar entre os vivos.
Nesta ocorrência, mesmo que incomum e rara, nada há de extraordinário,
pois se o homem, ainda que não tenha cons

27
ciência, pode projetar o mundo que o circunda, quanto mais a forma etérea de um
ente querido que faleceu, mas que continuava intensamente vivo em sua memória.
Além do mais, apesar de nosso estado de vigília ser um misto de coisas
agradáveis e desagradáveis, para o ignorante e primitivo observador, preferível era
que tudo isso continuasse, mesmo após a morte, a que tudo se acabasse, voltando
o indivíduo ao nada que o ego-intelecto-mente inventou pela simples constatação
da inércia da matéria, do mistério das origens e do apagar-se do consciente
quando do desmaio ou do sono profundo. O nada é outro deus poderoso,
astutamente criado por certas mentes humanas, mal-intencionadas; é dêste mesmo
nada que os materialistas acreditam que tenha saído a consciência do homem, não
obstante seja o nada, para êles, sinônimo da matéria-energia que teria evoluído
num espaço-tempo. No entanto, constata-se que a matéria é inerte, e esta inércia,
para alguns, é igual ao nada. O niilismo ou nada é apenas um pensamento vazio
que pretende suplantar o SER ou a VERDADE.
Raciocinando de outra maneira, o homem valeu-se da memória e da
imaginação para dissecar um estado natural seu: o estado de sono sem sonhos, no
qual existe, mas não sabe o que lhe acontece. Embora seja impossível ao ego-
intelecto participar do sono sem sonhos e dêle deduzir qualquer suposição
agradável ou desagradável, por ser uma condição neutra da mente (não há a

21
polaridade sujeito-objeto) o intelecto do homem, a partir dêsse estado inabordável,
começou a engendrar pressupostos desagradáveis ao redor dêsse estado. Ou seja,
começou a imaginar que, após a morte, poderia ocorrer aquilo que ocorre no sono
sem sonhos: a imersão final num estado de inconsciência absoluta, num
apagamento aparente da mente, num verdadeiro nada.
Em verdade, o ego-mente não tem o direito de imaginar ou concluir coisa
alguma sôbre o sono sem sonhos, e se algo conclui, não passa de simples
imaginação mórbida. Mas, dian te dessa conclusão negativa e errada, o homem
escravo do ego teve de reagir, porquanto mesmo que nada se lembrasse dêsse
estado, achou mais agradável acariciar a idéia de uma sobrevivência relativa, a
uma suposta inconsciência total ou apa
28

rente apagamento da mente. Êste, portanto, foi outro prejuízo que obrigou o
homem a imaginar a sobrevivência da alma. Em verdade, êle nunca compreendeu
êsse estado de sono sem sonhos. A luta que travou foi entre sua capacidade de
especular e o temor ao niilismo que êle próprio havia engendrado. BOMBASTUS:
Quer dizer que o homem, reagindo contra a idéia da morte, começou a imaginar e
a especular sôbre um estado além-morte ou sobrevivência, além dessa morte
física, com uma alma, contraparte do corpo, numa condição que costumamos
chamar vida imortal?
TEOFRASTUS: A morte poderá não ser aquilo que o ego-intelecto-mente
imagina, como a vida também não o é; mas para quem está habituado e foi
condicionado a crer que a vida é o início de tudo e é um estado pleno e contínuo, e
que a morte é o fim, o nada, o vazio, o aniquilamento, que outra reação querias tu
do homem?
Em face da morte inevitável, êle viu-se obrigado a imaginar que houvesse
alguma coisa a mais em sua própria natureza, que sobrevivia à morte do corpo. E
a partir daí, surgiu o conceito de alma. Esta idéia de alma não é mera imaginação.
O homem agiu da mesma forma como agira em relação à idéia de Deus. Isto é, êle
que era UNO (e ainda é) e que já se dividira, aparentemente, num objeto chamado
deus e em outro chamado sujeito (êle próprio, o observador), mais uma vez
dividiu-se num objeto chamado alma e num sujeito chamado corpo ou vice-versa.
Aquêle que era UNO POR NATUREZA (e ainda é), aparentemente, passou a ter
duplo aspecto, como já ocorrera antes, em relação ao objeto deus, ou à idéia de
Deus.
BOMBASTUS: Então, a idéia de alma imortal adotada por várias religiões,
entre as quais a ortodoxa-cristã, faz parte dessa maneira de ser claramente
dualista?
TEOFRASTUS: Exatamente, a idéia de alma independente do corpo faz
parte do ponto de vista dualista. Diria mais: a idéia de alma imortal é tipicamente
um conceito dualístico. E para os cristãos não se escandalizarem tanto com esta
aparente negação da alma, lembremo-nos de que Cristo também declara: "...
Aquêle que quiser salvar a sua alma, perdê-la-á, e quem perder a sua alma por
amor de mim, achá-la-á" (Mat. XVI-25,

29

22
como querendo dizer que se o homem perdesse êsse algo relativo (a sua
psique ou alma individual) encontraria algo verdadeiro que transcende.
BOMBASTUS: E a respeito dêsse problema de alma imortal, como
pensariam aquêles que seguem mais ou menos uma orientação monista?
TEOFRASTUS: Os verdadeiros monistas não costumam falar em alma
imortal, ou em corpo etéreo imortal, porque o monista sabe que essa alma é tão
relativa quanto o corpo. A propósito desta palavra, cuidado, que o monismo ou
uma organização monista não existe e não deve existir. O têrmo monista é uma
palavra vazia como qualquer outra, que descreve apenas a condição psíquica de
um indivíduo (ou mais) desperto, avisado, sempre alerta, não de um grupo. Um
homem comum, escravo do ego-intelecto-mente, "despertando", poderá tornar-se
monista; agora monismo como religião jamais poderá ou deverá existir. Monismo
é apenas um conceito abstrato. Oxalá nunca se transforme em partido ou em
organização religiosa, senão será mais um "ismo" a atormentar o mundo.
Mas, como estávamos dizendo, o monista sabe que o corpo e a alma
parecem existir por causa da mente. Percebe que além do aspecto etéreo da alma e
do corpo, aparentemente fí sico, dois aspectos fundamentais do dualismo e base
dos conceitos dualistas, há algo que é, ou seja: o SER, o UNO.
O SER ou o "EU sou" Consciência é a unidade fundamental subjacente a
todos os pretensos objetos e sujeitos. É aquilo que Jesus costumava chamar de
"Reino de Deus dentro de nós", que Buda batizara de Nirvana e que os hindus
também costumam chamar de sat-chit-ananda ou Consciência absoluta,
Paz e Felicidade absolutas.
BOMBASTUS: Agora, uma pergunta de caráter histórico. Vimos que,
fundamentalmente, há dois tipos de indivíduos: os que projetam um Deus
externamente a êles, ou na Natureza, ou mesmo geralmente fora e acima da
Natureza, e que são aquêles que criaram e defendem o dualismo; e aquêles outros
que buscam o autoconhecimento, ou procuram em si mesmos a explicação dos
fenômenos da Natureza, tentando, a partir dêles, explicar todos os acontecimentos.
30

Mais ou menos, em que altura da História seria possível estabelecer uma


diferença nítida entre essas duas correntes? Pois já percebemos que no homem
primitivo não havia tão acentuada diferença de opinião, tal como hoje há entre
monistas e dualistas.
TEOFRASTUS: Sim, na antiguidade parece que prevalecia mais tuna
espécie de monismo natural.
BOMBASTUS: Sim, mas quando, ou mais ou menos em que fase da
História começaram alguns indivíduos a pensar em têrmos monistas, e outros em
têrmos dualistas? Qual dessas duas formas de pensamento teria a primazia
cronológica?
TEOFRASTUS: Juraria que não há uma primazia cronológica. Acredito que
os dois pontos de vista são simultâneos. Entretanto, parece que o monismo sempre
foi natural, sempre existiu, apesar de inconscientemente. Da degeneração do
monismo é que surgiu o dualismo. A ignorância, o desejo, a dor, o temor e o
extravio quebraram a harmônica união que havia entre o observador e o
observado, ou entre o sujeito e o objeto. Fenômeno idêntico ocorre nos sonhos,

23
em que o sujeito-de-sonho-observador se acredita diferente e separado do objeto-
desonho-observado. No momento do sonho, aquêle não consegue perceber que
tudo é um e uma só coisa. Até aí surge o dualismo como uma degeneração do
monismo.
O dualismo começou a prevalecer entre os homens a partir do instante em
que determinado indivíduo permitiu que outros o subjugassem. Quem domina
outro homem é um egolátrico demônio; quem domina a si próprio é um Deus.
Dominar o próximo é característico dos dualistas materialistas e lunáticos
religiosos. Em verdade, o dualismo começou a surgir simultâneamente com as
religiões organizadas. E por quê? Bem, vamos ver se exemplifico. Determinado
indivíduo introspectivo, cansado das falácias externas e das mentiras do intelecto,
resolveu buscar os segredos ou a explicação das coisas em sua própria mente;
após tanto observar-se e vigiar-se, desde seu SER interno ou Consciência,
surpreendeu o ego-mental originando as trevas e as mentiras que vinham alterar,
em parte, a Manifestação Primeira, de dentro para fora, que do SER emanava. Em
suma, descobre a causa da dor, da separação, da decadência e da morte. Com esta
percepção destrói o ego,

31

ficando sòmente o SER. Ao voltar à consciência comum, de relação, um impulso de


amor sincero levou-o a querer ajudar seus semelhantes, que se encontravam em
lastimáveis condições, presos ao extravio, aos desejos e à dor. Era fácil constatar que
os homens sofriam e eram incapazes de buscar um, consôlo e de encontrar uma
solução para as dores que os afligiam., Em sua ignorância, não podiam repetir a
façanha do monista. Sofriam e não havia como aliviar isso, nem recorrendo à religião,
nem ao conhecimento nem à Filosofia. Esses homens viviam (e vivem) atormentados,
extraviados, perdidos, vítimas das caprichosas ocorrências externas (caprichosas até
certo ponto). Em vista disso, êste monista iluminado resolveu falar e divulgar suas
experiências mais íntimas. Em outras palavras: por meio de uma doutrina e práticas
adequadas, incitava aos que quisessem que se esclarecessem e se salvassem. E que
sucedeu? Aconteceu que uns o repeliram e outros o endeusaram, mas poucos se
salvaram. Os que o endeusaram, projetaram no Mestre realizado os mesmos defeitos
e qualidades que outros já haviam projetado no grande deus-objeto-externo, criado
por outros dualistas. Começaram a ver nesse monista o Messias, a única e verdadeira
encarnação divina, repetindo o endeusamento de algo externo, às custas da
diminuição de suas essências mentais.
Em verdade, o Mestre desejava apenas que seus irmãos penetrassem em suas
essências, ou se conhecessem a si mesmos, como êle fizera, vivenciando assim a
VERDADE, cada um por conta própria. Todavia, êsses seguidores agiram
exatamente de forma contrária. Em vez de vivenciarem a VERDADE, endeusaram o
realizado, o iluminado, diminuindo, assim, mais uma vez, a natureza mental (ainda
que limitada) de cada um, a favor de outro deus externo, que algumas vêzes chegou a
suplantar outro deus anterior, que êsses mesmos dualistas já haviam criado, sempre à
custa de si próprios.
BOMBASTUS: Está certo; mas, apenas, não ficou estabelecido em que fase,
em que altura dos acontecimentos históricos, o dualismo começou a prevalecer?
TEOFRASTUS: Não te parece uma tolice estabelecer uma data definida?

24
32
BOMBASTUS: Não é bem isso que quero. Consideremos, por exemplo, só por
fôrça de expressão, que a civilização egípcia tenha sido uma das mais antigas. Achas
que, nas suas atigens, já havia uma corrente monista de pensamento.
TEOFRASTUS: No Egito, como em tôda a parte, existiram princípios monistas
que alguns haviam vivenciado, como os atribuídos a Hermes Trimegisto. Mas desde
que a civilização é civilização, o que sempre prevaleceu foi a corrente dualista.
BOMBASTUS: Sim, mas para contrabalançar, também existiu uma corrente
monista minoritária, não é?
TÉOFRASTUS: Sem dúvida, porquanto, seja lá onde fôr, não importa a época,
um Mestre deve ter existido. Um Mestre de verdade é quase sempre o mais puro
exemplo de monismo; todavia, os maus discípulos, pensando em suplantar outras
doutrinas, encarregam-se de sistematizar a Verdade vivida pelo Mestre. Agem assim,
porque se sentem e julgam privilegiados. Tiveram "a sorte" de entrar em contato com
o iluminado e acreditaram que a melhor forma de enaltecê-lo era a de sistematizar
seus ensinos monistas, daí resultando mais uma religião dualista. Há um ditado que,
ironizando os maus discípulos, diz: `Deus está com o Mestre, e o Diabo com os
discípulos."
BOMBASTUS: Quer dizer que, de certa forma, o Mestre é traído pelos
discípulos, quando êstes tentam enaltecê-lo?
TEOFRASTUS: É exatamente o que acontece.
BOMBASTUS: Bem, sabemos que as grandes religiões do mundo, ou as
religiões populares, sempre foram, aparentemente, dualistas, pelo menos em seu
ponto de vista exotérico. Em face disso, perguntaríamos se êsse fato de ter o dualismo
prevalecido entre as grandes religiões exotéricas é mera casualidade dos
acontecimentos históricos, ou se êle é mais fácil de ser apreendido pelo homem, e daí
a explicação do sucesso que tiveram as religiões dualistas? Será que as idéias
monistas tiveram sempre de se restringir a um pequeno grupo de iniciados?
TEOFRASTUS: A imposição dualista das religiões não foi um acidente
histórico; ao contrário, foi uma manobra suja do egomente em nós, o pai da mentira,
sôbre quem falaremos mais adiante, o qual tem interêsse vital em que o conceito de
dualidade das coisas e sêres prevaleça e subsista, o que resultou,
33

digamos assim, numa imposição de caráter sócio-econômico. Disseste que


as idéias dualistas parecem ser mais acessíveis ao grande vulgo; realmente, elas o
são. Contudo, o sucesso dos conceitos dualistas religiosos não se deve só ao fato
de êles terem sido mais acessíveis, mas também e principalmente à grande
capacidade e necessidade de domínio de um clero organizado qualquer. Pois só
por meio da sistematização - e porque não dizer da deturpação - da doutrina do
Mestre é que conseguiam melhor dominar a grande massa. O Mestre servia de
desculpa; a organização religiosa constituída ao seu redor fazia o resto. Portanto, o
grande sucesso dos conceitos dualistas não se deve ao dualismo em si, mas à
organização religiosa.
BOMBASTUS: Queres dizer que o sucesso do dualismo não de pendeu do
acaso, mas sim do fato de ter sido manejado por certa classe de indivíduos?
TEOFRASTUS: Exatamente. Isso é mais que óbvio.

25
BOMBASTUS: Aliás, isso vem ao encontro do fato de que sempre existiu
certa união entre a classe civil dominante e o clero.
TEOFRASTUS: E quero dizer mais: a própria classe civil que supostamente
exercia o poder, em última instância, quase sempre era escolhida e imposta pela
classe dominante clerical. BOMBASTUS: Realmente, dir-se-ia que os primitivos
reis provinham da classe sacerdotal.
TEOFRASTUS: Tanto é verdade, que a forma de govêrno que prevalecia
antigamente era a teocracia, encabeçada por um grupo de sacerdotes, dentre os
quais havia um pontífice supremo. BOMBASTUS: Bem, a próxima pergunta vai
ser sôbre um ponto que consideraste de fundamental importância.
Como as correntes dualistas e monistas encaram a criação do mundo? Ou
seja, como essas duas correntes explicam a existência do mundo? Ou melhor,
poderias, por exemplo, es tabelecer um paralelo: o dualismo parte de tais e tais
pontos, e o monismo de outros.
TEOFRASTUS: Comecemos pelo dualismo. Os dualistas costumam
explicar o mundo a partir de um criador, de um taumaturgo, ou melhor, de urih
Deus. Os dualistas, do tipo materialista, contudo, explicam a existência do mundo
a partir das

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inter-relações da matéria-energia, no espaço-tempo, absurdamente dirigidas pelo


fabuloso deus-acaso, patrono da Ciência, mais insuficiente e ridículo que o deus-
taumaturgo das religiões dualisticas. Mas, deixemos por enquanto os materialistas
de lado.
Resta, agora, saber de onde os dualistas antigos tiraram a idéia de criador e
criatura. Bem, parece evidente que, êstes, organizados sob uma religião ou não,
para poderem explicar a gênese de tudo, tiveram de criar um Deus, prèviamente. E
por quê? Porque a partir do momento em que o homem primitivo começou a
especular, surpreendeu-se em encontrar ao seu redor as mais variadas coisas
possíveis, supostamente dêle separadas, tais como simples objetos inertes,
objetos-plantas, objetos-animais, objetos-homens, etc. Como já dissemos antes,
isso tudo ora lhe era favorecedor, ora agressivo. Dai que, a partir de uma série de
vivenciações agradáveis e desagradáveis, e a partir de várias observações,
inferiram uma série de con~ clusões. Bem, raciocinando dentro da lógica dêles,
que apesar de tão antiga e viciada é também tão moderna, só poderiam concluir
que se tal coisa existe é porque alguém a fêz. Ou então se tal outra funciona bem
ou mal é porque há alguém que a dirige. Enfim, tanto o existente, quanto seu
funcionamento bom ou mau, agradável ou desagradável, foram atribuídos a um
grande Ser, òbviamente antropomórfico, chamado Deus ou com outro nome
qualquer. Isto pôsto, posteriormente, outros indivíduos dotados de maior fantasia
engendraram as gêneses tão conhecidas e que as religiões dualisticas tanto se es-
forçam por salientar.
Contudo um monista, um monista puro, "voltando-se para dentro de si
mesmo" à procura de compreensão, intuiu nitidamente a perfeita identidade que
existe entre êle e o objeto externo, ou então entre êle e o mundo aparentemente
externo. E surpreendeu a própria mente como sendo a grande engendradora, ou
como sendo a grande criadora de tudo aquilo que os demais chamavam de mundo

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circundante. Percorrendo outros caminhos do conhecimento, êle não precisou
servir-se de um grande taumaturgo, ou de um poderoso deus-objeto para explicar
a existência das coisas; buscou simplesmente a razão da existência delas no DEUS
interno ou no SER interno, fonte

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de tôda manifestação e de todo equilíbrio. Por exemplo, para um dualista há
criação e criador. Para um monista há apenas uma perpétua manifestação de
dentro para fora a partir do divino SER interno. O perfeito monista surpreende
essa manifestação, vivenciando-a de instante a instante. O homem monista
natural, mas degenerado ignorantemente em dualista, interfere nessa
manifestação, destruindo, criando e alterando. Depois espalha pelo mundo afora
que "descobriu" os segredos do Universo, como se houvesse algo escondido para
ser descoberto, prèviamente feito pelo taumaturgo deus-objeto, ou pelo muito
mais ridículo deus-ácaso dos cientistas.
BOMBASTUS: Só quero te fazer mais algumas perguntas complementares
sôbre o monismo. A primeira é a seguinte: por exemplo, os grandes líderes
religiosos, aos quais se atribui a fundação das religiões populares, como por
exemplo Krishna, Buda, Jesus Cristo, etc., teriam sido realmente monistas? E o
dualismo que apareceu em nome dêles seria algo devido à deturpação de seus
apóstolos ou discípulos e maus seguidores?
TEOFRASTUS: Exatamente. Perguntaste e tu mesmo respondeste muito
bem. Pois o exemplo vivo do monismo foram exatamente êsses grandes mestres
que acabaste de citar. Krishna era monista por excelência. É só estudarmos seus
magníficos ensinamentos para verificarmos isso. Jesus Cristo foi talvez o mais
perfeito monista que o Ocidente conheceu, apesar de sua origem oriental, e apesar
de sua sublime doutrina ter sofrido uma terrível e vergonhosa deturpação. Buda
era o próprio monismo vivo entre os homens. E, riei entanto, as doutrinas dêsses
mestres, nas mãos dos maus apóstolos e seguidores, degeneraram sob a forma de
dualismo. Esses grandes mestres e outros tudo fizeram para divulgar o monismo,
que prega a harmoniosa UNIDADE em todos os sêres e coisas. E devo dizer mais,
entre as doutrinas monistas, o monismo cristão é o que sofreu maior deturpação;
segue-lhe o atual Budismo, divulgado pelos seus representantes, os bonzos. As
doutrinas de Krishna são as que, a meu ver, permaneceram intactas.
Filosdficamente falando, os ensinos dêste último Mestre conservaram o seu mais
puro monismo.
BOMBASTUS: Acho que já respondeste a essa primeira parte. Mas, estavas
entrando na pergunta seguinte, que é: como se
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explica que no Oriente tivesse prevalecido sempre uma forte corrente monista,
enquanto que no pensamento ocidental, o monismo tem sido um caso isolado; isto
é, raramente aparece um mestre ou um filósofo monista puro?
TEOFRASTUS: Os povos do Ocidente quase sempre foram manobrados
por fortes grupos religiosos dominantes. Mesmo antes que o Cristianismo (já
deturpado) se impusesse no Ocidente, já prevaleciam grupos organizados de
religiosos dualistas, cada um formando uma cidadela isolada. A própria condição
de vida no Ocidente sempre favoreceu mais o desenvolvimento do dualismo, ao
invés do monismo. Enquanto que, em certas partes do Oriente, os homens viviam

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em maior comunhão homem-natureza, devido a fatôres climáticos, no Ocidente,
também devido a fatôres climáticos adversos, o homem viu-se obrigado a viver
em cidadelas, a isolar-se em ilhas, a viver em grupos separados. E a partir dêstes,
ou a partir destas fragmentações de cultura e povos, surgiram os primitivos
religiosos.
Admitamos que alguns dêles fôssem monistas por excelência. Todavia,
como o Mestre é sempre mal compreendido pelos seus discípulos, acabou sendo
endeusado como um nôvo herói ou Deus, ao redor do qual surgiu mais uma
religião dualística,, com seu ritual próprio. Quantas religiões assim eram conhe-
cidas na antiguidade e constituíam a característica do paganismo?!
Mesmo assim, apesar de tudo, no próprio Ocidente e em certos círculos
isolados, o monismo continuou prevalecendo. BOMBASTUS: Seria o caso da
corrente órfica e dos mistérios de Eléusis, na antiga Grécia? Dos druidas na Gália?
Das sacerdotes de Heliópolis, no Egito dos faraós?
TEOFRASTUS: Mais ou menos isso. Se bem que no Ocidente
prevalecessem as cidadelas, com seus cultos dualistas isolados, havia algumas em
que só se praticava o monismo puro. Agora, quando o dualismo passou a dominar
ferrenha e totalmente, quando o culto bíblico-hebraico se difundiu no Ocidente,
disfarçado em cristianismo, foi o fim do monismo. A coisa chegou a tal ponto que,
inclusive, os belíssimos ensinamentos monistas de Jesus acabaram sendo
deturpados, a fim de que se acomodassem, num sentido dualista, ao conjunto de
livros, mui
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tas vêzes brutais, sanguinários e intolerantes do assim chamado Antigo


Testamento.
BOMBASTUS: Bem, até agora temos tratado do pensamento religioso.
Gostaria que falasses sôbre a origem do pensamento laico. Ou seja, quando
começou a ter importância uma forma de pensamento diferente da dos religiosos
dominantes? Vamos dizer, uma maneira de pensar com outros objetivos; porque a
religião sempre teve um fundamento voltado ao sobrenatural, que são aquelas
idéias muito caras às religiões dualísticas, como é o caso da idéia de um Deus, ao
qual todos devem temer e depois amar; às vêzes vigilante e vingativo; quase
sempre punindo ou pondo a provas seus elegidos; um Deus que manda forjar um
código de Leis, ou que nos aguardaria com prêmios e castigos após a morte;
prêmios para os que seguem diligentemente os preceitos daquela particular
religião, e castigos para os que seguem uma religião diferente. Ou então, aquêle
outro conceito de que só é justo e certo aquêle indivíduo que segue
exclusivamente determinada religião; e errado, portanto digno de repulsa e do
Inferno, o que segue outra. Mas, por enquanto, isso não importa.
Bem, estávamos perguntando quando surgiram os pensadores laicos e como
se situaria o surgimento de filósofos ou de pessoas, que, à parte dêsses grupos
religiosos, começam a levantar problemas diferentes, põem-se a pensar em têrmos
de ética, de alma, mundo, causa primeira, etc., mas dissociados da idéia religiosa
ou sobrenatural que caracteriza a religião.
TEOFRASTUS: Nesta tua pergunta cabem duas respostas. Primeiro temos
de compreender o seguinte: dentro das próprias comunidades religiosas dualistas
existiam grupos fechados ou esotéricos, isto é, uma espécie de monistas que, por

28
princípio, eram fiéis seguidores do aspecto não popularizado das doutrinas do
Mestre, em tôrno de cuja vida e nome fundou-se mais uma religião dualista. Êstes
monistas não se preocupavam com a divulgação daquilo que eram os verdadeiros
ensinos ou experiências íntimas do Mestre e dêles próprios. Pstes indivíduos, mais
filósofos que religiosos, preocupavam-se sôbre o autoconhecimento que
adquiriam, de acôrdo com determinado método deixado por aquêle que fôra
endeusado. Sucedia, às vêzes, que em face do domínio do esoterismo organizado
ou religião dua
38

lista, viam-se obrigados a manter segrêdo a, respeito da Verdade. Além do mais,


esta não podia ser vulgarizada, porquanto fatalmente iriam deturpá-la. Por isso,
em certos países do Ocidente, existiam as escolas iniciáticas, formadas por êles,
nas quais poucos buscadores, principalmente os que queriam, sincera e
honestamente, conhecer a Verdade, é que tinham o privilégio de entrar em contato
com essa espécie de filósofos, recebendo a iniciação.
No Egito, por exemplo, apesar do domínio e degradação da religião oficial,
ou culto de Amon, Isis, Osíris e Hórus, existiam grupos de iniciados, ou filósofos
monistas laicos, se qui seres, que diferiam dos primitivos filósofos gregos
monistas, porque mantinham segrêdo sôbre as verdades recebidas e as que êles
próprios surpreendiam e vivenciavam. Como vês, havia uma diferença entre o
sacerdote do povo e o iniciado.
Se a situação do conhecimento era essa, e se tôda a cultura comum estava
nas mãos dos sacerdotes, de onde provém o pensador leigo, não monista?
Possivelmente de entre os pró prios religiosos dualistas, pois, no meio dêstes,
também havia os céticos e descrentes, os já cansados da farsa religosa. O grupo
religioso exotérico organizado só podia acabar se desagregando, porque muitos se
preocupavam mais a respeito do domínio temporal que pròpriamente dos
mistérios e cultos da religião que professavam. Assim é que uns seguiam o ca-
minho da política, outros o da filosofia laica. Aquêles só se justificavam a si
mesmos se dominavam e subjugavam a grande massa de ignorantes que
predominava no povo; êstes, por sua vez, já separados da religião de que fizeram
parte, queriam instruir o povo, de alguma maneira, difundindo suas opiniões, algo
divergentes da religião, mas inofensivas. Contudo, o grupo monista esotérico,
enquanto pôde, manteve-se unido, coeso, impedindo a entrada aos imprudentes e
aventureiros. Não que não quisesse difundir as grandes verdades que resguardava,
mas porque não podia. O domínio temporal dos religiosos exotéricos era uma
barreira intransponível. Só era permitido divulgar o que êles queriam. Mesmo
assim, tôda a vez que êsses monistas esotéricos podiam, não poupavam esforços
no sentido de atrair aquelas pessoas sinceras e honestas que queriam receber os
ensinos da verdadeira ciência-religião.
39
Agora, a segunda parte de minha resposta. Sabes que no próprio Ocidente
havia países em que a situação social e religiosa era completamente outra. Na
Grécia, por exemplo, a
religião organizada nunca chegou a dominar, a ponto de impedir a difusão
popular dos ensinos monistas de algum filósofo laico. Nesse país, havia maior
liberdade de especulação e divulgação. E os filósofos gregos, como seus iguais de

29
outras partes, também foram buscar a compreensão primordial de tudo pelo
autoconhecimento ou "dentro de si mesmos". Uma vez encontrada e vivenciada a
Verdade, não foi preciso formar um círculo de discípulos iniciados ao redor do
Mestre, porque êle expunha suas vivências e verdades a quem as quisesse ouvir.
BOMBASTUS: Achas, então, que alguns pensadores laicos surgiram de entre os
próprios religiosos dualistas inconformados? TEOFRASTUS: Tudo me leva a crer
que sim.
BomBASTUS: Disseste também que na Grécia, o pensador laico apareceu,
espontâneamente, por não existir uma intolerância religiosa marcante. Entre êsses,
uns buscavam o autoconhecimento e outros limitavam-se a especular ou filosofar
sôbre o visto. O predomínio numérico dos primeiros, durante certa época,
explicaria, por exemplo, a razão de ser a filosofia pré-socrática quase tôda ela
monista.
Agora, gostaríamos de saber a respeito de outra forma de conhecimento,
que, no mundo atual, é bem mais importante do que qualquer outro tipo de
conhecimento. Ou seja, coma
teria aparecido a visão científica das coisas? Dito de outra maneira, como
surgiu a Ciência?
TEOFRASTUS: Antes de responder, quero salientar que não convém
elogiar muito a liberdade de pensamento na Grécia, porquanto, certa, intolerância
por lá também existia. Anaxágoras, por exemplo, um dos grandes precursores da
Ciência, teve de fugir, por fazer afirmações julgadas impiedosas. Sócrates foi
atingido em cheio por essa mesma intolerância dos gregos. Mas esta é outra
conversa.
Como na antiga Grécia surgiram certos filósofos monistas que difundiam
idéias e vivências intuídas a partir dêles mesmos, que lhes permitiam identificar
dados externos com símbo los e realidades internas, também apareceram outros
pensadores, que longe de buscar a razão de tudo em si mesmos, limita

40
ram-se apenas a observar e a especular sôbre o que estavam vendo. Estes
últimos, constatando que os filósofos monistas divulgavam livremente e com certa
autoridade seus próprios conhecimentos e experiências, acharam também que
podiam difundir seus pontos de vista e conclusões, que se não vivenciados,
provinham de simples observações. Assim, o filósofo precursor do pensamento
científico teria sido uma espécie de imitação deturpada do filósofo monista pré-
socrático, porquanto aquêle achava que observar, especular e depois inferir
conclusões era suficiente, nunca se preocupando, contudo, com aquilo que lhe
permitia que tais observações fôssem efetuadas, ou seja, a mente. BOMBASTUS:
Pelo que se pode inferir de tua resposta, êsses primitivos filósofos que teriam sido
os precursores da Ciência, ao contrário dos monistas pré-socráticos, eram
filósofos que não se interiorizavam ou não tiravam seus conhecimentos de dentro.
Quer dizer, êles observavam e depois especulavam sôbre o visto, mas não viviam
o que tinham visto, pois permaneciam na superfície do mecanismo do
conhecimento. Portanto, êstes pré-cientistas diferiam de um Heráclito ou de um
Pitágoras, que criaram uma filosofia baseada na intuição por êles mesmos
vivenciada?
TEOFRASTUS: De fato, assim foi.

30
BOMBASTUS: Visto que restringiste a origem da Ciência à especulação
dos filósofos pré-científicos da antiga Grécia, perguntaríamos se não teria havido
uma ciência na Babilônia, na China antiga, no antigo Egito, na Índia dos Vedas;
enfim, uma ciência nas antigas civilizações Maia, Asteca, Tolteca, Inca, etc.?
TEOFRASTUS: Bem, havia uma espécie de conhecimento natural, restrito,
impulsivo. Uma espécie de magia que procurava vir ao encontro da Natureza, sem
necessidade de violentá-la e deturpá-la. Todavia, não se tratava de uma ciência
como a entendemos hoje.
BOMBASTUS: Permite-me uma pequena interferência. O que eu quero
dizer é o seguinte: êsse fenômeno que ocorreu na Grécia, em que filósofos
monistas acabaram sendo imitados e suplantados por filósofos dualistas pré-
científicos, etc., não teria .isso ocorrido também nessas outras civilizações?
41
TEOFRASTÜS: luraria que não, põrquánto nestas não havia essà
espontaneidade, essa semiliberdade de exposição dos conhecimentos e opiniões de
cada um, como ocorria na antiga Grécia. BOMBASTUS: Então, quer dizer que
nessas outras antigas civilizações, a Verdade monista, se é que houve, permaneceu
sempre como patrimônio de sociedades fechadas? TEOFRASTUS: Sim, não
era possível ao monista puro e divulgar seus conhecimentos, principalmente
quando contrariar os interêsses da religião dualista dominante.
Na China, contudo, houve indivíduos ou grupo de pessoas que expunham
abertamente seus conhecimentos e experiências sem serem molestados por
ninguém. Mas o chinês não dava muita importância àquilo que hoje chamamos de
ciência ou especulação científica. Pouco se preocupava com os mistérios e origens
da Vida; de como teria sido feito o mundo, de como surgiu o homem, etc. O
chinês preferia o lado ético da filosofia e, conseqüentemente, preocupava-se mais
com a ética, que influenciou enormemente a vida chinesa, aspecto filosófico muito
bem sistematizado pela filosofia de Confúcio, Mêncio, etc.
Em outros países, que não a China e a India, creio que não tenham surgido
os filósofos pré-científicos.
Ciência quer dizer conhecimento, saber; e o conhecimento estava nas mãos
de dois grupos: o dos filósofos iniciados e monistas, que, geralmente,
resguardavam o verdadeiro saber e conheciam a fundo os segredos da mente; e
sabiam também da relação que existe entre a mente e aquilo que chamamos de
Natureza. Além dêstes, existia o clero dominante ou os religiosos dualísticos
organizados, que também possuíam seus conhecimentos, os quais eram utilizados
sempre que fôsse preciso, mas que quase sempre visavam a reforçar o poder e o
domínio do próprio clero. Eram conhecimentos que não podiam sair das restrições
impostas por essa classe dominante. Assim sendo, podemos dizer que havia um
conhecimento, mas que não era do tipo especulativo como o conhecimento dos
gregos.
BOMBASTUS: Então era um conhecimento de observação, de
iniciado vinham
imitação, de realização, de repetição?

42
TEOFRASTUS: Sim, um conhecimento de observação, um conhecimento
natural. Por exemplo: os egípcios encarregados de construir pirâmides e templos

31
não ficavam perguntando o porquê disto, ou o porquê daquilo; simplesmente
construíam, porque sentiam que podiam construir e porque queriam construir.
Faziam as coisas por fazer, jamais especulando a respeito. BOMBASTUS: Quer
dizer que os conhecimentos dessa gente era uma aquisição natural?
TEOFRASTUS: Sim. A ciência dessa gente, se é que podemos falar de
ciência, era a naturalidade: uma espécie de magia natural; uma espécie de
convicção de que o homem estava ligado de alguma forma à Natureza externa e
que êle, após prévia preparação, podia interferir nessa mesma Natureza, e ela lhe
obedeceria. Dito de outra maneira, era a exteriorização espontânea da própria
capacidade interna do homem.
BOMBASTUS: Bom, aqui chegamos a um ponto bastante interessante, que
ao meu ver é básico para salientar a diferença que há entre a Ciência e a Técnica.
TEOFRASTUS: Entre a Ciência e a Técnica?
BOMBASTUS: Sim. Nós já vimos o que é a Ciência; vimos que surgiu
como uma imitação e deturpação da filosofia monista pré-socrática, da qual
apareceu o filósofo especulativo pré-científico. A partir daqui, estabeleceram-se,
iazoàvelmente, as raízes de nossa Ciência atual ou Ciência ocidental; porque já
vimos que as outras civilizações não tinham uma ciência como a conhecemos
hoje. Queremos perguntar uma coisa. Atualmente, fala-se muito em progresso
científico e em progresso da Técnica. Nós perguntaríamos: afinal de contas, de-
penderá a Técnica da Ciência? Teria sido a Técnica, assim como a Ciência, um
privilégio de nossa civilização ocidental moderna? Ou a Técnica sempre existiu?
Neste caso, como pôde existir a Técnica sem a Ciência? Qual a relação que há
entre ambas?
TEOFRASTUS: A Técnica sempre existiu. Aliás, muitas vêzes, a Ciência
especulativa não fêz outra coisa que impedir a exteriorização ou a concretização
da Técnica, inata no homem, outrora chamada artesanato.

43
O homem é capaz de criar naturalmente, pois tem em si uma capacidade
engendradora espontânea, a qual, para se concretizar, não necessita de muitas
especulações e nem de muita ciência. Por exemplo, se juntássemos tôdas as obras
dos povos antigos, nós nos surpreenderíamos com construções, artefatos e feitos
arquitetônicos de extraordinária beleza e perfeição, em relação aos quais, a
Ciência atual não conseguiria forjar uma satisfatória explicação especulativa,
capaz de traduzir em palavras ou em cálculos a maneira pela qual aquêles homens
de outros tempos puderam levar a cabo tais empreendimentos. A verdade é que
êles jamais se preocuparam "como" fazer aquilo; simplesmente faziam-no porque
sentiam e sabiam que podiam fazer tais coisas.
BOMBASTUS: Quer dizer que a Técnica ou o primitivo artesanato seria,
vamos dizer, vivências e concretizações de potencialidades internas, naturais ao
homem?
TEOFRASTUS: Exatamente. Além do mais, a Ciência, no nosso caso, é
apenas especulação. É o aprisionamento em palavras e cálculos dessa capacidade
natural. É uma tentativa de restringir o artesanato ou a técnica a limites estreitos,
bom para constar numa enciclopédia. Sabemos que há pessoas que dizem que sem
a Ciência especulativa, sem a dialética científica não haveria técnica. Isso,

32
contudo, é falso, porquanto o homem sempre foi naturalmente capaz, em qualquer
época e condição.
BOMBASTUS: A Técnica, então, foi sempre inerente ao homem? Quer
dizer que o homem sempre teve uma técnica e que foi, naturalmente, progredindo,
desenvolvendo-se? A medida que o homem aperfeiçoava certo instrumento, dêle
fazia outro mais aperfeiçoado, e assim por diante, não é assim? Neste caso, a
Técnica ou o artesanato é acumulativo.
TEoFRASTUS: Os instrumentos cada vez mais aperfeiçoados existem por
causa da Ciência, pois foi ela quem aprisionou a Técnica, limitando-a.
Antigamente faziam-se os mais surpreendentes artefatos, embora nem sempre
úteis e efetivos, mas nunca instrumentos cada vez mais aperfeiçoados.
BOMBASTUS: Não, disse cada vez mais aperfeiçoados, no sentido de
rendimento. Acredito que os egípcios, para construir

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suas pirâmides, por mais rudimentares que fôssem seus instrumentos, haviam de
ser cada vez mais efetivos. É neste aspecto que digo que a Técnica tem um caráter
acumulativo. Ela vai sempre progredindo, embora seja natural ao homem e in-
dependa da Ciência. Neste caso, esta seria apenas um artifício mental, uma
tentativa de explicar a Técnica. Daí a grande diferença que existe entre o prático,
com anos de trabalho, e o teórico escolástico.
TEOFRASTUS: Quando falaste no aspecto acumulativo da Técnica, além
de nisso ver um dos aspectos próprios da Técnica, vejo também algo relacionado à
influência científica, porque é a Ciência que acumula e limita. Em verdade, a
Técnica pode ser acumulativa, mas a verdadeira Técnica, dissociada da Ciência,
além de acumulativa é surpreendente.
BOMBASTUS: Mas eu ressaltei êsse aspecto só para evidenciar como a
Técnica independe da Ciência, pois o que a Ciência ressalta muito é justamente
sua. pretensa relação com a Técnica. Ela tem a mania de justificar-se como a
propiciadora da instrumentação cada vez mais perfeita do mundo moderno,
quando sabemos que êsses instrumentos continuamente aperfeiçoados são apenas
o resultado natural da capacidade hominal e não correspondem ao fato de os
homens conhecerem muita ciência especulativa.
TEOFRASTUS: A instrumentação cada vez mais perfeita é uma
afirmativa da capacidade humana. É uma espécie de compensação àquilo que o
homem perdeu. Adiante falaremos mais claramente sôbre isso.
BOMBASTUS: Pois é, a Técnica evolui cada vez mais, não porque a
Ciência imponha novas condições ou novas idéias, pois, de certa forma, a Ciência
entrava a Técnica. Concordei contigo quando disseste que a Ciência tira o aspecto
surpreendente da Técnica, uma vez que a obriga a caminhar apenas por uma
trilha: a trilha da especulação científica. Enquanto que antes, como disseste, a
Técnica era mais fantasiosa, mais imaginativa e permitia aos homens criadores
surpreenderem seus semelhantes.
45

A Decadência da Filosofia Ocidental devido ás Palavras

33
BoMBASTUS: Falemos agora de Ética. Apenas ocasionalmente disseste
que as religiões dualísticas oficiais, em matéria de Ética, costumavam premiar o
seguidor da religião que prevalecia em determinada região, e costumavam
condenar o seguidor da religião oposta. Poderias estabelecer sintUicamente a
diferença principal que há entre o aspecto ético do dualismo e do monismo? Dirias
que o dualismo prevê que o indivíduo faça isto ou aquilo, e por quê. Preverá o
monismo, mais ou menos, a mesma coisa? Poderias salientar como o dualismo e o
monismo encaram o que é bom e o que é mau para o homem, dentro de
determinada hierarquia de valôres?
TEOFRASTUS: O dualismo, se encarado sob seu aspecto religioso, implica
a existência de um Deus criador, diretor e juiz de tudo. As religiões dualistas
dependem de três fatôres: Deus, mundo e alma; a Ciência, apenas do mundo (ou
da matériaenergia e do espaço-tempo), o que é pior. Pois bem, o religioso dualista
ou o religioso exotérico estabeleceu uma ética ou um código de conduta humana,
a partir dos pretensos humores dêste grande juiz, os quais, em verdade, muitas
vêzes

46
traduziam apenas a ignorância, maldade, tacanhice, intolerânci2 e fanatismo do
próprio religioso, autor do código. Mas êsse código de ética que êles
estabeleceram, peca por uma série de incongruências e injustiças, pois quase
sempre traduzia apenas o estado de alma ou condição mental do elaborador do
código; raramente o código correspondia à pretensa perfeição dêsse grande Deus-
objeto. Um exemplo do que digo pode ser encontrado no Antigo Testamento, no
qual encontramos um terrível juiz, o Senhor Jeová, ora justo, ora injusto; ora
bondoso, ora mau e iracundo; ora caprichoso, ora vingativo e absurdo; enfim, um
deus completamente humano, com os mais lamentáveis defeitos. O Jeová do
Antigo Testamento foi o Deus mais surpreendente que êsse dualismo religioso ou
essa ética dualística, falha e insuficiente, pôde apresentar. O mesmo acontece com
a ética de outras religiões dualistas, como é o caso do Islamismo, cujo Alcorão
muitas vêzes não passa de um reflexo melhorado do Pentateuco bíblico.
Não quero incluir nessa observação a ética dualística dos chineses e gregos,
porquanto esta, apesar de dualista, era mais filosófica que religiosa. Ela não visava
ao predomínio da classe sacerdotal sôbre as demais classes, mas buscava a
harmonia do homem com o meio. Constatamos um grande progresso na ética
filosófica, mesmo se dualista, quando comparada à ética dualística religiosa.
BOMBASTUS: Quer dizer que a ética dualística religiosa, em nome de
Deus, visava ao predomínio de uma determinada classe sôbre as demais? Se assim
é, não resta dúvida que a ética filosófica é bem melhor.
TEOFRASTUS: Exato. Além do mais, deixando de lado os dualistas, os
grandes monistas, quando realizaram ou vivenciaram a Verdade, entre outras,
constataram que a Ética ou êsses princípios morais que harmonizam a vida do
homem não eram algo que independesse do homem. Ésses Mestres compreende-
ram que a Ética era o próprio homem. Perceberam que o homem-ego é apenas um
conjunto de atos; isto é: a ação é que faz o homem, e não o contrário, como
estamos acostumados a crer.
Segundo êste ponto de vista, a ação não parte do indivíduo aprioristicamente
criado; a ação é o próprio homem.

34
47
era feliz ou infeliz, devia-o à resultante do conjunto de ações que êle próprio
é. Além disso, compreenderam que as ações sempre correspondiam às reações, daí
porque uma ação boa dá como resultado urna reação boa, que se traduz como
bem-estar e alegria para o homem; e a uma ação má correspondia uma reação má,
que para o homem resultava em impedimento, dor ou doença. Assim, perceberam
os monistas êste perfeito princípio de ação e reação, também conhecido por
Karma. O princípio de ação e reação, que muito mais tarde Newton acreditou ter
"descoberto" na Natureza ou no suposto mundo físico da matéria bruta,
corresponde apenas a uma degradação intelectual ou mental dêste princípio
natural e intuitivo, presente em tôdas as coisas e em todos os sêres, porque êle é !
tudo isso. O princípio de ação e reação é a própria ética viva, formal e
nominalmente traduzida no homem. E se há algo natural no homem é exatamente
esta ética de ação e reação.
Bem, como estava dizendo, tendo êsses monistas percebido que o homem
era o próprio princípio da ação e reação, compreenderam que todo o mal e tôda a
dor tinham como origem o próprio homem e não dependiam de castigos ou de
sentenças de um juiz externo. O mesmo se diga quanto à felicidade e ao bem-
estar, que têm como origem o próprio homem e que não dependem das dádivas e
graças de um Deus-objeto-externo, nem sempre justa. A partir disso, os monistas
proferiram os mais belos, justos e extraordinários conceitos éticos que a hu-
manidade jamais ouvira e conhecera e que superam em muito os conceitos éticos
dos filósofos chineses e gregos, superando muito mais os conceitos éticos dos
religiosos dualistas.
Quando Jesus disse: "Amai-vos uns aos outros como a vós mesmos", disse-o
sabendo que dizia a maior das verdades, pois se amássemos mais o nosso
próximo, ou da mesma maneira como amamos nosso ego e nossas posses,
estaríamos fazendo um favor a nós mesmos e a ninguém mais, e estaríamos,
principalmente, diminuindo o poder do ego em nós. O que Jesus disse, e outros
Mestres disseram também, não são apenas belíssimos preceitos morais, mas a
própria Verdade. Como bom monista que foi, Jesus percebeu que o homem era a
causa e o efeito de todo
48
bem e de todo mal. Da mesma maneira falaram Buda, Krishna, Lao-Tsé e tantos
outros Mestres monistas. Como vês esta é a diferença que há' entre a ética
dualístico-religiosa e filosófica e a ética monista.
BOMBASTUS: Resumindo, poderíamos dizer que a ética monista baseia-se
no ato do homem, e restringe o homem ao ato, considerando o ato como o
principal fator da felicidade e da dor, enquanto a ética dualística separa êste
daquele. Ela acha que o ato, sendo bom ou mau, vai-se refletir sôbre o homem,
mas não que haja essa identidade entre o ato e o próprio homem.
TEOFRASTUS : E digo mais, a ética dualística, principalmente a
religiosa, não sòmente separa o homem do ato, mas, inclusive, aceita a existência
de um terceiro indivíduo, ou um Deus• juiz que vai avaliar os atos bons e maus,
dando uma retribuiçãó que nem sempre é correspondente, e é sempre pior para
aquêle que se opõe ao deus de uma determinada religião dominante.

35
BOMBASTUS: Realmente, êsse caráter de avaliação é típico da ética
dualística-religiosa. Segundo seus adeptos, as coisas são boas ou más, não porque
dizem respeito ao homem, mas porque dizem respeito a um sistema, a um código
de lei, prèviamente estabelecido por um suposto juiz supremo.
TEOFRASTUS: Os filósofos éticos dualísticos chineses e gregos não
levavam em conta um juiz supremo. Simplesmente falavam em nome da Ética
pura, em nome da Ética da vida. BOMBASTUS: Bem, poderíamos agora falar
um pouco sôbre os filósofos chineses. Antes te limitaste a falar mais sôbre os filó-
sofos dualistas; entretanto, já disseste que existiria uma diferença entre o filósofo
dualista e monista. Para ti, um pensador como Confúcio seria um filósofo dualista,
e um pensador como LaoTsé seria monista; gostaríamos que explanasses,
sucintamente, onde está a diferença entre o monismo e o dualismo chinês; e,
sobretudo, que salientasses o que predominou na civilização chinesa, se foi a ética
confuciana ou se foi o monismo taoísta. TEOFRASTUS: Bem, isto é difícil de
responder. Superficialmente falando, parece que a ética de Confúcio tenha
prevalecido sôbre a de Lao-Tsé. Segundo meu parecer, Lao-Tsé superou Confúcio
em muitos aspectos. Superava-o em perfeição ética, superava-o em Verdade;
mesmo assim, Confúcio foi mais aces
49
sível ao homem comum. Sucede, contudo, que à ética confuciana, muito bela por
sinal, faltou-lhe certo calor, que muito caracteriza a ética cristã. Tanto é verdade
que, exatamente, por faltar-lhe êsse calor - não quero dizer com isto que lhe
faltasse simpatia - mas o fato é que a falta dêsse calor humano se refletiu
enormemente no povo chinês, que, talvez, por causa disso, aparenta ser um povo
um tanto frio e insensível. O mesmo não diria da ética de Lao-Tsé. Por quê?
Porque Lao-Tsé realmente disse coisas magníficas, verdades mais sutis e
profundas que as de Confúcio, mas, infelizmente, verdades que o vulgo não
conseguiu captar, nem entender. Lao-Tsé visava a conduzir o homem do plano
comum e sensório ao transcendental, cujo caminho (TAO) conduzia à VIDA
plena, que era a realização do UNO.
Confúcio, porém, preferia que o homem permanecesse na terra,
harmonizando-se com o meio. Tanto é verdade que êle nunca se preocupou com a
possível sobrevivência da alma, no mundo do além. O que lhe interessava mais
era o comportamento do homem.
Lao-Tsé também se preocupou muitíssimo com o comportamento do
homem, mas não visava sòmente a isso. A partir de uma ética cotidiana e por meio
da inação visava a conduzir o discípulo à realização do TAO. A ética de Lao-Tsé
aparenta ser estática, enquanto que a de Confúcio era dinâmica, no plano material.
Lao-Tsé deseja conduzir o homem de seu estado dinâmico-natural a um estado de
estabilidade, para daí conduzi-lo à conquista do TAO. Como bom monista e bom
intuitivo, êle percebera que atrás dêsse lusco-fusco da vida, dêsse fluxo incessante
das coisas, havia um estado de paz e felicidade, de harmônico fluir espontâneo,
que êle chamou de TAO. Se bem que muitos traduzam a palavra TAO
simplesmente como "Caminho", Lao-Tsé pretendia, com sua ética, conduzir o
homem à conquista dêsse estado. Confúcio visava apenas a harmonizar o homem
com o ambiente. Cnicamente isso.

36
BOMBASTUS: Agora, apesar de tudo, não consegui atinar por que
chamaste Confúcio de dualista?
TEOFRASTUS: Por quê? Porque Confúcio jamais se identificou com o
próximo. E na sua filosofia não se encontra a comunhão entre o observador e o
observado. Ele apenas limitava
50
se a buscar a harmonia entre o observador e o observado ou meio ambiente. Não
visava à comunhão do sujeito e do objeto. Enquanto que Lao-Tsé intuiu a verdade
existencial dessa comunhão. E atrás disso vislumbrou um estado de liberdade e
paz que êle chamou de TAO ou "o Caminho".
BOMBASTUS: Então a última parte de nossa pergunta: sabemos que na
Filosofia e no pensamento hindu aparentemente sempre dominou a tendência
monista; mas também sabemos que quem manobrava o povo realmente era a
religião dualística, como é o caso do Brahmanismo. Mas mesmo assim, na
essência do pensamento hindu, quase sempre prevaleceu o monismo. Agora, nós
perguntaríamos, se na essência do pensamento chinês, deixando de lado a religião,
que aliás na civilização chinesa não exerceu um papel preponderante, prevaleceu
o pensamento monista, como na hindu, ou prevaleceu o dualismo confuciano?
TEOFRASTUS: O dualismo confuciano foi sempre a nota marcante do
pensamento chinês. Se bem que, depois, quando o Budismo se difundiu na China,
houve uma espécie de refôrço ao monismo chinês, pois o de Lao-Tsé veio ao
encontro do monismo budista, mas, logo após, essa união degenerou em mais uma
religião dualística. A primeira filosofia de Lao-Tsé e Buda cedeu lugar ao panteão
dos deuses budistas e chineses. De qualquer maneira, porém, o que orientou o
pensamento chinês foi sempre a filosofia confuciana, pois era uma filosofia
imediatista, uma filosofia de vida, enquanto que a outra era uma filosofia
transcendental.
BoMBASTUS: Quando abordaste o problema ético, notamos que falaste em
dualismo filosófico e religioso; e, em contraposição a êles, falaste em monismo
filosófico e religioso. Quer dizer que dentro do dualismo, separaste o dualismo
religioso, que de certa forma se estribava nas religiões dualísticas oficiais, e um
dualismo não-religioso, como o dos gregos e chineses. Nós perguntamos se não
existiria um monismo filosófico, ou seja, se não existiriam filósofos monistas, que
assim como os dualistas, se preocupassem apenas com as questões do homem e da
Natureza, sem entrar no problema que caracteriza todo religioso, ou seja, no
problema da sobrevivência do homem. Ou a própria maneira de ser do monismo
não comporta a possibilidade de pensa
51

dores que sejam filósofos monistas despreocupados com sua própria origem?
TEOFRASTUS: Queres saber se há filósofos monistas se preocupem com a
origem primeira das coisas que não e de si próprios?
BoMBASTUS: Não, não é exatamente isso. Então é melhor que antes
esclareças qual a diferença que existe entre um dualista religioso e um dualista
filosófico, não apenas no aspecto ético, que já abordaste, mas no aspecto global,
por assim dizer. Como diferencias um dualista grego, por exemplo, de um dualista
religioso?
TEOFRASTUS:

37
A própria palavra o diz: dualista é aquêle que se sente como uma
individualidade entre tantas outras e independente do suposto mundo
circunjacente. Portanto, o dualista religioso é aquêle que se considera como um
indivíduo à parte e vê o mundo como algo fora dêle; e tem mais, considera como
supremo objeto de culto, adoração e obediência o grande e poderoso Deus-objeto.
Éle, de per si, julga-se um mero objeto diante dêsse Observador Supremo, que
seria o Deus das religiões. O próprio religioso dualista colocou êsse grande Deus-
objeto nas alturas, no Céu, a fim de que, lá de cima, êsse Deus observasse melhor
as manobras de seu devoto.
No entanto, o filósofo dualista não leva em consideração a existência do
magno Deus-objeto, ou então do magno Deusobservador, e nem tampouco
diminui-se diante desta portentosa entidade. Mas insiste em manter a
independência entre sua mente observadora e o mundo circunjacente. O filósofo
dualista considera-se, apenas, como se fôsse um número entre a infinita
quantidade de números da série numérica. Êle percebe-se como um indivíduo
isolado, mas que faz parte da infinita quantidade de outros indivíduos ou de sêres
vivos. É a sua impressão particular diante do múltiplo universal.
BOMBASTUS: Então qual seria a posição do filósofo dualista em relação a
Deus?
TEOFRASTUS: Se um filósofo dualista acredita num deus, coisa que
nem sempre acontece, o deus dêsse filósofo é um deus mais ideal; não é um deus-
juiz, um deus antropomórfico, um deus
52
criador. É um deus enigma, um deus princípio, é um deus-causa, etc. Éste filósofo
dualista sente que êsse Ser primeiro, êsse deus-causa, tem de ter existido, ou tem
de existir, porque êsse filósofo pensa, raciocina e percebe a si mesmo e a seu meio
ambiente; percebe as demais pessoas, e isso tudo o encanta e o fascina; e sente
necessidade de admitir a existência de um Terceiro Aspecto ou uma Causa
Primeira que tenha criado e feito tanto a êle, o filósofo, quanto a todo o resto. A
diferença que há entre êle e o dualista religioso é que o primeiro prefere manter
silêncio a respeito dêsse Ser, que êle acredita externo e fora de seu alcance. Sabe
que existe, sabe que deve haver um deus, mas não sabe quem êle é, nem o que
está fazendo e nem como é. Esta é a grande vantagem do filósofo dualista sôbre o
religioso dualista; pois o primeiro, ao contrário do segundo, não especula tanto
sôbre Deus. Aceita-o apenas. E principalmente não atribui a êsse deus
prerrogativas e podêres arbitrários. Limita-se a aceitá-lo, idealisticamente.
BOMBASTUS: Quer dizer, então, que o filósofo dualista, quando acredita -
pois tem a plena liberdade de não acreditar - aceita um deus sem qualidades, ou
seja, não se preocupa com os atributos divinos, atributos êsses que são a razão da
existência das religiões, uma vez que são atributos inventados pelos próprios
religiosos, a fim de que o deus dêles possa impressionar e atrair o incáuto.
TEOFRASTUS: O filósofo dualista que crê num princípio divino sabe que
Deus existe apenas como harmonia, como inteligência, como capacidade; fatôres
êsses que êle julga ver retratados na Natureza circunjacente, mas que,
necessàriamente, não os atribui ao próprio Deus, porque acha que Deus é isso e
está além disso.
BOMBASTUS: Todos os monistas teriam o mesmo pensamento a respeito
do problema Deus? Não haveria, dentro do monismo, uma distinção semelhante a

38
essa que existe no dualismo em que, conforme vimos, há filósofos dualistas que
crêem ou não num deus, assim como religiosos dualistas condicionados, cuja
crença é imposta por outros - pois caso contrário não seriam religiosos - e outros
que crêem apenas por comodidade, porque lhes convém permanecerem ligados à
organização religiosa?

53
TEOFRASTUS: Um monista que crê ou descrê não é monista. Só é monista
aquêle que sabe e que vive a Verdade; e esta é uma vivência particular. Só um
homem pode viver a Verdade; jamais um grupo, uma organização, uma sociedade.
Se dois homens, cada um por conta própria, estiverem vivendo a Verdade,
deixarão de ser dois homens para serem apenas um.
Como. já, alertei antes, monista seria só aquêle indivíduo que, pelo
autoconhecimento ativo (vigilância sem esfôrço e compreensão adequada de seus
pensamentos e atos), vivência a Verdade Una de instante a instante.
Além désse, há também aquêle outro de tendências monistas
(simpatizantes), que ainda prêso ao ego, tenta identificarse com a Suprema
Unidade, sem, contudo, tê-la vivenciado ou realizado.
Se pudéssemos compreender e surpreender o ego-mente (sem a necessidade
de que haja alguém que compreenda e surpreenda) de forma integral,
imediatamente o eliminaríamos 'e acabaríamos vivenciando êsse SER, aqui e
agora.
Aquêle que compreende e vive a Verdade prefere não dar nome a êsse SER
interno; limita-se a designá-lo como AQUÊLE QUE É (ou mesmo AQUILO).
É também conhecido como o "Eu sou" bíblico. Éste "EU sou", Consciência, é
raramente compreendido pela maior parte dos leitores da Bíblia. O monista não
adora nem se prende a um grande ser-objeto-externo ou deus das alturas; não
coloca o homem hipòcritamente submisso num pólo, e um deus arrogante no
outro, como o ego-mente pretende; ao contrário, o monista verdadeiro pulveriza o
egoindividual pelo reto discernimento e compreensão, ego êsse criador de
empecilhos, divisões e reforços, e identifica-se com o SER que está
primeiramente nêle e depois se "projeta" adiante em tôdas as partes.
A êsse propósito, o primeiro sentimento que aparece em nós é a noção de
SER ("EU Sou") que subsiste no silêncio mental. Só depois, ignorantemente
engendramos a noção de corpo, de sentidos, do eu penso, e engendramos também
o tu és, o êle é, etc. Portanto se não resolvermos o problema do "EU", não
poderemos explicar satisfatòriamente o resto. BomBASTUS: Voltando agora
ao terreno da Ética, vamos fazer uma pergunta de caráter mais sociológico: seria
interessante que

54

abordasses o problema da lei social, ou seja, da lei que rege o indivíduo na


sociedade. sabe-se que, quase sempre, essa lei é apenas a expressão da classe
dominante, que através de uma série de sanções procura resguardar uma série de
condições que lhe são favoráveis. Ou seja, cada classe dominante tem seu código
de leis; tanto é verdade que a sociedade primitiva, antes de se subdividir em
classes diferentes, não tinha leis; tinha apenas uma série de preceitos religiosos,

39
comuns a todos. Perguntamos até onde estas leis sociais atendem às necessidades
éticas inerentes ao homem? Ou seja, vêm estas leis ao encontro do preceito mo-
nista de que o homem seria o seu próprio ato; ou se, pelo contrário, a lei social
vem apenas ao encontro daquela conceituação dualístico-religiosa de que a ética
se fundamenta no julgamento de um Ser Supremo sôbre o comportamento do
homem?
TEOFRASTUS: Em verdade, a lei social que prevalece no mundo é o
genuíno reflexo da ética dualístico-religiosa, porque o verdadeiro monista não
necessita de lei alguma para se orientar e para atuar, pois êle é a própria lei, o
próprio mérito e o próprio demérito. P1e é a lei, é o ato e o herdeiro de seus
próprios atos. Um verdadeiro monista, sabendo que êle é o ato, a reação do ato, a
semente dêsse mesmo dto e o fruto, enfim, sabendo que êle é tudo, òbviamente
procurará sempre atuar da melhor maneira possível, tanto para consigo, como para
com os demais, não necessitando, portanto, de um código de leis. Contràriamente,
os códigos de leis que abundam por êsse mundo afora, vêm ao encontro da ética
dualístico-religiosa, e muitas vêzes mesmo da ética dualístico-filosófica. Não
quero dizer com isto, por exemplo, que as leis jurídicas da China fôssem o reflexo
da ética confuciana; não é bem isso. Ao contrário, essas leis jurídicas, muitas
vêzes, eram uma afronta à ética de Confúcio; mas nem por isso os chineses
deixaram de aplicar seus códigos de leis, que eram apenas um reflexo deturpadís-
simo dos nobres princípios de Confúcio.
No caso da ética dualístico-religiosa, estabeleceu-se uma espécie de
hierarquia, em que Deus seria o Supremo Juiz, ao qual se atribuía a revelação de
um código divino, nem sempre imparcial, a partir do qual, os sacerdotes que se
diziam seus
55
representantes forjavam códigos de conduta menos perfeitos, que por sua vez
serviam de base à forjação de um código civil elaborado por um rei, ou por um
governante qualquer, ou por juristas, códigos êsses que iam sofrendo uma espécie
de degradação, de conformidade com as classes que os elaboravam, visando ao
predomínio de uma classe sôbre a outra, e assim por diante. Mas êsses códigos
sempre se basearam no aspecto ético dualístico-religioso. Quer dizer, se há leis e
se essas leis são imperfeitas, é porque, desde o início, refletiram a limitação e a
imperfeição de seus autores.
Devo salientar novamente que o monista real e sincero não necessita de leis,
porque êle é a própria Ética, êle é a própria lei viva. Seu código principal se
resume em poucas palavras: "Não faças a outrem aquilo que não queres que te
façam", ou "Faze a outros aquilo que queres que te façam". O monista não se
limita às palavras dêsses aforismos. Sabe que êles representam o próprio
equilíbrio harmônico da vida. BOMBASTUS: Agora que acreditamos já ter
visto como apareceu o religioso, o filósofo e o cientista, vamos situar o apareci-
mento de um tipo especial de filósofo, que aliás, conforme se sabe pelos vários
historiadores, surgiu em tôdas as civilizações. Ou seja, há certo momento em que
o pensamento se afasta das cogitações religiosas monistas ou dualistas. Surge,
então, uma forma de pensamento completamente oposta ao monismo,
principalmente a êsse monismo do qual temos falado até aqui e que inclui também
o aspecto espiritual, que é uma coisa que não tem sido tratada com maiores
explicações, porque é evidente que o próprio monismo é uma forma espiritualista

40
de encarar a vida. Atento que quando digo espiritualista, não me refiro ao
espiritualismo das religiões ou mesmo das seitas espiritistas ou espiritualistas
modernas. Falo em espiritualismo porque o monismo acredita em algo além da
matéria e, neste caso, a matéria para o monista seria apenas um disfarce do que é
Real.
TEOFRASTUS:
O monista, conforme a própria palavra diz, não acredita sequer que a
matéria exista, principalmente quando vista como os cientistas do século passado
a viam. Para o mo nista tudo é uma coisa só, que se manifesta gradativamente, e
que se torna consciente, de conformidade com a mente que
56
observa essa manifestação. O substrato de tudo é como se fôsse a água; e as
manifestações são como formas ou recipientes que limitam essa água, em verdade
sempre contínua. Digamos que a substância material dêsses recipientes ou dessas
formas fôsse o gêlo, em última instância, seria apenas a própria água vista de
outra maneira. . . A manifestação limita-se às mais variadas formas que o gêlo
possa ter. Nomes e formas aparentam limitar essa "água".
BOMBASTUS: Sim, como estava dizendo, o espiritualismo a que me
refiro não tem nada que ver com o espiritualismo das correntes religiosas. Eu
disse espiritualismo apenas em oposição ao materialismo, que é uma das formas
de pensamento a que me refiro.
Paralelamente ao materialismo surge aquilo que podemos `chamar de
relativismo e que na Grécia estava representado pelos sofistas, imediatamente
anteriores a Sócrates. Depois há uma terceira forma que é o ceticismo, que de
certa maneira é a forma de filosofia predominante no mundo moderno. Gosta-
ríamos que situasses, mais ou menos, como surgiram essas três formas de
pensamento: ou seja, a materialista, a relativista que na Grécia era muito bem
representada pelos sofistas e que, mais ou menos, em nossa atual civilização, é
representada pelo Racionalismo do século XVIII, e finalmente o ceticismo, que é
uma escola do período pós-socrático, mas que para nós constitui grande parte da
filosofia moderna.
TEOFRASTUS: De preferência, comecemos com os relativistas. Aqui,
novamente, vejo-me forçado a separar as coisas, porque só assim entenderemos
melhor o assunto. Pois bem, há relativistas monistas e há relativistas dualistas.
Estes últimos, cuja origem parece ter sido a Grécia, poderiam simplesmente ser
enquadrados no grupo dos filósofos pré-científicos. Isto é, êles eram relativistas
porque constataram, pela simples observação e intelectualização, a instabilidade e
a mutabilidade das coisas que nos rodeiam, principalmente da própria vida;
únicamente com o intelecto, constataram, com pessimismo, que na vida nada
permanece. Tudo muda; tudo é alternante; tudo aparece, dura certo tempo e depois
desaparece, como o dia e a noite. Tudo é polar como a alegria e a tristeza; como a
vida e a morte, como a juventude e a velhice, como a saúde e a doença, etc.
Enfim,
57
sómente pela observação, concluíram que desse estado de coisa não se podiam
forjar ou criar conceitos absolutos sôbre a existência das coisas. Para êles nada
podia prender-se a dogmas e a leis. Aos olhos dêsses relativistas dualistas, as
coisas num determinado momento apareciam com determinadas características,

41
momentos depois essas características já não existiam mais. Daí, novamente
repito, pela simples observação, êsses relativistas dualistas concluíram que não era
possível formar conceitos absolutos a respeito das coisas, nem de si próprios,
devido à mutabilidade da mente. Portanto êsse relativismo dualista surgiu da
constatação da instabilidade de tudo, tanto do observador como da coisa
observada. Essas pessoas impulsionadas quase que instintivamente por uma
atitude sábia, escolheram o relativismo e preferiram, em parte, ficar observando
passivamente os acontecimentos, sem formar nenhum dogma ou qualquer con-
ceito absoluto ou LEI daquilo que estavam observando. Apesar disso, sem o
perceberem, êsses indivíduos faziam do próprio relativismo mais um absolutismo.
Muitos dêles alimentavam um relativismo pedante e arrogante que acreditavam
auto-suficiente. Êsses relativistas dualistas atacavam e criticavam todo aquêle que
ousasse falar em têrmos absolutos, atitude essa que ficava muito bem contra os
absolutistas religiosos dualistas, ou outros quaisquer, mas que não atingia de
modo algum o monista verdadeiro, que não lida com palavras e sofismas, e sim
com vivências e com a Verdade.
BoMBASTUS: Mas, e aquêles outros simpatizantes do monismo ou
monistas relativistas, que tens a dizer em relação a êles? TEOFRASTUS: Bem,
êstes, apesar de suas limitações, mesmo assim se esforçam em conhecer antes as
sutilezas da mente; e de forma consciente e intuitiva, tentam estabelecer-se num
ponto mental interno, semipermanente, que poderíamos iguala-lo a uma ilha
vulcânica sujeita a desaparecer dentro dêsse instável mar mental, mas que para a
finalidade do buscador, subsiste mais estàvelmente que todo o resto da mutante
natureza mental. Dessa maneira, tentam observar a mutabilidade das coisas
externas e, inclusive, a do próprio instrumento mental, com o qual essas coisas
mutáveis são observadas ou tornadas conscientes. Por fim compreendem que a
mutabilidade de tudo é sinônimo de
58

mutabilidade mental. Assim, segundo êste ponto de vista, haveria objetos que
mudam ou se alteram constantemente nu suposta Natureza. Trata-se apenas de
nomes e formas ment que se alternam a todo momento, dentro da própria mente, e
podem causar a impressão de se projetarem adiante. O que digo seria melhor
compreendido se supuséssemos o seguinte exemplo: É como se um indivíduo se
colocasse ao lado e próximo da objetiva de um projetor cinematográfico e visse
que a forma do foco luminoso, na saída, ou melhor, na objetiva do projetor, é
sempre a mesma; entretanto, da objetiva do projetor até a tela, os raios luminosos
constantemente mudam e se alternam entre si.
É claro que em têrmos psicológicos êsse "ponto mental semiestável" não
existe. É apenas uma maneira de dizer. Equivaleria ao reto discernimento e à reta
compreensão. É por isso que sómente alguns poderiam falar na relatividade das
coisas e da mente. Todavia, um Desperto ou monista de verdade ou um Realizado
não fala sôbre seja lá o que fôr. Mesmo a relatividade, para ele, não tem qualquer
significado. Limita-se a oferecer a VERDADE àqueles indivíduos que querem
libertar-se da ignorância, a qual lhe faz crer ser essa relatividade das coisas mais
um absoluto a cultuar, como alguns relativistas dualistas mal-avisados fazem.

42
A diferença entre dualista e monista relativistas é que êste último não fez
como o primeiro, que com uma mente alternante, sôbre a qual nada sabia, nem
queria saber, ficou observando uma suposta natureza também alternante.
O monista relativista desconfia e tenta perceber que o objeto mutável é a
própria mente mutante. Agora o Realizado ou monista de verdade sabe e vivê que
o observador e a coisa observada é uma coisa só e alternante. Com ele não sucede
o que ocorre com os dualistas relativistas que acham que, se pelo mínimo há uma
mente observadora encarando uma natureza que varia, mesmo assim uma
independe da outra.
Para o monista a mente e a natureza são uma coisa só. Assim como a
imagem gravada no filme e sua projeção na tela também são uma coisa só. A
variabilidade ocorre simultâneamente.
59
BoMBASTUS: Se o que disseste sôbre o dualista e o monista relativistas é
verdade, resulta que a diferença que há entre êles é uma grande diferença.
Antes de falar sôbre os materialistas e céticos; e visto que já salientaste a
disparidade que há entre dualistas e monistas relativistas, seria conveniente que
estabelecesses ràpidamente uma diferença entre os monistas relativistas e o monista
de verdade, ou monista realizado ou monista integrado no SER. TEOFRASTUS:
Mas como, não te lembras que já falei disso há pouco? Não deu para
compreender o que disse?
Bem, os monistas relativistas, quando muito, sentem ou intuem que a
Verdadeira Natureza ou o SER verdadeiro está nêles mesmos, e que êsse estado é um
estado de paz, felicidade e consciência absoluta.
Agora, o monista realizado, ou o que é urro-com-DEUS é aquêle que deixa de
ser indivíduo comum, escravo do ego, e passa a ser êsse próprio estado. O perfeito
entre os mortais. BOMBASTUS: Seria então uma diferença de aperfeiçoamento?
TEOFRASTUS: Sim, enquanto os monistas relativistas fazem o possível para
despertar, para compreender, um monista verdadeiro já despertou, ou simplesmente
sentiu que sempre estêve lá. BOMBASTUS: Seria, então, o caso de dizer que
Cristo, Buda, Krishna e outros seriam monistas perfeitos, e os demais seriam
partidários que procurariam vivenciar êsse estado último dentro de si mesmos, como
acabas de citar.
Bem, parece que minha dúvida ficou razoàvelmente esclarecida. Agora, que
dizes com relação aos céticos? TEOFRASTUS: Céticos são aquêles indivíduos que,
libertando se tanto da influência dualístico-religiosa, como da influência dualistico-
filosófica, fazem questão de ignorar, a todo custo, seja qual fôr a corrente de
pensamento. Não aceitam argumento algum, a não ser os seus. São uma espécie de
relativistas prejudicados. Muitas vêzes, uma pessoa cética, arrogante e ignorante, é
menos acessível do que um indivíduo inteligente que se tornou relativista, e acabou
ficando cético por causa de sua má orientação.
Os céticos, como os relativistas, perceberam a relatividade das coisas, e ao
invés de manter uma serena atitude de, observação passiva, alarmaram-se com o
possível e próximo auto
60
aniquilamento, divulgando idéias pessimistas e sombrias. A suposta mutabilidade
isolada dos objetos, apenas serviu para que êles se tornassem piores do que já eram.

43
Deve ter sido entre êles que surgiram os primeiros materialistas, tão poderosos hoje
em dia. Bsses céticos, como os materialistas de hoje, orientamse pelo preceito que
diz: "Aproveita hoje o que puderes, sem medir as conseqüências, porque do amanhã
ninguém sabe, e do ontem nada resta."
b cético sente, dentro de si, a instabilidade natural das coisas, a qual se reflete
em tudo, seja na Natureza, seja em sua própria mente (mais tarde confundida com o
cérebro), e levado mais pelo seu próprio egoísmo, só quer aproveitar a vida, de
qualquer maneira. Para êle não interessam os códigos de ética do filósofo ou do
religioso. Sempre que possível, tudo faz para enganar o código civil de leis. Para êle
a única verdade é esta: "Aproveitemos, porque a vida é curta!" Bste é o cético, é o
irônico diante de si mesmo e diante do resto, e por isso mesmo parece-me que é o
mais infeliz de todos, porque não vive e não deixa viver.
BOMBASTUS: E sôbre o materialista? .
TEOFRASTUS:Todo materialista convicto, geralmente, é um revoltado, que
antes se deixara influenciar pela corrente dualística religiosa. O materialismo é
sobretudo um fenômeno ocidental. Materialista é aquêle indivíduo que acredita ter-se
libertado do dogma religioso e que eliminou de sua mente a crença num Deus bíblico
e na sua suposta obra, tal como o mundo, o universo, as coisas, os animais, os
indivíduos etc., passando, contudo, a escravizar-se ao dogma científico, ou às leis
físico-químicas elaboradas com "provas", sempre provenientes do seu fundo mental,
ou melhor, de seus preconceitos mentais; em suma, "provas" obtidas sempre com sua
mente confusa e abarrotada de falsas noções e falsas concepções baseadas em preju-
diciais lembranças e comparações.
Mas, como estava dizendo, o materialista é aquêle indivíduo que, em princípio,
era dualístico-religioso e, depois, através da "razão", julgou compreender a falsidade
dos conceitos éticos religiosos e a falsidade das concepções relacionadas à gênese do
mundo, das coisas, dos homens. Então, decidiu libertar-se, não sdmente de seja qual
fôr o princípio religioso, mas inclusive
61
dos conceitos dualísticos filosóficos. Assim aconteceu, porque êste indivíduo, que
acabou ficando materialista, acreditou ter compreendido que o grande Deus-objeto
dos dualisticos-religiosos era um deus insuficiente, defeituoso, um deus que não
satisfazia aos elementares conceitos de Justiça e equilíbrio; era um deus que não
atendia aos seus anseios internos, um deus iracundo, caprichoso, incapaz de
sustentar e dirigir o que êle (o materialista) acredita conhecer como um Universo
em expansão. Então, num gesto de rebeldia, êle decide libertar-se dos vínculos
religiosos que o prendiam.
Quando alguém procura livrar-se dos vínculos religiosos que o sufocavam,
já se encontra de tal forma saturado, tão desgostoso com os aspectos religiosos,
com seus maus sacerdotes e com a insuficiência do Deus por êles apregoado que,
quando supostamente livre, não quer saber de forma alguma de ouvir falar de
outros círculos religiosos, talvez mais adiantados e mais esclarecidos que aquêle a
que pertencia, como também não quer saber dos filósofos dualistas e nem dos seus
conceitos. Enfim, um materialista acaba generalizando. É o que aconteceu com a
Ciência ocidental, que surgiu para se opor ao domínio clerical e ao domínio dos
conceitos bíblicos, apesar das aparências contrárias. Pois bem, êsses primitivos
cientistas, fazendo questão de ignorar qualquer outra religião ou qualquer outra
filosofia de outras partes do mundo, simplesmente limitaram se a começar tudo de

44
nôvo, criando sua própria religião: a CIÊNCa, aparentemente ateística, mas, em
verdade, tão teísta quanto as religiões dualísticas ocidentais. Digo teísta porque o
materialista, por recusar qualquer outro esclarecimento, acredita no imenso poder
do absurdo Deus-acaso, patrono da Ciência, e que não é menos ridículo e
deficiente que o Deus bíblico, se encarado superficialmente. Quando o
materialista se libertou da influência dualístico-religiosa, acreditou fazê-lo
definitivamente. Então, como êste indivíduo, antes de ser materialista, eudeusara
um hipotético grande-Deus-objeto, uma vez supostamente livre, limitou-se a
encarar os múltiplos objetos circunjacentes. E visto crer-se vazio, internamente,
por não conhecer a si próprio, nem mesmo desconfiar das possibilidades e dos
segredos de sua mente, e ainda por cima, partindo do falso pressuposto de que sua
mente fôsse testemunha fidedigna e necessária à constatação
62
e conscientização de fatos que ocorreriam suposta e externamente falando, êle
restringiu-se a dirigir a atenção às coisas externas. Tôda sua atenção, todo seu
interêsse concentram-se na matéria, no mundo. Assim pensando, sem perceber,
inverte o mecanismo mental, ou põe a carrêta diante dos bois. Mas, apesar de
orientar todo seu interêsse para as supostas coisas externas, êle continua sendo um
dualista. Ora, como o grande-Deus-objeto que êle antigamente adorava não
satisfez a seus anseios intelectuais, êle decide fazer exatamente o contrário:
propõe-se descobrir os segredos, que em verdade não existem na Natureza, a fim
de que acabe se transformando num deus em relação à suposta Natureza. Mas um
deus de que tipo? Um deus polar. Que quero dizer com deus polar? Sim, um deus
polar, porque êle seria um pólo dessa deidade, e a Natureza outro. Polar, também,
porque se acredita isolado da Natureza e com capacidade de dominá-la. O
materialista não percebe e não compreende que êle próprio é a Natureza. Quando
focaliza um objeto, acredita-o cheio de revelações, cheio de segredos, de podêres.
No comêço, o pesquisador sente-se insignificante diante da magnitude do objeto
de análise. E a única maneira de sobrepor-se ao objeto é descobrir-lhe os segredos
mais íntimos, que realmente não existem, a fim de que sinta a satisfação de pensar
ou dizer: "Posso manobrar-te como bem entendo!" "Sou um deus diante de ti!"
Sim, um deus, mas um deus bem ridículo, porquanto o que acaba fazendo é
endeusar os objetos à custa de si mesmo. O materialista pega um objeto e limita
êsse objeto a um determinado esquema de compreensão, e com isso não percebe
que está se limitando a si mesmo. Pois, antes que assim fizesse, êste objeto,
quando observado inteligentemente e com a plena consciência do mecanismo
mental, poderia ser uma constante fonte de surprêsa. Mas, infelizmente, com o
intelecto, êle lhe põe limites e ao mesmo tempo limita-se a si mesmo. E aquêle
objeto, que poderia ser uma constante fonte de surprêsa, passa a ser uma coisa
banal, vista sempre da mesma maneira, sempre idêntico. Em verdade, tudo isso
reflete, apenas, seu estado de consciência. O materialista tenta buscar a razão
última das coisas na suposta matéria e no estudo da mesma, acreditando que essa
matéria tenha-se formado espontâneamente, ou ao acaso, bilhões de anos atrás.
Pensa que
63
descobrindo os segredos últimos da matéria (que, na realidade, não existem)
chegará um dia a sentir-se como um dominador absoluto, um verdadeiro deus.

45
Quer dizer, acredita que acabará se transformando no deus que êle expulsou. O
materialista não percebe que, ao contrário, em vez de alcançar aquêle intento,
está-se transformando no mais infeliz e desgraçado dos indivíduos, inferior até aos
animais; porque ao endeusar, ao catalogar, ao limitar o objeto, limitou-se a si
mesmo.
Antes já dissemos que a Ciência nada tem que ver com a Técnica. A
Técnica ou a capacidade criadora do homem é infinita, pois é sinônimo de sua
própria mente, que tem múltiplos recursos. A mente humana é como se fôsse
um verdadeiro calidoscópio, e as imagens que surgem de um calidoscópio são
infinitas, intermináveis; o mesmo acontece com a mente quando escrava do
torpe desejo de auto-afirmação. Se não existissem as limitações impostas pelo
acatamento de opiniões de vários indivíduos, poderíamos surpreender, a todo
instante, imagens novas, que surgem do calidoscópio mental, espontâneamente.
A beleza de tudo reside nisso. É por isso que a vida da criança é tão bela. E essas
imagens, a todo instante novas e surpreendentes, traduzem a própria capacidade
hominal ou a técnica humana espontânea. E a ciência, o que é que fêz? Impôs
regras a essas imagens. É como se obrigasse o calidoscópio a funcionar sempre
da mesma maneira, ou então sempre de várias mesmas maneiras, mas maneiras
limitadas. BOMBASTUS: Que me dizes do niilismo, que tanta importância tem
na história filosófica do pensamento ocidental? Dentro dessa fenomenologia
tôda, como encararias o problema do niilismo?
TEOFRASTUS: O niilismo está muito ligado aos céticos, aos materialistas
e diria mesmo a certos dualistas relativistas. O niilismo ou o nada, ou então o
sono sem sonhos, do qual as comparações niilistas devem ter surgido, ou ainda a
suposta inconsciência da matéria bruta, seria o destino reservado ao indivíduo
pensante ou à mente do indivíduo após a morte, segundo o parecer dos próprios
niilistas. Para os materialistas niilistas, ou simplesmente niilistas, a vida ou o
indivíduo pensante seria fruto de mero acidente. Para êles, o acaso inconsciente
da Natureza, acidentalmente, ter-se-ia manifestado como

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vida senciente ou pensante. "Tal maravilha" subsistiria determinado tempo em
determinada espécie animal ou hominal; e depois, tudo se acabaria. Seria o nada
que vem a ser e logo volta ao nada. Éste é o conceito de vida do niilista ou do ma-
terialista. Para o niilista envelhecido, que pouco lhe resta para aproveitar, a vida e
o homem são uma aberração; um desagradável acidente, que saindo do nada ao
nada voltará. A idéia de que após a vida a consciência do homem se aniquila tem
sua origem e analogia no estado de sono sem sonhos, ou então nas errôneas
conclusões que o dualista costuma deduzir, relacionadas aos supostos objetos
inertes que o circundam. Um niilista, ou simplesmente um dualista, acredita,
piamente, que uma pedra, por exemplo, é algo totalmente insensível, uma simples
forma "bruta". Acredita, também, que uma árvore não tem vida senciente. Seriam
apenas simples acidentes que serviriam para enfeitar a Natureza; do nada se
formaram, duram certo tempo e depois desaparecem.
Mas, como sói acontecer, os que aceitam o niilismo como algo certo,
aceitam alguma coisa e, paradoxalmente, o niilismo acaba sendo também um
"quê". Quem diz que após a morte não sobra mais nada, engana-se; pois, após a
morte, lhe sobrará o nada que passou a ser algo para êle. Quem diz que após a

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morte existe o nihil non plus ultra, engana-se, pensando que isso constitui o
aniquilamento. O nada, o aniquilamento, o niilismo, ou então, ao contrário, o tudo,
o Paraíso, o Astral, etc., são apenas palavras que sempre traduzem e criam
estados; portanto, o nada também é um estado.
Aquêle que durante tôda a vida acariciou a idéia do nada, do negro, do
vazio, do incorpóreo após a morte, após a suposta desencarnação, com tudo isso
se encontrará, mas a cons ciência de ser subsistirá rodeada pelo "nada". Tudo é
mente e, de certa forma, para que haja o nada deve haver mente. Como estávamos
dizendo, o niilismo não sòmente surgiu em analogia ao estado de sono sem
sonhos, mas também principalmente para fazer frente às concepções dualístico-
religiosas. Porque os religiosos dualistas, mais que quaisquer outros, com relação
ao após-morte, conceberam as idéias mais engraçadas, desconexas, absurdas e
paradoxais que se possam imaginar, prometendo ao crente as coisas mais
surpreendentes; às vêzes, ex

65
traordinárias, boas, justas, outras vêzes monstruosas, estúpidas, revoltantes e
vulgares. O relativista materialista, diante dessas promessas, para êle tôlas, viu-se
na contingência de criar o estado de niilismo, que faz pensar em aniquilamento,
mas que, em verdade, é apenas mais um estado do qual nada se pode dizer, senão
que é. Por incrível que pareça, o niilismo aproxima-se muito da condição do
monista absoluto ou do supremo estado de SER, só que o estado monista absoluto
é um estado do qual se espera tudo e nada se pode dizer a respeito; o niilismo,
como já disse antes, é um estado do qual não se espera nada e também nada se
pode dizer. Por isso, ambos se tocam. Agora há uma grande diferença; o estado
último do monista, do qual se espera tudo, mas sôbre o qual nada se pode dizer,
jamais conduz ao pessimismo, e isso já é um aspecto ético muito bom, que traz em
si uma vaga e longínqua promessa, não uma esperança, porque o monista não
alimenta esperanças. Os escravos da esperança são os dualistas, as perenes vítimas
do constante vir-a-existir. Um monista nos diz que não temos o direito de sermos
pessimistas e muito menos, em conseqüência, de sermos abusadores, maus, cruéis,
injustos; bem ao contrário do niilismo que, por ser um ponto de vista negativo,
nos permite e nos impele a que atuemos da pior maneira possível, enquanto
supostamente vivos. O niilista é pessimista e do pessimismo espera-se o pior,
salvo exceções. E a êsse propósito, é o próprio mundo moderno que retrata,
fidedignamente, a triste influência do pessimismo, da angústia, do terror, do
pavor, da morte, do nada, conceitos tão grandemente difundidos pelos
materialistas niilistas científicos.
BOMBASTUS: Pois, justamente, ia perguntar como se explica o sucesso do
niilismo no mundo moderno. Dir-se-ia que é quase a filosofia predominante do
século XX. Talvez não se trate de um niilismo absoluto, entretanto quase tôdas as
correntes filosóficas atuais, de certa forma, estão ligadas a conceitos mais ou
menos niilistas pessimistas.
TEOFRASTUS: O triunfo do niilismo na corrente de pensamento do
século XX deve-se à insuficiência da filosofia ocidental e à estagnação dos
absurdos conceitos dogmáticos dos religiosos dualistas; e diria até que se deve ao
abuso da dialética dos filósofos dualistas ocidentais. E como no mundo moderno

47
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se difundem essas barbaridades niilistas, ou então essas infantilidades religiosas,
ou ainda essa verborréia filosófica, dificilmente os conceitos monistas de todo o
mundo conseguem difundir-se, se chegaram a ser divulgados, e nunca, ou quase
nunca, foram compreendidos. Por exemplo, se começássemos a pregar as palavras
originais de um Buda, apesar da suposta e enorme população mundial atual,
veríamos que poucas seriam as pessoas que, sem terem realizado o estado
nirvânico, como Buda realizou, conseguiriam compreender realmente os conceitos
dêsse Mestre. O mesmo se diga das palavras de Jesus, principalmente das dele.
Nunca houve algo que propagasse maior confusão que a má compreensão das
palavras de Jesus. Por quê? Porque a nata, o melhor, o mais verdadeiro, o mais
sublime das palavras de Cristo, jamais foi compreendido. Além dos tolos e
inexistentes mistérios cristãos, inventados pelos padres, fundaram-se as mais
diversas seitas cristãs para reinterpretar as palavras do Mestre, e não há uma delas
capaz de divulgar ou interpretar exatamente aquilo que Jesus pretendeu dizer. In-
felizmente isso decorre dos próprios Evangelhos, tristemente deturpados, e da
incapacidade de certas pessoas lerem nas entrelinhas. O que prevalece no
Cristianismo é exatamente aquilo que Cristo não disse. É exatamente a escória, a
deturpação que macula os Evangelhos. O que é popularmente divulgado no
Ocidente é o falso, é o joio acrescentado. Por causa disso se explica também a
insuficiência religiosa no Ocidente.
Mas deixemos de lado as religiões. Agora, o que eu penso da filosofia
dualístico-ocidental é que ela é pura verborréia; nada mais que verborréia. E êsse
excesso de palavras e confusão permitiu o aparente triunfo do niilismo no
pensamento ocidental. Niilismo êsse coroado e iluminado pela "gloriosa luz" do
cogumelo atômico.
BOMBASTUS: Reconheceste que essas quatro formas de pensamento:
niilismo, materialismo, ceticismo e relativismo, de certa forma, se originaram na
Grécia, e encontraram seu campo mais fecundo no Ocidente. Entretanto, como
bem sabes, também na índia e na China, esporàdicamente, existiram filósofos
céticos, materialistas, relativistas e até niilistas. Como explicarias, sucintamente, o
fato de, nesses países, terem essas correntes de pensamento sempre se conservado
como ocorrências
67
esporádicas da filosofia oriental, enquanto que no Ocidente, pelo menos nos
últimos tempos, tais correntes têm sido a nota dominante?
TEOFRASTUS: Sucede que, no Oriente, o monismo absolutista ou o
monismo relativista sempre tiveram marcada influência entre os pensadores.
Muito dificilmente, no Oriente, um materialista, um cético, um niilista e mesmo
um relativista, com seus argumentos, conseguia sobrepor-se a um monista
absoluto.
E no Oriente não houve tão marcado, intolerante e fanático predomínio do
clero organizado como no Ocidente. Lá o debate era livre. Verdade se diga, houve
períodos em que também êsses pensadores dominaram mas foi um tempo muito
curto, porque logo eram superados por um nôvo monista, um nôvo Realizado. No
Oriente, por incrível que pareça, os monistas parecem brotar do próprio solo;
surgem espontâneamente. Lá, superficialmente falando, apesar de prevalecer o
dualismo religioso, intelectualmente falando, quem vence sempre é o monismo

48
relativista ou absolutista. Tôdas as correntes de pensamento do Oriente convergem
ao monismo absoluto. As discussões, se chegava a haver, sempre se davam entre
um monista e um cético; um monista e um materialista; um monista e um
relativista; e mesmo um monista e um niilista.
Agora, como sói acontecer, os religiosos dualistas, se não podem dominar,
se não podem mandar, preferem não discutir. Só discutem quando têm as costas
quentes. São diplomáticos
por natureza. Mas, mesmo assim, na história da filosofia oriental, houve
ocasiões em que bons, mas realmente bons religiosos dualistas, travaram
discussões com um monista. Tratava-se contudo de outro tipo de discussão; uma
palestra construtiva, da qual sempre havia alguém que se beneficiava. Uma
discussão em que se cuidava apenas de fazer prevalecer pontos de vista monistas
ou dualistas; enquanto que a efetuada entre materialista e monista era uma
conversa que se fazia em tôrno dos conceitos do nada e do tudo, entre o
pessimismo materialista e a equanimidade monista. A discussão entre os
partidários do tudo e do nada era bastante engraçada e um pouco desnecessária,
tanto para o monista como para o materialista, mas necessária para os seguidores
dêste, porque o filósofo materialista também tinha seus discípulos; e de certa
forma também

68

necessária para os discípulos do monista. Os seguidores do monista quase


sempre se beneficiavam com as explicações de seu mestre; os seguidores do
materialista niilista também podíam beneficiar-se, se quisessem.
O êrro do materialismo ou do niilismo não está no fato de um indivíduo
qualquer defender pontos de vista materialistas ou niilistas. O niilista tem o
direito de apreciar e defender o que bem entende; o mal está em êle difundir seu
pessimismo e seu negrume. Principalmente levando em conta o conceito de que
o indivíduo é o próprio mundo, de que a mente do indivíduo exterioriza-se,
parcialmente, como aquilo que chamamos natureza circunjacente. Um monista
sabendo que êle próprio é o mundo, começa sempre por melhorar a si mesmo,
para que o mundo, sua parcial emanação, melhore também. Um indivíduo
niílísta materialista, desconhecendo isso, ou por comodidade ou por ignorância e
teimosia, poderá ser internamente cético, pessimista, mau, amargo, mas, em
conseqüência, o mundo visto por êle e por aquêles que sofrerem sua influência
também será um mundo mau, amargo, cruel, pessimista, negro. De certa forma,
o mundo que vemos somos nós mesmos.
BomBASTUS: Já que estamos tratando sôbre o niilismo, gostaria que me
esclarecesses uma espécie de confusão que ocorre muito comumente aqui no
Ocidente, a respeito de algumas doutrinas orientais. Por exemplo, uma idéia muito
difundida entre nós é que o Budismo, na sua forma mais pura, seria uma doutrina
niilista, e no caso de haver qualquer coisa de niilismo dentro das teorias budistas,
nós perguntaríamos em que se diferencia êsse niilismo do niilismo ocidental.
TEOFRASTUS: Primeiro que tudo, teorias budistas são para os teóricos.
Quando divulgou sua doutrina, Buda não difundiu teorias, e sim vivências
próprias. Quem quiser conhecer realmente as doutrinas de Buda terá de vivenciá-

49
las também. Segundo, a doutrina budista original nunca foi niilista; ao contrário,
foi realista na verdadeira acepção da palavra. Buda, várias vêzes, teve de
desmentir seus caluniadores da acusação de niilismo; enfrentou tanto os niilistas-
materialistas de seu tempo, com o "nada após a morte", como os espiritualistas-
dualistas, com seus deuses, demônios, paraísos e infernos. A concepção niilista
que deduzimos das doutrinas budistas é devida à nossa

69
terrível e enorme ignorância, alimentada pelo multiplicador e fantasmagórico ego-
intelecto-mente. O ocidental costuma ser puramente intelectual; é o típico escravo
do intelecto-mente, e é êsse mesmo intelecto-mente que cria e sustenta a
multiplicidade ilusória das coisas, bem como, quando cansado e amargurado, as
destrói, criando a ilusão do nada ou do niilismo. Os conceitos que não satisfazem
o intelecto e, principalmente, que visam a destruir o ego-intelecto-mente, são tidos
pelo próprio intelecto como aniquiladores de sua suposta essência. Então, o
fantasma ego-intelecto-mente reage em sentido contrário, engendrando a ilusão de
que além dêle (o ego-intelecto-mente) nada há, nada subsiste. O intelecto pouco se
impressiona com os materialistas que passam a vida tôda alimentando idéias
niilistas, porque sabe que, apesar da consciência niilista, o intelectomente haverá
de subsistir, mesmo que o ego-consciente do materialista-niilista afirme que, após
a morte, tudo há de acabar. É a múltipla e ilusória existência, vestindo-se e
fantasiando-se com o manto do nada; mas êsse manto do nada jamais conseguirá
aniquilar o intelecto-mente, porque o manto do nada é mais um desejo objetivado
e projetado adiante e o intelectomente sempre subsiste, graças aos renovados
desejos.
Agora, se alguém divulgar conhecimentos e vivências que conduzam à
destruição dessa falsidade chamada ego-intelectomente, o intelecto-mente do
ouvinte, sentindo sua existência em perigo, reagirá fortemente, engendrando o
sentimento, o mêdo, o pavor do nada, como se a Verdade ou o SER dependesse
apenas do intelecto-mente, e como se, sem o intelecto-mente, a Realidade não
pudesse subsistir. Isto é falso e mentiroso; e Buda vivenciou o Nivarna ou o SER,
surpreendendo a mentira do ego-intelecto-mente, assim como tantos outros o
vivenciaram também, entre os quais o próprio Cristo.
Apagando-se o intelecto-mente, o engendrador do fantasmagórico múltiplo
externo e interno, surge aquilo que é, ou seja, o "EU sou" de certa passagem
bíblica, ou o TAo de Lao-Tsé, ou então o Sahaja-Nirvikalpa-Samadhi de Krishna
e dos yogues, ou ainda o Nirvana de Buda, ou o nosso conhecido e nunca
compreendido "Reino de Deus" de Cristo. Todos êsses Sábios calaram sôbre o
aspecto último da Verdade, porque as palavras relativas não podem macular, e
muito menos
70
descrever, o Absoluto ou o SER atemporal. As palavras estão no tempo, criado
pelo ego.
A VERDADE não se descreve com palavras; se vivencia. As palavras são
para os teóricos, os intelectuais, para os escravos da mente. Agora, quando bem
usadas, podem apontar o caminho da Verdade, mas jamais poderão macular a
VERDADE. Porque o SER ou a VERDADE está muito acima das palavras. E
plagiando algo que alguém já disse, repito: "As palavras são fantasmagóricas

50
rainhas, que criam e matam outros fantasmas." E o ocidental, mais que o oriental,
não tem feito outra coisa que criar e mais criar terríveis fantasmas, no fundo
apenas formas e palavras, que estão transformando a vida num verdadeiro inferno,
cada vez mais triste e insuportável. Visto a VERDADE não poder ser traduzida
em palavras, ou Mestres supremos tiveram de criar palavras últimas e
inexplicáveis, as quais, numa tentativa extrema, sugeriam a VERDADE, que
pode e deve ser vivenciada AQui e AGORA, mas nada mais diziam a respeito,
pois bem sabiam do poder das fantasmagóricas rainhas. E a êsse propósito, disse
Buda: "Não se diga que o Nirvana é, nem se diga que o Nirvana é; nem se diga
que o Nirvana é e não é; e tampouco se diga que o Nirvana nem é, nem não é." Ou
seja, eliminou tudo aquilo que o intelecto poderia especular sôbre o Nirvana,
porque o que o intelecto-mente especula sôbre o Nirvana, não é Nirvana, e sim
intelecto-mente.
Menos feliz foi Cristo, quando usou as palavras "Reino de Deus", pois a
partir delas, quantas e quantas mentiras foram engendradas! A mais elementar das
confusões consiste em comparar o Reino de Deus com paraísos relativos, quando
Jesus não se referia a isso, se bem que não desmentisse tais paraísos. Se êle
sòmente se referisse a paraisos ou a planos relativos de existência post-mortem,
jamais teria dito: "Em verdade, em verdade vos digo que o Reino de Deus não está
ali nem está aqui, mas está dentro de vós."
O Indianismo, o Yoguismo, o Budismo, etc., são encarados como niilistas
porque negam a realidade objetiva, absoluta (e independente da mente do
observador) daquilo que chamamos de natureza circunjacente, e, além do mais,
negam a realidade última do ego-intelecto-mente. São tão ousados em suas asser-
tivas a ponto de nos alertarem sôbre a inexistência da Natureza
71
e dos egos-intelectos-mentes. Para êles sòmente o SER existe; e se os egos e sua
contraparte a Natureza parecem existir é porque o SER empresta vitalidade a essa
existência relativa, a êsses zeros que adquirem significação graças ao um, ao SER.
Em resumo, para os grandes Mestres o SER é que existe; o Nirvana, outro nome
dado ao SER, é que existe; O Reino de Deus, mais um nome dado ao SER, é que
existe; o Samadhi, o estado do SER, é que existe; TAO, outro nome do SER, é
que existe, e assim por diante. Todo o resto, a Natureza, o ego-intelecto-mente,
quando encarados isoladamente, são a antítese do SER. Infelizmente, o ocidental,
como grande parte dos orientais, depositou tôda sua crença na veracidade da
existência externa das coisas e na veracidade da existência do indivíduo apenas
como corpo. E, segundo essa lógica, acredita que, uma vez desaparecendo o
externo e o próprio corpo, tudo se acaba, tudo se aniquila. Nós homens, em
verdade, vivemos numa realidade inversa; vivemos numa ilusão e dizemos que
esta ilusão é a realidade, quando a Verdade é exatamente aquilo que parece ser
invisível aos sentidos e ao intelecto-mente. Se alguém denuncia a mentira inerente
ao ego-intelecto-mente, numa tentativa de sobrevivência, não querendo ser
destruído, êle forja a medonha sensação do nada, do niilismo, quando, em
verdade, as limitações impostas pelo intelecto-mente é que são o nada, o niilismo.
Se não houvesse a interferência do ego-intelectomente, só restaria a plenitude do
SER e sua consciência absoluta, sua perfeita felicidade e sua eterna paz.
BOMBASTUS: Como, então, os que se dizem niilistas, sejam ocidentais ou
orientais, se comportam em relação a essa ilusão em que nós vivemos. Seriam êles

51
uns desiludidos, ou procurariam superar essa ilusão, como fazem os orientais?
TEOFRASTUS: A constatação da ilusão da vida pelos niilistas é apenas uma
dedução intelectual, enquanto que a constatação da ilusão das coisas pelo monista
é uma vivenciação. O monista sabe que tudo, tomado isoladamente, é ilusão, salvo
o "Eu sou" ou o SER, enquanto que, para os niilistas, o "EU SOU ou o SER seria
a ilusão. Para o materialista-niilista, as coisas são reais, e periòdicamente
engendraria a ilusória consciência, que elaboraria o "EU SOU" ou o SER. Esta
consciência, segundo os nistas-materialistas, corresponderia apenas à somatória
das
72

funções físico-químicas que constituem o indivíduo, casualmente engendrado pela


quase eterna e mutante Natureza. E é por isso que os niilistas-materialistas
puseram a carrêta antes dos bois . Em face disso, os niilistas em geral não
procuram superar ilusão alguma. Os niilistas ocidentais partiram do falso pres-
suposto de que tudo era matéria, quando a verdade é que a matéria é o nada; e o
tudo é o SER. A matéria é antítese do SER. O raciocínio dos niilistas baseia-se no
seguinte: A matéria-energia, que ninguém sabe de onde saiu distribuída ao léu,
num absurdo espaço-tempo, que ninguém sabe quem formou, orientada pelas leis
do acaso, como se o acaso pudesse elaborar leis, acabou elaborando uma lei
primeira à qual a matéria-energia, que inguém sabe de onde saiu, distribuída ao
cânico-físico-químico-matemática, intrínseca a êsse fantasmagórico quarteto (ou
espaço-tempo, matéria-energia), lei essa que teria passado a orientar a evolução da
matéria-energia, a qual teria coroado seus esforços com a criação do homem; por
fim, êste, vivendo um lapso de tempo como SER pensante, se dissolveria
novamente no mar insenciente do nada material. Pois bem, é dêsse pressuposto
que certos incautos observadores forjaram os conceitos niilistas. E de que maneira
saltaram fora êsses conceitos? É que o incauto observador percebeu que naquilo
que êle chama de Natureza ou Universo, prevalece o estado inconsciente da
matéria sôbre o estado vivo e consciente. Ou seja, êle percebeu que há mais terra,
mais água, mais gases, enfim, há mais "coisas" inertes que coisas vivas e,
portanto, para êles teria sido o insenciente que teria originado o SER consciente.
OS niilistas-materialistas dizem que a vida é um acidente esporádico dessa eterna
matéria e, como acidente que é, do nada veio, e, segundo êles, ao nada voltará.
Esta foi a farsa suprema elaborada pelo ego-intelecto-mente. É essa, pois, a
diferença que há entre a ilusão da vida vista pelos nülistas-materialistas e
elaborada pelo ego-intelecto-mente, e a ilusão das coisas vista sem a interferência
do ego-intelecto-mente e pregada pelo monista-absolutista, mas que, ao intelecto-
mente comum, soa como se fôsse também um niilismo.
BoMBASTUS: Em que difere o indivíduo que se diz niilista daquele
outro que acredita na Ciência como meta para o homem atingir a plenitude? Ou
então, para que se torne como um
73
deus em relação às coisas que o cercam, como antes já disseste.
TEOFRASTES: Bem, devido às circunstâncias, continuemos com nosso
jôgo de palavras. Disse, judiciosamente, um grande sábio que as palavras são
fantasmagóricas rainhas que criam e matam outros fantasmas . Meu propósito é

52
matar uma série de fantasmas, a fim de permitir que a luz da VERDADE consiga
se infiltrar um pouco, através da fantasmagoria remanescente. Nãó sei se o
conseguirei. Sabedoria não é acumular novos conhecimentos; é despirmo-nos de
todos aquêles reconhecimentos que ofuscam a VERDADE.
Bem, o niilista seria o exemplo de cientista moderno, que se julga realista,
objetivo, etc. Agora, o cientista-filósofo seria um tipo idealista; um indivíduo
que vivendo agora, acredita estar provendo para o futuro. De qualquer maneira,
o cientista, devido à própria formação da escola moderna, é niilista. Atualmente
um cientista é mais niilista que idealista, porque se sente incapaz de dominar a
Natureza que o circunda. Um pesquisador esforçado, um devoto dos
conhecimentos científicos, influenciado por aquilo que seus mestres lhe
ensinaram e por aquilo que encontra nos livros didáticos, convenceu-se de que
ele veio-a-ser acidentalmente, que viverá determinado tempo, e por fim deixará
de ser, orgulhando-se, contudo, sem certa mágoa, de que sua matéria-corpo irá
dar vida a outras formações da Natureza. Èste indivíduo tudo daria para que
aquilo que ele chama de consciente continuasse vivendo, nem que fôsse no
corpo de um verme. É um desejo sutil, oculto e desesperador de sobrevivência. É
um mêdo abrumador, terrificante e consciente, em relação ao qual o ego-
intelecto-mente (subconsciente) ri-se do consciente sofredor e angustiado dêsse
indivíduo, porque sabe que o próprio mêdo encarregar-se-á de acumular
energias, que reforçarão o próprio ego-intelecto-mente permitindo-lhe que, no
devido tempo, volte a uma nova experiência hominal, e mesmo, conforme as
reações dos atos mais marcantes da última experiência, a uma diferente
experiência vital.
Mesmo assim, há aquêles outros cientistas que, tendo consciência perfeita
dêsse estado relativo de existência, têm a esperança de que com o seu trabalho,
um dia, chegarão a dominar a suposta matéria circunjacente e a suposta matéria
constituinte

74
de seus próprios corpos. Portanto, estes cientistas, mais idealistas do futuro que
niilistas do presente, sonham com a possibilidade da imortalidade do homem, no
corpo supostamente material, num futuro próximo. Quer dizer, aquêle que confia
na Ciência, em seu aspecto idealístico, visa a êsse propósito. Ou seja, a
imortalidade do corpo-homem, ou do acidente que êles chamam vida. Éstes
cientistas idealistas acreditam que um dia descobrirão os segredos últimos da
matéria; e descobrindo-os dominarão a Natureza.
BOMBASTUS: Mas, então, terias de concordar comigo que o cientista
não é niilista, já que tem esperança de que, através do trabalho e da pesquisa
científica, vai conseguir certa estabilidade, certa felicidade. Em face disso, ele
deixa de ser niilista. Aliás o niilista, em certo sentido, é sempre um tipo que com-
bate a Ciência. Gostaríamos que comentasses a respeito dêsse detalhe, ou seja, da
razão por que o niilista verdadeiro combate a Ciência?
TEOFRASTUS: Sim, realmente, o niilista verdadeiro pode ser um
simples filósofo que nada tenha que ver com a Ciência. Neste caso, seu niilismo
baseia-se nas observações e especulações de seu intelecto-mente tagarela;
tagarelice essa que o levou a concluir que, após a morte, nada há de subsistir.

53
Além do mais, quiseste dizer que o cientista, em parte, não é niilista. Bem,
realmente, ele não é niilista durante determinado período de sua vida. Enquanto é
jovem e tem saúde, dá-se o luxo de ser um cientista idealista, achando que talvez
ainda consiga sobreviver à velhice. Acredita-se um rei e está quase seguro de que
ele, ou outros como ele, ainda nesta vida descobrirão o tal segredo último da
matéria. Mas, quando vê que a idade avança e a velhice vem chegando, então o
pessimismo vai aos poucos dominando-o e, com ele, o niilismo que faz parte de
seus conhecimentos. Aí êsse cientista transforma-se num niilista, pois percebe que
para ele já não há mais nada a fazer. Neste caso, como cientista que é, ou volta
atrás em seus passos e vai-se refugiar na religião de seus pais, de sua infância,
como seguidamente costuma ocorrer, ou então acaba morrendo, descrente de tudo,
como um niilista puro. Quer dizer, o cientificismo idealista abarca apenas um
período da vida do cientista puro, porque a própria Ciência fatalmente con

75
duz ao niilismo. Em todo e qualquer ramo científico verás que não há lugar para o
Deus externo ou o Deus-objeto das religiões dualistas. Na Física, na Química,
Biologia, Geologia, Atomística, Astronomia e até na Matemática, não há lugar
para o Deus-pessoa supostamente dotado de inteligência, vontade e justiça, como
preconizam as religiões. Quando o homem cientista elaborou essas disciplinas
científicas, engendrou-as com o firme propósito de eliminar a influência de Deus
ou dos deuses das religiões, seja qual fôr. Podemos afirmar, sem mêdo de errar,
que a Ciência moderna (sobretudo a que prevalece nos dias atuais) surgiu com o
firme propósito de fazer frente e eliminar os religiosos com sua intolerância,
fanatismo e tacanhice. E os tacanhos, fanáticos e intolerantes religiosos de ontem
desapareceram, em parte, permanecendo, contudo, os vícios que passaram às
mãos de certos maus cientistas e propagandistas da Ciência.
BOMBASTUS: Bem, como mais adiante abordaremos a evolução científica
do mundo ocidental, principalmente nos últimos trezentos anos, deixemos de lado
êste tema, por enquanto.
76

54
Orientalismo Filosófico e Religioso e o "não-eu"

BOMBASTUS: Já várias vêzes trocamos idéias sôbre os pensadores


orientais, mas não os apreciamos adequadamente, por isso gostaria que
analisasses, sucintamente, o pensamento oriental, nas suas principais correntes.
Em poucas palavras, quais são as principais correntes do pensamento oriental,
tanto da China quanto da India, que são as duas civilizações mais importantes do
Oriente? Qual a diferença de pensamento entre essas várias correntes? Quero algo
bem resumido, apenas para destacar a diferença entre o pensamento oriental e o
ocidental, que, como já sabemos, atualmente, é completamente científico.
TEOFRASTUS: Antes de discorrer sôbre o tema que julgas importante, quero
deixar bem claro que não tenho nenhum interêsse em estar fazendo apologia ao
orientalismo em prejuízo da cultura ocidental. Assim como o Ocidente está
matando a cultura oriental, por causa de sua intromissão mercantilista, científica e
religiosa (supostamente inevitável), assim também o Ocidente poderia perder-se
se viesse a abraçar o orientalismo em tôdas as suas peculiaridades místicas e
filosóficas. Malgrado sua simplicidade e profundeza, o orientalismo não vai sal
77
var ninguém, e creio que os verdadeiros mestres do Oriente jamais tiveram
essa pretensão.
Seria um ërro lamentável substituir a Ciência pelo misticismo oriental, como
também é lamentável que êste esteja sendo esmagado, como inútil, por aquela,
como atualmente acontece.
Nem o cientificismo nem o orientalismo servem ao homem buscador e
sinceramente insatisfeito. A Ciência conduz à saturação, ao desespêro e à loucura.
O orientalismo, se mal compreendido, conduz à estagnação, à inércia, ao fatalismo
e ao fanatismo.
Só o autoconhecimento, a vigilância, a constante percepção de nossa
insignificância e limitação, e a ausência do eu ou ego, preconizados tanto pelos
mestres do Oriente como do Ocidente, é que despertam e libertam o homem do
torpor em que se encontra mergulhado.
Agora respondendo à tua pergunta, lembremo-nos de que o tipo de
especulação que prevalece no mundo inteiro, e até no Oriente, é o pensamento
científico. A Ciência se impôs como única e absoluta dona da "Verdade".
Todavia, ainda assim, em certas partes do Oriente, os antigos conhecimentos dos
sábios de outras eras, e mesmo de hoje, continuam prevalecendo.
Falando sôbre a China, não saberia dizer-te exatamente qual a forma de
pensamento que atualmente lá domina, pois, como bem sabes, a China caiu sob a
esfera de uma corrente de pensamento, de certa forma niilista, que é a corrente co-

55
munista ou a corrente marxista-leninista; mas isso não implica dizer que o chinês
tenha repudiado tôda a sua sabedoria passada.
BOMBASTUS: A propósito, tenho de fazer uma ressalva; como já disseste,
atualmente, inclusive no Oriente, a forma de pensar do Ocidente predomina,
porquanto, hoje, o cientificismo, está espalhado por tôda a parte. Em face disso,
preferível seria se nos reportássemos ao passado, tanto da índia quanto da China.
Daí, seria preferível se restringisses àquela sabedoria que não chegou a ser
influenciada pela Ciência moderna, tal como o Hinduísmo, o Yoguismo, o
Budismo, sôbre as doutrinas dos mestres chineses, etc.
78
TEOFRASTUS: Se assim é, repito o que mais ou menos já havia dito antes.
A corrente de pensamento que prevaleceu na China, pelo seu imediatismo e pelo
seu aspecto prático, foi a filosofia ética de Confúcio. Esta filosofia foi reforçada
por filósofos da mesma escola ou da mesma índole de pensamento, tais como
Mêncio e outros. O chinês comum aceitou de imediato o confucionismo, porque
êle confirmava e relembrava aquilo que para o chinês comum é muito caro, ou
seja, o culto aos antepassados; mas nem por isso outros chineses deixaram de
ignorar os problemas últimos e transcendentais da vida, muito mais satis-
fatóriamente abordados e explicados por Lao-Tsé, Chuangtsé, Fo-Hi, Mo-Ti e
outros. Os ensinamentos de Lao-Tsé e Chuangtsé foram acolhidos por gente mais
seleta; indivíduos mais maduros, com ânsias de conhecimento mais profundo;
pessoas já cansadas das futilidades cotidianas, que tendo percebido o luscofusco
da vida, buscam as soluções além dessa limitação que chamamos vida, ou então as
buscam na espiritualidade superior. Se não me engano, e resumindo as correntes
do pensamento chinês ao extremo; foi isso que aconteceu com relação à filosofia e
ao misticismo chineses. Pràticamente falando, Confúcio predominou; mas, em
certos círculos da vida e da cultura chinesa, prevaleceram outros pensadores.
Depois, temos de salientar o seguinte: vários séculos após ter a filosofia de
Confúcio e Lao-Tsé passado a. orientar o pensamento chinês, infiltraram-se as
idéias budistas trazidas por outros pensadores; e êste Budismo, primitivamente
puro e quase fiel à doutrina original de Buda, acabou, como tudo, aliás, de-
generando-se numa espécie de religião dualista.
Em verdade, as doutrinas de Lao-Tsé e Buda tinham muitos conceitos
comuns. E o encontro dessas duas correntes foi razoàvelmente feliz. A fusão da
filosofia do mestre chinês e dos ensinamentos de Buda chegou quase a ofuscar o
predomínio da filosofia de Confúcio e seus seguidores. Mas, com o passar do
tempo, os ensinos dêsses dois Mestres acabaram dando origem a mais uma
religião, ramo da elástica e simpática filosofia budista mahayana, se bem que esta
corrente budista mahayânica já tivesse sido criada em outros países. Na China, ela
apenas absorveu os ensinamentos de Lao-Tsé, permitindo que aí se difundisse um
Budismo com facêta chinesa...
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O Budismo Mahayana pretende ser uma corrente progressista dentro dos
ensinamentos de Gautama Buda. De certa forma e superficialmente falando, êsse
ramo chinês do Budismo Mahayana assemelha-se, um tanto, ao Catolicismo, com
seus santos, deuses, hierarquias e até com suas escolas de teologia, seus mosteiros,
seus templos, etc. Aliás, diga-se de passagem, que não foi o Budismo que imitou o

56
Catolicismo, mas foi êste último que imitou aquêle. Quando o Catolicismo se
estabeleceu definitivamente como corrente religiosa predominante, o Budismo e
correntes derivadas já tinham mais de novecentos anos.
Resumindo mais uma vez: na vida prática, imediata, na ética comum, na
filosofia escolar, o que predominava era o Confucianismo. No misticismo, na
metafísica, na filosofia úl tima, predominavam os ensinos de Lao-Tsé, Chuangtsé,
Fo-hi e o Budismo Mahayana. Na vida religiosa o que prevalecia era uma mistura
de Budismo e das doutrinas de Lao-Tsé, apesar de o próprio Estado chinês fazer
dos ensinos de Confúcio uma religião.
Agora, com relação à índia, a religião que sempre lá prevaleceu e prevalece
é o Bramanismo. Esta é uma religião dualista como tantas outras; tem, contudo,
um aspecto esotérico monista, devido a Krislma, pois os bramanistas, entre outros,
consideram o Bhagavad-Gita o seu evangelho monista. Na índia, além dos
bramanistas, sempre houve indivíduos que, não satisfeitos com os limites
impostos por essa religião, com seus livros e dogmas, buscaram, por conta
própria, um meio de realizar a Verdade Suprema. Aqui não se tratava de uma
busca externa, e sim de uma vivenciação interna. Quando alguém, lá, vivencia
essa verdade interna e última, transforma-se num Realizado, e quase sempre, ao
seu redor se ajuntavam os discípulos. Em conseqüência, geralmente, formava-se
mais uma escola de pensamento monista. Entre êsses Mestres, em parte
dissociados da religião bramânica, podemos citar o próprio Krishna, pouco
conhecido no Ocidente; aliás, os acadêmicos ocidentais julgam se trate de um
personagem mitológico, o mesmo sucedendo com Rama. Os ensinos de Krishna
estão comtidos no famoso evangelho da índia, o Bhagavad-Gita e nos Vishnu-
Puranas. Posteriores a êstes e completamente dissociados do bramanismo
apareceu Mahavira, fundador do Jainismo,
80
e Sakhia Muni, conhecido por Buda. Em épocas mais recentes surgiram Kabir,
famoso místico e poeta indiano, Ramanuja, Sankharacharya. Éste último pode ser
considerado como o fundador da escola monista Vedanta-Advaitista. Os ensinos
de Sankhara se resumem no seguinte "Sómente o SER ou Brahman existe ou é
VERDADEIRO"; todo o resto é apenas uma ilusão sobreposta ao SER, é Maya
ou aparências. Entre os Mestres mais modernos podemos citar Ramakrishna,
Vivekananda, cujos ensinos têm muita coisa em comum com os ensinos de
Krishna e Sankharacharya. Além do mais, temos de salientar também Tagore,
Aurobindo Ghose, Gandhi, com seus belíssimos exemplos e ensinamentos.
Finalmente restaria ainda citar o menos conhecido de todos, no Ocidente, mas
nem por isso o menos excelente, que foi Baghavan Ramaná Maharshi, um nôvo
Desperto, um nôvo Realizado entre os homens e o monista mais perfeito dos
tempos modernos. Em verdade, entre todos os Mestres que acabei de citar,
nenhum há que se possa dizer seja melhor que outro, porque todos êles foram a
própria perfeição entre os homens.
Além do que acabamos de ver, há que acentuar que o Budismo se difundiu
nos mais diversos países do Oriente, mas êsse Budismo já não correspondia ao
ensino original de Sidharta Gautama, e sim às escolas budistas posteriores, do tipo
Mahayana e Hinayana. Devemos destacar ainda o tão comentado e pouco
compreendido Zen-Budismo chinês e japonês, que é um monismo bem
interessante e parece conter muito da doutrina genuína de Buda Gautama. É um

57
monismo bastante prático, mas que para nós, ocidentais, nos desagrada por
parecer extremamente paradoxal. É que o ocidental não compreende que as
palavras últimas, que tentam descrever a Verdade, soam paradoxalmente.
BOMBASTUS: De certa forma respondeste. Mas, agora, como há uma
grande confusão de têrmos entre nós, gostaria que ficasse ressaltada a diferença
existente entre tendências e religiões tais como o Bramanismo, Vedismo,
Hinduísmo, Yoguismo, Budismo, etc. Enfim, poderias mais ou menos, precisar o
que essas palavras realmente encobrem, diferenciando-as na medida do possível.

8l
TEOFRASTUS: Vou ver se consigo explicar mais ou menos sa-
tisfatòriamente.
O Bramanismo é a religião dominante da índia, religião dualística, baseada
na revelação dos Vedas, livros sagrados dos indianos, e nos Upanishad,
comentário filosófico dos Vedas. Os bramanistas orientam-se pelo Código de
Manu, que é um código de conduta, ética e justiça, a partir do qual se estabele-
ceram as diversas castas que caracterizaram a índia e que o Govêrno indiano atual
tanto se esforça por eliminar. Como já disse antes, o aspecto esotérico e monista
do Bramanismo está encerrado no evangelho dos indianos intitulado O Canto do
Senhor ou Bhagavad-Gita. O mais puro monismo também é encontrado nos
Upanishad e nos Puranas, outros livros sagrados dos hindus. Essa religião tem
como deus supremo a Brahma, a forma manifestada de Brahman. Rama e Krishna
são altamente reverenciados como encarnações divinas. Há outros deuses de
maior ou menor vulto que possuem grande séquito de crentes, como é o caso de
Shiva, Vishnu, Kali e muitos outros mais.
Falar sôbre o Budismo não é muito fácil. O Budismo já há muitos séculos
perdeu sua vital influência na índia. Como doutrina, temos o Budismo original
pregado pelo próprio Buda
e que estaria contido em uma série de códigos canônicos ou livros sagrados.
Depois temos o Budismo derivado, difundido fora da índia, que é o Budismo
Mahayana com seus Bodhisattvas e várias sub-hierarquias, e finalmente o
Budismo Hinayana, que diz difundir os genuínos ensinamentos de Buda.
BOMBASTUS: Entre essas correntes budistas, qual a mais popular?
TEOFRASTUS: É o Budismo Mahayana ou o Grande Veículo. O Budismo
Hinayana, chamado também de Pequeno Veículo, diz que é mais genuíno e que se
aproxima mais dos ensinamentos originais de Buda; entretanto, por ser mais
monástico, é o menos popular. O Budismo Hinayana é atualmente uma religião,
com seus conhecidos bonzos, mosteiros, pagodes, etc., e por isso mesmo não
acredito que mantenha, fidedignamente, ou em sua grande parte, os ensinamentos
de Buda. Para nós
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ocidentais, o melhor mesmo é a própria doutrina divulgada por Buda, ou então sua
filosofia, puro monismo budista.
O Yoguismo não é uma seita. Yogue é o indivíduo que, abandonando o
mundo, se propõe unir-se à Divindade que está dentro dêle. Yoga quer dizer
união, e para tal o yogue adota uma série de preceitos e posturas; esforça-se na
meditação até florescer, dentro dêle, a Verdade que se propôs encontrar. Yogue é

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aquêle indivíduo que busca a Verdade, não fora dêle, mas dentro de si mesmo. E
tanto faz e tanto se esforça até conseguir a união divina, onde só subsiste o SER
em sua perfeita Unidade. Neste estado, dá-se a perfeita fusão entre o sujeito
observador e o objeto observado. A polaridade homem-universo une-se na
unidade suprema do SER. Desaparece a polaridade e subsiste, ìinicamente, o SER
auto-refulgente. O yoguismo nunca foi uma religião; segue, isto sim, certos
métodos preestabelecidos por yogues anteriores, entre os quais o mais famoso foi
Patanjali, conhecido por seus aforismos. Quando o yogue alcança o Sahaja-
Nirvikalpa-Samadhi, torna-se uno com O SER. Transforma-se num monista
absoluto. O Yoguismo é, pois, também, um monismo por excelência.
BoMBASTUS: Mas o Yoguismo não difere um pouco do Budismo, da
filosofia vedanta, etc.?
TEOFRASTUS: Um budista que segue as verdadeiras palavras de Buda, e
não sòmente segue, mas inclusive as vivencia em si mesmo, ou seja, realiza o
Nirvana dentro dêle, também é um yogue. Aquêle que se liberta de seu ego-
intelecto-mente e acaba se reconhecendo como o próprio Brahman, conforme di-
fundem os ensinamantos de Sankhara, também é um yogue. Todos êles dizem a
mesma coisa, mas com palavras diferentes. Um budista chama o estado supremo
do SER de Nirvana; um vedantino chama-o Brahman, um yogue realizado chama-
o Sahaja-Nirvikalpa-Samadhi. Os verdadeiros cristãos, que compreenderam e
vivenciaram os ensinamentos de Cristo, sabem que êsse estado supremo do SER é
o próprio Reino de Deus dentro de nós. Os místicos hebreus chamam-no o "EU
sou o QUE SOU" (aliás, Jeová significa "Eu sou"), e assim por diante. Os
nomes variam, mas o significado é sempre o mesmo.
Com relação à índia, temos ainda a salientar os pandits, que passam anos
estudando as sagradas escrituras, tais como
83
os Vedas e os Upanishad, daí o vedismo. Hinduísmo, no caso, é o conjunto total
das correntes de pensamento da India. Aqui se compreende tanto o dualismo
religioso como o monismo místico, filosófico, etc. O Hinduísmo compreende
todos aquêles tipos de pensamentos que surgiram na India e que ainda hão de
surgir.
BOMBASTUS: Pelo que se sabe de certas leituras, a corrente de
pensamento filosófico que predomina atualmente na India é a Doutrina Vedanta,
corrente monista por excelência; poderias, se possível, apontar a diferença que
existe entre o pensamento vedantino e o pensamento budista, se é que há alguma
diferença?
TEOFRASTUS: Antes de tudo temos de salientar que a filosofia vedanta
tem dois aspectos: há a Vedanta dualista e a Vedanta advaitista ou monista. Antes
mencionei muito superficialmente o nome de Ramanuja; pois bem Ramanuja é um
expoente do Vedantismo dualista, mas o fundamento de seus ensinos redunda
num monismo absoluto. Ramanuja parte do seguinte preceito que êle mesmo
vivenciou, ou seja: Para Ramanuja TUDO É BRAHMAN; TODAS AS COISAS
EXISTEM E SÃO OS MÚLTIPLOS ASPECTOS DE BRAHMAN; enquanto que
o seu oponente Sankhara diz exatamente o contrário: nada existe, SENÃO
BRAHMAN Ou o SER, e êste é exatamente o Vdantismo-advaitista ou monismo
absoluto.

59
BOMBASTUS: Bem, mas entre os vedantinos advaitistas e os budistas
puros, quais as diferenças que existem?
TEOFRASTUS: Eu diria que quase nenhuma.
BOMBASTUS: Ambos propõem a mesma coisa?
TEOFRASTUS: Sim, ambos acabam alcançando a mesma meta e ambos
visam aos mesmos fins. Entretanto há certa diferença quanto ao caminho a seguir.
Parece que os advaitistas pretendem alcançar Brahman pela plenitude. Os budistas
pretendem alcançar o Nirvana pelo esvaziamento, pelo desprendimento de todo e
qualquer Samskara (ou energias construtoras), com o qual tôdas as coisas da
suposta Natureza teriam vindo a existir. O próprio Buda ensina que a única
maneira de podermos vivenciar a Verdade suprema ou o Nirvana é a de nos
desprendermos de tudo, de todos e de tôdas as coisas. Êsse Mestre

84
propõe que nos desliguemos da ignorância, dos desejos e do ego, pai de ambos.
Os mesmos ensinamentos são predicados por Cristo. Para facilitar a explicação,
posso citar o fantasioso e seguinte exemplo: imaginemos que nós, indivíduos
comuns, sejamos um conjunto de números contínuos, positivos e negativos, da
série numérica, cujo ponto de partida é a unidade. Pois bem, além da unidade,
vêm todos os números positivos até mais infinito; e aquém da unidade vêm todos
os números negativos até menos infinito. Agora, imaginemos que o indivíduo
seja fundamentalmente a unidade, mas, devido à ignorância e ao desejo, outros
números estranhos, positivos e negativos, diferentes da unidade, se lhe
apegaram, e que constituiriam suas qualidades positivas e negativas. O Budismo
ensina que nosso dever é desprendermo-nos de todos os números positivos e de
todos os números negativos; e concita a refugiarmo-nos e reconhecermo-nos
apenas como a UNIDADE, a única Realidade, conhecendo, aqui e agora, o resto,
como mera ilusão, causa de tôda a dor; são êsses números, aliás, que constituem
o egomente, que o ocidental tanto idolatra e por causa do qual se escraviza. Um
budista vai eliminando, um por um, tanto os números positivos quanto os
negativos, até vivenciar a UNIDADE ou Nirvana. O vedantino-advaitista, já de
saída, nega peremptdriamente a validade dos números positivos e negativos,
aquém e além da UNIDADE, ensinando que apenas o ATMAN ou BRAHMAN
é a Verdade, sendo que o resto parece existir devido à ignorância, à ilusão e aos
desejos. Numa palavra: devido a Maya (que é a polaridade objeto-sujeito; ou
então a ilusão da matéria-energia num espaço-tempo de um lado, e o ego-inte-
lecto-mente observando do outro.
Os vedantinos não advaitistas ensinam a realização de Brahman pelo todo;
não negam coisíssima alguma; é como se o mais infinito de um lado acabasse
abraçando o menos ínfi nito do outro, realizando assim a síntese unitária da série
numérica, aparentemente fragmentada.
BOMBASTUS: Mas, conforme o que acabas de dizer, então a Vedanta
advaitista é idêntica ao Budismo; será possível? TEOFRASTUS: Sim assim eu as
avalio e compreendo. Acho até estranho que alguém diga que Sankhara veio ou
surgiu exclusivamente para erradicar, de uma vez por tôdas, o Budismo

85

60
da índia. Só se êle pretendeu eliminar o Budismo derivado, que já bem
pouco tinha do original, e não apreciasse a tese budista que nega, inclusive, a
Brahman.
Por causa de sua sistematização, o Budismo vai por etapas; o advaitista
elimina dràsticamente a manifestação (espaçotempo e matéria-energia, de um
lado, e o ego-intelecto-mente, do outro) como ilusão sobreposta à VERDADE,
ou seja, como Maya. Mas o Brahman dos advaitistas, que não deve ser con-
fundido com Brahma, deus externo e pessoal dos bramanistas, é o próprio Nirvana
de Buda. Brahman sugere uma única entidade suprema; Nirvana sugere um único
estado supremo, um estado de agir e sentir, sem o "eu". É nisso que reside a
diferença. A Vedanta nega tudo, salvo O ATMAN Ou "EU" Superior. O
Budismo não aceita qualquer "eu", mesmo o Superior. Nega a Entidade e aceita o
Estado que chama de Nirvana e no qual não há qualquer "eu".
Ao vivenciar o Nirvana, Buda viu-se num impasse: ou abandonava, ou
melhor, se desligava definitivamente do mundo ilusório, ou permanecia mais
algum tempo entre os egos ilu didos, a fim de oferecer a Verdade sob a forma de
ensinos (mesmo que intraduzíveis) aos indivíduos ou ego-intelecto-mentes que
quisessem despertar ou estivessem a caminho de despertar. E permanecendo entre
os homens, teve de traduzir sua própria experiência e vivenciação em palavras, e
aí está o mal. Os que estão de fora, restritos às palavras, não sabem disso. Buda,
contudo, sôbre o Nirvana guardou silêncio, porque as palavras relativas e
temporais não podem macular o Desconhecido, o que é de instante a instante, fora
do tempomemória, no qual predominam, absolutas, as palavras. Em compensação,
explicou a seus seguidores, de maneira metódica, o que impedia o homem de
vivenciar também o Nirvana. Assim é que, como já disse, seus ensinos foram
dados por etapas, metòdicamente, os quais evidenciavam a relatividade ou a falsi-
dade do múltiplo circunjacente, sendo a missão do homem ir desprendendo-se aos
poucos, de tal forma até vivenciar a Unidade Suprema ou Nirvana. Agora,
Sankharacharya, expoente supremo da Vedanta advaitista, já salientava, de
antemão, que a realidade consubstancial circunjacente é falsa, ilusória; isto é, não
existe de per si, não tem realidade independente da mente
86
do observador; e aquilo que nós chamamos de verdade isolada, ou seja,
corpo do homem e mundo, é apenas uma manifestação do SER, una, descontínua,
que se renova de instante a instante. E diz mais que nós, indivíduos relativos,
temos de acabar com a mania ou êrro de reconhecermo-nos como egointelecto-
mente, isolados uns dos outros, e temos de nos refugiar no SER. Ou seja, o "eu
pequeno ou ego", caracterizado por um nome, tem de ceder lugar ao Grande EU
SOU, a fim de apreciarmos a plenitude da manifestação e não nos reconhecermos
como simplesmente integrando a própria manifestação ou criação, algo à parte ou
isolado do SER.
BOMBASTUS: Creio que foi bastante esclarecedor êsse último
comentário. Bem, agora, faremos uma pergunta que quase se dissocia totalmente
de tudo aquilo que já foi dito. É a seguinte: segundo o teu parecer, como é que
surgiu o Estado?
TEOFRASTUS: Para mim o Estado político surgiu da mesma maneira
como surgiram as religiões dualistas. Seria capaz de afirmar que o Estado surgiu
de uma espécie de degeneração da própria religião, assim como a religião surgira

61
da degeneração de uma expressão monística primitiva. Parece que, antigamente,
quem comandava o povo eram os próprios sacerdotes. Havia uma espécie de
govêrno teocrático. A classe sacerdotal, além de se preocupar com os problemas
religiosos, com Deus, preocupava-se, também e principalmente, com os
problemas mundanos. Com o passar do tempo, êsses sacerdotes perceberam que
era mais cômodo mandar ou comandar por trás dos bastidores do que abertamente.
Então, novamente, houve uma dicotomização na própria classe sacerdotal; uma
separação entre o poder sacerdotal e o poder temporal. E da mesma classe
sacerdotal, ou também de outras, saíram os mandatários que, mais tarde, se
chamariam a si mesmos de reis, mandatários êsses quase sempre, submissos aos
sacerdotes. Era muito mais simples que determinado indivíduo, em seu próprio
nome, mas manobrado pelos sacerdotes, fizesse as guerras que o sacerdote
quisesse, exercesse a política que os sacerdotes desejassem, aplicasse as leis que
os sacerdotes elaborassem, ou então eliminasse o rival que o sacerdote
desprezasse e odiasse, que o próprio sacerdote ver-se obrigado a guerrear, exercer
poder temporal, aplicar leis e abusar do poder, etc. Os sacerdotes cedo per
87
ceberam que acabariam entrando em choque, pois, por mais ignorante que fôsse o
povo, acabaria compreendendo o paradoxo da figura sacerdotal. Ora, aquêle que
se diz represenante de um deus todo-poderoso, bondoso, justo, dotado destas ou
daquelas qualidades, não podia, em outra ocasião, agir de forma que viesse a
contrariar tudo aquilo que atribuía ao seu deus, do qual se dizia supremo
representante. Daí ser muito mais cômodo que outros, não sacerdotes, fizessem
tudo isso para êles. E dessa manobra, muito astuta e aparentemente inteligente, é
que deve ter surgido o primitivo Estado leigo, aparentemente desligado do poder
clerical. Exemplo do que digo se encontra no próprio Antigo Testamento, em que
Moisés, suposto representante da Divindade, viu-se, muitas vêzes, obrigado a
atuar contràriamente aos mandamentos que, supostamente, a Divindade lhe
fornecera. Os juízes que o sucederam também não foram muito melhores do que
êle e pelo que se lê, superficialmente, êles também estavam, ao que parece, em
contato com Deus e não podiam continuar se comprometendo com problemas
mundanos e ao mesmo tempo manterem-se numa elevação adequada a suas
condições de profetas ou juízes. Alguém tinha de atuar no lugar dêsses juízes, e de
conformidade com os desejos dêles, para tal fim, um leigo teve de ser coroado rei.
Os juízes já se haviam comprometido demasiadamente com guerras, mortandades,
barbaridades e destruições. Um rei podia muito bem atuar de acôrdo com seus
desejos. Por causa disso é que o Estado temporal surgiu como uma necessidade
premente e útil às manobras dos sacerdotes.
Sei bem que há outros que afirmariam, tecendo analogias com os atuais
povos primitivos, que o Estado surgiu independente do clero, mais provàvelmente
da casta dos guerreiros; mas, sucede que a casta sacerdotal é anterior à dos
guerreiros e é de influência muitíssimo marcante em seja qual fôr o povo. Além
do mais, minha opinião não tem nenhuma pretensão de absolutismo. '
BOMBASTUS: Resumindo, então, quer dizer que por trás do Estado
sempre houve a classe sacerdotal, influenciando as manobras de um chefe ou de
um rei; além disso, podemos acrescentar que, de certa forma, a classe civil
dominante, valia-se de sua fôrça para explorar os que vinham logo após na
hierarquia

62
88
estatal; e a classe sacerdotal, atrás dêles, explorava, por sua vez, o temor a Deus,
isto é, a ira divina ou o mêdo que, realmente, sempre existiu, de parte tanto dos
dominados - o povo - como dos dominantes - os mandatários civis - em relação a
um poder maior, monopolizado pela classe sacerdotal, que se intitulava emissária
de Deus ou representante de Deus na terra. TEOFRASTUS: Verdade se diga que,
muitas vêzes, o poder civil rebelou-se contra o domínio clerical, mas essa rebelião
nunca chegava a durar muito tempo, porque os sacerdotes conseguiam,
astutamente, de uma maneira ou outra, sublevar o povo ignorante, que sempre
manobravam muito bem, o qual acabava derrubando êsse rei, ou êsse rebelde
chefe de Estado e punha em seu lugar outro rei ou chefe títere qualquer, submisso
à influência sacerdotal. E tais fatos continuam acontecendo comumente, até os
dias de hoje.
BOMBASTUS: Agora, então, vamos perguntar-te como encaras uma
acusação que tem sido lançada freqüentemente contra as tendências monistas; não
só contra as tendências orientais, mas contra o monismo do mundo inteiro,
acusando-o de que seria uma forma de pensamento que se abstém de preocupar-se
com os problemas da vida prática, da vida imediata. Se assim é, resultaria, então,
que a idéia monista sempre seria um bom motivo para a perpetuação de uma série
de injustiças políticas e desigualdades sociais, inclusive. A acusação maior está no
fato de que na índia, as mentes mais esclarecidas voltavam-se e voltam-se
exclusivamente para os problemas internos, ignorando os fatos externos,
resultando que nesse país ocorressem, justamente, as piores desigualdades sociais,
as piores injustiças e barbaridades. Perguntamos até que ponto isso é verdade, e
até onde o monismo poderia se interessar pelos problemas da vida, que realmente
são problemas muito graves, ao meu ver, e que precisam ser resolvidos tão
urgentemente quanto os problemas internos, se é que não têm maior urgência?
TEOFRASTUS: Acho que o problema da índia não constitui um
exemplo feliz das acusações contra o monismo. Acredito que se houve e se há
muita injustiça social na índia, não podemos atribuí-Ia ao suposto e inexistente
alheamento dos monistas. Poderíamos, isto sim, e muito bem, dizer que as
injustiças sociais da índia são a expressão fidedigna dos abusos desmedidos
89

e alheamento dos dualistas, em relação às verdades monistas. Porque se


aconteceram tantas barbaridades na India, na China, etc., como parece tenham
acontecido, podes ter certeza de que jamais partiram de indivíduos monistas, e sim
daqueles que se orientavam pelos conceitos dualísticos de ética, religião, justiça,
política, etc. Um indivíduo, com certos privilégios herdados ou desonestamente
acumulados, faz questão de ignorar a ética monista que diz: "Não faças aos outros
aquilo que não queres que te façam" e mais outras nobres verdades, diria mesmo
verdades últimas e sublimes, porque se essas verdades monísticas tivessem
prevalecido, integralmente, na India, e em qualquer outra parte, não teriam
ocorrido as supostas injustiças sociais que acabas de citar. Além do mais, não
devemos confundir a passividade natural do povo indiano, uma espécie de
fatalidade, resultante de uma má interpretação e abuso das leis do Karma,
astutamente manobradas e difundidas pelo clero local, com a alienação dos
monistas. Seria capaz até de dizer que a milenar existência da India, cuja

63
civilização persiste até hoje, é devida ao pacifismo natural de seu povo e ao
monismo local. Quando o monista atua, não o faz de forma ostensiva,
mirabolante, tocando sinos e lançando foguetes como costumam fazer muitos
dualistas; quando êle intervém, o faz sutilmente, a fim de evitar males piores que
aquêles que já estão ocorrendo, e se ajuda é sempre uma ajuda efetiva e
construtora.
A alienação de que falas é dos dualistas que, na maior parte das vêzes, são
monstruosos sugadores do próximo. Alienado não é o monista, que faz o possível
para se manter equânime diante dos abusados gozos e dos exagerados impropérios
contra a dor. Ele jamais faz sofrer alguém; ao contrário, sempre que possível,
alivia tôda dor. Não é como os abusados dualistas que primeiro massacram para
depois serem massacrados. Quantas e quantas vêzes um Mestre tentou alertar o
dualista, em plena orgia, prevenindo-o de que os abusos e o mal que êle fazia, a si
o estava fazendo; e quantas e quantas vêzes fêz o dualista ouvido mouco em
relação a essas verdades? Queres, acaso, que os monistas formem um exército e
acabem com os abusos dos dualistas? Mas êsse é o método dêles! Os monistas não
existem. Existe o monista. Além do mais; nunca, até hoje, na história do mundo,
se soube que a violência tivesse resolvido algum problema. Ape
90
sar do que acabei de dizer, percebo que mais do que a suposta alienação do
monista na India, preocupa-te a alienação do monista ocidental em relação aos
problemas ocidentais, não é?
BOMBASTUS: Segundo o parecer dos entendidos, os monistas ocidentais
são totalmente alheios aos graves problemas que afligem o Ocidente e o mundo
inteiro. E apesar do seu alheamento, os problemas continuam subsistindo.
TEOFRASTUS: Insistes em achar que os monistas são um grupo?
Enganas-te, meu caro. De qualquer maneira, seria o caso de perguntar a quem
afetam os problemas, senão ao próprio indivíduo problemático? Por mais sutil e
por mais falso que isso possa soar aos teus ouvidos, o problema e o indivíduo são
uma coisa só.
Em determinada passagem do Nôvo Testamento está escrito: "Busca
primeiro o Reino de Deus, que o resto te será dado por acréscimo." E êste Reino
de Deus está dentro do indi víduo, e não fora dêle. Esta é uma frase-chave do
Mestre do monismo ocidental- ou Jesus, êsse sublime monista que não era
ocidental.
Os dualistas práticos e imediatistas dirão assim: "Ah, mas Cristo era apenas
um grande teórico! São devaneios de um místico, de um poeta!" "Como é que o
homem ocidental poderia buscar, internamente, o Reino de Deus, se está
morrendo de fome? Ou então, se está sendo perseguido por um desafeto? Ou se
sofre de uma grave enfermidade?" Mas será que Jesus, quando pronunciou tais
palavras, estava delirando? Teria forjado uma frase sem fundamento? Teria dito
algo pràticamente impossível de realizar, aqui e agora, mesmo no Ocidente? Por
que será que o mentiroso ego-intelecto-mente vê a mentira em tudo? Porque êle é
o pai da mentira. O dualista ocidental deveria saber que "o Reino de Deus dentro
de nós e tôdas as coisas acrescentadas" é exatamente aquilo que está atrás do
"conhece-te a ti mesmo, antes de tudo". Por que resolvemos preocupar-nos com as
coisas do mundo, com os supostos males do mundo, com seus egolátricos sêres,
com tudo aquilo que nos diz respeito e que, supostamente, diz respeito ao mundo?

64
Se nós não nos conhecemos, realmente, e nem sabemos de que modo tôdas essas
dores e misérias nossas e dos demais tornam-se mentalmente conscientes, como
poderemos resolver todos êsses males,
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todos êsses problemas que nos circundam? Os cientistas têm-se esforçado
enormemente para solucionar tais problemas e não fazem outra coisa que piorar a
situação. De que modo poderemos ajudar, adequadamente, ao próximo se nem
sequer nos conhecemos a nós mesmos? Aconteceria exatamente aquilo que Jesus
dizia: bancaríamos os "cegos conduzindo outros cegos", caindo todos no vasto
poço do sofrimento infinito.
É inútil, é estúpido, é ridículo pensar antes nos problemas do mundo, sejam
êsses problemas de fundo científico, sejam problemas sociais, religiosos ou sejam
quais forem. Pois bem, é ridículo e errado tentarmos resolver êsses problemas sem
primeiro sabermos quem somos nós. O primeiro dever de um homem é conhecer-
se a si mesmo, e esta busca do Reino de Deus é exatamente o conhecer-se a si
mesmo, porque o Reino de Deus não está fora, está dentro de nós, como Jesus já
dizia; e daí porque também diz que o resto nos será dado por acréscimo, pois,
quando nos conhecermos, realmente, compreenderemos o mistério da
conscientização agradável e desagradável, daquilo que tu chamas mundo. A partir
do instante em que conhecermos nossa própria natureza interna, não existirão
mais problemas no mundo, porque constataremos que nós somos o mundo, e o
mundo é nós mesmos.
BOMBASTUS: Bem, eu concordo que o indivíduo realizado perceba que a
gente é o mundo, e o mundo é a gente; mas e os outros que ainda não se
realizaram? Ésses continuam existindo, apesar de tudo. Por exemplo, por terem
um Buda ou um Cristo se realizado, eu não vou deixar de existir, e aí é que está o
problema!
TEOFRASTUS: Se não estivesses tão prêso ao teu ego, saberias que
quando um Mestre se realiza ou desperta, com êle desperta todo o resto que
também é êle. Além do mais, teria de repetir o que já disse antes: A quem os
problemas afetam? Quem é êsse terrível ego que gosta de gozar e se lastimar
penosamente, quando a fatalidade parece atingi-lo? Por que é que teríamos de
fazer tragédias, quando a tragédia da vida parece nos atingir, e ficamos
impassíveis ou abusamos ao extremo, no momento do gôzo ilusório? Dos gozos
da vida nada tens a comentar, aí não apelas para a interferência dos monistas, ou
então de Deus; só criticas o suposto alheamento dos monistas quando o sofri
92
mento te atinge. Mas, para um monista, gôzo e sofrimento são ilusórios. A
característica do ego é ser cada vez mais egolátrico, e .o preço disso é a paradoxal
polaridade: o gôzo e a dor. O gozo passa por nós sem que o percebamos, mas a
dor nos escraviza e concentra nesse estado de consciência desagradável. Tu gostas
da comédia e detestas a tragédia. O ego tem de pagar pelo preço da tragicomédia
da vida sensorial. Não há egos atingidos por males e acariciados por prazeres. O
ego é o próprio mal e o prazer. Os problemas do mundo são problemas de teu ego,
não do teu verdadeiro SER. Basta que teu ego seja bafejado pela sorte, e para ti,
egoìsticamente falando, já não haverá problemas. Ao contrário vais contribuir
para que os males do mundo piorem. Se quiseres subsistir como ego,
ilusòriamente desligado do mundo, como mero observador egolátrico, mas que se

65
impressiona com os males do mundo, terás de pagar o preço do pretenso
isolamento, com a moeda do gôzo efêmero e da aparente dor real, tão efêmera
quanto o gôzo, mas que tanto te impressiona. Iludem-se os utopistas com a
concepção de um estado ideal, onde todo o mundo apenas goze e continue
subsistindo como ego. O gôzo e a dor são a mesma coisa e são inerentes, ao ego.
Todo gôzo paga-se pela moeda da dor.Teu dever é superar êsse terrível
paradoxo do prazer e da dor. Não vais resolver os problemas do mundo, de forma
alguma; nem tu nem ninguém, porque tu és o problema e o projetas naquilo que
chamas mundo. Se duvidas, recorre à História, pergunta e pesquisa. Durante essa
nossa suposta longa história do mundo, durante êsses milhares de anos que o
homem supostamente existe, terá êle, alguma vez, resolvido alguma coisa? E a
Ciência que se diz tão poderosa, tão capaz e absoluta, já resolveu os problemas
morais e sociais do mundo, Parece-me que não. Talvez, pela primeira vez na
história do mundo, os homens cientistas arrastaram, presumivelmente, o planêta à
beira da perdição e da desintegração.
BOMBASTUS: Pois eu acho que êsse fracasso constante do homem, através
da História, deve-se exatamente ao fato do alheamento dos melhores homens do
mundo, tendo em vista que os homens atuantes na História são da pior espécie,
porque os bons sempre ficam à parte. Digamos assim, ficam procurando ou

93
realizam o Reino de Deus; mas o que se sabe é que o Reino da Terra até hoje
ninguém conseguiu melhorar.
TEOFRASTUS: O Reino da Terra é como se fôsse uma serpente
venenosa cheia de feridas; e os homens da pior espécie, que há pouco citaste, são
exatamente a cabeça e a língua peçonhenta dessa mesma serpente, que vai lamber
suas próprias feridas, envenenando a si mesma e piorando ainda mais a situação.
Ésses outros indivíduos bons, que vão em busca do Reino de Deus, se
chegam a vivenciá-lo em si mesmos, acabam compreendendo que o ego e seu
Reino da Terra, ambos a mesma coisa, são uma ilusão. São uma antítese do Reino
de Deus. É por isso que os homens realizados não se colocam nos postos de
comando do Reino da Terra, pois sabem que o mundo circunjacente é uma
fantasia, é uma ilusão do fantástico ego, com seu terrível poder engendrador e
plasmante, tudo isso, principalmente, quando encaramos a terra como separada do
sujeito. O ego é um fantasma que vive a engendrar fantasias. E diante dessas
fantasias, um Realizado cessa de lutar. Nunca lêste, na história do mundo, que um
Lao-Tsé, um Buda, um Krishna, um Cristo, um Parmênides, um Sócrates, um
Plotino, etc., monistas por excelência, se preocupassem com política ou com o
Reino da Terra. A única coisa que os preocupava no mundo era a dor humana, e
todos seus esforços se concentravam em libertar o indivíduo da dor. Um monista
desperto faz todo o possível para despertar os demais, mesmo às custas da
aparente martirização de seu corpo sensorial. É a única e melhor coisa que pode
fazer. Quão distante está um Buda de um Dalai-Lama temporal e mundano, como
um Cristo de um Papa romano?
Imagina o seguinte: Esclareço que vou plagiar um grande Mestre, portanto
não vou dizer nada de original - Imagina que o nosso mundo seja um sonho por ti
sonhado e que tu fazes parte dêsse sonho. Pois bem, estás sonhando e nesse teu
sonho estás vendo outros personagens de sonho, sofrendo terrivelmente, digamos,

66
dores lancinantes, guerras, fomes, pestes, etc. Diante dêsse quadro trágico, te
horrorizas e pretendes, mesmo como personagem do sonho, auxiliar os demais; te
esforças o que podes, fazes tudo o que está ao teu alcance e nada consegues,
porque o teu auxílio é inútil, é como se fôsse um paliativo. Os problemas parecem
desaparecer, e lá pelas tantas,
94

tudo volta á estaca zero. Por fim, clamas aos céus de teu sonho por tão grande
desgraça e por tamanhas aflições; e quanto mais te afliges, mais negra se torna a
tua situação e a situação dos demais. Tanto te saturas disso que, repentinamente,
começam a surgir dúvidas em ti. Começas a desconfiar de que tudo não passa de
um mau sonho, e assim pensando, vais confiar tuas dúvidas aos personagens de
teu sonho. Ou então, vais lá e começas a sacudir os personagens do teu sonho,
exclamando: "Parem de sofrer, despertem!" "Vocês não vêem que estão so-
nhando?" Se no sonho assim fizeres, apenas estarás cometendo uma grande
asneira. Melhor é que despertes primeiro. E que ocorrerá aos personagens do teu
sonho?
BOMBASTUS: Provàvelmente se apagariam, se dissolveriam na minha
mente.
TEOFRASTUS: Quem sabe se não continuam vivendo e subsistindo
no plano dos sonhos que agora é um plano dêles, dentro de ti? Tu percebes, agora,
a verdade em relação a êsse plano, tornas-te um desperto, vivenciando o teu Real
Estado, mas nem por isso deixas de continuar atuando no plano de sonho, embora
corretamente. Os teus trágicos personagens continuariam vivendo em seu trágico
plano de sonho e de ilusão, de certa forma dentro de ti, mas tu, como desperto,
poderias interferir mental e adequadamente, com maior facilidade, no plano
dêsses personagens, que antes faziam parte do teu sonho. Agora observas e
manobras conscientemente todos os acontecimentos, enquanto êles continuam
escravos da ridícula e ilusória situação. Agora, sabes que a VERDADE e a
suprema felicidade encontramse ìlnicamente na tua condição de Desperto; mas,
iludidos, êles pensam que a Felicidade e a Verdade estão em seu plano ilusório.
Que fazes tu, senão tentar despertar os que querem ser despertados?
Presos ao mesmo sonho, tu e êles não iríeis resolver os trágicos problemas
do sonho. A primeira coisa que deves fazer é tratar do teu despertar e,
despertando, tentarás despertar os demais. Como Desperto te situarás
aparentemente em dois planos de existência: no REAL e VERDADEIRO, onde és
um TODO PERFEITO, e no plano de sonho, onde parecerás continuar existindo,
aos olhos dos demais sonhadores. A partir dêsse REAL

95
PLANO DE EXISTÊNCIA, a partir dessa vigília PERFEITA, tu, cons-
cientemente, vais interferir na mente, dentro da qual subsistem êsses ilusórios
personagens que és tu mesmo visto de outra maneira; e aqui vais auxiliá-los real e
efetivamente.
É esta a suposta ação do monista perfeito. Cuidado, que o que acabo de
dizer é apenas uma imagem que sugere e não pretende provar que o mundo seja
uma ilusão completa. O mundo isolado do SER, como os dualistas religiosos,

67
filósofos e cientistas o encaram, é uma ilusão; mas o mundo como manifestação
do SER no SER não é uma ilusão.
BOMBASTUS: Bem, de certa forma concordo, em princípio, com o que
disseste, apenas acho que êsse despertar do sonho representa uma possibilidade
tão remota, não que não acredite nêle ou o considere impossível, mas me parece
tão remota, que o próprio sonho, dentro dos limites do relativismo, acaba se
transformando em realidade. Então, acho que, dentro dessa espécie de realidade,
seria possível ao sonhador, apesar de tudo, sem despertar totalmente, transformar
o pesadelo da vida num sonho mais ameno, mais suportável. Mas, neste aspecto,
creio que nunca chegaríamos a um perfeito acôrdo, de modo que é melhor
tratarmos de outro assunto.
TEOFRASTUS: Um momento, não ponhas dificuldades naquilo que nunca
tentaste fazer. Além do mais, disseste que o melhor seria transformar êste nosso
mundo-pesadelo num mundosonho mais ameno, não foi? Bem, em verdade, se
fôssemos personagens de sonho, não seria preciso que todos nós despertássemos,
obrigatòriamente. O Divino Despertar é uma condição ideal, e não obrigatória, e
nem todos conseguem tal objetivo. Bastaria, entretanto, que encarássemos as
coisas a partir de outro ponto de vista. Como já disse antes, há monistas por
idealismo e há o monista perfeito. Não se pretende aqui que, de repente, todos os
homens se transformem num Cristo, num Buda, num Krishna, num Ramakrishna,
num Lao-Tsé, num Parmênides, num Plotino, etc., em verdade tantos nomes para
um Só SER, mas o fato de os homens comuns consciente zarem, dentro do
possível, as verdades ensinadas por êsses supremos Mestres do monismo (é claro
que êles não são os únicos, pois houve e há- muitos outros) é que irá permitir que
êste atual pesadelo humano, à beira da autodestruição sob a
96
dantesca sombra do cogumelo atômico, ilusòriamente demolidor e terrível, se
transforme num sonho mais ameno. Quanto mais "o sonho da vida" se transforma
"em pesadelo da vida", tanto mais os personagens do sonho sofrerão; e isto poderá
chegar a tal ponto que Algo ou Alguém, que a tudo sustenta, acabe "despertando".
E "despertando ou sacudindo-se" êsse Algo ou Alguém, será o fim de mais um
ciclo, de mais uma época, como já tantas vêzes parece ter ocorrido na História real
e não acadêmica da humanidade, e que o homem intelectualizado tem tanto
empenho em esquecer, ou faz tanta fôrça por ignorar. BomBASTUS: Que quiseste
dizer com êsse "despertar de Algo ou Alguém"? Qual a diferença entre a história
acadêmica, encontrada nos livros, e essa outra que chamas de História Real, não
acadêmica?
TEOFRASTUS: Prefiro não responder à primeira pergunta. Quando assim
me expressei, fi-lo por fôrça das circunstâncias. Entendas como quiseres. Quanto
à segunda pergunta, é preferível que a ela responda numa ocasião mais oportuna.

97

IV
Debates sóbre a Influência Científica na Arte em Geral

68
BOMBASTUS: Bem, vamos dar mais um giro, que espero seja o último
desta nossa parte introdutória. Como depois iremos falar muito sôbre a Ciência e
sôbre a busca da Verdade, gostaríamos que situasses a posição da Arte em relação
à Verdade ou o SER, ou então em relação a isso que consideramos Realidade. E
sobretudo em relação àquilo que verdadeiramente é a única Realidade dentro da
concepção monista de pensamento, que ensina a integração do múltiplo e do
individual no Único. TEOFRASTUS: A Arte talvez seja a expressão humana que
mais se aproxima dessa verdade monista integradora. O bom e verdadeiro artista é
intuitivo por natureza. É um indivíduo que costuma vivênciar, em instantes de
surprêsa e renovação, verdades que são vivências íntimas, internas, estados de
alma. Enfim o artista, melhor que qualquer outro buscador, consegue surpreender
esta manifestação que se faz de dentro para fora, e que o monista chama de
Manifestação Divina. As vezes, o bom artista consegue captar esta manifestação
quase na sua fonte. Éle é uma espécie de monista natural que não tem consciência
disso. O artista, mais do que qualquer outro indivíduo,
98
fora do ramo religioso ou filosófico, surpreende dentro de si mesmo e projetada
para fora, na suposta natureza externa, esta beleza, esta espontaneidade, esta
maravilha que é a manifestação instantânea do SER, o qual está dentro de nós e é
comum a todos nós. Um artista é tanto mais artista quanto mais consiga captar e
traduzir esta manifestação instantânea, que ele chama inspiração, musa, quer essa
inspiração se concretize sob a forma de música, de pintura, de escultura, de
poesia, de drama, etc. Quanto menos seu intelecto e seus preconceitos acadêmicos
interferirem na sua inspiração, mais o artista se aproxima dessa manifestação
original. Um artista é um criador pelo fato de conseguir surpreender melhor que
qualquer outra pessoa comum esta manifestação interna e aprisioná-la sob a forma
de alguma expressão artística.
Ocorre algo muito interessante em relação à Arte. Enquanto o artista
vivencia a inspiração interna, ele vibra, goza; sente-se transportado a um fabuloso
estado de alma. E se ele consegue aprisionar êste puro estado de alma,
dependendo da sensibilidade do apreciador, consegue com isso transmitir aos
demais a mesma impressão que sentiu. Mas, como essa impressão é momentânea,
ele só se delicia no momento criador. Plasmada sua inspiração, logo a seguir ele
supera o próprio trabalho; às vêzes, devido a essa auto-superação, um grande e
real artista chega mesmo a negar a paternidade de determinado trabalho artístico.
O verdadeiro artista quase nunca se repete. O mesmo fenômeno ocorre com o
sensível apreciador que se extasia no começo e depois acaba se aborrecendo. Quer
dizer, nós, diante de uma criação e manifestação artística real, pressentimos algo
nôvo; algo vital, mas, se ariunicamente deixarmos de apreciar êsse algo, e
começarmos a analisá-lo intelectivamente, acabaremos enjoando. E isso, mais
uma vez vem falar a favor dessa maravilhosa manifestação espontânea das coisas
e dos seres, que se dá de dentro para fora, e que o artista mais que ninguém sabe
captar na sua prístina pureza.
BoMBASTUS: Disseste que o artista é tanto mais artista quanto menos o
intelecto interfere em sua criação. O que não ficou muito claro é o que disseste
sôbre a repetição do artista. Não poderias precisar melhor o que pretendes dizer
com êsse "artista se repete"? É quando o intelecto começa a interferir na

69
99

obra do artista? É por isso que aquêle impacto que a obra nos causaria deixa de
surtir efeito? Ou então que vem a ser essa repetição do artista?
TEOFRASTUS: O artista será artista enquanto não se prender a uma única
criação; constantemente deve estar criando. Não pode ficar embevecido ou
orgulhoso daquilo que fêz, porque êsse já não será um prazer puro, sempre nôvo, e
sim mera lembrança, um simples refôrço do intelecto. Um artista será artista
enquanto conseguir exteriorizar, satisfatória e continuamente, a inspiração sempre
renovada.
BOMBASTUS: Quer dizer que o processo de criação artística é um
processo eminentemente dinâmico?
TEOFRASTUS: Exatamente.
BOMBASTUS: Dessa forma, quando a inspiração cessa, é porque houve
interferência do intelecto, da memória e dos preconceitos mentais do artista?
TEOFRASTUS: Ora, se a manifestação é sempre renovada, a inspiração do
artista também o deve ser, pois são idênticas. Um artista será artista enquanto
conseguir naturalmente exteriorizar e plasmar sua inspiração, sua vivência interna,
através de seja qual fôr a manifestação artística.
BOMBASTUS: A Arte, então, é um processo que não pode ser estático,
porque no momento em que isso acontecer, deixará de se coadunar com o espírito
das coisas que, em última análise, é o que a Arte pretende revelar.
TEOFRASTUS: Porque a Arte está mais perto do espírito das . coisas do que
qualquer outra manifestação humana. BOMBASTUS: Ao teu ver, a condição
essencial do artista é a de ser um criador intuitivo; e a Arte, conforme expressaste,
tem sido a manifestação humana que mais se aproxima da verdade última e
fundamental. Nós perguntamos, então, se a arte moderna, e de modo geral se a de
nosso século, segue a tradição da Arte, que em si seria a manifestação humana que
mais se aproxima da Verdade? Em caso contrário, que aconteceu com a expressão
artística moderna, que alterou tão profundamente o verdadeiro papel da Arte?
TEOFRASTUS: Eu diria que os verdadeiros artistas modernos, mas artistas
com "A" maiúsculo, nada ficam a dever aos bons

100

artistas de outras épocas. Há somente uma diferença de expressão entre a época


atual e a antiga. Atualmente, o artista acredita estar vivendo numa época mais
liberal, em que, supostamente, não haveria uma sufocação artística. E esta cren. ça
de estar vivendo uma maior liberdade de expressão permitiu que uma enorme
quantidade de "incapazes e aventureiros" se misturassem entre os verdadeiros
artistas, geralmente tímidos -e retraídos, aventureiros êsses que costumam
apresentar-se como os grandes gênios artísticos dos tempos modernos. Eles nada
têm de genial, mas muito de geniosos e de abusados. Nessa forma liberal de
expressão artística, nada há a criticar por aparecerem artistas com novas formas de
expressão, pois um artista tem de ser criador; mas vê bem, que sejam realmente
criações ou novas formas de expressão, e não simples deformações e absurdos
intelectuais.

70
Os inovadores da Arte também vivenciam e exteriorizam, à sua moda, a
inspiração interna, sempre nova e sempre surpreendente. lvles estão de acôrdo
com a manifestação última, que se renova de instante a instante; mas entre êstes
verdadeiros criadores, quantos e quantos incapazes se imiscuíram, se infiltraram?
O que ixltimamente tem prevalecido são as obras dêstes últimos. O artista real
cedeu lugar ao vulgar imitador, ao intelectualizado, ao que confunde "sussurros de
musa" com "arrotos estomacais"; não pretendo com isso defender as "melosas
musas" dos clássicos e românticos exacerbados. Pois bem, a verdadeira criação
artística, sempre nova, original, surpreendente, ou mesmo realisticamente
chocante, mas verdadeira, cedeu lugar às manifestações pretensamente
vanguardistas, escolares ou não; manifestações intelectualescas, ridículas, vazias;
verdadeiro cavucar de galinhas no galinheiro, que nada dizem nem nada
transmitem, a não ser o desagrado ou a indiferença. É uma arte de grupos, arte que
tem como fonte de inspiração os tóxicos e o álcool; arte das caves (deturpação das
antigas cavernas), arte de uma escola que não é escola, mas abuso.
BOMBASTUS: Sim êles pretendem causar um impacto através da inovação
formal sem conteúdo algum.
TEOFRASTUS: Pois é, se o homem não se sacudir dêsse torpe marasmo e
não se libertar dessa mentirosa ilusão progressista que o mantém prêso, essa
inovação formal chegará a tal ponto
101
que, algum dia dêsses, um genioso "artista" qualquer evacuará sôbre a tela,
esparramará o "precioso elemento" ao léu, porá uma moldura e expô-la-á como a
mais recente inovação formal, com o seguinte título: "As Secretas Paixões do
Subconsciente." Como de costume, não deixará de aparecer o entendido endi-
nheirado que, intelectualmente falando, não quererá ficar atrás nesse negócio de
arte moderna e acabará comprando tão preciosa obra. Desculpa-me a vulgaridade
dessa suposição, que espero nunca ocorra.
Nenhum dêsses artistas, vazios por dentro e fantasiados por fora, conseguiu
vivenciar internamente a mínima inspiração. São todos uns pseudos-artistas que
ouviram dizer, ou que leram as asneiras dêste ou daquele fulano, achando muito
chique o conteúdo, e decidiram transformar êsse conteúdo, que não é um
conteúdo, e sim uma coisa, numa pretensa nova expressão artística. Agora, apesar
de todos êsses deturpadores da Arte, mesmo em nosso tempo, houve verdadeiros
artistas que, interna e emocionalmente, vivenciaram estados de alma ou
experiências incomuns entre os homens, e tiveram a capacidade de aprisionar
essas experiências sob a forma de uma expressão artística qualquer, redundando
numa obra magnífica, original, bela, incomum, mesmo que não se enquadrasse na
forma escolástica da expressão artística comum. Percebe-se nessas obras o toque
do gênio, da espontaneidade e da sinceridade, constituindo uma obra nova e única.
Mas, além dêsses bons e reais artistas, há outros que, por exemplo, leram as
obras, supostamente científicas, de um Freud, autor que abusa muito sèriamente
da imaginação e das opiniões gratuitas, e daí ter-se transformado em mais um
paladino da Ciência; ou então leram as tolices de outro fulano qualquer; depois,
digamos, aprenderam arremedos de técnica de pintura, escultura, ou seja lá o que
fôr, em determinada escola, a fim de imitar o nôvo estilo de um verdadeiro artista
criador, como o exemplo que citei anteriormente, e saíram pelo mundo afora,
pintando ou esculpindo expressões vulgares de seu intelecto, que traduzem apenas

71
aquilo que o fulano ou o beltrano disse, com arremedos imitativos do nôvo estilo,
resultando numa "iriagnífica obra vazia", tradutora fidedigna da mente de seu
pretenso criador. É nisso que reside o grande mal da arte moderna.

102

Bons e reais artistas modernos são poucos; diria mesmo pouquíssimos.


Agora, os geniosos, os afetados, os esquisitos pseudo-artistas modernos abundam
e parece que seu número tende a crescer cada vez mais. Se alguém não criar
vergonha, é possível que o homem desaprenda a Arte, definitivamente.
Por simples comparação, citemos Rimbaud. De certa forma, êle é bem
original na sua maneira de expressar os pensamentos. Poderemos não gostar dêle e
nem daquilo que escreveu, mas sua obra evidencia a exteriorização de seu real
estado de alma; e fê-lo num estilo personalíssimo, pois, até então, nenhum outro
escrevera da mesma forma. Mas se justifica que um Rimbaud tivesse escrito
assim, já que seus escritos expressam-no muito bem; era uma expressão natural
dêle. Agora, não se justifica que outros incapazes, servindo-se de idéias
estapafúrdias de terceiros, tentem imitar o estilo de Rimbaud, com argumentos de
um Freud ou seja lá de quem fôr e com a ignorância própria dêsses imitadores
tríplices.
BOMBASTUS: Então quer dizer que vês na nova forma de expressão de um
Rimbaud uma necessidade interna e única. TEOFRASTUS: Era uma necessidade
intrínseca de Rimbaud, que se justificava unicamente; num Rimbaud, e não nos
demais. BOMBASTUS: Então, nos outros seria apenas uma imitação?
TEOFRASTUS: Vulgaríssima imitação. E aí é que está o grande mal.
BOMBASTUS: A Arte poderia manifestar-se sob duas formas
fundamentais: uma delas é a arte naturalista, onde o artista procura, de certa
forma, transportar para a sua obra os aspectos da realidade, tais quais êle os vive;
o outro aspecto á o da arte abstracionista, onde o artista procura transformar os
elementos reais que se lhe deparam, de acôrdo com sua maneira própria de
encarar as coisas. Nós sabemos que na arte moderna o que tem predominado é
exatamente essa tendência abstracionista. Gostaríamos de saber se ambas as ten-
dências, segundo teu ponto de vista, seriam válidas. Ou teria uma delas
prevalência sôbre a outra?
TEOFRASTUS: Bem, quanto à arte naturalista, por muitos encarada como
retratista, não teria muita coisa a dizer; há alguns que atualmente a condenam por
julgá-la muito restrita; e ale

103

gam que existem máquinas fotográficas que substituem muito bem êsse tipo de
arte. Até certo ponto isso parece exato. Mas, poderíamos dizer também que essa
arte naturalista, acusada de retratista, pode superar as limitações de uma fotografia
quando o artista é realmente criador; isto é, quando êle consegue associar seu
estado de alma interno à suposta conscientização daquilo que acredita estar vendo
externamente. Repito que a arte naturalista pode superar uma simples fotografia,
com a condição de que o artista consiga sobrepor-se àquilo que acredita ver

72
externamente, ou seja, quando sabe fazer prevalecer o seu idealismo interno à
suposta realidade daquilo que julga ver fora.
Neste sentido, parece-me que a arte natural é mais autêntica e meritória do
que a arte abstrata. Posso estar errado, mas como essa faculdade é um atributo
exclusivo do verdadeiro artista -- aquela espécie de artista que antes citei - hoje
raramente vemos arte dessa categoria. Hoje prevalece a arte abstracionista, porque
exige menos do artista; e mesmo do que não e artista. Atualmente há uma
tendência a encarar não apenas o motivo consubstanciai, mas até o motivo mais
fútil como arte abstracionista. Quer dizer, a arte abstracionista, mais do que a
natural, permite a intromissão do pseudo-artista.
Qual o motivo, qual o fundamento da arte abstracionista? É o de fazer
prevalecer o ponto de vista subjetivo sôbre o objetivo. 1u então, como tu disseste
o artista observa algo externo e reproduz, artisticamente, .de acôrdo com o
seu estado Quando o artista abstracionista é sincero e não abusa da ignorância
alheia, consegue também, realmente, reproduzir uma manifestação externa
qualquer, de conformidade com seu ponto de vista subjetivo, daí resultando
geralmente uma real obra de arte, que pode até superar a do artista natural e
criador de que falamos antes. Mas sucede que a arte abstrata é um tanto perigosa,
porque há indivíduos, por sinal em grande número, que em vez de traduzir algo
externo, em harmonia com seu estado real interno - como era o caso de Van Gogh,
que serve de excelente exemplo -- limitam-se apenas a exteriorizar a insuficiência
de seu intelecto, atulhado de incoerências e mórbidos desejos, deformando
terrivelmente o algo externo por êles observado. Pois bem, êsses maus artistas são
abstracionistas do tipo intelectual, abstracionistas da moda, abstracionistas por

104

"chiquê". Acreditam que irão ser considerados originais, diferentes. Éles sabem
muito bem que não há relação alguma entre a sua suposta "obra artística" e sua
maneira de ser; porque não se reconhecem na obra. Querem se fazer notar por
meio da obra. Assemelham-se ao imperador romano Calígula, que em busca de
notoriedade dizia: "Falem mal de mim, mas falem." Não se reconhecem na obra
até o momento em que surja algum pretenso "entendido" que comece a elogiá-la,
por mais imperfeita e ridícula que ela seja. A partir daí, passam a se reconhecer
como grandes artistas. Com isso conseguem o que querem.
Antes mencionei que o artista abstracionista, criador sincero, iguala-se ao
artista natural realmente bom, e não apenas retratista; mas, os pseudo-
abstracionistas anteriormente citados são a causa da degeneração da Arte. E a
prova do que digo é a própria arte moderna, que é tão desagradável e tão de-
gradante; pior não poderia ser, pois êles não fazem outra coisa senão reproduzir as
limitações e a afetação que, paradoxalmente, enchem suas cabeças ôcas, e que em
absoluto correspondem às suas reais naturezas internas. São tão ignorantes de si
mesmos 'que nem sabem o que é êsse estado interno, nem nunca o vivenciaram.
São impermeáveis tanto às sugestões externas quanto às intuições e inspirações
internas. Suas manifestações não passam de tolices intelectuais.
BOMBASTUS: Desculpa-me o pleonasmo, mas foi muito esclarecedor êsse
teu esclarecimento. Mas permite-me mais uma pergunta. Por que justamente
naquelas civilizações ou naqueles povos onde o monismo deixou marcas mais

73
acentuadas, como é o caso da China e da Índia, predominou uma forma de arte
simbólica e estilizada -- e refiro-me especialmente à arte chinesa - que são
justamente as principais características da arte abstrata? Não achas que existiria,
talvez, uma relação mais íntima entre a arte abstrata e o monismo do que entre o
mesmo monismo e a arte naturalista? Será que nessa arte naturalista não haveria
uma espécie de dualismo subentendido?
TEOFRASTUS: A pintura oriental, principalmente a chinesa, que tu chamas
de simbolista, eu chamo-a de pintura natural. Na minha opinião, a pintura chinesa
é a verdadeira pintura natural, a mais excelente pintura natural que poderia ter
existido.

105

O artista se sobrepõe ao suposto natural externo. Jamais uma máquina


fotográfica poderá imitar a sutileza e a beleza de uma simples paisagem, vista
subjetivamente pelo ôlho do artista chinês ou japonês. Talvez haja um mal-
entendido, mas eu não considero a arte chinesa ou japonêsa como simbólica.
Nesta arte é que temos o exemplo perfeito da imposição da realidade interna sôbre
a suposta realidade externa, sem necessidade de deturparmos a realidade externa,
e sim sublimando-a apenas. A arte chinesa, em certo aspecto, supera o antigo
classicismo rígido, e muitas vêzes o absurdo abstracionismo moderno. Essa arte
libertou-se da rigidez, das formas absolutas e das côres exatas, sem com isso
apresentar deformações, ou então nos agredir com côres aberrantes. O artista
oriental, além da forma e da côr convencional, tenta sugerir algo mais, coisa que
os nossos clássicos dificilmente conseguiam fazer, à exceção de alguns. Eu chamo
de arte natural a arte que tu chamaste de simbolista; e nesta verdadeira arte natural
é que o bom naturalista se iguala ao simbolista oriental, conforme teu parecer.
Certamente, para os acadêmicos, a arte oriental é . tida como simbólica, assim
como o abstracionismo também é encarado como arte simbólica; entretanto, para
mim a arte chinesa, japonêsa e outras afins, é arte natural ou simbólica, coma
quiseres. Esta arte elimina os excessos de rigidez dos clássicos e impede os abusos
dos pseudo-abstracionistas. O artista, para poder pintar aquilo que pinta, primeiro
que tudo tem de ser um artista perfeito; e em segundo lugar, tem de ser um
indivíduo intuitivo, um indivíduo que vibre, que sinta mais que qualquer outro a
beleza e a poesia das coisas e faça prevalecer êsse sentimento sôbre sua técnica,
enquanto que um clássico ocidental, muitas vêzes, fazia prevalecer sua técnica
sôbre seu sentimento.
BOMBASTUS: Está certo, mas continuo achando que a arte oriental é
essencialmente simbólica. Principalmente quando falaste que o artista chinês
sobrepõe a realidade interna à externa, pois, para mim, isto vem a ser justamente o
símbolo. Com um naturalista não acontece isso, porque geralmente se deixa
esmagar pela realidade externa.
TEOFRASTUS: Bem, só se te referes ao naturalista, da escola clássica.
106

.BOMBASTUS: Usei o têrmo abstracionista no sentido geral, para


significar tôda aquela arte anticlássica.

74
TEOFRASTUS: Parece-me que houve um mal-entendido. Percebo agora
que, para ti, o têrmo abstracionista é bem mais amplo; não abarca sòmente as
garatujas que costumamos denominar de arte moderna contemporânea.
BOMBASTUS: Eu acredito que uma obra de arte, para ser valida, teria
de expressar, em têrmos universais, a situação do homem em determinada fase
de sua evolução, de maneira tal que sempre fôsse possível a qualquer indivíduo
dela extrair alguma coisa de útil, de agradável, de instrutivo.
Há pouco te referiste às "garatujas que costumamos denominar de arte
contemporânea". Gostaria de saber se achas que essa arte moderna
contemporânea expressa a realidade do homem do século XX, pelo menos a
realidade do homem ocidental? TEOFRASTUS: O homem é sempre o mesmo,
em tôdas as épocas da História. O verdadeiro artista é um verdadeiro artista em
todos os tempos; a única coisa que poderá modificar um pouco é a técnica e a
temática; a genialidade não.
A arte contemporânea não expressa o homem do século XX, mas expressa a
pouca capacidade, a pouquíssima genialidade e o caráter fraco de certos artistas
que se deixaram envolver pelo artificialismo, pelo tecnicismo, pelo cientificismo,
pelo deturpante freudianísmo e principalmente pelo robotianismo do século XX. B
impossível que, neste mesmo século XX, não existam artistas que consigam,
sinceramente, fazer sobressair o seu real aspecto subjetivo sôbre a massacrante e
objetivista pseudo-realidade externa, tomada consciente graças à mente do próprio
homem.
Acredito mesmo que, neste nosso século, no próprio Ocidente mecanizado,
existam artistas que não tenham se deixado influenciar nem pelo cientificismo,
nem por essa psicologia infantil, também característica de nosso século.
Essas garatujas às quais me referi na resposta anterior retratam muito bem o
intelectualismo de certos individuos influenciados, principalmente, pelas
invencionices daquilo que chamam psicologia e psicanálise freudiana ou
correlatas. Se, ao menos, essas garatujas retratassem, real e naturalmente, o
conteúdo do

107

subconsciente natural do artista, e não o artificial criado por Freud, seu valor seria
totalmente diferente, bem melhor. Mas, nem isso elas conseguem retratar, ficando
apenas no superficialismo, no artificialismo, nessa verdadeira secreção cerebral -
tão cara aos já fora de moda, mas sempre recalcitrantes materialistas - dêsse
mesmo subconsciente artificial pregado e divulgado pelos escritos freudianos.
BOMBASTUS: Bem, vou-me ater apenas à primeira parte da tua resposta,
onde disseste que a arte moderna retratava o envolvimento do artista nas manias
do século XX.
Ora, o homem do século XX e sua civilização são um homem e uma
civilização em crise; não seria natural, portanto, que a Arte, fazendo parte dessa
civilização em crise, expressasse um mundo em crise? Não vou entrar em detalhes
quanto à questão do superficialismo, mas creio que a arte contemporânea é
justamente a única arte que seria possível no nosso século.
A meu ver, não é possível, em pleno século XX, alguém dedicar-se, por
exemplo, ao lirismo romântico, fazer versos às amadas, escrever poemas épicos,

75
pois são coisas incompatíveis com a situação atual. Daí, gostaria que opinasses a
respeito, mas encarando a questão por êsse prisma.
TEOFRASTUS: Em parte, concordo com aquilo que tu disseste, de que
neste nosso século seria impossível uma arte diferente. Isso é verídico,
principalmente para aquêles que estão à cata do aplauso dos "entendidos", e é
verídico para aquêles que, esquecendo seu próprio caráter, seu próprio valor,
submetem-se, eternamente, às manias do mundo e às manias da "entendida
opinião alheia". É claro que hoje, principalmente, numa época tão convicta de seu
pretensa conhecimento e de seu tecnicismo, seria um escândalo se o artista
deixasse transparecer em sua obra que, antes de tudo, ainda se sente um homem
dotado de emoções, que ainda crê em algo, dentro de si mesmo, que procura se
exteriorizar sob a forma de uma genial criação artística, que ainda tem mente e
coração, e não apenas vísceras e músculos e pretensas reações físico-químicas,
sublimadas pelo. psicólogo, psicanalista e psiquiatra ao grau de lixo do subcons-
ciente, fumaça do cérebro. É claro que se o artista se limitasse à sua condição
hominal pura, e deixasse de se crer uma

108

simples máquina, como o seu século científico tanto se esforça em lhe fazer crer,
seria realmente um escândalo. O contrário vem ocorrendo, porque o homem se
deixou esmagar pelas mentiras do século. O homem é a Verdade; o meio é apenas
um mero reflexo seu. Os homens verdadeiros transformam o seu meio em
Verdade; sempre se sobrepõem ao meio. Os incapazes, os escravos da mentira, se
deixam subjugar pelo meio e refletem no próprio meio tôdas as trevas e tôdas as
mentiras que trazem na mente.
Não se justifica a total subjugação do artista ocidental a êsse cientificismo e
a essa. falsa psicologia. Afinal de contas, a vida, o mundo, não é apenas o
Ocidente com suas manias! Mormente agora, que estamos a par de tôdas as
possíveis facêtas que o mundo e os povos podem apresentar. Há outros tipos de
sabedoria, há muita fonte de inspiração, há muita coisa a conhecer, há muita vida
diferente, além da vida pretensamente explicada pelo cientificismo ocidental.
Se a filosofia e a religião do Ocidente já não servem mais como fontes de
inspiração para a tentativa de uma inovação artística, procuremos, então, nesse
caso, a inspiração necessária para uma real e adequada inovação artística em
outras latitudes. Não precisaríamos nos limitar a êsses artificialismos, a essas
aberrações, a essas deturpações decorrentes, òbviamente, do estado emocional do
homem ocidental, influenciado por essa escola de pensamento que é a escola
científica e que é principalmente a escola psicológica de Freud e seus seguidores.
No caso da pintura e da escultura, se o artista não está armando esquemas
que mais parecem plantas de edifícios, ou esbôço técnico de máquinas, ou quebra-
cabeças da psicologia acadêmica, está, supostamente, reproduzindo estados de
alma, que em verdade não o são. São meros artificialismos sob a forma de
borrões, que corresponderiam às fuliginosas interpretações trazidas pelos ensinos
da psicologia moderna.
Será possível que como fonte de inspiração só devam existir as
relativíssimas verdades científicas e as mentiras da escola psicológica inventadas
por uma série de pseudo-psicólogos?

76
BOMBASTUS: Bem, eu concordo contigo em que o artista não deveria se
deixar envolver pelo cientificismo, o que acontece

109
com muitos dêles, mas, pelo contrário, deveria tentar superar êsse cientificismo.
Ao meu ver, muitos dêles se propõem a isso; apenas acredito que essa superação
necessária, não se poderá conseguir através de velhas linguagens, já saturadas e
decadentes. Por isso o principal problema do artista do século XX é a procura de
uma nova linguagem, que consiga superar uma série de estruturas mortas, por
assim dizer, e que, justamente, dificultam a superação dessa atual condição.
Para sermos um pouco mais objetivos neste diálogo, gostaríamos que
citasses três artistas contemporâneos, nos quais reconheças certa largueza de
objetivos. Enfim, artistas que estejam fora dêsses dois campos de conhecimento a
que te referiste (a Ciência e a psicologia acadêmica). Pode ser artista de qualquer
arte, desde a pintura até a xilografia. TEOFRASTUS: De antemão preciso
salientar que não sou nenhum profundo connesseur d'Art, nenhum entendido, e
estas minhas críticas são mais do tipo filosófico e histórico que pròpriamente a de
um especialista em arte. Por isso prefiro não citar os nomes que me pediste,
porquanto, ao indicar sòmente um, de seja qual fôr a especialidade artística,
estaria fazendo injustiça a outros. Quantos poetas, escritores, pintores, escultores,
músicos e compositores existiram e existem, e que foram (ou são) excelentes
artistas? Como poderia escolher um de meu agrado, se são tantos os que me
agradam?
Com relação à primeira parte de tua pergunta, gostaria de acrescentar o
seguinte exclarecimento: disseste que o artista necessitaria encontrar uma nova
linguagem que lhe permitisse superar essa nossa situação artística atual. Na minha
opinião, desculpa-me a rudeza das palavras, o que se precisa, atualmente, não é
uma nova linguagem artística, ou uma nova forma de expressão qualquer, mas o
que realmente se precisa é de uma medida drástica, ou seja, certos artistas devem
fazer uma limpeza mental. O que se precisa é que o artista abandone o árido
artificialismo científico e a bem pouco real psicologia freudiana e congêneres, tão
em voga atualmente. O artista deve procurar em seu verdadeiro Ser aquilo que o
mundo não lhe pode dar. Se se encantou com algo externo, que o reproduza pelo
prisma de seu Ser interno, a verdadeira fonte daquilo que êle acredita ver lá fora.
Se não quer saber do objetivo, que

110

recorra ao subjetivo, fonte de todo objetivismo, e lá descobrirá enormes surprêsas.


Quem disse que a inspiração humana se esgotou? O artista tem de valer-se
de seu verdadeiro subconsciente. Nêle, poderá constatar cenas e ocorrências, às
vêzes tristes, às vezes ridículas, às vêzes belas, mas tôdas bem humanas, e verá
quão reais foram essas cenas em seu tempo e quão longe estão das fantasias do
artificial subconsciente freudiano.
Em verdade, nenhum artista deveria recorrer ao subconsciente, pois poderia
enlouquecer. Nem todos têm a capacidade de um Dante. Houve e há artistas que
fizeram isso e plasmaram obras realistas e impressionantes, mas se saíram mal.

77
Melhor seria que o artista deixasse o seu superconsciente inspirá-lo em tôda
sua composição artística. O artista deve voltar a ouvir a voz do coração, mas,
desta vez, não deve dei xar-se enredar pelo excesso de sentimentalismo, como
ocorreu aos românticos, e sim temperar adequadamente o sentimento do coração
com o real conhecimento da mente; a intuição com a criação.
Do meu ponto de vista, que pode perfeitamente estar errado, o artista só
precisa disso. O verdadeiro artista, já pelo fato de estar sempre criando,
transforma-se automàticamente num inovador formal. O verdadeiro artista é
aquêle que sempre tenta superar-se a si mesmo, e sua atitude muitas vêzes resulta
numa inovação formal. Também essa é uma maneira de criar uma nova
linguagem. Para mim, a constante criação e renovação artísticas contêm tôdas as
possibilidades de expressão possíveis, tôdas as novas linguagens, que achas tão
necessárias.
A verdade é esta: o artista deve voltar a ser artista. Já que a Ciência tentou
esmagá-lo com suas pretensas "provas" e sua realidade externa, êle deve erguer-
se, antepondo-lhe sua muitíssimo melhor e mais real natureza interna.
BOMBASTUS: Para encerrar êste nosso superficial esbôço crítico da Arte,
terias ainda alguma coisa a dizer com relação à música e ao cinema, a tão
decantada sétima arte?
TEOFRASTUS: A música, apesar de também ter sofrido a influência
do cientificismo do século, é o único ramo da Arte

111

que ainda não se deixou envolver totalmente pelo intelectualismo estéril, próprio
de nosso tempo, embora o número de compositores modernos realmente bons
tenha diminuído muito. O século passado e o início dêste foram muito mais
pródigos em boa música e bons compositores do que atualmente. Nos dias que
correm não sei o que vem acontecendo com a música. Será que os compositores
modernos (alguns), envolvidos na onda do tecnicismo atual, estão mais
interessados em música eletrônica do que em música de verdade?
Temos de reconhecer que até na música, estamos atravessando uma fase
crítica, uma fase negativa, que certamente haverá de passar.
Falando em têrmos gerais, sabemos que a verdadeira arte, livre das peias
intelectualescas, cientificistas e psicanalíticas, costuma traduzir estados de alma
do próprio artista, que tenta plasmar, num esfôrço de expressão, o que êle sente,
ou então tenta sugerir o que está além do sensorial, do mental e do meramente
emocional humano. A Arte verdadeira é uma espécie de misticismo
consubstanciado, plasmado, concretizado por meio da criação particular do artista.
Enquanto o místico vive emoções e estados particulares, ou mesmo a Verdade,
sem conseguir que outros participem de sua vivenciação, ao verdadeiro artista,
ocorre o mesmo, só que, dentro de suas possibilidades, êle se esforça em plasmar
ou materializar aquilo que viu ou sentiu. Nem sempre o consegue integralmente,
porque a sua mente, seu intelecto e sua memória são altamente destorcentes.
Todavia, a sua obra será tanto mais genial quanto mais se aproximar da primitiva
inspiração ou vivenciação.

78
A cinematografia também serve para uma analogia interessante, da qual o
homem não se apercebe.
Dizem que o cinema é a expressão realista por excelência; isto é, no filme
fica registrado o que o cinematografista se propôs registrar; nada mais. Todavia,
ninguém se deu conta de que o ato de filmar e projetar imita, mais ou menos,
aquilo que naturalmente ocorre com a mente do homem.
Por meio de analogias, a mente do homem pode ser comparada a um
projetor cinematográfico vivo e não mecânico. (Note-se que aqui, por fôrça de
expressão, está-se apenas su

112

gerindo, não afirmando ou declarando que a coisa é assim.) Vulgarissimamente


falando, os sucessivos quadros projetados na tela, correspondentes a vários
sucessivos quadrinhos da película, seriam as sucessivas manifestações
instantâneas do SER, que se renovam de momento a momento (não importa
quanto dure), e que a mente limitada ao ego, no caso, além de projetá-los à sua
frente, acomoda-os segundo a essência de sua própria memória e
condicionamentos. (O ego é só memória e condicionamentos, qualidades mortas
que tentam viver e se impor, graças à vitalidade, ao que é vivo, à ação pura da
Mente Primeira: o SER.)
O próprio ego-mente elaboraria a ilusão de continuidade espaço-temporal. O
ego-mente, no caso, seria a tela, a sala de projeção, o projetor. As imagens
projetadas são vistas e tornadas conscientes segundo as peculiaridades da pessoa
que assiste ao filme, peculiaridades essas dependentes dos preconceitos do ego-
intelecto-mente. O resultado, naturalmente, será destorcido.
Idêntico fenômeno ocorre nos sonhos, em que o sonhador se projeta como
personagem sonhado, como mundo de sonho, como outros personagens diferentes
dêsse mesmo sonho, o qual se desenvolve num espaço-tempo onírico, e assim por
diante.
A manifestação do SER faz-se de dentro para fora. Em verdade, para o
SER, não há nem dentro nem fora, mas a mente do homem limitado é como se
fôsse um pedaço de madeira, que flutuando no oceano do SER, parecesse estar
dividindo-o em duas porções: uma à frente e outra atrás. É por isso que se diz que
a manifestação do SER se faz de dentro para fora.
Essa manifestação, de dentro para fora, não se restringe apenas ao que se
sonha; traduz, também, de certa forma, a nossa vida sensorial, conhecida por
estado de vigília ou vida de relação. E, no entanto, o ego-intelecto-mente,
valendo-se de artimanhas (a lógica, a razão, a opinião comum, o dogma, etc.)
outorga-se o direito de proclamar que a percepção das coisas ocorre de fora para
dentro, a partir de uma natureza isolada, supostamente observada pelo homem.
(Isto não é o conhecer, e sim o reconhecer.) Se o homem pudesse, aqui e agora,
surpreender a sua mente trabalhando, perceberia que

113

79
ela age, muito remotamente, como se fôsse uma máquina cinematográfica.
Apesar de não ser uma arte em si, o cinema passou a sintetizar tôdas as
expressões artísticas e tem a possibilidade de conter tôdas as demais artes, e, por
isso mesmo, tomou-se uma das mais interessantes manifestações da arte moderna.
É de lamentar que o cinema moderno tenha perdido a sua finalidade e não
tenha sido aproveitado mais adequadamente, porquanto, por meio dêle, poder-se-
ia transformar o mundo para melhor, e não para pior, como vem ocorrendo
atualmente, graças a êle e graças ainda a essa coisa aberrante (pelo menos no seu
aproveitamento atual) chamada televisão: a calamidade que faltava dentro da
própria casa do homem, a fazedora de pacíficos robôs caseiros e de castrados
mentais. A grande e perigosa arma da cibernética, atrás da qual se escondem inte-
rêsses escusos e nefastos ao homem.
O cinema, em certo aspecto, democratizou as artes, porque por meio dêle
podemos ver e ouvir coisas que muitas vêzes nossas possibilidades financeiras
dificilmente nos permitiriam ver. É pena que, podendo sintetizar tôda a Arte, não
sirva para uma maior difusão do aspecto artístico da humanidade. Infelizmente,
como tudo neste mundo, o cinema também caiu nas mãos dos mercantilistas, dos
trustes ou do poder estatal mal-intencionado, porque só êles têm o dinheiro e só
êles poderiam mandar filmar alguma coisa. E como essa gente só pensa em seus
interêsses, em seu capital empatado, é claro que o cinema tinha de acabar sendo a
expressão artística mais capaz e também a mais desperdiçada. Nunca a Arte teve
tantas facilidades de expressão como atualmente, e, apesar de tudo, quanto
desperdício, quanta futilidade, quanta vulgaridade, quanta tolice estão sendo
difundidas.
O cinema, que poderia ter sido o melhor de todos os inventos desta nossa
era cientificista, acabou caindo nas mãos dos maiores inimigos da cultura, do
conhecimento e da verdade, que são os sempre poderosos, mesquinhos e egoístas
endinheirados. E o que se vê pelo cinema e televisão, salvo exceções, é a
divulgação e o endeusamento da estupidez, da violência, das guerras, da cretinice
humana. O que poderia ter sido, pelo

114

menos, uma excelente distração, acabou sendo um ótimo meio de destruição do


que ainda restava de bom na humanidade. BOMBASTUS: Criticaste o cinema
como um desperdício do meio de expressão artística, mas não falaste sôbre o
cinema como Arte. Insisto que o encares como uma expressão artística.
TEOFRASTUS: Prefiro não comentar o cinema como Arte em si; tal atitude
fugiria do aspecto geral da temática que estamos abordando, além do que isto
implicaria que eu fôsse um entendido no assunto, um expert da sétima arte, o que
não sou.

115

Segunda Parte

80
... Os cientistas são pessoas comuns, com a percentagem habituai de
abnegados e megalomaníacos; sábios e tolos, honestos e ladrões. Os cientistas
hoje são capazes de admitir que existiram cientistas estú pidos e cientistas que
cometeram erros indesculpáveis, mas apenas quando estão -se referindo ao
passado. Os erros da Ciência são supostamente apenas os que ocorreram há
muito anos, e a imagem que o público faz do cientista é a de um homem brilhante
que não pode cometer um êrro ou atirar pela janela milhões de dólares de outras
pessoas, simplesmente porque é estúpido ou convencido demais para reconhecer
sua própria incompetência..."
Computers and Common Sense Mortimer Taube
... L preciso voltar d sólida substância das coisas, d matéria da água que
se move sob a pressão do vento e da fôrça da gravidade, obedecendo às leis da
hidrodinâmica (dizem os ingênuos e já ultrapassa dos materialistas). Porém, a
sólida substância das coisas é outra ilusão. Ela também é uma fantasia projetada
pela mente sôbre o mundo exterior. Perseguimos a substância, sólida,
arrancando do liquido contínuo o átomo, do átomo o elétron, e aí perdemos a
matéria. Porém, de qualquer maneira - dir-se-á - no fim da pesquisa conseguimos
algo real a saber: os prótons e os elétrons. Porém, a nova teoria quântico-
ondulatória da física condena estas imagens por demasiado concretas e rígidas, e
não nos deixa com nenhuma imagem coerente...
Reality, Causation, Science and Mysticism Sir Artur S. Eddington

Abandona-se a causalidade rigorosa com relação ao mundo material.


Nossas idéias das leis dirigentes estão em processo de reconstrução e não é
possível predizer a forma que, finalmente, tomarão; porém, tudo indica que a
causalidade rigorosa desapareceu para sempre. E por isso mesmo desaparece a
necessidade que existia anteriormente de supor que a mente era sujeita às leis
deterministas..."
... Ao reconhecer que o mundo físico é inteiramente abstrato e sem
realidade, afora de seus concatenamentos com a consciência, restauramos a
consciência ao seu pôsto fundamental, em vez de represen tá-la como uma
complicação não essencial do mundo, encontrada casualmente dentro da
natureza inorgânica, numa etapa avançada do (pretensa) história da evolução..."
Reality, Causation, Science and Mysticism Sir Artur S. Eddington

117

Os Gregos, "O Gênesis" do judaismo


Cristianismo e as Origens da Ciência Moderna

81
BOMBASTUS: A propósito daquilo que nos circunda, perguntaríamos se
existe uma realidade física, e se para tal deveria existir uma Ciência capaz de
explicar essa realidade física? TEOFRASTUS: Bem, levando em conta a
SUPREMA VERDADE, e não raciocinando em têrmos de verdade superficial,
diria que não há realidade física, e portanto não seria tampouco necessário que
existisse uma Ciência a fim de descobrir e interpretar essa suposta realidade física.
Nosso primeiro dever é compreendermo-nos claramente; depois disso
teremos tempo suficiente para opinar sôbre o que vem a ser essa realidade física.
Para o homem comum e até para o cientista, realidade física seria tudo aquilo que,
supostamente, existiria externamente e que nossos sentidos captariam. Entretanto,
melhor seria distinguir se nossos sentidos estão realmente captando alguma coisa,
ou se, ao invés de captação de sensações, há exteriorização de realidades internas,
as quais, por nossa prévia deturpação intelectual e por nossa ignorância, parecer-
nos-iam captações sensoriais, ou então realidades físicas. O que ocorre é uma má
interpretação, uma confusão relativa

119

mente a isto que chamamos de meio ambiente, de externo circunjacente, de


mundo, etc. O que vem sucedendo é o seguinte: desde tempos imemoriais, ao
aparecer no cenário da vida, o homem acreditou ter encontrado um mundo feito de
antemão, fôsse lá por quem fôsse. Raciocinando como os dualistas religiosos,
poderíamos pensar que o mundo, o Universo, etc., tivessem sido feitos por um
taumaturgo, por um deus externo, um deus de preferência antropomorfo. Ou
então, raciocinando como céticos descrentes, científicos-racionalistas, o mundo, o
Universo, o homem, etc., teriam surgido graças ao deus-acaso e às deusas Física,
Química e Matemática.
A verdade é esta: homens de pouca capacidade de avaliação, seja devido à
tradição ou a uma deturpada educação, desde a infância, sempre aceitaram o
mundo ou o meio cir cunjacente como uma realidade indiscutível e externa,
realidade essa construída ou formada por alguém ou pelo encontro de alguns
fatôres.
É o caso de tecer a seguinte comparação: o homem seria um artista,
prèviamente forjado por alguém (Deus) ou por fatôres (o deus-acaso da Ciência) e
teria sido pôsto num palco, prèviamente criado, formado e montado especialmente
para êle. Dêsse ponto de vista, a missão do homem seria a de compreender a
disposição dos elementos que decoram o palco e, se possível, descobrir outros não
tão claramente perceptíveis, a fim de que compreendendo e descobrindo, pudesse
interferir, alterando êsses elementos, supostamente para melhor, segundo o ponto
de vista hominal. E esta atitude do homem de compreender, de interferir e de
alterar implica a aceitação indiscutível da realidade do palco e seus elementos. A
partir dêsse ponto de vista, obviamente dualístico, é que começaram as es-
peculações do tipo científico e filosófico, cujo precursor emérito foi Aristóteles, a
quem os cientistas de hoje tanto criticam, só porque não se serviu do método
experimental, como se o método experimental fôsse menos defeituoso que o
método de Aristóteles. Valendo-se do intelecto e dos sentidos, Aristóteles opinou
gratuitamente sôbre as supostas realidades externas. Os cientistas, quando da
observação do fenômeno, apenas interpuseram aparelhos, ou repetiram

82
"experimentalmente" o fenômeno, esquecendo que, a todo momento, suas
próprias mentes interfe

120

riam na suposta observação e experimentação, pois não me consta que aparelhos


possam testemunhar por si sós. É preciso que sempre haja uma mente que os
interprete. E a experimentação não fala de per si; é preciso que haja sempre uma
mente que a elabore, efetue e interprete, portanto a mente sempre está no fim de
tôda observação, seja do tipo aristotélico, seja do tipo científico. Por incrível que
pareça, tanto Aristóteles quanto os cientistas estão, ao mesmo tempo, certos e
errados, porque não há realidades físicas sôbre as quais se possam descobrir
verdades únicas. Há, isto sim, aparentes realidades humanas, que projetadas, por
artimanhas intelectuais e palavras convincentes, acabam coincidindo num ponto
de vista comum. A opinião comum sôbre determinada coisa é explicada por aco-
modamentos intelectuais. Dessa forma, se aceitarmos gratuitamente que existe
uma realidade física externa, a Ciência se justifica, mas o homem terá de pagar o
preço. Éste preço é o infindável e enlouquecedor conjunto de opiniões, que falam
sôbre o macro infinito e o microinfinito de "coisas". Enquanto houver homem
engendrando, a Ciência nunca chegará ao fim e como o homem não percebeu que
aquilo que êle chama de descobrimento é engendramento seu, e como êsse
descobrimento tem a peculiaridade de incitá-lo a demandar outros, então as
"descobertas" do homem científico nunca chegarão ao fim. Em outras palavras,
seu fim poderá ser a loucura, a confusão e a perdição.
BOMBASTUS:
Quer dizer então que admites, parcialmente, a existência de uma ciência
para explicar a pretensa, por assim dizer, realidade física que nos cerca?
TEOFRASTUS: Sim, se admitirmos que realmente tenha havido uma
criação dependente de um deus, ou então de fatôres casuais (ou o deus-acaso
científico), teremos de concordar em que a Ciência é necessária. Por isso eu disse
que, neste caso, o homem seria verdadeiramente um artista, que não somente
desempenharia um papel nem sempre agradável no palco mundial ou universal,
mas inclusive, além disso, teria de entender, corretamente e por obrigação, tôda a
peça, o palco e seus elementos. Como se compreendendo o palco, ou melhor, o
mundo e o Universo, acabaria por compreender a si próprio.

121

BOMBASTUS: Mas, com isso que acabas de dizer, parece-me estejas


confundindo conceitos de Filosofia com conceitos de Ciência. Parece-me que
abordaste mais o terreno da Filosofia do que o terreno da Ciência, porque a
Ciência apenas tenta explicar como é o mundo, enquanto a Filosofia pretende ex-
plicar os porquês e as razões do mundo. Portanto, não achas que em relação ao
conhecimento é preciso que falemos de duas maneiras, ou seja, em têrmos de
Ciência, que tentariam explicar como são as coisas, e em têrmos de Filosofia que
explicariam o porquê das coisas?

83
TEOFRASTUS: Seria o caso de perguntar quem é êsse que fala sôbre o
suposto "como das coisas" e quem é êsse outro que fala sôbre "os porquês das
coisas"? Se êsse "quem" não se conhece a si próprio e fala apenas como um ego-
intelectomente, então teremos apenas "como e porquês" engendrados por êsses
ego-intelecto-mentes que longe estão da VERDADE. Por isso saliento que, no
nosso caso, tanto a Filosofia quanto a Ciência, diante dêsse problema, que seria o
mundo e o Universo, estão erradas, em têrmos absolutos. Porque nem a Ciência
poderia dizer com tôda a certeza o "como" do mundo e do Universo, e muitos
menos a Filosofia poderia explicar os "porquês" dêsse mesmo mundo e Universo.
Ambas as pretensões, científicas e filosóficas, são originárias da Grécia. Os
gregos, mais que qualquer outro povo, Interessavam-se muito pelos "porquês" e
"como" relacionados com o meio ambiente. Era uma atitude cômoda, que exigia
grande esfôrço. Com isso, os gregos apenas salientaram sua imaturidade e
infantilidade em relação à verdadeira sabedoria e à real compreensão do
circunjacente e de si próprios.
Ademais, temos de nos lembrar de que Ciência e Filosofia são apenas
abstrações dependentes do homem. Não será a Ciência ou a Filosofia que vai dar
os últimos "como e porquês"; são os cientistas e os filósofos que, desconhecendo-
se a si próprios, estão a todo momento engendrando novos "como e porquês",
complicando, inútilmente e cada vez mais, a Ciência e a Filosofia.
Sei que estou escorregando de nôvo para o ponto de vista monista; todavia,
se quisermos ver as coisas diferentemente, teremos de vê-Ias a partir do ponto de
vista monista, pois o

122

ponto de vista dualista falhou completamente, tanto em relação ao objeto


(Ciência) quanto em relação ao observador (religião). Em verdade, o homem
nunca se desconheceu tanto como agora.
O ponto de vista monista, antes de pretender explicar o "como" e os
"porquês" do mundo e do Universo, tenta salientar o quanto um indivíduo pode,
intelectualmente, interferir diante de um fato supostamente observado, porque o
monista sabe que tanto o objeto como o observador são uma mesma mente. Essas
interferências se fazem como engendramentos, como acomodações, como
alterações e deformações dos dados supostamente observados. B por isso que um
monista diz que o homem, antes de se preocupar com o "como" e os "porquês" do
palco universal, deve se preocupar com si mesmo. Este é o primeiro dever, a
primeira obrigação de qualquer homem que tenha se dissociado do
comportamento animal e que se considere como um indivíduo dotado de
faculdades pensantes. A primeira investigação que devo intentar é saber quem sou
Eu, depois, se fôr o caso, investigar o que vem a ser meu raciocínio, a
conscientização daquilo que acredito estar percebendo através de meus sentidos.
Chegando a alguma conclusão, e se fôr o caso, só então, o indivíduo poderá
preocupar-se com aquilo que aparentemente é externo. Mas, vejam bem, só então
poderá fazê-lo. Avançando um pouco no assunto, ousaria até afirmar que, depois
disso, já não haverá mais problemas. Apesar dêsse ponto de vista ter sido
rechaçado, unânimemente, pelos primeiros cientistas, e apesar dêsse ponto de
vista parecer mais difícil, é contudo, muito mais correto e mais certo. Devemos,

84
antes, conhecer a maneira pela qual o indivíduo conscientiza aquilo que vem a ser
o que chamamos mundo ou Universo. Conhecer através dos aparelhos, sentidos e
intelecto, deduzir como existe êsse Universo e depois forjar os gratuitos "porquês"
é fácil, mas as conclusões não constituem a Verdade. Antes disseste que a Ciência
se preocupava apenas com o "como", mas parece-me que, últimamente, os
cientistas, apesar de não serem filósofos, contribuíram com os piores e mais
absurdos "porquês" de tôda a história do pensamento humano. O mundo ganharia
muito mais se o matemático descobrisse a natureza de seu SER, e daí sua própria
natureza e "sua" natureza circun

123

jacente, do que se descobrisse novos segredos na matemática. Ou, então, dizendo


de outra forma: é muito mais importante ao matemático conhecer os segredos do
matemático do que conhecer os segredos da matemática, que êle inventa.
Essa errônea maneira de ver as coisas começou por um "lapso da natureza
humana", em decorrência do qual o ego veio a existir, e com êle seus ridículos
"como e porquês". Se o homem permanecesse como realmente É, ou seja, livre
do falso, deturpante e desesperador intelectualismo racional, tudo seria melhor.
Infelizmente não foi assim. As dialéticas grega e hebraica estragaram o mundo -
ocidental. Elas facilitaram e permitiram a dicotomizações (ou divisão) da
unidade mental - observador-observado - em objeto e sujeito, separados. Ésse
modo dualístico de encarar as coisas prevaleceu principalmente na Grécia e em
outros lugares onde vingavam os conceitos dualísticos religiosos, ou os
conceitos clericais de quaisquer religiões.
BOMBASTUS: Não achas que em outras partes do mundo, que não a
Grécia, também tenha existido uma ciência, independente do racionalismo grego,
como é o caso da ciência chinesa, hindu, assíria, babilônica, persa, egípcia, etc.?
Neste caso, a Ciência não teria tido origem só na Grécia, como pretendes apontar.
TEOFRASTUS: Parece-me que não. Pelo menos não deve terexistido uma ciência
especulativa como a dos gregos, ou então uma ciência do tipo atual.
BOMBASTUS: Sim, mas além da ciência atual, que mais tarde
abordaremos, gostaria de saber se não houve a possibilidade de ter existido uma
ciência de outra índole, por assim dizer. Ou então, se fôsse o caso, poderias expor
a possibilidade de uma nova ciência, que talvez coincidisse com alguma ciência
perdida dêsses povos antes mencionados.
TEOFRASTUS: Se não me engano, parece que já fizeste essa pergunta em
outra parte dêsse nosso diálogo; de qualquer forma, não creio que, nesses países
orientais, tenham existido especuladores do mesmo padrão que os gregos que,
observando sensorialmente determinados fenômenos, por êles julgados naturais,
os tivessem descrito em palavras, para depois deduzir prováveis e remotos
comportamentos da Natureza, sob a forma de lei ou postulados, e daí, por
analogia, construir ou fazer algo que interferisse no comportamento da Natureza.
Seria capaz de
124
jurar que, nesses outros países orientais, o homem não era dotado dessa
capacidade de analogias. Parece que o homem dessas outras latitudes deixava-se

85
guiar mais por um poder criador inerente a si próprio que por suas especulações
intelectuais e conclusões. O cientista oriental, se assim podemos chamá-lo,
construía, fazia, porque sabia que podia fazer sem perguntar a si mesmo "como"
nem "por quê". Quando muito, estabelecia uma prévia planificação, elaborada no
momento. Essa prévia planificação, geralmente, não se calcava em dados
anteriores, anotados em alfarrábios ou papiros especiais, ou em livros técnicos e
didáticos, como os conhecemos hoje. Obedecia mais ao instinto, ou a uma
exteriorização natural dêsse primitivo "cientista", do que pròpriamente a um
padrão preestabelecido. Após essa planificação, a "coisa" era feita
espontâneamente. Os próprios cientistas atuais já muito puxaram pelo bestunto,
tentando saber como os antigos teriam levado a cabo determinadas construções,
não tendo as maquinarias que hoje possuímos. Os sábios de antigamente, inclusive
os da Grécia, realizaram obras e construções de tal envergadura que hoje, com
tôda a nossa técnica, não seríamos capazes de igualar. Por mais que tentemos
puxar pelos "como"' e "porquês", não os encontraremos. Se êles se tivessem
limitado aos nossos "como e porquês", não teriam feito absolutamente nada. O
que acabo de dizer evidenciaria que os antigos sábios eram mais naturalistas do
que intelectuais; e quem sabe se por isso mesmo mais capazes? E a êsse propósito,
se as múltiplas e surpreendentes obras de grande parte dos animais que
conhecemos dependessem do raciocínio humano, com os seus "como" e
"porquês", de forma alguma seriam executadas.
BOMBASTUS: Bem, a primeira parte da pergunta parece que já teve
resposta. Agora, gostaria de saber se não haveria uma possibilidade de retôrno a
esta ciência que chamas de natural ou instintiva?
TEOFRASTUS: Haveria, com a condição de que o homem se libertasse do
dogma da razão, assim como já alguns homens se libertaram do dogma
religioso. Como já dissemos em outra parte dessa nossa conversa, o homem é um
criador natural. Se o homem se permitisse, e se não tivesse sido tão deformado,
deturpado, alterado pelos pseudo-ensinos escolares que come

125

çam com o primário e vão até o curso superior, ou então se valesse tanto da
memória, dados arquivados, etc., poderia criar muito mais do que atualmente está
criando. O homem é um criador em todos os sentidos imagináveis, pois êle é a
própria imaginação, e esta transformasse num tormento, quando assume o aspecto
de verdade única, seja essa um dogma religioso ou uma lei científica. Atualmente
quem é que impõe limites à capacidade da imaginação humana, senão a Ciência e
a razão?
Dessa forma, a mal denominada ciência instintiva, pois, em verdade, nem
ciência é, só voltará a prevalecer quando o indivíduo se libertar dos asfixiantes e
deturpantes dogmas cientí ficos atuais e dos sufocantes e estreitos laços das leis
que supostamente dirigiriam a Natureza, e, principalmente, quando se libertar do
raciocínio matemático, o grande inibidor da criação humana.
O homem só se libertará realmente quando voltar a ouvir a sua voz interna,
a grande mestra e cientista interior que é a nossa verdadeira natureza. O homem
perdeu-se por ter-se sub metido às suas próprias criações, obedecendo a uma

86
coleção de fantasias que batizou de Ciência, Religião e Código de Leis.
BOMBASTUS: Essencialmente falando, propões a substituição dos dogmas
científicos atuais por uma ciência intuitiva ou natural, não é isso?
TEOFRASTUS: Em verdade não proponho coisíssima alguma. Quanto à
Ciência, gostaria apenas de chamar a atenção para a falsidade de certos conceitos
e de certos pontos de vista. Se conseguir arrancar o homem do marasmo e da
letargia em que, atualmente, se encontra, e se conseguir chamar-lhe a atenção para
a enorme capacidade criadora que tem dentro de si, mas que está sendo sufocada,
cada vez mais, por êsse domínio científico atual, dar-me-ei por satisfeito. O que
realmente me proponho dizer ou fazer é apenas isso, e não apresentar novas
teorias. Se o homem chegar a entender o que foi dito e o que se disser, êle próprio
se encarregará de criar novas teorias, que melhor fôra se não as criasse, pois não
precisa de novas teorias. O homem é uma surpreendente e perpétua fonte de
novidade. Meu sincero desejo é libertá-lo dessa sufocação, dessa limitação
infernal que lhe enche a cabeça, enlouquecedora e quantitativamente, mas lhe
esvazia o coração

126

qualitativamente, e que começou com o dogma religioso e culminou com a lei ou


dogma científico.
BOMBASTUS: Mas se o homem chegar a se libertar das explicações
científicas ou dos dogmas científicos, como dizes, o que é que vai sobrar em
matéria de relação entre o homem e o meio físico, ou o ambiente que o circunda?
Vamos supor que o homem chegue a se libertar do dogma científico, ou então da
ciência racionalista e do método experimental, etc., como iria, então, relacionar-se
com o meio físico, que afinal sempre o circunda? Qual exatamente a forma de
saber que deveria adotar, para conhecer e para viver em harmonia com êsse meio
físico que o envolve?
TEOFRASTUS: Faço-te uma contrapergunta: existirá o homem por causa
do meio, como a ciência materialista até agora nos ensinou, ou existirá o meio por
causa do homem? O meio jamais poderá responder a essa pergunta, porque o que
se diz sôbre o meio, não é êle que o diz, mas é o intelecto hominal que o descreve
e, portanto, atribui ao meio coisas,que só existem na mente do observador mal-
avisado. Entretanto, se o homem se conhecesse realmente, poderia responder a
essa pergunta. O sujeito pode justificar o meio e justificar-se a si mesmo, e ainda
por cima, continuar SENDO o QUE É, em silêncio. O objeto jamais pode dar seu
testemunho, de per si; seu testemunho depende sempre e sempre do sujeito, seja
êste objeto aparentemente inanimado, seja aparentemente animado. O pretenso
sentido comum não vale, porque, de qualquer forma, são sempre os sentidos do
observador que testemunham ambos os objetos, animado e inanimado. Desta
forma, o homem apenas viveria no meio em que se encontra, porque o meio é êle
próprio. Ao homem basta SER, para subsistir num determinado meio; o "como",
os "porquês" e as pretensas relações com êsse meio são intelectualismos
desnecessários. Ademais, o homem deve antes harmonizar-se a si mesmo, e
depois harmonizar-se com o meio, pois a harmonização e o meio são êle próprio.
Não percebeste que foi exatamente o excessivo intelectualismo científico
que tornou o meio extremamente agressivo? Nunca a natureza foi tão medonha,

87
tão agressiva, tão vulgar, tão absurda, tão caótica, tão infindável e tão esmagadora
como agora, em que prevalecem os conceitos do homo sapiens cien

127

ti f icus. E por que isso? É porque o homo sapiens cienti f icus é o medonho, o
agressivo, o vulgar, o absurdo, o caos, o infindável e esmagador, projetados
adiante e que êle acredita estar vendo na Natureza.
Quando o homem chegar a compreender e a perceber que êle é o mundo,
quando chegar a compreender que aquilo que o rodeia depende sempre e sempre
dêle, daí por diante será mais cauteloso com as coisas e com a suposta relação que
estabelecem com êle, e que êle tanto deturpa com sua falsa teoria do
conhecimento. É óbvio que atuará diferentemente em relação ao meio ambiente.
Já não mais pretenderá descobrir, já não mais pretenderá alterar, destruir e
reconstruir de outra maneira. E se quiser melhorar seu meio ambiente, terá de
partir de si mesmo. O homem compreenderá que se há alguma coisa a destruir é a
sua tacanhice, sua limitação, sua ignorância, sua cegueira, seu fanatismo e suas
trevas mentais, muito bem sustentadas pelo ego. Compreendendo que êle é o
mundo e percebendo a limitação do mundo, o homem deduzirá que, se isso
ocorre, é porque é êle o limitado, e a criação hominal, neste caso, traduzir-se-á por
sua própria libertação. Então, libertandose sempre mais de suas limitações
intelectuais, limitações de memória, de tradição, de falsa cultura, etc., passará a
criar, porque criar equivale a libertar-se das limitações, e quanto mais livre fôr,
mais surpreendente será sua natureza, pois êle é a suprema surprêsa, a eterna
surprêsa.
BOMBASTUS: Mas por que os gregos criaram uma teoria de conhecimento
que lhes permitiu buscar a verdade de determinada maneira e que deu origem à
Ciência, tal como a conhecemos hoje, e outros povos ou outras civilizações deram
origem; a outras formas de conhecimento que, afinal de contas, são bem diferentes
daquilo que nós, devido à herança grega, chamamos de conhecimento?
Finalmente, houve algum motivo histórico para que isto acontecesse?
TEOFRASTUS: Sim, houve um motivo e é até bem interessante. Na
Grécia, mais que em qualquer outro país, não houve um domínio religioso
marcante, absoluto. E a falta de sacerdotes dogmáticos e dominantes permitiu que
mais fàcilmente surgissem os "leigos especuladores" que, depois, servindo-se de
métodos rudimentares de conhecimento, como primitivos conceitos
128
de matemática e geometria, e analogias nem sempre felizes, transformaram-
se nos precursores daqueles que hoje chamamos cientistas. Além do mais, êsses
"leigos especuladores" apareceram, principalmente, porque na Grécia, ao
contrário de outros países, não existia um "livro sagrado", a menos que encaremos
as obras de Homero e Hesíodo como sagradas. Se na Grécia tivesse existido um
livro sagrado tipo os Vedas e Upanishads dos hindus, do Zend-Avesta dos persas,
do Tora ou A Lei dos hebreus, do Livro dos Mortos, -dos egípcios, do Tao-King
dos chineses, enfim, se os gregos tivessem tido algum dêsses livros sagrados,
certamente na Grécia não teriam surgido os "leigos especuladores", filósofos

88
dualistas ou precursores da Ciência. A religião dos gregos nunca chegou a se
impor dràsticamente. Se tivesse sido mais dominante, ao invés dos precursores da
Ciência, teriam surgido os especuladores religiosos, como é o caso dos hebreus
que, em suas especulações, jamais procuravam exceder o que já fôra estabelecido
pelo livro sagrado ou Tora.
Mas, como estava dizendo, êsses "leigos especuladores", seja por uma falsa
educação, seja por essa elástica liberdade de opinião, começaram a raciocinar
sôbre o "como" e o "porquê" das coisas. O grego não queria sentir-se um bárbaro.
Não queria viver como os povos pretensamente selvagens das regiões vizinhas, e
achava que a melhor forma de o homem diferenciarse do animal era a
especulação; para êle, especular era sinônimo de pensar. O grego era pródigo em
especulações. O hebreu era o único que, em matéria de elucubração, às vêzes,
suplantava o próprio grego, se bem que, como já disse, jamais especulasse sôbre
coisas que estivessem fora do texto sagrado. A partir do texto, surgiam as mais
intrincadas explicações metafísicas. O grego, contudo, especulava sôbre qualquer
coisa.
Antes de que na Grécia começassem a prevalecer os leigos pensadores,
baseados em rudimentos de Matemática, houve, entre os pré-socráticos, uma
escola de filósofos que, apesar da separação, muito se aproximou dos
ensinamentos do monismo oriental. Heráclito, Parmênides e outros são famosos
por seu monismo sutil. Protágoras, mestre sofista, embora não partidário do
monismo, já dizia muito acertadamente que: "O homem era a medida de tôdas as
coisas." Pena que êsse seu aforismo fôsse mera dedução intelectual, atrás da qual
nada existia de vivençiado ou sentido, porquanto êsse mestre continuou prêso à
129

brincadeira dualista das coisas. Jamais pressentiu a identidade que liga o sujeito ao
objeto, a qual teria dado a êsse enunciado a veracidade que lhe faltava.
Bem, mas como em tôrno dêsses mestres monistas présocráticos não se
formou uma religião, com seu clero organizado, e como também êsses
conhecimentos provinham de vivenciações do próprio mestre, que no conceito do
grego comum e vulgar, pareciam mais outras tantas opiniões, não foram, de fato,
levadas a sério nem aceitos integralmente, e acabaram sendo esquecidos, pois
eram um tanto austeros; os gregos não gostavam de excessos de austeridade. Estas
idéias foram suplantadas pelas dos especuladores banais. Bem, em resumo, se na
Grécia apareceram especuladores superficiais é porque não houve uma religião
verdadeiramente dominante e não houve um livro sagrado que afirmasse que o
mundo e as coisas tinham sido feitos desta ou daquela maneira. Na falta dêste, os
especuladores tiveram de forjar as próprias teorias que ficaram registradas numa
porção de livros que não eram de cunho religioso.
BOMBASTUS: Ah, sim, segundo teu parecer, a Ciência seria uma espécie
de substitutivo, na falta de uma codificação do tipo religioso ou teológico.
TEOFRASTUS: É mais ou menos isso.
BOMBASTUS: Mas até onde essas codificações teológicas de outros povos
não gregos foram superiores às experiências especulativas não sagradas ou
profanas dos gregos? . TEOFRASTUS: Bem, eu

89
não disse que as codificações dêsses outros povos fôssem superiores às
especulações dos gregos.
BOMBASTUS: Sim, eu sei que não disseste, mas eu queria ver até onde
essas codificações poderiam ser superiores às especulações dos gregos.
TEOFRASTUS: Preferentemente, não diria que tenham sido superiores ou
inferiores, mas o fato é que elas serviram como paliativo à natural curiosidade
humana, como um freio à exuberante imaginação do homem, e também como
uma satisfação às necessidades especulativas dos que queriam pensar. Sabemos
perfeitamente que as codificações dêsses outros povos não satisfaziam a todos,
mas satisfaziam aos indolentes, aos preguiçosos, aos "tamásicos e rajásicos",
como diriam os hindus, Os
130
que quisessem buscar, não se limitavam à letra morta do suposto texto sagrado,
mas procuravam a verdade que tanto almejavam nas entrelinhas; e principalmente
em si próprios, se bem que essas verdades não pudessem exceder o que já tinha
sido estabelecido e, portanto, eram verdades que ficavam com o descobridor.
Sòmente na índia e na China foi possível ir além do texto canônico. Por exemplo,
na índia, apesar de já existirem os Vedas, nos quais, segundo os brâmanes, tudo
estaria contido e explicado, êles não impediram que aparecessem novos pensa-
dores, embora êsses novos pensadores não viessem contrariar os Vedas, mas
complementá-los ou retocá-los, e por causa disso foram escritos outros livros
denominados Upanishads, que complementavam aquêles. Mas se na índia ou na
China isso foi possível, em outros países tal não ocorreu, porque a intolerância do
clero era demasiadamente forte. Daí por que nestes outros países foi preciso que
se formassem círculos fechados de pensadores, conhecidos também por "círculos
esotéricos de pensamento".

Então êsses textos sagrados, apesar de suas imperfeições e apesar de nem


sempre traduzirem a revelação divina, como apregoavam seus seguidores e
defensores, de qualquer maneira, vinham satisfazer os interêsses mínimos e
imediatos. Quem se satisfazia com as alegorias ou com a letra morta dos textos, a
elas se apegava, e, isto já lhe era suficiente. Ésse pouco, para os acomodados,
representava todo o conhecimento, tôda a filosofia e tôda a ciência.

Em certo aspecto, êsses textos sagrados parecem ter sido melhores que as
especulações dos gregos, desde que sejam interpretados adequadamente e
traduzam seu real significado, e não a letra superficial. Os textos sagrados de todo
e qualquer pais costumam sempre ter duplo sentido. Analisados superficialmente,
satisfazem plenamente aos imediatistas, aos ignorantes, ao povo, mas quando
analisados profundamente revelam outro significado, um significado real que só
os grandes sacerdotes conheciam. Podemos dizer que qualquer livro sagrado
sempre tem duplo significado: o significado exotérico ou comum, ou a letra morta
que se limita a narrar, e o significado esotérico que vai além da narrativa, su ere e
fala mais nas entrelinhas do que explicitamente. Por xemplo, o significado oculto
do

131

90
Gênesis hebraico, dos Vedas, ou então dos Livros dos Mortos perdeu-se na noite
dos tempos. Os verdadeiros intérpretes dêsses livros não deixaram descendentes
nem chaves decifratórias. As religiões decaíram e com elas desapareceram as
chaves interpretativas dêsses grandes livros. Temos de lembrar que os textos
sagrados das várias partes do mundo são extremamente simbólicos. Não declaram
nada abertamente; sugerem apenas, através de figuras, alegorias e metáforas,
como teriam ocorrido as coisas. E isso, mal interpretado, deu origem a uma série
de outras más interpretações, enganos, logros, que prejudicaram particularmente o
Ocidente, sobretudo com a implantação compulsória do Cristianismo, já que, daí
por diante, houve ampla e errônea difusão do pensamento bíblico, quando então
os piores conceitos, supostamente atribuídos a Moisés, triunfaram sôbre os amo-
rosos ensinos de Cristo. Assim, -encarando as coisas sob êste aspecto, podemos
dizer que se os livros sagrados tivessem sido interpretados de acôrdo com seu
sentido real, teriam sido extremamente superiores às especulações gratuitas de
certos gregos.
BoMBASTUS: Seria possível, em linhas gerais, estabelecer uma
diferença entre os pontos de vista da ciência grega e dos livros sagrados com
relação ao problema do homem diante do Universo? Têm êles uma maneira
comum de verem ou encararem êsse problema?
TEOFRASTUS: Os gregos ou a religião grega encaravam o homem
como sendo fruto dos trabalhos de um deus ou dos deuses. Segundo o grego
comum, o homem teria sido pôsto num mundo real, prévia e especialmente
forjado para êle, estando, assim, sujeito à vontade e aos caprichos dos deuses.
Enfim, para os gregos comuns, religiosos ou não, o homem tinha de ter sido obra
da criação de um deus ou deuses.
Êstes últimos, por sua vez, eram tidos como imortais. Sendo o homem a
pretensa obra mortal dos deuses, quando pôsto na terra, prèviamente criada,
durava determinado tempo, segun do o capricho daqueles, e após a morte, sua
alma acabava no Hades ou no Vale das Sombras, para nunca mais voltar. Por-
tanto, nada melhor para certos gregos irreverentes, não muito ligados aos
conceitos religiosos, do que descobrir como o homem e o meio ambiente ou o
mundo tinham sido feitos, a fim de igualar seu poder e inteligência aos dos
deuses. A maioria
132
dos gregos temia os deuses, mas muitos déles teriam, de boa vontade, dado um
dedo para, em poder, se igualarem aos deuses, alcançando, assim, a imortalidade.
Não havia freio religioso, portanto nada melhor que especular sôbre o "como" e os
"porquês". Os gregos que não acreditavam em deuses raciocinavam como os
materialistas e cientistas de hoje. Segundo êstes últimos, o mundo e o homem
teriam vindo a existir apenas pela conjugação de vários fatôres físicos ou
desconhecidos, ocorrida ao acaso. E disso teria brotado o mundo com tudo aquilo
que êle contém, ou seja, seus minérios, flora, fauna, etc., culminando, finalmente,
com o aparecimento do homem.
Seja o ponto de vista religioso ou profano, o pensamento grego sempre foi
do tipo dualista, que mantinha e mantém a independência entre o observador e o
observado. Os gregos acreditaram gratuitamente que o homem, ao contrário dos

91
outros animais, era dotado de uma faculdade tôda especial, que lhe permitia
avaliar, julgar apreciar o suposto mundo exterior. Raros foram aquêles que
perceberam que essa capacidade de avaliação, a que chamaram mente, fizesse
parte do observado, ou fôsse, de certa forma; o próprio mundo que estavam
observando.
O oriental, mais maduro que o grego, percebeu essa identidade entre a
mente e o mundo. Mas, òbviamente, nem todos os orientais pensam assim. Como
já salientei antes, há religio sos e religiões dualistas que, como em tôda a parte, lá
também costumam dominar o homem comum. Mas, no domínio do pensamento
puro, o que prevalece são os conceitos monistas. BOMBASTUS: Então, por
acaso, especificando o caso dos hebreus, cujo livro sagrado exerce e exerceu tanta
influência no Ocidente, apresentaram êles, dentro do mosaísmo ou hebraísmo,
algum caráter monista?
TEOFRASTUS: Sim, apresentaram. O texto sagrado dos hebreus, de modo
geral, é essencialmente dualista, mas lido corretamente e eliminando-se certas
interpolações, talvez devidas a Ezra e também a outros sacerdotes hebreus que,
aproximadamente, quinhentos anos antes de Cristo se encarregaram de codificar,
mais ou menos, o Pentateuco atribuído a Moisés, encontramos passagens de
monismo puro. Agora, para mim, é indubitável que no texto sagrado dos hebreus
houve muita interpolação e muita eliminação de versículos realmente válidos.
133

Não posso precisar, exatamente, quem foi o culpado, se Eira ou os outros


sacerdotes hebreus, se os tradutores gregos ou os cristãos, mas o fato é que houve
eliminação de muitos versículos de profundo e real significado, verdadeiros
versículos-chave. E foram interpoladas outras bobagens, que viessem a justificar o
domínio da classe sacerdotal. Mas, mesmo assim, apesar dessas eliminações e
interpolações, há inúmeras passagens no Antigo Testamento dos hebreus que falam
sôbre o monismo ou sôbre a identidade do observador e do observado. E êsse
monismo só pode ser percebido quando se lê o texto sagrado cuidadosa e
atentamente. Bem, mas falando francamente, o Antigo Testamento não é dos mais
felizes quanto ao aspecto monista. BOMBASTUS: E justamente por isso eu te
perguntaria se todos os textos sagrados orientais têm êsse aspecto monista que faltava
aos gregos?
TEOFRASTUS:Eu diria que todos êles têm. Uns mais, outros menos. Contudo,
se êsses textos sagrados forem lidos superficialmente, acabarão também ocasionando
confusões do tipo dualista, que vêm ao encontro das especulações profanas dos
gregos. Mas se lidos com a acuidade mental necessária e com o devido cuidado,
revelarão um monismo por excelência. Por exemplo, no Gênesis do Antigo
Testamento, temos a impressão de estar lendo sôbre a criação do mundo. A
impressão que nos causa a leitura superficial do Gênesis é que tenha havido um
taumaturgo ou um deus a criar isto ou aquilo, assim ou assado. Mas, se prestássemos
bem atenção ou se lêssemos a passagem inicial dêsse livro cuidadosamente,
acabaríamos compreendendo que o narrador parece estar dizendo uma coisa, mas
pretende sugerir outra, e que nunca houve uma criação definitiva, pròpriamente dita. ,
O autor do Gênesis sugere algo que longe está do sentido superficial da letra morta.

92
Não digo que fale claramente na manifestação do SER. Sugere muito mais do que
pròpriamente dita ou declara. Mormente se levarmos em conta o quanto êsse Deus do
Gênesis (ou Eloim) usa e abusa da palavra FIAT, com um sentido de ação ou verbo.
Os orientais conhecem bem o valor psicológico e dinâmico do Aum, verbo ativo e
sagrado, que em língua latina redundou em AMÉM. BoMBASTUS:
Gostaríamos, agora, que expusesses, mais ou menos sucintamente,
como foi-se firmando o dualismo entre os
134
gregos. COMO é possível que, a partir daquele monismo, que prevaleceu entre os
primeiros filósofos nos primórdios da civilização grega, a tendência do pensamento
grego se identificasse, cada vez mais, com o dualismo, até culminar em Aristóteles,
cuja exuberância é bem conhecida?
E a propósito de Aristóteles, sabemos que, a partir dêle, o pensamento grego
toma um caráter nitidamente científico, por assim dizer, e a problemática se volta
exatamente para as re lações que existem entre o homem e os fatos naturais, consi-
derados completamente independentes da maneira de ser e agir do homem.
TEOFRASTUS:Te deste conta do que disseste? Citaste "o homem diante dos
fatos naturais". Bem, "fatos naturais" fazemnos entender algo que ocorre
espontâneamente, de per si, sem que atrás dêle haja um "como" e um "porquê", tal
qual sucede com a manifestação do SER. Todavia, no momento, em que o "como" e
o "porquê" pretendem explicar um "fato natural", êle deixa de ser natural e passa à
condição de artificial, ou à condição de especulação e intelectualização do homem.
No fato natural pròpriamente dito, cabe apenas a coMPREENSÃO
INTEGRAL, e esta limita-se a SER, VER e SENTIR O fato natural tal como êle é.
Num fato natural não cabem as hipóteses, os equacionamentos e as soluções, como
pretende a Ciência. Um fato natural não pode ser igualado a um problema de
matemática, que implica solução. Buscar uma solução lógica e racional para um fato
natural é um absurdo, uma aberração. A SOLUÇÃO sugere algo definitivo, um
dogma, e na Natureza não há algo definitivo. Diante do fato natural só cabe a coM-
PREENSÃO, nada mais; e esta é dinâmica, é uma ação mutável e surpreendente,
enquanto que a SOLUÇÃO é estática, morta, proveniente da memória, daí a possível
falsidade de muitas leis científicas, encaradas como definitivas e fiéis tradutoras da
maneira de ser e agir da Natureza.
Bem, agora tentarei responder à parte inicial da tua pergunta. É provável que o
dualismo especulativo dos gregos tenha sobrepujado o monismo, uma vez que êles
não tinham um livro sagrado como guia e fonte de consulta permanente. Diante do
fato de os gregos terem sido sempre muito especulativos e de, aparentemente,
desfrutarem de maior liberdade de expressão, é

135

evidente que o dualismo acabaria prevalecendo. O monismo implicava


autoconhecimento, e não era da índole do grego buscar a Verdade em si próprio,
especialmente quando era mais fácil buscá-la fora, a partir da simples observação
ou da opinião alheia. O grego preferia as verdades que já haviam sido elaboradas
por outros; aliás, essa é uma das características que herdamos dêles. Assim,
quando resolvemos abraçar algum ponto de vista alheio, que fale sôbre

93
determinada verdade aparente, basta que apareça outro com argumentos
diferentes, tentando-nos provar que nosso ponto de vista não é válido como
parece, para que logo exijamos de nosso rival que explique e prove o seu, como se
pontos de vista fôssem pérolas falsas e verdadeiras, que pudessem ser trocadas
uma pela outra. Mesmo que, às vêzes, o ponto de vista de nosso adversário possa
ser mais válido do que o nosso, implicando, contudo, de nossa parte, um esfôrço e
o abandono de tudo aquilo que considerávamos certo e sagrado, preferimos negar-
lhe tôda a validez a sacrificar o nosso comodismo. É a velha história a declarar
que: "Êle não pode saber aquilo que eu não sei" ...
O raciocínio de nossa civilização e dos gregos, do qual derivamos, em parte,
deturparam-se bastante com o sintetismo e a lógica matemática. Assim,
raciocinamos: "Se o resultado de meu problema não é correto, qual é o do teu?",
como se fôsse sempre possível trocar um resultado por outro. A dificuldade está
em que, muitas vêzes, essa troca implica o abandono da tese, da hipótese,
explicação e solução do problema absurdo; em suma, numa troca de tôda nossa
falsa cultura. Aí, então, para nós resulta mais cômodo chamar o nosso rival de
mentiroso e fantasioso (e até esquizofrênico e paranóico) do que sacrificar nosso
estúpido e falso tesouro intelectual. Os gregos, como também nós, aliás, nunca
perceberam que, às vêzes, não se trata de trocar o resultado de um problema por
outro, e sim se abandonar o problema todo e compreender melhor as coisas. O
grego era muito comodista e não podia permitir que se substituísse o que já estava
estabelecido, o que já era aceito como opinião comum, por algo totalmente parti-
cular e individual que partisse de seu interlocutor, algo que êle, por seu turno,
também tinha de vivenciar.

136

Além do mais, o grego, amante da estética, vivia num ambiente cheio de


belezas naturais e artificiais, tais como templos, palácios, esculturas, quadros, etc.,
por demais sedutoras para permitir que se tornasse introspectivo.
Para que buscar a compreensão, para que meditar, quando havia tanta
aparente beleza com que encher os olhos e tanto palavreado com que encher os
ouvidos?! Além do mais, tam bém, havia, digamos assim, pontos de vista
dualistas religiosos satisfatórios, feitos de encomenda para quem não queria
pensar. Cada cidadão podia aceitá-los ou não, especular sôbre êles, girando,
contudo, sempre em tôrno do mesmo tema; raramente substituía um ponto de vista
comum por outros totalmente novos. Diante do fato de o grego abastado não
trabalhar ou não exercer uma profissão que o obrigasse a um esfôrço físico, pois,
segundo êle, o trabalho era uma tarefa degradante, própria de escravos, quem sabe
se pensar demasiadamente, ou elaborar novos conhecimentos, não fôsse também
cansativo, senão degradante? Portanto, os pontos de vista comuns eram muito
cômodos e, quando muito, podiam ser retocados.
Bem, diante dessa maneira de agir e pensar é claro que o ponto de vista
dualista tinha de prevalecer, pois era o reflexo exato do comodismo grego. Era
bem mais fácil raciocinar a partir do preconceito que admitia que tudo o que
existia no meio-ambiente diferenciava-se do indivíduo que o observava, e aí fôra
pôsto por "algo ou por Alguém". E quanta vaidade existia no fato de julgar que a

94
finalidade do ilustre cidadão grego era a de especular sôbre o próximo e
compreender o meio-ambiente, sempre a partir daqueles preconceitos e condi-
cionamentos culturais, quer fôssem de origem religiosa, quer fôssem devidos à
educação recebida dos pais.
BOMBASTUS: Explicaste, mais ou menos, a razão por que o dualismo
prevaleceu entre os gregos. Melhor seria, agora, que falasses da filosofia grega no
sentido evolutivo. Ou seja, gostaria de saber por que os pensadores mais notáveis
da Grécia tenderam mais aos conceitos dualistas do que aos monistas? Dito de
outro modo, entre os primitivos gregos prevaleceu o monismo, como é o caso do
monismo de Pitágoras, Heráclito, Parmênides, Zenão, etc., enquanto que em
Aristóteles, já sentimos o domínio total e absoluto do dualismo. Aliás, êsse filó

137

sofo estabeleceu princípios sôbre os quais se assenta tôda a Ciência grega


posterior, e, inclusive, de certa forma, a própria Ciência atual, e isso tanto é
verdade que nossa forma de pensar, até o século XVII, foi absolutamente
aristotélica. Portanto, queríamos que, segundo o teu ponto de vista, nos
explicasses como se operou essa total substituição do monismo dos pensadores
antigos, até chegarmos ao triunfo do dualismo em Aristóteles. E gostaríamos
também que situasses, de modo especial a posição de filósofos como Sócrates e
Platão, dentro dessa problemática versátil ou dessa alternação entre o monismo e o
dualismo grego.
TEoFRASTUS: Acredito que o triunfo do dualismo deva ser atribuído
também, em grande parte, ao aspecto social dos gregos. Creio que o crescimento e
a expansão da Grécia, como nação ou como império sob a égide de um Alexandre,
ou mesmo antes dêles, permitiram que o pensamento dos gregos se prendesse
muito mais aos aspectos dualistas do que aos monistas. Como já acentuei antes,
um monista jamais pensa em têrmos comuns, em têrmos mundanos, de conquista,
de triunfo, de glória e de seja lá o que fôr. Até determinado ponto de sua história,
a Grécia foi uma nação um tanto insignificante; depois começou a crescer e, é
óbvio, que êsse crescimento se fizesse às custas de algo ou de alguém, traduzindo
claramente a maneira de atuar e pensar dos dualistas. Diante da exuberância, das
riquezas e da glória da Grécia em seu apogeu material, seria impossível pudessem
prevalecer as escolas austeras e simplistas dos monistas. Um rico ou abastado
nunca se dá o trabalho de pensar em têrmos monistas, porque teria de escolher
entre duas alternativas: ou haveria de ser realmente monista e sacrificar, portanto,
as riquezas nem sempre ganhas honestamente, ou então desfazer-se do que
possuía em excesso. Um verdadeiro monista sabe da futilidade das posses e sabe
quanto o homem se extravia por causa das riquezas. As riquezas mundanas e a
Verdade não se dão bem. Assim, o grego abastado, como segunda alternativa,
tinha de permanecer com tudo aquilo que possuía e filosofar em têrmos
dualísticos. É muito belo, e como impressiona falar sôbre aquilo que me circunda,
tecer, inclusive, teorias sôbre a verdade e o conhecimento, etc., com a condição de
não perder quaisquer de minhas posses! E diante

138

95
dêsse aspecto social do grego, é lógico que os dualistas haviam de
prevalecer. A Grécia dos filósofos, de certa forma, era uma Grécia simplória; o
homem satisfazia-se com o mínimo. Mais tarde, ela começou a crescer, comercial,
política e artisticamente. Depois disso, o simplório pensamento monista não podia
mais se firmar. Temos de convir que diante da exuberância do meio, exuberância
essa que saturava completamente os sentidos, ao homem era muito mais
interessante falar a respeito de suas posses, ou falar daquilo que o cercava, do que
falar de si próprio. O EU só interessa aos que estão realmente saturados das futili-
dades do mundo, ou então àqueles que sofrem, sem que o sofrimento lhes tenha
embotado a capacidade de pensar.
Bem, dentro do fausto da antiga Grécia e do domínio dos pensadores
dualistas, sofistas, lógicos, matemáticos, ecléticos, idealistas, etc., surgiu um
homem incomum, um exemplo raro, que foi Sócrates. Desculpa-me a
comparação, mas, para mim, êle foi uma espécie de ilha do monismo natural, em
meio a uma Grécia faustosa e dualista. São dois os aspectos que dêle fazem um
monista: o "conhece-te a ti mesmo" e aquilo que sempre repetia: "Só. sei que nada
sei." Esta frase, por exemplo, encerra uma atitude mental mais profunda do que
parece, porquanto Sócrates, ao dizer que nada sabia, deixava que o verdadeiro
saber brotasse, aqui e agora, espontâneamente de sua mente. Ele nada sabia,
porque não acumulava erudição ou saber livresco, com seus rivais, os sofistas.
Sabia, também, que o saber acumulado constituía o ontem, que ia elaborar o
amanhã condicionado, impedindo-o, destarte, de vivenciar a Verdade ou o hoje. A
cultura acumulada apenas reforça a vaidade humana e impede que o verdadeiro
conhecimento ou o SER se exteriorize, de dentro para fora. Sócrates, dizendo "só
sei que nada sei", iguala-se em tudo a Lao-Tsé e Chuangtsé, os dois geniais mes-
tres do pensamento chinês. Por exemplo, o primeiro dizia, muito oportunamente:
"Aquêle que fala não sabe, e o que sabe não fala"; o segundo, por sua vez, dizia:
"Aquêle que pensa que não sabe é profundo (como é o caso de Sócrates); e aquêle
que pensa que sabe é superficial (como é o caso dos eruditos e dos diplomados em
escolas). O que pensa que não sabe ocupa-se da REALIDADE INTERNA, e o
outro das aparências." Além disso, Sócrates, como nenhum outro filósofo de

139

seu tempo, fazia questão de salientar a necessidade de o homem conhecer-se a si


mesmo. É pena que se não tivesse aprofundado um pouco mais nesse "conhece-te
a ti mesmo". Para ele, o autoconhecimentó significava apenas conhecer o caráter.
Sempredizia que todo aquêle que conhecesse seu caráter, se mau e viciado, tudo
faria para se corrigir, e se bom e virtuoso, não pouparia esforços para melhorar.
Em verdade, o significado do nosce te ipsum é bem mais profundo que o simples
conhecimento do caráter. Afasta-se grandemente da ingênua suposição dos
psicólogos, psicanalistas e psiquiatras modernos, os quais acham que
autoconhecimento é o mesmo que trazer ao consciente mental comum os registros
das ocorrências e fatos desagradáveis sepultados no subconsciente, para êles
artificial e sinônimo de reação química do cérebro. O "conhece-te a ti mesmo"
liberta o homem de todos os dualismos mentais, penetra, mais fundo e é mais
precioso que o superconsciente, conduz à Verdade Primeira e última. Destrói, o

96
que importa mais, a poderosa ilusão que forja a imaginária entidade ou ego-
intelectomente e leva de volta o consciente hominal à fonte de tôdas as coisas: o
SER em seu Coração.
Devemos lembrar, contudo, que êsse famoso aforismo, sempre repetido,
mas nunca compreendido, não é original de Sócrates. Ele próprio o lera no portal
de um templo. Aliás, a finalidade de todos os monistas esotéricos da antiguidade
era pôr em prática êsse famoso aforismo. É possível que Sócrates tenha sido muito
influenciado pelo esoterismo praticado no templo de Delfos, onde, se não me
engano, essa frase estava escrita.
Esse grande Mestre do pensamento grego era cognominado "o moscardo
importuno", porque não cansava de fazer as mais capciosas perguntas a seus
antagonistas. Importunava-os com uma dialética implacável, visando, contudo,
encontrar sempre o "Homem Verdadeiro" em seu próprio rival. Dizia que sua
missão era a do parteiro: queria que todo homem exteriorizasse o real e o bom.
Portanto, com suas enervantes perguntas, induzia seus interlocutores a tolherem a
máscara da superficialidade egolátrica e se mostrarem tais quais eram. Em suma,
ele buscava a Verdade ou Deus no próximo. Raramente alcançava êsse intento,
porque poucos queriam desfazer-se da pseudocultura e das aparentes qualidades.
A maior parte das vêzes,

140

suas perguntas impertinentes despiam o ser humano de seu disfarce de bondade; o


que sobrava era exatamente a bêsta: o ego-intelecto-mente, com tôdas suas
limitações, mentiras e defeitos, também inerente ao homem. Sabia elaborar as
perguntas mais surpreendentes e difíceis, nunca respondendo, contudo, às que lhes
faziam. Só dizia: "Não sei." É por isso que, mais tarde, acabou suscitando rancor e
ódio. Ora, de seus adversários não podia esperar algo melhor. O grego comum não
suportava mais o zunzum daquele moscardo impertinente. Portanto, preferiu
sacrificar o Mestre a seguir-lhe os ensinos, que não eram ensinos.
Acredito que, no início de sua carreira, Sócrates foi bastante influenciado
por mestres monistas como Parmênides, do qual aprendeu os princípios básicos de
sua filosofia, e Zenão, de quem aplicou a dialética mordaz, mas, mesmo assim,
sua vida e ensinamentos personalísticos caracterizam-no muito bem. Sócrates
dava mais valor àquilo que era interno que àquilo que aparecia externamente.
Com ele, parece que foi dada à Grécia a última oportunidade para sobreviver e
voltar à sua antiga pureza e simplicidade.

De alguma maneira, ele sabia que o indivíduo encerrava o todo externo.


Pelo que narra Platão, famosa é a tentativa de Sócrates em querer tirar da mente
de um escravo o saber ou conhecimento que esse escravo nunca recebera na sua
vida presente. Verdade é que se valeu da indução e de sua influência marcante. De
qualquer forma, se o escravo já não possuísse aqueles conhecimentos latentes, que
acabou exteriorizando, Sócrates nada teria conseguido. Com isso, o Mestre quis

97
chamar a atenção para duas coisas: tentou provar que o conhecimento; e talvez,
inclusive, a fonte daquilo que julgamos externo, era o próprio indivíduo e,
segundo, quis provar também que a pessoa, exteriorizando o conhecimento,
apenas revivia aquilo que já aprendera em vidas anteriores, pois Sócrates
acreditava que todo homem era um redivivo, ou que todo homem atual era o
resultado de várias experiências anteriores ou prévias encarnações.
O monismo de Sócrates era do tipo espiritualista. Diferia do monismo
último e transcendental de outros Mestres que já citamos. Dizia estar sempre sob a
influência de uma entidade

141

espiritual - daimon ou demônio. Sócrates sabia que, no final de tudo, todos os


séres e coisas acabavam convergindo para uma unidade ou Deus supremo. Sabia
também que dessa unidade primeira originava-se o múltiplo, assim como do Sol
saem os diversos raios. Seu monismo espiritual levava-o a se preocupar mais com
o aspecto múltiplo da unidade (os homens) que, propriamente, com o SER ou o
aspecto último e final dos homens. Êsse Mestre foi uma espécie de canto de cisne
do mais puro monismo grego, embora sua maneira de falar e agir fôsse a de um
dualista. Estava tão convicto de ter alcançado a Verdade, que deixou-se matar, a
fim de não trair suas vivenciações, seu modo de ser ou Consciência. E um homem
que chega a sacrificar a própria vida para não se deixar envolver pelas verdades
comuns, superficiais, verdades de Estado ou de religião, só pode ter vislumbrado,
se não vivenciado a Verdade.
Agora, Platão, que como todos sabem, foi discípulo de Sócrates, parece-
me que foi mais filósofo idealista que mestre monista. Na antiga Grécia, êle
representou o pináculo do idealismo, da sabedoria, da filosofia e ética. Seus
méritos são incontáveis e irrefutáveis. Mesmo assim, creio que muito abusou do
intelecto e da imaginação.
Em sua obra e em sua doutrina há muito bucolismo, extrema beleza,
elegância e poesia, embora haja também muita complexidade e, o que é pior,
muito de sibilino e pouca consistência.
Aristóteles se impôs mais que Platão, não só por causa de seu cientificismo
empírico, mas também por ter sido mais explícito e, digamos, até mais
convincente. Opinava gratuitamente, mas fazia-o com vigor e convicção. Em
Platão, vemos muito de platônico, ou seja, muita coisa dita, mas não vivida.
Muita teoria e intelecto, excesso de abstracionismos. Contudo, nada disso
impede salientar que também nêle se encontra a sabedoria e o monismo de um
gênio. Mais que Sócrates, Platão deve ter bebido de várias e diferentes fontes de
conhecimento. Se não me engano, era um iniciado. Quase alcança a Verdade,
mas esta teria brilhado mais se êle tivesse falado menos. Sua metafísica, por
exemplo, era essencialmente monista, embora todo o resto de seu saber se
enquadrasse no raciocínio dualista. Possivelmente, jamais desconfiou que, de
certa forma, o sujeito e o objeto fôssem a mesma coisa.

142

98
O que mais se aprecia em Platão, além de sua teoria das idéias, é o
idealismo, ou seja, essa espécie de amor, de calor interno, ou essa oportuna
valorização do ser humano diante da relatividade das coisas externas.
Com relação à teoria do conhecimento de Platão, ou teoria das idéias,
sôbre a qual éle próprio, às vêzes, se contradizia, nela percebemos uma nítida
influência de duas correntes filosóficas anteriores: a de Heráclito e a de
Parmênides. O primeiro dizia que as coisas do mundo eram impermanentes,
alternantes, mutáveis; emanavam de um todo informe, duravam determinado
tempo e depois voltavam a êsse primitivo estado. Platão não admitia que o
conhecimento pudesse provir dessa instabilidade. Segundo a influência que
sofrera da doutrina de Parmênides, que pregava o urro permanente e inalterável,
o conhecimento tinha de provir de algo ou de uma condição estável, real e imu-
tável. Era preciso que existisse outro mundo, acessível únicamente ao intelecto.
Um mundo livre das imperfeições, da inconsistência e mutabilidade do mundo
sensório ou material.
Êsse mundo ideal era um mundo inteligível, diferente do mundo material.
Se possuímos conhecimento é porque êle corresponde a algo real, estável e
inteligível. E êsse era o mundo das formas primeiras ou das idéias arquetípicas,
abordável únicamente pelo intelecto. As formas primitivas ou idéias arquetípicas
eram, para Platão, entidades substanciais independentes da mente. Destarte, sua
teoria das idéias era realista, e não idealista, porquanto essas formas primeiras não
dependiam da mente. Segundo êsse Mestre, o mundo sensório ou material era
constituído por um todo contínuo amorfo, algo que grosseiramente lembra a
neblina. As formas primitivas ou idéias arquetípicas tinham de existir, não
somente para imprimir a êsse todo contínuo material e amorfo, formas particulares
e secundárias, que vinham a ser exatamente os corpos da Natureza. ou os objetos
sensoriais e materiais, com algum grau de realidade, mas também para constituir o
elemento básico daquilo que chamamos conhecimento. Portanto, para Platão,
conhecimento não significava simples registros mentais, correspondentes à
captação sensorial e à conscientização de pretensos objetos materiais ou
ocorrências externas dêste ou de outro mundo. Para êle, o conhecimento
correspondia a um substrato primitivo, inerente

143

ou não ao homem. Esse substrato, de certo modo, era a essência do SER primeiro
ou Deus, no qual se encontravam essas formas primeiras ou idéias arquetípicas.
Por exemplo: todos os homens, árvores, mesas e outros objetos sensoriais ou ma-
teriais do mundo, correspondiam a uma única idéia arquetípica ou a uma forma
primitiva de Homem, Arvore, Mesa, etc., encontradas nesse mundo real e
inteligível. Assim sendo, de uma parte havia o mundo real das formas ou idéias,
de onde provinha a realidade e graças ao qual o conhecimento era alcançado e, de
outra, havia o mundo sensório ou material, semi-real, mundo das particularidades,
do qual só se podiam captar aparências, imagens; reflexos, que é exatamente o
nosso mundo material.
A teoria do conhecimento está bem exemplificada na conhecida alegoria da
caverna, que compara o conhecedor a um homem sentado à entrada de uma
caverna, olhando para a parede dos fundos e de costas para a saída, e que avaliaria

99
os acontecimentos sucedidos lá fora pela sombra projetada na parede interna da
caverna. Tal comparação indica, portanto, que o homem estaria apenas
observando as sombras da Verdade, e não a Verdade em si. Com relação à
pretensa percepção sensorial das coisas, essa imagem não podia ter sido mais
feliz. Ela demonstra a profundidade e o alcance de Platão. Agora, a teoria das
idéias, em si, como explicação do mistério do conhecimento, não podia ter sido
mais fantasiosa e imaginária. Em respostas anteriores, se não me engano, supusera
que um verdadeiro monista, para apreciar a instabilidade e mutabilidade das
coisas circunjacentes, situava-se num ponto interno tal, que podia ser comparado a
uma relativa ilha vulcânica, sujeita a desaparecer também e cercada pelo revôlto,
instável e periclitante mar mental. Platão transformou uma imagem relativa,
semelhante à que anteriormente citei, em algo completamente estável.
Diante da instabilidade mental e material, êle viu-se obrigado a imaginar um
estado permanente e real, de onde provinham as idéias arquetípicas, só alcançável
- o que é pior - por meio do intelecto, o grande e incansável árbitro de nossa
mente. Percebe-se que Platão, com sua teoria das idéias, aproximou-se da
Realidade ou do SER, mas errou rotundamente, quando pretendeu limitar e
descrever essa Realidade com pa

144

lavras e explicações. Isso que êle pressentiu e que, infelizmente, julgou poder
alcançar com o intelecto, descrevendo-o poèticamente com palavras é Deus
Realidade atemporal, completamente nova, jamais imaginada, nunca dantes
experimentada pelo ego-intelecto-mente.
Só a mente completamente livre de preconceitos e opiniões, e
principalmente de intelecto, é que pode alcançá-lo, e não aquela que imagina,
descreve e supõe, ou aquela que se encontra amarrada a uma idéia fixa, seja esta
um dogma religioso ou uma lei científica.
É por isso que disse, naturalmente sujeito a engano, que Platão divagou e
misturou demasiadamente os conceitos. Foi pouco objetivo. Mais poeta-filósofo
que monista. Nesse ponto, Sócrates foi mais sincero, a ponto de morrer a
sacrificar o que êle chamava Verdade ou sua Consciência. Acho que Platão jamais
teria sacrificado a vida para defender seus pontos de vista. E claro que ninguém
nunca o experimentou neste sentido, e também seria estúpido se o tivessem
tentado.
Se Platão tivesse sido menos fantasioso e abstrato em suas afirmações e
explanações, hoje o mundo ocidental não continuaria sofrendo a influência das
opiniões gratuitas e dualísticas de um Aristóteles. Parece incrível que o ocidental
tenha-se libertado, apenas em parte, da ciência aristotélica, mas continue valendo-
se da falsa teoria do conhecimento dêsse filósofo, que causou e ainda causa
grande confusão no pensamento ocidental. BoMBASTUS: Bem, chegamos a
Aristóteles, com sua influência sôbre todo o pensamento científico grego
posterior, e o que mais nos interessa, o amplo domínio que exerceu sôbre o pen-
samento científico e filosófico do Ocidente.

100
Agora,' queríamos apenas que focalizasses Aristóteles, ou o explicasses em
poucas palavras, se é que é possível explicar o tão complexo Aristóteles em
poucas palavras.
TEOFRASTUS: Bem, como todos sabem, Aristóteles foi discípulo de
Platão. Aos dezoito anos entrou na academia dêsse Mestre e lá ficou vinte longos
anos. Pelo que se sabe através da História, durante êsse tempo êle escreveu grande
número de obras, tôdas elas infelizmente perdidas, em que expunha o platonismo
do qual estêve, até certa fase de sua vida, grandemente

145

imbuído. Muitos anos após a morte de Platão, escreveu outros tratados nos
quais expunha sua teoria do conhecimento ou epistemologia, completamente
diferente da de Platão. Enquanto foi discípulo, aprendeu o que pôde de seu
Mestre. Muito mais tarde, porém, divulgou tudo, menos o que tinha aprendido.
Acredito que Platão foi mais honesto para com seu mestre Sócrates.
É estranho que em seus tratados e estudos posteriores, não se tivesse valido
nem um pouco daquela magnífica sugestão da teoria do conhecimento platônico,
simbolizada pela figura do homem sentado à entrada da caverna. É estranho ver o
propósito constante dêsse filósofo em querer contrariar as idéias de seu Mestre
Platão, embora quanto mais o contrariasse, mais acabava concordando com êle em
suas conclusões finais. Parece que a única coisa que Aristóteles aceitou de Platão
foi a premissa de que Deus falava em têrmos matemáticos e que, portanto, a obra
de Deus, a Natureza, era uma obra precisa e matemática, especialmente feita para
que êle, Aristóteles, a interpretasse. Não que, em suas descrições semicientíficas,
se valesse da linguagem matemática, como fazem as ciências físico-químico-
matemáticas modernas, mas aceitou a lógica matemática, como se estivesse
regendo as supostas coisas da Natureza. Para Aristóteles, a Natureza era um
magnífico jôgo de xadrez ou um arranjo matemático, o qual lhe bastava olhar para
tudo entender. Ele era o jogador que analisava, deduzia e concluía, quase sempre
arbitràriamente.
Aristóteles falava como que em ressonância com as idéias e a matemática
platoniana. Suas narrativas científicas, precisas e ásperas, pareciam descrever
teoremas da geometria euclidia
na. A dialética era aristotélica, propriamente dita. As idéias de Platão, o
método descritivo euclidiano e a lógica dêle próprio formavam-lhe o estilo.
Aristóteles representa o pináculo dos filósofos profanos e especulativos da
antiga Grécia, não só o pináculo, mas o coroamento dessa filosofia. Sua
capacidade imaginativa chegou ao ponto de não somente estabelecer teorias
arbitrárias sôbre as várias supostas verdades exteriores, mas também de estabe-
lecer teorias sôbre o próprio conhecimento; e foi a pior coisa que êle podia ter
feito. Essa teoria está de certa forma ligada,

146

à famosa lógica aristotélica, que Galileu e posteriores cientistas não rejeitaram,


apesar de negarem muitas outras verdades aristotélicas. Tudo começou com essa

101
lógica. Não sei quem deu a Aristóteles a certeza absoluta de estabelecer uma
total independência entre o observador e o observado. Não sei quem lhe deu o
direito de traduzir em palavras o mecanismo do raciocínio humano, que em
verdade êle desconhecia completamente e que constituiu a sua lógica, e o
mecanismo do suposto funcionamento da Natureza, tantas vêzes desmentido
pelos cientistas do século XVII em diante.
Agora, falando francamente, êle tinha o direito de fazer o que lhe
aprouvesse. Aqui não se nega a sua capacidade, nem se negam suas teorias, seus
estudos, sua criações e nem mesmo sua fantasia. O fato é que êle sempre foi um
indivíduo realmente capaz, mas que não devia em absoluto ser transformado no
mestre do pensamento e do mundo ocidental, como era considerado até o século
XVII e ate nos séculos posteriores. Infelizmente, acabou sendo o mestre do
mundo ocidental, e até hoje, desgraçadamente, sua filosofia continua prejudicando
nossa maneira de pensar. Perguntaria eu, de quem é a culpa? De Aristóteles? Acho
que não, pois creio que nunca lhe teria passado pela cabeça a pretensão de se
considerar a expressão máxima da sabedoria ocidental. Mas, como sói acontecer,
a culpa do mal-entendido aristotélilico foi dos seus seguidores e pretensos
discípulos; aliás, são sempre os discípulos que maculam e confundem o real valor
do mestre. Se um Sócrates disse o que disse, tinha direito de dizê-lo; agora, se
aquilo que êle disse era a verdade ou não, isto é outro problema. O mesmo se
aplica às verdades de Platão. Mas, se Aristóteles se tornou o expoente do
pensamento grego, deve-o a seus seguidores, principalmente àqueles que
apareceram a partir do século IV até os séculos XVII e XVIII. Talvez, para os
próprios gregos, Aristóteles não representasse o pináculo do pensamento helênico,
e muito menos para os neoplatônicos. Nós, ocidentais, que fomos influenciados
por um conhecimento muito mal interpretado, derivado do Antigo Testamento,
por analogias e defeitos, elevamos Aristóteles às culminâncias do pensamento
grego.
147

E por que isso? Muito provàvelmente porque o Antigo Testamento dava


uma idéia superfical de como e por quem tinha sido feito o mundo. Aristóteles,
apesar de pagão e sem nenhuma afinidade para com o Antigo Testamento,
explicava o "como" e o funcionamento dêsse suposto mundo. E os péssimos
intérpretes da Bíblia acharam muito cômodo aliar a taumaturgia divina da Bíblia
com a relativa ciência aristotélica. Aliando os versículos bíblicos à lógica e à
ciência aristotélica, não necessitavam de mais nada. Mas, pergunto eu, que culpa
teve Aristóteles de tudo isso? Nenhuma. Foi mais uma safada manobra do clero
dualista. É possível até que os primitivos divulgadores dos conceitos bíblicos
tenham sido levados a destruir tôda a outra cultura e ciência gregas, não
aristotélicas; quem sabe se de grande importância, só porque não vinham ao
encontro da interpretação superficial dos versículos bíblicos. Mantiveram,
contudo, a lógica e a ciência aristotélicas, porque não alteravam e nem
desmentiam os versículos bíblicos. Não que Aristóteles coincidisse com os
versículos bíblicos, não era isso; mas o dualismo aristotélico vinha ao encontro do
suposto e superfical dúalismo dos versículos bíblicos. E daí por que, para nós
ocidentais, Aristóteles se tornou o pináculo do pensamento grego, quando, noutras
circunstâncias, provàvelmente não o tivesse sido; pois, como já disse antes, talvez

102
tenha havido uma ciência, conhecimentos, conceitos, filosofias dualistas ou
monistas melhores que os de Aristóteles, mas que tivessem sido destruídos por
êsses zelosos e primitivos pseudocristãos. Sabemos que na época de Aristóteles, e
mesmo antes ou depois dêle, até no Ocidente, houve muitos excelentes
pensadores, cujas conclusões não coincidiam com a suposta verdade revelada do
Antigo, e mesmo do Novo Testamento, e daí talvez terem sido as obras dêsses
pensadores eliminadas de tal forma que, hoje, não resta sequer a mínima
referência a elas. É bem possível que nas próprias obras de Platão tenham existido
trechos de vital importância que foram destruídos e a respeito dos quais hoje nada
mais sabemos. Quem sabe se se tratava de ensinos que suplantavam de muito a
lógica e o conhecimento aristotélicos, e que poderiam ter constituído um
empecilho se descobertos por prováveis e futuros pesquisadores? Sabemos que,
anos depois da derrubada do mal-denominado paganismo, após

148

o que foram eliminadas tôdas as escolas filosóficas neoplatônicas, as escolas de


Alexandria; etc., houve, por parte dos fanáticos e exaltados pseudocristãos, uma
busca, uma procura frenética e uma tentativa de eliminar tudo aquilo que não se
enquadrasse dentro do raciocínio bíblico. Tudo o que cheirasse a escritos pagãos,
não importava que contivesse os mais preciosos ensinos, era destruído ou
queimado, publicamente ou não. Tendo ocorrido tudo isso, é bem provável que
muitas idéias extraordinárias, e quem sabe mesmo se outros ensinamentos do
próprio Aristóteles, além dos atualmente conhecidos, tenham-se perdido, ou
tenham sido destruídos e eliminados. E a destruição de tudo aquilo que constituía
o saber pagão continuou por muitos anos. Se não tivessem eliminado determina-
dos ensinos, quem sabe superiores aos de Aristóteles, talvez o destino do Ocidente
teria sido outro. Mas, bem ao contrário, acabamos sendo influenciados e guiados
totalmente pelas más interpretações bíblicas e pela influência aristotélica. Foi
somente pela união dos conceitos aristotélicos e bíblicos que determinado grupo
de indivíduos pôde se implantar com uma nova espécie de cultura, como aliás de
fato se implantou e dominou durante mais de doze séculos.
BoMBASTUS: Bem, realmente, não podemos negar que Aristóteles tenha
sido um pensador versátil, que pràticamente abrangeu todos os conhecimentos
possíveis. Mas, deixando de lado os pensamentos políticos e éticos de Aristóteles,
que de certa forma são uma complementação aos de Sócrates e Platão, vamos
considerar dois aspectos do pensamento aristotélico: primeiro, como Aristóteles
via o mundo, ou seja, a ciência aristotélica, e mais, como abrangia e
correlacionava e explicava os fenômenos naturais? Em segundo lugar, como
preconizava Aristóteles o acesso a êsses conhecimentos naturais, ou seja, a sua
teoria do conhecimento? Quer-nos parecer que a visão do mundo de Aristóteles,
em outras palavras, aquilo que êle justamente chamou de Física, já está
completamente superado. Aliás, ela foi um estôrvo ao progresso científico até o
século XVII, quando então surgiram teorias científicas mais avançadas como as
de Galileu, de Copérnico, de Kepler e outros, e que vieram derrubar aquêles
axiomas, que Aristóteles, por assim dizer, havia estabelecido e que a partir dêle
dominaram com

103
149

pletamente o pensamento dualístico da ciência grega e da ciência ocidental até o


século XVII.
Perguntaríamos por que o método de Aristóteles para chegar à verdade das
coisas continua, de certa forma, em vigor até hoje? Aliás, o próprio Bertrand
Russell afirma que o fraco do pensamento ocidental prende-se ao fato de até hoje
o Ocidente não se ter livrado das estreitezas da lógica aristotélica. Nós, então,
gostaríamos que explicasses aqui, o mais sucintamente possível, em que consiste,
justamente, essa facêta das teorias de Aristóteles e que persiste até hoje, ou seja, o
seu método, ou sua teoria do conhecimento. O que é afinal a teoria do
conhecimento de Aristóteles e por que ela persiste até hoje?
TEOFRASTUS: A razão da persistência da teoria do conhecimento de
Aristóteles é simples de responder: deve-se a um fator de comodidade. Os
filósofos e teólogos que surgiram após a implantação do Cristianismo acharam
muito cômodo unir à suposta gênese da terra, dos astros, da flora, da fauna e do
homem, atribuída a Jeová (que quer dizer: "EU sou") e descrita no Antigo
Testamento, as descrições supostamente científicas de Aristóteles. Tanto o
Genesis, quando lido superficialmente, como as teorias de Aristóteles são
essencialmente dualistas. E o encontro dos feitos do suposto deus bíblico objetivo
com as explicações supostamente objetivas de um Aristóteles prevaleceram até o
século XVII, como já sabemos. Os cientistas que surgiram nesse e em séculos
posteriores perceberam as falhas de Aristóteles e começaram a negar a veracidade
de seus axiomas, e assim, pouco a pouco, foi êle eliminado da "nova ciência". Em
verdade, os axiomas de Aristóteles não eram nem certos nem errados, mas apenas
opiniões. Errado era o autor dêsses axiomas, com seu método lógico e seus si-
logismos, visto que pretendeu torná-los únicos e absolutos. Eliminada a obra de
Aristóteles, seu método continuou, assim como continuaram os axiomas errados
dos cientistas posteriores. O êrro não está no imprimido (ciência de Aristóteles, ou
ciência dos estudiosos modernos); está no impressor, ou seja, no próprio
Aristóteles e sua lógica, e também nos cientistas modernos orientados pela lógica
daquele.

150

Nos séculos seguintes a Ciência progrediu, e os cientistas acabaram


eliminando, inclusive, o Deus Jeová e sua taumaturgia da gênese do mundo e da
Natureza. Começaram negando a ciência de Aristóteles e acabaram expulsando o
Deus bíblico. Mas, infelizmente, permaneceram com o método de avaliação das
coisas descrito por Aristóteles e com a convicção de que o mundo e o Universo
tinham sido feitos apriorìsticamente, senão por um Deus bíblico, por outro deus
mais capaz, ou então pelo deus-acaso, o patrono da Ciência atual. As conclusões
de Aristóteles sôbre os objetos por êle observados estavam erradas, mas o que os
atuais cientistas dizem, estaria certo. O irônico da estória é que: não passou pela
cabeça de Aristóteles, nem dos cientistas atuais, que o objeto pudesse não existir
independentemente do observador: ou seja, tudo aquilo que afirmamos sôbre
determinado objeto pode ser real e falso ao mesmo tempo, porque nós somos o

104
objeto e, conseqüentemente, somos também seus aspectos reais e falsos. Então,
por um fator de comodidade, foi muito fácil aceitar o método aristotélico de
observação, aliás bastante gratuito, e mais fácil ainda foi negar-lhe suas pretensas
verdades, substituindo-as por outras. E também foi bem fácil eliminar o Deus
bíblico, mas ficar com a sua pretensa obra. Os senhores cientistas eliminaram
Deus, porém não eliminaram o mundo e nem o Universo, simplesmente
substituíram o Deus bíblico pelo deus-acaso, escolha essa que piorou muito mais a
situação. O senhor cientista, a fim de se justificar, precisava manter a independên-
cia absoluta entre observador e observado, quando, na realidade esta não existe, e
dessa forma os fabricantes de verdades particulares transformaram-se em
"descobridores" de supostas verdades universais, embora, no fundo, continuem
sendo apenas tristes verdades hominais. Quem perdeu com isso foi a real
manifestação do SER que, aparentemente, se alterou, se enfeiou. Realmente, ela
nada perdeu, pois para o SER continua sendo o que é, mas quem perdeu e se
perdeu foi o homem.
Para Aristóteles era muito mais cômodo falar sôbre aquilo que se julga ver,
como supostamente se vê e porque se vê, do que tentar descobrir em si próprio
quem é êsse que acredita estar vendo e acredita estar opinando, adequadamente,
sôbre aquilo que, em verdade, não entende, mas que apesar de tudo

151

chamou de mecanismo da percepção e da conscientização. O que é mecanismo,


percepção, conscientização? Palavras e mais palavras de um indivíduo que não
conhecia o mais elementar: seu próprio ego, o grande falastrão e opinador.
Antes, quando falamos sôbre Platão, dissemos que êle acreditava que o
conhecimento provinha do mundo das "formas" ou das idéias-arquetípicas, real e
inteligível, e que a "for ma" dava sentido à matéria informe. Esse filósofo admitia
também, digamos, que para tôdas as árvores mesas, etc., do mundo aparente e
sensorial, existia uma "forma" única de Arvore, Mesa etc., nesse mundo real e
inteligível ou mundo das idéias.
Para contrariar seu Mestre, apesar de distinguir intelectualmente a "forma"
da matéria, dizia Aristóteles que a "forma" e a matéria eram inseparáveis. As
"formas" ou entelé quias, segundo Aristóteles, eram imanentes, e não
transcendentes a um mundo real, abordável só pelo intelecto, não material nem
sensorial. Segundo o que êle dizia, uma não podia subsistir sem a outra, embora a
"forma" fôsse mais importante que a matéria. Também de acôrdo com êste
pensador, o mundo material ou objetivo era bem mais real do que julgava Platão.
As "formas" ou idéias-arquetípicas, ou enteléquias eram a propriedade real dos
objetos. Enquanto que para Platão a "forma" era um "quê" indiscutivelmente real,
permanente, imutável e inteligível, e a matéria um algo aparente e ilusório, para
Aristóteles a "forma" ou enteléquia era apenas um "quê" altamente metafisico, que
"degradando-se" dava razão de ser aos objetos ou corpos materiais. Segundo êste
último, embora considerasse os corpos ou a matéria reais, o que importava era a
"forma" ou enteléquia, e não a matéria formada; esta não era o Ser verdadeiro, e
sim sòmente uma potencialidade negativa e passiva, que passa a existir específica
e realmente, apenas, quando atuada e determinada pela "forma" ou enteléquia.

105
Aristóteles dizia que assim como a alma é a "forma" ou enteléquia do corpo,
Deus é a "forma" ou enteléquia do mundo, além de ser também a natureza dêsse
mundo, suas funções e objetivos inerentes.
A alma, segundo êsse pensador, é o princípio vital ou a enteléquia primária
de um organismo, ou então é a idéia-arquetípica inerente a êsse organismo. Não é
algo adicionado
152
ou residente no corpo, como afirmariam, posteriormente, os religiosos e
teólogos católicos. Essa enteléquia ou alma é o próprio corpo em seus "podêres de
autonutrição, autocrescimento e autodecadência", ou seja, são facêtas da maneira
de ser dessa enteléquia. Essa alma é a soma das funções do organismo. Ela é para
o corpo o que a visão é para os olhos; em suma, é uma misteriosa quinta-essência
metafísica, atuante e eficiente.
Daqui se originaram as doutrinas organicistas e científicomaterialistas, que,
mandando às favas as sugestões de Aristóteles com sua enteléquia, bem como a
dogmática e ineficiente alma dos religiosos, adicionada ao corpo, tudo fazem para
tentar traduzir essa quinta-essência sugerida por êsse filósofo como sendo apenas
a resultante de simples reações físico-químicas do cérebro. Mero concatenamento
de mecanismos e reações, cuja resultante seria o eu, a inteligência, a vontade, a
memória etc. etc. Apesar da fantasia, da imaginação e dos erros, jamais
Aristóteles desceu tanto em suas especulações. Para êle a alma ou enteléquia ou
idéia-arquetípica era uma emanação de Deus, uma realidade metafísica, imortal e
impessoal. Quando, "numa espécie de degradação", ela se limitava à condição
corporal e material, surgia a personalidade, fruto das condições biológicas do
próprio corpo. Esta assertiva gratuita também serviu de base às doutrinas
organicistas-materialistas que afirmam ser o ego fruto das condições e reações
biológicas do organismo.
Como todos sabem, Aristóteles foi pràticamente o pai da lógica e todo o seu
esfôrço se concentra na técnica do raciocínio. Esforçou-se, grandemente, em
buscar a clareza do pen samento através das palavras e conceitos precisos, sem,
contudo, jamais tê-la alcançado. Em suma, tentou matematizar a palavra comum.
Como era incapaz de descrever um fenômeno num linguajar matemático, como,
mais tarde, teria feito Galileu, tentou inútilmente dar um valor exato às palavras
ou aos têrmos da frase. Passou todo o tempo definindo os têrmos de um
enunciado, deixando-nos em grandes confusões. Com isso, bem se vê, apesar de
todos os seus esforços, o quanto era superficial em sua maneira de pensar. Mais
ou menos nessa mesma época, filósofos orientais já alertavam e diziam que a

153

palavra era uma fantasmagórica rainha que só servia para criar e matar fantasmas.
Bem, mas segundo Aristóteles, o sujeito e o objeto eram completamente
reais e independentes, como aliás, de certa forma, também julgava Platão (isto é,
só com relação à indepen dência), e os conceitos que elaboramos sôbre os objetos
são idéias generalizadas, frutos da memória, não inatas, como dizia Platão, que
considerava a "forma" ou idéia-arquetípica anterior à matéria ou ao corpo do
indivíduo. Essas idéias generalizadas ou conceitos relacionados aos objetos

106
formam-se após muitas percepções ou constatações sensoriais de objetos reais e
iguais, portanto, como já dissemos, são frutos da memória.
Aristóteles dizia que os sentidos eram a única fonte de conhecimento,
diferindo completamente de Platão, que não cansava de alertar o homem de seu
tempo com relação ao lôgro dos sentidos. Os órgãos dos sentidos, segundo
Àristóteles, tinham uma atividade discriminatória sôbre aquilo que era percebido;
não se tratava de uma recepção passiva, com dizem e "provam" os fisiólogos
modernos. O objeto era percebido e qualificado por causa de sua enteléquia
específica. A alma ou enteléquia do observador encarregava-se de tornar
consciente a forma e as qualidades de um objeto percebido.
As qualidades sensoriais dos objetos - côr, sons, sensações táteis, frio, calor,
etc. - eram apenas qualidades potenciais; o mesmo se diga do indivíduo perceptor,
cuja senso rialidade tornava-se real, não potencial ou inmnemônica, sòmente
quando se dava o contato com o objeto. Assim, por exemplo, uma cascata não
poderia, estritamente falando, estar fazendo barulho, a não ser que houvesse
alguém ouvindo-a. Segundo Aristóteles, não pode haver ruído atual sem um
ouvinte atual.
Sempre segundo êsse filósofo, o coração era a sede das sensações, e não o
cérebro, que servia apenas para resfriar o sangue. Dizia, também, que não era o
ôlho que via, nem o ouvido que ouvia, e assim por diante. Existia um sentido co-
mum (sensus comunis) para isso, para o qual convergiam tôdas as captações
sensoriais, embora êsse sentido comum não dispusesse, para si mesmo, de um
órgão especial. A centralização fazia-se no coração, mas neste não existia algo
que justificasse a conscientização do visto, ouvido, sentido, degustado, etc., ou

154

seja, uma resultante que justificasse a convergência de tôdas as captações


sensoriais efetuadas pelos órgãos dos sentidos. Portanto, neste último, acabavam
tôdas as impressões recebidas de fora para dentro, através dos órgãos sensoriais. O
sono resultava de uma inatividade dêste sensus comunis de Àristóteles.
Os cientistas modernos aceitaram tôdas essas suposições gratuitas de
Aristóteles substituindo apenas o coração pelo cérebro. E não poupam esforços
para "provar" que êsse sensus comunis é simplesmente a resultante de uma série
concatenada de reações físico-químicas do cérebro, acrescentando, inclusive, que
a inatividade de um suposto e determinado centro cerebral provocaria o sono.
Em verdade a pessoa é muito mais que cérebro, mas êles esforçam-se
inútilmente para que ela se limite Únicamente aos mecanismos cerebrais que êles
próprios inventaram.
Aristóteles não quis aceitar os ensinos e sugestões de seu mestre Platão, que
o avisava da impossibilidade de o ser humano forjar explicáções e conceitos
precisos sôbre as coisas, porquanto, para Platão, o ser humano não percebia as
coisas como eram de verdade, mas apenas sua sombra.
Além do mais, como já dissemos, Aristóteles declara que a compreensão e o
reconhecimento de algo material e externo só era possível se o indivíduo já o
tivesse conhecido e com preendido antes, ou -então se já constituísse assunto de

107
memória, como se a capacidade de conhecer e reconhecer dos homens se limitasse
a uma única vida e a um único plano de vida, como é o caso dêste tão decantado
plano físico de vigília.
Para Aristóteles, um homem não podia opinar e nem conhecer um objeto
externo, a não ser que o tivesse visto objetivamente alguma vez e o tivesse
memorizado subjetivamente. Assim, todo estudioso da Natureza, em verdade,
apenas reconhecia. Ele confundiu conhecimento, ou o Instante criador ou a
intuição, com o reconhecimento, pretenso avivar de cadáveres da memória, de
modo que, para êle, e mesmo para os cientistas atuais, a Ciência ou Conhecimento
reduz-se apenas a um amontoado de reconhecimentos e condicionamentos.
Aristóteles e os cientistas atuais só lidam com os fantasmagóricos reconhecimen-
tos. Só o verdadeiro gênio ou o Mestre, na verdadeira acepção da palavra, livre de
influências passadas ou da memória, e livre

155

da esperança ou de desejos futuros, pode realmente CONHECER E


COMPREENDER O INSTANTE, sempre renovado, sempre surpreendente e
sempre belo.
Na teoria do conhecimento de Aristóteles o importante seriam os supostos
registros de experiências e ocorrências arquivadas na memória, as quais teriam
ocorrido exteriormente, sendo captadas pelo indivíduo de fora para dentro, graças
aos seus sentidos. Importava também o seguinte: tôda experiência sensorial que
conseguia superar o crivo intelectual da tese e da antítese tornava-se, para
Aristóteles, uma verdade lógica e, conseqüentemente, uma verdade científica.
Aristóteles nunca desconfiou, e acredito mesmo que jamais quis crer na
possibilidade do poder interferente, engendrante e deturpante de sua mente. Aliás,
êle herdou dêsses filósofos profanos e dualistas da Grécia de seu tempo a
tendência para admitir uma perfeita e absoluta independência entre o observador e
o observado.
Apesar de suas intricadas especulações metafísicas, creio que Aristóteles
acreditava num único Deus fazedor, engendrador da Natureza e do mundo, enfim,
num Deus criador. E julga va-se, portanto, uma criatura, cujo dever era
compreender o "como" e os "porquês" da obra dêsse criador, ponto de vista êsse
que bem caracteriza sua ciência e filosofia, e explica, mais uma vez, por que os
seguidores da Bíblia o aceitaram como o sábio oficial da nova sociedade dita
cristã, mas que, em verdade, era bíblico-judaica.
A partir de sua própria premissa de que êle era um ser pensante e que se
encontrava num mundo prèviamente criado, no qual havia coisas que não
dependiam de sua vontade, e além do mais, convicto de que êle e os demais que
pensavam como êle eram dotados de uma faculdade discernitiva, apenas
discernitiva e nunca engendrante, deturpante e interferente, pôde muito bem criar
sua ciência e seu método de avaliação, que, em parte, subsistem até hoje, e pôde
também criar a sua teoria do conhecimento, que ainda vigora totalmente.

108
Em resumo, sua teoria do conhecimento baseava-se primeiramente na
memória: era preciso que tivesse havido uma primeira experiência, portanto o
conhecimento aristotélico não era conhecimento, e sim reconhecimento.

156

Esse tipo de conhecimento, que em verdade é um reconhecimento, lida com


fantasmas; é por isso que, de certa forma a Ciência moderna é tão áspera e
desagradável. Aduzia, em segundo lugar, que a mente, quando orientada pela
lógica intelectual e matemática da tese e da antítese, alcançava a verdade. É a
velha história da polaridade do raciocínio: ou a coisa é verdadeira ou é falsa; além
do mais, julgava que a mente tinha capacidade de avaliação, ou seja, podia dizer:
isto é certo e aquilo é errado. Em terceiro lugar, dizia que a mente não interferia
nessa suposta avaliação ou nessa espécie de análise aristotélica. Ou então que a
mente retratava fielmente as ocorrências externas, como se fôsse um espelho,
apesar de já chamar a atenção para o fato de que os sentidos podiam alterar um
pouco o testemunho final das coisas, como se os sentidos pudessem, de per si,
alterar alguma coisa.
Os sentidos, para atuarem, necessitam da mente; é a mente que os manobra,
que os faz funcionar, e se êles aparentemente parecem estar logrando alguém,
apenas obedecem a influência sutil daquilo que está atrás déles, que é o ego-
mente. Se superficalmente meus sentidos acreditam captar determinado fenômeno
de determinada maneira, e se depois, interpondo um aparelho entre êles e o
pretenso fenômeno, acredito estar vendo o fenômeno sob outro prisma, isto se
deve sempre ao ego-mente que conscientiza as duas formas diferentes de ver as
coisas, as quais podem ser, simultâneamente, ou duas verdades ou duas mentiras,
como quiserem, porquanto naquilo que é imaginário as duas condições podem
subsistir simultâneamente, de modo que meus sentidos não têm culpa das
possíveis alterações que ocorrem durante a conscientização.
A quarta premissa aristotélica afirmava que a Verdade primeira ou
enteléquia, como dizia Àristóteles, é imanente ao objeto, e que a mente era
independente ou isolada do fato que, supostamente, estaria ocorrendo
externamente. Declarava a quinta que a mente tinha, em essência, possibilidades
de tecer conclusões sôbre o observado, mas sem interferir na suposta veracidade
do fato externo.
Além de outros aspectos, seria esta, em suma, a teoria do conhecimento
aristotélico, que aliás, desgraçadamente, é também a nossa atual teoria do
conhecimento.

157

BOMBASTUS: Então, como podemos concluir de tua longa exposição, o


trabalho de Aristóteles consistiu em ressaltar o poder discernidor da mente. Ou
seja, seu papel de racionalização- ou a possibilidade que teria a mente de
distinguir dois fatos: um certo e outro errado, fatos êsses que a mente captava a
partir de certas experiências e sensações prévias e que, conforme suas idéias

109
preconcebidas, ela corrigia e classificava em certas e erradas. Então isso, além de
dizer que a "forma" era imanente à matéria, resumiria a teoria do conhecimento de
Áristóteles, o qual jamais se teria apercebido de que a mente poderia, ela também,
participar do processo de elaboração do fato e de avaliação do mesmo, de maneira
a torcer a realidade, se é que existe alguma realidade objetiva independente. Quer
dizer, então, que Aristóteles parte assim, pràticamente, da intangibilidade da
razão, ou seja, aquilo que a razão ou a lógica afirma é óbvio. Ou então, para
Aristóteles a razão e a lógica conteriam a chave de todos os segredos e por isso êle
estipulou uma série de silogismos famosos, que, a seu ver, conduziriam o
indivíduo a pensar bem, ou seja, a usar a razão de modo que ela o levasse sempre
a resultados certos. Foi assim que se principiou a lógica de Aristóteles, que
domina ainda hoje a lógica da ciência moderna do mundo ocidental.
TEOFRASTUS: O principal êrro de Aristóteles foi o de ter acreditado, sem
qualquer dúvida, em seu intelecto-mente, mesmo que o situasse no coração; êle
aceitou-o como sendo o instrumento adequado e único, que lhe permitia
testemunhar e tirar conclusões acertadas de supostos fatos que ocorreriam, aparen-
temente, no mundo externo ou sensorial.
A única diferença que existe entre o método de observação de Aristóteles e
o científico moderno é que aquêle se limitava a observar determinado fenômeno,
passivamente. Depois de tanto observar, e crendo sempre na validez observadora
de sua mente, valia-se do intelecto-mente para especular sôbre aquela observação,
para chegar, por fim, a conclusões; mas conclusões pois de tanto observar, e
crendo sempre na validez observadora do tipo intelectual-matemático. Exemplo:
tanto mais tanto faz tanto; e tanto menos tanto faz outro tanto. Enfim, é o mesmo
que se eu tivesse observado algo, depois voltasse a observá-lo, e ainda mais três,
quatro, cinco, dez, vinte vêzes. Depois então deixo

158

de observar e fico especulando sôbre o "como" e o "porque" dêsse algo e qual a


razão de ter êle se repetido tantas vêzes, sempre da mesma maneira. Para tal,
valho-me da memória e da imaginação, a fim de retirar dessa provável
observação alguma conclusão.
Aristóteles chegava sempre a conclusões próprias, particulares, mas que êle
acreditava corresponderem à tradução de um fenômeno universal, dependente de
outras causas que não de sua própria mente. Enfim, pela simples observação, e
raras vêzes repetindo experimentalmente o fenômeno, como iriam fazer mais tarde
os cientistas, concluía arbitràriamente que tal fenômeno ocorrera por causa disto
qu por causa daquilo, e pronto estava feita a ciência aristotélica. Lembremo-nos
de que essa sua maneira de atuar vinha ao encontro da maneira de atuar do próprio
grego, que não podia dar-se o trabalho de repetir experimentalmente o fenômeno,
pois teria de trabalhar, e trabalhar não ficava bem para o cidadão grego.
Aristóteles acreditava estar trabalhando com a cabeça, e isso já era muito... E
dessa forma construiu seu edifício científico, que posteriormente foi
completamente derrubado. Aristóteles nunca desconfiou que êle era o fenômeno e
sua causa, o motivo da repetição do fenômeno, a acomodação do fenômeno e
mesmo a explicação do fenômeno. Simplesmente achou que êle e o fenômeno

110
eram completamente independentes. A única relação que mantinha entre o
fenômeno e êle era a sua explicação. Assim é que essa atitude herdada de
Aristóteles permitiu que na Ciência moderna surgissem tantos pseudogênios. Mais
adiante veremos o que há de certo e errado em Aristóteles e o que há de certo e
errado com a nossa Ciência atual. Ou então quem estava com a "razão", se os
conceitos de Galileu ou os de Aristóteles. De antemão, podemos afirmar que
nenhum dos dois estava absolutamente certo, nem completamente errado. Não
existindo objeto independente do observador, e se o objeto e o observador são
uma mesma coisa, então Aristóteles e os objetos de observação, que são outro
pólo do mesmo Àristóteles, e a relação entre uma coisa e outra, ou, em síntese, as
explicações aristotélicas estavam tão certas e tão erradas, quanto o próprio
Galileu, seus objetos de observação e as explicações a êles ligadas.
159

BOMBASTUS: Bem, com isso que acabamos de ver, já ficou bem claro que
Aristóteles é, assim, um dos pilares do dualismo ocidental. Agora, gostaríamos de
saber qual seria o outro pilar? No caso, já podemos antecipar que é a Bíblia. Mas
como ocorreu essa fusão do dualismo bíblico e aristotélico? E onde estão, por
assim dizer, os pontos de encontro entre a Bíblia e Aristóteles?
TEoFRASTUS:Como já disse antes e repetindo mais uma vez, o dualismo
bíblico é devido a uma má interpretação dos primeiros versículos do Gênesis. Pela
leitura superficial e literal dos primeiros versículos do Gênesis, o leitor conclui
que no início havia um Deus isolado, único e que por vontade própria ou por uma
taumaturgia tôda especial criou o céu e a terra com tôdas as suas coisas - as águas,
os minerais, a flora, a fauna, o homem, etc. Teria criado também o sol e a lua, os
luminares ou as estrêlas, tudo em dias ou etapas diferentes, dando uma idéia do
tempo. Muito mais tarde, os cientistas dos séculos XVIII, XIX e XX expulsariam
Deus da criação e aproveitariam da terra, a matéria; do céu, a idéia de espaço; da
taumaturgia divina, a energia; dos dias da criação, o tempo; construindo assim as
bases dogmáticas, fundamentais e irremovíveis da Ciência moderna, que são:
matéria-energia, espaçotempo, os quatro fantasmas, não do Apocalipse, mas do
egointelecto-mente ou do ego-intelecto-cérebro do senhor pesquisador.
Então, como estava dizendo, pela leitura superficial e literal dos primeiros
versículos do Gênesis, concluímos tenha havido uma verdadeira criação por parte
de um Criador e que, conseqüentemente, desde então, estaria dirigindo as suas
criaturas a ÊLE submissas, mas isoladas dÊle. Portanto, teria sido uma verdadeira
criação dualista na acepção da palavra. E como se um grande diretor divino fôsse
paulatinamente armando o palco da vida, coroando seus esforços com o apa-
recimento do homem, numa espécie de evolução dirigida, evolução essa que, mais
tarde, Lamarck, Darwin & Cia. conseguiram degradar bastante. Logo após o seu
aparecimento, êste primitivo homem, Adão no caso, teria começado a especular,
mas o suficiente apenas para distinguir, discernir, pois já teria encontrado, de
antemão, as coisas feitas por alguém. Seguindo

160

111
sempre a leitura superficial do Gênesis, Adão teria sido incumbido de dar nome às
coisas criadas por Deus. Seus supostos descendentes limitaram-se a obedecer
implicitamente ao Senhor Deus. Quando muito, tentavam compreender mais ou
menos as obras de Deus, mas nunca qualquer dêles duvidou que não tivesse
havido criação pròpriamente dita, e que em seu lugar ocorresse uma manifestação
aparentemente contínua, mas sempre renovada.
A mal compreendida e mal interpretada criação contida no Gênesis foi
imposta como dogma pelos religiosos dualistas subseqüentes e principalmente
pelos religiosos e teólogos oci dentais, dogma êsse que não podia ser discutido de
forma alguma. O dogma da criação, até hoje, continua sendo o que é, pois tanto a
religião acredita piamente na criação do taumaturgo divino, como a Ciência
acredita na criação do Deusacaso, substituto daquele. E o homem e as coisas
criadas são outro dogma sôbre o qual não se discute. A lógica dualística
aristotélica se acomodava muito bem à aparente criação dualista da Bíblia.
Enquanto Aristóteles, aparentemente, explicava o "como" e o "porquê" da suposta
natureza externa, a Bíblia, por sua vez, simplesmente dava as explicações
primeiras de como tudo se teria formado. Tanto as aparentes declarações de cunho
dualista da Bíblia como os conceitos dualistas de Àristóteles reforçaram-se
mútuamente. O pensamento ocidental, sufocado pela teologia cristã, teve de
aceitar isso, e a partir de então, em nossas mentes ficaram imprimidos,
indiscutível e definitivamente, os pareceres dualistas que defendem a idéia de um
criador, separado de suas criaturas, de número finito, o qual as vigiaria lá do
infinito. Essas idéias sempre apregoaram que o homem é apenas uma simples
criatura entre tantas outras, mesmo que, na Idade Média, o homem fôsse encarado
como o rei (fantoche) do Universo.
Enfim, explica-se e justifica-se claramente a afinidade da criação descrita
pela Bíblia com a ciência e a lógica de Aristóteles. E dessa maneira de ver,
construiu-se o edifício teoló gico do Cristianismo, hoje já bem abalado, e muitos
séculos depois, revoltando-se contra o despotismo religioso, o homem construía a
sua ciência, que até os dias atuais continua pretendendo ser a única dona da
Verdade.

161
Se os primeiros cientistas (Galileu, Kepler, Copérnico, Bacon, Newton,
etc.), ao invés de se deixarem influenciar positiva ou negativamente pela Bíblia e
pelos erros da lógica e da teo ria do conhecimento de Aristóteles, tivessem
consultado e compreendido outros métodos de conhecimento (reconheço que
naquele tempo, por causa da Inquisição, isso era pràticamente impossível), tais
como os de Vasubandhu, Nagarjuna, Dignaga, Bodhidharma, Sankharacharya,
FIIon de Alexandria, Plotino e outros filósofos e pensadores orientais e ocidentais,
a Ciência Moderna, com sua presunção de única intérprete das supostas verdades
universais, tal como hoje a conhecemos, não teria surgido, por absurda,
impossível, relativa, engendradora, velhaca em suas pretensões absolutistas; em
suma, por ser uma obra puramente hominal e completamente afastada da Verdade,
que não admite lógica, razão, intelecto, etc., as refinadas e sutis armas do ego ou
eu humano.
O artista nunca pretendeu que suas descobertas, inovações, elaborações e
criações correspondessem a verdades últimas e universais, válidas e aplicáveis em

112
tôda a parte e em todos os recantos do Universo. Só o religioso dualista e seu
igual, o cientista moderno, é que têm essa pretensão.
Nunca a Ciência foi tão humana e nunca estêve tão afastada do que poderia
ser a verdadeira Vida, o verdadeiro Mundo e Universo. Hoje a nossa ilusão é tão
grande que não titubeamos em crer que a Ciência está capacitada a descobrir ainda
outros segredos (inexistentes) da Natureza, até alcançar a Verdade última e
primeira. E por causa dessa ilusão, depositamos aos pés da Ciência (ou cientistas)
o melhor de nós mesmos (a nossa juventude) e de nossas possibilidades e
recursos, num esbanjamento incrível e injustificável.
Haverá de chegar o dia em que o homem compreenderá que a sua Ciência
era apenas uma simples expressão de sua capacidade artística e engendradora. O
cientista é apenas um artista grandemente iludido quanto ao alcance de sua arte
(ou ciência), imbuído de um absolutismo que só os religiosos dualistas apresentam
(ou apresentavam), ao admitirem que só o seu Deus é verdadeiro, único e
absoluto.

162
Terceira Parte

"... A revolução científica com que se iniciou o século XVII coincidiu com
a revolução filosófica provocada independentemente por Bacon e Descartes,
consistente na substituição do esquema medieval pela filosofia do sentido
comum, assim chamada por Dingle, pois adotou como dogma fundamental a
divisão cartesiana do objeto de investigação, em objetos ou coisas de extensão e
objetos de pensamento; em outras palavras: em matéria e mente. Como já
tinham comprovado Galileu e Newton, a matéria era relativamente fácil de
estudar, enquanto que a mente era pràticamente impossível (EIS O JOGO SUJO
DO EGO-INTELECTO-MENTE). O resultado foi que os físicos, "triunfantes ex-
ploradores da Natureza", tenderam a eliminar a mente do campo de
investigações, considerando-a, simplesmente, como um meio de investigação..."
(DIANTE DA VERDADE, EIS AI A ORIGEM DO ERRO E DA ILUSÃO
DOS DESCOBRIMENTOS CIENTIFICOS, EM VERDADE MEROS
ENGENDRAMENTOS HUMANOS.)
De Ia Filosofia Natural a Ia Física Nuclear, Dr. José Baltá Elias. "Estudio
Preliminar introdutorio al volume II de Ia Enciclopedia Labor: LÁ MATERIA
Y LA ENERGIA".
... A própria realidade perdeu-se pelas exigências da pesquisa.
Primeiramente rechaçamos a mente como fabricante de ilusões, no final,
temos de voltar a ela para dizer-lhe: "Eis aqui mundos sòlidamente edificados
sôbre uma base mais firme que as tuas fantásticas ilusões. Porém, nêles nada
há que faça com que os mesmos se transformem em mundos verdadeiramente
existentes. ' Ó mente, faze-me o favor de escolher um dêles e tecer sôbre o
mesmo as imagens de tua fantasia, porque sòmente isso lhes dará realidade.
... Suprimimos as imagens mentais com a finalidade-de -descobrir a
REALIDADE escondida sob as mesmas, porém, encontramos que o
descoberto, aí, é sdmente real se existe o poder mental que dá realidade

113
a tais imagens. Isso acontece, precisamente, porque a mente que tece as
ilusões é, ao mesmo tempo, a única que dá garantia a REALIDADE, e teremos
de buscar a realidade sob as ilusões..."
Reality, Causation, Science and Mysticism, Arthur S. Eddington

163

Os Pioneiros da Ciência

BOMBASTUS: Bem, nós já expusemos, mais ou menos, a influência da


herança aristotélica no pensamento científico ocidental, ou seja, vimos que ele
apresentou uma teoria de conhecimento, a qual já passamos em revista, e que o
Ocidente, em grande parte, herdou inalterada. Agora, vamos abordar espe-
cificamente o problema da Ciência Moderna e seus primeiros triunfos no século
XVII, graças a uma série de homens, tais como Descartes, Bacon, Galileu e
outros. Uns, como é o caso de Bacon, a partir de Aristóteles, estabeleceram novos
métodos, ou seja, novas maneiras para chegar ao conhecimento e à "verdade das
coisas"; e outros, como Galileu, se preocuparam mais, especificamente, em
descobrir quais eram esses conhecimentos. Ou então, em outras palavras: uns
apresentaram uma filosofia para a ciência, como Bacon, e outros fizeram a própria
Ciência, "descobrindo" algumas das leis fundamentais nas quais se baseou
posteriormente o conhecimento científico do Ocidente. Então, agora gostaríamos
que falasses sobre Bacon, que teria sido uns dos primeiros teóricos do nôvo
método científico ocidental,

165
e perguntaríamos o que êle realmente acrescentou à teoria do conhecimento de
Aristóteles?
TEOFRASTUS: Ora, segundo os cientistas atuais, o fundamental; sabe-se
que Bacon acrescentou ao método científico aristotélico apenas (apenas êsse que
para alguns é muita coisa) a necessidade da experimentação, ou a necessidade da
reprodução experimental do fenômeno supostamente observado; ponto de vista
êsse que alterou em cento e oitenta graus a Ciência de seu tempo. Bacon achava, e
os demais concordaram plenamente, que sem a repetição laboratorial de
determinado fenômeno observado não se poderiam elaborar enunciados ou leis
científicas exatas. Éle foi o primeiro a preconizar a necessidade do método

114
experimental, em substituição ao método arbitrário e especulativo de Aristóteles, e
que tantos aparentes trunfos ou triunfos trouxe à CIÊNCIA MODERNA.
Bacon acreditou que a repetição experimental do fenômeno observado
eliminaria, definitivamente, as interferências e elaborações destorcentes da mente
observada. Só não se lembrou de que sem a mente era impossível qualquer
repetição experimental do fenômeno.
BOMBASTUS: A Ciência Moderna se baseia em três fatôres primordiais: a
experimentação, que foi preconizada principalmente a partir de Bacon, como já
vimos; a análise do fenômeno e sua interpretação, desenvolvidas principalmente
por Descartes, que iremos ver a seguir; e finalmente a expressão de todo fe-
nômeno natural, principalmente o fenômeno físico, numa linguagem matemática.
A experimentação, a análise e a descrição matemática do fenômeno são, segundo
nosso entender, aquilo que justamente diferencia a ciência ocidental moderna da
ciência grega, que de certa forma continuou durante a Idade Média e mesmo no
Oriente Próximo através da civilização árabe, ciência essa que era, vamos dizer,
predominantemente dialética e discursiva, onde apenas se discutiam os assuntos
supostamente científicos. Mas a partir de Bacon, que preconizava o método
experimental, já não era mais possível discutir assuntos científicos, era necessário
reproduzir fenômenos, e nessas reproduções entrava a análise, onde entrava em
jôgo a teoria de Descartes, e depois se tiravam conclusões que sempre eram
expressas em linguagem matemática. Então, gostaríamos que, objetiva

166

mente, expressasses qual o verdadeiro papel que esta linguagem matemática veio
representar na interpretação dos fenômenos naturais e até que ponto essa
linguagem se aplica, se é que se aplica, aos fenômenos naturais.
TEOFRASTUS: Antes de Bacon e Descartes, quem preconizou a
necessidade de descrever a Natureza em têrmos matemáticos foi Galileu. E todos
conhecem muito bem a sua afirmativa de que, a partir de determinadas
observações suas, agora absolutamente "certas", o Livro da Natureza tinha sido
aberto e desde então teria de ser descrito e lido em têrmos matemáticos. Mais do
que ninguém, sentiu Galileu a necessidade de criar um nôvo linguajar científico, a
fim de suplantar as filosóficas comadres palradoras de sua época; sentiu, pois, a
necessidade de descrever os fenômenos da Natureza em têrmos de Matemática,
porque, digamos assim, percebeu o quanto as palavras podiam conduzir a
disputas, que julgava inúteis. O abuso da palavra podia levar a discussões que se
prolongavam indefinidamente, sobretudo quando travadas entre péssimos
filósofos, como os de seu tempo, não conduzindo a resultado algum. Além do
mais, também se deixou influenciar muito por certas passagens das obras de
Platão, em que êste filósofo afirma que Deus fala em têrmos matemáticos e atua
com precisão matemática. Isso é tão verdadeiro que, se não me falha a memória,
no pórtico da academia de Platão estava escrito o seguinte: "Quem não conhece
Matemática não pode entrar neste recinto. "Contudo, sucede que a matemática
platoniana ou a matemática pitagórica em nada se assemelhavam à matemática
com a qual Galileu pretendeu descrever os supostos fenômenos da Natuerza. Não
quero me alongar muito sôbre o real significado da matemática de Platão ou de

115
Pitágoras e sôbre a relação que êsses filósofos viam entre suas matemáticas e a
suposta obra da Divindade, por falta de dados mais concretos e porque o
verdadeiro significado dessa matemática perdeu-se na noite dos tempos. Só posso
salientar que, de forma alguma, a matemática de Pitágoras e Platão tinha o rígido
e restrito significado quantitativo da matemática do tempo de Galileu e de nosso
tempo. Para Pitágoras e para Platão os números e a Geometria tinham um
significado totalmente diverso daquele que hoje conhecemos. De qualquer modo,
a pretensão platoniana foi suficiente para in

167

fluenciar Galileu na criação de uma nova ciência, mas agora uma ciência que seria
apenas descrita em têrmos matemáticos, a fim de eliminar os adversários,
ignorantes, dialéticos, pródigos palradores e maus filósofos. Galileu inaugurou,
assim, uma dialética pior do que a anterior e até mais desonesta, porque, hoje, a
ignorância e a estultície dos indivíduos disfarçam-se sob a presunção do
conhecimento matemático, da mesma forma como, em sua época, a ignorância, a
estultície e a prepotência disfarçavam-se graças a uma insuportável papagaiada.
Isto me faz lembrar os eternos e sempre atuais aforismos de LaoTsé, um dos quais
diz que: "Aquêle que fala não sabe e quem sabe não fala." Ésses
aforismos servem de carapuça tanto aos entendidos de nossa época quanto aos da
época de Galileu. Mas, como já foi dito, a ciência aristotélica, ou a ciência da
Idade Média, se caracterizava por seu aspecto puramente dialético e descritivo, em
que se travavam grandes debates entre os supostos entendidos daqueles tempos.
Galileu percebeu que com a linguagem comum nada se podia fazer, porque seus
adversários, mesmo não entendendo, discutiam com êle, convictos de que estavam
certos e de que tinham autoridade para discutir. É a velha estória de a minha
arrogância fazer-me pensar sôbre o meu interlocutor: "O que é que êle pode saber
que eu não saiba? E é por causa disso que muitas vêzes até um professor ignorante
deixa de aprender a Verdade mesmo de uma criança. Mas, deixemos isso de lado.
Bem, como estava dizendo, Galileu achou que a única maneira pela qual se po-
deriam eliminar os maus filósofos e cientistas de seu tempo era, daí em diante,
falar em têrmos matemáticos, numa espécie de arremêdo platoniano. Todo aquêle
que tivesse determinada cultura matemática estaria capacitado, a partir daí, a
entender êsse nôvo linguajar da Natureza, que segundo Galileu e os cientistas
modernos é o único e real.
Agora, resta solucionar o problema de saber até que ponto esta linguagem
matemática é válida para descrever um fenômeno natural. Bem, para Galileu e
seus seguidores, e principalmente para os donos da Ciência, esta linguagem tem
um valor absoluto, sendo, portanto, uma linguagem certíssima e irrefutável. Mas,
como sói acontecer, o homem, mais uma vez, abusou gratuitamente de suas
opiniões e conceitos. Admite-se

168

116
que Galileu sentisse necessidade de usar um nôvo linguajar a fim de suplantar
seus rivais e para, finalmente, revelar, segundo seu parecer, "a verdadeira
verdade" da Natureza (desculpem a redundância), a qual é mantida e endeusada
até hoje, mas, no fundo, não passa, apenas, de mais uma "verdade" atirada no
"rosto da Natureza", que nem por isso deixou de continuar sendo a inabalável
Natureza que é. Com isso tudo, quem perdeu, dbviamente, foi a natureza humana.
Galileu pressentiu no linguajar matemático algo que não existe no linguajar
comum. Neste podemos empregar mil palavras sem dizer absolutamente nada; ou
então podemos dizer tudo com apenas duas ou três palavras. A palavra tem um
caráter relativo, que depende sempre da capacidade de compreensão do ouvinte.
Qualquer um pode ler determinado enunciado e interpretá-lo arbitràriamente,
enquanto que o linguajar matemático teria a pretensão de ser absolutista, ou seja, é
aparentemente preciso. Se em têrmos matemáticos disser que 2 mais 2 são 4; . ou
então que 4 menos 4 é zero, diante da lógica estou absolutamente certo e não se
discute mais. Quem quiser discutir é maluco. Agora, diante da Verdade ou da
Realidade estou errado. Os símbolos 2 e 4, tomados matemàticamente, são apenas
2 e 4. Mas sucede que «2„, «~,4~, e «0„ não são nada sem as palavras "mais",
"são", "igual", "é", "menos", ou "vêzes", que depois foram transformadas em
símbolos, e sôbre essas palavras posso escrever uma enciclopédia, dizendo tudo
sôbre elas ou não dizendo nada.
E a ironia da lógica galileniana é que, tendo aceitado uma Natureza isolada e
independente de sua mente, ainda acreditou que o fazedor dessa suposta Natureza
tivesse empregado um linguajar matemático. Provàvelmente Galileu, mais uma
vez influenciado por Platão e Pitágoras, achou que um Deus que falasse em
têrmos matemáticos fôsse muito superior a um Deus que falasse em têrmos
comuns. Era tanta a sua ingenuidade a êsse respeito e tamanho o desconhecimento
sôbre as religiões comparadas (aliás, devido à época, isto é desculpável) que êle
nem sequer foi capaz de pensar ser possível que alguém, na história da
humanidade, tivesse alcançado a "LIBERTAÇÃO OU o divino DESPERTAR"
graças à Matemática, e nem sequer chegou a se lembrar de que os verdadeiros
ensinos capazes de

169

forjar Mestres, na verdadeira acepção da palavra, jamais foram escritos em têrmos


matemáticos.
Tinha Galileu direito de descrever um suposto fenômeno natural, que no
fundo era apenas um fenômeno galileniano, em têrmos matemáticos? Unicamente
para sua própria satisfação ou deleite tinha, não o tendo, porém, para apresentar
suas conclusões como Verdade Universal. Nesse aspecto, Galileu foi tão arbitrário
quanto fôra Platão, ao pressupor que Deus ou a Natureza falassem em têrmos
matemáticos. Se tivéssemos podido compreender Platão mais a fundo, talvez sua
arbitrariedade não chegasse a ser tão gritante, porque êle não tinha pretensões
absolutistas. Talvez a matemática platoniana ou pitagórica fôsse uma matemática
bastante elástica, uma matemática relativa, quem sabe se realmente superior às
palavras. Agora, a nossa matemática atual ou a matemática que Galileu

117
preconizava a fim de descrever um fenômeno natural era e é por demais tacanha e
rígida, por demais limitada e inútilmente complexa; e o que é pior, como é
tristemente humana! É uma espécie de jôgo de xadrez que poderá deleitar os que a
ela se condicionam e que acabam gostando de Matemática, mas que pode
também, e principalmente, enlouquecer aquêle que não lhe agrada.
O homem elabora um problema matemático, ou arma uma partida de
xadrez. Éle próprio cria a situação e êle próprio a resolve ... E o resultado é
totalmente ignorado pela Na tureza, pois ela nem sequer se abala, a não ser,
naturalmente, a natureza humana do indivíduo que elaborou o problema. Nada há
na Natureza que nos sugira tenha ela se originado graças a um poder diretor
matemático; somos nós que aplicamos à Natureza a nossa vulgar linguagem
matemática. Um bom conhecedor de orientalismo diria que a Matemática é um
dos maiores trunfos de que dispõem Maya e o Avidya, com o qual enganam e
manobram o indivíduo a bel-prazer. E se isto não é verdade, pergunta a quem
pensa ou a quem deve resolver problemas matemáticos. Haverá na cabeça dêle
qualquer outra coisa senão Matemática? O indivíduo fica tão enredado, tão
emaranhado, que não vê outra coisa a não ser os algarismos ou têrmos do
problema por êle criados, ou por outra "mente humana" elaborados, e não
descansa enquanto não tiver resol
170
vido a questão, nem que tenha de enlouquecer... O pobre não sabe que já está
louco, totalmente hipnotizado, só não fica louco furioso porque as loucuras que a
Matemática provoca são benignas, externamente falando, se bem que
internamente aniquilam o que o indivíduo tem de bom e de real, salvo exceções,
em que verdadeiros gênios se sobrepõem à Matemática e continuam sendo sêres
humanos, e não cérebros eletrônicos ambulantes. A Matemática é mais uma
vulgar e superficial expressão da lógica e do intelecto humano, e nada tem que ver
com a suposta natureza externa, a menos que se trate da natureza humana do
matemático, do físico, do químico e mesmo do biologista. É o caso de perguntar:
Terá sido a Natureza que disse a Galileu e aos cientistas modernos: "Vêde, eu me
exprimo de tal e tal maneira; e não vos esqueçais de me aplicar o cálculo
infinitesimal, tirando-me depois a raiz cúbica, dando o resultado pelo cálculo
integral, etc.!" Nunca a Natureza disse isso a ninguém; foram Galileus e os
cientistas subseqüentes que macularam e torceram a inocente Natureza com seu
restrito linguajar matemático-quantitativo. Poderão refutar isso dizendo que na
Natureza ocorrem fenômenos periódicos e fenômenos quantitativos, e que a
Matemática limita-se apenas a traduzir êsses fenômenos. Oxalá assim fôsse!
Temos de nos lembrar de que os fenômenos periódicos e aparentemente
quantitativos da Natureza dependem sempre e sempre do observador, e não do
observado. Quantitativa e periódica é nossa ignorância, que ora se disfarça de
sacerdote, ora de mau filósofo, ora de péssimo teólogo, ora de falso cientista, e
assim por diante. Se a Natureza hoje é um monstro, pronto a tragar seu principal
personagem, o homem, o deve à lógica humana quantitativa, porque essa Natureza
é apenas o retrato fidedigno do homo sapiens cientificus com sua lógica
científico-quantitativa.
Quando pretendeu provar que a Natureza falava em têrmos matemáticos,
Galileu só provou aquilo que constituía os preconceitos de sua mente,

118
evidenciando, mais uma vez, que a natureza que êle via e que, do seu ponto de
vista, falava em têrmos matemáticos, não era uma natureza externa comum a
todos, não era, digamos assim, a manifestação do SER, mas uma natureza
galileniana, uma natureza particular a êle próprio,

171

que gratuitamente imposta aos demais, começou, graças a êle e seus seguidores, a
falar em têrmos matemáticos. Éle não sómente começou a descrever suas
observações em linguajar matemático, eliminando ou superando portanto os maus
filósofos e mesmo os bons, mas também chegou a provar em térmos matemáticos
aquilo que se propunha provar.
Jamais lhe passou pela mente (e, aliás, essa é a desgraça de todo cientista)
que a engendração do fenômeno, a observação do fenômeno, tornar o fenômeno
consciente ou a conscien tização do mesmo, a especulação ao redor do fenômeno,
a matemática que pretendia aplicar ao fenômeno, o ato de descrever o fenômeno
em têrmos matemáticos e, finalmente, o resultado ou a prova matemática do
fenômeno, tudo não passava de engendramentos de sua própria mente; jamais
desconfiou que tudo isso era sòmente êle.. É claro que não podia desconfiar
porque nesse momento, arrastado pelo desejo e pela memória, estava sendo
enganado pelo seu próprio ego-intelectomente.
Se o observado, o observador e o ato de observar são uma e a mesma coisa,
é óbvio que o ponto de vista de Galileu acabasse suplantando os de Aristóteles,
pois não há um objeto externo, comum aos dois observadores (mesmo que os dois
os possam projetar aproximadamente idênticos), sôbre o qual um pudesse dizer a
Verdade e outro mentiras; todavia, apesar de não existir êsse objeto comum, a um
terceiro indivíduo observador poderá parecer tivessem existido dois objetos: o de
Aristóteles., avaliado errôneamente, e o de Galileu, supostamente interpretado de
forma correta, objetos êsses com aparentes pontos comuns de contato, mas, na
verdade, dois fantasmagóricos objetos, dependentes sempre da capacidade de
comparação dêste terceiro observador. E é exatamente êste último que endeusa, a
seu tempo, seja a Aristóteles, seja, a Galileu. Éstes dois pesquisadores poderão
ter-se iludido com suas convicções, mas, em realidade, limitaram-se a estudar,
criar, fazer. Em suma, construíram. O certo e errado, o melhor ou pior de ambos
dependem dêste terceiro observador, o inútil tagarela, comparador e endeusador
de personagens e obras alheias.
De qualquer maneira, não podemos afirmar que as conclusões de Galileu
estavam absolutamente certas e que as de

172

Aristóteles completamente erradas, mesmo que a suposta observação de


uma ocorrência fôsse aparentemente comum aos dois. Se o fato natural em si
tivesse podido dar a sua opinião sôbre as conclusões dêsses dois pesquisadores
ter-se-ia exprimido assim: "Vocês dois estão certos e errados ao mesmo tempo,
porque tudo aquilo que me atribuem não existe em mim, e sim em vocês; eu sou
vazio e aparento existir independentemente graças à mente de vocês."

119
Em outras palavras, Aristóteles pensava (no sentido de engendrar ilusões)
estar vendo fenômenos; pensava estar descrevendo fenômenos e pensava provar
os fenômenos com palavras; Galileu, por sua vez, pensava estar vendo o mesmo
fenômeno; pensava ter compreendido o fenômeno acertadamente, agora em
têrmos adequados, e pensava descrever o fenômeno em têrmos matemáticos; por
fim, pensava provar a realidade do fenômeno graças à Matemática.
O que ocorreu, contudo, foi o seguinte: Aristóteles via fantasmas, descrevia
fantasmas e provava fantasmas com fantasmagóricas palavras; Galileu acreditou
estar vendo o mesmo fantasma, achou que havia descoberto a real natureza do
fantasma, descreveu o fantasma com fantasmagóricos têrmos matemáticos e
provou o fantasma com a fantasmagórica matemática. Finalmente travou-se
apenas uma briga entre palavras aristotélicas e a matemática galileniana; esta
última, como é mais um sutil linguajar de "privilegiados", portanto particular,
tinha de vencer como, aparentemente aliás, venceu.
Sôbre o assunto acima, o melhor que poderia acrescentar é aquilo que
Aldous Huxley diz em seu livro: O Macaco e a Essência:
"É quase desnecessário acrescentar que o que nós chamamos conhecimento
nada mais é que outra forma de Ignorância altamente organizada, é certo que
eminente
mente científica, mas por isto mesmo-tanto mais completa, tanto mais
produtora de símios enfurecidos. Quando a Ignorância era simples ignorância, nós
éramos equivalentes a lêmures, sagüis e macacos urradores. Hoje, graças à
Ignorância Superior que é o nosso conhecimento, a estatura

173

do homem cresceu a um ponto tal que o menor dentro nós é agora um babuino, o
maior um orangotango ou até mesmo, se se alçar à categoria de um Salvador da
Sociedade, um legítimo Gorila..."

BOMBASTUS: Pelo que expuseste, pude mais ou menos chegar à conclusão


de que a adoção da Matemática como linguagem de explicação dos fenômenos
naturais foi uma imposição, ou então foi uma violação que o homem impôs, a
partir de sua vontade sôbre a Natureza. Assim como o homem aplicou abu-
sivamente a Matemática à Natureza, poderia ter impôsto qualquer outro método
de explicação. Tu, aliás, comparaste a Matemática com o jôgo de xadrez. Vamos
supor que se Galileu, ao invés de ter sido um admirador da Matemática, tivesse
sido um entusiasta do jôgo de xadrez e então, por causa disso, resolvesse concluir
que os fenômenos naturais seguiam mais ou menos a mesma ordem das regras que
dominam o jôgo de xadrez. Segundo teu parecer, então a Matemática seria
completamente estranha ao fenômeno natural em si; seria apenas uma imposição
do interpretador, ou seja, êle partiria do pressuposto de que o fenômeno natural
seguiria uma explicação, que na realidade êle próprio engendrou, e que é
desconhecida pela Natureza. Então vemos que a adoção da Matemática veio de
certa forma prejudicar a real compreensão dos supostos fenômenos naturais.

120
Se assim pensas sôbre a Matemática, vejamos agora de que maneira a
experimentação, preconizada por Bacon, poderia também prejudicar a real
compreensão de um fenômeno natural.
Teria a experimentação, realmente, prejudicado, ou teria facilitado a
compreensão do fenômeno natural, ou então de alguma espécie de verdade
natural?
TEOFRASTUS: Da mesma forma como Galileu e seus seguidores
impuseram a Natureza uma coisa estranha à sua essência, que foi a Matemática, e
que, portanto, condicionou a natureza de Galileu e seus seguidores - cuidado,
quando digo que condicionou a natureza de Galileu e seus seguidores, quero com
isso repetir, e mais uma vez salientar, que não há uma natureza comum a todos os
supostos observadores, mas antes uma natureza particular a cada homem -
semelhantemente Bacon impôs
174

o método experimental. A natureza de Galileu e a de Bacon podiam, se quisessem


seus exteriorizadores, submeter-se à Matemática e ao método experimental, mas
isso não é válido para as demais naturezas que também são naturezas hominais.
Um fenômeno natural, como vimos, depende do observador, e não de um comum
observado, supostamente idêntico para todos os supostos observadores, e o
fenômeno continuará sendo natural, enquanto natural fôr a mente do homem. Se
assim é, que ganhou ou perdeu um fenômeno natural em face do método expe-
rimental de Bacon e Galileu? Bem, o fenômeno natural perdeu sua liberdade. Um
fenômeno deixou de ser o que é, para passar a ser sempre o mesmo e triste
fenômeno, restrito ao dogma científico, de um único aspecto. Se antigamente os
fanáticos religiosos exclamavam: "Impossível, não está nas escrituras!. . .", hoje
certos tacanhos experimentadores exclamam: "Impossível, não foi provado pelo
método experimental!. .." Ou então: "De outra forma não pode ser, pois tal
fenômeno ocorre sempre da mesma maneira porque foi provado pelo método
experimental. . . "
Com o método experimental quem se escravizou não foi a Natureza; quem
se escravizou foi o observador, que, como um cavalo prêso aos arreios, pôs as
viseiras, tradutoras de sua própria ignorância e limitação. O método experimental
veio provar "à fôrça" que um determinado ponto de vista tem de ser igual para
todos. E um objeto que nem era, ou que parecia existir, mas que variava de acôrdo
com os pontos de vista do observador, sendo, portanto, um objeto extremamente
relativo, passou a existir em têrmos absolutos, endeusado, idolatrado e temido
sempre às custas da diminuição mental de seu observador. A Ciência moderna
tanto endeusou o dependente objeto, e tanto rebaixou e vulgarizou o observador,
que hoje o homem paga o preço dêsse endeusamento com dois terríveis fantasmas
objetivos, inexistentes na Natureza Ideal e Real, mas existentes nas naturezas de
todo observador que raciocina em têrmos científicos, e que são a célula e o átomo.
A célula, à vista do médico condicionado, supostamente provocaria os tumores
malignos e as degenerações teciduais malignas, que matam mais do que todos os
males que já afetaram o homem; quanto ao átomo, mantém o mundo suspenso
num terrível pesadelo apo
175

121
calíptico, tudo por causa da mesquinheza, do egoísmo e da pusilanimidade de
certos governantes e cientistas vendidos...
Um objeto relativo e dependente que, de certa forma, podia ser fàcilmente
manobrado, ou podia ser pôsto em dúvida, com certa facilidade, exatamente por
causa dessa variabilidade de opiniões humanas, êsse objeto, graças ao método
experimental, passou ao rol de coisa real, absoluta e irrefutàvelmente existente.
Ademais, obrigou todos os observadores a raciocinarem da mesma maneira.
Os verdadeiros Mestres nunca se preocuparam com a Ciência, nem com as
nossas infantis e sérias brincadeiras, porque êles sabem que é o ato que faz o
homem e o que está na sua dependência, e não o contrário. É o ato repetido e não
vigiado (memória) que provoca a dependência, o vício e os condicionamentos do
homem, tão difíceis de suplantar; da mesma forma, portanto, seria o ato repetido
da busca e da experimentação que dá a realidade aparente e um único sentido a
determinado fenômeno ou objeto, dependentes do observador.
Assim sendo, quem, mais uma vez, perdeu com isso foi o homem,
porquanto, criàndo a Ciência e a ela submetendo-se, subestimou seu próprio valor
e sua própria capacidade. Nenhuma outra disciplina humana de conhecimento e
pesquisa como a Ciência superestimou tanto o suposto objeto e fenômeno objetivo
às custas da diminuição do subjetivo ou do sujeito. Este último desceu tanto,
psicologicamente, que já se convenceu de que sua existência e sua consciência
dependem dos caprichos casuais dos elétrons, átomos, moléculas e células, meras
criações do incauto sujeito.
Em resumo, o que ocorreu com o método experimental é que uma natureza
que era particular a um Bacon ou a um Galileu transformou-se, supostamente,
numa natureza comum a todos, mormente para os que acabassem pensando como
êsses dois cientistas. Eles, portanto, cometeram o mesmo êrro de Aristóteles;
entretanto, êste último é mais fácil de ser desculpado do que determinados
cientistas. Aristóteles, como qualquer um, podia dar opiniões certas ou erradas
sôbre determinado assunto, e ficar por isso mesmo; quem quisesse crer, que cresse
ou não. Mas, dar uma opinião errada, convencer-se de que está certa, e apresenta-
la como única, irrefutável e verdadeira, e

176

ainda por cima armar certas artimanhas que pretendem "provar" e que
transformam o relativo em algo absolutamente certo, isto só mesmo o homo
sapiens cientificus poderia fazer. B0MBASTUS: Dessa forma, vimos que o
método experimental, ou seja, a experimentação, como meio de atingir a verdade
natural, é outra violação da Natureza por parte dos pesquisadores. Porque, a partir
daí, como disseste, aquilo que era subjetivo, uma maneira particular de
observação de determinado indivíduo, foi, através de certas evidências e
aparências, imposto a todos os demais que se submetessem à experiência
particular dêsse indivíduo. Quer dizer que a natureza real do fenômeno, que
variava de observador a observador, deixou de ser levada em conta, para
prevalecer, apenas, uma determinada interpretação. E ela, repetida sempre nas
mesmas circunstâncias, foi imposta como uma verdade absoluta. Agora,

122
esclarecidos êsses dois princípios básicos do método científico moderno,
gostaríamos que focalizasses ràpidamente o terceiro, que é aquêle que se refere à
análise do fenômeno natural e foi principalmente postulado por Descartes, o qual
estabeleceu algumas noções fundamentais, como por exemplo a total
independência entre o fenômeno natural e o observador, ou seja, entre a mente e o
fenômeno natural. E estabeleceu também certas formulações matemáticas, com
sua famosa Geometria Analítica, que permite acompanhar e interpretar
graficamente um fenômeno. Então, gostaríamos de avaliar a tua opinião no
tocante ao método científico-analítico de Descartes.
TEOFRASTUS: Antes de falar sôbre as vantagens e desvantagens do
método analítico cartesiano, vou discorrer um pouco sôbre a influência do
pensamento cartesiano na Ciência moderna. Como de costume, o ruim da coisa
não está naquilo que Descartes disse, o que aliás tinha o direito de dizer, mas nas
conseqüências e na fanatizada acolhida àquilo que êle disse.
O pensamento cartesiano é quase todo conseqüente do ensino restrito e
religioso, do qual Descartes, apesar de todos os seus esforços, nunca conseguiu se
libertar. Por causa dêsse ensino e conclusões posteriores, também êle se encheu de
crenças tolas e preconceitos infundados. Mais tarde, deu-se conta da limitação de
seu conhecimento e raciocínio, e daí por diante começou a duvidar de tudo. Tanto
é verdade que seu pensa
177

mento é denominado "a filosofia da dúvida". Mesmo assim, êle só não duvidou
do principal: de seu ego-intelecto-mente e da contraparte dêsse mesmo ego:
o tão decantado objeto ou mundo, o qual, graças a êle, assumiu um valor e uma
proporção realística nunca alcançada antes, embora, em verdade, continue sendo
insubstancial e aparente.
Descartes insistia que nada podia ser aceito como verdadeiro a não ser que
satisfizesse as demandas ou condições da razão. Essa exigência tinha cabimento
no seu tempo, em que, devido ao esmagador domínio clerical, qualquer tolice ou
superstição era encarada como real e válida. Descartes só não percebeu que a
razão é boa até certo ponto; depois disso, ela também é outra superstição tôla,
porquanto, se formos analisar a fundo o que vem a ser razão, perceberemos que
ela é também, apenas, outro conjunto de condicionamentos, talvez menos
prejudiciais que os decorrentes da ignorância e superstição puras, mas, mesmo
assim, sempre condicionamentos.
A vigilância dêsse filósofo pesquisador resumia-se na dúvida sistemática
de tudo (salvo Deus e os dogmas religiosos dos quais estava grandemente
imbuído) e na suspensão da crença.
O próprio Descartes disse: "A principal causa de nossos erros encontrar-se-á
nos preconceitos de nossa infância ( ... ), de cujos princípios me deixei persuadir
na mocidade, sem ter averiguado se nêles havia verdade. . . " Indubitàvelmente,
essa maneira de pensar é muito boa, só que êle, infelizmente, confundiu a
VERDADE com opiniões e intelectualismo vulgar.
"Cogito, ergo sum" ou "penso, logo existo" é considerada a locução mais
célebre da filosofia ocidental. Descartes elaborou o método analítico aplicável,
inicialmente, apenas à Matemática, mas como duvidava de tudo, aplicou êsse

123
método também a si mesmo. Começou a duvidar de uma porção de coisas, depois
duvidou dos sentidos, da mente, da memória, etc. até acabar duvidando de si
mesmo, quando então encontrou a solução do "cogito, ergo sum". Depois disso,
ainda que duvidasse da verdade relacionada às coisas, inclusive da existência de
seu corpo, não podia duvidar da existência de si mesmo, de sua mente ou espírito.
Pensamentos de qualquer espécie, até os pensamentos de dúvida, exigem um
pensador. Pelo fato de duvidar de qualquer coisa, Descartes concluiu pela
existência

178

daquele que duvida, ou seja, pela necessidade de sua própria existência. Ele não
tencionava apresentar seu enunciado como um silogismo, e sim como uma
experiência imediata e incontestável. Como a mais clara e a mais distinta idéia
que se pode ter. Outras idéias devem ser consideradas "verdadeiras" à medida que
se aproximem dessa intuição primordial. Portanto, uma espécie de auto-análise
levou-o a concluir que, se pensava, era porque existia. Entretanto, não percebeu
que ser ou existir não depende de pensar ou elucubrar, como era exatamente o seu
caso. Descartes acreditou que o seu "cogito era a proposição definitiva e
indubitável da existência. Como bom intelectual que era, infelizmente não teve a
real vivenciação da VERDADE, que diz exatamente o contrário: "EU sou", por
isso posso ou não pensar ou me manifestar, e daqui por diante, pode ou não
acontecer que me limite. Se me limito, surge em mim um aspecto mentiroso e
falastrão chamado ego, o qual se levanta diante do "EU sou" como um prisma
deformante; depois disso, além da manifestação do SER ou Eu (o que é) começam
a surgir os engendramentos (o que deveria ser), dos quais não tenho consciência,
porque o ego limita-se apenas ao reconhecimento, recalcado na memória e nos
condicionamentos prévios, que é êle próprio. Finalmente, quando já me encontro
escravo do ego, digo estar captando sensorialmente, de fora para dentro, êsses
meus engendramentos e interpolações vazias, e afirmo serem objetos reais e
materiais, isolados de mim. E como se isso não bastasse, ainda fico elucubrando
sôbre os mesmos e digo que isso é pensamento, e como propôs Descartes, analiso-
os, decomponho-os, em busca da verdade última e elementar, depois sintetizo-os
novamente, julgando assim estar conhecendo exatamente as verdades contidas em
meu suposto objeto de análise.
A VERDADE não está no "Je pense, donc je suis'', ou na análise dos
objetos e corpos, de fora para dentro. "O penso, logo sou" é apenas uma etapa
elementar na busca da verdade.
A VERDADE está exatamente na vivenciação primordial e instantânea
do ser, livre de memória e condicionamentos, descontínua, incondicionada e
renovada de instante a instante. A VERDADE é "Eu sou", logo posso pensar ou
me manifestar, e por isso pode também parecer que me perca, quando abandono
minha condição primeira de "EU sou" e me limito às consta

179

124
tações sensoriais e às elucubrações vulgares do intelecto, com seu interminável
discursar.
"EU sou" é silêncio. No silêncio estão contidas tôdas as possibilidades
devidas a DEUS; o ego-intelecto-mente prende-se à afirmação, à negação, às
duas alternada ou simultâneamente, e prende-se até à não afirmação e não
negação. Essas são as quatros condições básicas das elucubrações do ego-
intelectomente, com as quais êle sempre se reforça, porque o imaginário, o vazio e
inexistente sempre se reforçam com essas quatro armas. O ego-intelecto-mente é
imaginação vazia; portanto, se afirmo a imaginação, ela parece passar a existir,
apesar de não ser. Se nego a imaginação, ela também parece passar a existir,
apesar de não ser, porquanto só se pode negar o que é, e a imaginação não é. Se
nego e aceito a imaginação alternada ou simultâneamente, apesar de não ser,
também parecerá continuar existindo, por causa do caso anterior. E finalmente, se
apelo para a quarta condição, repete-se o mesmo lôgro dos casos um, dois e três.
Conseqüentemente, as negações ou as dúvidas de Descartes não têm o valor que
parecem ter.
Só O SILÊNCIO ou o Sunyata (vazio) de Buda (não confundir com o
"nada", porque o "nada" ainda é imaginação ou elaboração do ego) é que podem
corresponder ao SER ou à VERDADE. E DEUS Ou a VERDADE é silêncio.
Experimenta aceitar o silêncio; agora, nega-o; então, aceita-o e depois nega-o;
finalmente experimenta não aceitá-lo e não negá-lo. Perceberás que O
SILÊNCIO permaneceu inabordável. O silêncio sempre será silêncio, No
silêncio está a plenitude.
Apesar de Descartes dar importância ao pensamento como a única
realidade diretamente conhecida, êle não era um idealista, ou seja, não
considerava o múltiplo mundo externo como idéias emanadas da mente do
observador. Bem ao contrário, dizia que o mundo era real e completamente
regido por leis mecânicas. Foi a partir de Descartes que a Ciência moderna
começou a crescer. Limitando-se, inicialmente, à mecânica pura, êle tudo fêz
para tentar compreender as operações orgânicas de um corpo, bem como as
inorgânicas de qualquer objeto, em têrmos de mecânica. O que não era do
domínio da alma, só podia ser explicado em têrmos mecânicos. Como estava
imbuído de religiosidade, deu à alma uma série de possibi

180

dades que não podiam ser efetuadas pelo corpo; e deu a êste outra série de
atributos que não podiam pertencer à alma, como é o caso de tôdas as funções do
corpo. Por exemplo, restringiu as sensações, a imaginação, a memória e a volição
a simples reações mecânicas, com as quais a Psicologia moderna criou seus
alicerces. Não só a Psicologia, mas também a Biologia e a Fisiologia serviram-se
das elaborações mecânicas de Descartes, restritas aos organismos vivos.
Como já acontecera com seus predecessores, Descartes, também, partiu do
pressuposto gratuito, que é o conceito bíblicoaristotélico, o qual fala e ensina
sôbre uma. natureza criada e composta, e apresenta o homem também como
criado, vivendo na Natureza, mas dela desligado. Para Descartes, o homem era
uma criatura pensante, dotada de espírito, um pequeno ser criado, com capacidade

125
de avaliar o "como" e os "porquês" da grande criação ou Natureza, salvo as razões
intrínsecas do grande Deus-Externo, no qual êle acreditava fervorosamente.
Esse filósofo, com o seu "cogito, ergo sum", acreditou ter afirmado a
existência do espírito ou do subjetivo, de maneira absoluta e irrefutável, porém
subsistia ainda o problema do objetivo do mundo. Em face dos preconceitos
dualísticos religiosos anteriores, jamais êle quis aceitar os conceitos e sugestões
dos idealistas dualistas, que dizem que o mundo e a Natureza são idéias
dependentes da mente e dela emanadas. E, se não me engano, até contra isso
lutou. Se aceitasse os conceitos dos idealistas, estaria contrariando os ensinos
religiosos que recebera e que dizem "dogmàticamente" que o mundo e o Universo
foram criados por um Deus isolado, em épocas remotas. Negaria, portanto, a
Criação do Deus bíblico, e isto seria negar o dogma católico da criação e do
pecado original. Se duvidasse da criação, êle mesmo estaria incorrendo num
terrível pecado, e como bom católico que era, isso não convinha. Portanto, para
remediar tal situação, imaginou que o Deus bíblico realmente criara tudo, no
início dos tempos, e que, depois disso, apenas dera o impulso inicial às coisas do
mundo e do Universo. Desde, então, estariam elas se regendo e locomovendo só
por impulsos mecânicos, dependentes dêsse "impulso primitivo" que fôra dado
por Deus.

181

Assim, tudo o que não se enquadrasse nas funções do espírito, era uma
função mecânica do corpo orgânico ou inorgânico. Tudo se explicava pela
mecânica, salvo Deus, o espírito ou eu, o pensamento, o espaço, o tempo e o
movimento. Destarte, êsse filósofo matemático acreditou ter provado o espírito
com o seu "cogito" e a realidade do mundo com as percepções do espírito e com o
mecanicismo das coisas.
Os cientistas de seu tempo e os posteriores pouca importância deram ao seu
"cogito" (inclusive os católicos) e limitaram-se a aceitar o mecanicismo das
coisas, pouco ligando também para o impulso primitivo, que, segundo êles, é obra
do deus-acaso e está quase para ser "descoberto". (Ah, se não fôsse o quase!)
Quando o homem ocidental se condicionou a êsse prejudicial aspecto
bíblico-aristotélico-dualístico de ver as coisas, fatal seria que, mais tarde,
surgissem os Galileus, Bacons, Descartes, etc., com suas assertivas sôbre como
abordar esta suposta Natureza. O êrro começou com os filósofos dualistas da
antiga Grécia, e mesmo da Roma antiga; arraigou-se mais firmemente com
Aristóteles e culminou com a divulgação do Antigo Testamento e seu Gênesis, no
Ocidente. E a partir daí, ninguém mais pôs em dúvida que pudesse não existir uma
total ou parcial independência entre o observador e o observado.
O método de Descartes na Filosofia e na Ciência consistia em analisar as
concepções ou os objetos completos nas suas partes constitutivas, até que os
elementos irredutíveis passassemà condição de idéias simples, claras e distintas, e
ainda em mostrar que tôdas essas idéias básicas podiam derivar-se do espírito de
um ser que pensa ou que dêle possam depender.
A decomposição do supostamente composto em partes mais simples, ou a
análise cartesiana, abriu uma era de loucuras desenfreadas e de ambições sem fim.

126
Os pequenos livros da VERDADE qualitativa cederam lugar aos surpreendentes
calhamaços da ilusão e das forjações humanas científico-quantitativas, calha-
maços êsses que tendem a aumentar cada vez mais. Os triunfos do cientista
baseiam-se na crença absoluta e infantil da perfeita independência entre o
observador e o observado. Não só quando se trata de dois supostos corpos, um
consciente-sujeito e o outro inconsciente-objeto, mas também entre os sentidos

182

do observador e o objeto analisado. Descartes e outros se deram o trabalho de


denunciar os sentidos como torcedores da constatação daquilo que seria a correta
realidade física, e esqueceramse do ego-mente, que está atrás de tudo e que é, de
certa forma, a causa da pretensa realidade do objeto, do sujeito-observador, do
consciente, da memória, da capacidade especulativa, dos sentidos, das
impressões que o objeto aparenta nos causar e mesmo das impressões certas e
erradas, que nós ignorantemente atribuímos a uma capacidade destorcente dos
sentidos.
Se para Galileu havia uma natureza independente, era lógico para êle que, a
fim de arrancar "verdades" desta natureza, se fizesse isto ou aquilo, seja pelo
método experimental, supos tamente reproduzindo determinado fenômeno que, no
fundo, era um aspecto do próprio Galileu projetado adiante, ou descrevendo essa
tal natureza em térmos matemáticos, descrição que, em verdade, correspondia,
mais uma vez, à natureza mental de seu elaborador. O mesmo se diga de Bacon,
que nunca. pôs em dúvida a validez da suposta independência entre o observador
e o observado. E muito mais se diga de Descartes, em que a dicotomização objeto-
sujeito assumiu um valor absurdo. Com a imposição dos conceitos dêsse filósofo
cientista, a situação do incauto estudioso piorou muito mais, pois segundo as
teorias daquele, a Natureza podia ser analisada, esmiuçada, decomposta até um
ponto irredutível, e dêsse suposto ponto irredutível voltar para trás numa espécie
de síntese, acreditando êle ter alcançado assim uma idéia real do que seria essa
natureza composta. Todavia, o que aconteceu é que os homens, partindo da
suposta natureza composta para alcançar a simples, apenas depararam com outros
inúteis e redutíveis compostos, que sempre estão prontos a ceder lugar a mais
outros, e assim por diante. Foi o que ocorreu com a simplória e ingênua
concepção de matéria dos antigos, que cedeu lugar à absurda matéria atomística
moderna, em que Dalton, ingênuamente, acreditou ter encontrado o último
elemento irredutível dessa matéria, ou seja, o átomo; átomo êsse que, atualmente,
é um grande composto de mais de 200 subpartículas intranucleares e intratômicas.
Isto é o que dizem os iludidos pesquisadores, que ainda não cansaram de
encontrar novas subpartículas. Se em outros tempos, a inocente matéria dos
antigos era uma simples

183

aparência, cujas pretensões realísticas eram fàcilmente denunciáveis, hoje, graças


à Ciência, a matéria tornou-se uma realidade fantasmagórica tão complexa e tão

127
redutível que ninguém mais põe limites ou dúvidas sôbre sua natureza, em
verdade aparente e dependente do observador.
Enfim, Descartes, com seu método de análise e de síntese, inaugurou uma
era de verdadeira loucura desenfreada, em que incautos e ambiciosos
pesquisadores vão em busca de verdades últimas e irredutíveis que, no fundo, são
apenas engendramentos humanos e mentais do próprio pesquisador, e que poderão
não existir, salvo na mente de quem as forjou e na mente de quem lhe seguiu as
pegadas.
Vê só aonde o método cartesiano nos conduziu. Digamos que eu veja um
pedaço de madeira; se em minha mente não existissem preconceitos mentais do
tipo científico-cartesiano, poderia concluir, intuitivamente, que essa madeira, de
alguma forma, faz parte de uma projeção mental minha. Talvez, se eu não tivesse
tantos impedimentos mentais, poderia até manobrar êsse pedaço de madeira a
partir de minha vontade, sem tocá-lo com as mãos. Em verdade, não estaria
fazendo nada de extraordinário, porque, pela vontade REAL (não consciente e
superficial), antes, alteraria minha consciência sensorial (mas inconscientemente),
alteração essa que acabaria se refletindo no meu objeto observado, que também é
outro aspecto de mim mesmo. Mas, pelo método cartesiano, acreditando de
antemão na autenticidade objetiva da madeira como algo completamente indepen-
dente de mim, graças ao grande forjador de complicações (o ego), percebo ser ela
um composto; decomponho-a e constato subestruturas; por sua vez elas também
são um composto; decomponho-as de nôvo e acabo nas fibras da madeira; essas
fibras, contudo, são outro composto; decomponho as fibras e acabo nas células,
mais outro composto; analiso as células e vejo que também, por sua vez, são mais
outro composto. Decomponho a célula e pego, agora, digamos o núcleo, deixando
de lado as organelas, membranas, mitocôndrias, vesículas e outros elementos
intracelulares. No núcleo encontro uma porção de outras coisas, entre as quais os
cromossomos; pego êstes, que por sua vez são compostos de gens, etc. Os gens,
por seu turno, são macromoléculas e micromoléculas; as macromoléculas

184

são compostas de proteínas, enzimas, glicídios, lipídios, ácidos


desoxiribonucléicos (DNAS) e ácidos ribonucléicos (lixas), que por sua vez são
compostos de moléculas menores; estas são constituídas de átomos de carbono,
oxigênio, nitrogênio, hidrogênio, enxôfre, etc. etc. Por sua vez, qualquer átomo é
um composto de elétrons e de núcleons. Os elétrons, segundo a teoria quântico-
ondulatória, são corpúsculos e ondas, ao mesmo tempo, portanto, um legítimo
paradoxo. No núcleo, atualmente, há mais de 200 subpartículas nucleônicas,
sendo as mais importantes os prótons, nêutrons e mésons. Depois teríamos ainda a
energia; depois a antimatéria, etc. etc. etc., e assim até nunca acabar. Pergunto-te,
onde foi parar o pedaço de madeira? Seria um cientista capaz de, pela vontade
real, ou de algum modo subjetivo, manobrar o pedaço de madeira, mentalmente?
Tendo degradado tanto a sua mente, a ponto de crer que o objetomadeira é um
incrível e real complexo de compostos, é claro que não!
Então, aquilo que podia ter sido uno, simples, relativo, dependente,
aparente, vazio, manobrável, etc., hoje tornou-se um objeto real absoluto,
hipercomplexo, massacrante, absurdo. Em suma, um fantasma bilhões de vêzes

128
reforçado com fantasmas menores, mas nem por isso êsses fantasmas tornaram-se
uma realidade irrefutável. Tôdas as infra-estruturas da referida madeira não
passam de engendramentos mentais do pesquisador. São os campos de
consciência sensorial, que se exteriorizam a partir dos próprios pesquisadores ou
observadores. E como poder-se-ia chegar a um ponto irredutível, sendo o
observado, o ato de observar e o observador a mesma coisa? Nunca, evi-
dentemente, porque o suposto observado é apenas um "quê" imaginado, ardilosa e
sutilmente "provado", graças à Matemática e a outras armas. Enquanto houver um
ego engendrando fantasias, cheio de ambição e desejos de fama, é claro que nunca
se chegará a um fim, porquanto o objeto é a contraparte do grande mentiroso e
elaborador de imaginações (o ego). Para se chegar a um fim, seria necessário que
o ego do observador se aniquilasse, e os cientistas, grande parte pelo menos, são
extremamente apegados a seus egos para que tal aconteça. Enquanto houver egos,
haverá i coitas mentiras, disfarçadas com o sêlo da "prova e da verdade". Quanto
mais aumenta a multi

185

plicidade objetiva, tanto mais o ego se reforça e afirma, e tanto mais sofrerá a
consciência do indivíduo. É por isso que digo que o método analítico cartesiano,
aplicado à Natureza, foi a pior coisa que o homem poderia ter concebido. Terá
sido culpa de seu criador? Não, Descartes tinha direito de opinar, de idealizar; a
culpa é sempre dos eternos seguidores e insuportáveis papagaios, que não têm
opinião própria. Tivesse Descartes desconfiado até que ponto seus seguidores
iriam exagerar e abusar de suas idéias, certamente teria silenciado.
BOMBASTUS: Então, segundo o teu parecer, o método analítico cartesiano
é outra falha da lógica humana, na busca da verdade natural. Conforme o que
disseste, serviu apenas para alimentar a desmedida ambição de f ma de certos
pesquisadores, pois o que êles acreditaram ter "descoberto", em verdade, seria
apenas um engendramento de seus próprios ego-intelectos-mentes. Se isso é certo,
então, concluir-se-ia que quase todos os Mescobrimentos" científicos, devidos ao
método analítico-experimentalmatemático, seriam apenas engendramentos
humanos, possivelmente ausentes na real natureza do EU.
A propósito de ciência e religião, Whitehead afirmou que a Ciência moderna
é apenas a continuação do racionalismo que começou a dominar a cultura
medieval a partir do século XIII.
Ele nota então, a partir de Tomás de Aquino e seus seguidores, um esfôrço e
uma tendência contínua à racionalização e com a ampliação que o Renascimento
trouxe, a teologia se tornou insuficiente para explicar todos os fenômenos que
ocorriam. Então, a tendência do homem foi a de se dirigir para o campo científico,
mas carregando consigo aquela herança racionalista que já vinha dominando nos
últimos três séculos da Idade Média. Nós perguntaríamos se concordas com essa
afirmativa do matemático e filósofo inglês, e até que ponto a Ciência teria uma
correlação com a teologia cristã, em última análise, com o pensamento bíblico, tal
como foi divulgado no Ocidente, porque se assim é, então, a Ciência não surgiu
para fazer frente à religião. TEOFRASTUS: De certa forma, podemos dizer que

129
houve uma continuidade entre o racionalismo teológico de S. Tomás de Aquino e
o racionalismo científico do século XVII. A ciência de Galileu, Bacon, Descartes,
Newton, etc., em têrmos amplos, não surgiu realmente para fazer frente à religião
dominante,

186

tanto é verdade que Galileu era bastante religioso. Galileu apenas combateu o
método aristotélico e as afirmativas aristotélicas, que justificavam as más
interpretações bíblicas, mas não combatia a razão preconizada por Aristóteles e
muito menos essa mesma razão aplicada à teologia por S. Tomás de Aquino. Se
se envolveu com a Igreja, é porque os religiosos dessa mesma Igreja se
envolveram com Aristóteles. A religiosidade de Bacon, Descartes, Newton era
assaz conhecida. Aliás, todos êsses sábios acharam que eram os únicos que
estavam interpretando o "verdadeiro linguajar" de Deus na Natureza. Após a
Revolução francesa houve, pràticamente, uma total dissociação entre a Ciência
racional e a teologia; ou seja, o homo sapiens científicos achou que o Deus da
teologia já era desnecessário e insuficiente para dirigir e "manipular" a
complexidade de determinados fenômenos naturais, complexidade essa, aliás,
que apenas traduzia a inútil e complexa natureza de seus engendradores ou
pesquisadores. Mais ou menos até Newton, a Ciência estava ligada à idéia de
que a Natureza tinha sido obra de um criador e que havia um Deus dirigindo a
Natureza. Mas após os séculos XVIII, XIX e XX, as "descobertas" (isto é, os
engendramentos) foram tantas e tão portentosas, que a energia elétrica,
magnética, atômica, etc. e as pretensas obras humanas chegaram a se impor de
tal modo que, muitas vêzes, os bem pouco modestos "descobridores"
acreditaram estar suplantando a suposta obra natural do criador dessa Natureza.
A partir do momento em que o homem acreditou ter começado a dominar e a
manobrar essa Natureza, não mais se limitando a explicá-la simplesmente, dêsse
momento em diante, houve a total cisão entre a ciência e a teologia
pretensamente cristã. Os dogmas da Ciência moderna, ou seja, a matéria-energia
e ó espaço-tempo são heranças de origem bíblica, como já expliquei antes. Os
cientistas modernos mantiveram a criação, só que explicando-a de outra maneira
e substituindo o Deus bíblico pelo deus-acaso. Segundo êles, êste último
portentoso e ridículo deus da ciência, manobrando misteriosamente com
fantasmagóricos fatôres físico-químico-matemáticos equacionáveis, culminou
sua obra, após uma absurda, degradante e tenebrosa evolução, com o
aparecimento do homo sapiens, conhecido hoje por homo sapiens científicus.

187

130
Quer dizer então que, no início, a Ciência não veio combater a religião, veio
complementá-la; mas, as ardilosas armas de Galileu-Bacon-Descartes permitiram
que os cientistas posteriores pusessem em movimento a roda do vir-a-existir, que
retira seus engendramentos do poço infinito de nossa estultícia e egolatria
imaginativa. Ou então, dito mais simplesmente e ao agrado de ouvidos menos
suscetíveis a escândalos, a Ciência veio complementar a religião, mas êste
complemento ou essas "descobertas" se acumularam a tal ponto que a Ciência
acabou suplantando a religião; e no momento em que superou a religião se impôs
como única dona da verdade, divorciando-se da mesma e tomando-se
independente. Se, como diz Whitehead, dá uma ligação ou continuidade entre a
teologia e a Ciência, através da lógica, então, devemo-la a S. Tomás de Aquino.
Se assim foi, melhor teria sido que êle tivesse calado. Sei que S. Tomás de Aquino
é tido como um dos mais notáveis teólogos da Igreja, mas se êle tivesse avaliado
bem dois versículos-chave contidos na Bíblia e tivesse compreendido e
vivenciado em si próprio êsses versículos que são: "EU SOU o QUE SOU" ou
"SILÊNCIO, E SABEI QUE EU SOU DEUS!", pois bem, se êle tivesse
compreendido a fundo êsses versículos, não teria feito o inconseqüente cruza-
mento entre as opiniões gratuitas de Aristóteles e as verdades mal-interpretadas de
uma Bíblia. Não digo que a Bíblia não tenha seu valor; tem-no, sim,
indubitàvelmente; mas só quando interpretada adequadamente. Contudo, parece-
me que S. Tomás de Aquino era mais um bom intelectual do que um bom teólogo,
embora saibamos que, quando pôde ter a contemplação parcial da Verdade,
parasse imediatamente de escrever.
O teólogo é o único a desconhecer Deus completamente, por causa de sua
pretensão de falar sôbre Ele. Quão longe está das palavras de Cristo: "Qualquer
que não receber o Reino de Deus como menino, de maneira nenhuma entrará
nêle"1 Quem realmente conhece Deus, cala e não se põe a escrever volumosa
biblioteca de compêndios inúteis, tentando racionalizar o que não deve ser
racionalizado.
BOMBASTUS: O primeiro grande feito da Ciência moderna foi, sem
dúvida, no campo da Astronomia, com o estabelecimento do sistema heliocêntrico
com todos os seus mecanismos, suas leis, suas relações matemáticas, e que explica
a composição

188

harmônica de nosso sistema solar. A Terra, como todos sabem, até o século
XVI, era tida como ocupando o centro do sistema solar, em tômo da qual
giravam o Sol, a Lua e os planêtas, além das estrêlas fixas, que tinham seu
lugar determinado dentro de todo êsse sistema, do qual a Terra era o ponto de
referência principal. Esta teoria, chamada geocêntrica, foi sistematizada por
Ptolomeu, mas, na realidade, remonta a tempos anteriores e foi defendida pelo
próprio Aristóteles. Gostaríamos de saber, dentro da tua concepção da
interdependência entre a mente observadora e o fenômeno observado, como si-
tuarias êsse problema, ou seja, o problema da Terra ou do Sol ocupando o
centro do sistema. E gostaríamos que falasses sôbre a razão de essa idéia
heliocêntrica, que já havia sido proposta no século II A.C. por Aristarco de
Samos, famoso astrônomo grego, não ter vingado naquela ocasião e ter sido até

131
mesmo ridicularizada; porém, mais tarde, no século XVII principalmente,
depois que Galileu fêz demonstrações práticas, Kepler apresentou suas leis e
Newton partiu do sistema heliocêntrico para estabelecer os primeiros conceitos
da Ciência Moderna, êsse sistema se impôs de maneira tão categórica, que
chegou a se tomar o ponto de partida de tôda a Ciência Moderna.
TEOFRASTUS: Bem, diante do ponto de vista monista de encarar as coisas,
fica difícil e impossível dizer quem estava certo: se Ptolomeu-Aristóteles, ou se
Aristarco-Kepler-Copérnico-Galileu, porque cairíamos novamente naquela velha
história da dicotomização do dualismo. Para podermos opinar sôbre o certo ou
errado de uns e outros, era preciso que existissem, realmente, um Sol, planêtas,
estrêlas, se fôsse o caso, ou então corpos celestes simplesmente, ou ainda luzeiros,
como diz a Bíblia, completamente independentes e externos ao observador. Muito
mais acertado teria sido se Ptolomeu-Aristóteles, em vez de afirmarem categórica
e gratuitamente que a Terra era central e o Sol com os planêtas giravam ao redor
da mesma,. tivessem se conhecido a si próprios, conhecendo, em conseqüência,
sem sombra de dúvidas, o fenômeno da conscientização da suposta observação
que lhes permitiu concluir que a Terra fôsse central e o Sol e os planêtas girassem
em tômo dela. Como nenhum dos dois se preocupou com o fenômeno da
conscientização, muito mais importante do que a suposta observação, perderam
189

a oportunidade de conhecer a VERDADE de perto sôbre aquilo que acreditavam


estar observando, mas que, em realidade, estavam projetando. Melhor teria sido se
êsses dois pensadores tivessem perguntado a si mesmos quem era êsse "eu penso",
ou "eu acho", que acreditava estar constatando e acreditava estar concluindo
acertadamente pela teoria geocêntrica. Mas como nenhum dos dois se deu êsse
trabalho, acharam muito mais cômodo opinar, acreditando na validez de sua razão
e de seu intelecto, dizendo que a Terra era central e o Sol e os planêtas giravam-
lhe ao redor. Aos seus sentidos isso era uma coisa evidente. Ambos chegaram a
essa conclusão devido ao pressuposto da absoluta independência entre o
observador e o observado; mas, como essa independência é uma falácia, uma
mentira do ego-intelecto-mente, o grande mentiroso em nós, muitos séculos mais
tarde, outros iludidos, tão errados quanto aquêles, concluíram pelo contrário, ou
seja, pela teoria heliocêntrica. E como não existe essa independência, isto é, como
o Sol-objeto completamente isolado do observador é uma ilusão, um fantasma,
aconteceu que a ilusão, ou aquilo que não é, aparentou se afirmar, afirmando; e
continuou aparentando se afirmar, mesmo negando; daí o sucesso de ambas as
teorias a seu tempo. Nenhum dos dois pontos de vista, contudo, terá tornado real
um fantasma, ainda que aparentemente, observado de outra forma. O REAL É O
QUE É e não precisa de afirmações, nem de negações. Só naquilo que é
IRREAL OU ilusório aparentam caber afirmações e negações; mas nem por
iSSO O IRREAL deixará de ser IRREAL. Bem, como o Sol, os planêtas e a
Terra dependem sempre e irremediàvelmente do observador, então o que
Aristóteles-Ptolomeu ou Aristarco-Copérnico-Kepler-Galileu disseram sôbre o
que acreditaram estar vendo eram verdades particulares dêsses pesquisadores e
nada mais. Contudo, os demais seguidores, influenciados pelas palavras e pelas
"provas" dêsses ditos cujos, acabaram acreditando e aceitando também essa teoria.
Tudo é questão de se formarem círculos de simpatizantes. Ptolomeu e Aristóteles

132
eram homens famosos, acatados, ouvidos pelos que não sabem pensar por si
mesmos; era a voz do "mestre" se impondo; era a voz da "escola" comandando, e
como sói acontecer, diante da voz do "mestre" e da "escola" a teoria de Aristarco
não podia
190
prevalecer. Não que sua teoria fôsse mais certa que a de Ptolomeu-Aristóteles, e a
dêstes autores errada; não, era apenas mais uma teoria diante de um objeto que
não existe independentemente do observador. Se naquele tempo o próprio Zeus
tivesse baixado do Olimpo e alertado os gregos de que a teoria de Aristarco estava
certa e a de Ptolomeu-Aristóteles errada, mesmo assim êles não teriam acreditado,
porque era ponto de vista comum que a Terra fôsse central e porque a fama de
Aristóteles, Ptolomeu e outros era muito grande. Não podiam estar errados, como
aliás não estavam; mas, diga-se de passagem que também não estavam certos.
Neste mundo é sempre assim: há indivíduos que dizem algo em têrmos relativos, e
há outros tolos e incapazes que fatalmente dizem amém, transformando êsse algo
em DOGMA. É por isso que Aristarco não foi acatado.
Agora, quanto a Copémico-Kepler-Galileu, poderíamos concluir que êstes
últimos pesquisadores estavam certos, absolutamente certos; e que Ptolomeu-
Aristóteles e outros estavam completamente errados. Bem, estariam, se houvesse a
tão decantada independência entre observador e observado. Mas, como mais uma
vez, êsses três precursores da Ciência moderna também desconheciam totalmente
o que é mais elementar, ou seja, a si próprios, ou então o segrêdo íntimo e sutil da
mente, incidiram no mesmo êrro, no qual já tinham incidido Ptolomeu-Aristóteles
e outros. Agora, era óbvio que êstes três cientistas mais recentes acabassem
triunfando, como aliás triunfaram. Mas de que maneira? Simplesmente recorrendo
a subterfúgios e sutilezas elaboradas pelo próprio ego-intelecto-mente. Se não há
um objeto completamente independente sôbre o qual se possa dizer uma verdade
definitiva e absoluta, e se dermos uma opinião mais sutilmente elaborada, tão
gratuita e dogmática como as demais, nem por isso o objeto vai-se afirmar como
tal. O que se vai afirmar serão apenas nossas novas projeções, ou então nossa
opinião gratuita e dogmática; aliás, nossa própria projeção, fantasiada de objeto.
Atrás de minha opinião ou de minha projeção não há nada. Uma opinião gratuita
dogmática pode ser suplantada por outra opinião gratuita dogmática, usando
sutilezas e subterfúgios, mas nem por isso o fantasma que elimina outro fantasma
se afirma como real.

191

O fato de Galileu-Kepler-Copérnico interporem um aparelho entre as suas


supostas observações, ou entre o suposto objeto de observação e seus sentidos,
não vai provar, de forma alguma, que êles estão certos e que o objeto existe. Não é
nem o objeto que, de per si, informa ao observador; nem o pretenso aparelho; e
nem tampouco serão os sentidos do observador que vão conscientizar aquilo que
pretensamente o observador acredita ver. O que, sob forma de consciência,
informa é a mente, que está atrás de tudo isso. É a mesma mente de Copérnico,
Kepler e Galileu, que engendrou novos pontos de vista e que fêz também pensar
que êsses pontos de vista eram válidos; e os pontos de vistas engendrados pela
mente de Ptolomeu-Aristóteles e outros estavam errados. Em verdade, eram

133
apenas pontos de vista; fantasmas eliminando fantasmas, fantasmas substituindo
fantasmas, mas, no fundo, sempre fantasmas. A resposta a tudo, e a resposta
realmente certa, tê-la-iam encontrado todos êsses estudiosos se, ao invés de
opinarem gratuitamente, com instrumentos científicos ou não, tivessem antes
compreendido as ânsias do próprio "eu", tivessem antes pesquisado em si próprios
o que estava acontecendo em suas mentes. Melhor seria saber o que ocorre na
minha mente, no momento da conscientização. Estarei eu observando alguma
coisa e depois conscientização-a tal e qual? Ou estarei engendrando determinada
coisa, para depois projetá-la para fora e finalmente, por um lapso de ignorância,
crer que estou observando algo independente de mim?
Se houvesse um objeto externo, real e independente de mim, então seria
possível que as opiniões de Copérnico-Kepler-Galileu estivessem mais certas do
que as de Aristóteles-Ptolomeu e ou tros; mas não havendo objeto externo, o que
há são apenas opiniões gratuitas; há apenas engendramentos substituindo en-
gendramentos; projeções substituindo projeções. Portanto, não servem como
verdade comum, como Verdade Universal. Diante dessa maneira de ver as coisas,
Ptolomeu-Aristóteles e AristarcoCopérnico-Kepler-Galileu estavam certos,
porque essas representavam suas verdades, e estavam errados porque essas não
eram verdades comuns, universais. Ptolomeu-Aristóteles estavam certos em dizer
que a Terra era central, pois era seu próprio ponto de vista, e estavam errados em
pretender que suas opi

192

niões fôssem uma VERDADE UNIVERSAL, válida para todos. O mesmo se diga
de Aristarco-Copérnico-Kepler-Galileu, que estavam certos em dizer que o Sol era
central, mas estavam errados em pretender dizer que essa era uma VERDADE
UNIVERSAL, desta vez realmente válida para todos. Em verdade, a Terra ou o
Sol continuam sendo o que são e estando onde estão, a despeito de tôdas as opiniões
humanas.
O que é, é; e não pode ser abordado com afirmativas e negativas humanas, e
muito menos com explicações e especulações. Se daqui há uns anos aparecer um
esquisito qualquer, que encarando o Sol disser qualquer outra coisa que contrarie a
atual pseudoverdade dominante, êsse também estará certo em relação ao seu ponto
de vista, e estará errado em relação à VERDADE UNIVERSAL, ou então em
relação ao mal-denominado objeto-Sol.
Finalmente, concluindo esta longa arenga, que melhor fôra se tivesse calado,
o sucesso da definitiva implantação das afirmativas de Copérnico-Kepler-Galileu
deve-se a uma sutileza de argumentos, apenas a uma sutileza de argumentos.
Houve uma substituição de palavras gratuitas por uma não menos gratuita, sutil e
desonesta matemática, reforçada por outro tipo de observação, que também foi
condicionada a uma nova maneira de ver as coisas. A atual observação científica,
e mesmo a repetição de um fenômeno, não dizem que o fenômeno é real, mas
apenas que a minha mente se habituou a projetar sempre a mesma coisa. O
segrêdo da periodicidade também está dentro de mim. E se eu, com argumentos
sutis, obrigo determinado indivíduo a projetar coisas da mesma maneira, êsse
indivíduo acabará fazendo o que eu quero e acabará concordando comigo,

134
principalmente se nós dois falarmos um linguajar muito particular, muito
sugestivo, que não suscita dúvidas e não permite devaneios, como é o caso da
Matemática. Então diante dos ilusórios argumentos irrefutáveis mas falsos da
Matemática, e diante dos ilusórios argumentos de uma observação e mesmo de
uma experimentação, era mais que certo que as teorias de Copérnico-Kepler-
Galileu acabassem prevalecendo sôbre as teorias contrárias em voga naqueles
tempos. No fim de tudo apenas se trata de uma questão de elaboração, de uma
questão de sutilezas, é a velha questão dos argumentos combatendo ar

193

gumentos. A ignorância menos elaborada mais fàcilmente cai; a mais bem


elaborada subsiste por mais tempo, não por ser mais real, mas por ser mais
complexa.
BOMBASTUS: Muito interessante a tua explanação. Mais ou menos com
ela concordaria até a parte em que explicas a razão do sucesso da teoria de
Copérnico-Kepler-Galileu e de sua relatividade em face da verdade natural.
Segundo o que disseste, essa teoria não expressa um fenômeno real, mas uma
dada interpretação particular sôbre o fenômeno, porque, como pareces sugerir, o
fenômeno real em si continua inabordável. Além do mais, tu explicas tudo como
um fenômeno de projeção mental, inclusive dizes que tanto a teoria heliocêntrica
quanto a geocêntrica seriam certas em relação a seus respectivos autores e seriam
erradas ou falsas quando consideradas do ponto de vista da existência dos
respectivos objetos, porque ambas as teorias consideram os objetos como sendo
independentes, reais e totalmente dissociados da mente. Afirmaste também que
qualquer outro cidadão teria o pleno direito de esboçar uma nova teoria, que
conforme fôsse mais sutilmente e melhor elaborada teria, inclusive, possibilidade
de substituir a teoria heliocêntrica atual. Agora, perguntamos se com isso não
cairíamos num total subjetivismo ao colocar a questão na dependência de uma
interpretação pessoal apenas, porque a interpretação de CopérnicoKepler-Galileu
seria certa em relação a seus autores e seguidores condicionados, mas falsa,
quando encarada como fato em si ou como Verdade. Considerando as coisas a
partir dêsse ponto de vista, jamais seria possível estabelecer um princípio
científico, e mesmo filosófico, porque todos os princípios seriam certos em
relação a seus autores e errados em relação a um todo ou à Verdade. Desta forma
seria totalmente impossível fazer uma pesquisa sistemática da Verdade. Quer
dizer então que, ao esboçares essa tua reação contra a teoria heliocêntrica, e
mesmo geocêntrica, de certa forma implicaste uma oposição a qualquer tipo de
teoria e ainda mais a qualquer tipo de investigação da Verdade, quando esta
considere o objeto independente da mente do observador e considere a suposta
verdade "descoberta" como um dogma definitivo. Agora a questão se põe nos
seguintes têrmos: como se poderia observar o objeto sem dissociá-lo da mente, já
que para ti é a única forma de

194

135
se chegar verdadeiramente à Real Natureza, por assim dizer, do fenômeno
observado?
TEOFRASTUS: Bem, respondendo logo a essa tua última pergunta só posso
te dizer que, não dissociando a mente do objeto, porque o objeto, o ato de
observar o objeto, os sentidos do observador, a observação do suposto objeto, o
condicionamento mental que obriga a que um aparente e determinado fenômeno
ocorra sempre da mesma forma, a alteração ou a manutenção de tal suposto
fenômeno e, finalmente, a conscientização de tudo isso, são uma e a mesma coisa.
Mais acima disseste que com êsse ponto de vista cairíamos num total
subjetivismo. E quem foi que te disse que já não caímos? Não vês que o aparente
domínio do objeto, sôbre o sujeito já é um domínio do subjetivismo inconsciente
devido ao ego? Crês, acaso, que por manter um objeto-fantasma com pretensões
de real, inconscientemente independente da tua mente observadora, êle se tornará
mais real e objetivo? Não te dás conta de que se eu, sem esfôrço algum,
compreendo integralmente que sou também o objeto, o aparente domínio que êle
tem sôbre mim desapareceria (até certo ponto) e minha situação melhoraria? Não
compreendeste ainda que a desgraça do homem reside exatamente no lôgro que
seu próprio ego provoca, levando o homem a crer que o objeto é tudo e que o
aspecto subjetivo consciente é nada? Não vês que as ânsias, os desejos e ambições
do ego não fazem outra coisa senão deturpar a verdadeira natureza interna do
homem, deturpação essa que se projeta para fora, e êle acaba vendo-a como se
fôsse algo desagradável, terrível, múltiplo, agressor, ameaçador, externo e
independente de si próprio, naquilo que julga ser o mundo?
Diria que agora, mais do que em qualquer outra ocasião, somos realmente
escravos dêsse subjetivismo inconsciente, que o monista tenta denunciar a fim de
que, pela adequada com preensão, o homem consiga diminuir, e mesmo superar, a
destrutiva memória-imaginação (feixe de pensamentos mortos) do ego-mente,
voltando assim a se equilibrar, para que sua natureza circundante, que também é
êle, por sua vez se equilibre.
Não compreendes que o ego-intelecto-mente está sempre fazendo o jôgo da
polaridade, dividindo em dois aquilo que

195

é um só, assim ou assado, desta ou daquela maneira, com boas ou más qualidades
e características que o próprio ego inventa?
Esse mesmo subjetivismo inconsciente próprio do ego é que, em outros
tempos, proclamava o desprêzo pelo mundo, a favor da exaltação do espírito ou
alma. Todavia, tanto na exaltação da alma (um pólo do ego) quanto no desprêzo
da matéria ou corpo (outro pólo do mesmo ego) e vice-versa, conforme o
materialismo atual, é sempre o ego que se reforça, porque êsse mesmo ego,
dividindo-se, projeta a alma relativa de um lado e com ela domina enquanto
pode, como fêz (e faz) durante o despotismo religioso de outras eras. Quando
essa forma de domínio chega a ser denunciado e superado, então o mesmo ego
nega a sua criação subjetiva (a alma relativa ou o espírito), divide-se mais uma
vez e projeta o absolutismo da matéria, proclamando aos quatro ventos que a
alma é uma mentira dos religiosos e que só a matéria é verdadeira e digna de

136
estudos e atenção. O religioso fanático da Idade Média e o materialista atual só
têm um nome: ego-mente.
Destarte, sendo o indivíduo um pólo e seu objeto outro, inseparáveis como é
o caso de um ímã, tudo aquilo que ocorrer com a personalidade ocorrerá
fatalmente com o que é objetivo.
Quanto mais a personalidade se afirmar egoisticamente, quanto mais ela se
complicar, quanto mais ela se confundir, tanto mais seu Objeto se afirmará, mais
se complicará, mais se confundirá, e quem acabará intensificando o seu
sofrimento será o indivíduo limitado, pois é a parte senciente (a que sente), e
poderá até morrer devido às trevas que êle próprio projeta em seu mundo. E vê
bem, tudo isso vem ocorrendo inconscientemente. O egomente do homem, que é
muito mais do que a infantil psicologia e filosofia ocidental supõem, vem-se
afirmando sempre mais, e piorando, em conseqüência, também seu mundo ou
objeto. Isto Ocorre graças ao que há de mais forte e ladino na essência humana,
que é o "eu" em cada um de nós.
O homem sofre tôda sorte de limitações, impedimentos, complexos, por
culpa de um mundo e um universo supostamente agressivos e adversos, quando,
em verdade, isso é apenas o reflexo das manobras destorcestes do ego, ou um
reflexo do que há de pior em si que é o seu aspecto consciente-sub

196

consciente restrito ao ego. Não se pretende, portanto, implantar de forma alguma o


reino do subjetivismo, porque êle já existe; limito-me apenas a chamar a atenção
contra êsse torpe domínio subjetivo-inconsciente, disfarçado de ilusórias e
desagradáveis constatações objetivas, supostamente independentes do observador.
Ou continuam prevalecendo os conceitos dualistas, no fundo apenas um
inconsciente subjetivo disfarçado de verdade objetiva, ou então acabamos com
isso e começamos a encarar as coisas como elas são. Em verdade só as crianças,
livres do intelecto e da memória psicológica, e os grandes mestres, podem
perceber diretamente as coisas como ELAS SÃO. Nós, contudo, poderíamos, se
quiséssemos, encará-las a partir de um ponto de vista unitário, mesmo que polar,
isto é, com os dois pólos indissociados objeto-observador, e não, aparentemente,
separados como pretende o egolátrico-diabólico ponto de vista dualista. Digo
aparentemente separados, porque inconscientemente o sujeito e seu objeto são
indissociáveis, e o diabólico no caso é o próprio ego, porquanto sendo êle a
sombra ou a treva de nossa natureza, fantasia-se de anjo, mas continua sendo o
que é: trevas. Mesmo assim, êle vai à cata do maligno e do mal, que, em última
instância, é êle próprio. O ego é o maligno que se disfarça de anjo para parecer
bonzinho, e faz de conta que persegue o maligno, que no fundo é êle mesmo,
resultando, portanto, que sempre se reforça.
O ego é um todo, mas faz pensar que se divide ou se dissocia em duas partes
independentes: uma boa (o sujeito) e outra má (o objeto ou mundo). Em verdade
êle é ambas as coisas, contudo vale-se da ignorância e das limitações do cons-
ciente hominal para se reforçar e subsistir sempre num meio (a Mente Primeira)
que lhe é adverso. O preço disso é a dor (mesmo que atenuada) permanente e o
temor constante que caracteriza principalmente o homem limitado.

137
Quando o homem é atento, avisado, vigilante e compreensivo, não ocorre o
domínio do subjetivo sôbre o objetivo. E também o contrário não sucederá, ou
seja, o domínio do obje tivo sôbre o sujeito-consciente, como atualmente ocorre,
mas haverá uma perfeita harmonia e identificação entre o subjetivo e o objetivo,
ambos uma e a mesma coisa.

197

Além do mais, pareceu-te que o monismo esteja impedindo a busca da


Verdade, e impeça também a possibilidade de dar opiniões sôbre a mesma. Mas
buscar o que, se nós somos a Verdade? Outra coisa, a VERDADE não necessita
de opiniões. A VERDADE é vivida em silêncio. O SER, OU O DEUS INTERNO,
OU O REINO DE DEUS dentro de nós (e também ao nosso redor), ou O
NIRVANA livre da tagarelice egolátrica, Ou o TAO imaculável, ou o intraduzível
SARTORI Ou SAMADHI, ou finalmente o LOGOS em nosso coração (não
orgânico) para SER o QUE É, apenas pede silêncio e pede que sejamos menos
egolátricos, menos objetivistas e mesmo menos subjetivistas. Quer sòmente que
sejamos simples e puros como as crianças, nada mais. Em verdade não pede nem
quer nada, porque se não existissem nossos condicionamentos e preconceitos
mentais-intelectuais, saberíamos que nós somos ÊLE.
Preciso também te relembrar uma vez mais que naquilo que é realmente
Natural não cabem soluções definitivas ou não, como as que a Ciência apresenta.
Cabe sòmente a COMPREENSÃO; que é um ato puro e vivo. A solução é morta,
é um dado de memória, feixe de pensamentos mortos, próprios para uma
Enciclopédia. Julgas que o sistema solar seja um problema que exija uma solução:
ou o Sol ou a Terra centrais. É preciso, antes de tudo, ver se o sistema solar existe
tal e qual a Ciência afirma; segundo, se êle é um problema que exija solução. Já te
disse que o Sol e a Terra são o que são e estão onde estão. O centro ou a periferia,
no caso, poderia ser apenas uma invencionice do ego. O Sol, a Terra e os planêtas
poderiam até não ser nada daquilo que o nosso intelecto e a Ciência informam,
poderiam mesmo nem ser esferas ou globos a girar no imenso vazio do Universo,
malgrado as fotografias que uma mente condicionada julga ver e interpreta a partir
de seus preconceitos e dados de memória. A SOLUÇÃO que Aristóteles-Ptolomeu
preconizavam era de que a Terra era o centro do sistema solar. A SOLUÇÃO de
Aristarco-Kepler-Copérnico-Galileu, e que a Ciência aceitou, é que o Sol é central
e a Terra periférica. Todavia, a adequada COMPREENSÃO poderia sugerir algo
completamente diferente, vivo e não definitivo. Quem busca soluções (levado
pelo temor que seu ego lhe incute) busca certezas e garantias, e não sabe que estas
virão apenas a reforçar o pai

198

da mentira: o ego ou o "eu" em nós, sem contudo alcançar a VERDADE sôbre


seja lá o que fôr, independente das pretensões absolutistas dos partidários da
Ciência.
Em face disso, um monista salienta que é impossível dar opiniões
definitivas, absolutas e dogmáticas.

138
O indivíduo poderá, contudo, continuar dando as opiniões que bem quiser,
mas então de forma particular.
Se o fenômeno observado e suas conclusões também são nós mesmos,
implica isso que o homem avisado tome duas atitudes: ou não faz mais nada e
deixa que o Deus interno se manifeste, espontâneamente, de dentro para fora, em
sua mais perfeita pureza, fato êsse que, aliás, só ocorre com as crianças e com o
Desperto ou Realizado, ou então, se o indivíduo mantiver a polaridade de seu ego,
primeiro terá de suscitar uma modificação em si mesmo, ou melhor, tentar de
algum modo dissipar as trevas interiores, a fim de que possa ver melhor as coisas
que julga serem externas.
De qualquer maneira, não há possibilidade de encontrar a VERDADE fora
de nós. Não existe uma verdade fora de nós. A VERDADE está em nós. Nós
somos a VERDADE, que pode manter-se pura como o SER imaculado e sua
MANIFESTAÇÃO ("EU SOU O QUE sou"), ou pode também exteriorizar-se a
partir do SER, passando contudo pelo prisma deformante e separador e polar do
ego-intelecto-mente humano, com suas características de observador-observado.
Nós, quando limitados, também somos a VERDADE, mas infelizmente uma
verdade revestida por milhões e milhões de véus mentirosos e deformadores; e o
que conseguimos fazer é apenas projetar para fora êsses véus ou mentiras com o
rótulo da VERDADE.
O que se pode fazer em relação à VERDADE, sem a necessidade de separar,
dissociar (ou analisar), tão em moda, principalmente nos tempos atuais, é
compreendermos e superarmos pela adequada compreensão as nossas mentiras
internas, e deixarmos que aquilo que vem a ser a VERDADE Ou o DEUS em nós
se projete para fora tal e qual é.
Portanto, em têrmos gerais, quem tem capacidade de opinar sôbre
determinada coisa externa, sabendo que êle próprio é o objeto externo observado,
que o faça, sem a preocupação

199

de estar certo ou errado; se assim fizer, acontecerá que daí por diante poderá não
projetar mais naquele objeto, supostamente externo, as trevas e as limitações
intelectuais que tem em sua mente, mas projetará uma verdade relativa, que
resultará contudo ser mais bela, naquilo que é êle e que aparenta estar lá fora
como uma coisa ou ser estranho. Poderá ainda se expressar, dizendo: "Olha, o que
eu digo é relativo; eu fiz isto; se quiseres, és livre para melhorar..." tal e qual
fazem os verdadeiros artistas. Afinal de contas, a Ciência não é melhor do que a
Arte; aliás é igual a ela, e um dia, talvez, perderá suas pretensões absolutistas e de
aplicação universal, descendo à condição humana, tornando-se assim um dos
ramos mais úteis e surpreendentes das elaborações humanas. Filosofia e Arte é
igual a Ciência.
Grandes males estão-se perpetuando atualmente devido à total ignorância do
homem sôbre a identidade entre o objeto e o sujeito, e as coisas externas estão-se
tornando cada vez mais ameaçadoras e agressivas, às custas da paz, do equilíbrio,
da saúde e da felicidade do próprio sujeito observador.

139
Nunca, em nenhuma outra época da História do homem, o objeto chegou a
ser tão terrivelmente perigoso, a ponto de pretender aniquilar com a vida na face
da terra e enlouquecer o homem, ou deixá-lo prêso, vítima de uma carrada de
fobias, que começam com o perigo da guerra atômica e culminam com a
inacreditável quantidade de supostas doenças incuráveis, filhas abnegadas do
intelecto humano, mas que, em verdade, poderiam nem existir objetivamente. São
fantasmas que o homem criou e que pretendem acabar com a vida de seu próprio
criador, tudo em conseqüência de sua ignorante passividade.
Tais situações parecem ocorrer, primeiro, porque houve uma inconseqüente
separação entre o observador e o observado, separação que é apenas aparente,
pois, inconscientemente, essa união persiste, mas da pior forma possível; e,
segundo, porque houve um exagerado endeusamento do fantasmagórico objeto as
custas de uma diminuição de seu qualificador, comparador e classificador, o
homem.
200

II

Os Dogmas da Física, Química e a Concepção Mecanicista do Universo

BOMBASTUS: Já tínhamos assinalado o comêço da Ciência Moderna com


Galileu. Depois dêsse pesquisador, o personagem científico mais notável que
apareceu foi Newton, que elaborou e criou a concepção mecanicista do Universo e
da Natureza, a qual passou a ser a base de todo conhecimento físico e deu, o que é
mais importante, a fundamentação matemática do Universo, quando criou o
cálculo infinitesimal, ou então o cálculo diferencial, dos quais a Ciência moderna
tanto tem-se valido.
Então, segundo a tua maneira de encarar os fenômenos naturais, gostaríamos
de apreciar tuas considerações sôbre o mecanicismo newtoniano, que enquadrou o
Universo numa nova forma de apreciação?
.TEOFRASTUS: Apesar de saber estar dizendo mais uma heresia, segundo
o parecer dos superficialistas, e apesar de saber estar ferindo os melindres
daqueles indivíduos que se dizem puristas, objetivistas, mas que, em verdade, são
limitados e preferem endeusar a pretensa obra do homem, às custas da paz e da
harmonia do próprio homem, pois bem, apesar de saber tudo isso, digo que a
mecânica newtoniana é mais uma concepção

201

puramente humana. E o Universo em si, mesmo dependente do observador, não


tem nenhuma conexão com a mecânica newtoniana, salvo se se trata do Universo
correspondente ao campo de consciência sensorial de Newton e seus seguidores.
Para melhor salientar a relativdade e a dependência das coisas, sabemos
muito bem que a mecânica newtoniana, na sua maior parte, foi pràticamente

140
superada pela mecânica einsteniana, evidenciando-se com isso, mais uma vez, que
o observado, quando submetido à análise intelecto-mental, sempre se acomodará e
dependerá de uma opinião mais capciosa do próprio observador. Não que o
Universo, mesmo ligado ao observador, dependa desta ou daquela lei, seja ela de
Newton, ou de Einstein, ou seja lá de quem fôr, mas o fato é que o Universo que
nossos sentidos acreditam estar captando sempre e sempre comportar-se-á e
traduzir-se-á de conformidade com nossos preconceitos mentais, caracterizados
pela cultura escolástica acumulada, pela cultura livresca, pela memória, pela
aprendizagem, pela aceitação da opinião comum, ou pela aceitação da tradição.
Temos de lembrar que além dos aparentes universos, enquadrados dentro da
mecânica newtoniana ou einsteniana, existe um Universo - eu o chamaria de
Universo Ideal - que não aceita análise e limitação humana, que não pede
interpretação e que aceita o nosso silêncio e a nossa apreciação pura, não
deturpada pelos conceitos e preconceitos do intelecto-mente. Sei bem que o que
acabo de dizer soa de forma pessimista, mas isso são novamente aparências,
porque se aprende muito mais na mera observação silenciosa do Universo do que
na elaboração de leis mecânicas, ou físico-matemáticas como as que Newton e
Einstein elaboraram. Incluo nesta ressalva qualquer outro tipo de lei e qualquer
outro tipo de escola de pensamento.
BOMBASTUS: Bem, a tua resposta pareceu-me interessante, mas acho que
deixaste de abordar um aspecto, que considero muito importante: é que, de certa
forma, a mecânica de Newton baseia-se estreitamente nos seus postulados
matemáticos. Pois bem, pode-se até dizer que foi com Newton que começou a
haver uma estreita interdependência entre ciência física e matemática, pois a
prova está em que o próprio Newton teve de criar uma nova forma de expressão
matemática, como foi o cálculo, para

202
poder com ela justificar, e de certo modo provar, dentro de uma linguagem tôda
sua, que os seus postulados científicosmecânicos estavam certos. A ciência de
Newton já se distancia muito da ciência de Copérnico, que imaginou uma teoria
valendo-se apenas de concepções filosóficas, aliadas a uma possível observação
de fatos astronômicos. Gostaríamos então que explicasses, segundo teu ponto de
vista, o que significa essa interdependência entre matemática e ciência física. E
gostaríamos que salientasses se realmente essa interdependência é válida, ou,
conforme já estamos prevendo, ela é apenas mais uma acomodação da suposta
natureza a uma linguagem que lhe seria estranha, como é o caso da linguagem
científico-matemática.
TEOFRASTUS: Como já disse antes, volto a salientar que a Natureza ou o
Universo, no caso, nada tem que ver com a matemática humana, mesmo que se
trate dessa matemática criada por Newton a fim de melhor explicar aquilo que êle
chamava de ocorrências naturais e físicas e que em verdade, eram ocorrências
puramentes newtonianas. Na realidade, a Matemática só cabia no universo
particular de Newton e seus seguidores, o qual eu chamo de Campo de
Consciência Sensorial.
Como já fizera o próprio Galileu, Newton achou muito cômodo o linguajar
matemático. Achou-o muito apropriado e ao mesmo tempo muito objetivo, mas,
felizmente, diante da VERDADE êsse linguajar é bem pouco universal e muito

141
newtoniano. Ninguém pretende aqui negar os méritos de Newton, nem invalidar,
de certa forma, seus esforços e pesquisas. Sei que, dualisticamente falando, é
considerado um gênio. Mas, infelizmente, como tantos outros, êle não pesquisou o
essencial, que era o "eu" em sua mente. Que adiantaram tantos esforços, tantos
estudos, tantas opiniões, tantas supostas conclusões, se não conhecia o que é
fundamental, ou seja, a si mesmo, ou então aquilo que lhe permitia pensar e tornar
consciente o que acreditava estar observando? Todo esfôrço científico resultará
num fracasso ou numa futura, certa e interminável substituição, se o cientista não
conhecer o mínimo de si mesmo, de sua consciência, de sua natureza interna. Se o
cientista mal desconfiasse o quanto o seu ego-intelecto-mente interfere naquilo
que êle chama de "descobertas", não seria tão dogmático, tão seguro

203

daquilo que diz ou acredita estar provando. infelizmente, pádres e cientistas,


quando absolutistas, acabam pecando do mesmo mal. Um diz: "Eu adoro o Deus
Verdadeiro"; e o outro diz: "Somente eu conheço as Verdades da Natureza", e
ambos não sabem o que dizem.
Bem, mas mesmo assim, alguém me retrucaria dizendo: "Sucede que
Newton, ao expor seus pontos de vista e aquilo que êle chama de Leis Universais,
provou que estava certo, ou que estava interpretando corretamente ou quase
corretamente os fenômenos físicos"... Mas, um minuto; Newton provou o quê? Eu
diria que êle provou aquilo que queria provar. Porque se não há um objeto
independente do observador e se êste objeto sempre fôr dependente, verdade esta
que só pode ser avaliada individualmente e surpreendendo nosso inconsciente
trabalhando, o que se acaba provando, realmente, é sempre aquilo que a gente se
propõe provar. E as provas e o sucesso de Newton estão contidos dentro desta
maneira de ver as coisas. Ou explicando melhor: o objeto newtoniano de
observação era o próprio Newton dentro de seu aspecto inconsciente, mesmo que
o consciente newtoniano lhe dissesse que o objeto que êle estava observando fôsse
totalmente independente. O que aconteceu com Newton e com os demais
seguidores da Ciência, e que vem acontecendo até hoje, é que uma idéia,
aparentemente concreta, limitada a uma forma e a um nome, como é o caso do
objeto, mas em verdade tão abstrata como qualquer outra idéia, foi revestida com
outras idéias, a princípio abstratas, mas que, aparentemente, acabaram ficando
concretas, devido à constante repetição e acatamento, como é o caso das leis
físicomecânicas de Newton e como ocorre com os objetos e suas "provas".
Agora, mesmo admitindo a existência de um Universo Ideal, dependente do
SER ou do Deus Interno, mas que se projeta de dentro para fora, passando pelo
prisma deformante, que é o ego-intelecto-mente do indivíduo, Universo êsse,
ainda assim, dependente do observador e limitado a essa torpe condição, mesmo
admitindo êsse Universo Ideal, não acredito, de forma alguma, que êle possa ser
descrito em linguagem matemática, seja qual fôr a matemática que empreguemos,
mesmo que se trate de uma matemática relativamente simples, como a

204

142
de Newton, ou então que se trate da incrivelmente complexa matemática
einsteniana. Volto a repetir que a Matemática é uma coisa estranha a essa
Natureza Ideal, embora seja parcialmente dependente do observador. E que o
linguajar matemático é apenas uma maneira, um tanto desonesta, de tentar limitar
o que não pode e não deve ser limitado, o que, no nosso caso, é o Universo e o
mundo que, por fôrça das circunstâncias, sempre e sempre dependem do
observador.

Como já disse antes, o linguajar matemático é um linguajar demasiadamente


particular e artificial que, se absolutamente verdadeiro, implicaria duas coisas: ou
pensar que os áto-mos e o acaso acabaram falando um linguajar matemático, ou
pensar que, realmente, o suposto criador dêste Universo falasse em têrmos
matemáticos e dirigisse a máquina universal por leis físico-químico-matemáticas,
como aliás a mente dualístico-religiosa de Newton deve ter pensado. Ou concluir
que êste suposto criador não falasse em têrmos matemáticos, mas que o homem
teria descoberto uma arma tal, como a Matemática, que lhe permitisse arrancar
"segredos" dêsse suposto taumaturgo. Eu, contudo, prefiro crer que êsse
taumaturgo é inexistente, quando tomado como independente do observador. A
obra dêsse taumaturgo também é inexistente, quando considerada independente e
isolada de Deus. Entretanto, contrapondo-se a tudo isso, existe a manifestação do
Deus Interno, ou do SER, que escapa à influência egolátrica da mente humana,
quando restrita ao seu aspecto lógico, intelectual, manifestação essa que não se
prende e não se limita ao linguajar egolátrico e matemático do observador.
Apesar do escândalo que possa causar (que aliás não é o primeiro) digo que
está muito mais próximo da VERDADE Um poeta, que falando com o coração,
encara êste Universo e co meça a louvar-lhe a perfeição, a cantar-lhe a beleza, a
harmonia, a exaltar-lhe o amor, do que um cientista que tenta limitar êsse mesmo
Universo com seus argumentos físico-químico-matemáticos, limitando-se êle
próprio, em conseqüência.
BomBASTUS: Um dos aspectos principais da teoria de Newton foi a
criação do conceito de gravidade, que embora modificado por Einstein, continua
ainda vigorando, e pode-se dizer que continua constituindo o ponto central de tôda
ciência física.
205
Gostaríamos que particularizasses tua opinião a respeito da gravidade ou do
campo gravitacional, etc.
TEOFRASTUS: Vou fazer-te uma contrapergunta: Qual gravidade? Que
gravidade? Terá sido a Terra ou o Universo que disse a Newton, ou a Einstein:
"Olha, no meu âmago se encerra um segrêdo profundo, uma capciosa energia
chamada gravidade, cuja fórmula matemática se expressa assim ou assado, etc."?
Ou terão sido os sentidos e o intelecto-mente de Newton e Einstein que deduziram
e equacionaram a Lei da Gravidade daquilo que não tem gravidade ? Neste caso,
então, novamente estaríamos diante de uma lei da gravidade newtoniana ou
einsteniana, e não diante de uma lei de gravidade universal, válida para todos, em
tudo, e principalmente para o TODO.
O que quero evidenciar é isto: existirá realmente uma gravidade? O fato de
o homem e suas supostas coisas circundantes prenderem-se ao solo disto que nós

143
chamamos mundo, será, realmente, devido a algo que era misterioso até
determinada época da História, mas que, descoberto por Newton e modificado
por Einstein, passou a se chamar de gravidade? Ou será devido a qualquer outra
coisa? Quem sabe se aquilo que o homem batizou com o nome de gravidade e
que parece constituir uma realidade física aparentemente independente de sua
vontade não se resolva em têrmos psicológicos ou em têrmos psíquicos?
Para que houvesse gravidade, seja nos moldes newtonianos em que: "Os
corpos se atraem na razão direta de suas massas e na razão inversa do quadrado
da distância", ou então nos moldes de Einstein, que fala nas interações dos
campos, era preciso que alguém conseguisse provar a existência das esferas-
massas, ou de seus supostos campos, completamente independentes da mente
analisadora do homem, e isso nunca será possível, mesmo que o homem invente
e interponha todos os aparelhos que quiser. No final, será sempre sua mente que
analisará o resultado. Se é a mente que analisa o resultado, é também o ego-
intelecto-mente que elabora o problema e depois êle mesmo o resolve, fazendo
crer ao consciente do indivíduo que "descobriu" essas coisas e que tudo isso
independe do observador.
206

Se o mundo fôsse verdadeiramente independente do homem, então a teoria


newtoniana ou a teoria einsteniana seriam válidas; mas como isso ninguém jamais
conseguirá provar, então não podemos aceitá-las dogmàticamente, como muitos
físicos querem nos impingir. Vê bem, é muito mais fácil provar a realidade
senciente do observador, ou a VERDADE no observador - no nosso caso o
próprio Newton ou Einstein - do que a realidade qualitativo-quantitativa do
insenciente ou objeto observado.
Se o solo sôbre o qual pisamos depende de nós mesmos, ou melhor, depende
do observador, então a explicação relativa à fôrça que nos retém presos a êste
mesmo solo pode ser apre sentada de outra maneira. Agora, se essa outra
explicação vem limitar e prejudicar ainda mais a situação, aí, neste caso, melhor
seria nada explicar. Não cabe a mim dar uma nova explicação, porque seria
apenas mais uma, mas os que quiserem, poderão dá-Ia, sempre que venha
favorecer o homem; caso contrário, é preferível que calem.
Sei que para muitos o que vou dizer não tem valor algum, e poderá parecer
um sofisma, mas mesmo assim eu pergunto: Que gravidade é essa que prende o
sonhador ao solo do am biente sonhado ou do mundo sonhado? Ou então, que
outra esquisita gravidade é essa que muitas vêzes permite ao sonhador voar ou
transpor obstáculos fàcilmente no ambiente em que êle sonha?... Refutar-me-ão
dizendo: "Sucede que não podemos comparar a realidade do plano físico com a
fantasia do sonho! ... Um meio físico é um meio físico; e um sonho é um sonho..."
Mas, retruco eu: "Quem é êsse ou que ego é êsse que atribui realidade ao estado
de vigília e atribui fantasia ao estado de sonho? Foi o meio ambiente do estado de
vigília que provou sua autêntica realidade, ou foi o homem que superestimou êste
ambiente, atribuindo-lhe uma super-realidade que não tem? Quem é que duvida,
quando sonha, do ambiente de seu sonho? Quem é que nessa condição duvida da
realidade e da objetividade de seu sonho?"

144
O ambiente supostamente físico, assim como o ambiente visto no sonho,
dependem da mente. Ambos são relativos; ambos são dependentes. Um endeusado
com a fantasia da realidade; e o outro ridicularizado com a fantasia da fantasia.
207

Este ambiente que chamamos de mundo físico também é, por sua vez, um
ambiente psíquico, só que no nível subconsciente e mesmo inconsciente. A causa,
se é que podemos cha má-la de causa, da fôrça que retém o homem e seus objetos
circundantes ao solo, deve ser buscada no inconsciente mental do observador ou
pesquisador.
Evidenciando, mais uma vez, que tudo depende da mente do homem
observador, poderíamos salientar as alterações que sofreu o conceito de gravidade
durante um suposto lapso de tempo, desde Newton até Einstein. Sabemos muito
bem que Newton se baseou principalmente, na realidade da massa. Hoje, contudo,
a própria Física atomística sabe que essa massa é um mito, que ela se reduziu,
pràticamente, ao nada, ao vazio. Einstein, por sua vez, baseou-se na idéia de
campo energético, ou campo simplesmente, idéias anteriormente especuladas por
Faraday, mas que aplicadas aos supostos corpos do Universo, os quais seriam
envolvidos por êste campo, exerceriam atrações e repulsões mútuas, daí advindo o
equilíbrio dos corpos no espaço. Opondo-se a estas duas teorias, atualmente
amplamente acatadas pelo mundo científico, sei que existe por aí outra teoria, a
qual seria apenas mais uma, e que diz que a gravidade não depende nem da massa,
nem dos campos, mas seria dependente dos raios cósmicos. Se isto é verdade ou
não, pouco importa; mas se esta última conseguir se impor, será mais uma que,
num futuro próximo, cederá lugar a outra, e assim por diante. Portanto, serão essas
verdades universais, ou serão apenas verdades tristemente egolátricas do ingênuo
observador?
BOMBASTUS: Foi a partir da mecânica de Newton que se criaram
postulados fundamentais da mecânica celeste, complementando e dando certa
unicidade àqueles conhecimentos esparsos de Copérnico, Kepler, Galileu, os
quais, sem dúvida, foram os fundadores dêsse importante ramo científico. A
concepção astronômica newtoniana, por assim dizer, perdura até hoje. O que fêz a
nossa Astronomia foi apenas acrescentar novas e mais novas descobertas, de
modo que, por isso mesmo, aqui seria interessante ressaltar o famoso aforismo do
sábio alemão do século XVIII, Lichtenberg que disse que "os astrônomos não
fazem outra coisa senão descobrir cada vez mais regiões de nossa própria
ignorância". . .Bem, ignorância ou não, o que

208
acontece é que os atuais astrônomos seguem a trilha aberta e iniciada por
Copérnico, Kepler e Galileu, e complementada com uma base físico-matemática
por Newton.
Gostaríamos que estabelecesses um paralelo entre a astronomia moderna,
que poderíamos chamar de astronomia fundamentalmente newtoniana, e as outras
astronomias, que surgiram antes, principalmente quando sabemos que entre os
babilônios, hindus, maias, etc., atingiram um elevado grau de desenvolvimento.

145
Portanto, gostaríamos que correlacionasses essas duas concepções astronômicas, e
também relacionasses entre elas o fenômeno curioso da Astrologia, que apesar de
ser refutada e quase combatida pelos atuais "donos do conhecimento", é uma
espécie de ciência que persiste, mais ou menos clandestinamente, até os dias de
hoje.
TEOFRASTUS: A concepção astronômica dos babilônios, hindus, maias e
outros povos era mais uma astronomia idealística do que pràticamente uma
astronomia mecânico-científica, como a que atualmente aceitamos e acreditamos
conhecer. E poderíamos também dizer que essa astronomia mais se aproximava da
Astrologia que da atual Astronomia. Todo astrônomo daquele tempo e dessas
localidades, mesmo que não fôsse um místico ou religioso, encarava o observado
universal sob seu duplo aspecto. O primeiro relacionava-se àquilo que seus
sentidos lhe informavam, ou seja, a constatação de um espaço-céu, no qual
estavam presentes os corpos celestes. Observavam o movimento dêsses mesmos
corpos celestes, as órbitas por êles traçadas, etc. Agora, o outro aspecto, que para
êles tinha muito mais valor, era o astronômico-sugestivo, que lhes permitia
despertar a reveladora intuição. Em outras palavras, quase todos êsses astrônomos
antigos, menos preocupados com os aspectos quantitativos e qualitativos físico-
químicos do Universo, preocupavam-se mais em interpretar aquilo que viam, não
segundo a lógica sensorial, mas de acôrdo com a própria intuição de cada um.
Para êsses astrônomos era de segunda importância determinar as velocidades de
deslocamento, as órbitas planetárias e o período dos planêtas, as distâncias em
anos-luz, as qualidades físico-químicas dos astros observados, aspectos êsses que
muito interessam à Astronomia atual; mais do que isso, êles procuravam
interpretar intuitivamente o que a imagem sensorial
209

lhes fornecia. Interessavam-se mais no aspecto qualitativo dos astros que no


aspecto quantitativo. Para êles o astro era um ente vivo, e não uma simples esfera.
A atual Astronomia, só depois de esgotar tôdas as possibilidades quantitativas, é
que deduz indiretamente as possibilidades qualitativas de um astro, e essas
qualidades ou possibilidades são sempre do tipo físicoquímico; diria que se trata
do aspecto qualitativo menos feliz. Entretanto, para os astrônomos antigos era
muito mais importante captar e interpretar a linguagem e as influências, digamos
assim, dos astros, mesmo dentro de seu aspecto astronômico, e não astrológico,
como a palavra "influência" pretende sugerir. Não se tratava de uma astrologia
pura, em que, pela posição dos astros no Zodíaco, se pretendesse inferir o suposto
destino dos indivíduos. Esses homens aceitavam o testemunho dos sentidos, que
lhes fazia crer estarem observando corpos celestes, fora e isolados dêles mesmos,
mas, apesar de tudo, instintivamente, algo lhes sugeria que existia alguma
analogia entre o céu estrelado e a mente dêles. Achavam mesmo que, apesar dessa
aparente e logínqua separação entre observador e observado, aquêle suposto corpo
que os sentidos diziam estar lá adiante ou lá ao longe, tinha a possibilidade de
fornecer à mente do observador informações preciosas, ou então tinha a possi-
bilidade de ativar a intuição dêsse mesmo observador. É famoso o aforismo
daqueles tempos, em parte ligado à Astronomia antiga, que dizia: "Tanto em cima

146
como embaixo; tanto embaixo como em cima", com o qual se comparava o
macrocosmo que está em cima com o microcosmo ou homem que está embaixo.
O céu dos antigos era uma fonte de intuição, ligada de certa forma à mente
observadora do astrônomo, fato êsse que não impedia que êles elaborassem os
mais perfeitos calendários e, de certa forma, determinassem com razoável pre-
cisão as ocorrências astronômicas. O céu ainda não havia sofrido a deturpante e
pouco feliz análise astronômica atual. Poderíamos até dizer que a Astronomia
atual tem servido apenas para criar complexos e teorias gratuitas, aumentando
ainda mais a nossa confusão, perplexidade e a nossa ignorância a êsse respeito.
Seguindo a confusão que jamais se acaba, os ramos da ciência moderna que
correm paralelos à Astronomia são a
210

Biologia geral, a Citologia, a Bioquímica, onde atualmente o cientista concentrou


tôdas as suas ânsias e pretensões. Quanto à Astrologia, poderíamos dizer que ela
sempre se preocupou com a possível afinidade que haveria entre os astros e o
indivíduo. Segundo os astrólogos, o destino do homem seria regido por um astro.
Neste caso, ao astrólogo não interessava saber fôsse o astro de natureza material,
independente do observador, ou de natureza psicofísica, dependente do obser-
vador.
Os astrólogos sempre acharam que, conforme a posição dos luminares no
Zodíaco, o indivíduo fica sujeito a determinada influência, boa ou má. Alguns
astrônomos-astrólogos fa mosos já tinham percebido a possível conexão entre seu
próprio pensamento e os planêtas, ou entre o pensamento humano e aquêle céu
pontilhado de astros. Achavam que havia uma espécie de correlação, como se
quisessem dizer que aquêle céu pontilhado de astros representava certos
pensamentos. Houve alguns que afirmaram que o céu estrelado representava os
pensamentos dos deuses ou de Deus e que a missão do astrólogo era conseguir
traduzir êsses pensamentos em palavras. É claro que houve outros que estavam
muito aquém dessa concepção, e não passavam de mistificadores dentro da
própria Astrologia.
BoMBASTUS: Parece-me que fôste razoàvelmente feliz ao expor as
oposições que há entre a astronomia mecanicista, típica do Ocidente, e uma
astronomia preocupada na interpretação do sentido dos astros, como teriam sido
as astronomas orientais e americanas pré-colombianas. Mas, gostaríamos que
discorresses um pouco mais sôbre a pretensão da Astrologia de, por exemplo,
fazer relacionar e depender a vida humana de certas influências e combinações
astrais. Gostaríamos de saber até onde haveria um fundo de verdade nessa
afirmativa ou pretensão; ou melhor, até que ponto seria a vida humana influen-
ciada pelos astros, o que, por exemplo, a Astronomia moderna nega
peremptóriamente.
TEOFRASTUS: Bem, a pretensão dos astrólogos é tão válida, ou é tão
pouco válida como qualquer outra opinião, principalmente quando nos
lembrarmos de que o objeto observado depende sempre do observador. Da mesma
forma como os atuais astrônomos acreditam ter "descoberto" milhões, e até
bilhões

147
211

de "coisas" nesse suposto e vasto Universo, por êles apresentado e descrito, assim
também os astrólogos podem ver no céu "coisas" que os astrônomos se recusam a
ver. O que importa não é o visto, e sim o vedor. O visto sujeitar-se-á à natureza do
vedor. E isto que acabo de dizer vale mais na pretensa observação do macrocosmo
(estrêlas, planêtas etc.) e do microcosmo (células, moléculas, átomas, etc.) do que
na visão dos objetos comuns e próximos ao observador.
As coisas que acreditamos estar vendo pelo telescópio ou pelo microscópio
se acomodam muito mais fàcilmente aos preconceitos mentais do observador do
que às coisas vistas a ôlho nu, porque na elaboração, na forjação e no testemunho
das coisas vistas a ôlho nu, a mente, exteriorizando-se de dentro para fora,
contribui com todos os cinco sentidos, e daí parecerem os objetos próximos ao
observador mais fixos, menos variáveis, mais concretos e mais reais, enquanto
que nas "coisas" vistas pelo telescópio ou pelo microscópio, a mente apenas
participa com o sentido da visão, e eis por que, neste campo, há maior facilidade
de acomodação das coisas observadas, sempre segundo os preconceitos do
observador. Este é o motivo por que a Astronomia, a Biologia, a Citologia, a
Cristaloquímica, a Bioquímica são os ramos científicos que, mais do que qualquer
outro, continuam, ininterruptamente, a acrescentar novas e mais novas
"descobertas", em verdade apenas novos engendramentos humanos. Para êstes
casos, vale o aforismo dos antigos que citei anteriormente. A ironia de tudo é que
há muita semelhança entre um panorama estelar e uma observação microscópica.
Alguém pouco avisado pode confundir a fotografia de uma galáxia com a de uma
célula vista ao microscópio eletrônico. Depois, temos de salientar ainda que,
tanto ao telescópio como ao microscópio, prevalecem as formações circulares,
as incógnitas geométricas, das quais tanto se vale o ego-intelecto-mente
quando pretende alterar o observado e enganar o consciente do observador.
Se aquilo que observamos depende de nós mesmos, e se na observação
participar um único sentido, o da visão, então, fàcilmente, a minha observação se
acomodará àquilo que eu conheço e penso, e portanto a Astrologia teria também o
seu fundamento. Mas, vê bem, não são os astros, independentes

212

e isolados do observador, que vão determinar ou vão influenciar o destino do


homem; é o astrólogo que, inconscientemente, projeta naqueles pontos luminosos,
também por êle antes projetados, as suas intuições, a sua imaginação e até suas
pretensões. De alguma forma, êle está tão certo e tão errado quanto um
astrônomo, que nesses mesmos pontos luminosos, também por êle projetados,
emana outras "coisas" de caráter físico-químico-matemático, pois seu raciocínio a
isto se restringe. Nada fora do homem pode determinar o destino do homem. É o
próprio homem quem determina seu destino, de conformidade com seus
pensamentos, atos e atitudes. No homem está sua escravização ou seu destino,
como também está sua liberdade. Quantos astrólogos não foram capazes de

148
determinar seu próprio destino! E quantos astrólogos morreram antes mesmo que
se cumprisse a fatalidade do destino de seu cliente e que, finalmente, não chegou a
se cumprir! Se os astrólogos disserem que estão com a razão absoluta, então, estão
errados, tão errados quanto os astrônomos que aprenderam o ABC da Astronomia
a partir da Astrologia, mas que hoje, ciosos de seus pretensos conhecimentos,
pràticamente estranhos ao Universo Ideal, dizem que êles estão absolutamente
certos e os astrólogos absolutamente errados. Fazendo uso dos sentidos e do inte-
lecto-mente ninguém pode afirmar estar absolutamente certo ou absolutamente
errado.
De certa forma, o cliente do astrólogo também faz parte do todo projetado
por êsse mesmo astrólogo; então, nesse caso, os astros serviriam como excitantes
à intuição, a posteriori, do observador que, telepàticamente, acabaria captando
informações sôbre o destino reservado a seu próprio cliente. Haveria certa relação
entre o objeto astro e o objeto cliente, projetados antes de o astrólogo receber a
intuição.

BOMBASTUS: A teoria de Newton foi um grandioso edifício físico-


matemático que, de certa forma, não se pode negar, preencheu tôdas as
necessidades que tinham os homens de ciência do século XVIII e XIX, no terreno
da Mecânica e da Astronomia. E, como já vimos, a Astronomia, de certa forma,
apesar das alterações introduzidas por Einstein, continua sendo uma astronomia
newtoniana. O mesmo pode-se dizer, em aspectos restritos, da Mecânica atual. Por
isso, no século XVIII, que

213

poderíamos dizer, foi um século bastante cientificista, o que principalmente se


desenvolveu muito foi a matemática pura, a matemática aplicada, a mecânica
analítica, o cálculo, surgindo também o cálculo das probabilidades. Ou seja,
desenvolveram-se todos aquêles ramos modernos da Matemática, criados por
Pascal, Newton, Leibnitz e Descartes.
Agora, paralelamente a isso, o outro aspecto que temos de correlacionar à
ciência do século XVIII seria o surgimento das ciências naturais, com a presença
de Linneu, que classificou as espécies animais e vegetais, e também o surgimento
de rudimentos de ciências sociais, psicológicas, etc. Somado a tudo isso, o que
mais se destacou no século XVIII foi o aparecimento da Química moderna, cujas
bases parecem estar indissolúvelmente ligadas à teoria de Lavoisier, que enunciou
a indestrutibilidade da matéria, teoria essa que, poderíamos dizer, empolgou todo
o século XIX e tôda a ciência dêsse século, a qual se desenvolveu enormemente,
partindo justamente dêsse pressuposto, que aceita a matéria como um ente
fundamental e indestrutível do Universo. Gostaríamos que analisasses os aspectos
da indestrutibilidade da matéria, até onde êles seriam admissíveis, e gostaríamos
também que considerasses a repercussão que ela teve, no século seguinte, que foi
o famoso século XIX, no qual vários dogmas científicos foram cimentados, como
absolutos e irremovíveis, se bem que, por ironia do "destino", grande parte dêles
tenham sido atualmente superados e substituídos por outros mais elásticos.

149
TEOFRASTUS: Mais uma vez volto a fazer-te uma contrapergunta: De que
matéria me falas? Bem, mas quem teria de responder a isso deveria ter sido
Lavoisier, e êle, certamente, não me responderia porque via as coisas de outra
maneira.
Anterior a Lavoisier, com sua teoria da gravidade, foi Newton quem
começou a salientar a importância da massa ou da matéria. Foi êle quem
enquadrou a massa como um conceito físico-matemático da Natureza.
Provàvelmente, Lavoisier deve ter-se deixado influenciar por êsse nôvo elemento
físicomatemático natural. Agora, mais que isso, o que Lavoisier se propunha era
estabelecer mais um dogma no edifício científico. Tão pródigos são os cientistas
em criar dogmas! E dizer que êles, de tanto combater os dogmas da Igreja,
começaram, por

214

sua vez, a engendrar dogmas particulares. Mas isso é outro assunto. Bem, sucede
que antes de Lavoisier estabelecer seu princípio da conservação da matéria, entre
os cientistas de seu tempo prevalecia a concepção de que, em determinado fe-
nômeno físico-químico, entre outras coisas, a matéria desaparecia; ou seja,
voltava ao nada, por assim dizer, e isto, provàvelmente, por estarem êles
influenciados pelas concepções gregas. Mas, Lavoisier sentiu necessidade de
provar o contrário. Precisava superar a opinião comum de seu tempo. Sentiu um
prurido todo especial para também êle, submeter a suposta natureza material a
limites restritos e matemáticos. Para Lavoisier, o Universo tinha de ser algo
hermèticamente fechado, dentro do qual existia tôda a matéria concebível, com
um valor quantitativo sempre igual e constante, e do conteúdo dêsse Universo
nada se podia perder.
São célebres as suas experiências para provar que, em determinado
fenômeno físico-químico, a matéria não se perdia, mas simplesmente se
transformava. Bem, o problema todo se restringe a isto: Existirá essa tal matéria
indestrutível de Lavoisier? Será ela absolutamente independente do observador?
Se fôr dependente do observador, então os predecessores de Lavoisier estavam
certos em dizer que a matéria desaparecia em determinado fenômeno físico-
químico; assim como Lavoisier também tinha razão em provar, para êle e seus
seguidores, que a matéria não desaparecia. Aqui, novamente, concluímos que
todos têm razão; e nenhum a tem, em têrmos absolutos e universais. Isso decorre
da identidade entre o observador e o observado. Se existisse apenas uma matéria
física, totalmente independente do observador, então, é bem provável que
Lavoisier estivesse mais certo que os demais. Mas como essa matéria é um mito,
um fantasma, urna fantasia, qualquer outro, com opinião diferente, pode estar
certo e errado quanto Lavoisier. Aliás, sabemos que, atualmente, a própria
atomística moderna se encarregou de derrubar o dogma da conservação da matéria
de Lavoisier. Mas, como sói acontecer, os cientistas modernos, sentindo o mesmo
prurido de Lavoisier, acharam necessário manter o Universo como um sistema
absolutamente fechado, e, pressurosos, acorreram a engendrar o dogma da

150
conservação da Energia, em substituição ao dogma da conservação da matéria de
Lavoisier. O raciocínio

215

dêles baseia-se no fato de que se a energia do Universo, apesar das


transformações, não se conserva sempre com o mesmo valor absoluto ., a Ciência
cai, como uma forma exata de conhecimento. O cientista tem horror ao
relativismo, à corda bamba, êle precisa de pedestais firmes, irremovíveis, nem que
êsses pedestais sejam uma mentira, uma teoria gratuita, uma pretensão para
enganar os incautos. Mas a culpa não é dêles, e sim do grande e instável mentiroso
(o ego-intelecto-mente), que sendo mera "fumaça" procura através do dogma
cimentar irremovivelmente sua fantasmagórica natureza, tanto a sua quanto a
natureza de seu outro pólo, o objeto de estudo e de pesquisa. Então, nesse caso,
poderíamos dizer que a primitiva e ingênua fórmula de Lavoisier cedeu lugar à
fórmula de Einstein da transformação da energia em massa e vice-versa, ou então,
às fórmulas da entropia e da Termodinâmica, que muito bem caracterizam o
suposto e fantasmagórico universo fechado. O que sucedeu é que, como de
costume, fantasmas substituíram fantasmas.
Voltemos, pois, ao fato de a matéria desaparecer ou não: se a matéria tem
natureza física própria, e se a matéria fôr independente, externa e objetiva (fato
êste que nunca poderá ser provado independentemente da mente-intelecto do
homem), então, ela não pode desaparecer, mas se a matéria fôr psicofísica, ou
seja, se ela fôr mental, una com o observador, interna, subjetiva, dependente do
observador, então, ela pode desaparecer, isto é, não que desapareça; ela volta à
mente da qual emanou, volta ao estado de mente indiferenciada, de mente
subconsciente e mesmo de mente inconsciente do observador. E como já disse
antes, é mais fácil e mais certo nós provarmos a REALIDADE de nossa
CONSCIÊNCIA, de vivenciarmos, aqui e agora, a VERDADE OU O SER
INDESTRUTÍVEL E INABALÁVEL, dentro de nós, de onde se origina a mente
e todo o resto, mas que nem por isso é mental, do que tentar provar a realidade da
matéria externa a nós, como independente e verdadeira.
Foi Lavoisier que enunciou que "na Natureza nada se cria, nada se perde e
tudo se transforma". Contra êsse conceito, no fundo apenas palavras, poderíamos
antepor êste outro enuncia
do, também de palavras, mas que vão ser encaradas como loucura, como
non sense, que diz o seguinte: "Se a Natureza é dependente do observador, como
uma série de evidências nos

216

sugerem, então poderíamos dizer que: Na suposta natureza externa nada se criou,
logo nada se perdeu, mas paradoxalmente tudo se transforma de mente
indiferenciada para mente diferenciada; isto é, paradoxalmente, tudo se transforma

151
de natureza interna, inconsciente, subconsciente; para natureza externa consciente,
projetada de dentro para fora, que depois dá a impressão de estar sendo captada
sensorialmente em sentido contrário, ou seja, de fora para dentro". Isto que acabo
de dizer não deve ser encarado pois são palavras vazias, tão vazias como as de
Lavoisier. Mas, vê bem, é válido para os contrários a Lavoisier, que defendiam o
desaparecimento da matéria; é válido para o próprio Lavoisier, que "provou" a
conservação da matéria; e é válido ainda para os físico-atomistas atuais, que
dizem que num fenômeno intranuclear a matéria desaparece, cedendo lugar à
energia que, por sua vez, se manteria inalterável; e, finalmente, é válido para
qualquer outro pesquisador que quiser dar e "provar" outras opiniões.
Com isto, novamente estamos chamando a atenção sôbre o acomodamento
daquilo que nós chamamos de natureza externa com a consciência-intelecto do
observador, porque aquilo que nós chamamos de Natureza é também o próprio
observador; é um pólo indissociável ao outro pólo que representa o observador,
ambos, contudo, de natureza relativa e mutável.
Outra coisa, o enunciado de Lavoisier, por ironia, se aplica melhor à
superficial natureza do observador do que à suposta matéria do objeto observado.
A natureza última do observador é o SER, fonte da consciência, da mente da
relativa personalidade e mesmo de seu objeto projetado, enfim de tudo. Mas,
como já disse antes, sobreposto ao SER, encontra-se uma mentira polar; um pólo
representaria o ego-intelecto-mente e o outro aquilo que acreditamos estar
observando fora de nós, supostamente independente do ego-intelecto-mente. Pois
bem, o enunciado de Lavoisier se aplica tão bem ao ego, que no caso poderíamos
dizer assim: "O ego nunca foi criado, nem se cria, entretanto sobreposto ao SER
não sendo, faz fôrça para não se perder, transformando-se constante e
paradoxalmente a fim de manter a ilusão de sua realidade, de sua independência,
de sua unidade e da sua fantasmagórica vitalidade." E vê bem como o que é da
natureza do ego acabou sendo projetado no suposto

217

objeto externo, fazendo com que egolátricos cientistas ficassem quase duzentos
anos discutindo e provando a realidade ou a mentira do enunciado de Lavoisier,
enquanto isso, o ego de cada um se reforçava cada vez mais, porque o consciente
de cada pesquisador, preocupado que estava sôbre a verdade ou a mentira do
objeto, não percebeu que a verdade ou a mentira que criam lá fora estava dentro
dêles próprios.
BoMBASTUS: Já tínhamos falado que a importância histórica da
conceituação de Lavoisier foi inegável, porque tôda a Ciência do século XIX
partiu dêsse "provado" pressuposto da indestrutibilidade da matéria. Mas,
restringindo-nos ao campo específico da Química, as conseqüências mais notáveis
e mais imediatas da teoria de Lavoisier são uma série de leis, que ainda hoje são
fundamentais nesse importante ramo da Ciência que é a Química, ou seja, a teoria
atômica de Dalton; a lei das proporções fixas de Proust; a lei das proporções
recíprocas de Richter e outras leis mais que são a base da Química moderna. Já
que tôdas essas leis realmente não passam de conseqüências da Lei de Lavoisier,

152
porque tôdas elas partem do pressuposto da indestrutibilidade da matéria,
gostaríamos que, objetando como objetaste contra a Lei de Lavoisier, falasses
também sôbre essas leis ou hipóteses derivadas dos conceitos de Lavoisier.
TEOFRASTUS: Pois bem, tôda a Química moderna foi elaborada
baseando-se na aceitação implícita da Lei ou dogma de Lavoisier; os demais
pesquisadores químicos, independentemente do aparente sucesso dêsse estudioso,
que também se explica, "descobriram", ou então elaboraram seus enunciados ou
pretensas leis recalcados no postulado de Lavoisier. Sirvamo-nos de Proust, que
diz e "prova" o seguinte: "Tôdas as substâncias químicas seriam compostas pelos
mesmos elementos, e êsses elementos unir-se-iam em proporções fixas." Agora,
para que esta lei fôsse absolutamente verdadeira, era preciso, antes de tudo, que a
matéria realmente se conservasse, e não sòmente a matéria, mas principalmente
suas supostas partes constitutivas, os elementos. Creio que já ficou mais ou menos
evidenciado que a possibilidade da absoluta independência da matéria com re-
lação ao observador é pura ficção, pura falácia. E o fato de ela, aparentemente, a
um mesmo observador, manter-se constante, não depende dela mesma em si, mas
do próprio obser

218
vador. As proporções fixas que os elementos manteriam quando de sua união
também dependem da Lei de Lavoisier. Se digo que em determinado composto
salino, digamos, exista determinada percentagem constante de cloro e determinada
percentagem constante de sódio, isto implica aceitar que, no espaço-tempo criado
pelos cientistas, as quantidades de cloro e sódio unidas no suposto composto
permanecem inalteràvelmente constantes. Isso dificilmente se verificaria, porque
restringiríamos o composto salino e suas possíveis ações a limites restritos, que
até dualística e materialmente falando, não existem.
Mesmo deixando de lado o conceito monista que identifica o observado ao
observador, mesmo dentro do conceito dualístico, científico, isso é uma aberração.
Na própria Natureza, encarada dualìsticamente, nada há de fixo e de inalterável.
As pretensões de Proust e seus seguidores não passam de pretensões intelectuais
que, laboratorialmente falando, se acomodaram, não porque as substâncias
obedeçam a qualquer lei natural, descoberta por Proust ou outros, mas sim,
sempre e sempre, por causa do observador que, intelectualmente limitando-se a si
próprio, limita o pretenso fenômeno observado, em última instância, outro aspecto
de si mesmo. Proust apenas condicionou experimentos à sua maneira de ver e de
pensar, atitude que o induziu a concluir que êle e os que como êle acabassem pen-
sando estavam absolutamente certos. Essa atitude é uma decorrência do fato de
que êle, o fenômeno e a prova do fenômeno eram uma só e mesma coisa.
Se a matéria não se conservasse, então as proporções fixas de Proust seriam
impossíveis; mas a partir de Lavoisier a matéria pareceu começar a se conservar.
Contudo, volto a repetir:
a matéria não pode ser, nem é externa, e muito menos independente do
observador; mais acertadamente falando seria psicofísica, dependente do
observador, mas, no funda, até êste seria apenas um ponto de vista. As substâncias,
os compostos moleculares, os átomos, etc., não existem independentemente do
observador; fazem parte do consciente sensorial do observador. Tudo isso faz
parte da consciência sensorial do observador. Se assim é, como então poderíamos

153
falar nas proporções fixas com que os elementos se uniriam? E que elementos são
êsses que, independentes e isolados do observador, manter-se-iam inalteráveis?

219

A propósito disso, sei que atualmente há um pesquisador francês, que dentro


da maneira científica de provar as coisas, "descobriu" a inconstância dos
elementos ditos imutáveis, ou melhor, "descobriu" a transmutação natural e
biológica dos elementos à baixa energia, ou seja, um elemento transmutar-se-ia
naturalmente em outro, com pouco gasto de energia, desmentindo as opiniões de
Proust, de Lavoisier, Dalton e mesmo de Einstein e outros. Se o que êste
pesquisador francês "provou" está certo ou errado, não importa. O fato é que na
Ciência é sempre assim: há opiniões substituindo opiniões.
Agora, novamente, com relação às proporções, sabemos que não foram os
elementos que, espontâncamente, disseram ou revelaram ao químico-analista
Proust as percentagens quantitativas de suas combinações; mas foi o próprio
Proust que obrigou sua própria natureza, que êle acreditava independente de si
mesmo, a obedecer uma lei por êle próprio engendrada. Quer dizer que sua
própria natureza passou a obedecer sua própria lei ou Lei de Proust.
Além de Proust, Richter também estabeleceu outras leis fundamentais da
Química, mas que, por sua vez, também dependeram da dogmática lei
prèviamente estabelecida por Lavoi sier e Proust. Novamente a Natureza vista por
Richter, que também era o próprio Richter, acomodou-se às leis elaboradas por
seu observador. Mais uma vez, o objeto observado acomodou-se meramente às
pretensões do observador. É óbvio que isso tinha de ocorrer, pois é inegável a
identidade subjetiva inconsciente entre o sujeito e o objeto observado.
Falando em têrmos gerais, incluo nesta minha crítica as tão decantadas
"provas" do método experimental. A Verdade não aceita nem nossas
demonstrações nem nossas "provas" nem as nossas refutações. A Verdade é,
simplesmente. Só o inexistente, o fantasmagórico, a imaginação, a mentira é que
aceitam as refutações ou "provas" afirmando-se em ambos os casos. É por isso
que, pràticamente, tôdas as provas químico-científicas apresentadas por Lavoisier,
por Proust, por Richter, por Dalton, por Gay-Lussac, por Avogadro e outros, são
provas que provam apenas a capacidade engendradora dêsses personagens, e não
uma Verdade oculta numa natureza comum e independente dos homens. Não
seriam provas que correspondessem à Realidade

220

ou à Verdade, escondida numa natureza absolutamente independente do


observador, e sim verdades puramente humanas.
O mesmo se diga da teoria atômica de Dalton, que resulta ser apenas uma
espécie de continuidade da teoria atômica de Leucipo, Demócrito e outros
pensadores gregos. Além do mais, as qualidades intrínsecas e imutáveis, que
Dalton pretendia encontrar nos famigerados átomos e moléculas, é mais do que
certo tratarem-se sòmente de qualidades daltonianas, e não moleculares ou
atomísticas. Hoje, mesmo dualística e cientificamente falando, sabemos que

154
essas qualidades moleculares e atomísticas são tidas como muito relativas e
duvidosas. Basta, digamos, que ocorra a perda de um simples, absurdo e
fantasmagórico elétron para que as tão decantadas qualidades intrínsecas
imutáveis dos átomos cedam lugar a outras, totalmente diferentes. Se houvesse
total independência entre minha mente e meu objeto de investigação, isso não
poderia ocorrer tão fàcilmente. Por exemplo, mesmo dualística e cientificamente
falando, é absurdo, é ridículo admitir que pela perda de um simples elétron, que
conforme ensina a própria atomística, não passa de um vórtice misterioso de
energia, ou então seria apenas uma suposta e enigmática entidade, que ora se
comporta como corpúsculo, ora como onda, ou ainda poderia decompor-se
dando origem a dois fótons, etc. etc., pois bem, seria demasiada ingenuidade
admitir que a perda de um simples elétron do átomo de sódio provocasse o
seguinte fenômeno: Aos nossos sentidos, através dos quais se faria, digamos
assim, a projeção de objeto analisado, um átomo de sódio, ou melhor, ainda, um
grupo de átomos de sódio que constituiriam o metal sódio, quando visto como
completo, com todos os seus elétrons, apresentar-se-ia sólido, branco-prateado,
mole como a cêra, decomporia a água a frio e oxidar-se-ia energèticamente ao
ar, e além do mais seria corrosivo e tóxico. Pois bem, êsse mesmo conjunto de
átomos de sódio que comporiam o metal sódio, perdendo cada um dêles apenas
um elétron, isto é, uma insignificância, um nada, uma inexistência, um enigma
que até hoje não foi traduzido adequadamente nem captado e analisado pelos
instrumentos, sucederia, então, que êsses átomos de sódio, perdendo apenas um
elétron, transformar-se-iam em catíons sódios ou íons positivos de sódio, mas
desta vez com as seguintes características: inco

221

lores, não decomporiam a água, não se oxidariam no ar, não seriam tóxicos e
finalmente não seriam corrosivos.
Ora, façam-me o favor! Pretender que tôdas essas qualidades sejam
intrínsecas de algo (o elétron), pràticamente, nem sequer existe, é querer demais.
É óbvio que tudo isso ocorre por causa do observador, e não por causa do suposto
observado, o metal sódio, ou íon sódio. Foi o observador químico-analista quem
atribuiu ao sódio tôdas as qualidades químico-fisiológicas que o sódio, ou seja
qual fôr o elemento, poderia ter. E novamente foi o próprio químico quem atribuiu
ao íon sódio qualidades diferentes das do átomo de sódio. Isto evidencia que não é
o elemento atômico, ou então o objeto observado, que teria, em si, as qualidades
que lhe pretendem atribuir, mas é o observador que atribui ao seu objeto de
observação suas próprias qualidades intelectuais, isto é, qualidades do próprio
observador, no caso que ora focalizamos, o observador Dalton.
BOMBASTUS: Ainda dentro do terreno da Química, e como conseqüência
da teoria de Lavoisier, a partir de Dalton, e já de certa forma antes dêle mesmo,
toma vulto o conceito de elemento, ou seja, a idéia da existência de um
determinado tipo de matéria que conservaria sempre suas propriedades essenciais,
que entrariam a fazer parte da composição das substâncias compostas. Ao criar
sua concepção de átomo qualificado, razoàvelmente diferente do átomo dos

155
filósofos gregos, atribuiu Dalton a cada um dêsses tipos fundamentais de matéria,
que êle chamou de elementos, uma determinada característica, ou seja: elementos
iguais seriam para êle constituídos por átomos iguais; elementos diferentes, por
átomos diferentes. E a partir daí, desenvolveu-se tôda a Química, baseada
fundamentalmente nessa concepção de elemento. Gostaríamos que, sucintamente,
opinasses sôbre essa concepção de elemento, ínfimas partículas constituintes da
matéria, que manteriam constantes suas qualidades intrínsecas, e que também
fariam parte dos componentes das substâncias compostas. Êsses elementos, cujo
número era reduzido na época de Dalton, mas que foram crescendo cada vez mais,
tendo o homem atualmente conseguido inclusive criar novos elementos, os assim
chamados elementos artificiais transurânicos, engendrados através das emissões
de radiações nucleares, opõemse à concepção dos gregos, que já tinham
conceituado certas

222

substâncias elementares e universais, de cuja combinação resultariam tôdas as


outras. Ora, para os gregos, no nosso caso, para Empédocles, seriam quatro os
elementos fundamentais: terra, fogo, ar e água. Gostaríamos que comentasses a
respeito da diferença entre o nosso conceito de elementos atômicos, que
atualmente já são 103, e o conceito grego com seus quatro elementos. E poderias
também ressaltar qual das duas maneiras de encarar essa suposta realidade física
seria máis admissível, se é que alguma dessas teorias estavam certas ao criar o
conceito de elemento, ou seja, de substância-base daquilo que chamamos de
matéria.
TEOPRASTUS: O fato de Empédocles e outros terem limitado a suposta
matéria a quatro elementos básicos demonstra, digamos assim, certa modéstia de
imaginação. Ora, conforme aquilo que venho expondo até aqui, nem a teoria grega
dos quatro elementos fundamentais, nem a teoria científica moderna (desculpem
se chamo de teoria às "provas e fatos" da Ciência moderna), poderíamos atribuir-
lhes foros de verdade ou foros de mentira. Agora, em relação à VERDADE
última, parece-me que a teoria grega seja mais favorável; isto é, a sua
simplicidade facilita e não impede ao homem vislumbrar a VERDADE em seu
próprio coração. A um cientista moderno que aceita e defende a concepção
daltoniana, e principalmente a concepção da atomística moderna que superou
aquela, isso já é bem mais difícil, se não impossível. Temos de nos lembrar de que
a VERDADE não foi abalada e muito menos alcançada por nenhuma dessas duas
teorias. Refutar-me-ão dizendo que os gregos teorizavam, mas a Ciência moderna
apresenta "fatos e provas". Contudo, sucede que nós acreditamos descrever provas
e fatos com palavras, quando, em verdade, apenas com preconceitos mentais e
palavras engendramos os fatos e as provas. Se não fôssem o reconceito mental, o
condicionamento, a memória e as palavras, que provas e fatos poderíamos
apresentar?

Dualística e cientificamente falando, a concepção moderna poderia parecer


mais acertada do que a dos gregos; todavia, a natureza pode depender do

156
observador, porque êste pode-se provar a si mesmo como o SER e não por meio
do objeto. E mesmo não querendo provar-se, ainda assim êle subsiste como
consciência, enquanto aquela sempre e sempre necessita de ob

223

servador para ser provada, o que resulta, finalmente, que ela não é provada, mas
quem parece se provar é o próprio provador. Assim, sendo a natureza dependente
do observador, quanto mais simples fôr esta dependência melhor será para o
observador, porque se sentirá mais dono de sua própria consciência, personalidade
e de sua própria vontade, diante de uma natureza pretensamente objetiva, mas em
verdade subjetiva e inconscientemente idêntica ao observador, e ainda por cima
extrema e inutilmente complexa, como é o caso da concepção daltoniana e da
muitíssimo mais complexa concepção da atomística moderna. Procura
compreender que não estou aqui tomando partido dos gregos, pois, para mim, os
gregos têm tanto valor quanto os cientistas modernos. Estou tratando apenas de
ver o quanto o homem se afastou da VERDADE, seja acatando as opiniões dos
gregos, seja acatando as opiniões disfarçadas com "provas" dos atuais donos da
verdade, que muito longe estão da verdadeira VERDADE. Vê tu, a substituição
dos quatro elementos básicos dos gregos - terra, fogo, água e ar - pelos 103 atuais
elementos atômicos, que prometem aumentar mais ainda, abriu o caminho para
uma complexidade bem maior, pois sabemos que, além dêsses 103 elementos,
muitos outros há na condição de isótopos e de isóbaros, que acrescem
enormemente o valor de 103. Se tivéssemos de somar aos 103 supostos elementos
todos os isóbaros, isótopos, catíons, aníons e todos aquêles outros elementos que
se transmutam espontânea e naturalmente um no outro, conforme o parecer e as
"provas" de determinado pesquisador francês, então a complexidade dos
elementos atualmente existentes aumentaria incrivelmente. Um maior número de
engendramentos ou "descobertas" só pode afastar o homem cada vez mais da
VERDADE. E acreditas que a Ciência esteja traduzindo fielmente a maneira de
ser e de atuar da Natureza? É óbvio que não. Essa complexidade tôda só existe na
mente do senhor cientista, e apenas lhe encheu a cabeça de vaidade e o afastou,
superficialmente falando, da VERDADE.
Mais prudentes e mais sábios que os ocidentais foram os mestres orientais,
que desde tempos imemoriais já tinham compreendido e surpreendido a
identidade que une aquilo que cha mamos matéria circunjacente ao observador.
Êles perceberam que essa suposta matéria era apenas uma manifestação mental

224

que denominaram Prakriti, ou substrato psicofísico, nunca independente do


observador e também nunca independente da fontemãe, O SER. Essa mesma
matéria psicofísica recebia o nome de MAYA quando o indivíduo esquecia a

157
identidade que o une àquilo que estava vendo. Então Maya é a matéria tida como
isolada do observador, em verdade subjetiva e inconscientemente sempre ligada a
êle, mas que se acomoda a tôdas as manhas dêsse mesmo observador. Maya é a
matéria calidoscópica, de infinitas facêtas, porque não faz outra coisa senão
acomodar-se à imaginação consciente ou inconsciente do observador. Maya é a
aparência, é a miragem vista como matéria ou como natureza independente do
observador, e essa aparência, essa miragem, correspondem finalmente à mentira, à
falsidade, à ilusão e à vaidade do observador.
Entretanto, nós, ocidentais, vítimas dos gregos ingênuos e das más
interpretações bíblicas, sempre cremos e sempre aceitamos a absoluta dissociação
entre o objeto observado e o obser vador, de modo que aquilo que chamamos de
matéria vem sofrendo as mais surpreendentes interpretações, transformações e
acomodações, sempre de acôrdo com os preconceitos do observador. Ou melhor,
o observador incauto sempre vive fazendo o jôgo de Maya.
Os gregos falavam em matéria contínua e em matéria descontínua.
Parmênides dizia que tôdas as coisas eram formadas de dois princípios opostos.
Platão dizia que a matéria era uma composição fluídica, contínua, ou pleno
universal; em sua matéria não havia movimento. Aristóteles defendia os quatro
elementos e não aceitava o vácuo. Heráclito já admitia que na matéria havia um
elemento móvel. Anaxágoras ventilou a possibilidade de que a matéria fôsse
constituída de pequeníssimas partículas. Demócrito e Leucipo defendiam a tese de
que a matéria fôsse finitamente divisível e o aspecto último dessa matéria
granulosa era o átomo, o último elemento indivisível. Empédocles apresentou sua
concepção material dizendo que tudo seria constituído de terra, ar, água e fogo.
Isso prevaleceu, mais ou menos, até os séculos XVIII e XIX, época de Dalton.
Este, por sua vez, dizia que a matéria era constituída de partículas duras,
impenetráveis, insecáveis, dotadas de contínuo movimento e separadas por
espaços vazios. Estas partículas tam

225

bém receberam o nome de átomo. O átomo de Dalton cedeu lugar ao átomo


estático de J. J. Thomson e Lorde Kelvin, em que cargas negativas estavam no
núcleo e as positivas na coroa.. Este átomo, por sua vez, cedeu lugar ao átomo de
RuthefordBohr, o qual é comparado a um pequeno sistema solar, em cujo núcleo
estavam as cargas positivas, os prótons, e na coroa os elétrons. Hoje sabemos que
no núcleo, além do próton, existem mais de 200 subpartículas intranucleares;
ademais, a concepção de Rutheford-Bohr está totalmente superada, mas mesmo
assim, os professôres continuam com ela enchendo a cabeça dos alunos de
Química. A atomística moderna, atualmente, aceita os átomos da mecânica
quântico-ondulatória, os átomos de Schrõdinger e outros; e são os próprios
atomistas que dizem que "o átomo que a atomística conhece é tão diferente dos
modelos de Rutheford-Bohr como um homem vivo do boneco de um ventríloco".
Pois bem, todos êsses átomos, que não existem independentemente do observador,
correspondem apenas à ima, ginação e à capacidade engendradora do próprio
observador, e não a uma tradução e real interpretação da Natureza.

158
BOMBASTUS: Após as considerações sôbre o início do desenvolvimento
da Química, a partir das hipóteses de Lavoisier e Dalton, pretendemos recapitular,
ràpidamente, o que foi o desenvolvimento da Ciência no século XIX. Parte dela
desenvolveu-se justamente dêsses conhecimentos que acabaste de analisar, ou
seja, a partir da teoria atômica de Dalton e da teoria da conservação da matéria de
Lavoisier.
Agora, paralelamente a isso, a Física do século passado desenvolveu-se mais
no sentido da eletricidade, de vez que a Mecânica continuou sendo apenas a
Mecânica de Newton, e isso até o início do século XX. Outro aspecto que poderia
ser considerado, no século XIX, é o desenvolvimento da Biologia, devido,
principalmente, à teoria celular que, se não me falha a memória, foi primeiramente
apresentada por Schwann, médico e cientista alemão, que por volta de 1830 teria
estabelecido as bases da teoria celular. Partindo da célula cairíamos no terreno da
genética, cujos primórdios se devem a Mendel, e paralelamente a ela na teoria
evolucionista, que foi, talvez, de tôdas as teorias científicas do século passado,
aquela que alcançou maior repercussão.
226

Bem, como já dissemos antes, o principal desenvolvimento da Física, no


século passado, foi no campo da eletricidade e do magnetismo. Aliás, pode-se
dizer que a eletricidade nasceu no século XIX, de vez que os primeiros estudos
científicos foram efetuados por Volta e Galvani, no início dêsse século; depois
tomaram grande.impulso com Faraday, e mais tarde, no fim do século XIX,
Maxwell constituiu o embasamento teórico, prenunciando, com sua teoria do
eletromagnetismo, as novas teorias do século XX, que iremos comentar
sucintamente mais adiante.
Em suma, gostaríamos de saber a que atribuis o fato bastante interessante de
que o conhecimento da eletricidade tivesse tardado tanto a surgir. Em outras
palavras, porque, enquanto outros aspectos do universo físico eram já
razoàvelmente conhecidos, o fenômeno da eletricidade permaneceu ignorado por
séculos e séculos de civilização? Achas que foram as contingências da época que
permitiram se elaborassem tôdas essas teorias? Porque, de acôrdo com os teus
pensamentos, tôdas as hipóteses científicas resultam de certos engendramentos.
Achas que êsses engendramentos que se fizeram em tôrno da eletricidade teriam
sido condicionados, vamos dizer, pelo estágio em que se encontravam os
conhecimentos da época? Êsses fenômenos elétricos existem realmente e não
tinham sido descobertos, por um fato ou outro, ou são êles também simples en-
gendramentos?
TEOPRASTUS: Respondendo rápida e objetivamente à tua pergunta, só
posso salientar que ninguém jamais conseguirá provar, sem valer-se de sua
própria mente, que a eletricidade é uma realidade natural à vida, independente do
observador. Posso te garantir que eu existo, assim como tu existes, graças aos EU
sou dentro de nós e comum a ambos. Agora, não posso te garantir que a
eletricidade exista independentemente de ti e de mim. Para que a eletricidade
exista tal e qual atualmente a conhecemos, é preciso que tu e teus conhecimentos
de eletricidade existam; ou então, é preciso que o físico-cientista exista, porque
aquilo que êste último chama de eletricidade, para outro poderá exteriorizar-se de
outra maneira.

159
A muito custo e por fôrça de expressão poderíamos pressupor que existisse
uma energia primária, ou um poder inteli

227

gente, ou uma vontade, originária do SER INTERNO, que se exterioriza através


da forma-corpo-casca do ego-intelecto-mente e que, conforme os preconceitos
mentais, memórias, desejos, ambições dêste último, essa energia primária, ou êsse
poder inteligente transforma-se e acomoda-se aos vários tipos de energias brutas e
cegas que o cientista atualmente acredita conhecer.
Antes perguntaste por que a eletricidade teria demorado tanto em ser
descoberta. A isso só posso te dizer que essa energia primária sempre existiu e
que, conforme as épocas, foi revestida pelo homem desta e daquela maneira. Pois
bem, essa mesma energia primária, focalizada pelo ego-intelecto-mente do
intelectualóide homo sapiens cientificas transformou-se na eletricidade científica,
que atualmente acreditamos conhecer, assim como essa mesma energia-mãe,
focalizada pela mente de outros homens, em outras eras, transformara-se em
qualquer outro tipo de manifestação ou poder inteligente. É muito provável que o
tão decantado poder mágico dos antigos fôsse essa mesma energia-mãe canalizada
neste sentido. Aquilo que hoje nós mecanizamos e equacionamos tão fria e
torpemente como sendo energia elétrica, provàvelmente em outras épocas, sem
tantos teoremas, era aproveitada de outra forma.
E não me venhas com a tolice de dizer que as propriedades da energia
elétrica são propriedades universais e sempre idênticas, porque isso nunca foi dito
pela energia-mãe, hoje conhecida como eletricidade, ou como outras energias
correiatas. Foram os homens que atribuíram ao que hoje chamamos de
eletricidade as qualidades que ela tem; não foi a eletricidade em si. As
propriedades sempre idênticas da eletricidade dependem da maneira sempre
idêntica com que a mente projeta as coisas. Existindo o cientista e seus
conhecimentos de eletricidade, existirá também a eletricidade. Sem o
conhecimento do conhecedor, o conhecido não existe. Se crês na eletricidade tal e
qual os cientistas acreditam exista e seja, então, a eletricidade existirá também.
Mas não pretendas que aquilo que chamas de eletricidade seja uma verdade
universal válida para todo o mundo.
Outros poderão me retrucar dizendo que a eletricidade sempre existiu e que
só agora o homem foi capaz de captá-la e utilizá-la. Pois bem, se dissermos que a
energia primária sem pre existiu, já estaremos abusando com as palavras, porque a
228

eletricidade, como hoje a conhecemos, pertence exclusivamente ao nosso tempo.


O homem de hoje não é mais capaz que o de ontem. Outrora, o homem canalizava
essa mesma energia, em menor escala, para outras finalidades, e ela apresentava
outras propriedades e outros efeitos, sempre de acôrdo com as pretensões e
preconceitos mentais do observador-aproveitador.

160
Não podemos, portanto, dizer que a eletricidade faz parte da Natureza,
porque essa tal natureza é sempre a natureza do observador. O aspecto cego e
bruto da energia elétrica tam bém depende do observador, porque assim êle o quis
e o quer, pois, como já disse antes, a eletricidade científica seria, mais uma vez,
um acomodamento dessa energia-primária-una, dêsse poder inteligente que emana
do próprio SER.
Se a eletricidade, supostamente existente numa natureza, mesmo numa
natureza admitida independentemente do homem, fôsse tal e qual a encaram os
cientistas, então teria sido a própria Natureza que se teria encarregado de
aproveitá-la da melhor maneira possível. Entretanto isso não parece ocorrer. E
digo ainda que todos os grandes empreendimentos do homem nos quais se explora
a eletricidade são contrários à maneira de ser e atuar dessa suposta natureza
independente do homem. Nessa mesma e impossível natureza, nada há que nos
prove sua preocupação em aproveitar a energia elétrica tal e qual os cientistas
acreditam conhecê-la. Contra isso alguém me refutará dizendo que no organismo
humano e animal, e mesmo no vegetal, existem vários tipos de células que
funcionam à base da eletricidade natural, tais como os neurônios ou células
nervosas, como as fibrocélulas musculares lisas e estriadas, etc., ou então que
existe a eletricidade positiva e negativa natural das subpartículas atômicas. Outra
vez devo salientar que a eletricidade dos supostos átomos não passa de pretensões
intelectuais do senhor cientista-observador. Se não fôsse êle e seu pretenso
conhecimento, nem os átomos e nem a eletricidade intratômica existiriam. Além
do mais, com relação às células, devo dizer que não foram elas que, de per si,
natural e espontâneamente, provaram sua existência e sua dependência da
eletricidade, mas foi novamente o pesquisador que acreditou ter traduzido deter-
minado poder inteligente atuante no organismo, como se se tratasse de
eletricidade apenas, quando êle poderia ser também
229

qualquer outra coisa. A importância da eletricidade e do magnetismo é tão grande,


que atualmente os biólogos, citólogos, histólogos, fisiólogos, etc., estão convictos
de que o organismo humano, ou mesmo animal, é apenas uma bateria ambulante.
Para êles, tôda a fenomenologia humana e animal que caracterizaria a maneira de
ser e atuar do ser humano e animal seria, apenas, meros fenômenos elétricos,
ridiculamente traduzidos como simples trocas de íons extra e intracelulares. É
óbvio que tudo isso não pode ser verdade. Ocorre que, mais uma vez, o objeto
observado é que se acomodou à natureza pensante do observador.
BOMBASTUS: Pelo que acabaste de dizer, a eletricidade viria a ser apenas
mais uma tentativa científica de explicar uma série de fenômenos que, na verdade,
não deveriam ser explicados.
Bem, no início dêste trabalho, já salientamos a diferença que há entre a
técnica e a ciência pura. Mas, gostaríamos de observar o seguinte: por exemplo,
concomitantemente a esse desenvolvimento da eletricidade, na Física da época,
também se ampliaram grandemente os estudos sôbre a termodinâmica, ou seja, os
estudos sôbre outra forma de energia, que é o calor.

161
Sabemos que tanto a eletricidade quanto o calor tiveram e têm, ainda,
enorme aplicação prática, pois sabemos que são inúmeras as máquinas e
mecanismos movidos por essas duas formas de energia. O fato de existirem tantos
aparelhos movidos por tais tipos de energia não seria uma prova a favor da
existência dessa energia?
É preciso reconhecer que nessas máquinas muitas vêzes a energia, quer sob
a forma de calor, quer sob a forma de eletricidade, tem um comportamento que,
pelo menos julgando-se aparentemente, está de acôrdo com aquelas normas que os
cientistas, mais ou menos, estabeleceram para essas formas de energia. Como
encararias êsse aspecto da questão?
TEOPRASTUS: Faço-te uma contrapergunta: Quem é que está negando a
existência da energia elétrica, e mesmo da energia calorífica? Eu já disse antes
que enquanto houver cientista e lógica científica, essas energias também
subsistirão, porque essa maneira de encarar as coisas, e também essa maneira de
aproveitar as coisas, assim como o encarador e aproveitador são uma e a mesma
coisa. Foi o homem científico dos séculos

230

XVIII, XIX e XX que se condicionou primeiramente a si mesmo, condicionando


finalmente seu objeto de análise, permitindo, assim, que aparecessem essas
degradadas formas de energias, tais como eletricidade, calor, magnetismo, etc.,
provenientes, por sua vez, de uma provável energia primeira ou poder inteligente.
O êrro está em pretender que êsses tipos de energia sejam únicos e universais,
válidos para todos e para tudo, com os quais o universo se regeria. Este é o
engano, pois essas energias são puramente humanas; e digo mais, são puramente
humanas, mesmo que o homem não as possa dominar, originando-se, porém, de
um tipo especial de ser humano que é o homo sapiens cientificus. É êle que
pretende que suas descobertas, ou melhor, seus engendramentos, puramente
humanos, sejam válidos para todos e para o Universo inteiro, e não percebe que
"todos" e êsse Universo inteiro são apenas êle próprio. O que êle chama mundo-
máquina, ou máquina universal, supostamente regido por leis físico-químico-
matemáticas, com suas supostas energias, matéria, espaço-tempo, etc., em
verdade, é apenas o seu campo de consciência sensorial. Por sua vez, êsse campo
é aquilo que êle projeta através de todos os seus sentidos, principalmente devido
ao que êle chama de conhecimento, mas que, em verdade, é sempre e sempre
reconhecimento, ou memória, ou preconceitos mentais. Dentro dêsse seu campo
de consciência sensorial, existem também as máquinas e aparelhos por êle criados,
que vão funcionar sempre de acôrdo com seus condicionamentos mentais,
provando-lhe que êle sempre está com a razão, ou não, círculo vicioso e
alternativas dos quais não consegue escapar. Quando pretende fazer alguma coisa,
o homem condicionado sempre espera um resultado positivo ou negativo. Se
surgisse algo diferente, não seria capaz de compreendê-lo, porque não o tinha
lucubrado prèviamente e reconhecido posteriormente. Para nós, só é válida a
nossa memória, a nossa imaginação - outro tipo de memória - e só funcionamos na
base do reconhecimento. Raciocinamos sempre de acôrdo com os nossos
preconceitos mentais, os nossos hábitos, o nosso aprendizado ou condicionamento

162
escolar e, portanto, vivemos apenas reconhecendo, perdendo a possibilidade de
conhecer e compreender a SUPREMA VERDADE, renovada de instante á
instante, aqui e agora,

231

Daí, volto a te perguntar: como querias tu que os instrumentos científicos se


comportassem senão de acôrdo com os preconceitos mentais do cientista? Pois
tudo funciona de conformidade com a identidade que existe entre o observador e o
observado. É claro que as teorias científicas tinham de combinar com as máquinas
feitas pelos cientistas, para que funcionassem, restritamente ou não, de acôrdo
com as teorias préviamente estabelecidas. Agora, isso é apenas um aspecto parti-
cular da questão. A teoria e a máquina apenas provarão ao cientista que êle está
certo ou errado em relação a si próprio, conquanto o Universo ignore todos os
seus devaneios e todos os seus esforços, pois continuará sendo o que é,
independentemente das opiniões dêste ou daquele observador. O cientista e seus
seguidores sempre estão lidando com seu universo particular, e querem que os
demais aceitem seus universos. O cientista ao limitar, digamos assim, esta energia
primeira, ou então êste poder inteligente, que êle apenas conscientizou como
sendo uma energia cega e bruta, digna de aproveitamento egoísta, fê-lo no aspecto
restrito do magnetismo, da eletricidade, do calor, da energia atômica, etc.,
perdendo contudo, a possibilidade de engendrar energias diferentes, quem sabe
melhores, que lhe pudessem propiciar outros benefícios, não tão mercantilistas
como os atuais, mas que não lhe servissem de empecilho na busca da VERDADE.
BOMBASTUS: Na tua resposta, encontramos um detalhe interessante. O
homem sempre se aproveitou de uma ou outra forma de energia; entretanto, à
medida que foi evoluindo - e, de um modo geral, essa evolução tem caminhado
nos últimos séculos mais ou menos paralelamente ao desenvolvimento científico -
passou do aproveitamento da energia mecânica a uma forma, vamos dizer, mais
eficiente de energia, que seria a térmica, desta passando para a energia elétrica,
como já vimos, a qual começou a ser estudada no século XIX e começou a sei
largamente aproveitada no início de nosso século, de modo que, atualmente,
estamos em plena época da eletricidade. Entretanto, hoje, já se conhece uma
forma superior de energia, que é a energia nuclear, cujas primeiras aplicações
práticas também já estão sendo ressaltadas como um grande triunfo dos cientistas
modernos.
232
Assim sendo, gostaríamos que tecesses alguns comentários sôbre o
fenômeno interessante de dispor o homem, cada vez mais, de energias sempre
mais poderosas para atingir os fins a que se propõe. Como encaras isso?
TEOPRASTUS:Como correspondendo a uma desmedida ambição do
monstro-ego hominal.
Se o homem não puser um freio em si próprio, haverá de sofrer, em
conseqüência, cada vez mais. O fim que o homem iludido se propõe alcançar é a
suprema segurança e estabilidade do ego, coisa totalmente impossível e absurda. É
o endeusamento do objeto-energia e uma desenfreada ânsia de alcançar a pretensa

163
estabilidade do corpo-ego-mente, às custas do pretenso domínio da instável
natureza circunjacente.
Agora, o ilusório fato de o homem estar cada vez mais alcançando maiores
potenciais energéticos traduz-se apenas como um ilusório afastamento dêsse
mesmo homem daquilo que êle chama de VERDADE, ou Verdadeira Natureza, ou
Verdadeira ORIGEM, ou então um afastamento da VERDADE que está dentro de
si próprio.
É ilusão do homem pensar que, impunemente, pode usufruir de quantidades
cada vez maiores de energia, supostamente existentes numa natureza externa e
dêle independente. O que vem ocorrendo é que êle, ignorantemente, está-se
perdendo a si próprio, pois perde aquilo que é dêle mesmo, ou seja, perde aquela
energia primeira, ou aquêle poder inteligente, ilimitado e onipotente, capaz até de
remover montanhas, cuja objetividade absoluta corresponde apenas à nossa
própria ignorância e dependência, poder que os fisósofos chamam de vontade
indomável e os religiosos da fé.
O homem começa limitando-se primeiro a si mesmo, depois projeta essa
deturpação e limitação no seu objeto, situado em sua natureza, que em última
instância também é êle próprio.
Ao ter, supostamente, descoberto os vários tipos de energia como a energia
nuclear, acreditou o homem haver alcançado o pináculo da sabedoria e do poder.
Infelizmente o que acon teceu foi que êle alcançou o ápice inve so, ou seja, o da
ignorância e da egolatria. Em verdade, êle não descobriu coisíssima nenhuma; ao
contrário, perdeu o qu havia de mais precioso

233

em si mesmo, que era a comunhão com o seu SER INTERNO, perdendo com
isso a confiança, em si próprio, graças às meras e ignorantes especulações de seu
ego-intelecto-mente. O homo sapiens cientificus atribuiu aos fantasmas por êle
prèviamente engendrados aquelas "coisas boas" que eram de sua própria e
verdadeira natureza, mas que projetadas nesses fantasmas aparecem como fôrças
brutas e cegas. É como se eu estivesse sonhando, e no meu sonho me propusesse
criar um autômato às custas do esforço e da inteligência do meu outro eu, perso-
nagem do sonho, e graças também ao material do meu sonho, ao meu laboratório
de sonho, ao meus aparelhos de sonho, ao meu espaço de sonho e ao meu tempo
de sonho. Pois bem, são tantos os esforços e empenhos do meu outro eu, perso-
nagem de sonho, que acaba elaborando uma obra-prima de autômato, o qual,
graças ao alento dêsse meu outro eu, começa a crescer em inteligência e poder, e
acaba dominando seu próprio criador. E êsse meu outro eu, personagem de sonho,
começa a padecer impedimentos, injúrias, ameaças, porque não pode dominar
aquilo que êle mesmo criou, e angustia-se terrivelmente, sofrendo e desesperando-
se. A coisa chega a tal ponto, que meu sonho transforma-se num pesadelo
insuportável, tendo eu, contudo, a sorte de despertar no momento exato em que o
meu autômato de sonho ia esmagar e aniquilar o meu outro eu, personagem de
sonho. É como a ficção descrevendo o Dr. Frankstein, que foi morto pelo próprio
autômato que êle criara. No meu sonho, tive a possibilidade de despertar, mas
dificilmente o mesmo ocorrerá ao homo sapiens cientificus, porque êste, ilusória e

164
ignorantemente, afasta-se cada vez mais de seu próprio SER, que lhe propiciaria
O DESPERTAMENTO, sem contudo afastar-se dêle.
Fazendo analogia com o monstro do sonho que acabei de citar, posso
comparar o domínio do objetivo sôbre o sujeito ao domínio de meu monstro de
sonho sôbre o meu outro eu, per sonagem de sonho. E como já disse antes, o que
chamamos objetivo-consciente é apenas outro aspecto de nós mesmos, do qual
não temos consciência, porque essa identidade se dá no nível subjetivo
inconsciente. E o nosso pior aspecto, o egointelecto-mente, o grande mentiroso,
sabe disso e por isso mes

234

mo se aproveita, porque todo ato ignorante de nosso consciente é sempre um


refôrço para êle.
O homem, em sua constituição mental, em sua própria personalidade,
contém possibilidades ilimitadas. A mente, ou mesmo o poder mental, é
muitíssimo mais poderosa que qual quer energia-quantitativo-nuclear que
possamos imaginar. Não te iludas com o fato de que o ego-intelecto-mente do
cientista haja "descoberto" uma suposta energia nuclear, existente num pretenso e
fantasmagórico átomo, supostamente existente fora da mente humana. É devido à
mente humana que o átomo se revelou com o poder que acreditamos exista
espontâneamente nêle. E nossa ignorância é tamanha, que não percebemos ser
nossa mente que dá vida ao átomo, que o qualifica, que o caracteriza, que o
endeusa, etc. E, exatamente, por não percebermos, isso, acabamos nos assustando
com o monstro que nós mesmos criamos.
Volto a repetir, e não me cansarei de fazê-lo que se não fôsse a nossa mente,
a energia nuclear nem sequer existiria. Não foi a Natureza que revelou a Einstein a
fórmula E = mC2, chamarisco que pôs em movimento a enorme ambição dos se-
nhores pesquisadores, culminando na suposta desintegração do átomo; foi
Einstein que aplicou essa fórmula à sua natureza, e os demais aceitaram a natureza
de Einstein como sendo sua também. Não foi a Natureza que disse aos senhores
cientistas que nela existia massa e energia; foram os senhores cientistas que
atribuíram massa e energia às suas naturezas, e querem que os demais aceitem
essas suas naturezas. Não foi a Natureza que disse que a luz viaja a 300.000 km
por segundo; foram os senhores cientistas que atribuíram à sua luz a velocidade
supramencionada. É sempre o ego-intelecto-mente humano quem reveste, batiza,
nomeia, limita, equaciona seu próprio conteúdo e depois diz que está
interpretando e traduzindo fidedignamente uma suposta natureza externa. Não foi
a Natureza que disse aos senhores astrônomos e cientistas que, nos orbes distantes
ou nos sóis, ocorrem fusões e desintegrações atômicas de acôrdo com a fórmula
de Einstein; foram os astrônomos e cientistas que projetaram seus preconceitos
mentais físico-matemáticos nos seus sóis mentais, dizendo, depois, estarem
traduzindo corretamente o Universo.

235

165
É ridículo e infantil crer que fora da mente do senhor cientista existam
átomos prontos a se desintegrarem ou se fundirem, libertando assim enorme
quantidade de energia que acabaria com a vida corporal de todo ser senciente.
O ego-intelecto-mente não é aniquilado assim tão fàcilmente. Foi êle que
criou êsse estado de coisa e agora, mais que nunca, sabe que sua mentirosa
existência está garantida, porque não será a sua energia nuclear que haverá de
aniquilá-lo. O egointelecto-mente é a própria ave mitológica fênix, que sempre
ressurge de suas próprias cinzas.
Vê bem, apesar do escândalo que isto poderá provocar, tenho de chamar-te a
atenção para o fato de que não existe a tal energia nuclear, independentemente do
observador-cientista; o que existe é um incauto observador, dotado de uma
poderosa inteligência egoística, que degradada, limitada e projetada em sua
contraparte, o objeto de observação, como algo energético, acabou sendo
endeusada e hipervalorizada pelo próprio sujeitoprojetor; e êste último, desvairada
e ignorantemente, acreditou que, em seu próprio objeto de observação, existisse
aquilo que estava vendo como ameaçador e dêle separado, quando a princípio era
seu próprio poder, sua própria inteligência, que finalmente, em seu objeto de
observação, passou aparentemente a se exteriorizar como uma energia bruta, cega,
destruidora. E o irônico de tudo isso é que, mesmo essa aparente e assustadora
exteriorização, se faz sempre às custas da mente, porque é sempre a mente quem
dá vida e reveste os objetos que acreditamos fora de nós, até a explosão atômica.
BOMBASTUS: Mas, voltando a nossa visualização histórica sôbre a
evolução da Física, quando no século passado Maxwell apresentou sua teoria do
eletromagnetismo, pensava-se que se havia dado a última palavra sôbre os
fenômenos da física-ondulatória. Julgava-se, por exemplo, pacífica a teoria
ondulatória da luz. Entretanto, uma série de descobertas, que ocorreram no fim
daquele século, vieram alterar profundamente o panorama da Física, e entre elas
podemos citar os Raios X, descobertos por Roentgen, a radioatividade, por
Beckerel .e o casal Curie, e também os raios catódicos, por Crooks. Tôdas essas
descobertas ocorreram simultâneamente com um fato bastante curioso, que
aconteceu com a Matemática, pois aquela foi justa
236
mente a época do surgimento da tão famosa geometria nãoeuclidiana. E notamos
aqui um fato curioso que já ocorrera nos tempos de Newton. Como todo o mundo
sabe, Newton, para explicar a sua mecânica, viu-se obrigado a criar outra forma
de Matemática, que é o cálculo. No fim do século XIX, uma série de cientistas
começou a trabalhar sôbre novas teorias, a partir dos primeiros postulados de
Lobatschewski, que foi o primeiro a se insurgir contra a geometria euclidiana,
postulados êsses que possibilitaram a Einstein, já no século XX, o embasamento
de sua teoria.
Então, notamos dois fatos correlates: primeiro, uma série de descobertas
práticas, se assim podem ser chamadas, que vêm a tornar insuficientes as teorias
matemático-geométricas então em voga; e paralelamente a isso, surge uma série
de hipóteses matemáticas, que vão facilitar um suficiente embasamento mate-
mático para as teorias que vêm a explicar êsses fatos ocorridos na prática, que até
então eram inexplicáveis.

166
Não vês nisso tudo, nesse encadeamento ou nessa simultaneidade, uma
prova a mais a favor daquilo que vens dizendo sôbre o engendramento das coisas
ou das descobertas e hipóteses científicas?
TEOFRASTUS: Pelo que tu mesmo acabas de dizer, parece que
começas a crer na possibilidade de serem as provas científicas engendramentos
humanos. Se fôssemos passar em revista tôdas as "conquistas científicas",
acabaríamos constatando que tudo não passa de um encadeamento de
engendramentos humanos, talvez desconhecidos na Natureza Ideal, ou seja, na
MANIFESTAÇÃO DO SER, não maculada e nem deturpada pelo ego-intelecto-
mente.
Se os esforços dos cientistas correspondessem realmente a uma tradição, a
uma interpretação fidedigna dos supostos segredos da Natureza, admitida como
independente do observador, então teríamos de concluir que os cientistas estão-se
aproximando cada vez mais da VERDADE ÚLTIMA. Entretanto, parece-me que,
exatamente devido à crescente complexidade da Ciência, o que está ocorrendo é
exatamente o contrário, pois o homem se afasta cada vez mais da VERDADE, que
está dentro de si mesmo e que êle acredita fora dêle.

237
Que VERDADE úLTIMA é essa que os físicos atomistas constataram
quando o átomo se desvaneceu sob seus olhares e cálculos? Que verdades últimas
são essas dos astrônomos, que não se cansam de acrescentar mais ignorância à sua
já tão grande ignorância astronômica? Que verdades últimas nos revelaram os
nossos mais portentosos microscópios atuais, senão confusão e mais confusão? A
verdade última da Ciência se resume nisto: CAOS, CONFUSÃO, PASMO,
INTRIGA, VAZIO, INTERMINÁVEL COMPLEXIDADE, pois tudo isso
corresponde, não à natureza do SER, mas à natureza do ego-intelecto-mente que,
para não se autodenunciar, vive projetando trevas e confusão ao seu redor.
A coincidência do surgimento de novas matemáticas e geometrias, a fim de
melhor facilitar a explicação das supostas novas descobertas científicas, vem
denunciar esta máquina forja dora de engendramentos, que é o ego-intelecto-
mente, posta em movimento pelos primeiros cientistas do Ocidente que, ingênua-
mente, propuseram-se dar uma interpretação "real e definitiva" daquilo que êles
chamaram de natureza externa do homem, pensando estar interpretando a
"verdadeira linguagem de Deus", mas que, devido ao progresso e complexidade
dêsses mesmos pesquisadores, com o passar do tempo, eliminaram Deus do
Universo e, em seu lugar, puseram o deus-acaso, patrono da Ciência e fortíssimo
santo protetor do ego-intelecto-mente.
A crescente complexidade da linguagem matemática e cientifica, em vez de
traduzir a aproximação do homem da Verdade última, traduz apenas um modo de
raciocinar do próprio mate mático, que inútil e desnecessàriamente vai
aumentando sempre seu cabedal de conhecimentos matemáticos abstratos, que o
impedem, contudo, de usufruir outras alegrias que a vida lhe poderia oferecer. A
Ciência, infelizmente, caiu em cheio na trampa matemática, cuja característica é
uma crescente e interminável complexidade.

167
É tolo e infantil pressupor que o indivíduo que mal sabe as quatro operações
fundamentais seja mais ignorante e esteja mais longe da Verdade do que aquêle
que conhece tôda a Ciência e tôda a Matemática, desde a geometria de Lobats-
chewski até o cálculo tensorial. É bem provável que o primeiro, por sua
simplicidade, esteja mais próximo da VERDADE do que o último.
238

Õ ego-intelecto-mente é, no fundo, apenas um feixe de desejos, ambições e


ânsias, e a crescente complexidade da Matemática e da Ciência traduz bem essa
maneira de ser do próprio ego e, conseqüentemente, a maneira egolátrica de ser e
agir do cientista. Quando o ego-intelecto-mente ativa suas ambições e seus
desejos, jamais acabam os engendramentos e complicações.
Êsse é o estado psicológico próprio do indivíduo que se limita ao que há de
pior em si, que é o ego-intelecto-mente. As ambições, os desejos e as ânsias
dêsses indivíduos nunca chegam a ser satisfeitas. Quando mal alcançam uma
meta, já pretendem alcançar outras, e assim por diante, até que ocorra algo funesto
que os impeça de continuar. O que segura o egointelecto-mente na sua corrida
louca é a dor, é a morte, é a decadência inevitável que, apesar de todos os tão
decantados esforços científicos, continuam inalteráveis.
O que vem ocorrendo atualmente, e que aliás já vem ocorrendo há tempo, é
o seguinte: imaginemos um homem primitivamente simplório e que em
determinada fase de sua vida, impul sionado a conhecer, por assim dizer,
determinada coisa, foi à beira de um lago de profundidade desconhecida. Lá
chegando, não satisfeito com a natureza da água superficial, o homem pretende
conhecer o segrêdo último da água do fundo do lago, como se a água superficial já
lhe não servisse. E para tal decide mergulhar, crendo que com essa atitude, ou
com esta maneira de atuar, irá descobrir, lá no fundo do lago, o segrêdo último da
água. Então, valendo-se de determinados apetrechos, começa a mergulhar
aprofundando-se cada vez mais. Porém, quanto mais se aprofunda, mais percebe a
impossibilidade de continuar, de modo que é obrigado a voltar à tona e construir
outro artefato que lhe permita alcançar maior profundidade. E obedecendo ao
impulso que o obriga e impele a conhecer o segrêdo da água, êle começa a
construir ao seu redor inúmeros aparelhos ou apetrechos que lhe permitem
aprofundar-se sempre mais. E quanto mais mergulha na água, mais aparelhos deve
construir ao seu redor, a fim de subsistir, e ao mesmo tempo, a sua vida se torna
mais falsa, artificial e impossível, pois se afasta cada vez mais de seu verdadeiro
ambiente - a superfície do lago - ao mesmo tempo que também se afasta da
possibi

239

lidade de conhecer o segredo último da água, porque aquilo que êle vem
construindo ao seu redor o afasta da natureza. líquida. Mas, teimoso e ignorante,
avança como um burro e chega a um ponto tal que já não mais pode voltar à tona
ou à superfície do lago, e muito menos entrar em contato com a água profunda, o

168
que êle tanto ansiava. Dessa forma, fica prisioneiro daquilo que êle próprio
construíra ao seu redor, ou seja, dos apetrechos que teve de acrescentar ao seu
meio ambiente, obrigando-se, destarte, a viver numa natureza artificial, deturpada,
monstruosa e sufocante, criada, contido, por êle próprio. Não sòmente deve
continuar vivendo nesse meio desagradável, mas também fica totalmente
impossibilitado de descobrir o segrêdo último da água, quando teria sido
muitíssimo mais fácil se, à beira do lago, se tivesse servido da água e, ao servir-se
dela, talvez viesse a descobrir o segrêdo que procurava. Porque o segrêdo das
coisas reside na sua eficiência, e não em certas fantasias intelectuais. Portanto,
êsse homem, intelectualmente falando, preferiu descobrir na água algo que ela não
continha.
BOMBASTUS: Na tua resposta anterior, te referiste a que as teorias
científicas, à medida que se complicam, na realidade, estariam afastando o homem
cada vez mais da Verdade última. Realmente, de certa forma, na Física moderna,
as teorias se complicaram, como é o caso da teoria da relatividade de Einstein, da
teoria quântica de Max-Planck, das teorias quânticoondulatórias da atomística
moderna e tôdas as teorias e hipóteses principais que a Física do século XX
engendrou.
Entretanto, por outra forma, o desenvolvimento da Física moderna atingiu
tal ponto que levou o próprio Jung, célebre psicólogo e psiquiatra, a afirmar que,
pela primeira vez na ciência ocidental, as considerações da Física moderna não
estariam numa total independência do observador, porque, inclusive, existe o
famoso princípio da incerteza de Heisenberg, o qual diz que seria impossível
determinar um ponto no Universo, sem saber as condições em que se encontra o
observador. A partir disso, então, sôbre o assunto poder-se-ia tirar uma série de
reflexões, mais filosóficas que pròpriamente científicas, que nos levariam a
concordar com Jung em que êsse princípio de Heisenberg representa um fato nôvo
na história do pensamento

240
científico ocidental. Se realmente assim ocorrer, de certa forma, isso entrará em
choque com a tua afirmação de que tôda vez que a Ciência se complica, mais se
afasta da Verdade. A Física moderna complicou-se, mas, apesar de tudo, tornou-se
mais elástica, mais flexível, inclusive destruindo um dos axiomas tradicionais, que
era a indestrutibilidade da matéria.
Ora, a simples possiblidade da conversão da matéria em energia, pelo menos
ao meu ver, promete possibilidades novas e outra maneira de encarar os
fenômenos físicos. Gostaríamos, portanto, que fizesses alguns comentários a
respeito do que acabei de dizer.
TEOFRASTUS: Em relação à Física moderna, francamente, não participo
do teu entusiasmo. A elasticidade e flexibilidade que nela vês, para mim é apenas
aparente. Certo é que a Ciência viu-se obrigada a abandonar antigos dogmas, tão
caros aos materialistas do século XIX, mas, em compensação, imediatamente
engendrou outros. Mais do que eu, sabes muito bem que a Física substituiu o
dogma da conservação da matéria pelo dogma da conservação da energia, e o
defende com unhas e dentes, porque sabe que o dia em que êle cair, com êle
cairão uma porção de conceitos absolutistas da Ciência moderna, tão necessários

169
para que ela subsista como dona do conhecimento exato, em verdade meros
reconhecimentos.
Outra coisa: haverá algo mais antipático e mesmo hipotético do que a
pretensa entropia da termodinâmica? E a famigerada transmutação da matéria em
energia e vice-versa, para que serve? E por que ela deveria ocorrer apenas dentro
dos limites impostos por Einstein, em sua fórmula? Que poderíamos saber sôbre
matéria e energia, quando desconhecemos completamente aquêle que tem tanto
interêsse na existência isolada das mesmas, e se também desconhecemos o que
vem a ser a conscientização dessas supostas matéria e energia? Além do mais, não
creio que o princípio da incerteza de Heisenberg tenha tornado os físicos e
cientistas mais humildes, relativos e prudentes no tocante a seus pretensos
conhecimentos e verdades. Ademais, êsse princípio tem uma aplicação muito
restrita. Posso estar enganado em relação à Física moderna, mas de uma coisa
estou seguro: o princípio da incerteza de Heisenberg não facilitou coisíssima
alguma e em nada beneficou, pelo menos, o

241

pobre e massacrado estudante de Ciência. Deixou abismados apenas alguns físicos


de primeira ordem, levando-os a um impasse, sem saber em que mais pensar.
Poucos são os "Eddingtons" ou os "Whiteheads", na Física moderna e na
Matemática, que tendo compreendido o paradoxo científico, caíram em si e
voltaram-se para suas próprias mentes, na tentativa de compreender melhor as
coisas, incitando seus colegas a que fizessem o mesmo, portanto, nessa altura dos
acontecimentos, só o autoconhecimento poderia trazer alguma luz a essa
enrascada do conhecimento científico.
Sem qualquer dúvida, em inúmeras ocasiões, os extremos se tocam. A
Ciência atual complicou-se de tal forma, que em certos aspectos chega até a se
assemelhar à VERDADEIRA SA BEDORIA, que quando traduzida em palavras
temporais soa paradoxalmente. Todavia, que diferença existe quando comparamos
um físico moderno a um Desperto! Enquanto a Física atomística moderna arrasta
o estudioso à perplexidade, à confusão, ao impasse, sem que alguém saiba para
onde ir e o que pensar, a simples e adequada COMPREENSÃO E
DISCERNIMENTO faz o Mestre e conduz o buscador diretamente à vivenciação
da VERDADE em seu coração.
É por isso que, apesar de tôda a sua elasticidade aparente, a física moderna,
dada a sua atual e extrema complexidade, longe está de permitir que seu cultor e
seguidor consiga, também êle, vislumbrar a VERDADE. Já não digo vivenciá-la.
BOMBASTUs: Em 1919, Spengler afirmou que o período criador da
Ciência ocidental, se não se havia esgotado, estava por se encerrar. E a partir daí,
não poucos pensadores têm afirmado o mesmo, o que, de certa forma, vem
reforçar essa afirmação, porque nos últimos trinta ou quarenta anos, pràticamente,
nenhuma nova teoria importante surgiu no domínio da ciência física. Nós te
perguntaríamos se compartilhas dêsse ponto de vista, ou seja, o de que a Ciência
moderna, ou a ciência física, está teoricamente esgotada, ou se ainda é possível,
mesmo considerando a Ciência um engendramento humano, que algo nôvo venha

170
a ser "descoberto", ou se haverá uma espécie de estabilização dos conhecimentos
atuais.
Segundo o teu ponto de vista, como encaras qualquer dessas duas
alternativas?

242

TEOFRASTUS: A Ciência, que só existe graças ao cientista, poderá ainda


continuar - a evoluir não - a se complicar cada vez mais. Isso talvez não ocorra
mais no campo da física atomística; poderá, ocorrer em outros setores científicos
mais imediatos, mais à mão do pesquisador. E por que deveria ser assim? É
porque o motor de tudo isso é o ego e seus desejos. A reserva de ânsias, ambições
e vaidades de muitos pesquisadores ainda não atingiu a saturação. Outros mal-
avisados poderão surgir para seguir a mesma trilha. Poderão retrucar-me dizendo
que o cientista trabalha para o bem da humanidade. Em realidade êstes são raros.
Se fôssemos um pouco menos superficiais e um pouco menos obsedados pela
Ciência compreenderíamos que isso é pura ilusão. Que bem é êsse? Quando foi
que as dores e misérias da humanidade diminuíram? Quem é que melhor se
aproveita dos frutos da Ciência? (ou melhor, da Técnica?) Não são sempre os
desonestos, os mercantilistas, os oportunistas, os mesquinhos é egoístas? O pobre
continua cada vez mais pobre, e os sofrimentos e dores do homem não têm fim.
Além do mais, que benefício poderá trazer um cientista, mesmo que sincero, a
outro indivíduo, se êle não conhece o mínimo de si mesmo? Se não sei o motivo
da dor, a origem da dor, o que é a dor, quem é que sofre e se não compreendo o
conscientizar do sofrimento de meu vizinho, será inútil todo o meu esfôrço. Tôda
boa intenção e todo empreendimento poderão redundar em fracasso, como aliás
vem ocorrendo com o melhor aspecto da Ciência. É claro que isto não significa
que devamos cruzar os braços e deixar de auxiliar o próximo, quando para isso
somos solicitados. Ao contrário, é nosso dever auxiliar os demais, mas de forma
inegoísta, sem o sentimento de "eu ajudo, ou estou dando do que é meu".
Enquanto ajudamos, poderíamos tentar compreender que a razão de todo mal, até
o de nosso vizinho, está em nós mesmos. Ajudemos por ajudar, simplesmente,
sem quaisquer outras indagações. Sem revolta, sem mágoa, sem estranhezas e sem
lastimar coisa alguma.
Assim, voltando ao que estava dizendo, só resta acrescentar que poderão
não se fazer novas e sensacionais "descobertas", todavia, se tudo continuar no
mesmo andamento atual, uma coisa é certa: os conhecimentos ou reconhecimentos
que já exis

243

tem complicar-se-ão ainda mais, como de resto sempre acontece com a Ciência,
com as matemáticas e nos dias que correm, principalmente, com a Biologia, a

171
Bioquímica, etc. Êste interminável labirinto não é comum somente à Ciência, mas
também a outros ramos do conhecimento humano, onde a simplicidade cede lugar
à complexidade desnecessária que, em vez de propiciar a compreensão adequada,
a alegria, a paz, a harmonia, o bem-estar e a felicidade do homem, o angustia num
tormentoso e interminável gigantismo intelectual. E êste mal-estar da cultura
científica, por exemplo, já vem-se refletindo em nossa juventude, que começa a
revoltar-se contra a obrigação de decorar (ou memorizar) e absorver tanto
pseudoconhecimento inútil, compacto, frio, vazado em palavras vazias, rotulado
de verdades científicas, cultura essa que não lhe traz esclarecimento algum, não
lhe aplaca a sêde de saber e nem responde aos vários "porquês" que atormentam a
alma ou espírito do jovem. Essa má educação só serve para encher-lhe a mente-
memória de futilidades, lançando-o num obstinado inconformismo, numa
angústia, num vazio imenso, que nenhum conhecimento científico e filosófico de
nosso tempo consegue preencher.
Os historiadores informam que em outros tempos, durante o despotismo
religoso, a Igreja era dona absoluta da cultura e do conhecimento, e dominava os
incautos e ignorantes com promessas vãs de paraísos celestiais após a morte, ou
mesmo utópicos paraísos terrestres no fim dos tempos, quando não impunha pelo
temor e ameaças suas próprias Escrituras, transformadas em dogmas. Os mais
afortunados e melhor informados, que podiam freqüentar escolas e universidades,
também não escapavam aos ensinamentos tendenciosos e viciados, originários da
cultura filosófico-religiosa-escolástico-dogmática de então. O jovem daqueles
tempos buscava se informar e instruir e, ao invés disso, acabava fatalmente se
acomodando e moldando aos ensinos asfixiantes da humanística, teologia e esco-
lástica da época.
Tu, que já passaste pelo currículo do ensino atual, bem sabes como
atualmente um jovem é ensinado ao entrar na escola, desde o primário até a
Universidade, isto se a pode freqüentar. Os pais, muitas vêzes acomodados e
condicionados pela falsa cultura que receberam em seu tempo, ou outras vêzes

244

completamente ignorantes, entregam seus filhos aos educandários e universidades,


a fim de que saiam de lá sobraçando algum diploma, que supostamente lhes
permitirá vencer na vida. Só isso lhes interessa: que seu filho ou filha seja alguém
na vida. Agora, que compreenda as vicissitudes da vida e a elas sobreviva, isso
não importa. Assim é que, mal um jovem sai da escola, logo é tragado pelas
paixões, sofrimentos, decepções, indiferença e conformismo. Dêsse tipo de
escolas que funcionam à base da competição, só podem sair feras ambiciosas, não
sêres humanos.
Bem sabes que as escolas atuais, tôdas elas sob a égide, a orientação e a
tirania da cultura científica, facilitadas pelo Estado (tirania essa que também pode
ser religiosa) não se interessam apenas em informar sem sufocar o livre
pensamento (ou devaneio) do estudante; ao contrário, a maior parte dos
educadores, sejam quais forem, estão todos imbuídos de uma falsa certeza e
orgulho, de um massacrante dogmatismo impermeável. As escolas atuais não
informam; impõem dogmàticamente aquilo que chamam de cultura humanista e
científica. E ai do aluno que ousar duvidar das "provas" que seu professor

172
apresenta. Ai de quem tentar desmentir a Ciência. E o desprêzo, o ridículo e o
ostracismo, que vêm logo a seguir. Na melhor das hipóteses, êsse aluno poderá ser
enviado a um psiquiatra. É sempre através da cultura que o despotismo de
qualquer tipo busca prevalecer e esmagar a liberdade e o que há de melhor em
nossa juventude. Os jovens entram na escola confiantes em que sairão de lá
conhecendo e em que poderão enfrentar a vida social ou particular de forma
adequada. Entretanto, a maior parte dêles acabam se embotando, ficando cegos,
torpes, sem qualquer pensamento próprio, original, sem aquêle descontentamento
construtivo, que caracteriza os grandes gênios e às vêzes a própria juventude, sem
a capacidade de perceber os próprios erros e condicionamentos; numa palavra,
saem dessas escolas como uns verdadeiros robôs, ou cérebros eletrônicos, que só
sabem repetir mecânicamente as tolices nêles incutidas durante muitos anos de
estudos. E dizer que a verdadeira finalidade do educador era a de libertar a mente
do jovem, a fim de que ela funcionasse livre dos desejos e condicionamentos
capazes unicamente de comparar e qualificar.

245
E a propósito do que acabo de dizer, é oportuno transcrever aqui alguns
importantes trechos de palestra proferida por um grande psicólogo e filósofo
atual (J. Krishnamurti), naturalmente legado ao ostracismo por essa falsa cultura
acadêmica e por essa ciência que às vêzes nos sufoca:

"( ... ) Para a maioria de nós, a educação consiste em ensinar o QUE pensar.
Dizem-vos o que deveis pensar. Di-lo vossa sociedade, dizem-no os vossos pais,
vossos vi zinhos, vossos livros, vossos mestres. A máquina que nos ensina o QUE
pensar é o que chamamos educação; e essa educação apenas torna os indivíduos
mecânicos, embotados, estúpidos, estéreis. Mas se SOUBERDES COMO PEN-
SAR, e não o QUE DEVEIS pensar, não sereis então mecanizados, escravos da
tradição, mas sêres humanos cheios de vitalidade; podereis ser grandes
revolucionários não no estúpido sentido de matar gente, para galgar um pôsto
melhor ou impor uma determinada idéia, mas promovendo a revolução que ensina
a pensar corretamente. Esta revolução é de suma importância. Entretanto,
enquanto estamos na escola, nunca se faz nada neste sentido. Os próprios mestres
não sabem fazê-lo. Só nos ensinam a ler, ou indicam o QUE devemos ler,
corrigem-nos a gramática ou os nossos exercícios de Matemática, Física e
Química. É só isso que os interessa; e ao cabo de cinco ou dez anos, somos
jogados nesta vida de que não sabemos coisa alguma. Ninguém nos falou a
respeito dela; ou, se isso se fêz, foi para impelir-nos em certas direções, fazer-nos
democratas, socialistas, comunistas, católicas, protestantes, cientificistas,
materialistas, espiritualistas e outros "istas" mais; nunca se nos ensina ou ajuda a
compreender e a resolver os problemas da vida, não num dado momento ou
período de anos, mas durante todo o tempo - e esta é que é a verdadeira educação,
não achais? (...)

( ... ) A Educação não vai só até à idade de vinte e poucos anos, mas
dura até a morte. A vida é como um rio; nunca é estática, está sempre em
movimento, cheia

173
246

de atividade e de riquezas. Quando pensamos ter compreendido uma parte


de um rio e ficamos interessados só nessa parte, o que temos são águas
estagnadas, não é verdade? Porque o rio vai passando sempre. Observar o
movimento do rio, compreendê-lo, tê-lo sempre diante dos olhos - eis o que é a
vida; e todos temos de preparar-nos para ela.
A educação, por conseguinte, não é apenas uma questão de se passar nuns
poucos exames, mas de ser capaz de pensar nos problemas da vida; só assim a
vossa mente não se tornará mecânica, tradicionalista; será uma mente criadora, e
não vos sujeitareis apenas a ajustar-vos à sociedade, mas quebrareis todos os seus
vínculos, para criardes coisas novas, fora dela ( ... )
( ... ) Os mais velhos não criaram um mundo belo; êles encheram o mundo
de desordem e confusão. A função da educação, a função do educador, não é a de
velar por vós (estudantes), para que cresçais em liberdade e sejais capazes de
compreender a vida, capazes de transformar as coisas, em vez de vos tornardes
indivíduos embotados, cansados, até à morte, como acontece com a maioria das
pessoas? (...)
( ... ) Não há dúvida de que esta é a função da educação, não achais? - isto é,
ela não deve consistir em dar-vos bons ou maus hábitos, em fazer-vos a mente
viver dentro das tradições, mas em tornar-vos capazes de romper tôdas as cadeias
dos hábitos e das tradições, de modo que vossa mente seja livre desde o comêço
até o fim, sempre ativa, viva, vendo as coisas de maneira nova (...)"

247

III

174
As Teorias Biológicas, a "Evolução" das Espécies e a Medicina Moderna

BOMBASTUS: Bem, agora voltaremos a fazer um pequeno retrospecto na


história da Ciência, e vamos voltar ao desenvolvimento da Biologia, no século
passado. Gostaríamos que tecesses considerações sôbre os três fatos mais
importantes da evolução da Biologia do século XIX, a saber: 1. A fixação e
aceitação definitivas da teoria celular; 2. A teoria evolucionista; e 3. A
fundamentação da genética, "descoberta" por Mendel, no século passado. Êsses
três aspectos continuam, por assim dizer, comandando tôda a série de
conhecimentos biológicos, embora, nunca é demais ressaltar, houvesse uma dimi-
nuição daquele caráter mecanicista, típico da Biologia do século passado. Tendo
partido da destruição da famosa teoria vitalista, os biólogos do século passado
estavam bastante impregnados daquele espírito materialista que tanto caracterizou
êsse século, e por isso, muitas vêzes, fizeram afirmações apressadas; em que
Darwin foi pródigo, e mais que Darwin foram seus seguidores Huxley, Haeckel e
outros, os quais, hoje, a Biologia moderna não endossa totalmente. Atualmente, a
Biologia abandonou certas premissas dêsse aspecto mecanicista. Entretanto;
248
as teorias básicas do século XIX, ou seja, a teoria celular, a teoria
evolucionista e a genética, apesar das alterações sofridas, continuam ainda
predominando no pensamento biológico do século XX.
Gostaríamos que expusesses alguns pontos de vista sôbre essas teorias, em
particular ou em conjunto.
TEOFRASTUS: Bem, primeiramente vou discorrer sôbre a teoria
evolucionista.
Como já acontecera com a Mecânica clássica, a Biologia moderna incorreu
no mesmo lôgro. E isto por que, como disse antes, a Mecânica clássica de
Galileu-Newton surgiu como de corrência dos conhecimentos ou preconceitos
gregos e bíblicos anteriores. A idéia de evolução na Biologia tomou vulto gra-
ças, novamente, às idéias gregas e à má interpretação dos textos bíblicos do
Gênesis. Os gregos, como Aristóteles, Ánaxágoras, etc., foram os primeiros que
sugeriram a possibilidade da evolução, sob um aspecto restrito e científico. As
outras sugestões indiretas de evolução estão na Bíblia, que quando lida super-
ficialmente, faz com que acabemos concluindo pela idéia da criação, por parte
do grande taumaturgo externo, o Deus-Eloim. Se o Ocidente tivesse aceito
apenas Cristo, e não o Antigo Testamento e as Epístolas, seu destino teria sido
outro. Os fazedores de Bíblia e os fazedores das Epístolas, acrescentadas aos
quatro Evangelhos, tiveram de acomodar Cristo às "profecias" e aos mal-
interpretados conceitos do Antigo Testamento, daí por que o Ocidente foi
obrigado a aceitar também o Antigo Testamento e as Epístolas.
Antes de os biblicistas e maus teólogos imporem a ferro, fogo e sangue o
Antigo Testamento ao mundo ocidental, ou seja, antes da implantação do
cristianismo bíblico no Ocidente, ainda desfrutavam de grande prestígio as idéias

175
panteístas, corruptela filosófica do princípio monista, as quais afirmam que o SER
está em tudo e tudo é o SER ou Deus. Antes de nos imporem o Antigo
Testamento como único livro religioso, duas hipóteses se digladiavam,
principalmente no Ocidente, a fim de assumir a primazia: a hipótese da criação
por parte de um Deus externo ao homem, criação essa que teria ocorrido em
épocas remotas, e a hipótese emanadora, divulgada pelos grandes Mestres, a qual
afirma que o SER ou Deus, aqui e agora,

249

manifesta-se de instante a instante, imutável e ininterruptamente, de dentro para


fora, mas nunca fora de si próprio, e portanto com esta hipótese a Natureza real, e
não a natureza dependente do observador cientista, seria altamente dinâmica e
mutável, não tendo jamais comêço nem fim. Algo que se assemelha a êste último
aspecto é a imaginação, a mentalização ou o sono com sonhos, em que tudo se
origina na mente, de dentro para fora, mas nunca fora da mente daquele que
imagina, mentaliza ou sonha. Vejam bem que não estou querendo dizer que a ma-
nifestação do SER seja uma imaginação, uma mentalização ou um sonho. A
atitude que poderemos manter em relação a ela é o silêncio mental. Não está
escrito no Antigo Testamento (Psalmos) : "SILÊNCIO (mente palradora), E
SAIBAS QUE EU SOU DEUS!? Se recorri à analogia da idéia, da mentalização
ou do sonho, foi por fôrça de expressão.
Pois bem, após a implantação definitiva do Antigo Testamento, com seus
conceitos do Gênesis, o Ocidente passou a raciocinar exclusivamente em têrmos
de criação, quando a VERDADE pode estar pendendo para a outra hipótese. A
interpretação superficial dos versículos do Gênesis serviu aos teólogos ocidentais
até determinado ponto, para criarem os conceitos teológicos da Criação, até que
foram substituídos pelos conceitos científicos de criação e evolução. A Ciência,
continuação da teologia insuficiente, a princípio começou aceitando a idéia da
criação e do criador. Ora, a Mecânica clássica, primeiramente eliminou a Terra
como sendo o centro do sistema, depois julgou ter expulsado o próprio Deus do
Universo. Mas em relação à vida sôbre a face da Terra a idéia de Deus continuou
subsistindo até determinado ponto, em que os biólogos, valendo-se do esquema
bíblico, ampliaram os dias lá descritos como sendo vastos períodos evolutivos até
que a coisa chegou a tal ponto que Lamarck, e depois Darwin, apesar de ser êste
crente num Deus externo, apresentou a sua teoria evolutiva da luta pela
sobrevivência das espécies, "provando" que o homem era apenas um representante
da espécie dos mamíferos, na vasta cadeia evolutiva e filogenética das espécies.
Depois de Darwin, e quem sabe mesmo antes, os biólogos eliminaram a idéia da
presença de um Deus orientando a evolução das espécies como inadequada e
insuficiente, e no lugar do Deus externo puseram o

250
deus-acaso, patrono da Ciência. Com isso, o homem deixou de ser uma criação
especial do senhor Jeová e passou ao rol de obra casual, de uma evolução cega e

176
mecânica que, segundo a idéia evolucionista, teria como antecessores todos os
animais e plantas que lhe teriam precedido. Aliás, a idéia de épocas ou dias e
etapas do surgimento das espécies - primeiro plantas, depois animais e finalmente
o homem - está no Antigo Testamento. E foi muito fácil ao senhor biólogo valer-
se dessas idéias e mandar às favas o personagem central, criador e plasmado
dessas idéias, que é o deus bíblico.
Se antes de criarem a Biologia, tal e qual a conhecemos atualmente, os
homens tivessem consultado outras fontes de conhecimento, e não sòmente as
opiniões gregas, árabes, teológicas e bíblicas, hoje, provàvelmente, a Biologia
teria outro aspecto. Talvez a idéia de criação por um Deus externo, ou pelo deus-
acaso da Ciência, não teria prevalecido. Agora, em vez de falarmos em evolução
filogenética, poderíamos mesmo estar falando em involução, mas não do tipo
filogenético. Aliás, essas idéias são conhecidas no Oriente, assim como o foram
na antiguidade clássica pré-cristã, e até na América pré-colombiana. Nesses
ensinos antigos, constata-se ter sido o homem a origem de tudo, mas não o atual
homem comum, escravo do ego-intelecto-mente, da ignorância, do desejo, da dor,
da decadência e da morte. Além do mais, isso não é muito difícil de pressupor,
pois basta raciocinar que aquilo que hoje chamamos de evolução casual
filogenética ou luta pela sobrevivência das espécies tornou-se um fato conhecido e
aceito graças à nossa mente. Nada na Natureza, ou mesmo no Gênesis bíblico nos
fala, claramente, de uma criação devida a um Deus, ou devida ao deus-acaso dos
cientistas; fomos nós que atribuímos à Natureza uma inexistente evolução das
espécies; fomos nós que falamos em criação, não a Natureza; fomos nós e nosso
torpe ego-intelecto-mente que engendramos a idéia de criação, de criador, de
evolução, de filogenia, de luta das espécies pela sobrevivência...
Com que razões os antigos nos alertavam dizendo-nos: Homem, homem,
conhece-te a ti mesmo e conhecerás o que tu chamas de Natureza, de Universo, de
Deus! ...

251

Tudo é visto, ouvido, palpado, cheirado, degustado, sofrido, idealizado,


conscientizado graças à nossa mente. É nossa mente que reveste e qualifica tudo
aquilo que o ego-intelecto mente faz pensar esteja fora de nós e independente de
nós. Os teólogos erraram vergonhosamente ao interpretarem superficialmente os
versículos do Gênesis! ... Que tipo de teólogos são êsses que limitaram Deus a um
único livro, e ainda por cima tristemente humano? Quem é êsse que começa a dis-
paratar sem tréguas, falando e falando sôbre aquilo que como ego jamais poderá
conhecer, pois nem se conhece a si mesmo? Que deus é êsse, senão o deus criado
pelo teólogo, e não o DEUS QUE ESTÁ, AQUI E AGORA, no teólogo, cuja
manifestação êle (o teólogo) altera, levantando-se como ego-intelecto-mente?
Erraram vergonhosamente os senhores biólogos em apossarem-se das
idéias-bases que não lhe pertenciam, para depois, não satisfeitos com isso e com
um ego-intelecto-mente cheio de vaidades e de estultícia, acabarem deturpando a
natureza que viam graças à sua própria mente deturpada, terminando por eliminar
o Deus dos teólogos, pondo em seu lugar o deus-acaso, não menos ridículo, e que
tanto defendem. É ilusão dos senhores biólogos pensar que há uma evolução,

177
dirigida pelo acaso e pelas fôrças brutas e cegas descritas como fôrças físico-
químico-matemáticas, as quais incidindo supostamente na fantasmagórica energia
primitiva, obrigaram-na a se condensar no fantasmagórico átomo, depois na
fantasmagórica molécula, na fantasmagórica macromolécula, no fantasmagórico
microorganismo, na fantasmagórica célula, nas fantasmagóricas formas
rudimentares de vida, nas plantas, nos primitivos animais, nos animais atuais e,
finalmente, no homem. O nosso ambiente, contenha o que possa conter, será
visível e palpável sòrnente graças à nossa mente e seus prolongamentos, os
sentidos...
A matéria bruta, em sua pretensa evolução - devido à mente - jamais teria
conseguido engendrar o indivíduo ou SER pensante. NINGUÉM jamais poderá
provar, sem valer-se de sua própria mente, que a matéria bruta inconsciente e
insenciente pôde evoluir de per si, e acabasse engendrando uma consciência
capaz de perceber o meio ambiente, depois a consciência do "eu penso" e,
finalmente, a consciência de SER. É mais fácil "provar" minha absoluta
existência apenas como SER

252

OU "EU SOU", e então limitar-me ao "eu penso" e perceber que, daqui em


diante, ou seja, devido ao pensamento, tudo vem a existir, graças ao "EU SOU"
ou ao DEUS em mim, do que a Natureza provar-me que eu provenho das suas
trágicas e desagradáveis brincadeiras, resultantes do ACASO, e das leis físico-
químico-matemático-biológicas, em última instância também criadas pelo homem.
Não há ninguém que consiga deixar de ter o Deus em si, mas o homem
comum, escravo do ego-intelecto-mente, está tão enredado na sua ignorância e no
seu desvario que não tem a mínima consciência disso. Só os grandes Mestres da
humanidade é que podem ser chamados homens-DEUS, tais como Krishna, Rama,
Buda, Lao-Tsé, Fo-Hi, Cristo e tantos outros. O homem comum, enquanto não
desperta, enquanto não se realiza, é apenas aquilo que é: um escravo do ego-
intelecto-mente.
O SER, ou o Deus oculto no coração (não orgânico) sempre é Consciência,
mas paradoxalmente, sem se alterar, permanecendo,. na essência, sempre idêntico
a si próprio; tal qual o Sol, cuja imagem pode diminuir em perfeição e intensidade
conforme a superfície em que se reflete, também a manifestação ou imagem do
SER pode, apenas aparentemente, degenerar, começando pelo "eu penso", e,
pensando, limita-se aos sentidos pensados, ao mundo pensado, degenerando, ainda
aparentemente, até o aspecto de matéria bruta pensada, energia pensada e caos
pensado. Daí não podemos falar de que tenha havido uma evolução do tipo
darwiniano ou semelhante. É bem possível que tenha ocorrido uma involução ou
degeneração; mas, cumpre acentuar, uma involução só nas aparências, ou super-
ficialmente falando. O verdadeiro Mestre sabe que nem a evolução e nem a
involução são VERDADEIRAS, mas nós, os limitados, os superficiais, temos de
nos prender a um ponto de vista, e atualmente a predileção pende para a pseudo-
evolução. O biólogo ocidental apegou-se exatamente ao pior, ao inverso da
verdade. É por isso que um grande sábio disse, certa vez, que "a experiência

178
universal se efetua às inversas..." Infelizmente, em muitos aspectos, o cientista
incidiu em cheio ...
BOMBASTUS: Não é fácil refutar o que acabas de expor, mas, sôbre a
teoria celular e genética, que tens a dizer?

253

TEOFRASTUS: Que, apesar dos bilhões e bilhões de "provas" elaboradas,


"provadas" e apresentadas pelo ego-intelecto-mente do senhor biólogo, a célula
não existe. Isto é, não existe nessa Natureza Ideal dependente do SER e não
deturpada pelo ego-intelecto-mente, mas existe no campo de consciência sensorial
ou na natureza deturpada do ego-intelecto-mente, dependente do senhor biólogo.
Foi o senhor biólogo quem descobriu, ou melhor, quem engendrou, a célula em
sua natureza. Felizmente a sua natureza, jamais independente déle, nunca lhe
provou que a célula existe; foi êle que, em sua natureza, quis que, a célula
existisse, e êle, o pólo observador, teve de acomodar-se préviamente,
acomodando-se a seguir o pólo observado; depois disso é que ela passou,
supostamente, a existir, e eis por que, para todo biólogo, citólogo, histólogo,
patologista, médico, etc., a célula existe. Antes que a célula passe a existir aos
nossos sentidos, temos de nos acomodar intelectualmente; só depois que o
intelecto-mente se torceu adequadamente é que passaremos a compreender, ver e
principalmente a reconhecer a célula; nunca antes.
O atual reconhecimento da existência celular decorre também dos
preconceitos da cultura grega. Não que os gregos já falassem de células, mas
falavam dos átomos, pequenas par tículas, dotadas de qualidades intrínsecas,
movimentando-se ao acaso, num espaço vazio, cujo somatório das qualidades
redundaria nas fantasmagóricas qualidades intrínsecas da matéria visível,
qualidades essas que não existem de per si, mas que existem por causa da mente
que engendra a matéria, a projeta, qualifica e depois a conscientiza. Para os gregos
foi muito fácil atribuir à suposta matéria externa aquilo que ela não tem; e foram
êles os precursores da deificação da matéria e do acaso. Os cientistas apenas lhes
seguiram as pegadas.
Assim como para os cientistas o átomo era uma realidade indiscutível e
assim como êles criam e crêem que o átomo e as moléculas encerram tôdas as
qualidades intrínsecas da ma téria, da mesma forma os primitivos biólogos
deveriam ter ansiado pela existência de um átomo biológico, ou uma entidade
biológica última, dentro da qual estariam contidas, sintèticamente, as qualidades
específicas dos organismos vivos, eliminando, assim, qualquer provável influência
metafísica e inteligente de

254

um espírito ou de uma alma sôbre o organismo. Numa natureza constituída de


átomos e moléculas, Deus seria desnecessário, pois tudo dependeria da casual
combinação dêsses átomos e moléculas. O mesmo raciocínio valeu para o

179
organismo vivo animal e até humano. Não tardou muito, e a célula foi "des-
coberta", isto é, engendrada, e passou-se então a descortinar mais um "vasto
panorama" no campo científico de nossa ignorância. E assim como o deus fazedor
fôra eliminado do Universo e da direção e orientação da suposta evolução das
espécies, acabou também sendo eliminado do organismo vivo, porque a célula
tudo explicava--, ou seja, absolutamente nada - mas, sempre graças à mente do
observador. Hoje, para muitos biólogos e médicos, é até infantilismo falar numa
alma, ou num espírito inteligente que influencie e dirija o organismo. Para que,
dizem êles, se tudo se explica por reações físicoquímicas e se as células encerram
tudo (isto é, nada)? Atualmente, a Bioquímica apassou-se completamente da
Biologia e da Medicina, e já fala alto e arrogantemente, tudo provando, tudo
explicando, mas, bem se vê, sempre graças à grande desconhecida: A MENTE
DO BIOQUÍMICO.
A suposta existência celular poderá ter ampliado enormemente o campo da
Biologia, trazendo muitas luzes àquilo que não precisava de luz intelectual.
Infelizmente, porém, o homem paga um preço altíssimo pela existência celular, e
êsse preço é a patologia científica.

Os ocidentais nunca souberam, ou nunca quiseram saber qual a razão da dor,


da doença, do mal, da decadência e da morte. Começaram atribuindo tudo isso a
castigos de um deus iracundo, em verdade reflexo dêles mesmos, como é o caso
do Jeová bíblico, ou então à vingança dos deuses mitológicos, ou à influência
maléfica do espírito dos mortos, ou aos miasmas, humores, "malárias"; depois,
tornaram-se mais científicos, e começaram a atribuir seus próprios males aos
microrganismos patogênicos, gloriosamente descobertos após a "invenção
celular"; depois, atribuíram seus males às próprias células do organismo, e
atualmente, segundo a Bioquímica, às próprias moléculas. Enfim, o ocidental,
muito cômoda e filcilmente, sempre atribuiu a culpa de seus males a um terceiro,
nunca a êle próprio; sempre se considerou uma pobre e inocente vítima... Quantos
e

255

quantos roubam, matam, mentem, caluniam, torturam, guerreiam o próximo, e


depois, quando uma doença qualquer os atinge, lamentam-se, amaldiçoam, ou
então imploram ajuda divina, ou mesmo ajuda de médicos? Raros são aquêles
que, quando doentes, desconfiam estarem colhendo aquilo que tinham semeado. O
indivíduo, principalmente o escravo do ego-intelectomente, pratica o mal
impunemente, e ao chegar a hora da retribuição, se esquece do que praticou e
julga-se uma vítima, um injustiçado. Bem, é melhor parar por aqui, porque essa é
outra história.
Assim sendo, a célula surgiu em boa hora, pois bastou atribuir-lhe a razão
de tôda doença, e tudo passou a se explicar - claro, sempre graças à mente do
biólogo-patologista. Como já disse antes, junto com a célula vieram os
microrganismos patogênicos, cuja razão de existir é o próprio patologista e mi-

180
crobiologista, que os vê e conscientiza, graças à sua mente microrganismos êsses
que vieram explicar - sempre graças à mente do patologista - uma série de
doenças, até então de origem desconhecida, e que hoje continuam tão
desconhecidas como antes, mas, para as quais, em compensação, existe agora o
bode expiatório e explicatório, sôbre o qual o médico patologista atira tôda a
culpa, isto é, a célula e o germe.
Em resumo, só posso te dizer que os que mais se beneficaram com a
existência celular e dos germes foram os livros de patologia, cujo número de
páginas aumenta anualmente, pois desde que o biólogo descobriu a célula, isto é,
desde que a engendrou, o patologista não cansa de "descobrir" novas doenças, de
origem celular ou devidas aos microrganismos, que, por sua vez, cederam lugar
aos micro-microrganismo, e êstes aos vírus, e êstes ainda aos ultravírus e,
finalmente, às substâncias químicas patogênicas, òbviamente tudo visto,
conscientizado e diagnosticado sempre, graças à mente do senhor patologista.
Da teoria celular o que mais me preocupa é o seguinte: se a célula fôsse
apenas uma inofensiva opinião intelectual, como tantas outras teorias físicas,
químicas, astronômicas, matemá ticas, em que o estudioso diz que tal lei ou tal
teoria representa a suprema verdade, sendo contudo totalmente desconhecida pela
Natureza Ideal, mas não pela natureza do estudioso, pois bem, se assim fôsse, não
seria nada. Por exemplo, se as Leis de

256

Newton, de Einstein, de Lavoisier, de Proust, etc. etc., forem verdadeiras ou


falsas, ninguém se ressentirá com isso, a não ser seu "descobridor e seguidores".
A Natureza continuará sendo o que é, alheia às afirmativas ou negativas humanas.
O mesmo, entretanto, não ocorre com a célula, porque com ela o ser humano é
diretamente afetado, salvo se se afastar a tempo da influência do médico, ou se
não se deixar influenciar pelo diagnóstico nefasto. Porque, vê só: se não existisse
a célula, poderia em meu organismo surgir um mal qualquer, por motivos óbvios,
o qual poderia evoluir fatalmente ou não. Sòmente a prática médica é que poderia
pressupor, muito vaga e relativamente, o desfecho do mal, que ela chama de
doença. Por exemplo, eu poderia ter um tumor qualquer microscòpicamente
visível, com o qual poderia viver muitos ou poucos anos, segundo meu próprio
"destino", por mim mesmo engendrado. Tudo ocorreria de conformidade com a
reação e maturação de meus próprios atos anteriores. Mas, atualmente, sucede
exatamente o contrário; basta surgir um mal qualquer, principalmente sob a forma
de tumor, que já o médico manda retirar um pedacinho do mesmo (biopsia) para
analisar o tipo, a constituição e a alteração das fantasmagóricas células. Ao chegar
a biopsia às mãos do patologista, êste, mediante seus sentidos, sua memória,
reconhecimento, artefatos de técnica, aparelhos acessórios e microscópio,
tornados conscientes graças à sua mente, prèviamente acomodada, observa a
lâmina sôbre a qual está o fragmento do tecido a analisar, e faz o fatal diagnóstico
ou não, com o qual, sentenciará o paciente à morte, ou não. Tudo por quê?
Porque, supostamente, acreditou ver êste ou aquêle tipo de célula, portadora de
tais e tais características patogênicas, células sempre vistas e conscientizadas

181
graças à sua mente. Daí resulta que o paciente, portador de um mal que poderia
ser apenas um mal não qualificado ou batizado de maligno ou benigno, tem êsse
mal transformado numa doença irreversível e incurável. Uma palavra apenas, mas
devido a ela e à influência do médico, o paciente poderá morrer antes do prazo
previsto ou, contrariando o médico, morrer muito depois; mas esta alternativa bem
mais rara que a primeira. Ou então, ao contrário, aquêle indivíduo com um tumor
benigno poderá morrer devido ao próprio tumor, que não era benigno;

257

como tudo se acomoda ao ponto de vista do observador, a morte dêsse paciente,


na necropsia, acabará sendo fàcilmente diagnosticada pelo anátomo-patologista
como resultante de outra complicação qualquer.
As doenças que hoje em dia matam mais são as neoplásicas ditas malignas,
popularmente conhecidas por cânceres, leucemias, etc., exatamente por serem
doenças decorrentes da existência celular; além do mais, temos as doenças
cardíacas, que matam principalmente devido ao fato de os fisiólogos terem
comparado o coração a uma máquina, que quando não funciona dentro do
esquema prefixado e determinado pelos cardiologistas, leva ao desenlace fatal.
Sei bem que essas minhas palavras são duras e escandalizarão a muita gente,
mas mesmo assim repito que êsse é o preço que o homem paga pela existência
celular.
Agora, convenhamos, ainda que não existissem as células, nem por isso, o
homem deixaria de morrer, de sofrer, de adoecer, de envelhecer. Entretanto,
muitas coisas me dizem que atualmente, por outras tantas razões, êle morre mais,
sofre mais, adoece mais, exatamente em virtude da suposta existência celular.
Quanto à teoria genética, longe, muito longe estamos da simplicidade, das
humildes pretensões e das ingênuas e belas deduções de Mendel.
Bem, antes de tudo, para que existam cromossomos e genes, é preciso que
exista a célula, e, como acabamos de ver, ela parece ser apenas uma realidade
intelectual. Sei da existên cia de bilhões de "provas", devidas ao pesquisador, e sei
ainda que em Biologia, em Botânica, a célula e os genes têm muitos aspectos
positivos. Também sei que os biólogos já efetuaram as mais diversas permutações
genéticas, mas quando nos lembrarmos de que quem permite realizar e tornar
conscientes essas permutações genéticas é a nossa mente, compreenderemos então
que a explicação das coisas, que preferível seria não fôsse dada, pode ser
procurada na própria mente, em tôdas as suas alternativas, sem que se deva aceitar
obrigatòriamente a existência natural dos cromossomos e dos genes celulares. E a
propósito, nunca é demais recordar que os acomodamentos ou engendramentos
científicos são possíveis por causa da INSUBS

258

TANCIALIDADE DAS COISAS. A pretensa substancialidade das coisas decorre


da nossa ignorância e do nosso milenar condicionamento mental.

182
De outra parte, os cromossomos e genes, como já ocorreu com os átomos,
moléculas, células, microrganismos, etc., também êles passaram à condição de
bodes explicatórios e expia tórios. Explicatórios porque êsses vazios absolutos
(forma e nome), paradoxalmente não cansam de fornecer explicações e mais
explicações, por nós mesmos desejadas e consubstanciadas (no microcosmo os
engendramentos são mais fáceis do que no campo de percepção comum. Nos
dados microscópicos só entra em jôgo a visão; na percepção comum entram os
cinco sentidos, daí uma maior persistência das coisas e a letargia) ; e expiatórios
porquanto êsses vácuos celulares e cromossômicos se prestam muito bem para
disfarçar e esconder a nossa ignorância e impotência.
Como é que o biólogo vai falar de cromossomos e genes se não conhece
quem é êsse que em sua mente tanto opina e tem tantas pretensões? Não canso de
insistir sempre no mesmo ponto, mas esta é a verdade: se não compreendo o
mínimo de mim mesmo, de minha mente, se não chego a surpreender o ego em
mim engendrando os dados, não poderei opinar acertada e irrefutàvelmente sôbre
o meio ambiente, sôbre os supostos objetos de análise que, no fundo, são eu
mesmo.
E com relação aos genes, haverá coisa mais antipática, mais monstruosa e
injusta do que as supostas doenças de caráter hereditário? Sei bem que nascem
crianças deformadas, devido à influência dos pais, que pode não ser genética; mas
por que a explicação deveria ser dada fria, mecânica e casualmente pelos genes,
quando poderia existir outra, bem mais feliz e menos prejudicial? É vergonhoso
que se atribua totalmente ao corpo dos pais a culpa do nascimento deformado e
deficiente de uma criança. É lastimável que o médico declare taxativamente a seu
paciente que a causa de seus males se deve aos genes que herdou de seus pais. Se
soubesse o crime que comete e a barbaridade que está espalhando, faria voto de
silêncio pelo resto da vida. Nos genes, novamente se reflete o raciocínio errado de
atribuir a causa dos males a uma coisa estranha, a um terceiro aspecto. Todavia,
no tocante ao ser humano e à patologia,

259

quantas e quantas vêzes a teoria genética foi desmentida! Ademais, se a genética


se limitasse a explicar, superficialmente falando, a transmissão hereditária dos
caracteres raciais e das espécies, isto não seria nada. Por comodidade e com certo
esfôrço poderia ser admitida. Mas quando me lembro dos absurdos da patologia
hereditária e do endeusamento dos genes, vejo-me forçado a levantar a voz e a
denunciar a sua falsidade e ilusão, malgrado as supostas "provas", milhões de
vêzes reforçadas.
Na Natureza Real tudo flui, tudo muda, de instante a instante, nada é
definitivo, ainda que o recipiente pareça o mesmo. E, no entanto, por causa da
célula e dos genes, a Medicina fala em doenças irreversíveis, incuráveis. O que
apressa o desenlace é o prognóstico, que contribui para que o paciente, mancomu-
nado com o pensamento do médico, se mate pelo seu próprio pessimismo e
negativismo mental exacerbado.
BOMBASTUS: Bem, voltemos agora a um fato nôvo, na Biologia do século
XX, que é a Bioquímica, uma ciência de apenas quarenta anos, mas que alcançou
estrondoso sucesso. A Bioquímica veio inter-relacionar os fenômenos biológicos

183
com a Química e dar a êles uma explicação, que mais que biológica, no sentido
clássico da palavra, é físico-química. E ela, atualmente, é a menina dos olhos, a
grande favorita da ciência biológica atual. Com os triunfos da Bioquímica, a
Biologia voltou a adquirir aquela desagradável facêta, devida à concepção físico-
química, portanto, materialista e mecanicista, e que, de certa forma, se opõe a
outras correntes do pensamento biológico, que procuram ressaltar justamente
aquêles aspectos contrários a êsse mecanicismo, próprio da Bioquímica.
Entretanto, o que parece estar prevalecendo atualmente é a Bioquímica, sobretudo
pelo fato de conseguir resultados práticos, que seus seguidores não se cansam de
alardear.
Desta forma, gostaríamos de ouvir a tua opinião a respeito dos tão
decantados triunfos da Bioquímica, em cuja pretensão também se inclui aquilo
que, segundo os bioquímicos, os levará a "descobrir O SEGRÊDO DA VIDA".
TEOFRASTUS:Os senhores bioquímicos só não pretendem descobrir o
segrêdo da própria ignorância e vaidade.

260

Pois bem, parece incrível que, em pleno século XX, tenha surgido um ramo
científico tão retrógrado e tão primitivista, principalmente quando sabemos que,
neste século, os quatro DEUSES BÁSICOS da Ciência, que são MATÉRIA-
ENERGIA, ESPAÇOTEMPO, sofreram a mais profunda transformação.
E incrível que, após os últimos extraordinários e elásticos conhecimentos da
atomística moderna, ainda exista um ramo científico que se sirva dos átomos e
moléculas, mas que esteja completamente dissociado dos conceitos dessa
atomística, e tenha ainda a pretensão de se tornar o soberano da Ciência, quando,
em verdade, é um ramo científico-químico típico do século XVIII e XIX. Se
estivéssemos ainda na época de Lavoisier, de Dalton, de Proust, de Gay-Lussac,
de Avogrado, de Richter, com suas concepções estáticas, mecanicistas, em que
tudo se explicava por bolinhas e combinação de bolinhas, ainda poderíamos to-
lerar a Bioquímica. Mas, na época atual, em que o absurdo átomo de Rutheford-
Bohr foi abandonado e, em seu lugar, entrou o muitíssimo mais elástico e relativo
átomo da quântica ondulatória, ou então o átomo segundo a concepção de Schrö-
dinger; em que o elétron deixou de ser aquela endeusadíssima e rígida partícula, e
passou à condição de corpúsculo-onda, mais onda que corpúsculo, e ainda por
cima desintegrável e inabordável; em que a pretensa matéria estática e compacta
dos químicos antigos deu lugar à matéria, que nem sequer é matéria, e que teria
características ondulatórias; em que a pasta-massa, tão cara aos materialistas,
desapareceu sob a análise dos estudiosos; em que o absurdo e inatacável núcleo
atômico de antigamente cedeu lugar ao suposto e desintegrável núcleo do átomo
moderno, incrível fonte de surprêsa e inesgotável fornecedor de bolinhas dentro
da bolinha maior, que é o próprio núcleo atômico cujo conteúdo Gamow sugeriu
que encarássemos como sendo apenas um fluido universal, pois já percebera que o
núcleo atômico era mais um saco sem fundo, dentre os tantos que já existem na
Ciência; no século em que o fantasmagórico e insubstancial átomo é,
supostamente manobrado a bel-prazer pelos atomistas, sofrendo tôda sorte de
transmutação, onde até o conceito de espécie atômica está caindo fragorosamente,

184
pois nada subsiste sempre com as mesmas qualidades; no século em que
avançados pesquisadores já falam nas transmutações naturais e espontâneas

261

dos elementos, fenômeno êsse que ocorreria principalmente nos organismos


vivos, etc. etc., pois bem, parece incrível que diante de tôdas essas coisas, exista
hoje uma ciência tão rígida e retrógrada, que abandonando aquilo que se
propunha, ou seja, curar quimicamente os males da humanidade, esteja agora
com pretensões de, inclusive, descobrir o segrêdo da vida, que finalmente não
existe fora de nós. Sôbre as pretensas traduções bioquímicas da mente e da
memória, então nem se fala.
Quem é o senhor bioquímico, senão um pobre mortal, limitado, ignorante de
si próprio, mas convencido de que menteconsciência e supostas proteínas
cerebrais são a mesma coisa.
Qual a mola que ativou a enorme ambição dos senhores bioquímicos? É a
profunda ignorância a respeito de tôdas as coisas (que são também êles mesmos) e
principalmente sôbre si próprios; é a ingênua concepção de que tudo se iniciou ao
acaso, partindo de átomos, moléculas, microrganismos, células etc. Segundo essa
maneira de ver as coisas, êles, os bioquímicos, considerar-se-iam a suprema
complicação de um conjunto de átomos reunidos. Se o senhor bioquímico
descobrir a molécula primeira que deu origem ao amontoado de moléculas, que
acredita ser êle mesmo, então poderá considerar-se igual a um Deus. O que
também impulsiona o bioquímico na sua corrida louca são as lamentáveis
concepções anteriormente citadas, relativas à evolução, à teoria celular e à
genética.
Parece incrível que o homem, tendo engendrado os primeiros conceitos
atomísticos, depois tenha "descoberto" (isto é, engendrado) êsses mesmos átomos;
depois tenha "descoberto" (isto é, engendrado) todos os átomos, íons, isótropos,
isóbaros, radioatividade, etc., em seu grande propósito de observar o objeto-
natureza, outro pólo de sua própria personalidade; pois bem, parece incrível que
depois de tantas "descobertas" tivesse acabado por perder a oportunidade de
"descobrir" o aspecto último da suposta matéria físico-química de seu objeto de
análise, em última instância outro aspecto de si mesmo, caindo no vazio ou vácuo
que tanto impressionou certos atomistas modernos, coincidindo com a grande
verdade da INSUBSTANCIALIDADE DAS COISAS. Volto a repetir, parece
incrível que o observador, havendo fracassado rotundamente em sua pretensão de
analisar o objeto, tenha decidido voltar-se para si mesmo, da pior maneira

262

possível, passando a analisar seu próprio corpo. Se se tratasse apenas do corpo do


próprio bioquímico não seria nada, mas passou êle a analisar o corpo de seu
vizinho, como se estivesse encarando um simples tubo de ensaio e acabasse
"descobrndd' (isto é, engendrando) o maior saco sem fundo da Natureza, repleto
de bolinhas e de fórmulas químicas que corresponderiam â pretensa natureza
química do corpo vivo.

185
E a ingenuidade do homo sapiens cientificus não tem fim, pois êle, o
criador do átomo, da molécula, da macromolécula, de tôda a Química, da própria
Bioquímica com todos os seus bilhões de fórmulas vazias, chega a concluir que,
também êle, é apenas uma fórmula química, um pouco mais complexa, ambulante
e que pensa. Na realidade, o criador da Química ou o criador de um amontoado de
fantasmagóricas bolinhas acaba descobrindo que êle também é apenas um
amontoado de bolinhas. Sabemos que, segundo a concepção bioquímica, o pensa-
mento e a memória seriam sòmente uma reação química da qual participariam
proteínas, enzimas, RNAS, DNAs e outras substâncias mais. Em outras palavras,
o pensamento que veio antes e que foi necessário para engendrar, conscientizar,
ver e "provar" tudo o que existe na Química, e que também engendrou a idéia e as
"provas" materiais das proteínas, enzimas, RNAS, DNAs e outras substâncias
químicas, acaba percebendo que é tudo aquilo que êle mesmo criara, ou seja, é a
Química descobrindo a Química. É a química maior (o sujeito) adorando e
encarando a química menor (o objeto). Notável! Que suprema degeneração! E
dizer que certos Mestres supremos disseram que nem o SER ou Deus consegue
encarar-se a si mesmo, e que para poder-SE apreciar deve manifestar-SE a fim de
sentir-SE e ver-SE em sua própria manifestação. E, no entanto, o homo sapiens
cientificus acaba por concluir que êle é a própria Bioquímica que inventou.
Que triste conclusão! Coincide em cheio com a lógica do pensador
cientifico! Não resta dúvida, foi um grande progresso! Ou, quem sabe, um grande
retrocesso! Vê só a que ponto che gamos: o monstruoso ego-intelecto-mente,
forjador de tudo quanto existe na Química e na Bioquímica, acaba convencendo
ao pobre e ingênuo consciente do bioquímico que êle é exatamente a Bioquímica
que acreditou estar vendo lá fora.
263

Aqui, mais uma vez, comprova-se o fato da identidade que existe entre o
observador e o observado. O observador tanto quis que seu objeto se explicasse
bioquimicamente que acabou concluindo ser sua natureza idêntica àquilo que êle
pretendia explicar. Mas, vê bem, isto só afeta o senhor bioquímico e a natureza do
senhor bioquímico e seus seguidores. Quão mesquinha seria a NATUREZA do
SER se tivesse de unicamente depender das bolinhas e obtusas fórmulas dos
bioquímicos e químicos!
Quem é o senhor bioquímico para se envaidecer tanto e ter tantas
pretensões? Conhece êle por acaso os mais elementares princípios de sua
personalidade, de seu ego, de sua mente? Não percebe que tôdas as tolices que êle
supõe existirem como fórmulas bioquímicas da natureza, em verdade apenas
existem em sua cabeça e na torpe natureza que êle mesmo projeta? Será que não
compreende que aquilo que lhe é tão caro, que para êle é tão verdadeiro e que
chama de conhecimento bioquímico, existe apenas por sua própria causa? Será
que não compreende que para que existam tôdas as tão decantadas substâncias
bioquímicas é preciso que êle exista primeiro? E que se êle desaparecer e consigo
todos os que como êle pensam, desaparecerão também tôdas essas substâncias
bioquímicas? Será que não compreende que foi o degenerado "eu penso", "acho",
"creio" de sua mente quem criou as proteínas, as enzimas, OS DNAS, RNAS,
ATPS, e não o contrário? Será possível que não compreenda que há de ser sempre
êle quem vai "provar" que as proteínas, as enzimas, etc., supostamente criaram a

186
sua personalidade e a sua mente e que elas sem a mente dêle nada provam?
Quando será que vamos deixar de encarar as coisas pelo avêsso? E dizer que tôda
essa racionalidade tôla, da qual os cientistas, e principalmente os bioquímicos,
tanto se ufanam, começou, entre outras coisas, com a má compreensão das
palavras de Descartes: "Eu penso, logo sou"; quando o realmente certo é: "EU
sou, portanto posso pensar." Contudo, melhor seria que não pensasse tão mal,
porque tôdas as barbaridades que me circundam e que eu chamo de natureza
revelada correspondem àquilo que tenho pensado.
O que eu mais sinto disso tudo é o fato de a Medicina e a Biologia terem-se
deixado envolver total e completamente pelos

264

conceitos bioquímicos. É triste ver os pacientes sofredores serem encarados por


certos maus médicos como meros tubos de ensaios ambulantes. É triste ver aquêle
indivíduo que antes de tudo, apesar de inconsciente disso, é um "EU SOU", ou
um ser dotado de sentimentos, de sensações, de dores, enfim, uma pessoa
totalmente senciente, não por causa de seu sistema nervoso, que também existe
em função de sua mente, mas principalmente por causa de sua consciência ou "Eu
sou", que é a fonte de tôda sensibilidade, de todo pensamento, de tudo aquilo que
chamamos de natureza corporal, de natureza extracorporal, etc., pois bem, é triste
que êste indivíduo seja encarado pelo médico como se se tratasse apenas de um
amontoado de reações bioquímicas, nas quais êle, o médico vai interferir, assim
como um químico acredita estar interferindo numa reação química qualquer.
A bioquímica farmacêutica começou propondo-se criar novos remédios que
aliviassem os males da humanidade e, em parte, tendo falhado nesse propósito,
por ser o objeto de análise (o homem) rebelde a tôda limitação, resolveu aliviar a
humanidade, tirando-lhe tôda sensibilidade, todo humanismo, provando-lhe,
graças à mente do senhor bioquímico que todo homem é apenas um saco sem
fundo de reações bioquímicas, e que o dever de todo bioquímico e de todo "bom
médico moderno", se é que se prezam, é o de encarar o próximo como sendo
apenas um tubo de ensaios, originário dos fantasmagóricos DNAS e RNAS
genéticos, existentes graças à mente do senhor bioquímico.
Eu sei que usei têrmos duros e aparentemente injustos, mas não serão certos
maus dou tôres e bioquímicos mais duros e injustos do que eu? Além do mais,
sucede que a loucura do homem não tem fim, porque, com a explicação
mecanicista e bioquímica das coisas, estamos perdendo todo sentimento e tôda
possibilidade de vislumbrar, mesmo muito superficialmente, a Verdade.
Que terrível ilusão a dos senhores bioquímicos em pretenderem descobrir o
SEGRÊDO DA VIDA, ou criarem a Vida, artificialmente, como êles e alguns
biólogos querem, quando ainda não descobriram o segrêdo da própria ignorância e
da essência de seu própro ego-intelecto-mente, o engendrador da ilusão do
SEGRÊDO DA VIDA, que não existe. Se êste segrêdo parece existir

187
265

é porque existem as ânsias e vaidades do senhor bioquímico, que pretende


descobri-lo, e quando o descobrir será apenas mais um segrêdo diante de tantos
outros segredos, que virão a seguir, sem nunca terminar, e que no fundo não são
segredos, mas sim apenas engendramentos humanos.
Ó bioquímico, conhece-te a ti mesmo, e verás quão diferente é o
pensamento verdadeiro que de ti emana daquele outro pensamento que tu "provas"
ser de origem bioquímica, e que pretendes ver nos demais e ignorantemente em ti
mesmo.
BOMBASTUS: A meu ver, foi magnífica a tua explanação sôbre a
Bioquímica. Inclusive, tive a impressão de que focalizaste a essência do problema,
que pode ser encontrada naquela frase em que disseste que o homem restrito à
Bioquímica, na realidade, chegou ao cúmulo da degeneração, a ponto de se identi-
ficar com aquêles mecanismos que êle próprio criara; ou, como disseste: "É a
química maior (o bioquímico) adorando e encarando a química menor (o objeto de
análise) " ou então é o homem criador da Química que termina se reconhecendo
na própria e humaníssima química que criara.
Com isso posso chegar à conclusão de que, realmente, a Bioquímica é um
ramo científico bastante estéril, apesar de "pródigo em resultados", porque uma
ciência que leva o homem a concluir que êle é apenas aquêles mecanismos dos
quais se vale, afigura-se-me uma ciência destituída de qualquer significado maior.

266

IV

Psicologia, Psicanálise e Psiquiatria

BOMBASTUS: Paralelamente à Bioquímica existe outra tendência na


Biologia geral e, principalmente, na Medicina Moderna, que seria a de identificar
inúmeros processos patológicos como tendo origem psíquica. (Psiquiatria,
Psicanálise e Psicossomática.) Isto se deve sobretudo ao extraordinário progresso
e avanço que teve a Psicologia e, mais especificamente, a Psiquiatria nos últimos
sessenta anos.
Ora, falar em Psiquiatria e Psicanálise significa falar de Sigmund Freud;
portanto, será sôbre êle que vamos discorrer agora.
Sabes melhor que eu que Freud é tido como um dos deuses do mundo
moderno. Entretanto, apesar dessa auréola que exíste em tômo dêle, o próprio
Freud pode ser decifrado e caracteri zado como um típico produto do

188
cientificismo do século XIX. O que Freud fêz, em, última análise, foi transpor
para uma psicologia incipiente ou para a ciênciapsicológica de seu tempo (ciência
bastante empírica e restrita ao consciente) tôda a sistemática e método científico
do século XIX, se bem que, quando da observação de seus casos,não houvesse
possibilidade de

267

reproduções laboratoriais, ou mesmo da presença de um maior número de


testemunhas na constatação de um dêles. O fato de tornar a Psicologia uma
ciência foi talvez uma das razões de seu estrondoso sucesso, que até hoje perdura,
porque embora combatido e superado, êle é ainda um grande nome da Psicologia
moderna.
Dessa forma, gostaríamos que opinasses sôbre o papel de Freud na evolução
da ciência psicológica.
TEOFRASTUS: Em verdade, minha opinião muito pouco importa e
não pretende desabonar de todo a memória de Freud, porquanto fácil é criticar,
mas difícil é fazer ou expor aquilo que êle fêz e expôs em seu tempo. Se, como de
costume, me ouvires tentando combater o endeusamento da Psicanálise e da
Psiquiatria, não o tomes como uma crítica ou desabono contra alguém. Se algo
vier a diminuir-se é para que a VERDADE silenciosa cresça e se restabeleça em
seu legítimo lugar: a mente-coração do Homem.
De início, perdoa o meu ceticismo, mas tenho motivos suficientes para te
dizer que, salvo raros ensinamentos de uns poucos filósofos e psicólogos do
mundo ocidental moderno, prática mente não temos uma ciência psicológica,
malgrado tôda a sua sistematização, classificação e academicismo; a não ser que
queiras chamar de Psicologia a essa tôla e absurda pretensão de avaliar a mente do
próximo com ridículos jogos de quebracabeça, com desenhos e borrões e sua.
respectiva interpretação arbitrária, ou ainda com esquemas capciosos e
relativíssimos, prèviamente elaborados, bons mesmo para "descobrir" a vocação
profissional que a pessoa não tem.
A nossa psicologia, não obstante tôdas as suas supostas conquistas e
racionalizações no campo da lógica e da especulação dualista, encontra-se apenas
nos primórdios do ABC. Não que entre nós não tenham surgido também bons
psicólogos e filósofos, não é bem isso. Sucede que êstes últimos eram quase
sempre confundidos e encarados como místicos. Enquanto a teologia
predominava, êles eram ótimos se cantassem a canção da Igreja (quer protestante
ou católica), que era um raciocínio teológico; caso contrário, seriam uns ímpios e
hereges. Com o advento das academias humanísticas e científicas, o destino dês-
ses raros pensadores diferentes era o desprêzo e o ostracismo,

268

pelo simples fato de, desta vez, não entoarem a canção da Ciência, que se
restringiria ao consciente, quinta-essência da secreção cerebral.

189
Por exemplo, no nosso século vive ainda um psicólogo e filósofo dêsse tipo,
chamado J. Krishnamurti, de origem hindu, mas ocidental por adoção, ou melhor,
universal, um verdadeiro revolucionário na acepção da palavra, um pregador do
autoconhecimento, que sòzinho fêz mais pela Psicologia e Filosofia (e mesmo
pela Psiquiatria e Psicanálise) que todos os filósofos e psicólogos juntos, restritos
ao academicismo. Não que suas explicações e ensinos (nunca definitivos e
metódicos) se baseassem no orientalismo, que aliás êle rejeita sempre enèrgica-
mente; ao contrário baseiam-se nos fatos, na realidade imediata, compreendida e
desmascarada, sem recorrer a escolas, métodos, livros ou sistemas psicológicos. E
o que êle diz, embora pareça sutil e paradoxal, encerra tôda a psicologia e a
filosofia necessárias para que o homem retorne ao silêncio criador da VERDADE
em seu coração.
Nossa ingenuidade e ignorância é tão grande a ponto de achar que, se um
determinado indivíduo apresenta diplomas de psicologia ou psiquiatria, está apto a
nos entender e ajudar, só porque encheu a cabeça de palavras e mais palavras
vazias, principalmente do tipo magister dixit. Achamos que êle, simplesmente
porque leu ou lê muitos livros e acatou direitinho as opiniões alheias, já se
conhece a si mesmo e, ainda por cima, teria a capacidade de avaliar o que se passa
na mente do próximo. Pelo simples fato de acreditar que alguém mexeu no lixo do
subconsciente e do inconsciente alheio, de qualquer modo encarado como
artificial (fumaça do cérebro), já' achamos que êle se conhece a si mesmo e a nós
também.
Já vimos que a atitude de observar e especular sôbre um objeto qualquer é
completamente enganadora. Se êsse método não serve sequer para descrever
acertadamente o que é objetivo (o objeto), que dizer então do que é subjetivo, ou
que dizer de um sujeito-objeto, que não nós? Dito de outra maneira: se êsse
método não serve para descrever um objeto inerte, de forma válida, absoluta e
definitiva, que dizer quando pretende descrever um indivíduo?

269

Nós nos orgulhamos de nossa aparatosa ciência físico-químico-matemática;


todavia, teríamos de recorrer a outras latitudes a fim de melhor conhecer a rainha
das ciências, a verdadeira psicologia baseada no "CONHECE-TE A TI MESMO,
ANTES DE TUDO", altamente desenvolvida entre alguns orientais, ciência es-
tritamente individualista e a maior parte das vêzes disfarçada em misticismo e
religiosidade, mas que permite ao homem compreender e vivenciar DEUS de
instante a instante, em sua própria mente, sem que precise se enchafurdar no lôdo
do inconsciente e do subconsciente criado pelo ego, como fazem a nossa Psico-
logia, Psiquiatria e Psicanálise.
BOMBASTUS: Creio que as tuas objeções são válidas; contudo, até agora,
nada disseste sôbre o freudianismo.
TEOFRASTUS: Já ia falar sôbre Freud, não obstante ser o inte-
lectualismo freudiano tão sibilino que não é fácil discorrer bem ou mal sôbre êle,
assim sem mais nem menos.

190
Como não podia deixar de ser, Freud também apresenta seus altos e baixos,
seus méritos e deméritos. Vamos ver se posso sintetizá-los. O trabalho de Freud (e
também os de Kraft Ebing, Havelock Ellis e outros), no campo da sexologia, é
simplesmente notável, sobretudo quando se sabe que a sociedade de seu tempo
vivia sufocada pelas hipócritas regras de conduta da era vitoriana e pelas abusadas
rebras bíblicas de puritanismo. E êsse puritanismo era mais exacerbado
exatamente nos países em que ocorria uma maior e indevida divulgação dos textos
bíblicos.
Os padres católicos do mundo latino, astutos psicólogos por natureza (mas
nem sempre), já haviam percebido quão perigoso era divulgar popularmente os
ensinos bíblicos, não só por que êsse mesmo clero, ao longo dos séculos, havia
inventado uma série de lorotas, não contidas no texto sagrado, que se
surpreendidas e desmentidas poderiam abalar os alicerces da Igreja, como também
haviam compreendido que a Bíblia, quando mal lida, ou quando interpretada ao pé
da letra, era uma verdadeira fábrica de fobias, recalques, complexos, sentimentos
de culpa e inferioridade; daí, entre outros motivos, proibirem que essa coletânea
de livros fôsse lida ou divulgada entre o povo em geral.

270

Com seu notável trabalho sôbre a histeria, as neuroses e a sexologia, Freud


tentou libertar o homem de seu tempo dessa asfixia e intolerância, dêsse
prejudicial e exacerbado puritanis mo, alertando e provando que todo desejo
sexual disfarçado e reprimido, se recalcado ao inconsciente, mais tarde acabava
interferindo no consciente do indivíduo como uma influência maléfica qualquer,
tal como a própria histeria, as neuroses depressivas, tentativas de suicídio e
mesmo psicoses. Todavia, o mal de Freud foi o de ter generalizado e limitado tudo
à esfera do sexo.
Num mundo altamente mecanicista como era o do século XIX e princípio do
século XX, meritório foi o papel de Freud por saber humanizar um pouco a
psicologia de seu tempo, que prêsa aos limites restritos da lógica, da razão e do
bom senso, condicionava o comportamento hominal unicamente ao domínio do
consciente.
Nessa mesma psicologia acadêmica, a psique, alma ou mente era encarada
como sendo apenas a quinta-essência da secreção cerebral, tese deturpante e
deturpadora (hoje substituí da pelas reações químicas do cérebro) que,
infelizmente, o próprio Freud, como bom cientificista e materialista que era, não
tentou modificar.
Quase nenhum psicólogo acadêmico, ou mesmo filósofo, desconfiou do
poder da mente sôbre o corpo e da dependência dêste em relação àquela. Todos
sempre defenderam a idéia de que o corpo originava a mente, graças a reações
químicas cerebrais, negando o contrário, ou seja, que a mente pudesse originar o
corpo, e até mesmo essa outra contraparte que, segundo os religiosos, sobrevive
ao corpo, chamada espírito ou mentealma. A mente restrita ao ego pode-se dividir
em mente-corpofísico, de um lado, e mente-alma-espírito, do outro. Tudo é uma
coisa só; mas, quando do nascimento, a mente-corpo-físico densifica-se,
consubstancia-se ou "coagula" às custas da mente-almaespírito, que se reduz ao

191
mínimo. Isto quando um ego-mente vem de outras experiências. O contrário
daquela experiência também ocorre em situações especiais (sono com sonhos,
sono profundo, trabalhos de metapsíquica em que um médium chega a perder pêso
de seu corpo físico, após a morte física, etc.) em que há uma "descoagulação" da
mente-corpo-físico e uma "trans

271

ferência" à mente-alma-espírito. Mas deixemos de lado essa divisão ou


dicotomização da mente restrita ao ego, em face do relativismo dêsse assunto, e
limitemo-nos à mente em si, sem divisão alguma.
Poucos compreendem que para que alguém se torne cônscio ou possa
conscientizar o próprio corpo, é preciso que algo venha antes, no caso a mente.
Esses psicólogos acadêmicos confundiram o consciente do indivíduo com o
despertar da razão em uma criança, como se a presença da razão fôsse a condição
sine qua non da plenitude e maturidade mental. A razão e a lógica são simples
armas do intelecto, e na maioria das vêzes servem apenas para reforçar o ego em
cada um de nós. Eles não compreenderam que corpo sem consciência nada é;
agora, mente-consciência sem corpo ainda é.
Freud destacou-se dêsses psicólogos ao salientar a influência daquilo que
havia "descoberto" e que chamou de inconsciente, desgraçadamente de origem
biológica ou restrito ao cérebro. Es se inconsciente biológico é equivalente a um
compartimento secreto da mente ou do cérebro. O inconsciente de Freud cor-
responde às atuações e interferências involuntárias, não racionais, ilógicas de uma
parte desconhecida do cérebro sôbre outra parte dêsse mesmo cérebro, restrita à
vontade, ao que é consciente, racional e lógico.
Esse inconsciente de origem biológica é, como já disse alguém:
"( ... ) Um Deus ex-machina. Basta que se aperte um botão, ou mesmo
que não se aperte nenhum, e toca a sair de lá o que há de mais fantástico. O
inconsciente produz, arquiteta, elabora, prevê, descobre, resolve, empecilhos,
barreiras, desconhecimento. É onímodo, é onisciente, é onipotente. Dali sai o que
nunca entrou. Ele tira do nada..."
Estou mais do que certo que êsse inconsciente que Freud julgou ter
descoberto é outra safadeza, outro lôgro de seu próprio ego-intelecto-mente. Ele,
que tudo desconhecia sôbre a men te, que sempre a confundiu com cérebro, que
jamais pôs em prática o "nosce te ipsum", que sempre se interessou em analisar

272

as emoções e reações das mentes alheias sem, contudo, vigiar-se a si mesmo ou


aperceber-se das manobras safadas, dos desejos de fama e das tentativas de
refôrço de seu próprio ego curioso; pois bem, êle não vacilou em criar conceitos e
mais conceitos gratuitos dentro de uma ciência pràticamente virgem e pobre de
conhecimentos e dados fundamentais, como era a Psicologia de seu tempo, sem

192
que alguém pudesse opor-se às suas hipóteses, salvo o que ocorreu mais tarde com
a a reação e separação de Adler e Jung, seus discípulos bem-amados e, no entanto,
bem mais avisados que Freud.
O inconsciente artificial e biológico de Freud jamais teria as possibilidades
construtoras, e até insidiosas, sutis e letais que seu criador acreditou pudesse ter;
só mesmo o verdadeiro e real inconsciente mental, restrito à memória, o pior
aspecto de nossa mente não biológica e nem fisiológica, mas criadora da Biologia
e da Fisiologia, é que poderia ter essa capacidade e essas qualidades, como, aliás,
realmente tem. Mas êsse real inconsciente mental, que alguns chamavam de
Espírito, Freud desconhecia e, diga-se de passagem, fêz tôda questão de
desconhecer ou ignorar, não obstante ter incidido, mesmo sem querer, nesse
vastíssimo e poderoso inconsciente mental natural, rebatizando-o como in-
consciente biológico, de fisiologia desconhecida, limitado às suas invencionices,
aos seus próprios recalques e às suas próprias fantasias.
BOMBASTUS: Muitas das coisas que disseste são mais que óbvias;
contudo, outras há que não ficaram bem claras. Por isso gostaria agora de ressaltar
dois fatos, que são o da sexologia e da descoberta do inconsciente; o que disseste
a respeito do primeiro, estou de acôrdo contigo; com relação ao inconsciente é que
não estou.
O próprio Freud, aliás, reconheceu que tôda a oposição que a êle se fazia
derivava do fato de ter-se baseado em dois motivos principais: a importância do
sexo na vida do homem e o papel do inconsciente na vida do indivíduo. Bem,
segundo êle, essas duas idéias, a da sexualidade e a da interferência do
inconsciente nos atos humanos, opunham-se àquilo que se julgava fôssem as
características da espécie humana, tal como se pensava no século XIX, em que se
exaltava a lógica e a razão, e o homem era encarado como sendo um indivíduo

273

essencialmente racional, principalmente por causa dos triunfos do materialismo


científico. No aspecto moral também houve uma infeliz e hipócrita associação
entre a moralidade prática do vitorianismo e a velha moralidade bíblica. Até certo
ponto, êsses dois conceitos ficaram bem abalados com as descobertas de Freud,
porquanto êle colocou a ação humana na dependência da sexualidade e do
inconsciente, que fugiam ao controle moral e ao controle racional do "eu"
consciente.
Elogiaste o trabalho de Freud em querer salientar a importância do sexo na
vida humana, trabalho êsse que acabou com uma série de mentiras que o
puritanismo típico da época vito riana tanto fêz por ressaltar. Agora, no
comentário que fizeste sobre o inconsciente, pareceu-me que havia um aspecto
curioso a considerar. Por exemplo, Freud era um tipo racionalista que se
enquadrou claramente naquele raciocínio mecanicista e fisiologista do século
passado; apesar disso - e aí é que está, o curioso - ao acentuar o papel do
inconsciente, êle indireamente veio a diminuir a importância que se dava, até
então, à razão, ou seja, ao intelecto, no comando, por assim dizer, das ações
humanas. Não obstante, pareceu-me que consideraste bastante antipático êsse

193
aspecto da teoria freudiana, ou seja, o valor do inconsciente, que chamas de
biológico, e sua interferência no consciente humano. Não que Freud tivesse feito
bom uso de sua descoberta, porque, inclusive, creio que embora fosse um homem
bastante talentoso, brilhante, e corajoso, estava longe de ser um verdadeiro gênio,
pois jamais conseguiu livrar-se das peias cientificistas de seu tempo - o que é
perceptível ao longo de todo o seu trabalho - enquanto que o gênio é um indivíduo
que consegue sobrepor-se às limitações de sua época, de seu ambiente cultural.
Com Freud isto não aconteceu, porque êle foi apenas, pode-se dizer, a súmula das
teorias que justamente estavam em voga na sua época; e como já se observou
anteriormente, não fêz êle mais do que transpor para o campo da Psicologia,
campo ainda meio virgem, como já disseste antes, as idéias que estavam em voga
na ciência do século passado, ou seja, idéias materialistas, mecanicistas,
biológicas e fisiológicas. Mas creio que, apesar de tudo, a descoberta do
inconsciente, embora mal aproveitada por Freud, e muito mais pelos seus
seguidores ortodoxos fanatizados, foi uma contribuição
274
notável, pois, evidentemente, abriu um campo de perspectivas excelentes, no
sentido de superar aquela fase nitidamente racionalista que caracterizou o
pensamento filosófico e científico da Europa nos três séculos anteriores, isto é,
nos séculos XVII, XVIII e XIX. Talvez o grande êrro de Freud tenha sido o de
fazer uma escalada para baixo, quer dizer, êle apenas procurou ater-se ao
inconsciente, deixando de lado outro aspecto que êle negava e que me parece tão
ou mais importante, que seria o aspecto do supraconsciente.
TEOFRASTUS: Bem, para evitar confusões, deixa-me explicar melhor o
que quero sugerir; para tal, deixemos de lado o freudianismo e sua tese
fundamental, o inconsciente, abrindo assim um parêntese.
Ao longo do que já disse, inúmeras vêzes usei têrmos que a psicanálise
freudiana e correlatas também usam, se bem que haja uma divergência quanto ao
significado dessas mesmas pa lavras. É por isso que, a contragosto, terei de
esclarecer a situação do monismo, que não tem doutrina, diante do freudianismo,
que já é uma doutrina acatada por muitos.
Antes de tudo quero acentuar que os exemplos fornecidos são puramente
intelectuais, hipotéticos, restritos ao valor relativo e temporal das palavras e, de
forma alguma devem ser encarados ou aceitos como teses ou postulados.
Sobre o verdadeiro Inconsciente Natural e atemporal, eu deveria calar. Mas
como Freud inventou um inconsciente todo particular, com pretensões de
absolutismo, e outros já falaram demais a seu respeito, de forma dogmática, terei
também de fazer o jogo das palavras para ver se essas fantasmagóricas rainhas
conseguem devorar-se umas às outras, a fim de que a VERDADE possa brilhar
sòzinha sem o apoio dessas forjadoras e deturpadoras de fatos. Precisarei,
portanto, explicar o que quero dizer com os têrmos ego, inconsciente, memória,
intelecto, SER ou Consciência, etc., para depois se compreender melhor o logro
das pretensas conquistas de Freud e os têrmos que êle usa.
Por favor, nota bem que não vou descrever nem declarar coisa alguma,
apenas sugerir. Mesmo assim, o que disser nem como sugestão tem valor. Só a
vivência silenciosa do buscador é que conta e vale, e esta só é alcançada quando
alguém começa

194
275

a compreender melhor a si mesmo e à sua própria mente, instrumento pelo qual


todos alcançam o falso e o verdadeiro saber.
O que é o Inconsciente Verdadeiro? Bem, a palavra inconsciente não é
muito feliz. Poderíamos simplificar, dizendo que todo homem ( o resto vivo
senciente também) é portador de uma, mente que se caracteriza por dois aspectos:
o consciente, ou o que se conhece, e o inconsciente, ou a parte oculta. Se ficás-
semos nisso, seria muito bom, e já seria uma grave complicação.

Agora tentarei dar um pulo no vazio, e para isso teremos de imaginar o


inimaginável.
O que é o SER ou a Consciência, ou Deus ou a Mente Inconsciente ou
Oculta? Bem, para fins de explicação e não definição (cuidado com as explicações
forjadoras de mentirosas soluções definitivas), DEUS ou Mente Inconsciente é
como se fôsse um oceano de Vida, sem comêço nem fim. Não é contido por nada,
mas contém tudo. É um SER, se quiseres; mas também é um ESTADO. Êle é a
própria VIDA, a própria espontaneidade, a liberdade, felicidade, paz, amor e
sabedoria.
Nada nesta Mente Primeira ou Oculta ou Inconsciente permanece sempre o
mesmo, nada está ligado. Aqui não valem os argumentos do ego-intelecto, não
servem a lógica nem a razão, e muito menos o bom senso. ÊLE, por SER, VIVE
com um dinamismo e um equilíbrio mutáveis, próprios da VIDA. Êste SER (ou
Deus) não é físico nem metafísico. Se fôsse metafísico, implicaria dizer que se
encontra além do físico, além do que é material. Êle contém isto que se diz
material, todavia para Ele o que é material é tão efêmero, mutável e aparente,
quanto o que seria espiritual, e mesmo metafísico. O que é físico ou material é
uma poderosa e mentirosa ilusão, que o ego-intelectomente tenta manter
inalterável, permanente, densa, às custas de uma diminuição do aspecto mental-
consciente do próprio homem. Assim, falar de metafísica não faz sentido.
Êste SER ou Deus interno ou Consciência também não é uma idéia
produzida pela mente polar restrita ao ego; não é um ideal dessa mente perecível,
originária de um feixe de pensamentos mortos, porque Êle é a origem e o sustento
dessa mesma mente. Pode ser a base da mente limitada, impregna-a, mas não é
essa mente. O que é então? ÊLE é VIDA, Verdade, Felicidade, Liberdade,
Espontaneidade, Sabedoria, Amor, Silêncio, e por ser si

276

lêncio, quantas mentiras estou dizendo! Êle é tu. Compreende isso e desperta!
Mas o que tem que ver êsse Deus ou Desconhecido ou Inconsciente com a
vida que nos circunda? Bem, Êle é tudo o que vês e sentes, aqui e agora. Fora do
aqui e agora não há Vida; só prevalecem a tua memória e imaginação, boas para
elaborar e sustentar o ontem e o amanhã, estranhos à Verdadeira Natureza. Ele é
uma flor. Contudo não é o tipo, a família e as explicações botânicas. Êle é um

195
homem. Todavia não é o nome, as posses, o tipo, a espécie e a raça dêsse mesmo
homem. Deus é um pássaro, uma estrêla, uma nuvem, um verme e muito mais.
Não obstante, Deus não é o pássaro tal, da família tal, da espécie tal. Tampouco é
uma estrêla que se enquadra nas explicações e "provas" da Astronomia. Deus
também não é a nuvem da Meteorologia; não é o verme que a Zoologia classifica
e a Biologia explica e estuda.
Deus é o macro, o micro e o normocosmo, mas não é nada daquilo que a
Astronomia diz e informa sôbre o Universo, Universo que o ego limitou e
deturpou. É completamente diferente de tudo aquilo que a Histologia, Biologia,
Citologia, Bacteriologia, etc. informam sôbre o microcosmo, e também difere de
tudo aquilo que a Humanística, Ciência, História, Religiões, Teosofia e Filosofia
informam sobre o homem.
Se quiseres classificá-lo, êste SER UNO e imperecível, livre do tempo e do
espaço, pode ser classificado como um deus panteísta, ou mesmo panenteísta (que
está em tudo e mais além); todavia Êle também não é nada disso. Busca com-
preendê-Lo (compreender, sem interferência do ego, compreender por
compreender) e vivenciá-LO de instante a instante.
Bem, nesse oceano infinito de vida, onde só prevalece o ATO PURO, nessa
manifestação permanente porém renovada, algo estranho, algo espúrio, obscuro,
antinatural se levanta, que é o "eu" ou ego, e tenta afirmar-se e fazer frente ao
SER, isolando-se, para tal, ilusòriamente, daquilo que era um todo, daquilo que
era UNO, e dêste centro de memória, dêste centro morto, estático, chamado ego,
supõe-se que surgem todas as polaridades imagináveis (dualismo).
Não me perguntes por que o ego surge e nem por que Deus o deixa surgir.
Essa pergunta não vale e só reforçaria

277

o ego. Para fins intelectuais, afirmo que o ego surge, todavia isto não é verdade,
mas apenas uma aparência. Es livre. Ninguém te prende. Compreende isso e
desperta! ...
No nosso caso, portanto, imaginemos o SER (sòmente para fins didáticos)
como um oceano infinito de VIDA. Êle é o desconhecido, a Mente Primeira, o
Inconsciente Real. No seio dêsse oceano infinito, que sempre flui e muda como as
ondas do mar, "coagula-se" ou "densifica-se" um ponto espúrio, um "quê"
estranho à Mente Primeira, que ignorantemente vai tentar manter-se isolado do
todo circunjacente. Como disse antes, Deus é um ATO PURO; o ego é um feixe
de atos mortos, pensamentos caducos, reforçados, coesos pelo poder de especula-
ção, intelectualização, lucubração, devaneios, etc., todos provenientes da
memória-ego. Assim, de um ato não eficiente, de um ato não vivido
integralmente, sobrará um resto, um fragmento, um fundo que servirá de base ao
ego ou "eu", e surgindo supostamente êsse "eu" ou ego, surge concomitantemente
o temor de aniquilamento (imaginário) que vai engendrar o desejo (imaginário) de
refôrço e sobrevivência. A ignorância, o temor e o desejo (que são o próprio ego)
tentam resistir de forma antinatural ao que é NATURAL, o que redunda em DOR
para o ego. Daqui por diante, o ego vai fazer todo o possível para fugir sempre de
seu próprio vazio, da ignorância, do temor e da dor que são êle mesmo, e o único

196
ato que o ego possui, que é o de desejar, se encarregará de alterar todos os outros
atos do SER, ATOS AUTÊNTICOS, a fim de propiciar auto-refôrço. O ato puro
do SER ou o Pensamento Real ou a Manifestação Primeira afigurar-se-á
conspurcado e deturpado pelas idéias-memória, especulações, elucubrações,
lógica, razão, bom senso do ego. Tudo o que é natural será coberto por um véu de
ignorância, de mistério. O que é óbvio e evidente parecerá inabordável,
impenetrável, indecifrável, misterioso. Escondendo-se no inconsciente
condicionado e relativo, o ego levará sutilmente o consciente hominal a querer
descobrir segredos onde não existem. E o homem envidará todos os esforços no
cumprimento dessa finalidade, resultando afinal que um segrêdo cederá lugar
sempre a outro, e assim por diante, sem nunca terminar (como aliás ocorre com as
descobertas científicas), e daí advindo um grande refôrço para êsse mesmo ego.
Enquanto o homem se

278
preocupa em descobrir o que não existe, se esquece de compreender sua própria
mente, de onde provém o impulso que o leva a pesquisar, originário do ego. E
êste- sempre se reforça, seja na ilusão de descobrir, seja no ato de dogmatizar o
descoberto (lei científica), seja ainda no ato de dogmatizar a pretensa revelação
religiosa.
O ego só conhece a dor, o temor, o tédio e o vazio, e tudo fará para fugir dos
três primeiros e para preencher externamente o último. O ego ou "eu" não conhece
o amor, a felicidade, a paz, a verdade, a liberdade, a espontaneidade, a sabedoria e
a vida; o ego, que é essencialmente memória (consciente ou inconsciente) ou atos
caducos ou pensamentos mortos, é como um prisma. Se êle se afirma, será através
dêsse prisma, por onde agora a LUZ ou a Manifestação de Deus vai passar. E
quando o ATO PURO, o amor, a felicidade, a paz, o saber (ou intuição), a
Verdade, etc., por êsse prisma passarem, o ego, como um ladrão que é, tentará
reter e roubar o que não lhe pertence, sempre em busca de refôrço.
O homem quando ama, quando é feliz, quando intui ou sabe, quando é
espontâneo, quando vive a paz, e o próprio Deus. Agora, quando sabe que ama e
tenta reter, quando diz "eu sou feliz" e tenta manter-se assim, quando se apercebe
de sua intuição e se julga um sábio, quando sustenta uma paz e uma
espontaneidade afetadas e conscientes, é o próprio ego. Ninguém, como ego, pode
forçar o surgimento ou aparecimento do amor, da felicidade, da paz, da intuição,
da sabedoria, etc., pois tudo isso se manifesta espontâneamente. Quando o homem
sabe que ama, que é feliz, que está em paz ou que é sábio, já não ama, não é feliz,
não está em paz, nem é sábio.
O ego-memória liga os instantes divinos e caducos, originando assim o
tempo psicológico e físico. Transforma fatos isolados, vivos, em coisas materiais
ou esferas, e os distribui num hipotético espaço físico. Na observação micro e
macrocósmica, em que só participa a visão, êsses fatos se transformam em esferas,
em figuras arredondadas. Na observação comum em que participam os cinco
sentidos, os fatos também são algo torcidos, deturpados, reforçados, e assumem
um aspecto tridimensional de forma geométrica qualquer.
279

197
Como o ego, com sua noção separatista do "eu" e "meu", não vive
realmente, mas é antes um morto-vivo, tôdas essas atitudes visarão a reforça-lo
sempre, a dar-lhe uma eficiência que não tem.
Se tivesse de esquematizar o SER ou Deus ou o Desconhecido ou o
Inconsciente Natural (o que seria uma barbaridade) diria que é um TODO
PLENO; é uma esfera ilimitada. Nesta esfera cabe o Universo, a Natureza, o
homem, um inseto, etc., que são ÊLE (ÊLE é isso e também não é nada disso),
realidades essas livres das explicações e intelectualizações próprias do ego. O
"eu" e "meu" humano é um centro denso, com pretensões de permanência nesse
todo pleno, que está sempre a fluir. Ésse centro denso reforça-se, protege-se,
criando ao seu redor halos ou esferas concêntricas, cada vez mais sutis ao
afastarem-se e condensando-se à medida que se aproximam do centro. É como se
atirássemos uma pedra ao lago. O lago todo (abstraindo-nos dos limites e do
fundo) é o SER, a pedra (algo estranho) em contato com a água é o ego, e os
círculos líquidos que circundam êsse centro são as esferas interferentes do ego que
vão afetar uma parte do lago ou o todo pleno, (ilusão essa que só é válida segundo
o ponto de vista do ego, que difere do ponto de vista do SER, para o qual o todo
permanece sendo o que é.
Malgrado a presença interferente e deturpante do ego, DEUS continua
manifestando-se, e isto é VIDA, É o QUE É, e logo passará, de dentro para fora,
através dêsse centro estranho ou prisma deformante chamado ego. O centro denso
e o círculo imediato ao centro serão a natureza supostamente material que o
indivíduo percebe (corpo material, casa, árvore, gato, etc., materiais). Sem êsse
centro e sem o primeiro círculo (hipotético) do ego, essa mesma natureza poderia
ser outra.
Esse centro e primeiro círculo, também o denomino de Campo de
Consciência Sensorial, ou seja, uma constatação consciente que vai depender dos
sentidos condicionados pelo ego.
O hipotético círculo seguinte será o subconsciente condicionado ao ego,
constituído de elementos de memória tais como lembranças de inúmeras
experiências egolátricas corporais, tradições familiares e de raça, etc. Este é o que
os religiosos

280

chamariam de espírito, e Freud chamou de inconsciente biológico. O suposto


terceiro círculo corresponde ao inconsciente também condicionado, onde o ego,
tal uma aranha, valendo-se das tendências latentes (vasanas ou samskaras), tece a
teia do vir-a-ser. Aqui êle arma tôdas as artimanhas que manteriam o consciente
humano escravo às ilusões, que o próprio ego elabora. Além dêsse inconsciente
condicionado (o INCONSCIENTE DIVINO é incondicionado), existiria outro
círculo ou esfera, ainda dentro do domínio do ego, que seria o supraconsciente, a
mais afastada e diluída das esferas, de onde proviriam as faculdades superiores do
homem, que a Parapsicologia, a Metapsíquica e o Espiritualismo científico tanto
decantam. Daí provêm também a inspiração, a sabedoria. Aí se esconde a mente-
alma, temporàriamente, após a morte carnal, e essa mesma mente-alma engendra
ilusòriamente a imagem do Paraíso ou astral superior, de forma temporária, até

198
que ocorra um suposto retôrno, como suposto foi tudo o que eu disse sôbre o
supraconsciente. Enfim, seria o Céu dentro de nós (não o Reino de Deus que
Cristo falava), assim como o subconsciente ou inconsciente freudiano seria o
Inferno. Para êsses dois "planos" (supraconsciente e subconsciente) também a
mente se transfere à noite quando temos sonhos, sejam de caráter elevado ou
mesmo premonitórios, sejam pesadelos, etc.
O centro denso e a primeira esfera são o mundo e o corpo dos sentidos que o
ego altera. As demais e supostas esferas concêntricas são os aspectos
subconsciente, inconsciente e supraconsciente condicionados ao ego.
Em verdade, tôdas essas subdivisões são hipotéticas e completamente
desnecessárias. A Mente é uma só: DEUS. Nessa Mente Una parece surgir uma
submente condicionada (o ego) que começará a fazer o jôgo da dualidade ou
polaridade, dividindo assim o corpo material de um lado e o espírito metafísico do
outro; o consciente do inconsciente condicionados; a mente dos pensamentos; os
atos do ator; o sujeito do objeto; o bom do mau; o Criadór da criatura; o comêço
do fim; a matéria da energia, etc. etc. etc., em verdade tudo é uma coisa só, porém
aparentemente polar. Mas um pólo não deve prevalecer sôbre o outro, porquanto
isoladamente nenhum dos dois tem valor algum. Portanto não é o caso de fazer
prevalecer

281

a matéria sôbre a mente, como fazem os materialistas e cientificistas; nem


tampouco a mente sôbre a matéria, como fizeram muitos idealistas (Fichter,
Berkeley, etc.). O que conta não é o vedor (o ego) nem o visto (o objeto). O que
importa é a RELAÇÃO (OU O ATO DE VER), que une os pólos. O que importa é
o ATO. O que vale é o VERBO. Na Verdadeira Vida, livre do ego, só é verdadeiro
o Amar, o Saber, o Sentir, o Compreender, o Fluir, etc., isentos do eu (sujeito), do
tu (objeto material) e vice-versa. Na Natureza Real, livre de centros densos e
círculos concêntricos, o que vale é a RELAÇÃO.
Nessa Natureza Una que o homem traz em si, mas que não compreende, por
estar ligado ou escravizado ao ego-memória, tudo está unido e nada pode ser
descrito separadamente.
Nesse mundo real só existem relações, não COISAS E SUJEITOS, como
acreditamos constatar nesse mesmo mundo, que o ego deturpa. Um objeto se
transforma num sujeito e vice-versa. Nada está separado do sujeito; ao contrário, o
"eu" como observador não existe, só fica o ato de observar. Não há o amante e o
objeto de seu amor; só há o amor a ligar as duas coisas, que no fundo são uma só.
As flôres e o perfume e o indivíduo a cheirar não têm importância alguma; só
importa o ato de SER, VER, CHEIRAR e AMAR. Em duas palavras: SER e
SENTIR.
Portanto, para concluir, quero alertar que quando falo em memória ou contra
a memória, não me estou referindo àquela memória factual, necessária à
orientação de qualquer um, e mesmo para distinguir as coisas. Refiro-me a essa
memória bem mais sutil e profunda, memória insidiosa e psicológica, que é a base
do ego e que está sempre em busca de auto-refôrço; é a memória que origina e
sustenta o "eu' e "meu" em cada um de nós.

199
O ego, como já vimos, é uma coisa estranha, fictícia e inexistente na
natureza do SER, é a própria memória psicológica. E o que é memória, senão
morte? O intelecto é a capacidade discriminativa, separadora, qualificadora e
complicadora do ego. O intelecto só sabe analisar e separar, reforçando o
analisador (o ego) e destruindo o analisado. Quando o ego não se vale da
ignorância (não da ignorância-mãe, que é bem mais profunda e sutil), do
analfabetismo e do fanatismo, serve-se da razão e da lógica. A palavra mente, no
caso, re
282

laciona-se apenas a um aspecto ou fragmento parcial e deturpado da Mente-


Primeira, fragmento êsse que em realidade não existe.
A mente humana, portanto, não está apenas limitada ao cérebro, como
querem a Psiquiatria, a Psicanálise e a Psicologia, nem tampouco ao seu aspecto
consciente e racional, como queriam o materialismo e o cientificismo da época de
Freud. A gélida razão e a lógica, filhas abnegadas da especulação matemática, só
poderiam redundar na máquina, na Cibernética, na ciência materialista, na
Bioquímica. Todavia, o bom senso, por ser bem mais elástico, é o que caracteriza
um ser humano esclarecido, tolerante, relativo, raramente escravo dos sufocantes e
restritos conceitos pseudo-racionais. Assim, creio estar na hora de diminuir um
pouco a tirania dessas coisas, às vêzes ridículas, que chamamos de razão e lógica,
de onde provêm o pensamento racional, a memória racional, a imaginação
racional, as atitudes racionais, o realismo obtuso e limitante de um observador
racional, etc.
Encerro aqui êste longo e necessário parêntese, para melhor compreenderes
as objeções que venha a fazer contra o freudianismo.
BOMBASTUS: Quer dizer que agora vais falar mesmo sôbre Freud e sua
obra?
TEOFRASTUS: É o que pretendo. Bem, Freud parte da premissa gratuita,
não dêle, mas da Psicologia acadêmica, que afirma a existência do "eu" como
resultado da mente e afirma o aspecto consciente dêsse mesmo "eu" ou ego. Mais
tarde Freud viria explicar à sua moda a origem dêsse "eu", antepondo-lhe em
importância o inconsciente biológico (ou inconsciente artificial).
Por influência de Descartes e outros mais, a Psicologia acadêmica do tempo
de Freud não aceitava a existência do inconsciente, mesmo que artificializado
como o de Freud. A Psicologia, a Filosofia e a Literatura conheciam o conceito de
inconsciente, mas não quiseram utilizá-lo. A Ciência não sabia o que fazer com
êle: difícil lhe era associar o desconhecido a reações químicas cerebrais. Theodor
Lipps sustentava com veemência a idéia de que a "inconsciência" caracterizava o
fe
283

nômeno da mente. O filósofo alemão E. Von Hartman dizia que o inconsciente


(possivelmente o inconsciente real) era a fonte da genialidade e de tôda a vida
consciente. Schopenhauer declarava que o homem ignorava os verdadeiros
motivos de seus atos. Dizia que, até certo ponto, o homem atuava in-
conscientemente, o que aliás é verdade. A religião cristã (católica e protestante)

200
aceitava o corpo com cérebro pensante e atuante, e uma alma separada ou espírito,
que em nada interferia na vida de relação. A alma dos religiosos era o instrumento
da imortalidade. Só Descartes tentou dinamizar um pouco essa alma estática dos
religiosos, com sua teoria dualista, dizendo que havia um MUNDO DA
MATÉRIA (mundo objetivo), cujas propriedades fundamentais eram a extensão
geométrica e o movimento mecânico, e um MUNDO DO ESPÍRITO (ou
mundo subjetivo), que era regido pelo pensamento, ou seja, pela alma, que
segundo êle era o princípio pelo qual pensamos. Esse, portanto, era um mundo
espiritual, metafísico, paralelo ao mundo material, objetivo. Alma, eu,
consciência, pensamentos, para Descartes eram uma coisa só.
A Ciência do tempo de Freud (como aliás o próprio Freud) confundia
cérebro com mente, dizendo que as atividades do cérebro limitavam-se ao pré-
consciente, como sucede numa criança que não atingiu a idade da razão ou a
maturidade cerebral, ao consciente e ao inconsciente fisiológico, ou seja, àquele
aspecto cerebral inconsciente que rege o funcionamento do coração, intestinos,
estômago, pulmões, etc.
Para Freud e seus seguidores o inconsciente, embora poderoso e altamente
interferente, tinha uma base orgânica ou cerebral. O inconsciente que êle
descobriu era sinônimo de misteriosas reações químicas cerebrais, uma espécie de
secreção cerebral metafísica. Portanto, aqui não se fala de uma mente a engendrar
e dirigir o cérebro; ao contrário, é o cérebro ou a matéria, que por um passe de
mágica (mentirosa evolução das espécies) se sublima e se torna sutil e
indecifrável, e vai elaborar os instintos que caracterizam a inteligência rudimentar
dos animais, e que Pavlov jurou ter descoberto, através de seus estudos, como
reflexos condicionados e incondicionados de origem nervosa. Os instintos animais
que supostamente herdamos se sublimam ainda mais e originariam o inconsciente
biológico
284
(que eu chamo de artificial) de Freud. Para ressaltar melhor os paradoxos do
inconsciente freudiano, aceito pela Ciência e pela Psiquiatria, inconsciente êsse
(ziológico e genético) que se confunde com o Inconsciente Real, transcreveremos
a seguir as ironias de determinado médico e escritor, que no lugar dêsse
inconsciente prefere ver e colocar um espírito inteligente:
"... Para que se compreenda bem o que é o inconsciente (que Freud
descobriu, e que a Psiquiatria, a Psicanálise e a Ciência aceitam), lembremos o
que se pas sava no apartamento de um velho parente. Havia lá um socavão onde
se colocava tudo o que sobrava de outros compartimentos, tudo o que não se
achava onde pôr. Deram-lhe até um nome - o quarto verde. Lembra-nos ainda que
êsse parente recebera como presente natalício uma estátua. Colocaram-na em
diversos móveis, experimentaram-na em diversos lugares; ela, porém, não se
adaptava a nenhum, já pelo espaço que tomava, já pelo que requeria de cuidados.
Nisto, aparece uma solução inesperada - o quarto verde. E para o quarto verde
transportaram triunfalmente a estátua, onde ela ficou sepultada.
O inconsciente é o quarto verde dos psiquiatras e de muitos que se dedicam
a estudos psíquicos: idéia, lucubração, intuição, impulso, adivinhação, fenômeno
que não se sabe como e onde acomodar, vai para o "quarto verde", que é o nosso
inconsciente.

201
Há apenas uma diferença; é que, no primeiro, isto é, o do nosso antepassado,
só saía de lá o que lá entrava. Enquanto que no outro, o dos psicólogos, sai o que
nunca lá entrou. Uma preciosidade...
... O inconsciente tornou-se, no laboratório de psicanalistas, psicólogos,
psiquiatras e até parapsicólogos, um recipiente mágico. Dali saem prodígios, ali se
resolvem mistérios, ali se processam as maiores complicações, solucionam-se
questões intricadas, matam-se charadas psíquicas. . ."
285

É claro que se o inconsciente de Freud fôsse apenas a quinta-essência do


cérebro, como seu descobridor e seguidores pretendem, não poderia fazer os
prodígios a que se refere o autor citado. Tudo aquilo que êle denuncia e que
transfere ao espírito reencarnante, separado do corpo material, provém, em
realidade, do Inconsciente Real, sempre presente, pode até provir das limitações
dêsse mesmo inconsciente, de que antes falei, como o supraconsciente e
inconsciente condicionados, e ainda o subconsciente condicionado (que
corresponde ao inconsciente biológico de Freud).
O mal de Freud foi ter limitado e artificializado êsse Inconsciente Real, que
desconhecia por completo, e que só poderia surpreender se se conhecesse a si
mesmo. Isto, contudo, estava além de suas possibilidades. Agora, seu mérito
inegável está no fato de ter pressentido a presença dêsse inconsciente, que outros
já conheciam (mesmo que artificializado e deturpado por êle), e de ter rejeitado a
Psicologia de seu tempo, que limitava tudo ao consciente cerebral.
Para Freud o inconsciente tinha tal vitalidade que até o aspecto consciente
da mente (ou cérebro) lhe devia o seu dinamismo. Este inconsciente (artificial) era
uma espécie de repositório de lembranças, acontecimentos, experiências de vida,
desejos não satisfeitos, o que aliás se enquadra muito bem com o subconsciente
condicionado, dependente do ego, que antes mencionei.
O inconsciente de Freud assemelha-se aos dados da memória não lembrada
no nível consciente, mas vivos e atuantes nesse outro nível da mente (ou cérebro),
que êle batizou de inconsciente, dados êsses que podem até interferir na maneira
de atuar consciente do indivíduo.
Antes já havia dito que o aspecto inconsciente limitado ao ego era apenas
memória psicológica, nada mais.
Freud afirmava que o inconsciente por êle descoberto receptava intensos
processos psíquicos que não se traduziam no plano do pré ou do consciente (que a
Ciência aceitava naqueles tempos) senão por formações substitutivas, como seja o
conteúdo evidentemente manifesto nos sonhos, ou resultados bem diferentes como
as palavras espirituosas, os atos falhos, os enganos da memória.
286
O inconsciente de Freud, com o aparelho psíquico que êle estabeleceu,
passou pràticamente, quase que de forma integral, à Psiquiatria, tornando-se um
patrimônio científico. O aparelho psíquico de Freud é constituído pelo id, ego e
superego.
A psicologia anterior a êle, afirmava categòricamente que o "eu" era a
própria alma ou o fruto do espírito, como queriam respectivamente Descartes e as

202
religiões ocidentais, ou era "a sublimação" da secreção cerebral, hoje substituída
pela reação bioquímica ou mesmo química do cérebro. De qualquer maneira, o
"eu" ou ego nunca foi negado, e a Psicologia define O ego como CONSTITUÍDO
POR UM TODO UNITÁRIO (o que não é verdade; êsse todo unitário é apenas
um feixe de pensamentos mortos, de lembranças aparentemente coesas) QUE SE
MANTÉM FUNDAMENTALMENTE O MESMO (o que também não é verdade,
porque o ego de um indivíduo de dez anos difere no mesmo indivíduo que tem
vinte, e êste não é igual à mesma pessoa que tem cinqüenta anos) E EM
CONSTANTE MOVIMENTO OU ATIVIDADE (atividade por meio da qual o
ego se disfarça muito bem e dá a impressão de sua real existência. A atividade
harmônica, quando vem ao consciente, não é devida ao ego, e sim ao SER Ou
VIDA que está por trás).
Freud pegou êsse ego da Psicologia, explicou-o à sua moda, dizendo que,
primeiro, vinha o id, que compreende tudo quanto o indivíduo traz ao nascer (isto
é muito pouco, mas quando convém a alguém de tendências materialistas,
transforma-se em muito, como denunciou o autor do qual transcrevemos um tre-
cho anteriormente). Este id, portanto, constituiu a herança genética (a quinta
essência das moléculas químicas dos genes, já se vê), a herança psicológica da
família, raça, país, etc. (é querer muito de pobres moléculas químicas, que a
atomística moderna reduziu a nada). Sob a influência do mundo exterior real (eis
o ego de Freud fazendo o jôgo da dualidade: separa o id do mundo exterior que,
segundo a opinião de Freud e outros, era absolutamente real e independente) que
nos rodeia, uma fração do id sofre uma evolução peculiar. Uma estrutura especial
se estabelece sôbre o id, a qual, desde logo, vai servir de intermediária entre o id
e o mundo exterior. E a essa fração de nosso psiquismo damos o nome de "ego".
No longo período da infância que o ego atravessa e durante o qual depende
287

dos pais, o indivíduo em período de evolução vê formar-se em seu ego uma


instância particular, pela qual se prolonga a influência parental, instância essa que
é o superego.
Assim é que, conforme o que acabei de transcrever, o ego é fruto das
influências do mundo externo sôbre êsse substrato misteriosos chamado id, que,
em última instância, é o próprio inconsciente de Freud, materialmente traduzível
em misteriosas reações químicas do cérebro.
Nada mais falso e intelectual, peculiar a alguém que costumava dar opiniões
e opiniões sôbre a natureza mental alheia, sem aperceber-se primeiro das
artimanhas e sutilezas de seu próprio ego opinador.
Segundo o que sugerimos, e que qualquer um poderá comprovar
pessoalmente pelo autoconhecimento, o ego em cada um de nós é quem primeiro
poderia parcialmente limitar algo da Natureza do SER, ou o nosso Inconsciente
Real. E é sempre êsse mesmo ego quem vai astutamente engendrar a impressão de
que o mundo externo é real e isolado do homem. E, no entanto, o intelecto-ego de
Freud tinha de achar que o ego é vir-a-ser, conforme êle declara tàcitamente. O id
(ou o subconsciente condicionado) não sofre evolução peculiar nenhuma,
porquanto é apenas um depósito de experiências mortas, é o nosso fundo mental
ou prisma que nos caracteriza como egos, e que vai alterar as experiências vivas
ou o ATO PURO provenientes do Inconsciente Real ou do SER. O ego, no

203
caso, é apenas uma entidade safada que sempre tenta suplantar o SER (ou "EU
SOU" Consciência) e sabe manobrar bem as suas esferas de ação que seriam,
como sugerimos, o subconsciente condicionado (ou inconsciente de Freud), o
inconsciente, consciente e supraconsciente condicionados.
O superego é também outra safadeza do próprio ego, em sua incrível
capacidade de mimetização e de disfarce, porquanto é êle o criminoso, e quando
essa condição não lhe convém, divide-se em dois e origina de si mesmo um
pseudo-santo, no caso o superego, sempre pronto a criticar e a limitar as ações
(que poderiam ser livres e espontâneas) do consciente humano. No nosso caso,
todavia, santo e criminoso são da mesma essência: o ego astuto.
288
BOMBASTUS: Creio ter entendido, mais ou menos, a diferença que existe
entre o inconsciente e o ego que Freud sustentava, e aquêle outro subconsciente
condicionado e ego que tu denuncias.
Gostaríamos, agora, que discorresses mais um pouco sôbre outros aspectos
do freudianismo, como os "recalques" ou "repressão", a "regressão", a "projeção",
a "sublimação", a "volta contra si mesmo", a teoria dos sonhos, etc.
TEOFRASTUS: Pessoalmente considero a teoria do "recalque" ou da
"repressão" um dos pontos altos do freudianismo, em hora, diante do monismo,
veja-me obrigado a encará-la de maneira algo diferente. Em poucas palavras,
Freud declara que recalque ou repressão é um ato psicológico pelo qual alguém
tenta e consegue transformar imagens mentais desagradáveis e conscientes em
dados inconscientes. Aquilo que foi reprimido ao inconsciente freudiano (ou ao
subconsciente condicionado, no nosso caso) volta fatalmente a afetar o plano
consciente, seja de forma anormal, provocando neuroses, histerias, etc., seja de
forma normal, através dos sonhos.
Êste fenômeno ocorreria, segundo Freud, também na infância, o que duvido.
Uma criança sujeita a um fato impressionante e desagradável faz do mesmo uma
imagem mental per turbadora semiconsciente e tenta recalcá-la ao inconsciente
freudiano. Freud reserva a palavra recalque para êsse tipo de ocorrência
psicológica da infância e a palavra repressão para os adultos. De qualquer modo,
recalque ou repressão é a mesma coisa. O tratamento e a cura consistiria em
expulsar essas imagens desagradáveis do inconsciente (catarse). No início, Freud
tentou fazê-lo por meio do hipnotismo e depois achou melhor apelar para a
simples observação de seu paciente, para o estudo de seus sonhos, de seus atos
falhos, das associações livres, em que o doente, num perfeito relaxamento físico e
certa neutralidade mental (aparente), deixava fluir livremente suas idéias e
imagens mentais, que acabavam aflorando ao consciente, e que êle (Freud)
captava e interpretava arbitràriamente. Freud racionalizou, no nível consciente,
aquêles elementos irracionais que estavam no inconsciente do paciente e que lhe
perturbavam o equilíbrio emocional.

289

Mas aqui é que está o mal. Em primeiro lugar, aquilo que um paciente
"vomita mentalmente" nem sempre corresponde à imagem de um fato doloroso
reprimido ao inconsciente.

204
Em segundo, a reconstrução do psicanalista também é arbitrária, porque êle
não viveu o drama do paciente. Em terceiro, o psicanalista e o psiquiatra
reconstroem situações passadas, que às vêzes nem o paciente conhece, a partir de
uma sistemática estabelecida por Freud que muitas vêzes não serve, e se alguém
aceita essa sistemática como absolutamente certa e válida, então estará fazendo do
freudianismo um dogma, aliás, como queria o próprio Freud. Em quarto, o
psicanalista ou o psiquiatra nem sempre conseguem remover o que está recalcado.
A causa às vêzes é tão delicada e tão melindrosa para o paciente, que êle prefere
escondê-la a torna-la conhecida a outro indivíduo, que no nosso caso seria o
próprio médico. Em quinto lugar, na catarse o psicanalista ou o psiquiatra quase
sempre acabam "descobrindo" o que queriam descobrir, isto é, suas próprias
imaginações projetadas no paciente, e não os fatos memorizados e recalcados pelo
paciente.
Todos os homens estão sujeitos a fatos que a mente, conforme seu fundo,
qualifica de agradáveis ou desagradáveis. Dos agradáveis nada há a comentar
porque o ego, sendo a dor, busca o prazer, gosta dêle e se reforça na tentativa de
repeti-lo. Quando ocorre um fato, que segundo o fundo mental do indivíduo
poderá parecer desagradável (mas em si não é) o indivíduo memoriza-o, e o ego
hipócrita, que gozou do fato quando ocorreu, divide-se em dois, originando, de
um lado, o criminoso ou a memória consciente, e, do outro, o superego hipócrita,
criticando, amaldiçoando, exprobrando e tentando apagar da memória consciente
as imagens agora dolorosas daquele fato. O consciente do indivíduo não agüenta a
presença dessas imagens nem as autocríticas e as maldições destrutivas que de si
próprio se levantam e tenta, portanto, esquecer ou recalca-las no subconsciente
condicionado (ou inconsciente de Freud). A briga entre a memória dolorosa e
insuportável e as críticas ou maldições do superego (o ego hipócrita) continua no
subconsciente condicionado (ou inconsciente de Freud) sem ter como extravasar.
O caldeirão tanto ferve que estoura ou a tampa salta, e quando isso acontece
enfrentamos uma doença psicos

290

somática, ou geralmente uma neurose depressiva, tentativas de suicídio e até


mesmo psicose. O mecanismo do recalque, no fundo, é uma hipocrisia que
praticamos em relação a nós mesmos.
Ao invés de compreendermos nossos atos, ainda que os julguemos
(erradamente) maus, dividimo-los em santo e pecador, e tentamos recalcar a
memória consciente dos fatos para um estado inconsciente ou subconsciente. O
ego sempre busca refôrço, até na autodestruição, como é o caso da psicose (es-
quizofrenia, paranóia, personalidade psicopática, etc.) Ao tentar reforçar-se, perde
a capacidade de manter-se coeso. O ego é um feixe de pensamentos mortos com
alguma vitalidade roubada do SER. Ao reforçar-se, afasta-se da fonte da vida,
vida parcial que êle rouba e deturpa como se lhe pertencesse, e perdendo a
vitalidade busca sobreviver, mesmo pela fragmentação. O ego é como um verme
muito especial da água doce, denominado planária, que os estudantes de Zoologia
conhecem bem e, que ao fragmentar-se ressurge multiplicado.

205
O que poderia auxiliar a cura de um paciente (isto quando os médicos
psiquiatras e psicanalistas não cronificam o mal, reforçando a memória do
paciente com seu próprio pessimismo profissional nêle projetado) seria a
adequada compreensão que leva o indivíduo a perceber que reagiu de forma
errada em relação a determinado fato, e o leva a perceber que o conflito que êle
(como um superego hipócrita) sustenta com a memória do fato que quer esquecer,
ou que em parte já esqueceu, é que o está prejudicando, levando-o à depressão
neurótica, à psicose maníaco-depressiva, ao suicídio, à exaltação paranóica, à es-
quizofrenia, etc.
Existe outro fenômeno que Freud denominou "a volta contra si mesmo", e
que explica à sua moda, dizendo que é uma atitude de defesa do ego sofredor.
A volta contra si mesmo é sobretudo um refôrço do ego que, na qualidade
de superego hipócrita, volta-se contra o sentimento de culpa consciente ou
inconsciente, ou é ainda outro aspecto supostamente criminoso do próprio ego. É
um desejo de sobrevivência e refôrço psíquico-egolátrico às custas da dor, do
sofrimento e destruição do corpo. O indivíduo angustiado, revoltado,
inconformado, sofredor ou com complexos de infe

291

rioridade, tendências para mártir e vítima, muito fomentados pelo falso


cristianismo de antigamente, ou com sentimentos de autopiedade e
autocomiseração, converge suas emoções conscientes e inconscientes para o lado
do corpo, ocorrendo, após algum tempo, as famosas hipocondrias, os males
psicossomáticos, as contrações musculares desnecessárias, falsas paralisias, falsas
nevralgias, perturbações sensoriais, impotência, frigidez sexual, etc.
O fenômeno da "regressão" é o que aconteceria com o consciente enfêrmo
de um indivíduo neurótico ou psicótico que regride aos estágios infantis, fato êsse
que parece ocorrer, mas nem sempre de acôrdo com as explicações de Freud (o
prazer da volta ao útero materno) ou segundo o estilo padrão descrito nos livros de
Psicologia e Psiquiatria.
O fenômeno da "projeção" (com o qual muitos psiquiatras e psicanalistas
neuróticos disfarçam e desculpam sua própria impaciência, vulgaridade e
intratabilidade, culpando o paciente) se explica assim: é como o caso de um
marido fiel que projeta na espôsa o desejo inconsciente de enganá-la, o que, por
incrível que pareça, acaba fazendo-a sentir ciúme dêle, sem motivo aparente.
Deixando de lado as explicações de Freud, em verdade êste fenômeno,
quando ocorre, juntamente com o da telepatia, do hipnotismo, da clarividência,
etc., vem falar a favor do mo nismo, que me identifica com o meu próximo. Um
indivíduo é exatamente o outro, embora conscientemente não saiba disso.
No deprimido e melancólico, o ego, em sua contraparte de superego
hipócrita, exerce um contrôle impiedoso, reduzindo o consciente humano (no caso
o outro aspecto do ego, agora su postamente criminoso) a um perpétuo
condenado, ou mesmo levando-o à destruição. No maníaco e paranóico, a
Psicanálise e a Psiquiatria dizem que o ego está identificado ao superego (manias
de grandeza) e, além disso, dominado por um sentimento de triunfo e de satisfação

206
que nenhuma crítica pode perturbar. Em verdade, no maníaco, no paranóico e no
esquizofrênico, o ego é o que é, sem máscara alguma, sem'disfarce que lhe facilite
o refôrço perene, sem a hipocrisia que o faz aparecer como um justo e bom. O ego
no homem é só angústia, vazio, desespêro, temor e dor, e se o homem nem sempre
exterioriza
292

êsses sentimentos negativos é porque nêle existe também a seiva divina, a Luz do
SER, que embora maculada, continua se irradiando de dentro para fora, no
próprio homem. E a Luz do SER é tanto mais pura quanto mais simples e inocente
(pouco egotista ou egoísta) fôr o indivíduo. É por isso que Cristo, o grande
psicólogo não acadêmico, já dizia: "Se não vos tornardes simples como um
menino, não podereis entrar (ou vivenciar) no Reino de Deus", que é o vosso
SER.
O ego condena muitas tendências sexuais, em realidade nem boas nem más,
após desejá-las ou mesmo aproveitá-las, em sua facêta de superego (o bonzinho e
reto), e assim o cons ciente hominal ou é oprimido pela autocrítica destrutiva, ou
consegue sublimar. Daí vem a "sublimação" sôbre a qual Freud também falou de
forma torcida. "Sublimação" é a capacidade que têm alguns indivíduos de
sublimarem suas tendências sexuais. Mais de um artista, poeta, filósofo e literato
escapar à perversão sexual (ou melhor, ao condicionamento de um ato sexual
julgado indevido e que a hipócrita sociedade condena), à neurose ou à doença pela
sublimação.
Aqui, ao invés de o subconsciente condicionado (ou inconsciente de Freud)
aniquilar o consciente, o consciente se reforça e sublima refugiando-se no
supraconsciente, de onde vai haurir a inspiração que irá necessitar para se
compensar.
A respeito dos sonhos, eis o que Freud declara categòricamente:

"A interpretação dos sonhos é, na realidade, a estrada principal do


conhecimento do inconsciente, a base mais segura de nossas pesquisas, e é o
estudo dos sonhos, mais que qualquer outro, que vos convencerá do valor da psi-
canálise e vos formará para sua prática. Quando me perguntam como podemos
tornar-nos psicanalistas, respondo: pelo estudo de nossos próprios sonhos."

Como não podia deixar de ser, por causa da identidade monista


inconsciente, que faz do sujeito e do objeto uma coisa só, Freud e seus seguidores
viram no estudo de seus próprios sonhos ou na análise dos sonhos alheios tudo
aquilo que que
293

riam ver e encontrar: ou seja, suas próprias fantasias e opiniões gratuitas. Essa
identidade monista entre um sujeito e outro, ou entre um observador e uma coisa
observada, recebe, por parte de pesquisadores pouco avisados, o nome de
"infiltração telepática". Desmentindo mais uma vez as pretensões absolutistas de

207
Freud, transcreveremos um trecho do livro de Alberto Lyra (Parapsicologia,
Psiquiatria e Religião):

"Há todo um mundo a ser pesquisado (sôbre a telepatia), mas não se pode
desprezar mesmo os vagos indícios encontrados no decorrer da Psicanálise. O pró
prio Ehrenwald fala na "infiltração telepática", a qual leva freudianos, adlerianos,
junguianos e espíritas a verem as suas teorias confirmadas pelos pacientes. A
infiltração vai além do condicionamento cultural, a ponto de pacientes de Jung
confirmarem textos egípcios, assírios, hindus, etc., que êles desconheciam. Por
outro lado, não se davam fenômenos semelhantes com os pacientes de Freud e
Adler.

Será preciso apurar até onde pode ir uma sutil sugestão, a despertar a
fantasia inconsciente. Assim, Furst conta o caso de dois doentes que, quando
passaram pela análise freudiana, sonhavam com serpentes, bastões e outros
símbolos fálicos; quando mudaram para a análise junguiana, começaram a sonhar
com triângulos e círculos entrecruzados, de conformidade com as idéias de Jung e,
afinal, quando procuraram Furst, a simbologia onírica mudou mais uma vez..."

Isso é o que acontece realmente com relação aos sonhos. Nada é definitivo e
nem sempre o conteúdo manifesto do sonho pode e deve ser visto como a
realização disfarçada dos desejos recalcados.
Freud dizia que os sonhos não podiam ser racionalizados, entretanto êle
deixou um método de interpretação dos sonhos que todos os seus simpatizantes,
psicanalistas e mesmo psiquiatras aceitam como legitimamente autêntico, válido e
lógico.
294
Não obstante, o método freudiano é completamente arbitrário, como tantos
outros que apareceram. Algumas vêzes os sonhos parecem enquadrar-se nas
explicações de Freud, principalmente quando o intérprete assim o quer, mas a
maior parte das vêzes escapam a qualquer limitação ou interpretação freudiana.
Eis o que determinado médico, cujo nome prefiro não declinar, diz muito
apropriadamente sôbre a interpretação freudiana dos sonhos:
"É êste um dos mais interessantes capítulos da concepção freudiana. E
também um dos mais ilusórios legados à humanidade. Produto de uma fantasia
quase mórbida, sem o menor sucedâneo, temos, por essa escola, nossa convicção
dependendo do arbítrio de construções imaginárias, de hipóteses inverossímeis,
apresentadas, entretanto, com o cunho de verdades irrefragáveis.

"Além disso, Freud entrou em terreno que lhe era desconhecido, sem
nenhuma idéia do que seja o espírito e sua dependência temporária, tendo apenas
a seu dispor um material de ficção.
"Ignorando, como tôda a gente, a causa e os elementos dos sonhos, o que no
sonho se realiza, como pode produzir-se, sujeitou suas conclusões a idéias
preconcebidas, a noções falsas, bordou-as como pôde, e apresentou à Ciência os
maiores absurdos, arrastando após si uma vasta cauda de admiradores, discípulos,
seguidores apaixonados, e muitos tão fanatizados como êle. . . "

208
Não restam dúvidas de que quanto mais equilibrado e sereno fôr o
indivíduo, maior será a sua inconsciência durante o sono, e também se sabe que
perturbações, desejos, conflitos, frustrações que afetam o plano consciente podem
desencadear os sonhos; todavia nem todos os sonhos ocorrem por causa do
mecanismo do recalque ou em virtude de desejos frustrados; muitos outros há
independentes disso ou completamente estranhos a essa causalidade.
Para encerrar êste vasto e complexo tema do freudianismo, teríamos ainda
muitas outras teses a relembrar, mas isto seria
295

estender demais o assunto que estamos tratando. Poderia acrescentar ainda alguma
coisa sôbre a teoria da libido ou sexualismo freudiano (que em parte já foi até
superada). Bem, mas para êsse fim, vamos recordar ràpidamente o aparelho
psíquico de Freud.
O id, que seria o inconsciente pròpriamente dito (do nosso ponto de vista,
seria o subconsciente condicionado ao ego), com ou sem recalques, é o repositório
das tendências, impulsos e instintos sexuais, do instinto de vida ou Eros, dos
instintos de agressividade, de morte ou Tanatos. Segundo Freud, o id age pelo
instinto do prazer (em verdade, quem age e busca sempre o prazer é o ego). Para
Freud, o pobre ego consciente ver-se-ia em perigo, quer por causa dos instintos do
id, de um lado, ou por causa das adaptações eficazes do mundo exterior, do outro
lado. O ego freudiano estaria assim entre dois fogos. (Não achas que essa tese é
um grande triunfo para o ego? Nada melhor que ser considerado uma vítima, pois
só assim o refôrço é permanente.)
O ego freudiano, como já dissemos, seria fruto da influência do mundo
exterior sôbre o id ou inconsciente. (Percebe a grande farsa do ego.,) Se Freud
está certo no que diz, o id, no caso, é o mau, e o ego é o bom que vai sublimar o
id, porque o ego seria a parte evoluída do id. (Mas que mentira, meu caro!)
O superego (a parte mais hipócrita do próprio ego) seria, segundo Freud, a
essência superior do homem; simboliza as nossas relações com os pais e com a
sociedade, etc. Assim, o ego derivaria do id, e o superego derivaria do ego e do
id. Desta forma, o pobre ego viveria três vêzes acossado: pelo mundo exterior que
o perturbaria com facilidade, pela libido do id e pela crítica e severidade do
superego, personalizando a moral dos pais e da sociedade. Nada mais hipotético e
falso. Bem ao contrário do que realmente ocorre.
Ainda dentro do freudianismo, temos a teoria sexual, com suas hipotéticas
fases oral, sádico-anal, fálica, teoria que ainda encerra o famoso complexo de
Édipo.
Lastimo que a lenda de Édipo, tão profunda e simbólica, tão cheia de
sabedoria e revelação, tenha sido deturpada pela hipótese ou complexo que Freud
a ela adaptou. Dêsse com
296.

plexo, Freud muito se orgulhava e dizia que só a sua descoberta bastava para
compensar tôda a Psicanálise. Segundo o complexo de Édipo, a criança escolheria
o progenitor do sexo oposto, considerado como sexo apenas. Êste complexo inclui

209
a ambivalência feita de ciúme e hostilidade, de admiração e afeição em face do
progenitor do mesmo sexo.
Para ressaltar a relatividade e mesmo tese, teria de se escrever um
compêndio à não convém fazer aqui.
BOMBASTUS: Tens mais alguma coisa a dizer, resumidamente, sôbre
Adler e Jung, famosos discípulos de Freud? TEOFRASTUS: O problema consiste
em tudo expor resumidamente.
O pansexualismo de Freud foi que levou Adler e Jung a se separarem de seu
mestre.
Segundo informam os livros, Adler concentrou suas explicações dos
mecanismos do inconsciente sôbre o sentimento de inferioridade e a ânsia do
poder. Portanto, êle defendeu a tese do desejo de poder do ego, quando nem todos
manifestam êsse desejo, pelo menos conscientemente. Um indivíduo poderá ser
orgulhoso, vaidoso, prepotente, mas mesmo assim não alimentar ânsias de poder
tão óbvias como pretendia Adler.
a invalidade dessa parte, o que acho
Jung concentrou seus estudos sôbre a capacidade de introversão e
extroversão do indivíduo, como também se interessou muito sôbre o inconsciente
coletivo. Os dois concordaram em diminuir a importância do componente sexual
na explicação das neuroses. Freud recusou-lhes o direito de contraditar a Psica-
nálise. Adler criou então a "Psicologia Individual", e Jung a "Psicologia
Analítica".
O problema de tôdas essas teorias psicológicas e analíticas é o analista; êste
tem de ser muito desprendido, humilde e prudente, porque, enquanto o "eu" do
analista subsistir, subsistirá o engano e a tapeação. Quando se analisa uma questão
subjetiva, nossa ou alheia, havendo um analista condicionado, a análise há de ser
forçosamente condicionada. E disso resultarão problemas cada vez mais
complexos, porquanto o ego, em busca de reforços, sempre haverá de complicar, a
fim de que nunca o homem se lembre de acabar com o grande complicador, que é
o próprio ego.

297

o aspecto mais positivo da doutrina de Jung foi o de ter ampliado a natureza


do inconsciente. Para êle o inconsciente deixou de ser puramente de origem
biológica, para se estender mais além, como se fôsse uma espécie de alma e
contivesse, sem levar em conta o material genético supostamente herdado, tôdas
as experiências de nossos antepassados. Em nosso inconsciente não biológico
conteríamos a história da humanidade e poderíamos até, durante os sonhos, entrar
em contato com sêres que viveram em séculos anteriores. O inconsciente de Jung
já tem muito de espiritual e nêle encontramos uma mistura daquilo que eu disse
sôbre o subconsciente e o supraconsciente condicionados. Jung só não chegou a
surpreender o ego engendrando ilusões e mentiras lá no suposto inconsciente
condicionado que antes sugeri. Já ouvira falar, ou já lera sôbre o SER ou o
Inconsciente Real que habita em cada um de nós, mas como estava prêso à lógica
e ao dualismo, não soube como encaixar êste SER ou Inconsciente Real no seu
inconsciente coletivo.

210
BOMBASTUS: Que vês de errado na atuação da Psicologia, da Psiquiatria e
da Psicanálise?
TEOFRASTUS: Inúmeros são os erros da Psiquiatria e das ciências
correlatas. E o que mais se lamenta, atualmente, é ver um bom número de
psicólogos e psiquiatras tratarem de males mentais alheios dos quais entendem
muito pouco ou quase nada. Nos dias que correm, em que tanto se fala de psique
ou de mente, de fôrças mentais, de tendências, de complexos, de recalques, de
podêres ocultos, etc., pois bem, é incrível e inacreditável ver a enorme quantidade
de semi-entendidos que se julgam capacitados a compreender a essência e a
verdade mental. Como se fala e como se escreve sôbre a mente! Quantas tolices e
quanta insensatez são ditas sôbre ela! E não creias tu que o que estou dizendo seja
menos tolo do que aquilo que outros já disseram. As palavras são como o vento
forte a agitar "as águas do lago mental", e essas "águas" deveriam permanecer
quietas, a fim de que o SER nelas pudesse se refletir plenamente. Como,
infelizmente, o meu silêncio não ajudaria ninguém (e das palavras também não
espero muito) tenho de dizer o que estou dizendo, mesmo que possa melindrar
alguém.
298

Há alguns psicólogos e psiquiatras que são uns verdadeiros cegos


conduzindo outros cegos, e limitam-se a tratar terapêuticamente aquilo (a mente)
que desconhecem completamente. Se se tratasse da sua própria mente, não seria
nada, mas quando se trata das emoções e do psiquismo alheios, aí o jôgo fica
perigoso. O mais triste de tudo, principalmente no caso específico da Psiquiatria,
é ver um indivíduo, desconhecedor do motivo real de várias e supostas
patologias mentais, tratar e cuidar da sobrevivência de seu paciente, portador de
uma dessas várias e supostas patologias. É incrível o número de psiquiatras que
nada conhecem sôbre si mesmos, que nada sabem sôbre a sua própria mente,
sôbre o que vem a ser a imaginação, a memória, a inteligência, a intuição, a
vontade, que desconhecem o segrêdo da conscientização das pretensas
percepções sensoriais, onde o ego, lá do inconsciente condicionado, trama as
suas artimanhas e reforços, valendo-se sempre da mentira e da ilusão, e ignoram
a verdadeira causa (não cerebral nem química) da suposta patologia mental
observada em seus pacientes. Pois bem, se muitos dêles desconhecem o
verdadeiro motivo desencadeador dessa suposta patologia (o ego); se não sabem
como enfrentar adequadamente o pretenso caso patológico, como medicar ou
libertar o doente de seus supostos e incompreendidos males, se são incapazes de
superar suas próprias manias, vícios de lógica, seus condicionamentos, suas li-
mitações, sua vaidade, e assim por diante, como poderia pois essa gente ajudar a
alguém? É incrível ver certos psiquiatras, que limitam seus conhecimentos a
livros tendenciosos com teses preconcebidas, a enquadrar o comportamento
psicológico, às vêzes aberrante, do próximo, dentro de determinados esquemas
arbitrários, como se a mente ou a psique pudesse e devesse ser enquadrada
dentro de esquemas, ela que é a própria fonte original de todos os
enquadramentos imagináveis; repito, é incrível ver êsses psiquiatras
analisando.ou psicanalisando um indivíduo que não deveria ser tratado ou
estudado por êles. Se êsses maus psiquiatras tudo desconhecem sôbre si mesmos,

211
sôbre seus pacientes então, nem se fala! O que resulta de tudo isso, como aliás se
constata atualmente, é que o número de doentes mentais aumenta de forma
espantosa, com o aumento numérico e concomitante dos supostos entendidos de
psicologia e psiquia

299

tria. Paradoxalmente, tanto o psicólogo como o psiquiatra bem-intencionados


estão aí sem poder fazer nada, ansiando por novas drogas químicas que possam
curar males que não têm origem material, embora os bioquímicos se empenhem
em provar o contrário. Aumenta o número das casas de saúde (antigamente
denominadas hospícios e que, em verdade, continuam sendo hospícios
tenebrosos), aumenta concomitantemente o número de médicos incapazes, o que
leva também a um aumento do número de pacientes; não obstante o acréscimo de
especialistas, a doença mental continua inatacável. Alguns psiquiatras acreditam
estar auxiliando o próximo, contudo, muitas vêzes, apenas pioram a situação, pois
como podem auxiliar alguém se de antemão nada compreendem sôbre si mesmos
e evitamparticipar e compreender o drama nem sempre imaginário do paciente?
Por exemplo, no caso de um paciente em crise aguda, nem sempre os
delírios, os devaneios e confusões devem ser desprezados como imaginações
mórbidas e confusas.
Não restam dúvidas de que o paciente é, muitas vêzes, o culpado de seu
próprio mal, não importa o nome científico que venha a receber. Os males
mentais se caracterizam por um sinal inconfundível: o egotismo e egoísmo
exacerbados; não no sentido da mesquinheza, do acúmulo de posses, mas no
sentido de que êsses indivíduos acabam doentes porque vivem, pensam ou agem
sempre em função do auto-refôrço. Para êles só existe o "eu" e "meu" antes de
tudo, mesmo que êsse "meu" se relacione aos familiares ou a algo aproximado
(religião, partido, país, etc.). Quanto mais o ego em cada um de nós cresce e se
reforça, mais fatal será seu "estouro e fragmentação" (esquizofrenia, paranóia,
etc.) ou sua "murchação" (neurose ou psicose maníaco-depressiva, manias de
perseguição, suicídio, etc.). O balão psíquico consciente e egolátrico ou estoura
em mil pedaços, ou vai emurchecendo pouco a pouco até fenecer.
E o que piora esta situação é o ambiente hospitalar, os fatôres
condicionantes incutidos péla má influência dos próprios psiquiatras e parentes, e
finalmente a memória do próprio paciente. Ninguém nasce esquizofrênico, ou seja
lá o que fôr; agora, graças à inadvertência dos "entendidos" e não entendidos e do
próprio doente, muitos ficam definitivamente esqui
300
zofrênicos, paranóicos, psicóticos depressivos, maníacos, com personalidades
psicopáticas, etc.
Será que os livros e a prática são suficientes para autorizar um psiquiatra ou
psicanalista a fazer um diagnóstico definitivo sôbre alguém? Por que têm êles a
mania (ao invés de compreenderem, na medida do possível, o drama emocional e
mental do paciente) de preocuparem-se logo em batizar o mal com êste ou aquêle
nome retirados de um compêndio de patologia mental? Quem os autoriza a
rotularem êste ou aquêle mal mental, às vêzes de evolução imprevisível, com um

212
diagnóstico definitivo (uma palavra apenas) que muitas vêzes condena o indivíduo
à cronicidade, a um tratamento errado, ao ostracismo, ao desespêro, à decadência
e à morte?
Se os clínicos, cirurgiões, etc., têm, às vêzes, imensas dificuldades em
diagnosticar inúmeros males somáticos, isto com tôdas as facilidades
propedêuticas e com o auxílio de análises laboratoriais, como podem certos
psiquiatras e psicanalistas ter absoluta certeza do que.dizem e fazem, diante de um
paciente que apresenta uma perturbação mental aguda e uma alteração na
conduta? E por que deveriam fazer prevalecer sempre o veredicto do diagnóstico
sôbre uma simples atitude humana a tomar, complementada por uma terapêutica
tranqüilizante, não sedativa nem entorpecente? A mente, mesmo que se perturbe,
não o faz de forma definitiva, porque o que se perturba é o ego, o grande
perturbador e perturbado por natureza, mas atrás do ego está a Vida, o SER, que
logo se aquietem um pouco "as águas do lago mental", continua fluir serena e
pacificamente.
E, no entanto, o que se vê é alguns psiquiatras rotularem errôneamente o
mal do paciente como um mal irreversível e incurável, o que vai impedir a
quietação daquilo que poderia se aquietar.
Quem disse ao senhor psiquiatra que a esquizofrenia e outros males mentais
são, por exemplo, herdados genèticamente? Só porque se repetem mais
freqüentemente numa mesma família? Ora, como não haveriam de se repetir,
quando o egomemória de um indivíduo, já cheio de temor e desespêro natural, é
bombardeado perene e sensorialmente pelas imagens e palavras de seu meio
ambiente. Se alguém me diz a todo ins

301

tante que vou ficar louco, e se eu me atemorizo por causa disso, ninguém me
salvará dessa mesma loucura. O ego não tem capacidade de construir, de amar, de
ser feliz, de se pacificar, de compreender; mas é capaz de guardar rancor, de
sentir-se vítima, injustiçado, perseguido, de ser maníaco, maldoso, mentiroso,
pusilânime, teimoso, destruidor e autodestrutivo.
. De qualquer maneira, por que haveriam certos facultativos de tratar um
doente fria e intelectualmente, esquecendo-se de que estão diante de um ser
humano senciente e de que com amor, carinho, bondade, paciência, compreensão,
tolerância, e intuição, tudo conseguem déle? É tolice de alguns psiquiatras
pretenderem enquadrar o paciente dentro de certos preconceitos mentais, de
esquemas artificiais, falsos e mentirosos, elaborados por seja lá quem fôr, próprios
da escola que êles freqüentaram, recusando-se, no entanto, de forma categórica, a
ampliar seus conhecimentos de Psicologia e de Psiquiatria a partir de outras fontes
que não as acadêmicas, as pretensamente científicas.
BOMBASTUS: De tudo o que disseste, pude entender que para a Psicologia
e a Psiquiatria poderem realmente auxiliar o homem, o psicólogo ou psiquiatra,
antes de tudo, terá de compreender-se a si mesmo, examinar a sua natureza
mental, as suas ações e relações, sem que, nessa atitude, venha a existir um "eu"
compreendendo e examinando.
Agora, para encerrar êste assunto sôbre Psicologia, vamos arriscar um
palpite de loteria. Dentro das perspectivas atuais, quem achas que vai predominar

213
na Medicina dos próximos anos; será a tendência psicológica de tudo reduzir a
fenômenos psíquicos, ou a tendência bioquímica-fisiológica de tudo enquadrar
dentro de reações físico-químicas?
TEOPRASTUS: É perigoso responder a perguntas que se relacionam com o
futuro, porque o futuro é hipotético, e quando se transforma no hoje, sempre
desmente até o melhor profeta.
Não obstante, se fôssemos encarar a Medicina moderna de forma
superficial, seríamos capazes de jurar que a tendência bioquímica levará á melhor,
porque ela é pródiga em "conversa prática", em "provas objetivas" e em
"descobertas espetaculares"; e como as provas, a conversa e as descobertas
espetaculares ainda constituem a arma principal do materialismo científico,
302
então seria o caso de deduzir que, para desgraça dos pacientes, a Medicina poderá
acabar se tornando um ramo da Bioquímica. Isso, contudo, são apenas aparências.
O possível sucesso da Bioquímica explicar-se-ia. Ora, um indivíduo incapaz de
pensar por si mesmo, previamente deturpado por um pseudo-ensino científico
escolar, e que passe seis anos ou mais cursando Medicina, condicionado que é,
desde o primeiro ano, com argumentos bioquímicos, é bem possível que, no final,
acabe raciocinando só em têrmos de Bioquímica. Isso, aliás, é o que vem aconte-
cendo a grande parte dos estudantes de Medicina, e também de Farmácia,
Agronomia, Veterinária, Odontologia, etc. Mas como, infelizmente, o bioquímico
é aquêle que menos conhece os logros e armadilhas de sua própria mente, já que é
tão cego a ponto de não perceber que êle e a Bioquímica são uma e a mesma
coisa, e que a última palavra sempre está em sua mente, e, não no objeto de
análise, também mental, que constituiria os elementos bioquímicos, então
poderemos ter certeza de que a Bioquímica, como tantos outros ramos científicos,
haverá de falhar, como êstes já falharam, por causa de seu absolutismo.

Se um arrogante propagador de Bioquímica, antes de se considerar


bioquímico, se conhecesse a si próprio e conhecesse os segredos de sua mente,
que lhe permite estudar, experimentar, provar, deduzir, equacionar, se orgulhar, se
envaidecer, se iludir, crendo ter descoberto a chave do pretenso "Código Gené-
tico", ou então o segrêdo da memória e do pensamento humano, pois bem, se êle
conhecesse sua própria mente,. aí, sim, o seu sucesso, e não o da Bioquímica,
estaria garantido. O bioquímico apenas limitou-se a pôr em movimento a roda das
forjações; e o que chamamos sucesso da Bioquímica não passa de meras forjações
humanas e mentais do próprio bioquímico, que os incautos seguidores aceitam
como verdades naturais.
Agora, se a Psicologia, a Psicanálise e a Psiquiatria conseguissem libertar-se
das inúmeras deficiências do freudianismo e correntes correlatas, e principalmente
dos defeitos e limitações do materialismo fisiológico, etc., suas possibilidades
seriam bem diversas. Há tantos outros campos, além dos científicos. Por exemplo,
se êsses ramos da Psicologia acadêmica se voltassem um pouco para a confusa e
surpreendente parapsicologia e a desprezada metapsíquica, e até para o sempre
combatido e ne
303

214
gado espiritualismo moderno, novos campos da mente seriam vislumbrados.
Todavia, o melhor é conhecermo-nos realmente a nós mesmos e vivenciarmos a
VERDADE em silêncio. Se isto não servir, aprendamos pois as grandes lições de
Psicologia transcendental dos Mestres de todos os tempos. Se isto também não
valer, ainda restam outras fontes de conhecimento, ricas em dados relativos e
valiosos que suplantam, às vêzes, as pretensões absolutistas de uma psicologia
artificial, que obriga a mente humana a se enquadrar exclusivamente dentro de um
esquema científico prefixado.
Se não surgir um grupo de pensadores profundos e avisados, mais
compreensivos que pensativos, não limitados ao artificialismo da Psicologia e da
Psiquiatria, e que modifiquem o atual estado de coisas, a Medicina poderá cair no
lôgro da Bioquímica, porque certas pessoas que estudam Medicina não gostam de
pensar; deixam-se impressionar muito fàcilmente por aquilo que chamamos de
"prova". E como já foi dito, a Bioquímica é pródiga em apresentar "provas". A
Psiquiatria e a Psicanálise também podem apresentar "provas", mas são "provas"
mais fracas, pouco convincentes, nem sempre lógicas, puristas, do tipo
matemático. São, às vêzes, provas humanas e relativas, provas dialéticas, provas
de boa-fé.
A medicina organicista em si dificilmente estaria disposta a fazer
concessões ao que não é biológico e fisiológico. As evidências da Patologia estão
aí, dizem os imediatistas. Como negar os fatos palpáveis (mesmo que sejam
logros da mente, chapas fotográficas geométricas, tridimensionais e estáticas) e
apegar-se a teses abstratas que sugerem e alertam que muitas doenças tidas como
orgânicas têm como causa patológica primária a própria mente? Por isso é que, a
corrente psicológica da Medicina (psicossomática) muito terá de lutar contra a
Bioquímica, a Fisiologia, a Patologia, etc., para ver algumas de suas assertivas
serem encaradas com menos desprêzo.
No campo da Psiquiatria, por sua vez, sabe-se que atualmente ocorre um
enorme acréscimo de doentes mentais enquanto que a Psicanálise e a Psiquiatria
pouco conseguem fazer a favor dos pacientes. A Psiquiatria degradou-se de tal
forma que chegou a empregar a violência como meio terapêutico. Reflete a
influência do materialismo científico, porque só mesmo

304

uma psicologia científica como a atual Psiquiatria poderia empregar o choque


insulínico e o choque elétrico nos desgraçados pacientes, ou então intoxicá-los
quimicamente de forma exagerada, como estimulantes ou depressores venenosos
e quase sempre inúteis. Houve até um tempo em que se praticava a mutilante e
vergonhosa lobotomia frontal, ou as não menos muflantes ablações de outras
partes cerebrais como desculpa terapêutica. Apesar de inúmeros defeitos e
limitações, a psicanálise freudiana, jungiana e correlatas, no método terapêutico,
jamais chegam a tanto. Se comparadas com a Psiquiatria, até que são bem
melhores, mais humanas e menos violentas.
As fobias, o terror, o mêdo, os recalques, os complexos e os vícios do
homem aumentaram muito, principalmente por causa do nosso indevido e

215
artificial modo de viver, fomentado de forma tão vergonhosa pelo mercantilismo e
pelo comercialismo atuais, que se servem do rádio, da televisão, do cinema e de
todos os meios de propaganda para acobertar um grupo de desonestos, de egoístas,
de mesquinhos, que sabem muito bem como comprar os "frutos da ciência" em
detrimento do homem comum e realmente necessitado.
Essa vida artificial, astutamente rotulada de "progresso", contribui para o
agravamento dos recalques, das fobias, complexos, desespêro e sentimentos de
impotência, que sutilmente vão minando o consciente do indivíduo. E como se
isso não bastasse, às vêzes ainda vem um cego, com um diploma debaixo do
braço, tão cego como nós, mas com pretensões de grande sábio e querendo nos
ajudar.
Dentro dessa maneira de ver as coisas a Psicologia e a Psiquiatria só podem
fracassar ou serem de pouca utilidade, ao mesmo tempo em que a Bioquímica
julga-se capaz de elaborar produtos químicos que irão interferir na suposta mente
de natureza química do indivíduo, propiciando-lhe um mentiroso paliativo ou
falsas curas; não obstante, mal passa o efeito do medicamento ingerido ou da
famigerada substância química administrada, tudo volta à estaca zero.
Não nego os méritos e os esforços do ramo farmacêutico da Bioquímica
(que os farmacêuticos me desculpem) em querer descobrir novas substâncias
químicas que possam amenizar ou mesmo eliminar as desagradáveis
conseqüências das várias pato
305

logias mentais. Todavia, malgrado as boas intenções, o que acontece em inúmeras


ocasiões é que essas substâncias químicas só servem para destruir definitiva e
totalmente o consciente do indivíduo. Poucas vêzes o curam; ao contrário, o
inibem, deprimem, imobilizam e acaba por destruí-lo. E por que isso? Tudo
porque o homem já se convenceu de que os males da mente (devidos ao ego) são
de origem cerebral. Seria uma falha nas reações bioquímicas em cadeia do
cérebro. A Bioquímica, em seu propósito de equacionar quimicamente o ser
humano e transformá-lo num tubo de ensaio ambulante, é às vêzes mais perniciosa
do que se supõe. E por achar que somos sòmente um conjunto de reações
químicas, obriga-nos a ingerir medicamentos perniciosos e destruidores, que
viriam pretensamente corrigir o quimismo errado de nosso cérebro e de nosso
organismo. Todavia, poucos percebem o êrro, e em certas terapias para os males
mentais poucos se dão de que estão engolindo gato por lebre.
Daí, volto a repetir, para que êsse estado de coisas termine, é preciso que o
psicólogo e psiquiatra se libertem das peias científicas prejudiciais, e
principalmente das explicações bio químicas tendenciosas, voltando a encarar a
mente como algo muito mais amplo, mais profundo e capaz, recordando que a
mente poderia ter originado o corpo, e não o corpo a mente, como o torpe
materialismo tanto tem-se esforçado por "provar", graças à mente do "provador".
BOMBASTUS: O Dr. Juan Nasio, membro da Academia de Ciências
Médicas da Argentina, em artigo publicado numa revista local, apresentou uma
série de quesitos, com os quais pretendeu denunciar o atual estado das ciências
médicas no mundo, com suas limitações e os insucessos que essas limitações têm
acarretado.

216
Agora, particularmente, gostaríamos de comentar duas dessas acusações.
Segundo o Dr. Nasio, entre as várias causas da atual condição da Medicina que
serão veementemente condenadas no futuro, figura, em primeiro lugar: "Um
dogmatismo impermeável na clinica e na investigação".
Bem, sôbre êste aspecto, acreditamos que a Medicina ficou enquadrada
dentro do fenômeno científico geral; ou seja, a Ciência é dogmática, e a Medicina,
sendo um aspecto dessa Ciência,
306

também é dogmática, assim como dogmáticas foram inúmeras religiões que


precederam a Ciência.
Mas o que nós vamos tratar agora é do seguinte ponto apresentado pelo Dr.
Nasio. Segundo êle, entre as causas das mitações da Medicina moderna figura "o
esquecimento da História da Medicina". E isso vem muito a propósito, porque já o
filósofo e cientista inglês Whitehead reclamara que a Ciência moderna esqueceu a
sua história e esqueceu também - o que para êle era tão ou mais importante - a
Filosofia. A seu ver, a dicotomia entre o pensamento filosófico e o pensamento
cientifico fêz com que a Ciência ficasse limitada a uma série de circunstâncias, a
uma série de fatos palpáveis; portanto, separando-se da Filosofia, teria a Ciência
fatalmente de ater-se apenas ao imediato ou ao suposto real circunjacente;
enquanto que a Filosofia, ao separar-se completamente da Ciência, cairia, como
aliás tinha de cair, na abstração pessimista, que caracteriza francamente a filosofia
do século XX, que é uma filosofia sem esperança.
Agora, gostaríamos de entrar no aspecto histórico do problema. A Medicina
esqueceu sua história, segundo o Dr. Juan Nasio, e nós podemos, por extensão,
dizer que tôda a Ciência esqueceu a sua história. E êsse esquecimento da História
é, no meu entender, o principal fator responsável pela intolerância científica
contemporânea. Os cientistas, esquecidos da História e de suas origens,
esquecidos sobretudo de relacionar suas origens g outras formas de pensamento
que existiam antes de surgir a Ciência e juntamente com ela, acreditam possuir o
meio - e se ainda não o possuem, pelo menos acreditam ainda possuí-lo um dia -
que seria a chave da VERDADE e do CONHECIMENTO. Entretanto,
percebemos que se o cientista enquadrasse o desenvolvimento da Ciência dentro
de um prisma histórico, teria de reconhecer, fatalmente, que a Ciência é apenas
mais uma tentativa, tão ou mais precária que as outras que a precederam no afã de
sondar a VERDADE e responder às inquietações do homem sôbre os problemas
que o cercam e afligem.
Deixemos, portanto, a ti a incumbência de expor em que sentido o
conhecimento da História poderia auxiliar o homem moderno a encarar a Ciência,
de um ponto de vista mais relativista, ou seja, enquadrando-a dentro do
movimento cultural

307

global, e não apenas como uma forma original e mais aperfeiçoada de procurar a
verdade, como os próprios cientistas acreditam; mas simplesmente como um meio
- como já tantos outros existiram antes e continuarão existindo mesmo depois dela

217
- de procurar a verdade por caminhos que, talvez, nem sempre sejam os mais
adequados.
TEOFRASTUS: Bem, em parte tu mesmo já respondeste à pergunta
que quiseste fazer-me. A conscientização do conhecimento histórico dos esforços
do homem em busca da Verdade, ou então, a conscientização do conhecimento
histórico da evolução científica ou da implantação da Ciência e mesmo da
Medicina científica, permitiriam que o cientista ou o médico se tornasse um pouco
mais humilde, um pouco mais relativo, um pouco mais elástico nas suas pretensas
afirmações dogmáticas e um pouco mais cauteloso em relação às suas supostas
irrefutáveis conquistas. Além do mais, o bom conhecimento histórico permitiria
que o homo sapiens cienti f icus compreendesse não ter sido êle o primeiro
indivíduo a vislumbrar a Verdade, como ilusòriamente acredita. Por meio da
História, constataria que aquilo que êle diz, e aquilo que êle fêz ou faz, já outros
disseram, já outros pensaram, já outros fizeram, e compreenderia a pobreza dos
resultados alcançados. Explicando melhor, êsse sincero estudo da verdadeira
história do homem permitiria compreender que êle, o cientista, ou êle, o médico,
ou outro especialista qualquer, é apenas mais um esforçado, nem sempre feliz,
nessa imensa luta que o homem vem travando através dos tempos, com o
propósito de descobrir os pretensos segredos da Natureza, ou de descobrir aquilo
que êle chama de VERDADE ÚLTIMA contida no objeto de estudo ou na
suposta natureza circunjacente. Só a possível probabilidade de tornar-se relativo,
tanto no que diz respeito a si mesmo como no tocante ao seu pretenso
conhecimento, é que lhe permitirá livrar-se da constante preocupação com os
supostos aspectos externos das coisas. O relativismo diminui as preocupações com
a manutenção das conquistas externas, das provas externas. Uma vez superado ou
diminuído o endeusamento com relação às verdades supostamente provadas num
objeto de estudo, e ao serem enquadradas as pretensas descobertas sôbre o objeto
de estudo dentro de um relativismo elástico, terá o homem a possibilidade de
começar também a se compreender e a

308

conhecer-se a si mesmo. Porque tôda aquela tensão gasta em manter o


endeusamento do objeto de estudo impede-o de vislumbrar a VERDADE.
Diminuindo essa tensão, conseguirá êle aproveitar parte dêsse esfôrço, até então
mal empregado, no propósito efetivo de buscar a VERDADE, mas agora a partir
de si mesmo, a partir de seus próprios atos e pensamentos.
Como tu mesmo viste, o aspecto histórico tem muita importância. A
importância primordial reside nisso: tornar o indivíduo relativista, torná-lo mais
senhor de sua própria personalidade e de sua integridade, menos iludido em
relação à tão decantada realidade externa. Através da História, êle vai com-
preender que outros já tentaram e mais ou menos fizeram o que êle agora está
fazendo, e acabará concluindo que se seus predecessores não chegaram a
nenhuma conclusão, êle também não haverá de chegar, salvo se voltar-se para
dentro de si mesmo.
O relativismo das coisas é a grande lição que a História nos dá. Da História
adquirimos um sentimento de humildade com relação às coisas externas, um

218
sentimento de impossibilidade em elaborar uma verdade definitiva sôbre qualquer
suposta realidade externa.
Antes de encerar esta minha explanação, a título de curiosidade, gostaria de
enumerar as quinze futuras acusações à Medicina de hoje, elaboradas mas não
comentadas pelo Dr. Juan Nasio, que são as seguintes:

1. - Metodologia a priori, que deforma e desnaturaliza os fenômenos


fisiopatológicos.

2. Dogmatismo impermeável, na clínica e na investigação.


3. Superestimação dos resultados da investigação experimental e sua
apressada aplicação ao homem.
4. Caráter ortodoxo, absoluto e reincidente de diagnóstico e
terapêutica, apesar de sua constante retificação pelos fatos.
5. Subordinação forçada dos fatos a uma teoria apriorística.
Supertécnica experimental e de laboratório, bem sucedida no animal (monstruosa
e vergonhosa

309

mente massacrado num laboratório), porém de más conseqüências teóricas e


práticas na clínica.
6. Histopatologia nem funcional nem dinâmica, atrasada em seu
progresso por fixadores destrutivos o desnaturalizadores (formol e álcool).
7. Investigação científica e terapêutica viciada por interêsses comerciais.
8. Supertecnificação diagnóstica e terapêutica, que desvirtualiza a unidade
somatopsíquica do indivíduo.
9.Abuso do inconsciente, manifesto na pretensão de "tecnificar" a alma e
"cientificar" a fé.
10.Vaidade mórbida que pretende perpetuar dirigir a alma e dominar o
cosmo. 11.Esquecimento da História da Medicina.
12. Influência racista, que permitiu a eminentes médicos sustentarem que o
câncer de fígado, por exemplo, é próprio da raça negra.
13. Desenvolvimento de uma pseudo-estatística médica (vergonhosa
pretensão de matematizar também a Medicina) sem bases racionais, deformadora
dos fatos, que leva a conclusões mais aparentes que reais, mais falsas que
verdadeiras.
14. Violação dos fatos mediante especulação teórica, impregnada de
empirismo, através da qual um dado parcial é transformado em princípio geral e
absoluto.
15. Abandono do espírito da medicina latina, francesa principalmente,
sujeição cega a um tecnicismo robotiano, sensacionalista e desumano (propósito
êste alimentado principalmente pelos partidários da Cibernética, outra aberração
da metodologia científica).

O que está entre parênteses foi acrescentado por mim, não consta da citação.

219
310

BOMBASTUS: Já que incluímos a História nesse nosso debate, seria bom


que comentássemos um ponto delicado.
Mais ou menos, até agora, temos verificado aquilo que pode ser enquadrado
como realidade científica, ou seja, como a relação do homem com o universo,
exposta através de explicações científicas, modernamente elaboradas e
catalogadas através das ciências físicas, biológicas e psicológicas.
Bem, além dessa realidade física, existe outra, que é a realidade social, para
a qual o homem moderno, no seu afã de classificações e nomenclaturas, criou
também uma ciência: a ciência social ou sociológica, que tem seu cume na própria
Sociologia. Ora, a ciência sociológica vale-se, mais ou menos, para explicar os
fenômenos sociais, da metodologia científica tradicional. Mas, devido ao caráter
especial dos problemas de que trata, ela não pode utilizar um dos recursos mais
importantes do método científico, que é a experimentação. A ciência social, antes
de ser uma ciência experimental, é uma ciência de observação. Partindo da
observação de uma série de fenômenos, o sociólogo induz certas leis que, segundo
êle, regeriam os fenômenos sociais.
O conhecido sociólogo russo-norte-americano Soroskin, num livro muito
significativamente intitulado Achaques e Manias da Sociologia Contemporânea,
critica, especificamente, aquêle que êle chama de "sociólogo de rua", respondendo
às críticas que certos sociólogos fazem aos sociólogos da velha escola, chamando-
os de "sociólogos de gabinete", e visa sobretudo os cientistas sociais que
acreditam que os fenômenos sociológicos seriam, antes de tudo, fenômenos
estatísticos, ou seja, fenômenos passíveis de serem previstos através de leis mais
ou menos mecânico-matemáticas. Sua crítica é dirigida contra o sociólogo que, na
interpretação dos fatos sociais, nada mais faz que utilizar-se das leis e dos
métodos científicos, com os quais o cientista natural procura interpretar a suposta
realidade física.
Em oposição, Sorokin defende uma sociologia que é mais do que uma
sociologia, pois êle chega a pretender uma ciência que não apenas se baseie nos
mecanismos do método científico racionalista tradicional, mas uma ciência que
tenha uma visão global do homem, isto é, uma ciência que se valha da razão, do
supraconsciente, da intuição, dos instintos, etc.

311

Antes de mais nada, gostaríamos que respondesses a uma pergunta mais


objetiva: existe uma realidade social? Ou essa realidade social também
constituiria um engendramento? E se existe uma realidade social, até que ponto
poderia existir uma ciência que a explicasse?
TEOFRASTUS: Bem, enquanto a natureza hominal limitar-se apenas ao
ego-intelecto-mente, ou então simplesmente ao egomente conforme a consciência
da maioria dos homens, obviamente, existirá realidade social. Mas dificilmente
alguém, assim limitado, conseguirá superar os problemas dessa realidade social,
porque sua origem e, inclusive, a dessa mesma realidade social, é o próprio ego-
intelecto-mente dos indivíduos.

220
Um monista por excelência, um verdadeiro Mestre, ao vivenciar a
VERDADE última, sabe e percebe que essa realidade social não é tão dramática,
nem tão urgente e tão real quanto parece ao intelecto-mente do homem comum.
Essa realidade social que ao indivíduo comum, escravo do ego-intelecto-mente,
causa tantas preocupações, tantos aborrecimentos, em verdade é apenas a sua
realidade social; isto é, ego-intelecto-mente do indivíduo limitado e realidade
social são a mesma coisa. O Mestre sabe disso, portanto não se deixa afetar tão
fàcilmente por ela. O Mestre sabe que o que nós chamamos de humanidade e seus
problemas, e o que chamamos indivíduo diante dessa humanidade com seus
problemas, são uma e a mesma coisa. E tendo alcançado a perfeição e a plenitude,
percebe que êsses problemas não existem, nem para êle nem para a VERDADE.
Porque êle e a humanidade são uma coisa só, assim como Deus, o Mestre e a
humanidade também são uma coisa só. Mas a humanidade do Mestre não é a
mesma humanidade vista pelo ego-intelecto-mente. O Mestre vê o equilíbrio, a
harmonia, a paz em tudo, porque tudo isso é seu real reflexo; agora, também vê o
indivíduo limitado ao ego-intelecto-mente projetar a mentira, a multiplicidade, a
limitação, o sofrimento, as guerras, os crimes, os roubos, a miséria, a morte, etc.,
naquilo que para Ele é só beleza, amor, paz, harmonia, equilíbrio e. VERDADE.
Geralmente a missão do Mestre é tentar conduzir a sua humanidade à sua
VERDADEIRA NATUREZA, ou à Natureza Divina dêle próprio, e, sem medir
conseqüências, dá a essa humanidade
312

a sua verdadeira essência sob a forma de ensinos libertadores; mas nem sempre
essa humanidade o aceita e o compreende. Então, para aquêle que se limita à
condição de ego-intelectomente e que se considera únicamente como um corpo,
para êle existirá uma realidade social, diga-se de passagem, uma triste realidade
social com todos os seus problemas. Agora, uma coisa é certa: enquanto o homem
se restringir ao ego-intelectomente e ao seu corpo e, principalmente, enquanto se
restringir êsses aspectos desagradáveis de sua personalidade, que são o
inconsciente e o subconsciente (dependentes do mesmo egointelecto-mente),
jamais poderá propiciar algum benefício; jamais poderá solucionar problema
algum, porque êle é a origem do problema, é o próprio problema que pretende
solucionar, como se fôsse algo estranho a êle.
Os utopistas têm a mania de ver a "fagulha nos olhos da humanidade" -
outro aspecto de si mesmos - e não vêem a trave em seus próprios olhos,
projetada lá adiante sob a forma de fagulha nos olhos da humanidade.
Enquanto o indivíduo não tentar esclarecer a si próprio, harmonizando-se
primeiramente consigo mesmo, integrando-se com sua REAL NATUREZA, não
conseguirá, apesar dos esforços, solucionar os problemas alheios, que finalmente
são seus próprios problemas projetados. Isto que digo não vem contrariar o nobre
propósito de muitos indivíduos que tentam trazer algum esclarecimento à
"humanidade sofredora"; todo o mundo tem o direito de tentar, aliás todos
deveriam auxiliar a quem precisa de auxílio, mas sem a nação de "eu estou
auxiliando". Só assim estaremos efetivamente ajudando e ajudando-nos. É o que
pretende o sociólogo russo-norte-americano Soroskin, ao integrar o próprio
sociólogo naquilo que êle chama de realidade social. O sociólogo só poderá trazer

221
algum benefício a essa realidade social tão deprimente, se realmente integrar-se e
conhecer-se a si mesmo, profundamente, em todos os seus aspectos personalís-
ticos de inconsciente, subconsciente, consciente e supraconsciente condicionados.
Não se exige que se enquadre no estado último de SER, estado vivenciado
unicamente pelos Despertos e Realizados, mas simplesmente que comece a se
integrar e a se conhecer a si mesmo, a fim de que depois tente integrar a sua
realidade social, a sua humanidade. Agora, se a Sociologia co
313
meter o êrro de restringir-se ao aspecto científico de encarar as coisas, então
certamente há de falhar em seu propósito humanístico.
É muito louvável a pretensão dêsse sociólogo russo-norteamericano de
ampliar a compreensão da natureza humana em todos os sentidos; bem se vê que
êle já pressentiu que a única maneira de poder ajudar efetivamente alguém é tentar
melhorarse primeiramente a si mesmo, para depois tentar melhorar o próximo. Ou
então integrar-se, para depois integrar o resto. Poderíamos também, ao mesmo
tempo que tentamos melhorar o próximo, melhorarmo-nos a nós mesmos. Se é
isso que Soroskin pretende, então é digno de todo elogio, porque sua intenção é
nobre, elevada, boa, bela e altamente útil a essa tão incompreendida realidade
social.
BoMBASTUS: Das tuas palavras, posso concluir que a Sociologia será
irrelevante enquanto se ativer aos métodos científicos tradicionais, ou seja, uma
sociologia que se baseie nos métodos que conduzam ao dogma científico não
poderá levar qualquer benefício ao homem, e suas tentativas para interpretar a
realidade social serão infrutíferas, pois partirão sempre de dogmas, isto é, de
idéias preconcebidas.
Modernamente, no que tange à conduta social, ocorre com as ciências
sociológicas algo semelhante ao que vem ocorrendo com a ciência biológica e
com a Medicina. E é sobretudo contra isso que Soroskin chama a atenção, no livro
anteriormente citado, onde denuncia uma tendência de matematização do com-
portamento social, tendência essa que se espelha perfeitamente na Cibernética
que, podemos dizer, é a mais nova das ciências, e cuja finalidade é estudar as
inter-relações que existiriam entre o pensamento de sêres humanos e as
informações e mecanismos dos cérebros eletrônicos. A Cibernética tem seu
embasamento teórico desde 1948, quando o famoso matemático norte-americano
Norbert Weine publicou seu livro, hoje considerado o clássico dessa ciência. No
que se refere à ciência sociológica a Cibernética representa o mesmo papel
representado pela Bioquímica dentro das ciências biológicas, no seu esfôrço para
matematizar, para reduzir todos os fenômenos a um determinado e enorme
conjunto de leis mecânicas. Assim como a Bioquímica pretende enquadrar todos
os fenômenos vitais dentro de possibi
314

lidades físico-químicas, assim, também, pretende a Cibernética `reduzir o


comportamento social, o comportamento efetivo., enfim todo o comportamento
que caracteriza a humanidade, a uma série de leis, tôdas elas matemàticamente
explicáveis.

222
Ora, o perigo que essa cibernetização ou essa ciência re presenta para o
futuro da humanidade é talvez tão grande quanto o da Bioquímica, porque tanto
uma como a outra pretendem reduzir o multifacetado panorama do homem a uma
determinada norma de conduta, que no caso particular da Cibernética pode ,ainda
vir a ser explorada, como aliás já vem sendo, por certas 'organizações inimigas da
humanidade, ou melhor, inimigas do humanismo, interessadas em que todos
tenham um mesmo comportamento, adequado aos interêsses dessas organizações.
Então, deixemos que teças algumas considerações sôbre o papel da
Cibernética e sôbre o que ela pode representar para o futuro do homem.
TEOFRASTUS: Pelo que se sabe, a Cibernética representa mais uma
punhalada que certos fanáticos do mecanicismo científico querem dar nas "costas
da humanidade", como se já não bastasse o medonho pesadelo da guerra atômica
que êsses mesmos partidários engendraram, a serviço de um grupo de desonestos
e egoístas monstrificados, que costumam pôr suas mesquinhezas acima de todo e
qualquer interêsse humano comum, pesadelo muito bem conhecido por suas
supostas e possíveis tristes conseqüências.
A Cibernética visa ao endeusamento e à supremacia dos atos automáticos do
homem e da humanidade; e no caso da humanidade, as organizações que citaste
pretendem limitar a vida humana a meros atos automáticos restritos, isentos de
emotividades, no estilo típico dos cérebros eletrônicos e dos robôs. Isso permitiria
um melhor contrôle e domínio dessa suposta humanidade submissa e restrita à
triste condição de automatismo.
Que sabem os partidários da Cibernética sôbre os pretensos atos automáticos
dos homens? Que sabem êles do suposto automatismo das coisas? De onde tiram
as pretensas analogias que encontram entre o suposto automatismo humano e os
mecanicismos dos cérebros eletrônicos senão de suas próprias e obtusas
mentalidades? Bem se vê como as criações mentais do tipo matemático-
mecanicista intoxicaram as mentes de seus criadores,

315

a ponto de êles julgarem que a mente humana é passível de se restringir a meros


reflexos automáticos, equacionáveis matemàticamente. Terá sido a mente que
inventou a Cibernética, ou a Cibernética que descobriu a mente?
No caso da Cibernética, logo se vê o quanto seus partidários desconhecem a
História da Humanidade, bem ao seu alcance, e mais, o quanto desconhecem as
sempre prontas reações e inesgotáveis surprêsas desagradáveis do homem.
Se o automatismo orgânico, pretensamente inconsciente, fôsse tudo, seria
bem possível que, um dia, alguém conseguisse restringi-lo e manobrá-lo a seu bel-
prazer, mas como o pretenso automatismo hominal nada é, na verdadeira natureza
hominal, outras qualidades existem nos homens, que mesmo antes que alguém as
consiga sufocar e restringir, são capazes de botar a perder tôdas as pretensões dos
senhores partidários da Cibernética e, principalmente, dos eternos e mal-
intencionados mostrengos que se agrupam ao redor de tôda pretensa descoberta
científica que vise à escravização ou à destruição de parte da humanidade, em
benefício dêles próprios.

223
Não vejo na Cibernética nenhum futuro. Não acredito que ela consiga ir
longe, porque, como de costume, o cibernético, mesmo que bem-intencionado,
não sabe o que está dizendo, não sabe em que está mexendo e nem sabe até onde
os seus pretensos esforços o levarão. Se o senhor cibernético se conhecesse a si
smo e avaliasse em si as suas próprias possibilidades inconscien es e
subconscientes, que êle confunde com automatismo e compara à restrita atuação
dos robôs e cérebros eletrônicos, acreditando vê-Ias manifestas em seus
semelhantes, recuaria imediatamente, assustado e abismado diante de sua própria
e triste realidade, bem mais profunda, bem mais capaz, bem mais insidiosa e bem
mais negra do que êle pensava. Agora, quanto ao mal iminente, êsse pràticamente
já fracassou, porque o automatismo monstruoso que êle pretende fazer germinar
no próximo acabará com as pretensões de seu criador. O monstro desumano que
êle tenciona desenvolver nos demais, antes de se tomar útil aos seus torpes
propósitos, voltar-se-á contra êle e o destruirá, como aliás sempre tem acontecido.
Essas idéias de escravização e automatização do homem não são novas e jamais
vingaram; nem desta vez hão de vingar. Os franksteins
316

lendários ou reais sempre acabaram destruindo seus próprios .criadores. O


perigo em relação à humanidade é muito menor do que o perigo da difusão
dessas ridículas pretensões. Elas ;apenas atestam o quanto certos homens de
ciência retrocederam no curso da civilização, atestando também sua monumental
ignorância com relação a si mesmos, às suas próprias mentes e no tocante ao
conhecimento dos movimentos da humanidade e de certas leis que regem tais
movimentos.
O partidário da Cibernética, bem-intencionado ou não, é inimigo consciente
ou inconsciente de tudo aquilo que caracteriza o homem, e que a ciência
mecanicista e materialista não conseguiu ainda equacionar matemàticamente. O
cibernético é inimigo da individualidade, um baluarte garantido contra a máquina
científica. É inimigo da inteligência hominal, da vontade hominal, da memória
hominal, da possível genialidade hominal, das virtudes, dos vícios e paixões
hominais, dos sentimentos dos homens, do humanismo de certos homens, já que
pretende acabar com tudo isso, reduzindo a natureza do homem a meros reflexos
automáticos, compatíveis com seus propósitos. Realmente, quer transformar a
humanidade numa coletividade automática, numa coletividade do tipo
formigueiro, colmeia ou então do tipo termiteiro, onde tudo funciona como se
fôsse uma grande máquina e decerto o senhor cibernético e as desonestas organi-
zações que pretendem formar-se ao seu redor esperam tornar-se reis dêsses
formigueiros humanos; não percebem que se destruiriam juntamente com a
humanidade que pretendem destruir ou limitar.
Para têrmos uma idéia mais clara do que seria um futuro cibernético da
humanidade passo a transcrever uma passagem do livro Um Nôvo Modêlo do
Universo, de Pedro Ouspensky, que, na época, apesar de desconhecer as
pretensões dos cibeméticos, descreve admiràvelmente o que poderia ser uma
sociedade cibernética, ou então uma sociedade limitada ao simples automatismo

224
"O ordenamento da vida das abelhas e das formigas, sua organização
comunista ideal, indicam o caráter e a forma de sua queda. Poderíamos imaginar
que em diferentes épocas as abelhas e as formigas tivessem alcançado

317

uma cultura muito avançada, ainda que muito parcial, baseada inteiramente em
considerações intelectuais de aproveitamento e utilidade, sem nenhuma margem
de imaginação, sem esoterismo (conhecimento transcendental) e sem misticismo
algum. Organizaram a totalidade de sua vida sôbre princípios comuns - uma
espécie de "marxismo" - que lhes parecia muito exato e científico. Realizaram a
ordem socialista das coisas, submetendo completamente o indivíduo aos interêsses
da comunidade, de acôrdo com seu modo de ver êstes interêsses. Desta forma,
despiram o indivíduo de tôda possibilidade de se desenvolver e de se separar das
massas.
"E em verdade, era precisamente êste desenvolvimento dos indivíduos e sua
separação das massas o que constituía o propósito da Natureza e sôbre os quais se
baseava a possibilidade da (verdadeira) evolução. Nem as abelhas e nem as
formigas quiseram reconhecer isto, tinham em seu propósito algo diferente e
lutaram a fim de submeter ou dominar a Natureza. E de uma forma ou outra,
alteraram o plano da Natureza, impedindo a concretização dêsse plano.
"Temos de ter em conta que, como já dissemos antes, "experimento" da
Natureza, isto é, cada ser vivo, cada organismo vivo, representa a expressão das
leis cósmicas, um complexo simbólico ou um complexo hieroglífico. Tendo
começado a alterar seu ser, sua vida, sua forma, as abelhas e as formigas, tomadas
como indivíduos, romperam sua conexão com as leis da Natureza, deixaram de
expressar estas leis individualmente e começaram a expressá-las só coletivamente.
E então a Natureza levantou a sua vara mágica, e as converteu em pequenos
insetos, incapazes de fazer algum dano à própria Natureza.
"Com o correr do tempo, suas capacidades de pensar, absolutamente
desnecessárias num formigueiro, ou numa colmeia de abelhas bem organizadas,
foram-se atrofiando, os hábitos automáticos começaram a ser transmitidos de
geração a geração, e as formigas se converteram em "insetos" tais como os
conhecemos, e as abelhas até que se tornaram úteis.
318

"Em verdade, quando observamos um formigueiro ou uma colmeia, sempre


ficamos perplexos diante de duas coisas: primeiro, diante da quantidade de
inteligência e cálculos postos em jôgo em sua primária organização e, depois,
diante da completa ausência de inteligência em suas atividades. A inteligência
utilizada nesta organização foi muito estreita e rigidamente utilitária, trabalhou
sob cálculos perfeitamente corretos dentro das condições dadas e nada viu fora
dessas condições. Ainda mais, esta inteligência foi necessária sòmente para
cálculos e projetos originais. Uma vez principiado, o mecanismo de uma colmeia
ou de um formigueiro não necessitou de qualquer inteligência; os hábitos e os
costumes automáticos foram automàticamente aprendidos e transmitidos, e isto

225
assegurou a fixação invariável. A inteligência não sòmente é inútil numa colmeia
ou num formigueiro, mas ainda seria perigosa e daninha. A inteligência não
poderia transmitir tôdas as leis, regras e métodos de trabalho com a mesma
exatidão de geração a geração. A inteligência poderia esquecer, poderia deformar,
poderia aumentar algo nôvo. A inteligência poderia conduzir novamente ao
"misticismo" (à busca de nossa verdadeira natureza, de nossa VERDADE
INTERNA), à idéia de uma inteligência superior, à idéia do esoterismo. Foi, por
conseguinte, necessário desterrar a inteligência de uma colmeia e de um
formigueiro socialista ideal, como um elemento perigoso para a comunidade,
como em realidade o é.
"Dessa forma, deve ter havido lutas, num período em que os ancestrais das
formigas ou abelhas que ainda não tinham perdido o poder de pensar viram
claramente a situação, viram o inevitável princípio de degeneração e se
esforçaram, lutando contra êsse estado de coisas, tentando libertar o indivíduo de
sua submissão incondicional à comunidade. Porém a luta foi infeliz e não pôde
trazer resultado algum. As férreas leis do formigueiro ou da colmeia
prontamente se ocuparam do elemento ativo e, depois de umas quantas gerações,
os recalcitrantes provàvelmente deixaram de existir, e tanto a colmeia como

319

o formigueiro gradualmente foram-se transformando em estados (cibernéticos)


comunistas ideais".
E a propósito das vidas das formigas, Maurício Maeterlinck, em seu livro A
Vida das Térmitas, descreve a seguinte passagem:
"A civilização das térmitas, que é a mais antiga de tôdas as civilizações, é a
mais curiosa, a mais complexa, a mais inteligente, e, em um sentido, a mais lógica
e a mais adaptada às dificuldades da existência, de tôdas as que apareceram antes
da nossa, sôbre o globo. De muitos pontos de vista, esta civilização, ainda que
cruel, sinistra e muitas vêzes repulsiva, é superior à da abelha e à da formiga e
ainda mesmo à do próprio homem.
"No termiteiro (ou ninho das formigas brancas) os deuses do comunismo
(cibernético) converteram-se em insaciáveis Molochs. Quanto mais se lhes dá,
mais pedem; e persistem em suas exigências até que o indivíduo é aniquilado e
sua miséria é completa. Esta espantosa tirania não tem paralelo na humanidade, já
que, pelo menos, entre os homens, se beneficiam uns poucos; no termiteiro
ninguém se beneficia.
"A disciplina é mais feroz que a das carmelitas e a dos irmãos trapistas, e a
submissão voluntária a leis ou regulamentos que não se sabe de onde provêm é tal
que não tem paralelo em nenhuma sociedade humana. Uma nova forma de
fatalidade, quem sabe a mais cruel de tôdas, a fatalidade social (cibernética) para a
qual nós mesmos nos encaminhamos, foi adicionada às que já conhecíamos e que
já nos preocuparam suficientemente. Não há descanso, exceto no último dos
sonhos; a enfermidade não é tolerada e a debilidade leva consigo sua própria
sentença de morte. O comunismo (cibernético) é levado aos limites do
canibalismo e da coprofagia.

226
" ... exigindo o sacrifício e a miséria de muitos para o benefício e a
felicidade de ninguém - e tudo isto com 0 objetivo de que uma espécie de
desesperação universal possa ser continuada, renovada e multiplicada, enquanto
320
Apesar de nem Pedro Ouspensky e nem Maurício Maeterlinck falarem em
Cibernética, que em seu tempo ainda era desconhecida, ambos retrataram muito
bem o que poderia ser o futuro do homem se a Cibernética, de acôrdo com os
propósitos dos mal-intencionados, se implantasse definitivamente na sociedade
humana.
Que se pode esperar de indivíduos pretensamente amorais, mas, em verdade,
muitas vêzes imorais? Que se pode esperar de certos exaltados escravos de uma
ciência matemático-meca nicista, que se tem esforçado em "provar" que o homem
é um mero acidente do deus-acaso e das fôrças cegas físico-químicomatemáticas?
BOMBASTUS: Bem, até aqui nós conseguimos, muito superficial-
mente, dar um relance sôbre aquilo que teria sido a evolução da Ciência no
Ocidente, desde os seus primórdios, com Galileu, até a Cibernética. E na
Cibernética encontra-se o ponto culminante da evolução científica, que é
exatamente a tentativa de criar, não apenas uma ciência, mas uma maneira de ser e
atuar à moda científica; ou seja, uma pretensão de enquadrar tôda a humanidade
dentro de um esquema preconcebido e cientificamente explicado, por meio de
fórmulas matemáticas ou algo semelhante.
Com relação à Cibernética, falaste com certo otimismo, do qual eu não
participo porque, a meu ver, a cibernetização já está em pleno andamento,
inclusive de forma imperceptível, e constitui um verdadeiro perigo para tôda a
humanidade.
Perigosos não são os técnicos entendidos e estudiosos de Cibernética, mas
aquêles outros indivíduos monstrificados que o mundo viver. Estas cidades de
insetos, que apareceram antes de nós, poderiam servir quase como caricatura de
nós mesmos, como uma paródia do paraíso terrenal ao qual tende a maior parte
dos povos (cibernèticamente civilizados).
"Tinham uma individualidade própria e uma inteligência, tiveram de
sacrificá-las. Costumavam ter asas, agora não as têm mais. Têm olhos,
renunciaram a êles. Tinham sexo, sacrificaram-no."

321

se escondem atrás de determinados trustes, governos e organizações, e que se


valem do trabalho dêsses ingênuos estudiosos, no propósito de alcançarem a
submissão e a automatização total daquilo que chamam de "a grande massa". E
um dos expedientes da cibernetização total é a propaganda, através da televisão (a
calamidade dentro de casa), rádio, cinema, etc., e o exagerado endeusamento e
hipervalorização dos computadores, essas simples máquinas de calcular, mais
aperfeiçoadas. TEOFRASTUS: Como já disse antes, para mim o perigo
maior da cibernetização não está na Cibernética em si, que a meu ver não passa de
um intelectualismo barato e exaltado, às custas do estudioso e criador dos

227
computadores (que a organização na qual êle trabalha sufoca), mas reside
exatamente na propaganda e no condicionamento da humanidade, decorrente
dessa mesma propaganda.
Hoje quase todos exaltam as façanhas dos cérebros eletrônicos ou
computadores, como se êles fôssem verdadeiros deuses. Até os incautos e bem-
intencionados defensores da Ciber nética participam dêsse jôgo, todavia ninguém
se lembra de que o que conta e interessa não é o computador, e sim quem faz,
monta e determina o funcionamento do computador, e êste será sempre o homem.
Que adianta orgulhar-se de um cérebro eletrônico em face da rapidez e prontidão
das respostas alcançadas, se no fundo é o homem quem determina o
funcionamento do computador? E êste nada tem de genialidade e espontaneidade.
Só trabalha conforme aquilo que está registrado em seus dados acumulados,
fornecidos pelo homem. Em verdade, o que conta não é a velocidade com que se
obtém um cálculo ou resposta; mas a qualidade da resposta. A burrice anda a mil
ou mais quilômetros por hora, e para essa velocidade já não bastava a mente
humana, precisou que se inventasse o cérebro eletrônico, a fim de que essa mesma
ignorância e burrice atingissem a velocidade (hipotética) da luz.
O Saber e a Intuição realmente criadores são instantâneos. Não provêm de
uma máquina condicionada, e sim do SER, da VIDA que alimenta a mente
humana, seja ela condicionada e obtusa, ou seja livre e esclarecida.
Para fazer frente à cibernetização coletiva existe uma fôrça que a sociedade
hiprócrita, comodista e condicionada, e com ela as religiões do Ocidente, têm
horror. Esta fôrça se chama sexo.
Não foi o judaísmo-cristianismo que sempre ameaçou meio ,mundo com o
inferno perene por causa dos "pecados sexuais"? E as religiões são tanto mais
poderosas (mesmo que prejudiciais, às vêzes) quanto mais combatem ou
favorecem o sexo (islamismo).

322

Obrigue-se o homem a não pensar, ou a repetir sempre "o que pensar",


conforme o ensino escolar deturpador, e não como pensar; deturpe-se-lhe a
capacidade sensória natural com artificialismos baratos. Sufoquem-se-lhe os
sentimentos, as emoções, sacrifique-se-lhe a liberdade e a espontaneidade em
favor de um partido, de uma religião, de uma pátria ou nacionalismo, de uma raça
ou tradição, ensinem o homem a mentir, a odiar, a cobiçar, a se iludir com o
mentiroso progresso, com o futuro, com o hipotèticamente maravilhoso ano 2000,
Era do Aquário, com as conquistas da técnica, com o endeusamento definitivo da
Ciência; em suma, transformem o homem num robô perfeito e imbecilóide que,
apesar de tudo, ainda restará nêle uma fôrça capaz de botar a perder todos êsses
propósitos safados dos malintencionados. Essa fôrça é o sexo, que pode
exteriorizar-se harmônica ou caòticamente. Assim não ocorreria se os poucos mal-
intencionados conseguissem castrar tôda a humanidade, o que é difícil.
Eu disse que o sexo pode ser harmônico ou caótico, porque pode
sensorialmente levar o homem ao sétimo céu, ou ao pior dos infernos. Seria
harmônico se o homem tivesse uma vida natural, em que pudesse usufruir de

228
tôdas as faculdades sensoriais de maneira integral. Se o homem soubesse ver as
coisas como elas são, e não conforme lhe ensinam, se soubesse ouvir, cheirar,
degustar, sentir, amar, saber integralmente, o sexo não se agigantaria, como
acontece quando, por êste ou aquêle motivo, êle passa a ter uma vida artificial.
Esvaziem internamente o homem, e, fatalmente, êle apelará para o preenchimento
externo - o sexo, o vício, os tóxicos, etc. Se lhe infernizam a vida, como
pretendem os defensores da civilização, não importa de que país, que o homem se
acomode a seus intentos e leis? É óbvio que o último refúgio e a última
compensação do homem será o sexo. E êste, no caso, passará a ter uma
importância

323

que não deveria ter, mas que nessa dolorosa contingência tê-lo-á necessàriamente.
Os mesquinhos endinheirados, apreensivos mais por si mesmos que pelos
males da humanidade, queixam-se da superpopulação atual e futura do mundo,
mas que satisfação poderiam encontrar na vida os desafortunados senão através do
sexo, o que leva, conseqüentemente, a um acréscimo (hipotético) da população
mundial?
Diante de um futuro negro, de uma ameaça permanente de guerra atômica,
de uma descrença generalizada, de um cristianismo moribundo, não por causa de
Cristo, mas por causa das organizações religiosas que ao redor de Cristo se
formaram, diante de uma Ciência insípida, dogmática e talvez não verdadeira,
diante de uma técnica mirabolante, aparatosa, impressionante, dispendiosa e inútil,
diante da permanente desonestidade e de um conservadorismo renitente, a
governar seja qual fôr o país, em suma, diante de tudo isso e outras coisas mais,
que poderia fazer um jovem senão revoltar-se e apelar para o desregramento
sexual, numa tentativa de afirmação ou fuga. (É lastimável que apele para os
tóxicos, piorando a situação!) Há apenas duas alternativas: partilhar da situação
geral e engajarse numa guerra, ou fugir e apelar para o sexo. E neste caso o sexo
assume um papel anárquico ou mesmo caótico, muito oportuno no propósito de
impedir o automatismo coletivo, no sentido de estragar o jôgo sujo de alguns, que
muito gostariam de fazer da humanidade uma coletividade de térmitas. É difícil
subjugar a anarquia e o caos, e a Cibernética, ou seja lá o que fôr, para se
implantar, necessita de ordem condicionada a fim de alcançar o seu desígnio.
Todavia, tenho quase certeza que isso nunca acontecerá. Atrás do canalha também
está o sER, e custalhe tão pouco ausentar-se, para que ocorra aquilo que chamam
de Morte.

324

229
Quarta Parte

Epílogo
. .. As leis do pensamento não podem ser assimiladas às leis naturais; são
leis que deveriam ser obedecidas, não leis que forçosamente têm de ser
obedecidas; e o físico é obrigado a aceitar as leis do pensa
mento antes de poder aceitar a lei Natural... (SE É QUE HÁ UMA LEI
NATURAL INDEPENDENTE DA MENTE.)"
(Reality, Causation, Science and Mysticism) Arthur S. Eddington
... Porém, ao apreender (na captação sensorial, de fora para dentro), a
mente experimenta também sensações que, em rigor, são unicamente qualidades
dela mesma. A mente projeta essas sensações de for ma tal a revestir os corpos
adequados que se encontram na Natureza externa. Assim, percebemos os corpos
como se possuíssem qualidades que em verdade não lhes pertencem, qualidades
que são, de fato, pura criação da mente. Assim, a Natureza ganha um prestígio,
que em verdade deveríamos reservar para nós mesmos: a rosa por seu perfume, o
rouxinol por seu canto e o sol por seu esplendor. Os poetas enganaramse
invertendo as coisas. Deveriam dirigir suas poesias a si mesmos, e deveriam
convertê-las em odes de felicitação pela excelência da mente humana. Em
verdade a Natureza é coisa triste, pois não tem sons, nem cheiros, nem côres nem
sensações substanciais; é apenas um rodar apressado de energia-matéria, sem
fim e sem sentido..."
Science and the Modern World A. N. Whitehead
afastados do ponto
de vista que identifica
" . Estamos já muito o Real com o concreto. . . "
... A matéria, com todo o resto que se encontra no mundo físico, ficou
reduzida a um simbolismo obscuro..."
... A mente é o primeiro e o mais direto objeto de nossa experiência; todo o
resto é apenas inferência remota...
.. . Esses contornos de espaço, tempo e matéria, de luz, côr, coisas
concretas, que nos parecem tão vividamente reais, são profundamente
pesquisados por todos os recursos da ciência física, e, no fundo, acabaram
por encontrar apenas símbolos. Sua substância transformou-se em som-
bras..."
Reality, Causation, Science and Mysticism Arthur E. Eddington

325

Ciência e Religião, Pontos de Contatos e Aspectos Negativos

BomBASTUS: De tudo o que disseste até agora, podemos sintetizar o


seguinte: que a Ciência, como meio fiel e absoluto para alcançar a Verdade, sob
qualquer aspecto, não serve; que a interpretação científica das coisas e do Universo

230
é uma interpretação particular, destorcida e que não pode e não deve ser aplicada
em larga escala, na tentativa de compreender e traduzir definitivamente aquilo que
seria a objetividade universal; que a cultura científica é uma cultura mais
convincente que autêntica, no fundo sutil e condicionadora, porque se vale de meios
aparentemente irrefutáveis e válidos para alcançar resultados imediatos e
impressionantes, não obstante serem mais aparentes que reais; que malgrado a
tradução científica das coisas, a Natureza continua sendo o que é, ou seja,
inalterada e não abalada pelas leis que a Ciência jura ter arrancado dessa mesma
Natureza. Finalmente, que o homem, em virtude do SER que traz em seu "coração",
seria o centro de tôdas as coisas, a origem daquilo que é, mas que, por causa do
ego, transformase no que deveria ser, isto porque nesse mesmo homem existiria
outro aspecto psicológico deturpador, separador, mentiroso (me

327

mória psicológica) sempre pronto a se reforçar a todo custo, uma espécie de


prisma deformante que chamaste de "eu" e "meu" ou ego-intelecto-mente.
Salientaste que o homem e o mundo são uma e a mesma coisa, e que é
inútil decantar a Verdade ligada ao que é objetivo, como fazem os materialistas e
cientificistas, ou mesmo transferir essa Verdade unicamente ao que é subjetivo,
como pretendem os idealistas, porquanto o importante seria a relação entre
sujeito e objeto, ou seja, a ação ou o verbo.
Mas o que realmente interessa é saber por que a Ciência se tornou uma
nova forma de religião. Gostaríamos que citasses justamente quais os principais
fatôres que fazem da Ciência uma nova religião.
TEOFRASTUS: Podemos comparar a Ciência a uma religião,
principalmente quando nos lembrarmos de seu aspecto dogmático e envolvente.
Se digo que a Ciência é uma nova religião é porque a ponho frente a frente
daquilo que uma religião tem de pior, que é o dogma, a estaticidade dos conceitos,
a intolerância de certos pseudocientistas. Até na cegueira e no fanatismo de alguns
dos seus simpatizantes, a Ciência assemelha-se a uma religião. Embora não
querendo elogiar a religião, forçoso é reconhecer que, de certo modo, ela é até
superior à Ciência, porque excluindo-se o seu aspecto dogmático e o seu desagra-
dável aspecto teológico, ainda restam os aspectos ético, emocional e humano, que
enobrecem qualquer religião. Mas, com relação à Ciência, nem isto subsiste, pois
além das leis ou dogmas científicos e do pretenso conhecimento científico, nada
sobra. A Ciência contemporânea é apenas uma coletânea de presumíveis verdades
naturais que, no fundo, não passam de tristes opiniões humanas. Entretanto, apesar
de os dogmas religiosos também serem opiniões humanas, a religião ainda
apresenta o calor da afetividade e do amor de certos homens.
A Ciência limita-se apenas à fria coletânea de seus pretensos
conhecimentos, que não são conhecimentos, e sim engendramentos humanos. Um
livro religioso, com todos os seus possíveis defeitos, pode engendrar um santo,
pode fazer surgir um portento de amor, de bondade e calor humano, e até um
verdadeiro sábio. Mas de um livro de Ciência que podemos esperar? Quanta
aridez intelectualesca existe nos livros de Física,
328

231
de Química, de Matemática, de Ciências Naturais! Que fabulosa coletânea de
opiniões apresentadas como verdades irrefutáveis! O que poderia sair de um livro
d"esse, senão um perfeito autômato, um magnífico exemplo de cidadão
cibemético da provável e futura humanidade? Por meio de biografias, sabemos
que os verdadeiros cientistas tiveram de amenizar a aridez de suas pesquisas
intelectuais com outras distrações quaisquer, tais como a música, a pintura, etc.,
ou, então com a leitura de temas não científicos, pois, do contrário, teriam
enlouquecido. Um cientista puro é um monstro perfeito.
Então, repetindo o que já disse, o paralelismo ou semelhança que tem a
Ciência com a religião está em seu aspecto dogmático, em seu pendor para criar
fanáticos e cegos seguido res, em seu aspecto organizacional, pois, atualmente, a
Ciência é uma instituição tão bem organizada, tão bem cimentada e aparentemente
tão irremovível quanto uma autêntica organização religiosa. Para muita gente, o
culto científico, hoje em dia, é bem mais importante que o culto religioso. A
Ciência moderna endeusou o objeto; a religião, pretendendo louvar a Deus,
endeusou certos homens, e por isso mesmo, apesar de seus defeitos, ela ainda é a
melhor.
BOMBASTUS: Apontaste um fato muito interessante: o de que hoje se
adora muito mais as verdades científicas que as verdades religiosas. Isso
realmente acontece, e o que temos visto é que, nestes últimos tempos, a religião,
paulatinamente, vem sendo substituída pela Ciência; e a idéia de Deus vai sendo
também paulatinamente substituída pela idéia do homem fazedor de milagres,
como é o caso do homem científico. Ou seja, o homem de laboratório acredita
estar realizando proezas e maravilhas que, cem anos atrás, nem sequer
imaginávamos, maravilhas e milagres que vão reduzindo aquela auréola de
respeito que havia em tômo dos milagres religiosos, dos milagres sobrenaturais;
diminuem também o valor das explicações fantasiosas que davam as religiões e
que sempre foram, especialmente entre o povo, a principal arma do prestígio
religioso.

Agora, além do dogma e da teologia, apresenta a religião também a sua


liturgia ou culto. Neste caso, gostaríamos de saber onde está a liturgia científica,
se é que ela existe?
329

TEOFRASTUS: O próprio tom da pergunta que fizeste já contém a


resposta.
Sabes muito bem que também a Ciência moderna tem a sua liturgia, que é a
famigerada experimentação laboratorial, tão restrita, tão esquemática, tão repetida
e limitada quanto a liturgia religiosa.
Assim como a religião atrai e domina o povo pela sua liturgia chamativa, da
mesma forma o método científico experimental é o anzol que atrai e domina
completamente o incauto. Aliás, o sucesso cientifico se deve exatamente ao pre-
tenso valor absolutista da experimentação laboratorial que, no fundo, não deixa de
ser mais uma liturgia, indubitàvelmente, bem mais capciosa, bem mais sutil. É na
experimentação laboratorial que acreditamos encontrar paralelismo com aquilo

232
que chamamos "atuação da Natureza". Da mesma forma como o sacerdote, por
meio do ritual litúrgico, acredita atrair os favores e o beneplácito da divindade,
assim também o cientista acredita que, pela análise e experimentação laboratorial,
está atraindo os favores da Natureza, surpreendendo e descobrindo os seus
"segredos". O sacerdote "obrigaria a divindade a atuar de conformidade com seus
desejos e rogos; o cientista obriga a Natureza, pela violência laboratorial ou não, a
atuar de uma única maneira: a do próprio cientista. E o que acontece é que êle
acaba vendo e descobrindo quase sempre o que quer, porque a partir do momento
em que o pesquisador focaliza algo natural, êsse algo, imediatamente, deixa de ser
natural, e passa a ser natureza particular do observador. E essa natureza do
observador sempre é o próprio pesquisador e sempre age de conformidade com os
preconceitos mentais dêsse mesmo observador.
BoMBASTUS: Agora, referindo-nos a outra passagem de tua observação,
lembramo-nos de que disseste que a Ciência tinha adquirido aquêle caráter que
chamaste "organizacional", próprio das religiões. Ou seja, a ciência havia-se
tornado uma estrutura em tudo semelhante à Igreja ou às religiões instituciona-
lizadas.
Bem, em nosso entender, tôda religião se baseia, mais ou menos, no
seguinte: ela apresenta uma teologia, ou seja, uma série de hipóteses sôbre uma
determinada Divindade Suprema.

330

Apresenta uma moral, isto é, uma série de preceitos que devem ser
obedecidos pelos seguidores da religião, a fim de que obtenham o beneplácito
dessa Entidade dirigente. Apresenta ainda uma metafísica, que seria uma tentativa
de explicar as relações entre os seguidores dessa religião e seu Ser Supremo. E,
naturalmente, uma religião apresenta ainda, paralelamente, uma cosmogonia que
explica como êsse Ser Supremo teria criado o Universo, o mundo, etc. Além do
mais, apresenta uma liturgia que, como já explicaste, é aquela série de rituais que
visa primordialmente a agradar e a atrair as benemerências dêsse Ser Supremo.
Ora, toda religião quase sempre tem um fim que, mais que religioso, seria
um fim político. Este aspecto político da religião visaria impor a todos os seus
seguidores certa norma de conduta. A religião afirma que o indivíduo tem de limi-
tar-se às restrições morais por ela determinadas, não só para salvar a alma ou, se
fôr o caso, cair nas boas-graças da diviindade, mas sobretudo para que o indivíduo
tenha uma existência tal que agrade à sua instituição, ou seja, à Igreja. Em outras
palavras, o indivíduo deve ao mesmo tempo contentar a Divindade e,
principalmente, a Igreja, porque ela sempre se auto-intitula a representante de
Deus na terra.
Gostaríamos de ouvir tua opinião sôbre êsse aspecto político que caracteriza
tôdas as religiões, de modo mais ou menos acentuado, conforme as oportunidades
que elas têm de exercer certo domínio temporal. Por exemplo, a Igreja Católica,
na Idade Média e na Renascença, sempre teve ascendência sôbre as monarquias
políticas e conseguiu sempre impor-lhes um comportamento que agradasse às
autoridades esclesiásticas. Ora, no mundo moderno, nota-se que a Ciência também
está obtendo uma ascendência sôbre os outros ramos da atividade humana, na

233
expectativa de criar um ambiente favorável, que lhe permita subjugar o homem e
obrigá-lo a satisfazer as pretensões científicas. Aliás, a nosso ver, a Cibernética
nada mais é do que a política de ação da Ciência, isto é, a Cibernética vem a ser
uma forma - é difícil estabelecer um paralelo com as religiões - uma forma de
catequização. Seu escopo seria amoldar a humanidade aos preceitos científicos. E
esta sempre foi a aspiração de tôdas as religiões. É por isso que, geralmente, elas

331

são incompatíveis, uma vez que desejam que a humanidade se restrinja e se


comporte de acôrdo com as regras estabelecidas por cada uma delas. E eis por que
uma não suporta a concorrência da outra. Pois bem, as aspirações das religiões
passaram agora a ser uma aspiração da Ciência.
Dessa forma, gostaríamos que falasses um pouco mais a êsse respeito.
TEOFRASTUS: De modo geral, diríamos que, atualmente, ainda não existe
um poder científico, orientando diretamente o comportamento da humanidade.
Esse poder é ainda indireto e se faz sentir por meio da chamada cultura científica,
que vem sendo muitíssimo incrementada, principalmente por causa da ignorância
e do acomodamento de seus simpatizantes. Por enquanto, não existe ainda uma
organização científica mundial que vise a dirigir as ações e o destino da
humanidade.
Apesar da enorme influência e do imenso interêsse que a Ciência suscita, ela
mesma, por enquanto, ainda é, no fundo, manobrada por interêsses mercantilistas
e comerciais. A fonte de subsistência científica é ainda o dinheiro dos não
cientistas. É o dinheiro do industrialista, que vê nas conquistas científicas uma
nova fonte de renda. É o dinheiro do comerciante, que vê na pesquisa científica a
possibilidade de novas descobertas, de nôvo tecnicismo que lhe façam enriquecer
ainda mais. É o dinheiro dos grandes trustes e fazedores de guerra, ou então é o
dinheiro do Estado centralizado, também fazedor de guerras, que vêem na
inventiva científica uma possibilidade de aumentar seu próprio poder. E dessa
forma continuaríamos até o infinito.
As organizações científicas são múltiplas, isoladas e dependentes. Qualquer
projeto que pretenda realizar qualquer reunião internacional, qualquer conferência
cultural, qualquer troca de idéias, qualquer simpósio, levam o cientista a pedir
dinheiro ou ao Estado, ou ao patrocinador mercantilista. E todo êsse dinheiro dos
mercantilistas, que aparentemente tanto contribui para a supremacia científica, em
verdade contribui muito mais para um maior enriquecimento do próprio
mercantilista. Se a essa fabulosa plutocracia científica, tão bem alimentada pela
bajulação e pela propaganda dos interêsses de terceiros, acontecesse faltar o
auxílio recebido, logo ela perderia todo o in

332
terêsse que desperta e as enganosas aparências de que se orgulham tantos
pseudocientistas. A supremacia científica ou a implantação da Cibernética não é
uma manobra dependente de uma organização científica estabelecida; ao
contrário, é obra de certos maus cientistas que oferecem suas idéias e pretensas
"descobertas" científicas - que, nestas circunstâncias, mais parecem estêrco mental
- as quais são àvidamente compradas e carinhosamente alimentadas por êsses

234
eternos mercantilistas e desonestos de todos os tempos. Neste caso, a Ciência é
usada como desculpa, como escudo atrás do qual se esconde a desonestidade dos
mesquinhos e egoístas.
É o velho mercantilismo de ontem, o eterno egoísmo, o mesmo
comercialismo de outros tempos, outrora disfarçados de clericalismo, que
pretenderam, através de uma desculpa reli giosa qualquer, dominar o mundo
ocidental, e que também hoje perseguem o mesmo objetivo, ainda inalcançável,
sob o disfarce do cientificismo.
A Ciência ainda não se tomou uma poderosa organização internacional não
apenas por depender do dinheiro de terceiros, mas também, porque lhe falta uma
cabeça, um dirigente, com seus subalternos. O cientista é escravo da Ciência, mas
a Ciência continua sendo simplesmente uma organização abstrata, uma
organização coletora de opiniões, tomadas como verdades últimas, absolutas e
irrefutáveis. A organização religiosa difere da organização científica, no sentido
de que a primeira, quase sempre, tem um dirigente, um pontífice, um chefe
supremo, que tem maior influência nas ações e no comportamento humano do que
uma simples coletânea de idéias.
Talvez, brevemente, criem um pontífice científico, mas, até agora, os
cientistas não tiveram coragem de dar tal passo, ou porque dificilmente se
encontraria um supercientista, capaz de conhecer tôdas as "opiniões científicas",
ou porque os cientistas se consideram supergênios dignos, todos êles, dêsse
possível pôsto. Isso constituiria um grande impasse na escolha.

Volto a repetir: apesar de a Ciência não dirigir diretamente os atos humanos,


ela o faz indiretamente, por meio do pretenso absolutismo de seu conhecimento.
Quem cai na rêde científica, se não se acautelar, automàticamente condiciona-se a
uma única maneira de pensar e de ver as coisas; e, por isso
333
mesmo, acaba agindo de conformidade com aquilo que a Ciência diz.
BOMBASTUS: A certa altura de nosso diálogo, chegamos a estabelecer que
o embasamento racionalista, ou o surto racionalista que deu origem ao
embasamento teórico da Ciência, se originara, diretamente, daquele racionalismo
que caracterizou a filosofia de S. Tomás de Aquino. Neste caso, o racionalismo
científico seria a continuação do racionalismo cristão que, a partir do século XIII,
dominou completamente, pelo menos, a corrente católica do Cristianismo.
Gostaríamos apenas de lembrar o seguinte: o mundo ocidental, através de sua
expansão marítima, tentou impor a sua religião ao resto do mundo, às outras
civilizações existentes, e, de certa forma, não o conseguiu, porque, apesar da
expansão do Cristianismo, as áreas mais civilizadas como as da China, índia,
Japão, dos países árabes, etc., mantiveram-se pràticamente alheias à pregação
cristã. Em outras palavras, a tentativa para uma maior fixação do Ocidente
resultou falha. Entretanto, hoje, a Ciência, autêntica continuadora do Cristianismo
ocidental, justamente por ter-se originado do mesmo fundo racionalista, conseguiu
espalhar-se por quase todo o mundo. E o que vemos agora é que aquilo que o
Ocidente tentou e não conseguiu por meio do Cristianismo, ou seja, a instituição
do espírito ocidental em outras civilizações, conseguiu-o através da Ciência,

235
porque atualmente a Ciência é um fato irrefutável, e podemos até dizer que é uma
espécie de religião de caráter universal.
Como explicas o sucesso da Ciência? Por que o Ocidente conseguiu
triunfar através da Ciência? E por que não o conseguiu através do Cristianismo?
TEOFRASTUS: O triunfo científico se explica fàcilmente. Tu sabes
melhor que eu que o cientista, antes de tentar dominar pelas teorias, apresenta os
pretensos frutos e as não menos pretensas provas. Sabes que o ser humano, em
tôdas as latitudes, se não prèviamente esclarecido e avisado, e se não tiver sabe-
doria própria, deixa-se fàcilmente sugestionar diante de qualquer coisa diferente,
de qualquer apetrecho nôvo que se lhe apresente. Os cientistas têm aberto seu
caminho por meio dessas inovações técnicas ou por meio do tecnicismo. Mas,
em outra parte dêste livro, já vimos que tecnicismo e cientificismo são
334

pràticamente independentes. Mesmo assim, os cientistas endossaram a técnica,


como sendo fruto de sua capacidade e de seus estudos.

Outro fato que explica o sucesso científico é a maneira pela qual a Ciência
tenta convencer os que querem ser convencidos, servindo-se de um linguajar sutil
e desonesto, que é a dialética matemática; e principalmente por meio das
famigeradas "provas", reflexo do vulgaríssimo raciocínio dos lamentáveis códigos
de justiça da humanidade.
E não me venham dizer que a Ciência não obriga ninguém a aceitar seus
pontos de vista, porque isso é mentira! Assim como nos tempos do domínio
religioso, fora da Igreja não havia salvação, da mesma forma, hoje, fora da
Ciência também não há salvação. Quem não raciocina como a Ciência quer, está
errado, diz ela; além do mais, qualquer ramo do conhecimento humano traz o sêlo
da opinião científica. Por incrível que pareça, nem a Arte, nem certas religiões
atuais escapam dessa influência e dessa lógica científica.
Vê bem, no Oriente e, provàvelmente, também no Ocidente, não é todo o
mundo que se deixa influenciar e enredar por aquilo que o criminalista e seu
irmão cientista chamam de "prova". Poderás achar que a Ciência também se
implantou definitivamente no Oriente, mas se implantou naquelas pessoas,
semelhantes a outras tantas ocidentais, que jamais souberam pensar por si
mesmas, que jamais souberam avaliar em si mesmas o que vem a ser a
conscientização das "provas" e do conhecimento científico. Gente assim é
fàcilmente sugestionável a tudo que se lhe apresente. A Ciência é pródiga em
apresentar "provas", mas é profundamente ignorante na questão de avaliar
como "o provador" prova a realidade e a validez da pretensa prova objetiva;
e tampouco sabe se a pretensa prova objetiva é realmente uma prova objetiva ou
uma prova subjetiva. Sôbre isso ela se recusa a pensar. Arbitràriamente, limitou-
se a instituir o dogma irrefutável da separatividade absoluta, da objetividade e da
validez do objeto de análise; e gratuitamente aceitou a opinião de que a mente
era independente do objeto e era capaz, pelo intelecto e pelo poder da razão, de
descobrir "verdades e provas" sôbre o pretenso e aparentemente inde
335

236
pendente do objeto de análise, em última instância apenas um aspecto da mente do
observador.
Os mais avançados pesquisadores científicos já se surpreenderam com o
vácuo, a insubstancialidade e a impermanência dos pretensos objetos, mas mesmo
assim não atinaram que se os objetos têm essa característica, é porque êles não
existem independentemente da mente observadora.
A Ciência conquistou e conquista o mundo inteiro por meio das tão
decantadas "provas" e por meio do sutil linguajar matemático, dificilmente
refutável, não pela possível veracidade que encerra, mas pela complexidade e pela
restrição significativa dos símbolos matemáticos, que só sabem indicar quanti-
dades, como se no Universo Real as quantidades fôssem o todo. A Matemática
não é tão fàcilmente manobrável como as palavras comuns. Mesmo assim, da
Matemática só poderá sair um sapientíssimo cérebro eletrônico ambulante; agora,
a restrição e o uso adequado das palavras podem forjar um verdadeiro sábio, pleno
de real saber e de calor humano.
Quanto à razão do fracasso religioso também se explica. É claro que a
religião católica e protestante não poderiam triunfar no Oriente, porque as
religiões já lá existentes eram, em
essência e conteúdo, mais justas e mais sábias que as que se baseiam no
texto bíblico. Os orientais jamais puderam aceitar a absurda teologia paulina das
epístolas, anexadas aos Evangelhos e que pregam a validez universal do "pecado
original", supostamente herdado pela humanidade inteira e que teria levado o
suposto deus bíblico a sacrificar seu filho para redimir todos os homens dêsse
simbólico e nunca compreendido "pecado original de Adão e Eva".
Afora o milagroso e o dogma, o maravilhoso, o chamativo, as religiões
ocidentais pouco têm a oferecer. Essas características, também são comuns nas
religiões orientais. Por isso mesmo, o catolicismo popular dificilmente conseguia
suplantar o maravilhoso, o milagroso, o chamativo das religiões orientais. Em
matéria de promessas, as religiões orientais oferecem muito mais que as
religiões ocidentais. Jamais o caprichoso e injusto deus bíblico, a idéia do
pecado, as promessas de Paraíso e de Inferno, a ressurreição nos últimos dias,
etc., poderiam suplantar o justíssimo conceito da Lei do Karma e a oportuna

336

e possível idéia de uma relativa palingenesia. O maior teólogo ocidental


desconhece tudo isso; entretanto, o mais simples analfabeto oriental as conhece
muito bem, e jamais sacrificaria uma tradição milenar, que muito lhe satisfaz e
para êle é certa, por uma promessa vaga, nem sempre agradável.
E se as religiões ocidentais conseguiram alguma coisa no Oriente, devem-
no, principalmente, ao amor e à devoção de seus pregadores, mais do que
pròpriamente à doutrina católica ou protestante. Um oriental diante de um santo,
diante de um justo, fàcilmente se comove e o escuta com benevolência, não
importa qual seja a sua doutrina. Se em suas palavras e em seus atos houver amor
e sabedoria, imediatamente o oriental se une a êle, como as abelhas se unem à
flor.

237
Agora, em matéria de sabedoria, de teologia, de filosofia, dificilmente o
Cristianismo poderia suplantar a sabedoria contida nas doutrinas de Confúcio,
Lao-Tsé, Buda, a sabedoria da doutrina xintoísta, da doutrina Zen-Budista, do
Brahmanismo, Vedismo, Jainismo, Zoroastrimo e até do Sufismo (dervixes), do
Islamismo, etc.
De que maneira poderia um restrito e prolixo S. Tomás de Aquino antepor-
se a Sankharacharya, o genial comentarista do Brahmanismo? De que maneira
poderia um Santo Agostinho antepor-se a Nagarjuna, o não menos genial
comentarista do Budismo? De que maneira poderia a pobre, primitiva e fantasiosa
teologia ocidental, reflexo do áspero biblicismo judaico, antepor-se à portentosa
sabedoria contida nos Upanishads, ou nos livros de Lao-Tsé e Confúcio? Só as
melhores e não deturpadas passagens dos Evangelhos, o Ecclesiastes, certos
Psalmos, os Provérbios e os Cantares é que poderiam fazer alguma sombra à
sabedoria filosófico-religiosa dos orientais.
O Cristianismo teria conseguido mais do que conseguiu, se se tivesse
limitado únicamente aos quatro Evangelhos, e tivesse eliminado as interpolações
que os tornam dependentes do Antigo Testamento. E também se tivesse, a
exemplo e analogia com outras religiões, suprimido a torpe idéia do castigo
eterno, do fogo que nunca se! apaga, ou então tivesse separado o joio interpolado
pelos maus discípulos e seus seguidores, deixando apenas o trigo ou a real, sábia e
amorosa doutrina de Jesus Cristo.

337

No Oriente há uma profusão de religiões, milenares e anteriores ao


Cristianismo, e muitíssimo mais sábias que êsse Cristianismo deturpado que as
igrejas ocidentais difundem. Além disso, as religiões orientais, pelo menos
algumas delas, são dinâmicas e não se restringiram aos ensinos de seu fundador,
ou a vagas promessas e grandes esperas; ao contrário, são objetivas, no sentido de
estarem sempre formando novos sábios, novos mestres; são religiões altamente
psicológicas e instrospectivas, e não meramente contemplativas.
BomBASTUS: Situaste muito bem as causas do triunfo da Ciência e as
causas do fracasso da religião. Aliás, nós acreditamos que as civilizações se
estruturam, mais ou menos, a partir de duas tendências básicas do ser humano,
que consistem em buscar o transcendente, ou seja, o que está além, fora do
alcance do intelecto, e buscar o imanente, ou seja, o seu meio ambiente. Em face
dessas duas tendências básicas que, práticamente, sempre se dicotomizaram, um
grupo de indivíduos voltou-se apenas para o que é transcendental, enquanto o
outro procurou únicamente a suposta esfera real, ou aquilo que está próximo. E
dentro dessas duas tendências, como sói acontecer, surgiram deturpações, entre as
quais, de certa forma, estaria a religião que, como corpo organizado, acabou sendo
mais de caráter social que transcendental. E isto porque, a meu ver, as religiões
sempre se preocuparam muito mais com o corpo do que com a alma. Do mesmo
modo, o imanente também acabou, pelo menos na Civilização Ocidental,
degenerando na forma de Ciência, outra espécie de religião que, ao, invés de se
voltar para o problema transcendental - a Verdade Primeira - preocupa-se apenas
com os problemas do mundo físico, supostamente concebido como real, e com sua
glorificação definitiva, às custas do aspecto subjetivo do homem.

238
Assim sendo, gostaríamos de te perguntar o seguinte: a religião predominou
em determinada época que, conforme determinado sociólogo, foi uma época
ideacional ou idealista; de pois veio o período de completo domínio científico,
período sensualísta, que justamente se caracteriza pelo predomínio das sensações,
do materialismo e da pesquisa científica de nossa época. Atualmente, de certa
forma, alguns sociólogos, como Soroskin, apregoam que se está formando um
terceiro tipo de
338

civilização, ou melhor, está-se constituindo uma terceira tendência na


civilização, que êle chama a tendência da cultura integracionista; e esta seria
uma cultura que iria afastar-se daquela unilateralidade idealista e daquela
unilateralidade sensualista. Em outras palavras, ela tentaria superar a dicotomia,
que sempre ocorre no princípio de uma civilização, entre o transcendental e o
imanente, procurando abranger num campo único essas duas esferas.
Perguntaríamos se vês a possibilidade de realizar-se essa tendência
integracionista no Ocidente; ou se, pelo contrário, vês uma inclinação por uma
maior predominância científica?
TEOFRASTUS: Examinando superficialmente a atual situação do
conhecimento e dos atos humanos, seríamos levados a crer numa possível e maior
predominância científica. Isso decorreria principalmente do prestígio que a
Ciência vem alcançando atualmente com as prováveis e remotas conquistas
astronáuticas. E essa predominância não seria, òbviamente, do tipo qualitativo, e
sim mero prestígio às custas da propaganda. Hoje mesmo sabemos que o
predomínio científico se deve mais a seu aspecto promocional do que a seus
pretensos triunfos.
Se tivéssemos de perguntar aos homens o que êles acham da Ciência e qual
seria o seu futuro, todos êles, provável e unânimemente, responderiam que a
Ciência nunca estêve tão adiantada e que se as coisas continuarem assim, num
futuro remoto, o homem terá reconstruído o Paraíso na terra.
É a velha ilusão de ver a felicidade pelo binóculo. O homem sacrifica a real
felicidade do presente, do instante criador ou do aqui e agora, para escravizar-se a
idéias, a fantasmas e
a mentirosas promessas que lhe acenam com uma pretensa felicidade futura.
E o progresso científico, nesse caso, é mais uma mentira que, de forma alguma,
trará ao mundo o Paraíso que êle tanto sonha. Como pode êsse tal progresso
científico trazer algum benefício, se não deixa que o indivíduo viva o seu presente
em paz? Ora, as desgraças futuras são semeadas pelo indivíduo, no presente,
porque não deixam que o viva adequadamente.
Muitos incautos já se convenceram de que a Ciência na de se tomar a única
fonte de conhecimento e a soberana dêsse
339

mesmo conhecimento. Esse é apenas um modo infantil e superficial de ver o que


seria objetivo.
Agora, se encararmos as coisas pelo prisma histórico, compreenderemos que
as possibilidades e as ocorrências serão outras. De certa forma, prefiro olhar as

239
prováveis ocorrências futuras pelo prisma histórico, não que dê tanto valor à
História, mas que a História serve como mestra, isso é indubitável. Pois bem,
olhando as coisas pelo prisma histórico, concluiremos que a Ciência há de
fracassar, há de decair - se já não está decaindo - e há de desaparecer, como tantas
outras organizações, principalmente se continuar tal e qual hoje se encontra. E
creio mesmo que sua única possibilidade de sobrevivência é, realmente, o
integracionismo, sobretudo se êsse integracionismo devolver ao homem ou ao
sujeito todo o valor e as possibilidades que a Ciência lhe tirou, entregando-as ao
objeto.
Em verdade, o pensamento científico já estagnou há bastante tempo. O que
disparou à frente da Ciência foi o tecnicismo, e não o intelectualismo científico. E
êsse tecnicismo também poderá falhar e tornar-se inútil se se restringir à con-
cretização dos anseios dêsse mesmo intelectualismo científico. A sobrevivência
científica só será possível se ela devolver à mente do homem aquilo que os
cientistas lhe roubaram, ou seja, aquilo que êles mesmos perderam, quando do
endeusamento do objeto. E essa volta às origens mentais só se fará pelo
integracionismo do conhecimento humano. Para poder sobreviver a Ciência terá
de, realmente, beneficiar a natureza hominal, tanto externa como internamente, e
terá de deixar de se preocupar tanto com a inútil caça à verdade nos
fantasmagóricos objetos, supostamente localizados na parte externa, ou fora da
mente do homem.
Então, como estava dizendo, do ponto de vista histórico, é bem mais
provável que o aspecto integracionista venha suplantar o aspecto unilateral da
Ciência.
BoMBASTUS: Achei muito interessante a tua resposta. Aliás, ressaltaste
um aspecto importantíssimo. Disseste que a Ciência já estagnou, ou já parou, em
sua louca corrida para "descobrir a verdade nas coisas", e que, conforme
observaste, o que está avançando é apenas o tecnicismo. Isso, de certa forma, é
confirmado por um sintoma bastante interessante: as melhores in
340

teligências do século XX já não mais aceitam a Ciência tal como ela é, o que,
evidentemente, é um fato bastante significativo. Ao que parece, a Ciência já não
mais corresponde aos anseios do homem moderno, assim como também a religião
cristã, tal como é, há muito tempo deixou de corresponder.

Quer dizer, houve um momento em que a religião foi històricamente


superada. Igualmente, parece que pelo menos a teoria científica, ou então a
Ciência como um corpo de teorias ou de idéias, também já não está mais
correspondendo aos anseios do homem ocidental moderno.

Agora, falaste que a técnica avança vertiginosamente, e aqui deparamos com


um detalhe digno de nota. Já definiste a técnica como sendo a capacidade criadora
e natural do homem. O homem ocidental, como nenhum outro, desenvolveu essa
técnica que, poderíamos dizer, avançou, independentemente do pensamento

240
científico, até limites que atingem as raias do fantástico. Entretanto, a nosso ver, o
grande drama do ocidental consiste em ter êle desenvolvido a técnica a um grau
máximo, mas, infelizmente, não soube dar a esta técnica uma aplicação mais
adequada. Vemos, então, que o homem ocidental tem uma técnica., mas não sabe
como aplicá-la e sobretudo para que ou para quem aplicá-la. E, dessa forma,
assistimos a sucessivas viagens astronáuticas que, além de fabulosamente dis-
pendiosas e empobrecedoras da humanidade, são absolutamente sem sentido, pois
não representam qualquer benefício no tocante à evolução do homem e muito
menos da humanidade. E isto porque, afinal, mesmo supondo estejam corretos os
cálculos científicos, o homem só poderá chegar até os planêtas mais próximos, os
quais, de acôrdo com essas mesmas "teorias e observações" científicas, seriam
totalmente áridos e inaproveitáveis, não oferecendo vantagem alguma para
ninguém. A propósito, isto me faz lembrar o que disseste sôbre o objeto que,
sendo idêntico ao observador, reflete as condições dêsse mesmo observador.
Neste caso, a aridez e a inospitabilidade dêsses supostos planêtas poderiam muito
bem estar refletindo apenas a aridez do intelecto do observador. Não é essa a tua
maneira de pensar?
Mas, deixando isso de lado, gostaríamos de saber, na tua opinião, como
poderia o homem ocidental superar o impasse
341

em que se encontra: de um lado, uma técnica altamente desenvolvída, e, de outro


lado, a absoluta ausência de uma filosofia prática e humana para essa técnica. Ou
seja, não existe uma finalidade para essa técnica. Neste caso, o homem se
pareceria com aquêle cientista louco que cria e cria coisas e mais coisas para as
quais não encontra aplicação adequada. Aliás, isso é muito significativo, porque
há bem pouco tempo vi, num noticiário cinematográfico, um salão de inventos em
que um francês apresentava uma máquina muito engenhosa que fazia diversas
coisas; era uma invenção muito interessante. Entretanto, no final, apesar das
inúmeras aplicações do aparelho, o inventor declarava sarcàsticamente que a sua
máquina não servia absolutamente para nada. Ou melhor, não tinha uma aplicação
definida, apesar de sua originalidade. E isso, a nosso ver, caracteriza exatamente o
atual progresso técnico da humanidade; quer dizer, um progresso sem maiores
conseqüências, justamente por lhe faltar uma finalidade.
TEOFRASTUS: Se o espantoso avanço da técnica não tem finalidade
prática, é porque só serve para alimentar a vaidade e o egoísmo do próprio
técnico. O avanço do tecnicismo, em parte, é apenas ilusório. Também êle é
quantitativo, e não qualitativo. Sucede que o homem ocidental, tendo perdido tôda
esperança em si próprio e qualquer esperança de sobrevivência - pois desaprendeu
a ter uma crença, uma religião, uma fé - tenta sobreviver por meio de seu poder
criador. Já que a própria Ciência vai sutilmente inculcando nesse homem que êle
veio do nada, existe por mero acaso e depois de morto voltará ao nada, ao
aniquilamento da consciência, e como as religiões, além daquelas antigas
promessas infantis e já superadas, nada oferecem, nem sequer uma adequada
explicação ou satisfação intelectual à enorme quantidade de perguntas que
atormentam a mente dêsse homem, êle então procura imortalizar-se pela criação,
peio tecnicismo. Sonha entrar no Panteão da Ciência e imortalizar-se pelos seus

241
inventos e criações. Muitos são os indivíduos que dessa forma, por mêdo e por
vaidade, buscam o prestígio no mundo das criações do tecnicismo, as quais aca-
bam se tornando património da Ciência.
Como é que o tecnicismo poderia ter uma finalidade prática, se o inventor
busca primeiro imortalizar a sua persona
342

lidade egolátrica e a sua vaidade? O que interessa a êle é apenas o "meu", não o
"nosso".

O tecnicismo só se tornaria realmente eficiente se procurasse trazer algum


real benefício à humanidade, sem necessidade de destruir as obras da Natureza. A
técnica poderia salvar o mundo da fome e da miséria. As máquinas, se bem apro-
veitadas para fins humanísticos, muito benefício poderiam trazer ao homem
sofredor. Mas, pelo que se vê, elas só servem para beneficiar os eternos egoístas e
mesquinhos. Em verdade, o tecnicismo trabalha a favor dos trustes internacionais,
e só visa a salvaguardar, primeiramente, os interêsses dêsses trustes; como, pois,
poderia tornar-se útil à humanidade? Afora o constante aumento do tecnicismo
humano para fins de autoglorificação, o tecnicísmo prático que sobra é para
alimentar a grande indústria, o grande comércio e a grande agricultura, tudo isso
sempre nas mãos dos grandes trustes, supremos soberanos do egoísmo mundial.
Como são caros os frutos dêsse tecnicismo para a humanidade sofredora! A
verdade é que o tecnicismo nas mãos dessa gente só tem servido para desgraçar a
humanidade, automatizando-a, mecanizando-a e explorando-a vergonhosamente.
Sabemos muito bem que mais de 50% da população mundial passa fome e
necessidades de tôda espécie. A técnica humana poderia e pode fazer algo por
essa gente, mas isto seria passar por cima dos interêsses dos trustes mundiais, o
que não lhes convém. Quando lhes apetece deflagrar guerras mundiais, então vê-
se logo como todo o tecnicismo entra em ação para destruir o próximo. Daí
concluir-se que o impasse do tecnicismo é, no fundo, um simples produto do
gigantesco e eterno problema do egoísmo humano.
BOMBASTUS: Em respostas anteriores, afirmaste que a tendência
integracionista de cultura seria para superar a atual tendência sensualista e restrita,
cuja expressão máxima, no Ocidente, é a Ciência moderna, principalmente se a
verdade histórica ou o equilíbrio histórico das coisas continuar prevalecendo.
Contrariando irônicamente o que disseste, o que temos visto é que, de certa forma,
a Cibernética procura justamente liquidar a História, numa tentativa de apagar a
consciência histórica dos homens, para fazer com que êles se limitem únicamente
a um
343

feixe de atos automáticos, úteis sòmente ao que "está programado" ou aos


propósitos do grande cérebro eletrônico dirigente.
Agora, eu te pergunto, quando essa tendência integracionista começaria a
superar, nitidamente, a tendência sensualista restrita? Ou então, para sermos um

242
pouco menos melodramá ticos, até que ponto continuaríamos dentro dessa atual
tendência científica? Sabes que estamos quase submersos na nova era cibernética.
Crês que chegaremos àquele ponto de inconsciência e automatismo, denunciado
pelo filme Alphaville, de Godard? Ou será que chegaremos àquele outro ponto
descrito pelo autor americano Ray Bradbury em seu livro Farenheit 451, em que
se constitui uma civilização completamente inimiga da cultura, na qual todos os
livros foram automàticamente destruídos, restando apenas um pequeno grupo de
indivíduos que, altas horas da noite, reúnem-se numa caverna ou numa floresta,
em tôrno de uma fogueira, e começam a recitar trechos e fragmentos de poemas,
para não mais esquecê-los, porque a existência de qualquer livro era proibida?
Gostaríamos de saber se achas que chegaremos a tal ponto, ou se a Ciência que aí
está não conseguirá chegar a tanto?
TEOFRASTUS: Da maneira como fizeste a pergunta, pareceu-me que
gostarias que eu fizesse uma profecia; mas sabes muito bem que é difícil avaliar,
integralmente, até que ponto há de chegar a inconseqüência científica.
Quando falei em verdade histórica, fi-lo em têrmos simbólicos, porque, pelo
que conheço, por experiência própria e por deduções que creio razoàvelmente
certas, sei que a verdade his tórica é muito mais que meras palavras. Atrás dela
existe um poder dirigente eficientíssimo, que na hora oportuna sempre interfere, e
já cortou as asas de muitos personagens históricos mal-intencionados, ou de
organizações històricamente inimigas da liberdade do homem. Até hoje, êsse
poder dirigente, essa inteligência atrás da História, que governa os destinos da hu-
manidade, ou, mais significativamente, governa o destino do homem, não tem
falhado, pois sempre interferiu oportunamente. Tenho quase certeza de que se a
inconseqüência científica chegar a uma magnitude tão nefasta como a denunciada
e apresentada pelos autores que citaste, essa própria inconseqüência provocará
uma transformação histórica contra ela mesma, se

344

melhante à viração de uma reação química, onde os reagentes atingem o ponto


de saturação. E essa transformação, provàvelmente, impedirá que o eterno
inimigo do homem, o seu próprio egoísmo elevado às estrêlas, se implante
definitivamente na nossa civilização. Isto me faz lembrar um ditado popular,
que diz: "Deus aperta, mas não estrangula".
Esse poder inteligente a que me referi nada tem que ver com o Deus do
ditado; contudo, sua maneira de atuar assemelha-se muito ao desenrolar dos
acontecimentos e ao equilíbrio que o acompanha.

Até hoje, històricamente falando, essa inteligência, que está por trás da
verdade histórica, jamais falhou. Muitas e muitas vezes a humanidade e seu
mundo estiveram à beira do abismo, á beira da escravidão total, à beira da
perdição, e nem por isso foram aniquilados. E acredito que nem desta vez o serão.
Agora, não posso dizer-te até quando êsse estado de coisas, essa maneira de ver e
de pensar científica, há de durar. E tampouco posso dizer-te se a inconseqüência
científica há de piorar ou aumentar mais do que já aumentou e piorou.

243
E já que estamos falando de História, vou aproveitar a ocasião para
esclarecer (ou confundir) um ponto, talvez interessante, mesmo que eu venha a ser
encarado por alguns como fantasioso e delirante. Não sei se reparaste que eu falei
em "verdade histórica" e que tentei salientar algo mais, como se quisesse sugerir
que a História é uma inteligência, uma entidade ou uma mente global a dirigir os
destinos da humanidade.
Seja assim ou não, pouco importa. Todavia, esta inteligência parece existir;
agora, discutir se ela realmente existe ou não, é pura perda de tempo.
Quando tu falas em realidade histórica, limitas-te àquelas ocorrências
passadas, catalogadas pelos historiadores acadêmicos- Mas será que a História é
exatamente aquilo que os historiadores narram, isto é, fatos passados, dispostos
cronológicamente? A História, para ti, seria uma espécie de memceria coletiva,
um suposto arquivo externo, sem que, contudo, haja um ciclópico memorizador. A
tua realidade histórica baseia-se no tempo físico, no tempo cronológico, que
provém da observação e repetição de alguns fenômenos astronômicos, tempo que
345

a Ciência muito utiliza e que constitui um dos quatro pilares da teoria científica,
que são: matéria, energia, espaço e tempo. Falas em realidade histórica, tendo em
vista as "provas arqueológicas, as "provas paleontológicas ou geológicas", ou
mesmo os legados artísticos, literários e humanísticos dos grandes pensadores e
artistas do passado.
Sôbre êstes últimos pouco tenho a comentar, mas restaria saber se essas
famosas "provas arqueológicas", geológicas, paleontológicas e legados
correspondem exatamente aos "fatos" ocorridos num passado remoto. Por mais
preciosos que fôssem, "êsses restos" poderiam ser meros símbolos (e por que
não?) mal interpretados, ligados intelectualmente entre si pelo estudioso e
historiador e que, desta forma, passaram ao rol de "fatos" que ocorreram muitos
anos atrás.
A Ciência diz que o espaço físico pode ser percorrido nos dois sentidos, de
lá para cá e de cá para lá, inúmeras vêzes. Para a mesma Ciência o tempo físico
teria apenas um único sentido: sempre para frente; o que fica para trás foge a uma
repetição física, só podendo ser percorrido hipotèticamente mais de uma vez pela
imaginação e pela memória. Portanto, tudo o que fica para trás seria exatamente o
que vem a ser a História de que falas, em suma, fruto da imaginação, da memória
e dos "restos".
No caso do mundo objetivo e sensorial, achas que se encontrariam vestígios
históricos passados e concretos, como os da Arqueologia, Paleontologia,
Geologia, etc., obras de arte, literárias, musicais, etc., que viram atestar a
autenticidade do que "ficou para trás" (a História), vestígios êsses que legiti-
mariam o valor da história acadêmica e que permitiriam a um estudioso, mediante
a comparação, a imaginação e a memória, reconstruir literalmente os fatos
passados. E, por causa disso, julgas que a História seria uma realidade (mesmo
que morta) irrefutável. Ainda dentro dêsse modo de raciocinar, caberia muito bem
a Evolução Filogenética das Espécies, que é um inegável triunfo da Biologia
científica e do materialismo histórico científico. Assim, seria inútil negar a
autenticidade da Evolução das Espécies, o grande argumento das ciências bio-

244
lógicas, porquanto os achados paleontológicos, geológicos, etc., falariam mais alto
que os argumentos contrários.
346
Bem, mas para contrariar tôdas essas "razões" aparentemente irrefutáveis, só
existiria um meio. Provar, primeiro, que o mundo é um palco ou esfera
permanente, sôbre o qual haveriam ocorrido, de forma cronológica crescente, até
o século atual, todos os "fatos históricos passados". Segundo, que os "fatos"
ocorreriam no tempo cronológico científico, ou então ocorrem sem o tempo; isto
é, ocorrem só por ocorrer, sem qualquer ligação entre si.
Se alguém se apercebesse melhor das suas intenções mais intimas, do seu
intelecto ardiloso e compreendesse os móveis mais sutis de seu próprio ego,
poderia talvez surpreender-se em "vê-lo" armando a grande mentira espaço-
temporal.
O tempo físico poderia não existir; e em seu lugar haveria apenas um eterno
presente, um "AGORA", no qual todos os instantes ou "fatos" já estão contidos, e
portanto "o que fica para trás" não fica para trás, porque ainda está "AQUI", no
SER e no homem contido por AQUÊLE. Isso que acabo de dizer tem certa
semelhança com o "inconsciente coletivo" que Jung acreditou existir nos sêres
humanos.

O palco ou esfera permanente poderia não ser uma esfera, malgrado as


"provas" da astronáutica e respectivas fotografias, as constatações in loco e até as
"provas" contrárias da Astro nomia. Isto que chamas palco ou esfera permanente
ou terra poderia não ser uma bola compacta e densa, e sim apenas um "plano
finito-infinito" que, como as ondas do mar, "sobe e desce". Ou seja, um plano de
vida que pareceria durar determinado tempo físico (graças ao ego) e depois
sumiria definitivamente para dar lugar a outro, completamente diferente, sem
ligação com o anterior e o posterior. Dessa forma, já poderiam ter existido
diversas humanidades ou civilizações não "acadêmicamente históricas". Já vários
planos de vida poderiam ter decaído ou ter sido "tragados", como que por um
terremoto ou maremoto. Em seu lugar surgiram outros, sem qualquer conexão
com o anterior. Dentro dessa maneira de falar, ou de "imaginar", como quiseres, o
palco ou esfera permanente, que chamam terra densa e real, não teria, lá pelas
tantas, se sacudido apenas numa única e determinada área, engolindo ou
enterrando uma civilização (e por que não uma humanidade?) que a História
oficial diz lendária e hipotética, chamada Atlân

347

tida; ao contrário, se os arqueólogos, os paleontólogos ou geólogos insistissem e


quisessem, um belo dia poderiam encontrar seus vestígios, mesmo que
engendrados e dispersos no fundo do mar. A Atlântida pode ter existido e não foi
tragada pela terra ou pelo mar. Ela era um plano completo de vida, era o todo
"conhecido" ou reconhecido, plano insubstancial, em realidade uma série de fatos,
aparentemente ligados, uma série de fatos que se tornaram objetivos e constituíam
o conjunto dêsse plano. Quando a Atlântida desapareceu, o que desapareceu, em
verdade, foram todos êsses fatos que a constituíam; os fatos deixaram de ser

245
objetivos e passaram para o nível subjetivo inconsciente. Por quê? Porque o
homem e seu mundo ou plano são uma coisa só. Todavia, outros fatos que eram
subjetivos e inconscientes vieram à tona, isto é, tomaram-se objetivos, e com sua
reunião, nôvo plano de vida se formou, que seria o nosso atual, com todos os
pretensos cinco continentes, mares, civilizações, países, etc. Talvez seja por causa
dessa suposição que os restos da Atlântida até hoje não foram encontrados, e nem
o serão (embora possam ser falsamente engendrados), porque o condicionamento
do arqueólogo, do paleontólogo e do geólogo cientificistas os impede de ver as
coisas como são. Portanto, o que chamamos de nosso planêta poderia ser apenas
um plano mais ou menos horizontal e extenso (abstraindo-nos das montanhas), de
limites finitos, mas com princípio e fim impossíveis de determinar. Se alguém
limitado ao ego conseguisse elevar-se, a partir, mais ou menos, do centro dêsse
plano, deslocando-se em sentido vertical, numa direção que teria de formar um
perfeito ângulo de noventa graus com a horizontal do plano, tanto se afastaria que
acabaria perdendo a visão do mesmo. O plano lá embaixo poderia desaparecer
completamente. Ou seja, êsse hipotético sujeito, de tanto se afastar, acabaria
deparando com o nada, com o vazio absoluto - e que grande susto ele sofreria.
Seria incapaz de voltar. É claro que isso jamais poderá ser constatado na prática,
porquanto os que quisessem fazê-lo já iriam condicionados por um resultado
positivo ou negativo. O ego estaria atrás dêsse intento. É claro também que o ego
observador dêsse indivíduo não permitiria que tal fenômeno ocorresse, pois
imediatamente destorceria o espaço, assim como liga o tempo. Aqui entraria
348
em jôgo a distorção das distâncias, do que está muito afastado ou muito próximo,
e tal distorção sempre resultaria numa forma circular. Essa é a ilusão que o ego
elabora sôbre o espaço. Para algo sumir absolutamente, o observador (ego)
deveria sumir primeiro, e o ego, por ser vazio, tem horror ao vazio e por isso
sempre está se reforçando, mesmo pela ilusão. Portanto, o indivíduo ao afastar-se,
perceberia que aquilo que seria um infinito-finito horizontal, à medida que ele vai-
se afastando na vertical, começa a se curvar cada vez mais, até que ocorra o
encontro dos hipotéticos extremos, dando a impressão de um perfeito plano
circular ou de uma perfeita esfera ou planêta, e assim o ego poderia montar a
ilusão de planêta.
O ego jamais permite que algo por ele focalizado se aniquile ou desapareça,
seja pelo excesso de afastamento, seja pela excessiva aproximação, como ocorre
na visão astronômica e microcóspica.
Para que algo se aniquile ou desapareça na forma e no nome, que constituem
exatamente a realidade de tôdas as coisas, o ego precisa aniquilar-se ou
desaparecer primeiro, e isto jamais aconteceria a um pesquisador ambicioso que
anda à procura de "segredos", pois o ego que está por trás dele se encarregará de
manter sempre uma forma, até a mais enigmática de tôdas, que é a circular.
Assim, a realidade indiscutível do palco, da esfera permanente ou da terra
poderia ser uma grande mentira, ou, no mínimo, uma forte ilusão para o indivíduo
condicionado, que está preso ao ego-intelecto-mente. A terra tomada como tal,
isto é, como esfera, implicaria naturalmente a existência prévia de um criador ou
de fatôres criadores preliminares (as fôrças físico-químico-matemáticas, o acaso

246
da Ciência ou o Deus isolado das religiões). E já vimos que êsses fatôres não
existem, ou se parecem existir é porque o homem os engendrou.
Por sua vez, o plano ou mesmo a "esfera" chamada terra poderia existir
unicamente por causa do sujeito, do homem integrado, por causa do SER que lhe
dá origem, e êsse plano se renova de instante a instante, ou existiria mesmo em
função do ego, que capta êsses instantes separados e os liga, dando a impressão de
um todo contínuo, circular, esférico, global. Se tudo o que estou dizendo fôr
provável e mesmo possível, então o
349
que chamamos de estrêlas no céu poderiam não ser planêtas, e sim qualquer outra
coisa. Quem sabe se não seriam outros "fatos" ou "planos de vida", que quando
focalizados pelos instrumentos do ego parecer-se-iam a esferas ou planêtas
luminosos ou iluminados, hipotèticamente situados a muitos anos-luz de distância
da terra. Segundo êsse ponto de vista, o que chamam de Cosmo deixaria de ser um
Universo constituído de corpos esféricos a rolar pelo espaço, para se transformar
num Universo de "fatos", todos êles contidos nesse Universo e contidos também
na mente do homem, que os projetaria lá adiante, como simbólicos pontos
luminosos. Só dessa forma se explicaria por que tôdas as noites, quando vamos
dormir, "engolimos" mentalmente o nosso mundo e o Universo e na manhã
seguinte os "vomitamos". Assim, a pretensa continuidade cronológica dos fatos
externos, que seguem se desenrolando mesmo quando dormimos, ocorreria no
nosso inconsciente condicionado, e não num mundo externo e isolado de nós.
As obras de arte, a literatura, as músicas e monumentos deixados por nossos
antepassados são inegáveis, mas tudo isso não fala de uma época que passou
definitivamente ou de uma história, fala apenas de um presente que deixou de ser
eficiente. O que já passou ou o passado era presente no momento de vivê-lo, ou
quando era eficiente, e o futuro também o será quando fôr vivido no presente. Por
isso é que só o presente contém tudo. Só o "aqui e agora" é que valem. "Aqui",
por causa do SER, ou mesmo por causa do ego em tôdas as coisas; e "agora", por
causa do eterno presente que contém todos os fatos eficientes do "agora imediato"
e até os fatos ineficientes do "agora passado ou futuro".
Além dos fatos ineficientes do "agora passado" existem muitos outros que
não correspondem a "fatos", e sim a simples engendramentos ou imaginações
consubstanciados pelo intelecto do homem, como poderiam ser muitas "provas"
arqueológicas, paleontológicas e geológicas. Por isso é preciso ter muito cuidado
com a validade das "provas".
Assim, resumindo, o palco permanente chamado planêta terra, no qual se
desenrolariam as ocorrências históricas, poderia não ser um palco permanente,
mas sómente um plano in substancial constituído pela união de inúmeros "fatos
eficientes
350

isolados". O tempo contínuo da Ciência e da História também seria hipotético e


em seu lugar existiriam apenas fatos eficientes isolados (instantes sucessivos e
desligados), que seriam eficientes por ocorrerem só no presente e ineficientes
quando, mediante o inconsciente condicionado, passam a constituir os dados da

247
memória ou da imaginação, correspondentes ao ontem e amanhã do tempo
cronológico.
Os vestígios históricos são apenas "restos" dos fatos ineficientes, símbolos
que, como galhos de árvore, interferem no nosso presente, mas cujas raízes
mergulham fundo no nosso inconsciente condicionado, onde tudo ainda está vivo,
embora não de forma eficiente para o aspecto consciente do indivíduo.
Por favor, peço-te que não faças perguntas a respeito do que disse. Nega-o
se quiseres, ou aceita-o como uma piada. Podes, inclusive, achar que esteja
delirando, não tem importância.
Limito-me a sugerir; não afirmo nem descrevo. Se isto está certo ou errado,
não posso nem devo garantir. Uma coisa, porém, é certa: as verdades da História,
da Ciência, da Arqueologia, da Paleontologia, da Geologia, etc. não são tão
verdadeiras quanto se supõe que sejam. É preciso ter o máximo cuidado com as
provas, porque atrás das' provas esconde-se quase sempre o grande canalha
"provador", em sua infinita capacidade de disfarce e deturpação, que é o ego-
intelecto-mente em cada um de nós.
BOMBASTUS

Bem, fugindo um pouco ao caráter um tanto geral dessas nossas últimas


trocas de ponto de vista e voltando ao princípio de nossa conversa, gostaríamos
que, objetivamente, expusesses melhor onde estariam, por exemplo, alguns dos
fundamentos dogmáticos da Ciência. Ou seja, segundo teu entender, o que é que
de fato a caracteriza como uma forma de pensamento de caráter nitidamente
religioso?
TEOFRASTUS: O aspecto dogmático da Ciência está na pretensão dos
cientistas de apresentar conhecimentos tidos como últimos, irrefutáveis,
insuperáveis e ainda por cima universais. O iludido cientista julga que sòmente êle
alcançou e descobriu as "verdadeiras verdades da Natureza", desculpa-me a
redundância. Acredita ter sido o único a decifrar adequadamente a Natureza. Para
êle, seus predecessores, cientistas ou não, ou
351

então os pensadores, os filósofos, místicos, poetas, etc., só diziam tolices, coisas


sem fundamento, asneiras irracionais não provadas nem matematizadas.
Segundo a lógica moderna, o cientista atual seria o único que, finalmente,
soube interpretar de modo adequado aquilo que chamamos "segredos"
(inexistentes) da Natureza. É tão pouca a humildade e o tino filosófico do
cientista, que êle não percebe que aquilo que chama de leis, teorias e provas
científicas, não passa de meras opiniões suas, como tantas outras que lhe
precederam. E o mais irônico de tudo é que as verdades científicas, sendo meras
opiniões humanas, são ensinadas nas escolas, obrigando os alunos a perderem
anos e anos de estudos, de certa forma inutilmente. O ego-intelecto-mente do
cientista é a medida de tudo e de todo o conhecimento, que pretenderia
corresponder à única e adequada interpretação do Universo.
Por exemplo, as religiões mais estáticas, mais dogmáticas, caracterizam-se
pela irrefutável aceitação dos dogmas, não importa tenham sido elaborados ou
engendrados por sêres humanos, ardilosamente auto-investidos no cargo de

248
representantes de Deus na terra. E quase tôda religião contém um determinado
número de dogmas, sôbre os quais é proibido discutir e aos quais nada se pode
acrescentar ou alterar, porque, segundo os astutos sacerdotes, trariam o sêlo da
Divindade, sêlo êsse que, em verdade, é dêles próprios. Dessa forma são aceitos
sem pestanejar. Ora, na Ciência sucede a mesma coisa. Os cientistas, com outros
argumentos, no fundo tão humanos quanto os dos sacerdotes, elaboraram uma
série de dogmas ou leis básicas, sôbre as quais se construiu o periclitante edifício
científico. E ai daquele que tocar nas pretensas constantes universais da Ciência,
que de universal não têm absolutamente nada, tendo, isto sim, muito de humano!
Nunca a Natureza disse ao homem que ela, em sua constituição, encerrava
características tais que valessem não sòmente para o homem, mas também para o
Universo inteiro. Teme rosos de que seu gigantesco edifício se desmorone, os
cientistas engendraram, ou, segundo crêem, "descobriram", mais de vinte
constantes pretensamente universais. E veja-se o irônico da coisa: como indica o
próprio têrmo "constante universal", tra
352

ta-se de uma afirmativa - evidentemente provada, graças à mente do senhor


cientista, portanto uma verdade mental dêle, e não uma verdade universal - que
valeria não apenas para o homem, mas para tudo aquilo que está aquém e além
do homem. Seria válida tanto para o suposto microcosmo, quanto para o não
menos suposto microcosmo, tomados conscientes graças à mente do cientista.
Os ingênuos cientistas não compreenderam que se essas constantes
universais passaram ao rol de constantes, devem-no, principalmente, a um stop
ou a uma petrificação de suas mentes! Não percebem que se existem coisas
constantes na vida são exatamente a ignorância e os insaciáveis desejos de estati-
cidade, segurança e fama do ego-intelecto-mente!
Eis as razões por que a Ciência se tornou outra religião. É por êsse aspecto
dogmático. É por êsse aspecto imprudente de afirmar as coisas, mesmo que
afirmem tenham sido provadas. O fato é que elas foram provadas àquele que
queria vê-Ias provocadas ou rejeitadas. Para a Verdadeira Natureza, a lógica da
tese e da antítese tão cara a Aristóteles e outros, não é válida. Se apenas a
afirmassem, não seria nada. Mas ensiná-la à fôrça àqueles incautos indivíduos que
vão em busca do conhecimento científico, pensando encontrar a SUPREMA E
IRREFUTÁVEL VERDADE, isto sim, é triste e lamentável.

O que mais impressiona, como já disse antes, é saber que todo o arcabouço
científico se baseia nessas mentirosas constantes universais. É quase certo que
todo cientista desonesto
e fanatizado salta como uma fera, quando alguém lhe diz e lembra que essas
supostas constantes universais não têm significado algum para o Universo, salvo
para êle próprio e para aquêles que pensam como êle. Se assim reage é porque
sabe que, caindo estas pretensas constantes universais, cairá com elas aquilo que
êle chama o grande edifício do conhecimento científico.
Há um grande número de pretensas constantes universais, mas só por
curiosidade citaremos algumas. Uma delas é a da suposta constância da

249
velocidade da luz no vazio. Se não existisse mente humana, não existiria
velocidade da luz e muito menos o tão desejado e inexistente vazio; ou se
houvesse alguma velocidade, seria uma velocidade livre, de acôrdo com as

353

peculiaridades da mente observadora de cada um, foi a morte humana que, por
meio de provas e artifícios, também conscientizados por ela mesma, estabeleceu
aquêle valor absoluto. Foi a mente humana que, digamos assim, empurrou êsse
valor absoluto na Natureza. Se houver uma velocidade para a luz, o que eu
duvido, pois não sabemos, na essência, o que é a luz em si, ela poderá ter o valor
que bem entender.
Outro exemplo do dogma científico é o pretenso número de Avogadro, que
obrigaria a Natureza a manter um remotíssimo e constante número de moléculas
numa molécula grama.
Jamais a Natureza sugeriu ao homem, ou lhe disse espontâneamente, que
sua microconstituição era constituída de moléculas. E muito menos lhe sugeriu
que numa molécula grama houvesse um número constante de fantasmagóricas
moléculas; agora, isto sim, foi a mente do homem que começou a ver
fantasmagóricas moléculas na Natureza, e foi êle que deduziu, em seu prévio
engendramento, um número constante de fantasminhas que formariam o fantasma
maior ou a molécula grama. Se há uma real Natureza, fora da influência hominal
científica, nela não pode existir êsse tão decantado e fantasmagórico número. Para
que exista êsse número, é preciso que exista mente humana. Foi novamente a
mente humana que empurrou êsse número na Natureza, que, a partir daí, se
transformou numa Natureza humana, exclusiva do observador. A ingenuidade do
senhor cientista é tão grande que acredita piamente que tôda a Natureza - que é
apenas a sua própria natureza - se enquadra nessa pretensa constante universal.
Outros exemplos de dogmáticas constantes universais, tornadas conscientes
e constantes graças à mente do homem, são a constante do zero absoluto ou zero
Kelvin; é a pretensa constante de Faraday ou da eletrólise; é a constância universal
da pretensa e ilusória carga elétrica e massa do elétron; e a constância universal da
não menos pretensa e ilusória massa e carga elétrica do próton; do nêutron, etc.
etc.
Tudo isso poderá não existir na Natureza real, mas passou a existir na
natureza do senhor cientista, e por conseguinte a natureza do senhor cientista é a
pior, a mais gélida, a maisabsurda, a mais agressiva, a mais mecânica, a mais
complexa
354

de tôdas as naturezas, porque não é real, mas apenas um reflexo particular de sua
própria mente.
Para chegar a essas conclusões, o senhor cientista sempre e sempre teve de
valer-se de sua mente, de seus preconceitos mentais, de seu intelecto acomodatício
viciado, de seu campo de consciência sensorial, que são seus engendramentos
projetados para fora.

250
Como já observei anteriormente, o êrro principal e gritante da Ciência foi o
de ter aceito gratuitamente, sem refletir, a falsa idéia e concepção de uma
realidade universal absoluta
e completamente independente da mente hominal. Foi o de ter o cientista aceito a
egolátrica opinião, sugerida por seu próprio ego-intelecto-mente, com sua falsa
razão e lógica, de que a mente humana, ou então o cérebro segundo o parecer do
cientista, é um instrumento suficiente, completamente isolado e capaz de avaliar,
descobrir e conscientizar os pretensos segredos dêsse hipotético Universo. É nisso
tudo que reside a pior falha da Ciência ocidental; e, paradoxalmente, essas mes-
mas falhas são a causa do grande sucesso da Ciência ocidental, que se explica pela
razão de ser muito fácil manobrar o inexistente. A mente, sob a influência e
domínio do ego-intelectomente, mera imaginação viciada, tem essa característica.
O ego-intelecto-mente, feixe de pensamentos mortos, serve-se do inexistente para
afirmar e para negar, o que bem condiz com a lógica do Sr. Aristóteles. O
inexistente, o vazio, a imaginação, se é afirmada, passa supostamente a existir,
apesar de não ser; e se a imaginação e o vazio forem negados, também passam a
existir, sem nunca terem sido.
Verdadeira Natureza não aceita nem o nosso sim ou tese, nem o nosso não
ou antítese, porque ela é o que é. Agora, a natureza hominal, humana, egolátrica,
imaginativa, afirma-se também pelo não ou antítese, porque o inexistente não
pode ser negado; se o negarmos, passa a existir apesar de não ser, pois só pode ser
negado o que é; e o que realmente é não aceita negação porque é.
Um verdadeiro sábio sabe do relativismo tanto do pretenso objeto de análise
quanto do muitíssimo mais relativo instrumento de conhecimento e de
conscientização, que é a sua mente. E sabe também da identidade que existe entre
o observador e
355

o observado. Antes de pretender descobrir ou levantar dogmas ou constantes


universais, em sua remota natureza observada, êle antes avalia as possibilidades
de seu instrumento de conhecimento, ou de sua mente, e lá acaba percebendo o
segredo e a origem de tôdas as coisas supostamente exteriorizadas, porque sabe
que em sua mente está a origem de tôdas as coisas (insubstanciais), tanto as
supostamente aparentes, quanto as pretensamente reais. Ele sabe que não existe
uma pretensa realidade natural, que poderia ser deformada pela imaginação. Para
ele realidade e imaginação são essencialmente unas.
BoMBASTUS: Um fato curioso e relevante da era científica é a enorme
ampliação ou o gigantesco incremento quantitativo daquilo que chamamos
natureza exterior. Sabes bem que antes de a Ciência moderna tomar as "rédeas do
conhecimento", a Natureza ou Universo que os sentidos supostamente abarcavam
era bastante restrita, e além disso a terra era tida como o centro do Universo, e o
homem, a sua criação especial. Bem, mas com o advento da Ciência, com a
introdução de novos métodos de observação, novos horizontes foram
supostamente vislumbrados, tanto no macrocosmo ou universo estelar como no
microcosmo ou universo microscópico, e esses aspectos do Universo eram, antes

251
da Ciência, completamente desconhecidos e ignorados. Assim, o homem
moderno, ou pelo menos a parte consciente do homem moderno, deu-se conta de
que seu planeta era uma coisinha insignificante, nesse suposto e enorme gigante
ou todo universal, e deu-se conta também de que ele mesmo, diante dessa suposta
realidade microcósmica, cósmica e macrocósmica, encarada em seus pretensos
aspectos absolutos físicoquímico-matemático-biológicos, era pràticamente um
nada, um zero insignificante, um mero alento que pensa, dentro de um todo
inabordável, inalcançável e gerador de complexos.
Que tens a dizer sôbre essa nova visão da Natureza que a Ciência propiciou
ao homem moderno?
TEOFRASTUS: Um ingênuo qualquer, valendo-se dos argumentos e
reconhecimentos científicos, imediatamente responderia a essa tua pergunta
dizendo que: "A Ciência limita-se apenas a mostrar a Realidade Universal; agora,
se essa realidade é grande ou pequena, boa ou má, inabordável ou abordável,
criadora ou não de complexos, a Ciência nada teria que ver com isso. . ."
356

Diante de tal resposta, só podemos achar graça e desejar com sinceridade


que a pretensa humildade científica venha a ser a verdadeira. Primeiro que tudo, a
Ciência é apenas uma abstração. Não é um deus todo-poderoso, tonitruante e
bilioso, que vigia o homem lá do infinito e em quem devemos crer implícita e
resignadamente. Como já disse tantas vêzes, a Ciência moderna é simplesmente
uma coletânea de opiniões, registradas em livros e defendidas e difundidas
orgulhosamente por aqueles simpatizantes, que limitaram suas elucubrações a essa
nova coletânea de opiniões. Um ilustre filósofo moderno (positivista, já se vê)
declarou uma vez: "Acredito na Ciência porque ela não nos engana". De minha
parte, achei essa declaração bastante ingênua e infantil. A Ciência não nos pode
enganar, realmente, porque ela nem sequer existe. Ela não é uma pessoa. E apenas
uma abstração, uma coletânea de "fatos pretensamente provados", de "verdades
descobertas". É apenas um conjunto de conceitos tendenciosos, limitantes, devido
às próprias regras que certos homens elaboraram a priori, antes de começarem a
coletar essas prováveis verdades científicas. A Ciência não é absolutamente nada;
o cientista, sim, é alguém; e o cientista é um homem como qualquer outro, que
pode até mentir, porque êle também, mais que o homem comum, é escravo de seu
egointelecto-mente, e não sòmente escravo, mas vive fazendo o jôgo sujo desse
mesmo ego-intelecto-mente. Ainda que o cientista esteja imbuído de tôda boa
vontade para com o próximo, mesmo que não queira, se ele não conhece as
sutilezas de seu ego-intelecto-mente (o grande mentiroso), está enganando os
outros. A Ciência, realmente, não pode enganar porque não é; agora, o cientista
nos engana (consciente ou inconscientemente) porque é. E aqui está a chave de
tôda a problemática. Não é a Ciência que apresenta a Verdade Universal; são os
partidários da Ciência que, "descobrindo" ou engendrando verdades particulares,
provam-nas com argumentos sutis e aparelhagens restritas ao certo e errado, e
acabam transformando essas verdades particulares em verdades universais.
Vê bem, antes que a Ciência moderna dominasse o pensamento humano, o
homem, escravo do ego-intelecto-mente e por êle manobrado, limitava-se a,

252
supostamente, captar e conscien tizar aquilo que seus sentidos lhe transmitiam.
Agora, se tinha
357

determinado embasamento mental, constituído de preconceitos religiosos, todo


fenômeno que êle não podia dominar ou que o impressionava, causando-lhe
prazer e dor, atribuía-o à vontade de Deus ou dos deuses, que atuavam
externamente e dêle eram separados. Raros eram aquêles, poetas ou não, que
comungavam dos fenômenos da Natureza, sentindo-se como parte integrante
dêsses mesmos fenômenos. Diante de um fato qualquer, a maioria dos homens,
era acometida de um sentimento de temor, sobretudo quando determinados
escravos e arautos do ego-intelecto-mente elaboraram as idéias do pecado original
e do castigo eterno, e de passividade para com essa imaginária divindade. Mas se
o homem não era religioso, mesmo assim não deixava de se impressionar com os
pretensos fatos da Natureza e do Céu. Enfim, nada havia na natureza objetiva que
fizesse com que o consciente mental do homem (astutamente manobrado pelo
ego) não se sentisse humilhado, insignificante e impotente. A própria vida, com
seu aspecto de nascimento, crescimento, doenças, epidemias, infortúnios, guerras,
velhice e morte, já era um motivo forte para deixar o consciente hominal
complexado, diminuído, inerme, diante da suposta realidade das coisas.
Depois disso, veio a Ciência, e o restrito universo da Idade Média cedeu
lugar ao imensurável Universo, que atualmente acreditamos perceber através de
aparelhos e fotografias. Identificar-se-á, agora, o consciente do homem com tudo
isso? É claro que não. Acredito até que, atualmente, seu acabrunhamento e seus
sentimentos de impotência aumentaram muito mais. Não é a Física moderna que
vive apregoando que a percepção sensorial do homem abrange um mínimo
insignificante, na faixa dos comprimentos de onda que constituiria o todo
energético representativo do som, do calor, da luz, do magnetismo, da
eletricidade, dos raios gama, etc.? Que outro mundo a Ciência moderna
supostamente descobriu que os nossos sentidos não podem captar? E qual é o
sentimento do consciente hominal diante disso? São sentimentos de pequeneza, de
impotência, são complexos de inferioridade, são sentimentos de arrogância, se o
indivíduo é materialista, ou então são sentimentos de pseudo-humildade, se o
indivíduo é religioso. E o pretenso microcosmo descoberto pela Biologia,
Bioquímica, Mineralogia, Cristaloquímica, Química, Atomística? Que pensa e
como se
358

sente o biólogo, o bioquímico, o mineralogista, o cristaloquímico, o químico, o


atomístico, diante do infinito de microinfinidades ou de micro-microcoisas, que
supostamente estariam à sua frente? Novamente é um sentimento de assombro,
impotência, insignificância. O observador sente-se completamente incapaz de
tentar algo, de imitar algo, ou de reproduzir algo do que acredita estar vendo. Seja
qual fôr o ramo científico que o homem moderno abrace, êle sempre acabará
sentindo-se pequeno, insignificante, impotente, um verdadeiro nada diante da
magnitude de seu objeto de estudo e observação.

253
Essa é, pois, a suprema comédia quantitativa do ego-intelecto-mente. Ouve
bem, não se trata de negar seja lá o que fôr, porque o que é, é independente das
minhas afirmações e negações, mas nega-se a esse aspecto deturpante,
massacrante, quantitativo das coisas, às custas do qualitativo, difundido de modo
assombroso pela Ciência (pois ela apenas se preocupa com o aspecto quantitativo,
já que restringiu sua maneira de ser e de atuar ao da Matemática) em detrimento
dos aspectos qualitativos dessa mesma natureza. Diante dêsse suposto mas-
sacrante e sufocante aspecto quantitativo das coisas, o nosso consciente-mental
sente-se pequenino e hipòcritamente humilde. E se alguém diz a alguém que tudo
isso que êle vê lá fora é, de certa forma, êle mesmo visto como objeto, êsse
alguém levanta-se escandalizado e exclama: IMPOSSíVEL!
O religioso, inconscientemente manobrado pelo seu egointelecto-mente,
diante da possibilidade de alguém lhe falar da identidade entre êle e aquilo que
acredita estar vendo lá fora, levanta-se e diz: "Impossível!" porque tudo isso que
eu vejo é obra de Deus, bem maior e melhor do que eu, e isolado e independente
de mim, num arremêdo ignorante de pseudo-humildade. Entretanto, tempos atrás,
estava disposto, fanático que era, a pôr o próximo na fogueira, caso êste quisesse
discordar do que "estava escrito" e ampliar o que se estava vendo, como é o caso
de Galileu, que quase foi vítima disso.
O materialista, por sua vez, num sentimento de arrogância, . ceticismo e
falso poder (e igualmente manobrado pelo seu egoíntelecto-mente) também
exclama: "Impossível!" Ora, como poderiam êsse impressionante e pràticamente
infinito Universo e Natureza ser eu mesmo? Como podem todo o múltiplo senso

359
rial, todos os sêres, animais e coisas ser eu mesmo? Como podem tôda a vida
microscópica, tôda a matéria infinita, tôda a energia; tôdas as moléculas, átomos,
etc., ser eu mesmo? E assim vai êle desfiando o seu rosário de preconceitos
intelectuais, convicto de que está falando por si mesmo. E num último arremêdo
de vaidade exclama: "Tudo o que existe no macrocosmo e no microcosmo tem
de existir, porque fui eu (ego) que o descobriu!"
E, no entanto, irônicamente, quem se reforça com ambas as atitudes é
sempre o ego-intelecto-mente, porque sabe, que nem o consciente-hominal do
materialista conseguirá algum dia abarcar e dominar todo o pretenso,
quantitativo e múltiplo universal, pois essa é sua meta, como também sabe que
nem o consciente hominal do religioso conseguirá alcançar o Deus
pretensamente externo. Desta forma - o que mais importa - o ego-intelecto-
mente impede que ambos, aqui e agora, consigam alcançar o Deus Interno, o
Real e Verdadeiro emanador de tudo, que não precisa, necessàriamente,
restringir-se a um aspecto quantitativo e esmagador.
Também é tolice tentar refutar a semi-identidade das coisas com a mente
humana, só porque não conseguimos, por meio de nossa vontade superficial,
interferir nessas supostas coisas. Em verdade, não sabemos bem o que vem a ser a
VONTADE, nem como ela opera. Estamos habituados a um aspecto restrito da
vontade - a vontade no nível consciente, pobre e limitado - e desconhecemos
totalmente a outra vontade, bem mais profunda, e que atua num nível quase
inconsciente, da qual muito se serve o ego-intelecto-mente para se reforçar, para
engendrar, para iludir, mentir e escravizar o consciente hominal.

254
Em verdade, o Universo é efêmero, impermanente e insubstancial. É uma
emanação do SER que, por estar o homem escravizado à sensorialidade, deve
atravessar o prisma deformaste de nossa pseudopersonalidade, o ego, no sentido
de dentro para fora. E o Universo só aparenta existir e continuar como tal, quando
estamos despertos para êste plano de consciência dito material. Se êsse
Universo fôsse absolutamente real e perma- . nente, estaria também presente no
sono profundo sem sonhos, ou no sono com sonhos, mas neste último o que surge
é outro universo, outro mundo, às vêzes bem diferente daquele que cons
360

cientizamos no pretenso plano de vigília absoluto e que aparenta ser real.


Conforme o plano em que se situar, a mente, servindose da Emanação Divina,
elabora um corpo e um mundo especial, sem esfôrço algum. Só o EMANADOR,
O SER OU DEUS é fluxo, VIDA REAL e incondicionada. O Universo ou
Natureza ou o emanado é efêmero, impermanente, irreal. Esta é a lição dos
grandes Mestres. Esta é a Verdade que está atrás do sempre repetido mas nunca
compreendido "Conhece-te a ti mesmo".
BOMBASTUS: Pelo que se pode deduzir de tôdas essas nossas
conversações, o grande motivo pelo qual a Ciência se perdeu foi ter-se sujeitado
às limitações de uma falsa teoria do conhecimento e aos engodos do ego-intelecto-
mente; pois os cientistas acreditaram que através do cérebro e dos mecanismos
cerebrais, poderiam explicar tôdas as relações existentes entre o observado o o
próprio observador. Como essa, a nosso ver, é a pedra fundamental de tôda a
problemática do conhecimento, e principalmente da própria Ciência, que se diz a
única dona do real conhecimento, gostaríamos que, se possível, dentro do máximo
de clareza e concisão, explicasses onde está a chave do problema. Onde se situa o
cerne da questão, ou se pode encontrar a causa da limitação do cérebro ou da
mente? Onde encontrar a causa dessa subordinação da Ciência e de tôda tentativa
científica de explicar o Universo correlacionadas às limitações da mente humana?
TEOFRASTUS: Servindo-me das soberanas forjadoras de verdades relativas
e principalmente de mentiras, no caso as palavras, vou tentar explicar aquilo que
dificilmente poderia (e mesmo deveria) ser explicado. O que vou dizer, ideal seria
que fôsse intuído por qualquer um. É como uma vivência, um sentimento
inabalável, uma instantânea revelação interna que se renova sempre. Isso não
deveria reduzir-se a uma simples estória explicada com palavras. O que vou dizer
já foi dito e redito mais de mil vêzes, de tôdas as maneiras, mas raros o
compreenderam.
As armas do ego-intelecto-mente são as palavras; e êle sabe muito bem
servir-se delas como escudo; raramente permite que as palavras consigam sugerir
a mentira que elas mesmas encer ram, equivalente à do próprio ego em nós, o
grande falastrão. Mas, deixemos isso de lado, e vamos ao que interessa. E não
361

estranhes se a conversa fôr um tanto longa; assim será por causa das
palavras e por fôrça das circunstâncias.

255
Antes de tudo, terei de repetir o que já disse mais ou menos antes, e o que
quero dizer com ego-intelecto-mente. Primeiro, a mente não é o cérebro; êste,
quando muito, poderá ser uma excrescência daquela, ou uma condensação
mental. Cérebro sem mente nada é; mente sem cérebro ainda é, principalmente
se se relaciona. Por questão de analogia, a mente pode ser comparada, digamos
assim, a um país que, por sua vez, faz parte de um continente, o SER. A mente,
em verdade, é apenas um feixe de pensamentos. Não é a mente que engendra os
pensamentos; mas foram os pensamentos, sempre renovados ou mesmo
reforçados que, devido à ignorância e aos desejos, acabaram constituindo a
mente humana limitada, em todos os seus aspectos, sob a égide do ego. O
Pensamento Puro, o mesmo que a Ação Pura, é o que caracteriza o SER. O ego,
no caso, poderia ser comparado à capital dêsse hipotético país. Ele tenta manter
uma fictícia unidade mental. O ego é a mentirosa individualidade que, ao
levantar-se, busca sufocar o nosso real "EU sou", Consciência única e
verdadeira. O ego é o "eu penso", o "eu, fulano de tal", o "eu e meu" em nós.
Julga-se a sombra do SER, mas é mera imaginação e memória. E se essa sombra
parece ter vitalidade própria é porque a rouba do SER ou do "EU sou",
Consciência ou Vida em nós. A vitalidade do ego é como a luz emprestada à
Lua. O "EU SOU" é como a luz do Sol; "Devido a um lapso" ou à "ignorância-
mãe", os raios de Sol, que são o SER, unem-se e formam o egomente. Só depois
disso, supostamente, levanta-se outro Sol imagem (o ego) que pretende brilhar
por si só; e essa luz emprestada, ao erguer-se como uma individualidade à parte,
faz-se passar pelo SER (ou Sol), pretendendo com isso iluminar todo o resto.
Para firmar-se melhor, o ego se vale de seu intelecto sempre afeito às
conveniências do ego. O intelecto é o poder discriminador e qualificador do ego.
É êle que discrimina e qualifica o vazio, a imaginação, porque a REALIDADE
OU o SER não pode ser nem discriminado e muito menos qualificado. Sendo
uma mentira, sendo vazio, como já disse antes, o ego afirma-se pela tese ou sim,
e pela antítese ou não, e nisto reside o seu domínio. É o poder intelectivo do ego-
mente que nega
362
e afirma o vazio, o inexistente, dando-lhe aparente realidade em ambos os
casos. Aquilo que é realmente vivo e LIVRE não aceita nem a negação, nem a
afirmação do ego-intelectomente.
Como já dissemos em outras partes, o objeto, o corpo, o mundo e o
Universo nada são sem a mente, nem tampouco existem, não obstante o que
valha seja a relação. Ninguém jamais poderá afirmar que sem a mente o objeto
subsiste; entretanto, todos, se quisessem, teriam a oportunidade de provar, em
si mesmos, sem a noção de "provador", que a mente sem objeto ainda subsiste.
Dizer que o objeto sem a mente subsiste, ou que o objeto-matéria criou a
mente, é estar fazendo exatamente o jôgo do ego, porque êste é um ponto de
vista gratuito e egolátrico, impossível de provar, malgrado o carinho
subentendido que o ego-intelecto tem pelas "provas". Se tôdas as mentes se
acabassem, ninguém restaria para provar coisíssima alguma. Entretanto, o
compreender-se a si mesmo é real e válido, porque basta unicamente a um
homem conhecer-se efetivamente a si próprio, para constatar ou vivenciar que,
em têrmos relativos, tudo depende da mente, e constatar ainda que o que

256
importa é a relação entre a mente e o objeto. O que importa é o verbo, O SER e
VIVER, e não o visto ou o vedor condicionado. E assim como um homem pode
conseguir tal esclarecimento, todos poderiam consegui-lo também; seria o caso
de tentar, vigiar e compreender, sem criticar, qualificar e comparar.

Tu, que me tens acompanhado até aqui, não te deixes impressionar pela tua
imaginação egolátrica, que te diz que se perderes o ego em ti, deixarás de existir
como Consciência, sobrando unicamente Deus, porque êsse é mais um ardil dêle
(o ego em ti), que, sendo mentiroso, gosta de bancar o justo e o bom. Tu és ÊLE;
mais do que isso, tu és o que é, e, em verdade, aparentemente, deixaste de SER e
VIVER no momento em que supostamente te escravizaste à condição ego-
intelectomente. Deixaste de ser a Consciência Livre para te limitares a um
consciente relativo, escravo e condicionado. Passaste da Plenitude à escravidão e à
necessidade. Vives num perene temor e impedimento. Entretanto, vê só como o
ego em ti te sugere exatamente o contrário.

363

Outra característica do mentiroso ego é a de ter incutido no consciente, e até


no inconsciente, dos senhores cientistas, escravos do ego, que sem cérebro não é
possível pensar. O método científico experimental da Biologia e da Fisiologia -
bárbara imitação da Inquisição da Idade Média, onde inocentes cobaias, animais e
às vêzes humanas, sofrem o inimaginável só para satisfazer a mórbida e
intelectualesca curiosidade do egointelecto-mente dêsses senhores que, entre
outros "carinhosos tratamentos", limitam-se a destruir partes vitais do organismo -
permite aos fisiólogos e biólogos concluírem que sem essas partes vitais é
impossível determinada função. Por exemplo, é ensinado e "provado" na medicina
fisiológica que sem os olhos é impossível ver, sem o cérebro é impossível pensar,
sem o apa
relho auditivo é impossível ouvir, etc. Entretanto, o mesmo ego-intelecto-mente só
não sugeriu ao consciente dessa gente que com o cérebro também é impossível
pensar; que com os olhos descritos pela Ciência também é impossível ver; que
com o aparelho auditivo também é impossível ouvir, etc. Se isto não é verdade,
então vejamos:

DISCRIMINAÇÃO ENTRE O OBSERVADOR E O OBSERVADO


Ponto de vista da sabedoria antiga
OBJETO VISTO (insenciente)
OBSERVADOR (senciente)
O mundo, a casa,
o corpo, etc. O ôlho

257
O ôlho- - O nervo ótico, o o
cérebro
O nervo ótico, o cérebro A mente
A mente- O ser individual ou
ego

O ser individual ou ego o SER


VERDADEIRO ou
o "EU sou" da
CONSCIÊNCIA
SUPREMA
em nós

Admitamos que alguém, antigamente, pretendesse compreender a Verdade


íntima das coisas, e para tal se restringisse à polaridade essencial do
conhecimento, que é o objeto observado e o observador. Ora, sabemos que dessa
polaridade um aspecto é consciente e senciente, ou é aquêle que sente; e que

364
o outro aspecto é sempre inconsciente ou insenciente, e que para ser
testemunhado necessita da mente consciente do observador.

Pois bem, êsse primitivo observador ou buscador encarou o mundo, a casa,


o corpo, etc., e percebeu que para poder ver ou observar tudo isso valia-se do
ôlho. E pensou: - "A minha consciência visual está no ôlho." Mas, não satisfeito
com essa conclusão, analisou também o ôlho, sem necessidade de tirá-lo do lugar,
conforme o bárbaro método fisiológico de experimentação. Desta vez seu ôlho se
transformou em objeto insenciente e quem o analisava era qualquer coisa que
estava atrás de seu ôlho observador, e que seus parcos conhecimentos de anatomia
lhe informavam tratar-se de um grosso cordão ou nervo ótico e do cérebro; então
êle deduziu que a consciência residia nesse cordão e no cérebro. Mas, também
desta vez, não ficou satisfeito consigo mesmo, pois desconfiou de que a
consciência visual não podia residir nem no nervo ótico nem no cérebro. Por
analogias prévias, já sabia que podia ver sem os olhos, como é o caso do sono
com sonhos, da imaginação e da memória; e, portanto, essa mesma insatisfação
levou-o a concluir que sua mente era muito mais do que cérebro. Mesmo assim,
intuiu que atrás de seus propósitos havia um "eu" que cada vez queria saber mais.
Apercebeu-se de que êsse "cada vez querer saber mais" não conduziria a nada, e
sim apenas a um refôrço dêsse mesmo "eu". Então, a partir daqui, começou a
observar-se, a vigiar a mente sem esfôrço algum, sem críticas a formar e a
compreender-se a si mesmo, tentando assim abordar o funcionamento mental. O
cérebro e o nervo ótico eram passíveis de serem analisados como objetos
insencientes, mas atrás dêles ainda estava algo que continuava analisando e que
chamou de egomente, ou mesmo de coração, conforme o linguajar ou termino-
logia da época. Tentando surpreender o analisador, precisou compreender o todo
mental, e percebeu que em sua mente havia um poder intelectivo, letárgico,

258
renitente, individual e astucioso, que podia analisar a própria mente. Mas êste, ao
ser surpreendido e compreendido, pela ação da compreensão "evaporou-se".
Assim, a adequada meditação e compreensão conseguiram superar o ego, ou
acalmar o turbilhão de seus pensamentos errantes. No silêncio mental tudo fluía,
tudo era paz e felicidade. Mesmo sem a noção ou sentimento de "eu", continuou
vivendo

365

e sentindo-se como Consciência apenas, como "Eu sou", que nada tem que
ver com a individualidade egolátrica. Completamente livre, alcançara a verdadeira
Vida. Aqui já não havia um analisador nem coisa a analisar. Aqui, sujeito e objeto
eram um, e o maravilhoso dessa VIDA era a equilibrada interrelação entre o visto
e o vedor. A Vida animava a ambos, que se confundiam e "se abraçavam" e se
separavam de nôvo, sem que um prevalecesse sôbre o outro. Os dois eram um, e o
Um se transformava em dois. Este é um estado de Paz e Felicidade supremas, de
Consciência absoluta ou Sat-Chit-Ananda, como dizem os yogues. Ou também o
nosso buscador, cujo "eu" havia sumido, alcançara o Nirvana, como ensinava
Buda, ou tinha vivenciado o Reino de Deus dentro de nós, como ensinava Cristo,
ou tinha voltado ao TAO supremo, como ensinam os mestres chineses, ou
realizara o sAToRi, como ensinam os zenbudistas japonêses, ou, enfim,
reconquistara o Éden, como ensinam as fábulas hebraicas, etc. etc. Em verdade,
compreendeu que nunca tinha saído dêsse Supremo Estado, e que tudo o mais não
passava de imaginação sustentada pelo ego.
Dessa forma, seria o SER ou o "EU SOU" ou a Consciência em nós o
verdadeiro testemunho da mente limitada ou não, do nervo ótico e do cérebro, do
ôlho, do mundo, da casa, do corpo. Na realidade, muitas das coisas apontadas no
esquema não são a Manifestação Original do "EU sou", mas engendramentos do
ego. Agora, é sempre do "EU SOU" que tudo tem origem; e é no "EU sou" que
tudo se resolve e unifica.
BOMBASTUS: Muito interessante, porém não disseste, dentro da
argumentação e da lógica científica, por que com o cérebro também é impossível
pensar?
TEOFRASTUS: Já ia explicar isso também. Vê bem: quando digo que com
o cérebro é impossível pensar isto não significa que o pensamento seja impossível.
O homem sempre pensou com ou sem a consciência da pretensa existência
cerebral. Só quero dizer que as funções sensoriais e o pensamento não se
restringem aos órgãos sensoriais e ao cérebro. Sua conscientização se faz muito
além disso. Neste sentido, vamos repetir o esquema do caso anterior, mas desta
vez de modo desnecessàriamente complicado, de acôrdo com o ponto de vista da
Ciência.
366

DISCRIMINAÇÃO ENTRE O OBSERVADOR E O OBSERVADO


Ponto de vista da Ciência e da Fisiologia Moderna.

259
OBJETO VISTO (insenciente)
OBSERVADOR (senciente)
O mundo, a casa, o corpo, etc. Os órgãos sensoriais (ôlho,
ouvido, nariz, bôca, pele, etc. )

Os órgãos sensoriais Vários corpúsculos sensitivos

Vários corpúsculos sensitivos Os nervos aferentes

Os nervos aferentes A medula-cérebro

A medula-cérebro Vários centros medulares e


cerebrais

Vários centros medulares cerebrais Tecido nervoso

Tecido nervoso Vários tipos de neurônios


Vários tipos de neurônios Organelas neuronais,
dendraxônios, etc.

Organelas neuronais, dendraxônios, etc. Várias substâncias quími cas,


orgânicas e inorgânicas

Várias substâncias quími cas, orgânicas e Macromoléculas


inorgâ nicas

Macromoléculas Proteínas, glicídios, glicogênio,


lipídios, DNAs, RNAs, ATPs,
sais, enzimas, vitaminas, etc.

Proteínas, glicídios, glicogênio,


lipídios, DNAs, RNAs, ATPs, sais,
enzimas, vitaminas, etc. Micromoléculas

Micromoléculas Átomos de carbono, hidrogênio,


oxigênio, enxôfre, sódio, potássio,
nitrogênio, etc. etc.

260
367

Átomos de carbono, hidrogênio, oxigênio, enxôfre, sódio, potássio,


nitrogênio, etc. etc.
Os elétrons
Os núcleons
Os prótons, nêutrons, mésons etc. etc.
A energia
A mente
O consciente, inconsciente, subconsciente, supraconsciente
O ego ou ser individual
Antigamente o homem comum desconhecia o que existia entre o órgão de
sensibilidade externa e a mente; e desconhecia também o que era
conscientização da sensibilidade, como
aliás até hoje continua desconhecendo. O sábio antigo conhecia a
existência dos nervos e do cérebro, mas não cria que êles pudessem ser a sede
da sensibilidade e da consciência; intuitiva e naturalmente cria em algo mais, e
chamou a êsse algo mais de mente ou psique, sede da inteligência, da memória,
da sensibilidade, da vontade, etc. etc.
O sábio antigo chegava até o cérebro, ou coração, daqui por diante sua
busca continuava pela instrospecção, pelo "conhece-te a ti mesmo", chegando
mais do que acertadamente à fonte última e primeira de tôdas as coisas: o SER
em nós.
O sábio antigo, intuitivamente, concluiu que pela análise externa e última
das coisas era impossível chegar a uma verdade

368

Os elétrons
Os núcleons
Os prótons, nêutrons, mésons etc. etc.
A energia
A mente
O consciente, inconsciente, subconsciente, supraconsciente
condicionados
O ego ou ser individual

o SER VERDADEIRO ou o "Eu sou" da Consciência em nós ou


Inconsciente Real

definitiva e real. Êste é o motivo por que as demais civilizações antigas e


as orientais jamais se procuraram em criar uma instituição como a Ciência.
O ocidental, incauto materialista por causa de desapontamentos
religiosos, restringiu tudo ao cérebro e acreditou que êle fôsse a fonte do

261
pensamento. No século passado, tiveram a pe tuláncia de divulgar
ensinamentos pretensamente científicos, afirmando que pensamento e secreção
cerebral eram a mesma coisa. Hoje essa mesma gente, de acôrdo com o aspecto
moderno de ver as coisas, diz que reação química e pensamento também são a
mesma coisa. O sábio antigo nada sabia e nem queria saber a respeito do que
poderia existir entre o ôlho e a mente.
O sábio moderno, deixando-se envolver pelas manhosas sugestões de seu
ego-intelecto-mente e convicto das possibilidades extremas de seu método
científico analítico de pesquisa, quis descobrir o que havia entre os órgãos
sensoriais e a mente que êle confundia com o cérebro. Quem tinha maior
interêsse em tudo isso era o próprio ego-intelecto-mente, porque sabia que
quanto mais coisas o pesquisador supostamente encontrasse fora, mais êle, o
ego, se reforçaria e se ocultaria. Aqui reside a falha da Ciência, a defensora e
porta-voz do ego.
Mas, apliquemos o método científico-analítico ao esquema anteriormente
descrito; relembremos, contudo, que o objeto de análise sempre será
insenciente, não importa o seu tipo, mesmo que seja um ser humano. Se está no
foco do observador, ou se faz parte do ponto de vista do observador, o objeto
observado, seja qual fôr, será sempre insenciente; pois serão sempre os sen -
tidos e a mente-consciência do observador que testemunharão e tornarão
conscientes tudo o que fôr observado. Portanto, meu caro amigo, arma-te de
paciência, presta bem atenção e ouve, de preferência acompanhando o esquema
abaixo:
O cientista moderno, ignorantemente limitando-se à matéria e ao corpo,
em princípio acreditou que o observador-consciência fôssem seus órgãos
sensoriais (ôlho, ouvido, nariz, bôca, pele, etc.), os quais permitiriam constatar
e conscientizar o mundo, a casa, o corpo, o Universo, etc. Mas, insatisfeito
com sua conclusão, sentiu deseja de saber mais, e incapaz de se conhecer a si
mesmo e de conhecer as manhas de seu próprio ego-intelecto-mente, cuja
natureza ignorava, daí ser por êle ma

369

nobrado, passou a analisar os órgãos sensoriais do próximo (cobaias,


animais e humanas; cadáveres etc.), desta vez transformados em objetos de
análise, portanto insencientes (em verdade, nunca foram conscientes). Tanto
buscou e rebuscou que acreditou ter encontrado nesses órgãos vários corpúsculos
sensitivos. Enganado pelo seu ego-intelecto-mente, concluiu que o observador-
consciência eram êsses vários corpúsculos sensitivos que, suposta e
adequadamente excitados, perceberiam e conscientizariam os órgãos sensoriais, o
mundo, a casa, o corpo, etc.
Mais uma vez, insatisfeito com sua conclusão, sentiu desejo de saber mais; e
influenciado novamente pelas manhas de seu próprio ego-intelecto-mente, o
grande engendrador de ilusões, pretensamente tidas como verdades reais, passou a
analisar os supostos vários corpúsculos sensitivos, desta vez supostamente
transformados em objetos de análise, portanto insencientes (em verdade, nunca

262
foram conscientes); de tanto mexer acreditou ter encontrado atrás dos mesmos
vários prolongamentos que êle chamou de nervos aferentes, os quais, pretensa-
mente, conduziriam a sensibilidade sensorial de fora para dentro. Enganado pelo
ego-intelecto-mente, mais uma vez concluiu (mal) que o observador-consciência
era o conjunto dêsses vários nervos aferentes que, supostamente, perceberiam e
conscientizariam os vários corpúsculos sensitivos, os órgãos sensoriais, o mundo,
a casa, o corpo, etc.
Novamente insatisfeito com sua temporária conclusão, sentiu desejo de
saber mais e, paradoxalmente, quanto mais desejava saber, mais ignorante ia
ficando, pois aquilo que buscava sempre lhe fugia das mãos. Influenciado ainda
pelas manhas de seu próprio ego-intelecto-mente, o pai da fantasia, passou a
analisar os supostos vários nervos aferentes, desta vez supostamente
transformados em objetos de análise, portanto insencientes (em verdade, nunca
foram conscientes); e de tanto destruir, alterar e deformar um organismo, outrora
vivo, acreditou ter encontrado uma estrutura onde, pretensamente, êsses supostos
nervos acabariam, a que chamou de medula-cérebro. E enganado pelas sugestões
de seu ego-intelecto-mente, precipitou-se a concluir (mal) que o observador-
consciência era a medulacérebro, que supostamente perceberia e conscientizaria
os ner
370

vos aferentes, os vários corpúsculos sensitivos, os órgãos sensoriais, o


mundo, a casa, o corpo, etc.
Se o senhor cientista tivesse parado aqui, hoje, dificilmente alguém o
desmentiria, porque o cérebro, visto como um todo, poderia ainda ser encarado
como um intermediário es
sencial da função sensorial e motora. O cérebro, de per si, não prova ser a
sede da consciência, da mente; quem lhe atribui essa pretensa função é sempre o
observador. E ainda por cima, o cientista é incapaz de, nêle próprio, perceber e
conscientizar o cérebro funcionando. Êle se sente como consciência, como
mente, e elabora tôdas as funções psíquicas, mas nada consegue lhe provar,
espontâneamente, que essas funções correspondem àquilo que em si não vê (o
cérebro), e que vê sòmente como objeto de anáise no próximo.
O sábio de antigamente, ao invés de continuar buscando dentro do cérebro-
objeto, pela meditação introvertia-se ou mergulhava em si próprio, em busca da
consciência-fonte, sempre de
acôrdo com o conselho dado por outros sábios anteriores, que diziam e
ensinavam: "Antes de tudo, conhece-te a ti mesmo", ou, com outras palavras:
"Busca primeiro o Reino de Deus dentro de ti, e tôdas as coisas te serão
acrescentadas".
Mas, o cientista ocidental, dizendo-se muitas vêzes religioso, limitou-se a
evidenciar um falso sentimentalismo, e dando provas de sua pouca sabedoria,
preferiu conhecer-se através do cérebro-objeto alheio, quase sempre destruindo e
massacrando, a contragosto e por fôrça das circunstâncias, já se vê, inocentes
cobaias, animais e, às vêzes, até humanas.
Continuando, contudo, com nossa narrativa, o senhor cientista sentiu-se
mais uma vez insatisfeito com sua temporária conclusão (errada), e sentiu desejo
de saber mais; isto significava acrescentar mais ignorância à sua já tão grande

263
ignorância. Novamente influenciado pelas manhas de seu próprio ego-intelecto-
mente, passou a analisar a suposta medula-cérebro, desta vez supostamente
transformada em objeto de análise, portanto insenciente (mas terá alguma vez sido
consciente?), e de tanto decompor, destruir e analisar, acreditou ter encontrado
nessa mesma medula-cérebro massas cinzentas, juntas e isoladas, que chamou de
centros medulares e cerebrais da sensibilidade e da motricidade. Enganado pelas
sugestões de seu ego
371

intelecto-mente, pois é quem tem maior interêsse nisso, precipitou-se a


concluir (mal) que o observador-consciência, com sua vontade, inteligência,
memória, paixões, vícios, etc. etc., eram êsses pretensos vários centros medulares
e cerebrais, que, supostamente, perceberiam e conscientizariam a medula-cérebro,
os nervos aferentes, os vários corpúsculos sensitivos, os órgãos sensoriais da
cobaia massacrada ou do cadáver e, além do mais, perceberiam e conscientizariam
o mundo, a casa, o corpo, o Universo, etc.
Ora, nós sabemos que êsses supostos vários centros medulares e cerebrais,
sempre vistos e tomados conscientes graças aos preconceitos mentais e à mente do
senhor observador, não têm as possibilidades que se lhe atribuem. Não podem se
autoconscientizar, nem conscientizar o resto. O cérebro, tomado como um todo,
muito remotamento poderia ter essa capacidade. Bem, mas sôbre isso os sedentos
de fama científica não pensaram.
Mais uma vez insatisfeito com sua última conclusão, o senhor pesquisador
sentiu desejo de saber mais, levantando, em conseqüência, outro véu contra si
mesmo e a favor da segurança do ego-intelecto-mente. Novamente influenciado
pelas más intenções daquele ladino aspecto de sua personalidade, passou a
analisar os supostos vários centros medulares e cerebrais, desta vez transformados
em objetos de análise, portanto insencientes (terão sido alguma vez conscientes?).
E subdividindo, destruindo e analisando, segundo o insuportável método
cartesiano, acreditou ter encontrado uma suposta substância especial, que chamou
de tecido nervoso. Enganado, novamente, pelas sugestões de seu ego-intelecto-
mente, cujos interêsses são óbvios, precipitou-se a concluir (mal) que o
observador-consciência, com sua vontade, inteligência, ignorância, memória,
paixões, vícios, etc. etc., era sinônimo de tecido nervoso, o qual, supostamente,
perceberia e conscientizaria os vários centros medulares e cerebrais a medula-
cérebro, os nervos aferentes, os vários corpúsculos sensitivos, os órgãos sensoriais
da cobaia massacrada ou do cadáver; além do mais, perceberiam e
conscientizariam o mundo, a casa, o corpo, o Universo, etc.
Mas o tecido nervoso longe está dessas possibilidades. Êle também existe
por causa dos preconceitos mentais do obser
372
vador; e só existe como objeto observado. Nunca ninguém conseguiu
conscientizá-lo ou senti-lo em seu próprio cérebro. Esse pretenso tecido não tem
possibilidade de se autoconscientizar e nem de conscientizar o resto. Sua suposta
existência objetiva não corresponde, de forma alguma, ao papel que deveria

264
desempenhar. Não passa de um mero engendramento. Mas sôbre isso tudo o
senhor cientista nunca quis pensar.
Como de costume, novamente insatisfeito com sua última conclusão, o
senhor pesquisador sentiu desejo de saber mais. E de nôvo, influenciado pelo
óbvio interêsse do ego-intelecto mente, passou a analisar o suposto tecido
nervoso, desta vez transformado em objeto de análise, portanto insenciente (terá
sido alguma vez consciente?) ; e obedecendo às regras do método cartesiano de
análise, a fonte e a causa principal dos engendramentos científicos, acreditou ter
encontrado várias subformações, mais ou menos semelhantes, que chamou de
neurônio. Enganado, novamente, pelas sugestões de seu ego-intelecto-mente, o pai
da mentira, da ilusão, do infindável multiplicar das coisas, precipitou-se a concluir
(mal) que o observador-consciência, com sua vontade, inteligência, ignorância,
memória, personalidade, paixões, vícios, etc. etc., era o somatório de todos os
supostos neurônios os quais, supostamente, perceberiam e conscientizariam o
tecido nervoso, os vários centros medulares e cerebrais, a medula-cérebro, os
nervos aferentes, os vários corpúsculos sensitivos, os órgãos sensoriais da cobaia
massacrada ou do cadáver; além do mais, perceberiam e conscientizariam o
mundo, a casa, o corpo, o Universo, etc.

O irônico de tudo isso é que, quando acreditou ter descoberto os vários


centros medulares e cerebrais, constatou, sempre graças à sua própria mente,
desonestamente manobrada pelo seu viciado ego-intelecto-mente, que cada um
dêsses supostos vários centros pretensamente exerceria uma função diferente. Em
outras palavras êle se convenceu de que daquelas aberrações que estavam à sua
frente, uma funcionava como centro da respiração, outra como centro do
movimento consciente, outra como centro da dor, outra como centro da palavra
falada, outra como centro da escrita, outra ainda como centro da audição, etc. etc.
etc. Mas, quando foi ver se os neurônios, supostamente constituintes dêsses
centros, justificavam essas di
373

ferentes funções, acabou constatando que, pràticamente, todos êles eram


idênticos.
Um neurônio isolado é uma verdadeira negação. Salvo pequenas
características, òbviamente engendradas pelo próprio ego-intelecto-mente do
observador, o neurônio pràticamente não difere das demais e supostas
fantasmagóricas células do organismo. Diante da magnitude do Real observador-
consciência, o neurônio é uma nulidade. E se somássemos tôdas as nulidades
neuronais, concluiríamos que o cérebro dependente do neurônio não pode
funcionar. O neurônio não encerra a .mínima possibilidade de se autoconscientizar
e muito, muito menos mesmo, de encarar e conscientizar o resto do esquema já
citado.
Mas, por ignorar essas coisas e insatisfeito com sua última conclusão, o
senhor pesquisador sentiu desejo de saber mais. E influenciado por seu ego-
intelecto-mente, passou a analisar o suposto neurônio, desta vez supostamente
transformado em objeto de análise, portanto insenciente. (Ao que me consta, o
neurônio nunca foi consciente.) Ao analisar êsse suposto neurônio, tornado

265
consciente graças à sua mente, acreditou ter encontrado dentro dêle várias
subformações intraneuronais e na sua parte externa vários filamentos. As
formações intraneuronais êle chamou de organelas e aos filamentos, de dendritas e
axônios ou dendraxônios. Enganado pelas sugestões de seu ego-intelecto-mente,
precipitou-se a concluir (mal) que o observador-consciência, com tôdas as suas
características, eram essas organelas ou êsses dendraxônios, se não isolados, pelo
menos no seu conjunto, os quais perceberiam e conscientizariam os vários tipos de
neurônios, o tecido nervoso, os diversos centros medulares e cerebrais, a medula-
cérebro, os nervos aferentes (e também eferentes ou motores), os vários
corpúsculos sensitivos, os órgãos sensoriais da pobre cobaia massacrada ou do
cadáver; além do mais, perceberiam e conscientizariam o mundo, a casa, o corpo,
o Universo, etc.
Sucede que o interior neuronal é, mesmo assim, pretensa e supostamente
semelhante ao interior das demais células comuns do organismo. Salvo a forma e
os filamentos, o interior do neurônio pouco difere de uma suposta célula comum.
E lembremo-nos de que tudo o que se acredita dizer e descobrir a respeito do
neurônio provém de nossa mente, manobrada pe
374

los interêsses de refôrço e ocultamento, mais que evidentes, do ego-


intelecto-mente.
Se nem o neurônio e seu somatório podem ter a consciência de si mesmos
e nem sequer podem perceber e conscientizar o resto, não serão certamente as
organelas que terão essa pretensa capacidade.
Em resumo, nem as organelas podem ser a origem da consciência e nem
podem se autoconscientizar, e muito menos tornar consciente todo o resto do
esquema pretensamente obser vado. Mas, sôbre isso o senhor pesquisador não
pensou; aliás, o seu ego-intelecto-mente não deixou que assim pensasse. Por isso
aceitou temporária é ignorantemente a sugestão de que nas organelas do neurônio
estava o segrêdo da consciência.
O próximo passo a ser dado escapa ao domínio da Biologia e cai no domínio
da Química. Mas o senhor cientista, no seu afã de glorificar a pretensa matéria-
objeto, mesmo às custas de sua própria destruição, não relutou em procurar, agora,
por meio da Bioquímica, o inexistente segrêdo que procurava em seu objeto de
análise. Por isso mesmo, o cientista, o escravo do desejo, sentiu desejo de saber
mais. E influenciado por seu ego-intelecto-mente passou a analisar, desta vez
guunicamente, as supostas organelas e dendraxônios, supostamente transformados
em objeto de análise, portanto insencientes (como aliás sempre foram). E ao
analisar, quimicamente, essas pretensas subestruturas neuronais ou organelas,
acreditou ter encontrado várias substâncias químicas orgânicas e inorgânicas.
Enganado - eternamente enganado, pois êsse é o destino de quem se escraviza ao
ego-intelecto-mente - pelas sugestões das mesmas, precipitou-se a concluir (mal)
que o observador-consciência, com tôdas as suas características, era sinônimo
dessas substâncias químicas orgânicas e inorgânicas. Daqui por diante, as
aberrações alcançariam o inacreditável, pois o senhor pesquisador, como se isso
fôsse possível, ingênuamente conclui que essas supostas e pretensas substâncias
químicas orgânicas e inorgânicas encerrariam a capacidade de perceber e de

266
conscientizar as organelas e os dendraxônios, os vários neurônios, o tecido
nervoso, os vários centros medulares e cerebrais, a medula-cérebro, os nervos
aferentes, os vários corpúsculos de sensibilidade da pobre cobaia massacrada ou
do cadáver; além do mais,
375

perceberiam e conscientizariam o mundo, a casa, o corpo, o Universo, etc.


Bem, se essas várias substâncias químicas orgânicas e inorgânicas são
sinônimo de cientista, isso não se discute; mas, neste caso, êle deveria respeitar os
demais e deveria guardar seus engendramentos e conclusões só para êle, e não
obrigar que os incautos aprendam essas bobagens nas Faculdades. Já que se
considera um tubo de ensaio ambulante, deveria ordenar aos tubos de ensaio de
seu laboratório que fizessem o seu trabalho e pensassem por êle. Sendo tão
"sábio", é de estranhar que ainda não tenha conseguido isso?
Desde quando substâncias químicas orgânicas e inorgânicas são sinônimo
de individualidade, de personalidade, de consciência, de inteligência, de memória,
de vontade, de ignorância, de afetos, de vícios, de paixões, de virtudes, de
capacidade de sonhar, de poder motor, poder intelectivo, poder anímico? E desde
quando essas pretensas substâncias têm possibilidade de serem autoconscientes e
de conscientizarem aquilo que supostamente encarariam? Será que o senhor
cientista ainda não compreendeu que se não fôsse a sua mente essas pretensas
substâncias químicas não existiriam? Não vê que as qualidades que elas supos-
tamente têm, são qualidades dêle próprio, de sua consciência real, e não cerebral?
Não compreende que é sempre êle, o escravo do ego-intelecto-mente, quem
percebe, quem conscientiza, quem opina, quem deduz, quem observa tudo aquilo
que pretensamente chama de qualidade das substâncias químicas, prèviamente
engendradas por êle?
Mas, continuando com a nossa narrativa, que a esta altura já deve estar te
saturando, e a mim também, o senhor cientista, incauto por natureza, sentiu-se
mais uma vez insatisfeito com sua temporária conclusão. Encarar-se a si mesmo e
aos demais como tubos de ensaio era pouca coisa, precisava descer ainda mais.
Ansioso de fama científica, sentiu desejo de saber mais, acrescentando mais
ignorância à sua já tão grande ignorância natural. Novamente influenciado pelas
manhas e interêsses de refôrço de seu ego-intelecto-mente, passou supostamente a
analisar as não menos supostas substâncias químicas, pretensamente orgânicas e
inorgânicas, desta vez supostamente transformadas em objeto de análise, portanto
insencientes (mas desde quando
376

essas substâncias foram conscientes?). E de tanto decompor, alterar,


destruir, analisar, etc., a partir delas acreditou ter encontrado - sempre graças à sua
mente observadora e realmente conscientizadora - macromoléculas, cujas
subestruturas eram, supostamente, constituídas de proteínas, enzimas, glicídios,
glicogênio, lipídios, ácido desoxiribonucléico (DNA) e ácido oxiribonucléico
(RNA) dos genes, vitaminas, sais, etc., cujas subestruturas eram, supostamente,

267
constituídas de moléculas menores e cujas subestruturas ainda eram,
supostamente, constituídas de átomos de carbono, de hidrogênio, oxigênio,
nitrogênio, enxôfre e, em menor grau, de sódio, potássio, etc.; êsses átomos, por
sua vez, supostamente constituíra-se de elétrons e núcleons; núcleons êsses que,
além dos conhecidíssimos prótons e nêutrons, no momento em que êste livro está
sendo redigido, já atingiram a casa dos 200; portanto, em apenas um núcleo de
átomo, existiriam, supostamente, mais de 200 subpartículas diferentes. Tanto os
elétrons como os núcleons subdividir-se-iam muito mais ainda, e sua essência
final seria a tão decantada energia condensada, de modo que iríamos até o vazio
absoluto, que aliás foi o que sempre existiu, o qual, por seu turno, também só pode
existir devido à mente do homem.
Pois bem, tôdas essas baboseiras que acabei de citar, pródigas forjações da
mente do senhor cientista, seriam, segundo a opinião do mesmo, o substrato da
consciência humana. óbviamente, tudo isso não passa de mera ilusão ou de uma
opinião muito bem sustentada e alimentada pelo ego-intelecto-mente, que o
cientista, como seu legítimo porta-voz, não faz senão reproduzir e defender
tenazmente. Enquanto o homem quiser, os engendramentos mentais decorrentes
do ego-intelecto-mente não terão fim. Só teriam fim se o próprio ego-intelecto-
mente se extinguisse, mas isso viria contra seu propósito de parecer existir, a
todo custo, apesar de não SER.

O senhor cientista tanto buscou até acabar na energia pura, fora da qual só
restaria o pretenso vazio.
Agora, voltando ao final do esquema citado, sabemos que nem tôdas as
supostas macromoléculas do mundo inteiro, nem as supostas proteínas, enzimas,
glicídios, lipídios, DNAS, RNAS, sais, vitaminas, etc.; nem as moléculas; nem os
átomos de carbono, hidrogênio, oxigênio, nitrogênio, etc.; nem os elétrons;

377

nem os núcleons etc.; finalmente nem a energia pura do padrão científico,


poderiam corresponder à consciência, nem se conscientizarem a si mesmos, e
muito menos poderiam encarar, observar e conscientizar todo o resto do
pretensamente observado.
Antes de prosseguir, quero salientar que as pretensas "descobertas"
científicas, relacionadas ao cérebro, nervos e suas pretensas subestruturas, não
tiveram a seqüência que eu apre sento na minha explicação. Se dei essa
seqüência foi para facilitar a compreensão do leitor. De qualquer maneira, os
dados contidos nessa exposição são reais e bem neurológico-fisiológico-
bioquímico-científicos.
Então, se o aspecto material da coisa, ou o pretenso cê, rebro pensante,
desvaneceu-se sob a incauta análise do observador, sem êle chegar a qualquer
conclusão, isto significa que o cérebro visto pela Ciência é vazio, ou então, se há
um cérebro natural, poderá, quando muito, servir de intermediário, mas de forma

268
alguma será a sede do pensamento, da vontade, do desejo, da inteligência, da
memória, das paixões, das virtudes, do falso sentimento de eu, fulano de tal, e
assim por diante. Nem mesmo as pretensas patologias cerebrais falam da realidade
cerebral. Não é o cérebro que, de per si, se diagnostica; é a mente observadora do
médico que, encarando êsse suposto cérebro doente, faz o diagnóstico desta ou
daquela doença, que o cérebro, em essência, não tem, porque longe está de ser
uma verdade absoluta, independente, objetiva, substancial.
Quando o senhor pesquisador viu o cérebro sumir-se sob sua análise,
lembrou-se de si mesmo e comparou o vazio de seu cérebro objetivado e analisado
com seu suposto cérebro interno, que também tinha de ser vazio; entretanto, êle
continuava pensando; então lembrou-se daquela parte abstrata do indivíduo que os
antigos chamavam MENTE. Sucedia que, agora, a mente não era suscetível de ser
analisada pelo método científico, como pretende o limitante e deturpador método
freudiano. A mente só pode ser surpreendida pela instrospecção. Mas, desta vez,
sentiu-se impotente, incapaz, temeroso de enlouquecer. Não percebeu que sua
inútil análise já o enlouquecera, e que agora, novamente, seu ego lhe incutia falsos
sentimentos de impotência, de incapacidade, temor, loucura.
378

Em resumo, eis a diferença que existe entre os antigos sábios e o orgulhoso


pseudo-sábio de hoje: antigamente, todos ignoravam o que existia e o que se
passava entre um órgão sensorial qualquer e a mente. Hoje continua-se na
mesma condição. Em têrmos gerais, continuamos na mesma ignorância, só que
entre o órgão sensorial e a mente foram interpostos milhões de engendramentos
humanos, pretensas verdades objetivas, idealizadas, aparentemente
consubstanciadas e manhosamente tornadas conscientes pelo ego-intelecto-
mente, a fim de se reforçar e salvaguardar-se do destruidor ataque de "Conhece-
te a ti mesmo".
Quando um indivíduo consegue conhecer-se a si mesmo, acaba eliminando
o ego, o grande pai da mentira; mas quando o indivíduo pretende conhecer a
VERDADE por meio do objeto,
tal e qual fêz o cientista, acaba fazendo o jôgo do ego-intelecto-mente, o
engendrador da interminável multiplicidade com a qual êle se reforça e protege.
Diante disso, insisto em repetir as palavras de Aldous Huxley, o qual disse
que o cientista moderno não fêz outra coisa senão acrescentar mais ignorância à já
tão grande ignorância existente. O pior disso tudo está no fato de o pouco modesto
cientista ocidental apresentar essa ignorância tôda como grande sabedoria
científica.
Os itens contidos nos dois quadros do esquema, um em linha cheia
(esquerda) e o outro em linha raiada (direita), ou seja, o que vai desde os "vários
corpúsculos da sensibili
dade" até a "Energia", correspondem exatamente a engendramentos
humanos ou mentais (quadro de linhas raiadas), que também correspondem ao
Campo de Consciência Sensorial do cientista e seus seguidores que, em última
instância, é aquilo que é supostamente projetado para fora como pretensas reali-
dades objetivas (quadro de linha cheia).
Dito de outra maneira, os itens contidos no quadro de linha raiada são
verdades intelectuais abstratas; os dados contidos no quadro de linha cheia são a

269
projeção mental dessas verdades abstratas que, graças aos preconceitos e aos
sentidos, assumem o aspecto de verdades objetivas substanciais. Em suma, essas
pretensas verdades objetivas são apenas o Campo de Consciência Sensorial do
senhor cientista e seus seguidores.

379

Agora, o Campo de Consciência Sensorial da humanidade restringe-se,


apenas, à polaridade mundo, casa, corpo, etc., de um lado, e órgão sensorial e
cérebro, do outro.
O sábio verdadeiro não se deixa afetar nem pelo Campo de Consciência
Sensorial dos cientistas e seus seguidores, nem pelo Campo de Consciência
Sensorial da humanidade comum; êle mergulha em sua mente, sem ligar às
aparentes subdivisões da mesma, elimina a falsa noção de ego e permite que o
REAL "EU sou", Consciência Suprema, brilhe nêle, como sendo êle próprio.
Sei muito bem que me alonguei demasiadamente, mas deves compreender
que não é fácil destruir e denunciar as artimanhas do ego mentiroso, sobretudo
servindo-me das palavras, as armas supremas dêsse pai da mentira. Não sei se
cheguei a ser suficientemente explícito; isso que eu disse não deveria ser dito, mas
sentido, intuíto por cada um. Contudo, como pode alguém intuir alguma coisa se
está totalmente envolvido pelas falsas noções mundanas e científicas, tão bem
alimentadas e sustentadas pelo próprio ego?
BOMBASTUS: Apesar de um tanto longa, creio que a tua explicação foi
bastante clara. Pelo que disseste, conclui-se que com o cérebro, pelo menos com o
cérebro visto e apresentado pela Ciência, também é impossível pensar, já que o
argumento-chave dos cientistas era o de que sem cérebro não havia pensamento.
Agora, gostaríamos que nos explicasses melhor o teu conceito de Campo de
Consciência Sensorial.
Mas antes disso, tenho algumas dúvidas sôbre o que disseste a respeito do
objeto, que gostaria fôssem esclarecidas. No início da tua conversa declaraste que
se não houvesse mente humana não existiria objeto - o grande herói endeusado
pela Ciência - e nem existiriam tampouco as propriedades físico-químico-
matemáticas e organolépticas do referido objeto. Eu tenho a impressão de que se
tôdas as mentes humanas desaparecessem, mesmo assim a terra subsistiria, como
é o caso da lua, que apesar de não ter habitantes, pelo menos de acôrdo com a
Ciência, existe como um planêta morto.
TEOFRASTUS: Disseste muito bem: "tenho a impressão", pois tua
suposição, que não é sòmente tua, visto ser primordialmente
380

o ponto de vista da Ciência, não passa de mera impressão. Foi a terra que
te disse que, desaparecendo o homem, ela subsistiria? Se não me engano, a terra
nunca disse isso?! Terá sido Deus? Não vês que é uma opinião tua, muito bem
sustentada e alimentada pelo teu ego-intelecto-mente? Se tu e a Ciência achais
que sem o homem, a terra, tal e qual a Ciência acredita conhecer e descrever,
subsistirá, é porque tanto tu como os partidários dela vos haveis condicionado a

270
uma série de reconhecimentos, que projetados e objetivados no aparente externo,
correspondem a determinado Campo de Consciência Sensorial, sôbre o qual
falarei mais adiante.
Ainda achas que a tua mente esteja registrando fiel e passivamente aquilo
que chamas lua, e que, por causa dos preconceitos científicos, acreditas um
planêta morto? Não vês que essa é exatamente uma errada maneira de ver as
coisas, tão bem alimentada por essa falsa teoria de conhecimento, incon-
seqüentemente abraçada pela Ciência que, gratuitamente, aceitou a pretensa
realidade e independência absoluta do objeto observado, quando, em verdade, não
existe? Foi a Ciência que, gratuitamente, acreditou que o instrumento de
conhecimento (o cérebro-mente da Ciência, o qual já viste, não passa de um
engendramento humano) funcionava como um espelho, dotado de poder
intelectivo e de poder consciente que, em absoluto, interferiria na pretensa
realidade do objeto observado e muito menos em suas pretensas qualidades. Não
vês que isso também é outra gritante ilusão? Não percebes que essa falsa
concepção de conhecimento é Maya puro, como diriam os yogues? Não vês que
se não fôsse a tua mente, a lua - pelo menos a lua que a Ciência te mostra - não
existiria? Não vês que tudo aquilo que a Ciência te mostra, por presumir ter
descoberto sôbre a lua, não passa de tristes revestimentos humanos e mentais?
Não foi a lua que te mostrou, te provou e te disse ser um planêta árido e morto.
Não vês que o que chamas de planêta árido, morto, estéril, revestido pelos teus
preconceitos, apenas corresponde a um planêta mental teu, deturpado pelas tuas
manias, pelos teus vícios de lógica, pelos teus falsos conhecimentos, que se não
são teus, originàriamente, provêm, pelo menos, do ensino científico que
recebeste? Será que os cientistas não compreenderam que, para existir qualquer
coisa com
381

tais e tais pretensas características, é preciso que exista a mente do homem


como um Campo de Consciência Sensorial, viciado ou não?
Agora, isto sim, deve ser levado em conta: enquanto houver mente restrita a
determinado Campo de Consciência Sensorial, o objeto haverá de subsistir com as
qualidades decorrentes dos preconceitos mentais do observador, que caracterizam
aquêle Campo. A mente humana, principalmente quando escravizada ao ego-
intelecto-mente, apesar de mera imaginação, não se aniquila tão fàcilmente.
Enquanto ela fôr escrava dessa condição, o objeto sempre haverá de subsistir, pois
o observador e o observado são a mesma coisa.
BOMBASTUS: Bem, compreendi o que quiseste dizer; no entanto, por
falta de uma maior vivenciação dessa maneira de ver as coisas, não posso
concordar plenamente.
Agora, se possível, gostaríamos que explicasses melhor o que vem a ser
Campo de Consciência Sensorial.
TEOFRASTUS: Antes de tudo, quero lembrar que se falo em Campo de
Consciência Sensorial, faço-o por fôrça de expressão; não que o Campo de
Consciência Sensorial tenha algum valor absoluto. É uma simples idéia, ou, se
quiseres, uma simples opinião que tenta coordenar e harmonizar as demais

271
opiniões, sem pretender englobá-las. Não corresponde a uma verdade absoluta,
pois é dependente de palavras. A Verdade Absoluta é vivenciada, e não expressa
com palavras. Quem fala é o ego-mente; o SER é silêncio, daí sua grande e
irrefutável eloqüência.
Lembras-te de que antes eu disse que os sábios verdadeiros não vêem muita
diferença entre a tão endeusada constatação, ou verdade objetiva, e as verdades
imaginárias ou subjetivas. Para êles, ambas são a mesma coisa. A diferença reside
no fato de que as verdades subjetivas, ou então imaginárias, se quiseres, enquanto
não concretizadas ou pretensamente objetivadas, restringem-se ao reino mental
absoluto; ou, conforme a maneira errada de falar, seriam uma abstração pura,
enquanto que as pretensas verdades objetivas tornaram-se aparentemente
objetivas, porque, a partir da mente, são projetadas e sustentadas por meio dos
supostos órgãos dos sentidos. Nós dizemos que uma verdade é objetiva só porque
acreditamos captá-la por
382

meio dos sentidos. Pois bem, essas pretensas realidades objetivas - no fundo
meros aspectos da mente - para mim constituem o Campo de Consciência
Sensorial. Este também é o consciente condicionado de um indivíduo ou grupo,
ou a reunião daqueles "fatos" eficientes. Anteriormente, também disse que o
objeto de conhecimento, o ato de conhecer, a conscientização do pretenso objeto
de conhecimento e o conhecedor eram uma e a mesma coisa. Então, é por causa
dessa identidade sutil, que tudo aquilo que entra a fazer parte de nosso Campo de
Consciência Sensorial, para nós passa a ser uma verdade objetiva irrefutável. O
campo de Consciência Sensorial varia, de conformidade com a natureza mental do
observador. Poderíamos dizer que existe um Campo de Consciência Sensorial
para a humanidade comum, não cientificamente erudita, que, conforme o esquema
que citei na resposta anterior, limitada sua polaridade (reconhecimento-
conhecedor) de um lado, no caso do observador consciente, ao corpo humano, aos
órgãos dos sentidos (olhos, ouvidos, bôca, nariz, pele, etc.), à cabeça (mente-
coração); e do outro lado, no caso do objeto insericiente, ao mundo, à casa, ao
corpo, ao céu, ao mar, ao sol, à lua, às estrélas, etc. Pois bem, o reconhecimento
vulgar, superficial e popular, não passa disso. E êsse reconhecimento constitui o
Campo de Consciência Sensorial da humanidade. São relativas verdades comuns,
engendramentos inconscientes subjetivos, que graças à Lei do Concatenamento
das Causas, são aparentemente projetadas fora, como Campo de Consciência
Sensorial da humanidade.
Assim como há um Campo de Consciência Sensorial comum a todos, há,
também, Campos de Consciência Sensorial particulares, engendrados pelos
indivíduos sectários que cons tituem as várias organizações humanas. Por
exemplo: cada religião, vista como organização, tem um. Cada Campo de
Consciência Sensorial de uma organização tenta englobar o outro. Neste caso,
teríamos principalmente essa organização que é a Ciência, que não se limitou a
englobar o campo das religiões, superando as intragáveis teologias, como
inclusive pretende englobar o Campo de Consciência Sensorial da humanidade.

272
Esse englobamento se faz pelo condicionamento do incauto estudioso. Todo
condicionamento começa com o acatamento

383

ou com a aceitação da opinião alheia. Principalmente, quando se aceita a


opinião dessas organizações humanas. A Ciência, melhor do que nenhuma outra
organização humana, valeu-se de três armas sutis para atrair os incautos, que são:
o método experimental, a análise exasperante e interminável do pretenso objeto de
estudo, e se possível a sua síntese, e, finalmente, a descrição matemática do
fenômeno.

No momento em que qualquer coisa vem a ser reconhecida dentro de


determinado esquema, religioso ou científico, passa imediatamente a fazer parte
do rol das relativas verdades subje tivas e pretensamente objetivas do Campo de
Consciência Sensorial do incauto estudioso. Obedece ao mesmo princípio que
rege o aprendizado das coisas. Por exemplo, se eu me condiciono a ler, enquanto
ler, nunca mais esquecerei de ler, e nem poderei desapreender a ler, porque os
repetidos atos de minha leitura reforçarão cada vez mais, neste sentido, o meu
Campo de Consciência Sensorial. Se eu me condicionar ao raciocínio matemático,
também nunca mais desaprenderei a Matemática, e quanto mais praticar neste
sentido, mais reforçarei o meu Campo de Consciência Sensorial. Com os demais
pretensos objetos de conhecimento acontece a mesma coisa, só que parecerão
mais objetivos devido ao fato de que, na sua pretensa constatação, participam
todos os sentidos e não somente os olhos, como sucede com a leitura, com a
Matemática, etc. O engendramento mental, mais tarde objetivado, será tanto mais
fácil e possível, quanto menor número de órgãos sensoriais participarem em sua
pretensa constatação. Pelo método científico, com sutilidade, astúcia e mentiras, é
fácil provar a pretensa realidade do engendramento, que costuma ser chamado de
"descoberta".
As supostas verdades objetivas do Campo de Consciência Sensorial da
humanidade são geralmente dependentes dos cinco sentidos. Onde a Ciência mais
fàcilmente engendra, e onde ela nunca chega a um fim com seus engendramentos,
é exatamente no suposto objeto limitado ao testemunho da visão. O microcosmo e
o macrocosmo, verdades do Campo de Consciência Sensorial da Ciência, são a
maior fonte dos engendramentos científicos. Mesmo que exista uma aparelhagem
de permeio, será sempre a mente do observador que testemunhará, cons
384
cientizará e interpretará o visto, que antes de tudo isso foi projetado
inconscientemente.
Vejamos o esquema existente na resposta anterior. Para poder ver
adequadamente seja lá o que fôr, principalmente dentro do padrão científico de
ver as coisas, devo, primeiramente, condicionar-me; ou seja, devo passar a
compreender só daquela determinada maneira tudo o que me quiserem ensinar.

273
Depois que alterei razoàvelmente meu Campo de Consciência Sensorial subjetivo
que, antes disso, também, embora com outro aspecto, era objetivo, começarei a
compreender e a reconhecer, preten samente lá fora, novos elementos que até
então eu ignorava. Em verdade, êsses novos elementos nunca existiram, nem exis-
tem diante da Verdade ou Realidade, mas depois de ter-me condicionado,
passaram a existir, se não para o Campo de Consciência Sensorial da
Humanidade, pelo menos para o meu campo, que foi e está sendo transformado,
alterado, acomodado por aquilo que constitui o Campo de Consciência Sensorial
dos cientistas, fonte de minhas novas aquisições de "saber".
Vê bem, para poder falar sôbre vários corpúsculos da sensibilidade, tenho de
saber primeiro o que são, sempre de acôrdo com as verdades científicas ou com o
Campo de Consciência Sensorial da Ciência, para depois então os reconhecer
objetivamente. O mesmo se diga dos nervos aferentes e eferentes (ou motores) da
medula-cérebro explicados pela Ciência, dos vários centros medulares e cerebrais,
do tecido nervoso, dos vários neurônios, das organelas e dendraxônios neuronais,
das várias substâncias químicas, orgânicas e inorgânicas, das macromoléculas, etc.
etc., até a energia. Para poder aceitar isso tudo, devo primeiro condicionar-me,
crer naquilo que me é apresentado como verdade natural, e só depois é que
passarei a reconhecê-lo objetivamente. Mas, vê bem, essa objetividade será apenas
meu Campo de Consciência Sensorial, semelhante ao Campo de Consciência
Sensorial da Ciência, da qual faço parte e para a qual me condicionei.

Portanto, tudo aquilo que está contido dentro do quadro de linha raiada (ver
esquema) faz parte de minha memória, de meus reconhecimentos, de meu
pretenso saber acumulado; e não serão apenas verdades subjetivas, mas também
objetivas. Então, enquanto eu estiver condicionado, na minha natureza,
385

que nada tem que ver com a REAL NATUREZA, e muito menos com a
natureza do homem comum, que tanto me esforço por deturpar, para mim existirá
tudo aquilo que está contido no quadro da esquerda, de linha grossa. Mas,
cuidado, nada disso é real, objetivo, natural de per si. Serão apenas pretensos obje-
tos ligados ao sujeito que sou eu, decorrentes do meu Campo de Consciência
Sensorial. Enquanto o meu Campo de Consciência Sensorial estiver condicionado
ao conteúdo subjetivo do quadro da direita (linha raiada), as minhas realidades
objetivas também se restringirão ao quadro da esquerda (linha grossa), apesar de
não existirem nos demais campos, ou, então, numa Natureza Real. Há muita coisa
que o cientista gostaria de alterar, reformar, mas não consegue. Assim sucede
porque muita coisa daquilo que êle gostaria de alterar e reformar faz parte do
Campo de Consciência Sensorial da humanidade, dependente dos sentidos e do
qual êle não consegue sair porque também é humano, mas que muito gostaria de
transformar de acôrdo com as condições de seu campo particular. Aquilo que é
aceito como opinião comum, como verdade comum, como experiência comum,
dificilmente é superado ou alterado pelos engendramentos do cientista.

274
O cientista é pródigo em engendrar coisas novas; as coisas milenarmente
aceitas pela opinião comum da humanidade, êle não consegue alterar, nem
transformar. E vê bem, como disse antes, a grande fábrica dos engendramentos
científicos encontra-se exatamente no domínio do pretenso microcosmo e do
pretenso macrocosmo. O homem comum está fora disso, ou melhor, o Campo de
Consciência Sensorial da humanidade comum está fora do reino microscópico e
macroscópico ou astronômico, tão bem manobrados pela Ciência.
As alterações, as transformações, as deturpações do já existente, ou o
engendramento do ainda não existente correspondente às famigeradas
"descobertas" científicas, se concretizam graças a uma lei psicológica, inerente ao
sujeito, ao observador, conhecida pelos sábios da antiguidade, que é a Lei do
Concatenamento das Causas, surpreendida e divulgada por Buda como
Pratityasamutpada: "Isto sendo, aquilo é; isto não sendo, aquilo não é"; ou então
por Cristo, em palavras mais ou menos semelhantes a estas: "Tudo o que ligares
com a mente será ligado
386

na terra; e tudo o que desligares com a mente será desligado na terra".


BOMBASTUS:Apesar de já estarmos no fim dessa nossa troca de
idéias, forçoso é confessar que tuas últimas explanações foram razoàvelmente
complexas.
Na resposta anterior, falaste sôbre a Lei do Concatenamento das Causas.
Pelo que disseste, ela parece ser a chave da concretização ou não de
determinados engendramentos. Gos taríamos, portanto, que explicasses melhor
como ela rege, ou como interfere naquilo que chamas de engendramentos
humanos. TEOFRASTUS: Pois bem, vou fazer o possível para explicar. Em
verdade, seria necessário escrever um livro à parte, a fim de tomar mais claro o
que vem a ser Campo de Consciência Sensorial e Lei do Concatenamento das
Causas. Muito prová velmente, no final, resultaria ser apenas um amontoado de
palavras que muito dificilmente conseguiria tomar explícito aquilo que as
palavras só conseguem complicar.
Mas, deixa-me antes repetir, em têrmos mais ou menos semelhantes, aquilo
que Nagarjuna disse há quase dois mil anos. O SER é; e é incondicionado. O
"EU sou" de nossa Consciência Suprema é o SER. O SER manifesta-se de
acôrdo com a antiga e jamais compreendida frase bíblica: "Eu sou o QuE SOU."
"QUE SOU" corresponde à manifestação do SER ou "EU sou". No domínio do
"EU Sou o QUE sou" tudo é incondicionado; e por ser incondicionado, não faz
sentido falar de suas condições. A tagarelice de nosso ego-intelecto-mente não
afeta O SER. E ÊLE, como já disse antes, não aceita nem o sim e nem o não;
nem a tese, nem a antítese de nossa mente. É o que é, sempre livre fluindo, jamais
alcançado, jamais maculado pelas palavras e pelas imaginárias explicações e
limitações da mente.
E se algo não é, como é o caso do ego-intelecto-mente, que não é, mas por
isso mesmo parece existir, que sentido faz falar de suas condições? O que se prova
por si mesmo, como é o caso de "Eu sou" de nossa Consciência Suprema, não
está condicionada; o reconhecimento do ego-intelecto-mente e seu objeto

275
(matéria, universo, mundo, casa, corpo, etc.) estão condicionados. Nem o
reconhecimento nem seu objeto podem provar-se por si mesmos; e se os têrmos da
relação reconhecimento-objeto
387

não se provam por si mesmos, são vazios, são insubstanciais, são imaginações;
vazia também e imaginária é a relação que se mantém e com a qual se pretende
prová-los.
Sustentar que os sentidos do ego-intelecto-mente se provam precisamente
em sua relação com os objetos (matéria, universo, mundo, casa, corpo, etc.),
obrigar-nos-ia a formular esta pergunta: pode o objeto que não está provado,
provar? Bem, se o objeto não está provado, não pode provar; e se está provado,
como conseguiu provar-se? De per si? Pode o objeto (matéria, universo, mundo,
casa, corpo, etc.) ter-se provado em função ou por meio dos sentidos do ego-
intelecto-mente? Não, porque os sentidos do ego-intelecto-mente se provam, no
caso que estamos analisando, exatamente em função do objeto. Poderia o objeto
provar-se sem relacionar-se aos sentidos do egointelecto-mente? Se isso fôsse
possível, que necessidade teríamos dos sentidos do ego-intelecto-mente, que
viriam provar a realidade do objeto que supostamente já fôra provado sem êle? E
se os sentidos do ego-intelecto-mente se provassem em função do objeto (matéria,
Universo, mundo, casa, corpo, etc.), já não seria possível distinguir entre o que é
objeto e o que são sentidos do ego-intelecto-mente, entre o provado e o provador:
O objeto de reconhecimento que se provasse ao ego-intelecto-mente seria, por isso
mesmo, ego-intelecto-mente; e o ego-intelectomente provado pelo objeto de
reconhecimento seria, por isso mesmo, objeto de reconhecimento. Tudo seria
objeto de reconhecimento (matéria, Universo, mundo, casa, corpo, etc.), como
dizem os absolutistas do materialismo e do cientificismo; ou então tudo seria ego-
intelecto-mente, conforme pretendem os absolutistas do idealismo ou mentalismo.
Mas, em verdade, o que conta é a RELAçÃo entre matéria e mente, que são uma
coisa só. Esta relação é o ATO Ou O VERBO (SER, sentir como emoção e
sensação) que dá significado e eficiência a ambos, quando supostamente
separados.
Há verdades superficiais, relativas, imaginárias, insubstanciais que
parecem existir, mas não são; e são essas verdades superficiais, relativas,
insubstanciais, imaginárias que os materialistas e cientificistas chamam de
absolutas verdades materiais; e os mentalistas ou idealistas extremistas chamam
de verdades mentais absolutas.
388

A VERDADE ABSOLUTA, a VERDADE REAL Ou ATO PURO


escapa às discussões e pretensões de ambos. O SER não é matéria nem é mente;
mas como sua manifestação (o VERBO) "parece passar" pelo prisma estático do
ego-intelecto-mente, a alguém que se restrinja apenas ao corpo, aos sentidos, ao
intelecto, essa manifestação parecerá matéria; e àquele que se limita apenas à
mente, ela parecerá mente.

276
Portanto, objeto de reconhecimento (ou matéria) e egointelecto-mente (ou
sujeito) seriam uma só e mesma coisa: aparências, que passam a ter significado
maior pela relação entre si ou pelo ATO PURO OU VERBO.
Mas se quiséssemos continuar com as pretensões absolutistas de ambos os
pontos de vista (materialista ou idealista), poderíamos dizer mais: se os sentidos
do ego-intelecto-mente pro vam ao objeto e o objeto prova aos sentidos do ego-
intelectomente, tanto o objeto como os meios de reconhecimento do egointelecto-
mente ficam sem ser provados. Poder-se-ia insistir na discussão e sustentar que o
ego-intelecto-mente prova ao objeto (matéria) porque o objeto de reconhecimento
está relacionado aos sentidos do ego-intelecto-mente (sujeito), e que o objeto
prova ao ego-intelecto-mente porque êste está relacionado àquele. Se isso fôsse
possível, seria admitir que ambos se provam mutuamente, e isto vai contra a
definição segundo a qual o ego-intelecto-mente (sujeito) é aquêle que prova, e o
objeto (matéria, Universo, mundo, casa, corpo, etc.) é o provado.
E como, finalmente, não se pode sustentar que o ego-intelecto-mente se
estabelece ou se afirma sem necessidade alguma de prova, acabaremos concluindo
que o ego-intelecto-mente não pode se provar nem por si mesmo (o "eu" é um
absurdo e não pode ser afirmado e nem provado), nem entre si (dois supostos ego-
intelecto-mente, frente a frente), nem por outros meios de conhecimento, nem por
meio dos tão decantados objetos, nem com provas, nem sem provas, pois já alertei
que a "prova" não tem valor algum. Só vale a compreensão, que é um ATO
PURO e dinâmico; não é memória, ou mesmo não é memória disfarçada de
memorizador (ego) como a "prova".

Depois de ouvires o que eu disse, pensarás que estive fazendo um mero jôgo
de palavras, proferindo um amontoado de frases confusas e desagradáveis. Sim,
desagradáveis ao intelecto

389

do "eu" em nós, que tudo acomoda conforme a vontade de seu senhor, êsse
próprio "eu" ou ego; desagradáveis ao ego, pois o denunciam como o grande
engendrador de PROVAS e de imaginações abstratas, e até de imaginações
aparentemente concretas, como o objeto material. Além do mais, com o que
acabei de dizer, ninguém poderá acusar-me de estar defendendo um idealismo
exaltado, infundado e intelectual, tipo Berkeley, Fichte e outros, apesar de que, até
aqui e por fôrça das circunstâncias, e também para que compreendesses o SER ou
a Vida, venho repetindo que o objeto depende da mente. Fui obrigado a dizer tudo
o que disse, porque, agora, creio que conseguirás te áperceber, mais ou menos, do
que vem a ser a Lei do Concatenamento das Causas e como ela parece funcionar.
Esta Lei não é válida para o que é Incondicionado (o SER). Nós vimos que
Incondicionado somente é o SER e sua manifestação, também conhecido como
"EU sou o QUE Sou".
Agora, graças à Lei do Concatenamento das Causas ("Isto sendo, aquilo é;
isto não sendo, aquilo não é") é que o egomente e seus engendramentos

277
imaginários parecem afirmar-se tão poderosamente, dando uma aparente
estabilidade a tudo aquilo que faz parte de determinado Campo de Consciência
Sensorial (grupo que participa de um mesmo consciente condicionado). Não se
diga que o ego-intelecto-mente e seus engendramentos foram por algo ou por
alguém criados e condicionados, porque apesar de parecer tenham roubado a
vitalidade ao SER, o SER não os criou. O ego e seus engendramentos são vazios,
são imaginações, são pensamentos mortos, insubstanciais, com pretensões de
individualidade, personalidade. São sombras que se levantam, que tentam ofuscar
a Luz ou o SER, a Luz da Consciência Suprema em nós. E como disse antes, o
vazio ou as imaginações (ou a memória), apesar de não SEREM, parecem existir
quando se auto-afirmam e continuam existindo quando se tenta negá-los. O poder
do ego (o verdadeiro demônio das religiões) reside exatamente no sim e no não de
seu intelecto. O ego não é; mas por se auto-afirmar parece existir, e essa aparente
existência é confundida por todos como realidades subjetivas e objetivas do ego-
intelecto-mente. O ego, não sendo, afirma-se também quando tentamos negá-lo, e
com êle seus engendramentos subjetivos e objetivos, pois só se po
390

deria negar aquilo que é; contudo, o que é, exatamente por SER, não aceita nem a
afirmação nem a negação do ego.
O poder do ego-intelecto-mente reside em sua relativa e mentirosa
existência reforçada pelos engendramentos mentais; pela aceitação e pela
negação dêsses engendramentos; sempre de acôrdo com a Lei do
Concatenamento das Causas: "Isto sendo, aquilo é; isto não sendo, aquilo não é."
Ou então, mais ou menos de conformidade com as palavras de Jesus: "Tudo o
que ligares com a mente será ligado na terra; e tudo o que desligares com a
mente será desligado na terra".
O que nós chamamos de realidades naturais - quer existam no Campo de
Consciência Sensorial da humanidade, ou no Campo de Consciência Sensorial
das várias religiões, ou ainda, exclusivamente, no Campo de Consciência
Sensorial da Ciência - em verdade, são apenas engendramentos mentais,
tornados aparentemente objetivos de acôrdo com o dependente funcionamento
da Lei do Concatenamento das Causas.
A Lei dos Engendramentos ou do Concatenamento das Causas transforma
imaginações abstratas, portanto vazias, mas ainda pertencentes ao domínio mental
puro, em imaginações aparentemente concretas, mas também vazias e
insubstanciais, desta vez, contudo, dependentes dos sentidos do incauto obser-
vador. E é essa mesma Lei que, conforme sua intensidade, pois na imaginação até
isso vale, substitui uma velha e aparente verdade natural de ontem, também vazia,
por uma nova e aparente verdade natural de hoje, tão vazia quanto aquela. É por
isso que o que ontem era uma lei científica dogmática absoluta veio a ser
suplantado e substituído por outra. Só o vazio, o insubstancial, pode substituir o
vazio ou insubstancial. Só a imaginação ou uma opinião pode substituir outra
imaginação ou outra opinião. É neste sentido que atua o pretenso certo e errado da
Ciência. Na Real Natureza ou na manifestação do SER, ou no próprio SER, as
experiências são completas; o conhecimento, do qual a intuição é mero reflexo, é

278
intantâneo e perfeito. A vivenciação da VERDADE do SER ou do REAL se
renova de instante a instante. Nesta condição, as experiências são espontâneas,
livres, sucessivas, REAis e incondicionadas. Na vida de tôdas as coisas só vale a
experiência e a eficiência do instante, aqui e agora. AQui e AGORA "EU SOU o
QUE SOU"...
391

Fora dessa condição vem a imaginação, a mentira, as experiências


incompletas, o aparente condicionado imaginário, o dependente da memória, o
reconhecimento. Também fora dessa condição vem o que parece ter comêço e
fim; o que parece depender sempre de uma causa anterior. Esse é o domínio da
ignorância, das trevas, do desejo, que sempre procura completar experiências
que nunca podem ser completadas. Esse é o domínio do EGO-INTELECTO-
MENTE, que graças ao "Isto sendo, aquilo é; isto não sendo, aquilo não é", vai-
se afirmando tanto no domínio da mente abstrata, quanto no seu Campo de
Consciência Sensorial, que viria a ser a sua natureza, o seu mundo, o seu
universo, mas que todo egoísta se esforça em tornar comum a todos. É a luta dos
Campos de Consciência Sensorial, um tentando englobar o outro.
Já que na manifestação do SER nada há para ser descoberto, e tudo para
ser vivenciado, as pretensas "descobertas científicas", seu endeusamento, sua
refutação, sua substituição, sua crescente complexidade, etc., tudo não passa de
meras imaginações pretensamente consubstanciadas, concretizadas, sustentadas
pela própria Lei do Concatenamento das Causas. Só no imaginário ou no vazio
egolátrico é que se poderia supostamente descobrir algo; uma coisa poderia ser
supostamente substituída por outra; ou uma coisa pareceria estar supostamente
certa, e outra pareceria estar supostamente errada; ou uma coisa poderia ser
supostamente transformada, alterada, deturpada por outra.
A Lei do Concatenamento das Causas parece ser tanto mais efetiva quanto
mais virgem fôr o campo dos engendramentos. E o sucesso da Ciência reside
exatamente no fato de ter criado um campo de engendramentos e
reconhecimentos próprios, do qual excluiu tôdas as demais organizações
humanas de pensamento. E não sòmente criou, ou melhor, engendrou um campo
próprio, particular, mas também um linguajar próprio, pouco acessível, como o
da Matemática. Para construir seu edifício, o cientista valeu-se de velhas idéias
religiosas e filosóficas, também puros engendramentos, e após servir-se delas
como base, divorciou-se da Filosofia e da religião e continuou seu caminho,
sòzinho, passando a "descobrir", isto é, a engendrar uma porção de coisas que
tanto a Filosofia como a
392

religião não tinham conseguido engendrar, e nem poderiam. O método, e


principalmente o linguajar, contribuíram para que os cientistas continuassem
suas pretensas pesquisas, incólumes aos possíveis ataques dialéticos de filósofos
e religiosos. É claro que assim tinham de acontecer, pois aquêles não podiam
atacar ou refutar as pretensas descobertas científicas, exatamente por não
compreenderem a terminologia e o método da Ciência. Para um filósofo ou

279
religioso poder atacar ou refutar as verdades científicas tinha, primeiro, de
alterar seu Campo de Consciência Sensorial e passar a fazer parte do Campo de
Consciência Sensorial da Ciência; mas uma vez condicionado ao raciocínio cien-
tífico, e principalmente às provas, meras objetivações do aparente
funcionamento da Lei do Concatenamento das Causas, já não podia mais criticar
ou alterar coisíssima alguma. Quem se condiciona à lógica científica,
dificilmente consegue libertar-se dos fortíssimos e envolventes laços, com os
quais as supostas provas e pretensas verdades, leis e dogmas científicos, conse-
guem emaranhar o incauto estudioso. Só um ingênuo, um reconhecedor de
superficialidades, só aquêle que tudo ignora e se faz de entendido, consegue
harmonizar verdades religiosas, verdades filosóficas, ou mesmo verdades
populares, com as verdades científicas, sem entrar em conflito.
Tudo aquilo que chamamos de realidades superficiais, realidades comuns ou
mesmo realidades científicas, aparentemente veio a existir graças à Lei do
Concatenamento das Causas. É por isso que, voltando agora ao início de nossa
conversa, ou seja, àquilo que já abordamos na primeira parte dêste livro, po-
deríamos dizer que houve um aparente tempo abrangendo ocorrências que,
ilusòriamente, chamamos de "História da Humanidade", em que o homem
primitivo (em verdade, nós mesmos em determinada fase de nossa vida infantil)
era ainda mentalmente UNO com sua natureza sensorial, que através dêle se
projetava adiante, inconscientemente. Ou seja, ainda não se dera a dicotomização
entre o sujeito-observador e o objeto-observado. O sujeito-homem, naturalmente,
dominava amplamente sua outra contraparte, ou pretensos objetos ou sêres e
coisas dessa sua natureza, em verdade êle próprio visto de outra maneira. Essa
identidade, ainda forte e atuante num nível semi-inconsciente, semelhante à da
criança diante das pretensas verda
393

des do mundo, permitia que todo pensamento, tôda imaginação e todo desejo
redundassem num engendramento, que se concretizava como uma nova criação
nessa pretensa natureza, ou então resultavam numa alteração do já existente nessa
mesma natureza. Portanto, êsse homem, sem saber como, pois o "como" e o "por
quê" são motivos de perdição e extravio, como já vimos, exclusivamente pela
vontade (diferente da nossa subvontade de nível consciente) e pelo pensamento,
podia interferir em sua natureza circunjacente que, apesar de tudo, jamais deixou
de ser a Emanação de Deus, algo alterada, não para Deus, fluxo constante e de
cujo "ponto de vista" tudo é perfeição, harmonia, espontaneidade, amor e paz, mas
para o próprio homem, cujo ego se levantara como uma lente deformante, que
altera e deturpa tudo aquilo que de Deus emana. E essa imagem destorcida e
deturpada é que o homem-ego acaba vendo e confundindo com as obras de Deus,
percebidas de fora para dentro, e não de dentro para fora, como naturalmente
deveria ser.
As coisas que o homem acredita ver, ou então sua natureza ou Campo de
Consciência Sensorial, são uma mistura de joio - portanto mentiras - que êle
mesmo planta junta mente com o trigo ou Verdade de Deus. O homem primitivo
vivia constantemente engendrando, substituindo, alterando ou transformando,

280
espontâneamente e sem esfôrço, as supostas verdades naturais de sua natureza ou
campo de relatividade ou Campo de Consciência Sensorial, conforme seus
podêres e possibilidades, sempre graças a essa primitiva identidade e à Lei do
Concatenamento das Causas, mas que hoje, ignorantemente, chamaríamos de
imaginários e impossíveis podêres mágicos e miraculosos. Essa época
corresponde à Idade de Ouro de que falam as antigas lendas. Corresponde à época
dos antigos mágicos, magos, rishis, supostamente lendários.
Hoje, continuamos tão engendradores como naqueles tempos, mas nossos
engendramentos se processam num nível completamente inconsciente, e sua
aparente concretização e exte riorização só se manifestam - sempre que possível -
após razoável "período de tempo". O que hoje chamamos de "descobertas" não
passam de meros engendramentos mentais.
Depois, com o correr do "suposto tempo", o homem, sempre em
conseqüência de uma manobra de refôrço de seu pró

394

prio ego, começou a considerar-se isolado ou separado daquilo que criara. No seu
afã de engendrar e de reforçar-se, cria coisas boas e más, favoráveis e
desfavoráveis. Das favoráveis serve-se, tira proveito e abusa; mas das
desfavoráveis não sabe como desembaraçar-se e delas foge e tem mêdo; por fim
perde, inclusive, essa natural capacidade de manobrar mentalmente sua natureza.
Ignorantemente julga-se isolado ou à parte daquilo que criara. Tendo esquecido
sua natural capacidade e identidade para com a Natureza, começa a pedir que
outros homens façam aquilo que desaprendera. Aqui surge um grupo de in-
divíduos, homens como êle, mas que guardavam resquícios dêsse primitivo
conhecimento e identidade, incapazes, contudo, de pô-lo em prática êles mesmos,
homens êsses històricamente conhecidos por sacerdotes, que através do ritual, do
culto, de divindades, deuses e "autômatos do além", prèviamente engendrados, ou
então por meio de espíritos maus e sanguinários de homens desencarnados,
queriam repetir as façanhas naturais do homem primitivo. O ritual religioso visava
e ainda visa a fazer funcionar a Lei do Concatenamento das Causas num nível
mais imediato. Agora, as divindades artificiais, criações mentais do próprio
homem, só conseguiam subsistir e levar a cabo certas proezas ou milagres com a
condição de que o homem as alimentasse com a vitalidade do sangue das vítimas,
e daí os sacrifícios humanos e depois animais de antigamente.
Assim, o homem primitivo, primeiro, ao supervalorizar as possibilidades de
seu objeto de observação, por êle mesmo engendrado, diminuía suas próprias
faculdades e podêres, e depois ao superestimar as pretensas possibilidades e
qualidades das "divindades" que êle mesmo criava, concomitantemente
subestimava-se, perdendo cada vez mais suas naturais possibilidades.
Quando testemunhamos um objeto qualquer através dos sentidos, êle ocupa
completamente os sentidos e a mente do observador, e a natureza da própria
mente deixa de ser per cebida pelo sujeito, perdendo êle suas qualidades naturais
ou mentais em função do objeto. O sujeito e suas possibilidades são aniquilados
pela hipervalorização do testemunho sensorial, e só permanecem as qualidades e

281
as pretensas realidades do objeto, em verdade sempre emprestadas pelo sujeito.
Quando a mente se deixa enredar assim, a nossa Real Natureza, o SER

395

ou a VERDADE em nós fica obscurecida pela tôda poderosa e dominante


impressão sensorial do objeto. Assim, numa perfeita Evolução, o sujeito que a
princípio era tudo, enquanto seu objeto não era nada, diminui em possibilidades, e
êste último cresce às custas da essência e ignorância de seu engendrador, a ponto
de dominá-lo, massacrá-lo e torturá-lo, como atualmente acontece. Se o homem
quiser libertar-se, da mesma forma e pouco a pouco, terá de reconquistar sua
Verdadeira Essência sôbre o objeto, e esta é a verdadeira Evolução. Isso terá de
ser feito de forma a reduzir tôdas as pretensas qualidades do objeto, sejam quais
forem, até deixá-lo reduzido a um ponto. Assim como o objeto cresceu às custas
do homem, da mesma forma terá de anular-se para que o sujeito-homem fique
pleno. Esta é a auto-realização. Esta é a vivenciação do SER ABSOLUTO. E o
domínio total do SER (sujeito) sôbre o não-ser (objeto).
Contudo, entre o sujeito e o pretenso objeto, infiltra-se o mentiroso e
imaginário ego que se endeusa às custas do SER e se reforça às custas do não-
ser. Nunca o ego estêve tão forte como agora. E por quê? Porque o ego-intelecto-
mente, negando o SER, transformou-se, êle próprio, em Deus e garantiu seu
refôrço e endeusamento fazendo o jôgo materialista (e mesmo espiritualista), que
visa a tornar o ilusório objeto (corpo, casa, mundo, natureza, etc., sensoriais)
indiscutivelmente autêntico, irrefutável e ainda por cima substancial.
Ora, fracassando a religião, mas não o Mestre, pelo menos no Ocidente,
surgiu a Ciência, que libertando-se de todos os antigos preconceitos religiosos,
filosóficos e até espirituais, co meçou a engendrar por conta própria. Mas,
pretendendo ridicularizar certos homens religiosos e certos filósofos, acabou su-
postamente esmagando a humanidade, subestimando muito mais o homem, a fim
de supervalorizar simultâneamente o pretenso objeto de análise.
Quem quer que se desse o trabalho de revisar as tão decantadas conquistas e
descobertas científicas, acabaria concluindo tratarem-se de meras verdades do
Campo de Consciência Sensorial científico, aparentemente consubstanciadas ou
concretizadas por meio da Lei do Concatenamento das Causas, que só pode afetar
o imaginário, o vazio, os nomes e as formas que tanto abundam no domínio da
Ciência.

396

Como exemplo de verdades científicas, em realidade meros engendramentos


humanos, que graças a essa lei, aparentemente vieram a existir, teríamos, na
Física, as fantasmagóricas Cons tantes Universais, as pretensas leis absolutas da
Mecânica, da Acústica, da Termologia, do Magnetismo, da Eletricidade, da
Atomística, da Mecânica Quântico-Ondulatória, etc. etc. Na Química, teríamos as
suas próprias leis fundamentais, as várias e pretensas descobertas de novas
substâncias químicas, sua síntese, sua análise, as famigeradas propriedades físico-

282
químicas e organolépticas dos produtos químicos, o conceito de elemento, etc. etc.
Na Biologia, teríamos a falsa evolução das espécies, as pretensas provas
supostamente objetivas da existência celular, os ridículos genes celulares, a
mentirosa existência dos milhões de bactérias imaginárias, supostamente
patogênicas ao homem, bodes expiatórios da ignorância hominal; o mesmo se
diga dos vírus, ultravírus, dos parasitas maiores, supostamente visíveis a ôlho nu,
fruto das torpes manobras do ego, que mesmo aparentemente se destruindo, acaba
sempre se reforçando. Os engendramentos do campo astronômico, então, são
incontáveis.
Tôdas as conquistas ou descobertas científicas aparentemente vieram a
existir, supostamente concretizadas e consubstanciadas, sempre graças ao
funcionamento subjetivo dessa tão importante lei da Natureza Hominal, quando
escravizado ao ego.
BOMBASTUS: Antes de formular a última pergunta, gostaria de fazer a
seguinte suposição: imaginamos que existissem três observadores diferentes e que
o conteúdo de seus respectivos Campos de Consciência Sensorial diferisse
também; mas, por um artifício todo especial, não importa qual seja, conseguem
intercomunicar-se, mantendo, contudo, cada um, seu raciocínio próprio. Digamos
que um déles seja um homem cienfificamente erudito; outro, um marciano,
erudito à sua moda, e o terceiro, uma formiga gigante, também limitada ao seu
raciocínio, mas que, como já disse, pudessem trocar opiniões entre si.
Bem, a formiga olha para a lua e diz: "Que grande pedaço de açúcar!" O
homem olha para a lua e diz: "Que planêta inútil, morto e árido!" E, finalmente, o
marciano olha para a lua e diz: "Que lindos personagens há naquele plano de
vida!"
Diante do mesmo objeto LUA, qual dos três estaria certo?
397

TEOFRASTUS: Todos os três e nenhum. Principalmente, se todos os três


estão presos,às limitações de seus respectivos egos. BOMBASTUS: Mas, e se um
aparelho sensível e adequado tirasse uma fotografia da lua, o que é que os três
veriam na fotografia?
TEOFRASTUS: Aconteceria que o homem continuaria vendo, na
fotografia, o planêta inútil, morto e árido; a formiga, na mesma fotografia,
continuaria vendo açúcar; e o marciano também continuaria vendo, os belos
personagens, porque não seria a verdade fotográfica que iria afetar a mente de
cada um, mas seria a mente de cada um que iria perceber, conscientizar e inter-
pretar a fotografia ou a imagem, de conformidade com o Campo de Consciência
Sensorial de cada um, que se encarregou de projetar tudo, prèviamente.
BOMBASTUS: Mas, então, cada um chegaria a uma conclusão diferente?
TEOFRASTUS: Exatamente. E digo mais: para que todos chegassem
a uma mesma conclusão, seria preciso que os três Campos de Consciência
Sensorial de cada um se alterassem, se transformassem e se acomodassem a um só
campo, digamos, o do homem cientificamente erudito. Então os três passariam a
ver a lua como um planêta inútil, morto e árido. Mas isso só seria possível por
meio da Lei do Concatenamento das Causas, que iria alterar, deturpar e

283
supostamente descobrir novas coisas no primitivo Campo de Consciência
Sensorial do marciano e da formiga.
Mas, vê bem, a primeira resposta que eu te dei foi a de que os três tinham
razão, e nenhum dos três a tinham.
Tu mesmo estabeleceste a condição, e sem perceberes limitaste tudo à
condição imaginária. Por mais que um dêles se esforçasse por convencer o outro
da validez de seu ponto de vista, no final, tudo não passaria de imaginação.
Digamos que o homem conseguisse, finalmente, fazer prevalecer seu ponto de
vista. No fim da discussão, sentir-se-á orgulhoso de seu pretenso triunfo e
reconhecimento, que êle confunde com conhecimento; só não se aperceberá de
que êle, seus personagens, antes e depois de serem condicionados, as discussões
contrárias e favoráveis, e tôdas as ocorrências acessórias são um só: êle próprio.
398

O homem condicionado à Ciência estará sempre ou certo ou errado (o


mesmo ocorreria, se puséssemos o marciano ou a formiga em primeiro plano). O
que os outros dois disserem a favor ou contra seu parecer, êle, homem-observador,
é quem, primeiramente, projetará tudo, mesmo inconscientemente, e depois
perceberá os dois e o resto através da visão, do ouvido, do tato, do olfato e,
finalmente, será êle quem conscientizará no nível superficial e concluirá sôbre
tudo isso; portanto tudo ocorrerá sempre dentro de seu nível mental, dentro de seu
Campo de Consciência Sensorial. Só não se dará conta de que, de certa forma,
também foi êle quem lembrou, imaginou, projetou, percebeu, conscientizou e
concluiu sôbre tudo aquilo que queria concluir.
BOMBASTUS: Mas, então, que poderia ocorrer com a pretensa e inútil
conquista do espaço? Eu disse inútil, porque de acôrdo com aquilo que se
depreende dos livros de Astronomia, o nosso Sistema Solar, salvo a terra, é
completamente inabitável.
O sol é uma esfera de fogo e luz. Mercúrio, por estar muito próximo ao sol,
é um planêta incandescente. Vênus também tem uma temperatura elevadíssima,
impossível à vida, pelo menos a uma vida como é conhecida na terra. A lua é um
planêta árido e morto. Marte é o único que poderia abrigar alguma vida,
semelhante ou aproximadamente análoga à nossa, mas parece que as últimas
informações da Astronomia até essa esperança retiraram. Júpiter, Saturno, Urano e
Plutão são muito frios e afastados do sol e, além disso, alguns estariam envolvidos
por gases venenosos, que impediriam qualquer tipo de vida, e assim por diante.
Além do nosso Sistema Solar, só poderia existir vida hominal em outro
sistema. O mais próximo ao nosso dista cêrca de dois anos e meio luz, uma
distância enorme e impossível de percorrer. Numa velocidade limite à
sobrevivência do homem, não bastaria a vida inteira dêsse homem (média 70
anos) para percorrê-la. Em caso contrário, implicaria que o homem inventasse um
artefato que viajasse à velocidade da luz, ou seja, 300 000 quilômetros por
segundo, isto durante dois anos e meio (terra) para lá chegar. Isto é, teria de viajar
à velocidade de 300 000 por segundo durante dois anos e meio terrestres. Todavia,
a Relatividade de Einstein "prova" que nenhum artefato
399

284
material (e o próprio homem que também seria matéria) pode atingir essa
velocidade, porque se desintegraria e se transformaria em energia, de acôrdo com
a fórmula do próprio Einstein E = mc2.
Se essa é a perspectiva da Astronomia e da Astronáutica, resulta então que
"a conquista do espaço" é uma piada suja, sustentada pela Imprensa, e no fundo
completamente inútil. E se o que dizes é verdade, então o impasse da Astronomia
é mais um impasse do astrônomo que, possivelmente, incidindo no Universo Real,
deturpou-o, e agora quer nos fazer crer que aquilo que êle mostra e aponta é o
verdadeiro Universo físico. TEOFRASTUS: O verdadeiro Universo físico não
existe, e se parece existir é porque depende do astrônomo e de todos aquêles que
como êle pensam, que em parte o projetam assim deturpado. Há outra parte que
não depende dêles e que é a manifestação do SER, e esta outra parte continua
sendo o que é, malgrado as opiniões e "provas" da Astronomia.
A Ciência ocidental moderna começou com a Astronomia, e quem sabe se
por causa da própria Astronomia não venha a se acabar?
Perguntas o que poderia ocorrer com a conquista do espaço. Ora, que
poderia acontecer senão aquilo que os astrônomos nos "astros" projetam!? E que
projetam êles? Aridez, morte, estagnação, impossibilidade de vida, gases
venenosos, gravidades absurdas, temperaturas muito altas ou muito baixas, e
assim por diante. Essa imagem desoladora, que começou com a observação
telescópica e direta da lua, poderá se estender a outros planétas. Os astrônomos e
astronautas incidem num campo virgem e neste campo só podem projetar suas
próprias deturpações e prévios condicionamentos culturais. Além do mais, já
repeti mil vêzes que o objeto (planêta) não está separado do sujeito (o astrônomo).
Tudo o que êste é, naquele se projeta.
Antes também eu havia sugerido que o Universo poderia ser qualquer outra
coisa, que não um simples rolar de esferas incandescentes ou frias num hipotético
espaço.
Esse suposto Universo Real poderia ser apenas constituído não de esferas,
mas de "fatos isolados" ou planos de vida, simbòlicamente exteriorizados como
pontos luminosos. Será que um animal percebe êsses pontos luminosos à noite,
como nós?
400
Já pensaste quão horrorosa seria para a mente-ego limitada ver
perenemente um céu negro, plúmbeo, compacto, a esmagar e obsessionar a visão
do observador, em cujo íntimo existe um ego tão temeroso ao vazio? Certamente
uma humanidade limitada a essa triste condição tôdas as noites já teria
enlouquecido. Assim, é possível que um céu estrelado ou salpicado de pontos
luminosos fôsse necessário ao equilíbrio do indivíduo.
Os pontos luminosos lá no céu podem ser apenas símbolos exteriorizados
pela mente observadora. Podem ser "fatos ineficientes", planos de vida fora do
nosso alcance e até podem ser esferas-símbolos, como quer a Astronomia. De
qualquer maneira, quando êsses símbolos são fiscalizados (após sua projeção
deturpada ou alterada) pelo astrônomo condicionado, sempre acabarão sendo
traduzidos e percebidos de conformidade com aquêles preconceitos que
constituem a memória-cultura do senhor astrônomo. E essas são as ricas
informações que, coletadas, constituem a Astronomia e a Astronáutica.

285
Além do mais, essa tal corrida espacial é apenas uma competição de
vaidosos e prepotentes, de homens egoístas e egóticos, que põem o "eu" e o "meu
país" acima de tudo, até mesmo da miséria que grassa pelo mundo afora. Os
litigiosos não se interessam em conquistar isto ou aquilo, apenas querem aparecer
como os primeiros, os maiorais. É uma tentativa de alcançar a hegemonia
mundial. Quem primeiro dominar o hipotético espaço, poderá sossegado dominar
o seu inimigo, nem que seja pela ameaça da bomba H, e assim dominar o mundo.
BOMBASTUS: Francamente, não sei mais o que dizer. Como última
explanação, discorre como bem entenderes a respeito do futuro do homem, suas
conquistas e cultura, esta constituída de reconhecimentos, mas que êle confunde
com o verdadeiro conhecimento, como a compreensão impessoal, imparcial,
dinâmica e viva.
TEOFRASTUS: Meu caro amigo, a esta altura, creio que já com-
preendeste que realmente nada há para dizer, pelo menos nada há para dizer de
realmente nôvo, mas há muito a vivenciar, e isto só será possível quando o
homem voltar a se integrar ou voltar à sua condição natural - sempre ignorada -
que é comungar com a Verdade, com o seu SER interno, com a Consciência ou
com a Vida Real.

401

Pela adequada compreensão, o homem precisa libertar-se do enganador


dualismo egolátrico; precisa libertar-se dessa falsa maneira de raciocinar, dessa
falsa teoria do conhecimento dua lista, de origem aristotélica-bíblico-cartesiana-
kantiana-científica, que o tem levado à interminável multiplicidade das supostas
coisas externas e internas; que o tem levado à confusão, ao caos, ao desespêro, a
uma exacerbação da dor e do temor. Deve libertar-se do jugo da opinião alheia e
começar a pensar por conta própria, não como pensar, mas o que deve pensar.
Deve libertar-se da tirania opiniática de seja qual fôr a organização religiosa,
científica, política, filosófica, etc. Deve deixar de ver tudo às avessas. Deve
abandonar a idéia de que o deus-acaso, criação dos cientistas, tenha conseguido,
num hipotético espaçotempo, manobrar aquilo que o cientista ignorantemente
chamou de energia, a qual, segundo a ingenuidade dêle, casualmente teria
engendrado os átomos, as moléculas, as macromoléculas, os íons, as rêdes iônicas
e, depois, seguindo um caminho, a matéria bruta dos minerais, dos mundos, dos
sóis, das constelações, do Universo, e, seguindo outro caminho, os
ultramicroorganismos vegetais, animais, os vírus, as bactérias, as células, os
tecidos, os organismos superiores vegetais e animais e, finalmente, o homem,
numa falsa evolução, quando se sabe que nada disso é verdade.
Deve compreender também que não houve um início de tempo, ou uma
"gênese" por parte de um Deus que se escondeu lá no infinito, e se assim é,
portanto, não haverá um fim, nem apocalíptico, nem como anuncia a entropia
científica. Deve compreender que a Criação é um ATO PURO, constante,
repetido, renovado, surpreendente, harmônico, pacífico, etc., e que êsse Deus

286
dinâmico, vivo, perenemente criador, está AQui e AGORA, no coração do homem
e das coisas.
O homem deve deixar de culpar Deus pelas suas próprias limitações e
defeitos. A sombra (que é o homem limitado ao ego) só pode culpar a sombra, e
até êsse sentimento de culpa tem de ser superado. Que adianta negar Deus ou
aceitá-Lo, quando o certo é apenas VIVENCIÁ-LO? Quem o conhece e o
vivencia não se preocupa com o sim ou não do intelecto humano. Êle sabe o que é
Deus, porque ÊLE é O PRÓPRIO.
402
De outra parte, também é tolice gritante exclamar intelectualescamente:
"PENSO, LOGO sou", numa tentativa de provar a alma e diferenciar o homem do
animal. O que é o homem, o que é 'o animal? A Verdade pode residir no oposto,
que diz: "EU Sou", por isso creio pensar e por causa disso me perco". A suposta
perdição está no fato de ou pensar mal ou pensar (lucubrar) demasiadamente. Só
depois de o ego "pensar" é que surge a idéia do tu, do êle, do nós, como entidades
separadas e reais.
Devemos acabar com a exasperante e interminável ilusão de pretender
descrever fatos com palavras. Em verdade, são as palavras e os preconceitos
mentais que engendram certos fatos, tão endeusados pelo materialismo
imediatista, meras imaginações consubstanciadas, reforçadas com argumentos
sutis.
Um sábio antigo já disse muito acertadamente: "As palavras são
fantasmagóricas rainhas que criam e matam outros fantasmas." A Ciência e muitas
outras organizações humanas de pensamento. (ou especulação) não têm feito outra
coisa senão criar fantasmas e mais fantasmas, e ainda não cansaram.
De minha parte (mea culpa também), limitei-me a denunciar êsses
fantasmas, servindo-me das fantasmagóricas rainhas. Mato o vazio com o vazio
das palavras, tenho consciência disso e não me iludo, daí talvez exista algum
mérito. Mas, e os cientistas que mexem no vazio, alteram o vazio, criam
fantasmas e ilusòriamente acham que estão descobrindo e divulgando verdades
naturais absolutas?
Mais do que certos estavam os poetas e os artistas em quererem,
intuitivamente, idealizar e embelezar tudo o que viam e tocavam, por meio de
obras artísticas. Os artistas de qualquer tipo de arte nunca pretenderam que suas
vivenciações e obras fôssem tomadas como verdades absolutas, válidas para
todos. O artista, muito melhor do que o cientista, quando não prèviamente
desnaturado por certas idéias restritas, é o único que consegue, mais ou menos,
captar tôda a beleza, tôda a perfeição, todo o amor e tôda a Verdade que do SER
emana, realidades essas que às vêzes êle transforma numa autêntica obra-prima.
Se não podemos descobrir pretensas verdades da Natureza, por elas não
existirem lá fora, e sim em nós, forjemo-las, mas sejamos suficientemente
sinceros em reconhecer a relatividade

403

de nossas forjações, mantendo-as dentro da elasticidade natural das coisas.


Obremos por obras, pois é aí que está tôda a beleza e a harmonia da Natureza, que

287
também é nossa. A Natureza não pede a nossa opinião, nem quer que lhe
decifremos os inexistentes segredos. Pede sòmente que a vivenciemos integral-
mente e de forma adequada, sem destruí-Ia gratuitamente, sentindo-a como sendo
nós mesmos. O Amor que de Deus emana e por nós transpassa consegue mais da
Natureza do que tôdas as nossas pretensões de saber.
A propósito de tudo isso, passo a transcrever o poema "SIMPLICITAS", do
poeta mexicano Amado Nervo, no qual pràticamente êle diz tudo o que eu disse, e
o que é mais notável, em poucas palavras:

SIMPLICITAS
"Es tan Ilano entenderlo todo, cuando lo oimos con humildad! Es tan
fácil mirar lo todo
cuando se marcha en Ia soledad, dispuesta y ágil Ia conciencia para
escuchar Ia confidencia
de cuanto nos rodea;
y, a través de Ia transparencia de la ingenua y simples natura - que
como nina se delata contemplar toda Ia hermosura que ella jamás recata!
... Pero nos complicamos
con palavras, con classificaciones; y así sucede que ignoramos
todo, menos Ias expresiones con que al fenómeno llamamos.

Viene el orgullo a complicar luego al magín, y a poco andar

404

sale um mirífico señor, profundo en eso de ignorar (por lo cual llámanle


doctor.. .)
Pónese a disparatar
sin tregua, y, como el calamar nos va empanando en rededor la claridad de
nuestro mar con su negror!
Como castigas con cegar
a quien no quiere verte, AMOR!

Assim como nós e o SER somos um, nós, a Real Natureza e o SER também
somos um.
O homem só sentirá e viverá a paz, o amor, a felicidade, o saber, a
espontaneidade, a simplicidade que do SER emanam (e o ego desconhece)
quando se restringir ao instante criador.
Cuidado com a memória-ego, que busca reter e anseia repetir nos moldes
que ela estabelece! Sem o ego, tudo se repete; é só deixar fluir. Só no instante
divino as experiências são completas e não deixam resíduos, nem dão origem à
memória. O verdadeiro instante limita-se ao "EU SOU o QUE sou", aqui e agora.
Uma espécie de experiência completa similar, que se renova de instante a
instante e não deixa memória, é, aproximadamente, o nosso sono comum sem

288
sonhos, ou sono profundo, em que a mente mergulha no SER, na sua Verdadeira
Essência, experiência essa da qual o ego-intelecto-mente (que não deve ser
combatido, e sim compreendido) não consegue participar, e, por isso mesmo,
incute-nos o sentimento de que o sono profundo seja um estado de aniquilamento,
de inconsciência completa, de negrume, de vazio, quando, em verdade, essa
inconsciência, êsse aniquilamento, êsse negrume e êse vazio são exatamente o
substrato do grande mentiroso que é êle próprio, o nosso vulgar e insuspeitado
ego-intelecto-mente.

405

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